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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

EXTENSÃO - LICHINGA

FELISBERTO LOURENÇO NZOTE

Acesso Igualitário à Função Pública

Lichinga, Setembro de 2017


UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

EXTENSÃO - LICHINGA

FELISBERTO LOURENÇO NZOTE

ACESSO IGUALITÁRIO À FUNÇÃO PÚBLICA

TRABALHO A SER APRESENTANDO COMO EXIGÊNCIA


PARCIAL PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE
LICENCIATURA EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE – EXTENSÃO DE
LICHINGA.

SUPERVISOR: DR. HUGO MAPILELE

Lichinga, Setembro de 2017


UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

EXTENSÃO - LICHINGA

Felisberto Lourenço Nzote

Acesso Igualitário à Função Pública

Este trabalho foi aprovado com_______valores no dia________de________de


2017 por nós, membros do júri examinador da Universidade Católica de
Moçambique Extensão de Lichinga.

_______________________________

O Presidente do Júri

______________________________

Oponente

_______________________________

Estudante

Lichinga, Setembro de 2017


DECLARAÇÃO DE HONRA

Declaro por minha honra que este trabalho é resultado da minha investigação e
das orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes estão
devidamente mencionadas no texto nas notas e na referência bibliográfica. Declaro ainda que
este não foi apresentado em nenhuma outra instituição de ensino para a obtenção de qualquer
grau académico. Apresento na Universidade Católica de Moçambique Extensão de Lichinga
como um dos requisitos necessários para obtenção do grau de licenciatura em Direito. Por ser
verdade, assino:

Autor
Felisberto Lourenço Nzote

______________________________________

Lichinga, Junho de 2017

Supervisor

Hugo Mapilele

______________________________________

Lichinga, Junho de 2017

IV
DEDICATÓRIA

A presente Monografia Científica dedico a


minha Esposa e aos meus Filhos que tanto
me apoiam, em todas as circunstâncias da
vida, eles são a razão do meu viver, aos
meus irmãos, primos, tios e amigos.

V
N
I
V
AGRADECIMENTOS

À Deus pai, que tanto ilumina-me.


A minha querida e amada esposa Sónia João, pelo apoio, amor, carinho e
educação. Aos meus Pais Lourenço Nzote e Helena Hansine que me deram a vida, sempre me
apoiaram e deram-me educação. Ao meu tio Paulo Hansine que sempre esteve do meu lado,
deu-me a força e coragem sempre que estivesse triste e soube corrigir os meus passos quanto
errados.
Agradeço aos meus irmãos, que mesmo ausentes nunca deixaram de me apoiar e
desejar o melhor. Aos meus amigos e colegas, que sempre apoiaram-me durante a batalha
estudantil.
Ao meu supervisor Hugo do Rosário Mapilele pela orientação na produção do
presente trabalho, pela atenção e gentileza que, de forma profissional disponibilizou-se em me
ajudar e a torná-lo uma realidade.
Agradeço a todos docentes do Curso de Direito que dia-pós-dia trabalharam
activamente na formação da nossa futura profissão. E a todos os amigos e familiares que directa
ou indirectamente contribuíram na realização do trabalho.

VI
1

‫״‬A administração é a arte de aplicar as leis


sem lesar os interesses”.

Honoré de Balzac

VII
RESUMO

O presente estudo dedica-se na questão relacionada “Acesso Igualitário à Função Pública ”,


surge como requisito para a obtenção do Grau académico de Licenciatura em Direito, na UCM -
Extensão de Lichinga. Será que a exigência de uma idade máxima de ingresso é compatível com
os requisitos de capacidade e mérito? Sendo este problema relevante para o Direito, porque é um
tema actual e com extrema importância fundamentalmente para o cidadão que queira aceder a
função pública e, pelo facto de ser um problema que careça de soluções oportunas para que não se
verifiquem situações do género dentro de uma ordem interna jurídica. Assim, não se conhecem os
traços específicos que distinguem uma pessoa de 36 com uma de 34 anos que possam legitimar a
preterição do 36 e a favor de 34 anos. Sendo principal objectivo demonstrar que a idade máxima
de ingresso como requisito geral é incompatível com o princípio da igualdade e os requisitos de
capacidade e mérito. Metodologia usada para a elaboração do trabalho socorreu-se a pesquisa
qualitativa, este método, consiste na consulta de documentos legislativos, revisão bibliográfica do
processo do funcionamento da Administração Pública em Moçambique. Para os ordenamentos
jurídicos português tanto Brasileiro só fixam idade mínima de ingresso, condicionando a limitação
de idade à atribuições a desempenhar. O limite de idade para a inscrição em concurso público de
ingresso na Função Pública só se legitima em face da Constituição, quando possa ser justificado
pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido. Assim, não atenta contra o princípio da
igualdade o estabelecimento de uma idade máxima de ingresso na Polícia da República de
Moçambique, porquanto, exercer actividades de ordem e segurança requer um esforço físico maior
que um cargo técnico de gestão de recursos humanos, técnico de informática, docente, técnico de
medicina. Para o provimento de cargos na Polícia da República de Moçambique, é fixado por lei
um limite máximo de 30 anos, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 37 da Lei n.º 16/2013, de
12 de Agosto, seja dito de passagem, que essa exigência é perfeitamente compatível com o
princípio maior da igualdade. Portanto o limite idade como requisito geral de ingresso na Função
Pública, a idade máxima de 35 anos revela-se incompatível com o princípio constitucional da
igualdade na medida em que das mais das vezes, não guarda relação de pertinência lógica com o
cargo a ser desempenhado, e quando assim sucede, dúvidas se não nos colocam que estamos
perante uma flagrante violação dos valores encarecidos pelo princípio da igualdade, sendo certo
que a Constituição é o fundamento de validade dos actos praticados pelos órgãos de soberania,
assim, a fixação pela lei de um limite máximo, constitui um requisito manifestamente contrário a
lei fundamental e outra consequência não pode advir dessa incompatibilidade vertical que não seja
a nulidade.

Palavras-chave: Igualdade, Acesso, Função.

VIII
LISTA DE ABREVIATURAS

A.P – Administração Pública

AC – Antes de Cristo

ART. – Artigo

ARTS. – Artigos

CC – Código Civil

CFR. – Confira

CRM – Constituição da República de Moçambique

CRP – Constituição da República Portuguesa

DC- Depois de Cristo

EGEFAE – Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado

TC – Tribunal Constitucional

TFUE – Tribunal Federal da União Europeia

TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia

UCM – Universidade Católica de Moçambique

IX
2 ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 12

CAPÍTULO I: ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA ............................................................................. 13

1.1 Significado e origem histórica do princípio da igualdade ....................................................................... 13

1.2 Antiguidade Clássica........................................................................................................................... 15

1.3 Idade Medieval........................................................................................................................................ 16

1.4 Idade Moderna .................................................................................................................................... 16

1.5 Substancial .......................................................................................................................................... 17

1.6 Formal ................................................................................................................................................. 17

1.7 Regras Princípios e Normas ................................................................................................................ 17

1.8 A regra jurídica ................................................................................................................................... 18

1.8.1 Norma jurídica ..................................................................................................................................... 19

1.9 Diferenças entre princípios e normas .................................................................................................. 19

1.10 Antinomia das Normas Jurídica ........................................................................................................ 21

1.11 Quanto à técnica para solucionar antinomias .................................................................................... 22

1.12 Tipos de inconstitucionalidade.......................................................................................................... 23

1.12.1 Inconstitucionalidade formal.............................................................................................................. 23

1.12.2 Inconstitucionalidade material ........................................................................................................... 23

1.12.3 Inconstitucionalidade originária e superveniente ............................................................................... 24

1.13 Inconstitucionalidade por acção e inconstitucionalidade por omissão.................................................. 24

1.13.1 Inconstitucionalidade por acção ................................................................................................. 24

1.13.2 Inconstitucionalidade por Omissão .................................................................................................... 25

1.13.3 Controlo da constitucionalidade......................................................................................................... 26

CAPÍTULO II: ESTUDO DO DIREITO COMPARADO ........................................................................... 27

2. Concurso como garantia do direito Fundamental de acesso à função pública em Portugal.................. 27

2.1 Os Princípios do Concurso.................................................................................................................. 28


2.2.1 O Princípio da Liberdade de Acesso .................................................................................................... 28

2.2.2 O Princípio da Igualdade...................................................................................................................... 29

2.2.3 O Princípio do Mérito .................................................................................................................. 30

2.2 A Idade ................................................................................................................................................ 31

2.4 Nacionalidade...................................................................................................................................... 33

2.5 O Requisito da aptidão física e do perfil psíquico............................................................................... 34

2.6 As Habilitações Académicas............................................................................................................... 34

2.7 No direito Brasileiro............................................................................................................................ 36

2.7.1 A Idade ......................................................................................................................................... 36

2.7.2 Princípio da Igualdade.................................................................................................................. 36

2.8 Os Princípios do Concurso.................................................................................................................. 39

2.9 O Princípio do Mérito ......................................................................................................................... 39

2.10 O Princípio da Liberdade de Acesso ................................................................................................. 39

CAPÍTULO III: ACESSO IGUALITÁRIO A FUNÇÃO PUBLICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO


MOÇAMBICANO ........................................................................................................................................ 41

3.1 Acesso igualitário à Função Pública ................................................................................................... 41

3.2 Breves considerações sobre o princípio da igualdade ......................................................................... 41

3.3 O caso do requisito de idade ............................................................................................................... 42

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES..................................................................................................... 48

RECOMENDAÇÕES ................................................................................................................................... 49

1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 50


3 INTRODUÇÃO

O presente trabalho que como tema Acesso igualitário à Função Pública, tema esse
que deverá ser abordado a luz do ordenamento jurídico Moçambicano, não obstante poder-se fazer
referência aos ordenamentos jurídicos português e Brasileiro procurando resolver o problema.
Será que a exigência de uma idade máxima de ingresso é compatível com os requisitos de
capacidade e mérito? Sendo este problema relevante para o Direito, porque é um tema actual e
com extrema importância fundamentalmente para o cidadão que queira aceder a função pública e,
pelo facto de ser um problema que careça de soluções oportunas para que não se verifiquem
situações do género dentro de uma ordem interna jurídica. Assim, não se conhecem os traços
específicos que distinguem uma pessoa de 36 com uma de 34 anos que possam legitimar a
preterição do 36 e a favor de 34 anos. Sendo principal objectivo demonstrar que a idade máxima
de ingresso como requisito geral é incompatível com o princípio da igualdade e os requisitos de
capacidade e mérito e constituindo objectivos específicos esboçar sobre matérias relativas ao
princípio da igualdade e de oportunidade, explicar sobre a matérias de inconstitucionalidade e citar
exemplos de direito comparado para trazer soluções adequadas ao problema. Metodologia usada
para a elaboração do trabalho socorreu-se a pesquisa qualitativa, este método, consiste na consulta
de documentos legislativos, revisão bibliográfica do processo do funcionamento da Administração
Pública em Moçambique. Portanto o trabalho está estruturado em três capítulos, onde no primeiro
capítulo constam matérias relativas a origem e evolução do princípio da igualdade, diferenças
entre normas e princípios, instituto de inconstitucionalidade, no segundo capítulo Direito
comparado e por fim no terceiro capítulo a discussão no verdadeiro sentido.

12
4 CAPÍTULO I: ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA

Pensamos dever começar por recordar que,a função pública é a actividade em si


mesma, ou seja, função é sinónimo de atribuição e corresponde às inúmeras tarefas que constituem
o objecto dos serviços prestados pelos servidores públicos. Nesse sentido, fala-se em função de
apoio, função de direcção, função técnica1.”

Insere-se nesta linha de pensamento, “A ideia de função se reporta ao conjunto de


actividades a serem desempenhadas pelo servidor público, a serem legalmente explicitadas,
ordenadas, especializadas e coordenadas, de modo a suprirem as necessidades operativas do
serviço público, quer isto dizer: um conjunto de atribuições acrescidas a cargos públicos, como
seja as de direcção, de chefia e de assessoramento2.”

À luz dessas considerações, podemos afirmar que função pública traduz, por um
lado, a relação existente entre o Estado e os seus agentes (tomada esta expressão em sentido
amplo), mediante o estabelecimento de um vínculo jurídico específico em que as obrigações e
direitos gerais já se encontram consignados em lei, por outro, significa o acervo de actividades que
cabem ao Estado

5 1.1 Significado e origem histórica do princípio da igualdade

Igualdade, genericamente, indica uma relação entre indivíduos, valor desejável de


um modo geral, em virtude do significado emotivo positivo que traduz na linguagem política ou,
nas palavras do autor, o homem como pessoa, ou para ser considerado como pessoa, deve ser,
enquanto indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais
indivíduos numa relação de igualdade3.

É preciso ter presente que o princípio da igualdade ou da isonomia, tenha sido


utilizado em Atenas, na Grécia antiga, cerca de 508 a.C. por Clístenes, o pai da democracia

1
FILHO, José Dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, Revista, ampliada e actualizada até
31.12.2014, 28.ª Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A, 2015, pág. 633
2
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira, Curso de Direito Administrativo, 16.ª Edição, Revista e Actualizada, Editora
Forense, 2014, pág. 411.
3
BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico. 10ªEd.Brazilia,Editora de UnB, 2000,pag.7
13
ateniense. No entanto, sua concepção mais próxima do modelo actual data de 1215 d.C., quando o
Rei João Sem-Terra assina a Magna Carta, considerado o início da monarquia constitucional4.

Na nossa opinião trata – se de um princípio jurídico disposto nas Constituições de


vários países que consagra a " igualdade de todos perante a lei", independentemente de todas as
condições destes cidadãos.

Tal princípio deve ser considerado em dois aspectos: o da igualdade na lei, a qual é
destinada ao legislador, ou ao próprio executivo, que, na elaboração das leis, actos normativos, e
medidas provisórias, não poderão fazer nenhuma discriminação. E o da igualdade perante a lei,
que se traduz na exigência de que os poderes executivo e Judiciário, na aplicação da lei, não façam
qualquer discriminação.

No nosso ponto vista, o princípio da igualdade encontra-se consagrado na


Constituição, representando um princípio geral aplicável aos direitos fundamentais, este, como
toda a norma constitucional, deve ser interpretado em conjunto com os princípios fundamentais da
Constituição. A CRM consagra como alguns dos princípios fundamentais, tais como: a dignidade
da pessoa humana e o Estado de direito democrático, sendo o primeiro a raiz do próprio princípio
da igualdade, e o segundo a base da garantia de igualdade perante a lei.

A igualdade prevê dois princípios jurídicos:

i) O princípio da igualdade, na sua dimensão formal (igualdade perante a lei);


ii) O princípio da universalidade dos direitos fundamentais (“todos os cidadãos gozam dos
mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres”).

O princípio da universalidade e a questão da titularidade dos direitos fundamentais 5. A garantia de


igualdade perante a lei, como já foi referido, decorre directamente do princípio de um Estado de
Direito democrático. Num Estado de Direito, as normas jurídicas aplicam-se de forma igual a

4
BASTOS Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, pag.225.
5
ARISTÓTELES, Política, Edição Bilingue, Colecção Vega Universidade/CiênciasSociais E Humanas (Lisboa,
1998), pag. 351.
14
todos. É esta a dimensão formal do princípio da igualdade. Ao nível internacional, considera-se a
garantia de igualdade perante a lei directamente relacionada com a igual protecção pela lei 6.
No nosso ponto de vista e que é ancorado ao pensamento do professor, trás nos um
entendimento na qual, identifica que esta garantia se relaciona tanto com a igualdade na aplicação
do direito, como com a igualdade quanto à criação do direito7.
Ainda sim, no que respeita à garantia de igualdade perante a lei, que é um reflexo
do princípio da igualdade, é importante observar que não estamos perante um dever da lei de tratar
todos de forma igual, sendo as distinções permitidas quando justificáveis 8.

O princípio da igualdade nasce da evolução dos povos. Cada grupo, cada nação
apresenta sucessivo processo de transformação, tornando, assim, flexível o conceito de igualdade
para atender as necessidades de cada época. É demonstrado que o progresso da igualdade divide-
se em etapas, tais quais9;
I. A primeira em que a regra era a desigualdade;
II. A segunda, a ideia de que todos eram iguais perante a lei; e
III. A terceira, de que a lei deve ser aplicada respeitando-se as desigualdades dos
desiguais ou de forma igual aos iguais.

1.2 Antiguidade Clássica

Pode-se dizer que Platão, ao analisar a desigualdade natural dos seres humanos, foi
o primeiro grande pensador a trazer ao público, com a devida importância, a concepção da
igualdade quando da problemática acerca do homem em sociedade. A crença de que uns haviam
nascido para comandar (virtude/conhecimento) e outros para obedecer (vício/ignorância). 10
Ainda na antiguidade clássica, Aristóteles, defendeu a igualdade de forma
proporcional, partindo do pressuposto de que se as pessoas não são iguais não devem receber
coisas iguais. Para o filósofo, a ideia de igualdade estava relacionada com a ideia de justiça ao

6
Comité dos Direitos Humanos, Comentário Geral N.º 18: Não Discriminação, Trigésima Sétima Sessão, 1989
(Publicado em Compilação de Instrumentos Internacional de Direitos Humanos, Provedoria dos Direitos Humanos e
Justiça), parágrafo. 1, 3 e 4.
7
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional E Teoria Da Constituição, pag. 426-430.
8
MAZZA Aleixandre, Manual de Direito Administrativo, 2a Edicaao, Saraiva,São PAULO, 2012, pag. 121
9
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, pag. 9
10
BITTAR, Eduardo C.B. e ALMEIDA, Guilherme, Curso de Filosofia do Direito. Editora Altas, São Paulo, 8ª
edição, 2010 pag. 111
15
conceder algo a cada um de acordo com seu mérito e de exigir de cada um aquilo que sua
capacidade e possibilidade permitir11.

Constata-se, portanto, que Aristóteles deu início à formação do conceito de


igualdade material, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida da desigualdade12.

6 1.3 Idade Medieval

Foi marcado por pensamento cristão, os escritos de São Tomás de Aquino ressaltando a
dignidade e igualdade do ser humano. (o homem é uma criatura formada à imagem de Deus e por isso

possui dignidade inerente à sua condição 13.

1.4 Idade Moderna

O traz à tona a problemática da desigualdade entre os homens em sociedade –


orientado pela conjuntura da sociedade da época, preocupando-se em distinguir o homem natural e
o homem em sociedade.

Ao contrário de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, por uma


igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado de desigualdade física; podendo ser
desiguais em força ou em género, eles se tornam todos iguais por convenção e por direito14

Podemos afirmar que desde a mais remota época, o homem se preocupa com o
problema das desigualdades inerentes ao seu ser e à estrutura social em que se insere. Nesse
contexto, surgiram diversos conceitos de igualdade. Destes, destacamos dois que consideramos os
mais abrangentes
i) A igualdade substancial, e
ii) A igualdade formal.

11
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª Edição. 2004. São Paulo pag.94
12
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª Edição. 2004. São Paulo pag.96
13
BITTAR, Eduardo C.B. e ALMEIDA, Guilherme, Curso de Filosofia do Direito. Editora Altas, São Paulo, 8ª
edição, 2010, pag. 113
14
ROUSSEAU, Jean-Jacques, O contrato social. Porto Alegre: L&PM, 2009. Pag.41
16
1.5 Substancial

A igualdade substancial, nas palavras do autor, consiste no “tratamento uniforme de


todos os homens. Não se cuida, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma
igualdade real e efectiva perante os bens da vida15.”

Essa igualdade não se realiza, pois a vaidade dos homens impede que todos sejam
iguais. Próximo desse ideal de igualdade substancial, lembramos o pensamento de Jean-Jacques
Rousseau.

1.6 Formal

A igualdade formal, por seu turno, consiste “no direito de todo cidadão não ser
desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados, ou ao menos não vedados,
pelo ordenamento constitucional16.”

Já muito se disse sobre o princípio da igualdade e ao compulsarmos a doutrina,


chamou-nos atenção no que tange a origem desse importante mandamento jurídico, o princípio da
igualdade pertence ao rol dos direitos humanos, e, portanto, evoluiu conjuntamente com eles. O
princípio da igualdade é uma figura jurídica que têm vindo a sofrer modificações, fruto da
evolução histórica e social. O princípio da igualdade é matéria que, desde há muito, se encontra no
espírito e obra, nomeadamente, de filósofos, sociólogos e juristas17, encontrando-se referências ao
princípio da igualdade já na antiguidade clássica18. O desenvolvimento do Direito constitucional
moderno foi marcado pelo reconhecimento do princípio da igualdade.

1.7 Regras Princípios e Normas

Ao conceituar Direito Administrativo, afirmamos que é o ramo que estuda


“princípios e normas”. Cabe aqui um esclarecimento. Os estudos clássicos sobre o ordenamento

15
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, pag. 12
16
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978,pag. 16
17
GARCIA, Maria Gloria, Estudos sobre o Princípio da Igualdade, Coimbra: Almedina, 2005,pag.351
18
VIEIRA, Adriana, O Princípio Constitucional Da Igualdade e o Direito Do Consumidor, 1ª ed. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2002. Pag.405
17
jurídico tendem a adoptar a expressão “regra jurídica” como um género que comporta duas
espécies19:
 Os princípios, e
 As normas.

Do latim principĭum, o princípio é o primeiro instante de algo. Trata-se, portanto,


do começo ou início. Princípio também é o ponto que se considera como inicial numa extensão, a
origem ou a causa de algo e a razão fundamental ou a base sobre a qual assenta qualquer matéria
ou tema.20 Princípios jurídico podem ser definido como sendo um conjunto de padrões de conduta
presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Os princípios, assim como as
regras, são normas21.

Em outras palavras, podemos dizer que regras são comandos específicos, enquanto
princípios são preceitos de optimização. Se a regra é válida e aplicável, esta requer que seja feito o
que se prevê na sua íntegra. Já os princípios são normas que exigem que algo seja realizado em
seu maior nível possível, dadas as condições do caso em estudo, contendo assim uma ideia de
gradação22.

1.8 A regra jurídica

Assim, a regra jurídica seria todo comando de conduta estabelecido pelo Direito.
Tais regras, por sua vez, seriam de dois tipos23:
a) Princípios – regra gerais norteadoras de todo o sistema jurídico;
b) Normas – comandos específicos de conduta voltados à disciplina de comportamentos de
terminados.

19
BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico. 10ªEd.Brazilia,Editora de UnB, 2000, pags.105-110
20
KELSEN,Hans, Teoria Pura do Direito.Tradução João Baptista Machado, São Paulo, Martins Fontes 1985 pags.
85-86
21
KELSEN,Hans, Teoria Pura do Direito.Tradução João Baptista Machado, São Paulo, Martins Fontes 1985 pags.
85-86
22
KELSEN,Hans, Teoria Pura do Direito.Tradução João Baptista Machado, São Paulo, Martins Fontes 1985 pags.
85-86
23
BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico, 2000,págs. 105 -110.
18
7 1.8.1 Norma jurídica

A Norma jurídica seria um género, dividido em duas espécies: a regra indispensável à sociedade a
sua existência e, mencionamos, o seu funcionamento24.

Norma específica disciplinadora de comportamentos específicos e o princípio


(regra geral de conteúdo mais abrangente do que o da norma. A divergência não tem grande
importância prática, mas é preciso reconhecer que esta última forma de classificar os comandos
jurídicos tem uma vantagem:

Reforçar a ideia de que, assim como as regras específicas, os princípios


administrativos também são normas adoptadas de força cogente capaz de disciplinar o
comportamento da Administração Pública.

Portanto, desde que não se questione a força cogente dos princípios jurídicos
possuem força cogente máxima, não faz diferença denominar os comandos mais específicos como
normas ou regras.

1.9 Diferenças entre princípios e normas

O Direito é uma linguagem prescritiva, pois regula os comportamentos humanos


comunicando regras obrigatórias. Essa linguagem prescritiva pode ser entendida em dois níveis
diferentes25:
 O plano do texto,
 E o plano da regra.

O texto é a forma; a regra normativa é o conteúdo do texto. As leis (texto) veiculam


regras jurídicas (conteúdo). Por meio da interpretação, o operador do direito extrai a regra a partir
do texto. Assim, um só diploma legal contém inúmeras regras. Essa distinção entre forma e
conteúdo é indispensável para compreender muitos problemas de Direito Administrativo, como a

24
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo brasileiro. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1939. Pag.653
25
FILHO ,José dos Santos Carvalho, Manual de direito administrativo, pag. 18.
19
diferença entre decreto (forma) e regulamento (conteúdo). O decreto é o continente (texto); o
regulamento, o conteúdo (regra)26.

Como todo ramo jurídico, o Direito Administrativo possui dois tipos de regras
cogentes: os princípios e as normas. Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e
Eficiência são exemplos de princípios administrativos “A administração pública directa e indirecta
de qualquer dos Poderes dos Estados.

Diante da sua directa previsão no Texto Constitucional, esses cinco princípios são
chamados de princípios expressos ou explícitos. Pelo contrário, o disposto no EGEFAE 27, segundo
o qual os servidores públicos são aposentados compulsoriamente aos 60 ou 55 anos de idade, é
uma regra. Podemos diferenciar princípios e normas a partir de vários critérios 28:
a) Quanto à abrangência: os princípios disciplinam maior quantidade de casos
práticos; enquanto as normas são aplicáveis a um número menor de situações
concretas;

b) Quanto à abstracção do conteúdo: os princípios possuem um conteúdo mais geral


dotado de acentuado nível de abstracção; já as normas têm um conteúdo reduzido à
disciplina de certas condutas;

c) Quanto à importância sistémica: os princípios sintetizam os valores fundamentais


de determinado ramo jurídico; enquanto as normas não cumprem tal papel dentro
do sistema, apenas regula condutas específicas;

d) Quanto à hierarquia no ordenamento jurídico: como consequência da distinção


anterior, os princípios ocupam posição hierarquicamente superior perante as
normas, prevalecendo sobre elas em caso de conflito; as normas posicionam-se
abaixo dos princípios na organização vertical do ordenamento, tendo a validade de
seu conteúdo condicionada à compatibilidade com os princípios;

26
FILHO, José dos Santos Carvalho, Manual de direito administrativo, pags. 18-19
27
Alianea b) do no 1 do artigo 140 do EGEFAE
28
MAZZA Aleixandre, Manual de Direito Administrativo, 2a Edicaao, Saraiva,São Paulo, 2012, pags. 39 – 40.
20
e) Quanto à técnica para solucionar antinomias: os princípios enunciam valores
fundamentais do ordenamento jurídico de modo que, havendo colisão entre dois ou
mais princípios, emprega -se a lógica da cedência recíproca, aplicando-se ambos,
simultaneamente, mas com os conteúdos mitigados; enquanto no conflito entre
normas surge uma questão de validade, utilizando -se da regra do tudo ou nada, de
modo que uma norma é aplicada afastando a incidência da outra;

f) Quanto ao modo de criação: os princípios jurídicos são revelados pela doutrina num
processo denominado abstracção indutiva, pelo qual as regras específicas são
tomadas como ponto de partida para identificação dos valores fundamentais
inerentes ao sistema (princípios). Desse modo, o papel desempenhado pelo
legislador na criação de um princípio jurídico é indirecto, pois, após criar as
diversas normas do sistema, cabe à doutrina identificar os princípios fundamentais
ali contidos; ao contrário das normas, que são criadas directamente pelo legislador;

g) Quanto ao conteúdo prescritivo: os princípios têm conteúdo valorativo que, muitas


vezes, não prescreve uma ordem específica para regulação de comportamentos;
enquanto o conteúdo das normas sempre se exprimidas por meio de um dos três
modais deônticos existentes: permitido, proibido e obrigatório. Toda norma jurídica
permite, proíbe ou obriga determinada conduta humana 29.

1.10 Antinomia das Normas Jurídica

Antinomia é o conflito entre regras jurídicas dentro de determinado sistema. De


acordo com Norberto Bobbio, existem três critérios para solucionar antinomias:

 Critério cronológico: norma posterior revoga norma anterior;


 Critério hierárquico: norma de nível superior revoga norma inferior;
 Critério da especialidade: norma especial revoga norma geral de dois princípios. Pode,
entretanto, haver conflito entre os critérios.

29
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2.ª Edição, Saraiva Editora, São Paulo, 2012, pág, 39.

21
Se o conflito for critério hierárquico x critério cronológico, o hierárquico prevalece
(se a norma anterior superior é antinómica em relação à norma posterior inferior, prevalece a
norma anterior superior).
Se o conflito for critério da especialidade x critério cronológico, prevalece o critério
da especialidade (se a norma anterior especial é incompatível com uma norma posterior geral,
prevalece a norma anterior especial)30.

Mas se o conflito for critério hierárquico x critério da especialidade, não existe uma
solução predefinida (se norma superior geral entra em conflito com norma inferior especial, como
os dois critérios são fortes, a melhor saída somente poderá ser avaliada diante do caso concreto).

1.11 Quanto à técnica para solucionar antinomias

Os princípios enunciam valores fundamentais do ordenamento jurídico de modo


que, havendo colisão entre dois ou mais princípios, emprega -se a lógica da cedência recíproca,
aplicando-se ambos, simultaneamente, mas com os conteúdos mitigados; enquanto no conflito
entre normas surge uma questão de validade, utilizando -se da regra do tudo ou nada, de modo que
uma norma é aplicada afastando a incidência da outra;

Objectiva-se, com a criação da norma, dar respostas de comportamento e conduta à


sociedade, em face dos factos produtores de consequências nem sempre desejáveis, dentro de uma
linha daquilo que é razoavelmente necessário e estritamente proporcional a se exigir do indivíduo
para a vida na colectividade.

Para tanto, considera-se moralmente desqualificado para o convívio social aqueles


concidadãos que não obedecem ao ordenamento jurídico, os quais terão suas liberdades
individuais gradualmente cerceadas, mediante aplicação de penas, sendo-lhe mitigado o exercício
de determinadas prerrogativas e direitos, tais como propriedade, possibilidade de desempenho de
funções públicas, liberdade e vida, este, tão-somente, para os ordenamentos jurídicos que ainda
adoptam sanções capitais31.

30
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 1.ªEdicao, São Paulo: Atlas, 1993 pag.502
31
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 4ª ed. Coimbra: Almedina. 2000,
pag.87
22
Havendo concorrência na aplicação de princípios, está será resolvida por meio de
exercício de ponderação de interesses, na qual, mediante um juízo axiológico, deverá se
estabelecer, dentro da hipótese em tela, qual terá primazia sobre os demais, inclusive no que se
refere à análise de casos concretos entre indivíduos sob a tutela do Poder Público.

Assim, em caso de eventual colisão normativa entre princípios, esta será resolvida,
em cada caso, mediante exercício ponderado de interesses casuísticos, sobrepondo-os de maneira
condicionada, a fim de garantir a prelazia do princípio que melhor se aplica à situação sob
examine.

1.12 Tipos de inconstitucionalidade

8 1.12.1 Inconstitucionalidade formal

Os vícios relativos à formalidade afectam o acto normativo sem atingir seu


conteúdo, referindo-se aos procedimentos e pressupostos relativos às feições que formam a lei. A
primeira possibilidade a se considerar, quanto ao vício de forma, é a denominada
inconstitucionalidade orgânica, que se traduz na inobservância da regra de competência para a
edição do acto. De outra parte, haverá inconstitucionalidade formal propriamente dita se
determinada espécie normativa for produzida sem a observância do processo legislativo próprio. 32

9 1.12.2 Inconstitucionalidade material

Os vícios materiais, diferentemente dos formais, estão ligados ao próprio mérito do


acto, referindo-se a conflitos de regras e princípios estabelecidos na Constituição.

A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo,


substantiva entre a lei ou o acto normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com
uma regra constitucional. O controlo material de constitucionalidade pode ter como parâmetro
todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e
programáticas33.

32
BARROSO, Luís Roberto, Direito Constitucional, 5ª Edição, são Paulo, atlas 2006, pags. 26-27.
33
BARROSO, Luís Roberto, Direito Constitucional 5ª Edição, são Paulo, atlas 2006, pag. 29
23
Ao nosso ponto de vista, a inconstitucionalidade material se dá quando a norma vai
contra os parâmetros explícitos da Constituição ou contra as vertentes do princípio da
proporcionalidade (adequação e necessidade).

10 1.12.3 Inconstitucionalidade originária e superveniente

O momento da edição das normas constitucionais é que procede a distinção entre


inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente.

Se uma norma legal vem depois da Constituição e com essa é incompatível, tem-se
um caso típico de inconstitucionalidade. Se a contradição, no entanto, for entre norma
constitucional superveniente e o direito ordinário pré-constitucional, indaga-se se seria caso de
inconstitucionalidade ou de mera revogação.

Tem-se também caso em que a norma editada com os parâmetros constitucionais


vigente à época pode tornar-se com ela incompatível em decorrência de mudanças fácticas ou de
mudanças na interpretação constitucional34.

Na nossa opinião, o legislador não deve obediência à Constituição antiga, já


revogada, pois ela não existe mais. Existiu, deixou de existir. Muito menos a Constituição futura,
inexistente, por conseguinte, por não existir ainda. De resto, só por adivinhação poderia obedecê-
la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexistente.

A inconstitucionalidade superveniente refere-se, em princípio, à contradição dos


actos normativos com as normas e princípios materiais da Constituição e não à contradição com as
regras formais ou processuais do tempo da sua elaboração” 35.

11 1.13 Inconstitucionalidade por acção e inconstitucionalidade por omissão

1.13.1 Inconstitucionalidade por acção

Além das formas de inconstitucionalidade até então vistas, temos, por fim, também
a inconstitucionalidade por acção e a inconstitucionalidade por omissão.

34
DI PIETRO, Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Actualizada com a reforma previdenciaria, 17, Edição. São
Paulo: Atlas, pág.12.
35
CANOTILHO, J. J. apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, pag. 1180.
24
A inconstitucionalidade por acção é aquela advinda da incompatibilidade entre uma
norma e a Constituição, enquanto a omissão legislativa inconstitucional pressupõe a
“inobservância de um dever constitucional de legislar, que resulta tanto de comando explícitos da
Lei como de decisões fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação 36”

A referência a inconstitucionalidade por acção, portanto, abrange os actos


legislativos incompatíveis com o texto constitucional. Os múltiplos modelos de controlo de
constitucionalidade, foram concebidos para lidar com o fenómeno dos actos normativos que
ingressam no mundo jurídico com um vício de validade. 37

A ideia de controlo de constitucionalidade vem do facto que a Constituição é a


norma base para as demais38, “regem a conduta recíproca dos membros da colectividade estatal,
assim como das que determinam os órgãos necessários para aplicá-las e impô-las, e a maneira
como devem proceder, isto é, em suma, o fundamento da ordem estatal”.

Assim, resultando o processo legislativo em incongruência com o texto


constitucional, o ordenamento jurídico oferece meios para expulsar essas normas que são
incompatíveis com a vontade da Constituição.

12 1.13.2 Inconstitucionalidade por Omissão

Temos omissão legislativa absoluta quando não são empregadas pelo legislador as
directrizes constitucionais reclamadas. Já a omissão parcial acontece quando a norma criada
atende parcialmente a vontade constitucional ou de modo insuficiente.

É digno de nota que, a omissão inconstitucional total ou absoluta estará configurada


quando o legislador, tendo o dever jurídico de actuar, abstenha-se inteiramente de fazê-lo,
deixando um vazio normativo na matéria39”.

Pelo exposto, nota-se que a inconstitucionalidade não se dá apenas pela acção do


legislador ao editar lei que vai contra os mandamentos da Constituição, mas também quando

36
MENDES In: Branco; Coelho; Mendes, 2010, pag. 1184-1185.
37
BARROSO, Luís Roberto, Direito Constitucional 5ª Edição, são Paulo, atlas 2006, pags. 31-32
38
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado, Martins Fontes, São Paulo,1999 pag.
143.
39
BARROSO, Luís Roberto, Direito Constitucional 5ª Edição, são Paulo, atlas 2006, pag. 35

25
descumprir suas obrigações constitucionalmente descritas, simplesmente por não legislar ou por
legislar de forma incompleta.

13 1.13.3 Controlo da constitucionalidade

Uma vez editada a constituição de um país, deve zelar pela coerência interna no
período da vigência. As mudanças que ocorrem nas constituições as quais nos reportamos, não
podem trazer contradições para com o texto já escrito. Os actos normativos infraconstitucionais do
ordenamento jurídico devem estar e consonância com o estatuído na lei máxima40.

Para manter esta coerência no sistema, foram criados os sistemas de controlo de


constitucionalidade, o próprio instituto já explica que são mecanismos que visam expurgar do
sistema as normas que conflituam com o texto maior.

Controlar a constitucionalidade de acto normativo significa impedir a subsistência


da eficácia da norma contrária a constituição 41

No ordenamento jurídico Moçambicano o controlo e feito em duas formas são:

 Controlo preventivo, esse inicia antes da promulgação da lei nos termos do artigo 246
CRM.
 Controlo sucessivo opera a posterior nos termos do 245 conjugado com os artigos 214 e
247 todos da CRM.

40
FILHO, Manuel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 25ªEd. São Paulo, Saraiva, 1999 pag.135
41
FILHO, Manuel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 25ªEd. São Paulo, Saraiva, 1999 pag.135

26
14 CAPÍTULO II: ESTUDO DO DIREITO COMPARADO

2. Concurso como garantia do direito Fundamental de acesso à função pública em Portugal

O concurso é um «instrumento funcional da realização do direito» de acesso à


função pública42, ou, noutra expressão, também de Gomes Canotilho, é «condicionador da sua
autenticidade e efectividade»43. O procedimento do concurso, porém, só cumpre esta função de
garantia quando ele próprio é organizado no respeito daquele direito.

A norma do artigo 47.º, n.º 2, da CRP, como explica o Acórdão do TC n.º893/99,


«não consagra apenas uma concretização para o regime do acesso à função pública do princípio da
igualdade enquanto regra de direito objectivo. O princípio de direito objectivo aparece aqui como
integrando um direito subjectivo – um direito de igualdade»44. E o Tribunal continua: «O
importante significado deste direito subjectivo resulta claramente, não só da sua associação à
liberdade de escolha de profissão, mas também de a Constituição da República o consagrar no
capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias pessoais». Vincula, desta feita, o legislador, a
Administração e os Tribunais a censurarem decisões que envolvam discriminações e restrições
infundadas e desproporcionadas no acesso a emprego público (artigo 18.º da CRP).

O direito é enunciado no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, citado, como um direito de


acesso em condições de igualdade e como um direito de liberdade de acesso. O que significa que,
mesmo nas modalidades não as escolhas respectivas devem ser fundadas em razões objectivas,
máxime de capacidade/mérito, e deve ser assegurada a publicidade da disponibilidade dos
respectivos empregos e, portanto, a possibilidade dos interessados se candidatarem.

Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do


contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso
se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter
lugar através de procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de
acesso45».

42
artigo 47.º, n.º 2, da CRP
43
Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI,
1990, Coimbra, pag.171 - 172.
44
Cf. alínea .b) do Ac. de 21.12.1999, proferido em plenário no processo n.º 42/98.
45
Acórdão n.º 406/2003160, ponto 2.5., itálico no original, e Acórdão n.º 409/2007161, ponto 6.2.
27
O direito de acesso à função pública, à luz dos parâmetros enunciados, compreende,
várias faculdades, de que se destaca:

 O direito de apresentação de candidatura46;


 O direito a não se ser excluído «por outros motivos que não seja a falta de requisitos
adequados à função (v.g. idade, habilitações académicas e profissionais) 47»
 O direito de não ser discriminado nem sujeito a tratamento diferenciado com base em
regras e critérios «impertinentes» ou irrelevantes;
 O direito a não ser preterido, na selecção, senão por aplicação de critérios objectivos;
 O direito a condições de igualdade, na comparação com os demais candidatos, e, portanto,
à igualdade de oportunidade na disputa dos respectivos empregos.

2.1 Os Princípios do Concurso

O concurso materializa o direito de acesso à função pública, que é, como tal,


fundamentalmente, um direito a um procedimento justo de selecção 48. A justeza do procedimento
de concurso assenta, fundamentalmente, em três princípios:
 O princípio da liberdade de acesso,
 O princípio da igualdade, e
 O princípio do mérito.
Estes princípios fixam standards das disposições normativas do concurso, cuja
aplicação tem de operar nos limites da axiologia normativa daqueles, assim como na aferição da
validade das decisões concursais49.

15 2.2.1 O Princípio da Liberdade de Acesso

O princípio da liberdade de acesso postula a possibilidade de candidatura e a não


exclusão do concurso dos indivíduos interessados que preencham os requisitos legais para o
46
Jose M.ª Boquera Oliver, La Selección de Contratistas, Procedimentos de selección y contrato,
Instituto de Estudos Politicos, Madrid, 1963, pag. 30.
47
Cf. Acórdão n.º 53/88, de 08.03.1988, relator: Vital Moreira, Acórdãos do TC, volume
11.º, 1988, pag. 310.
48
(J.J. Gomes Canotilho, «Princípios Entre a Sabedoria e a Aprendizagem», Boletim da Faculdade de Direito da
UC, ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Volume I: «Filosofia,
Teoria e Metodologia», 2008, pag. 382.
49
Vittorio Italia, Le Disposizioni di Principio Stabilite dal Legislatore, Milano, Giuffrè Editore, 1970, pag. 339.
28
exercício de função pública em geral e/ou de um emprego público em particular. O princípio, em
concreto, exige50:
a) Que não sejam estabelecidos, pelo legislador, requisitos legais infundados e/ou
desproporcionados à luz das características do respectivo emprego;
b) A publicidade ampla da abertura do concurso, de modo a poder ser conhecida pelo
universo daqueles que se podem candidatar e a sua consequente organização «numa
base tão alargada quanto possível»;
c) Que os prazos de apresentação de candidatura sejam razoáveis, isto é,
suficientemente alargados para permitir a organização da respectiva candidatura;
d) Que aos candidatos não seja imposta a escolha de uma candidatura de entre vários
concursos a que se poderiam candidatar abertos por uma mesma entidade;
e) Que não seja, por regra, obrigatória a candidatura: a liberdade de candidatura tem a
vertente negativa da não obrigatoriedade de apresentação a concurso, sem prejuízo
da possibilidade excepcional de cominação de consequências desfavoráveis para a
não oposição a concurso (como é o caso da não apresentação a concurso por parte
de trabalhador colocado em situação de mobilidade especial51).
f) Que as exigências instrutórias ou probatórias da candidatura sejam (apenas) as
(estritamente) necessárias, designadamente, atentos os aspectos (poucos) que
relevam em sede de admissão;
g) Que não seja excluído do concurso quem tenha qualificações académicas e/ou
profissionais superiores às legalmente exigidas;
h) Que não sejam fixados critérios de selecção ou de preferência injustificados e/ou
desproporcionados, que, diminuindo significativamente as chances de alguns dos
interessados, os afastem ou dissuadam da apresentação de candidatura;

16 2.2.2 O Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade é um princípio «estruturante e informador» da ordem


jurídica (artigo 13.º da CRP) que surge, no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, em relação ao acesso aos

50
Cf. 2.2.1. do Ac. do TC n.º 53/88, de 11.03, processo n.º 21/86.
51
Cf. artigos 29.º, n.ºs 5 e 6, e 39.º, n.º 2, alínea b), ii), da Lei n.º 53/2006, de 07.12, e alínea
b) do n.º 5 do artigo 6.º da LVCR.
29
empregos públicos, como um «elemento constitutivo do próprio direito (direito de igualdade)»
186. São, por um lado, proibidas as discriminações fundadas em «factores de discriminação
ilegítimos» como os enunciados no artigo 13.º, os quais, reportadas a condições ou qualidades
protegidas por direitos fundamentais (por exemplo, a liberdade religiosa) devem ser justificadas
por referência aos mesmos.

Por outro lado, o princípio postula a igualdade de condições ou de tratamento e a


igualdade de oportunidades. Com esta última, contendem, nos termos assinalados, as condições
relativas à participação no procedimento e a condução deste. A igualdade, seja a «igualdade
perante a lei e na aplicação da lei», seja a «igualdade na lei», respectivamente, veda actuações e
decisões que consubstanciem ou impliquem diferenças irrelevantes do ponto de vista da
capacidade e da preparação necessárias para o exercício da concreta actividade laboral e, portanto
e bem assim, as que sejam ditadas, não por razões objectivas, mas por situações «individualizadas
e concretas» 189. Trata-se de garantir a «possibilidade de concorrer em pé de igualdade» e que o
resultado do concurso não está «de antemão determinado52»

A valoração, para efeitos de selecção, do prévio exercício de funções ou da


experiência profissional constitui um dos domínios que propícia o tratamento desigualitário
infundado dos candidatos, traduzido na consideração infundada e/ou desproporcionada da
experiência adquirida num contexto institucional específico ou ao abrigo de um determinado
vínculo laboral53.

Do ponto de vista da igualdade, são ainda de postergar, no provimento de empregos


públicos, critérios de preferência, ou mecanismos não concorrenciais, que beneficiem aqueles que
tenham sido previamente escolhidos discricionariamente ou que atendam relevantemente ao facto
de terem um prévio vínculo funcional com entidade pública54.

2.2.3 O Princípio do Mérito

O concurso é por natureza comparativo e só a objectividade da comparação permite


preservar a fidelidade e mérito desta. Falar de um princípio de mérito significa que uma das suas

52
Ac. n.º 53/88, de 08.03.1988, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º volume
1988, pag. 312.
53
Ver Ac. do TC n.º 620/2007, n.º II.3, processo n.º 1130/2007, de 20.12.2007.
54
Considerando 44 do Ac. do TFP de 17.11.2009, F-99/08, Rita Di Prospero, citado
30
linhas directrizes é a organização e a densificação da selecção em função da sua idoneidade para
recrutar os candidatos mais capacitados para o exercício da actividade laboral a que respeite 55.
Para tanto56:
a) O concurso deve assentar numa base alargada de recrutamento, que assegure a
possibilidade de efectuar a melhor selecção;

b) Os métodos e critérios de selecção devem ser objectivos, isto é, relativos às características


do emprego em causa e aos deveres e obrigações associados à respectiva prestação de
trabalho e, portanto, conformes «com o interesse do serviço».

c) À luz deste princípio, justifica-se que, na selecção, seja privilegiada a adopção dos
métodos de selecção da prova de conhecimentos e da avaliação psicológica;

d) É necessários que o júri e entidades que intervêm na avaliação tenham preparação técnica
bastante.

2.2 A Idade

A exigência de uma idade mínima para aceder aos empregos públicos articula-se
com a duração da escolaridade obrigatória e com o nível habilitacional exigido para aceder a
empregos públicos. Por outro lado, a idade, como requisito indispensável para o exercício de
funções públicas, associa-se à capacidade civil57.

Nos termos da Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho –


relativa à idade mínima de admissão ao emprego, adoptada pela Conferência Internacional do
Trabalho em 26 de Junho de 1973118 –, a «idade mínima geral de admissão ao emprego de
trabalhadores abrangidos pelo regime jurídico do contrato individual é de 16 anos e, nas relações
de emprego público, é de 18 anos».

Hoje não existe, em geral, um limite de idade máximo para aceder ao exercício de
funções públicas58. Existem, porém, previsões normativas de uma idade máxima para o exercício

55
artigo 55.º, n.º 2, alínea e), da Ley 7/2007, de 12 de abril, del Estatuto Básico del
Empleado Público, citado
56
Na expressão da Sentenza n. 373 da Corte Costituzionale, de 23.07.2002, ponto 5 (Considerato
in diritto)
57
Ver, também, Funcionários Públicos, cit., pags. 41 e 42.
58
artigo 4.º do Decreto com força de lei n.º 16 563, de 2 de Março de 1929-
31
de certas profissões ou são fixados limites de idade em recrutamentos concretos por entidades
públicas no quadro do regime laboral privado.

A «igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho» veda


discriminação fundada na idade, que considerada em si contende com o direito fundamental ao
respeito da dignidade humana. Constitui objectivo geral da União «combater a discriminação em
razão do sexo, raça o origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual»
(artigos 10.º e 19.º, n.º 1, do TFUE; e artigo 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia) e a não discriminação em razão da idade é reconhecida pelo TJUE como princípio geral
do direito da União.

Diferentemente de outros factores de discriminação, aqui «não existem


características fixas que definam grupos de idade particulares» e a mesma acaba por assumir um
carácter volátil e dinâmico. Por outro lado, como destaca Colm O’Cinneide, na publicação da
Comissão Europeia La discrimination fondée sur l’âge et le droit européen: algumas «distinções
fundadas na idade encontram a sua origem em considerações racionais que não são incompatíveis
com o reconhecimento da dignidade Pessoal, têm objectivos económicos e sociais atendíveis e são
muitas vezes pensados para atribuir vantagem ou proteger grupos de idade particulares»59.

A fixação legal de limites de idade máximos pode ser justificável, em concreto, por
razões capacitarias (ligadas, por exemplo, à aptidão física necessária para o exercício da profissão)
e de interesse colectivo (relativo, por exemplo, à política de emprego, do mercado de trabalho ou
da formação profissional) desde que o objectivo prosseguido seja legítimo e, à luz deste, a
exigência não seja desproporcionada60.

A fixação em especial de uma idade limite está sujeita ao disposto na Directiva


2000/78/CE do Conselho de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de
igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional. A Directiva «é aplicável a todas
as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos», no que
diz respeito, designadamente, às condições de acesso ao emprego, «incluindo os critérios de

59
Cf. p. 5 da publicação citada, Emploi affaires sociales, Droits fondamentaux et antidiscrimination,
Commission européenne, Direction générale de l’emploi, des affaires sociales et
de l’égalité des chances, Unité D3, Manuscrit terminé en avril 2005.
60
Cf. Considerando 60 do A. do TJUE de, C-286/12, Comissão Europeia contra a
Hungria:
32
selecção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de actividade e a todos os níveis da
hierarquia profissional61»

A proibição da discriminação, directa e indirecta, enunciada no artigo 2.º, n.º 1, é


concretizada pela definição, nos n.ºs 2 a 4 do mesmo artigo, dos «comportamentos considerados
como discriminações»62.

O estabelecimento de uma idade a partir da qual não é possível o recrutamento para


dadas funções públicas constitui uma discriminação directa, pois é dado um tratamento menos
favorável às pessoas cuja idade seja superior a esse limite face às demais pessoas com base nesse
facto. Noutros casos, a discriminação resulta de «uma disposição, critério ou prática
aparentemente neutros», mas que são susceptíveis de colocar numa situação de desvantagem
«pessoas com uma determinada classe etária...comparativamente com outras pessoas»63.

2.4 Nacionalidade

A nacionalidade não é, em regra, um requisito para o exercício de funções públicas


e, por isso, de recrutamento. Tal decorre da abertura constitucional em matéria de equiparação de
direitos e deveres entre cidadãos portugueses e estrangeiros. A Constituição, no artigo 15.º
«Estrangeiros, apátridas e cidadãos europeus», n.º 1, estabelece o princípio geral de equiparação
entre estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal e os cidadãos portugueses
em matéria de direitos e deveres. Da equiparação excepciona, no n.º 2 do artigo 15.º, quatro
situações:

Os «direitos políticos»; o «exercício das funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico»; «direitos e deveres reservados pela Constituição» e direitos
reservados pela lei. Os n.ºs 3 a 5 do mesmo artigo da Constituição ressalvam das excepções do n.º
2 a possibilidade de atribuição, por lei e em condições de reciprocidade, a algumas categorias de
estrangeiros residentes no território, alguns dos direitos reservados a cidadãos Portugueses.

A questão da exigência da nacionalidade não se coloca relativamente aos cidadãos


de outros Estados-Membros da União Europeia. Com efeito, no quadro das obrigações do Estado

61
Art. 3.º, n.º 1, alínea a).
62
Considerandos 52 e 53 do Ac. de 13.09.2011, Reinhard Prigge, citado.
63
Considerandos 56 e 72 do Ac. de 13.09.2011, Reinhard Prigge, citado.
33
português na União Europeia e de acordo com as «disposições dos tratados que a regem e as
normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, (...) aplicáveis
na ordem interna» não é possível excluir em geral dos empregos públicos nacionais os cidadãos de
outros Estados-Membros.

O princípio fundamental da livre circulação dos trabalhadores é aplicável aos


trabalhadores públicos. Apenas podem ser excepcionados (mas não têm que o ser os empregos que
envolvem uma participação, directa ou indirecta, no exercício do poder público e cujas funções
tenham por objecto a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras colectividades
públicas. Esta delimitação, dos empregos da Administração Pública excluídos da aplicação do
princípio, foi sendo apurada de forma estrita pela jurisprudência euro comunitária desde os anos
setenta.

O requisito da nacionalidade deve, pois, em face do exposto, ser enunciado nos


seguintes termos na economia da disposição normativa relativa aos requisitos de recrutamento:
«Constituem requisitos para ser trabalhador público:

Ter nacionalidade Português, nos casos, de acordo com a Constituição,


especificamente previstos na lei e permitidos pelo Direito da União”».

2.5 O Requisito da aptidão física e do perfil psíquico

O requisito reclama a «ausência de lesões ou enfermidades que impossibilitem o


exercício das tarefas a que o recrutamento e o concurso se reporta ou que sejam susceptíveis de
agravação em virtude do seu desempenho» e o perfil psíquico «consubstancia-se na ausência de
anomalias da personalidade e ou patologia de natureza neuropsiquiátrica que impossibilitem ou
dificultem o exercício das tarefas a que se alude na conclusão anterior ou susceptíveis de
agravação em virtude desse exercício.

2.6 As Habilitações Académicas

O recrutamento para emprego público, quanto ao requisito das habilitações, exige,


em regra, a titularidade de um certo nível ou grau académico. Quando a respectiva actividade o
requeira, pode ser exigido adicionalmente que a habilitação se insira dentro de certa área de

34
formação académica64. A inserção do nível habilitacional em certa área é «imprescindível» quando
a actividade do posto de trabalho não pode ser exercida sem a mesma, sendo indispensável e
insubstituível. As áreas de formação estão normativamente fixadas.

Os diferentes empregadores públicos não podem elaborar as suas próprias áreas de


formação, criando os seus próprios parâmetros na identificação da oferta formativa. Não é
possível, pois, a modelação das habilitações académicas no aviso de abertura 65. Sempre que um
diploma de um certo nível der acesso a um emprego no sector público de um Estado-Membro ou a
um procedimento de selecção para um emprego numa categoria particular, esse diploma deverá
também dar acesso a um procedimento de selecção para emprego numa categoria equivalente do
sector público do Estado-Membro de emprego.

Para definir categoria equivalente, deve ser tida em conta a natureza das funções a
que essa categoria dá acesso (gestão, elaboração de políticas, implementação de políticas). A
denominação exacta da categoria é irrelevante. Em matéria de avaliação do verdadeiro conteúdo
de uma formação, normalmente, quando é exigido um conteúdo académico – por exemplo,
economia, ciências políticas, o objectivo básico é recrutar alguém com um conhecimento geral do
domínio em questão, dotado de capacidade crítica, de adaptação a determinado ambiente,

Noutros termos, não é imprescindível uma identidade perfeita entre o conteúdo da


formação recebida pelos candidatos e as tarefas que são chamados a executar. Desde que o
diploma certifique a finalização da formação no tema exigido, a equivalência deve ser
reconhecida66».

64
Cf. 50.º, n.º 3, artigo 51.º, n.º 1, 1.ª parte, conjugado com o artigo 44.º da LVCR e artigo 116.º, alínea ae), da mesma
lei, que revogou o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 233/94, de 15.09; e Claire Fargeot-Boll, «Concours: le droit européen
fait évoluer les conditions de diplôme», Service Public, n.º 119, Mars, 2006, p. 6.
65
As áreas de formação constam da Portaria n.º 256/2005, de 16.02, relativa à Classificação
Nacional das Áreas de Educação e Formação – CNAEF.
66
Comunicação da COM(2002) 694 final, de 11.12.2002, Livre Circulação de trabalhadores – realização integral de
benefícios e potencial, pp. 19 e segs. (relativas aos empregos na Administração Pública) – http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ. do?uri=COM:2002:0694:FIN:pt:PDF.
35
2.7 No direito Brasileiro

O princípio da igualdade é um princípio estruturante e controlador da ordem


jurídica. Constituem requisitos básicos para investidura em cargo público vide Art. 5o da lei no
8.112, de 11 de Dezembro de 1990:
 A nacionalidade brasileira;

 O nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;

 A idade mínima de dezoito anos;

 Aptidão física e mental.

2.7.1 A Idade

A exigência de uma idade mínima para aceder aos empregos públicos articula-se
com a duração da escolaridade obrigatória e com o nível habilitacional exigido para aceder a
empregos públicos. Por outro lado, a idade, como requisito indispensável para o exercício de
funções públicas, associa-se à capacidade civil.

Hoje não existe, em geral, um limite de idade máximo para aceder ao exercício de
funções públicas. Existem, porém, previsões normativas de uma idade máxima para o exercício de
certas profissões ou são fixados limites de idade em recrutamentos concretos por entidades
públicas no quadro do regime Público.

A fixação legal de limites de idade máxima pode ser justificável, em concreto, por
razões capacitarias ligadas, por exemplo, à aptidão física necessária para o exercício da profissão e
de interesse colectivo, desde que a exigência não seja desproporcionada.

2.7.2 Princípio da Igualdade

Pensamos dever começar por recordar que o princípio da isonomia é preceito


fundamental do ordenamento jurídico que impõe ao legislador e à Administração Pública o dever
de dispensar tratamento igual a administrados que se encontram em situação equivalente67. Exige,
desse modo, uma igualdade na lei e perante a lei. Actos administrativos e leis não podem

67
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ªEdição, Saraiva Editora, São Paulo, 2012, pag.120
36
desatender a esse imperativo de tratamento uniforme. Seu fundamento constitucional é o art. 5º,
caput, da Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade”. O princípio da isonomia é o fundamento valorativo de
diversos institutos administrativos, como o concurso público e o dever de licitar. Entretanto, o
dever de atendimento à isonomia não exige um tratamento sempre idêntico a todos os
particulares68. Pelo contrário. Há diversas situações práticas em que o princípio da isonomia
recomenda uma diferenciação no conteúdo das providências administrativas conforme a peculiar
condição de cada administrado.

Conferir especial relevo, o que se extrai da famosa máxima aristotélica segundo a


qual respeitar a igualdade é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida
de suas desigualdades69”.

Julgamos que há razões para tratar igualmente os iguais que é simples. Mas tratar
desigualmente os desiguais exige um esforço de compreensão e avaliação para identificar a
dessemelhança e ajustar a correcta proporção do tratamento a eles devido. Nisso reside o
fundamento de legitimidade das vagas reservadas a portadores de deficiência em concursos
públicos, pontuação especial no vestibular para alunos egressos de escola pública, tempo menor de
aposentadoria para mulheres, prioridade nos processos envolvendo interesse de idosos, cotas nas
universidades públicas.

Em termos práticos, surge o problema de avaliar quando as diferenciações


estabelecidas pela lei e pelo ato administrativo são admitidas e quando são repelidas pelo princípio
da isonomia.
Mas há ainda razão para perguntar “quando é vedado à lei estabelecer
discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função
legal de discriminar?”70.

68
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ªEdição, Saraiva Editora, São Paulo, 2012, pag.120
69
MELLO, Celso António Bandeira de, apud Mazza, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ªEdição,
Saraiva Editora, São Paulo pag.120
37
Basicamente o autor ensina que não haverá descumprimento da isonomia quando
existir correlação lógica entre o critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função
dele. 71
Cumpre, por outro lado, notar que a chave para investigar a compatibilidade de um
tratamento desigual, diante do princípio da isonomia, está na verificação de que o factor de
discriminação (idade, sexo, tempo de serviço, período de experiência, nível de escolaridade) é
coerente com a diferenciação realizada e com os princípios fundamentais protegidos pelo
ordenamento. Em outras palavras, deve haver justa razão explicando a distinção perpetrada.

A única coisa de que podemos ficar certos é que, não caracterizam violação à
isonomia as diferenciações realizadas pela lei e pela Administração Pública quando houver
coerência entre a distinção e o tratamento diferenciado decorrente. Interessante frisar que não
adianta analisar somente o factor de discriminação isoladamente porque a discriminação nele
pautada pode ou não ser atentatória à isonomia dependendo das características da situação
concreta.

A título de exemplo, se o edital para concurso de delegado de polícia fixar a


necessidade de aprovação em exame de condicionamento físico, a exigência será constitucional
porque pertinente com o exercício do cargo. Mas, se o mesmo exame for exigido no concurso para
juiz de direito, haverá inconstitucionalidade por falta de correlação lógica com a actuação de um
magistrado72. Nenhum factor de diferenciação permite, de por si, concluir pela
inconstitucionalidade da discriminação perpetrada.

É por isso que o factor de discriminação deve ser analisado à luz da finalidade que
justifica o tratamento desigual. Como se vê, as exigências para participação em concurso público é
território fértil para debates sobre o princípio da igualdade. Qualquer pré -requisito constante do
edital estabelece inevitavelmente uma diferenciação entre os que preenchem e os que não
preenchem a condição exigida. Essa selectividade inerente aos editais desencadeia uma viva

70
MELLO, Celso António Bandeira de, apud Mazza, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ªEdição,
Saraiva Editora, São Paulo pag.120
71
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ª Edição, Saraiva Editora, São Paulo pag.122
72
ALEXANDRINO, Paulo, apud Paulo, Vicente, Direito Administrativo Descomplicado, 2ªEdição, Justiça do
Trabalho- 2ª Região, Serv. Distribuição e Feitos 1º Grau de São Paulo- Capital, 2012 pags. 195 -197.
38
discussão jurisprudencial envolvendo o tema dos concursos públicos em geral e, especialmente, o
princípio da isonomia73.

Basta para prová-lo citar o exemplo da súmula 683 do STF: o limite de idade para
a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando
possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

Há, porém, um certo aspecto que merece a maior atenção, em relação a concurso
para magistratura, não é razoável a imposição de idade máxima para inscrição no concurso, pois a
actividade desenvolvida por um magistrado é meramente intelectual, não havendo falar em
necessidade de força física para o seu exercício.

2.8 Os Princípios do Concurso

O concurso materializa o direito de acesso à função pública, que é, como tal,


essencialmente, um direito a um procedimento justo de selecção. A justiça do procedimento de
concurso assenta, fundamentalmente, em três princípios:
 O princípio da liberdade de acesso,
 O princípio da igualdade, e
 O princípio do mérito.

2.9 O Princípio do Mérito

O concurso é comparativo e só a objectividade da comparação permite resguardar a


fidelidade e mérito desta. Falar de um princípio de mérito significa que uma das suas orientações é
a organização e a densificação da selecção em função da sua idoneidade para recrutar os
candidatos mais capacitados para o exercício da Função Pública 74.

2.10 O Princípio da Liberdade de Acesso


O princípio da liberdade de acesso requer a possibilidade de candidatura e a não
exclusão do concurso dos entes interessados que preencham os requisitos legais para o exercício
de função pública em geral.
73
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ª Edição, Saraiva Editora, São Paulo, 2012, pags.121 -
122
74
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ª Edição, Saraiva Editora, São Paulo, 2012, pags.135̠ 141

39
Este princípio assenta critérios de selecção ou de preferência injustificados e/ou
assimétricos, que, diminuindo significativamente as chances de alguns dos interessados, os
afastem ou desviem da apresentação de candidatura.

40
17 CAPÍTULO III: ACESSO IGUALITÁRIO A FUNÇÃO PUBLICA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO

3.1 Acesso igualitário à Função Pública

Conforme ficou saliente no primeiro e segundo Capítulo, a nossa abordagem visa,


sobretudo, indagar acerca das condições de acesso em situações de igualdade entre os
concorrentes, dando especial enfoque ao requisito de idade.

3.2 Breves considerações sobre o princípio da igualdade

O Direito tem a vocação da generalidade e, por isso, parte da afirmação de uma


igualdade essencial entre os indivíduos, desprezando o acidental, que os desiguala. A expressão
“todos os cidadãos são iguais perante a lei” plasmada no artigo 35 da Constituição, permite que
todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas
para todos, em vista dessa compreensão, julgamos não estar afastados da verdade, se dissermos
que antes de se percorrer à legislação ordinária, convém ter presente que as linhas marcantes do
princípio da igualdade são aquelas estabelecidas pela lei fundamental, por conseguinte, é a luz do
texto ápice que devemos procurar em primeira instância, os valores encarecidos por este princípio.

Este princípio é um postulado fundamental do ordenamento jurídico que impõe ao


legislador e à Administração Pública, a obrigação de dispensar tratamento igual a administrados
que se encontram em situação equivalente. Exige, desse modo, uma igualdade na lei e perante a
lei. Actos administrativos e leis não podem desatender a esse imperativo de tratamento uniforme.

Merece comentário, por oportuno, o facto de que a igualdade de todos os cidadãos


perante a lei veda as exigências meramente discriminatórias, como as relativas ao lugar de
nascimento, condições pessoais de fortuna, família, privilégios de classe ou qualquer outra
qualificação social. E assim é porque o texto constitucional determina que o ingresso há-de pautar-
se apenas pelos requisitos da capacidade e mérito, exigências pertinentes com vista ao cabal
desempenho da função pública.

Por este princípio, todos os interessados em aceder ao emprego público devem


competir em igualdade de condições, sem que a nenhum se ofereça vantagem não extensiva a
outro, de igual modo, no estabelecimento da relação propriamente dita, não pode ser fixada
41
exigência que não tenha relação de pertinência lógica com o cargo a ser desempenhado. É
importante ponderar que a existência de um postulado basilar de isonomia entre os concorrentes,
não impede que a lei fixe determinados requisitos de ingresso compatíveis com o exercício de
funções públicas, o que se quer aqui debater, é a compatibilidade dessas exigências com o valor da
igualdade.

A chave para investigar a compatibilidade de um tratamento desigual, diante do


princípio da isonomia, está na verificação de que o factor de discriminação (idade, sexo, tempo de
serviço, período de experiência, nível de escolaridade) é coerente com a diferenciação realizada e
com os princípios fundamentais protegidos pelo ordenamento.75

3.3 O caso do requisito de idade

Feitas as considerações pertinentes, é chegado agora o momento de discutir a


questão fundamental a que nos propusemos: a compatibilidade do requisito idade com as
exigências de capacidade e mérito dos interessados, sem deixar de parte a apreciação da
compatibilidade de tal requisito com o princípio da igualdade.

Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão
sujeitos aos mesmos deveres, independentemente de todas as condições consagrados no artigo 35
da CRM

O cidadao é um individuo no qual goza de direitos e deveres constitucionalmente


protegidos, neste prisma, a administração pública, deve trata-los de forma igual como estabelece a
teoria do professor Aristóteles, segundo qual, deve-se tratar de forma igual o que é igual e desigual
o que é desigual.

O acesso à Função Pública e a progressão nas carreiras profissionais não podem ser
prejudicadas em razão de varias condições consagradas no art.251 do texto ápice, apenas
obedecendo exactamente aos requisitos do mérito e capacidade dos interessados.

A lei regula o estatuto dos funcionários e demais agentes do Estado, as


incompatibilidades e as garantias de imparcialidade no exercício dos cargos públicos.

75
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 122.
42
O exercício de actividades no regime jurídico-administrativo ocorre mediante
observância por parte dos interessados de determinadas exigências cuja preterição indevida e/ou
injustificada dos órgãos responsáveis pelo processo de recrutamento e selecção de pessoal, gera a
nulidade do acto final, designadamente, do que amiúde se denomina por nomeação provisória, é o
que se extrai do previsto no n.º 3 do artigo 9 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do
Estado, aprovado pela Lei n.º 14/2009, de 17 de Março.

No artigo 12 do mencionado diploma legal se consagram os requisitos de ingresso


no aparelho do Estado, aí se estabelecendo que o interessado deverá preencher, de entre outros, os
seguintes requisitos: idade mínima de 18 anos e máxima de 35 anos, ter nacionalidade
moçambicana, não ter sido condenado à pena de prisão maior, de prisão por crime contra a
segurança do Estado, por crime desonroso ou por outro crime manifestamente incompatível com o
exercício de funções de Administração Pública.

Antes de adentrar na apreciação propriamente dita do busílis da questão, tenha-se


presente que o autor, aduz que as razões subjacentes a determinação de uma idade máxima de
acesso à função pública têm por escopo duas principais ordens de razões: “o rejuvenescimento do
pessoal, evitando que se acolham à Administração os falhados de outras carreiras, e a garantia
proporcionada aos agentes de poderem aposentar-se ordinariamente com pensão
completa.76(Destaque nosso)

Ousamos dissentir de semelhante posicionamento. E por mais de uma razão: desde


logo, importa salientar que a lei fundamental determina que o ingresso obedece estritamente aos
requisitos da capacidade e mérito, sendo certo que havendo divergência entre um preceito
consignado em lei constitucional e um plasmado em lei ordinária, há-de prevalecer o previsto em
lei constitucional, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 2 da Constituição, por causa disso, já
não repugnará concluir que não é a Constituição que é interpretada segundo o direito ordinário,
mas sim o direito ordinário que é interpretado à luz da Constituição, o que equivale asseverar que
está consignado no preceito citado, o princípio da supremacia constitucional, o qual requer que
todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição.

76
MARCELLO ,Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 10.ª Reimpressão, Almedina. Coimbra,
págs 705 a 707.
43
A Constituição, sendo norma de hierarquia superior goza de duas prerrogativas,
designadamente, preferência de validade, que tem como corolário o efeito de revogação e efeito de
anulação, tornando nulas as normas anteriores contrárias – vide artigo 305 da Constituição da
República de Moçambique, e servindo de limite jurídico às normas posteriores também contrárias
à ela, e, preferência de aplicação, que se traduz no facto de mesmo não aniquilando a validade da
norma contrária, ela deverá ser aplicada no caso concreto com a consequente desaplicação da
norma inferior, pois, o fundamento de validade de uma lei no ordenamento jurídico é sua
compatibilidade com a Constituição vigente.

Para confirmação disto, bastar-nos-á lembrar da doutrina expendida por Hans


Kelsen77, de acordo com qual: “entre uma norma de escalão superior e uma norma de escalão
inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma outra e essa outra, não pode
existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na
norma do escalão superior. Se uma norma do escalão inferior é considerada como válida, tem de
se considerar como estando em harmonia com uma norma do escalão superior”.

Segundo, a Constituição ao referir-se a palavra “estritamente”, cabe indagar acerca


do seu real sentido, de harmonia com o disposto no dicionário 78 de língua portuguesa, estritamente
significa com precisão, exactamente, fechado, rigoroso, limitado, por conseguinte, se levarmos em
conta, o elemento literal de interpretação, resta claro que a exigência constitucional de ingresso se
acha intimamente adstrita ao mérito e capacidade dos interessados, sem quaisquer considerações
que não se mostrem compatíveis e/ou necessárias para o exercício do cargo.

Quando se fala de mérito, importa ter-se presente que isso significa, entre outras
coisas, que o mérito consiste em recrutar os candidatos mais capacitados para o exercício da
actividade laboral a que respeite e que demonstraram suas aptidões ao longo do procedimento
competitivo, obtendo, por conseguinte, melhor classificação no resultado final das avaliações,
sendo certo que em decorrência de tal classificação, tem prioridade sobre os demais concorrentes
na hora do chamamento e/ou enquadramento – vide n.º 2 do artigo 9 do Regulamento do Estatuto

77
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pág.
146.
78
Dicionário de Língua Portugesa, 2011, Dicionários Editora, Porto Editora, 2011, Acordo Ortográfico, pág. 680.
44
Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pelo Decreto n.º 62/2009, de 8 de
Setembro.

Na verdade, as coisas não são nada fáceis, mas vale a pena notar que a lei pode
fixar requisitos gerais e específicos de ingresso, resultando tal competência do legislador ordinário
do plasmado no n.º 2 do artigo 251 do texto ápice, porém, é importante ponderar tais exigências à
luz da sua pertinência lógica com o cargo a ser desempenhado.

O instituto do concurso consagrado no artigo 34 do Estatuto Geral dos Funcionários


e Agentes do Estado, aprovado pela Lei n.º 14/2009, de 17 de Março, é o que melhor meio para se
aferir o sistema de mérito consignado na lei fundamental, ora, se o cidadão obtém uma
classificação satisfatória que lhe permite estar posicionado em lugar que lhe confere o direito de
ingresso dentro do número de vagas existentes, não obstante ter mais de 35 anos de idade, em
nosso humilde ver, o direito de ser nomeado com preferência em relação aos que se encontram
abaixo dele, é um direito certo, líquido e exigível por imposição dos princípios da ética, da
imparcialidade, da justiça e da boa-fé.

Os princípios são as ideias centrais de um sistema, estabelecendo suas directrizes e


conferindo a ele um sentido lógico, harmonioso e racional, o que possibilita uma adequada
compreensão de sua estrutura. Os princípios determinam o alcance e o sentido das regras de um
dado subsistema do ordenamento jurídico, balizando a interpretação e a própria produção
normativa79.

Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas o todo sistema
de comando. É a mais grave forme de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais80.” (Grifos no original)

Terceiro, A «igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho» veda a


discriminação fundada na idade, que considerada em si contende com o direito fundamental ao

79
ALEXANDRINO, Marcelo e Vicente Paulo, Direito Administrativo Descomplicado, 20ª Edição, Justiça do
Trabalho - 2ª Região, Serv. Distribuição e Feitos 1º Grau de São Paulo – Capital, 2012, pág. 228.
80
MELLO, Celso António Bandeira de, apud MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2.ª Edição, São
Paulo: Saraiva, 2012, pág. 78.
45
respeito da dignidade humana81. Diferentemente de outros factores de discriminação, aqui «não
existem características fixas que definam grupos de idade particulares» e a mesma acaba por
assumir um carácter volátil e dinâmico82. O estabelecimento de uma idade a partir da qual não é
possível o recrutamento para dadas funções públicas constitui uma discriminação directa, pois é
dado um tratamento menos favorável às pessoas cuja idade seja superior a esse limite face às
demais pessoas com base nesse facto83.”

Quarto, o limite de idade para a inscrição em concurso público de ingresso na


Função Pública só se legitima em face da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza
das atribuições do cargo a ser preenchido. Assim, não atenta contra o princípio da igualdade o
estabelecimento de uma idade máxima de ingresso na Polícia da República de Moçambique,
porquanto, exercer actividades de ordem e segurança requer um esforço físico maior que um cargo
técnico de gestão de recursos humanos, técnico de informática, docente, técnico de medicina. Para
o provimento de cargos na Polícia da República de Moçambique, é fixado por lei um limite
máximo de 30 anos, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 37 da Lei n.º 16/2013, de 12 de
Agosto, seja dito de passagem, que essa exigência é perfeitamente compatível com o princípio
maior da igualdade.

Quinto, como requisito geral de ingresso na Função Pública, a idade máxima de 35


anos revela-se incompatível com o princípio constitucional da igualdade na medida em que das
mais das vezes, não guarda relação de pertinência lógica com o cargo a ser desempenhado, e
quando assim sucede, dúvidas se não nos colocam que estamos perante uma flagrante violação dos
valores encarecidos pelo princípio da igualdade, sendo certo que a Constituição é o fundamento de
validade dos actos praticados pelos órgãos de soberania, assim, a fixação pela lei de um limite
máximo, constitui um requisito manifestamente contrário a lei fundamental e outra consequência
não pode advir dessa incompatibilidade vertical que não seja a nulidade.

81
NEVES, Ana Fernanda, O Recrutamento de Trabalhador Público, Edição: Provedor de Justiça – Divisão de
Documentação, pág. 46.
82
NEVES, Ana Fernanda, O Recrutamento de Trabalhador Público, Edição: Provedor de Justiça – Divisão de
Documentação, pág. 47.
83
NEVES, Ana Fernanda, O Recrutamento de Trabalhador Público, Edição: Provedor de Justiça – Divisão de
Documentação, págs. 50 -53.

46
Tomando em consideração que o tempo mínimo de prestação de serviços para o
Aparelho Estatal é de quinze anos, conforme determina o n.º 3 do artigo 3 do Regulamento do
Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pelo Decreto n.º 62/2009, de 8 de
Setembro, cremos poder afirmar com justa razão que nos casos em que o cidadão tiver concorrido
e transporto as várias provas a que foi sujeito para ingresso de modo satisfatório, desde que possa
trabalhar pelo lapso mínimo de quinze anos, nihil obstat que lhe seja garantido o direito ao
emprego na Função Pública, pois, o concurso público de ingresso visa apurar aqueles que
demonstram ter os mais altos padrões de competência técnica para desempenho de tarefas nos
quadros da Administração Pública.

Ainda no nosso entendimento, parte-se do princípio que a CRM no art. 84.º vem
estabelecer que todo o cidadão tem direito ao trabalho e a livre escolha da sua profissão. O que
implica dizer, que todos devem escolher onde e quando tencionam trabalhar.

Outro sim, a administração pública na sua actuação deve escrupulosamente


obediência ao princípio da legalidade, e que os seus actos não devem em momento algum
contrariar a Lei suprema.

Ao compulsar o art. 12 na sua alínea c), leva-nos a perceber que o requisito para o
ingresso a função pública é a idade não inferior a 18 anos e não superior a 35 anos, com excepção
aos cidadãos do nível superior.

Na nossa lógica de pensar ainda sim no nosso juízo de valores e de interpretação


das normas, o legislador ao estabelecer este requisito começa a criar situações de violação da lei
suprema independentemente da razão de estipulação da norma.

Ora vejamos. Se o direito ao trabalho é inerente a todo o cidadão, porque a


administração pública deve apriori estabelecer restrições. Ainda sim o art. 39 da CRM, vem
estabelecer a ideia de nulidade de actos que contrariam a unidade nacional tal é o caso.

47
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Como se pode depreender de tudo o que foi dito, o estabelecimento de uma idade
máxima de ingresso, consubstancia um requisito que não se mostra compatível, por um lado, com
o mérito e capacidade dos interessados, por outro, com o princípio maior da igualdade. Em
Portugal, país de longa tradição romano-germânico de direito – sistema adoptado também por
Moçambique – só se fixa um limite mínimo de ingresso: 18 anos de acordo com o artigo 29 do
Decreto-Lei n.º 204/98 de 11 de Julho, que aprova o Regime Geral de Recrutamento e Selecção de
Pessoal para a Administração Pública. Tal fixação justifica-se pois, a idade mínima de ingresso
visa garantir que o candidato obtenha um nível de maturidade resultante do processo educativo
que lhe permita ter o desenvolvimento das capacidades e da personalidade de forma harmoniosa,
equilibrada e constante, que confira uma formação integral de modo que compreenda os processos
enquadrados nas directrizes que norteiam o funcionalismo público. Já a consagração de uma idade
máxima, no quadro actual de desenvolvimento em que se encontra Moçambique não encontra
respaldo constitucional e factual, quanto ao suporte constitucional, resta claro que a lei
fundamental estabelece no artigo 251 como requisitos básicos: a capacidade e o mérito, sendo
importante destacar que decorre da hierarquia normativa, a necessidade de obediência das leis
ordinárias dos comandos plasmados no texto ápice; no que se refere a questão factual, hoje em dia
as razões subjacentes a um regime jurídico diferenciado para os técnicos superiores, podem ser
postos em causa, primeiro, porque em todas capitais provinciais existem universidades, segundo, a
igualdade determina tratamento equivalente para quem se acha em situação idêntica, no caso em
concreto, necessidade de acesso ao emprego público em igualdade de circunstâncias. Repare-se
que a nossa abordagem não implica que haja lugar a concessão de direitos e regalias idênticas aos
técnicos médios e superiores, por uma questão de justiça distributiva, quem possui maiores
competências técnicas decorrente de estudos, experiência profissional deve merecer um tratamento
de harmonia com suas qualificações profissionais, o que nos importa aqui destacar; são aquelas
circunstâncias de ingresso: para nós, aos candidatos devem ser dispensadas iguais oportunidades,
ou seja, ensejos que permitam aferir os mais elevados padrões de rendimento, sem considerações
preliminares que propendem a favor de uns em detrimento de outros.

48
18 RECOMENDAÇÕES

Como mandam as regras de um trabalho de pesquisa, vamos desde já, deixar ficar
algumas recomendações:

Ao legislador:

 Que olhe para o princípio da igualdade patente no artigo 35 da constituição da República


de Moçambique em conformidade com o artigo 12 do EGFAE, no sentido de, na próxima
revisão, Revogar.

Aos intérpretes:

 Que olhem para a lei, não de forma isolada, mas atendam aos princípios consagrados na
nossa constituição.

 Que se solicite a apreciação de inconstitucionalidade da alínea c) do artigo 12 do EGFAE,


nos termos do artigo - 245 da CRM.

49
19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Manuais:

ALEXANDRINO Marcelo, PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Descomplicado, 20ª


Edição, Justiça do Trabalho - 2ª Região, Serv. Distribuição e Feitos 1º Grau de São Paulo –
Capital, 2012.
ARISTÓTELES. Política. Edição Bilingue. Colecção Vega Universidade/Ciências Sociais E
Humanas (Lisboa, 1998).
BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional. 5ªEdição, São Paulo, atlas 2006.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 1978.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. Editora Saraiva. 3ª
Edição. São Paulo. 1995.
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