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Dolo eventual x culpa consciente nos crimes

de homicídio no trânsito

Isabelle Gouvêa da Silva

Araçatuba - SP
2019
Dolo eventual x culpa consciente nos crimes
de homicídio no trânsito

Trabalho de Conclusão do Curso de Direito


Orientador: Prof. Ms. Alessander Lopes Dias
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
UniSALESIANO - Araçatuba

Araçatuba - SP
2019
FALTA A FICHA CATALOGRÁFICA
Dolo eventual x culpa consciente nos crimes de homicídio no trânsito

Acadêmica: Isabelle Gouvêa da Silva

Trabalho de Conclusão do Curso de Direito


Orientador: Prof. Alessander Lopes Dias
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
UniSALESIANO - Araçatuba

______________________________________________
Prof. Ms.
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO
Data:

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Prof. Ms.
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO
Data:

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Prof. Ms.
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO
Data:
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Deus, por toda sabedoria e capacidade, aos meus pais
pelo suporte e ensinamentos que me foram passados ao longo de toda minha vida.
AGRADECIMENTOS

Após anos de dedicação, aprendizado e persistência, a tão sonhada graduação em


Direito está chegando ao fim, e com ela vem o sentimento de enorme gratidão a todos
que dedicaram seu tempo nestes cinco anos para sempre demonstrarem seu apoio, e
vontade de me ver crescer e alcançar meus objetivos.
Existem bilhões de pessoas no mundo, mas tenho a benção de possuir ao meu
redor pessoas tão especiais, prestativas, positivas, e que para mim, são totalmente
essenciais para o que venho conquistando e me tornando.
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele nada seria, nada teria. Aos meus
pais que tanto me ensinaram ao longo dos anos, buscando sempre me mostrar que posso
ser tudo aquilo que quero, que o meu conhecimento ninguém tira e que sou capaz de
realizar todos os meus sonhos. Sempre prezam pelos meus estudos, custe o que custar.
Saiba que vocês possuem a minha eterna gratidão, por tanta paciência, tanto
apoio, carinho e amor.
Agradeço as minhas irmãs, pois apenas pelo fato de existirem já me fazem
querer ser uma pessoa melhor, querer ser exemplo.
Agradeço a todos que conheci devido a essa graduação, aos meus professores
que tanto se desempenham nessa difícil tarefa de ensinar, aos meus colegas de estágio
da 3ª Vara Criminal que tanto me ensinaram e serviram de exemplo.
A todos aqueles que de alguma forma, tornaram o meu dia melhor, tornaram a
minha graduação possível, saibam que cada um foi essencial para minha formação,
como estudante e como pessoa. A todos vocês, minha eterna gratidão!
Julgue seu sucesso pelas coisas que você teve
que renunciar para conseguir.

Dalai Lama
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a problemática envolvendo o dolo


eventual e a culpa consciente no âmbito dos crimes de homicídio praticados na direção
de veículo automotor. Uma das grandes obscuridades a serem explicitadas se refere à
aplicação de tais institutos aos casos concretos, sem que resulte em julgamentos injustos
ou configure grave erro judicial. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, cujos
métodos optados para sua elaboração foram pesquisas bibliográficas, documentais e
jurisprudenciais. Para tanto, o trabalho será dividido em três capítulos. Em um primeiro
momento, tem-se uma análise dos homicídios cometidos por condutores de veículos
automotores, prosseguindo a um breve esclarecimento acerca de leis de trânsito,
salientando a importância dessa tutela, devido ao crescimento da frota de veículos
automotores no Brasil, e em decorrência disto, apresenta-se as previsões jurídicas no
que concerne aos homicídios provenientes de dolo e culpa, causados por condutores de
veículos automotores, com a explanação acerca dos tipos penais que os envolvem. De
forma contínua, para que logo após os conceitos de dolo eventual e culpa consciente
possam ser aplicados aos casos concretos, explora-se os institutos do dolo e da culpa,
conceituando-os, demonstrando suas espécies, elementos e características. No terceiro e
último capítulo do trabalho tem-se a apresentação de casos concretos envolvendo os
crimes de homicídio no trânsito, apontando a aplicação dos intuitos da culpa consciente
e do dolo eventual, baseado em posições doutrinárias e jurisprudenciais. Por fim, torna-
se possível concluir que não há como especificar quais condutas levarão o agente a ser
punido na forma de um ou do outro instituto, mas podemos observar que é mais comum
a aplicação da culpa consciente, tendo em vista as significativas consequências
proporcionadas pelo dolo eventual, mas salienta-se que, a reunião de diversas condutas
contrárias ao dever de cuidado, faz com que a conduta possa vir a ser tipificada na
forma dolosa.

Palavras-chave: Dolo eventual; culpa consciente; homicídio; trânsito.


ABSTRACT

The present work has as objective to analyze the problematic involving the possible
deceit eventual felony and conscious guilt in the scope of the crimes of homicide
practiced in the direction of motor vehicle. One of the great obscurities to be explained
is the application of such institutes to concrete cases, without resulting in unfair
judgments or serious miscarriages of justice. It is a qualitative research, whose methods
chosen for its elaboration were bibliographical, documentary and jurisprudential
research. To do so, the work will be divided into three chapters. Initially, there is an
analysis of homicides committed by drivers of motor vehicles, followed by a brief
clarification about traffic laws, emphasizing the importance of this protection, due to the
growth of the motor vehicle fleet in Brazil, and as a result In this respect, the legal
provisions regarding the homicides resulting from deceit and guilt, caused by drivers of
motor vehicles, are presented, with an explanation of the criminal types that involve
them. Continuously, so that soon after the concepts of eventual felony and conscious
guilt can be applied to concrete cases, the institutes of fraud and guilt are explored,
conceptualizing them, demonstrating their species, elements and characteristics. In the
third and last chapter of the paper we present concrete cases involving traffic homicide
crimes, pointing to the application of the intentions of conscious guilt and eventual
felony deceit based on doctrinal and jurisprudential positions. Finally, it is possible to
conclude that there is no way to specify which behaviors will lead the agent to be
punished in the form of one or the other institute, but we can observe that the
application of conscious guilt is more common, in view of the significant consequences
for the possible malice, but it is pointed out that the meeting of various conduct contrary
to the duty of care, causes the conduct to be criminalized like eventual felony.

Keywords: Eventual felony; conscious guilt; murder; traffic.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................09

CAPÍTULO I – Homicídios praticados na direção de veículos automotores..........12


1.1 Leis de Trânsito: análise sintética.............................................................................12
1.2 O Código de Trânsito Brasileiro e o crime de homicídio culposo na direção de
veículo automotor...........................................................................................................15
1.3 O Código Penal e o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor...24

CAPÍTULO II – Dolo e culpa......................................................................................29


2.1 Dolo...........................................................................................................................29
2.1.1 Conceito..........................................................................................................30
2.1.2 Elementos........................................................................................................30
2.1.3 Teorias do dolo...............................................................................................32
2.1.4 Dolo eventual..................................................................................................33
2.2 Culpa.........................................................................................................................35
2.2.1 Elementos da Culpa........................................................................................37
2.2.3 Espécies da Culpa...........................................................................................38
2.2.4 Culpa consciente e inconsciente.....................................................................38

CAPÍTULO III – O dolo eventual e culpa consciente nos homicídios de trânsito..41


3.1 Distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente...............................................41
3.2 Da aplicação do Dolo eventual nos crimes de homicídio no trânsito.......................42
3.2.1 Caso Concreto envolvendo o dolo eventual - Luiz Fernando Carli Filho......44
3.2.2 Alexandre Ferreira da Costa...........................................................................45
3.3 Da aplicação da Culpa Consciente nos crimes de homicídio no trânsito.................45
3.3.1 Caso concreto envolvendo a culpa consciente - Diogo Machado Teixeira....47
3.3.2 José Antônio Scatolin Filho............................................................................47
3.4 Embriaguez...............................................................................................................47
3.5 “Racha” ....................................................................................................................52

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................56

REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO.........................................................................58
9

INTRODUÇÃO

Desde o início dos tempos em que os veículos automotores foram colocados nas
vias públicas brasileiras e permitidos para uso da população, a direção destes sempre foi
considerada e abordada como uma atividade de risco, necessitando sempre de um
extremo cuidado, de punições e regras a serem impostas aos condutores.

Atualmente, sabemos que com a crescente frota de veículos no Brasil nos


últimos 20 anos, a falta de políticas públicas e educação no trânsito nos leva ao ranking
dos países com trânsito mais violento do mundo, gerando como consequência a violação
de diversos bens jurídicos tutelados. De acordo com dados, cerca de 47 mil pessoas
morrem por ano no Brasil, decorrente de acidentes no trânsito, dados que aterroriza, e
em alguns estados são maiores que as mortes causadas pela violência (disponível em:
(REVISTAAPOLICE, ANO)É preciso destacar que estes grandes números crescem de
forma surpreendente a cada ano, sendo por essa razão realizadas diversas tentativas de
diminui-los, tentativas estas que muitas vezes se comprovam infrutíferas.
Diante dos números preocupantes e de tantas perdas causadas por motoristas que
agem de forma dolosa ou culposa no trânsito, a sociedade tem cobrado dos órgãos
públicos maior rigidez quando o assunto é a punição destes agentes que ocasionam
milhares de mortes por ano.
Por diversas vezes, estes causadores deixam de tomar os devidos cuidados
básicos necessários para a conduta de dirigir veículo automotor, e por culpa ou dolo,
tiram a vida do próximo, deixando de se preocuparem com seu dever social.
Sendo esta, a principal razão do fato de que mesmo possuindo muita divergência, o
instituto do dolo começou a ser efetivamente aplicado em algumas situações
provenientes de acidentes de trânsito com resultado morte, como por exemplo às
práticas de “racha”.
Neste sentido, observa-se que uma parte da doutrina e da jurisprudência, em
razão da pena branda cominada aos delitos de trânsito, têm defendido a existência e a
aplicação do dolo eventual nas infrações de trânsito, tipificando a conduta dos
condutores no artigo 121, do Código Penal, como por exemplo em casos em que se
reúnem diversas circunstâncias resultantes no crime.
Contudo, a aplicação do dolo eventual não é uniforme, o argumento utilizado é
que há uma norma penal específica para punição, que, nesse caso específico, é a regra
10

prevista no artigo 302, da Lei nº 9.503/97 (BRASIL, 1997), portanto, para alguns, a tese
do dolo eventual é afastada em razão da norma específica.
A presente pesquisa tem como intuito e objetivo proporcionar maior
entendimento do tema, visando esclarecer as características e elementos presentes nos
crimes de homicídio no trânsito. Tratar-se-á, de forma específica, das penalizações
aplicadas em determinados casos concretos, observando, principalmente, a
responsabilização penal aplicada aos condutores que praticam esse crime no trânsito.
Sendo assim, o fundamental é compreender sobre a conduta do agente, relaciona-la
como dolosa ou culposa, para assim estabelecer suas devidas sanções.
O presente trabalho será divido em três capítulos, sendo que, em um primeiro
momento, proceder-se-á breve evolução histórica das leis de trânsito, principalmente em
relação aos crimes de homicídio.
Sucessivamente passa-se à explicação do crime de homicídio e todas as suas
características. No âmbito culposo, explana-se sua tipificação no Código de Trânsito
Brasileiro, em seu artigo 302, proporcionando uma análise histórica do dispositivo,
assim como suas características, principalmente no que se refere as punições dele
resultante.
Assim como se procederá na análise do mesmo caso, porém em relação ao
elemento subjetivo dolo, com ênfase no dolo eventual, conduta esta que passará a ser
tipificada no artigo 121, do Código Penal, demostrando as diferenças que ocorrem caso
um crime de homicídio passe de culposo para doloso.
Para entender a questão, é necessário a análise dos institutos do dolo e da culpa,
para isso, serão apresentadas suas características, principalmente, no que concerne às
suas teorias, aplicações, espécies, elementos, principais correntes, buscando-as e
expondo-as de acordo com visão doutrinária e jurisprudencial.
Por fim, será demonstrado quais os posicionamentos adotados recentemente pela
doutrina brasileira, bem como de que forma os Tribunais vêm empregando o
entendimento do dolo eventual e da culpa consciente nos crimes de trânsito em suas
decisões, trazendo como casos específicos a embriaguez ao volante e a “racha”.
Diante disto, tem-se que para não gerar injustiças, principalmente no que se
refere à imposição da pena, cabe ao órgão julgador identificar, no caso concreto, a
aplicabilidade do dolo eventual ou culpa consciente nos homicídios decorrentes de
acidentes de trânsito, sempre de forma correta e proporcional ao ilícito cometido,
observando as circunstâncias no caso em si, e não apenas o consciente do agente.
11

Para dispor tal analise, serão apresentadas as principais questões acerca do tema,
e para solucioná-las serão trazidas determinadas jurisprudências de Tribunais, assim
como comentários e dizeres de doutrinadores acerca da aplicação dos institutos do dolo
e da culpa aos crimes de homicídio no trânsito, pautando-se na Constituição Federal, na
legislação brasileira vigente, Código Penal e no Código de Trânsito Brasileiro.
12

Capítulo I
HOMICÍDIOS PRATICADOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULOS
AUTOMOTORES

1.1 Leis de Trânsito: análise sintética

No âmbito dos homicídios de trânsito, conforme ensinamentos de Capez (2012),


observa-se que, nos últimos tempos, há diversas discussões sobre o referido assunto,
tendo em vista que, diariamente, meios de telecomunicações noticiam casos em que
agentes conduzindo veículos automotores, muitas vezes embriagados, e acima dos
limites permitidos de velocidade, causam diversos danos a quem cruzam o seu caminho,
produzindo resultados lastimáveis. Quase em todos os casos, os danos resultam em
morte ou gravíssimas sequelas nas vítimas. E em decorrência deste elevado número de
acidentes causados por motoristas ao conduzem seu veículo, de forma irregular e sem
observância aos devidos cuidados, cada vez mais a legislação procura criar meios de
prevenção e repressão.
Com o avanço da sociedade e o crescimento da frota de veículos automotores,
foram necessárias implementações de medidas para o controle do trânsito, dispondo de
regras e mandamentos acerca da conduta dos motoristas, pedestres e todos aqueles que
fazem parte do contexto de trânsito, fazendo com que todos tenham a consciência de
que o simples fato de assumir a direção de um veículo automotor já é, em si, uma
atividade de risco.
De início, cabe ressaltar que a primeira lei que disciplinou o trânsito no Brasil
surgiu em 1910, através do Decreto 8.324/10 (BRASIL, 2010), que objetivou a criação
de regras relacionadas ao transporte de cargas e também de passageiros, havendo
também incentivos quanto à criação de estradas. Mas, apenas em 1928, com o Decreto
18.323/28 (BRASIL, 1928), passaram a compor o ordenamento jurídico, regras mais
específicas, devido à regulamentação acerca do disposto na Convenção de Paris, que
possuía como um de seus signatários o Brasil.
Em continuação, salienta-se que o Brasil possuiu em sua história, quatro
13

Códigos de Trânsito, tendo os dois primeiros sido incorporados ao ordenamento jurídico


em 1941, o terceiro em 1966 e o último, que vigora até os dias atuais, o Código de
Trânsito de 1997 (MACHADO, Renato. Um século de Leis de Trânsito.
Pois bem, vê-se então que uma das medidas de controle encontradas no passado
que está presente até os dias atuais, é a criação da Lei nº 9.503/1997 (BRASIL, 1997),
que proporcionou o surgimento do até então atual Código de Trânsito Brasileiro,
ressaltando que foi sancionado em uma época em que se buscava com afinco, diminuir a
quantidade de acidentes envolvendo veículos automotores que aconteciam todos os dias
no território brasileiro, acidentes este que tomaram grandes proporções e causam
milhares de mortes, situações estas que perduram, inclusive, nos dias atuais.
(FUKASSAWA, 2015).
Essa lei, de forma constante, sofreu diversas alterações, conforme o passar dos
anos, entre elas, podemos destacar as trazidas pelas Leis: 11.705/08 (BRASIL, 2008);
12.760/12 (BRASIL, 2012); 13.281/2016 (BRASIL, 2016), e a mais recente, Lei 13.546
(BRASIL, 2017) que proporcionou mudanças ao artigo 302, sendo este, o que dispõe
acerca do homicídio culposo no trânsito, cujo conteúdo é essencial para a presente
pesquisa (VALENTE, Victor. As novas alterações no Código de Trânsito Brasileiro e a
atividade jurisprudencial).
Nesta vertente, destaca-se que o Código de Trânsito atual possui entre seus
objetivos, a punição dos agentes que utilizam seus veículos de maneira inadequada e
desproporcional, e devido a isso, causam diversos acidentes diariamente nas ruas,
avenidas e rodovias do Brasil, levando em muitos casos, a um resultado morte de suas
vítimas. Também há uma tentativa de esclarecer determinadas condutas que devem ser
praticadas pelos condutores e todos os indivíduos constantes nas relações de trânsito.
Para os condutores, é necessário que tenham em mente e possuir plena
consciência de que a simples conduta de assumir a direção de um veículo automotor, já
apresenta em si, um grande risco, pois mesmo que o indivíduo em conformidade com a
lei, ainda estará sujeito a sofrer ou causar acidentes, e é por essa razão que é cobrada a
sua prudência e respeito às regras das quais é imposto, zelando sempre pela vida do
próximo.
Neste âmbito, pode-se dizer que se espera do indivíduo o efetivo cumprimento
das leis, e neste caso, no que se refere principalmente às leis de trânsito, sendo de
responsabilidade do condutor agir de forma ilibada e proporcional. Por essa razão,
torna-se essencial a devida punição daquelas cujas condutas são desarrazoáveis e
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desproporcionais.
Neste sentido:

O tráfego de veículos automotores, portanto, mesmo com obediência às


normas regulamentares, traz um risco. É o chamado risco permitido, cujo
comportamento causador não configura infração administrativa nem penal.
A veiculação motorizada, entretanto, quando infringe as regras protetoras
da segurança pública, conduz ao risco proibido, qualificando a direção
como infração administrativa ou penal, ou ambas. (JESUS, 2005, p.150)

Portanto vê-se que nos casos em que não há o devido zelo por parte do agente,
presente está o Código de Trânsito para determinar, sanções administrativas, multas,
suspensões de habilitações para direção de veículo, até mesmo sua apreensão se forem
comprovadas irregularidades.
No âmbito das previsões de sanções penais, podemos observar a existência de
criminalização de determinados tipos de conduta, tudo isso como forma de repreensão
da conduta adotada pelo indivíduo.
Sanches (2017) salienta-se que estes crimes ocorrentes na direção de veículos
automotores, possuem uma titulação jurídica própria, tendo em vista que estão
destacados de forma expressa no capítulo XIX da Lei nº 9.503/1997 (BRASIL, 1997).
São exemplos de crimes de trânsito: homicídio culposo (artigo 302), lesão
corporal culposa (artigo 303), omissão de socorro (artigo 304), fuga do local do acidente
(artigo 305), embriaguez ao volante (artigo 306), violação da suspensão ou proibição
imposta (artigo 307), participação em competição não autorizada (artigo 308), excesso
de velocidade em determinados locais (artigo 311), entre outros. (CAPEZ;
GONÇALVES, 2015).
Entretanto, mesmo previstas punições tanto administrativas, quanto penais, pode
ser observado que nos dias atuais, indivíduos na direção de veículos automotores ainda
são um dos maiores responsáveis pela grande quantidade de mortes no país.
Nesta vertente, temos que os crimes ocorridos no trânsito fazem parte de um
fator de enorme preocupação tanto histórica, quanto atual, devido a considerável
quantidade de mortes que deles resultam.
É por essa razão que diariamente observamos notícias e reportagens neste
sentido, a exemplo do que aponta a Revista Apólice:

[...] 400 mil por ano. Esse é o número de pessoas que são afetadas por
acidentes de trânsito no Brasil, segundo levantamento do Observatório
Nacional de Segurança Viária. O estudo revela que, no País, 47 mil pessoas
morrem em decorrência desses acidentes”.
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Diante disso, e conforme senso comum, devido as diárias notícias acerca de


mortes do trânsito, observa-se que uma de suas maiores causadoras é a embriaguez ao
volante, porém não é a única, temos também como exemplos, a alta velocidade, a
competição não autorizada e a direção de veículo sem permissão ou habilitação, ações
inadequadas e proibidas, porém comuns no dia a dia, que instigam diversas criações de
programas e normas voltadas à conscientização do condutor, para combater tais ações.
Portanto, restou demonstrada a necessidade de haver a efetiva responsabilização
dos condutores, por parte do Estado, devendo este promover o aumento da segurança no
trânsito, com a finalidade de diminuição dos elevados índices de morte por ele causadas,
através de medidas e fiscalizações que proporcionem a punição daqueles que
desrespeitam os cuidados necessários para conduzir um veículo ou que utilizam este
como um meio de causar danos a terceiros.
Para fins deste trabalho, ressalta-se que no âmbito de homicídios ocorridos na
direção de veículos automotores, o Código de Trânsito possui expressa previsão em seu
artigo 302, referente ao homicídio culposo, ou seja, há uma lei especial a ser aplicada
nos casos que envolvem o homicídio culposo no trânsito, ao passo que, em se tratando
de homicídio doloso, haverá a aplicação do artigo 121 do Código Penal.
Para entender melhor a diferença entre a aplicação de ambos institutos, é
necessário prosseguir a uma análise do crime de homicídio praticado na direção de
veículo automotor e suas características, seja ele culposo, onde se analisa o artigo 302
do Código de Trânsito Brasileiro, e em sua modalidade dolosa, analisando a regra geral,
observando o disposto no Código Penal.

1.2 O Código de Trânsito Brasileiro e o crime de homicídio culposo na direção de


veículo automotor

O Código de Trânsito Brasileiro buscando proporcionar um tratamento adequado


aos crimes de homicídios ocorridos no trânsito, trata do tema em seu artigo 302, ou seja,
apresenta a finalidade de estabelecer um tipo penal específico para a conduta culposa do
homicídio para os agentes que estiverem na direção do veículo automotor.
Inicialmente, o caput do artigo 302 dispõe que:
16

Art. 302 -Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:


Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
(SANCHES, 2017).

Em uma primeira análise, é preciso mencionar que, com a criação deste artigo,
surgiram diversas especulações acerca de sua constitucionalidade, haviam críticas,
menções à sua incompatibilidade para com o princípio da isonomia, presente no artigo
5°, “caput” do texto constitucional, que aponta a igualdade de todos perante a lei, sem
que haja distinções de qualquer natureza. (SANCHES, 2017).
Alegavam o ferimento a este princípio devido a diferença entre as penas do
artigo 121, §3°, do Código Penal (regra geral) e a do 302, do Código de Trânsito,
(BRASIL, 2017) pois ambos dispõem acerca do homicídio culposo, sendo que no
primeiro caso a pena é de detenção de um a três anos, e no segundo a pena é de
detenção de dois a quatro anos. (FUKASSAWA, 2015).
Tal discussão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso
Extraordinário, conforme a seguir:

DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. HOMICÍDIO


CULPOSO. DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
CONSTITUCIONALIDADE. ART. 302, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI
9.503/97. IMPROVIMENTO. 1. A questão central, objeto do recurso
extraordinário interposto, cinge-se à constitucionalidade (ou não) do
disposto no art. 302, parágrafo único, da Lei nº 9.503/97 (Código de
Trânsito Brasileiro), eis que passou a ser dado tratamento mais rigoroso às
hipóteses de homicídio culposo causado em acidente de veículo. 2. É
inegável a existência de maior risco objetivo em decorrência da condução de
veículos nas vias públicas - conforme dados estatísticos que demonstram os
alarmantes números de acidentes fatais ou graves nas vias públicas e
rodovias públicas - impondo-se aos motoristas maior cuidado na atividade.
3. O princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das
situações quando houver elemento de discrímen razoável, o que efetivamente
ocorre no tema em questão. A maior freqüência de acidentes de trânsito,
com vítimas fatais, ensejou a aprovação do projeto de lei, inclusive com o
tratamento mais rigoroso contido no art. 302, parágrafo único, da Lei nº
9.503/97. 4. A majoração das margens penais - comparativamente ao
tratamento dado pelo art. 121, § 3º, do Código Penal - demonstra o enfoque
maior no desvalor do resultado, notadamente em razão da realidade
brasileira envolvendo os homicídios culposos provocados por indivíduos na
direção de veículo automotor. 5. Recurso extraordinário conhecido e
improvido (grifei). STF - AI 847110 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, J. 25/10/2011, DJ 218.

Conforme o julgado acima, a Turma do STF concluiu que o artigo 302 do


Código de Trânsito Brasileiro é constitucional, alegando que quando houver situações
diferentes, deve haver também um tratamento diferente, salientando que o referido
artigo foi criado devido aos rotineiros casos de acidentes de trânsito com vítimas,
17

visando então aplicar uma punição significativa ao caso, devido a periculosidade da


conduta.
Ultrapassada a questão de sua inconstitucionalidade, proceder-se-á análise do
artigo, para tanto, é necessário, primeiramente, apresentar o significado de veículo
automotor para o Código de Trânsito Brasileiro, visto que, [...] para a configuração
penal é imprescindível que o agente, quando da conduta que produz o resultado
penalmente reprovado, esteja conduzindo veículo automotor. (RENATO MARCÃO,
2017, p. 24).
O Código de Trânsito Brasileiro, dispõe em seu Anexo I, intitulado “Dos
Conceitos e Definições”, a definição de veículo automotor:

Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e
que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para
a tração viária de veículos utilizados para o transporte vário de pessoas e
coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de
pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha
elétrica e que não circulam sobre os trilhos (SANCHES, 2017).

Necessário é também, que o indivíduo esteja agindo de forma culposa, pois

[...] o fato se inicia com a realização voluntária de uma conduta de fazer ou


não fazer. O sujeito não pretende praticar um crime de homicídio nem quer
expor interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano. Falta, porém, o
dever de diligência exigido pela norma”. (JESUS, 2015, p. 112).

Portanto, observamos que para ter sua conduta tipificada no artigo 302, do
Código de Trânsito Brasileiro, é necessário que o indivíduo esteja na direção de um
veículo automotor, sendo habilitado ou não, e efetue o núcleo do tipo, que neste caso é
representado pelo verbo “praticar”, configurando a conduta delitiva no momento em que
ceifar uma vida humana, devido à imprudência, imperícia ou negligência, neste sentido,
elucida Capez e Rios (2015, p.35) que:

Imprudência é a prática de um fato perigoso, como dirigir em velocidade


excessiva, desrespeitar um semáforo. Negligência é a ausência de uma
precaução, por exemplo, a falta de manutenção nos freios ou de outros
mecanismos de segurança do automóvel. Imperícia é a falta de aptidão para
a realização de certa conduta.

Observa-se então que o homicídio disposto no artigo 302, do Código de Trânsito


Brasileiro, será proveniente de culpa em seu sentido estrito, envolvendo as modalidades
imprudência, negligência e imperícia.
Não bastando os elementos dispostos anteriormente, é preciso haver a presença
18

de outras disposições, conforme Marcão (2017) o indivíduo deve praticar o fato, no


momento em que estiver na direção de um veículo automotor, estar em seu controle,
guiando sua direção.
Ressalta-se que se houver culpa exclusiva da vítima, não haverá a
responsabilidade do agente que conduzia o veículo, porém, tal responsabilidade não será
afastada na hipótese de culpa recíproca.
Acerca deste crime, é importante destacar que não há, de forma expressa, a
determinação de sua aplicação somente às vias públicas, como encontramos em outros
crimes de trânsito, portanto vê-se que o legislador tratou o crime disposto no Artigo 302
como uma exceção, sendo possível concluir que em relação a ele, haverá punição em
qualquer local, não sendo necessário que ocorra em vias públicas, portanto, resta
também tipificado quando sua ocorrência se der em locais particulares. (FUKASSAWA,
2015).
Trata-se de um delito comissivo, visto que para sua efetivação é necessária
realização da atividade de conduzir um veículo automotor, retirando hipóteses como as
quais o veículo se encontra parado, mal estacionado, ou que indivíduo não freia
corretamente e este desce a via e atropela alguém, entre outras. (CAPEZ; RIOS, 2015).
Para maioria dos doutrinadores, quanto ao seu sujeito ativo, tem-se que será
aquele que conduz o veículo automotor, ou seja, qualquer pessoa, sendo ela habilitada
ou não, o mesmo se aplica quanto ao sujeito passivo, vale ressaltar que “por pessoa
entende-se o ser vivo já nascido, razão porque se o condutor atropela uma pedestre
grávida, provocando a morte do feto, haverá um só delito, contra aquela”.
(FUKASSAWA, 2015, p.194).
Nos casos em que não houver a presença dos elementos supracitados juntamente
com instituto da culpa, afasta-se a conduta do Código de Trânsito, passando a ser
tipificada como homicídio doloso, previsto no artigo 121, do Código Penal, sendo o
indivíduo então julgado conforme regras gerais.
O objeto jurídico do presente crime é o direito à vida, ou seja, seu bem tutelado é
a vida humana, e de forma secundária, a segurança no trânsito, é o que ratifica Nucci
(2006, p.842), [...] o objeto jurídico é, primordialmente, a vida humana, mas,
secundariamente, a segurança viária”.
Destaca-se que é um crime de tipo aberto, visto que o tipo de conduta não é
taxado em lei, ou seja, não há possibilidade de definir uma conduta individual proibida
nos casos em que não puderem ser observadas na lei, condutas que demonstre o cuidado
19

que deve ser devidamente tomado pelo sujeito ativo, portanto vê-se que é na fase
judicial, e perante um caso concreto, que será determinado e analisado se condutor agiu
com os elementos da culpa: negligência, imprudência ou imperícia. (CAPEZ; RIOS,
2015).
Neste sentido,

[...] o mandamento aberto precisa ser complementado pelo Juiz, segundo o


seguinte critério: age culposamente quem não observa o cuidado necessário
no tráfego de veículos. Assim, é típica toda conduta que descumpre esse
cuidado, causando a morte de alguém”. (JESUS, 2006, p.72).

Na doutrina tem-se que quanto à qualificação típica, trata-se de um crime de


dano, pois haverá sua consumação ao lesar efetivamente o bem, evidenciando também o
seu perigo abstrato, devido à sua possibilidade de previsão. (CAPEZ; RIOS, 2015).
Acrescenta-se que em relação à consumação, estamos diante de um crime
material, pois haverá sua consumação diante da ocorrência do resultado morte, o
chamado resultado naturalístico, onde os elementos presentes em sua definição legal se
reúnem, configurando a conduta delitiva. No que concerne à sua modalidade tentada,
tem-se que [...] é impensável e inadmissível, posto que não há qualquer nexo entre a
vontade e o resultado, mas apenas entre a vontade e a ação empreendida.
(FUKASSAWA, 2015, p.198).
Em relação as características do crime disposto no artigo 302 do Código de
Trânsito, é preciso salientar que a ação será pública incondicionada, sendo iniciada
através de denúncia do Ministério Público, e a competência para seu julgamento será do
Juízo Criminal Comum, o que difere nas hipóteses de homicídio doloso, tendo em vista
a competência do Júri nesta última hipótese. (CAPEZ; RIOS, 2015).
Alguns doutrinadores relatam que, no que concerne ao concurso de pessoas, a
doutrina e jurisprudência tem admitido coautoria e participação. Neste último caso será
tipificada a conduta daquele que induz ou instiga o condutor a agir de forma culposa.
(JESUS, 2006).
Também é admitido o concurso de crimes deste com outros delitos de trânsito,
porém necessário é analisar o caso concreto, visto que não se aplica o concurso
juntamente com todos os crimes previstos pelo Código de Trânsito. (POLASTRI, 2015).
No tocante às causas de aumento de pena, o artigo 302, §1°, do Código de
Trânsito Brasileiro, dispõe as hipóteses em que o agente terá sua pena aumentada de um
20

terço, até a metade:

§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena


é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente
I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
vítima do acidente;
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de
transporte de passageiros (SANCHES, 2017).

Na situação a que se refere o inciso I, aumenta-se a pena nos casos em que o


agente praticou o crime culposo sem possuir Permissão para dirigir ou Carteira de
Habilitação. Ou seja, vemos que para sua incidência é preciso que o réu não seja
habilitado para conduzir veículo automotor, tendo em vista a diferença entre os verbos
“possuir” e “portar”, neste último o agente é habilitado, porém no momento estava sem
a carteira de habilitação em mãos.
Devido ao princípio do ne bis in idem, não há o que se falar na aplicação do
previsto no artigo 309 do mesmo Código, que tipifica a conduta de “dirigir veículo
automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou,
ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”, pois não se deve
confundir o aumento aqui previsto com o fato do agente não portar os documentos no
momento, porém ser habilitado, como demonstrado anteriormente. (FUKASSAWA,
2015).
Quanto ao aumento do crime culposo previsto no inciso II, vê-se que se refere ao
crime praticado que envolve a faixa de pedestre ou na calçada, em relação a isso tem-se
que calçada é uma parte da via, de nível avantajado, cujo acesso não é permitido para
veículos, sendo de uso privativo de pedestres, sendo autorizada instalação de
equipamentos, objetos para determinados propósitos urbanos. Ao passo que a faixa de
pedestre é um local destinado a travessias de pedestres, apresentando uma identificação
própria para que haja uma clara identificação. (FUKASSAWA, 2015).
Para entendermos o porquê da existência dessa causa de aumento é importante
ressaltar que conforme explanam diversos doutrinadores, [...] entendeu o legislador que
a conduta culposa é mais grave nesses casos, uma vez que a vítima é atingida em local
destinado a lhe dar segurança na travessia das vias públicas, demonstrando um total
desrespeito do motorista em relação à essa área. (CAPEZ; RIOS; 2015, p.40).
Nesse sentido, essa causa de aumento é aplicada visando maior proteção de
pedestres e dos locais a ele legalmente destinados, pois são nestes que eles se sentem
21

seguros para trafegarem, o que justifica a necessidade de maior observância e cuidados


por parte do agente que conduz seu veículo, visto ser de seu conhecimento a
importância desse cuidado.
Portanto como exemplos, haverá sua ocorrência, tanto em hipóteses que, por
negligência, imprudência e imperícia, a pessoa perca o controle do veículo adentrando,
ou invadindo a calçada ou faixa de pedestres, quanto em situações em que está retirando
seu veículo da garagem, estacionando-o de forma inadequada, estando também
presentes os elementos da culpa.
Acrescenta Fukassawa (2015) que também haverá a incidência no caso em que o
pedestre está atravessando a faixa de pedestres, ou está na calçada, momento em que
observa um veículo sendo conduzido com a velocidade desproporcional e em
ziguezague, e o pedestre, com a finalidade de se proteger, sai do local a ele destinado e
vai para qualquer outro e ali é atropelado. Mas vale ressaltar que se este já estivesse em
qualquer outro ponto da rua e fosse atropelado, não haveria a incidência desta causa de
aumento.
Como exemplo jurisprudencial temos que, tendo as vítimas sido colhidas
enquanto sentadas sobre o meio-fio, é de rigor a incidência das majorantes do inciso II
(...), haja vista que o meio fio é parte integrante da calçada, até mesmo por definição
legal” (TJMG, Ap. 1.0024.03.939823-5/001, 5ª CCrim, j. em 24/11/2006, rel. Hélcio
Valentim).
“Deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima
do acidente”, temos então uma nova causa de aumento prevista no inciso III.
Se o agente atropelar uma pessoa, e não sendo hipótese que o coloque em risco,
deixando de prestar qualquer tipo de socorro que estiver ao seu alcance, vindo a vítima a
falecer, o condutor não responderá pelo crime previsto no 304, mas sim responderá pelo
302, parágrafo 1°, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro, que é o homicídio
culposo juntamente com a agravante da omissão de socorro.
Neste caso, analisar o elemento subjetivo desta hipótese de agravante deve ser o
dolo, a [...]vontade livre e consciente de não socorrer a vítima, com consciência de sua
exposição ao perigo de dano (...). Há duas condutas: uma, inicial, culposa, produtora
de lesão corporal; outra, subsequente, que consiste na omissão de socorro punida a
título de dolo”. (JESUS, Damásio 2006, p.89).
Ressalta-se, por fim, a importância da prestação de socorro e a busca de sua
realização, visto que o legislador dispôs que o indivíduo que prestar socorro à vítima
22

não será preso em flagrante delito e não haverá recolhimento de fiança, além de ser
tipificada sua conduta apenas no caput do artigo 302, ao passo que, como forma de
aumentar a punição, aqueles que não socorrem estarão sujeitos ao flagrante e à fiança.
(RENATO MARCÃO, 2017).
O último caso de aumento previsto para o artigo 302, está em seu §1°, inciso IV,
que dispõe acerca da ocorrência do homicídio culposo causado por condutor que esteja
no exercício de sua profissão ou atividade, conduzindo veículo de transporte de
passageiros.
A existência desse aumento na pena visa demonstrar que, em se tratando de
motorista profissional, cuja renda é retirada do transporte de passageiros, é crucial que
haja, por parte deste, um maior cuidado e empenho, visto que faz desta a sua profissão,
justificando assim uma punição mais gravosa.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para incidência desta
causa de aumento, não é necessário que haja efetivamente a existência de passageiros
dentro do veículo, também não há diferenças quanto tratar-se de veículos de pequeno ou
de grande porte. Assim como será aplicada a situações em que a vítima não era um de
seus passageiros.
Além das causas de aumento previstas, que foram analisadas anteriormente, o
artigo ainda trata de qualificadora, que foi alterada recentemente pela Lei nº
13.546/2017, sendo prevista atualmente pelo §3º, que possui essa nova disposição:

§ 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de


qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito
de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor
(SANCHES, 2017).

Antes da alteração, tal conduta resultava em uma pena de reclusão, de dois a


quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir
veículo automotor, conforme o §2º, que havia sido revogado pela Lei 13.281, de 2016
(BRASIL, 2016).
Com a nova disposição, observa-se que a intenção do legislador, ao inserir o §3º,
foi aumentar a punição nos casos em que um indivíduo conduz seu veículo sob
influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência,
e nessas condições, ser autor de um homicídio culposo no trânsito.
Estipulou-se a pena de cinco a oito anos, e nos dias atuais, não haverá a
possibilidade de fixação de fiança, impossibilitando também que o Delegado de Polícia
23

fixe fiança ao infrator, como consequência permite o início de cumprimento de pena em


regime fechado. Além das sanções penais, traz como punições administrativas a
suspensão ou proibição de lograr a permissão ou habilitação para direção de veículo
automotor.
Tais medidas são impostas devido ao fato de que nos últimos anos tem-se
tentado combater rigorosamente a quantidade de acidentes, com vítimas, causados por
condutores nessas condições.
Neste sentido, Fukassawa (2015, p. 205) acrescenta que nesse caso:

Não há culpa simples ou negligência ordinária, mas uma especialíssima


violação do dever objetivo de cuidado – elemento fundamentador da punição
do crime culposo -, circunstância que, por elevação de intensidade, a
transmuda em culpa temerária, por cuja conduta designamos de crime
hiperculposo.

Diante desta qualificadora, houve a especulação acerca desta afastar de vez a


aplicação do dolo eventual nos casos em que o condutor estiver nessas condições.
Porém é preciso lembrar que em nosso ordenamento jurídico haverá a incidência da
norma geral, que no caso é o Código Penal, se nela estiverem dispostos elementos para
que a conduta seja enquadrada.
Nos casos de homicídio culposo no trânsito, caberá ao julgador observar a
conduta do agente, prosseguindo à análise do grau de voluntariedade da conduta,
juntamente com os elementos da imprudência, negligência e imperícia, a existência do
evento danoso tipificado como crime.
E são nestes casos concretos que surgem dúvidas na tipificação da conduta,
principalmente nos que envolvem o dolo eventual e a culpa consciente, pois há
questionamentos acerca de que até que ponto age o indivíduo de forma culposa.
Resta questionar: quais tipos de prática levam o agente a extrapolar os limites do crime
culposo, passando a agir de forma dolosa, e não apenas por imperícia, negligência e
imprudência? Esta é a maior questão, não há tipificação na lei de condutas específicas,
mas é o que tem buscado ser feito, a exemplo do aumento em relação à embriaguez ao
volante. Mas também é possível recorrer à autores que apresentam alguns exemplos.
Neste sentido, Damásio apresenta dois exemplos de crimes culposos:

“Um motorista, ao retirar o veículo da garagem, de ré, não verifica a


presença do próprio filho, de 2 anos de idade, brincando atrás do pesado
caminhão, vindo a causar-lhe a morte” e “Numa ladeira, um motorista se
esquece de puxar o freio de estacionamento. O veículo se desloca e vem a
matar um transeunte” (JESUS, Damásio Evangelista de. Homicídio doloso
no trânsito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 75, abr 2010.
24

Disponível em: <https://bit.ly/2zOG5gt>. Acesso em out 2018).

Seguindo o mesmo sentido acrescenta-se o seguinte exemplo:

Agente, que não ingeriu bebida alcoólica e conduz seu veículo automotor
respeitando o limite da velocidade permitida na via, decide por não parar no
semáforo vermelho e, ao ingressar no cruzamento, acaba por abalroar o
veículo que por ali corretamente trafegava pela via perpendicular e causa
ferimentos ou morte ao condutor (Eudes Quintino de Oliveira Júnior e
Antonelli Antonio Moreira Secanho <https://bit.ly/2IztPDB> Acesso em out
2018)

Nestes casos não restam dúvidas acerca da existência do elemento subjetivo


culposo na conduta. Porém, situações como as que envolvem embriaguez ao volante,
racha, alta velocidade, trazem maior insegurança e questionamentos, são casos mais
complexos, que para alguns transcendem os elementos da culpa.
Para posterior apresentação de esclarecimentos acerca da correta aplicação dos
institutos do dolo e culpa, necessário foi identificarmos e analisarmos as características
do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, presente ao tipificar o homicídio
culposo no trânsito, sendo preciso prosseguir e dar início, neste momento, ao estudo do
artigo 121 do Código Penal, que será aplicado nos casos de homicídio doloso no
trânsito.

1.3 O Código Penal e o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor

Nos crimes cujo elemento subjetivo seja o dolo, o agente será punido de acordo
com o Código Penal, não sendo tipificada sua conduta como crime de trânsito, pois o
Código de Trânsito Brasileiro possui previsão apenas para o homicídio culposo.
Portanto, aqueles que praticam o homicídio em sua modalidade dolosa, na
condução de veículo automotor, responderá pelo artigo 121 do Código Penal Brasileiro.
Neste caso, o indivíduo estará sujeito a uma pena de seis a vinte anos, e em casos em
que houver homicídio qualificado, a pena passa a ser de doze a trinta anos de reclusão.
É evidente a diferença entre a pena e aquela disposta no 302, do Código de
Trânsito, o que faz com que a tipificação da conduta de forma equivocada cause sérias
consequências ao agente, por isso é que diariamente, o dolo eventual e a culpa
consciente nos crimes de trânsito sejam ensejo de diversas discussões doutrinárias e
jurisprudenciais.
De início, salienta-se que estamos diante de uma norma geral, que possui a
previsão de uma conduta genérica, constante apenas o verbo “matar” alguém, portanto
25

vemos que não há uma conduta prevista de forma específica acerca da ocorrência de
crime de homicídio doloso no trânsito, sendo importante ressaltar que, na maioria das
vezes, é a existência de dolo eventual que faz com que a conduta do condutor venha ser
tipificada pelo Código Penal.
Ressalta-se que algumas características previstas no artigo 302, do Código de
Trânsito, devem também estar presentes, mesmo envolvendo a modalidade dolosa,
como por exemplo: o crime ser ocasionado por um condutor de veículo automotor,
podendo ter ocorrido tanto em via pública quanto particular.
O presente instituto, estará configurado nos casos em que o agente ao conduzir o
seu veículo, mate alguém, seja essa conduta envolvida pelo dolo direto ou o indireto.
Ressaltando que o dolo é dotado de caráter excepcional no âmbito dos crimes de
trânsito, ao passo que para o Código Penal, o crime doloso é a regra.
Para breve esclarecimento, o dolo é entendido como uma intenção, de forma
consciente de praticar ato criminoso, há a existência da vontade e a consciência do
resultado pelo agente, ao passo que na modalidade eventual, o agente prevê o resultado,
e o aceita, mesmo não sendo ele a sua intenção. (GRECO, 2012).
Tipificar uma conduta de homicídio no trânsito como dolosa é algo
extremamente complexo, diante do fato da legislação de trânsito prever apenas a sua
modalidade culposa. Neste contexto, observa-se então que a falta de previsão legal
específica, faz com que haja dificuldade de aplicação do dolo.
Ao estudarmos o artigo 121, do Código Penal, temos que o homicídio é definido
por Bitencourt (2014, p.440) como “eliminação da vida de alguém levada a efeito por
outrem. Embora a vida seja um bem fundamental do ser individual-social, que é o
homem, sua proteção legal constitui um interesse compartido do indivíduo e do
Estado”.
É importante também, ao analisarmos o presente artigo, destacar as
classificações do crime de homicídio. Nesta vertente, Nucci (2015, p. 717) leciona que:

Trata-se de um crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo


qualificado ou especial; material (delito que exige resultado naturalístico,
consistente na morte da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por
qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (“matar” implica ação), e,
excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a
aplicação do art. 13, §2.º, Código Penal); instantâneo (cujo resultado
“morte” se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo.

Acrescenta-se que o homicídio, disposto no Código Penal, pode ser simples


(caput), não sendo este em regra, considerado como hediondo; pode ser privilegiado,
26

constante no §1°, o que resulta em uma diminuição de pena obrigatória, e, por fim,
qualificado, conforme situações elencadas no §2º, do artigo 121 do Código Penal, sendo
considerado hediondo, salvo em situações que sejam tipificadas como homicídio
privilegiado-qualificado. (CABETTE, 2012).
Conforme Capez e Rios (2015), assim como no disposto no artigo 302 do
Código de Trânsito, trata-se de um crime cujo bem jurídico tutelado é a vida humana.
Tendo qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e passivo, lembrando que o sujeito ativo
será aquele que conduz veículo automotor.
Em relação ao seu tipo subjetivo, Cabette (2012) denomina a vontade do agente
de animus necandi ou animus occidendi, tais expressões equivalem à vontade do agente
de matar. E quanto à consumação, está se dá com a morte da vítima, portanto, resta
cabível a sua modalidade na forma tentada.
Uma das principais diferenças entre este crime e o previsto no artigo 302 do
Código de Trânsito está na competência do Júri para julgamento do agente que der
causa a um homicídio no trânsito de forma dolosa.
Esta previsão de competência está prevista no artigo 74, §2°, do Código de
Processo Penal: “compete ao tribunal do júri o julgamento dos crimes previstos nos
artigos 121, parágrafos 1º e 2°, do Código Penal, consumado ou tentado”. (SANCHEZ,
et al, 2017).
Neste seguimento, é possível observar que ao atribuir a competência ao Júri, nos
casos de acidente no trânsito, em hipóteses cujo resultado é a morte da vítima, afirma-se
em um primeiro momento que o condutor agiu assumindo o risco de produção deste
resultado, pois conhecia seus riscos e mesmo assim prosseguiu com a conduta.
Importante lembrar que no momento em que se atribui a competência ao Júri, o
agente seja julgado por jurados, e estará nas mãos deles a decisão de atribuir o elemento
doloso à sua conduta responsáveis por decidirem acerca do elemento subjetivo presente
na conduta do acusado, seja ele o dolo ou culpa.
Vigora-se então o princípio do in dubio pro societate, onde na dúvida, não se
favorece o réu, e sim a sociedade. Ou seja, a competência será do Júri, quando houver
indícios de que o condutor de alguma forma assumiu o risco de realização do resultado
que levou à vítima a óbito.
Neste sentido:

Recurso em Sentido Estrito – 1. Pronúncia – Homicídio biqualificado e


tentativa de igual delito – Condutor que teria acelerado em direção e em alta
27

velocidade atropelado as vítimas – Indícios suficientes do animus necandi na


conduta do agente, só afastável mediante apreciação e valoração do
conjunto probatório dos autos, o que é de competência do Júri Popular –
Idem quanto as qualificadoras do motivo fútil e uso de recurso que
impossibilitou a defesa dos atropelados, face a motivação e conduta do
agente – 2. Arguição de nulidade face não realização do laudo de
reconstituição requerido pela Defensoria e deferido pelo Juízo –
Desnecessidade de sua realização, já constando nos autos vídeos do
ocorrido, tendo o respeitável Juízo relegado a possibilidade dessa perícia
para a fase do artigo 422 do CPP – Inexistência de prejuízo – 3. Culpa
concorrente – Inocorrência autorizativa do decreto absolutório – Competirá
ao Júri decidir quanto ao elemento subjetivo na conduta do acusado 4.
Recurso improvido. (TJ-SP - RSE: 0002801-15.2009.8.26.0052, Relator:
Pedro Menin, Data de Julgamento: 09/04/2013, 16ª Câmara de Direito
Criminal, Data de Publicação: 09/04/2013) (grifei).

Diante do exposto, salienta-se que as principais diferenças entre o crime culposo,


previsto no artigo 302, do Código de Trânsito Brasileiro, e sua modalidade dolosa,
tipificada no artigo 121, do Código Penal, estão no concernente à penalidade aplicada, e
na competência para julgamento.
Tem-se observado que na jurisprudência, haverá o dolo direto, ou no mínimo o
indireto nas situações em que o condutor utilizar seu veículo automotor como
meio/instrumento para causar óbito da vítima, neste sentido:

JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO.


DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. IRRESIGNAÇÃO
MINISTERIAL, SOB O ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO DOS
JURADOS FOI MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.
PROCEDÊNCIA. AGENTE QUE, SE NÃO AGIU COM ANIMUS NECANDI,
NO MÍNIMO ASSUMIU O RISCO DE PRODUZIR O RESULTADO
MORTE, AO DIRIGIR VEÍCULO EM VELOCIDADE CONSIDERÁVEL E
DIRECIONÁ-LO CONTRA AS VÍTIMAS, ATROPELANDO-AS. DOLO
EVENTUAL CARACTERIZADO. PROVIMENTO DO APELO
MINISTERIAL. NOVO JULGAMENTO ORDENADO. (TJ-RN - ACR:
110209 RN 2010.011020-9, Relator: Desª. Maria Zeneide Bezerra, Data de
Julgamento: 27/10/2011, Câmara Criminal)(grifei).

No mesmo sentido, tem-se que:

Recurso em Sentido Estrito - Decisão que pronunciou o acusado por


tentativa de homicídio qualificado - Existência nos autos de prova da
materialidade e, até o momento, de indícios de autoria, ainda que em tese, de
que o acusado tenha atropelado a vítima, com evidente "animus necandi".
Configuração cabal da autoria delitiva imputada ao acusado será matéria a
ser perquirida ao longo da instrução criminal, tornando imprescindível uma
aprofundada análise das provas - Qualificadoras do motivo fútil e recurso
que impossibilitou a defesa da vítima mantidas, eis que não se mostraram
manifestamente improcedentes, devendo ser submetidas à análise perante o
E. Tribunal do Júri -Sentença mantida - Recurso improvido. (TJ-SP - RSE:
990081454289 SP, Relator: Borges Pereira, Data de Julgamento:
13/04/2010, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação:
27/04/2010) (grifei).
28

A doutrina discorre que se o indivíduo age com os elementos do dolo,


demonstrando vontade, tendo conhecimento do que está praticando, a conduta será
dolosa, em sua modalidade dolo direto. Ao passo que, ausente a intenção, será possível
aplicação em sua modalidade dolo eventual.
No que concerne à aplicação das qualificadoras do crime de homicídio na
modalidade dolo eventual, temos o seguinte julgado:

São compatíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do


homicídio. É penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil, etc., assuma-
se o risco de produzir o resultado. A valoração dos motivos é feita
objetivamente; de igual sorte, os meios e os modos. Portanto estão motivos,
meios e modos cobertos pelo dolo eventual. Inexistência, na hipótese, se
antinomia entre o dolo eventual e as qualificadoras do motivo torpe e de
recurso que dificultou a defesa das vítimas (STJ: HC 58.423/DF, rel. Min.
Nilson Naves, 6ª Turma, j. 24.04.2007).

Mas há julgados delimitando tal aplicação:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL.


QUALIFICADORA. EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTA OU
IMPOSSIBILITA A DEFESA DA VÍTIMA. MODO DE EXECUÇÃO QUE
PRESSUPÕE O DOLO DIRETO. INCOMPATIBILIDADE. EXCLUSÃO.
RECURSO PROVIDO. 1. Quando atua imbuído em dolo eventual, o agente
não quer o resultado lesivo, não age com a intenção de ofender o bem
jurídico tutelado pela norma penal. O resultado, em razão da sua
previsibilidade, apenas lhe é indiferente, residindo aí o desvalor da conduta
que fez com o que o legislador equiparasse tal indiferença à própria vontade
de obtê-lo. 2. Entretanto, a mera assunção do risco de produzir a morte de
alguém não tem o condão de atrair a incidência da qualificadora que agrava
a pena em razão do modo de execução da conduta, já que este não é voltado
para a obtenção do resultado morte, mas para alguma outra finalidade, seja
ela lícita ou não. 3. Não é admissível que se atribua ao agente tal
qualificadora apenas em decorrência da assunção do risco própria da
caracterização do dolo eventual, sob pena de se abonar a responsabilização
objetiva repudiada no Estado Democrático de Direito. 4. Recurso especial
provido para excluir da decisão de pronúncia a qualificadora prevista no
artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal. (STJ - REsp: 1277036 SP
2011/0202442-4, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento:
02/10/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2014)

Importante foi destacar algumas das características do artigo 121, do Código


Penal, afim de, posteriormente, evidenciar as diferenças presentes, ao aplicarmos o dolo
eventual ou a culpa consciente nos homicídios no trânsito.
29

Capítulo II –
DOLO E CULPA

2. 1 Dolo

Para fins do estudo objetivado no presente trabalho é necessário discorrer e


proceder a uma análise acerca dos institutos do dolo e da culpa, ambos previstos no
artigo 18, do Código Penal, para ao final serem comparados e aplicados aos casos
concretos, que posteriormente serão apresentados, de forma clara e precisa.
De acordo com Greco (2013, p.197), a conduta humana relevante para o Direito
Penal é separada em dois tipos, podendo ser considerada dolosa ou culposa:

Conduta humana que interessa ao Direito Penal só pode ocorrer de duas


formas: ou o agente atua dolosamente, querendo ou assumindo o risco de
produzir o resultado, ou, culposamente, dá causa a esse mesmo resultado
agindo com imprudência, imperícia ou negligência. Dessa forma, somente
podemos falar em conduta dolosa ou culposa. A ausência da conduta dolosa
ou culposa faz com que o fato cometido deixe de ser típico, afastando-se, por
conseguinte, a própria infração penal cuja prática se quer imputar ao
agente.

Portanto, a conduta, conforme o Código Penal, só será tipificada caso seja


dotada dos elementos dolo ou culpa, ausentes, o fato será considerado atípico, além do
mais, quanto à tipificação do crime culposo ou doloso, Guilherme de Souza Nucci
(2016, p.216), acrescenta que o dolo é presumido no tipo penal, não necessitando estar
30

expresso; a culpa há de estar clara, do contrário, inexiste a modalidade culposa.


Passamos então à análise dos elementos dolo e da culpa.
É a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal.
Mais amplamente, é a vontade manifesta pela pessoa humana de realizar a conduta.
(CAPEZ, 2012).
Conforme Masson (2014, p. 289) dispõe que:

O dolo no conceito finalista de conduta integra a conduta. Pode assim, ser


conceituado como o elemento subjetivo do tipo. É implícito e inerente a todo
crime doloso. Dentro de uma concepção causal, por outro lado, funciona
como elemento da culpabilidade. Em consonância com a orientação finalista
por nós adotada, o dolo consiste na vontade e consciência de realizar os
elementos do tipo penal.

Constata-se, todavia, que o dolo se origina de grande enredamento, sendo difícil


proceder à sua generalização, tornando-se essencial uma interpretação mais íntegra e
aprofundada do presente tema, para assim ser eficazmente aplicado aos casos concretos.
Trata-se de elemento subjetivo, guardado no íntimo do indivíduo pensante,
escondido, mas inseparável de todo crime doloso.

2. 1. 1 Conceito

O elemento dolo possui sua previsão legal no artigo 18, inciso I, do Código
Penal Brasileiro, onde o legislador ordinário estabelece que, o crime será tido como
doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. (NUCCI
2016).
Expressamente na legislação ordinária, através do artigo mencionado, é
apresentado um conceito genérico de dolo, sendo então necessário interpretá-lo de
forma especifica, conforme ditames da doutrina e jurisprudência.
Segundo Bitencourt (2007, p. 267) “a essência do dolo deve estar na vontade,
não de violar a lei, mas de realizar a ação e obter o resultado”. Para a teoria em
questão, não descarta a consciência da ilicitude que é necessária, mas ressalta que,
entretanto, o potencial interesse de realizar o fato.
Após a análise do artigo expresso no Código Penal Brasileiro, é possível notar
que, o crime doloso é regra na legislação, enquanto que o crime tido como culposo é
31

uma exceção, que para ser caracterizada deve estar expressamente prevista em lei.

2.1.2 Elementos

O dolo possui dois elementos essenciais, o intelectual, onde se tem


conhecimento daquilo que pratica e outro volitivo, em que se toma a decisão de lesar
bem jurídico, tem-se então que o agente conhece e opta pelos elementos descritos no
tipo penal. Conforme Capez (2012, p. 233) dispõe que:

Elementos do dolo: consciência (conhecimento do fato que constitui a ação


típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). Anibal Bruno
inclui dentre os componentes do conceito de dolo a consciência da ilicitude
do comportamento do agente. Contudo, para os adeptos da corrente
finalista, a qual o CP adota, o dolo pertence à ação final típica, constituindo
seu aspecto subjetivo, ao passo que a consciência da ilicitude pertence à
estrutura da culpabilidade, como um dos elementos necessários à
formulação do juízo de reprovação. Portanto, o dolo e a potencial
consciência da ilicitude são elementos que não se fundem em um só, pois
cada qual pertence as estruturas diversas.

Esses dois elementos se associam em momentos distintos, diversos um do outro,


mas sucessivamente, posterior um do outro.
O elemento intelectual do dolo é a consciência do praticante da conduta, esse
conhecimento de estar praticando uma conduta tipificada deve ser atual, no momento da
mesma por parte do indivíduo
O elemento volitico é a intenção do indivíduo de praticar uma conduta, um fato
típico cogitando em atingir o resultado final, trazendo assim o nexo causal entre a
conduta praticada com a vontade e o resultado naturalístico.
Posteriormente surgiu a teoria finalista da ação, o elemento do dolo recaiu sobre
a conduta e não mais sobre a culpabilidade, vemos então que para os que a adotam o
dolo é natural (incolor ou avalorado), presente quando se tem a vontade de realizar os
elementos do descritos no tipo penal, não necessitando que o agente tenha consciência
da ilicitude de seus atos. (MASSON 2017).
Considera-se que o dolo na visão finalista é a intenção consciente de praticar a
conduta típica, tratando-se então do dolo natural; ao passo que, na visão causalista, o
dolo é a vontade consciente de praticar a conduta típica, acompanhada da consciência de
32

que se realiza um ato ilícito, o chamado dolo normativo.


O doutrinador Damásio (2014, p.328) que segue e adota a teoria finalista, dispõe
que:

O dolo, na verdade não contém a consciência da antijuridicidade, tese


perfeitamente adaptável ao nosso CP. Pelo que dispõe o art. 21, se o sujeito
atua sem a consciência da ilicitude do fato, fica excluída ou atenuada a
culpabilidade, se inevitável ou evitável o erro. Pelo que se entende: o dolo
subsiste.

Sendo assim, atestou-se a existência de duas correntes acerca da conceituação de


dolo, a adotada pela doutrina clássica classifica o dolo como normativo, onde o agente
sabe que sua conduta é antijurídica, que o fato é típico, tendo então o dolo normativo.
Já a corrente finalista, que surgiu após a clássica, classifica o dolo como natural,
e atesta sua existência nos casos em que o agente demonstrou sua vontade de praticar
determinada conduta independente de sua consciência acerca da ilicitude desta conduta.
No âmbito dos elementos do dolo, destaca-se a consciência, também chamada
de elemento cognitivo, ela está presente quando o agente sabe que a conduta que pratica
é típica. O segundo elemento é o da vontade, elemento volitivo, que envolve a efetiva
realização do ato. Ambos elementos são essenciais para caracterização do dolo.
(GRECO, 2012).
A consciência do agente que pratica a conduta dolosa deve referir-se a todos os
componentes do tipo, ele deve prever aquilo que é essencial para ocorrência dos
elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo de causalidade. (NUCCI
2016).
De acordo com o estabelecido por Fernando Capez (2017,p. 218), é possível
saber que,

A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todo


os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua
decisão em praticá-la. Ressalta-se que o dolo abrange também os meios
empregados e as consequências secundarias de sua atuação.

Por conseguinte, na falta do elemento intelectual ou cognitivo ou do elemento


volitivo (vontade), o crime não será caracterizado como doloso, o que resulta em uma
análise de que tais elementos são essenciais para configuração de conduta dolosa.

2. 1. 3 Teorias do dolo
33

Com o decorrer dos tempos, diversas teorias foram criadas por doutrinadores
com a finalidade de complementar o conceito de dolo, dentre as teorias, as que merecem
destaque são a teoria da vontade, a teoria da representação e a teoria do consentimento.
“Aos clássicos, que adotam a teoria da vontade, dolo é a vontade dirigida ao
resultado. A essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a lei, mas de
realizar a ação e obter o resultado” (BITENCOURT, 2014, p.160).
Sendo assim, nota-se que para esta teoria, para formação do dolo deve existir
uma vontade de praticar um crime e também deve estar presente a consciência a respeito
do fato, ou seja, tem-se que o elemento cognitivo do dolo é fundamental para sua
caracterização.
Para a teoria da representação, dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a
possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. Denomina-se teoria da
representação, porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do resultado
para a conduta ser qualificada como dolosa. “Para os adeptos da teoria, não se deve
perquirir se o agente havia assumido o risco de produzir o resultado, ou se, mesmo o
prevendo como possível, acreditava sinceramente na sua não ocorrência”. (GRECO,
2012, p. 186).
“Esta é uma teoria hoje completamente desacreditada, e até mesmo seus
grandes defensores, Von Liszt e Frank, acabaram reconhecendo que somente a
representação do resultado era insuficiente para exaurir a noção de dolo”
(BITENCOURT 2014, p.160).
Nota-se então que a teoria da representação se finda na previsão do resultado,
sendo explícito que, não existe diferença entre culpa consciente e dolo eventual, criando
certa confusão entre tais institutos, devido ao fato que quando o agente possui a
previsão da existência de um resultado, a conduta por ele praticada será tipificada como
dolosa.
Para os que adotam a teoria do consentimento, o dolo envolve tanto a vontade de
produzir o resultado, que representa o elemento volitivo, quanto a pratica de um ato em
que assume a efetiva produção de um resultado, tratando-se então do elemento
cognitivo. (GRECO, 2012).
Destaca-se então, que há dolo (eventual) só quando o agente pretende o
resultado, mas também quando realiza uma conduta assumindo risco de produzir esse
34

resultado.
Diante da análise do artigo 18, inciso I, do Código Penal Brasileiro, cujo assunto
disposto é o dolo, é possível identificar que houve a preferência de duas das teorias
acima expostas, sendo elas a teoria da vontade, que em suma trata-se do querer o
resultado, e a teoria do consentimento, aonde o agente assume o risco de produzir certo
resultado.
“O dolo é, sobretudo, vontade de produzir o resultado. Mas não é só. Também
há dolo na conduta de quem, após prever e estar ciente de que pode provocar o
resultado, assume o risco de produzi-lo” (MASSON 2017, p.142).

2.1.4 Dolo Eventual

Com relação ao dolo eventual, tem-se que presente tópico é essencial para este
estudo, é em sua aplicação e na aplicação da culpa consciente aos casos concretos,
principalmente envolvendo os homicídios no trânsito, em que se concentra a grande
problemática e discussão tanto doutrinária quanto jurisprudencial, objeto deste estudo.
O artigo 18, inciso I, do Código Penal, dispõe que: “Diz-se o crime: doloso,
quando o agente (...) assumiu o risco de produzi-lo”.
Ao analisarmos o que foi destacado, de princípio, tem-se que será caracterizado
o dolo quando o agente assumi o risco da produção de um resultado, independentemente
de haver ou não a presença de sua vontade.
Porém, observa-se que a simples conduta de assumir o risco de um resultado, ao
aplicar-se em um caso concreto, torna-se uma expressão de significado amplo, não
sendo possível, apenas com a leitura do artigo identificar se o agente assumiu ou não o
risco ao praticar determinada conduta.
Para tanto, diversos doutrinadores buscaram conceituar o elemento dolo, com a
finalidade de trazer mais lucidez ao disposto no Código Penal.
Segundo Fukassawa (2015, p. 147):

Haverá dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o


resultado. Admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado,
pois se o quisesse haveria dolo direto. Antevê, conta com o resultado, e,
arriscando, age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o
evento), mas sim à conduta, prevendo que a conduta pode produzir o
35

resultado. O agente percebe que é possível causar o resultado e, não


obstante, realiza o comportamento.

Para ilustrar o dolo eventual Jesus (2005, p. 291) dá o seguinte exemplo:

O agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra


pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra
pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro
é-lhe indiferente que este último resultado se produza. Ele tolera a morte do
terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não
queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde
por dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo,
a título de dolo eventual.

Acrescenta-se que, [...] há dolo eventual quando o agente não quer diretamente
a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da
produção do resultado”. (BITENCOURT 2014, p.161)
Neste mesmo sentido, temos que, [...] fala-se em dolo eventual quando o agente,
embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e,
com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e
aceito”. (GRECO, 2012, p.191).
Destaca-se então que o dolo eventual também possui os elementos essenciais do
dolo, que é a consciência e a vontade, o simples saber que um resultado é provável ou
agir de forma consciente para a sua ocorrência.
Deste modo tem-se que o dolo eventual, ao ser aplicado no atualmente, em
diversos casos concretos, não é retirado, muito menos observado, na mentalidade do
agente, em seu intelecto, mas sim na forma em que o contexto fático ocorre, nas
circunstâncias, na conjuntura dos fatos.
Não cabe, aqui, exigir que o agente aceite e se direcione a determinado
resultado, pois neste caso estaria presente o dolo indireto, não o dolo eventual, é preciso
ver que para este estar configurado, basta que o agente aceite um resultado, que em
determinado contexto fático, era provável ser configurado, era possível observar que
aquele resultado poderia sim acontecer. (MASSON 2017).
Neste mesmo discernimento, Olivé (2017, p. 331), dispõe:

Assim, da situação fática devemos considerar: conhecimento sobre o grau de


risco. Deve restar claro que o sujeito atua conhecendo a alta possibilidade
ou probabilidade da ocorrência do resultado. É justamente esse excesso de
conhecimento que permite deduzir o querer. Decisão contrária ao bem
jurídico. Deve-se coletar dos dados fáticos disponíveis (a posteriori) se
realmente o sujeito tentou evitar no que lhe era possível a ocorrência do
resultado.
36

De acordo com BITENCOURT (2012), procura-se distinguir o dolo direto do


dolo eventual, afirmando-se que o primeiro é a vontade por causa do resultado; o
segundo é a vontade apesar do resultado.
Apresentamos como exemplo de dolo eventual, o indivíduo que agride a vítima
de forma violenta, assumindo o risco de produzir o resultado, e no âmbito de homicídios
no trânsito, através de entendimento jurisprudencial, dispomos como exemplo a pratica
de racha em via pública.
Entender o elemento dolo eventual é crucial para identificá-lo nos casos
concretos envolvendo homicídios no trânsito, pois é preciso avaliar se a conduta do
agente superou o instituto da culpa, passando o indivíduo a aceitar o resultado morte da
vítima.
Sendo importante sempre ressaltar que a certificação quanto à existência do dolo
será feita na medida em que se analisa e esteja diante de um caso concreto, devendo o
operador do direito observar as circunstâncias trazidas por aquele fato, não as buscando
somente no intelecto do agente que a ele deu causa. (MASSON, 2011).

2. 2 Culpa

Conforme Capez (2012, p. 230, 231):

Culpa: é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque


sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe
se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes
culposos são, em geral, abertos (vide adiante), portanto, neles não se
descreve em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer:
“se o crime é culposo a pena será de...”, não descrevendo como seria a
conduta, pois seria mesmo impossível, por exemplo, tentar elencar todas as
maneiras de se matar alguém culposamente. É inimaginável de quantos
modos diferentes a culpa pode apresentar-se na produção do resultado
morte (atropelar por excesso de velocidade, disparar inadvertidamente arma
carregada, ultrapassar em local proibido, deixar criança brincar com fio
elétrico etc.). Por essa razão, sabedor dessa impossibilidade, o legislador
limita-se a prever genericamente da ocorrência da culpa, sem defini-la. Com
isso, para adequação típica será necessário mais do que simples
correspondência entre conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível
que se proceda a um juízo de valor sobre a conduta do agente no caso
37

concreto, comparando-a com a que um homem de prudência média teria na


mesma situação. A culpa decorre, portanto, da comparação que se faz entre
o comportamento realizado pelo sujeito no plano concreto e aquele que uma
pessoa de prudência normal, mediana, teria naquelas mesmas
circunstâncias.

Já no âmbito doutrinário, buscou-se esclarecer tal conceito, definindo a culpa


como “comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo,
lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que
podia ter sido evitado”. (NUCCI, 2016, p. 212).
Em relação à conduta culposa do indivíduo, destaca-se que é o ato humano
voluntário dirigido, em geral à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência,
imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado,
dá causa a um resultado não querido. (GRECO, 2012, p. 196).
Neste mesmo sentido Capez (2017, p. 255):

Culpa: é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque


sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe
se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes
culposos são, em geral, abertos (vide adiante), portanto, neles não se
descreve em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer:
“se o crime é culposo, a pena será́ de...”, não descrevendo como seria a
conduta culposa.

Em um primeiro momento, observa-se que para configuração de um crime, na


modalidade culposa, é preciso que o agente, por ação ou omissão, viole um dever de
cuidado esperado pela sociedade, através de imprudência, negligência e imperícia,
ressaltando que neste caso, não está presente a intenção de produção do resultado,
mesmo sendo possível prevê-lo.
Nesta vertente, destaca-se que imprudência “é a forma ativa de culpa,
significando um comportamento sem cautela, realizado com precipitação ou com
insensatez”. (NUCCI, 2016, p. 215).
Bitencourt (2014, p.165) acrescenta que “Imprudência é a pratica de uma
conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo”.
Temos como exemplo de crime culposo quando o dano foi provocado pela
imprudência, quando o indivíduo realiza uma ultrapassagem proibida, conduz seu
veículo na contramão ou em alta velocidade, avança o sinal vermelho, não respeita
sinalização de parada obrigatória, entre outros.
Neste sentido, Capez (2017, p.225) afirma que:

A culpa, portanto, não está descrita, nem especificada, mas apenas prevista
38

genericamente no tipo. Isso se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o


legislador antever todas as formas de realização culposa, pois seria mesmo
impossível, por exemplo, tentar elencar todas as maneiras de se matar
alguém culposamente. É inimaginável de quantos modos diferentes a culpa
pode apresentar-se na produção do resultado morte (atropelar por excesso
de velocidade, disparar inadvertidamente arma carregada, ultrapassar em
local proibido, deixar criança brincar com fio elétrico etc.)

Neste âmbito, percebe-se que estamos diante de um tipo aberto, visto que as
condutas para o caracterizar, não são descritas ou constantes de forma expressa, tendo
em vista que não tem como o legislador discriminar todas as situações que serão de fato
culposas, sendo preciso então, ver em cada caso concreto, qual conduta seria ideal para
aquela determinada circunstância

2. 2. 1 Elementos da culpa

São elementos da culpa: a conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; a


inobservância de dever de cuidado objetivo (imprudência, negligência e imperícia), o
resultado lesivo não almejado, ou assumido pelo indivíduo; tipicidade; nexo causal entre
a conduta e o resultado e por fim, a previsibilidade.
Neste sentido, Capez (2012, p.196) acrescenta que:

A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário,


dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência,
imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o dever de
cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido,
tipificado previamente na lei penal.

Em se tratando da inobservância do dever de cuidado objetivo, temos que, em


nossa sociedade há determinadas obrigações aos indivíduos, estes devem agir de forma
a não causar danos a outros, isto é o dever de cuidado objetivo. A ação será tipificada no
momento em que o agente deixa de observar este dever, agindo com imprudência,
negligência e imperícia, sendo estas as modalidades da culpa, que serão conceituadas
posteriormente. (BONFIM; CAPEZ, 2004).
O resultando danoso deve ser involuntário, sendo preciso que o agente jamais o
desejasse ou o escolhesse. Em relação à tipicidade, salienta-se que para que haja um
crime culposo, é necessário que este esteja disposto de forma expressa no tipo penal.
Quanto ao nexo causal, observa-se que deve haver uma ligação previsível entre a
conduta do indivíduo e o dano causado pelo resultado, pois o agente não desejou a
39

produção da lesão. (NUCCI, 2016).


Por fim, estamos diante do último elemento da culpa, a chamada previsibilidade,
que, para grande parte da doutrina é dividida entre objetiva e subjetiva.
Na previsibilidade objetiva é preciso substituir o agente pelo chamado “homem
médio”, pois se este, ao se encontrar na mesma situação do agente, tivesse agido de
forma diversa afim de impedir a ocorrência do dano, estaremos diante de um resultado
previsível, ao passo que se o homem médio agisse da mesma forma que o agente,
estaríamos diante de uma anormalidade referente à previsibilidade, causando a exclusão
da tipicidade (GRECO, 2012).
Na subjetiva, observamos a culpabilidade do crime culposo, questionando-se
acerca das aptidões específicas do agente, suas condições pessoais, para que presentes
estes, o agente conseguiria no caso concreto, agir de forma diferente, de forma a prever
o resultado, “quando o resultado era previsível para o sujeito, temos a reprovabilidade
da conduta, a culpabilidade”. (DAMÁSIO 2014).

2. 2. 2 Graus de culpa

Historicamente, na doutrina, houve a distinção da culpa no que concerne ao seu


grau de intensidade, sendo atualmente distinguida entre culpa grave, leve e levíssima.
Na primeira hipótese, referente a culpa grave, temos que ocorrerá quando a
previsão do resultado poderia ser feita por qualquer indivíduo. Já a culpa leve presente
está nas hipóteses em que apenas um agente dotado de mediana inteligência conseguiria
prevê-lo. No passado buscou-se distinguir a culpa, quanto à sua intensidade, em grave,
leve e levíssima
Ao se falar em culpa levíssima, vê-se que, constará em situações em que apenas
indivíduos dotados de cautela e inteligência excepcional, levando-nos a confundi-la com
o caso furtuito, devido à linha tênue que os diferencia.

2. 2.3 Culpa consciente e inconsciente

Existem duas espécies de culpa no Código Penal, quais sejam culpa consciente e
40

culpa inconsciente.
Conforme Capez (2012, p. 234):

Não se pode confundir culpa consciente com dolo eventual. Em ambos, o


autor prevê o resultado, mas não deseja que ela ocorra; porém, na culpa
consciente, ele tenta evitá-lo; enquanto no dolo eventual, mostra-se
indiferente quanto à sua ocorrência, não tentando impedi-lo. Assim, por
exemplo, se o agente dirige um veículo perigosamente em alta velocidade e
vê um pedestre atravessando a rua, tentando, sem êxito, evitar o
atropelamento, teremos culpa consciente. Se, nas mesmas circunstâncias, em
vez de buscar evitar o acidente, o motorista continua com sua direção
imprudente, pensando “se morrer, morreu”, haverá dolo eventual.

De modo sintético, ao analisarmos a diferença de ambas espécies, disse ser


culposo quando o agente inobservando o dever de cuidado, não prevê o resultado o
resultado que podia prever (culpa inconsciente) ou, prevendo-o, supõe levianamente que
não se realizaria ou que poderia evitá-lo (culpa consciente). (FUKASSAWA, 2015,
p.128).
Neste sentido, Olivé, et al, (2017, p.361)

A tipicidade culposa, em geral, satisfaz-se com um conhecimento


“potencial” do risco aos bens jurídicos, sem que se exija o conhecimento
efetivo de dito perigo, ou seja, a tipicidade culposa aperfeiçoa-se com a
forma inconsciente, sem que seja necessária a culpa consciente ou com
representação. O valor de uma ou de outra poderá́ , quando muito, ser
avaliado no momento da aplicação da pena, em sua determinação ou
individualização, o que não possui previsão legal no Brasil.

Estaremos diante da culpa consciente, que é aquela em que o agente, embora


prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que
este resultado não venha a ocorrer. O resultado, embora previsto, não é assumido ou
aceito pelo agente, que confia na sua não ocorrência (GRECO, 2012, p.204).
Para entender a culpa consciente, tem-se como exemplo da jurisprudência:

APELAÇÃO. DEFESA. HOMICÍDIO. DISPARO DE ARMA DE FOGO.


DIVERGÊNCIA QUANTO AO ASPECTO SUBJETIVO DO DELITO. DOLO
EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. Em caso de disparo involuntário de
arma de fogo, em que, apesar da previsão da possibilidade do evento morte,
não houve a aceitação do risco ou a anuência ao resultado, configurada a
culpa consciente, e não o dolo eventual. Recurso conhecido e provido.
Decisão por maioria. (BRASIL,2015)

A maior discussão acerca da culpa consciente, está no fato de seu conceito ser
muitas vezes confundido com o dolo eventual, principalmente quando assunto se tratar
de crimes de homicídio no trânsito, tal discussão e comparação será posteriormente
discutida e analisada por este estudo.
41

A segunda espécie é a culpa inconsciente, também chamada de culpa sem


representação, onde o agente não tem a percepção de que está realizando um ato
tipificado na lei penal. Nesta, vemos que há um conhecimento somente da potencial
existência de risco, e não um saber de forma concreta que o ato praticado causará
determinado risco a um bem jurídico tutelado. Estamos diante da chamada culpa por
excelência, onde não há a previsão de um resultado, presente somente a mera
previsibilidade, ou seja, a possibilidade de prever o resultado por parte do agente.
Para finalizar, Capez (2017, p.229) apresenta duas observações acerca do
assunto:

OBS 1. De acordo com a lei penal, não existe diferença de tratamento penal
entre a culpa com previsão e a inconsciente, “pois tanto vale não ter
consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente
dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá́ ”
(Exposição de Motivos do CP de 1940). Além disso, não há diferença quanto
à cominação da pena abstratamente no tipo. Entretanto, parece-nos que no
momento da dosagem da pena, o grau de culpabilidade (...) deva o juiz, na
primeira fase da dosimetria, elevar um pouco mais a sanção de quem age
com a culpa consciente.
OBS 2. Culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente
prevê̂ o resultado, mas não se importa que ele ocorra (...) Na culpa
consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia
essa possibilidade (...) O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no
dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente
supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.

Capítulo III –
DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE NOS HOMICÍDIOS
NO TRÂNSITO

3. 1 Distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente

De forma mais específica, analisa-se neste momento, a diferença entre os


institutos do dolo eventual e da culpa consciente.
Como dito e apresentado no capítulo II desta pesquisa, na culpa consciente, o
42

agente, prevê um resultado, mas acredita de forma sincera na sua não ocorrência; ou
seja, o agente não assume o resultado. Já no instituto do dolo eventual, a principal
diferença deste com a culpa consciente é que aqui, o agente prevê o resultado, e não se
importa com a sua ocorrência.

Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do


resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que
atribui à pratica da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la,
mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda
alternativa. Já na culpa consciente, o valor negativo do resultado possível é,
para o agente, mais forte do que o valor positivo, que atribui à prática da
ação. Por isso, se estivesse convencido dessa possibilidade, calcula mal e
age. No dolo eventual, o agente decide agir por egoísmo, a qualquer custo,
enquanto na culpa consciente o faz por leviandade, por não ter refletido
suficientemente (BITENCOURT, 2014, p.167).

Na teoria não há dúvidas quanto às diferenças entre ambos institutos, o problema


aparece quando eles saem do âmbito de aplicação comum, onde basta analisar se o
agente foi leviano (agiu com culpa consciente) ou egoísta (dolo eventual), e passam a
ser institutos penais dos crimes praticados na direção de veículo automotor.
(FUKASSAWA, 2015).
Diante disto, ao se concluir pelo dolo eventual, os efeitos são o acarretamento na
incidência do crime definido no artigo 121 do CP, porém, já na presença de culpa
consciente haverá como resultado, o delito previsto no art. 302 da Lei 9.503/1997-
Código de trânsito brasileiro (BRASIL, 1997).
Conforme o exposto até o momento, é possível observar a linha tênue que existe
entre ambos institutos, e é por essa razão que para aplicá-los, leva-se em total
consideração as circunstâncias do fato criminoso, principalmente no que tange as
circunstancias pessoais do caso, até porque não se deve prender-se ao elemento
intelectivo do agente, pois não há como saber o que se passava em seu pensamento no
momento.
Nucci (2015, p. 217) ainda explica a importância de uma resolução deste tema,
ao apontar a insegurança que gera a má aplicação nos institutos, assim como as
divergências em tais aplicações, neste sentido dispõe:

Hoje, no entanto, enquanto se distingue entre culpa consciente e dolo


eventual, quem comete um crime grave no trânsito, fica fadado à sorte. Se o
seu caso cair com determinado juiz, torna-se culpa consciente, caindo com
outro, dolo eventual. As disparidades entre o homicídio culposo e o doloso
são muito grandes e de largas proporções. O Direito Penal não pode virar
uma loteria.
43

Deste modo, verifica-se que a principal distinção entre estes dois institutos é que
no dolo eventual o agente aceita o resultado e assume o risco de sua produção, ao invés
de deixar de agir, enquanto que na culpa consciente, ao contrário, o agente tem a plena
convicção de que o resultado não se consumará, no entanto, em virtude de uma análise
equivocada o evento danoso acaba por acontecer.

3.2 Da aplicação do Dolo eventual nos crimes de homicídio no trânsito

Inicialmente, salienta-se que diariamente ocorrem diversos acidentes causados


por motoristas que desrespeitam regras de trânsito fundamentais, como por exemplo a
embriaguez, o excesso de velocidade, a prática de corridas não autorizadas. Por essa
razão, mesmo que o Código de Trânsito Brasileiro disponha somente acerca do
homicídio culposo no trânsito, a jurisprudência atual tem admitido o dolo eventual.
Neste instituto, é preciso observar o que motivou o fato, se o autor possuía a
intenção de produzir o resultado e se afirmativo, não há dúvidas quanto à aplicação do
dolo eventual, pois o autor sabia o que estava fazendo e agiu com vontade de realizar o
homicídio. Caso não esteja presente esta intenção, estaremos diante do dolo eventual.
Ao olhar casos concretos, é preciso observar que, no que concerne à aplicação
do dolo eventual, este instituto, assim como o instituto do dolo direto, não será
comprovado utilizando-se somente do psíquico do agente.
Na verdade, para que se opte pela aplicação de um de outro instituto, deve ser
observada as circunstâncias do caso concreto, os meios que nele foram empregados,
analise completa da situação ocorrida, o comportamento do agente após o crime, sua
personalidade, entre outros métodos e apurações que somente poderão ser esclarecidos
na existência de uma hipótese concreta.

A jurisprudência posiciona-se no sentido de existir dolo eventual na conduta


do agente responsável por graves crimes praticados na direção de veículo
automotor. Esta escolha fundamenta-se nas diversas campanhas educativas
realizadas nas últimas décadas, demonstrando os inúmeros riscos da direção
ousada e perigosa, como se dá no racha e no excesso de velocidade em via
pública. Tais advertências são suficientes para esclarecer os motoristas da
vedação legal de tais comportamentos, bem como dos resultados danosos
que, em razão delas, são rotineiramente produzidos. E, se mesmo assim o
condutor de veículo automotor continua a agir de forma temerária, revela
inequivocamente sua indiferença com a vida e integridade corporal alheia,
devendo responder pelo crime doloso a que der causa (MASSON 2017,
p.143).
44

Importante relembrar que ao tipificarmos uma conduta na modalidade dolo


eventual, entende-se que o agente se mostrou indiferente quando aos resultados
causados por sua atitude, pois sabia que dela provavelmente resultaria um resultado
danoso a alguém.
Neste mesmo sentido temos que:

Sempre há uma vontade de lesar determinado bem jurídico. Para afirmar-se


a existência de dolo eventual é necessário que o autor tenha consciência de
que com sua conduta pode efetivamente lesar ou pôr em perigo um bem
jurídico e que atue com indiferença diante de tal possibilidade, de modo que
implique aceitação desse resultado (PRADO, 2010, p.349).

Muitos autores ressaltam a importância de se aplicar corretamente o dolo


eventual, deve se precaver do erro, devido a dura imputação trazida ao agente que
pratica o crime conforme esta modalidade. Autores como Rogério Greco (2012)
explicam que, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade, devido a isto, para
que se caracterize o dolo eventual é preciso que o agente possua a presunção de um
resultado e não faz nada para evitá-lo.
Mas Fukassawa destaca que, para a teoria da probabilidade, presente estará o
dolo eventual quando o agente prevê o resultado, mas não deixa de agir, sendo
necessária a probabilidade próxima, tendo em vista que, ao ser remota, estaremos diante
da culpa consciente. O autor ainda expõe que muitos defendem que o dolo eventual se
afasta nas hipóteses de homicídio no trânsito pois há a existência do risco de dano ao
próprio agente, que se coloca em perigo de dano, porém afirma, contudo, não serve para
fixar critério conclusivo e distintivo [...] porque se um terrorista-suicida detona um
explosivo provocando a morte de pessoas, mas sobrevive, a aceitação da tese seria um
critério para lhe atribuir responsabilidade a título de imprudência. (FUKASSAWA,
2015, p. 155).
Portanto, pode-se concluir que em relação à aplicação do dolo eventual, como
demonstrado em todo trabalho, é preciso analisar o caso concreto. Não é certo que em
determinada circunstancia haverá ou não sua aplicação, devido a incerta e desigual
aplicação de seus institutos pelos tribunais.
O que restou demonstrado foi que não se pode alegar que o simples fato do
agente estar se colocando em risco já afasta tal instituto, conforme demonstrou-se pelo
exemplo do terrorista.
Também é preciso salientar que o clamor social e a cobrança social não devem
interferir no julgamento, é preciso primeiramente analisar o caso e demonstrar que o
45

agente agiu utilizando de circunstancias que possibilitaram a previsão do resultado, e


mesmo assim o indivíduo não fez nada para que pudesse evitá-lo
Mas, por fim, é preciso salientar que a justiça não pode ser branda no que
concerne à punição de crimes de trânsito, e principalmente, nos crimes de homicídio.
Diariamente e de maneira devastadora, condutores com péssimos hábitos, e até em
situações criminosas, tiram a vida de pais, mães e filhos, o que leva a sofrimentos
inigualáveis. Demonstram, conscientemente, através de condutas totalmente
inadequadas e desproporcionais, um enorme desrespeito à vida do próximo. E é por essa
razão que a figura do dolo eventual começou a se tornar mais evidente e mais utilizada
nessas situações.

Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados


no trânsito. O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor,
mas das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como
tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas, isto sim, que a aceitação se
mostre no plano do possível, provável (BRASIL, 2001).

Conforme apresenta Fukassawa (2015), são exemplos de reconhecimento de


dolo eventual, algumas hipóteses em que ele é manifesto, como: hipótese em que o réu
obriga a vítima a andar com o corpo metade para fora do veículo, ela vem a cair e
morrer; quando atropela um ciclista e acelera para que este caia do capô, arremessando-
o ao solo, causando sua morte; motorista que imprimi maior velocidade e atropela um
guarda de trânsito que visava parar seu veículo; quem dirige seu veículo em direção a
determinada vítima, querendo matá-la, na melhor das hipóteses do réu, pode ser
considerado dolo eventual e etc.

3.2.1 Caso Concreto envolvendo o dolo eventual - Luiz Fernando Carli Filho

Luiz Fernando Carli Filho, parlamentar, foi autor de um dos crimes que mais
chocou no país. No dia 07 de maio de 2009, em Curitiba- PR, o carro que conduzia
estava em alta velocidade no momento em que bateu em um outro veículo, provocando
na morte de dois jovens. Carli Filho no momento do acidente, dirigia entre 161 km/h a
173 km/h, com sua carteira de habilitação cassada, além de estar alcoolizado.
Após muitos embates entre defesa e acusação, e tendo todos os seus recursos
46

negados, foi posteriormente submetido à Júri Popular no ano de 2018, que o condenou
por duplo homicídio na modalidade dolo eventual, com a pena de nove anos e quatro
meses de prisão em regime fechado, pelas mortes de Gilmar Rafael Souza Yared e
Carlos Murilo de Almeida, sendo permitido recorrer em liberdade, com medidas
cautelares diversas da prisão. (G1.COM, s/d).
O que podemos observar neste caso é a somatória de elementos que fez com que
a conduta do agente tenha demonstrado seu consentimento ao resultado, tendo em vista
que estava em altíssima velocidade em uma avenida, alcoolizado, com a carteira de
habilitação cassada, demonstrando total desprezo à vida dos demais presentes no local,
assumindo o dano causado.

3.2.2 Alexandre Ferreira da Costa

Alexandre Ferreira da Costa, na madrugada do dia 28 de novembro de 2017,


passou no sinal vermelho, em um cruzamento, em velocidade incompatível com a via,
na cidade de Ribeirão Preto-SP, no momento em que atropelou e fugiu sem prestar
socorro ao ciclista Danilo Braga Eroico. Após ser submetido à Júri Popular, foi
condenado por homicídio simples, na modalidade dolo eventual, a vinte anos de prisão,
em regime fechado.
Portanto, vê-se outra hipótese em que a junção de vários elementos tornou a
conduta dolosa, ou seja, ao passar em sinal vermelho, em alta velocidade, assumiu o
risco do dano, sem ter, também, prestado socorro à vítima.

3.3 Da aplicação da Culpa Consciente nos crimes de homicídio no trânsito

Primeiramente, recorda-se que a culpa consciente, também conhecida por


“negligência consciente” ou “culpa ex lascívia”, tem-se que o indivíduo prevê o
resultado, mas confia em sua não ocorrência, em alguma circunstância que irá impedi-lo
ou em suas habilidades para tanto, a exemplo do motorista que vê que um transeunte vai
atravessar a pista e que poderá atropelá-lo. Mas acredita que, se for preciso, será capaz
47

de evitar o choque. E, ao prosseguir em seu trajeto vem a matar a vítima. Respondendo,


portanto, por homicídio culposo. (JESUS, 2006).

Age com culpa nas modalidades de imprudência, quem trafega em alta


velocidade; com negligência quando não reduz a velocidade mesmo após
perceber a presença da vítima; e com imperícia quando, percebendo a
vítima de idade avançada a aproximadamente 50m, não é capaz de realizar
manobra no sentido de evitar o acidente (TJRS, ApCrim 70001801695,
3ªCCrim, rel. Des. Reinaldo José Rammé, j. 8-8-2001, Revista Júridica
n.283, p. 155- RENATO MARCÃO, 2017, p. 46).

Neste sentido de aplicação, destaca-se, inicialmente que, se houver dúvidas entre


a aplicação do dolo eventual e a culpa consciente, Bitencourt (2010, p. 342) dispõe que
“persistindo a dúvida entre um e outro, dever-se-á concluir pela solução menos grave:
pela culpa consciente. Sendo assim observa-se que para este autor deve-se optar pela
culpa consciente quando houver dúvida na caracterização do delito”.
Acrescenta Fukassawa (2015, p.151) que:

“Não seria necessário argumentar que no julgamento definitivo da questão


penal, em caso de dúvida entre culpa consciente e dolo eventual, recomenda-
se proclamar a decisão in dubio pro reo; porém, na fase de pronúncia, já se
decidiu que deve ser aplicado o in dubio pro societate”.

Um dos doutrinadores cuja posição é a favor da culpa consciente é Paulo Rangel


(2002), que discorre que, em casos em que houver dúvidas, e conforme análise das
provas colhidas nos autos do processo, o juiz deve formular uma decisão em favor da
sociedade, ou seja, deve pronunciar o agente, que será submetido ao Júri Popular.
Porém, de imediato, já apresenta uma outra interpretação mais favorável ao réu, ao dizer
que, caso haja dúvidas no contexto probatório, é porque o Ministério Público não logrou
êxito em provar o fato apontado na denúncia, não devendo o réu ser pronunciado,
principalmente, pelo fato da “íntima convicção” exercida pelo Júri.
É preciso ressaltar que para alguns autores como Greco (2012, 207) é evidente
que:

O clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem embriagados


e/ou em velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram
a vida ou causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes, não pode ter
condão de modificar toda a nossa estrutura jurídico-penal. Não podemos,
simplesmente, condenar o motorista por dolo eventual quando, na verdade,
cometeu a infração culposamente.

Ou seja, conforme o descrito até o momento por meio da maioria doutrinária, na


dúvida quanto à tipificação da conduta deve ser aplicada a culpa consciente, já na fase
de pronúncia, o dolo eventual. Mas é preciso lembrar que o clamor social não deve
48

interferir na decisão, ou seja, um réu não pode ser condenado por um crime doloso se
sua atitude e ações ocorreram de forma culposa.
Conforme jurisprudências, tem-se admitido em casos de velocidade inadequada
para determinado local, desrespeito às vias preferenciais, ingressar em rodovias sem
prestar o devido cuidado, derrapar em pistas escorregadias, no caso também de
ofuscação da vista causada por farol de outro veículo ou até mesmo pelo sol, desrespeito
à distância de seguimento, dirigir pela contramão, embriaguez ao volante, excesso de
velocidade ao realizar curvas, manobras de marcha ré se, devido cuidado, falta de
manutenção em freios, entre outros, a aplicação da culpa, aos resultados que causarem.

3.3.1 Caso concreto envolvendo a culpa consciente - Diogo Machado Teixeira

Diogo Machado Teixeira foi condenado a 4 anos e 6 meses de detenção, em


regime semiaberto, por matar duas pessoas em um acidente de trânsito no dia 11 de
fevereiro de 2013, em Campo Grande. Com a desclassificação do homicídio com dolo
eventual, o magistrado condenou o réu por dois homicídios culposos e lesão corporal
culposa, o motorista ainda não perderá o direito de dirigir. De acordo com a juiz, o
acusado assumiu que naquela noite que tomou bebida alcoólica em uma boate e furou o
sinal vermelho. (ESTADÃO.COM.BR, 20 de junho de 2010).
É possível observar a semelhança deste caso com o caso citado no item anterior,
a diferença é que enquanto o outro estava em alta velocidade, este estava embriagado. É
diante dessa comparação de casos que vemos o quanto o instituto traz dúvidas em sua
aplicação, e como muitas vezes são aplicados em casos semelhantes, de formas
diferentes. Neste caso, culpa consciente, 4 anos e 6 meses de detenção. No caso do item
anterior, dolo eventual, 20 anos, em regime fechado.

3.3.2 José Antônio Scatolin Filho

José Antônio Scatolin Filho, fazendeiro, bateu no veículo do estudante do ITA,


49

Vinicius Batagelo, na cidade de Araçatuba-SP, após passar em um sinal vermelho, a


mais de 100 km/h. O estudante sofreu traumatismo craniano e perdeu parte da memória.
O réu desapareceu desde o momento do acidente, mas foi localizado anos após o
acidente, em uma fazenda em Mato Grosso do Sul. O réu foi submetido ao Júri em
Presidente Prudente-SP, pela suposta prática de racha, mas o Júri afastou a tese de
homicídio por dolo eventual e o condenou pelo crime de lesão corporal grave em
acidente de trânsito desqualificando o crime de tentativa de homicídio. A pena
estabelecida foi de quatro anos em regime aberto. (LIDEADVOGADOS.COM.BR, s/d).

3.4 Embriaguez

Inicialmente, temos que, nos termos do artigo 28, inciso II, do Código Penal, a
embriaguez voluntária ou culposa, decorrente de ingestão de álcool ou uso de substância
análoga, não exclui a imputabilidade.
O referido dispositivo provém da adoção pelo Código Penal da teoria da actio
libera in causa, que dispõe acerca do sujeito que, de forma voluntária se coloca numa
situação de inimputabilidade ou incapacidade de agir, devendo este responder pela
prática do crime. (ESTEFAN; GONÇALVES, 2012).
A infração de dirigir sob influência de álcool está prevista no artigo 165 do
Código de Trânsito, e é através dele que definimos, primeiramente, o que é estar
embriagado ao volante: “Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior
a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica. (…)”. (SANCHEZ, et al, 2017).
Durante um período, parte da doutrina e jurisprudência passou a admitir a
existência de dolo eventual em hipóteses em que o agente esteja sob o efeito de álcool,
utilizando-se do argumento que, ao assumir a direção de um veículo automotor nessas
condições, o agente assume o risco de um resultado, sendo tipificada sua conduta nos
moldes do homicídio doloso simples ou qualificado. Tudo isso devido ao
pressionamento da sociedade e a assustadora quantidade de mortes causadas pela
embriaguez ao volante.
Para confirmar a tese utilizada, temos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, que explicita a admissão do dolo eventual decorrente de
50

embriaguez ao volante e a submissão do agente ao Tribunal do Júri:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE


HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL E ACIMA DA VELOCIDADE
PERMITIDA. PLEITO DE EXCLUSÃO DO DOLO EVENTUAL.
PRETENSÃO QUE DEMANDA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE
TENTATIVA E DOLO EVENTUAL. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. 1. As circunstâncias delineadas na pronúncia podem
caracterizar o dolo eventual, já que é possível que o agente tenha assumido
o risco de produzir o resultado morte, ainda que sem intenção de provocar o
dano, mas com ele consentindo. [...] (Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Recurso em Sentido Estrito nº 0049669-47.2009.8.26.0506. 9ª
Câmara de Direito Criminal. Relator Desembargador Sérgio Coelho. SP, 16
de maio de 2013, SÃO PAULO, 2009).).

Porém, em 2017, após apelos e pressão social, houve uma mudança legislativa
no Código de Trânsito, com a superveniência da Lei 13.546/2017 (BRASIL, 2017), que
estipulou um aumento de pena no crime de homicídio culposo na direção de veículo
automotor, para os casos em que o condutor estiver dirigindo e causar o dano devido ao
fato de estar sob influência de efeitos de álcool.
Tal mudança, para muitos do âmbito jurídico, afastou a aplicação do dolo
eventual em hipóteses que houver somente a embriaguez, principalmente pelo fato da
rigidez que passou a se tratar a conduta, cuja pena passa a ser de reclusão, de cinco a
oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação
para dirigir veículo automotor. Ou seja, o inicio de cumprimento da pena passa a ser em
regime fechado, e não se pode mais pagar fiança no caso de prisão em flagrante.
Salienta-se então que é compreensível que o simples fato de uma pessoa estar
dirigindo sob influência de efeito de álcool, não quer dizer que automaticamente
responderá por homicídio doloso, na modalidade dolo eventual. É preciso observar, ao
analisar o caso concreto, se o agente, no momento do ocorrido, além de estar
embriagado, assumiu o risco de produção do resultado, ou seja, existir outras hipóteses
que, juntamente com a embriaguez, demonstrarem que o agente assumiu o risco da
produção do resultado.
Neste sentido, consubstanciando o entendimento anterior tem-se a seguinte
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

A embriaguez do agente condutor do automóvel, sem o acréscimo de outras


peculiaridades que ultrapassem a violação do dever de cuidado objetivo,
inerente ao tipo culposo, não pode servir de premissa bastante para a
afirmação do dolo eventual. Conquanto tal circunstância contribua para a
análise do elemento anímico que move o agente, não se ajusta ao melhor
51

direito presumir o consentimento do agente com o resultado danoso apenas


porque, sem outra peculiaridade excedente ao seu agir ilícito, estaria sob
efeito de bebida alcoólica ao colidir seu veículo contra o automóvel
conduzido pela vítima. (Resp. 1.689.173 - SC (2017/0199915-2). Rel.
Ministro Rogério Schietti Cruz, MIGALHAS.COM.BR, 2 de janeiro de 2018).
Portanto, é possível notar que, no momento em que se exige, para aplicação do
dolo eventual, a comprovação de que o motorista agiu sob influência de álcool e por
essa razão, assumiu o risco do resultado, dificulta-se tal enquadramento.
Pode-se concluir que, o simples fato de estar embriagado não caracteriza o dolo
eventual, que só ocorrerá se, em análise do caso concreto, serem observadas outras
circunstâncias que demonstrem o desprezo por parte do agente acerca da realização do
resultado.
Conforme decisões proferidas recentemente, tem-se demonstrado o
entendimento acerca do exposto anteriormente, ou seja, que a embriaguez de forma
isolada, não é capaz de fazer com que a conduta do agente seja caracterizada na forma
do dolo eventual.
No mesmo sentido, sustentando que a embriaguez, de forma isolada, afasta a
aplicabilidade automática do dolo eventual, tem-se o seguinte entendimento do Superior
Tribunal de Justiça:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITO DE TRÂNSITO.


HOMICÍDIO. EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL. DENÚNCIA NÃO
RECEBIDA. A eventual existência de embriaguez não conduz ao
entendimento de que o acusado assumiu o risco de causar a morte da sua
companheira. Para que seja caracterizado o dolo eventual, é necessária a
comprovação de que o condutor obtinha a previsão do acontecimento e
indiferença quanto ao resultado. No caso de morte, esse resultado deve ser
considerado e avaliado pelo acusado do fato. Deve haver demonstração de
que ele se manteve indiferente com a possibilidade da morte da vítima.
Distingue-se o dolo eventual da culpa consciente, pois nesta firmemente crê
que nada acontecerá. Como se trata de acusação de homicídio, no caso dos
autos não ficou demonstrado que o recorrido previamente tenha assumido o
risco de causar a morte da sua companheira, que se encontrava no veículo.
E não basta a demonstração de que tenha ingerido bebida alcoólica antes de
iniciar a condução do veículo automotor. (...) a conduta que levou ao óbito
da esposa do acusado, somente poderia ser considerada dolosa se o réu
possuísse a previsão da possibilidade da ocorrência do resultado e, da
mesma forma, houvesse assumido o risco. Por maior que seja a reprovação
social, não é possível afirmar que, por conduzir seu veículo após consumir
bebida alcoólica, o acusado tenha assumido o risco e anuído com o
resultado danoso. Para ser considerado dolo eventual, o agente,
precisamente, teria que ter se posicionado com indiferença em relação à
possibilidade da ocorrência da colisão e do óbito de sua esposa, o que não
fica evidenciado no caso em tela (Superior Tribunal de Justiça, Recurso
Especial nº:1445726, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, Data de Publicação:
DJ 09/08/2017, RIO GRANDE DO SUL,2014).

Nessa mesma vertente, outros tribunais também adotam este entendimento:


52

HOMICÍDIO - CRIME DE TRÂNSITO - EMBRIAGUEZ - DOLO


EVENTUAL - AFERIÇAO AUTOMÁTICA - IMPOSSIBILIDADE -
DESCLASSIFICAÇAO PARA HOMICÍDIO CULPOSO - RECURSO
PROVIDO, POR MAIORIA. 1. Em delito de trânsito, ou se demonstra o dolo
direto, ou se reduz em demasia a possibilidade do dolo eventual ante a
perspectiva de que o próprio agente ativo da relação penal substantiva
poderia ser, também, vítima fatal do evento a que deu causa. 2. A
embriaguez não autoriza a presunção de dolo eventual, o que importaria em
odiosa conclusão automática da existência de um elemento subjetivo do tipo,
indemonstrado. 3. Recurso provido para desclassificar o delito para
homicídio culposo. 4. Decisão por maioria. (TJ-SE – Recurso em Sentido
Estrito: 2010302076 SE, Relator: DES. EDSON ULISSES DE MELO, Data
de Julgamento: 02/08/2010, CÂMARA CRIMINAL).

E mais,

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME


PREVISTO NO ART. 121, CAPUT, DO CP PARA HOMICÍDIO CULPOSO
–IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – PRONÚNCIA POR HOMÍCIDIO
DOLOSO E JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI –
IMPROCEDÊNCIA – FALTA DE PROVA DO DOLO DO RESULTADO
ATINGIDO – CONDUTA QUE SE ADEQUA À MODALIDADE CULPOSA
– RECURSO DESPROVIDO EM DISSONÂNCIA COM O PARECER. - Para
a caracterização do dolo eventual é necessário que o agente anteveja o
resultado danoso e assuma o risco de produzi-lo, sem se importar com a sua
ocorrência. - O estado de embriaguez na direção de veículo automotor não
necessariamente configura o dolo eventual, de modo, que trata-se de mera
presunção considerar de forma automática tal conduta como dolosa,
especialmente, porque tais circunstâncias caracterizam a culpa consciente,
em face, da negligência e imprudência. (Tribunal de Justiça do Mato Grosso
– Recurso em Sentido Estrito n° 153107/2016, Relator: Des. Rondon Bassil
Dower Filho, Data de Julgamento: 25/01/2017, Segunda Câmara Criminal,
Data de Publicação: 01/02/2017, MATO GROSSO, 2016).
E ainda,

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMÍCIDIO DOLOSO -


DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO - DÚVIDA ACERCA
DO ANIMUS NECANDI A SER DIRIMIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. A
decisão de mérito, quando pairam dúvidas acerca do elemento animador da
conduta do agente, cabe ao Soberano Tribunal do Júri Popular.
Improvimento ao recurso que se impõe. V.v. RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO - PRONÚNCIA – HOMICÍDIO NO TRÂNSITO -
DESCLASSIFICAÇAO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇAO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR - POSSIBILIDADE RECURSO PROVIDO. Não
havendo, na espécie, outro fator que aliado à embriaguez, a qual, por si só,
configura quebra do dever de cuidado (art. 165, do CTB), que permitisse
aferir que o réu agiu por motivo egoístico, que possibilitasse amparar um
juízo de fundada suspeita de que anuiu com o resultado, ou seja, de que agiu
com dolo eventual, é de rigor que se desclassifique o crime de homicídio
doloso (art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido
na direção de veículo automotor (art. 302, do CTN) (Tribunal de Justiça de
Minas Gerais - Recurso em Sentido Estrito: 10180120016829001, Relator:
Antônio Carlos Cruvinel, Data de Julgamento: 19/09/2017, Câmaras
Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 27/09/2017,
MINAS GERAIS, 2017).

De forma isolada, por fim, resta salientar que algumas decisões são no sentido de
53

que o elemento subjetivo deve ser definido e analisado pelo Tribunal do Júri:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO NA


DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
PRONÚNCIA EM HOMICÍDIO DOLOSO. PEDIDO DE
DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. DOLO EVENTUAL
E CULPA CONSCIENTE. VALORAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO IMPROVIDO. 1. A
decisão de pronúncia não constitui um juízo de certeza acerca dos fatos, mas
mera admissibilidade da acusação fundada em suspeita, exigindo-se, para
tanto, apenas o convencimento do magistrado quanto à existência do crime e
de indícios de que o réu seja seu autor, segundo determina o art. 413 do
CPP; 2. Na hipótese, a defesa pleiteia a desclassificação de homicídio
doloso para homicídio culposo em caso de embriaguez ao volante, aduzindo
que o acusado agiu com culpa consciente; 3. No entanto, para analisar a
tese aventada haveria necessidade de valorar o elemento volitivo do
Recorrente. Acontece que tal apreciação não se faz conveniente, sob pena de
usurpação da competência constitucionalmente deferida ao Conselho de
Sentença. (TJ-AM 00068475120108040011 AM 0006847-51.2010.8.04.0011,
Relator: Jomar Ricardo Saunders Fernandes, Data de Julgamento:
30/07/2017, Segunda Câmara Criminal, AMAZONAS, 2010).).

Portanto, conclui-se que a embriaguez, por si só, não é causa ensejadora do


elemento subjetivo do dolo eventual, pois, conforme demonstrado anteriormente, ao
analisarmos especificamente a embriaguez, observamos que o entendimento é que o
indivíduo que está sob efeito do álcool age com culpa consciente pois acredita, de forma
sincera que nenhum resultado se realizará, ou seja, que ele conseguirá chegar ao seu
destino normalmente e que não causará nenhum dano a terceiros ou a si mesmo, teoria
esta, que com a alteração trazida no tocante ao aumento de pena do crime de homicídio
culposo no trânsito causado por agente que dirige sob influência de álcool, afasta ainda
mais a aplicação do dolo eventual, nesta hipótese. (GANEM, Pedro Magalhães. Dolo
eventual, culpa consciente e crimes de trânsito,
CANALDECINENCIASCRIMINAIS.COM.BR, 08 de maio de 2018).
Todavia, é preciso salientar que não se pode deixar taxativo, que o condutor que
dirigir sob influência de álcool sempre terá sua conduta tipificada como culpa
consciente. Isso porque também deverá ser observada a quantidade de álcool e as
circunstancias presentes no caso concreto, pois o condutar tem conhecimento de que
quanto maior o consumo de bebidas alcóolicas, maior é o risco, risco este que se torna
então presumido, e é criado quando este agente conduz o veículo. Muitas vezes o risco
causado devido à quantidade de álcool se sobrepõe à confiança do agente.

3.5 “Racha”
54

O crime popularmente conhecido como “racha” está previsto no artigo 308 do


Código de Trânsito Brasileiro, onde se dispõe, juntamente com a sua recente alteração
trazida pela Lei 13.546/2017, que a conduta criminosa é realizada no momento em que
o agente participa de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo
automotor, além das práticas já previstas de corrida, disputa ou competição
automobilística não autorizada, e manteve a exigência de gerar risco à incolumidade
pública ou privada (crime de perigo concreto). (A Lei 13.546/17 e dolo eventual como
exceção nos crimes de trânsito, CONJUR.COM.BR, 19 de abril de 2018). Nos dias
atuais, tem sido comum a pratica de competições não autorizadas, nestas, os agentes,
muitas vezes em vias públicas de muito movimento, exprimem alta velocidade em seus,
efetuando manobras arriscadas, que colocam em risco toda a população, tudo para que
possam disputar entre si sobre quem consegue exprimir maior velocidade.
Durante a busca por maior velocidade, os indivíduos na direção de veículos
automotores não se importam com a segurança dele mesmo e os demais, muito menos
com as regras de trânsito impostas. E por essa razão, essa prática se tornou criminosa,
conforme artigo 308 do CTB.
Porém, devido a ocorrência de mortes resultantes dessa prática, no âmbito de seu
elemento subjetivo, tem se aceitado que, após análise das circunstancias do caso
concreto, seja imputado ao agente que praticou o crime de racha com resultado morte da
vítima, venha a se submeter ao Tribunal do Júri, diante da conduta na modalidade dolo
eventual.
Capez afirma que, conforme as circunstâncias fáticas, tem sido aplicado e
entendido que, trata-se de homicídio doloso quando ocorrem mortes decorrentes de
disputa não autorizada de veículo automotor “racha”, pois os sujeitos que empregam
velocidade excessiva em locais públicos assumem o risco de causar a morte de alguém.
Zaffaroni (2011, p. 435) também defende a aplicação do dolo eventual nesta
hipótese, [...] quem se lança numa competição automobilística de velocidade, numa
cidade populosa, à custa da possibilidade de produção de um resultado lesivo, age
igualmente com dolo eventual de homicídio, lesões e danos”.
Neste sentido, tem-se decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu,
após análise do caso concreto a aplicação do dolo eventual nos crimes de homicídio
causados por agente que conduz veículo automotor e em realização de disputa
55

automobilística não autorizada:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME


DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. "RACHA"
AUTOMOBILÍSTICO. HOMICÍDIO DOLOSO. DOLO EVENTUAL.NOVA
VALORAÇÃO DE ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS, E NÃO
REAPRECIAÇÃO DE MATERIAL PROBATÓRIO. DENEGAÇÃO. 1. A
questão de direito, objeto de controvérsia neste writ, consiste na eventual
análise de material fático-probatório pelo Superior Tribunal de Justiça, o
que eventualmente repercutirá na configuração do dolo eventual ou da culpa
consciente relacionada à conduta do paciente no evento fatal relacionado à
infração de trânsito que gerou a morte dos cinco ocupantes do veículo
atingido. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso
especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais,
atribuiu nova valoração dos elementos fático-jurídicos existentes nos autos,
qualificando-os como homicídio doloso, razão pela qual não procedeu ao
revolvimento de material probatório para divergir da conclusão alcançada
pelo Tribunal de Justiça. 3. O dolo eventual compreende a hipótese em que o
sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como
possível ou provável (assume o risco da produção do resultado, na redação
do art. 18, I, in fine, do CP). 4. Das várias teorias que buscam justificar o
dolo eventual, sobressai a teoria do consentimento (ou da assunção),
consoante a qual o dolo exige que o agente consinta em causar o resultado,
além de considerá-lo como possível. 5. A questão central diz respeito à
distinção entre dolo eventual e culpa consciente que, como se sabe,
apresentam aspecto comum: a previsão do resultado ilícito. No caso
concreto, a narração contida na denúncia dá conta de que o paciente e o co-
réu conduziam seus respectivos veículos, realizando aquilo que
coloquialmente se denominou "pega" ou "racha", em alta velocidade, em
plena rodovia, atingindo um terceiro veículo (onde estavam as vítimas). 6.
Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento
explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às
circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que o dolo eventual se
extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se
exige uma declaração expressa do agente. 7. O dolo eventual não poderia
ser descartado ou julgado inadmissível na fase do iudicium accusationis.
Não houve julgamento contrário à orientação contida na Súmula 07, do STJ,
eis que apenas se procedeu à revaloração dos elementos admitidos pelo
acórdão da Corte local, tratando-se de quaestio juris, e não de quaestio
facti. 8. Habeas corpus denegado. ((STF: 91159 MG, Relator: ELLEN
GRACIE, Data de Julgamento: 02/09/2008, Segunda Turma, Data de
Publicação: DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT
VOL-02338-02 PP-00281).

E mais,

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. CULPA
CONSCIENTE. PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Admissível, em
crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do
dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta.
Precedentes. 2. Mesmo em crimes de trânsito, definir se os fatos, as provas e
as circunstâncias do caso autorizam a condenação do paciente por
homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de hipótese de homicídio
culposo ou mesmo de inocorrência de crime é questão que cabe ao Conselho
de Sentença do Tribunal do Júri. 3. Não cabe na pronúncia analisar e
valorar profundamente as provas, pena inclusive de influenciar de forma
indevida os jurados, de todo suficiente a indicação, fundamentada, da
existência de provas da materialidade e autoria de crime de competência do
56

Tribunal do Júri. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega


provimento (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC n. 116950. Segunda
Turma. Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. DF, 16 de abril de
2013).

O Superior Tribunal de Justiça assim entende:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOS.


"RACHA". PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PRETENDIDA.
I – É de ser reconhecido o pré-questionamento quando a questão, objeto da
irresignação rara, foi debatida no acórdão recorrido.
II – Se plausível, portanto, a ocorrência do dolo eventual, o evento lesivo –
no caso, duas mortes - deve ser submetido ao Tribunal do Júri. Inocorrência
de negativa de vigência aos arts. 308 do CTB e 2º parágrafo único do C.
Penal.
III – Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos
praticados no trânsito. Na hipótese de "racha", em se tratando de pronúncia,
a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve
ser calcada em prova por demais sólida. No iudicium accusationis, inclusive,
a eventual dúvida não favorece os acusados, incidindo, aí, a regra exposta
na velha parêmia in dubio pro societate.
IV – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto
sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que resultado seja aceito como
tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se
mostre no plano do possível, provável.
V – O tráfego é atividade própria de risco permitido. O "racha", no entanto,
é – em princípio – anomalia extrema que escapa dos limites próprios da
atividade regulamentada. Recurso não conhecido. (grifo nosso)
(EGOV.UFSC.BR, 2 de outubro de 2012).
Seguindo esta vertente, vários Tribunais também são favoráveis à aplicação do
dolo eventual às práticas de racha, como por exemplo:

JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES. TRÂNSITO. RACHA. DOLO EVENTUAL.


Não decorrido, entre os marcos interruptivos do curso do prazo
prescricional (recebimento da denúncia e prolação da decisão de
pronúncia), lapso temporal que leve à prescrição da pretensão punitiva do
Estado, não há cogitar da extinção da punibilidade dos acusados. Vindo aos
autos dados informativos dando conta de que os réus, por ocasião do fato,
realizavam racha na via pública, em zona de alta densidade populacional,
quando um dos envolvidos na disputa veio atropelar a vítima, o que fez ao
tentar ultrapassar o outro, subsiste a decisão de pronúncia, porquanto as
circunstâncias precitadas apontam para o proceder doloso eventual na
conduta observada pelos agentes. Pronúncia mantida. (TJ-RS - RSE:
70076476084 RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Data de
Julgamento: 08/08/2018, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação:
Diário da Justiça do dia 17/08/2018. RIO GRANDE DO SUL, 2018).

Desse modo, vemos que quando o agente participa de corrida automobilista não
autorizada, ele assume o risco de um resultado. Ele demonstra agir com total indiferença
para com as pessoas que ali estão, portanto, consente com o resultado.
Em contrapartida, há quem defenda que o crime de trânsito praticado pela
“racha” de forma isolada, não possui condão para aplicação do dolo eventual, devendo,
sempre que puder, ser aplicada a culpa consciente, em defesa que se o indivíduo não
57

agiu com dolo direto, ele não assume o risco de produção do resultado.

CONCLUSÃO

Viu-se que o tema embriaguez ao volante e homicídio no trânsito é um assunto


complicado que causa divergências na jurisprudência e na doutrina gerando um
descontentamento na sociedade.
A jurisprudência e a doutrina são pautadas em argumentos contraditórios e não
uniformes, sendo certo que, podemos primeiramente diferenciar o dolo eventual da
58

culpa consciente por meio da conceituação, nesta vertente temos que, no primeiro o
agente assume o risco de produção do resultado, já na segunda, o agente acredita em sua
não ocorrência.
Este embate jurídico ocorre, pois, a análise do caso é extremamente subjetiva, a
maior dúvida é: como saber o que estava passando na mente do agente, no momento em
que causou o resultado danoso, ele assumiu ou não o resultado? Diante desta questão é
possível observar o quanto a falha tipificação de condutas determinadas no trânsito traz
uma incerteza na aplicação de ambos institutos.
A principal importância da correta aplicação está na diferença entre as
consequências geradas pelos institutos. Como demonstrado, o agente que tiver sua
conduta considerada dolosa, na modalidade eventual, será condenado pelo crime do
artigo 121 do Código Penal, cuja pena mínima é seis anos de reclusão, já na culpa
(consciente), a conduta é prevista no artigo 302 do Código de Trânsito, cuja pena
mínima é de 02 anos de detenção, portanto, o erro causado na aplicação pode trazer a
situações semelhantes, uma significativa diferença nas punições.
Como explicitado, as decisões proferidas por Tribunais, têm sido no sentido de
aplicar o dolo eventual aos casos de corrida automobilística não autorizada, “racha”, já
em casos que, isoladamente, há embriaguez ou excesso de velocidade, tem sido comum
a aplicação da culpa consciente. Ou seja, na junção de elementos, como, alta velocidade,
embriaguez, tem sido aplicado o dolo eventual, assim como nos casos de “racha”. Pois
chega em um ponto que as circunstâncias as quais o agente se submeteu superam o fato
de acreditar ou não na ocorrência do resultado.
Porém, tais decisões não são uniformes, muitos magistrados ainda são propensos
a tipificar homicídios causados no trânsito se pautando somente no crime trazido pelo
Código de Trânsito, mesmo com a tendência de aplicação do dolo eventual em
determinadas condutas.
Possível foi observar que, conforme trazido e abordado nesta pesquisa, não se
pode definir o elemento dolo eventual ou culpa consciente, apenas pelo subjetivismo,
deve ser analisado em cada caso, se o autor se submeteu a uma situação de risco ao
ponto de não se importar com a ocorrência do resultado. Indispensável é a análise dos
elementos externos do crime.
Outro aspecto importante nesse assunto é o clamor popular que vem no sentido
de querer um tratamento mais justo para haver um sentimento de paz no trânsito,
portanto, não é fato impeditivo para se fazer uma interposição mais severa e uma lei
59

mais rígida, pois o direito é uma ciência social, surge da necessidade das pessoas em
sociedade.
Pretende-se, portanto, contribuir para o mundo acadêmico e solidificar a posição
do tema proposto, uma vez que trata de um assunto que atualmente tem uma grande
importância.
Enfim, conclui-se que o dolo eventual e a culpa consciente são elementos que
devem ser aplicados de forma cuidadosa, pautados nas circunstâncias de cada caso
concreto, mas ao mesmo tempo deve ser providenciada uma uniformização de
entendimento, para que casos semelhantes não sejam tratados de forma desigual, por
conta de equívocos na tipificação.

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