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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Faculdade de Gestão e Recursos Florestas e Faunísticos

Licenciatura em Direito

Análise do princípio da proporcionalidade no uso da força


pública no Ordenamento Jurídico Moçambicano

Iracema da Julieta Daniel Passuane

Lichinga, 2022
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
Faculdade de Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos

Iracema da Julieta Daniel Passuane

Análise do princípio da proporcionalidade no uso da força


pública no Ordenamento jurídico moçambicano

Trabalho de conclusão de curso na Faculdade de


Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos, da
Universidade Católica de Moçambique, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado em Direito.
Supervisor: dr. Isaac Mepina

Lichinga, 2022
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
Faculdade de Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos

Iracema da Julieta Daniel Passuane

Folha de Avaliação

ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO USO DA


FORÇA PÚBLICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO

Resultado:
____________________________________.
Membros do Júri
Presidente:
_____________________________________.
Supervisor:
_____________________________________.
Examinador:
_____________________________________.
A Estudante:
_____________________________________.

iii
TERMO DE AUTENTICIDADE E DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Iracema da Julieta Daniel Passuane, estudante desta instituição, declaro ser autêntico o
presente trabalho e fruto da minha investigação sob supervisão do dr. Isaac Mepina, mediante
consulta das referências citas no trabalho.
Declaro, ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra Instituição de ensino
para obtenção de qualquer grau académico, e por força disso, e assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido, isentando a Faculdade de Gestão de Recursos Florestais e
Faunísticos de Lichinga, da Universidade Católica de Moçambique a responsabilidade acerca
do mesmo.
Como prova da minha originalidade, abaixo assino.

Lichinga, 28 de Julho de 2022

__________________________________________
Iracema da Julieta Daniel Passuane

iv
DEDICATÓRIA

À
Minha querida irmã Inês
Neuana, meu exemplo, a
Minha mãe dádiva, e
Meus queridos irmãos.

v
AGRADECIMENTOS

Agradecer em primeiro a Deus, pelo dom da vida, e pelas constantes bênçãos que tem
incutido em minha vida.

A minha querida mãe por tudo quanto deu, e igual aos meus irmãos Boaventura, Neuana,
Jossias e Danilo por todo apoio.

Agradeço especialmente a minha irmã Inês que com muito esforço tudo fez para que nada
faltasse nos meus estudos, e em singular na minha vida.

Agradeço as minhas amigas e colegas, que desde o início da jornada académica estiveram
sempre por perto, e bem assim, a todos aqueles que comigo se cruzaram ao longo deste
percurso e que contribuíram, no meu enriquecimento académico.

Agradecimento especial vai também, ao Supervisor deste estudo dr. Isaac Mepina, pelo
suporte final académico. Obrigado pela orientação e dedicação.

A todo corpo docente, pela sabedoria transmitida ao longo desses anos, apesar dos
contratempos, endereço os meus sinceros agradecimentos.

E finalmente, a todos que duma ou doutra ajudaram ou contribuíram na minha formação,


meus especiais agradecimentos.

vi
EPÍGRAFE

“Tem poder que te corrompe, te oprime e


no final, finge que te protege”.
MK Roleque

vii
LISTA DE ABREVIATURAS

Art. Artigo
CRM Constituição da República de Moçambique
CRP Constituição da República Portuguesa
P. Página
Pp. Páginas
PRM Polícia da República de Moçambique

viii
RESUMO

O presente estudo versa sobre a Análise do Princípio da Proporcionalidade no Uso da Força Pública no
Ordenamento Jurídico Moçambicano, cuja sua problemática assenta no uso excessivo da força pública policial
por parte da PRM, violando sobremaneira os direitos fundamentais dos cidadãos, em singular do Direito a vida,
consagrado no n.º 1 do artigo 40.º da CRM, casos concretos e práticos ocorridos em diferentes partes do pais, e
mais grave no âmbito da calamidade pública. O objectivo geral é analisar o Princípio da proporcionalidade no
uso da força pública policial no ordenamento jurídico moçambicano, no que concerne aos objectivos específicos
resultam os seguintes: aferir o uso da força pública policial no ordenamento jurídico moçambicano, compreender
o exercício da força pública policial moçambicana face direitos fundamentais, fazer um levantamento sob ponto
de vista doutrinal estrangeira do princípio da proporcionalidade no uso da força pública policial. Quanto a
metodologia usada na elaboração deste trabalho foi o tipo de pesquisa bibliográfica e documental e tendo usado
também o método dedutivo e o método comparativo. Concluímos com o presente estudo, que o uso da força
pública policial no ordenamento jurídico moçambicano ocorre em agressão aos direitos fundamentais dos
cidadãos, todavia, no ordenamento jurídico português existe um monitoramento na actuacção da policial de
modo a prevenir o uso da força excessiva da polícia, diferentemente de Brasil, que embora tenha um quadro
normativo, estão longe de controlarem a actuacção violenta da polícia.

Palavras-chave: proporcionalidade, Força pública, Direitos, Fundamentais.

ix
ABSTRACT

The present study deals with the Analysis of the Principle of Proportionality in the Use of Public Force in the
Mozambican Legal System, whose problem is based on the excessive use of public police force by the PRM,
greatly violating the fundamental rights of citizens, in the singular of the Right to life. , enshrined in paragraph 1
of article 40 of the CRM, concrete and practical cases that occurred in different parts of the country, and more
serious in the context of public calamity. The general objective is to analyze the Principle of proportionality in
the use of the public police force in the Mozambican legal system, with regard to the specific objectives, the
following result: to assess the use of the public police force in the Mozambican legal system, to understand the
exercise of the Mozambican public police force in the face of fundamental rights, to make a survey from a
foreign doctrinal point of view of the principle of proportionality in the use of public police force. As for the
methodology used in the elaboration of this work, it was the type of bibliographic and documentary research,
having also used the deductive method and the comparative method. We conclude with the present study that the
use of public police force in the Mozambican legal system occurs in aggression to the fundamental rights of
citizens, however, in the Portuguese legal system there is a monitoring of police action in order to prevent the
use of excessive force by the police. , unlike Brazil, which despite having a regulatory framework, are far from
controlling the violent action of the police.

Keywords: Proportionality, Public force, Rights, Fundamental.

x
ÍNDICE

Folha de Avaliação ................................................................................................................... iii

TERMO DE AUTENTICIDADE E DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE .................. iv

DEDICATÓRIA ........................................................................................................................ v

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. vi

EPÍGRAFE .............................................................................................................................. vii

LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................................... viii

RESUMO.................................................................................................................................. ix

ABSTRACT .............................................................................................................................. x

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 16

1.1. A configuração conceptual dos direitos fundamentais .............................................. 16

1.2. Funções dos Direitos Fundamentais .......................................................................... 17

1.2.1. Função de defesa ou de liberdade ....................................................................... 17

1.2.2. Função de prestação social ................................................................................. 17

1.2.3. Função de protecção perante terceiros................................................................ 18

1.3. Princípio da Proporcionalidade ou da proibição do excesso ..................................... 18

1.4. Princípio da proporcionalidade em sentido Restrito .................................................. 19

1.5. Princípio da conformidade ou adequação de meios ................................................... 20

1.6. Campo de aplicação do princípio da Proporcionalidade ........................................... 20

1.7. Conceito de Polícia .................................................................................................... 21

1.8. Princípios de actuação policial (art.2 da Lei no. 16/2013, de 12 de Agosto) ............ 22

1.8.1. A Polícia deve actuar de forma cortez ou com cortesia ..................................... 22

1.8.2. A Polícia deve actuar segundo o princípio da legalidade ou da juridicidade ..... 22

1.9. Fins da actividade policial ......................................................................................... 23

xi
CAPÍTULO II: O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DO USO DA FORÇA
PÚBLICA NO DIREITO COMPARADO .............................................................................. 24

2.1. O uso da força pública no ordenamento jurídico Português.......................................... 24

2.3. O uso da força pública no ordenamento jurídico Brasileiro .......................................... 26

2.3. O uso da força pública no ordenamento jurídico moçambicano ................................... 27

CAPÍTULO III: DISCUSSÃO DE DADOS ........................................................................... 30

3.1. O exercício da força pública moçambicana face aos Direitos Fundamentais ............... 31

3.2. Limites à acção policial na utilização da força pública ................................................. 32

3.3. Consequências do uso excessivo ou indiscriminado da força na atuação policial ........ 34

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 35

RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................. 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 38

xii
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema de estudo, Análise do Princípio da Proporcionalidade no


Uso da Força Pública no Ordenamento Jurídico Moçambicano, que circunscreve-se no ramo
de Direito Público, em singular nas normas Constitucionais e Administrativas, no âmbito da
violação dos direitos fundamentais, e actuação da Polícia no cumprimento das suas funções.
O Estado, de direito deve garantir a todos os cidadãos uma vida harmoniosa num clima de paz
e tranquilidade pública. O regime democrático impõe certas obrigações ao Estado e a toda a
Administração Pública, em especial a Polícia. Ao Estado cabe a defesa e garantia dos direitos
fundamentais individuais nos quais destacamos o direito à vida, integridade física e moral
consagrado no artigo 40.º da Constituição da República de Moçambique (CRM), na qual reza
que «todo o cidadão tem o direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito
à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos». Dai que, fazendo este, parte do leque dos
Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, nenhuma lei ordinária pode restringir ou violar,
fora dos casos expressamente previstos na Constituição. É por isso que, a polícia estatal no
cumprimento das suas obrigações constitucionais deve garantir o cumprimento da lei e a
ordem, a tranquilidade pública e sobretudo a salvaguarda deste direito, conforme estatui o art.
253.º da CRM, e nos termos n.º 1 e 3 do artigo 2.º da Lei 16/2013, de 12 de Agosto (Lei da
PRM). Todavia, de modo a evitar o uso do seu poder e força, consagrou-se o Princípio da
Proporcionalidade que, proíbe pois, o sacrifício excessivo dos direitos e interesses dos
particulares, e por força disso, as medidas restritivas públicas devem ser proporcionais ao mal
que se pretende evitar, artigo 33.º da Lei 16/2013, de 12 de Agosto (Lei da PRM). Que no
nosso caso não se efectiva, e portanto temos diversos registos onde a policia invés de proteger
este direito maior que é a vida, ela as tira, as agride de forma desumana, violando assim os
direitos fundamentais dos cidadãos. Casos concretos tivemos a morte do menor Elias Rute
Muianga1, quando regressava a escola primária Maxaquene B, na Cidade de Maputo, de um
cidadão gravente ferido durante a pandemia na Cidade de Lichinga, no bairro de chiuaula, a
morte de um outro cidadão na Matola simplesmente por este recusar mostrar a carta de
condução. E ainda, é comum ouvirmos e vermos no nosso quotidiano situações análogas. Por
força disso, não se percebe a proporcionalidade que a lei refere quando reza que este ente
deve usar para a garantia da lei, da ordem, e da tranquilidade pública. Ou seja, a lei

1
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, processo n.º 214/2010-1.ª, Acordão n.º 89/2012, primeira secção
13
simplesmente elenca este princípio, mas não traz de forma clara as respectivas medidas que
possam travar o uso ilegal, excessivo da força pública policial.
A senda disso, colocamos a seguinte questão de partida: Quais são os limites da força pública
policial, face ao princípio da proporcionalidade no ordenamento jurídico Moçambicano?

A razão da escolha do tema nasce da necessidade actual e iminente da violação dos direitos
fundamentais dos cidadãos mediante o uso da força pública policial. Por isso, analisar tal
questão é pertinente, pois, vai redobrar a atenção da sociedade face a este problema que tem
vindo a afectar progressivamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos
moçambicanos. Assim sendo, é uma luta para travar a actuação desproporcional e arbitrária da
polícia, estabelecendo-se punições mais rigorosas com vista a evitar situações que põem em
causa um leque de direitos fundamentais, visando portanto evitar danos irreversíveis na vida
dos cidadãos, podendo assim, ter-se uma sociedade com uma corporação policial mais
consciente e preparada para agir com prudência e responsabilidade profissional, perante
quaisquer condições adversas que possam vir a aparecer, fazendo jus a sua função
constitucional.

O presente trabalho tem como Objectivo Geral: Analisar o Princípio da Proporcionalidade no


uso da força Pública Policial no Ordenamento Jurídico Moçambicano.
Outrossim, tem como os Objectivos Específicos: Aferir o uso da força pública policial no
ordenamento jurídico moçambicano; Compreender o exercício da força pública moçambicana
face aos Direitos Fundamentais; Fazer um levantamento sob ponto de vista do Direito
comparado: Portugal e Brasil, sobre o princípio da proporcionalidade no uso da força pública
policial.
O presente trabalho encontra-se estruturado em três capítulos, na qual, o primeiro capítulo irá
cingir-se especificamente na fundamentação dogmática sobre o Princípio da
Proporcionalidade no Uso da Força Pública Policial no Ordenamento Jurídico Moçambicano;
no segundo capítulo destinaremos para apresentação, análise dos dados colectados, e por fim
o terceiro capítulo é reservado à discussão dados de modo a chegarmos a uma solução sobre a
problemática em crise.
No processo investigativo tivesse a necessidade de alinhar sucessivos procedimentos que
envolvem diversos tipos, técnicas e instrumentos de pesquisa científica, para podermos chegar
a realizar o presente trabalho. Dai que se fala do método como a organização interna do

14
processo investigativo.2 Deste modo, a pesquisa quanto a natureza foi Básica, visto que,
envolveu verdades e interesses universais, procurando gerar conhecimentos novos úteis para o
avanço da ciência, sem aplicação prática prevista3.
Quanto ao Método Científico, a pesquisa foi dedutiva, uma vez que, sugere uma análise de
problemas do geral para o particular, através de uma cadeia de raciocínio decrescente 4.
Quanto ao seu Objectivo de Estudo foi exploratória. E a presente pesquisa foi de carácter
qualitativa, visto que a mesma visava caracterizar e analisar as variáveis que integram no
processo investigativo.
Quanto as técnicas e instrumentos, foi por um lado: bibliográfica e documental, para a busca
da solução do problema em questão, sobre Princípio da Proporcionalidade no uso da Força
Pública no Ordenamento Jurídico Moçambicano.
Para a análise de dados, usamos o método dedutivo na análise de dados, em que a partir do
conhecimento geral chegamos a um conhecimento particular. Por meio de princípios, leis ou
teorias consideradas verdadeiras e indiscutíveis, prediz a ocorrência de casos particulares com
base na lógica.

E por fim, a discussão dos resultados será na base da categorização dos objectivos específicos,
e que nos farão chegar aos objectivos gerais sobre a problemática do princípio da
proporcionalidade no uso da força pública no ordenamento jurídico moçambicano

2
RAMOS, Santa Taciana Carrillo, et. all., Metodologia da investigação Científica, Escolar Editora, Angola,
2014, p., 99
3
PRODANOV, Cleber Cristiano, et al, Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e
do Trabalho Académico, 2aedição, Novo Hamburgo, 2013, P.82.
4
Idem, P.26.
4
Idem, P.24.
15
CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na presente unidade, identificaremos os dados do problema a elucidar, de que partiremos para


solucionar o problema do princípio da proporcionalidade no uso da força pública no
ordenamento jurídico moçambicano. Deste modo, traremos um contributo para a dogmática
sobre o Direito a vida como Direito fundamental, analisando o seu regime jurídico, tendo
especial destaque nesta temática a sua garantia e protecção pelo Estado. E abordaremos ainda
sobre o regime jurídico do princípio da proporcionalidade, e os que norteiam a Policia da
República de Moçambique.

1.1. A configuração conceptual dos direitos fundamentais


A constitucionalização tem como consequência mais notória a protecção dos direitos
fundamentais mediante o controlo jurisdicional da constitucionalidade dos actos normativos
reguladores destes direitos.
Na opinião de Cristina Queiroz5, “os direitos fundamentais são direitos constitucionais, que
não devem em primeira linha se compreendidos numa dimensão “técnica” de limitação do
poder do Estado. Devem antes ser compreendidos e interligados como elementos definidores
e legitimadores de toda a ordem jurídica positiva”.
Segundo Jorge Miranda6, por direitos fundamentais entende como “os direitos ou as posições
jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas,
assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material”.
Por sua vez, Bacelar Gouveia, entende também, que “os direitos fundamentais são as posições
jurídicas activas das pessoas integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao
Estado-Poder, positivadas na Constituição”7.

Os direitos fundamentais para Gomes Canotilho8 assenta na categoria de fundamentalidade


tendo especial foque na dignidade de protecção dos direitos num sentido formal e num sentido
material. No nosso entender, os direitos fundamentais são direitos humanos reconhecidos e
positivado na esfera constitucional de cada Estado.

5
QUEIROZ, Cristina, M. M., Direitos Fundamentais, Teoria Geral, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010,
p., 49
6
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 5ª ed., Coimbra Editora, 2012, p., 9
7
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, IDiLP, Lisboa/Maputo, 2015, p., 297
8
CANOTILHO, J. J Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., ALMEDINA, COIMBRA,
2013, p., 378
16
1.2. Funções dos Direitos Fundamentais

1.2.1. Função de defesa ou de liberdade


A primeira função dos direitos fundamentais, sobretudo dos direitos, de liberdades e garantias,
é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado9.
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa aos cidadãos sob uma dupla
perispectiva10:
1º. Constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para
os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera
jurídica individual;
2º. Implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente
direitos fundamentais (liberdade positiva) de exigir omissões dos poderes públicos,
de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). v.
g. o nº 1 do art. 48.º da CRM, garante subjectivamente (liberdade positiva) quando
dá o direito a todos os cidadãos a liberdade de expressão e de imprensa. E o nº 2
do mesmo artigo, garante ainda subjectivamente (liberdade negativa) o direito de
liberdade de expressão, de informação de ser feita sem impedimentos ou
discriminações por parte dos poderes públicos.

1.2.2. Função de prestação social


Os direitos a prestações significam, em sentido estrito, de direito do particular a obter algo
através do Estado (saúde, educação, segurança social).
Em suma, a dimensão de natureza prestacional pressupõe que o Estado deve criar órgãos
judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e
procedimento) e assegurar prestações (apoio judiciário, patrocínio judiciário, dispensa total ou
parcial de pagamento de custas e preparos), tendentes a evitar a denegação da justiça por
insuficiência de meios económicos.

9
CANOTILHO, J. J Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., ALMEDINA, COIMBRA,
2013, p., 407
10
CANOTILHO, J. J Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., ALMEDINA,
COIMBRA, 2013, p., 408
17
1.2.3. Função de protecção perante terceiros11
Muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes públicos) no sentido de este proteger
perante terceiros os titulares de direitos fundamentais. Neste sentido o Estado tem o dever v.g.
de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos.
Dai que, ao falar-se da função de protecção perante terceiros. Diferentemente do que acontece
com a função de prestacçao, o esquema relacional não se estabelece aqui entre o titular do
direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade encarregada de desempenhar uma tarefa
pública) mas entre o individuo e outros indivíduos.
Ademais, esta função de protecção de terceiros obrigará também o Estado a concretizar as
normas reguladoras das relações jurídico-civis de forma a assegurar nestas relações a
observância dos direitos fundamentais.

1.3. Princípio da Proporcionalidade ou da proibição do excesso


O princípio da proporcionalidade actua no sentido de assegurar os direitos e garantias
fundamentais do indivíduo de modo razoável e proporcional, de acordo com valores
socialmente aceitáveis, na busca constante pela concretização da justiça social.12
Segundo Canotilho13, o princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao
problema da limitação do poder executivo sendo considerado como medida para as restrições
administrativas da liberdade individual. É com este sentido que a teoria do estado a considera,
já no séc. XVIII, como máxima supra positiva, e de que foi introduzido, no séc. XIX, no
direito administrativo como princípio geral de direito de polícia. Posteriormente, o princípio
da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de
excesso, foi exigido à dignidade de princípio constitucional.
Por sua vez, conforme ilustra Sampaio14, o princípio da proibição do excesso é talvez o
princípio mais importante e mencionado/utilizado no âmbito da actuação administrativa.
Tendo em conta a natureza da actuação administrativa policial, em que grande parte consiste
em actuações de teor negativo, este princípio ganha um especial enfoque nesta área. Aliás,
segundo alguns autores este princípio nasce, precisamente, no Direito prussiano de polícia do
final do séc. XVIII. Desta forma, é possível afirmar que foi no âmbito da actividade de polícia

11
CANOTILHO, J. J Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., ALMEDINA,
COIMBRA, 2013, p., 409
12
DICIONARIO DIREITO, disponível em https://dicionariodireito.com.br/princípio-da-proporcionalidade,
Acesso em 25 de Maio de 2022.
13
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Edições Almedina
(16ª.Reimpressão), P.266-267.
14
SAMPAIO, Jorge Silva, O dever de protecção policial de direitos, liberdades e garantias, Coimbra Editora,
2016, P.137.
18
(e, parcialmente, também no Direito Penal, que se começou a traçar o princípio da proibição
do excesso.

1.4. Princípio da proporcionalidade em sentido Restrito


Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder
público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado
obtido com a intervenção é proporcional à «carga coactiva» da mesma. Está aqui em causa o
princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da «justa
medida». Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o
objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim.15

Trata-se, pois, de uma questão de «medida» ou «desmedida» para se alcançar um fim pesar as
desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.16

Pretende-se saber à luz de que parâmetros materiais ou axiológicos podemos considerar o


sacrifício de certo bem, interesse ou valor como aceitável, tolerável. Para alguns, esta
operação assemelha-se à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo
leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores - está numa proporção aceitável com o
benefício -, a satisfação de certos bens, interesses ou valores - então a medida é proporcional
(em sentido estrito).17
O princípio da proporcionalidade em sentido restrito decreta uma razoabilidade na aplicação
da medida restritiva; esta terá que ser justa e proporcional aos fins visados de forma a ser
admissível em termos de relação custo-benefício. Terá que haver uma relação razoável e de
justa medida entre as vantagens resultantes da adopção das medidas na prossecução do
interesse público e entre o sacrifício do interesses privados decorrentes dessas mesas medidas
-, não deve recorrer aos meios gravosos do uso da força para controlar um infractor que, pela
estatura física e meios disponíveis, represente um baixo nível de perigosidade.18

15
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Edições Almedina
(16ª.Reimpressão), P. 270.
16
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, P.270.
17
SAMPAIO, Jorge Silva, O dever de protecção policial de direitos, liberdades e garantias, Coimbra Editora,
2016, P.143.
18
ALVES, David Pereira, Dissertação de Mestrado em Ciências Policiais, Uso excessivo da Força, 2016, P.10-
11.
19
1.5. Princípio da conformidade ou adequação de meios
O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do
interesse público deve ser apropriado à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes.
Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o
acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção. Trata-se,
pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido
relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores
dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação
do legislador.19
O princípio da adequação determina que as medidas adoptadas devem ser idóneas para
alcançar o fim pretendido e legalmente permitido - o uso da força policial é adequado ao
objectivo de controlar um infractor que resiste activamente.20

1.6. Campo de aplicação do princípio da Proporcionalidade


O campo de aplicação mais importante do princípio da proporcionalidade é o da restrição de
direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico
de aplicação do princípio da proporcionalidade estende-se aos conflitos de bens jurídicos de
qualquer espécie21.

Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo ao princípio no campo da relação entre a pena e a
culpa no direito criminal. Também é admissível o recurso ao princípio no âmbito dos direitos
e protecção. E, por exemplo, é o que se passa quando se trata de saber se uma subvenção é
apropriada e se os fins visados através da sua atribuição não poderiam ser alcançados através
de subvenção mais reduzidos. O princípio da proibição do excesso aplica-se a todas as
espécies de actos dos poderes públicos, vincula-se o legislador, a administração e a
jurisdição.22

A administração deve observar sempre, nos casos concretos, as exigências da proibição do


excesso sobretudo e principalmente nos casos em que dispõem de espaços de
discricionariedade ou de espaços de livre decisão. Nas hipóteses de uma estreita vinculação

19
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Edições Almedina
(16ª.Reimpressão), P.269-270.
20
ALVES, David Pereira, Dissertação de Mestrado em Ciências Policiais, Uso excessivo da Força, 2016, P.10-
11.
21
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p.272.
22
Idem.
20
imposta por lei, o princípio de proibição de excesso analisa-se mais a partir da própria lei do
que do acto concreto da administração.23

1.7. Conceito de Polícia


O termo polícia vem do grego politeía. Este termo tinha na Grécia Antiga diversos
significados:
a) Em sentido individual, significava qualidade e direitos de cidadão;
b) Em sentido colectivo, significava medidas de governo, regime político, forma de
governo, cooperação dos órgãos do Estado e interpenetração das funções do Estado;
c) Em sentido geral, significava ciência dos fins e deveres do Estado, governo dos
cidadãos por si próprios, governo republicano, tanto oligárquico como democrático,
Constituição democrática. O termo politeía passou para o latim politia com
significados idênticos, mas com especial enfase para o sentido de organização política
e de governo. Como o termo política, a polícia está ligada a polis, que significa cidade
ou Estado.24
O conceito amplo de polícia tem as suas raízes bem mergulhadas na história. Até ao séc. XIX,
a polícia confundiu-se com toda a actividade administrativa (incluindo bem-estar) e mesmo
com todo o direito. Já numa acepção mais restrita, mais ampla, a polícia compreende todas as
normas que visavam a tranquilidade, a salubridade ou a segurança públicas e, em geral, o
interesse da vida em colectividade. Porém, em termos gerais, a polícia em sentido amplo pode
ser entendida como a regulação de uma liberdade ou actividade, com vista a salvaguarda da
ordem colectiva ou do bem comum relevante.25
Em sentido restrito, a polícia circunscreve-se nos nossos dias às forças de ordem e seguranças
públicas, confundindo-se, pois, com os conceitos corrente e institucional de polícia. Em
sentido formal, a polícia é o conjunto das autoridades que, segundo o respectivo regime
orgânico, são chamadas polícia. Não é importante que estas autoridades policiais
desempenhem funções de prevenção e combate ao perigo, isto é, funções materialmente
policiais. Está em causa apenas a forma como as autoridades são legalmente designadas e
estão organizadas.26

23
CANOTILHO Gomes, Ob cit, p.272.
24
SOUSA, António Francisco de, Manual de Direito Policial: Direito da Ordem e Seguranças Públicas,
pág.41, disponível em: https://books.google.co.mz/books, acedido em 20 de Maio de 2022.
25
SOUSA, António Francisco de, Manual de Direito Policial: Direito da Ordem e Seguranças Públicas,
pág.41, disponível em: https://books.google.co.mz/books, acedido em 20 de Maio de 2022, p.42.
26
Idem, p. 43
21
Em sentido material ou funcional, a polícia identifica-se com os seus fins, meios e objectos.
Em sentido funcional, a polícia confunde-se com a actividade policial no seu conjunto, isto é,
com o poder de polícia, a função policial ou a missão policial. Fundamentalmente, trata-se de
uma actividade destinada a defender o público em geral do perigo concreto, através da
salvaguarda da ordem e da segurança públicas. Polícia em sentido material é a actividade
administrativa de autoridade que tem por função a prevenção do perigo, seja este proveniente
da natureza ou da acção humana. Em sentido orgânico ou institucional, a polícia é sinónimo
de forças de segurança, significando o conjunto das forças, dos serviços, dos entes, das
instituições ou das autoridades policiais.27

1.8. Princípios de actuação policial (art.2 da Lei no. 16/2013, de 12 de Agosto)


A Polícia é uma actividade indelegável, com destinatários indeterminados, daí que os
profissionais que a exercem devem pautar pela execução indistinta do seu trabalho
profissional, independentemente da raça, religião, nacionalidade, filiação partidária ou de
outros factores de discriminação. Desta enunciação resulta um conjunto de regras e princípios
de actuação policial, que se analisam a seguir.28

1.8.1. A Polícia deve actuar de forma cortez ou com cortesia


A cortesia é um dos requisitos essenciais da actividade policial. Pois, a força pública deve
tratar as pessoas que a ela se dirijam ou que por ela sejam interceptada com cortesia, isto é
deferir um bom atendimento e tratamento, como elemento essencial da manifestação da
cidadania. Daí que o cidadão tem o direito de apresentar queixas e reclamações relativas á
prestação do serviço policial.29

1.8.2. A Polícia deve actuar segundo o princípio da legalidade ou da


juridicidade
Segundo o no.3 do art.2º da Lei n.o16/2013, de 12 de Agosto, «No exercício das suas funções,
a PRM pauta pelo rigor no respeito pela legalidade», isto quer significar que a Polícia actua
segundo os ditames da Constituição, das leis, decretos-lei, regulamentos e ordens e instruções
sobre matéria de serviço e sob forma legal. Portanto, obedece ao bloco da legalidade, que é o
esteio do Estado de Direito Democrático.

27
SOUSA, António Francisco de, Manual de Direito Policial: Direito da Ordem e Seguranças Públicas,
pág.41, disponível em: https://books.google.co.mz/books, acedido em 20 de Maio de 2022, pp.43-44.
28
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, P. 342.
29
Idem, p. 343.
22
A submissão da Polícia ao bloco da legalidade tem duas modalidades. A dimensão positiva,
segundo a qual a Polícia só pode intervir de acordo e com base a lei. A dimensão negativa,
segundo a qual todos os actos policias têm de se conformar com as leis, sob pena de
ilegalidade.

O princípio da juridicidade constitui na esfera do corpo policial um poder-dever de o agente


investido nessa qualidade actuar conforme a Constituição e as leis.

A Polícia é a face visível da lei e do Estado, cujo poder é limitado pela lei. Não se admite
actuações ilimitadas ou arbitrárias. Não basta que se observe os pressupostos legais dá acção
policial, é preciso que os pressupostos de facto do exercício do poder de polícia sejam reais,
bem como realizáveis as suas consequências.30

1.9. Fins da actividade policial


A função da Polícia é a prevenção dos danos sociais, isto é, todos os prejuízos causados à vida
em sociedade ou que ponham em causa uma convivência societária sã. Assim, a Polícia é,
antes de tudo, um instrumento do Estado e não do Governo do Dia, com as funções principais
de:
i. Garantia de direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, dentre os quais
avulta a segurança;
ii. Garantia do respeito pela legalidade;
iii. Garantia da ordem, segurança e tranquilidade públicas;
iv. Garantia de funcionamento normal das instituições e objectos económicos e
sociais estratégicos, bem como a sua proteção.31

30
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, P. 343-344.
31
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, P. 353.
23
CAPÍTULO II: O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DO USO DA FORÇA
PÚBLICA NO DIREITO COMPARADO

Na presente unidade iremos desdobrar sobre o princípio da proporcionalidade do uso da força


pública no ordenamento jurídico moçambicano, português e brasileiro, com particularidade
nos diferentes dispositivos que regulam a actuacção da polícia de cada Estado face aos
direitos fundamentais.

2.1. O uso da força pública no ordenamento jurídico Português


A dignidade da pessoa humana e a proteção dos direitos fundamentais são o valor supremo da
ordem jurídica portuguesa e veiculam toda a ação estatal. Os arts. 24.º, 25.º e 27.º da
Constituição da República Portuguesa elencam a vida, a integridade física, a liberdade e a
segurança como direitos fundamentais dos cidadãos. O art. 18.º, n.º 2 da CRP estatui que “a
lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos”. Por sua vez, o artigo 32.º da CRP (garantias de
processo criminal), no seu n.º 8, prevê a nulidade das provas obtidas mediante tortura, ou
ofensa à integridade física.

Existem diversos preceitos constitucionais, normativos e legais que visam orientar a conduta
do policial numa perspectiva ética, social e profissional, enquanto um imperativo de todas as
suas atuações, tais como, o Código Deontológico do serviço Policial, a Carta Ética da
Administração Pública, o Código de Conduta para os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei, o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública e a própria Lei
Orgânica32. De acordo com o artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa “a
Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e “os órgãos e agentes administrativos estão
subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito
pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-
fé”. Além destes princípios, dedica um artigo à Polícia (artigo 272.º), estipulando que “a
polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os
direitos dos cidadãos”(n.º 1), que “as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo

32
TORRES, Bruno Miguel Fena, Da Ética Policial: um Pressuposto no Uso da Força em Portugal, Centro de
Investigação do Instituto Superior de Ciências Policiais (ICPOL) e Segurança Interna (ISCPSI), Brasília, 2021,
p. 192
24
ser utilizadas para além do estritamente necessário” (n.º 2) e que “a prevenção dos crimes,
incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das
regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”
(n.º 3).

Por sua vez, o artigo 12.º da Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública estipula que “no
âmbito das suas atribuições, a Polícia de Segurança Pública utiliza as medidas de polícia
legalmente previstas e nas condições e termos da Constituição e da lei de segurança interna,
não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente
necessário”. Daí que, no que diz respeito à utilização de meios coercivos, a Polícia de
Segurança Pública, mais especificamente em 2004, difundiu pelo seu efetivo uma Norma de
Execução Permanente, intitulada de “Limites ao Uso de Meios Coercivos”, que veio
simplificar, uniformizar e disciplinar a aplicação de meios coativos em situações específicas
da vida real.

Essas normas passaram a fazer parte da formação de todos os policiais, onde é notório o
destaque quer ao respeito pela dignidade da pessoa humana, quer à transparência da atuação
policial.33

Em um rácio de exceção, por vezes a polícia tem necessidade de recorrer à arma de fogo que,
por ser o meio mais gravoso ao dispor dos policiais requer, por isso, cuidados especiais e
acrescidos. O Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de novembro, regula o Recurso a Arma de Fogo
em Ação Policial, prevendo no artigo 2.º a necessidade da observância dos princípios da
necessidade e da proporcionalidade. Assim, no seu artigo 2.º, n.º 1 estipula que “o recurso a
arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando
outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às
circunstâncias”. No n.º 2 do mesmo artigo acrescenta ainda que “em tal caso, o agente deve
esforçar-se por reduzir ao mínimo as lesões e danos e respeitar e preservar a vida humana”. O
Decreto-lei prevê o recurso a arma de fogo e recurso a arma de fogo contra pessoas, prevendo
também a obrigatoriedade de identificação do elemento enquanto policial, uma voz ou disparo

33
TORRES, Bruno Miguel Fena, Da Ética Policial: um Pressuposto no Uso da Força em Portugal, Centro de
Investigação do Instituto Superior de Ciências Policiais (ICPOL) e Segurança Interna (ISCPSI), Brasília, 2021,
p. 193
25
de advertência, e uma proibição (relativa) caso haja a probabilidade de que se venham causar
danos a terceiros, bem como a obrigatoriedade de relato mediante um relatório próprio.34

2.3. O uso da força pública no ordenamento jurídico Brasileiro


No Direito brasileiro, a preservação da Ordem Pública é competência das polícias militares, a
quem também cabe o exercício da polícia ostensiva /Constituição Federal, art. 144.º, nº 5). O
exercício da actividade policial implica dotar os agentes de poder de policia que, é a faculdade
de que dispõe a administração pública para o controle dos direitos e liberdades das pessoas,
naturais e ou jurídicas, inspirado nos ideais do bem comum.35
Deste modo, a legislação que regulamenta o uso da força pelos agentes estatais é bastante
recente no Brasil. A primeira normativa sobre o tema foi publicada apenas em 2010, e dispõe
sobre o uso da força pelos agentes da segurança pública das polícias Federal, Rodoviária
Federal, Ferroviária Federal e Força Nacional. Para estados e municípios, a portaria tem o
poder apenas de recomendar, vinculando o repasse de recursos à observância das diretrizes
definidas36. Entretanto, desde sua implantação não existe um sistema de monitoramento do
Ministério da Justiça com relação ao tema para as unidades da Federação, o que inviabiliza o
condicionamento de repasse de verbas à observância das diretrizes recomendadas.
Em 2014 foi aprovada a lei 13.060, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial
ofensivo por agentes de segurança pública. A lei restringe o uso de arma de fogo nas situações
de pessoa em fuga, desarmada ou sem representar risco imediato de morte ou de lesão aos
agentes de segurança pública ou a terceiros; e contra veículo que desrespeite bloqueio policial
em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de
segurança pública ou a terceiros. De modo complementar, a lei ainda determina que os cursos
de formação e capacitação de agentes de segurança pública incluam em seus conteúdos
programáticos o uso de instrumentos não letais.
Apesar do arcabouço legal disponível para avaliar a necessidade, legalidade e
proporcionalidade do uso da força, é difícil diferenciar o uso legítimo da força letal de casos
de abuso.37

34
Idem, p. 194
35
PINC, Tânia Maria, o uso da força não letal pela polícia nos encontros com o público, Dissertação
apresentada no Departamento de Ciência Política de São Paulo, São Paulo: 2006, p. 17
36
BUENO, Samira, et. all., Limites do uso da força policial no Estado de São Paulo, Edição Especial, Rio de
Janeiro, Nov. 2019, p. 6
37
Idem
26
2.3. O uso da força pública no ordenamento jurídico moçambicano
Falar do uso da força pública no ordenamento jurídico moçambicano, acarreta em muitos
casos no seu âmago falar dos seus efeitos perniciosos que tem nos direitos fundamentais dos
cidadãos pois quando se verifica o uso desregulado da força, a possibilidade de que o cidadão
infractor seja levado ao tribunal para que se faça justiça reduz, porque essa força que é
aplicada pode levar a morte através de espancamentos ou tortura, lembrando que a polícia tem
a função de dar primazia a salvaguarda dos bens jurídicos dos cidadãos como a vida, a
integridade física dos mesmos, e sendo assim numa situação em que a polícia é chamada a
agir o primeiro instinto não deve ser fazer o uso da força, a polícia deverá consoante a
situação e o nível de perigo que se encontra analisar quais os meios ou métodos mais idóneos
que se deve levar a cabo para neutralizar o infractor.

Em parâmetros mais amplos o dever da polícia deve ser a protecção ou seja a defesa nuclear
das pessoas no seu todo, pois o uso da força pública policial no nosso ordenamento jurídico
têm tendência a ser uma regra deixando de se tratar como uma excepção na vida dos cidadãos,
no sentido de que a polícia não deve ser apologista do uso da força este deve carregar em si a
essência da criação do próprio órgão policial.

Portanto, é de carácter legítimo que, na actuação policial, o uso da força só se torne


estritamente necessário em um primeiro momento, quando da premissa resulta que, para que
se chegue a intervenção policial usando os meios coercivos seja condição sine qua non que se
verifique que o indivíduo suspeito apresenta na verdade um perigo eminente naquela situação
em que se apresentam, ou haja desobediência, difícil repreensão ou mobilização do indivíduo
ou ainda resistência aos comandos dados pela PRM.

Isto consoante o art. 73.o do Decreto no 28/99 de 24 de Maio, estabelece que a PRM somente
utilizará a força e armas de fogo nas situações em que existe um risco racionalmente grave
para a sua vida, integridade física ou de terceiras pessoas, ou naquelas circunstâncias em que
possa pressupor um risco grave para a segurança pública e em conformidade com os
princípios referidos no artigo anterior.38

No Estado de Direito, a força do direito prevalece sobre o direito da força, no sentido de que a
coacção deve ser exercida pela via do primado do direito, na sequência de um procedimento
jurídico-policial e não de uma manifestação arbitrária de poder. A coacção policial consiste

38
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Decreto nº28/99 de 24 de Maio, Estatuto do Polícia.
27
no uso da força para impor ao cidadão uma acção, tolerância ou omissão a que esta
juridicamente obrigado, mas que não cumpriu. Perante o incumprimento do obrigado passa-se
à execução coativa para os fins e através do recurso aos meios de coacção previstos na lei.39

Os órgãos e agentes policiais competentes para exercer a força pública devem observar
escrupulosamente os limites da lei e do direito, tendo presente nas suas intervenções
especialmente o princípio da proporcionalidade. No Estado de direito, o recurso à coacção
tem de ser sempre apenas um mal necessário.40

O agente policial tem legitimidade de uso de meios coercivos. Mas este uso deve ser
moderado e pontual, conforme os especificados na lei. Contudo, existe sempre uma presunção
relativa de que todos os actos de polícia têm legitimidade, inclusive o uso da força.

O uso de força deve ser sempre legítimo. Isto é, deve ser condicionado ao interesse público de
salvaguarda da segurança e será reconhecido como tal quando, na resolução de conflitos em
concreto e no terreno, tenham sido esgotados todos os meios de negociação, persuasão e
mediação.41
Visando delimitar estes casos, a Lei de Polícia estabeleceu no art. 33.º, o seguinte:
1. Qualquer resistência ilegítima aos membros da PRM, no exercício das suas
funções ou em caso de perturbação da ordem e tranquilidade pública, é permitido o
uso da força e meios estritamente necessários e proporcionais á resistência, se
outros meios de persuasão não forem suficientes.

2. É permitido o uso de meios coercivos, especialmente nos seguintes casos:

o Para repelir uma agressão ilícita, em curso ou eminente, de interesses


juridicamente protegidos, em defesa própria ou de terceiros;

o Para vencer a resistência á execução de um serviço no exercício das suas


funções, depois de ter precedido á intimação formal de obediência e esgotados
outros meios para o conseguir;

39
SOUSA, António Francisco de, Manual de Direito Policial: Direito da ordem e seguranças
públicas,Pág.724-725, disponível em: https://books.google.co.mz/books, acedido em 20 de Maio de 2022.
40
Idem.
41
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Volume III, Maputo, 2015, P.350.
28
o Para efectuar detenções, nos precisos termos fixados em legislação processual
penal.

3. O uso de meios coercivos conforma-se com os princípios da necessidade, da


proporcionalidade e da razoabilidade.

Deve sempre ter-se em mente que o uso de meios coercivos é uma medida excepcional ou da
última ratio, depois de esgotados os outros meios possíveis e idóneos.

Mais, a medida coactiva deve sempre visar vencer a desobediência, o que implica a sua
cessação logo que a desobediência seja vencida. Não há que admitir o uso de meios coercivos
como modo normal de intervenção policial e o seu uso, em casos permitidos pela lei, não
pode consubstanciar a aplicação de uma medida punitiva, pois a esta cabe ao tribunal a sua
aplicação.

Assim, o uso de meios coercivos ou da força não equivale ao uso da violência contra os
cidadãos. É que a violência é cega, enquanto o uso da força é prudente. A "violência é
exagerada, arrebatadora. A força é comedida. Não é possível viver abdicando do uso da força,
mas é necessário saber a diferença que existe entre ela e a violência".

Portanto, o uso da força deve estar condicionado aos princípios da legalidade,


proporcionalidade, ética, moralidade e conveniência.

Daí vale dizer que “a Polícia é inimiga do crime e não do criminoso. É sempre esse o seu
atributo principal: a polícia é amigo do povo”.42

Portanto o uso da força pública policial no ordenamento jurídico moçambicano revela-se


somente necessário em último caso quando perante uma situação em que existam poucas
chances de haver o uso de meios menos lesivos que é o caso da mobilização do indivíduo,
persuasão de desistência de praticar uma acção que vai contra os costumes da sociedade, o
uso de algemas ou de coacção, nesses moldes tendo esgotado todos esses parâmetros a polícia
vai possuir toda a autoridade que lhe é conferida para que conforme a realidade que se
encontra disponha de fazer o uso dos instrumentos mais gravosos ou letais que possui como é
o caso da arma de fogo.

42
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Pp.351-352.
29
CAPÍTULO III: DISCUSSÃO DE DADOS

Em sede de discussão faremos uma dedução dos dados apresentados e analisados sobre o
princípio da proporcionalidade no uso da força pública no ordenamento jurídico
moçambicano, de modo a chegarmos a uma resposta positiva sobre esta problemática.

Os Direitos Humanos e a dignidade da pessoa humana são a premissa principal numa atuação
policial. A força legítima empregada pela polícia, de modo a prover segurança aos demais
cidadãos é um símbolo de soberania e a razão da existência de um Estado democrático.
O uso da força dentro de uma sociedade é indispensável, pois está serve para reprimir
situações que se apresentam fora do controle da polícia, porém verifica-se que esta força que é
empregue não deve criar danos irreparáveis na vida do cidadão.

Nesta senda, debruçar acerca da Análise do Princípio da Proporcionalidade no uso da Força


Pública no Ordenamento Jurídico Moçambicano traz consigo uma certa bagagem que em
simbiose com os Direitos Fundamentais dos cidadãos, pois revela em seu íntimo uma certa
eloquência verosímil. Ou seja, não há como abordar a questão do princípio da
proporcionalidade no uso da força pública policial sem tocar no cerne dos direitos
fundamentais pois estes se entrelaçam de forma significativa quanto a actuação policial. Pois,
conforme estabelece o art. 3.º da CRM, a República de Moçambique é um Estado de Direito,
baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e
garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.43

Em um Estado de Direito a actividade policial deve ser exercida observando os direitos


fundamentais. Assim sendo, em nenhum Estado que preze ser de direito, a violação dos
direitos fundamentais do homem deve prevalecer. Isso quer dizer que, em qualquer Estado de
Direito, o respeito e a protecção dos direitos fundamentais do homem deve predominar
independentemente das razões e circunstâncias. Para isso devem ser respeitadas as normas, os
princípios constitucionais e as garantias dadas aos indivíduos, para que não haja abusos e nem
violações aos seus direitos e a sua dignidade enquanto ser humano.44

O princípio da proibição do excesso impõe às entidades de polícia que, tendo em conta os


direitos individuais em causa, a intensidade da ameaça aos interesses protegidos pelas normas

43
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei nº.1/2018 de 12 de Junho, Boletim da República, I Série - Número
115.
44
NOTA, David Adriano, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Brasil, P.57.
30
de polícia e o grau de gravidade da intervenção lesiva, optem pela intervenção necessária,
mais adequada à garantia dos bens em perigo e menos gravosa e excessiva para os particulares
responsáveis pela criação do perigo.45

3.1. O exercício da força pública moçambicana face aos Direitos Fundamentais


O princípio da proporcionalidade surgiu justamente para travar as actuações arbitrárias
perpetradas pela polícia nacional moçambicana e na análise deste enunciado a que se olhar
para os três subprincípios do princípio da proporcionalidade, pois os subprincípios de
necessidade, de adequação e de razoabilidade ou de proporcionalidade delimitam ou seja
servem de requisitos para que ocorra a intervenção policial: No uso de meios ofensivos para a
garantia da ordem, segurança e tranquilidade públicas, a PRM observa os limites de
necessidade, proporcionalidade e adequabilidade (n.o4 do art. 2.º da Lei da Polícia).

Na opinião de Macie46, a proibição de excesso constitui um princípio conglobam-te e


integrado ao Estado Democrático que tem como corolários a adequação, a necessidade e a
razoabilidade. Isto é:

i. Adequação da medida que a força policial vai tomar, isto é, a medida tomada ao
intervir deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir (manter a ordem
perturbada, ás vezes por um bêbado). Deve procurar-se sempre verificar a existência
de uma relação entre duas variáveis: o meio e o instrumento de um lado, o objectivo
ou finalidade, do outro.

ii. A necessidade do meio e da intervenção, Significa que, para além de idónea para o
fim que se propõe alcançar, a medida policial deve ser, dentro do universo das
abstractamente idóneas e possíveis, a que lese em menor medida a integridade física
dos cidadãos. Aqui a força policial deve fazer comparações: a operação central a
efectuar é na verdade a comparação entre uma medida idónea e outras medidas
também idóneas que podem ser possíveis para pôr termo ao tumulto, agressões ou
violações.

45
SAMPAIO, Jorge Silva, O dever de protecção policial de direitos, liberdades e garantias, Coimbra Editora,
2016, P.139.
46
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Pp.348-349.
31
iii. O equilíbrio entre os benefícios da intervenção e a medida tomada ligada aos
meios utilizados. Aqui exige-se a cessação dos tumultos e das violações ou
perturbações, à luz de parâmetros materiais de intervenção.

Respectivamente aos direitos fundamentais importa fazer menção do modus operandi da


polícia que é contestado pela própria sociedade porque denota-se muitas das vezes que a
polícia emite prisões arbitrárias ou seja existe abuso de autoridade para efectuar a prisão de
cidadãos isto fora dos casos previstos na lei, denota-se também por parte da polícia o uso
desnecessário da força para resolver pequenos conflitos, a polícia recorre também a tortura
dos cidadãos isto sem motivos aparentes, e culminando assim em razões que traduzem a
violação de bens jurídicos imprescindíveis a todo o ser humano.
O Relatório de Direitos Humanos em África aponta PRM como principal actor de violação de
Direitos em Moçambique. A má actuação da Polícia de Moçambique que já é do
conhecimento de todos, novamente é destacada neste relatório. A PRM ocupa o espaço de
principais actores das violações de direitos humanos registados no país no ano passado. É
caso para dizer que, o que se previa sobre relatórios de direitos humanos a corporação
conseguiu concretizar, colocando o país em destaque na lista dos países violadores de direitos
humanos, infelizmente. A Polícia que deveria garantir segurança, tranquilidade e paz, é
apontada na prática de acções de intimidação, prisão arbitrária e detenção, tortura e outros
maus-tratos e até execuções sumárias a cidadãos civis suspeito de ser extremista e
jornalistas.47

3.2. Limites à acção policial na utilização da força pública


Toda a atuação policial, nas mais diversas vertentes operativas e administrativas, deve pautar-
se pelo equilíbrio entre a admissibilidade legal e a utilização dos seus poderes de forma
proporcional, adequada e prudente, já que o afastamento das regras legais poderá fazer com
que os profissionais incorram em sanções de natureza diversa, designadamente criminal,
disciplinar e civil. Existem diversos preceitos constitucionais, normativos e legais que visam
orientar a conduta do policial numa perspectiva ética, social e profissional, enquanto um
imperativo de todas as suas actuações48. Ou seja, a polícia se submete à Constituição e aos

47
JORNAL VISÃO, violação de direitos em Moçambique, disponível em: https://jornalvisaomoz.com/rdha-
2019-aponta-prm-como-principal-actor-de-violacao-de-direitos-em-mocambique/ acesso em 17 de Maio de
2022.
48
TORRES, Bruno Miguel Fena, Da Ética Policial: um Pressuposto no Uso da Força em Portugal, Centro de
Investigação do Instituto Superior de Ciências Policiais (ICPOL) e Segurança Interna (ISCPSI), Brasília, 2021,
p. 192
32
demais diplomas jurídicos em vigor. Uma das funções constitucionais atribuída à polícia, a de
garantir os direitos dos cidadãos, constitui também um limite à sua atividade. “Os direitos e
interesses do cidadão são, por um lado, fundamento da actuação da polícia – um fim em si
mesmo – e, por outro, um limite imanente da actividade administrativa em geral e, em
especial, da actividade policial”49.
Assim, é importante destacar que o uso excessivo ou indiscriminado da força na atuação
policial não acontece só em Moçambique, mas em todo o mundo. Em consonância, no Brasil,
no ano de 2012 foi marcado por uma série de acontecimentos ligados à atuação dos órgãos de
segurança pública, dos quais emerge a necessidade de uma reflexão aprofundada sobre o
papel das polícias e das guardas civis na atual sociedade, diante de suas características e
problemas. No estado de São Paulo, a Polícia Militar (PM) continua a ser questionada pelo
uso desmedido da força, seja na repressão de manifestações pacíficas, seja nas cotidianas
abordagens, operacionalizadas com a truculência habitual. Este ato, continua a ser praticado
por agentes da polícia mesmo com o país sendo signatário de algumas convenções que proíba
o tal acto.50
A senda disso, a defesa da legalidade democrática, a garantia da segurança interna e a própria
garantia dos direitos dos cidadãos não podem ser obtidos a todo custo; devem ser alcançados
no respeito dos direitos dos cidadãos. Assim sendo, o princípio do respeito dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos pela polícia emerge, desde logo, do artigo 40.º
da Constituição da República de Moçambique (CRM), na qual reza que «todo o cidadão tem
o direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos
cruéis ou desumanos», e ganhando a sua tradução no n.º 1 e 3 do artigo 2.º da Lei 16/2013, de
12 de Agosto (Lei da PRM).
Portanto, A polícia confronta-se constantemente com o dilema de garantir um equilíbrio entre
a proteção dos direitos dos cidadãos e a segurança interna, procurando ser eficaz sem descurar
o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Estas imposições estendem-se a
toda a ação estatal já que a proteção dos direitos dos cidadãos constitui o fundamento do
Estado de direito democrático. Assim, surge a necessidade de as polícias estarem
perfeitamente harmonizadas com os direitos humanos e com as limitações que a lei impõe ao

49
ALVES, David Pereira, Uso excessivo da força, Dissertação de Mestrado em Ciências Policiais, Instituto
Superior De Ciências Policiais E Segurança Interna, Lisboa, 2016, p. 11
50
Idem
33
seu exercício.51 A ordem, sendo um valor a prosseguir, ou um importante valor para que a paz
seja possível, há-de ser conjugado com outros valores não menos relevantes e que com aquela
entram em frequente conflito.
A atividade policial tem um efeito directo e imediato sobre os direitos e as liberdades do
cidadão, pelo que só pode ser feito num quadro de legalidade. E este quadro exige um
delicado equilíbrio entre o dever da polícia em garantir a ordem e a segurança pública e o
dever de proteger os direitos à vida, à liberdade, à segurança das pessoas.52

3.3. Consequências do uso excessivo ou indiscriminado da força na atuação


policial
As violações da lei por parte das forças policiais na sua atuação têm múltiplos efeitos práticos,
nomeadamente:
i. Diminuem a confiança do público;
ii. Agravam a desobediência civil;
iii. Ameaçam o efetivo exercício da ação penal pelos tribunais;
iv. Afastam a polícia da comunidade;
v. Resultam na libertação dos culpados e na punição dos inocentes;
vi. Comprometem a noção de “aplicação da lei”, ao retirar-lhe o elemento “lei”;
vii. Obrigam os serviços de polícia a adotar uma atitude de reação e não de
prevenção.
Nesse contexto, a polícia no desempenho da sua atividade recusa a negociação ou interação
com a comunidade. Portanto, eles impõem a sua autoridade esquecendo-se de que também
pertencem ao mesmo grupo social e seus atos poderão ser considerados desviantes ou não, de
acordo com os rótulos. A polícia moçambicana, identifica-se por ser muito autoritária e por
ter bebido dos ideais dos veteranos da guerra de ocupação colonial e de destabilização que foi
caracterizada por muitas violações dos direitos humanos. E esta conduta percebe-se que, pela
falta de formação profissional dos seus elementos e a irresponsabilidade da PRM à qual está
subordinada. A formação profissional de qualidade na área policial traria vantagens na medida
em que reduziria os fatores de risco do uso excessivo ou indiscriminado da força na sua
actuação.

51
ALVES, David Pereira, Uso excessivo da força, Dissertação de Mestrado em Ciências Policiais, Instituto
Superior De Ciências Policiais E Segurança Interna, Lisboa, 2016, p. 11
52
Costa, A. L, Discurso de Abertura. In Conferência Internacional: Direitos Humanos e Comportamento
Policial, Lisboa, 2010, p. 10
34
CONCLUSÃO
No âmbito do estudo feito sobre o Princípio da Proporcionalidade no Uso da Força Pública,
fomos para além de apenas analisar o ordenamento jurídico moçambicano, fizemos um estudo
comparado com os ordenamentos jurídicos português e brasileiro sobre a matéria em crise. Na
qual, no concernente ao principio da proporcionalidade no uso da força pública no
ordenamento jurídico português vimos que como forma de combater esta problemática, foi
definido um dispositivo de Execução Permanente, intitulada de “Limites ao Uso de Meios
Coercivos”, de modo, a simplificar, uniformizar e disciplinar a aplicação de meios coativos
em situações específicas da vida real por parte dos agentes da polícia. E tendo este dispositivo
passado a a fazer parte da formação de todos os policiais, onde é notório o destaque quer ao
respeito pela dignidade da pessoa humana, quer à transparência da atuação policial.

Todavia, no ordenamento jurídico federal brasileiro, embora tenham recentemente tido uma
disposição legal sobre a questão da actuacção excessiva da força policial, ainda não há um
controle ou monitoramento efectivo sobre os policiais, por isso, o esforço do Governo federal
brasileiro em estabelecer, delimitar e monitorar os limites de uso da força do mandato
policial, buscando uma variável crucial para compreendermos o padrão de uso da força
empregado, mas principalmente para pensar em respostas adequadas aos casos em que se
verificam abusos e ilegalidades.

Por sua vez, e mais importante, em moçambique o uso da força pública na sociedade é
indispensável, pois está serve para reprimir situações que se apresentam fora do controle do
uso normal da força pública policial, porém verifica-se que esta força que é empregue, cria
danos irreparáveis na vida do cidadão. Pois, ao invés da polícia pautar pelo dever de protecção
e a defesa nuclear das pessoas no seu todo, constatamos regularmente situações de agressão a
vida e integridade física dos cidadãos, tornando uma tendência crescente na corporação
policial.

Por isso, vimos no presente estudo que, mesmo que não exista nas normas infraconstitucional
uma norma que limita a actuação violenta policial como tal, sobretudo, no dispositivo legal
que cria a força policial, temos o suporte constitucional no artigo 40.º da CRM, que representa
o limite de toda actuação policial, que é associado as disposições penais e civis referentes a
ofensa corporal e indemnização civil por danos resultantes de uma possível infração.

35
Ainda, é importante sublinhar que, muita dessas actuações a margem da lei, são feitas na
inocência de que são legitimas ou se pretende alcançar um bem comum, por isso, concluímos
e olhando precisamente nos outros ordenamentos jurídico que, a falta de cultura jurídica dos
próprios policiais faz com que, pensem que o poder das armas o permite oprimir o cidadão. É
por isso, que se conclui que, a actividade policial antes da sua realização, seja primeiro
validado e fundamentada em lei formal que, por sua vez, vincula-se ao texto constitucional, de
modo que a autoridade policial deve actuar secundum legem, e não contra legem, o que
demanda a questão de se conhecer a extensão e os limites traçados pelo princípio da
legalidade no que concerne à actuação policial em segurança pública.

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RECOMENDAÇÕES
Face aos dados obtido em torno da problemática do principio da proporcionalidade no uso da
Força Pública no Ordenamento Jurídico Moçambicano, sugerimos que:
i. Haja mais controle ou monitoramento na actuação da Policia da República de
Moçambique;
ii. Que os policiais sejam exemplarmente penalizados por actos que violem o direito a
vida e os direitos fundamentais dos cidadãos;
iii. Que se elabore uma norma que limite ou descrimine o processo de actuacção da
policia no contacto com os cidadãos;
iv. Que durante a formação todos os policiais tenham formação em algumas áreas do
direito, sobretudo o direito constitucional e Processo Penal;
v. Que a Magistratura tanto judicial e sobretudo do Ministério Público promova e aprecie
a legalidade a actuação dos policiais nas esquadras locais.

37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Legislação:

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(2016) in Boletim da República, I Série, n.º 64, de 12 de Agosto.
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(1992) in Boletim da República, I Série n.º 53, de 31 de Dezembro.
 REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Estatuto da Polícia, (199) in Boletim da
República, I Série n.º 20, de 24 de Maio.
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