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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

CLARICE GOMES DE MEDEIROS MAIA

ENTRE A SOPA E O CUSCUZ SOLIDÁRIO, A MAIOR FOME É POR DIREITOS: A


PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS
INDIVIDUAIS E COLETIVOS

NATAL/RN
2022
CLARICE GOMES DE MEDEIROS MAIA

ENTRE A SOPA E O CUSCUZ SOLIDÁRIO, A MAIOR FOME É POR DIREITOS: A


PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS
INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Graduação em Direito, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharela em
Direito.

Orientadora: Profª. Mª. Fabiana Dantas Soares


Alves da Mota

Coorientadora: Profª. Drª. Maria Teresa Lisboa


Nobre Pereira

NATAL/RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Maia, Clarice Gomes de Medeiros.


Entre a sopa e o cuscuz solidário, a maior fome é por
direitos: a pessoa em situação de rua enquanto sujeito de
direitos individuais e coletivos / Clarice Gomes de Medeiros
Maia. - 2022.
69f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do


Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Departamento de Direito. Natal, RN, 2022.
Orientadora: Prof.ª Me. Fabiana Dantas Soares Alves da Mota.

1. Pessoa em situação de rua - Monografia. 2. Sujeitos de


direito - Monografia. 3. Direitos individuais e coletivos -
Monografia. I. Mota, Fabiana Dantas Soares Alves da. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 342.7-058.51

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


CLARICE GOMES DE MEDEIROS MAIA

ENTRE A SOPA E O CUSCUZ SOLIDÁRIO, A MAIOR FOME É POR DIREITOS: A


PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS
INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Graduação em Direito, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharela em
Direito.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________
Profª. Mª. Fabiana Dantas Soares Alves da Mota (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______________________________________________________
Profª. Drª. Maria Teresa Lisboa Nobre Pereira (Coorientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______________________________________________________
Prof. Me. Gustavo Henrique Freire Barbosa (Examinador)
Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU)

NATAL/RN
2022
A Beto Franzisko (in memoriam)1, amigo,
artesão e entusiasta da Economia
Solidária, que transformou as ruas em um
ato contínuo de afeto, luta e resistência.

1
Documentário que registrou um pouco da trajetória do grande Beto Franzisko:
https://drive.google.com/file/d/1hN5sWdIVqx0DlmJAz2nQhWyiiIlcBRd6/view.
AGRADECIMENTOS

O presente estudo é fruto de uma caminhada. Os trajetos percorridos foram


individuais, mas também foram coletivos. A passagem no curso de Serviço Social foi
fundamental para o entendimento crítico do modo de produção capitalista e do pertencimento
à classe trabalhadora. A partir disso, a estrada do curso de Direito foi feita com os pés no
chão. Deixo aqui, o meu sincero agradecimento àqueles que se fizeram presentes nos meus
itinerários e andanças:
Ao meu pai, Plácido de Medeiros Maia, pelo sonho conjunto. Menino nascido e criado
em um sítio de São Fernando/RN e nas ruas de Caicó/RN, trabalhador infantil nas indústrias
de Guarulhos/SP, encontrou na educação a revolução da vida. Priorizou que eu tivesse um
ensino fundamental e médio de qualidade, me assegurou condições objetivas para uma
graduação completa e me incentivou a uma formação profissional justa e coerente, além de ter
compreendido e contribuído tantas vezes com as tarefas da militância.
A minha mãe, Maria Damiana Gomes Maia, pelo encontro de outras vidas. Como
muitas Marias, se tornou mulher na vivência da periferia de Caicó/RN e do trabalho infantil
doméstico. Se descobriu professora, lutadora da rede pública municipal, e, pelas suas
referências literárias, escolheu me dar o nome de uma autora intensa, Clarice Lispector. A seu
modo, me possibilitou crescimento enquanto mulher e profissional, bem como se orgulha das
minhas conquistas.
A minha irmã, Cecília Gomes de Medeiros Maia, por ser acolhimento. Exatos sete
anos após o meu nascimento, veio para ser luz. Partilha comigo as voltas ao redor do sol e a
vida como um todo, e, também, o nome inspirado em grandes mulheres da literatura
brasileira. Seguiremos juntas para absolutamente tudo nessa e nas próximas vidas.
Aos meus familiares mais próximos e queridos: Francisco Miguel, meu avô materno,
homem humilde e de uma pureza sem igual; Antônia Maia, minha avó paterna, mulher
guerreira e cheia de sonhos e juventude; Rita Maia, minha tia, mulher forte e confidente;
Reilda Maia, minha madrinha, mulher batalhadora e grande incentivadora; Adriana
Sebastiana, minha tia, mulher inteligente e resolutiva; Maria do Socorro, minha tia, mulher
que sempre tem um outro olhar para as dificuldades da vida.
À Rosângela Alves, que por meio da Incubadora de Empreendimentos Econômicos
Solidários (INICIES) me apresentou à militância e me ensinou sobre a potência dos
encontros. Às mulheres maricultoras da Associação de Maricultura e Beneficiamento de
Algas Marinhas de Pitangui/RN (AMBAP), que me ensinaram sobre empoderamento
feminino em comunidades tradicionais pesqueiras e me mostraram o quão revolucionária é a
Economia Solidária.
Às(os) profissionais e estagiárias(os) do Centro de Referência em Direitos Humanos
Marcos Dionísio (CRDHMD), que me proporcionaram trocas e vivências em direitos
humanos. Às(os) companheiras(os) do Núcleo Escritório Popular do Programa Motyrum de
Educação Popular em Direitos Humanos (MOTYRUM), que me acompanharam na defesa
dos direitos das(os) trabalhadoras(os) e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) e do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
Às(os) servidoras(es), conciliadoras(es) e terceirizadas(os) do Centro Judiciário de
Solução de Conflitos e Cidadania de Natal/RN (CEJUSC Natal), que me instruíram sobre a
prática da autocomposição de conflitos e sobre ser possível atuar dentro de estruturas
palacianas e hierarquizadas de maneira sensível e humanizada. Às(os) servidoras(es),
estagiárias(es) e terceirizadas(os) da Defensoria Pública da União (DPU), que me receberam
com gentileza e união em meio à pandemia da Covid-19.
A Dr. André Luiz de Albuquerque Barbosa, Defensor Público Federal, que escolheu
fazer uma parceria comigo no Gabinete do 2º Ofício Geral da DPU - Natal/RN. No Gabinete,
me possibilita aprendizado diário e liberdade para atuação, além de me forjar enquanto
profissional e me incentivar no sonho de ser Defensora Pública. Que caminhemos em
sintonia!
Aos profissionais da Coordenadoria de Programas para Cidadania (CPCID), da
Secretaria do Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SESED), nas pessoas de Gesaias,
Gleydson, Pamella, Franco e Eurípedes, por me proporcionarem um outro olhar sobre a
segurança pública, me incentivaram a perseguir meus objetivos e compartilharem memórias
em Seu Pernambuco, nutrindo sentimentos, para além da estrutura do Centro Administrativo.
Às(os) militantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Rio
Grande do Norte (MNPR/RN), que me aproximaram da dureza e da beleza da vida nas ruas.
À Vanilson Torres, liderança do Movimento em nível nacional, por ser amigo e por me
oportunizar histórias e análises críticas em vários momentos e espaços. Às pessoas em
situação de rua não orgânicas ao MNPR/RN, que têm a identidade cidadã estampada em seus
corpos, mas sofrem violações cotidianas.
Às(os) militantes, pesquisadoras(es) e trabalhadoras(es) que me antecederam nesta
luta. À Teresa Nobre, Hellen Almeida, Fernanda Cavalcanti e tantas(os) outras(os)
companheiras(os) que me acolheram e subsidiaram teórica e oralmente esta pesquisa, bem
como acreditam e lutam por uma sociabilidade livre, justa e solidária.
As(os) minhas(meus) amigas(os) de caminhada. À Thairone Paiva, Clarisse Moreira,
Milena Claudino e Flávia Urbano, por serem resistência comigo no mundo do Direito. À
Karen Castro e à Quitéria Gabriela por terem trilhado caminhos comigo e, ainda, feito os
meus dias melhores no início da pandemia da Covid-19. À Fernanda Tássia, por partilhar
comigo a compreensão da vida a partir da espiritualidade. À Rhavenna Rayane, por ser escuta
ativa, apoiadora e parceira de aventuras. A tantos outros que estiveram comigo nos dias de
luta e nas noites de boemia.
À Fabiana Mota, por me acolher no Núcleo de Estudos sobre Trabalho Infantil
(NETIN), na monitoria da disciplina de Comissões de Conciliação e na orientação deste
estudo. Sem dúvidas, uma das figuras mais revolucionárias da minha graduação em Direito,
sempre me dando liberdade e anuência para construir criticamente o ensino, a extensão e a
pesquisa.
Ainda, diante do cenário de pandemia que atravessou a minha graduação, dedico esse
trabalho às vidas que se foram, às famílias que foram segmentadas, às(os) profissionais da
saúde, da assistência social e do judiciário que atuaram na linha de frente, empenhados em
salvar vidas da morte, da vulnerabilidade e da fome, ocasionada pelo projeto político da morte
orquestrado no país.
Só as lutas mudam a vida!
Nascido na rua,
Lava e olha os carros desde menino.
Os trocados não alimentam,
Tampouco garantem moradia.

Ouve com frequência:


“Se está nas ruas é porque quer”.
“Vagabundo que rouba e mata”.
“Bêbado e drogado”.

O menino homem da rua, preto e pobre,


Coleciona “nãos”.
“Não” para sua cidadania.
“Não” para sua dignidade.

A violência é explícita,
O crime aponta à esquina,
A bebida ameniza a dura realidade
E a droga alucina.

O Estado é omisso,
A sociedade reprova,
E entre a sopa e o cuscuz solidário,
A maior fome é por direitos.

Clarice Maia
RESUMO

O fenômeno da população em situação de rua se multiplica e se complexifica ao longo da


história da humanidade. Apesar de serem cidadãos presentes em todos os lados da cidade, o
processo de invisibilidade demarcou por muito tempo a inércia e o afastamento do poder
público, inclusive, do Poder Judiciário. O presente trabalho parte do questionamento: as
pessoas em situação de rua se reconhecem enquanto sujeitos de direitos individuais e
coletivos a fim de acionar a tutela jurisdicional? A partir disso, acredita-se que há o mínimo
autorreconhecimento, mas existem fatores que impossibilitam a concretização da formulação
do pleito à tutela jurisdicional. Nesta pesquisa, tem-se como objetivos destacar os direitos
individuais e coletivos elencados no art. 5º, caput, da CRFB/88, enquanto pertinentes às
vivências das pessoas em situação de rua; identificar os fatores que promovem a maior
consciência de direitos individuais e coletivos nas vivências das pessoas em situação de rua; e
verificar quais são as dificuldades enfrentadas pelas pessoas em situação de rua para
concretizar o acesso à Justiça. Para tanto, o estudo parte da perspectiva materialista histórica
dialética, resultando, para a pesquisadora, na extração das múltiplas determinações do objeto.
Ainda, a investigação é norteada pela implicação empírica, pelo acompanhamento da autora
às demandas das pessoas em situação de rua em Natal/RN, via Movimento Nacional da
População de Rua do Rio Grande do Norte, com o uso de fontes bibliográficas e documentais,
bem como ancorada em uma abordagem qualitativa. Desse modo, conclui-se que as pessoas
em situação de rua se autorreconhecem enquanto sujeitos de direitos individuais e coletivos,
mas existem fatores imediatos e estruturais que impossibilitam a concretização da formulação
do pleito à tutela jurisdicional, sendo necessário que o Poder Judiciário e os órgãos que o
circundam avancem quanto à efetivação do direito ao acesso à Justiça.

Palavras-chave: pessoa em situação de rua; sujeitos de direito; direitos individuais e


coletivos.
ABSTRACT

The phenomenon of the homeless population is multiplying and becoming more complex
throughout the history of humanity. Despite being active citizens on all sides of the city, the
invisibility process has demarcated for a long time the inertia and the distancing of the public
power, including the Judiciary. The current study stems from the question: do homeless
people recognize themselves as subjects of individual and collective rights in order to sue for
jurisdictional protection? From this, it is believed that there is a minimum of self-recognition,
but there are factors that impede the accomplishment of the formulation of the plea to
jurisdictional protection. In this research, the objectives are to highlight the individual and
collective rights listed in Article 5, caput, of the Constitution of the Federative Republic of
Brazil/1988, as pertinent to the experiences of homeless people; identify the factors that
promote greater awareness of individual and collective rights in the experiences of homeless
people; and verify which difficulties are faced by homeless people to achieve the access to
Justice. For this, the study starts from the dialectic historical materialist perspective, resulting,
for the researcher, in the extraction of the multiple determinations of the object. Furthermore,
the investigation is guided by the empirical implication, by the author's accompaniment to the
demands of the homeless people in Natal/RN, through the National Movement of the
Homeless People of Rio Grande do Norte, using bibliographic and documental sources, as
well as anchored in a qualitative approach. Thereby, it is concluded that the homeless people
recognize themselves as subjects of individual and collective rights, but there are immediate
and structural factors that preclude the fulfillment of the formulation of the plea to
jurisdictional protection, being necessary that the Judiciary and the institutional bodies that
surround it advance as to the effectiveness of the right to access to Justice.

Keywords: homeless people; subjects of right; individual and collective rights.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Dia de Luta da População em Situação de Rua em Natal/RN, 2021 14


Figura 2: Faixa do Dia de Luta da População em Situação de Rua em Natal/RN, 2021 20
Figura 3: Evolução da fome no Brasil: Porcentagem da população afetada pela insegurança
alimentar grave entre 2004 e 2020 32
Figura 4: Retrato de Marcos Antônio Torres da Silva 38
Figura 5: Orçamento do Ministério da Saúde para 2022 43
Figura 6: Pessoa em situação de rua na marquise do Banco Itaú no Centro do Rio de
Janeiro/RJ 46
Figura 7: Print do PJe 2.x 54
Figura 8: Infográfico do fluxo de atendimento da pessoa em situação de rua no Poder
Judiciário 55
Figura 9: Pessoa em situação de rua na marquise de uma loja de móveis da Avenida Prudente
de Morais em Natal/RN 57
LISTA DE SIGLAS

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental


(ANTRA) Associação Nacional de Travestis e Transexuais
Centros POP Centros de Referência para a População em Situação de Rua
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CIAMP RUA Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da
População em Situação de Rua
CPF Cadastro de Pessoa Física
CnaR Consultório na Rua
CNDH Conselho Nacional de Direitos Humanos
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CPP Código de Processo Penal
CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social
DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
ILPI Instituições de Longa Permanência para Idosos
IRPF Imposto sobre a Renda da Pessoa Física
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor
Losan Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MNPR Movimento Nacional da População de Rua
MNPR/RN Movimento Nacional da População de Rua do Rio Grande do Norte
PJe 2.x Processo Judicial Eletrônico 2.x
RG Registro Geral
SAN Segurança Alimentar e Nutricional
Sisan Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
STF Supremo Tribunal Federal
SUS Sistema Único de Saúde
VETV Veículo Especial de Transporte de Valores
UBS Unidade Básica de Saúde
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14
2 A LUTA POR DIREITOS: DA RUA AO PARLAMENTO 20
2.1 (Sobre)viver nas ruas: O direito à vida 23
2.2 Vozes e resistências: O direito à liberdade 26
2.3 Entre o real e o ideal: O direito à igualdade 29
2.4 Descartáveis urbanos? O direito à segurança 31
2.5 (In)visíveis por todos os lados da cidade: O direito à propriedade 35
3 A IDENTIDADE HUMANA E CIDADÃ ESTAMPADA NOS CORPOS DAS
PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA 38
3.1 Os pormenores da cidadania e a população em situação de rua: Voto, documentação,
trabalho, impostos, saúde e educação 40
3.2 Só as lutas mudam a vida: Movimento Nacional da População de Rua 44
4 MARQUISES, PRAÇAS E VIADUTOS: OS DESAFIOS DO ACESSO À JUSTIÇA
PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA 46
4.1 População incivil, embora cidadã 49
4.2 Entre a rua e o asfalto: O acesso à Justiça 50
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 57
REFERÊNCIAS 62
14

1 INTRODUÇÃO

Figura 1 - Dia de Luta da População em Situação de Rua em Natal/RN, 2021

Fonte: Mandato da Vereadora Divaneide Basílio2.

“Eu me posiciono sempre a favor da vida, a favor dos fracos, a favor dos pequenos, a favor
das minorias, daqueles que lutam, a favor dos sem-terra, dos sem casa, a favor da população
de rua, da comunidade LGBT, a favor dos nordestinos, dos negros, dos refugiados, dos
abandonados, das mulheres trans, dos homens trans, de todos aqueles que são considerados
lixo, escória, todos aqueles que são evitados, todos aqueles que são exterminados”
(Padre Júlio Lancelolotti, 2020)

2
Foto tirada no Dia de Luta da População em Situação de Rua de 2021, em frente a Prefeitura do Natal/RN. O
olhar capturou um diálogo entre a autora e Vanilson Torres, além da espontaneidade de João Maria (in
memoriam).
15

Não é justo para alguns que um mendigo roube o pão. Mas não é justo para muitos
outros que o mendigo não tenha um pão (MASCARO, 2013). A reflexão posta é ponto de
partida para desenvolver um raciocínio crítico acerca dos direitos das pessoas em situação de
rua no ordenamento jurídico brasileiro.
A princípio, Pachukanis (1988) delimita que toda relação jurídica se dá entre sujeitos
e, por sua vez, o sujeito é fundamento de estudo da forma jurídica. No entanto, para Mascaro
(2013), embora existam afirmativas de que o sujeito de direito é o indivíduo, o ser humano,
desde o surgimento do capitalismo, existem sujeitos de direitos que não são seres humanos, a
saber, as pessoas jurídicas; de igual modo, ao longo da história, houve seres humanos que não
ocuparam o lugar de sujeitos de direito, como as pessoas escravizadas3.
Na perspectiva marxiana, Pachukanis entendia que o Direito era exclusivamente uma
forma de sociedade do Capital, portanto, não existindo Direito proletário. Nas suas palavras,
“Apenas com o completo desenvolvimento das relações burguesas o direito adquiriu um
caráter abstrato. Todo homem torna-se um homem em geral, todo trabalho torna-se um
trabalho social útil em geral, todo indivíduo torna-se um sujeito de direito abstrato.”
(PACHUKANIS, 2017, p. 138).
No Brasil, a construção social, política e econômica, não é pacífica quanto a todo ser
humano ser sujeito de direitos. Por um viés crítico, Mascaro (2013) afirma ser falsa a
concepção de que o sujeito de direito nasce do imperativo da dignidade da pessoa humana,
sendo mais determinante a condição do trabalhador de nada possuir e se vender
autonomamente à exploração capitalista.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) prevê o
advento dos direitos fundamentais, os quais, para Bonavides (2004), são aqueles direitos que
receberam da Constituição o mais elevado grau de garantia ou de segurança.
O art. 5º, caput, da CRFB/88 traz os direitos fundamentais que serão objeto desse
estudo, a saber: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade (BRASIL, 1988, on-line).
Para além, a leitura caput do artigo demarca que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos supracitados.
Ao passo que o texto constitucional traz um rol de direitos fundamentais, e, ao que
interessa a esse trabalho, a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade como

3
No Brasil, até o ano de 1888 havia escravos, e a escravidão estava amparada nas leis e no Estado.
Absurdamente, o escravo não era considerado pelo mundo jurídico um sujeito de direito, mesmo sendo um
ser humano. A compreensão do conceito de sujeito revela posições sociais concretas e, por detrás da
afirmação do tema, há uma grande carga ideológica. (MASCARO, 2013, p. 100)
16

sendo direitos individuais e coletivos, são as pessoas em situação de rua sujeitos de direitos
individuais e coletivos?
Para esta pesquisa, será adotada a concepção firmada em tratados internacionais e
recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro de que a vida humana pressupõe direitos e
garantias individuais e coletivos, mas sem se furtar de analisar o direito como instrumento
que, muitas vezes, atua na manutenção das desigualdades sociais. Vale ressaltar que segundo
Valença et al. (2021) de 1988 até os dias atuais o grande desafio tem sido conferir
normatividade e eficácia principalmente às disposições que se referem à estruturação da rede
de proteção social inspirada nas experiências da social-democracia europeia.
No que diz respeito à população em situação de rua, Silva (2009) conclui que se trata
de uma população constituída enquanto fenômeno social de múltiplas determinações, sendo
uma expressão radical da questão social4 na contemporaneidade, bem como localizado nos
centros urbanos, marcado pelo preconceito, por particularidades vinculadas ao território em
que se manifesta e com tendência à naturalização.
A partir desses marcadores, é possível chegar no Decreto Presidencial nº 7.053, de
23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de
Rua, o qual traz a definição da população em situação de rua5. À vista disso, Maggio (2019)
reconhece que apesar de diversos direitos fundamentais possuírem existência e validade na
ordem constitucional e infraconstitucional, na realidade brasileira, têm suas eficácias, no
mínimo, perceptivelmente, restringidas.
Nessa linha de raciocínio, sendo as pessoas em situação de rua sujeitos de direitos
individuais e coletivos, cabe observar que a eficácia desses direitos está aquém do
fundamental.
A CRFB/88, em seu art. 5º, inciso XXXV, firmou o compromisso de constituir um
sistema de justiça acessível (BRASIL, 1988, on-line). Tendo em vista as violações cotidianas
sofridas pelas pessoas em situação de rua e o acesso à Justiça como basilar no ordenamento
jurídico brasileiro, Leite (2017) questiona se esses sujeitos de direitos têm legitimidade ativa
para ajuizar procedimentos, compreendendo-se que a legitimidade ativa não se encerra na
4
A “questão social” condensa múltiplas desigualdades mediadas por disparidades nas relações de gênero,
características étnico-raciais, relações com o meio ambiente e formações regionais, colocando em causa
amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização (IAMAMOTO, 2013, p 330).
5
Art. 1o Fica instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a ser implementada de
acordo com os princípios, diretrizes e objetivos previstos neste Decreto.
Parágrafo único. Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional
heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e
a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas
como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (BRASIL, 2009, on-line).
17

propositura da ação, mas se estende a todo o processo, contribuindo para a redução de


conflitos estruturais.
O estudo em apreço tem como ponto de partida o acompanhamento da autora às
reivindicações da população em situação de rua, a observação de condições de vida e de
sobrevivência, bem como o acesso a direitos individuais e coletivos por parte desses sujeitos.
A aproximação da realidade das pessoas em situação de rua em Natal/RN, por parte
da autora, deu-se em 2016, via Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários
(INICIES). Nessa oportunidade, passou-se a amadurecer compreensão da população em
situação de rua enquanto fenômeno que se multiplica e se complexifica no mundo
contemporâneo, assim como as dificuldades quanto à geração de trabalho e renda.
Depois, a partir da experiência como estagiária no Centro de Referência em Direitos
Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD) foi possível visualizar a participação dessa população
em espaços de discussões de direitos e de controle social. Desde então, o vínculo da autora
com essa luta se fortaleceu, inclusive, passando a ocupar, enquanto apoiadora do Movimento
Nacional da População de Rua do Rio Grande do Norte MNPR/RN, cadeira na mesa diretora
do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da População em
Situação de Rua (CIAMP RUA) na gestão do biênio 2021-2023, gestão Beto Franzisko.
Mediante a atuação enquanto apoiadora do MNPR/RN, a autora teve acesso ao
ocorrido, descrito abaixo, com uma mulher em situação de rua no município do Natal/RN, no
ano de 2020, fato que motivou a presente pesquisa.
A pessoa em situação de rua em questão fora atropelada por um Veículo Especial de
Transporte de Valores (VETV), por isso, passou por diversos procedimentos cirúrgicos, e,
sequer teve acesso a orientações institucionais para requerer o Seguro de Danos Pessoais
Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) ou ingressar com uma ação
indenizatória. Considera-se que qualquer cidadã ou cidadão em situação similar pode e deve
requerer os direitos que lhes são assegurados, porém, por se tratar de uma pessoa em situação
de rua, não houve a orientação e encaminhamento devido da demanda de maneira
administrativa e/ou jurídica.
Assim, foi aberto o precedente para questionar se as pessoas em situação de rua se
reconhecem enquanto sujeitos de direitos individuais e coletivos a fim de acionar a tutela
jurisdicional. Tendo em vista as violações cotidianas sofridas pelas pessoas em situação de rua
e o acesso à Justiça como basilar no ordenamento jurídico brasileiro, a hipótese deste trabalho
é que há o mínimo autorreconhecimento de pessoas em situação de rua enquanto sujeitos de
18

direitos individuais e coletivos, mas existem fatores que impossibilitam a concretização da


formulação do pleito à tutela jurisdicional.
À vista disso, nesta pesquisa tem-se como objetivos destacar os direitos individuais e
coletivos elencados no art. 5º, caput, da CRFB/88, enquanto pertinentes às vivências das
pessoas em situação de rua; identificar os fatores que promovem a maior consciência de
direitos individuais e coletivos nas vivências das pessoas em situação de rua; e verificar quais
são as dificuldades enfrentadas pelas pessoas em situação de rua para concretizar o acesso à
Justiça.
Ao passo que o fenômeno da situação de rua se multiplica e se complexifica ao longo
da história da humanidade, é necessário trazer à tona o debate no campo jurídico. O
acompanhamento da autora às vivências das pessoas em situação de rua em Natal/RN
possibilitou observar direitos fundamentais sendo violados cotidianamente, sendo cabível,
inclusive, a tutela jurisdicional.
Assim, a partir de uma formação profissional com o olhar crítico para a pobreza e
para as desigualdades sociais, bem como para o acesso à Justiça e para uma assessoria jurídica
popular, o presente estudo se justifica pela situação de rua ser um fato real e presente na
sociedade e distante do poder judiciário.
A invisibilidade das pessoas em situação de rua está diretamente ligada à forma
como a cidade se relaciona com esse segmento social. Farias (2019) defende que as cidades
tratam as pessoas em situação de rua como sobra e indesejáveis, sendo, porém, inevitáveis, e,
também, são diversos os mecanismos prático-ideológicos atuantes para esconder efetiva ou
simbolicamente suas existências.
O presente estudo parte da perspectiva materialista histórica dialética. Netto (2011)
evidencia que o método implica, para Marx, na extração, por parte do pesquisador, das
múltiplas determinações do objeto.
Para Tonet (2016), a ontologia marxiana mostra que a realidade é a articulação entre
singularidade, particularidade e universalidade. Desse modo, estudar a pessoa em situação de
rua sob esse horizonte é compreendê-las enquanto únicas, portanto, diferente umas das outras;
porém, iguais, não à toa são todas pessoas e compartilham da particularidade que as une, a
situação de rua.
Carvalho (2013) pondera que é comum ouvir nas faculdades de Direito que a
pesquisa jurídica é eminentemente teórica e, a partir dessa assertiva, se tem legitimada a
negativa ao empírico. Não é negada a importância da pesquisa teórica, inclusive, é defendido
que se a pesquisa empírica não estiver devidamente amparada em uma construção teórica,
19

possivelmente não serão alcançadas conclusões concretas. Assim, dada a implicação da autora
com a pauta das pessoas em situação de rua, o presente trabalho se propõe a uma pesquisa
empírica.
Norteado por uma pesquisa bibliográfica e documental, a presente investigação será
ancorada em uma abordagem qualitativa. No que diz respeito à coleta de dados, o estudo terá
por base a revisão bibliográfica de tratados internacionais, normas constitucionais e
supralegais, bem como produções científicas.
Seguindo a linha de raciocínio posta, em diálogo com a perspectiva materialista
histórica dialética, a realidade é eternamente dinâmica. Por isso, Netto (2011) ressalta que
concluída a investigação, toda conclusão é sempre provisória, sujeita à comprovação, à
retificação, ao abandono ou a outros caminhos.
20

2 A LUTA POR DIREITOS: DA RUA AO PARLAMENTO

Figura 2 - Faixa do Dia de Luta da População em Situação de Rua em Natal/RN, 2021

Fonte: Elaborado pela autora (2022)6.

“Ainda vão me matar numa rua.


Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.”
(Paulo Leminski, Quarenta Clics em Curitiba, 1976)

6
Foto tirada no Dia de Luta da População em Situação de Rua de 2021, em frente à Prefeitura do Natal/RN,
articulado pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Rio Grande do Norte e apoiadoras
e apoiadores. O Dia de Luta da População em Situação de Rua nasceu a partir do episódio que ficou
conhecido como Massacre da Praça da Sé, ocorrido na cidade de São Paulo, em 2004, onde 7 pessoas em
situação de rua foram brutalmente assassinadas enquanto dormiam e 6 ficaram com sequelas irreversíveis,
fato que motivou a organização política desse segmento social e a consequente estruturação do Movimento
Nacional da População de Rua (MNPR), em conformidade à Cartilha “Conhecer para Lutar”, organizada pelo
MNPR.
21

Nas palavras de Bonavides (2020), a Constituição deixou de assimilar-se genérica e


exclusivamente a uma certa forma de organização política (a do liberalismo) e passou a
representar o espelho real de toda e qualquer organização política.
Em concordância, Lassale (2007) diz que a Constituição escrita que não
corresponder à Constituição real, refletirá inevitavelmente em um conflito impossível de se
evitar. Diante disso, a contribuição lassaliana fixou a importância de uma Constituição real, de
modo que diante de um conflito a Constituição escrita sucumbiria sempre, imolada à força
soberana do fato, ou seja, da realidade política e social, muito mais poderosa do que textos
abstratos.
No mundo moderno, Gustin (2019) pensa as constituições a partir de dois eixos: por
um lado, na exigência de se responder à heterogeneidade das sociedades e à crescente
urgência de satisfação das necessidades humanas, surgindo a constitucionalização dos direitos
fundamentais; por outro lado, a indisponibilidade de sistematizar a ordem socioestatal e a
limitação do poder político do Estado.
A partir desses pressupostos, Bonavides (2020) afirma que a CRFB/88 se trata de
uma Constituição do Estado Social. Portanto, os problemas referentes às relações de poderes e
ao exercício de direitos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos daquela
modalidade de ordenamento.
Na história brasileira, a CRFB/88 marca máximo avanço na previsão de direitos e
garantias fundamentais. No entanto, uma questão sensível é como utilizar os institutos
processuais para garantir direitos básicos, a fim de fazê-los efetivos.
Marx e Engels (2015) são assertivos quando afirmam que a história de toda a
sociedade é a história da luta de classes. No Brasil, igualmente, as pessoas que são privadas
do acesso à direitos básicos têm classe, raça e gênero.
O art. 5º, caput, da CRFB/88 traz a garantia para “todos” da igualdade, havendo a
complementação de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”
(BRASIL, 1988, on-line). Ou seja, para Dimoulis e Martins (2014) qualquer pessoa submetida
à aplicação da lei brasileira tem o direito de ver essa lei aplicada sem nenhuma discriminação.
Ato contínuo, o art. 5º, caput, da CRFB/88 resguarda aos brasileiros e estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (BRASIL, 1988, on-line). À vista disso, como “brasileiros” entende-se as pessoas
que têm nacionalidade brasileira, seja ela nata ou naturalizada.
Quanto aos “estrangeiros residentes no país”, há uma maior implicação
hermenêutica, pois o texto constitucional não define critérios de residência, como o lapso
22

temporal. O entendimento de Dimoulis e Martins (2014) é que a partir do momento que a


CRFB/88 não faz referência a estrangeiros legalmente estabelecidos, a tutela dos direitos
fundamentais não depende da situação e das condições de permanência, mas do simples fato
empírico de vincular-se ao país de forma mais duradoura.
Acerca do ordenamento jurídico brasileiro, no que toca os direitos coletivos, Maggio
(2019) pondera que, via de regra, o direito individual depende da expressão do titular daquele
direito, enquanto existem direitos que, não obstante restritos ao indivíduo, possuem relevância
a ponto de serem considerados indispensáveis e justificarem a adoção de providências para
que sejam tutelados, ainda que contra a vontade de seu titular.
Em conformidade a tal linha de raciocínio está o art. 5º, caput, da CRFB/88 quando
trata do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade como invioláveis
a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país (BRASIL, 1988, on-line).
Ao que interessa a este estudo, as pessoas em situação de rua não podem ser
definidas, pois, para Leite (2017), não é possível estabelecer um conceito suficientemente
heterogêneo para abranger todas aquelas e aqueles que estão em situação de rua.
Cabe ressaltar que a sociedade enxerga a população em situação de rua, dentre
inúmeras formas pejorativas, como “perigo”, sendo interessante a visão de Macerata et al.
(2019) ao expor que talvez a concepção de perigo mais determinante seja aquela que provoca
a percepção de que o modo de produção econômico, político e subjetivo produz formas de
vida que não ocupam lugares de sujeitos. Veja-se:

Esse perigo, contudo, não é simplesmente o perigo do assalto, do envolvimento com


a contravenção, mas muito mais, o perigo de nos defrontarmos com o fato de que o
conceito de humano que tanto prezamos é muito mais largo e indeterminável do que
imaginamos. E o que talvez seja o mais decisivo: perceber como nosso modo de
produção econômico, político e subjetivo - modo de sociedade - produz formas de
vida que estão destinadas a não ter lugar no que consideramos oficial. (MACERATA
et al., 2019, p. 132-133)

A visão clássica dos direitos humanos é atravessada por uma lógica universalizante,
mas na perspectiva crítica de Flores (2009) só é possível defender o universalismo de
chegada. Ou seja, cada grupo humano está em um processo de luta que parte de um ponto
diferente, mas converge com a pauta da dignidade; nessa lógica, se consegue preservar
práticas culturais diferentes e buscar a efetivação da ideia de que todas e todos são titulares de
direitos humanos.
23

Na análise de Sarmento (2016) a palavra “dignidade” foi usada de diferentes formas


na história da humanidade. Existem contextos em que a dignidade tem status de
superioridade, de virtude e, ainda, de valor intrínseco à pessoa humana.
No Direito contemporâneo, em especial no ordenamento jurídico brasileiro, a palavra
“dignidade” tem relação direta com a condição de ser humano. Em outras palavras, aqueles
que pertencem à espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas.
Portanto, são as pessoas em situação de rua sujeitos. Para além disso, se tratam de
pessoas dotadas, no ordenamento jurídico internacional, de direitos humanos, e, no
ordenamento pátrio, de direitos fundamentais, possuidoras de dignidade, com a identidade
humana e cidadã estampadas em seus corpos.
À vista disso, os direitos apregoados no art. 5º, caput, da CRFB/88, invioláveis por
natureza (BRASIL, 1988, on-line), também merecem ser analisados quanto à realidade da
população em situação de rua.
Em atenção às análises tecidas por Maia (2021), em se tratando da população em
situação de rua, fenômeno que se complexifica e é perpassado pela supressão máxima de
direitos fundamentais, deve-se ter em pauta a atuação municipal em prol da efetivação de
serviços públicos de interesse local e do dever de agir diante de situações úteis ou nocivas à
coletividade.
As pessoas em situação de rua, tanto quanto aos direitos individuais, como coletivos,
possuem reconhecimento jurídico das suas existências. Porém, o ponto sensível da discussão
está na efetivação e concretização do acesso aos direitos individuais e coletivos assegurados
no texto constitucional.

2.1 (Sobre)viver nas ruas: O direito à vida

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e recepcionado pelo
Brasil na forma do Decreto nº 592, de 6 de julho 1992, prevê, em seu artigo 6, que o direito à
vida é inerente à pessoa humana, devendo este direito ser protegido pela lei e ninguém poderá
ser arbitrariamente privado de sua vida.
Canotilho (2003) expõe entendimento que o direito à vida é um direito subjetivo
inerente à existência do cidadão. Desse modo, nem o Estado nem terceiros podem agir contra
a vida de um sujeito; no ordenamento jurídico brasileiro, é prevista exceção aos casos de
24

estado de necessidade, de legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou no


exercício regular de direito (art. 23, I, II e III, do Código Penal).
Nessa toada, o art. 5º, caput, da CRFB/88 traz como primeiro dos direitos
fundamentais a serem garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, o direito
à vida (BRASIL, 1988, on-line). Na contemporaneidade, se alcançou o entendimento que o
direito à vida está imbricado com o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que
não basta apenas sobreviver, mas é preciso viver dignamente.
Diniz (2001) assevera que o direito à vida é essencial ao ser humano pois condiciona
os demais direitos da personalidade. A interseção entre o direito à vida e os direitos da
personalidade se expressa em diversos campos, como na condição jurídica do nascituro; no
direito ao aborto; no planejamento familiar (esterilização); no registro civil; na
intersexualidade; na transgenitalização; no direito ao envelhecimento; entre outros.
No tocante às pessoas em situação de rua, o direito à vida digna é negado desde a
concepção. A concepção de crianças por casais em situação de rua acarreta a mobilização da
rede socioassistencial no sentido de advertir os profissionais competentes sobre a realidade
fática daquela composição familiar, gerando, na maioria das vezes, a retirada compulsória de
crianças de mães em situação de rua, sob o argumento, segundo Gomes et al. (2017), de que o
uso de substâncias psicoativas gera "inaptidão para a maternidade” ou “risco para as
crianças”.
À vista disso, Moreira (2021) identificou uma pesquisa, realizada no município de
Santos/SP, onde foram entrevistadas 13 gestantes em situação de rua e houve a conclusão que
o uso de drogas não limita o autocuidado de saúde delas. Essa constatação é importante, pois
desmistifica a associação automática entre o uso prejudicial de drogas e a inaptidão para a
maternidade ou risco para as crianças.
Tal realidade também reflete na escassa procura de mulheres grávidas pelos serviços
de saúde para fazer o pré-natal, pois, uma vez que são taxadas como incapazes de promover o
cuidado e proteção dos seus filhos, é sabida a possibilidade da perda ou destituição do poder
familiar. Moreira (2021) traz o relato de uma profissional de saúde entrevistada de sua
pesquisa:

Elas morrem de medo! Às vezes, quando está com as crianças na rua e vê o


Consultório na Rua, acha que vai tirar as crianças, que vai denunciar, vai meter
bronca para cima, porque, sinceramente! Todo mundo fala a mesma coisa: ‘você é
irresponsável, você é isso, você é aquilo’. (MOREIRA, 2021, p. 114)
25

Ato contínuo, vale analisar o registro civil do nascimento à vida adulta das pessoas
em situação de rua. A Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997, alterou a Lei nº 6.015, de 31
de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passando a prever:

Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo
assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva.
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas
demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil.
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou
a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas
testemunhas.
§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do
interessado. (BRASIL, 1997, on-line).

Ou seja, desde 1997 a legislação brasileira dispõe que não serão cobradas taxas pelo
registro civil de nascimento e pelo assento de óbito na primeira certidão, bem como os
reconhecidamente pobres serão isentos de pagamento das demais certidões extraídas pelo
cartório de registro civil. No entanto, a realidade das pessoas em situação de rua é de
desconhecimento desse direito assegurado por lei e de consequente ausência de
documentação.
O I Censo e Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua (BRASIL,
2008, on-line), realizado pelo, à época, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), no período entre agosto de 2007 e março de 2008, identificou, naquele período,
que 24,8% das pessoas em situação de rua não possuíam qualquer tipo de documento de
identificação. Em continuidade, dos entrevistados, 58,9% possuíam Registro Geral (RG);
42,2% possuíam Cadastro de Pessoa Física (CPF); 39,7%, Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS); 37,9, certidão de nascimento ou de casamento.
Isto posto, a ausência do registro civil de pessoas em situação de rua implica
diretamente no exercício do direito à vida digna, ao passo que o registro civil é basilar para os
atos da vida civil. Exemplos que podem ser trazidos à tona são o cadastramento para o
atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS); na rede federal, estadual e municipal de
ensino; no antigo Bolsa Família e no atual Auxílio Brasil; no Auxílio Emergencial; nos
programas sociais de habitação; nas iniciativas de geração de trabalho e renda; entre outros.
Por sua vez, a pessoa idosa em situação de rua também tem o direito à vida digna
violado. A realidade é que é explicitamente ignorado o art. 230 da CRFB/88 que apregoa que
a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o
26

direito à vida, assim como também o que está estabelecido na Lei nº 10.741, de 1º de outubro
de 2003 (Estatuto do Idoso).
Na prática, as pessoas idosas em situação de rua desconhecem a proteção integral
destinada àqueles com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Um exemplo fático a se
expor é que os serviços socioassistenciais da proteção social especial da alta complexidade,
previstos na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), conhecidos como Abrigos
Municipais, não atendem idosos. Aquelas pessoas adultas usuárias desses serviços ao
completarem 60 (sessenta) anos são desligadas e encaminhadas para Instituições de Longa
Permanência para Idosos (ILPI), porém, muitas vezes, esses sujeitos estão em pleno gozo das
suas capacidades para as atividades da vida cotidiana, não se encaixando no perfil daqueles
que são acolhidos nas ILPIs.
A questão das pessoas idosas se complexifica quando analisado o art. 14 do Estatuto
do Idoso, ao passo que é previsto que se o idoso ou seus familiares não possuírem condições
econômicas de prover o seu sustento, recai sobre o Poder Público a responsabilidade deste
provimento, no âmbito da PNAS (BRASIL, 2003, on-line). Ou seja, no caso das pessoas
idosas em situação de rua, é negado o serviço público de abrigamento e violado o direito à
promoção do sustento.
Ainda, cabe pontuar as vidas que são ceifadas nas ruas. Pereira (2008) traz, em sua
dissertação, fruto de entrevistas às pessoas em situação de rua, um relato intitulado de “o pior
de morar na rua é o medo de perder a vida”. As palavras do entrevistado:

O que mais tenho medo é de perder a vida na mão de algum marginal. Eu não mexo
com ninguém. O povo da rua não mexe com ninguém. A gente briga entre si, quando
bebe, mas fazer maldade pros outros, assaltar, isso não! A gente tem é medo de
sofrer isso aí. (PEREIRA, 2008, p. 81).

A partir disso, constata-se que na violência das ruas, dormir é um luxo. A todo
momento a pessoa em situação de rua precisa estar atenta aos perigos a que está exposta,
assim, dada a realidade, é comum que pessoas em situação de rua portem objetos cortantes, no
intuito de proteger a própria vida.

2.2 Vozes e resistências: O direito à liberdade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela


Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, prevê no artigo 1 que
27

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” (ONU,
1948, on-line). Ainda, no artigo 3, que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal.” (ONU, 1948, on-line).
É pertinente pontuar que a liberdade é inerente ao sujeito, sendo anterior à sociedade,
ao Direito e ao Estado. Nas lições de Beccaria (1999) os sujeitos abdicaram de parte das suas
liberdades para poderem gozar do restante com segurança, delegando todas essas porções de
liberdades ao Estado.
Diante disso, o art. 5º, caput, da CRFB/88 traz como segundo dos direitos
fundamentais a serem garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, o direito
à liberdade (BRASIL, 1988, on-line). Das diversas liberdades que estão previstas no decorrer
do texto constitucional, para esse estudo cabe atenção especial para a liberdade de ir e vir e
para a liberdade de expressão.
No que toca à liberdade de ir e vir das pessoas em situação de rua é preciso observar
a contradição entre estar em situação de rua e ter a completa liberdade para ir e vir e pôr em
prática todos os desejos enquanto sujeitos, mas também a barreira de acesso, justamente por
estar em situação de rua, e não poder adentrar espaços públicos e privados, devido ao mau
odor, à aparência, às vestimentas, entre outros.
A liberdade de ir e vir das pessoas em situação de rua também resta comprometida
facilmente pela criminalização desses sujeitos. É comum que as pessoas em situação de rua
sejam acusadas da prática de crimes e detidas, havendo um liame evidente entre a situação de
rua e o sistema penitenciário, sendo reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na
Política Nacional de Atenção às Pessoas Egressas do Sistema Prisional de 2020.
Além disso, mais uma vez a liberdade de ir e vir das pessoas em situação de rua é
suprimida com a internação compulsória. A Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001 (Lei
Antimanicomial), permite três tipos de internações psiquiátricas, a saber: a voluntária, a
involuntária e a compulsória.
A internação voluntária, prevista no art. 6º, I, da Lei nº 10.216/2001, é aquela que se
dá com o consentimento da pessoa; a internação involuntária, disposta no art. 6º, II, da Lei nº
10.216/2001, se dá sem o consentimento do sujeito e a pedido de terceiro7; e a internação

7
Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado
no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao
Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo
esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
28

compulsória, prescrita no art. 6º, III, da Lei nº 10.216/2001, é determinada pelo Poder
Judiciário8.
No último caso, o que possibilita a autorização judicial é o sopesamento entre o
direito à vida e o direito à liberdade. Conforme Bobbio (2004), não cabe analisar os direitos
fundamentais como absolutos, afinal, dois direitos fundamentais não podem ter um
fundamento que torne um direito e o seu oposto, ambos, inquestionáveis e irresistíveis9.
Diante disso, considerando que as pessoas em situação de rua, por vezes, têm
atravessamentos com questões de saúde mental, e a distância do Poder Judiciário desta
discussão, é problemática a existência de uma lei que autorize a internação compulsória
desses sujeitos.
Outra liberdade de especial relevância é a liberdade de expressão no contexto da
situação de rua. Na medida em que é retirada a identidade humana e cidadã desses sujeitos,
pelo fato de estarem em situação de rua, suas manifestações são invisibilizadas por
profissionais e pela sociedade, sendo enquadrados no território produzido pelo sistema
capitalista, segundo Coimbra et al. (2003), de “não saber”, vistos como desqualificados,
condenados e segregados, considerados, até mesmo, danosos e perigosos, necessitando de
acompanhamento, tutela, monitoramento e controle.
De mais a mais, dentro do escopo da liberdade de expressão, se tem a liberdade de
crença. Nesse sentido, práticas caritativas e filantrópicas podem e devem acontecer diante da
limitação do Estado em suprir as demandas da população em situação de rua. Muito embora, é
necessário refletir criticamente sobre como tais atividades acontecem, de modo que é comum
grupos religiosos conduzirem suas ações seguindo uma ordem: primeiro se realiza uma oração
e depois se doa o alimento. Logo, a liberdade de crença da pessoa em situação de rua é
colocada em xeque em troca de um prato de comida.

§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou
quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
8
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente,
que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos
demais internados e funcionários.
9
Aliás, vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos
estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com
aqueles. Basta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do
fundamento absoluto da propriedade: a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi
feita em nome do fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto não é apenas uma
ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras (BOBBIO, 2004, p.
15).
29

2.3 Entre o real e o ideal: O direito à igualdade

O subcapítulo 2.2 deste trabalho inicia com a constatação de que a DUDH previu que
todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Entretanto, Bonavides (2003)
defende que ficou demonstrada se tratar de uma utopia a igualdade absoluta, com o aumento
das desigualdades materiais, provocado pela Revolução Industrial e pelo avanço da
sociabilidade capitalista.
Posto isto, o art. 5º, caput, da CRFB/88 traz como terceiro dos direitos fundamentais
a serem garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros, o direito à igualdade (BRASIL, 1988,
on-line). Disso resultou o direito ao voto universal, a igualdade de gênero, de raça, de
orientação sexual, entre outros.
A partir disso se pode tecer considerações acerca do direito à igualdade e a
população em situação de rua. A começar pelo direito ao voto universal, o art. 14, §1º, da
CRFB/88 prevê a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto para os maiores de
dezoito anos e a facultatividade para os analfabetos, os maiores de 60 (setenta) anos e os
maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos (BRASIL, 1988, on-line).
Contudo, como já explicitado neste estudo, as pessoas em situação de rua, muitas
vezes, sequer têm acesso ao registro civil para providenciar as demais documentações,
considerando-se, nesse caso, o Título de Eleitor. Além do mais, é relevante considerar as
condições objetivas para exercer o direito ao voto, como o deslocamento até à zona eleitoral.
A título de registro, o município de Porto Alegre/RS era referência nas rodas de
conversas sobre o direito ao voto e a população em situação de rua por possuir passe livre nos
transportes coletivos nos dias de eleições, mas a Câmara de Vereadores de Porto Alegre/RS,
por meio da Lei Complementar nº 931/2021, extinguiu o passe livre nos domingos de
eleições10.
Vale salientar que embora o exercício da cidadania esteja muito além do ato de votar,
para o senso comum, ser cidadão está intimamente ligado ao voto. Ou seja, no imaginário da
pessoa em situação de rua que, por condições diversas, não pratica o ato de votar, seria ela
uma cidadã?

10
Ressalta-se que a redação da Lei Complementar nº 362/1995 instituía o passe livre para todos os usuários do
sistema de transporte coletivo por ônibus na cidade de Porto Alegre/RS, ficando a cargo da gestão eleger 12
(doze) dias por ano e não mais que 2 (dois) por mês, para que a política pública fosse implementada. Mas
com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 931/2021, o passe livre passou a ser possível apenas
no dia de Nossa Senhora dos Navegantes (2 de fevereiro) e nos dias de campanhas de vacinação de grande
relevância e alcance (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 1995, on-line).
30

Em continuidade, cabe tecer considerações no que pertine à igualdade de gênero. O


art. 5º, I, da CRFB/88 apregoa que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
mas em se tratando das pessoas em situação de rua, existem particularidades nas vivências do
homem e da mulher em situação de rua (BRASIL, 1988, on-line).
Já foi objeto de análise nesta pesquisa a desigualdade da maternidade protagonizada
por mulheres em situação de rua. Moreira (2021) aponta para o fato das pesquisas sobre
gravidez e cuidado da prole em situação de rua serem restritas às mães, sendo preciso
aprofundar a discussão sobre os pais e seus papéis e desafios nos cuidados das crianças.
Bortoli (2016) traz o relato de uma entrevistada de sua pesquisa:

Sobre a diferença entre ser mulher e homem em situação de rua, ela revela que a
vida na rua é mais difícil para a mulher se ela estiver sozinha. “Eu, quando cai em
situação de rua, já estava com o Josué. Se a mulher cair em situação de rua sozinha,
tem muitos casos de violência, como estupro, drogadição, alcoolismo” (informação
verbal). E complementa: “no final das contas, termina vindo a deficiência mental por
conta da utilização dessas drogas” (informação verbal). (BORTOLI, 2016, p. 30).

Quanto à igualdade de raça, o I Censo e Pesquisa Nacional sobre População em


Situação de Rua (BRASIL, 2009, on-line), identificou 39,1% das pessoas em situação de rua
se reconhecendo como pardas, 29,5% como brancas e 27,9% como pretas, enquanto as
porcentagens referentes à parcela populacional domiciliada são, respectivamente, 38,4%,
53,7% e 6,2%. Notadamente, tal pesquisa oficial alcançou uma expressiva representatividade
de negros (pardos somados a pretos) em situação de rua no Brasil.
Os dados acima elencados são resquícios da sociabilidade capitalista. Nessa lógica, há
aqueles que vendem a sua força de trabalho e não têm acesso à riqueza socialmente
produzida, sobrevivendo com o mínimo, e há aqueles que compõem um excedente,
subsistindo na miséria ou na extrema miséria. Em ambos os casos existe a demarcação, para
além da classe, da raça. E é nesse contexto que se insere a população em situação de rua,
evidentemente miserável e enegrecida.
No que diz respeito à igualdade quanto à orientação sexual, conforme o “Dossiê dos
Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras 2020”, produzido pela
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil assegurou para si o 1º
lugar no ranking dos assassinatos de pessoas trans no mundo, ou seja, o Brasil é um país
intolerante com a diversidade. Tal realidade é intensificada com as pessoas em situação de rua
e se expressa nas mais variadas formas, como na dificuldade de modificação do registro civil
31

na via administrativa; no uso do nome social para fins de cadastro nos serviços públicos e
tratamento interpessoal; na submissão à prostituição para sobrevivência; entre outras.

2.4 Descartáveis urbanos? O direito à segurança

O subcapítulo 2.2 deste trabalho traz o artigo 3 da DUDH o qual prevê que todo ser
humano tem direito à segurança pessoal. Bauman (2008) defende que a legitimação do Estado
perante a sociedade fundamenta-se no compromisso de proteger os integrantes da sociedade
dos seus medos, elencando três tipos, a saber: as ameaças ao corpo e às propriedades; as
ameaças à ordem social e à sobrevivência; e as ameaças ao lugar da pessoa no mundo,
relacionado às pautas de classe, gênero, étnica, religiosa, entre outras, e, em outras palavras, a
imunidade à degradação e à exclusão social.
Nesse sentido, o art. 5º, caput, da CRFB/88 traz como quarto dos direitos
fundamentais a serem garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros, o direito à segurança
(BRASIL, 1988, on-line). Das diversas seguranças que estão previstas no decorrer do texto
constitucional, para esse estudo cabe atenção especial para a segurança alimentar e nutricional
(SAN) e para a segurança pública.
A Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (Losan), institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Sisan), o qual garante o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAA).
O The State of Food Insecurity in the World, produzido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2014, apresenta dados e a contextualização da saída do Brasil do Mapa da
Fome, sendo atribuído especial importância ao Programa Fome Zero, de iniciativa da gestão
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e ao Programa Brasil sem Miséria, criado na gestão
da Presidenta Dilma Rousseff (FAO, IFAD and WFP, 2014). Isso porque tais programas
foram marcos históricos de atenção à segurança alimentar e nutricional, como também
diminuição da fome e maior igualdade de renda, gerando dados consistentes de repercussão
internacional.
Porém, o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia
da Covid-19 no Brasil”, elaborado pela Rede PENSSAN, mostra que o Brasil retrocedeu 15
anos em 5 anos, voltando a ter a fome como um problema estrutural.
32

Figura 3 - Evolução da fome no Brasil: Porcentagem da população afetada pela insegurança


alimentar grave entre 2004 e 2020

Fonte: Rede PENSSAN11

Evidentemente, a população em situação de rua está incluída na fome vivida pelo


povo brasileiro. A violação à SAN se expressa a partir da incerteza da disponibilidade do
alimento, da ausência do poder de escolha, local para comer e condições adequadas de
higiene. Na pandemia da Covid-19, para Oliveira e Alcântara (2021), tal fato foi
potencializado com a diminuição da circulação de pessoas e o fechamento dos
estabelecimentos comerciais, afinal, por vezes, as pessoas fazem doações às pessoas em
situação de rua e os comércios doam as sobras.
Além disso, é assertivo trazer a pauta do fechamento dos serviços públicos que
fornecem minimamente alimentos à população em situação de rua com a pandemia da
Covid-19, como os Centros de Referência para a População em Situação de Rua (Centros
POP), Unidades de Acolhimento e Restaurantes Populares.
A PNAS traz previsões da proteção social básica e da proteção social especial. No
que tange à população em situação de rua, é pertinente se ater aos serviços públicos
socioassistenciais prestados na proteção social especial, organizada na média e na alta
complexidade.
Isto posto, os serviços de média complexidade se materializam por meio dos Centros
POP e os serviços de alta complexidade via Unidades de Acolhimento. Nesses serviços é
possível que as pessoas em situação de rua cadastradas e vinculadas façam refeições, tomem

11
Imagem retirada do “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19
no Brasil” (REDE PENSSAN, 2021).
33

banho, lavem suas roupas, participem de oficinas, recebam encaminhamento para outros
serviços públicos e atendimento psicológico, socioassistencial e jurídico.
No entanto, ao passo que, no primeiro momento, as atividades públicas e privadas
foram suspensas devido à pandemia da Covid-19, esses serviços também foram fechados e as
pessoas em situação de rua, por óbvio, duramente afetadas. Diante disso, a população em
situação de rua ficou ainda mais dependente das ações caritativas e filantrópicas para se
alimentar12.
Sobre este ponto, Maia (2021b) expõe que no estado do Rio Grande do Norte, em
2021, com o agravamento da disseminação do novo coronavírus, via Decreto Estadual nº
30.383, de 26 de fevereiro de 2021, estabeleceu-se o toque de recolher. Assim, grupos
solidários, os quais atuam majoritariamente no período noturno, estariam impossibilitados de
alcançar as pessoas em situação de rua, todavia, o MNPR/RN, juntamente a secretarias
estaduais, editou a Portaria Conjunta nº 001 - SESAP/SESED/SEMJIDH, de 02 de março de
2021, a qual isentava voluntários em ações filantrópicas no período noturno e nos finais de
semana do toque de recolher.
Dando continuidade, tal Portaria Conjunta também escusava pessoas em situação de
rua do toque de recolher. Uma vez autorizada a abordagem policial e a aplicação de multa
contra aqueles que estivessem nas ruas em momento posterior ao permitido, é preciso
considerar o histórico da atuação truculenta e violenta dos profissionais da segurança pública
com as pessoas em situação de rua.
Costa (2005) afirma que viver nas ruas é sempre estar em risco. Tal risco se
materializa no medo dos pertences serem furtados ou roubados, de ser agredido entre os iguais
da rua, de ser vítima de estupro ou estupro de vulnerável, de ser alvo de agressões inesperadas
pelo simples fato de ser uma pessoa em situação de rua, agressões advindas tanto da
sociedade civil, como também dos profissionais da segurança pública. Nas palavras de Costa
(2005), “A rua é vivida como um espaço de instabilidade, um mundo à parte da sociedade
formal, onde a presença do Estado como garantidor da ordem e da segurança é relativa.”
(COSTA, 2005, p 11).
A linha de raciocínio construída é ratificada por Pereira (2008) ao trazer um relato
intitulado de “Aqui ninguém dorme, só cochila”. As palavras dos entrevistados:

12
Isso porque os serviços públicos existentes não são suficientes para atender a demanda de todo o quantitativo
de pessoas em situação de rua nas cidades.
34

Morar na rua é um perigo constante. A violência vem de todos os lados. Aqui,


ninguém dorme, só cochila. É melhor passar fome e ter um lugar pra dormir de vez
em quando do que não saber pra onde ir se a coisa apertar, afirma José.
[...]
O governo não ajuda a gente não. Só nos maltrata. Quem ajuda a gente é gente que,
de vez em quando, nos dá o que comer, disse Sílvio. (PEREIRA, 2008, p. 74).

Wacquant (2003) é perspicaz ao analisar como o Estado age diante da miséria: a


criminalizando. Ao passo que é crescente as desigualdades sociais e as políticas públicas não
acompanham a demanda da sociedade, o Estado responde na forma de Estado Penal. O
referido autor intitula de “política estatal de criminalização das consequências da miséria de
Estado” a atuação que se dá em duas modalidades, a primeira consiste em transformar os
serviços públicos em instrumentos de vigilância e controle das “classes perigosas” e a
segunda compreende o próprio encarceramento.
No que tange a população em situação de rua, já foi explorado neste estudo que a
rede socioassistencial atua na perspectiva da institucionalização de crianças provenientes de
casais em situação de rua, julgando-os incapazes para o cuidado ou perigosos para as crianças.
Também, já foi reconhecido o liame entre a situação de rua e o sistema penitenciário, sendo
evidenciado pelo CNJ na Política Nacional de Atenção às Pessoas Egressas do Sistema
Prisional de 2020, de modo que “ser ex- presidiário/a passou a ser uma característica de parte
da população de rua atendida pelos equipamentos da política de Assistência Social.”
(BRASIL, 2020, p. 41).
Ainda, no que diz respeito ao direito à segurança, materializado pelos profissionais e
órgãos da segurança pública, é pertinente se ater aos homicídios de pessoas em situação de
rua. Almeida et al. (2015) constatou que nos anos de 2012 e 2013 a mídia local havia
publicizado cerca de 30 homicídios sofridos pela população em situação de rua no Rio Grande
do Norte, entretanto, não houve, sequer, a abertura do inquérito policial da maioria desses
homicídios, tendo, as autoridades policiais, justificado que era responsabilidade dos familiares
das vítimas provocarem a sua abertura, os quais não o fizeram.
Veja-se, uma vez que o homicídio se trata de um crime com ação penal de natureza
pública incondicionada à representação, o inquérito policial pode ser iniciado de ofício, por
portaria13 ou auto de prisão em flagrante, pelo Delegado, nos termos do art. 5º, I, do Código
de Processo Penal (CPP), ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério

13
A Portaria constitui uma peça, onde a autoridade policial registra o conhecimento da prática de um crime de
Ação Pública Incondicionada, especificando, se possível, o lugar, o dia e a hora em que foi cometido o crime,
o pronome do autor e o da vítima, e conclui determinando a instauração do inquérito policial.
35

Público (MP), como prevê o art. 5º, II, do CPP (BRASIL, 1941, on-line). Tais hipóteses se
configuram no cenário em que houve a retirada da vida da vítima.
Dito isto, o art. 12 do CPP prevê que "O inquérito policial acompanhará a denúncia
ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra" (BRASIL, 1941, on-line). Logo, deste
dispositivo, deduz-se que o inquérito policial não é indispensável para o oferecimento da
denúncia ou da queixa.
No caso dos homicídios das pessoas em situação de rua, é possível tanto que o
Delegado se manifeste de ofício, como que a autoridade judiciária ou MP requisite a
instauração dos inquéritos policiais. Ainda, caso não haja a instauração do inquérito policial, o
MP pode oferecer Denúncia se houver indícios de autoria, afinal, a materialidade delitiva está
constatada com a morte da vítima.
Noutro giro, cabe observar que no Rio Grande do Norte, na pesquisa realizada por
Medeiros et al. (2022) entre o período de 01 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2020
foram identificadas 9.328 (nove mil trezentos e vinte e oito) mortes decorrentes de crimes
violentos letais intencionais, das quais 223 (duzentos e vinte e três) mortes tiveram nos
inquéritos policiais pedidos de arquivamento; desse dado, 129 (cento e vinte e nove)
arquivamentos decorreram de ausência de identificação de autoria.
Ou seja, no que se refere ao Rio Grande do Norte, a priori se tem a denegação da
instauração de inquérito policial quanto a morte de pessoas em situação de rua, e, a posteriori,
quando instaurados para investigar a morte da população em geral, se tem uma expressiva
quantidade de arquivamento dos inquéritos policiais por ausência de identificação de autoria.
Assim, por um lado fica cada vez mais evidente o descaso com a vida das pessoas em
situação de rua e, por outro, a ineficiência estrutural das investigações de mortes violentas no
Rio Grande do Norte.

2.5 (In)visíveis por todos os lados da cidade: O direito à propriedade

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência Especializada


Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José (Costa Rica), em 22 de novembro de
1969, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, prevê em seu artigo 21 o
direito à propriedade privada (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS
HUMANOS, 1969). Tal Pacto é recepcionado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678, de 6 de
novembro de 1992.
36

Em síntese, o artigo 21 expõe: 1) Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus
bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social; 2) Nenhuma pessoa pode ser
privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de
utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei; e 3)
Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser
reprimidas pela lei (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS , 1969).
Mascaro (2017) entende que na sociedade capitalista é próprio do trabalhador que vai
ser explorado, oferecer o seu trabalho em troca do salário. Continua, com ênfase que ambos
são tidos como sujeitos de direitos, formalmente iguais, com poderes para transacionar seus
direitos, sob o corolário da autonomia da vontade. Por isso, a propriedade privada é resultado
da acumulação primitiva e da exploração da força de trabalho do trabalhador.
Obviamente, a população em situação de rua não faz parte da classe social que detém
a propriedade privada. O próprio conceito estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro
para fazer referência à população em situação de rua, no art. 1 do Decreto Presidencial nº
7.053, de 23 de dezembro de 2009, traz a “inexistência de moradia convencional regular”
(BRASIL, 2009, on-line).
Destarte, surgem as ocupações urbanas. Maia (2021a) discorre que no município de
Natal, Rio Grande do Norte, diante da transitoriedade e da incapacidade de abarcar a todos
nos abrigos temporários estruturados pela prefeitura com a Covid-19, famílias ocuparam o
Viaduto do Baldo, de modo que a prefeitura orquestrou um despejo violento, sem a
apresentação de alternativas de habitação para aquelas famílias. Ainda, é pertinente observar o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre despejos na pandemia, sendo
firmado entendimento da sua suspensão, por ora, até 31 de outubro de 2022, em sede de
Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828
do Distrito Federal.
Aiexe (2019), aprofunda a discussão explanando que as desocupações forçadas
contra grupos vulneráveis, onde é possível incluir a população em situação de rua, se dá
também por especulação imobiliária ou intervenção urbana. Veja-se:

Em geral, sua presença é tolerada por décadas até que a área se torne valorizada e
passe a atrair interesses de setores econômicos ligados à especulação imobiliária ou
quando elege a área como de interesse para uma intervenção urbana: um viaduto,
uma praça, um alargamento de via, etc. É quando surgem as pressões para que sejam
retiradas dali, para darem espaço ao “desenvolvimento”, eufemismo para designar
que sejam mais transformadas em “vítimas do bem comum”. “Bem comum” que
deve ser entendido como bem dos que podem desfrutá-lo, o que pouco ou nada se
aplica a elas. Em rigor, quando se trata das intervenções que são destinadas a
37

promover bem-estar aos habitantes de uma cidade, não se tem em vista as pessoas
das classes marginalizadas, ou “subalternas”, que pouco desfrutam e raramente
desfrutarão do conforto e do bem-estar construídos pela coletividade. (AIEXE, 2019,
p. 181).

Ampliando o debate, a propriedade não se limita ao território, mas se estende aos


pertences. As pessoas em situação de rua vivenciam o medo de terem objetos pessoais e
materiais retirados pela sociedade civil, pelos iguais da rua e, ainda, pelo Estado. Sobre este
último, em conformidade a Melo (2019, p. 57), a Procuradoria-Geral do Município de Belo
Horizonte denominou de “roubo institucionalizado” a prática de retirar os pertences de
pessoas em situação de rua, configurando violação ao direito à propriedade e à dignidade da
pessoa humana; além disso, afeiçoa exacerbação do poder de polícia, o qual deve estar em
concordância com os direitos fundamentais.
38

3 A IDENTIDADE HUMANA E CIDADÃ ESTAMPADA NOS CORPOS DAS


PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Figura 4 - Retrato de Marcos Antônio Torres da Silva

Fonte: Elaborado pela autora (2022).14

“Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.


Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”
(Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços, 1989)

14
Foto tirada no dia 25 de abril de 2021, data em que Marcos Antônio Torres da Silva era a única pessoa em
situação de rua no Município de Taipu/RN. Na época, tanto a sociedade civil, como o poder público tinha
conhecimento da realidade de Marcos, no entanto, ele não possuía fisicamente Certidão de Nascimento,
Certidão de Registro Geral ou Cadastro de Pessoa Física, impossibilitando acessar serviços públicos e
requerer benefícios governamentais, como o Auxílio Emergencial, dependendo da solidariedade da
população para sobreviver.
39

"Mendigo não tem que votar. Ele não faz nada na vida. Ele não tem que tomar atitude
nenhuma. Aliás, eu acho que deveria até virar ração para peixe"15. Com essas palavras o então
Vereador José Paulo Carvalho de Oliveira (PT do B) se manifestou na 20º Sessão Ordinária da
Câmara Municipal de Piraí/RJ, ocorrida em 08/10/2013, a qual debateu os 25 anos da
CRFB/88.
A priori, tal fala merece completo repúdio por violar expressamente preceitos
basilares do ordenamento jurídico internacional, de direitos humanos, e, no ordenamento
pátrio, de direitos fundamentais, os quais reconhecem que pessoas em situação de rua são
sujeitos. E, mais que isso, são identidades humanas, detentoras de direitos e garantias
fundamentais, não podendo, jamais, terem suas vidas ceifadas e seus corpos reduzidos à ração
de peixe.
A posteriori, Bortoli (2016) explicita que, no Brasil atual, é comum associar a
cidadania ao direito de votar. Então, considerando os saberes formados e disseminados pelo
senso comum e as afirmações feitas pelo então Vereador José Paulo Carvalho de Oliveira (PT
do B), seriam as pessoas em situação de rua cidadãs?
Nas lições de Bonavides (2020), a Constituição Imperial de 1824 foi dominada pelas
sugestões constitucionais provenientes da França, sendo a única Constituição no mundo que
perfilhou a repartição de poderes de Montesquieu pela de Benjamin Constant. Diante disso,
foi criado o Poder Moderador, para além do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário.
Ainda considerando a Constituição Imperial de 1824:

Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias


I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.
I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e
Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados,
e Clerigos de Ordens Sacras.
II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem
Officios publicos.
III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros
caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de
galão branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.
IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.
V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz,
industria, commercio, ou Empregos.

15
PIRAÍ (RJ). 20° Sessão Ordinária do 2º Período. YouTube, 8 out. 2013. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=pGxVoubyfz8. Acesso em: 20 abr. 2022.
40

Ou seja, o voto era censitário, tendo direito a votar os homens livres, maiores de 25
(vinte e cinco) anos, e com renda anual de mais de 100 (cem) mil réis. Nessa lógica, eram
implicitamente excluídos do direito ao voto as mulheres, as pessoas em situação de rua e as
pessoas analfabetas.
O direito ao voto só fora alcançado pelas brasileiras e brasileiros na Constituição de
1946. Fernandes (2017) afirma que a Constituição de 1946 foi acompanhada pelo movimento
de redemocratização e de valorização dos direitos humanos não apenas no âmbito nacional,
mas também no cenário internacional, após a derrota do nazifascismo na 2ª Guerra Mundial.
Ato contínuo, o art. 14, caput, da CRFB/88 prevê expressamente que “A soberania
popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos” (BRASIL, 1988, on-line). Neste estudo, no subcapítulo 2.3, já houve o entendimento
do direito ao voto se estender à população em situação de rua e já foram elencadas as
dificuldades para a efetivação desse direito por esse segmento populacional.
Construído o repertório brasileiro acerca do direito ao voto e feita a interligação com
a população em situação de rua, bem como considerando o entendimento repercutido no senso
comum de que o exercício da cidadania está ligado diretamente ao ato de votar, retorna-se a
questão ainda sem resposta: por vezes, impossibilitadas ou impedidas de votar, se identificam
as pessoas em situação de rua enquanto cidadãs?

3.1 Os pormenores da cidadania e a população em situação de rua: Voto, documentação,


trabalho, impostos, saúde e educação

Bortoli (2016) desenvolveu uma profunda pesquisa, entrevistando mulheres em


situação de rua, algumas orgânicas de movimentos sociais e outras não, e chegou a conclusão
que a noção de cidadania envolvia o exercício do direito ao voto, o acesso à documentação
pessoal e a prática do trabalho. Destaca-se que duas das entrevistadas também associaram a
posição de ser cidadã ao fato de pagar impostos e acessar à saúde pública.
Este estudo já dedicou considerações sobre o exercício do direito ao voto no
subcapítulo 2.3 e no início do capítulo 3, assim como teceu comentários sobre o acesso à
documentação pessoal no subcapítulo 2.1. Quanto à prática do trabalho, o art. 7º do Decreto
Presidencial nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, incisos I e XIV, traz que são objetivos da
Política Nacional para a População em Situação de Rua assegurar o acesso amplo,
simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas trabalho e
renda e disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de
41

rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho (BRASIL, 2009,
on-line).
Lemos Junior e Freitas (2019) relembram tal previsão legislativa e afirmam que tais
ações governamentais, em prol de direitos trabalhistas para a população em situação de rua
devem ser imediatamente efetivadas. Caso não o seja, incorre em pena da sua concretização
ser requerida por meio de ação civil pública com pedido de indenização por dano moral
coletivo, a ser impetrada pelo Ministério Público do Trabalho.
Embora seja um caminho juridicamente correto, é imperioso destacar que na visão
dos juristas, na construção textual citada, o ajuizamento de uma ação, se mostra como
primeira e única alternativa. Isto posto, é preciso considerar o olhar limitado de tal defesa,
pois os efeitos de uma ação judicial são limitados ao pedido e ao que for deferido pelo Juízo,
podendo não suprir estruturalmente as necessidades de geração de trabalho e renda da
população em situação de rua, principalmente no que diz respeito à associação com outras
políticas públicas, proporcionando a real emancipação desses sujeitos.
Engels e Kautsky (2012) perseveram que as reivindicações jurídicas do proletariado
devem conter um elemento desestabilizador, perturbador da quietude do domínio da ideologia
jurídica - leia-se burguesa. Por analogia, tem-se a referência de que quando Engels analisa a
tradicional reivindicação jurídica do movimento sindical em favor de um salário justo, sugere
a substituição pela reivindicação da posse dos meios de produção pelos trabalhadores.
Assim, apenas acionar a tutela jurisdicional para assegurar direitos trabalhistas à
população em situação de rua parece não suprir questões estruturais. Sob outro prisma,
construir alternativas político-administrativas de pressão e efetivação da Política Nacional
para a População em Situação de Rua e de políticas públicas, bem como a conscientização dos
sujeitos em situação de rua dos direitos, a fim de que eles assumam o protagonismo
reivindicatório, parece ser um caminho mais concreto.
Mendes e Freitas (2021) trazem a narrativa de uma argentina que vive em situação de
rua em Canoa Quebrada/CE, a qual defende que seu estilo de vida é de resistência, pois apesar
do preconceito que sofre e das más condições de trabalho, insiste em seguir um modo de vida:
a contracultura. Ao mesmo tempo em que afirma viver na perspectiva da contracultura,
pondera que não é por completo, pelo fato de pagar impostos e colaborar com a máquina
capitalista quando compra coisas.
De fato, todos os sujeitos estão inseridos nessa logística. A pessoa em situação de rua
pode não necessariamente declarar o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), pagar o
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou o Imposto sobre Propriedade de Veículo
42

Automotor (IPVA), categorias que afetam duramente à classe trabalhadora, mas com certeza a
população em situação de rua é afetada por outras formas de arrecadação.
Nessa linha de raciocínio, incide o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) sobre qualquer tipo de compra, estando o imposto incluso no valor de cada
produto, além do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), presente, por exemplo, na
compra de cada carteira de cigarro ou de cada bebida alcoólica para consumo próprio, ou na
compra de águas, doces e salgados para revenda e geração de renda.
Resta evidente que a população em situação de rua não está isenta de maneira
alguma do pagamento de impostos no sistema capitalista. Assim, se para alguns a noção de
cidadania está vinculada a essa contraprestação, nada mais justo que a população em situação
de rua seja vista como é: cidadã!
Bortoli (2016) recolheu a informação verbal de uma mulher em situação de rua
questionada sobre ser cidadã:

Com certeza, eu voto. Não só pelo fato de votar. Até porque eu tenho direito por ser
cidadã a todas as assistências governamentais, como segurança pública e a saúde, até
porque a clínica da família vem aqui e tudo mais. Então, assim, a partir do momento
que eu tenho documentação e sou registrada aqui, eu acho que sou cidadã desse país.
Até porque pago imposto. (BORTOLI, 2016, p. 132)

Esse relato é riquíssimo para ratificar que está posto no senso comum da população
em situação de rua a associação entre o voto e o fato de ser cidadão. E, mais que isso, o acesso
à saúde pública entra em evidência.
Matos et al. (2020) ressaltam que o Consultório na Rua (CnaR), instituído pela
Portaria 122, de 25 de janeiro de 2011, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011, on-line), é
formado por uma equipe multiprofissional, que busca atender diferentes demandas de saúde
das pessoas em situação de rua, in loco, observada a adequabilidade dos procedimentos,
sendo, portanto, porta de entrada na atenção básica do SUS.
Todavia, é imperativo destacar as dificuldades de atuação do CnaR. Matos (2016, p.
106) identificou que os profissionais do CnaR em Natal/RN se sentiam "à margem do SUS”,
enfrentando os estigmas aos quais estão sujeitos às pessoas em situação de rua, buscando
construir com os demais profissionais de saúde a ideia de promoção de direito, em
contraponto à caridade, além da falta de insumos para o trabalho.
Somado a isso, após a criação do teto de gastos, por meio da Emenda Constitucional
nº 95, de 15 de dezembro de 2016, reflexo do Governo de Michel Temer, o SUS passou a ser
desfinanciado. É verdade que na pandemia da Covid-19 houve a potencialização dos
43

investimentos federais na saúde, mas em 2022 o orçamento voltou a cair, em que pese o
aumento da inflação.

Figura 5 - Orçamento do Ministério da Saúde para 2022

Fonte: Brasil (2022).

O maior financiador do SUS é o Ministério da Saúde, mas os estados e municípios


também têm contrapartida, além das Emendas Parlamentares. Nesse sentido, é imperativo
analisar que cortes orçamentários na saúde, refletem na atenção básica do SUS e,
consequentemente, no sucateamento do CnaR. Isto posto, se a atuação do CnaR é um dos
marcadores para as pessoas em situação se identificarem enquanto cidadãs, quais podem ser
os reflexos da ausência do acesso a esse serviço público?
Por conseguinte, entre as entrevistas da investigação supramencionado apareceu o
estudo como sinônimo de cidadania. Martins (2000, p. 3 apud BORTOLI, 2016, p. 134)
enfatiza que das teorias tradicionais às tendências modernas, os projetos pedagógicos visam
“formar cidadãos”.
No tocante à noção de educação e cidadania, correlacionando com a população em
situação de rua, Yazbek (2006) tece considerações sobre crianças e adolescentes serem
empurrados precocemente pela pobreza crescente para o mercado de trabalho e/ou para a vida
nas ruas. Desse modo, essas crianças e adolescentes não melhoram muito os baixos níveis de
vida das suas famílias, ao mesmo tempo em que são privadas da escolarização e da
profissionalização.
Uma vez que o ciclo da pobreza se repete na vida dessas crianças e adolescentes na
vida adulta, é reforçada a situação de vulnerabilidade e, por vezes, a vivência nas ruas.
44

Portanto, está posta uma questão estrutural entre o acesso à educação e a noção de cidadania
para as pessoas em situação de rua.
Por outro lado, a Cartilha “Conhecer para Lutar”, organizada pelo Movimento
Nacional da População de Rua (MNPR), construída com o propósito de formar e organizar
politicamente pessoas em situação de rua, assevera:

Toda pessoa que está em situação de rua é um cidadão! Portanto, seus direitos e
obrigações estão estabelecidos na Constituição Federal de 1988, independente da
cor, raça, religião ou condição social e econômica.
A Constituição em seu Artigo 5º diz que todos somos iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, não podendo ser violado o direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade. (MNPR, 2010, p. 11)

3.2 Só as lutas mudam a vida: Movimento Nacional da População de Rua

Em consonância à Duriguetto (2008 apud ALMEIDA, 2015, p. 82), toda tentativa de


solução individual, parcial, fragmentada e descontínua está, desde o início, condenada ao
fracasso; a única possibilidade está na ação coletiva, organizada e articulada.
O MNPR (2010, p. 24) reforça esse entendimento, vez que explicitou na Cartilha
“Conhecer para Lutar” que na história mundial e brasileira, as mudanças sociais e as
conquistas por direitos só foram possíveis a partir da união de forças, organização de
estratégias e mobilização de pessoas. Ainda, exemplifica que os direitos trabalhistas foram
consolidados pela organização dos trabalhadores em sindicatos e a estruturação de bairros
periféricos, pela reunião de moradores para reivindicar creches, escolas e postos de saúde.
Nesse sentido, a luta organizada em defesa dos direitos das pessoas em situação de
rua é o objetivo do MNPR. Inclusive, faz parte desse compromisso social e político, formar e
organizar pessoas em situação de rua, conscientizando-as dos direitos e garantias
fundamentais que lhes são assegurados.
Prosseguindo, a partir de entrevistas a pessoas em situação de rua, usuárias dos
serviços socioassistenciais em Natal/RN, Medeiros (2020) observou que as pessoas
entrevistadas, vinculadas ao MNPR/RN há menos tempo utilizavam com frequência o termo
“morador de rua” para definir a sua condição, enquanto as lideranças e militantes mais
orgânicos do MNPR/RN utilizavam a expressão “população em situação de rua”.
É importante elencar tal resultado de pesquisa, pois ele alcança uma dimensão
fundamental da conscientização de acesso a direitos individuais e coletivos por parte das
pessoas em situação de rua. Ao passo que “morar” significa residir em determinado local, a
45

pessoa em situação de rua tem o direito constitucional à moradia negado; por outro viés, estar
“em situação de rua” revela um caráter situacional, transitório, temporário, o qual pode ser
modificado com acesso a políticas públicas estruturantes, em especial, de habitação e de
geração de trabalho e renda16.
À vista disso, constata-se que a existência e atuação do MNPR é uma importante via
para a conscientização dos seus direitos individuais e coletivos por parte das pessoas em
situação de rua. Por outro lado, Almeida (2015) analisa que o processo de organização
política da população em situação de rua exige fazer uma mediação com as condições
concretas de vida dessas pessoas. Afinal, no sistema capitalista, as condições de vida da classe
trabalhadora já são precarizadas no mundo do trabalho, mas, nos tempos de Crise do Capital,
tais dificuldades são potencializadas, dificultando o processo de organização política, mesmo
para aquelas pessoas que têm garantido o básico para subsistir, como comer, morar e vestir,
assim, para a população em situação de rua, que sequer tem acesso ao mínimo para existir, é
um desafio o engajamento no processo de discussão política.
Todavia, está se falando em dificuldades e desafios, não em impossibilidades.
Almeida (2015) defende que, diante desse cenário sensível, a mobilização para que as pessoas
passem a integrar o MNPR é um processo lento, haja vista a luta cotidiana e a naturalização
das violações constitucionais sofridas, leva ao não reconhecimento enquanto sujeitos de
direitos. Por isso, o despertar da consciência exige insistência e reflexão sobre essas
condições, a fim não só de engajar esses sujeitos na luta coletiva, mas principalmente
proporcionar que se identifiquem enquanto sujeitos de direitos e garantias fundamentais.
Ainda, Santos (2021) evidencia o silenciamento das memórias coletivas das pessoas
em situação de rua, com o objetivo perverso de apagamento tanto da história como da
existência individual e coletiva dessas pessoas. No contraponto, as lideranças do MNPR, no
Nordeste, põem em prática formas de resistência, a fim de manter a memória viva, em prol do
fortalecimento e da construção de uma identidade coletiva das lideranças do movimento
social.
Peloso (2009, p. 56 apud BEZERRA, 2014, p. 96) aponta para o fato de que a luta é
impulsionada pela exploração e dominação; ninguém está na luta porque gosta, mas sim
porque se vê obrigado pela necessidade; estar na luta é continuar vivendo e se reconhecendo
como gente.

16
Por esse motivo, ao longo de todo este estudo, foi feita a escolha política de usar as terminologias “pessoas
em situação de rua” e “população em situação de rua”.
46

4 MARQUISES, PRAÇAS E VIADUTOS: OS DESAFIOS DO ACESSO À JUSTIÇA


PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Figura 6 - Pessoa em situação de rua na marquise do Banco Itaú no Centro do Rio de


Janeiro/RJ

Fonte: Elaborado pela autora (2021).17

“Os pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados e dominados, têm caminhado
em silêncio e depressa no chão dessa longa noite de humilhação e proclamam, no gesto da
luta, da resistência, da ruptura, da desobediência, sua nova condição, seu caminho sem volta,
sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História.”
(José de Souza Martins, Caminhada no Chão da Noite: Emancipação Política e Libertação
nos Movimentos Sociais do Campo, 1989)

17
Foto tirada no dia 21 de junho de 2021, no Centro do Rio de Janeiro/RJ.
47

O art. 1º, caput, da CRFB/88 afirma que o Brasil se constitui em um Estado


Democrático de Direito (BRASIL, 1988, on-line). Por mais paradoxal que seja, na
contemporaneidade, existem mais leis penais e processuais penais do que na Ditadura Militar,
no País.
Em harmonia com Moraes (2005), a compatibilidade de atos normativos e das leis
anteriores à CRFB/88 será resolvida pelo fenômeno da recepção. Nessa linha de raciocínio,
vale pautar o art. 59, caput, da Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de
outubro de 1941:

Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o


trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à
própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado
meios bastantes de subsistência, extingue a pena. (BRASIL, 1941, on-line).

A priori, é preciso evidenciar que o dispositivo supracitado não foi revogado no


ordenamento jurídico brasileiro, mas não foi recepcionado pela CRFB/88, por atentar
frontalmente contra os princípios basilares previstos no art. 5º do texto constitucional. Ou
seja, na prática, não tem aplicabilidade, por isso, é possível afirmar que a CRFB/88 não
recepcionou a contravenção penal de vadiagem.
Contudo, Greco (2019) afirma que a leitura do art. 59 da Lei de Contravenções
Penais traz uma distinção inequívoca entre pobres e ricos. Ao passo que, para a pessoa rica, o
ócio é motivo de reconhecimento, para a pessoa pobre, é ensejo para taxar como vadio e
enquadrar como contraventor.
Na história brasileira, essa foi a porta de entrada das pessoas em situação de rua ao
sistema de justiça. Por isso, hoje, ainda existem resquícios dessa construção histórica, de
modo que é naturalizado na sociedade as pessoas em situação de rua protagonizarem o polo
passivo de ações judiciais, mas provoca estranheza se, porventura, esse grupo populacional
estiver no polo ativo de uma demanda judicial.
Engels e Kautsky (2012) sustentam que as reivindicações resultantes dos interesses
comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe conquista o poder político e
as suas reivindicações alcançam validade universal sob forma de leis, por isso, toda classe em
luta precisa formular suas reivindicações em forma de reivindicações jurídicas.
Ante o exposto, as pessoas em situação de rua sentem a necessidade e se organizam
enquanto coletivo. A partir do compromisso social e político do MNPR, e em concordância a
48

Engels e a Kautsky, surgem previsões legislativas, como o Decreto Presidencial nº 7.053, de


23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de
Rua (BRASIL, 2009, on-line).
Não obstante, Leite (2020) pondera que o Decreto Presidencial nº 7.053, de 23 de
dezembro de 2009, aponta responsabilidades dos entes governamentais, mas não indica quais
são as consequências do descumprimento desta política nacional, como também, os entes
federativos têm a faculdade de adesão às políticas públicas descritas no decreto. Desta
maneira, o descumprimento e não adesão não terão graves consequências no campo jurídico,
favorecendo a não concretização dos princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional
para a População em Situação de Rua.
Nessa perspectiva, direitos reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro são
importantes. Porém, a própria dinâmica das relações produtivas, das quais o direito deriva,
impede que os direitos sejam realizados em seus termos ou que sejam, como na Política
Nacional para a População em Situação de Rua, previstos de maneira vinculante.
Dito isto, na articulação política das pessoas em situação de rua, são determinantes
parcerias institucionais. Almeida (2015) aponta que, considerando todos os desafios postos ao
processo organizativo da população em situação de rua, nos estados em que o MNPR existe
há mais tempo, estão mais consolidadas parcerias institucionais, como com o Ministério
Público, Defensoria Pública e outras instituições que apoiam a luta do MNPR. Essas parcerias
são relevantíssimas, pois podem possibilitar concretamente o acesso ao direito fundamental à
justiça, apregoado no art. 5º, XXXV, da CRFB/88.
Uma vez violadas cotidianamente, as pessoas em situação de rua podem se
autorreconhecer enquanto sujeitos de direitos individuais e coletivos, mas a realidade concreta
é perpassada por necessidades imediatas e estruturais que as impedem de pleitear a tutela
jurisdicional. A fome é urgente; o pouco ou nenhum conhecimento dos caminhos a serem
percorridos até o Poder Judiciário, mesmo daquele que são usuários dos serviços públicos
socioassistenciais e de saúde; a localização das sedes físicas distante das zonas de circulação
das pessoas em situação de rua; os procedimentos digitais, portanto, inacessíveis; as estruturas
palacianas, a imagem, a higiene e o vestuário, são algumas barreiras que estão postas entre as
pessoas em situação de rua e o acesso à Justiça.
49

4.1 População incivil, embora cidadã

A sociedade civil é distinguida em três tipos por Santos (2005, p. 25), a íntima, a
estranha e a incivil. Assim, a sociedade civil íntima é composta por aqueles que gozam de um
elevado nível de inclusão, desfrutando do leque completo de direitos humanos, bem como
tendo uma íntima relação com o Estado, principalmente no que diz respeito a alcançar as
políticas públicas a que se tem direito.
Ato contínuo, a sociedade civil estranha é formada por aqueles que vivenciam um
misto de inclusão e exclusão social. Dessa forma, o acesso aos direitos humanos se dá na
esfera dos direitos civis e políticos, mas de maneira escassa aos direitos sociais e econômicos.
Desta feita, está posta uma relação estranha com o Estado.
Ainda, a sociedade civil incivil corresponde àqueles totalmente excluídos. Na prática,
os sujeitos que se encontram nesse grupo não têm acesso a quaisquer direitos humanos. Em
rigor, não pertencem à sociedade civil e, consequentemente, ao Estado.
Para Melo (2019, p. 53), a população em situação de rua se localiza no que
Boaventura de Sousa Santos denomina de sociedade civil incivil. Isso porque, a priori, se
trata de um grupo populacional cujos direitos humanos e fundamentais são completamente
negados e totalmente excluídos socialmente.
Em continuidade, o termo “cidadania” é amplamente utilizado na literatura jurídica,
mas não há uma demarcação de quem é cidadão e de quais são os atributos que lhe são
conferidos constitucionalmente. No que toca à população em situação de rua, o capítulo 3
deste estudo se dedicou, a partir da identidade humana e cidadã estampada em seus corpos, a
identificar os fatores que promovem a maior consciência de direitos individuais e coletivos
nas vivências das pessoas em situação de rua.
Leite (2017, p. 65) acredita que a concepção de cidadania está atrelada à participação
do povo nas instâncias decisórias, não simplesmente à capacidade eleitoral. O cidadão deve
ter atuação direta na democracia, com a

[...] abertura de instâncias decisórias à participação dos cidadãos, e não apenas a


representantes. Em perspectiva jurídica, essa abertura compreende a emancipação de
sentidos com caráter vinculativo. Isso significa que não basta que se assegure o
comparecimento do cidadão aos locais de deliberação, como ouvinte ou, tampouco,
concedendo-lhe oportunidade de manifestação. O ingresso na instância decisória se
perfaz quando o sentido enunciado pelo cidadão, ainda que não venha a prevalecer,
não pode ser desconsiderado na tomada de decisões [...] (GRESTA, 2014, p. 56-57
apud LEITE, 2017, p. 65).
50

Nesse sentido, Maia (2021, p. 639) ressalta que as pessoas em situação de rua
ocupam espaços sociais e políticos via MNPR. A partir disso, são possíveis articulações e
representações dos interesses e necessidades das pessoas em situação de rua, por intermédio
do diálogo com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Também, pelo fato de as
próprias pessoas em situação de rua estarem a frente dessas construções, são demarcadas as
particularidades em cada localidade no que diz respeito às bandeiras de luta do MNPR.

4.2 Entre a rua e o asfalto: O acesso à Justiça

A XIV Conferência Judicial Ibero-Americana, ocorrida em 2008, em Brasília/DF,


considerou necessária a elaboração de regras básicas relativas ao acesso à Justiça das pessoas
em condição de vulnerabilidade. O resultado dos trabalhos da Cúpula foi o documento
intitulado como “100 Regras de Brasília”.
As 100 Regras de Brasília constituem um advento histórico e jurídico, pois, não se
limitam a estabelecer bases de reflexão sobre os problemas do acesso à Justiça das pessoas em
condição de vulnerabilidade, mas também estipula recomendações para os órgãos públicos e
para os que prestam os seus serviços no sistema judicial.
No que diz respeito ao conceito de pessoas em condição de vulnerabilidade para fins
de acesso à Justiça,

(3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão


da sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais,
económicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar
com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo
ordenamento jurídico.
(4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade,
a incapacidade, a pertença a comunidades indígenas ou a minorias, a vitimização, a
migração e o deslocamento interno, a pobreza, o género e a privação de liberdade. A
concreta determinação das pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país
dependerá das suas características específicas, ou inclusive do seu nível de
desenvolvimento social e económico. (PROJECTO EUROSOCIAL JUSTIÇA,
2008, p 5)

A priori, a própria conceituação adotada pelo Decreto Presidencial nº 7.053, de 23 de


dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, abre
margem para o entendimento das pessoas em situação de rua enquanto vulneráveis para fins
de acesso à Justiça, segundo as 100 Regras de Brasília.
Por esse viés, a Resolução nº 40, de 13 de outubro de 2020, do Conselho Nacional de
Direitos Humanos (CNDH), dispõe sobre as diretrizes para promoção, proteção e defesa dos
51

direitos humanos das pessoas em situação de rua, de acordo com a Política Nacional para
População em Situação de Rua (BRASIL, 2009, on-line).
No que tange o acesso à Justiça, a Resolução nº 40 do CNDH prevê que a população
em situação de rua tem direito ao amplo acesso aos órgãos do sistema de justiça e defesa dos
direitos, bem como o atendimento deve ser prioritário, desburocratizado e humanizado, sem
necessidade de agendamento; contar com equipe de atendimento multidisciplinar; a falta de
documento pessoal, ausência de comprovação de residência ou o tipo de vestimenta não
poderão ser utilizados para vedação ao atendimento desta população; entre outros pontos
(BRASIL, 2020, on-line).
Também, a Resolução nº 425, de 08 de outubro de 2021, do CNJ, institui no âmbito
do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e
suas Interseccionalidades. Dentre os objetivos se tem o intuito de assegurar o amplo acesso à
Justiça às pessoas em situação de rua, de forma célere e simplificada, a fim de contribuir com
a superação de múltiplas vulnerabilidades econômica e social, bem como da sua situação de
precariedade e/ou ausência habitacional (CNJ, 2021, on-line).
Além disso, na Resolução nº 425 do CNJ são reforçados pontos já abordados na
Resolução nº 40 do CNDH. À vista disso, resta evidente que o Poder Judiciário brasileiro
reconhece a condição de vulnerabilidade para fins de acesso à Justiça por parte das pessoas
em situação de rua.
Tal reconhecimento é importante e acarreta a edição de atos normativos, porém, é
imprescindível analisar o quão recente é a publicação das resoluções supracitadas, frente a um
fenômeno histórico. Ademais, para além de tais previsões é preciso observar a sua efetivação.
Por esse ponto de vista, é inequívoco que é fundamental propor estratégias de
atuação efetivas em relação ao acesso à Justiça por parte das pessoas em situação de rua.
Assim, cabe atenção especial à atuação preambular da Defensoria Pública na forma de busca
ativa, estratégia já implementada pelos serviços socioassistenciais e de saúde previstos,
respectivamente, na PNAS e no SUS.
Almeida et al. (2019) reconhecem que para a Defensoria Pública implementar o
acesso à Justiça e a promoção de direitos humanos para pessoas em situação de rua é
necessário perceber as múltiplas vulnerabilidades (hipervulnerabilização) vivenciadas por
esse grupo e refletir sobre uma atuação estratégica para alcançar essas pessoas que estão à
margem do sistema de justiça, inclusive, em muitos casos, pela própria Defensoria Pública.
Afinal, se trata de um público tão vulnerável que o modelo tradicional de prestação de
assistência jurídica não os contempla.
52

Isto posto, se apresenta a alternativa da busca ativa. Oliveira (2019, p. 56) afirma não
ter encontrado durante a sua pesquisa nenhuma bibliografia nacional que abordasse o papel da
“busca ativa” no sistema de justiça. No entanto, Forell e Gray (2009 apud OLIVEIRA, 2019,
p. 59) alcançou o conceito de “busca ativa” como a assistência jurídica prestada fora do
escritório, para pessoas em situação de vulnerabilidade que tenham problemas legais.
Por mais nobre que seja a conceituação que se chegou o estudo de Oliveira sobre
busca ativa e assistência jurídica, cabe se debruçar sobre o que está implícito em na
terminologia “problemas legais”.
O início deste capítulo aborda a problemática sobre a porta de entrada das pessoas
em situação de rua na história brasileira ter sido “problemas legais”. Já é passada a hora do
sistema de justiça reconhecer essas pessoas enquanto sujeitos de direitos individuais e
coletivos, os quais podem acessar à justiça não apenas para resolver problemas, mas também
para pleitear direitos.
Dando prosseguimento, Almeida et al. (2019) expõem que o marco inicial da atuação
da Defensoria Pública no Brasil com a população em situação de rua foi a realização do
Seminário sobre direitos e garantias da população em situação de rua, realizado pelo Colégio
Nacional de Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) e pela Secretaria de Direitos Humanos
(SDH) do Governo Federal, em 2010, oportunidade em que Maria Lúcia Santos Pereira18,
liderança do MNPR da Bahia, fez importante relato sobre o Seminário:

O encontro em 2010 com os defensores públicos a secretaria de direitos humanos


organizou, depois da gente falar muito a necessidade de a gente ter a Defensoria
próxima à população em situação de rua, eles organizaram um encontro com
diversos defensores públicos. Tinha de quase todos os estados. Quando nós fizemos
esse encontro, foi muito bom porque uma das primeiras coisas que percebi é que
muitos defensores públicos não tinham a mínima consciência da existência da
população em situação de rua... Aquela questão de passar, ver e não enxergar. Nesse
encontro, eles puderam não apenas saber que existe o fenômeno da população de
rua, como também escutar de cada um de nós. A sensação que tive é que alguns
ficaram perplexos, curiosos. Eu diria que até um pouco envergonhados de não terem
visto. No exato momento, algumas Defensorias, já iniciaram logo um diálogo
conosco, procurando saber mais, estar mais próxima. (ALMEIDA, 2019, p. 193)

18
O webdocumentário “Filha da Rua” (2004) demonstra que Maria Lúcia Santos Pereira ficou órfã dos pais aos
3 anos de idade e passou a morar em Salvador com 2 mulheres, as quais faleceram quando Maria Lúcia tinha
15 anos de idade. Então, foi encaminhada para o Juizado de Menores e, devido às violências institucionais,
em dada oportunidade, fugiu para as ruas. Nas ruas foi apresentada ao álcool e às drogas, e quando desejou,
buscou ajuda, foi amparada e fez efetivo tratamento. Durante a sua trajetória nas ruas se viu intermediando
injustiças promovidas pelos serviços públicos e agentes de segurança pública, até amadurecer criticamente a
necessidade de organização política da população em situação de rua, sendo fundadora do MNPR e liderança
reconhecida nacional e internacionalmente. Aos 51 anos Maria Lúcia faleceu em 2018, deixando um legado
de luta e resistência.
53

Noutro giro, no que toca em uma das questões centrais desta pesquisa, o Relatório de
Atividades sobre a implementação da Resolução nº 425 do CNJ traz como problemas
detectados a ausência de documentos de identificação pessoal, derivada da falta de acesso à
emissão dos documentos, perda, furto, retirada compulsória etc (CNJ, 2022a).
Tal fato impacta diretamente na possibilidade da propositura de ações judiciais por
parte das pessoas em situação de rua no pleito de direitos individuais e coletivos, uma vez que
os sistemas de protocolo de processos eletrônicos exigem o registro de dados como RG, CPF
e comprovante de residência.
Como alternativa, o art. 8º, VII, VIII e IX, da Resolução nº 425 do CNJ dispõe:

Art. 8º Os órgãos judiciais e administrativos, quando do processamento de ações


judiciais e procedimentos extrajudiciais afetos aos direitos e garantias das pessoas
em situação de rua, zelarão pela prioridade, celeridade, inclusão, humanização e
desburocratização desses processos, inclusive por meio da adoção das seguintes
estratégias:
[...]
VII – a não exibição de documentos de identificação não deve ser empecilho à
propositura de ações e à prática de atos processuais, inclusive em fase
pré-processual, por parte das pessoas em situação de rua, devendo o Poder Judiciário
realizar buscas nos cartórios de Registro Civil, na Central de Informações de
Registro Civil de Pessoas Naturais (CRC) e em cadastros de identificação, como a
base de dados da Identificação Civil Nacional, as bases de dados dos institutos de
identificação dos Estados e do Distrito Federal, e outras disponíveis;
VIII – substituição do comprovante de residência por um endereço de referência da
rede de proteção social (CRAS, CREAS, Centro Pop, Centro de Acolhida, Casas de
Passagem, entre outros), conforme orientação constante da política de Assistência
Social, o qual também poderá ser utilizado nas ações criminais para assegurar
medidas diversas da prisão, observando-se que a eventual inexistência de um
endereço fixo ou de referência não deve ser utilizada como fundamento para a
privação da liberdade da pessoa; e
IX – quando documentos estiverem em entidades públicas deverá o Juízo determinar
que sejam remetidos para os autos, evitando que a pessoa em situação de rua tenha
que se deslocar para solicitar a documentação. (CNJ, 2021, on-line)

Ou seja, de acordo com a Resolução nº 425 do CNJ cabe ao Poder Judiciário


diligenciar a busca e a juntada de documentos de identificação de pessoas em situação de rua
em autos processuais.
Quanto ao caput do artigo supracitado, merece destaque o zelo pela prioridade e
celeridade, assim como a inclusão, humanização e desburocratização. Dentre os sistemas
existentes e usuais pelo Poder Judiciário, o único sistema que possibilita a identificação de
demandas judiciais de pessoas em situação de rua é o recente Processo Judicial Eletrônico 2.x
(PJe 2.x). Veja-se:
54

Figura 7 - Print do PJe 2.x

Fonte: Elaborado pela autora (2022).19

Notadamente, ao passo que tal identificação se localiza no mesmo rol de demandas


prioritárias, como processo 100% digital, pessoa com deficiência, doença terminal, pessoa
idosa e réu preso, por analogia, infere-se que a indicação permitirá celeridade aos processos
que envolvam pessoas em situação de rua.
Vale pontuar que, até o momento, no Rio Grande do Norte o PJe 2.x só está
disponível para protocolo de processos de competência da Justiça Federal, cabendo, ainda, à
Justiça Estadual implantar o sistema.
Depois, ainda se tem a atenção à inclusão, humanização e desburocratização para a
efetivação da política pública de acesso à Justiça por parte da população em situação de rua.
Nesse sentido, o art. 16 da Resolução nº 425 do CNJ prevê:

Art. 16. Os tribunais deverão desenvolver fluxos interistitucionais que facilitem o


livre acesso das pessoas em situação de rua:
I - às informações de sua titularidade no registro civil de pessoas naturais e nos
cadastros de identificação; e
II - às certidões necessárias à identificação e ao exercício de direitos.
Parágrafo único. O registro tardio de nascimento de pessoas em situação de rua
deverá ter fluxo abreviado e prioridade de tramitação, evitando pesquisas biográficas
que atrasem demasiadamente sua conclusão ou levem à extinção do processo por
ausência do interessado. (CNJ, 2021, on-line)

Ante o exposto, para a implementação da Resolução nº 425 do CNJ é defendida a


necessidade da articulação de um trabalho em rede, com criação de fluxos interinstitucionais,
como forma de unir forças entre as instituições, criando pontes para a efetividade da política

19
O print foi feito pela autora para demonstrar que o cadastro de demandas no PJe 2.x possibilita a indicação de
processo que tenha como parte pessoa em situação de rua.
55

pública, a fim de que se considerem as complexidades e dificuldades das pessoas em situação


de rua no contexto dos processos judiciais (CNJ, 2022a, on-line).
Nessa toada, o documento “Trilhas de Acesso à Justiça”, que trata sobre a
implementação da Resolução nº 425 do CNJ, dispõe que ajuizado o processo, em havendo
pendências de documentos, o judiciário deverá acessar, por meio da rede de convênio, todos
os documentos/dados faltantes, ou na impossibilidade, oficiar os órgãos competentes para a
devida requisição (CNJ, 2022b, on-line). O caminho a ser percorrido:

Figura 8 - Infográfico do fluxo de atendimento da pessoa em situação de rua no Poder


Judiciário

Fonte: CNJ (2022b, p 15).20

20
Imagem retirada do Trilhas de Acesso à Justiça (CNJ, 2022b).
56

Por óbvio, é uma política extremamente recente e que ainda está sendo
implementada. Nesse sentido, os atores e atrizes envolvidos na sua implementação certamente
irão se deparar com desafios e incongruências, os quais fazem parte das singularidades das
vivências das pessoas em situação de rua.
Antecipadamente, a crítica gira em torno do fato de mesmo com o olhar do Poder
Judiciário estando voltado às demandas das pessoas em situação de rua, ainda continua sendo
indispensável a documentação civil para a propositura de ações judiciais, logo, ainda está
posta a burocratização.
Do modo que a Resolução nº 425 do CNJ está prevista, na ausência de documentação
civil por pessoas em situação de rua, deve ser diligenciada, com prioridade, a sua confecção
(CNJ, 2021, on-line). A partir do norte da implicação empírica e do acesso a fontes
bibliográficas e documentais, um caminho possível seria acessar dados já existentes sobre a
pessoa em situação de rua do caso concreto que busque o Poder Judiciário, e garantir de fato o
acesso à Justiça.
O subcapítulo 3.1 deste trabalho discorre sobre a existência e atuação in loco do
CnaR desde 2011 no Brasil, também, vale pontuar que com a pandemia da Covid-19, as
pessoas em situação de rua foram eleitas como prioritárias para recebimento da vacinação
(BRASIL, 2021, on-line). Tanto para o atendimento in loco, como para a vacinação, são
necessários registros21; ou seja, os dados coletados pela saúde pública podem ser aliados para
efetivar o acesso à Justiça para as pessoas em situação de rua.

21
[...] o atendimento às pessoas em situação de rua deve ser realizado, independente delas possuírem o Cartão
SUS ou comprovante de residência, assim a vacinação da população em situação de rua, não pode ser negada
por motivo de falta de documentação, deve-se aplicar a primeira dose, em paralelo se faz necessário
providenciar a documentação do cidadão (BRASIL, 2021, p. 1).
57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 9 - Pessoa em situação de rua na marquise de uma loja de móveis da Avenida


Prudente de Morais em Natal/RN

Fonte: Elaborado pela autora (2021).22

“(...) As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis. (...)”
(Carlos Drummond de Andrade, Nosso Tempo, 1940)

22
Foto tirada no dia 06 de abril de 2021, na Avenida Prudente de Morais em Natal/RN, durante uma ação do
MNPR/RN, onde foram entregues alimentações e kits de higiene para as pessoas em situação de rua
encontradas pelas ruas da cidade, considerando o ápice da pandemia da Covid-19 e ausência de serviços
públicos que contemplasse a todos os sujeitos em situação de rua no município de Natal/RN.
58

A primazia dos direitos humanos firma o entendimento das pessoas em situação de


rua enquanto sujeitos de direitos, e o advento dos direitos fundamentais chancela esse grupo
populacional como cidadãos, iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo
inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Ou seja, as
pessoas em situação de rua não só são titulares de direitos individuais e coletivos, como
também devem ter assegurada a sua proteção.
Ocorre que, em se tratando de um fenômeno mundial, as pessoas em situação de rua
sofrem violações cotidianas aos seus direitos humanos e fundamentais. Frente às múltiplas
determinações do objeto, a pesquisa sobre pessoas em situação de rua não permite
compreendê-las enquanto únicas, portanto, são diferentes umas das outras, porém,
compartilham da particularidade que as une, a situação de rua. Logo, foi possível alcançar
alguns aspectos das violências sofridas por essa parcela da população no Brasil, mas não a sua
totalidade.
Para a realização deste estudo, inicialmente, foi pensada a condução de entrevistas
semiestruturadas com pessoas em situação de rua em Natal/RN. Apesar de não ter sido
possível dar prosseguimento a esse viés metodológico neste momento, trabalhar os direitos
das pessoas em situação de rua no campo do Direito é extremamente importante e necessário.
Quanto ao direito à vida, observaram-se infringências desde a concepção,
perpassando a vida adulta, até a chegada da maturidade da pessoa idosa em situação de rua.
Tal linha de raciocínio se expressa quando há a ameaça e a efetiva retirada compulsória de
crianças de mães em situação de rua; a ausência do registro civil de nascimento, RG, CPF,
CTPS; e o desligamento dos serviços socioassistenciais da proteção social especial da alta
complexidade previstos na PNAS e encaminhamento para as ILPIs.
Em relação ao direito à liberdade, deu-se especial atenção à liberdade de ir e vir e à
liberdade de expressão de pessoas em situação de rua. A liberdade de ir e vir resta
comprometida ao passo que a pessoa não pode adentrar espaços públicos e privados, além da
criminalização. Já a liberdade de expressão é violada quando é retirada a identidade humana e
cidadã desses sujeitos, ou, ainda, quando práticas caritativas e filantrópicas condicionam o
acesso à alimentação à participação de um momento religioso específico.
No tocante ao direito à igualdade, chegou-se à disparidade no exercício do direito ao
voto universal, na igualdade de gênero, de raça e de orientação sexual das pessoas em situação
de rua. Uma vez que, em muitos casos, sequer se tem acesso ao registro civil, o Título de
Eleitor é inexistente, e, quando se tem, existem limitações objetivas, como se deslocar até o
local de votação. Ainda, tem-se a violência de gênero potencializada no contexto da rua, além
59

da representatividade de negros em situação de rua no Brasil e a violação quanto à orientação


sexual.
Acerca do direito à segurança, explorou-se a assimetria no acesso à segurança
alimentar e nutricional e à segurança pública. É evidente a restrição alimentar das pessoas em
situação de rua, porém, fatores políticos, econômicos e sociais, para além da crise de saúde
pública, ocasionada pela Covid-19, intensificaram essa limitação. Outrossim, a
desconformidade no acesso à segurança pública se apresenta desde do fato de estar nas ruas,
até à instauração de procedimentos administrativos, como o inquérito policial.
No que concerne ao direito à propriedade, obviamente, a população em situação de
rua não faz parte da classe social que detém a propriedade privada. Portanto, ocupações
urbanas se apresentam como uma alternativa de sobrevivência, realidade que, mesmo
amparada pelo entendimento do STF que suspende despejos na pandemia, diversos episódios
foram orquestrados pelo Brasil, oportunidade marcada pela retirada de pertences das pessoas
em situação de rua. Assim, destacaram-se os direitos individuais e coletivos elencados no art.
5º, caput, da CRFB/88, enquanto pertinentes às vivências das pessoas em situação de rua.
Em seguida, a partir do acesso a diversos relatos de pessoas orgânicas e não
orgânicas de movimentos sociais, alcançou-se o entendimento de que as pessoas em situação
de rua têm consciência da sua cidadania, ao passo que têm direito ao voto, à documentação,
ao trabalho, pagam impostos, têm acesso à saúde e à educação. Além disso, a inserção no
MNPR por parte das pessoas em situação de rua promove maior consciência de direitos
individuais e coletivos nas vivências das pessoas em situação de rua.
Importante ressaltar que o conhecimento do compromisso social e político e inserção
na luta do MNPR se trata de processo lento. Isso porque a luta cotidiana e a naturalização das
violações constitucionais sofridas, leva ao não reconhecimento enquanto sujeitos de direitos,
por isso, são importantes espaços que fomentem o despertar da consciência, a fim não só de
engajar esses sujeitos na luta coletiva, mas principalmente proporcionar que se identifiquem
enquanto sujeitos de direitos e garantias fundamentais.
Nessa linha de raciocínio, revelou-se a condição de vulnerabilidade para fins de
acesso à Justiça das pessoas em situação de rua, inclusive reconhecida pelo Poder Judiciário
brasileiro, bem como a imperatividade da proposição de estratégias de atuação efetivas em
relação ao acesso à Justiça para essa parcela populacional. Ainda, o diálogo com as pessoas
em situação de rua e lideranças do MNPR se mostrou fundamental para a superação dos
desafios postos. Desse modo, verificaram-se as dificuldades enfrentadas pelas pessoas em
situação de rua para concretizar o acesso à Justiça.
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Desse modo, enquanto sujeitos de direitos e titulares de direitos fundamentais


cotidianamente violados, à medida que são pertencentes ao Estado brasileiro, cabe a tutela
jurisdicional do ordenamento jurídico pátrio. Muito embora, historicamente, a porta de
entrada das pessoas em situação de rua ao sistema de justiça foram as contravenções penais.
Os resquícios dessa construção histórica se expressam na naturalização por parte da
sociedade do fato das pessoas em situação de rua protagonizarem o polo passivo de ações
judiciais, mas provoca estranheza se, porventura, esse grupo populacional estiver no polo
ativo de uma demanda judicial.
Ato contínuo, as provocações feitas pelas lideranças do MNPR nos espaços de
controle social surtem efeitos positivos no que diz respeito à construção de normativas que
visam garantir o acesso à Justiça por parte da população em situação de rua, como a
Resolução nº 40 do CNDH e a Resolução nº 425 do CNJ. Todavia, não basta estar previsto o
atendimento prioritário, célere, inclusivo, humanizado e desburocratizado no sistema de
justiça para a população em situação de rua, é preciso ir além e pensar na sua efetivação.
Dentro da sua realidade de atuação institucional, a Defensoria Pública se mostra
avançada ao trazer a busca ativa como a assistência jurídica prestada fora do escritório, tendo
em vista que as pessoas em situação de rua são um público tão vulnerável que o modelo
tradicional de prestação de assistência jurídica não os contempla.
Fato é que as pessoas em situação de rua se autorreconhecem enquanto sujeitos de
direitos individuais e coletivos, mas a realidade concreta é perpassada por necessidades
imediatas e estruturais que as impedem de pleitear a tutela jurisdicional. Não à toa, a
existência da Resolução nº 40 do CNDH e da Resolução nº 425 do CNJ, bem como da
estratégia de busca ativa por parte da Defensoria Pública.
A fome é urgente, por isso, questões burocráticas muitas vezes são negligenciadas.
Somado a isso, o pouco ou nenhum conhecimento dos caminhos a serem percorridos até o
Poder Judiciário, além da localização das sedes físicas distante das zonas de circulação das
pessoas em situação de rua e dos procedimentos digitais, são fatores que tornam inacessíveis o
acesso à Justiça por parte das pessoas em situação de rua.
Diante do exposto, concluiu-se que as pessoas em situação de rua se
autorreconhecem enquanto sujeitos de direitos individuais e coletivos, contudo, existem
fatores que impossibilitam a concretização da formulação do pleito à tutela jurisdicional. Tal
conclusão está em conformidade com a hipótese que norteou a presente investigação, mas, no
decorrer da pesquisa, identificou-se a questão da documentação civil como basilar para a
61

propositura de ações judiciais e, por consequência, a continuidade da burocratização do que


está sendo proposto como prioritário, célere, inclusivo, humanizado e desburocratizado.
À vista disso, compreendendo que o sistema de justiça não é pensado para
contemplar as particularidades das pessoas em situação de rua e que, por mais que esteja em
processo de implementação da Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação
de Rua e suas Interseccionalidades, desde já é possível perceber a continuidade de empecilhos
estruturais para as pessoas em situação de rua de fato acessarem à Justiça. Assim, é pertinente
dar continuidade a investigação sobre o acesso à Justiça por parte das pessoas em situação de
rua, mas, ouvindo as principais interessadas, as pessoas em situação de rua.
62

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