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NATAL/RN
2023
EVELLINE GISELLE DA SILVA COSME
NATAL/RN
2023
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
BANCA EXAMINADORA
Virgínia Woolf
RESUMO
The concern for environmental protection and sustainability has become a central
issue in global discussions on natural resource management and the future of the
planet. Following this global trend, in Brazil, the Federal Constitution of 1988
established environmental protection as one of the country's fundamental principles.
Moreover, the country is a signatory to the United Nations' Sustainable Development
Goals (SDGs), with particular emphasis on Goal 12, which aims to ensure sustainable
consumption and production patterns. In line with this, fashion is present everywhere,
especially in the clothing we wear daily. In this context, the fashion industry has been
recognized as one of the most impactful on the environment, due to its linear
production model and the generation of large amounts of waste. However, in recent
years, sustainability initiatives in fashion have emerged, seeking to reduce this impact
and promote a more conscious and responsible approach. In this context, fashion
upcycling stands out as a promising alternative. Therefore, the objective of this work is
to analyze how fashion upcycling addresses the requirement of sustainability applied
to the fashion industry within the Brazilian legal framework. To achieve this, a
bibliographic and documentary research was conducted, including articles, books,
publications from public and private institutions, journalistic materials, and sector
surveys, as well as the analysis of Brazilian legal instruments, with emphasis on the
National Solid Waste Policy. From this exposition, it is evident that there is no specific
regulation for the industry in question, however, there are many points of connection
between sustainability initiatives in fashion and the management of solid waste found
in legal frameworks, with emphasis on reverse logistics. Finally, it is concluded that the
adoption and promotion of fashion upcycling can contribute to the construction of a
more conscious, responsible, and environmentally aligned fashion industry.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL ........................... 16
2.1 Do Estado de Direito ao Estado de Direito Ambiental .................................... 16
2.2 Proteção Internacional do Meio Ambiente após a Segunda Guerra Mundial . 18
2.3 Evolução do Direito Ambiental no Brasil ........................................................ 20
2.4 Sustentabilidade e proteção ambiental .......................................................... 23
3 INICIATIVAS DE SUSTENTABILIDADE NA MODA ............................................. 26
3.1 Surgimento da Sustentabilidade na Moda ..................................................... 26
3.2 Movimento de Slow Fashion .......................................................................... 28
3.3 Moda Circular ................................................................................................. 32
3.4 Fashion Upcycling .......................................................................................... 35
4 ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUSTENTABILIDADE ................. 39
4.1 Instrumentos jurídicos brasileiros para promoção da sustentabilidade .......... 41
4.1.1 PNMA e a proteção do meio ambiente .................................................. 42
4.1.2 Lei n.º 12.305/2010 e a gestão de resíduos sólidos .............................. 44
4.2 Responsabilidade Socioambiental ................................................................. 50
5 DESENVOLVIMENTO DO MOVIMENTO DO FASHION UPCYCLING NO
BRASIL ..................................................................................................................... 53
5.1 Impactos positivos do fashion upcycling frente a indústria têxtil e de
confecções ........................................................................................................... 56
5.2 Formas de incorporação do fashion upcycling na cadeia de produção da
moda .................................................................................................................... 60
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 66
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 69
13
1 INTRODUÇÃO
com base na exploração da matéria-prima, até ter o seu ciclo finalizado com o descarte
dos resíduos no meio ambiente.
Assim, são incontáveis os impactos negativos gerados ao longo da cadeia
produtiva, com ênfase na geração de resíduos sólidos, pois este é um problema
ocasionado tanto pelo meio industrial quanto pelo indivíduo em si. Nesse contexto,
exsurge a discussão acerca de meios alternativos de gerenciamento dos resíduos
sólidos provenientes dos insumos da moda, tendo em vista se trata de produtos
amplamente consumidos por praticamente toda a sociedade.
Nessa conjuntura, dentre as iniciativas de sustentabilidade na moda, o
movimento do fashion upcycling desponta como uma alternativa promissora, a qual
busca reduzir o impacto ambiental da moda através da reutilização criativa de
materiais descartados. A partir dessa premissa, o presente trabalho busca avaliar de
que forma o referido movimento se alia ao requisito de sustentabilidade aplicado à
indústria da moda dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Dessarte, o objetivo da pesquisa é analisar a inserção do fashion upcycling
nos ciclos produtivos da indústria têxtil e de confecção brasileira, tomando como ponto
de partida o princípio basilar da sustentabilidade. Outrossim, conforme definição de
Antônio Carlos Gil (2002), emprega-se nesta pesquisa, com base em seu objetivo, a
metodologia exploratória, utilizando-se do método hipotético-dedutivo, através da
análise bibliográfica de artigos científicos, monografias, dissertações, bem como da
ampla legislação nacional.
A fim de se alcançar o objetivo geral, estuda-se, inicialmente, a evolução do
conceito de estado de direito ambiental, bem como a progressão dos sistemas de
proteção ambiental tanto a nível global, quanto ao nível nacional, compreendendo-se
os motivos que levaram à proposição de um desenvolvimento sustentável.
Após a compreensão da importância da preservação e da necessidade de
alcançar um equilíbrio entre os meios econômico, social e ambiental, busca-se
analisar o surgimento da sustentabilidade na moda, destacando-se as suas iniciativas,
com ênfase no movimento de slow fashion, o qual se contrapõe ao modelo atual de
consumo irrefletido, e propõe uma abordagem mais consciente, ética e sustentável.
Nesse ínterim, partindo-se do conceito e objetivos do fashion upcycling, o qual
se enquadra nas iniciativas de sustentabilidade na moda, tem-se que este movimento
busca o repensar e reinventar dos produtos, utilizando-se das mais diversas técnicas
para transformá-los em novas criações. Essa prática visa prolongar a vida útil dos
15
um elemento central na construção do Estado, pois é o fator humano que traz o vínculo
jurídico com o meio estatal, bem como são as necessidades individuais a base para
as mudanças na organização estatal (CASTRO, 2007).
Em vista disso, considerando a sua comunicação com os demais sistemas
sociais, durante um longo período, o Estado Nacional foi considerado a melhor forma
de organização política, tendo como marcos a centralidade estatal e a racionalidade
jurídica, com pouca interferência nas liberdades individuais (ROCHA; CARVALHO,
2006). Contudo, as evoluções históricas suscitaram a premência de alterações quanto
ao posicionamento do Estado frente ao sistema político global (CANOTILHO, 2006).
Nesse ínterim, com o advento das revoluções burguesas do século XVIII, as
quais, em oposição ao absolutismo, eram produto da vontade geral da nação e
buscavam o respeito às liberdades fundamentais do indivíduo, surgiu a necessidade
de reinvenção do Estado. Logo, houve a introdução do Estado de Direito na
sociedade, sendo este caracterizado pela limitação do poder estatal e o respeito aos
direitos fundamentais do ser humano, de modo que se viabilizou uma integração mais
firme entre direito, política e indivíduo (SILVA, 2005).
O Estado de Direito, apesar de ter estabelecido uma comunicação mais
harmônica entre os sistemas sociais, possuía limitações, as quais eram reguladas por
normas jurídicas gerais. Destarte, considerando a pluralidade de transformações
político-sociais que perpassam o mundo contemporâneo, as quais redimensionam e
trazem novas perspectivas às demandas já existentes, percebe-se que esse modelo,
per se, encontra dificuldades em sua manutenção (MIRANDA, 2022).
Ademais, em face das tendências de urbanização e industrialização,
impulsionadas pela Revolução Industrial, a partir de 1779, o ser humano foi
apresentado a uma nova visão em relação à ideia de progresso, com a redução do
meio natural a um mero reservatório de matéria prima para os fins industriais
(SCHULTE, 2018).
Todavia, em virtude de tais modificações, especialmente no meio
socioeconômico, restou um conflito entre a expansão da produção e os riscos
socioambientais derivados desta, os quais foram agravados com reivindicações
acerca de melhorias na qualidade de vida da população e a promoção de meios mais
saudáveis de existência (MIRANDA, 2022).
Consequentemente, por efeito da complexidade e dicotomia trazidos com
esse conflito, surgiu a necessidade de uma nova abordagem no meio jurídico-social.
18
atividade econômica, a partir dos quais exsurge a defesa do meio ambiente, a qual
busca atribuir uma maior responsabilidade dos agentes econômicos, de forma que
estes devem sempre buscar a adoção de ações com vistas à preservação da
qualidade ambiental e a minimização de danos ao meio ambiente (BRASIL, 1988).
Neste seguimento, tratando-se de dispositivos pós-constitucionais, em 1998,
foi promulgada a Lei de Crimes Ambientais, Lei n.º 9.605/1998, a qual traz disposições
acerca das sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente.
O referido diploma legal trouxe como inovações marcantes a não utilização do
encarceramento como norma geral para as pessoas físicas, a valorização da
intervenção da Administração Pública, por meio de autorizações, licenças e
permissões e a responsabilização penal da pessoa jurídica frente aos danos
ambientais causados por ela (BRASIL, 1998).
Em agosto de 2010, foi elaborada a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), Lei n.º 12.305/2010, a qual foi elaborada tendo como fundamento o
art. 24, VI e VIII da CRFB/88, que trata da proteção do meio ambiente e controle da
poluição e da responsabilidade por dano ao meio ambiente e ao consumidor.
A PNRS trouxe a previsão da prevenção e redução na geração de resíduos
através da prática de hábitos de consumo sustentável e do uso de instrumentos que
propiciem o aumento da reciclagem, da reutilização de resíduos e da sua destinação
ambientalmente adequada, todos esses fatores possibilitados pela instituição de uma
responsabilidade compartilhada entre os maiores geradores de resíduos (MMA,
2023).
No que concerne aos objetivos da lei de resíduos sólidos, são elencados 15
objetivos norteadores, dentre os quais destaca-se o objetivo caracterizador do diploma
legal, qual seja, a não geração de resíduos. Há uma ordem de prioridade a ser
observada na gestão dos resíduos sólidos, partindo da não geração, para a redução,
a reutilização, a reciclagem, o tratamento e, em último caso, a disposição final, a qual
será discutida em tópico posterior. Dito isso, não é admissível que o indivíduo seja
livre para produzir o resíduo sólido da forma que desejar, sendo necessária uma
para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País.
23
peças por pudor e/ou proteção, a vestimenta se relaciona com o adorno, de modo a
proporcionar um senso de identidade e comunicação (BERLIM, 2014).
Isto posto, com essa concepção da moda como uma constante expressão
cultural que atinge a todos os indivíduos durante todos os momentos de suas vidas,
tem-se um fortalecimento da sua indústria, a qual traz a ideia de efemeridade baseada
em tendências. Esse fator acarreta num ciclo de vida programado, o qual impõe o
descarte rápido e precoce dos produtos, independentemente de seu estado de
conservação (ARAÚJO et al., 2014).
Durante as primeiras décadas do século XX, a indústria têxtil e de confecções
foi submetida a um grande crescimento, com a consequente criação dos meios para
o aumento da produção. Até mesmo no contexto da Segunda Guerra Mundial, o
consumo de bens e vestuário teve um crescimento de 10 a 15%, expansão essa que
foi continuada e mantida até os dias atuais. Assim, esse setor tornou-se dependente
da comercialização repetitiva de novos produtos e do descarte de produtos lançados
em coleções anteriores, como uma forma de sempre manter as tendências, e o
consumo, renovados (ARAÚJO et al., 2014).
Partindo de uma perspectiva mundial atualizada, a indústria da moda tem sido
considerada a terceira atividade econômica que mais gera renda e movimenta o
mercado financeiro. Todavia, juntamente com essa posição, vem a necessidade de
alinhamento da moda com a responsabilidade ambiental, tendo em vista que o
costume vigente do consumo exagerado, bem como a lógica do fast fashion, são
fatores que reduzem a validade dos produtos, e torna supérflua a relação entre eles e
o indivíduo (LUCIETTI et al., 2018).
Para Berlim (2012), a ligação entre moda e a sustentabilidade pode ser
considerada contraditória no que tange ao aspecto econômico dessa relação, posto
que a posição econômica da moda no cenário global depende, sobretudo, do consumo
em massa dos produtos do setor, o qual obtém suporte pela lépida obsolescência dos
produtos. Tais fatores geram imensuráveis impactos tanto na seara ambiental quanto
na social, porquanto o fluxo de mercadorias em baixos preços encontra sua
manutenção em uma produção de baixo custo, com baixos salários e condições de
trabalho precárias.
Em congruência com Fletcher et al. (2011), são três os setores com impacto
mais expressivo sobre o planeta e a sustentabilidade: a energia, a alimentação e a
moda. Entretanto, os dois primeiros setores possuem mais visibilidade, na medida em
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que recebem maior enfoque nos estudos científicos. Contrariamente a isso, apesar de
possuir menos estudos, a moda possui uma maior suscetibilidade, no sentido de que
pequenas mudanças em sua cadeia produtiva levam a grandes alterações e
resultados.
Noutro giro, sob uma ótica quantitativa, no Brasil a indústria têxtil e de
confecção figura como a segunda maior empregadora da indústria de transformação,
e corresponde ao quarto maior parque produtivo de confecção e quinto maior produtor
têxtil do mundo, o que torna a indústria da moda brasileira a maior cadeia têxtil
completa do Ocidente (ABIT, 2023).
Diante desses elementos, é crescente a importância da inserção dos modelos
econômicos sustentáveis nas etapas de produção, principalmente, frente à produção
exorbitante encontrada, foram 8,1 bilhões de peças confeccionadas em 2021 (ABIT,
2023). Com uma confecção expressiva, é acarretado também um descarte
significativo, fator que endossa a necessidade de práticas sustentáveis em toda a
cadeia da moda (BAZHUNI, 2017).
De mais a mais, a moda sustentável, a despeito de não possuir uma
conceituação formal e bem estabelecida, pode ser abordada como a vertente da moda
que traz um pensamento sistêmico inserido em todas as fases do ciclo do vestuário,
que reduz os impactos negativos aos recursos naturais e idealiza a geração de
impactos sociais, econômicos e ambientais positivos (SALGUEIRO; LIMA, 2021).
Em suma, constata-se que as roupas e os modos de vestir mudam com muita
frequência, principalmente devido à pouca durabilidade do material com que são
produzidas. Dessa forma, a moda possui como base alguns grupos de produtores, os
quais buscam a antecipação e renovação do vestuário, sempre com o foco na
produção em massa (LUCIETTI et al., 2018).
Em contrapartida, exsurge um novo ponto de vista partindo dos consumidores
e produtores com uma maior consciência ambiental. Estes não consideram apenas a
quantidade e o preço reduzido, mas também buscam a presença dos preceitos da
sustentabilidade dentro de cada peça adquirida, correspondendo ao movimento de
slow fashion (LUCIETTI et al., 2018).
29
Alinhado com o slow fashion, com a moda circular e com a preservação dos
recursos naturais e viabilizando o desenvolvimento sustentável, o fashion upcycling
vem conquistando cada vez mais espaço no mercado da moda. Diante disso, é
crescente a preocupação das empresas com formas de minimizar os problemas
ambientais causados pelo acúmulo de roupas descartadas e a poluição causada pela
cadeia têxtil, de modo que estas se voltam cada vez mais às iniciativas sustentáveis
como um meio reparador.
Nesse contexto, o upcycling exsurge como um processo de recuperação, o
qual se utiliza de produtos que seriam descartados, transformando-os em novos
produtos, com qualidade superior e valor ambiental agregado, sem ter submetido a
matéria-prima a qualquer tipo de processo químico (LUCIETTI et al., 2018).
Nessa perspectiva mais voltada ao meio industrial, com o consumo
desenfreado, há o descarte diário de inúmeros produtos, de modo que, quando ocorre
um descarte, isso significa que o ciclo da vida útil do produto foi finalizado, este, então,
não desempenha a função para a qual foi constituído.
Dos materiais descartados, alguns como papel, vidro, plástico e metal já são
separados para serem reciclados, porém, materiais como tecidos, aviamentos,
borrachas, madeiras e afins não possuem um destino certo, e, quando destinados
indevidamente, levam centenas de anos para se decompor (MORELLI; ENDER,
2018).
Outrossim, para melhor compreensão da expressão em análise, é
imprescindível uma digressão às suas origens. O termo upcycling foi usado pela
primeira vez em 1994, onde em uma entrevista de Reiner Pilz, executivo da empresa
Pilz GmbH, o empresário fez um trocadilho com a palavra downcycling, que associou
ao modelo de utilização de matéria-prima pela construção civil e afirmou que havia a
necessidade do upcycling, no qual os produtos antigos seriam mais valorados
(SALGUEIRO; LIMA, 2021).
36
3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
41
pelo Poder Público, pelo setor produtivo, bem como pela sociedade, pois possuem
responsabilidade compartilhada em tal processo de gestão (CUNHA et. al.; 2014).
Destarte, em se tratando da gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, o
art. 9º preceitua que a ordem de prioridade a ser observada é a não geração, redução,
reutilização, reciclagem, tratamento de resíduos sólidos e a disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos (BRASIL, 2010).
Em face disso, Paulo Affonso Leme Machado (2016) disserta que a
priorização pela não geração vai além de uma mera escolha técnica, caracterizando-
se como uma obrigação legal, bem como coaduna que a PNRS traz uma metodologia
inclusiva dos 05 “erres” para gestão dos referidos resíduos, quais sejam: repensar,
reduzir, reutilizar, reciclar e responsabilizar.
Contudo, apesar da PNRS buscar tratar com prioridade a não geração de
resíduos dentre os seus princípios e objetivos, o referido dispositivo legal não
apresenta nenhum instrumento específico para tal. Assim, por mais que haja toda uma
preocupação quanto a adoção de padrões sustentáveis e de consumo, ao não
estabelecer indicadores e procedimentos específicos que atuem no início da cadeia
produtiva, há uma perda na capacidade de exigir padrões de produção
ecologicamente equilibrados (LACERDA, 2022).
Outrossim, de acordo com a matéria já abordada, todo o sistema jurídico
brasileiro se encontra baseado em princípios norteadores, por esse motivo
consideram-se aplicáveis à PNRS todos os princípios constitucionais em matéria
ambiental.
Entretanto, o dispositivo em comento não se limita a tais princípios, tendo
originado uma série de novos princípios específicos, dentre os quais destacam-se: a
visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos; a ecoeficiência e o reconhecimento
do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social,
gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania (FIORILLO, 2012).
Com o princípio da visão sistêmica, depreende-se que devem ser
consideradas as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de
saúde pública na gestão de resíduos sólidos. Resta claro que a referida gestão não
pode ser realizada de modo isolado em relação aos aspectos citados. Assim, o
entendimento sistêmico é um meio de praticar as metodologias da
interdisciplinaridade e da transversalidade, tornando-se um guia na formulação e na
implementação de todos os planos previstos pela lei (MACHADO, 2016).
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Noutro giro, um instrumento inovador trazido pela PNRS, que possui relação
intrínseca com a implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos é a logística reversa. Conforme definição do art. 3º, XII da Lei n.º
12.305/2010, trata-se de um instrumento de desenvolvimento econômico e social, o
qual se caracteriza por um conjunto de ações, procedimento e meios destinados a
viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para
reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação
final ambientalmente adequada (BRASIL, 2010).
Com base nessa definição, é notável que este é um instrumento criado no
intuito de facilitar a coleta e a restituição de resíduos a quem os gerou inicialmente,
de modo que estes possam ser tratados ou reaproveitados como insumos nos
processos produtivos. Destarte, apesar do dispositivo especificar quais são as áreas
de obrigatoriedade de sua aplicação, também é feita uma flexibilização no sentido de
estender a sua aplicabilidade para produtos que, apesar de não citados, apresentam
grande impacto à saúde pública e ao meio ambiente, considerando, nesses casos, a
sua viabilidade técnica e econômica (MILARÉ, 2015).
Diante deste cenário, o ciclo de vida de um bem não se encerra quando este
é entregue aos consumidores. De fato, a logística reversa se inicia com o consumidor
individual, do qual os produtos são coletados, após, o processo encontra diversas
opções de gerenciamento, a depender das condições do produto, quais sejam, a
reciclagem, de forma a gerar mais matéria-prima, a remanufatura, para possibilitar a
revenda em segundo mercado e o reparo, com vistas à venda no mercado secundário
(SANTOS, 2022).
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esse motivo, todo aquele que vive junto à coletividade, em algum momento deverá
arcar com os deveres de promover a solidariedade e a sustentabilidade, fator esse
que pode ser aplicado à responsabilidade pelos bens que descarta (BEGA; ARAÚJO,
2011).
Noutro norte, o conceito de responsabilidade socioambiental também invoca
a responsabilidade compartilhada prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A PNRS trouxe tal previsão em seu art. 3º, XVII, no qual a conceituou como um
conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos
de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar a sua geração,
bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade
ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos (BRASIL, 2010).
Assim, é estabelecida uma cadeia de responsabilidade, a qual envolve a todos
os que entram no ciclo de vida do produto, de forma individualizada. Ademais, o
diploma legal também estabelece sete objetivos, os quais demonstram a viabilidade e
a essencialidade da responsabilidade compartilhada, dentre os quais destacam-se: a
promoção do aproveitamento e a redução da geração de resíduos sólidos, o estímulo
ao desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de
materiais reciclados e recicláveis e o incentivo às boas práticas de responsabilidade
socioambiental (MACHADO, 2016).
Em vista disso, quando se nota o panorama da indústria têxtil e de confecções,
bem como, analisa-se o contexto do consumo e descarte desenfreado dos itens de
moda, é latente a necessidade de instituir-se de forma mais incisiva tanto a
responsabilidade socioambiental quanto a compartilhada. Em ambas as situações,
comprovadamente há apenas o foco na produção e no consumo, olvidando-se
completamente dos impactos e danos ambientais ocasionados por essa busca
agressiva do patamar econômico.
Conforme relatório produzido pela ABIT (2023), em 2021 foram
confeccionadas 8,1 bilhões de peças de vestuário no Brasil. Em contrapartida a isso,
de acordo com um estudo realizado pela Ellen Macarthur Foundation (2017), a
estimativa é de que menos de 1% de todas as roupas produzidas sejam recicladas
novamente. Os dados relatados demonstram um panorama preocupante, pois há uma
discrepância entre o que é produzido, o que é descartado e o que é gerenciado, fator
52
produtos ecológicos, éticos, cuja premissa central é a do menos é mais (DE PAULA
et al., 2021).
Ante as considerações feitas, a sustentabilidade no cenário econômico possui
relevância tanto para os consumidores quanto para a indústria. Trata-se de um
negócio a ser adotado, pois uma vez que as empresas percebem que há um impacto
negativo em não agir sobre os problemas ambientais, especialmente do ponto de vista
que os consumidores estão cada vez mais atentos à procedência do que consomem,
bem como que o lucro final pode ser afetado pelas questões de responsabilidade
ambiental, estas buscam se adequar a tais exigências, com a gestão de políticas
socioambientais internas e externas (BERLIM, 2012).
Logo, com o intuito de combater os fortes impactos socioambientais
ocasionados pela indústria têxtil e de confecções, há a inevitabilidade de se alinhar
propostas educativas e de design, conscientizando ainda mais os consumidores,
através da informação e da durabilidade dos projetos desenvolvidos.
Assim, as peças devem trazer consigo a valorização dos trabalhos manuais e
a qualidade da matéria-prima, fator que pode vir a gerar a despadronização dos
produtos e uma participação mais ativa dos consumidores na observância dos bens
que adquire (TEIXEIRA, 2019).
Nesta senda, abordando-se formas práticas de efetivação do fashion
upcycling no contexto da indústria têxtil e de confecção nacional, pode-se elencar, na
seara dos resíduos têxteis provenientes dos cortes dos tecidos, a sua reutilização na
elaboração de novas propostas a partir de técnicas manuais e artesanais, com a
manipulação de retalhos, aplicação de bordados com características de design e a
exploração das aparas (SCHOTT, 2018).
Tais práticas geram produtos amplamente desejáveis pela eticidade ambiental
que comportam, pela atemporalidade das peças, pelo seu valor simbólico e também
por sua durabilidade, tendo em vista que o ciclo de vida desses produtos é prolongado
e valoriza as práticas sustentáveis desenvolvidas dentro da cadeia produtiva
(SCHOTT, 2018).
Há também, uma dimensão sócio-ética nas referidas práticas aplicadas ao
contexto da moda. Tal dimensão comporta diversas necessidades básicas de
sobrevivência moral e humana, as quais ensejam soluções sustentáveis. Destarte,
proporciona-se ao indivíduo a sensação de bem-estar e satisfação com o sistema no
qual está inserido, de modo a oportunizar-lhe uma apreciação baseada na completude
59
ciente da amplitude do processo pelo qual os seus bens passaram antes de serem
dispostos para que ele os adquirisse.
Em seguida, tem-se a produção, etapa central de todo o processo, na qual os
materiais serão transformados no produto final, com a sua montagem e acabamento.
A referida fase do processo produtivo, traz impactos variados nos mais diferentes
âmbitos, tem-se a poluição dos recursos hídricos devido a corantes reativos utilizados
na fabricação dos tecidos, sem mencionar que todos os impactos negativos presentes
na pré-produção também se fazem presentes na etapa em análise (MAIA, 2021).
Além disso, do ponto de vista dos impactos sociais, tem-se um panorama
preocupante no tocante às condições de trabalho a que os trabalhadores estão
submetidos, pois os serviços de manufaturas de roupas são frequentemente
associados a casos de exploração e escravidão. Ademais, os mesmos poluentes que
prejudicam o meio ambiente também são prejudiciais à sua saúde (RUSSI et al.,
2016).
Após a pré-produção e a produção, tem-se a etapa de distribuição, a qual,
segundo Zélia Luís Bastos de Oliveira Pinto Maia (2021), compreende a embalagem
do produto, juntamente com o seu transporte ao local apropriado, onde será
disponibilizado para o consumo. Ato contínuo, tem-se o uso, que corresponde ao
tempo em que o produto é utilizado, para enfim chegar à etapa final, qual seja, o
descarte.
A fase final do ciclo de vida do produto, conforme ampla discussão feita nos
tópicos anteriores, ocorre quando o consumidor acredita que este não possui mais
utilidade para os fins que foi adquirido. Sendo assim, este o coloca novamente em
circulação. Normalmente, essa nova disposição toma os rumos inadequados de
descarte, mas também pode ocorrer com a recuperação dos componentes do produto.
Em conjunto a essa fase de descarte, a qual, no Brasil, é regulada pela PNRS,
tem-se a problemática da decomposição dos resíduos sólidos descartados, pois se a
decomposição das fibras naturais dura em torno de 10 anos, as fibras artificiais, como
o poliéster, levam um século para decompor. Consoante a esse dado, evidencia-se
ainda mais a necessidade da aplicação da Lei n.º 12.305/2010 ao contexto da
tecelagem, associada a propostas alternativas de gerenciamento de tais resíduos
(RUSSI et al., 2016).
Com isto, surge a necessidade de preocupações a nível ambiental, incluindo-
as em cada aspecto das etapas de produção. De modo geral, o ciclo produtivo pode
62
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Mariana; et. al. Sustentabilidade na moda e o consumo consciente. In: XIX
Seminário Acadêmico da APEC, 2014, Barcelona. Anais: Associação de
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https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/34492/1/APEC2014_MAraujo%2
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AUS, Reet. Trash to Trend - Using Upcycling in Fashion Design. 2011, Tallinn:
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BRASIL. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional
do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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BRASIL. Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e
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