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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

Milene Felix da Silva

TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO NAS LAVOURAS DE


CACAU DO PARÁ

Florianópolis/SC
2023
Milene Felix da Silva

TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO NAS LAVOURAS DE


CACAU DO PARÁ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Banca Examinadora da graduação em Direito,
do Departamento de Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, como exigência
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Antonio
Temponi Lebre.

Florianópolis/SC
2023
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Silva, Milene Felix da


Trabalho em condições análogas à escravidão nas lavouras
de cacau do Pará / Milene Felix da Silva ; orientador,
Eduardo Antonio Temponi Lebre, 2023.
89 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -


Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
Jurídicas, Graduação em Direito, Florianópolis, 2023.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Escravidão. 3. Direito do trabalho . 4.


Responsabilidade. 5. Empresas. I. Lebre, Eduardo Antonio
Temponi. II. Universidade Federal de Santa Catarina.
Graduação em Direito. III. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
COLEGIADO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM
DIRIETO

TERMO DE APROVAÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado ¨Trabalho em


condições análogas à escravidão nas lavouras de cacau do Pará¨,
elaborado pela acadêmica Milene Felix da Silva, defendido em 10 de agosto de
2023 e aprovado pela Banca Examinadora composta pelos membros abaixo
assinados, obteve aprovação com nota 10,0 ( dez ), cumprindo o requisito
legal previsto no art. 10 da Resolução no 09/2004/CES/CNE, regulamentado
pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução no
01/CCGD/CCJ/2014.

Banca examinadora

Prof. Dr. Eduardo Antonio


Temponi Lebre
Orientador

Prof. Dr. Cláudio Macedo


de Souza

PPGD/UFSC

Mestre
Poliana
Ribeiro dos
Santos
PPGD/UFSC

Florianópolis, 2023
TERMO DE RESPONSABILIDADE PELO INEDITISMO DO TCC E
ORIENTAÇ O IDEOL GICA

Aluna: Milene Felix da Silva


Matr cula: 18203478
T tulo do TCC: Trabalho em condiç es análogas à escravidão nas lavouras de cacau do Pará.

Eu, Milene Felix da Silva, acima qualificada, venho, pelo presente termo, assumir integral
responsabilidade pela originalidade e conte do ideol gico apresentado no TCC de minha
autoria, acima referido.

Florian polis, 10 de agosto de 2023.

Milene F li da Silva
AGRADECIMENTOS

A minha maior gratidão é direcionada a Deus, que me concedeu proteção aos


caminhos tortuosos, saúde em meio a um planeta poluído, discernimento num universo de
malfeitores e competência para executar uma graduação tão nobre.
Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina, por ser acolhedora e fornecer um
ambiente auspicioso e notório contribuindo para a formação de inúmeras(os) alunas(os).
À PRAE/UFSC por disponibilizar subsídios para a minha alimentação durante a
graduação.
O progresso alcançado nesta pesquisa é indissociável da significativa influência do
Prof. Dr. Eduardo Antonio Temponi Lebre. Expresso a minha profunda gratidão a esse
destacado educador, cujo comprometimento, atenção, expertise e, sobretudo, vasta
experiência na área central do meu estudo foram de importância crucial para a concepção e
conclusão bem-sucedida deste projeto. Suas orientações foram indispensáveis e inestimáveis.
Ao professor Prof. Dr. Cláudio Macedo de Souza, que enriqueceu nossas aulas com
discussões substanciais no âmbito penal, expresso meus sinceros agradecimentos. Sua valiosa
contribuição ampliou minha compreensão de autores relevantes nesse campo, o que
desempenhou um papel significativo na elaboração desta pesquisa sobre a responsabilidade
penal das empresas na cadeia produtiva do cacau. Suas insights foram de inegável
importância para o aprofundamento desse tema.
Agradeço imensamente pela avaliação desta pesquisa, aos professores supracitados
enquanto membro da banca.
À minha família. Mãe Creusa Ferreira pelo amor, cuidado e pelas conversas afetuosas
nos momentos mais difíceis. Ao meu pai Osmar Felix, pelo amor, incentivos e diálogos. Ao
meu irmão Leandro Felix pelo carinho e debates calorosos. À minha irmã Letícia Felix, pelas
aventuras vivenciadas na ilha de Florianópolis, pela admiração de caçula que me incentivou a
desejar cada vez mais o melhoramento como indivíduo. Essas queridas pessoas me
concederam grandes aprendizados sobre o funcionamento da vida em uma pequena sociedade
familiar, me preparando para o enfrentamento da vida numa enorme civilização.
Desejo prestar uma homenagem especial ao meu noivo, Alysson Vasques Fernandes.
Essa homenagem não é apenas devido à nossa ligação afetiva, mas sim por reconhecer o seu
caráter nobre e notável. Sua dedicação, amor e constante presença na minha vida têm sido
incrivelmente significativos. Desde a realização das compras semanais de frutas e vegetais,
até o preparo das refeições que levo para a universidade, a organização e a limpeza do meu
lar, a gestão das compras de medicamentos e fitoterápicos, e até mesmo por desempenhar o
papel de um verdadeiro conselheiro e apoio psicológico. Esse ser tem sido um pilar
fundamental nos momentos mais desafiadores da minha jornada acadêmica. Essas ações não
apenas aliviaram o peso das dificuldades, mas também se mostraram indispensáveis para a
minha formação educacional.
Expresso também a minha sincera gratidão ao meu amigo Günter Worm. Sua presença
ao longo do meu percurso acadêmico trouxe uma serenidade especial. Nossas idas aos cafés e
padarias da cidade foram momentos que não apenas proporcionaram prazer gastronômico,
mas também criaram oportunidades para desabafos sinceros ao mesmo tempo diálogos
divertidos e inspiradores.
À minha amiga Sophia Batista, nossa parceria nos trabalhos acadêmicos e na equipe
do EMAJ foi inestimável, e as confabulações que compartilhamos ao longo da graduação
resultaram em momentos verdadeiramente agradáveis e enriquecedores.
Também quero estender meus agradecimentos à minha amiga Thatiane. Nossas
conversas noturnas e o preparo conjunto de refeições vegetarianas foram uma parte
memorável dos meus últimos semestres de graduação, tornando essa fase mais atraente e
saborosa.
À equipe do escritório Jorge Rosa Filho Advogados Associados, em especial ao Dr.
Jorge Rosa Filho, ao Dr. João e à Dora Regina do setor administrativo. Essas pessoas incríveis
me proporcionaram vivências autênticas do cotidiano de uma advogada, permitindo-me
mergulhar em uma ampla gama de casos nos quais o escritório atua. Esse envolvimento
resultou em um aprendizado sólido e enriquecedor, abrangendo desde a elaboração de
diversas peças processuais até o contato direto com os clientes e as diligências externas,
incluindo a defesa de interesses jurídicos no âmbito do Direito de Família. Agradeço
imensamente pela amizade que construímos, pela parceria constante e pelo incentivo
proporcionado durante eventos significativos. Esses momentos foram de importância vital
para o meu crescimento pessoal e profissional.
À equipe do gabinete do Desembargador Cid Goulart, da Segunda Câmara de Direito
Público, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Esse ambiente de trabalho foi fundamental
para me proporcionar acesso a uma ampla gama de casos jurídicos, permitindo-me envolver
ativamente na elaboração de acórdãos e decisões diversas. Essa oportunidade me
proporcionou uma visão abrangente da atuação de assessora neste contexto. Destaco
especialmente a contribuição do Israel Ferreira Duarte, na época membro deste gabinete. Suas
orientações elevaram meu entendimento sobre a dinâmica do ambiente de trabalho, o sistema
utilizado e a produção das peças jurídicas. Sua dedicação e orientação foram fundamentais,
desempenhando um papel inestimável em minha formação profissional.
À equipe do gabinete do Desembargador Roberto Lepper, primeiramente da 6ª Câmara
de Direito Civil, posteriormente 4ª Câmara de Direito Comercial, do TJSC. Esse local de
trabalho contribuiu para o aprimoramento dos meus conhecimentos pertinentes à atuação da
assessoria, ao sistema utilizado e principalmente às minutas produzidas. Agradeço ao Des.
Roberto Lepper, pelo comprometimento, dedicação e atenção ao trabalho realizado por toda
equipe, valorizando também o papel do estagiário. Suas manifestações referentes às peças
corrigidas e devolvidas com feedback, foram cruciais para a busca de um excelente
desempenho como profissional. Às pessoas queridas deste gabinete, como a Katiuça Marzall
(Kati), por sua competência, carisma, responsabilidade e valor ao meu trabalho. Ao Gabriel
Alano, sempre solícito e paciente em sanar as minhas dúvidas. À Mariana Parmentier (Mari),
sempre disposta em me auxiliar e à Jéssica Piacentini pela amizade, carinho e atenção.
Ai daquele que constrói
o seu palácio por meios corruptos,
seus aposentos, pela injustiça,
fazendo os seus compatriotas
trabalharem por nada,
sem pagar-lhes o devido salário.
(Jeremias 22:13)

.
RESUMO

A presente pesquisa foi executada a fim de demonstrar a complexidade e desafios que


permeiam o combate da escravidão contemporânea, apontando as lacunas e incoerências da
legislação brasileira, e principalmente para conceder voz aos trabalhadores esquecidos,
possibilitar as devidas garantias legais, trabalho e vivências dignas da pessoa humana. O
propósito dessa pesquisa foi apontar que a comercialização do cacau envolve em sua cadeia
produtiva inúmeras práticas consideradas criminosas, submetendo centenas de pessoas ao
trabalho em condição análoga à escravidão nas lavouras de cacau no estado do Pará. O estudo
foi conduzido com a aplicação do método indutivo, e o procedimento da pesquisa foi o estudo
de caso, utilizando técnicas como a análise documental, análise de dados e análise de notícias.
Os dados apontaram alguns fatores que acarretam a existência desse crime. Esses são
decorrentes da prática de sonegação fiscal durante a comercialização das amêndoas de cacau,
resultante da informalidade; arrecadações de tributos insuficientes para proporcionar o
desenvolvimento do polo cacaueiro e dos municípios da região; poucos recursos convertidos
para os municípios, o que obriga a população a se sujeitar a qualquer tipo de exploração
objetivando a garantia de sua sobrevivência; ausência de estrutura e baixo orçamento aplicado
da esfera federal, que impede a fiscalização das condições de trabalho nas lavouras de cacau.
Foi possível identificar que a informalidade praticada pelos intermediários, chamados de
atravessadores, resulta em sonegação fiscal, razão pela qual impede o rastreamento da origem
das amêndoas, como o local de seu plantio e, consequentemente, a identificação dos focos de
escravidão contemporânea. Embora o Código Penal brasileiro não possua um dispositivo
específico para responsabilizar as pessoas envolvidas nesse crime, é possível recorrer a
mecanismos extrapenais para atribuir aos culpados a capacidade de ser penalmente relevante
quando houver violação das normas de responsabilidade social.

Palavras-chave: Escravidão contemporânea; trabalho em condição análoga à escravidão;


responsabilidade do empregador; responsabilidade das empresas; direito do trabalho rural.
ABSTRACT

The present research was performed in order to demonstrate the complexity and challenges
that permeate the fight against mordern slavery, pointing out the gaps and inconsistencies of
the Brazilian legislation, and mainly to give voice to the forgotten workers, by ensuring the
due legal guarantees, work and dignified experiences of the human person. The objective of
this research was to demonstrate that the commercialization of cocoa involves, in its
production chain, numerous practices considered criminal, subjecting several people to the
work in conditions analogous to slavery in cocoa farms in the state of Pará. The study was
conducted with the application of the inductive method, and the research procedure was the
case study, using techniques such as documental, data and news analysis. The data pointed
out some factors that lead to the existence of work in conditions of modern slavery. These are
due to the practice of tax evasion during the marketing of cocoa beans, resulting from
informality; insufficient tax collections to promote the development of the cocoa hub and the
municipalities in the region; few resources converted to the municipalities, which imposes to
the population to submit to any type of exploitation in order to guarantee the minimum for
their survival; lack of structure and low budget applied at the federal sphere, which prevents
inspection of working conditions in cocoa farms. It was possible to identify that the
informality practiced by intermediaries, called as middlemen, results in tax evasion, which
prevents to trace the almods origins, such as the place where it is being planted and,
consequently, the identification of contemporary slavery spots. Although the Brazilian Penal
Code does not have a specific device to responsabilize the people envolved in this crime, it is
possible to appeal to extra-criminal mechanisms to attribute to the culprits the capacity to be
criminally relevant when there is a violation of social responsibility norms.

Keywords: Contemporary slavery; work analogous to slavery; employer's responsibility;


corporate responsibility; rural labor rights.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Polo cacaueiro do Pará ao longo da Transamazônica composto pelos seguintes


municípios: 1 Uruará, 2 Medicilândia, 3 Brasil Novo, 4 Altamira, 5 Vitória do Xingu, 6
Senador José Porfírio, 7 Anapu e 8 Pacajá. .............................................................................. 22
Figura 2 Mapa do Brasil que identifica a localização do município de Mediciliândia (PA),
maior produtora de cacau no Brasil. ......................................................................................... 23
Figura 3 A rota do cacau na Rodovia Transamazônica ......................................................... 26
Figura 4 Processo de secagem das amêndoas de cacau ......................................................... 70
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Código Penal
CONATRAE Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CRFB/88 Constituição da República Federativa Brasileira
EPI Equipamento de Proteção Individual
EC 45 Emenda Constitucional 45
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
MT Ministério do Trabalho
MPT Ministério Público do Trabalho
MPF Ministério Público Federal
ONU Organização das Nações Unidas
OIT Organização Internacional do Trabalho
PJ Pessoa Jurídica
STF Supremo Tribunal Federal
TRT Tribunal Regional do Trabalho
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14

2 ABUSO DO PODER ECONÔMICO E VIOLAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS NA


PRODUÇÃO DE CACAU E CONCEITOS PERTINENTES ........................................... 20

2.1 A EXPLORAÇÃO DA MÃO DE OBRA NAS LAVOURAS DE CACAU DO PARÁ .. 20

2.2 CONCEITO DE TRABALHO RURAL ............................................................................ 31

2.3 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DO CRIME EM


QUESTÃO ............................................................................................................................... 38

3 CUMPRIMENTO DAS NORMAS JURÍDICAS BRASILEIRAS NA PUNIBILIDADE


DOS ENVOLVIDOS .............................................................................................................. 42

3.1 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO DO TRABALHO ANÁLOGO À


ESCRAVIDÃO ........................................................................................................................ 42

3.2 RESPONSABILIZAÇÃO TRABALHISTA E PENAL DO EMPREGADOR ................. 48

3.3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA ............................................. 54

4 A ROTA INFORMAL DO CACAU E A AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO .............. 60

4.1 INFORMALIDADE E O CASO DA FAZENDA BOI NÃO BERRA ............................. 60

4.2 IMPUNIDADE DO CRIME DE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO .............. 63

4.3 A PRÁTICA DA SONEGAÇÃO FISCAL E A CRISE NO SISTEMA DE


FISCALIZAÇÃO ..................................................................................................................... 66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 79

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83
14

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa explora os conteúdos do Direito do Trabalho e do Direito Penal e


tem como objetivo apontar uma problemática observada no processo produtivo do cacau
confeccionado através de trabalho exploratório, ilegal e abusivo.
Para essa abordagem será necessário discorrer sobre a seguinte pergunta: É possível
atribuir a responsabilização penal e trabalhista do empregador num cenário de exploração e
abuso do poder econômico, ao reduzir alguém à condição de trabalho análogo à escravidão,
contra o empregado, considerado hipossuficiente dentro do contrato de trabalho?
Evidentemente, que sim. No Brasil, há mecanismos legais que visam proteger os direitos dos
trabalhadores e punir os empregadores que cometem esses abusos, podendo ser penas de
reclusão, além de outras sanções previstas em lei.
Ademais, o Estado tem uma responsabilidade secundária, no sentido de prestar
assistência jurídica gratuita aos trabalhadores desprovidos e sem acesso à informação, como
dever constitucional? Sim, o Estado tem a responsabilidade de garantir direitos a todos os
trabalhadores, incluindo aqueles sem carteira assinada, bem como fiscalizar o trabalho rural,
exigir o devido registro de todos a fim de garantir direitos sociais e impedir a violação de
direitos fundamentais dos empregados rurais, em especial nessa pesquisa, nas lavouras de
cacau do Pará.
Como objetivo específico deve-se fazer uma revisão bibliográfica demonstrando o
funcionamento da cadeia produtiva do cacau, desde o plantio até a sua comercialização
reali ada pelas grandes ind strias, e o papel significativo dos atravessadores (intermedi rios
entre produtores de cacau e empresas moageiras) trazendo a relação com conceitos pertinentes
que possam explicar como o trabalho análogo à escravidão acontece.
Faz-se necessário aplicar a legislação e argumentos da doutrina a fim de elucidar sobre
a responsabilidade do empregador que compõem a cadeia produtiva, bem como demonstrar
que há outros envolvidos nesse processo, como os atravessadores e as empresas, que além de
financiar esse mercado ilegal, obtém por meio da exploração abusiva da mão de obra vultosos
lucros.
Convém levantar dados relativos à prática da sonegação fiscal em cada etapa da cadeia
produtiva, que dificulta determinar o devido rastreamento da produção e a origem da matéria
prima, bem como verificar que a baixa fiscalização nas lavouras de cacau do estado do Pará e
a sonegação em suas etapas de comercialização muito contribuem para a disseminação do
trabalho análogo à escravidão.
15

Elucidar que a sonegação fiscal gera impactos negativos na região produtora do cacau,
pois impede que os recursos arrecadados sejam investidos na manutenção de qualidade de
vida de seus habitantes, pois camufla a existência da exploração abusiva e ilegal da mão de
obra e exime os reais responsáveis pelos delitos cometidos.
A partir da demonstração (diagnóstico) anterior, exigir que os órgãos competentes
sejam mais eficazes na aplicação das devidas punições ao empregadores/ fazendeiros,
atravessadores e empresas responsáveis e que haja a fiscalização rigorosa do trabalho
realizado nas lavouras, bem como estabelecer acordos para regulamentar a conduta das
multinacionais, a fim de evitar a comercialização com intermediários (atravessadores) que
obtêm matéria-prima de fazendas irregulares e a proibição concreta da mão de obra utilizada
por jovens e crianças em qualquer nível da produção.
No viés metodológico será empregada como teoria de base e visão de mundo a teoria
da modernidade em Max Weber.
Para uma pesquisa mais aprofundada, é importante considerar autores da teoria do
direito: (1) Max Weber utilizando sua crítica referente à perda de liberdade, uma vez que o
capitalismo fez do trabalho uma atividade em que o fim é ele mesmo. Isso significa que a
racionalidade aumentou a produtividade ao mesmo tempo que escravizou o homem. Nesse
sentido, cabe fazer um paralelo com a perda de liberdade de homens e mulheres, jovens e
crianças que são explorados nas lavouras de cacau devido ao aumento da produtividade nas
indústrias de cacau cada vez mais intensa. (2) Jürgen Habermas, utilizando sua abordagem
sobre os direitos humanos e igualdade, tendo em vista que, em suas teorias enfatiza os
problemas da integração social e da justificação e legitimação de normas e princípios. Suas
teorias tentam inovar nas questões de liberdade e igualdade para todos os cidadãos.
Para complementar a teoria de base e trazer uma abordagem mais contemporânea será
implementado alguns autores da sociologia como Raphael Neves e José Murilo de Carvalho, a
fim de elucidar algumas questões sobre desigualdade, injustiça e cidadania.
Como fonte principal da pesquisa, cabe o uso do Working Paper com o t tulo Cadeia
Produtiva do Cacau, avanços e desafios rumo à promoção do trabalho decente: análise
situacional , produ ido para o projeto Promo o e Implementa o dos Princ pios e Direitos
Fundamentais no Trabalho no Brasil , com a parceria da Organi a o Internacional do
Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Papel Social. Demais fontes como
julgados e jurisprudências serão inseridos nas referências bibliográficas.
No viés do direito do trabalho, é notável a presença de autoras e autores como: 1)
Vólia Bomfim Cassar, onde será possível abordar aspectos dos direitos trabalhistas; 2)
16

Leonardo Tibo Barbosa Lima, que dimensiona sobre o Direito do Trabalho Rural, aspectos
relevantes para o entendimento das legislações e contratos utilizados no meio rural.
No direito penal, considera-se os seguintes autores: 1) Eduardo Antonio Temponi
Lebre e Cláudio Macedo de Souza, que explanam a respeito da responsabilidade penal da
pessoa jurídica nas hipóteses de crime em condições análogas à de escravo; 2) Guilherme de
Souza Nucci, que retrata em seu manual a pena para o delito de trabalho escravo.
Demais autores serão demonstrados nas referências bibliográficas.
O método de abordagem aplicado será o indutivo, e o procedimento da pesquisa será o
estudo de caso, por meio das técnicas de análise documental, análise de dados e análise de
notícias.
Como justificativa, cabe primeiramente mencionar a atualidade do tema, tendo em
vista que centenas de pessoas vivem em condição análoga à escravidão nas lavouras de cacau
no estado do Pará. Essa realidade é decorrente de diversos fatores: a educação precária na
região o que impede a busca por maiores informações a respeito das reais condições de
trabalho e principalmente sobre seus direitos; vulnerabilidade social, visto que grande parte da
população na região não possuem banheiro e água encanada, situação que acarreta às pessoas
aceitar qualquer tipo de trabalho na tentativa de diminuir a pobreza; e as ineficiências das
ferramentas jurídicas para combater os crimes, pois na maioria dos casos os órgãos
competentes deixam de realizar a devida fiscalização das atividades realizadas nas lavouras de
cacau. Nesse sentido, a pesquisa demonstra uma realidade atual e que merece ser aprimorada.
Pode-se constatar que a comercialização do cacau, um produto valioso, apreciado pelo mundo
todo, apresenta em sua cadeia produtiva práticas consideradas criminosos, o que afetam de
modo significativo a vivência de muitos humanos.
No quesito de importância do tema, tem-se que nos últimos tempos despontaram
inúmeras notícias de desrespeito aos princípios e direitos fundamentais nas atividades que
compõem o ciclo produtivo do cacau, exploração envolvendo pessoas das mais variadas
idades nas lavouras que indicam também violações aos direitos civis, políticos e sociais.
Desse modo, faz-se necessária a análise sobre a aplicabilidade da legislação no combate ao
trabalho análogo à escravidão na região estudada, uma vez que, o supracitado produto é uma
fonte de riqueza que coloca o Brasil na lista dos principais produtores mundiais daquilo que é
considerado uma paixão mundial, qual seja, o chocolate.
Ademais, o projeto de investigação a respeito do trabalho nas lavouras até chegar ao
produto final, se torna uma tarefa de extrema importância, pois demonstra como uma manobra
comercial pode exercer um planejamento tão complexo para adquirir grandes frutos por meio
17

do trabalho exploratório de uma grande massa. A relevância do tema é demonstrar a


humilhação e os maus tratos de pessoas, colocadas à marginalização econômica, sendo
obrigadas a realizar um trabalho indesejável e mal remunerado para beneficiar a ganância
desenfreada dos grandes empresários.
Em relação à novidade no trabalho, é necessário enfatizar que o tema ainda não foi
completamente explorado e sua inovação se refere aos recursos midiáticos que estão cada vez
mais colaborando na divulgação do que se deseja ocultar. Empresas notáveis estão sendo
denunciadas por utilizarem matéria prima proveniente do trabalho análogo à escravidão. Com
isso, não restam dúvidas de que há uma extrema necessidade de difundir esses
acontecimentos. Nunca na história houve tanta repercussão sobre temas chocantes, desumanos
e criminosos. A mídia se torna um mecanismo facilitador para a propagação de muitos delitos
e isso será eficaz para salvar a vida de muitos indivíduos que se encontram em situações
degradantes.
No que diz respeito ao interesse da autora, é possível empregar o conhecimento
adquirido durante o curso de Direito para destacar que a escravidão ainda é um cenário
desafiador atualmente. O intuito é atrair a atenção ao tema apontando as falhas e incoerências
da legislação brasileira atual para lidar com a escravidão contemporânea, ao mesmo tempo em
que serão oferecidas sugestões aplicáveis aos problemas apresentados. O maior desejo com
essa pesquisa é alcançar a verdade e divulgá-la para combater esses delitos, concedendo voz
aos trabalhadores esquecidos e possibilitar as devidas garantias para que possam conquistar
seus direitos e ter a chance de viver dignamente.
O trabalho está estruturado em três capítulos.
O primeiro cap tulo com o t tulo de Abuso do poder econ mico e viola o de direitos
sociais na produ o de cacau e conceitos pertinentes , discorre sobre a explora o da m o de
obra nas lavouras de cacau do Pará, bem como uma relação com o referencial teórico,
envolvendo autores da teoria do direito e áreas afins, como a sociologia. Para isso, a teoria da
modernidade em Max Weber foi escolhida objetivando trazer reflexões acerca da
racionalização e comportamento da sociedade moderna. Essa teoria se desenvolve a partir da
reflexão sobre a racionalização, o desencantamento, o Direito racional lógico-formal e a
ascensão do capitalismo.
A modernidade é um período histórico de muitas transformações. Na transição do
sistema feudal para o sistema capitalista, ocorria o renascimento urbano, comercial e a
sociedade passava por muitas modificações sociais, políticas, econômicas, questionamentos
da igreja, reforma protestante, criando-se então a modernidade até alcançar o sistema
18

capitalista, consolidando-se com a revolução industrial, o marco para uma teoria da


modernidade.
O autor Max Weber utiliza o método de uma sociologia compreensiva e o
individualismo metodológico para tentar compreender esta sociedade. Com o objeto do estudo
da teoria da ação social vai tentar compreender interpretativamente a ação social e explicá-la
em seu curso e em seus efeitos. Isso significa que Weber desenvolve o conceito de ação social
como objeto de estudo da Sociologia e faz uma análise do mundo moderno, percebendo o
papel que a racionalidade possui no desenvolvimento da sociedade, visto que vai observar
como a pessoa enquanto indivíduo age na sociedade. A ação social é uma análise dos
fenômenos sociais a partir da ação individual e dos sentidos que os indivíduos lhes atribuem.
Nesse sentido, a teoria da modernidade desenvolvida por Weber poderá contribuir para
a elucidação da presente discussão, além de propiciar a busca para a compreensão dos
mecanismos utilizados por determinados indivíduos ao escravizar o outro de sua própria
espécie por um propósito que não visa um bem maior, mas sim prioriza interesses particulares
e individuais. A explicação sociológica para Weber parte do indivíduo, mas isso não se trata
de negar os coletivos como o Estado, a família, dentre outros. O que ele pretende é voltar ao
surgimento destas instituições e compreender a atividade que lhes deu nascimento e quais as
razões dos homens para sustentar as instituições e os comportamentos sociais.
Sobre o trabalho rural, coube essencialmente verificar o enquadramento legal do
trabalhador vítima de trabalho análogo à escravidão, assim como do empregador ou
fazendeiro proprietário das terras. Para tanto, foi necessário utilizar o direito do trabalho rural
e outros instrumentos legais pertinentes, a fim de aprofundar essa discussão altamente
especializada.
Após isso, será enfatizado a atuação de diversas instituições para julgar o crime em
questão por meio de suas competências, pois o crime de reduzir alguém ao trabalho análogo à
de escravo não envolve a competência de apenas uma justiça, tendo em vista a complexidade
do crime e diversidade de aspectos a serem analisados para fundamentar o processo.
O segundo cap tulo que abrange o Cumprimento das normas jurídicas brasileiras na
punibilidade dos envolvidos , tem o intuito de dimensionar a aplicabilidade das normas
jurídicas para punir os reais responsáveis envolvidos na cadeia produtiva do cacau, assim, será
traçado um panorama que evidencia os principais dispositivos da legislação brasileira e as
principais ferramentas utilizadas no combate ao trabalho análogo à escravidão. Além disso,
como a escravidão contemporânea adquiriu contornos mais sutis, o que exige especialistas
19

para sua identificação e medidas intensas por parte da Administração Pública para erradicar
essa prática hostil e desumana onde quer que esteja presente.
Posteriormente, objetiva-se apresentar o tipo de relação de trabalho presente nas
plantações de cacau, quais contratos são utilizados nesses arranjos e como os fazendeiros,
proprietários das terras, agem para dissimular o vínculo empregatício com os trabalhadores,
resultando em sua responsabilização pelas irregularidades trabalhistas e criminalmente pela
prática de trabalho análogo à escravidão.
Também, será apresentado o desafio real relacionado à responsabilização dos
envolvidos, especialmente quando se trata de responsabilizar as empresas que operam no setor
cacaueiro. Serão destacadas as dificuldades em enquadrar juridicamente a pessoa jurídica
como culpada pelo crime em questão, uma vez que a legislação brasileira não prevê um
dispositivo específico para essa situação.
O terceiro capítulo intitulado A rota informal do cacau e a ausência de fiscali a o ,
tratará do estudo de caso em si. Será realizada a análise do caso ocorrido no município de
Medicilândia no estado do Pará, envolvendo a fazenda Boi Não Berra/Sítio Verde Vale,
propriedade de Raimundo Rodrigues de Souza, conhecido como "Nó Cego". Em 2013, sua
propriedade foi autuada por prática de trabalho análogo à escravidão.
A análise generalizante deverá ser considerada, tendo como referência o contexto
sucateado da região cacaueira, além de evidenciar quais os possíveis motivos para a
impunidade dos envolvidos, o que permite a perpetuação da exploração abusiva e o alto
número de ocorrências desse crime.
Serão examinadas as razões e a ocorrência das irregularidades trabalhistas não apenas
nas fazendas, mas nas demais etapas da cadeia produtiva. Será esclarecido o conjunto de
irregularidades, como a falsificação de contratos com os trabalhadores meeiros, a servidão, os
salários inadequados e as terríveis condições de trabalho, incluindo a falta de água potável e
instalações adequadas para descanso. Será importante compreender por que essa prática
persiste, apesar da existência de órgãos que combatem esse crime.
20

2 ABUSO DO PODER ECONÔMICO E VIOLAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS NA


PRODUÇÃO DE CACAU E CONCEITOS PERTINENTES

Para a discussão do presente capítulo, faz-se necessário introduzir uma abordagem


teórica a fim de explanar como se dá o abuso do poder econômico e a violação dos direitos
sociais no contexto do crime em questão. Para isso, será dimensionada a teoria da
modernidade desenvolvida por Max Weber trazendo contribuições relevantes sobre a análise
dos mecanismos utilizados por indivíduos para subjugar e escravizar outros indivíduos,
visando a promoção de interesses particulares em detrimento do bem-estar coletivo. A
discussão sobre a injustiça será outro elemento relevante que terá como fundamento o aporte
de categorias como paradigmas da redistribuição trazidos por Raphael Neves.
Cabe abordar o conceito e o enquadramento legal do trabalhador, bem como do
empregador ou fazendeiro proprietário das terras, sendo fundamental recorrer ao direito do
trabalho rural e a outros instrumentos legais pertinentes. Essas referências legais são
essenciais para fornecer uma base sólida e precisa na discussão especializada sobre o assunto.
Além disso, retratar que o crime de reduzir alguém ao trabalho análogo à escravidão,
apresenta enorme complexidade, uma vez que exigem a atuação de diversas instituições para
julgá-lo de forma apropriada. Diferentes aspectos e elementos estão envolvidos na
caracterização desse crime, tornando necessária a competência de múltiplas instâncias
judiciais e órgãos responsáveis. Sendo assim, o primeiro capítulo apresenta um panorama do
caso, com a discussão de conceitos e leis pertinentes.

2.1 A EXPLORAÇÃO DA MÃO DE OBRA NAS LAVOURAS DE CACAU DO PARÁ

O tema escolhido para a presente pesquisa trata-se de uma investigação que envolve a
complexa produção de cacau no Pará que beneficia as grandes indústrias internacionais e
gigantes do agronegócio por meio da utilização do trabalho análogo à escravidão de crianças,
adolescentes e adultos.
As maiores indústrias de alimentos do mundo estão sendo processadas por utilizar
mão de obra escrava na cadeia produtiva do cacau e chocolate. A ação tramita na capital dos
Estados Unidos, Washington DC, envolvendo também outras indústrias, como Cargill, Barry
Callebaut, Mars, Olam e Hershey. A ação foi ajuizada pela International Rights Advocates,
em nome das crianças exploradas nas plantações da Costa do Marfim (Casara, 2021).
21

Afirma-se que no Brasil ocorre situação semelhante à da África. Alguns jornais como
Brasil de Fato em parceria com o Ministério Público do Trabalho, identificaram
multinacionais que exploram trabalho escravo na produção de cacau. Estas empresas são
Nestlé, Mondelez, Garoto, Cargill, Olam e Barry Callebaut. Algumas destas se encontram
com ações ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho. Só no Brasil, são oito mil crianças
e adolescentes em condições desumanas em fazendas de cacau (Casara, 2021). O Brasil ocupa
o quarto lugar no ranking de países que mais consomem chocolate e a nossa produção
também assume a 4ª posição.
No Brasil, o cacau é produzido em oito estados: Pará, Bahia, Espírito Santo,
Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Tocantins e Minas Gerais, dado que, os Estados do Pará
(49,3%) e Bahia (45,1%) são os principais produtores, além de serem responsáveis
praticamente pela totalidade da produção nacional (OIT, 2018, p. 11). A Bahia é responsável
por cerca de 90% do processamento inicial do cacau no Brasil, com três indústrias situadas no
município de Ilhéus, pertencentes a três multinacionais moageiras. No entanto, os produtores
baianos perdem cada vez mais espaço para os cacauicultores paraenses, visto que, desde 2017
a produção de amêndoas na Bahia diminuiu pelo quarto ano consecutivo. A seca e a estiagem
na região da Costa do Cacau são as principais causas para a queda da safra, que passou de
153,3 mil toneladas, em 2015, para 83,9 mil em 2017. Com isso, a queda da produção baiana,
faz do estado do Pará o maior produtor brasileiro de amêndoas de cacau (OIT, 2018, p. 11-
12).
Diante deste cenário, a lavoura selecionada para a retratação do presente estudo de
caso está localizada no estado do Pará, mais especificamente na Transamazônica. A escolha
se deve ao fato da elevada importância econômica existente na região, uma vez que
condiciona a base para a elaboração de uma das guloseimas mais saborosas e preferidas de
todos os tempos: o chocolate.
O polo cacaueiro paraense está situado às margens da Rodovia Transamazônica. A
região é a principal produtora do cacau no referido estado e o principal polo de produção do
país, na qual compõem os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia,
Uruará, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio e Pacajá uma área que totaliza 240,2 km²
na região central do estado (OIT, 2018, p. 12).
Conforme supracitado, os municípios de Medicilândia (Pará) e Ilheus (Bahia) são
considerados os principais produtores de cacau no Brasil. Porém, nesta pesquisa optou-se por
dar prioridade para o município de Medicilândia, razão pela qual envolve um complexo de
cidades em sua proximidade interligadas na prática do trabalho análogo à escravidão. A
22

localização do referido complexo poderá ser mais bem analisada conforme a imagem
subsequente:

Figura 1 Polo cacaueiro do Pará ao longo da Transamazônica composto pelos seguintes municípios: 1
Uruará, 2 Medicilândia, 3 Brasil Novo, 4 Altamira, 5 Vitória do Xingu, 6 Senador José Porfírio, 7 Anapu
e 8 Pacajá.

Fonte: Adaptado de Google Maps, 2022.


23

Figura 2 Mapa do Brasil que identifica a localização do município de Mediciliândia (PA), maior
produtora de cacau no Brasil.

Fonte: Bing Maps, 2023.

Cabe informar que, pela elevada necessidade de manter o sustento de si próprios ou da


própria família, muitos indivíduos se submetem a trabalhos forçados, e sem a devida
orientação em relação a seus direitos acabam sendo vítimas de uma escravidão
contemporânea.
No caso das lavouras de cacau, os indivíduos passam a compor uma parte do ambiente
sendo injustiçados e utilizados como uma fonte de recurso para a construção de um poder
econômico. As pessoas são privadas de suas liberdades e a vida é privada de sentido. Um
sofrimento suportado por crianças, adolescentes e adultos, que em algumas situações, essa
condição é determinada pelos próprios pais, visto que, diante da pobreza e poucos recursos
para a sobrevivência, acabam vendo como única alternativa para o sustento da família a
atividade de seus filhos para contribuir com a renda mensal. A mão de obra infantil é mais
utilizada para separar as amêndoas do cacau, retirando-as de dentro do fruto. Já as crianças
maiores e os adolescentes trabalham no corte do cacau, como os galhos dos cacaueiros,
utilizando um facão. Depois, colhem o fruto do chão e o jogam em um cesto de palha que
carregam nas costas. Os balaios cheios podem pesar até 20 kg.
24

A população vítima do trabalho escravo não tem capacidade para atuar em prol de
seus direitos, a carga de trabalho pesado a impede de refletir sobre como poderiam resolver
sua situação, exatamente pela descrença na justiça e a ideia de que esta justiça funciona
apenas para os ricos. Este é um dos fatores que contribui para que esta população explorada
deixe de denunciar seus maus tratos sofridos. Outro fator, refere-se ao desconhecimento de
seus direitos civis, o que faz com que não vejam soluções na justiça brasileira. Essa perda do
sentido da vida pode ser identificada através das injustiças que essas pessoas acabam se
submetendo, uma vez que a real necessidade passa a ser a sobrevivência, e a perda de suas
liberdades é o caminho a fim de obter o mínimo para viver. Segundo Neves, as injustiças
estão relacionadas ao paradigma da redistribuição, visto que as formas socioeconômicas de
injustiças são enraizadas na estrutura econômica da sociedade, como exemplo: a exploração -
ter frutos do trabalho expropriados por outros; a marginalização econômica - ser obrigado a
um trabalho indesejável e mal remunerado ou não ter acesso a nenhum trabalho; e a privação
não ter acesso a um padrão adequado de vida (Neves, 2013).
Os sujeitos injustiçados mencionados nesta pesquisa podem ser identificados como
pertencentes a uma underclass, pois não estão estruturados como trabalhadores assalariados,
devido aos salários ínfimos ou ausência destes. Além de não se tratar de um trabalho
regularizado, existindo à margem do sistema, sustenta a base de todo um mercado
efetivamente consolidado. Algumas famílias produtoras de cacau estabelecem suas moradas
geralmente em locais com uma estrutura precária, esquecidas e marginalizadas e quando as
habitações se localizam nas fazendas, a situação não é diferente, dado que não obtém os
recursos necessários como água potável e saneamento básico. Segundo Fraser, nas palavras de
Neves, o paradigma da redistribuição pode incluir outros casos, como imigrantes e as
minorias raciais identificadas com os trabalhos supérfluos ou com a underclass. Inclui
também as mulheres que realizam o trabalho doméstico e materno, proporcionando para a
sociedade um trabalho de assistência que não é remunerado (Neves, 2013).
Nessa perspectiva é possível fazer uma conexão com a dominação que as empresas
cacaueiras exercem sobre as pessoas que compõem a base dessa estrutura. Verifica-se um
impressionante abandono dessas famílias por parte da cadeia produtiva. Elas são responsáveis
por gerar lucros bastante significativos. A família produtora de cacau é o principal ator nessa
cadeia e, ao mesmo tempo, é a principal vítima de um processo predatório, desumano, e que
não tem seus direitos fundamentais garantidos. Não se reconhece o valor que a cultura deste
tipo de trabalhador possui. Ocorre uma falta de responsabilidade do governo federal, que
cortou brutalmente as verbas usadas nas operações de fiscalização, que não permitem que os
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fiscais e auditores do trabalho se desloquem de seus escritórios e verifiquem quais são as


condições de trabalho no campo. É uma má gestão que inviabiliza um acompanhamento mais
próximo das autoridades sobre o que de fato ocorre (Console, 2018).
Essa dominação exercida pode ser observada como um domínio racional, que é
salientado por Weber. Nesse ponto, este autor salienta existir três tipos puros de dominação
legítima, quais sejam: racional, tradicional e carismática. A dominação de caráter racional é
baseada na crença da legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mandar daqueles que,
devido a essas ordens, estão classificados para executar a dominação. A dominação
tradicional tem como base a crença cotidiana na santidade das tradições que sempre estiveram
vigentes e na legitimidade daqueles que por meio das tradições, representam a autoridade,
pode ser efetiva pela figura do rei. A dominação carismática tem como base a veneração
extracotidiana da santidade, o poder heroico ou caráter de uma pessoa que possa ser exemplar
ou até mesmo das ordens reveladas ou criadas por esta pessoa (Weber, 1994, p. 141).
Ademais, Weber ressalta que as categorias fundamentais da dominação racional se
referem ao exercício contínuo que é vinculado a determinadas regras, de funções oficiais
dentro de determinada competência, na qual, significa dizer que se trata de: um âmbito
limitado, devido à distribuição de serviços obrigatórios; atribuição dos poderes de mando que
são eventualmente requeridos; e limitação fixa dos meios coercitivos que eventualmente são
admissíveis, bem como as condições de sua aplicação. Esse exercício organizado denomina-se
autoridade institucional , que por sua vez existe nas empresas privadas, partidos, exércitos,
como também no Estado e na Igreja (Weber, 1994, p. 142-143).
Nessa seara, as indústrias cacaueiras que nessa linha de raciocínio representam a
autoridade institucional acabam tendo poder e domínio sobre a vida das pessoas que prestam
serviços a elas. Além disso, apesar da existência de leis que poderiam conceder direitos aos
explorados e escravizados, para exercer o domínio, os detentores do capital escolhem suas
conveniências ao invés de agir por uma causa expansiva, que poderia tentar abarcar o máximo
de pessoas. De fato, dificilmente essa ação parte dos poderosos. A legislação deixa de ser
respeitada e há um verdadeiro descaso em relação a essas pessoas por parte também do
Estado. Pois, no Pará, evidencia-se que os municípios localizados à margem da rodovia
Transamazônica registram altos índices de vulnerabilidade social e baixa escolaridade, além
de apresentarem baixos IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Em
Medicilândia, capital do cacau, o maior produtor de cacau do Pará e do Brasil, possui IDHM
considerado baixo . Apresenta a menor renda per capita dos quatro maiores produtores de
cacau do Pará, no valor de R$ 345,44 (OIT, 2018, p. 16-17).
26

A imagem a seguir apresenta o caminho do cacau, ao longo da Transamazônica.

Figura 3 A rota do cacau na Rodovia Transamazônica

Fonte: Cardeal (2018, p. 14).

Verifica-se que os municípios que produzem o cacau têm o IDHM inferior às médias
estadual e nacional, o que demonstra a vulnerabilidade de sua população a processos
exploratórios diversificados (OIT, 2018, p. 17). Esse é um ponto que adentra na questão do
legalismo, que segundo Weber o direito deve se separar do poder e da religião, caso queira
alcançar o objetivo de formular e conservar regras gerais que não são ambíguas. Para ele o
poder tem motivos que a própria razão desconhece, visto que, os governantes sentem-se
tentados constantemente a sacrificar princípios maiores, ou universais em favor de objetivos
particulares que lhe são convenientes. Em uma linguagem teórica constitucional norte-
americana, aqueles que detêm o poder serão levados a tomar decisões baseadas nos resultados
27

finais. Igualmente, onde há mistura entre o direito e a religião, muitas pressões surgem para
que se sacrifique aquilo que é geral favorecendo os fins éticos concretos (Trubek, 2007).
Nota-se que o acesso à justiça é limitado, somente pequena parcela da população tem
este privilégio. A maioria desconhece seus direitos, se existe este discernimento não há
condições de fazê-los valer. A minoria que dá queixa à polícia acaba enfrentando os custos e a
demora do processo judicial, e ainda, os custos de um bom advogado não é algo acessível
para a grande maioria da população. Apesar do dever constitucional do Estado em prestar
assistência jurídica gratuita aos pobres, os defensores públicos acabam sendo insuficientes
para atender a demanda. O único setor que pode funcionar um pouco melhor é o da Justiça do
Trabalho. Porém, essa justiça só funciona para o trabalhador regularizado, que possui carteira
assinada, não atinge os trabalhadores do mercado informal, que acabam ficando excluídos
(Carvalho, 2011).
Segundo as famílias entrevistadas nas áreas de plantio, o baixo preço pago pela rede
de atravessadores é um dos fatores determinantes para a ocorrência do trabalho infantil. Pois,
não há recursos para contratar mão de obra temporária durante a colheita. Os pais sabem que a
educação deveria ser uma prioridade na vida das crianças e adolescentes, mas dizem não
restar outra alternativa, tendo em vista que se os filhos n o colaborarem na ro a de cacau, as
contas n o fecham . J o presidente de uma cooperativa que opera na regi o da
Transamazônica com cacau de alta qualidade ressalta que existe relação direta entre o trabalho
infantil e o preço baixo do cacau. Os agricultores também corroboram com essa afirmação.
Além disso, um dos antigos cacauicultores do Pará, que fornece para os atravessadores, atesta
a existência de trabalho infantil em toda a região, inclusive em sua própria propriedade, e
ainda reforça que se ele não estivesse com a corda no pescoço, o filho de 12 anos, que
trabalha na colheita, estaria estudando (OIT, 2018, p. 34).
Na realidade, é observado que muitas pessoas não possuem todos os direitos que lhes
são garantidos constitucionalmente, o que impede que sejam consideradas cidadãos plenos.
De acordo com a perspectiva de Carvalho, a cidadania pode ser desmembrada em direitos
civis, políticos e sociais. Um cidadão pleno é aquele que usufrui dos três tipos de direitos,
enquanto os cidadãos incompletos são aqueles que possuem apenas alguns deles. Já os não-
cidadãos são aqueles que não desfrutam de nenhum desses direitos. Os direitos civis são
fundamentais para a vida, liberdade e igualdade perante a lei. Eles se baseiam na garantia de
uma justiça independente, eficiente, acessível e de baixo custo para todos. São esses direitos
que asseguram relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil,
que surgiu com o desenvolvimento do capitalismo (Carvalho, 2011). Pode-se inferir que os
28

trabalhadores do ramo cacaueiro, se enquadram como incompleto e em muitos casos como


um não cidadão, pois são despossuídos de qualquer um dos direitos.
Na atual sociedade, a importância para o desenvolvimento capitalista, primeiramente
em seu relativo grau de calculabilidade e em segundo sua capacidade de desenvolver
provisões substantivas, principalmente relacionadas à liberdade de contrato podem ser
enfatizadas pela necessidade de funcionamento de um sistema de mercado. No que consiste a
calculabilidade necessária, o capitalismo requer uma organização normativa que é altamente
calculável. A pesquisa de Weber sobre os tipos de direito indicava que somente o direito
moderno e racional, ou a racionalidade lógico-formal, poderiam proporcionar a
calculabilidade necessária. Sendo assim, o auxílio que o legalismo prestou ao
desenvolvimento do capitalismo foi dispor de uma atmosfera estável e previsível. Desse
modo, o capitalismo encorajou o legalismo, pois a burguesia sabia da necessidade deste tipo
de estrutura governamental (Trubek, 2007).
Neste modelo, verifica-se um conflito de vontades egoístas intrínseco ao capitalismo
competitivo. No capitalismo onde o mercado é puro relacionado à microeconomia, cada
participante deve obrigatoriamente levar seus interesses adiante sobre as custas de outras
pessoas envolvidas no mercado. Na teoria, o lucro desejado é insaciável não sendo restrito por
forças éticas ou morais. Assim, aqueles que participam não se preocupam com suas manobras
e desdobramentos sobre o que fará bem economicamente aos demais participantes (Trubek,
2007).
Não é à toa que as duas figuras centrais nessa cadeia de crimes são os donos das
fazendas e os chamados "atravessadores", intermediários que fazem a ponte entre os
fazendeiros/produtores e as empresas de moagem. Estes atravessadores realizam a compra do
cacau produzido pelos trabalhadores rurais e vendem para as indústrias de moagem. Pode-se
afirmar que a negociação entre eles é algo que está totalmente à margem da legislação, pois é
feito sem notas e sem atuação de obrigações fiscais. Os atravessadores se beneficiam dos
produtores, pois compram o cacau por um valor muito baixo. Não existe nenhuma
preocupação sobre a origem das amêndoas de cacau por parte das grandes indústrias, porque
de fato o maior interesse é o desenvolvimento de seus comércios.
Os cacauicultores, são pessoas simples, que trabalham duro para obter o mínimo de
recursos, vivem à margem da sociedade, como um povo esquecido. Devido à sua condição,
não exigem comprovação no momento da venda das amêndoas, o que compromete qualquer
meio de provas e de identificação das transações. Essa questão está relacionada ao paradigma
do reconhecimento, que envolve a inclusão das vítimas de injustiças, similar ao que Weber
29

denominou como grupos de status. Esses grupos não são definidos pelas relações de
produção, mas sim pelas relações de reconhecimento, uma vez que as vítimas possuem menos
respeito, estigma e prestígio em comparação com outros grupos. Um exemplo clássico na
sociologia weberiana é o da casta inferior, um grupo de status cujos padrões culturais são
considerados menos valorizados (Neves, 2013).
Essa injustiça também pode ser analisada no viés do legalismo, que foi para o
capitalismo mais do que funções econômicas. Na realidade Weber demonstrou a ideia de um
sistema de direito autônomo, que partilha justiça formal, legitima a estrutura política de uma
sociedade capitalista. Sobre esta justiça formal pode-se afirmar que ela garante liberdade
máxima para que as partes envolvidas possam defender seus interesses legais formais. No
entanto, a distribuição desigual de poder, legalizada pelo chamado sistema formal de justiça,
irá produzir de maneira repetida, consequências contrárias das éticas religiosas ou até mesmo
dos proveitos políticos. A justiça formal repudia poderes autoritários, governantes arbitrários,
como também, se coloca contra interesses democráticos. Esta justiça, abstrata, não pode
considerar questões éticas. Esta abstenção diminui a possibilidade de alcançar diretrizes
substanciais que são defendidas por grupos populares. Contudo, determinados valores
democráticos e tipos de justiça social poderiam ser alcançados caso o estrito legalismo fosse
sacrificado (Trubek, 2007).
Vale frisar, que o legalismo confere legitimação à dominação dos capitalistas,
principalmente o domínio sobre os trabalhadores. Pois, aparentemente o legalismo limita as
ações do estado, mas ele concede força ao estado e legitima a dominação de determinada
classe. Deste modo, o estado vai se fortalecendo em relação a outras forças que possam
promover seu crescimento no mercado. Isso reflete no controle de propriedade, pois a
organização, esta lógica de estrutura de mercado vai contribuir para a concentração de poder
daqueles que controlam os recursos no viés econômico, acarretando uma má distribuição
destes recursos, em uma perpetuação da concentração e na origem de diferenças de classes.
Nesse sentido, podem ser implementados remédios úteis para combater as injustiças.
Na vertente do paradigma redistributivo, o remédio consiste em uma reestruturação política e
econômica, incluindo a ideia de redistribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho,
controles democráticos sobre investimentos e transformação de outras estruturas econômicas.
Já no paradigma do reconhecimento, o remédio se traduz em mudanças culturais ou
simbólicas, com base na valorização da diversidade cultural e na transformação mais radical e
abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação. No caso da
redistribuição, as distinções de classe são consideradas injustas e as lutas sociais têm como
30

objetivo eliminar essas diferenças. No caso do reconhecimento, quando certas diferenças


culturais são hierarquizadas ao longo do tempo, busca-se uma política de revalorização das
culturas menosprezadas para eliminar tais diferenças. O papel das lutas sociais é desconstruir
essas diferenças (Neves, 2013).
Neste contexto, cabe ao Estado combater as irregularidades presentes na cadeia
produtiva do cacau. Um dos fatores marcantes no cenário do trabalho análogo à escravidão é a
combinação de parceria e meação, mecanismos frequentemente usados na ocultação do
trabalho escravo. Foram flagrados casos desse tipo de exploração nos principais polos
produtores de cacau do Brasil, e em situações diversas os trabalhadores foram submetidos a
sistemas de servidão por dívida, condições degradantes de moradia e trabalho, e jornadas
exaustivas. Assunto que será mais bem abordado no terceiro capítulo.
Todos os direitos devem ser garantidos para as vítimas do trabalho análogo à de
escravo. No entanto, no contexto em questão, os direitos sociais não podem ser pensados
como um direito opcional ou secundário, o seu grau de significância está relacionado à
participação na riqueza coletiva, garantindo educação, trabalho, salário justo, saúde e
aposentadoria. Para garantir a vigência desse direito, precisa existir uma operativa máquina
administrativa do Poder Executivo. Os direitos sociais possibilitam às sociedades
politicamente organizadas diminuir os extremos de disparidade gerados pelo capitalismo e
assegurar um mínimo de qualidade de vida para todos. O conceito central em que se
fundamentam é o da equidade social (Carvalho, 2011).
Outro fator que demonstra irregularidades, decorrente do abuso do poder econômico e
violação de direitos, se trata da prática recorrente de sonegação fiscal durante a
comercialização da amêndoa que é realizada com ausência da emissão de nota fiscal, sem
nota ou por fora . A venda de cacau praticamente n o fiscali ada pela Secretaria da
Fazenda do Estado, o que interfere na arrecadação dos municípios e do estado. É relevante a
produção que sai do estado sem a devida arrecadação e fiscalização. Essa sonegação impede o
desenvolvimento dos municípios produtores de cacau, e isso também está relacionado à
atuação dos atravessadores, que são os intermediários da cadeia (OIT, 2018, p. 37), situação
mencionada anteriormente.
É de extrema relevância que haja um maior interesse por parte dos governantes em
investigar a situação existente na região do Pará. Nas palavras de Habermas a esfera pública
ainda continua a ser um princípio que organiza nossa ordem pública (Habermas, 2014). Sendo
assim, cabe ao Estado a responsabilidade de realizar um levantamento das práticas trabalhistas
reais no ciclo produtivo do cacau, verificando se estão sendo respeitadas. Caso haja
31

descumprimento das leis, estas devem ser aplicadas devidamente. Observa-se que essa
responsabilidade estatal deve ser exercida de forma conjunta, envolvendo órgãos competentes
como o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e a Secretaria da
Fazenda do Estado. É necessário estabelecer uma política de fiscalização mais comprometida
e elaborada, visando garantir um maior controle, identificação e monitoramento do comércio
do cacau.
É importante destacar que, com a consolidação da Constituição de 1988, diversos
direitos sociais foram garantidos. Os objetivos desta constituição incluem a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e marginalização, e
a minimização das desigualdades sociais e regionais, conforme estabelecido no artigo 3º. A
maioria dos direitos sociais está prevista no artigo 7º da Constituição, que garante a proteção
ao empregado contra demissão arbitrária, seguro-desemprego, salário mínimo, participação
nos lucros da empresa, jornada de trabalho de oito horas diárias, férias, licença maternidade e
licença paternidade, entre outros direitos (Neves, 2013). São esses direitos que devem ser
aplicados e garantidos quando se trata da atual situação de trabalho explanada.
Com base nisso, é crucial realizar investimentos nos municípios do estado do Pará.
Isso inclui melhorias na infraestrutura, saneamento básico e valorização da população, além
de proporcionar um maior acesso à justiça. É fundamental garantir aos habitantes seus direitos
sociais, como um trabalho digno, com todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição.
Além disso, é necessário melhorar a qualidade da educação, pois ela é uma das principais
ferramentas para impedir que a população seja subjugada e explorada. É importante promover
movimentos de conscientização na região para contribuir com a luta contra o trabalho análogo
à escravidão e garantir uma maior prevenção desse tipo de crime. O ordenamento jurídico não
pode ser apenas um manual de leis bem estruturado, a política deve atuar em prol dos
indivíduos, pois são eles que impulsionam a sociedade.

2.2 CONCEITO DE TRABALHO RURAL

Um aspecto crucial para a continuidade da presente pesquisa é compreender o


conceito de trabalho rural e o enquadramento legal do cacauicultor e do empregador rural.
Para isso, cabe fazer uso do direito do trabalho rural e de outros dispositivos presentes no
ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre a doutrina brasileira, a organização do estudo do direito material do trabalho
trata primeiramente da figura do empregado e posteriormente aborda o empregador. Na
32

realidade, essas duas figuras estão vinculadas ao emprego, visto que a caracterização é
determinada a partir da perspectiva do empregado, dado que o empregador é, via de regra, um
sujeito judicialmente despersonalizado. No entanto, para uma melhor abordagem do trabalho
rural e suas relações, convém dimensionar o contento de modo invertido, pois a caracterização
dessa espécie de relação depende de maneira essencial da atividade econômica
predominantemente executada pelo empregador, conforme previsto no artigo 511, §2º, c/c
artigo 581, §2º, da CLT (Lima, 2023).
Nesse sentido, sobre o empregador rural, o artigo 3º da Lei 5.889/1973 o define da
seguinte maneira: Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física
ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente
ou tempor rio, diretamente ou atrav s de prepostos e com aux lio de empregados , e ainda a
lei em seu § 1o, está previsto a inclusão da atividade econômica mencionada no caput deste
artigo, al m da explora o industrial em estabelecimento agrário não compreendido na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio
de 1943, a explora o do turismo rural ancilar explora o agroecon mica (Brasil, 1973).
Sendo assim, as características do empregador rural, com base na Lei n. 5.889/1973,
são: a) pessoa física ou jurídica, podendo ser o produtor rural na pessoa física, bem como a
empresa rural como as fazendas, que tem personalidade jurídica própria, que em alguns casos
são instituídas na forma de sociedade empresarial; b) proprietária ou não do imóvel que se
destina à atividade econômica, caso do arrendatário; c) exploração de atividade
agroeconômica, desde a exploração rústica (agropecuária) até a atividade industrial em
estabelecimento agrário; d) caráter permanente ou temporário, que geralmente está presente
na pecuária e turismo rural sazonal ou ancilar; e) diretamente ou através de prepostos,
indicando impessoalidade do empregador, que vincula o emprego à atividade, conforme
demonstra o artigo 2 da CLT ao usar o termo empresa ; f) aux lio de empregados, tendo em
vista que o contrato é bilateral, exigindo a presença do contratado, o empregado (Lima, 2023).
No que se refere a exploração industrial em estabelecimento agrário, o § 4º do art. 2º
do Decreto 73.626/1974, redação mantida pelo Decreto n.10.854/2021, no §4º, art. 84, melhor
clarifica ao dispor que esse tipo de exploração condiz com o primeiro tratamento dos produtos
agrários, que se encontram in natura, sem transformá-lo em sua natureza, tais como:

I - o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários


e hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou vegetal para posterior
venda ou industrialização;
33

II - o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e


modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior.

§ 5º Para os fins previstos no § 3º não será considerada indústria rural aquela que,
operando a primeira transformação do produto agrário, altere a sua natureza,
retirando-lhe a condição de matéria-prima (Brasil, 2021a).

Nesse viés, a transformação da matéria-prima, de sua aparência ou qualidade, é o


principal processo da industrialização de um produto. Mesmo que sejam utilizados inúmeros
métodos no processo industrial, apenas aquele que modifica a aparência da matéria-prima é
que foi considerado, em matéria trabalhista, para diferenciar uma indústria urbana da rural.
Assim, se no processo de industrialização não houver transformação da matéria-prima em sua
aparência in natura, sem modificar sua forma original que vem na natureza essa indústria será
rural. Mas se houver alteração da matéria-prima, essa indústria será urbana. Com isso, tem-se
que o beneficiamento, a embalagem, o ensacamento, o recondicionamento, o
descaroçamento, o descascamento, a limpeza, a pasteurização, o resfriamento, a fermentação,
a secagem, o seccionamento, o abate, o corte etc. s o considerados atividades rurais . Isso
também inclui todo o aproveitamento de produtos e subprodutos, tais como grãos da vagem,
provenientes do feijão, da ervilha, demais aproveitamento de subprodutos como o leite ou
couro da vaca, entre outros (Cassar, 2018, p. 66).
Com isso, tem-se que as atividades executadas na produção do cacau, como a secagem
e a fermentação das amêndoas, assim como seu ensacamento para a comercialização, sem
dúvidas são atividades rurais, que são realizadas na própria fazenda ou mesmo nas residências
dos cacauicultores.
No que diz respeito ao enquadramento do trabalhador rural, verifica-se que este é
regido pela Lei 5.889/73, visto que, em seu art. 17, estão dispostas as normas que se aplicam
tanto ao empregado, como também ao não empregado. Em outras palavras, os trabalhadores
rurais são divididos em duas espécies: os empregados rurais, sendo aqueles contratados por
prazo indeterminado, por safra e por contrato de curta duração; e os trabalhadores rurais não
empregados, definidos como boias frias (eventuais), meeiros, parceiros e arrendatários
(Cassar, 2018).
No caso em tela, os trabalhadores envolvidos no cultivo de cacau são identificados
como parceiros e meeiros. Estes sujeitos recebem uma porção de terra do proprietário
(fazendeiro) por meio de um contrato estabelecido entre essas partes. O proprietário, que
também é denominado meeiro, ao ceder a porção de terra para o individual ou um grupo
familiar geralmente tem o compromisso de disponibilizar moradia e instrumentos e
34

equipamentos de proteção aos trabalhadores. Desse modo, o fazendeiro é tido como parceiro
outorgante, e os trabalhadores são os parceiros outorgados.
Na realidade, os sujeitos que integram a parceria associam a terra, o trabalho e o
capital para assim utilizar na atividade agrária o imóvel rural. A produção obtida e o
rendimento são partilhados no final do contrato, estando incluídos os riscos do
empreendimento, na proporção em que estiver acordada, conforme o que determina a lei. Os
contratantes são denominados parceiros, dado que o parceiro outorgante é aquele que cede a
terra, que entrega os bens, podendo ser ou não o proprietário, e o parceiro outorgado é a
pessoa ou o grupo familiar que recebe a porção de terra. Em muitos casos, esse outorgado é o
cultivador direto, e o outorgante, na maioridade das vezes concorre com o imóvel e as
benfeitorias incluídas, esta pessoa pode também disponibilizar máquinas, animais de tração,
sementes, que incidirão nos percentuais ao final da atividade agrária (Almeida; Buainain,
2013). Porém, na maioria dos casos, esse outorgante não fornece devidamente os produtos e
instrumentos de trabalho, mas isso ficará mais nítido no terceiro capítulo.
O contrato de parceria, estabelecido pelos meeiros, se trata de um contrato típico,
regulado pelo Decreto n.59.566/1966 (Lima, 2023). Desse modo, a classificação do que
consiste uma parceria rural está delineada no art. 4º, visto que os artigos 5º e 6º dimensionam
a respeito das atribuições:

Art. 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à
outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou
partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com
o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-
industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria,
invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante
partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos
frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os
limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra). Parágrafo único. para
os fins dêste Regulamento denomina- -se parceiro outorgante, o cedente,
proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o
conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios
das modalidades de parcerias definidas no art. 5º.

Art 5º Dá-se a parceria: I - agrícola, quando o objeto da cessão fôr o uso de imóvel
rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nêle ser exercida a atividade
de produção vegetal; II - pecuária, quando o objetivo da cessão forem animais para
cria, recria, invernagem ou engorda; III - agro-industrial, quando o objeto da sessão
fôr o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, ou maquinaria e
implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto
agrícola, pecuário ou florestal; IV - extrativa, quando o objeto da cessão fôr o uso de
imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou animais de qualquer espécie, com o
objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;
V - mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de
parceria definidas nos incisos anteriores.
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Art 6º Ocorrendo entre as mesmas partes e num mesmo imóvel rural avenças de
arrendamento e de parceria, serão celebrados contratos distintos, cada qual regendo-
se pelas normas específicas estabelecidas no Estatuto da Terra, na Lei nº 4.947-66 e
neste Regulamento. Parágrafo único. Reger-se-ão pelas normas do presente
Regulamento, os direitos e obrigações dos atuais meeiros, terceiros quartistas,
parcentistas ou de qualquer outro tipo de parceiro-outorgado, cujo contrato estipule,
no todo ou em parte, a partilha em frutos, produtos ou no seu equivalente em
dinheiro (Brasil, 1966a).

Na colocação do juiz Leonardo Tibo Barbosa Lima, apesar de se tratar de um contrato


rural, em que uma das partes (parceiro-outorgado) é um trabalhador rural, um pequeno
produtor rural, a relação que se mostra não é de trabalho, mas sim de sociedade, devido a
demonstração de junção de esforços para atingir interesses comuns. Com isso, essa celebração
de contrato tem amparo jurídico no artigo 981 do Código Civil (Lima, 2023). Verifica-se que
a denominação meeiros está relacionada aos parceiros que dividem o ônus da atividade em
partes iguais, sendo 50% para cada, porém essa divisão não é obrigatória. A regra da parceria
rural não determina uma remuneração periódica ao parceiro outorgado, que é o trabalhador,
dado que seu lucro é proveniente de retribui o econ mica pro labore calculada a partir do
resultado final da produção, que no fim, acaba suportando os riscos da atividade econômica
(Lima, 2023, p. 221).
De fato, o contrato de parceria rural não estabelece vínculo empregatício entre seus
celebrantes, mas sim há a formalização de seus sócios para alcançar os objetivos descritos no
contrato social, e seus requisitos de contratação devem obedecer a Lei 4.504/164 e o Decreto
59.566/1966.
Todavia, verifica-se que todos os trabalhadores rurais, incluindo aqueles que não têm
relação de emprego, como os como os boias-frias, os meeiros, arrendatários e parceiros, estão
amparados pela Lei 5.889/73, conforme previsto em seu art. 17. Além disso, os empregados
rurais podem ser classificados como: empregados rurais e safristas. Ambos são considerados
empregados, contudo, o safrista é a pessoa contratada por prazo determinado, visto que seu
contrato tem duração da safra termo incerto, conforme previsto no art. 14 da referida Lei
(Cassar, 2018). Para Amauri Mascaro Nascimento, a Lei 5.889/73 se aplica a todo trabalhador
rural e não apenas aos empregados rurais, conforme art. 17. Assim, amplia-se o âmbito de
proteção jurídica àquele que é eventual (Leite, 2020).
No caso do safrista, ele não está limitado a trabalhar apenas no período da colheita,
podendo executar outros serviços relacionados, tendo até a existência de concomitância entre
plantio e colheita. Além disso, esse tipo de trabalhador preenche os requisitos de emprego,
pois estão presentes os requisitos da relação de emprego como pessoalidade, onerosidade e
subordinação. Já o requisito da não eventualidade, deve-se levar em consideração que as
36

partes celebram um ajuste que é conhecido e certo, tendo a atividade do empregador como
permanente, apesar de ser temporário o período de safra, porém incerto, uma vez que as
variações das estações não possuem datas marcadas. Sendo assim, se o empregador não tiver
a intenção de aproveitar o safrista nas atividades existentes na entressafra, a Lei n. 5.889/1793
concede que a contratação seja por contrato por prazo determinado, conforme disposto no art.
14 (Lima, 2023).
É importante destacar que esse trabalhador sazonal é altamente demandado no cultivo
do cacau durante a safra. Embora seja responsabilidade do proprietário contratá-lo e pagar por
seus serviços, muitas vezes são os próprios meeiros que o contratam para atender a uma
demanda excessiva. Essas contratações são feitas de maneira informal, sem a formalização de
um contrato, e o pagamento é realizado pelos meeiros. Além disso, quando esse trabalhador é
contratado pelos meeiros, ele acaba se tornando mais uma vítima do trabalho análogo à de
escravo.
Outro tipo de trabalhador rural não empregado é boia-fria ou volante. Segundo Vólia
Bonfim Cassar, este é o trabalhador eventual que aceita qualquer tipo de serviço, quando for
necessário ou em qualquer momento, podendo ser realizado em qualquer lugar para a pessoa
que possa lhe fornecer o melhor pagamento. Essa boia-fria não tem o empregador rural e não
há repetição do serviço, faltando assim o requisito da pessoalidade, impedindo a formação do
vínculo de emprego com o tomador. Na maioria dos casos esse tipo de trabalhador rural que é
incorporado para o trabalho escravo no Brasil, em pleno século XXI (Cassar, 2018).
Sobre o requisito da pessoalidade sabe-se que existe a obrigação do trabalhador de
prestar serviços pessoalmente ao empregador. Isso significa que o contrato de trabalho é
estabelecido baseado na relação entre o trabalhador individual e o empregador, exigindo que o
próprio trabalhador execute as tarefas acordadas, não podendo transferir sua obrigação de
trabalho para outra pessoa sem o consentimento do empregador. No entanto, de fato, esse
requisito não se encontra presente na situação acima, e isso se torna um veículo para que
muitos trabalhadores acabam sendo recrutados para a realização do trabalho escravo, sem o
vínculo empregatício trabalham no cultivo do cacau oferecendo seus serviços para diversas
plantações, com o objetivo de complementar suas rendas, e os meeiros também se incluem
nessa situação, trabalhando nas fazendas das imediações, podendo ser identificados como
boias-frias ou volantes nesse contexto.
O nome boia-fria, que demonstra teor pejorativo e discriminatório, lamentavelmente
ainda se utiliza na atual sociedade e nomina o trabalhador que prestar serviços de maneira
eventual e temporária, com ausência de vínculo com o tomador. Em regra, são classificados
37

como safristas, tendo em vista que são considerados empregados, exceto se a realidade
demonstrar que o trabalho é meramente eventual. As tarefas desse trabalhador geralmente são
braçais, simples e rústicas, podendo facilmente ser enquadrada a subordinação nas atividades
rurais do tomador de serviços, sendo qualquer atividade, pelo que se presume (Lima, 2023).
Cabe ressaltar que as categorias de trabalhadores rurais no campo muitas vezes não
são bem definidas. Ao oferecer seus serviços em várias plantações, esses trabalhadores não
têm a opção de escolher quem paga melhor, pois todos na região tendem a oferecer salários
muito baixos. No entanto, eles buscam essas oportunidades para complementar suas rendas,
uma vez que já são explorados nas fazendas onde atuam como meeiros. É crucial ter em
mente que as relações entre trabalhadores rurais e proprietários frequentemente ocorrem com
a clara intenção de mascarar um verdadeiro vínculo empregatício por parte do empregador.
No entanto, os direitos dos trabalhadores rurais são assegurados pelas leis e pela Constituição
de 1988.
Posto isto, cabe enfatizar que os trabalhadores rurais tiveram seus direitos equiparados
aos direitos dos urbanos com a Constituição da República em 1988, estendendo aos rurais o
direito a: previdência social; aviso prévio proporcional ao número de anos de serviço
prestado, de no mínimo 30 e máximo de 90 dias, obtendo um dia de folga por semana para
buscar novo emprego; adicional noturno de 25%, sendo na atividade de agricultura
considerado o período das 21h às 5h; pagamento de 13º salário e férias proporcionais, abono
de férias e FGTS, e no caso de rescisão antecipada pagamento direito ao saque do FGTS e
multa de 40%; no caso de contrato por pequeno prazo, deverá ter expressa autorização em
convenção coletiva, identificação do trabalhador do produtor rural e do imóvel onde o
trabalho será realizado, anotação em carteira de trabalho e contrato por escrito, caso o limite
estipulado na lei seja superado, esse contrato será convertido em contrato por prazo
determinado, pois essa modalidade assegura os mesmos direitos dos demais trabalhadores
rurais; trabalho de menor proibido até 16 anos, e entre 16 a 18 anos é permitido, desde não
seja realizado em horário noturno, insalubre, perigoso ou penoso (Brasil, 2019).
Apesar das dificuldades enfrentadas, os trabalhadores rurais têm direito a uma série
de garantias legais, que devem ser respeitadas pelos empregadores. É fundamental que esses
direitos sejam cumpridos e que medidas sejam tomadas para combater a exploração e
promover melhores condições de trabalho para esses profissionais.
38

2.3 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DO CRIME EM


QUESTÃO

Para ajuizar uma ação trabalhista ou penal que envolve o caso de trabalho análogo à de
escravo, é natural imaginar a competência de vários órgãos, tendo em vista a complexidade do
crime e a variedade de matérias para fundamentar o processo.
A ação trabalhista contra uma pessoa física ou uma empresa, que envolvem sanções
penais individualizadas, com a obrigação de pagamento de verbas trabalhistas com caráter
salarial e indenizatórias ao empregado, sendo a vítima de crime de trabalho escravo,
juntamente com as contribuições previdenciárias e as multas resultantes das fiscalizações
realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego será discutida e julgada na mesma ação,
perante a Justiça do Trabalho (Souza; Lebre, 2017).
Já no caso de crimes de redução à condição análoga à de escravo, segundo a juíza
federal Louise Vilela Leite Filgueiras é de competência da Justiça Federal, tendo em vista que
ofende o bem jurídico da liberdade individual e afeta a organização do trabalho, situação
reconhecida pela jurisprudência. Já a Justiça do Trabalho, atua no sentido de garantir direitos
aos trabalhadores, como pagamento de indenizações, verbas rescisórias e FGTS, àqueles que
se submeteram em situações degradantes. Segundo o Desembargador Lorival Ferreira dos
Santos, do TRT15, explica que a competência da Justiça do Trabalho, de acordo com o art.
114 da CRFB/88, julga a relação de emprego e os conflitos decorrentes da relação de trabalho,
bem como a responsabili a o pela ofensa aos direitos fundamentais como a indeni a o do
dano moral individual ou coletivo da relação contratual (Brasil, 2023d, p. 7-8).
Sobre as fiscalizações, verifica-se que não são executadas apenas por um órgão, pois o
combate ao trabalho análogo à escravidão está intrinsecamente ligado a uma efetiva
fiscalização trabalhista. No Brasil, os responsáveis por essas tarefas são os auditores fiscais do
trabalho, vinculados ao Ministério do Trabalho e Previdência e pelos procuradores do
trabalho, servidores do Ministério Público do Trabalho. A atuação do primeiro órgão é
realizar a fiscalização administrativa, que se trata da via extrajudicial. Já o Ministério Público
do Trabalho não pertence a nenhum dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, pois se
trata de um órgão autônomo, pertencendo ao Ministério Público da União, sendo o
responsável por ajuizar ações judiciais, com base nas irregularidades, que podem ser
modificadas ou corrigidas pelas empresas. A fiscalização é uma inspeção realizada em
qualquer empresa. Sendo um protocolo comum, tem o intuito, por meio dos órgãos
trabalhistas, garantir que a legislação seja respeitada e cumprida.
39

O MPT, como um dos ramos do Ministério Público da União, tem atuado de forma
mais próxima no enfrentamento do combate ao trabalho análogo à de escravo, com relação ao
Ministério Público Federal. O MPT juntamente com o Ministério do Trabalho, ocupa
fundamental papel na execução dessa política, por meio da atuação dos Procuradores do
Trabalho no viés judicial e extrajudicial (Santos, 2018).
Na realidade o MPT possui um papel crucial no combate ao trabalho análogo à
escravidão no sentido de atuar contra a violação de direitos, indispensáveis para o indivíduo e
para a coletividade. Conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em seu
art. 736 o Minist rio P blico do Trabalho é constituído por agentes diretos do Poder
Executivo, tendo por função zelar pela exata observância da Constituição Federal, das leis e
demais atos emanados dos poderes p blicos, na esfera de suas atribui es . Al m disso, o
parágrafo único elucida que para o exerc cio de suas fun es, o Minist rio P blico do
Trabalho reger-se-á pelo que estatui esta Consolidação e, na falta de disposição expressa,
pelas normas que regem o Minist rio P blico Federal (Brasil, 2023a).
Na atuação judicial, o papel dos procuradores do trabalho é relevante para a repressão
do trabalho análogo à escravidão no país, por meio das ações cautelares e condenatórias que
movem na justiça do trabalho. As ações cautelares objetivam garantir, via provimento
jurisdicional urgente, uma efetiva decisão judicial futura. Nesse sentido, cabe aqui a adoção
de medidas judiciais como arrestos, sequestros e até mesmo a produção antecipada de provas,
entre outras medidas. No entanto, também podem atuar no âmbito extrajudicial, nas operações
de fiscali a o em procedimento como custos legis ou rg o interveniente, de acordo com a
situação. Durante esse procedimento, os procuradores ouvem as testemunhas e fazem o
acompanhamento das equipes de fiscalização. Caso seja necessário, podem ajuizar ações
cautelares para garantir os direitos urgentes das vítimas (Santos, 2018).
Os procuradores atuam em conjunto com as autoridades participantes da inspeção,
juntamente com as tratativas com os exploradores de mão de obra escrava. Suas competências
durante o procedimento é definir os valores devidos pelo dano moral individual e coletivo que
se trata da violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Ademais, podem firmar
Termos de Ajustamento de Conduta com a determinação de cláusulas obrigacionais para o
empregador pagar, fazer ou não fazer de acordo com o caso concreto. De acordo com o art.
83, XII, c/c o art. III, podem instaurar procedimentos de investigação a fim de colher
informações pertinentes às violações dos direitos fundamentais que se caracterizam como
trabalho análogo à escravidão. Nesse sentido, podem instaurar os inquéritos civis a fim de
40

colher provas e instruir as ações civis públicas para a condenação desses exploradores da mão
de obra análoga à escravidão (Santos, 2018).
Nesse contexto, pode-se afirmar que o MPT não tem competência para julgar as ações
relacionadas ao caso de trabalho análogo à de escravo, mas fiscaliza o cumprimento da
legislação trabalhista. Em suma, tem a missão de atuar na defesa dos direitos difusos e
coletivos dos trabalhadores, e em direitos individuais homogêneos com significativo valor
social, na esfera das relações de trabalho. Esse ramo do Ministério Público, não atua na defesa
dos demais direitos meramente individuais e na realidade quem vai atuar sobre causas
trabalhistas será a Justiça do Trabalho.
Pois bem, após essa elucidação, uma situação que se demonstra polêmica é a razão da
justiça do Trabalho não julgar casos pertinentes ao trabalho análogo à de escravo, uma vez
que o empregado envolvido pode ser vítima desse crime, além de ser vítima de fraude no
contrato de trabalho e infrações administrativas. Na realidade, seria de elevada eficiência, se o
sistema de justiça, tivesse, na Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as
ações no caso supracitado, a fim de reprimir as condutas do art. 149 do CP, como também
crimes contra a organização do trabalho, previsto no art. 203 do CP (Souza; Lebre, 2017).
Nesse sentido, observa-se que a redação da Emenda Constitucional n.45, quando
menciona o art. 114 da CRFB/88, salienta a respeito da evolução da competência trabalhista
ao falar do nexo de causalidade com o contrato de trabalho. A relação de trabalho que for
convertida em uma lide deverá ser ajuizada, processada e julgada pela Justiça do Trabalho.
Sendo que essa é uma tendência constitucional, retratada pelo Congresso Nacional, se
tratando de uma justiça especializada, onde se julga casos que envolvem direitos
personalíssimos (direito civis), e fazem execuções tributárias de contribuições sociais e das
multas provenientes dos autos de infração à CLT (Souza; Lebre, 2017).
A EC 45, que estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de
trabalho análogo à escravidão, deveria ser respeitada pelas razões apresentadas. Pois, ela
possui conhecimento aprofundado sobre a realidade do crime citado, visto que julga outros
crimes relacionados a essa prática. Centralizar todos os processos e crimes em uma única
jurisdição seria altamente eficiente para agilizar o andamento dos casos, atendendo à
necessidade de celeridade processual. Além disso, essa abordagem conjunta permitiria que as
vítimas recebessem todas as reparações necessárias de forma abrangente.
Embora o crime de trabalho análogo à escravidão seja tipificado no âmbito do direito
penal, existem diversos fatores que o relacionam diretamente ao campo trabalhista. Há uma
clara relação de trabalho que envolve o crime, estabelecendo um nexo de causalidade.
41

Portanto, é plausível que a competência para julgar esses casos seja atribuída à Justiça do
Trabalho.
Ao permitir que a Justiça do Trabalho seja responsável pelo julgamento dos crimes de
trabalho análogo à de escravo, garante-se uma abordagem especializada e mais efetiva na
proteção dos direitos dos trabalhadores e na responsabilização dos infratores.
42

3 CUMPRIMENTO DAS NORMAS JURÍDICAS BRASILEIRAS NA PUNIBILIDADE


DOS ENVOLVIDOS

No presente capítulo, apresenta-se a aplicabilidade das normas jurídicas na punição


dos responsáveis envolvidos com crime estudado. Para isso, será demonstrada a legislação
brasileira pertinente, além de ser explanada as demais possibilidades perante a lei para o
enfrentamento do cenário em questão.
A escravidão contemporânea é uma forma de exploração humana que adquiriu
contornos mais sutis e complexos, por isso, a proposta desse capítulo também será identificar
o tipo de relação de trabalho presente nas plantações de cacau, que muitas vezes é marcada
por uma série de irregularidades trabalhistas podendo configurar-se em trabalho análogo à
escravidão, e atribuir a responsabilidade ao empregador que nessa situação é o proprietário da
fazenda. Para além disso, será demonstrado os desafios de se responsabilizar as empresas que
operam no setor cacaueiro, e que são condescendentes com inúmeras práticas criminosas.

3.1 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO DO TRABALHO ANÁLOGO À


ESCRAVIDÃO

Superadas as explanações acerca do enquadramento legal do empregador e empregado


rural, cabe nesse momento dimensionar a aplicabilidade da legislação nos casos de trabalho
análogo à escravidão, elucidando primeiramente as diferenciações deste em relação à
definição de trabalho escravo para posteriormente demonstrar quais as implicações jurídicas
de submeter um indivíduo a essa condição.
Historicamente, a exploração do trabalho humano se apresentou de diferentes
maneiras desde a escravidão, passando pela servidão e corporações de ofício e pela relação de
emprego marcada pelo advento da Revolução Industrial. Tanto na Grécia, como em Roma e
Egito, todos do período antigo utilizavam o regime da escravidão, dado que era a principal
forma de exploração do trabalho humano, sendo intrínseco à estrutura do sistema econômico
da época. Os escravos dessas sociedades eram considerados objetos de direito e executavam
árduas tarefas que não poderiam ser realizadas pelo cidadão livre, por se tratarem de tarefas
desonrosas ou degradantes. Esse tipo de escravidão esteve presente em nossa sociedade na
época do Brasil Império até a data de 13 de maio de 1988, quando por meio da Lei Áurea foi
decretada a abolição da escravatura (Garcia, 2021).
43

Naquela época, o escravo não era categorizado como ser humano, tratado como uma
coisa correspondia a uma propriedade privada, que permitia ser vendido, alugado,
emprestado, trocado por outros escravos e até por animais, por bens móveis, entre outros. A
escravidão colocava o indivíduo ou um grupo na obrigação de servir, sob coação, uma pessoa,
esta que exercia direito de propriedade, estando permitido se apropriar da totalidade do
produto do trabalho e usá-lo como mercadoria, sem considerar qualquer autonomia ou
dignidade desse ser como indivíduo (Silva, 2008). A escravidão era apoiada pelo Estado,
estando presente mais especificamente no período colonial e monárquico. No entanto, com a
sua abolição no século XIX, a escravidão deixa de existir, passando a ser uma prática proibida
e ofensiva ao ser humano.
O chamado trabalho análogo à escravidão se distingue da escravidão mencionada,
mas ambas ofendem a dignidade da pessoa humana, estando em desarmonia com o princípio
da valorização social do trabalho (Garcia, 2021). Atualmente, considera-se inadequado o uso
da expressão trabalho escravo, exatamente por essa prática ter sido extinta e proibida. Deve
ser utilizado o termo trabalho análogo à escravidão ou trabalho análogo à de escravo que de
fato apresenta um delito existente e tipificado no Código Penal Brasileiro.
Cabe reforçar que a escravidão no Brasil não é mais visualizada em seu sentido
histórico, mas vista numa perspectiva contemporânea, sendo decorrente da fragilidade de
trabalhadores (podendo ser rurais, domésticos, estrangeiros irregulares), que ao buscar atingir
suas necessidades basilares, são induzidos a exceder, contra sua vontade, os limites de sua
própria dignidade. Nesse sentido, o conceito atual de trabalho escravo está relacionado à
submissão do trabalhador ao: trabalho forçado, quando há ameaça de sanção, retenção do
operário no local pelo cerceio de meio de transporte, pela vigilância do local de trabalho e
pelo apoderamento de documentos do trabalhador; trabalho indecente, quando há jornadas
exaustivas, remuneração inadequada e trabalho indigno; trabalho degradante, quando estão
ausentes as garantias de saúde e segurança no ambiente de trabalho, ocorrendo o desgaste
físico pelo contato indevido e sem proteção aos agentes físicos, químicos e biológicos nocivo
à saúde, e a degeneração moral que envolve atividade penosas ou humilhantes (Martinez,
2020).
Nesse viés, a proteção do trabalho livre está salvaguardada na legislação brasileira,
bem como abordada pelos tratados internacionais de direitos humanos pertinentes à proibição
do trabalho análogo à escravidão. Cabe informar que o ordenamento jurídico brasileiro
incorporou importantes conceitos estabelecidos pela ONU e pela OIT através da ratificação de
tratados no país. A própria Constituição Federal de 1988 recepcionou determinados
44

instrumentos já existentes em âmbito internacional. Na realidade, através desses instrumentos


do direito internacional, o Brasil se comprometeu a combater a prática do trabalho análogo à
escravidão, conforme será demonstrado subsequentemente.
A Convenção das nações Unidas sobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo
de 1953 e a Convenção suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, ambas
ratificadas pelo Brasil em 1966, estabelecem o compromisso de seus assinantes a fim de
abolir completamente a escravidão em todas as suas formas (Brasil, 1966b). Posteriormente,
foi elaborada a Convenção n. 29 sobre o Trabalho Forçado ou obrigatório de 1930 da OIT,
ratificada pelo Brasil em 1957, que estabelecia o compromisso dos países signatários em a
abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve
espaço de tempo possível (Brasil, 1957).
Para além disso, na década de 1950 foi edificada a Convenção n. 105 sobre a Abolição
do Trabalho Forçado de 1957 da OIT, sendo ratificada pelo Brasil em 1965 e promulgada em
1966, estabelecendo que os países signatários se comprometam a adequar sua legislação
nacional às situações da prática de trabalho forçado neles presentes, para que seja tipificada de
acordo com as particularidades econômicas, sociais e culturais do contexto em que se insere.
A referida Convenção determina que a legislação tenha previsões verdadeiramente eficazes
(Brasil, 1966c).
Posteriormente dois pactos trouxeram informações sobre o contexto da escravidão,
sendo o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das nações Unidas de 1966, que foi
ratificado pelo Brasil em 1992, na qual proíbe, em seu art. 8º, todas as formas de escravidão
(Brasil, 1992b), e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das
Nações Unidas de 1966, sendo ratificado pelo Brasil em 1992, na qual, garante em seu artigo
7º, o direito de todos a condições de trabalho equitativas e satisfatórias (Brasil, 1992a).
As garantias internacionais também podem ser observadas na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, em que fora ratificada
pelo Brasil em 1992, que rendeu aos signatários firmarem um compromisso de repressão à
servidão e à escravidão em todas as suas formas (Brasil, 1992c). Três anos depois, proferiu-se
a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declaração de
Estocolmo de 1972, visto que o 1º princípio estabelece que o homem tem o direito
fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio
ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar
(ONU, 1972).
45

Já nos anos 2000, o Protocolo de Palermo, veio para prevenir, suprimir e punir o
Tr fico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crian as ou Protocolo do Tr fico . Esse um
dos protocolos suplementares à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, que criminaliza o tráfico de pessoas voltado a qualquer forma de exploração
sexual. Esse protocolo está em vigor na esfera internacional desde 2003, sendo ratificado pelo
Brasil (Brasil, 2004). Ressalta-se que o aliciamento de trabalhadores rurais no Brasil e de
trabalhadores estrangeiros irregulares no intuito de submetê-los ao trabalho em condição
análoga à de escravo iguala-se defini o de tr fico de seres humanos nele contida (Brasil,
2011, p. 9-10).
Ressalta-se que a supracitada Convenção sobre Trabalho Forçado, datada de 1930
(Convenção nº 29) da OIT, resultou em algumas atualizações, o que fortaleceu as disposições
para lidar com diversas formas de trabalho forçado, incluindo o trabalho escravo
contemporâneo. Ocorre que, o Protocolo de 2014 à Convenção nº 29 da OIT revogou as
disposições transitórias expostas no artigo 1º, §§ 2º e 3º, e os artigos de 3 a 24 da Convenção
nº 29 (artigo 7º), situações permissivas referentes ao emprego do trabalho forçado com
propósitos públicos e a título excepcional. Por meio desse Protocolo de 2014, a OIT
reconhece a proibição de todas as formas de escravidão, desse modo, impõe a respectiva
observância aos Estados-membros (Escravidão..., 2023).
Ademais, ainda no âmbito internacional, cabe citar a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, tendo em vista sua previs o no artigo IV, em que ningu m ser
mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em
todas as suas formas . Para mais, prev em seu artigo XXIII, do item 1, que toda pessoa tem
direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra desemprego (ONU, 1948). Com isso, o trabalho degradante, que tem como
caraterística as péssimas condições de labor, sem a observação das normas de segurança e
medicina do trabalho, também é identificado como uma das modalidades do trabalho análogo
à escravidão (Garcia, 2021).
No âmbito nacional, a Constituição de 1988, também conhecida como Constituição
Cidadã consolidou a garantia dos direitos individuais e coletivos, além de viabilizar a
ampliação e proteção dos direitos sociais como o direito ao trabalho e as garantias
constitucionais trabalhistas, colocou em igualdade de direitos os trabalhadores urbanos e
rurais, edificando também o direito dos trabalhadores domésticos. Assim, além da
institucionalização de um regime político democrático e ter sido um avanço em relação às
46

garantias e direitos fundamentais, se consolidou como um documento mais abrangente e


específico sobre os direitos humanos no Brasil (Conforti, 2019).
Nessa seara, o trabalho escravo ou em condição análoga à de escravo passou a ser
gênero, apresentando como suas modalidades ou espécies o trabalho forçado, a jornada
exaustiva e o trabalho degradante sendo considerados atentatórios à dignidade da pessoa
humana, o que é vedado pela Constituição de 1988, conforme previsto em seu artigo 5º,
incisos III, XIII e XLVII, c, indicando a essência dos direitos humanos e fundamentais
(Garcia, 2021).
Cabe informar que os direitos sociais estão inseridos no Capítulo II, do Título II, da
CRFB/88, e o referido título comporta os Direitos e Garantias Fundamentais. Os direitos
sociais tratam da educação, saúde, trabalho, moradia, segurança e a previdência social, entre
outros indicados no artigo 6º, da Constituição Federal. Dessa maneira, o trabalho é direito
fundamental social, sendo reconhecido constitucionalmente (Rezende; Costa, 2018).
Ainda nessa linha, verifica-se que o artigo 1º, incisos III e IV da CRFB/88 indicam
que os entes federativos constituem em Estado Democrático de Direito, tendo como
fundamento, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa , dado que o artigo 4 , inciso II, se refere preval ncia dos direitos humanos . J
no ilustre artigo 5 , incisos III e XXIII, est enfati ado que ningu m ser submetido tortura
nem a tratamento desumano ou degradante , al m do que a propriedade atender a sua
fun o social . Sobre a ordem econ mica, fundada na valori a o do trabalho humano e na
livre iniciativa, est elucidado no artigo 170, incisos III e VII, que a fun o social da
propriedade e a redu o das desigualdades regionais e sociais s o princ pios a serem
observados pelos ditames da justiça social. E não menos importante o artigo 186, incisos III e
IV, que trata da função social da propriedade rural, na qual será cumprida se atendidos os
crit rios como observ ncia das disposi es que regulam as rela es de trabalho e
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (Brasil, 2023b).
Outro dispositivo relevante a ser mencionado é a vedação da servidão por dívida
prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. Num conceito clássico, para que seja
classificado como trabalho escravo ou forçado, o trabalhador precisa ter sido coagido a
permanecer executando seus serviços com a impossibilidade de fazer seu desligamento. Essa
coação está baseada em três pontos, ordenamento em: a) coação moral, situação em que o
empregador, de maneira ilícita ou fraudulenta se aproveita da baixa escolaridade e instrução
do trabalhador para endividá-lo com o fim de evitar seu desligamento. Aqui se trata de um
regime de servidão por dívida (truck system), com vedação prevista no art. 462, §2º, da CLT;
47

b) coação psicológica, situação em que os trabalhadores são ameaçados de passar pela


violência, com a finalidade de continuarem trabalhando sem tentar a fuga, sendo até contidos
por empregados armados; c) coação física, situação na qual os trabalhadores são castigados
fisicamente ou mesmo assassinados, servindo como punição exemplar com a finalidade de
evitar fugas. Outra estratégia é a apreensão de documentos e objetos pessoais dos
trabalhadores que consiste em coação para manter as pessoas oferecendo seus serviços
(Garcia, 2021).
Na esfera penal, o delito de reduzir alguém à condição análoga à de escravo está
previsto no art. 149 do Código Penal Brasileiro. Na realidade, o sujeito ativo nesse caso,
como regra, é o empregador e seus prepostos, e o sujeito passivo pode somente ser o
empregado, em qualquer tipo de relação de trabalho. Anterior à modificação dada pela Lei
10.803/2003, o tipo do artigo 149 era abrangente e indicava que o sujeito passivo se tratava de
qualquer pessoa (alguém). A nova redação manteve a palavra alguém no tipo, mas em todas
as descri es de condutas incriminadas h men o ao empregador ou trabalhador , assim
como trabalho for ado ou jornadas exaustivas . A quest o do referido crime ser tratado
neste dispositivo e não no contexto de crimes contra a organização do trabalho é pelo motivo
de envolver a liberdade de ir e vir. Além disso, a pena é aumentada de metade se o delito for
cometido contra criança, pessoa até doze anos, ou seja, incompletos, ou se for contra
adolescente, pessoa com idade entre doze e dezoito anos (Art. 2º da Lei 8.069/90) ou por
motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (§ 2.º) (Nucci, 2020).
No ano de 2003, alguns instrumentos foram significativos a fim de combater o
trabalho análogo à escravidão no Brasil. Devido à consciência da necessidade de eliminar esse
tipo de delito, e por constituir um elemento básico do Estado Democrático de Direito, o
governo federal lançou o Plano Nacional para a erradicação do Trabalho Escravo,
apresentando medidas que deveriam ser cumpridas pelos órgãos dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira
(Martinez, 2020). Outro instrumento se trata da implementa o da Lista Suja , evidenciando
os nomes dos empregadores flagrados por submeter pessoas a essa condição. Além do mais,
foi nesse ano que ocorreu a alteração do artigo 149 do CP, atribuindo mais especificidade ao
delito. E por fim, a criação do CONATRAE Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo e o acontecimento da oficina no Fórum Social Mundial, com a pauta da nota etapa ao
combate do trabalho análogo à de escravo (Conforti, 2019).
O Poder Legislativo federal também contribuiu no sentido de auxiliar na luta contra
esse crime, visto que as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram,
48

em 5 de junho de 2014, a Emenda Constitucional n. 81, que possibilita o confisco de


propriedades nas quais sejam encontrado a prática de trabalho análogo à escravidão,
destinando o local para a realização da reforma agrária a para programas de habitação
popular, dispensando as indenizações ao proprietário e sem qualquer prejuízo de sanções
previstas em lei (Martinez, 2020).
A partir dessa análise, pode-se traçar um panorama abrangente que evidencia os
principais dispositivos presentes na legislação brasileira e os principais instrumentos
internacionais que auxiliam no combate ao trabalho análogo à escravidão. É notório que esse
crime envolve uma variedade de sujeitos, órgãos e locais, e sua prática não é facilmente
reconhecida devido aos contornos mais sutis que a escravidão moderna assumiu. Identificá-la
requer pessoal especializado e demanda medidas intensivas por parte da Administração
Pública para erradicar essa prática hostil e desumana nos locais onde está presente.

3.2 RESPONSABILIZAÇÃO TRABALHISTA E PENAL DO EMPREGADOR

O crescimento do mercado e o aprimoramento de sua estrutura têm contribuído


significativamente para a concentração de poder no aspecto econômico. Isso resulta em uma
distribuição desigual de recursos e na formação de diferentes classes sociais, algumas das
quais enfrentam maiores desvantagens e se tornam alvos do trabalho análogo à escravidão.
Embora o Estado tenha a responsabilidade de estabelecer mecanismos para combater esse
crime, é importante ressaltar que os empregadores são os responsáveis diretos na cadeia
produtiva do cacau, como é o caso dos proprietários das lavouras de cacau mencionados.
É verdade que esses empregadores infringem as leis ao permitir que famílias inteiras
trabalhem em suas terras sem proporcionar condições de trabalho dignas e condições de vida
adequadas. Eles se beneficiam do lucro proveniente do trabalho forçado, indecente e
degradante.
Ao fazer uma análise comparativa do papel do fazendeiro na produção do cacau, surge
a questão de atribuir a ele a responsabilidade de empregador. As divergências se devem ao
fato da existência de um contrato de parceria estabelecido entre o fazendeiro e o trabalhador
rural. Para esclarecer essa indagação, é necessário determinar, no presente caso, se o
trabalhador rural que possui um contrato de parceria é considerado um empregado ou um
sócio meeiro. Para isso, essa questão será explorada mais detalhadamente.
Nesse contexto, é importante observar que nas relações de trabalho em que ocorre
trabalho análogo à escravidão, além dos interesses divergentes das partes (proprietário de
49

terras que busca lucro com a produção versus trabalhador que busca sustento próprio ou
familiar), há uma clara demonstração da fragilidade do meeiro outorgado devido à sua
hipossuficiência, tornando-o vulnerável à exploração pelo meeiro outorgante. Portanto, a
afirmação de que o contrato rural é uma sociedade só é válida em situações em que os
parceiros estão em níveis semelhantes de esforço, interesses e recursos.
Nas lavouras de cacau, a relação de trabalho é estabelecida por meio do contrato de
parceria rural, mas na prática, fica evidente a tentativa de encobrir um verdadeiro vínculo
empregatício, caracterizando uma fraude para evitar o cumprimento dos direitos trabalhistas
por parte do fazendeiro, que atua de forma dissimulada. Consequentemente, o fazendeiro pode
ser responsabilizado por irregularidades trabalhistas e até criminalmente pela prática de
trabalho análogo à escravidão.
Os meeiros se enquadram na categoria de trabalhadores rurais e são regidos pela Lei
5.889/73, ao serem constatadas as irregularidades em seu ambiente de trabalho, devem ser
indenizados com todos os direitos trabalhistas. Já no caso dos safristas e boias-frias, em que
não há relação de emprego, dado que são contratados para a realização de tarefas, não deixam
de ser trabalhadores rurais, e por isso, o enquadramento legal também será a Lei supracitada,
e no caso de irregularidades no trabalho também serão amparados com todas as indenizações
pertinentes.
As responsabilidades trabalhistas dizem respeito ao conjunto de obrigações que o
empregador precisa cumprir aos seus funcionários, para assegurar a eles direitos e respeito às
normas trabalhistas vigentes. Essas responsabilidades compreendem registro do empregado,
pagamento de salários e outras remunerações, controle de jornada de trabalho para assegurar o
cumprimento da legislação e pagamento de horas extras, férias remuneradas e período anual
de descanso, segurança e saúde no trabalho, pagamento da previdência social como FGTS,
13º salário e licenças necessárias. Todos esses direitos devem ser assegurados ao trabalhador
rural, e não havendo a observância desses requisitos, o empregador estará sujeito a sanções e
penalidades na esfera civil e penal.
Nesse sentido, constatadas a prática de trabalho análogo à de escravo, o empregador
será condenado ao pagamento de salários com valores atualizados, considerando o salário
mínimo vigente do período em questão, além do pagamento de remunerações que foram
estabelecidas no contrato.
Sobre a jornada de trabalho, caberá indenizações aos empregados, quando constatadas
jornadas exaustivas, sem intervalo, o que contraria a lei. A interjornada é assegurada para o
trabalho superior a seis horas, sendo obrigatória a concessão de intervalo para alimentação de
50

pelo menos uma hora, com horários de uso e costumes da região, conforme previsto no art. 5º
da Lei 5.889/73 c/c o art. 5º, §1º, do Decreto Complementar. Além do mais, como a lei rural
não prevê o limite máximo para intervalo intrajornada daquele que trabalha mais de 6 horas,
entende-se que deve ser considerado o art. 71 da CLT, que há limite máximo de 2 horas,
exceto para os trabalhos intermitentes, quando a lei tem regra própria. O pagamento de horas
extras também deve ser verbas indenizatórias, o trabalho noturno também deve ser
considerado quando executado das 21h às 5h, na qual será contabilizado o adicional noturno
de 25%, conforme art. 7º, parágrafo único, da Lei 5.889/73 (Cassar, 2018).
Verifica-se que os meeiros exercem jornadas exaustivas, com ausência de férias, sendo
que é uma responsabilidade do empregador assegurar esse direito, tanto de férias
remuneradas, como do período de descanso anual aos empregados, conforme previsto nos
arts. 129 a 153 da CLT. Por essa razão, esse tipo de verba se inclui na indenização trabalhista.
No contexto da segurança e saúde no trabalho, é observado que os cacauicultores estão
expostos aos diversos agentes químicos nocivos à saúde, como os agrotóxicos.
Preocupantemente, esses produtos são aplicados nas lavouras sem o uso adequado de
equipamentos de proteção individual. Além disso, alguns trabalhadores armazenam esses
produtos em suas próprias residências, sem seguir protocolos mínimos de segurança, o que
representa um perigo para toda a família que vive no local. Se tratando de algo recorrente
nessas lavouras, cabe ao proprietário da fazenda, a responsabilidade de oferecer os EPIs aos
trabalhadores, sob pena de responder por danos conforme previsto no art. 7º, inciso XXII da
CRFB/88, art. 200, inciso VIII, art. 225, §3º, da CRFB/88, além das Normas Reguladoras
Rurais, estabelecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Assim, o empregador que descumprir esses dispositivos estará sujeito a sanções e
penalidades, na esfera civil e penal, como obrigação de indenizar os trabalhadores pelos
prejuízos causados como adicional de insalubridade, danos materiais, morais e até pensão
vitalícia em casos mais graves. Além das sanções administrativas como multas aplicadas por
cada trabalhador afetado, poderá responder por expor o indivíduo ao trabalho degradante,
sendo uma proibição prevista na Constituição de 1988, art. 5º, III. A esse respeito, colhe-se do
seguinte julgado:

TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. Qualquer trabalho


que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do
trabalhador há que ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo.O
contraponto do trabalho escravo moderno está nas garantias constitucionais da
dignidade da pessoa humana ( CF, art. 1º, III), nos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa (inciso IV), na proibição de tratamento desumano ou degradante (art.
5º, III), na função social da propriedade (XXIII), na ordem econômica fundada na
51

valorização do trabalho humano e livre (art. 170), na exploração da propriedade


rural que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, IV).
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Brasil, 2014a)

Como muitos meeiros trabalham a vida toda nas lavouras sem o registro na CTPS,
permanecem sem seus direitos de aposentadoria, sem o FGTS e sem direito ao PIS. Cabe
elucidar que a Constituição de 1988 garante aos rurais esses direitos. Além da previsão de 13º
salário e licença maternidade, paternidade, entre outros, conforme já mencionado. Ausentes
esses direitos, o empregador poderá responder por danos e sofrerá multas pelo não registro
dos empregados.
Nesse sentido, o empregado resgatado por ser vítima de trabalho análogo, caso seja da
vontade dele permanecer trabalhando no local, situação recorrente nesse ramo de trabalho, o
empregador deverá regularizar a situação trabalhista de todos os empregados, fazer o registro
do empregado da CTPS, recolher as contribuições previdenciárias e demais encargos sociais,
como FGTS e se atentar a todos os direitos apresentados anteriormente. Além de pagar as
devidas multas e indenizações por cada irregularidade apresentada.
Já na esfera penal, quando o empregador é flagrado reduzindo o trabalhador ao
trabalho forçado, com jornada exaustiva e condição degradante responderá pelo crime de
trabalho análogo à de escravo, com base no art. 149 do CP, com pena de reclusão, de dois a
oito anos, multa e pena correspondente à violência. Além disso, de acordo o §2º, inciso I, caso
haja a presença de menor trabalhando, como criança ou adolescente, a pena é aumentada de
metade (Brasil, 2023c). O trabalho infantil geralmente é utilizado nas lavouras de cacau,
sendo uma prática habitualmente desempenhada pelos fazendeiros e permitida pelos próprios
pais, que optam por esse sistema a fim de garantir o sustento da família. Porém, a obrigação
do empregador é impedir que essa prática seja aplicada em sua propriedade.
No que se refere às condições mínimas de saúde e segurança, higiene, respeito e
alimentação, verifica-se que no caso estudado, as condições de habitações dos trabalhadores
são precárias, as casas que são construídas com madeira simples e rústicas não possuem água
potável para ingestão, dado que há necessidade de buscar em outro local da fazenda, mas que
também não há qualquer tipo de tratamento. Muitas casas são desprovidas de banheiro, e as
famílias precisam improvisar do lado de fora, em alguma parte do mato. Todos os objetos que
necessitam para o trabalho devem ser comprados na própria fazenda que é vendido pelo
propriet rio ou por um atravessador, sendo esse valor descontado quando recebem o lucro
da produção final. Essas causas indicam que não há menor respeito à dignidade das pessoas
52

que trabalham no local, sendo elementos suficientes para responsabilizar criminalmente o


empregador, por meio da conduta tipificada no art. 149 caput, do CP.
A esse respeito, segue o seguinte julgado (Brasil, 2012a):

PENAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO


ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149, caput e § 2º, I, DO CP). AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. Trabalhadores submetidos a condições
de trabalho degradantes, num cenário humilhante de trabalho, indigno de um
humano livre, havendo não apenas desrespeito a normas de proteção do trabalho,
mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e
alimentação, comprovam a autoria do crime previsto no art. 149 caput, do Código
Penal. 2. Materialidade e autoria comprovadas pelos documentos acostados e provas
testemunhais produzidas. 3. Recursos parcialmente providos.

Outro quesito recorrente se trata da servidão por dívida dos trabalhadores. Essas
pessoas são persuadidas a comprar alguns itens necessários em mercados fixados no próprio
local de labuta, ou por uma questão geográfica, já que as lavouras se localizam em regiões de
difícil acesso, ou por uma questão de obrigação, na medida em que os produtos adquiridos
possuem valores elevados, situação que conduz o trabalhador a comprar e pagar
posteriormente, aumentando cada vez mais suas dívidas, o submetendo ao trabalho penoso
para quitar um montante que nunca se encerra. Essa condição também os impede de buscar
outras possibilidades de trabalho, já que se encontram impedidos de deixar o local enquanto
não cessar suas dívidas.
Nesse viés, o cerceamento da liberdade de locomoção do indivíduo, não se faz conduta
imprescindível para a ofensa à liberdade na caracterização do trabalho análogo ao de escravo,
pois a violação do bem jurídico, como a dignidade já é elemento para isso. Ademais, as
condutas alternativas já têm o condão de configurar este crime, como trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, conforme previsto no art. 149 do
CP. O presente tema já foi pacificado em termos jurisprudenciais, veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. TRANSCENDÊNCIA


RECONHECIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO EM CONDIÇÕES
ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. LABOR EM CONDIÇÕES DEGRADANTES.
CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE RESTRIÇÃO À LIBERDADE
DE LOCOMOÇÃO. 1. Hipótese em que a Corte de origem, a despeito de constatar
"o trabalho em condições degradantes, consistentes na precariedade da moradia,
higiene e segurança oferecidas aos trabalhadores encontrados pelo grupo especial de
fiscalização, destacando-se a falta de instalações sanitárias e dormitórios adequados
no alojamento, bem como o não fornecimento de água potável", afasta a
caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo, ao entendimento de
que, "para a caracterização da figura do trabalho em condições análogas a de
escravo, além da violação do bem jurídico ' dignidade' , é imprescindível ofensa à '
liberdade' , consubstanciada na restrição da autonomia dos trabalhadores, quer seja
para dar início ao contrato laboral, quer seja para findá-lo quando bem entender". 2.
Todavia, o art. 149 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.803/2003,
não exige o concurso da restrição à liberdade de locomoção para a caracterização do
53

trabalho em condições análogas às de escravo, mas elenca condutas alternativas que,


isoladamente, são suficientes à configuração do tipo penal - dentre as quais "sujeitar
alguém a condições degradantes de trabalho". 3. A matéria já foi examinada pelo
Plenário do STF: "PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE
ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO
DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA.
Para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se
prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade
de locomoção, bastando a submissão da vítima 'a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva' ou 'a condições degradantes de trabalho', condutas alternativas previstas
no tipo penal." (Inq. 3.412/AL, Plenário, Redatora Ministra. Rosa Weber, julgado
em 29/3/2012) 4. No caso, delineado o trabalho em condições degradantes, a
descaracterização do trabalho em condições análogas a de escravo pelo TRT parece
violar o art. 149 do Código Penal, nos moldes do art. 896 da CLT, a ensejar o
provimento do agravo de instrumento, nos termos do artigo 3º da Resolução
Administrativa nº 928/2003. Agravo de instrumento conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSCENDÊNCIA
RECONHECIDA. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE
ESCRAVO. LABOR EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. CARACTERIZAÇÃO.
DESNECESSIDADE DE CERCEIO À LIBERDADE EM SENTIDO ESTRITO. 1.
Hipótese em que a Corte de origem, a despeito de constatar "o trabalho em
condições degradantes, consistentes na precariedade da moradia, higiene e segurança
oferecidas aos trabalhadores encontrados pelo grupo especial de fiscalização,
destacando-se a falta de instalações sanitárias e dormitórios adequados no
alojamento, bem como o não fornecimento de água potável", afasta a caracterização
do trabalho em condições análogas às de escravo, ao entendimento de que, "para a
caracterização da figura do trabalho em condições análogas a de escravo, além da
violação do bem jurídico ' dignidade' , é imprescindível ofensa à ' liberdade' ,
consubstanciada na restrição da autonomia dos trabalhadores, quer seja para dar
início ao contrato laboral, quer seja para findá-lo quando bem entender". 2. Todavia,
o art. 149 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.803/2003, não exige
o concurso do cerceio à liberdade em sentido estrito para a caracterização do
trabalho em condições análogas às de escravo, mas elenca condutas alternativas que,
isoladamente, são suficientes à configuração do tipo penal - dentre as quais "sujeitar
alguém a condições degradantes de trabalho". 3. A matéria já foi examinada pelo
Plenário do STF: "PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE
ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO
DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para
a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove
a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de
locomoção, bastando a submissão da vítima 'a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva' ou 'a condições degradantes de trabalho', condutas alternativas previstas
no tipo penal." (Inq. 3.412/AL, Plenário, Redatora Ministra. Rosa Weber, julgado
em 29/3/2012) Há também precedente desta Corte e reiterados julgados do STJ
nesse mesmo sentido. 4. No caso, delineado o trabalho em condições degradantes, a
descaracterização do trabalho em condições análogas a de escravo viola o art. 149
do Código Penal. Recurso de revista conhecido e provido. (Brasil, 2022, grifo
nosso).

Sobre a propriedade, a Emenda Constitucional 81/2014 modificou o art. 243 da


Constituição da República, prevendo a partir disso, que as propriedades rurais e urbanas de
qualquer região do País, ao serem constatadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou
exploração de trabalho em condições análogo à escravidão, deverão ser destinadas à reforma
agrária e aos programas de habitação popular, sem que haja qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, conforme art. 5º da
54

Constituição Federal. O que consta no direito de propriedade, previsto no art. 5º, inciso XXII,
da mesma Constituição, é que deve ser exercido de modo lícito, não abusivo, para que se
atenda a função social (art. 5º, inciso XXIII, art. 170, Inciso III, da CF/1988), situação
divergente no caso da utilização para o uso de trabalho análogo à de escravo (Garcia, 2021).
A este respeito, recentemente, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou, no
dia 12 de abril de 2023, o projeto que regulamenta a expropriação de imóveis urbanos e rurais
caso constatados a prática do trabalho análogo à de escravo. De acordo com a sugestão da
senadora Soraya Thronicke, do União Sul-mato-grossense, a expropriação só acontecerá após
a sentença condenatória em que não caiba mais recurso, ou seja, após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória ou na Justiça do Trabalho pelo crime de redução à condição
análoga à de escravo previsto no artigo 149 do Código Penal (Borges, 2023).
Conforme demonstrado, são diversos os dispositivos que asseguram a proteção ao
empregado, e mesmo na tentativa de fraudar um vínculo empregatício, no caso de exploração
abusiva da mão de obra é possível essa constatação numa análise perspicaz dos elementos
presentes. Sendo assim, destaca-se que o empregador que explora o trabalho escravo atual
responderá por sanções e penalidades que podem variar de acordo com a infração e gravidade
dos danos causados.

3.3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Um desafio que se manifesta acerca da punibilidade dos envolvidos se trata de


responsabilizar as empresas envolvidas na cadeia produtiva do cacau. Apesar de não submeter
os trabalhadores a condições degradantes, forçadas e exaustivas, elas sustentam a atividade
por meio da comercialização da matéria-prima proveniente de lavouras que fazem uso da mão
de obra exploratória. As empresas não são as responsáveis diretas, mas atuam de modo
significativo, pois movimentam um mercado extenso no ramo do cacau, o que reforça a ideia
de que apoiam e lucram com essa prática tão perversa.
Ocorre que o legislador ainda não recepcionou um dispositivo a fim de tipificar a
responsabilidade das empresas que cometem delitos de trabalho análogo à de escravo por
meio de suas atividades de exploração comercial, industrial e agropecuária. A proteção da
liberdade individual prevista no Código Penal, ainda não se sintonizou com a opção política
do legislador constituinte (Souza; Lebre, 2017).
Esse é um aspecto complexo, pois numa análise superficial não parece haver qualquer
conexão entre a empresa processadora de cacau e o produtor explorado nas lavouras, uma vez
55

que a empresa não emprega nem mantém vínculo com o trabalhador rural. Além disso, as
empresas parecem ignorar as atividades realizadas nas lavouras. No entanto, ao aprofundar a
análise, torna-se evidente que essas grandes empresas não apenas têm conhecimento da
exploração na base da produção, mas também financiam essa prática ao adquirirem as
amêndoas a preços extremamente baixos. Essa aquisição não é feita diretamente, exigindo a
presença de intermediários para estabelecer a ligação entre as processadoras e os agricultores.
Uma situação lamentável é que o atravessador tem o controle da vida e morte das
famílias produtoras de cacau. Esse intermediário está a serviço das grandes empresas
moageiras, as processadoras do cacau, e seu objetivo não é ajudar as famílias, mas sim obter o
cacau pelo menor valor possível. Existe uma rede de atravessadores. Em algumas localidades
os pequenos atravessadores possuem um caminhão para a realização do transporte do cacau,
que leva para um armazém, em alguns casos o agricultor entrega diretamente para esses
armazéns, são dezenas nos municípios onde há produção. No Pará, a entrega é feita em
Altamira, e esse atravessador entrega para as grandes processadoras, localizadas no sul da
Bahia, onde há concentração do processamento de cacau no país (Console, 2018).
Ocorre que esses atravessadores também possuem um comércio local, funcionando
como uma pessoa jurídica e compondo esse emaranhado de empresas envolvidas na
exploração da mão de obra dos produtores juntamente com as indústrias moageiras e as
principais multinacionais que confeccionam o cacau para a produção do chocolate e demais
guloseimas.
O maior desafio é que, sob o ponto da técnica legislativa em responsabilizar
penalmente a pessoa jurídica pelo crime de redução à condição análoga à de escravo, é fato
que o sujeito ativo previsto no art. 149 do CP, só pode ser a pessoa física. No entanto, apesar
de existir essa impossibilidade técnica, não se pode simplesmente transferir a
responsabilidade, ou a autoria desse crime para as pessoas físicas que representam a pessoa
jurídica, sem demonstrar a atuação personalíssima e voluntária do dirigente, mesmo baseado
em fatos, pela força dos princípios da responsabilidade pessoal e da responsabilidade
subjetiva. Pois há entraves dogmáticos para responsabilizar penalmente as empresas, tendo
em vista que a interpretação e aplicação do Direito Penal se fundamenta na tradicional teoria
do crime (Souza; Lebre, 2017).
Para que ocorra a ação ilícita, para a teoria do crime, o dolo ou a culpa e tal fato não
concilia com a responsabilidade penal da Pessoa Jurídica, pois esta não tem capacidade de
realizar ato por ela própria. Todavia, essa conjuntura não pode funcionar como empecilho
para a aplicação da responsabilidade penal. Cabe fazer algumas adaptações da dogmática
56

penal para a efetivação de interpretações e aplicações do art. 149 do CP, visto que há uma
sanção inaplicável à PJ, que é a pena privativa de liberdade (Netto, 2022).
Existe na tradição do Direito Penal brasileiro a exigência do dolo ou culpa para haver
a ação criminosa, bem como da consciência da ilicitude, da exigibilidade de conduta de
acordo com o direito e da imputabilidade para conferir a culpabilidade. Isso é incompatível
com a responsabilidade da pessoa jurídica, tendo em vista que ela não tem capacidade de
ação, de capacidade de culpabilidade e capacidade de pena. Na realidade o obstáculo de
imputar a PJ se encontra em sua incapacidade de praticar uma ação, de ser culpada e sofrer
penalidades. Por isso, se torna incabível a aplicação e interpretação do art. 149 do CP,
baseado na tradicional teoria do crime (Souza; Lebre, 2017).
Cabe ressaltar que esse entrave se faz presente nos diversos casos que envolvem
trabalho análogo à de escravo nas inúmeras cadeias produtivas no Brasil, tal qual ocorrido no
Rio Grande do Sul, nas lavouras de laranja, maçã e uva da Serra Gaúcha. O fato é que o crime
previsto no art. 149 do CP não admite a figura culposa, isso significa que precisa ter que
ocorrer um dolo direto e específico ao ponto de impedir a liberdade e impor à vítima
condições degradantes e desumanas em sua labuta. Desse modo, para que os sócios ou
responsáveis das empresas vinícolas pudessem responder com sanções de natureza criminal
pelos fatos, caberia a necessidade de comprovação da ação ou omissão atribuídos a um dolo
específico que causaram aquele resultado e tivessem tido uma relação direta na submissão
daqueles trabalhadores à condição de trabalho análogo à escravidão por meio da obrigação de
jornada exaustiva, trabalho forçado, restrição de liberdade de locomoção ou imposição de
condições degradantes de trabalho (Villela; Barbosa, 2023).
Não obstante, esses reveses não podem funcionar como desígnio da não punibilidade
das pessoas jurídicas. Constata-se que na própria Constituição há previsão legal de imputar a
PJ nos casos de crimes ambientais, em consonância com a Lei n° 9.605/98, que confere pena
restritiva de direito em seu art. 22, como I - suspensão parcial ou total de atividades; II -
interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o
Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações (Brasil, 2014b).
Ademais, haverá suspensão de atividade caso estas estiverem em desarmonia com as normas
legais, pertinentes à proteção ambiental, bem como haverá interdição do estabelecimento,
obra ou atividade caso funcione sem o devido funcionamento ou autorização em relação ao
que foi concedido, ou se estiverem presentes violação da norma legal (Brasil, 2023b).
Verifica-se que o aumento da globalização econômica e social, potencializada pelas
tecnologias, contribui para originar a criminalidade no viés empresarial. A empresa é a
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estrutura de onde a criminalidade econômica pode surgir, o que justifica sua responsabilidade
penal. No entanto, há outro dispositivo que ressalta a responsabilidade penal da PJ, apesar de
não ser regulamentado, a CF/88, em seu art. 173, §5º, prevê a responsabilidade por meio dos
crimes econômicos. A escolha se constata diante da pequena eficácia da sanção de caráter
administrativo e trabalhista, aplicado aos entes morais, referentes aos delitos com motivação
econômica. Por isso, a afirmação de que bastam aplicar sanções extrapenais para punir delitos
das pessoas jurídicas não é algo incomum. Mas essa tese não apresenta coerência, tendo em
vista que o crime previsto do art. 149 do CP, carrega uma carga social muito alta, que é a
escravidão do indivíduo (Souza; Lebre, 2017).
Essas previsões demonstram que a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada pelos
crimes ambientais e econômicos cometidos. Isso quer significar que submeter uma pessoa à
condição análoga à de escravo não poderá ser imune para a PJ, ainda mais porque se trata de
um crime que manifesta elevado sofrimento humano e que nas centenas de casos são
cometidos por empresas de variados setores como o comercial, industrial e agropecuário.
No setor cacaueiro, é comum observar as inúmeras propagandas das grandes marcas
em promover suas práticas de boa conduta, no combate da desigualdade social, do
desmatamento, e trabalho infantil. Os sites dessas multinacionais indicam que elas realizam o
monitoramento da cadeia produtiva, mas ao verificar as práticas que dizem adotar, de fato elas
não fazem. Pois, os relatórios de sustentabilidade e responsabilidade social dessas empresas
indicam que elas não utilizam mão de obra escrava e tampouco trabalho infantil em suas
cadeias produtivas, adotando uma série de protocolos como enfrentamento da questão
(Console, 2018).
Indubitavelmente que a responsabilidade de mudar esse quadro, primeiramente é das
empresas, mas se a preocupação é apenas lucrar com o sofrimento das pessoas, outras
medidas devem ser adotadas para combater de fato essa perversidade. Sabe-se que a
incriminação dos reais responsáveis por esse delito nem sempre é possível, pois há
dificuldade de apurar a responsabilidade dos sujeitos ativos, e ainda pode acontecer da estrita
imputação direcionada à pessoa física envolver funcionários subalternos, que para evitar
retaliações, acabam não incriminando seus superiores. Além do que, a punição de funcionário
não importa, pois o intuito das empresas é a continuidade de sua atividade econômica (Souza;
Lebre, 2017).
Para se entender quão complexa é essa situação, verifica-se uma intensa ação das
empresas que aliciam trabalhadores em toda parte do Brasil para realizar mão de obra barata,
degradante e exaustiva, exercendo a típica escravidão moderna. São inúmeras denúncias,
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reportagens, artigos que dimensionam a adoção dessa prática pelas multinacionais. Mais uma
vez a queixa se dá pela dificuldade da responsabilização por esse crime. Segundo o
procurador do MPT de Goiás, Tiago Cabral, são diversos problemas enfrentados nas
condenações criminais, sendo o principal a jurisdição. Ainda reforça que em fevereiro de
2023, mais de 150 trabalhadores foram resgatados por trabalho análogo à de escravo em uma
usina de cana-de-açúcar, porém, a empresa é uma multinacional francesa, e a questão é que
precisa estar pessoalmente envolvido, tendo em vista que responsabilidade penal é subjetiva,
além disso, existe uma empresa terceirizada na contratação (Wolff, 2023).
Esse cenário assemelha-se à cadeia produtiva do cacau, em que multinacionais estão
envolvidas e se beneficiam do trabalho análogo à escravidão. No entanto, devido à falta de
transparência e à dificuldade em identificar as pessoas físicas diretamente envolvidas, as
empresas conseguem se distanciar da responsabilidade legal. Por isso, é essencial desenvolver
mecanismos robustos para responsabilizá-las de forma adequada.
Nesse sentido, a incriminação da pessoa jurídica pela exploração ilegal e abusiva do
trabalho humano, se origina não apenas como punição pertinente a conduta prejudicial da
liberdade individual, mas sim como prevenção desse crime, que é uma função fundamental da
sanção penal. Desse modo, como prevenção, esse crime nas relações de trabalho deve ser
analisado pelo viés capitalista, tendo a sanção penal funcionando com a lógica do mercado
capitalista para desencorajar a prática do delito e conceder proteção liberdade individual nas
relações de trabalho (Souza; Lebre, 2017).
Na realidade deve-se observar que a responsabilidade penal da PJ é decorrente de
opção político criminal para a possibilidade de estratégia de combate à criminalidade
moderna. Esse não é um posicionamento aleatório, irrefletido ou inconsequente, mas sim, se
trata de uma postura diante do fato social, que é legítima e que deve ser verificada. O
operador do Direito não deve deixar de atender à opção política que foi acolhida pelo Direito
positivo. Considerar inadequada é viável, mas no Estado Democrático de Direito, o que deve
ser feito é observar a norma jurídica. Já o doutrinador, deve traçar o caminho teórico
suficiente ao ponto de dar sustentação à vontade política, direcionando a realização prática da
opção política. A meta da ciência jurídica consiste nisso (Galvão, 2017).
Com isso, decorrente de uma opção política, a responsabilização depende de
modificações da dogmática penal clássica tanto em sua interpretação, como em sua aplicação.
Sendo assim, o injusto penal deverá ser compreendido baseado na ação juridicamente
relevante, com fundamento na sua responsabilidade social. Assim, a ação com relevância
penal se tratará da violação do papel social determinado pela norma penal. Sendo assim, a
59

empresa será capaz de realizar uma ação penal relevante no sentido de que sua autoria será
decorrente da capacidade jur dica de ter causado um resultado , pela viola o do papel social
imposto pela norma vigente. Ent o, se a pessoa jur dica tem exist ncia pr pria no
ordenamento jur dico e pratica atos no meio social, poder vir a praticar condutas t picas .
Contudo, ser capaz de realizar condutas típicas vai depender da atuação voluntária de seus
administradores, que o fazem em nome e em benefício da empresa (Souza; Lebre, 2017, p.
70).
Sendo assim, a capacidade da culpabilidade é na realidade a responsabilidade social, e
a culpabilidade da empresa tem seu limite na vontade do seu administrador quando age em
seu próprio nome e proveito. No campo teórico, tem-se uma culpabilidade diferente da
tradicional, pois prescinde do dolo. Assim, não convém compreender a responsabilização da
PJ separada da atuação de uma pessoa física, que atua com de modo subjetivo próprio, isto é,
com dolo ou culpa (Souza; Lebre, 2017).
A complexidade em atribuir responsabilidade às empresas envolvidas na cadeia
produtiva do cacau fica evidente nessa discussão. Embora o Código Penal brasileiro não
possua um dispositivo específico para tratar e responsabilizar as pessoas jurídicas pelo
trabalho análogo à escravidão, é possível recorrer a mecanismos extrapenais para atribuir à
empresa a capacidade de ser penalmente relevante ao violar as normas de responsabilidade
social. Isso se aplica quando seus representantes ou administradores atuam com vontade
própria.
Aqui, fica evidente que é possível responsabilizar as pessoas jurídicas, desde que haja
uma análise mais aprofundada sobre o assunto e que sejam considerados todos os aspectos
discutidos anteriormente como ferramentas de combate a esse crime. Dessa forma, o Direito
Penal poderá desempenhar sua verdadeira função de proibir condutas que violem bens
jurídicos relevantes.
60

4 A ROTA INFORMAL DO CACAU E A AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO

Neste capítulo pretende-se dimensionar o caso ocorrido no município de Medicilândia,


no estado do Pará, em uma propriedade pertencente a Raimundo Rodrigues de Souza,
conhecido como "Nó Cego". Em 2013, essa fazenda foi autuada por prática de trabalho
análogo à escravidão, revelando graves irregularidades trabalhistas e exploração humana.
Por meio da análise generalizante será considerado o contexto sucateado da região
cacaueira, destacando os possíveis motivos para a impunidade dos envolvidos, o que permite
a perpetuação da exploração abusiva e o alto número de ocorrências dessa prática criminosa.
Para a compreensão do presente caso, será feita uma investigação das irregularidades
penais e trabalhistas nas demais etapas da cadeia produtiva do cacau, não se limitando apenas
às fazendas. O papel dos atravessadores será outro ponto a ser salientado, tendo em vista que
sua atuação está relacionada à informalidade, o que compromete o trabalho das fiscalizações
trabalhistas.

4.1 INFORMALIDADE E O CASO DA FAZENDA BOI NÃO BERRA

Conforme salientado anteriormente, o estado do Pará é um dos estados com maior


incidência da prática de trabalho análogo à escravidão. As notícias midiáticas ultimamente
têm divulgado as denúncias dessa prática no setor cacaueiro. Diante dessa generalização,
optou-se por analisar uma situação específica, no município de Medicilândia, o caso da
fazenda Boi Não Berra/ Sítio Verde Vale, do proprietário Raimundo Rodrigues de Souza,
conhecido como N Cego . Em 2013 essa propriedade foi autuada pela pr tica de trabalho
análogo à escravidão. A operação do Ministério Público do Trabalho resgatou 29 pessoas,
dentre elas 12 menores. Além disso, a fiscalização denunciou e autuou em 3 milhões de reais
o parceiro de Raimundo, que atuava como atravessador, Daniel Uliam. O caso foi divulgado
no document rio A escravid o do s culo XXI , reali ado pelo C mera Record e na
reportagem do Portal R7.
O sistema utilizado na fazenda era o da parceria e como recorrente a renda dos
meeiros eram baixas, ao ponto de ter a necessidade de emprestar dinheiro do atravessador
Daniel Uliam que obrigava os meeiros a vender cacau somente para ele, sem a liberdade de
negociar um preço mais aceitável de outro comerciante. Com isso, os meeiros acabavam
adquirindo dívidas imensas devido aos juros elevados cobrados pelo atravessador, que
alcançavam 1% ao dia (Farias et al., 2020). As habitações eram desprovidas de água potável e
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os trabalhadores eram expostos a produtos nocivos à saúde, sem a devida proteção individual.
Essas pessoas eram submetidas a sistemas de servidão por dívida, habitando em condições
degradantes e realizando jornadas exaustivas de trabalho.
As irregularidades podem ser atestadas conforme consta no documento de Inteiro Teor
da Ação Civil Pública Cível n. 0000012-95.2021.5.05.0492, julgada pela 26ª Vara do
Trabalho de Salvador do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na Fazenda Boi Não
Berra, do proprietário Raimundo Nó Cego, onde a fiscalização do Grupo Especial de
Fiscalização Móvel encontrou a exploração da mão de obra infantil, além de:

29 (vinte e nove) trabalhadores laborando no local, com formalização por contratos


de parceria, sendo lavrados 10 (dez) autos de infração, pelas seguintes
irregularidades: a) admitir e manter empregado sem o respectivo registro em livro,
ficha ou sistema eletrônico competente; b) efetuar descontos nos salários de
empregado, salvo os resultantes de adiantamentos, de dispositivos de lei, convenção
ou acordo coletivo de trabalho; c) fornecer moradia familiar que não possua poço
ou caixa de água protegido contra contaminação; d) deixar de submeter o
trabalhador a exame médico admissional; e) deixar de fornecer aos trabalhadores,
gratuitamente, equipamentos de proteção individual; f) deixar de proporcionar
capacitação sobre prevenção de acidentes com agrotóxicos a todos os trabalhadores
expostos diretamente; g) manter em serviço trabalhador com idade inferior a 16
(dezesseis) anos; h) manter empregado com idade inferior 18 (dezoito) anos em
atividade nos locais e serviços insalubres ou perigosos; i) fornecer moradia familiar
que não possua fossas sépticas, quando não houver rede de esgoto ou fornecer
moradia cuja fossa séptica não esteja afastada da casa e do poço de água, em lugar
livre de enchentes e à jusante do poço; j) deixar de equipar o estabelecimento rural
com material necessário à prestação de primeiros socorros (Brasil, 2021b).

Na época, o MPT compreendeu que Raimundo não agia sozinho, obtinha auxílio de
uma figura significativa nesse processo, o atravessador Daniel Uliam, que interferia na
produção do cacau, e promovia um sistema de endividamento dos meeiros. O MPT autuou o
atravessador, mas ele tentou se isentar da responsabilidade. Foi instaurado inquérito civil na
cidade de Santarém, mas em uma das audiências, os irmãos de Uliam compareceram e
informaram que a cerealista (a empresa dos atravessadores) seria fechada (Fazendeiro...,
2019).
Cabe ressaltar que as autuações não impediram a continuidade da prática em questão.
Em 2019, o Câmera Record esteve na fazenda de Raimundo, seis anos após a fiscalização do
MPT, a equipe de repórteres encontrou os irmãos Alexandre e Leonardo (nomes fictícios)
com a idade de 14 e 15 anos trabalhando no mesmo local, mas que na época da operação do
MPT tinham 9 e 10 anos e foram afastados juntamente com outros 10 menores. Já adolescente
Alexandre continua não frequentando a escola por conta da rotina extensa de trabalho na
lavoura, e pelo desgaste ao carregar um balaio cheio de cacau com peso de 40kg nas costas. A
escola se localiza a 3 km e não tem ônibus para a locomoção dos menores. Esses irmãos,
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residem com a família em uma casa desprovida de água encanada, cedida pelo proprietário da
lavoura. A família utiliza uma estrutura rústica no mato para a captação de água de um poço,
que serve para beber e tomar banho (Fazendeiro..., 2019).
Outro casal de meeiros, Sandra e Anderson (nomes fictícios), percorre 300 metros
abaixo do morro, três vezes ao dia para buscar água, pois a água dada no alojamento por
Raimundo, sai suja e com forte cheiro. As pessoas que usaram a referida água tiveram
diarreias e coceira no corpo. Sandra desabafa di em que Medicil ndia a capital do cacau.
a da pobre a, porque eu n o sei para onde o dinheiro do cacau vai . A cr tica da lavradora se
refere à relação entre meeiros e o dono da terra. Pois, no contrato de parceria agrícola, o lucro
obtido na produção deve ser dividido em partes iguais entre os trabalhadores e o proprietário,
bem como os gastos com ferramentas e produtos como adubos e inseticidas. Porém, na
fazenda, os trabalhadores arcam com todos os gastos e o proprietário Raimundo não arca com
os produtos para a planta o e ainda recebe a sua metade sem descontos. Ela ressalta que dos
nossos 50%, gastamos ainda com veneno, adubo, diarista, porque ele não paga nada, mas
recebe a parte dele limpa , di . Ainda coloca, aqui o trabalho escravo. Ninguém tem direito
a nada. E o que a gente colhe mal d para comida (Farias et al., 2020).
No entanto, Raimundo alega que arca com todos os insumos e que as dificuldades dos
meeiros são decorrentes do mau uso dos valores que recebem, pois gastam com farra. E ainda
enfati a que um homem de bom cora o por j ter ajudado alguns trabalhadores. Ele [o
meeiro] confia em mim. Eu costumo di er que eu sou melhor do que Deus! (Fazendeiro...,
2019).
Cumpre entender que quando as partes estabelecem a parceria agrícola, fica acordado
que cada um receberá a metade dos lucros. No caso do proprietário, poderá receber a metade
do lucro, mas cabe a ele arcar com todos os custos da produção, fornecer moradia para todos
os trabalhadores, higiene, equipamento de segurança, compra de instrumentos para o trabalho
como maquinário, adubo, todos os insumos necessários à produção do cacau. O proprietário
não pode dividir esses custos com os trabalhadores, devido ao que consta no contrato.
Segundo entrevista de Natália, meeira que vive na fazenda de Raimundo, no ano de
2019 colheu 1.300 kg de cacau, e vendeu a R$ 9,10 cada quilo, tendo um lucro total de R$
11.830,00. Esse valor foi dividido em duas partes (meeira e proprietário), ou seja, sobrou R$
5.915. Mas esse valor é utilizado para o ano todo, dividido assim em 12 meses, que gerou um
total de R$ 492,00 ao mês, menos de meio salário mínimo. Além disso, é com esse valor de
R$ 492,00, que ela compra os insumos, como inseticidas, adubo, entre outros produtos para a
produção do cacau. Com isso, o valor que de fato sobra é muito baixo, diferentemente do
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valor que o proprietário recebe, que não investe em nenhum produto para a produção, recebe
o valor limpo de descontos (Fazendeiro..., 2019). São situações como estas que obrigam os
meeiros a solicitar pequenos adiantamentos para suprir o que falta, e os descontos posteriores
são convertidos em juros exorbitantes.
Já no caso do atravessador, mesmo tendo sido autuado em 2013, não foi suficiente
para intimidá-lo. Os repórteres do Câmera Record flagraram Daniel Uliam exercendo a
atividade de atravessador novamente. Para se esquivar da fiscalização ele utiliza o
supermercado do filho, localizado no km 140 da cidade vizinha de Uruará, distância de 40
minutos de carro de Medicilândia. Esse sujeito emite recibos com o nome do Supermercado
Líder, na qual juntamente com seu filho montaram um galpão de compra de cacau ao lado do
estabelecimento. Quando foi questionado o motivo de abrir o comércio em Uruará ao invés de
Medicil ndia, ele argumentou que se a fiscali a o passar [e disser]: ah, voc t aqui
comprando cacau de novo? Agora voc preso (Farias et al., 2020).
Nesse quesito, percebe-se o quão complexo é o caso em questão, sendo que este não é
o único com essas características na região. Esta é realidade de inúmeras famílias que
trabalham nas lavouras estabelecidas ao longo da Transamazônica que vivenciam situações
semelhantes como as supracitadas. Desde a fiscalização de 2013 quase nada foi modificado.
Na realidade, as mesmas atuações se perpetuaram e ganharam nova roupagem. As famílias
que dependem do cacau se submetem a um trabalho forçado, a moradias distantes da
comodidade e dos centros urbanos, inalcançáveis pelas estradas desfalcadas, e isso permite
que o controle da produção nas lavouras seja ineficiente. É devido ao sofrimento e à voz
desvanecida dessas pessoas que se identifica a importância de trazer à tona um assunto
polêmico e delicado, a fim de dar visibilidade aos menos favorecidos que constituem a base
da sociedade.

4.2 IMPUNIDADE DO CRIME DE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

Pode-se averiguar que os devidos responsáveis envolvidos na cadeia produtiva do


cacau, que exploram a mão de obra ilegal e abusiva para obtenção de seus lucros dificilmente
são condenados pelos crimes cometidos.
Uma informação relevante para essa constatação se refere ao baixo índice de
condenações no âmbito penal, mesmo tendo sido alterado o art. 149 do CP e ocorrido a
definição pelo STF, em 2006, no Recurso Extraordinário nº 39804/PA, da competência da
Justiça Federal para julgar o crime. Ademais, o MPF salienta que a impunidade está
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relacionada à demora do Poder Judiciário na apreciação das ações penais ajuizadas, resultando
na prescrição do crime e no impedimento de coleta de provas que possa fundamentar as ações
e garantir a aplicação das penas, sem alterá-las em medidas alternativas (Conforti, 2019).
Um fato que chama a atenção pode ser evidenciado na entrevista com o atravessador
envolvido no caso da Fazenda Boi Não Berra, que fora autuado em 2013, mas que em 2019,
quando entrevistado pelo Câmera Record informou que, para se esquivar da fiscalização ele
utiliza o supermercado do filho, localizado no km 140 da cidade vizinha de Uruará, distância
de 40 minutos de carro de Medicilândia. Ele continua atuando no ramo da compra de cacau,
como atravessador. Esse quadro demonstra que as penalidades não foram suficientes para
obstaculizar ações criminosas, como compra de amêndoas provenientes do trabalho análogo à
de escravo, e de trabalho infantil.
No caso da Fazenda Boi Não Berra há evidência de impunidade das grandes
moageiras e dos atravessadores, pois, de acordo com o Termo de Audiência de Daniel Uilian,
a produção de cacau ainda pode ser vendida pelos atravessadores diretamente para as
empresas processadoras. Veja-se:

A empresa M. ULIAN adquire pequenas quantidades de cacau de produtores da


região, formando lotes a serem revendidos para as duas maiores compradoras de
cacau da região, quais sejam, BARRY CALLIBULT DO BRASIL S/A e
CARGILL CACAU (IC nº 294.2013 - destaques acrescidos) (Doc. 16 - Termo de
audiência Daniel Ulian) (Brasil, 2021b).

Com isso, Daniel ressaltou que a empresa do Sr. Moisés Uilian revende as amêndoas
para as multinacionais. Dessa maneira, não restou dúvida de que as amêndoas colhidas por
menores de 18 anos e que por meio dos atravessadores, chega até as moageiras Barry
Callebaut e Olam Agrícola e Cargill Agrícola.
Essa é uma constatação de que a movimentação na região, que fora fiscalizada e
autuada em 2013 ainda permanece, e a mesma fazenda se encontra no cenário, submetendo
indivíduos ao trabalho forçado, degradante e exaustivo, crianças, adolescentes e adultos.
Outra evidência disso é a tranquilidade apresentada pelo proprietário da Fazenda Boi Não
Berra, o Raimundo Nó Cego. Na época da autuação foi acusado de utilizar trabalho infantil e
escravo, e ele declara essa informação sem muitas preocupações, já que permanece alegando
que é uma pessoa boa e que ajuda os trabalhadores.
Observa-se que até o momento presente, Raimundo Nó Cego e Daniel Ulian, que
trabalhavam em conjunto, no mesmo ramo de atividade, ainda estão cometendo suas ações
ilegais, uma vez que o sistema judiciário ainda não conseguiu aplicar a devida sanção
conforme estabelecido pela lei.
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Para se ter uma ideia, em 2013, no âmbito da jurisprudência do TRF 1ª Região, foi
constatado que o Ministério Público Federal do Pará ajuizou, até o final de 2013, um total de
326 ações penais nas quais envolviam o crime de redução à condição análogo à de escravo,
destes 114 foram sentenciados, desse número 84 foram objetos de apelação, sendo que apenas
38 foram julgados pela segunda instância recursal, até julho de 2014. Dos 38 acórdãos
proferidos, 13 reduziram as penas aplicadas aos réus na primeira instância e 18 concederam
absolvição dos réus, restando apenas 7 acórdãos que tiveram resultado condenatório
(Mesquita apud Freitas; Mesquita, 2016).
Ademais, os fundamentos cruciais utilizados pelo TRF 1ª Região, nas quais foram
avaliados pela autora supracitada, que permitiram a absolvição dos réus foram os seguintes: I
- repetição de prova, colhida durante o inquérito na fase judicial, que não poderia ser
utilização na formação do convencimento do magistrado; II - a verificação de conduta atípica,
devido à inexistência de completa sujeição do trabalhador ao tomador do serviço; e III -
inviável aplicabilidade do art. 149 do CP, dado que não houve restrição efetiva à liberdade de
locomoção da vítima. Além disso, a instância recursal não considerou o número de vítimas
envolvidas nos processos, quando realizou a fixação da pena (Mesquita apud Freitas;
Mesquita, 2016).
Esses dados podem ser aplicados para o caso presente nessa pesquisa. De fato, não há
condenação dos envolvidos no trabalho análogo à de escravo realizado na Fazenda Boi Não
Berra, e, segundo os dados obtidos, não há restrição efetiva de liberdade de locomoção da
vítima, pelo menos não é algo que se apresenta de modo transparente. No entanto, os
trabalhadores se veem obrigados a pedir adiantamentos aos atravessadores, devido aos baixos
valores que recebem. Os adiantamentos são descontados sem qualquer critério legal,
excedendo em juros, permitindo o surgimento de uma dependência dos trabalhadores em
relação aos donos das fazendas. De certa maneira, é uma outra roupagem para limitar a
locomoção das vítimas.
A justificativa de impossibilidade da aplicação do art. 149 do CP, devido à ausência da
restrição de liberdade de locomoção, não é um argumento válido. Pois, conforme já retratado
neste trabalho, o STF, já se pronunciou no sentido de que não há necessidade da coação direta
contra a liberdade de ir e vir ou o cerceamento da liberdade de locomoção.
Embora o julgado apontado seja de 2022, à época em que as ações foram ajuizadas em
2013, já existia parecer abordando a desnecessidade da coação direta contra a liberdade de ir e
vir. A este respeito verifica-se o julgado subsecutivo:
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EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO.


ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA
CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para
configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a
coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de
locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, condutas alternativas previstas no
tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o
cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e
não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade
tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só
mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos
básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho
digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre
determinação. Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de
escravo. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho
escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge
níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas
exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o
enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão
recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e
de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais (Brasil,
2012).

Dessa maneira, não há o que se falar em inaplicabilidade do art. 149 do CP, pela
ausência de restrição efetiva à liberdade de locomoção da vítima. Tendo em vista que para a
configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação
física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, o que
basta é a submissão da vítima ao trabalho forçado ou também a jornada exaustiva, ou mesmo
a condições degradantes de trabalho, conforme supracitado.
Observa-se, portanto, que a interpretação adotada pela Justiça Federal do Pará em
relação ao crime descrito no art. 149 do Código Penal é problemática, pois requer a total
submissão do trabalhador e a restrição completa de sua liberdade para que o crime seja
reconhecido. Essa abordagem revela uma análise equivocada, uma vez que não leva em
consideração outros elementos presentes nesse contexto. Isso contribui para a continuidade da
prática do trabalho escravo contemporâneo na região, além de ir contra o entendimento
estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (Mesquita apud Freitas; Mesquita, 2016). Como
resultado, a impunidade dos verdadeiros responsáveis continua sendo perpetuada.

4.3 A PRÁTICA DA SONEGAÇÃO FISCAL E A CRISE NO SISTEMA DE


FISCALIZAÇÃO

Indubitavelmente, as pessoas que trabalham nas lavouras de cacau se encontram em


situação de vulnerabilidade econômica, com baixa escolaridade, o que impede o acesso à
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informação e acarreta no aceite de qualquer condição de trabalho na busca pelo sustento.


Ocorre que, essas pessoas além de se submetem às péssimas condições de trabalho, envolvem
todo o contexto familiar para a contribuição da renda, incluindo os menores de 18 anos, sendo
uma prática que se encontra atrelada ao funcionamento econômico da região, tendo em vista
que essas famílias são as verdadeiras cultivadoras das sementes de cacau. A partir disso, cabe
compreender como e por que essa exploração ocorre.
Nas primeiras etapas da cadeia produtiva já se pode identificar significativa
exploração dos trabalhadores, uma vez que os produtores de cacau pelo fato de não possuírem
terras para cultivar estabelecem uma relação de meação e parceria com proprietários das
terras. Segundo dados da OIT, esse tipo de relação em variadas situações evidencia um
verdadeiro processo de exploração podendo configurar em casos de trabalho escravo, bem
como trabalho infantil (OIT, 2018).
Verifica-se que a meação e a parceria é algo constante no âmbito do trabalho rural, em
muitos casos está presente na agricultura familiar, sendo uma prática que possui respaldo
jurídico.
O art. 4º do Decreto n. 59.566/66, estabelece que a parceria rural é:

O contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo
determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo,
incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle
ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa
vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou
extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso
fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros
havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei
(artigo 96, VI do Estatuto da Terra) (Brasil, 1966a).

Cabe salientar que a parceria rural é uma sociedade particular, tendo em vista que os
contratantes dividem os riscos bem como os resultados da produção de maneira proporcional,
assim como está previsto na lei. O legislador estabelece a quota máxima do proprietário, que é
o parceiro outorgante de acordo com a sua participação na atividade agrária exercida, nos
termos do artigo 35 do Dec. 59.566/66 (Almeida, 2013). Sendo assim, é possível identificar as
porcentagens do lucro em:

I. 10% (dez por cento) quando concorrer apenas com a terra nua;

II. 20% (vinte por cento) quando concorrer com a terra preparada e moradia;

III. 30% (trinta por cento) caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias,
constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas,
valas ou currais, conforme o caso;
68

IV. 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto
básico de benfeitorias enumeradas no inciso III, e mais o fornecimento de máquinas
e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e
animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção
superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto da parceria;
V. 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-Fextensiva, em que
forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinto por cento) do
rebanho onde se adotem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por
cento) por animal vendido (Brasil, 1966a).

No sistema de parceria agrícola vigente, normalmente os sujeitos firmam contrato de


parceria/meação de uma área definida, porém, o gerenciamento, a condução da lavoura, acaba
sendo do parceiro outorgante. Isso impede que as famílias desenvolvam projetos inovadores,
tendo em vista que a produção é direcionada aos interesses econômicos, com a produção da
monocultura (Ferreira; Maciel, 2014). Nota-se que essas pessoas, na esperança de melhorar a
condição socioeconômica de sua família, se submetem às regras do proprietário da terra, não
tendo a liberdade para conduzir a plantação, permanecendo nessas áreas como um estrangeiro,
pois não sentem que pertencem ao lugar.
Segundo reportagem da Brasil de Fato, a maneira mais comum de contratação, ou a
forma de vínculo trabalhista que se utiliza na produção de cacau é a meação. Os proprietários
das fazendas contratam grupos de trabalhadores, também chamados de meeiros, a fim de
firmar contratos de parceria. A divisão é de metade da produção para o proprietário e para o
empregado. Desse modo, o meeiro tem a escolha de morar na propriedade do patrão. Nas
grandes fazendas vivem até 40 famílias, e o sindicato de trabalhadores rurais da região não
exige o registro da CTPS, ou seja, a carteira assinada para todos, pois o argumento é de que
esse privilégio é para poucos no Brasil, assim, o contrato de parceria é liberado, como um
v nculo leg timo, que pode ser bom para os dois lados (Giovanaz, 2017).
Nesse viés, verifica-se que há um desrespeito ao Estatuto da Terra, pois de acordo com
procuradores do Trabalho que atuam nos polos produtores de cacau brasileiro, essa situação
está disseminada, dado que há uma falsa parceria em que os trabalhadores não têm autonomia
na escolha do quê plantar, quais as técnicas empregadas e tampouco escolhem para quem
vender, como manda a lei. Além disso, segundo os relatos, concedidos à OIT, os
trabalhadores não atuam como parceiros, mas sim como empregados na maior parte das
fazendas (OIT, 2018). Nesse caso, o funcionamento dessa parceria está em divergência com o
que dispõe o artigo 92, §1º do Estatuto da Terra:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato
expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade
agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola,
pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei. § 1° O proprietário
69

garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido


em parceria (Brasil, 2007).

Nesse sentido, quando é firmado o contrato de parceria, o trabalhador tem o direito de


exercer sua autonomia, direito de escolher o que deseja plantar, quais técnicas usar e para
quem vai vender a produção. Quando o proprietário impõe essas condições, vai se configurar
em irregularidades (OIT, 2018).
Na realidade, fica evidente o descaso com os trabalhadores envolvidos no cultivo do
cacau, uma vez que eles não desfrutam dos benefícios do imóvel concedido em parceria e essa
relação não se caracteriza como uma parceria agrícola legítima. Na verdade, trata-se de uma
relação de empregado e empregador, porém, sem os direitos trabalhistas garantidos e com a
presença de fraudes que são encobertas pela justificativa da parceria, muitas vezes relacionada
ao trabalho análogo à escravidão. Quando os trabalhadores não estão registrados, eles não
existem no sistema de trabalho convencional, o que dificulta sua identificação pela
fiscalização, especialmente em regiões onde a aplicação da lei é inadequada. Essa etapa da
produção é o ponto de partida para as irregularidades.
As lavouras se concentram nos chamados travessões, prioritariamente no lado sul, na
margem esquerda da pista. Os travessões são vilas ou comunidades rurais fixadas a cada cinco
quilômetros, a sul e norte da Transamazônica. No município de Medicilândia, habitualmente
se ouve que alguém mora no km 85 do sul ou que trabalha no km 90 norte. Um ponto
marcante são as condições da estrada, à medida que ficam mais desfalcadas é possível
visualizar maior presença dos pés de cacau. As figuras dos borracheiros e cerealistas se
tornam mais visíveis à beira da rodovia. Estes são um dos grandes responsáveis pelo
transporte, compra e venda das amêndoas de cacau, chamados e popularmente conhecidos
como atravessadores (Giovanaz, 2017).
Depois de realizada a produção do cacau, colhidas as amêndoas, estas são levadas para
a secagem, podendo ser do modo rústico, colocadas sobre uma lona embaixo do sol,
posteriormente, cobertas à noite por um telhado móvel ou mesmo por uma lona, ou colocadas
em uma espécie de estufa, quando a produção é mais moderna. Segundo reportagem da Brasil
de Fato, para acelerar a fermentação das amêndoas, as grandes propriedades utilizam estufas
ou secadoras chamadas de barca as . Ap s a fermenta o, as am ndoas s o recolhidas pelos
meeiros e colocadas em sacos (Giovanaz, 2017). Esse procedimento pode ser visualizado na
seguinte imagem:
70

Figura 4 Processo de secagem das amêndoas de cacau

Fonte: OIT, 2018.

Já ensacadas, estão prontas para a venda. Nesse momento, pode-se identificar novos
traços da exploração, principalmente no valor atribuído à produção das sacas. As amêndoas
são negociadas por compradores locais, ou seja, pelos atravessadores, alguns até possuem
estabelecimentos específicos para esse tipo de negócio. As sacas das amêndoas são entregues
a estes compradores que pagam valores baixíssimos por uma quantidade generosa. A compra
e venda são realizadas sem notas fiscais, pela via verbal, e as sacas de todos os produtores da
região são armazenados em um depósito, sendo praticamente impossível identificar a
procedência da produção quando os estoques estão cheios.
Esses atravessadores auxiliam no processo de escoamento da produção, que são
destinados às moageiras para a realização do processamento. Os cerealistas acabam sendo
responsáveis pelo intermédio entre os produtores de cacau e as indústrias moageiras. Essas
indústrias processam manteiga, liquor, pó e torta de cacau, sendo a matéria-prima que
resultará em chocolates ou produtos achocolatados, doces, confeitos e massas. A manteiga de
cacau é demasiadamente utilizada pelas indústrias farmacêuticas e de cosméticos (OIT, 2018).
71

A relevância dessa matéria-prima é inegável, que devido à sua versatilidade,


conquistou tanto o mercado global quanto os paladares mais exigentes. Contudo, a produção
dessa commodity demanda um custo elevado e está associada a riscos consideráveis.
Motivados pelos altos lucros que o cacau pode gerar, muitos atravessadores se arriscam na
profissão. O percurso realizado até a entrega das sacas nas unidades de processamento é
repleto de desafios. Em uma região onde a competição por recursos é intensa, o envolvimento
em atividades criminosas não é considerado algo raro. Um aspecto particularmente notável é a
existência de conflitos territoriais entre os próprios atravessadores. É nesse contexto que se
torna evidente uma significativa infração legal, especialmente nas transações de compra e
venda que ocorrem sem a emissão de notas fiscais, o que dificulta substancialmente a
capacidade de rastrear a origem das amêndoas.
Há dois tipos de atravessadores, sendo eles os pequenos e os grandes atravessadores.
Os pequenos são aqueles que possuem pontos para a realização da compra e venda das
amêndoas, às margens da BR-230, a Transamazônica, situados nos municípios do polo
cacaueiro da Transamazônica, como Pacajá, Anapu, Vitória do Xingu, Altamira, Brasil Novo,
Medicilândia e Uruará. Esses sujeitos poderiam negociar diretamente com as empresas
moageiras que possuem armazéns na cidade de Altamira, porém, comercializam com os
grandes atravessados, utilizando os mesmos argumentos dos agricultores, como: a burocracia
é menor e fazem pagamento em espécie e no ato, sem a necessidade de utilizar transferências
bancárias. Já os grandes atravessadores são aqueles que possuem estabelecimentos em
Altamira, realiza a ponte entre os pequenos atravessadores e as moageiras, que são o elo
subsequente da cadeia (OIT, 2018).
Como fuga dos impostos, o cacau é destinado primeiramente para Altamira, na qual
existe um mercado mais restrito e onde se recebe o produto sem nota fiscal. Em seguida, as
sacas são levadas até São Paulo ou Bahia para se submeter ao processamento (Giovanaz,
2017). Os grandes atravessadores negociam o cacau com as moageiras, indústrias que
realizam o processamento das amêndoas de cacau. Apesar de ser uma das lideranças na
produtividade, segundo dados da OIT, o Pará processa apenas 1% das amêndoas de cacau
produzidas no estado, com isso, o restante vai para o Sul da Bahia, onde se localizam as
indústrias de processamento do cacau, são três indústrias pertencentes a três multinacionais
moageiras (OIT, 2018).
As três indústrias processadoras de cacau existentes no Brasil são Cargill, Barry
Callebaut e Olam, que absorvem 95% da produção, tendo capacidade para processamento de
275 mil toneladas, somas que são elevadas e acima daquilo que essas empresas costumam
72

receber. Se essas empresas utilizarem apenas a matéria-prima recebida no Brasil, a produção


seria de aproximadamente 55% da capacidade máxima. Isso significa que as referidas
indústrias, importa matéria-prima de outros países, a fim de atingir a sua capacidade produtiva
(Mercado..., 2022).
Ademais, conforme salientado na reportagem supracitada, o preço do chocolate está
relacionado ao preço da matéria-prima, sendo este o cacau. O que demonstra que a oferta e a
demanda pela amêndoa compõem um ponto fundamental na aplicação do preço mundial do
cacau. Assim, segundo informações do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de
fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021, o chocolate teve seu preço elevado, tendo um aumento
de 6%. Essa alta, se posicionou acima da inflação registrada no período, atingindo o número
de 5,20% (Mercado..., 2022).
Nesse viés, um ponto que salta aos olhos se deve a alta produção do cacau e
principalmente o valor do produto no mercado mundial. Verifica-se que o cacau produzido no
Brasil não se faz suficiente para atender a elevada produção das indústrias chocolateiras,
sendo necessária a importação das amêndoas de outros países, provavelmente de países
africanos, como Costa do Marfim e Gana, tendo em vista que são os maiores produtores de
cacau do mundo e também onde há maior incidência de uso da mão de obra análoga à
escravidão nas lavouras de cacau. Se há essa necessidade de importação tão elevada, é porque
existe a alta procura de produtos de origem do cacau. Somado a esse fator, observa-se que o
valor do cacau no cenário econômico mundial teve seu aumento, sendo responsável por
movimentar quantias bilionários anualmente. Apesar das cifras significativas desse dinâmico
comércio, pode-se constatar que os benefícios não alcançam aqueles que se encontram na
base desse negócio. Isso porque o valor recebido pelos produtores pela sua produção
frequentemente se revela insuficiente até mesmo para sustentar suas famílias. Esse dado
alarmante evidencia um desequilíbrio econômico considerável entre os diversos agentes
envolvidos nas várias etapas da produção.
Segundo dados do Estadão, o Brasil conta com no mínimo 93 mil produtores rurais
nesse setor, sendo que a maioria é composta por agricultores familiares operando em áreas de
5 e 10 hectares, na qual movimentam R$ 23 bilhões anualmente no país (Indústrias..., 2022).
Mas sem contar os produtores informais e irregulares, que não possuem registros ou que se
encontram em situação de servidão maquiada pela parceria/meação. A realidade é a expansão
de um rico mercado que perpetua a miséria de seus executores. Essas grandes moageiras não
se preocupam com a origem das amêndoas, com o procedimento do cultivo, e tampouco com
73

os cacauicultores, se há ou não certificação de qualidade na execução do trabalho. A única


preocupação é alcançar a capacidade produtiva, pois a produção não pode diminuir, nem
tampouco parar.
Por fim, chega-se à última etapa da cadeia produtiva, na qual o cacau será
transformado em chocolate e seus derivados, bem como será utilizado nas mais variadas
indústrias do ramo alimentício, de bebidas, de cosméticos e de farmacosméticos. A polpa que
reveste as amêndoas também é aproveitada para a fabricação de licor, vinagre, geleia e suco.
Alguns subprodutos são obtidos de todo o processo, como a manteiga, cacau seco, semente
fresca, mel de cacau, vinagre, polpa, suco congelado, casca do cacau, licor e geleia. Porém,
para a confecção da guloseima mais popular do mundo, faz-se necessário que as indústrias
cacaueiras, por meio do processo de retirada da casca das amêndoas obtenham o chamado
nibs de cacau, e a partir disso, feito seu processamento, elaboram a massa do cacau, sendo
este o principal produto de comercialização para a produção do desejado chocolate.
Quando as grandes marcas, que fazem a distribuição dos produtos à base do cacau,
principalmente o chocolate, realizam as suas negociações, a primeira impressão é de que se
tratam de empresas responsáveis e transparentes, tendo em vista que na divulgação de seus
produtos exibem slogan bem construídos e com a promessa de ser uma marca conceituada,
Entrementes, as empresas mais consumidas, líderes de vendas das prateleiras estão envolvidas
em processo judiciais, acusadas de admitirem a prática de trabalho de escravo ou análogo à
escravidão na cadeia produtiva de seus produtos.
No ano de 2019, o Brasil de Fato publicou uma matéria demonstrando como a
indústria Cargill favoreceu de modo direto para a prática do trabalho análogo à de escravo no
Brasil. Esta indústria é a principal fornecedora de cacau para a Nestlé, que cancelou seu
contrato com a Cargill somente no que diz respeito à compra de soja, devido à pressão
internacional para diminuir o desmatamento, mortes e crimes ambientais, porém o cacau
ainda é negociado. Segundo a reportagem, diversas marcas utilizam trabalho escravo e infantil
na cadeia produtiva do chocolate, sendo que muitas dessas marcas estão presentes no
cotidiano das pessoas, como Prestígio, Suflair, Galak, Chokito e Sensação (Destruindo...,
2023).
A Cargill que fornecia cacau para a Nestlé, é financiadora do trabalho infantil e
escravo em cadeia produtiva. Além disso, outras multinacionais, supracitadas no primeiro
capítulo, ainda exploram de maneira ousada o trabalho infantil e escravo nas lavouras dos
estados da Bahia e Pará, como Mondelez, Barry Callebaut e Ollam Brasil. Segundo o Brasil
de Fato, esse tema é de conhecimento das empresas, tendo sido informadas por meio da
74

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho. No


entanto, não se sentiram responsáveis pelo problema e mandaram resolver com as entidades
de classe representante do setor (Casara, 2019).
Observa-se que a notícia anterior faz referência a esta, e ainda não houve mudanças no
posicionamento das referidas empresas quanto ao comprometimento em extinguir essa
abominável prática. Desde 2019, até mesmo antes, a Nestlé era pressionada a adotar práticas
humanas e sustentáveis em sua produção. Foi necessária a intervenção internacional, sob o
risco de permanecer na lista negra do trabalho escravo, e anos de negociação para que
tomasse uma pequena iniciativa de cancelar seu contrato com a Cargill. A situação é tão
desastrosa que além do cacau, outras esferas acabam sendo afetadas, como desmatamento
para a implantação da monocultura do cacau, avanço em terras indígenas, envolvimento com
fazendas localizadas na Amazônia que atuam de forma predatória. A Cargill é considerada a
pior empresa do globo (Destruindo..., 2023). É esse tipo de desafio que deve ser combatido.
Como dito, as empresas têm conhecimento das irregularidades existentes em toda a
cadeia produtiva do cacau, algumas negociam diretamente com os atravessadores sem o uso
de notas fiscais, compactuam com a exploração de pessoas na base da produção, pois visam
enormes lucros, que evidentemente são gerados através do sofrimento de muitos. No fim,
cabe afirmar que financiam também a prática da sonegação fiscal, pois isso garante o não
rastreamento das fazendas e de suas produções, garante menor burocracia com as questões
trabalhistas dos produtores, permite o não envolvimento com a base produtora e o argumento
de que não podem controlar a rota da produção, diante das inúmeras fontes produtores e das
inúmeras pessoas que realizam o trabalho informal.
As empresas geram altos lucros que passam despercebidos pelo controle fazendário.
Um exemplo disso é uma empresa, cerealista, com atividade na compra e venda de cacau, na
qual foi processada pelo MPF por não pagar R$ 900 mil em impostos ao realizar uma venda
para uma empresa processadora (moageira). Porém, a empresa apresenta registro de uma
Microempresa (ME). Sendo assim, de acordo com os valores movimentados, seu faturamento
deveria ser de no máximo R$ 200 mil ao ano, impedindo negociações nessas proporções.
Esses valores, indicam a grandiosidade da sonegação fiscal ocorrida na prática (OIT, 2018).
Ademais, nota-se que o fator prevalecente da sonegação fiscal é decorrente da atuação
dos intermediários da cadeia produtiva. Pode-se inferir que os atravessadores são os principais
responsáveis por essa prática. Como citado no exemplo acima, a empresa exige as notas
fiscais no ato da compra das amêndoas, contudo, não analisa qual é a natureza jurídica dos
75

intermediários ou mesmo a sua procedência, o que poderia funcionar como uma boa prática
(OIT, 2018).
A não contribuição dos impostos é algo notável quando se visita a região produtora do
cacau, diante da carência na educação, saúde e infraestrutura, demonstrando precariedade dos
serviços públicos municipais. O baixo arrecadamento não é suficiente para estruturar a região.
Para se ter uma ideia, em 2016, a arrecadação de Medicilândia foi de apenas 39 mil. Por isso,
os dados demonstram que o IDH desse município é considerado baixo (0,582). A renda per
capita é inferior a R$350,00, a menor do polo Transamazônico. Além disso, a cada dez casas,
seis não possuem banheiro, esgoto e água encanada. Além do mais, os problemas de
saneamento e coleta de lixo nos bairros acarretaram no aumento da espécie de urubus de
cabeça preta, considerada uma praga na região, pois vivem em todas as aéreas sondando
açougues, latões de lixo e pátios das escolas. Essas aves, que possuem cabeças depenadas e
rugosas, constituem o cenário e muitos parecem não se incomodar com o risco de doenças ou
bicadas (Giovanaz, 2017).
O cenário descrito revela a realidade dos habitantes que são submetidos a diversas
formas de subjugação. Nesse contexto, é evidente que os atravessadores desempenham um
papel crucial na perpetuação do trabalho análogo à escravidão e infantil nas regiões
cacaueiras. É paradoxal que em um lugar onde a produção de cacau é fértil e próspera, a
população e os próprios produtores não consigam desfrutar dos benefícios. Isso significa que
a sonegação também dificulta o rastreamento da cadeia de produção, tornando praticamente
impossível determinar a origem do produto.
Entrementes, a sonegação fiscal não é o único fator que contribui para a disseminação
da mão de obra barata. A ausência de fiscalização tem sido um grande desafio para os órgãos
competentes, a fim de controlar as inúmeras lavouras produtoras do cacau.
Indubitavelmente que os desafios enfrentados pelos órgãos competentes a fim de
combater as irregularidades trabalhistas são elevados, em muitos casos superam suas
jurisdições por estarem relacionados a fatores que não dizem respeito apenas à execução de
tarefa ou aplicabilidade da lei, pois na maioria dos casos, há uma significativa queda no
quadro de servidores capacitados para lidar com as inúmeras queixas da existência do trabalho
forçado, em outros casos há baixa do número de servidores lotados nas regiões com maior
incidência dessas ocorrências, impedindo que ocorra uma efetiva fiscalização por partes
desses órgãos.
Segundo os órgãos, existe uma quantidade alta de trabalhadores resgatados comparado
ao número baixo das operações. Indicam que a continuidade das efetivas tarefas de combate a
76

essas práticas se deparam com a falta de estrutura e orçamento da esfera federal. Esse quadro
faz com que as áreas cacaucultoras sejam pouco fiscalizadas (OIT, 2018).
Segundo Marques Casara, um dos realizadores da pesquisa encomendada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT),
entre 2017 e 2018, existe uma responsabilidade do governo federal, na medida em que
sucateou os órgãos de fiscalização ou cortou consideravelmente as verbas aplicadas nas
operações de fiscalização, impedindo que os fiscais e auditores saiam de seus escritores e
verifiquem a situação do trabalho no campo. Em diversos locais do Brasil, nos escritórios do
Ministério do Trabalho não há computadores como ferramenta de trabalho para os auditores.
Eles possuem carro, mas não têm combustível, e casos que não possuem o automóvel e
necessitam se deslocar de cidade. Isso demonstra um problema na estrutura e gestão
intencional, que inviabiliza o acompanhamento mais perto das autoridades (Console, 2018).
Conforme destaca o supracitado pesquisador, a responsabilidade primária cabe às
multinacionais do ramo de cacau e chocolate. Isto posto, convém também destacar que a
responsabilidade secundária deve ser direcionada ao Estado, uma vez que as políticas públicas
estaduais e federais devem ser firmes e o governo brasileiro, em todas as suas esferas, deve
agir de forma decisiva para proteger sua população. É inegável que as multinacionais devem
ser responsabilizadas, pois são as principais impulsionadoras das práticas abusivas de trabalho
na cadeia produtiva do cacau. Portanto, o governo, que permite a instalação dessas indústrias
em território brasileiro para garantir o desenvolvimento econômico do país, por outro lado
também deve implementar mecanismos para combater a exploração de seus habitantes.
As implicações da informalidade são verdadeiros entraves, dado que uma região
produtora de grande quantidade de cacau, na qual comporta enormes fazendas, que possui
uma rica biodiversidade nativa, com um potencial elevado, deveria ser um exemplo de
desenvolvimento, de educação, de oportunidade de investimentos e trabalho. No entanto,
constatou-se que as etapas existentes no ramo cacaueiro ocultam manobras que intencionam
burlar o sistema legal. A sonegação fiscal segue corroborando para o atraso da região, os
tributos que não são arrecadados ocasionam um déficit orçamentário, impedindo o
desenvolvimento dos municípios onde há o cultivo do cacau. Na realidade demonstra um
cenário de abandono por parte dos governantes, e o que se elucida é sempre a mesma história,
empresas que exploram, multinacionais que almejam apenas alcançar suas arrecadações
bilionários, a fim de permanecerem na lista de empresas mais lucrativas à custa de uma terra
judiada, explorada, sem incentivos governamentais, num lugar esquecido, numa terra sem lei.
77

Embora haja a atuação de órgãos competentes para o combate do crime em questão,


nota-se que há muito trabalho a ser realizado, iniciando pelas realizações de novos concursos
públicos para aumentar o número de servidores atuantes nos órgãos da região. Além do
aumento das equipes de combate, também deverá ocorrer treinamento especializado de
servidores para lidar com cada caso concreto, atingindo suas especificidades. Os incentivos
financeiros são investimentos tão importantes quanto os demais, pois permitem o acesso dos
servidores nas áreas mais afastadas para a realização de efetivas fiscalizações na base da
cadeia produtiva do cacau. O alcance das fazendas mais remotas será uma maneira de
demonstrar que as leis penais e trabalhistas devem ser respeitadas, principalmente caso fosse
necessário realizar o registro dos trabalhadores rurais.
Outra solução plausível se refere à mudança de competência para o julgamento do
crime de trabalho análogo à escravidão. A atribuição que atualmente é da Justiça Federal deve
ser direcionada à Justiça do Trabalho, situação que pode aperfeiçoar o tempo de julgamento,
tendo em vista que esse delito geralmente envolve irregularidades trabalhistas que já seriam
julgadas pela Justiça do Trabalho. O respaldo para essa proposta tem como fundamento a
redação da Emenda Constitucional nº 45, que menciona o art. 114 da Constituição Federal,
destacando a evolução da competência da Justiça do Trabalho, quando relaciona o nexo de
causalidade com o contrato de trabalho.
A jurisdição trabalhista é responsável por julgar casos em que há uma relação de
trabalho convertida em uma lide, ou seja, uma controvérsia a ser resolvida judicialmente. Essa
competência atribuída à Justiça do Trabalho é uma tendência constitucional, estabelecida pelo
Congresso Nacional. Essa justiça possui conhecimento e expertise sobre a realidade do
trabalho análogo à escravidão, pois lida com outros crimes relacionados a essa prática. Assim,
agregar todas as situações do caso concreto em um único julgamento, tende a tornar a justiça
mais especializada, o caso pode ser discutido em todas suas dimensões, contribuindo para a
especialização técnica dos julgadores e para a adoção de jurisprudências cada vez mais
completas.
Sobre a punibilidade da PJ ficou claro que não há um dispositivo específico no Código
Penal brasileiro que possa responsabilizar as empresas envolvidas nesse crime. Entretanto,
embora se trate de um cenário desafiador para o seu enfrentamento, é possível recorrer a
mecanismos extrapenais para atribuir aos culpados a capacidade de ser penalmente relevante
quando houver violação das normas de responsabilidade social. Isso evita a impunidade de
inúmeras multinacionais que atualmente exploram ilegalmente os recursos nacionais e a mão
de obra da população brasileira.
78

Por fim, no quesito da interpretação adotada pela Justiça Federal do Pará em relação
ao crime descrito no art. 149 do Código Penal, observou-se algumas contradições. As
decisões devem ser conduzidas de maneira diferente, pois além da competência ser atribuída à
Justiça do Trabalho, não deveria requerer a total submissão do trabalhador e a restrição
completa de sua liberdade para que o crime fosse reconhecido. Todas as situações do caso
concreto devem ser relevantes para a decisão, além disso, o entendimento estabelecido pelo
Supremo Tribunal Federal deve ser contemplado, já que se trata da instância superior ou
última instância do poder judiciário brasileiro.
É fundamental que o sistema jurídico funcione de maneira eficaz para garantir que os
trabalhadores sejam protegidos e que os empregadores e as empresas sejam responsabilizados
por práticas ilegais e desumanas. Para isso, é necessário o envolvimento e a atuação conjunta
de órgãos governamentais, instituições sociais e da sociedade civil na fiscalização, denúncia e
punição dessas violações.
79

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito desta pesquisa foi explorar a complexidade e os desafios enfrentados no


combate à escravidão contemporânea, destacando as lacunas e incoerências na legislação
brasileira. O principal propósito foi dar voz aos trabalhadores esquecidos, buscando
proporcionar as devidas garantias para que possam conquistar seus direitos e ter a
oportunidade de viver com dignidade.
Como objetivo específico desta pesquisa, buscou-se realizar uma revisão bibliográfica
abordando o funcionamento da cadeia produtiva do cacau, desde o plantio até a sua
comercialização pelas grandes indústrias. Nesse contexto, também se enfatizou o papel
significativo dos "atravessadores", que são intermediários entre os produtores de cacau e as
empresas moageiras. Além disso, procurou-se estabelecer a relação com conceitos pertinentes
que possam explicar como o trabalho análogo à escravidão acontece nesse contexto
específico.
Através dessa revisão bibliográfica, o objetivo foi compreender a dinâmica da cadeia
produtiva do cacau, identificando as etapas e os atores envolvidos no processo, desde os
pequenos produtores até as grandes empresas do setor. O papel dos "atravessadores" foi
analisado para compreender como eles influenciam a relação entre os produtores e as
indústrias moageiras, e como isso pode contribuir para a exploração e o trabalho análogo à
escravidão.
Esta abordagem se propôs a explorar a seguinte questão: É possível atribuir a
responsabilização penal e trabalhista do empregador em um cenário de exploração e abuso do
poder econômico, ao reduzir alguém à condição de trabalho análogo à escravidão,
prejudicando o empregado, que é considerado hipossuficiente dentro do contrato de trabalho?
A resposta a essa pergunta é afirmativa. No Brasil, existem mecanismos legais
destinados a proteger os direitos dos trabalhadores e punir os empregadores que cometem tais
abusos. Essas punições podem incluir penas de reclusão, bem como outras sanções previstas
em lei. Verificou-se que as leis trabalhistas e penais existentes no Brasil têm como objetivo
proteger os trabalhadores e garantir o cumprimento de seus direitos fundamentais. Em casos
de trabalho análogo à escravidão, os empregadores podem ser responsabilizados e punidos de
acordo com a gravidade das violações cometidas.
Sobre o Estado ter responsabilidade secundária, no sentido de prestar assistência
jurídica gratuita aos trabalhadores desprovidos e sem acesso à informação, como dever
constitucional, foi possível identificar que o Estado possui a responsabilidade de assegurar os
80

direitos de todos os trabalhadores, independentemente de estarem formalmente empregados


ou não. Isso inclui a fiscalização do trabalho rural e a exigência do devido registro de todos os
trabalhadores, visando garantir plenamente os direitos sociais e prevenir a violação dos
direitos fundamentais dos empregados rurais, especialmente nas lavouras de cacau no estado
do Pará.
A proteção dos direitos trabalhistas é uma obrigação do Estado, assegurando que todos
os trabalhadores tenham acesso a condições de trabalho dignas, salário justo, segurança no
ambiente laboral e respeito aos seus direitos fundamentais. Essa proteção se estende tanto aos
trabalhadores com carteira assinada quanto àqueles que, muitas vezes, são encontrados em
situações informais e vulneráveis.
Os resultados obtidos elucidam que a existência do trabalho análogo à escravidão está
relacionada às mais diversas situações. Entre elas está a prática recorrente de sonegação fiscal
durante a comercialização da amêndoa que é resultante da comercialização informal, com
ausência da emissão de nota fiscal, impedindo que a venda do cacau seja fiscalizada pela
Secretaria da Fazenda do Estado e que haja interferência na arrecadação de tributos pelos
municípios; as arrecadações de tributos são insuficientes para proporcionar o
desenvolvimento do polo cacaueiro e consequentemente torna os municípios da região
desfalcados, afetando a qualidade de vida de seus habitantes, sem a estrutura básica como
saneamento básico, saúde, educação e trabalho digno; o baixo desenvolvimento das cidades,
além dos poucos recursos convertidos para os municípios obriga a população a se sujeitar a
qualquer tipo de exploração para garantir o mínimo para sua sobrevivência; ausência de
estrutura e baixo orçamento aplicado da esfera federal que impede a fiscalização das
condições de trabalho nas lavouras de cacau.
Foi possível identificar que a informalidade praticada pelos intermediários, chamados
de atravessadores, resulta em sonegação fiscal, razão pela qual impede o rastreamento da
origem das amêndoas, como o local de seu plantio e, consequentemente, a identificação dos
focos de escravidão contemporânea.
Ao longo da pesquisa, foram identificadas algumas limitações que vale a pena
mencionar. Notou-se uma dificuldade em encontrar na legislação brasileira a
responsabilização penal da pessoa jurídica pelo crime de redução à condição análoga à
escravidão. Isso se deve ao fato de que o artigo 149 do Código Penal, que trata desse crime,
prevê apenas a responsabilização penal da pessoa física como sujeito ativo, excluindo a
possibilidade de atribuir essa responsabilidade a uma pessoa jurídica.
81

Essa lacuna legal pode representar um desafio significativo na busca por uma punição
adequada e efetiva em casos em que empresas ou outras pessoas jurídicas estão envolvidas na
exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Essa ausência de previsão
legal pode levantar questões sobre a adequação do arcabouço legal brasileiro no
enfrentamento do trabalho análogo à escravidão, especialmente em casos em que práticas de
exploração ocorrem de forma organizada e sistemática.
No entanto, a legislação brasileira prevê outras formas de responsabilização das
pessoas jurídicas. Embora o Código Penal brasileiro não possua um dispositivo específico
para responsabilizar todas as pessoas envolvidas nesse crime e se tratando de um cenário
desafiador para o seu enfrentamento, é possível recorrer a mecanismos extrapenais para
atribuir aos culpados a capacidade de ser penalmente relevante quando houver violação das
normas de responsabilidade social.
No tocante às contribuições da pesquisa, notou-se que algumas se referem à
compreensão e ao enfrentamento do trabalho análogo à escravidão na cadeia produtiva do
cacau. Como destaque verificou-se a identificação das principais irregularidades e violações
de direitos trabalhistas presentes nas lavouras de cacau do Pará. Isso permitiu uma
compreensão mais profunda das condições precárias de trabalho e da exploração enfrentada
pelos trabalhadores rurais, contribuindo para conscientização e sensibilização da sociedade
sobre esse grave problema.
Outra contribuição se refere à evidência das lacunas legais na responsabilização penal
da pessoa jurídica pelo crime de redução à condição análoga à de escravo. Essa evidência
ressalta a necessidade de revisão e aprimoramento da legislação para garantir uma punição
adequada e efetiva, especialmente em casos envolvendo empresas que se beneficiam da
exploração de trabalhadores. Ademais, trouxe a conscientização sobre o funcionamento da
cadeia produtiva do cacau, desde o plantio até a comercialização pelas grandes indústrias, que
foi fundamental para contextualizar as violações trabalhistas e identificar os pontos críticos
que requerem atenção.
Do mesmo modo, trouxe à tona a problemática do crime em questão, viabilizando um
chamado de ação e conscientização pública, a fim de obter a atenção da sociedade e dos
órgãos governamentais para a necessidade de combater essa prática desumana. Isso pode levar
a uma maior mobilização e ação coordenada para proteger os trabalhadores e garantir a
aplicação efetiva das leis trabalhistas. Além disso, as evidências apresentadas podem subsidiar
discussões sobre mudanças legislativas para preencher as lacunas identificadas e fortalecer a
proteção dos trabalhadores rurais. Igualmente, destacou-se a valorização dos trabalhadores
82

rurais ao revelar suas condições precárias enfrentadas no campo. A pesquisa contribui para
ampliar o reconhecimento da importância desses profissionais para a economia e para o país,
reforçando a necessidade de assegurar-lhes condições dignas de trabalho.
Com base nas conclusões apresentadas, espera-se que a pesquisa estimule ações e
iniciativas para erradicar o trabalho análogo à escravidão, proteger os direitos dos
trabalhadores e promover uma cadeia produtiva mais justa e sustentável.
83

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