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Monografia apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para obtenção do grau de
Licenciatura em Ciências Jurídicas com orientação em Ciências Jurídico-Forenses na
Universidade Técnica de Moçambique
Maputo, 2020
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE MOÇAMBIQUE
Maputo, 2020
Eu Hércules Zacarias Soares, declaro por minha honra, que este trabalho para a
obtenção do grau de Licenciatura em Ciências Jurídico-Forenses na Universidade
Técnica de Moçambique, Faculdade de Ciências Jurídicas, nunca foi apresentado,
parcialmente ou na sua essência, para obtenção de qualquer grau académico pelo que
o mesmo constitui resultado do meu esforço, dedicação e sacrifício, estando sob
orientação do meu supervisor, durante a elaboração do texto bem como na
bibliografia, constam as fontes por mim consultadas.
_______________________________________
I
DEDICATÓRIA
É por meio da família que aprendemos os primeiros valores que nos seguirão por toda
a vida. São as noções de como nos relacionaremos em sociedade, a percepção do
mundo em que vivemos e a instrução pelo caminho em que possivelmente
seguiremos. Sagrada, a família é o nosso porto seguro, onde encontramos o apoio
necessário para os momentos de dificuldade e alegria da partilha diária. Por esta e
várias razões dedico a minha monografia a minha família:
Soares Zacarias Nhangave: que sempre batalhou para dar tudo bom a mim e aos meus
irmãos, mesmo nos momentos difíceis que passamos sempre correu atrás e nunca se
deu por vencido, e sempre teve o sonho de ter um filho doutor.
Maria Telma Mateus: mãe que Deus me deu, que sempre acreditou em mim, sendo
carinhosa e dura na minha educação, e por ter me transmitido valores imprescindíveis
que um homem honrado deve ter.
Soares Jr.: o meu irmão mais novo, que sempre me faz sorrir, e zangar as vezes, mas
ele sempre será o meu irmão.
II
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, que foi minha maior força nos momentos de angústia e desespero.
Sem ele, nada disso seria possível. Obrigada, senhor, por colocar esperança, amor e fé
no meu coração, e pela família que tenho.
Agradeço aos meus pais pelo dom da vida, especialmente minha mãe Maria Telma
Mateus, que teve paciência nos momentos de tensão, e que batalhou muito para me
oferecer uma educação de qualidade.
Aos meus irmãos Victória e Soares Jr que acreditaram no meu sonho e me deram
forças todos os dias.
III
EPÍGRAFE
“A adopção...
(Remisson Aniceto)
IV
RESUMO
O presente estudo pretende abordar este instituto, já tão antigo e, em particular estudar
a adopção por estrangeiros. A presente monografia tratará sobre adopção por
estrangeiros numa perspetiva global, e de modo especial, na perspetiva do
ordenamento jurídico moçambicano. A forte ligação da adopção ao princípio do
superior interesse da criança, principio maior do direito da família, influência
profundamente todo o instituto jurídico, e em especial o caso da adopção por
estrangeiros. O trabalho terá como obejctivo analisados os aspetos gerais da adopção,
as fontes de direito internacional e nacional em matéria de adopção, e em especial, a
Convenção de Haia de 1993, com a qual os Estados-membros por meio de acordos
bilaterais ou multilaterais procuraram regular este tipo de adopção. E por fim, será
analisado o princípio do superior interesse da criança e as ligações e especificidades
que apresenta na adopção por estrangeiros.
V
LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS
CC - Código Civil
VI
ÍNDICE
DECLARAÇÃO DE HONRA.................................................................................................................I
DEDICATÓRIA.....................................................................................................................................II
AGRADECIMENTOS...........................................................................................................................III
EPÍGRAFE............................................................................................................................................IV
RESUMO................................................................................................................................................V
I. Introdução.....................................................................................................................................1
II. Problema.......................................................................................................................................1
IV. Objectivos.................................................................................................................................1
1. Definição da Adopção.........................................................................................................................4
2. Evolução histórica...............................................................................................................................5
8.1. Portugal..........................................................................................................................................24
8.3. Brasil..............................................................................................................................................26
8.4. México...........................................................................................................................................30
8.5. Suécia.............................................................................................................................................31
VII
10. Vantagens e Desvantagens da Adopção por Estrangeiros................................................................33
Conclusão............................................................................................................................................ 45
Recomendações...................................................................................................................................47
Bibliografia..........................................................................................................................................48
Legislação.............................................................................................................................................50
Internet................................................................................................................................................ 51
APÊNDICE...........................................................................................................................................53
ANEXOS..............................................................................................................................................58
VIII
I. Introdução
O presente trabalho monográfico representa e culminar do curso de Licenciatura em
Direito pela Universidade Técnica de Moçambique.
A selecção deste tema relaciona-se primeiramente ao interesse jurídico adjacente, mas
também pela matéria sensível de que trata, a criança e os seus direitos, sendo que tudo
ao que às crianças diz respeito nos parece de grande importância.
O instituto da adopção atravessa todas as culturas e existe desde há muito, tendo
desempenhado diferentes papéis ao longo dos tempos. Tal instituto tem vindo a
reflectir as mudanças sociais relativas ao modo como a sociedade encara as
necessidades da criança, o modo de exercício das responsabilidades parentais e, as
necessidades dos pais biológicos e dos pais adoptivos. Este é um assunto cada vez
mais relevante com o fenómeno da globalização e premência dada na sociedade
contemporânea às crianças e seus direitos. Este é um assunto de hoje e para o futuro.
II. Problema
Na adopção por famílias estrangeiras o risco que desponta é a exposição, sem controlo
das autoridades moçambicanas, ao tráfico e outro tipo de violação de direitos
fundamentais da criança e do menor.
IV. Objectivos
V.1 Objectivo Geral
1
Analisar a adopção por estrangeiros numa perspectiva global, e de modo especial, na
perspectiva do ordenamento jurídico moçambicano.
V.2 Objectivos Específicos
VI. Metodologia
Pesquisa electrónica será feita em endereços que servem como portais do governo,
bem como em jornais electrónicos e bibliotecas online.
Para a elaboração deste projecto, far-se-á uma pesquisa qualitativa, porque pretende-
se recolher discursos completos dos sujeitos, para proceder então com a sua
interpretação e análise dos seus argumentos. Assim, a abordagem qualitativa utiliza
diversas modalidades de investigação e teste de hipóteses entre as quais a pesquisa
documental, o estudo de caso, a etnografia, pesquisa participativa e a pesquisa acção.
2
Matola, e se extrairá uma amostra representativa de 4 casos no máximo, de
menores sujeitas a adopção.
VII. Justificativa
3
Capitulo I - Adopção - aspectos Gerais
1. Definição da Adopção
4
contractos que especificavam direitos de herança e responsabilidades dos pais sem
uma transferência de filiação ). Os sistemas modernos de adopção, surgidos no século
XX, tendem a ser governados por estatutos e regulamentos abrangentes.
2. Evolução histórica
Na antiga Grécia a adopção também era praticada, sendo que aparece inclusivamente
na mitologia grega, no mito de Édipo. Especificamente em Atenas, a adopção poderia
ser vista como um acto extremamente formal, de cunho religioso, onde apenas os
cidadãos, que eram os homens livres maiores de 18 anos e que tinham posse,
possuíam o direito de adoptar. As mulheres não poderiam adoptar, vez que não eram
cidadãs, porém poderiam ser adoptados, assim como os homens. E, no caso de
ingratidão, a adopção poderia ser revogada5.
Na Roma Antiga, era exigida a idade mínima de 60 anos para o adoptante e vedada a -
adopção aos que já tivessem filhos naturais. A adopção chegou a ser usada pelos
4
Como explicito no Gênesis 38:8 e Deuteronómio 25:5-6
5
Disponivel em https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26739/a-evolucao-historica-do-instituto-
da-adocao consultado a 23-04-2020
5
imperadores para designar os sucessores. Depois, perdeu o carácter de natureza
pública, limitando-se a ser uma forma de “consolo” para os casais estéreis. Segundo a
lei romana de adopção, que requeria um documento legal, o filho adoptivo tinha
direito ao nome, às possessões e à posição do pai adoptivo na sociedade e nas
questões religiosas. Era o herdeiro de seu pai adoptivo como se fora um filho natural.
O pai também tinha direito à propriedade do filho adoptivo, tornando-se seu
proprietário absoluto. Os judeus não tinham precisamente esses costumes, mas a
literatura judaica mostra que eles estavam familiarizados com as determinações das
leis romanas6.
Até 1851, porém, na maioria dos países ocidentais as crianças mudavam de família
por meio do tradicional sistema de lares adoptivos, que muitas nações modernas ainda
utilizam. Crianças e adolescentes entre 7 e 21 anos podiam ser temporariamente e
informalmente enviados para outros lares, mas permaneciam legalmente e
emocionalmente ligados às famílias originais.
O próximo estágio da evolução da adopção caiu para a nação emergente dos Estados
Unidos. A rápida imigração e a Guerra Civil Americana resultaram na superlotação
sem precedentes de orfanatos e casas de fundição em meados do século XIX. Charles
Loring Brace, um ministro protestante, ficou horrorizado com as legiões de
desabrigados que vagavam pelas ruas da cidade de Nova York. Brace considerava o
6
Disponível em https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2015/12/adocao-na-grecia-e-roma-antigas.html consultado
a 23-01-2020
7
Disponível em https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao.html, consultado a 23-01-2020
6
jovem abandonado, particularmente os católicos, o elemento mais perigoso que
desafiava a ordem da cidade.
Sua solução foi descrita em O melhor método de descarte de nossos filhos pobres e
vagrantes (1859), que iniciou o movimento do trem órfão. Os trens órfãos finalmente
enviaram cerca de 200.000 crianças dos centros urbanos do Oriente para as regiões
rurais do país. As crianças eram geralmente contratadas, em vez de adoptadas, para as
famílias que as acolhiam. Como no passado, algumas crianças eram criadas como
membros da família, enquanto outras eram usadas como lavradores e empregados
domésticos. O tamanho do deslocamento - a maior migração de crianças da história -
e o grau de exploração ocorrido deram origem a novas agências e uma série de leis
que promoveram acordos de adopção em vez de contractos. A marca registrada do
período é a lei de adopção de Minnesota de 1917, que exigia a investigação de todas
as colocações e o acesso limitado aos registros dos envolvidos na adopção.
Foi só a partir da 1.ª Guerra Mundial que a criança passou a ser encarado como sujeito
titular de direitos, sendo que por exemplo em 1919 foi instituída uma idade mínima
para trabalhar pela Conferencia Internacional do Trabalho e em 1924 foi aprovada a
Declaração de Genebra sobre Direitos da Criança, que após ter sido aprovada pela
Liga das Nações, deu origem à Carta da Liga sobre a Criança.
Com a situação de muitos órfãos ainda mais agravada pela crise económica de 1929, e
mas tarde a 2.ª Guerra Mundial, a adopção passou a ser socialmente bem vista
enquanto forma de proteger o alto número de crianças desvalidas e impedi-los de
aderir a uma vida marginal e criminosa. A adopção foi pois reconsiderada como
forma de colaboração dos privados com o Estado para ajudar as crianças desvalidas.
7
avançado, na sua forma plena, semelhante à filiação biológica, legitimando o
adoptado e conferindo-lhe a designação e direitos de um filho biológico.
A efetivação dos direitos das crianças também continuou e em 1959 foi aprovada pela
Organização das Nações Unidas, organismo que sucedeu à Liga das Nações, a
Declaração dos Direitos da Criança, declaração que em 1989 deu origem à CDC, um
verdadeiro instrumento jurídico.
O número de adopções nos Estados Unidos atingiu o pico em 1970. É incerto o que
causou o declínio subsequente. Os factores que provavelmente contribuíram nas
décadas de 1960 e 1970 incluem um declínio na taxa de fertilidade, associado à
introdução da pílula, a conclusão da legalização de métodos artificiais de controle de
natalidade, a introdução de financiamento federal para disponibilizar serviços de
planeamento familiar a jovens e baixos, e a legalização do aborto. Além disso, os anos
do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 viram uma mudança dramática na visão
de ilegitimidade da sociedade e nos direitos legais daqueles nascidos fora do
casamento. Em resposta, os esforços de preservação da família cresceram, de modo
que poucas crianças nascidas fora do casamento hoje são adoptadas. Ironicamente, a
adopção é muito mais visível e discutida na sociedade hoje, mas é menos comum.
8
3. Adopção em Moçambique
Tudo isso tendo por base que o desenvolvimento integral e harmonioso da criança
impõe que ela cresça em ambiente familiar e são.
Com início em 1977, este conflito, que durou 16 anos, teve como resultado a
destruição de infra-estruturas e na degradação do tecido social, a morte de milhares de
moçambicanos, causando a desestruturação de várias famílias e crescente o número de
crianças em situação de vulnerabilidade social, de abandono, órfãs, que perderam os
seus parentes por conta da guerra e acabaram ficando sem qualquer protecção no meio
familiar (Decreto lei 5/89 de 1989).
8
Vide o artigo 47º da CRM
9
Disponivel em : http://www.cga.co.mz/adopcao-tardia-um-direito-da-crianca-a-convivencia-familiar/, consultado
em 12-03-2020
9
respeitante à concessão e da tutela de crianças por meio do Decreto nº5/89 de 10 de
Abril.
Adopção pode ser definida como um vínculo legal e solene que se estabelece com
uma criança que estava em regime institucional; por sua vez, visa a criação de laços
de verdadeira família natural embora não haja laços de consanguinidade (nº1 do 36.º
72.º e 74.º todos da lei nº 7/2008, de 9 de Julho).
No entanto há situações de crianças que não têm família natural, que se encontram em
situação de abandono ou de orfandade e nessas situações a lei consagra a
possibilidade de “famílias prótese” e uma das formas da sua constituição é a adopção
(vide art. 27.º da Lei nº 7/2008, de 9 de Julho).
10
Duas pessoas casadas (homem e mulher) há mais de 3 anos, que não estejam
separadas de facto, com idade superior a 25 anos mas não mais de 50 anos, com
condições morais e materiais que possibilitem que possibilitem o
desenvolvimento harmonioso do menor10 conforme o disposto no art. 402 da Lei
nº 22/2019 de 11 de Dezembro.
Pode também adoptar singularmente, o(a) solteiro(a) que tiver mais de vinte e
cinco anos de idade e possua condições morais e materiais que garantam o são
crescimento do menor11;
Também pode adoptar, quem tiver mais de vinte e cinco anos de idade, sendo o
adoptado filho do cônjuge ou do companheiro da união de facto do adoptante.12
De acordo com legislação moçambicana, pode ser adoptado o menor que reunir os
seguintes requisitos:
Os menores com menos de 18 anos que, desde idade não superior a doze anos,
tenham estado à guarda e cuidados do adoptante.13
A criança que passa pela adopção torna-se filha legítima perante a lei e tem os seus
direitos como tal efectivados nos termos do art. 409.º da Lei nº22/2019 de 11 de
Dezembro. Isto é, a adopção torna iguais os filhos biológicos e os adoptados do
adoptante, e não deverá a adopção implicar sacríficos injustos para os outros filhos do
10
Vide o nº1 e o nº 3 do art. 402 da Lei 22/2019 de 11 de Dezembro.
11
Vide a alínea a) do nº2 do art. 402 da Lei 22/2019 de 11 de Dezembro.
12
Vide a alínea b) do nº2 do art. 402 da Lei 22/2019 de 11 de Dezembro.
13
Vide o art. 404.º da Lei 22/2019 de 11 de Dezembro.
11
adoptante. A adopção tem de ser declarada por sentença judicial, sendo pois um
parentesco legal, tendo como paradigma a filiação biológica 14. Contudo não se trata
simplesmente de uma ficção, antes precede de uma facto afectivo, uma realidade
psicológico, afectiva e social15 que merece a protecção da lei desde, desde que não
atente contra o superior interesse da criança16.
14
Jorge Duarte Pinheiro, A Adopção em Portugal, in Estudos de Direito da Família e das Crianças, p. 102
15
Rui José Simões Bayão de Sá Gomes, O novo regime de adopção, pp. 6 e ss.
16
Francisco Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. 2.1, p. 262.
17
Vide o art. 97.º da Lei n.º8/2008, de 15 de Julho
18
Tomé Ramião, in Guia Prático da Adopção, 2002, pág.29
12
Os Serviços Sociais realizam inquérito social, por forma a conhecer o ambiente o
ambiente familiar do requerente
Entende-se que para ser bem resolvido, o problema terá que ser visto na perspectiva
geral de uma teoria do desenvolvimento da criança e das relações familiares. Depois,
mais concretamente, terá que ser relacionado com o que pensamos da génese e da
normal evolução do desejo de ter um filho, bem como do impacto que a verificação de
uma eventual esterilidade pode ter no casal em questão. Como na maior parte dos
casais a esterilidade é apenas de um só elemento, importará perceber ainda como é
que cada um deles vive essa situação que tem afectado a possibilidade de ambos
poderem gerar uma criança.
Segundo Ferreira e Carvalho (2002, p.36) podemos observar que “no âmbito
judiciário, o Serviço Social exerce um papel de suma importância, que consiste no
fornecimento de subsídios para as decisões judiciais”. E ainda, que “o ideal seria
assistência social e psicológica, às famílias desamparadas e principalmente às mães
que manifestam a intenção de entregar seus filhos para adopção.
No processo de adopção, o Assistente Social serve como uma ponte entre a criança a
ser adoptada e, a família que pretende adoptar. É papel desse profissional, acolher,
orientar e esclarecer aos pretendentes a adopção, sobre os trâmites do processo, além
de, auxiliar a justiça na decisão final do processo adoptivo.
13
sociedade sejam minimizados. A adopção infelizmente ainda é cercada de
preconceitos, seja pelo facto de adoptar um a criança/adolescente, ou pelo perfil do
infante/adolescente que se encontra a espera de um a família. É inegável a relevância
deste profissional e todos, inclusive os próprios, devem estar cientes de quanta
responsabilidade carregam em seu trabalho.
14
justifica o autor, a protecção do interesse geral pelo instituto da adopção. Há nesta
matéria um consenso alargado entre os autores.
15
Capitulo II- Adopção por Estrangeiros
Mas imaginemos que, chegado termino da estadia dos adoptantes no território com a
tutela do menor, e decidem levar a criança com ela, visto que se tornaram pais do
menor, será que não estaríamos em face a Adopção Internacional? Se sim, qual séria a
postura da Acção Social perante esta situação? Porque na tentativa de proteger aquilo
é o Superior Interesse da Criança proibindo o casal de levar o menor, não se estaria a
violar um os direitos do menor que é o direito a uma família?
A adopção por estrangeiros não residentes no nosso país está vedada, não somente
pela impossibilidade de avaliar os pré-requisitos/pressupostos para a adopção, como
as formalidades pós-adopção.20
De acordo com os profissionais da Acção Social a nível da Cidade Maputo, não são
aceites os pedidos de adopção submetidos por estrangeiros residentes e não residentes
no país, pelo facto de não se saber as suas reais intenções com o(a) menor, estando
19
Saide, Assma, in A Adopção de Crianças em Situação de Vulnerabilidade Social e o Papel do Assistente Social
na Cidade de Maputo, 2018, pág. 52.
20
Recurso para o Plenário do Processo n.º03/2014
21
Recurso para o Plenário do Processo n.º03/2014
16
ele(a) sujeita a risco de maus tratos, ou então com o risco de traficada, como por
exemplo, segundo a curadoria de menores, houve um caso de um casal alemão que
adoptou uma criança, mas sucede que enquanto o pai adoptivo viajava em missão de
serviço, a criança sofria maus tratos por parte da mãe adoptiva, tendo a Acção Social
ter tomado providências imediatas para salvaguardar o bem-estar da criança.
Mas é de salientar que com a aprovação da nova Lei da Família, a Lei nº22/2019, de
11 de Dezembro, abre-se o espaço para que haja Adopção Internacional no seu artigo
416º, desde que seja aprovada uma lei especial para o mesmo. Talvez seja esta uma
oportunidade para que Moçambique adira a Convenção de Haia.
17
como condição para adoptar, logo, entende-se que estamos perante a uma lacuna,
como também, entende-se que bastam os requisitos estipulados na Lei para que seja
aceite o pedido de adopção do estrangeiro residente.
Com a criação da Organização das Nações Unidas, e do seu órgão específico para a
defesa dos direitos das crianças, o Fundo das Nações Unidas para a Infância,
23
Disponível
emhttps://en.wikipedia.org/wiki/International_adoption#The_Hague_Adoption_Convention_(1993)consultado a
12-02-20
18
UNICEF, aumentou-se a consciência internacional para a situação da criança e dos
seus direitos. Em 1959 é proclamada por unanimidade, como resolução da
Assembleia Geral, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, precisando e
ampliando o conteúdo da Declaração de Genebra, e ampliando os direitos
fundamentais das crianças. Esta contém meros valores programáticos, estando
dividida em dez princípios.
Esta foi formulada pela Organização das Nações Unidas e adoptada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989, através da Resolução n.º
44/25, sendo a criança definido no seu art. 1.º como todo aquele com idade inferior a
18 anos. A CDC, que serviu por sua vez de grande inspiração para a CH 1993, declara
no seu preâmbulo a luta pela igualdade, justiça social e económica, e ressaltando o
dever de protecção da criança, servindo portanto como bastião de protecção da
criança e seus direitos no âmbito internacional.
Contudo, sem dúvida que o maior desenvolvimento da presente convenção foi o facto
de ser um instrumento de direito internacional com carácter imperativo, um
verdadeiro tratado, isto é, as suas normas não são meras indicações morais, antes
normas efectivas. Como tal suas normas vinculam verdadeiramente os estados.
24
Helena Isabel Dias Bolieiro, O Direito da Criança a uma Família: Algumas Reflexões, p. 99.
19
pelo que a efectividade da CDC nunca será a mesma em todos os países que
ratificaram a convenção25.
Nesta sede não nos podemos deixar de debruçar sobre o art. 3º da presente convenção,
visto que este consagra o princípio do superior interesse do criança, impondo que
“todas as decisões relativas às crianças, adoptadas por instituições públicas ou
privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos
legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”. O
interesse dos pais biológicos e dos adoptantes terá assim de ser sempre secundarizado
face ao interesse da criança. Daqui podemos extrair a ideia de que o superior interesse
da criança é um princípio transnacional. Este princípio, bem como outros, seria mais
tarde reafirmando na CH 1993, de que trataremos em seguida.
A CDC trata directamente da adopção nos seus arts. 20.º e 21.º 26. O art. 20.º n.º 3
prevê que a criança possa ser privada do seu ambiente familiar de forma permanente,
no caso da adopção, para proteger o seu superior interesse e fornecer-lhe uma família
mais condizente como esse mesmo interesse. O art. 21.º al. b) por outro lado prevê
expressamente a subsidiariedade da adopção internacional, e a al. c) prevê a aplicação
das mesmas garantias e dos mesmos efeitos, quer à adopção constituída no
estrangeiro, quer à adopção nacional. Também de muita relevância é ainda o art. 21.º
al. d) da CDC, que proíbe ainda o aproveitamento económico da adopção. A presente
convenção prevê ainda um órgão para supervisionar a aplicação da convenção, o
Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas.
25
Valéria Rodinéia Zanette, adopção internacional, p. 17.
26
Nuno Gonçalo da Ascenção Silva, A adopção internacional, pp. 93 a 109
20
A CH 1993 é um instrumento internacional que prevê uma cooperação entre os países
de origem das crianças e os países de acolhimento, com vista à operacionalização da
adopção, tendo como principal objectivo, de acordo com o seu art.1.º:
Estipulou também no seu art. 23.º que as adopções realizadas em conformidade com a
convenção serão reconhecidas automaticamente pelos outros países contratantes da
27
Ann Laquer Estin, Families Across Borders: The Hague Children’s Conventions and the Case For International
Family Law in the United States, pp. 101 a 104.
28
Nathalie Meyer-Fabre, La Convention de La Haye du 29 mai 1993 sur la protection des enfants et la coopération
en matière d'adoption internationale, pp. 263 a 265.
21
convenção. Tendo portanto eficácia automática nos países contratantes, como única
excepção os casos em que o reconhecimento da adopção internacional seja
manifestamente contrária à ordem pública, art. 24.º da CH 1993. Contudo a CH 1993
não tem eficácia retroactiva, art. 41.º da CH 1993, só se aplicando a pedidos de
adopção entrepostos depois da entrada em vigor da convenção no país de origem e de
acolhimento da criança.
O Artigo III descreve as responsabilidades de que todo o processo deve ser autorizado
pelas autoridades centrais de adopção designadas pelos Estados contratantes. Se
totalmente implementada em nível nacional, a Convenção oferece uma estrutura
protetora contra os riscos potenciais da adopção privada (quando os pais adoptivos
estabelecem os termos da adopção directamente com os pais biológicos ou com as
instituições para crianças localizadas no país de origem, sem recorrências. prestadores
de serviços de adopção credenciados).30
29
Milbrandt, J (2014). "Adopting the Stateless". Brooklynn Journal of International Law. Retrieved 14 July 2015
30
Isabelle Lammerant, Marlène Hofstetter, "Adoption: at what cost? For an ethical responsibility of receiving
countries in intercountry adoption", Terre des homes, 2007; HCCH 2008. The implementation and Operation of
the 1993 Hague Intercountry Adoption Convention: Guide to Good Practice – Guide No. 1, Bristol: Family
Law/Jordan Publishing Ltd
22
A Convenção é crucial porque fornece reconhecimento internacional e
intergovernamental formal da adopção internacional, trabalhando para garantir que as
adopções da Convenção sejam reconhecidas em outros países.31
31
Disponível emhttps://en.wikipedia.org/wiki/International_adoption#The_Hague_Adoption_Convention_(1993)
consultado a 27-04-20
32
Elizabeth Bartholet, International Adoption: Current Status and Future Prospects, 1993, p. 95
33
Disponível emhttps://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/autoridade-central-1 consultado
a 21-05-2020
23
A existência da Autoridade Central facilita a identificação das contrapartes nacionais
e estrangeiras, que sabem a quem se dirigir em questões relacionadas à cooperação
jurídica internacional no seu próprio país e, no caso das autoridades centrais
estrangeiras, também no exterior.
8.1. Portugal
Mas é também de revelar que apenas as outras duas als. tem ser comprovadas
documentalmente, segundo o art. 84.º n.º 3 do RJPA. Os arts. ss. vão contextualizando
24
o processo de adopção, que envolve grande cooperação e colaboração entre as
diversas entidades envolvidas. A verdade é que em situações transnacionais o superior
interesse do menor é mais difícil de apurar e é preciso uma cooperação reforçada das
entidades envolvidas.
O RJPA criou também a Autoridade Central para adopção Internacional, sendo esta
uma das entidades competentes em matéria de adopção. O legislador define a presente
autoridade como a responsável pelo cumprimento dos compromissos assumidos por
Portugal na Convenção de Haia, de Maio de 1993. Apesar de ser o RJPA o primeiro
diploma legal a tratar exaustivamente da AC, consagrando e explanando de forma
muito clara as suas competências, esta figura não é nova no regime jurídico
português.
8.2. Angola
25
O preenchimento das condições para adoptar e para ser adoptado, é certificada pelo
Instituto Nacional da Criança (INAC). A confiança da criança aos candidatos é
decretada pelo Tribunal de Família que decretará também a adopção após aprovação
da Assembleia Nacional. Efectivamente, é necessário que a Assembleia do Povo se
pronuncie positivamente quanto á adopção, e as regras para que a mesma seja
decretada, são apertadas a fim de evitar o tráfico internacional de crianças.
8.3. Brasil
O art. 1.629 do Código Civil prescreve que “a adopção por estrangeiros obedecerá aos
casos e condições que forem estabelecidos em lei” (OLIVEIRA, 2005, p. 133).34
A lei a que se refere o artigo é o Estatuto da criança e do Adolescente – ECA, que traz
as directrizes para se realizar uma adopção no Brasil por estrangeiros.
34
OLIVEIRA, Juarez de. Código Civil. 47ª Edição. Editora Saraiva, 2005. pág. 133
26
Em seu artigo 31, o ECA, como é popularmente conhecido, legisla que “a colocação
em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na
modalidade de adopção” (OLIVEIRA, 2005, p. 905).
Este artigo impede até o caso de guarda temporária no estágio da convivência previsto
no art. 46 §2º do mesmo Estatuto, tratando-se na realidade de verdadeira articulação
jurídica para evitar que o pretenso adoptante possa pleitear eventual direito sobre
aquela criança ou adolescente, quando o que a lei permite é apenas uma expectativa
de direito (CURY, 2002).35
Na verdade, não se trata de distinção entre nacional e estrangeiro, e sim uma forma de
proteger a cultura e a raça/etnia da criança, adolescente ou adulto.
Importa salientar que além destas exigências, outras mais podem ser necessárias:
36
OLIVEIRA, Juarez de. Código Civil. 47ª Edição. Editora Saraiva, 2005. pág. 692
27
Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos devidamente
autenticados pela Autoridade Consular, observados os tratados e convenções
internacionais;
28
II – que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou
adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados
no art. 50 desta Lei; (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009).
III – que, em se tratando de adopção de adolescente, este foi consultado, por meios
adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a
medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o
disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei. (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 2º. Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos
de adopção internacional de criança ou adolescente brasileiro. (Redacção dada pela
Lei nº 12.010, de 2009).
O interessado por adopção deverá ser representado por uma entidade estrangeira
habilitada, segundo a lei brasileira, e actuar no Brasil no campo de adopções, uma vez
que é vedado ao pretenso adoptante realizar o pedido directamente.
Essas entidades devem ser credenciadas tanto no país de origem do adoptante quanto
no país do adoptado. Para funcionar no Brasil, estas deterão uma autorização
específica data pelo Ministério da Justiça, e serão controladas pela Autoridade
Central, conforme art. 12 da Convenção de Haia:
Através dessas entidades, o pretenso adoptante estrangeiro será preparado, não só para
o acto legal de adoptar, mas para receber em seu lar criança de etnia diversa da sua.
29
Todavia, para processar o lado burocrático do trâmite adoptivo, as organizações
recorrem as Comissões Estaduais Judiciárias, que se tornaram uma realidade notável.
Apesar dos esforços do ECA em matéria de adopção internacional, o que se via antes
deste ordenamento era muitas vezes um “mercado” de crianças, chamado “tráfico
internacional” para os mais variados fins.
8.4. México
30
Além das duas autoridades federais mencionadas acima, as adopções internacionais
também devem envolver um dos 31 escritórios estaduais do DIF, um em cada estado
mexicano. Os escritórios estaduais do DIF emitem as cartas dos artigos 16 e 17,
importantes documentos da Convenção de Haia para adopção. O código civil em cada
estado pode variar, e os possíveis pais adoptivos precisam estar cientes e cumprir as
leis aplicáveis do estado do qual planejam adoptar. Embora os escritórios estaduais e
regionais do DIF desempenhem um papel importante nos casos de adopção
internacional, todas as adopções internacionais devem ser processadas em
coordenação com o escritório nacional do DIF e a SRE, que são as entidades com
autoridade para certificar a conformidade da Convenção para adopções internacionais.
8.5. Suécia
A Suécia tem uma longa tradição de adopções entre países - famílias adoptivas e
adoptados são uma característica tangível de nossa sociedade. As famílias suecas
adoptam crianças de outros países desde 1960. Mais de 48.000 crianças encontraram
uma família e um lar na Suécia.
31
adoptivos solteiros podem receber um subsídio para pais solteiros. Ao adoptar de
outro país por meio de uma organização de adopção autorizada, você tem direito a um
subsídio de adopção.
Todas as famílias na Suécia recebem um abono de família para crianças até 16 anos
de idade, que pode ser prolongado até 20 anos de idade se a criança estudar. Além
disso, todas as crianças na Suécia têm direito à educação pública gratuita, incluindo o
nível universitário. A merenda escolar é fornecida gratuitamente até o ensino médio.
Além disso, a Lei dos Serviços Sociais exige que seja dada atenção especial às
famílias com filhos adoptivos.
É nesta sede importante relembrar que a CH 1993 prevê no seu art. 39.º n.º 2 que os
países contratantes podem celebrar com outros países contratantes acordos, tendo em
visto favorecer a aplicação da CH 1993 nas suas relações reciprocas. Um exemplo
deste tipo de acordo é o Protocolo de Cooperação entre as autoridades centrais de
Portugal e da República da Eslováquia37, para promover a tramitação de processos, a
colaboração institucional e a partilha de boas práticas.
37
Disponível em http://www.segsocial.pt/documents/10152/7162170/Protocolo_eslov
%C3%A1quia_2014/4d379309-eb59-4cb8-b3acabff8345418f. Consultado a 26-05-2020
32
Nada impede os acordos judiciários bilaterais entre e com países não contratantes da
CH 1993, por exemplo, um acordo entre Moçambique e um outro país não-ratificante
da CH 1993, para regular o processo de adopções internacionais entre estes países.
Moçambique aderiu à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.
Assim, pode celebrar acordos jurídicos bilaterais com efeitos entre as partes,
acordando a realização de adopções fora do contexto da CH 1993.
É importante também relembrar que não existe norma jurídica que impeça as
adopções internacionais entre países não-contratantes da Convenção de Haia.
Não poderíamos deixar de escrever neste trabalho sobre um assunto muito polémico
quando se fala em adopção por estrangeiros ou internacional: o tráfico de crianças e
adolescentes.
38
33
A adopção reveste-se de todas as exigências e formalidades previstas na lei e exige a
intervenção da autoridade judiciária, à qual incumbe apreciar, decidir e controlar
todos os actos para a realização desse acto. A adopção em Moçambique consiste em
registar o filho de outra pessoa como se fosse seu, seguindo todos os trâmites legais
desde a candidatura até o estabelecimento da filiação.
34
Importa também realçarmos que o superior interesse da criança não é um conceito
imutável, variando com os costumes de cada sociedade. Mas mesmo mantendo o
objectivo de protecção da criança, enquanto sujeito de direitos, o superior interesse
da criança não poderá ser um conceito absoluto, que valha para absolutamente todos
os casos. Com a evolução dos direitos da criança, também o conceito de superior
interesse da criança tem de necessariamente evoluir. Estamos portanto perante um
conceito evolutivo e dinâmico.
Uma vez que é impossível prever todas as situações a que se pretende dar resposta, a
única resposta possível é um conceito indeterminado, que permite assim uma
adaptabilidade das normas às situações da vida. É assim utilizado de forma a
permitir ao decisor jurídico alguma discricionariedade para observar o seu
significado em cada caso concreto, designadamente, às circunstâncias que rodeiam a
vida do criança e da sua família.
Para que possa ser alcançado o superior interesse da criança, é fundamental afastar o
arbítrio do juiz, e a insegurança jurídica, garantindo a efectivação dos direitos da
35
criança. Contudo, seguindo alguma doutrina também não se pode afirmar que o juiz
tenha total discricionariedade no preenchimento do conceito. Ainda que se permita
alguma discricionariedade na interpretação do caso concreto, para escolher uma
entre várias opções igualmente válidas, dentro do superior interesse da criança
podemos distinguir entre diferentes zonas de valoração. E o núcleo do conceito120 é
passível de ser preenchido através do recurso a valorações objectivas. Isto é, por
exemplo, se no caso concreto uma opção para o destino da criança a colocar em
perigo a vida ou ameaçar a sua saúde física ou mental, não restam dúvidas de que o
interesse daqueles consiste na sua retirada do agregado familiar, o juiz terá de
decidir por outra opção. Ao que concerne ao este núcleo o juiz está absolutamente
vinculado.
Apesar da grande utilização deste princípio pelo legislador, a verdade é que não há
elementos que possam ajudar na definição uniforme do superior interesse da
criança. Também é verdade que uma definição rígida e uniforme não serviria para
todos os casos, pois a realidade supera sempre a imaginação do legislador, e
impediria a aplicação efectiva do princípio. Assim, tem de ser sempre conferida ao
juiz, no caso concreto, uma certa discricionariedade na concretização do princípio
36
do superior interesse da criança. O que não impede que a sua decisão seja baseada e
justificada em factores que deverão ser ponderados no caso em concreto.
Antes de avançarmos mais, compete também relembrar que o juiz não terá, em
princípio, conhecimentos suficientemente específicos para analisar determinados
factos em causa. Daqui decorre a importância dos peritos, psicológicos,
pedopsiquiatras, técnicos da segurança social e etc., que no terreno e contactando
com as crianças, através dos seus relatórios, apresentam muitas vezes a base para as
decisões judiciais em matéria de direito da família e menores.
Para LABORINHO LÚCIO, o superior interesse da criança deve ser analisado numa
“tripla dimensão”, como figura jurídica abstracta, fonte de direito e realidade de
facto. Como figura jurídica abstracta, pois como constata é possível fazer “coincidir
o interesse da criança com o conjunto dos seus direitos já conhecidos, e com o seu
reconhecimento como sujeito de direitos”. Como fonte de direito, porque gera
“novos direitos da criança” assumindo a “dimensão de fonte de direitos da criança”
e como realidade de facto quando assume “a sua real dimensão concreta” que será o
“concreto interesse superior da criança que será tido «primacialmente» em conta na
formação daquela decisão” 39.
O superior interesse da criança foi pela primeira vez utilizado no Código Civil
Francês de 180440, contudo é só a partir da sua utilização na CDC de 1989, e em
especial do seu art. 3.º n.º1, sendo esta o tratado que tem o maior número de
ratificações de entre os tratados sobre os direitos humanos, que este princípio passou
a constituir um conceito comum no direito dos menores, tanto internamente como
internacionalmente.
39
LABORINHO LÚCIO, “As Crianças e os Direitos –O Superior Interesse ..., op. cit., pp. 186 e 187.
40
Catarina Tomás, Convenção dos direitos da criança: reflexões críticas, p. 129.
37
O facto de conter mais que meras indicações morais, e verdadeiramente
comprometer os estados com os direitos e especificidades da infância, alterou o
paradigma sobre a criança, que se passou a considerar como verdadeira titular 41 de
direitos e liberdades fundamentais. Assim, foi posto fim ao tom paternalista que até
aí imperava nas declarações de 1924 e 1959, apesar das referências ao superior
interesse da criança nestas declarações.
Os pais devem guiar-se também por este princípio para exercerem as suas
responsabilidades perante os filhos, funcionando o interesse da criança como limite
ao poder dos adultos, que estão em posição de tomar decisões pela criança
unicamente pela inexperiência da mesma.
Esta concepção também influenciou alterações por exemplo no poder paternal, que
passou a ser entendido como um poder funcional, concedendo espaço de autonomia
à criança face aos pais, fundamentando-se na protecção e promoção do
desenvolvimento integral da criança, e não na incapacidade geral de agir da mesma.
42
Marco Alexandre Saias, A convenção sobre os direitos da criança, p. 821.
43
Maria Clara Sottomayor, A noção da criança na lei e nas ciências sociais, p. 11.
38
públicas, também os estados devem prosseguir as suas actuações com este princípio
em consideração.
Não podemos deixar de concordar que o meio mais seguro e eficaz de garantir o
verdadeiro alcance do conceito de superior interesse da criança, que por natureza,
terá sempre alguma margem de indefinição, é de facto positivar um conjunto de
critérios que poderiam ser verificados nas situações concretas. Deverá assim no
futuro procurar-se enunciar, na lei, um maior número de princípios ou critérios,
entendidos como fundamentais para o desenvolvimento integral da criança, de
forma a poder ser preenchido, com alguma ajuda da doutrina e jurisprudência, ainda
que casuisticamente, o conteúdo do superior interesse da criança.
Hoje é por todos aceite que a adopção é um recurso a utilizar na defesa do bem da
criança e não no interesse dos adultos, como antigamente muitas vezes acontecia.
No entanto, isto não pode ser afirmado de uma forma rígida, porque o interesse da
criança a adoptar exige que se tenham em conta e se promovam certos interesses dos
adoptantes. Uma relação de paternidade-filiação só pode ser boa e proporcionar a
felicidade se for boa para as duas partes. 44 Uns pais frustrados, decepcionados,
tensos e culpabilizados não podem tornar um filho feliz. O bem-estar só pode
resultar do bom funcionamento global de todo o agregado familiar. Segundo Diniz,
se isto é verdade, como ele está convencido que é, terá grandes implicações práticas
nas decisões a tomar, sobretudo quanto à maneira de acolher e seleccionar os
candidatos a adoptantes.
Nos arts. 3.º e 21.º da CDC conjugado com o artigo 47.º da CRM, é clara a
referencia ao superior interesse da criança, enquanto princípio orientador do
processo de adopção.
44
Diniz, João Seabra, Este meu filho que eu não tive – A adopção e os seus problemas, 1993, pág.17
45
Rabindranath Valentino A. Capelo de Sousa, A adopção : constituição da relação adoptiva, p. 114.
39
Na busca do seu fim, a adopção será decretada quando apresentar reais vantagens
para o adoptado, vantagens que têm de ser objectiva, vantagens de ordem
patrimonial e não patrimonial, sendo que deveram prevalecer as vantagens afectivas,
morais e espirituais face às económicas, desde que um mínimo de condições
económicas estiver preenchido. 46
Os grandes motivos para este carácter subsidiário da adopção internacional podem ser
enunciados como os riscos de ruptura social, isto é, a ideia de desenraizamento da
criança do seu país, podendo este causar prejuízo na identidade cultural do adoptado,
e também uma certa ideia de que cada estado deve ser responsável pelas suas
crianças.
47
Jorge Miranda, Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais, pp. 17 e 18.
40
se mudar a família da criança, se muda a criança de pais, espaço geográfico
portanto, com todas as eventuais mudanças que tal implica, como a cultura, língua,
religião, meio envolvente, no fundo todas as bases da criança, fazendo um corte
profundo com o seu passado.
Mas quando a família biológica não chega, não é apenas a adopção que pode
garantir o superior interesse da criança. Existem outras formas de cuidar das
crianças. E entre a adopção nacional e a adopção internacional, a nacional é
preferida, pois acarreta menos riscos para a criança, sendo portanto a adopção
internacional subsidiária desta.
41
Aliás, considerar a adopção internacional como subsidiária da nacional é também
promover a adopção nacional, preservando a criança de um possível
desenraizamento e outros riscos inerentes.
Por outro lado, interpretando o art. 20.º n.º 3 da já referida CDC, é clara a
preferência que deve ser dada a soluções familiares para a criança com carácter
permanente, secundarizando-se outra opções como o acolhimento familiar e a
institucionalização. Assim, a adopção internacional também não pode ser
considerada uma solução de último rácio, se bem que o referido art. da CDC termina
relembrando a importância de ao considerar as possíveis soluções para a criança,
atender à origem étnica, religiosa, cultural e linguística da mesma.
Pelos riscos que acarreta, a adopção internacional exige do legislador uma maior
concretização do que este considera o superior interesse da criança, sem bem que
nunca o legislador arrisque um definição unitária, que aliás estaria condenada à
partida. Nesta sede não são poucas as coordenadas concedidas pelo legislador para
42
no caso concreto averiguar do melhor para a criança, densificando o conceito
através de critérios, ainda que exemplificativos. Ainda que ao decisor seja conferida
a possibilidade de afastar estes critérios ou princípios, com base no superior
interesse da criança, e decidir no sentido contrário, os critérios estão lá e devem ser
utilizados. As circunstâncias associadas a cada criança e à sua real envolvência
impedem soluções unitárias, sendo sempre cada caso, um caso.
Mas todo o decisor terá sempre de verificar qual a melhor solução para a criança,
hierarquizando portanto as soluções possíveis para o caso concreto (exemplo:
família biológica, adopção, adopção internacional; institucionalização, etc.). E a
adopção internacional traz bem clara está ideia no princípio da subsidiariedade, e
nos seus afloramentos, dando-nos pistas valiosas sobre o que o legislador considera
as melhores opções para o desenvolvimento das crianças.
Sendo um conceito evolutivo, o superior interesse da criança não poderá nunca ficar
firmado em pedra. Mas tal não significa arbitrariedade. É apenas um conceito que
43
exige mais meditação, que exige o melhor de nós. Para proteger o que de mais
precioso existe entre nós. As nossas crianças.
44
Conclusão
A adopção por estrangeiros comunga com a adopção internacional uma vez que os
pais adoptivos são estrangeiros, e estes com a tutela do menor, poderão um dia
regressar para o seu país de origem juntamente com o menor.
45
CRM, é clara a referência ao superior interesse da criança, enquanto princípio
orientador do processo de adopção.
46
Recomendações
Visto que a Lei da Família abre espaço para a Adopção Estrangeira, deve
procurar assinar e ratificar a Convenção de Haia relativa a adopção
internacional, ou então criar-se uma lei especifica incorporando as normas da
convenção mencionada, de modo a garantir que a criança adoptada possa
beneficiar-se do acompanhamento periódico até atingir os 18 anos de idade;
Que apetreche a Acção Social de modo a terem mais recursos com vista a
cumprirem as suas funções, visto que á parte crucial deste processo;
Para que não se registe morosidade e não conclusão dos processos, é necessário
que se cumpra efectivamente as normas estabelecidas relativas a adopção,
através de supervisão e acções de monitoria, que sejam realizados por um
profissional preparado para assumir tal actividade;
Que se criem autoridades centrais para que possam tramitar os processos de adopção
a nível internacional, do modo que seja feita o acompanhamento do menor adoptado
no estrangeiro.
47
Bibliografia
DINIZ, João Seabra , Este Meu Filho Que Eu Não Tive – A Adopção e os seus
Problemas, 2ª edição, Edições Afrontamento, 1993
48
LABORINHO, Lúcio, As Crianças e os Direitos - O Superior Interesse da Criança –,
in Estudos em homenagem a Rui Epifânio, coords. Armando Leandro, Álvaro
Laborinho Lúcio, Paulo Guerra - Coimbra: Almedina, 2010
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional II. 5. ed. Coimbra: Ed. Coimbra,
2003
OLIVEIRA, Juarez de. Código Civil. 47ª Edição. Editora Saraiva, 2005
SÁ GOMES, Rui José Simões Bayão de, Temas de Direito da Filiação - O Novo
Regime da adopção (Relatório de Mestrado sob a coordenação do Prof. de JLSRG
Alvoeiro, 2015
49
SOUSA, Rabindranath Valentino A. Capelo de – A adopção: Constituição e Relação
Adotiva. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1973
Legislação
A Carta Africana dos Direitos e bem-estar da criança. (1990), Adoptada em pela
vigésima sexta sessão ordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da
Organização da Unidade Africana. Addis-Abeba, Etiópia.
Acó rdã o do processo nº 118/2008, a Secçã o Cível do Tribunal Supremo
50
Resolução n.°19/90 de 23 de Outubro. 2.º Suplemento ao Boletim da República n.°42
– I Série. Conselho de Ministros. Moçambique. (ratificação da adesão à Convenção
sobre os Direitos da Criança).
Internet
Conferência de Haia. (1993). Convenção de Haia sobre a protecção das crianças e
cooperação em matéria de adopção internacional. Conferência da Haia de Direito
Internacional Privado, 17ª sessão. Disponível em:
http://www.hcch.net/upload/text33_pt.pdf.
51
APÊNDICE
52
Apêndice 1. Guião de Entrevista do Tribunal de Menores da Cidade de Maputo
INSTRUÇÕES:
O Guião contém 9 questões abertas.
53
Se acha que uma questão não se aplica, deixe-a em branco.
54
Apêndice 2. Guião de Entrevista da Direcção da Acção Social de Kampfumo.
INSTRUÇÕES:
O Guião contém 9 questões abertas.
Se acha que uma questão não se aplica, deixe-a em branco.
55
1. O que faz a Direcção do Género, Criança e Acção Social da Cidade de Maputo?
2. Como esta organizada internamente?
3. As crianças para a adopção, como chegam aos infantários (a sua proveniência)?
Qual é o trâmite legal seguido para institucionalizar as crianças?
4. Qual é o papel da Direcção do Género, Criança e Acção Social da Cidade de
Maputo nos processos de adopção de crianças em situação de vulnerabilidade social?
5. Visto que o processo de adopção é multissectorial, quais são as instituições com
as quais a Direcção do Género, Criança e Acção Social da Cidade de Maputo
trabalha? Como trabalha?
6. Em média, quantos pedidos de adopção são registados?
7. E quantos são concluídos com sucesso?
8. Quais são os factores que determinam a adopção?
9. Qual é o papel do Assistente Social frente aos processos de adopção na Direcção
do Género, Criança e Acção Social da Cidade de Maputo?
10. Quais são as técnicas e instrumentos usados pelo Assistente Social no seu fazer
56
ANEXOS
57
Anexo 1. Extractos da Convenção de Haia de 1993
CAPÍTULO II
58
2) que tenham sido levadas em consideração a vontade e as opiniões da criança;
3) que o consentimento da criança à adopção, quando exigido, tenha sido dado livremente,
na forma legal prevista, e que este consentimento tenha sido manifestado ou constatado por
escrito;
Artigo 5º
As adoções abrangidas por esta Convenção só poderão ocorrerquando as
autoridades competentes do Estado de acolhida:
a) tiverem verificado que os futuros pais adotivos encontram-se habilitados e patos para
adoptar;
59