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FLORIANÓPOLIS
2021
LUIZ FERNANDO ROSSETTI BORGES
FLORIANÓPOLIS
2021
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
LUIZ FERNANDO ROSSETTI BORGES
A VIOLÊNCIA NO ARCO DO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA: CRIMES DOS
PODEROSOS E DANOS SOCIOAMBIENTAIS
O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi
julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.
____________________________
Coordenação do Programa de PósGraduação
____________________________
Prof. José Rubens Morato Leite, Dr.
Orientador(a)
Florianópolis, 2021
Esta Dissertação é dedicada ao
meu pai, Gentil, e à minha mãe, Cristina.
À Emanuela Freitas de Valgas, minha esposa, por todo o amor, apoio, compreensão
e paciência durante esses anos, sem a qual esta Dissertação não seria possível. Obrigado por
me ouvir, pelas risadas e por partilhar a sua vida comigo.
Ao meio pai, Gentil Borges Neto, e à minha mãe, Cristina Rossetti Borges, por
sempre estarem juntos comigo, independentemente da distância, e por me apoiarem nos meus
sonhos. Pelo amor e afeto incondicionais e pelo incentivo e apoio permanentes
Às minhas irmãs, Maria Paula Rossetti Borges e Maria Eugênia Rossetti Borges, e
aos meus sobrinhos, Enzo Rossetti Borges Farina, Pedro Rossetti Borges Moreno e Enrico
Rossetti Borges Montebello, este último meu querido afilhado, e à minha tia Elvira Rossetti de
Araújo. Vocês são essenciais na minha vida.
Ao meu orientador, José Rubens Morato Leite, por ajudar a ampliar os meus
horizontes, por sua generosidade ao me dar tantas oportunidades e por confiar na minha
capacidade e no meu trabalho. Pelo engajamento e pela determinação na defesa de um mundo
melhor, o professor é uma inspiração.
À minha coorientadora, Marília de Nardin Budó, por me mostrar novas perspectivas
de estudo e por tanto confiar no meu potencial. Sua orientação foi fundamental para o
desenvolvimento desta Dissertação.
Aos meus amigos Humberto Filpi e Marcelo Mosmann, por juntos termos
caminhado e enfrentado diversas batalhas no mestrado da UFSC.
Ao meu amigo Marcos Rotta Pucci, por, mesmo não tendo o mesmo sobrenome, ser
meu irmão e companheiro de todas as horas.
À toda equipe do GPDA, por todas as discussões e troca de conhecimentos que muito
me engrandeceram. Deste valioso grupo, gostaria de nomear especificamente Valeriana
Broetto, Bruno Peixoto, Isabel Couto, Larissa Boratti, Fernanda Cavedon, José Irivaldo
Oliveira Silva e Melissa Melo.
Agradeço a todos os demais colegas e aos dedicados servidores e professores da
UFSC, em especial aos membros do OJE.
À Nequinha, ao Guinho e à Gaia, por serem do jeito que são e me encherem de amor
e energia nas horas mais importantes!
Reis do Agronegócio
Carlos Renno e Chico Cesar
In the context of the Anthropocene, the massive exploitation of primary resources in the
Global South by corporations in association with the State is understood as a producer of
violence to nature and to the human beings who live there, as they are interdependent, in view
of a characteristic interaction and exchange of energy. Under the framework of Green
Criminology and Crimes of the Powerful, it is verified that corporations and the State are
responsible for the victimization of indigenous and traditional peoples in the Amazon Arc of
Deforestation. Therefore, this Master's Thesis discusses the economic, social and legal
processes that lead to social damages practiced in the forest regardless of its legality or
illegality through the deductive method, with a monographic procedure and with a
descriptiveexplanatory research level, being marked the interdisciplinary character.
Nevertheless, the technique of bibliographic, jurisprudential and documental research is used,
especially in view of the systematic selection of reports, qualitative studies, statistical data and
newspaper reports. The question is, therefore, whether Criminology can contribute or offer
solutions for understanding the environmental destruction and the environmental and climatic
injustices carried out in the Amazonian Arc of Deforestation by the State in collusion with
agribusiness corporations. Criminology has a fundamental role in the analysis of social
damage and the process of victimization from the involvement of the observation of the
phenomenon through a relational and interdependent bias between human beings and nature.
Secondarily, the practice of social damage and victimization is made possible by the
dismantling of environmental protection and the penal immunization of landowners, among
other legalpolitical expedients. The central objective is to study the human/nature
relationship under the social metabolism approach in the setting of the Amazon Arc of
Deforestation; and the secondary objective is to examine the political and legal links between
corporations and the state, and their effects in terms of social harm and victimization. The
analysis of the subject matter in two content chapters. The first chapter traces a diagnosis of
the process of degradation of the Amazon, understanding the economic and geopolitical
interests of the occupation of this agricultural frontier, and the actions of the protagonists who
promote violence and the process of victimization and the legal organization for the
occupation of the territory. The second one works with the Galtunguian typology of violence
and with the social metabolism approach to incorporate a new epistemology of the ethical
relationship between human beings and nature, also affecting the perspective of social
damage. In this path, we seek to elucidate the links between state and corporations, especially
from the actions of the rural caucus in the National Congress to maintain the unequal
economic and social structure, the criminal immunization in relation to social damage
committed and the constant effort to frustrate measures to implement a rule of law committed
to the enforcement of environmental standards and reducing the impacts of the Anthropocene.
Agronegócio: Matriz que integra diversos processos produtivos, industriais e de serviços, que
o define como a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos, das
operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e
distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles. O termo mostra uma
acepção da qual participam também os agentes que produzem e coordenam o fluxo dos
produtos, como os mercados, as entidades comerciais e as instituições financeiras. Tratase de
um conjunto integrado de atividades econômicas, que vai desde a fabricação e o suprimento
de insumos, a formação de lavouras e a cria e recria de animais, passando pelo
processamento, o acondicionamento, o armazenamento, a logística e distribuição para o
consumo final dos produtos de origem agrícola, pecuária, de reflorestamento e aquicultura.
Nessa mesma visão sistemática do moderno negócio agrícola, estão também envolvidas as
formas de financiamento, as operações de seguro rural e contratos com as bolsas de
mercadorias e futuros, orientadas através de políticas públicas específicas (BURANELLO,
2017).
Amazônia: Trata de um bioma – o bioma Amazônia – que ocupa cerca de 49% do território
brasileiro. Estimase que possui cerca de 20% da disponibilidade mundial de água e reservas
minerais, bem como um enorme estoque de biodiversidade de plantas e animais não humanos
(IBGE, 2021).
Capitalismo: Sistema econômico que se identifica pela propriedade privada dos meios de
produção e da divisão de classe entre proprietários entre produtores; a instituição de um
mercado livre; e a dinâmica de acumulação do capital, que se orienta ao lucro (FRASER;
JAEGGI, 2020 p. 29). Essa perspectiva de reprodução social é primordialmente abastecida
por “combustíveis fósseis e à agricultura orientada ao lucro, alimentada por fertilizantes
químicos. Introduzindo uma ‘ruptura metabólica’, inaugurou o que cientistas chamam hoje de
Antropoceno, uma era geológica inteiramente nova em que a atividade humana tem impacto
decisivo nos ecossistemas e na atmosfera da Terra” (FRASER; JAEGGI, 2020 p. 53).
Fronteira e front: Discutese conceitualmente o que são fronteira e front. Esses termos
polissêmicos que reúnem diversos significados. Fronteira pode ser inicialmente definida como
“a outra face do espaço urbanizado; sua integração é a integração ao espaço urbanizado, e se
efetua através do urbano”. A fronteira pode se caracterizar por ser uma extensão da totalidade
nacional, em um espaço ainda não integrado ao espaço global, e um espaço de manobra das
forças sociais: “a virtualidade histórica contida em tão ampla escala geográfica, torna a
fronteira amazônica a região estratégica por excelência para o Estado que se empenha em sua
rápida estruturação e controle para integrála no espaço global, mas ao mesmo tempo faz
concessões aos diversos segmentos sociais e na dimensão ideológica manipula a preservação
da imagem do espaço alternativo. É por isso que a integração da fronteira amazônica “previu
a urbanização, seja através das várias políticas governamentais para integração do território,
seja da política urbana de polos de crescimento, seja de ‘urbanismo rural’, considerando
necessário, segundo o discurso oficial para atrair a população por oferecer condições de vida
similares às áreas de origem dos fluxos migratórios” (BECKER, 2015e, p. 352355). Diante
dos estudos de Ariovaldo Umbelino de Oliveira e José de Souza Martins, fronteira e front
tratam de um lugar centrado no conflito, com a forma dominante da acumulação capitalista
sobre as outras formas de vida (TORRES et al., 2017, p. 11).
Geodireito: É uma resposta jurídica para regular abusos econômicos, tendo como objeto o
estudo da morfologia do território, buscando compreender a dinâmica das categorias
geográficas com base fenomenológica (fato geográfico e jurídico), axiológico (relações
geográficas e jurídicas) e instrumental (mapa, norma e infraestrutura de dados espaciais
enquanto resultante) (UGEDA, 2019).
Lavagem de soja, gado e madeira: método utilizado por produtores e por corporações para
invisibilizar os danos socioambientais praticados ilicitamente, inserindo soja transgênica,
gado e madeira que foram ilicitamente produzidos junto à produção lícita.
Violência: A causa da diferença entre o potencial e o real, entre o que poderia ser e o que é,
ou seja, aquilo que impede a diminuição dessa distância entre o potencial e a realidade
(GALTUNG, 1969). Quaisquer ameaças ou efetivas lesões às necessidades básicas humanas,
que de alguma maneira reduzam o nível de satisfação das necessidades abaixo do
potencialmente possível (GALTUNG, 1990).
Violência cultural: Ofensas aos aspectos simbólicos da existência humana, como a cultura, a
religião, a ideologia, a linguagem, a arte, as ciências empíricas e as ciências formais, que
podem ser usadas para justificar ou legitimar a violência direta ou a violência estrutural
(GALTUNG, 1990).
Violência direta ou pessoal: É a violência que opera a olhos vistos, como por exemplo por
assassinatos, detenções, expulsões etc. (GALTUNG, 1969; GALTUNG, 1990).
Violência estrutural: Repressão das “necessidades reais e portanto dos direitos humanos no
seu conteúdo históricosocial” (BARATTA, 1993). “A violência estrutural se define como
encoberta por se tratar de um tipo de violência sistêmica” (CIIIP, 2002, p. 103). A violência
estrutural supõe oportunidades de vida diferenciadas entre os membros da sociedade,
principalmente o acesso aos benefícios do desenvolvimento, a distribuição dos recursos e a
capacidade de influenciar nas decisões sobre distribuição de recursos (CIIIP, 2002, p. 103).
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 15
2. OS DANOS SOCIAS, AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS RESPONSÁVEIS
PELA DESTRUIÇÃO ECOLÓGICA............................................................................... 20
2.1 O cenário dos danos no Arco do Desmatamento da Amazônia .................................. 21
2.1.1 Os danos na Amazônia e as mudanças climáticas ........................................................ 21
2.1.2 O compromisso brasileiro para mudança do clima e a Amazônia ................................. 31
2.1.3 A geopolítica da degradação no Arco do Desmatamento da Amazônia ........................ 34
2.1.4 O agronegócio no limiar do lícito com o ilícito ............................................................ 46
2.1.4.1 Monocultura de soja transgênica e o desmatamento na cadeia produtiva ................. 50
2.1.4.2 “Lavagem de gado”: invisibilização dos danos socioambientais na cadeia produtiva
da pecuária .......................................................................................................................... 55
2.1.4.3 “Lavagem de madeira” e crimes no desmonte do marco regulatório ........................ 61
2.1.5 Considerações a propósito do cenário dos danos no Arco do Desmatamento da
Amazônia............................................................................................................................. 68
2.2 Vítimas “invisíveis” dos danos sociais: danos às comunidades indígenas e
tradicionais, aos animais não humanos e a perda da biodiversidade na Amazônia ........ 68
2.2.1 O avanço da fronteira contra os territórios indígenas ................................................... 69
2.2.2 O avanço da fronteira contra as unidades de conservação ............................................ 74
2.2.3 Considerações quanto às vítimas “invisíveis” dos danos sociais................................... 78
2.3 A bancada ruralista: os representantes das corporações e do latifúndio contra a
estabilidade climática e o meio ambiente .......................................................................... 78
2.3.1 Conceitos e influências da bancada ruralista no Congresso Nacional ........................... 78
2.3.2 A bancada ruralista e a legislação sobre meio ambiente, registros públicos e
regularização fundiária: a união entre agronegócio e Estado ................................................. 85
2.3.2.1 Governo Lula ........................................................................................................... 90
2.3.2.2 Governo Dilma ......................................................................................................... 91
2.3.2.3 Governo Temer......................................................................................................... 92
2.3.2.4 Governo Bolsonaro .................................................................................................. 94
2.3.3 UC Jamanxim, a grilagem e os danos articulados pelo agronegócio ........................... 105
2.3.4 Considerações a propósito da bancada ruralista: os representantes das corporações e do
latifúndio contra a estabilidade climática e o meio ambiente .............................................. 108
2.4 Síntese conclusiva do capítulo .................................................................................... 108
3. A VIOLÊNCIA NO ARCO DO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA:
CRIMINOLOGIA VERDE E CRIMES PODEROSOS................................................. 110
3.1 Danos sociais e relação ser humano e natureza ......................................................... 111
3.1.1 As violências estrutural, cultural e direta: tipologia para a vitimização humana ......... 111
3.1.2 Metabolismo social e ruptura metabólica ................................................................... 123
3.1.2.1 Ser genérico ........................................................................................................... 132
3.1.2.2 Gaia ....................................................................................................................... 133
3.1.3 O dano social sob a perspectiva da Criminologia Verde e dos Crimes dos Poderosos. 138
3.1.3.1 Perspectivas gerais da Criminologia Verde ............................................................ 139
2.1.3.2 Corporações e capitalismo: lucros, externalização de danos e direitos humanos .... 142
2.1.3.3 A mudança de paradigma: a centralidade do dano ................................................. 144
2.1.3.4 Os crimes praticados pelo Estado e a imunização dos poderosos ........................... 149
3.1.4 Considerações quanto aos danos sociais e relação ser humano e natureza .................. 154
3.2 A relação do Estado de Direito com os danos sociais ................................................ 155
3.2.1 Estado de Direito e meio ambiente: da promoção ao meio ambiente equilibrado à
necessidade de metas ......................................................................................................... 155
3.2.2 Desestruturação do Estado e violência ....................................................................... 167
3.2.3 Considerações no que concerne à relação do Estado de Direito com os danos sociais 173
3.3 O Ecocídio e a Criminologia Verde ........................................................................... 174
3.3.1 Ecocídio: elementos para conceituação no campo da Criminologia Verde e dos Crimes
dos Poderosos .................................................................................................................... 174
3.3.2 Ecocídio no Arco de Desmatamento da Amazônia ..................................................... 183
3.3.3 Considerações quanto ao Ecocídio na Amazônia ....................................................... 188
3.4 Síntese conclusiva do capítulo .................................................................................... 189
4. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 191
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 196
15
1. INTRODUÇÃO
1
Guiana Francesa é um território ultramarino da França, não constituindo, portanto, um Estado soberano.
22
2
Os limites planetários são valores determinados pelo ser humano da variável de controle definida a uma
distância “segura” de um nível perigoso (para processos sem limites conhecidos nas escalas continental a global)
ou de seu limite global, cuja determinação envolve julgamentos normativos de como as sociedades lidam com o
risco e a incerteza. Assim, questionouse “quais são as précondições planetárias inegociáveis que a humanidade
precisa respeitar para evitar o risco de mudanças ambientais deletérias ou mesmo catastróficas em escalas
continentais a globais?”. Foram encontradas nove fronteiras planetárias, que envolvem (i) acidificação dos
oceanos; (ii) destruição do ozônio estratosférico; (iii) interferência com os ciclos globais de fósforo e nitrogênio;
(iv) taxa de perda da biodiversidade; (v) uso global de água doce; (vi) alteração no uso da terra; (vii)
carregamento de aerossol na atmosfera; (viii) poluição química; e (ix) mudança climática (ROCKSTRÖM et al,
2009).
24
3
A expansão da fronteira territorial da agroindústria, nessa simbólica “marcha para o Oeste”, vitimiza não
apenas produtores familiares, mas uma série de grupos sociais e étnicos que sobrevivem da e na floresta, o que
será trabalhado no item 2.2.3 desta Dissertação.
26
Legenda: Os pontos em preto no mapa representam a área com avisos acumulados de queimada no período
Fonte: INPE TERRABRASILIS (2020b)
4
A sobreposição dos desmatamentos com as queimadas evidencia que se degrada no interior da Amazônia, em
possíveis fragmentações florestais.
27
No final de 2019, foi lançado o DETER Intenso, que integra imagens dos satélites
CBERS4, Landsat 8, Sentinel 2 e imagens do sensor SAR a bordo do satélite Sentinel 1,
cujas imagens integradas permitem a detecção de alertas de queimadas maiores do que 1
hectare (INPE, 2021).
Mais recentemente, o país anunciou contrato com a empresa Planet Labs, por meio
da qual recebe novas imagens para sensoriamento remoto da Amazônia pelo satélite Planet. A
área mínima aferida pode chegar a 3 metros, sendo, portanto, mais precisa em comparação à
dos outros sistemas à disposição do INPE. Ademais, já há estudo que destaca resultados ainda
melhores quando se integram as imagens de satélite em múltiplas escalas para estender o
monitoramento, notadamente com o sensor Modis (WANG et al., 2020). As imagens do
satélite Planet já estão à disposição da Polícia Federal, à vista da sua utilização na operação
Akuanduba, quando foram apreendidos 131 mil metros cúbicos de madeira, o equivalente a
encher 6.243 caminhões (O GLOBO, 2020). Há a previsão de que a leitura das imagens seja
realizada pela Polícia Federal e não pelo INPE, havendo o questionamento sobre aquela
instituição possuir pessoal capacitado para operar plenamente esse tipo de serviço,
configurando módulos e relatórios de forma a atender às demandas, notadamente no combate
de ilícitos ambientais (OECO, 2020).
Pontuase que a análise do desmatamento na Amazônia, como se observa, é
facilitado pela utilização de mapas, em uma composição entre Geografia e Direito. Para
Ugeda (2019), Direito é como e Geografia é onde, de forma que quando as duas áreas
dialogam e se miscigenam, relacionamse em uma dimensão geojurídica ao mesmo tempo
instrumental e técnica. Com efeito, o geodireito desponta como uma significativa resposta
para planejamento e execução de políticas públicas a serem implantadas e reguladas pelo
Estado (UGEDA, 2019). Nesse último aspecto, é premente a introdução das premissas do
geodireito na atuação do poder de polícia ambiental do Estado, subsidiandoo “por
instrumentos sistêmicos, multidisciplinares, com o fortalecimento das instituições
fiscalizadoras, além da inclusão da sociedade na defesa do meio ambiente (LEITE et al,
2020).
Não obstante, há ainda um desmatamento “invisível” à fiscalização por
sensoriamento remoto, que é realizado mediante corte seletivo de árvores de alto valor
comercial, o que também degrada a Amazônia (FEARNSIDE, 2005; SATO et al., 2011). Por
haver uma série de espécies sem valor econômico, seja por sua constituição, seja por terem o
28
comércio proibido, como o mogno, não seria vantajoso o corte raso. Além disso, o “impacto
do corte de espécies de baixa densidade e comercialmente valiosas é, frequentemente,
subestimado”, alterando substancialmente o número de dias sem chuvas necessários para que
sejam atingidas condições inflamáveis em relação à floresta não explorada (FEARNSIDE,
2005). Diante desse problema, há um sistema específico mantido pelo INPE e pelo Serviço
Florestal Brasileiro (SFB), denominado DETEX, cuja metodologia busca indícios de
exploração seletiva de madeira. Entretanto, a detecção do corte seletivo de madeira é mais
complexa do que o monitoramento por corte raso, por envolver diferentes condições
fisionômicoestruturais, bem como a rápida sucessão florestal dificultar a identificação dessa
degradação (SATO et al., 2011). Diante dessa prática de corte seletivo, em que o
sensoriamento remoto possui graves limitações para detecção, os dados sobre desmatamento
amazônico se mostram abaixo de uma situação que, muito provavelmente, encontrase mais
crítica.
Tendo em vista que a identificação de invasões de terras públicas e do desmatamento
na Amazônia dependem principalmente de imagens de satélite, há a subordinação desse
monitoramento às condições climáticas e à área total de desmatamento. Além disso, esses
crimes frequentemente ocorrem em áreas de florestas densas, que são de difícil acesso pela
polícia, sem contar a deficiência dos aparelhos repressivos do Estado nestes locais longínquos
(BARROSO; MELLO, 2021).
Houve diminuição da taxa de desmatamento de quase 30 mil quilômetros quadrados
em 2004 para 4.400 quilômetros quadrados em 2012, equivalentes a uma redução de 84%, o
que poderia fazer a comunidade ecologista internacional supor que o desmatamento estaria
controlado. No entanto, a partir de então houve um notável aumento anual em 29%
(FEARNSIDE, 2017). O gráfico da Figura 3 a seguir ilustra essas mudanças.
30,000.00
25,000.00
20,000.00 Estimativa
15,000.00
10,000.00
5,000.00
0.00
1991
2002
2010
1988
1989
1990
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Fonte: INPE TERRABRASILIS, 2020c; INPE (2020d). Adaptado pelo autor
com 44% do total. Desde a PNMC, as emissões deste setor cresceram 64% no
Brasil, em que pese a meta, inscrita na lei, de reduzir o desmatamento na Amazônia
em 80% em 2020 comparado à média entre 1996 e 2005.
A agropecuária vem em segundo lugar, com 598,7 milhões de toneladas de CO2 e
em 2019, um aumento de 1,1% em relação às 592,3 milhões de toneladas emitidas
em 2018. As emissões diretas do setor, fortemente ligadas ao rebanho bovino,
representaram 28% do total de gases de efeito estufa do Brasil. Desde a
regulamentação da PNMC, em 2010, o setor de agropecuária viu um aumento de 7%
nas suas emissões, causado sobretudo pela expansão do rebanho (OBSERVATÓRIO
DO CLIMA, 2021a).
Dentre os 20 municípios que mais emitiram gases estufa no país, 17 estão localizados
na Amazônia Legal, nos estados do Pará, Rondônia, Amazonas e Mato Grosso. Em relação a
estes municípios, à exceção de Manaus/AM, que possui uma economia dinâmica, todos os
outros municípios destacados na Figura 4 a seguir estão situados no Arco do Desmatamento e
possuem a agropecuária como atividade predominante:
31
Figura 4: Emissões por município toneladas (t) de CO2e (GWPAR5) anobase 2018 – 20
maiores emissores do Brasil
Emissões por município - toneladas (t) de CO2e (GWP-AR5) - ano-base
2018 – 20 maiores emissores do Brasil
Sen. José Porfírio/PA
Aripuanã/MT
Paragominas/PA
Itaituba/PA
Manaus/AM
Apuí/AM
N. Aripuanã/AM
N. Progresso/PA
N. Mamoré/RO
Portel/PA
Serra/ES
Rio de JaneiroRJ
N. Repartimento/PA
Lábrea/AM
Colniza/MT
Pacajá/PA
São Paulo/SP
Porto Velho/RO
Altamira/PA
S. Félix do Xingu/PA
5
No original: “The ultimate objective of the Convention is to stabilize greenhouse gas concentrations ‘at a level
that would prevent dangerous anthropogenic (human induced) interference with the climate system.’ It states that
‘such a level should be achieved within a timeframe sufficient to allow ecosystems to adapt naturally to climate
change, to ensure that food production is not threatened, and to enable economic development to proceed in a
sustainable manner”.
6
No original: “The UNFCCC entered into force on 21 March 1994. Today, it has nearuniversal membership.
The 197 countries that have ratified the Convention are called Parties to the Convention. Preventing “dangerous”
human interference with the climate system is the ultimate aim of the UNFCCC” (UNFCCC, 1992).
7
No original: “The ultimate objective of the Convention is to stabilize greenhouse gas concentrations "at a level
that would prevent dangerous anthropogenic (human induced) interference with the climate system." It states
that "such a level should be achieved within a timeframe sufficient to allow ecosystems to adapt naturally to
climate change, to ensure that food production is not threatened, and to enable economic development to proceed
in a sustainable manner” (UNFCCC, 2021).
33
compreensão das emissões líquidas que respondam pela absorção pósfogo de dióxido de
carbono. Ao se calcular as emissões provenientes de queimadas ao longo de 30 anos na
Amazônia, verificase que além da emissão imediata de gases estufa, a vegetação queimada e
em decomposição continua emitindo esses mesmos gases, resultando em aproximadamente
25% menos de biomassa na floresta. A iNDC brasileira não considera os incêndios florestais
como uma fonte significativa de emissão de gases estufa, embora provavelmente haja um
impacto substancial e de longo prazo no balanço líquido de carbono da Amazônia (SILVA et
al., 2020).
No mês de dezembro de 2020, foi apresentada uma segunda iNDC pelo governo
brasileiro, propondo novas metas para mitigação das mudanças climáticas. Dentre as metas
assumidas, e no que importa à Amazônia, estão: (i) eliminar o desmatamento em todos os seus
biomas até 2030; (ii) restaurar 14 milhões de hectares em áreas de reserva legal e áreas de
preservação permanente entre 2021 e 2030; (iii) recuperar 23 milhões de hectares de
pastagens degradadas entre 2021 e 2030; e (iv) aumentar em 2 milhões de hectares a área de
florestas plantadas no período entre 2021 e 2030 (G1, 2020; OBSERVATÓRIO DO CLIMA,
2020).
Pesquisadores do Observatório do Clima criticam essa segunda iNDC por prolongar
a meta de zerar as emissões dez anos a mais do que inicialmente se havia comprometido, não
obstante condicionar metas adicionais à liberação de valores previstos pelo Acordo de Paris,
como uma “tentativa de chantagem” a outros Estados (G1, 2020; OBSERVATÓRIO DO
CLIMA, 2020).
Além disso, observase que os danos socioambientais que atingem a Amazônia não
são uniformes, reclamando um olhar interdisciplinar e multidisciplinar para melhor
compreensão do fenômeno e suas consequências. Assim, a investigação metodológica dos
danos socioambientais na Amazônia é resultante não apenas da produção social, econômica,
ecológica, mas também da produção espacial do território, de matiz geopolítica e econômica.
8
Para Althusser (1985, p. 4145) os aparelhos ideológicos de Estado não se confundem com os aparelhos
repressivos de Estado. Essa distinção se encontra na teoria marxista althusseriana de Estado, sendo, para o
referido autor, que “os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam de um modo massivamente prevalente pela
ideologia, embora funcionando secundariamente pela repressão, mesmo que no limite, mas apenas no limite, esta
seja bastante atenuada, dissimulada ou até simbólica (não há aparelho puramente simbólico)” (ALTHUSSER,
1985, p. 46/47). Em nota de rodapé, Althusser (1985, p. 44) ressalta: “o ‘direito’ pertence simultaneamente ao
Aparelho (repressivo) de Estado e ao sistema dos AIE” (Aparelhos Ideológicos de Estado).
36
Nessa perspectiva, a autora sustenta que as causas do desmatamento (i) decorrem de fatores
multicausais e que dizem respeito à diferença entre a racionalidade dos atores e suas
estratégias; (ii) relacionamse com a estrutura social e a capacidade de acumulação na
fronteira; (iii) associamse com a forma como o país e a Amazônia inseremse na economia
mundial; e (iv) vinculamse aos arranjos políticos e à disponibilidade de recursos no território
(CASTRO, 2005).
Em escala mundial, o Brasil é uma fronteira em que podem ser explorados novos
recursos, sendo, pois, fundamental compreender que o modelo de desenvolvimento é induzido
do exterior (BECKER, 2015d, p. 237241). Em escala nacional, buscase operacionalizar
estrategicamente essa apropriação de recursos, ou seja, assegurar o monopólio da propriedade
privada da terra representada pelo latifúndio. É nesse contexto que o espaço amazônico vai se
valorizar pela extensão de terras não apropriadas e por sua posição geopolítica chave, interna
e externa, sendo não apenas uma fronteira agrícola nacional, mas transcendente em termos
mundiais (BECKER, 2015d, p. 237241). De fato, a “Amazônia brasileira foi concebida, pelas
elites nacionais, como uma fronteira de recursos, na qual o capital poderia refazer seu ciclo de
acumulação com base nos novos estoques disponíveis” (CASTRO, 2005).
O aparecimento de latifúndios na Amazônia é recente, pouco anterior ao surgimento
de algumas empresas, como de mineração e de produção de alimentos (pecuária e soja), em
que uma política de incorporação nacional e doação de terras aos grandes capitalistas a partir
de 19671970 passou a integrar a região ao mercado, primeiro em âmbito local, depois em
âmbito nacional (CARDOSO; MÜLLER, 2008, posição 156).
Com ênfase nas vantagens da exportação e do interesse crescente de capitais
internacionais em investimentos industriais, mineradores e agroexportadores, a economia
amazônica se articula com o mercado internacional. Para tanto, o Estado brasileiro
“incorporouse ao espaço produtivo capitalista internacional e cada uma de suas regiões, por
sua vez, sofreu os efeitos desta rearticulação, vindo a integrarse ao mercado nacional e, por
intermédio deste, ao mercado mundial” (CARDOSO; MÜLLER, 2008, posição 165).
A integração efetiva da região se deu na ditadura empresarial e militar de 1964 a
1985, mediante projeto geopolítico gestado por segmentos da elite militar e civil, tomando o
Estado a iniciativa de um novo ciclo de devastação na Amazônia.
O Projeto Jari foi implantado na foz do rio Amazonas com o objetivo de produção
agropecuária (gado, arroz, cana de açúcar), celulose (extração e reflorestamento) e até mesmo
extração mineral (bauxita, manganês, ouro), contando com o capital de diversas corporações
39
Xavante) (OLIVEIRA, 1995, p. 7073). Essa operação serviuse da ideologia “integrar para
não integrar”, em que “integrar” significa “abrir caminhos, criar condições para a exploração
dos recursos naturais pelos grandes monopólios nacionais e multinacionais” (OLIVEIRA,
2005, p. 6972). A Operação Amazônia é expressão de um projeto desenvolvimentista
autoritário, que retira da cena política os movimentos sociais para centralizar no poder
executivo federal, associado e subordinado ao capital empresarial, as grandes decisões sobre o
futuro regional (MARQUES, G. S. 2019, p. 97).
Há um poder simbólico do capitalismo da “marcha da soja” em direção à Amazônia,
que reproduz o imaginário coletivo em torno do desenvolvimento social e econômico em
relação a essas áreas que são atingidas. Esse projeto geopolítico e econômico busca capturar o
“Oeste”, sugerindo elementos de unidade e integração nacional (SILVA, 2007, p. 286/287).
Dentre as estratégias para dar suporte ao projeto do Estado no referido período está a
criação do Banco da Amazônia (BASA) e da Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM), bem como da Zona Franca de Manaus.
Esse projeto geopolítico se apoiou em estratégias territoriais que implementaram a
ocupação regional, também chamado por Lefebvre de produção do espaço9, no qual o Estado
desenvolve uma tecnologia espacial e constrói uma malha técnica e política de redes e
conexões, capaz de controlar fluxos e estoques. Incluemse nessas estratégias a rede
rodoviária transversal e regional, rede de telecomunicações, rede urbana e rede hidroelétrica
(BECKER, 2015a, p. 493496).
Nessa ordem, o processo de acumulação capitalista se espraia por toda a extensão
territorial e busca absorver, submeter, reordenar e explorar toda a atividade econômica aos
desígnios de uma reprodução ampliada (GONÇALVES, 2005).
Os projetos agropecuários, em número e extensão, são demonstrados:
Analisando os projetos aprovados pela SUDAM até 311272, ressalta que, de um
total de 502, 318 ꞏeram agropecuários, 167 industriais e 17 de serviços básicos. Os
projetos agropecuários são implantados por grandes empresas (grupos ou
indivíduos), com vistas basicamente à criação de gado, em grandes extensões de
terra os 318 aprovados, cobriam 7.200 milhões de ha e continham 5 milhões de
cabeças de gado. Até 1972, a preferência era pelo norte de Mato Grosso, que
recebeu 184 dos 318 projetos, seguindose o Pará com 91 projetos e Goiás com 25.
A extensão das propriedades é imensa em Mato Grosso, onde os 184 Projetos
ocupam 5 milhões de ha, e maior em Goiás do que no Pará (91 Projetos do Pará
ocupam apenas 1.408.000 ha, enquanto que os 25 de Goiás incorporam 1.599.000
9
Lefebvre explica que o espaço (social) é produto (social), propondo, para tanto, uma teoria “que entende o
espaço como fundamentalmente atado à realidade social do que se conclui que o espaço ‘em si mesmo’ jamais
pode servir como um ponto de partida epistemológico”. Por serem produtos sociais, espaço e tempo não são
universais, mas são “produzidos socialmente, só pode[ndo] ser compreendidos no contexto de uma sociedade
específica” (SCHMID, 2012).
41
ecossistemas dos quais os povos tradicionais dependem como meios de subsistência (PERZ et
al., 2008). Desse modo, não é possível dissociar os processos legais e formais de ocupação do
espaço que causam degradação ecológica, autorizados e/ou incentivados pelo Estado, dos
processos ilegais e informais, em razão de a ocupação moderna da Amazônia ocorrer
necessariamente orientada pela infraestrutura logística para o agronegócio, que também
proporciona a ocupação depredatória do espaço amazônico.
Nesse sentido, nas florestas tropicais, o desmatamento pode ocorrer por causas
diretas ou indiretas. Dentre as causas diretas, a combinação do agronegócio com a ampliação
da infraestrutura (logística) é o fenômeno econômico que mais se relaciona com o
desmatamento amazônico, em termos de frequência de ocorrência, transformando bosques em
pastos; e, com uma frequência menor, estão outros fatores ligados ao tipo de solo e fatores
climáticos (ROCHA, 2017, p. 41).
Concorrem para o desmatamento causas indiretas, como fatores econômicos,
políticos e institucionais, que se revelam nas políticas formais de créditos, subsídios e
concessões; bem como em políticas informais, apresentandose sob a forma de corrupção,
falta de regulação, crescimento de coalização de grupos, clientelismo, interesses privados
influenciando regulações públicas e falta de governança. Há ainda o fator demográfico, o qual
se caracteriza pela migração de fazendeiros para áreas afetadas pelo desmatamento (ROCHA,
2017, p. 42).
Um outro fator que induz desmatamento, perda de ecossistemas e emissão de gases
estufa é a produção de energia hidrelétrica, que na Amazônia se notabilizou por duas grandes
usinas, a de Tucuruí/PA e a de Balbina/AM, e mais recentemente pela usina de Belo
Monte/PA, que exigem megabarragens. Nesses empreendimentos hidrelétricos, como em
qualquer reservatório, inundamse florestas, incluídas matas ciliares, as quais têm papel
ecológico relevante, não obstante o desmatamento provocado pelos deslocados pelo
reservatório das barragens. Nesse ponto, diante do aumento da população pela presença da
obra, incluemse o aumento da pecuária e outras atividades rurais na área. Há fortes impactos
sobre os povos indígenas, que perderam partes significativas de seus territórios, sendo causa
de conflitos sociais. Ademais, a instalação de empreendimentos hidrelétricos acarreta danos à
saúde de seres humanos e animais, haja vista a incidência endêmica de malária nas áreas onde
são construídas as barragens, por exemplo (FEARNSIDE, 2019, p. 818).
44
Essas enormes obras de infraestrutura energética estão marcadas por fazerem parte
de incorporação do território amazônico, seja para servir especificamente a projetos
extrativistas, como o beneficiamento de bauxita em alumínio e alumina da usina de Tucuruí
(PINTO, 2012), ou para abastecimento de energia elétrica para a cidade de Manaus, que nasce
desse processo de ocupação (FEARNSIDE, 2015).
Foi nessa conjuntura de integração regional da Amazônia que se incorporou o
território amazônico, estendendose a soberania, para o qual passaram a ser direcionados
excedentes demográficos nordestinos, implantandose rodovias, como a Transamazônica (BR
230), a rodovia CuiabáSantarém (BR163) e a rodovia São PauloCuiabáPorto Velho (BR
364) (BECKER, 2015d, p. 3842). Essas rodovias vão, concomitantemente, criar a logística
do agronegócio e guiar o desmatamento amazônico:
Devese ter em vista que “a política rodoviária posta em prática terá sido o maior
esforço já feito até hoje para penetrar, por terra, na selva” (CARDOSO; MÜLLER, 2008,
posição 2682). Efetivamente, as rodovias CuiabáSantarém e Transamazônica são as
infraestruturas que causam maior impacto no que diz respeito à penetração da selva
amazônica, principalmente por significar “uma série de problemas poucos advertidos
(problema do índio, da colonização, da exploração do trabalho, da ecologia amazônica, das
alternativas amazônicas)" (CARDOSO; MÜLLER, 2008, posição 2682). Os impactos
socioambientais da implantação da rodovia CuiabáSantarém desde a década de 1970 são
marcantes sobretudo por facilitar não apenas a cadeia produtiva agrícola e pecuária
relacionadas ao desmatamento autorizadas pelo Estado, mas também atividades ilegais. Há
uma movimentação de “grileiros” ao longo da rodovia CuiabáSantarém que, mesmo em
número pequeno, produzem grandes áreas de desmatamento (FEARNSIDE, 2008). Essa
rodovia não deveria ser finalizada e pavimentada até que fosse estabelecida uma governança
suficiente na fiscalização ambiental, sob pena de acelerar a migração de “grileiros” e o
consequente desmatamento. Ou seja, há uma lógica que pressupõe que a governança deveria
ser estabelecida antes da infraestrutura, ponderandose os impactos socioambientais que a
decisão administrativa pode causar, caso contrário, a pressão de desmatamento seria
severamente aumentada (FEARNSIDE, 2007). Entretanto, os últimos 50 quilômetros sem
pavimentação dessa rodovia foram finalizados no início de 2020, a qual é tida como
“fundamental para o agronegócio da região, sendo uma importante via de transporte de grãos,
como soja e milho, do Estado do Mato Grosso até os portos do chamado Arco Norte, no Pará”
(AGÊNCIA PARÁ, 2020).
Atualmente, o empreendimento agroexportador brasileiro continua sendo executado
por poucas empresas, cuja magnitude e origem do capital as caracterizam como corporações.
Dentre as empresas com abrangente atuação na Amazônia, a Cargill e a Bunge, por exemplo,
estão entre as maiores empresas privadas dos Estados Unidos (MURPHY, 2019;
MACROTRENDS, 2020), e a JBS e a Marfrig são algumas das maiores empresas em solo
nacional (GLOBAL 200, 2019; B3, 2020a; B3, 2020b) 10.
10
A Cargill tem valor de mercado de U$ 113,5 bilhões (MURPHY, 2019), e o valor de mercado da Bunge é de
U$ 8,1 bilhões (MACROTRENDS, 2020). Já a empresa JBS possui valor de mercado de U$ 12,3 bilhões
(GLOBAL 200, 2019) ou R$ 51,5 bilhões (B3, 2020a) e Marfrig tem valor de mercado de R$ 9,7 bilhões (B3,
2020b).
46
11
O setor privado deve controlar a sua atividade, por exemplo, por meio do denominado compliance. A Lei
Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013, BRASIL, 2013) incentivou no seu artigo 7o, inciso VIII, a criação de
“mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”.
47
2007, p. 288). Ao contrário, o “vazio” ou “vazio demográfico” se confunde com o que foram
consideradas populações economicamente irrelevantes, quais sejam, os povos indígenas e as
populações tradicionais (TORRES et al., 2017, p. 56), tratandose de uma “visão do
conquistador, que vê a região como uma terra de ninguém e sem ninguém, pronta para ser
ocupada e apropriada”, o que permite a negação do homem amazônico e sua cultura
(ARAGÓN, 2013, p. 54). Sobre a questão, a negação da existência dessas populações na
Amazônia pode ser inserida no contexto da negação ou da justificação das violências diretas
ou estruturais que invisibilizam as vítimas dos danos sociais provocados pelos agentes
poderosos, mais especificamente os Estados e empresas (BUDÓ, 2018, p. 350/351). Quer
dizer, o argumento de que há um “vazio” na Amazônia, de tal forma a desconsiderar as
populações indígenas e tradicionais, inserese no cenário geopolítico de avanço econômico
sobre a floresta, que se resolveria pela “integração” desse espaço. Ao passo que o capital
busca se apropriar dos recursos naturais e terras amazônicas, desprezando as populações que
ali vivem, são produzidos conflitos sociais.
Assim sendo, essa fronteira tem uma dinâmica própria que, apesar de refletir a
sociedade em geral, apresenta conflitos e violências simbólicos que lhes são característicos
(SILVA, 2007, p. 285):
[...] a fronteira capitalista é um fenômeno não somente espacial e histórico, mas de
confrontação cultural e ideológica e de expansão econômica. No tocante à expansão
cultural, a fronteira contempla representações e práticas coletas de organização e
apreensão do mundo social. Essas representações são totalizantes e forjam interesses
de determinados grupos. De acordo com Chartier (1990, p. 17), as representações, as
representações não prescindem de estratégias e práticas que legitimam escolhas e
valores que se anunciam universais, mas não menos conflitantes. De certa forma,
apesar dos embates na fronteira agrícola capitalista, há uma adesão à violência
simbólica imposta pelo poder de alguns grupos sociais sobre territorialidades
constituídas, a que se refere Bourdieu (2003).
A fronteira capitalista, como tal, irá reproduzir formas jurídicas que lhes são
características, como a propriedade privada: “a propriedade privada da terra é um requisito à
consolidação da fronteira capitalista” o que, contudo, “na fronteira e na sociedade capitalista
em geral, reforça a desigualdade social”, provocando individualismo e conflitos (SILVA,
2007, p. 288).
A Transparency International publicou o estudo Global Corruption Report: Climate
Change (SWEENEY et al., 2011) afirmando que não são apenas Estados que possuem um
papel fundamental na governança e no desenvolvimento sustentável, mas que também atores
privados que conformam um sistema robusto nos níveis internacional, nacional, corporativo e
local. Diante das essenciais funções a serem desempenhadas frente ao desafio das mudanças
49
prática, tratemse da mesma corporação (WHYTE, 2020, p. 100). O ponto importante é que as
corporações podem negar que possuem conhecimento sobre as práticas do que está abaixo na
cadeia de abastecimento, de forma que, formalmente, não seriam responsáveis pelas violações
de direitos e danos (WHYTE, 2020, p. 100).
É importante ressalvar que a análise da Criminologia Verde independe da legalidade
ou da ilegalidade dos danos praticados, mas se direciona aos danos efetivamente praticados ao
meio ambiente. Ainda assim, a demonstração de expedientes ilícitos do agronegócio, que atua
rotineiramente com expedientes ilegais e criminosos – utilizandose até mesmo de violências
diretas contra pessoas, ameaças, homicídios, deslocamentos forçados, invasão de terras
públicas (como unidades de conservação e territórios indígenas) –, ajuda a desnudar a relação
com os danos sociais praticados e o conluio com o Estado na imunização de seus crimes.
A violência no Arco do Desmatamento, analisada do ponto de vista estrutural e
observando o metabolismo social entre os humanos e a natureza, ocorre sobretudo mediante
apropriação de terras de povos indígenas e comunidades tradicionais, o que será melhor
analisado no item 2.2.
Figura 7: Dados de incêndio da NASA VIIRS. Os alertas de queimadas pelo satélite VIIRS da
NASA foram sobrepostos às proximidades das 10 principais áreas de abastecimento dos
comerciantes de soja, em um raio de 25 km da localização de seus silos
Os 10 principais traders de soja com incêndios nas proximidades de
seus silos, 2019
30,000
25,000
20,000
15,000
10,000
5,000
0
Bunge Cargill ABC ADM LDC Amaggi Granol Cofco Multigrain Glencore
Industria e
Comercio
É importante ressaltar que o critério utilizado na pesquisa não conduz a uma relação
indubitável entre as queimadas e as corporações produtoras de soja, que vincula a
proximidade no raio de 25 quilômetros das instalações das corporações com um grande
potencial de compra. Ainda que se pudesse entender o critério adotado como arbitrário, a
Nestlé S/A, que declara objetivar a eliminação do desmatamento em sua cadeia de
abastecimento, deixou de adquirir soja da Cargill, depois que uma análise não conseguiu
rastrear as sementes oleaginosas de plantações específicas, levantando preocupações de que
eles tivessem sido produzidos em terras convertidas de florestas (WSJ, 2019).
Em outro recente estudo publicado na Science, são abordadas evidências que
interligam o desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado, indicando que 2% das
propriedades nesses biomas são responsáveis por 62% de todo o desmatamento
potencialmente ilegal e que cerca de 20% das exportações de soja para a União Europeia (UE)
podem estar contaminados com desmatamento ilegal (RAJÃO et al., 2020). A metodologia
52
utilizada nesse estudo vai além das avaliações anteriores de rastreabilidade da cadeia de
fornecimento de soja, vinculando diretamente o desmatamento ilegal em propriedades rurais à
produção agrícola e exportação para países da UE. Nesse sentido, foram cruzados dados do
cadastro ambiental rural (CAR), da base de dados Trase12 e de guias de transporte animal
(GTA) resultando em um compilado de dados geoespaciais (RAJÃO et al., 2020). O
mapeamento e modelagem dos dados espaciais do estudo permitem revelar que houve 36 mil
propriedades com desmatamento ilegal na Amazônia, por não apresentarem sobras florestais
(ou seja, vegetação acima dos requisitos de conservação da reserva legal) e ensejar uma
licença para desmatamento (RAJÃO et al., 2020). Uma parte substancial desse desmatamento
ilegal está ligada a commodities, tal qual a soja transgênica na Amazônia, sendo o número de
propriedades que foi desmatada é bastante considerável desde 2008, das quais 91%
potencialmente ilegais, apesar de a “moratória da soja” impedir a comercialização da soja
cultivada em áreas desmatadas neste bioma (RAJÃO et al., 2020). Isso indica, segundo o
estudo, que mesmo os agricultores que cumprem a “moratória da soja” estão desmatando a
floresta para pastagem ou outras culturas dentro de suas propriedades, e, portanto, ainda estão
lucrando com o desmatamento (RAJÃO et al., 2020).
Apesar das incertezas relacionadas ao mapeamento e a modelagem de dados
geoespaciais, isso representa uma área de cerca de 3,7 milhões de hectares de soja de 17,2
milhões de hectares plantados nas propriedades do CAR durante a safra 20162017. Este
número representa um nível muito alto de soja potencialmente contaminada com
desmatamento ilegal, incluindo volumes consideráveis para a UE (RAJÃO et al., 2020).
Aproximadamente 41% das importações de soja da UE vêm do Brasil: 13,6 milhões de
toneladas métricas por ano, das quais 69% vêm desta região. Em suma, 18 a 22% de toda a
soja exportada da região para a UE está potencialmente contaminada. Ainda assim, o nível de
contaminação pode ultrapassar o limite superior de 22%, visto que a amostra do CAR cobre
apenas 80% da soja plantada na região (RAJÃO et al., 2020).
12
A Trase é uma parceria entre Instituto Ambiental de Estocolmo, Global Canopy, Instituto Florestal Europeu,
Vizzuality e outros parceiros, a qual produz um anuário que avalia de forma sistemática os padrões de
abastecimento de grandes empresas e países compradores, o risco de desmatamento associado às principais
empresas e mercados importadores que dominam as exportações brasileiras de soja e as ligações entre
compromissos de desmatamento e mudanças no uso do solo (TRASE, 2018).
53
13
“Em setembro de 2018, em meio a pressões do MPF para que a Funai retomasse os estudos para delimitação
da TI Munduruku do Planalto Santareno, dez fazendeiros ligados ao Sindicato Rural de Santarém (Sirsan)
acionaram a Justiça por supostamente possuírem propriedades na área reivindicada pelos Munduruku. Tendo seu
pedido indeferido, e impedidos de interferir juridicamente no processo que exigia a condução de estudos da área
reivindicada pelos indígenas, o grupo passou a atuar politicamente para retardar o processo, que segue suspenso
devido às restrições impostas pela Covid19. O grupo figura como potencial fornecedor de soja para a Cargill.
odos os produtores aqui da nossa região são cadastrados na Cargill’, segundo o próprio presidente do sindicato,
um dos autores da petição, o que sugere a possibilidade de a empresa ter entre os seus fornecedores fazendeiros
que atuam diretamente para inviabilizar a demarcação de Terras Indígenas na região” (AMAZON WATCH;
APIB, 2020, p. 24).
55
Nas últimas décadas o mercado mundial vem impondo aos frigoríficos que atuam na
Amazônia Legal intervenções na cadeia de abastecimento para práticas mais sustentáveis,
tanto no âmbito ambiental quanto no âmbito social (SMITH, 2008).
Também no mercado interno, o Ministério Público Federal em Belém (PA) verificou,
no final da década de 2000, que as formas tradicionais de combate ao desmatamento, oriundas
do agronegócio, não eram efetivas, pois as multas eram cobradas de “laranjas” ou de
familiares dos fazendeiros, não obstante a existência de mais de 200 mil fazendas para
pecuária, o que inviabilizaria a tomada do compromisso e a fiscalização (PERGURIER;
BARRETO, 2019, p. 13/14). O plano foi voltarse aos quatro maiores frigoríficos em atuação
na Amazônia: a JBS, a Bertin (mais tarde adquirida pela JBS), a Marfrig e a Minerva,
oferecendolhes o “TAC da Carne”14, mediante o qual estas corporações ascenderam a
fiscalizadores ambientais dos pecuaristas que usavam como fornecedores (PERGURIER;
BARRETO, 2019, p. 1418). O direcionamento dos TACs a determinados frigoríficos se deu
em razão de estes representarem 93% de todo o gado abatido na Amazônia. Esse
compromisso perante o MPF teve bons resultados, apesar de possibilidades de fraudes e
“brechas”, como “lavagem” de gado que ocorre quando fazendas com desmatamento
repassam gado para fazendas sem desmatamento (PERGURIER; BARRETO, 2019). A
“lavagem” de gado ocorre quando fazendas com desmatamento repassam o gado para
fazendas dentro da lei que, por sua vez, repassam aos frigoríficos (PERGURIER; BARRETO,
14
Para Machado (2013, p. 431/432), TAC é abreviação de Termo de Ajustamento de Conduta, que poderá ser
tomado pelos órgãos públicos legitimados à propositura da ação civil pública, ajustando os infratores de
interesses sociais e individuais indisponíveis às obrigações legais, que terá eficácia de título executivo.
56
2019, p. 20). Os mecanismos de “lavagem” realizados pelos fazendeiros que fornecem o gado
deixam esses frigoríficos visíveis ao desmatamento em sua cadeia de fornecedores, os quais
também deixam de realizar qualquer controle sobre os fornecedores indiretos (BARRETO et
al., 2017). Quanto mais complexa é a cadeia produtiva, mais difícil se torna verificar se o
gado é proveniente de alguma fazenda onde tenha sido cometido um ilícito ambiental. O gado
possui três fases de produção – cria, recria e engorda , que podem ser realizadas na mesma
fazenda (ciclo completo) ou em fazendas diferentes (ciclo parcial) (PERGURIER;
BARRETO, 2019, p. 50).
Quanto maior for a quantidade de fazendas pelas quais o gado passe antes do abate,
menor será a visibilidade que o frigorífico possuirá de sua origem. Além disso, “as transações
de gado ao longo da cadeia podem ainda envolver outros caminhos como leilões, transações
entre produtores que utilizam o mesmo sistema, entre outros” (PROFOREST, 2017). Tudo
isso invisibiliza o rastreamento do gado oriundo de desmatamento para o frigorífico. Vejase
no esquema:
Figura 9: Visibilidade da origem do gado quanto à fazenda com desmatamento ilegal ao longo
da cadeia produtiva
57
Figura 10: Dados de incêndio da NASA VIIRS. Os alertas de queimadas constatados pelo
satélite NASA VIIRS foram sobrepostos às zonas de compra potencial (IMAZON) dos
matadouros de cada empresa
10 principais matadouros com incêndios em suas cadeias de
abastecimento
350,000
300,000
250,000
200,000
150,000
100,000
50,000
0
um deles aos mapas das áreas embargadas pelo IBAMA (até novembro de 2016) com maior
somatória de áreas desmatadas recentemente (20142015) e em risco de desmatamento futuro
(20162018)” (BARRETO et al., 2017). Essas corporações foram ranqueadas conforme a
Figura 10.
Já o estudo de Rajão et al. (2020) mencionado, afirma que um número considerável
de cabeças de gado vem diretamente de propriedades com desmatamento potencialmente
ilegal. Além disso, cerca de 10% de todas as cabeças abatidas podem estar contaminadas com
desmatamento potencialmente ilegal de fornecedores indiretos, pois o gado passa de uma
propriedade para outra antes de ser abatido. Por exemplo, se de um lado as exportações de
carne bovina do Pará são insignificantes, há significativas relações comerciais entre esse
estado e Mato Grosso, que é uma fonte brasileira importante de fornecimento dessa
commodity para a UE (RAJÃO et al., 2020). Em análise do rastreamento do comércio de
propriedade de carne bovina entre os referidos estados no ano de 2017, concluise que cerca
de 7% da produção pode ter sido contaminada com desmatamento potencialmente ilegal,
incluindo fornecedores diretos e indiretos (RAJÃO et al., 2020). Este dado – comércio de bois
entre estados da federação, entre um estado com graves denúncias de desmatamento e um
outro estado com absoluta desnecessidade de importação desse produto agrícola – pode ser
um grave indicativo de lavagem de gado (RAJÃO et al., 2020).
Na produção pecuária, a JBS é acusada de diversas violações de direitos
socioambientais e por não realizar um controle adequado sobre a sua cadeia de fornecedores.
Dentre eles, um pecuarista, Jair Roberto Simionato, cria gado dentro do território indígena
Kayabi e posteriormente o fornece à JBS, acumulando quase R$ 20 milhões em multas
ambientais por desmatamentos na Amazônia (APUBLICA, 2020b).
O relatório da Amazon Watch e da APIB (2020, p. 26) informa que milhares de bois
têm sua origem omitida, também no processo denominado “lavagem de gado”, ocultando
desmatamento ilegal, violações cometidas dentro do território indígena e outras
irregularidades, vinculandoos à lei ao serem fornecidos para a JBS.
Em outra investigação realizada, JBS, Minerva e Marfrig adquiriram gado que foi
criado em duas fazendas situadas no interior de unidade de conservação, na fronteira de Mato
Grosso e Bolívia, as quais seriam pertencentes a um exministro do governo Michel Temer,
Eliseu Padilha (20162018) (DE OLHO NOS RURALISTAS, 2020b). Consta que as fazendas
já possuíam um histórico de desmatamento ilegal, o que não impediu a aquisição da carne
60
bovina e posterior exportação para países da União Europeia e Ásia, misturando carne bovina
produzida legalmente com carne proveniente de crime ambiental (DE OLHO NOS
RURALISTAS, 2020b), demonstrando que as denúncias de “lavagem de gado” são bastante
reiteradas.
Uma outra recente investigação da Global Witness revela que, apenas no estado do
Pará, no período de três anos, as gigantes da carne bovina JBS, Marfrig e Minerva adquiriram
gado de 379 fazendas nas quais ocorreu desmatamento, equivalendo a pouco mais de 17 mil
hectares (GLOBAL WITNESS, 2020). O estudo demonstra que as três corporações
continuaram a comprar gado das fazendas com desmatamento ilegal durante muitos anos,
algumas, inclusive, acusadas de grilagem, uso ilegal de terras indígenas e até violência contra
povos indígenas. Munida com as guias de trânsito animal15, que mostram o movimento do
gado desde o nascimento até o abate, a ONG lança dúvidas sobre a veracidade de auditorias
que alegam que JBS, Marfrig e Minerva cumprem compromissos ambientais, eximindose sob
o argumento de que são obrigadas a seguir metodologias sobre as quais não têm controle
(GLOBAL WITNESS, 2020).
Diante dos estudos que são apresentados mais recentemente, as corporações Hennes
& Mauritz e Timberland afirmaram que não mais comprariam couro de produtores brasileiros,
até que fosse provado que seus rebanhos não eram criados ou alimentados em áreas
desmatadas; já o fundo de investimentos canadense Caisse de dépôt et placement du Québec
vendeu sua posição como acionista na JBS, haja vista considerar que esta não segue as boas
práticas do produtor de carne (WSJ, 2019). A instituição financeira francesa BNP Paribas
(2021) afirmou que deixará de financiar clientes que produzam ou comprem carne ou soja em
terras convertidas ou desmatadas após 2008, tanto na Amazônia como no Cerrado. Para todos
os seus clientes, essa instituição passará a exigir a partir de 2025 a total rastreabilidade da
carne bovina e da soja, incluídos os fornecedores indiretos.
Apesar do longo prazo para adaptação corporativa, chama a atenção que o
comunicado da referida instituição financeira considera que “a produção de carne bovina e
soja no Brasil acelera o desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Seja legal ou ilegal, ela
15
As guias de trânsito animal (GTA) são dados disponíveis para consulta pública, no estado do Pará, no site da
Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARÁ), capazes de identificar os fornecedores de
gado de JBS, Marfrig e Minerva, objeto da pesquisa. A JBS afirmou não ser possível o monitoramento dos
fornecedores indiretos por não serem documentos públicos e serem de uso exclusivo do Ministério da
Agricultura.
61
põe em risco a integridade ecológica e o futuro desses dois biomas” 16 (BNP PARIBAS,
2021).
Por outro lado, uma vez que não solicitam informações detalhadas sobre as cadeias
produtivas das referidas corporações, 250 instituições financeiras, sendo 41% com sede nos
Estados Unidos e na União Europeia, como Deutsche Bank, Barclays, Santander, HSBC e
Morgan Stanley, viabilizaram R$ 9 bilhões em investimentos e empréstimos entre 2017 e
2019 (GLOBAL WITNESS, 2020).
Há uma busca pela limpeza da reputação corporativa, quando as empresas do ramo
negam atividades que envolvam pecuária em área de desmatamento. Por exemplo, em
comunicado à imprensa frente a denúncias, em setembro de 2020, a JBS informou que, ao
tempo que garante que 100% de seus fornecedores estão em conformidade com suas políticas
de compra responsável, de outro lado, anuncia um novo programa de monitoramento (JBS,
2020).
16
No original: “Beef and soybean production in Brazil accelerates deforestation in the Amazon and the Cerrado.
Whether legal or illegal, it jeopardises the ecological integrity and future of these two biomes. Faced with this
degradation, there is an urgent need for all relevant stakeholders to prioritise land use strategies that integrate
zero deforestation, sustainable production and a positive social impact”.
62
Esse relatório aponta que o declínio da extração ilegal de madeira em meados dos
anos 2000 se atribui ao esforço de curto prazo para a aplicação da lei, mas há tendências de
longo prazo na extração ilegal de madeira e no comércio que mostram que a extração de
madeira ilegal persiste (NELLEMANN, 2012). Consta no relatório que o aparente declínio
64
17
Poderá se tratar do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), destinado a explorar florestas e formações
sucessoras sob o regime de manejo florestal sustentável; ou do Plano de Exploração Florestal (PEF), indicado
para a explorar florestas e formações sucessoras, mas para o uso alternativo do solo (BRASIL, 2006).
65
18
Ainda durante o governo Michel Temer, o IBAMA havia confirmado uma outra multa de R$ 450 mil contra a
mesma empresa por ter mais de 10.700 m³ em créditos de madeira no sistema de controle eletrônico do órgão
federal, sem o correspondente em madeira no pátio, o que é ilegal pela legislação brasileira (EARTHSIGTH,
2021).
19
Um relatório técnico do TCU apontou uma “militarização” no IBAMA, porquanto foram indicados pelo
Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles oito militares em cargos estratégicos do órgão ambiental, sem que
fossem atendidas exigências básicas de qualificação. Segundo o TCU, os nomes não possuem formação ou
experiência profissional na área de fiscalização ou no campo ambiental de forma mais geral (METRÓPOLES,
2020).
66
Com efeito, os dois últimos anos foram marcados pela edição de diversas normas
administrativas concernentes à exploração madeireira na Amazônia, cujos danos
socioambientais colocam em risco a integridade ecológica da Amazônia, conduzindo aos
marcos centrais da Criminologia Verde e dos crimes dos poderosos.
A Polícia Federal deflagrou, em 19 de maio de 2021, a operação Akuanduba, que
trata de um esquema de facilitação para exportação de produtos florestais oriundo do Estado
do Pará, com fortes indícios de participação de autoridade com prerrogativa de foro no
Supremo Tribunal Federal, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (BRASIL, 2021).
Segundo apurado na representação da autoridade policial, o referido ministro, o
presidente do IBAMA Eduardo Bim e outros agentes públicos vinculados à pasta aplicaram
um modus operandi ilícito para liberação de cargas do ramo de exportação de madeira
simbolizado na expressão “parecer, caneta”20, ou seja, na elaboração de pareceres por
servidores de confiança com a subsequente autorização em favor de empresas também
investigadas.
A operação Akuanduba também verificou que as empresas exportadoras de produtos
florestais influenciaram a emissão de normativas, como o Despacho n. 7036900/2020GABIN
(IBAMA, 2020). Este despacho afasta a vigência da Instrução Normativa n. 15/2011, por
considerála implicitamente revogada, notadamente o seu artigo 10, que possibilita a inspeção
por amostragem de agentes do IBAMA, na medida em que as alterações do DOF e a
implantação do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais
(SINAFLOR) já possibilitariam, a qualquer tempo, a fiscalização.
É de se destacar, também, a edição da Instrução Normativa IBAMA n. 7, de 21 de
fevereiro de 2020 (IBAMA, 2020), que retirou a exigência da fiscalização in loco da madeira
a ser exportada e sua correspondente documentação por agentes do órgão ambiental federal.
Desta forma, consolidouse o entendimento de que os agentes do IBAMA possuiriam tão
somente um controle a posteriori da documentação emitida. Os agentes analisariam
mormente o DOF, no qual se encontram informações sobre a procedência da madeira,
constituindo licença obrigatória para transporte e para armazenamento.
20
Em reunião ministerial do dia 22 de abril de 2019, que foi tornada pública posteriormente por decisão do
ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, tomouse conhecimento de declaração do ministro do
meio ambiente, Ricardo Salles, sobre “aproveitar” o período de calamidade pública de pandemia de COVID19
para diminuir a proteção ambiental, “desburocratizando”: “Agora tem um monte de coisa que é só, parecer,
caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana”
(PODER360, 2020).
67
Neste item foi possível observar que os danos perpetrados na Amazônia, mais
especificamente em seu Arco do Desmatamento, colocam em risco o seu equilíbrio
ecossistêmico, não obstante a relevante contribuição ao agravamento às mudanças climáticas.
Como visto, a ocupação do espaço amazônico possui uma nítida simbiose estatal
corporativa, com financiamentos diferenciados, investimentos em infraestrutura, parcerias e
incentivos de todo tipo, com a finalidade de “integrar” e “desenvolver” esta parcela do
território brasileiro, mas também gerar lucros às corporações do agronegócio.
Os danos ambientais e humanos praticados nessa fronteira, e os conflitos decorrentes,
são de conhecimento das corporações e do Estado, os quais são ocultados, mascarados,
“lavados”, para que não haja interrupção da ampliação do agronegócio, mormente produzidos
por corporações relacionadas à produção, beneficiamento e exportação de monocultura de
soja transgênica, gado bovino e madeira.
Com efeito, constatouse que uma parte considerável da produção dessas corporações
encontrase na ilegalidade, o que se oculta em longas e não fiscalizadas cadeias produtivas.
21
Desde a Lacey Act, as empresas estadunidenses estão proibidas de importar madeira ilegal de outro país,
sendo a gravidade das sanções dependente dos controles internos empresariais em verificar a origem legal de
seus produtos de madeira importados (EARTHSIGTH, 2021). A Lacey Act foi criada originalmente em 1900
com o objetivo de combater crimes ambientais. Em 2008, a lei foi emendada para proibir todo o comércio ilegal
de produtos florestais de dentro e fora dos Estados Unidos (WWF, 2014).
69
Em tal ponto de vista, a fronteira caracteriza uma situação dominada pela diferença e
pelo desencontro étnicos no espaço, exigindo uma compreensão de que esse espaço depende
do reconhecimento de dicotomias, permeada pelo relacionamento e o estranhamento entre os
sociologicamente conviventes: o “lado de lá” da fronteira, o das populações indígenas 22, e o
“lado de cá”, tido como “civilizado” (MARTINS, 2019, p. 24).
Diante desse panorama de conflito, é trabalhado neste item o processo de ocupação
da fronteira da Amazônia como fundamento para a vitimização dos povos indígenas e
tradicionais. Para tanto, pretendese entender esse processo de vitimização, pesquisandose
dados sobre violência e desmatamento em áreas protegidas e ocupadas por povos indígenas e
tradicionais.
22
[e das populações tradicionais]
70
400
Áreas Km²
300
200
100
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
23
As estimativas do sistema PRODES são realizadas de junho a junho de cada ano (Ano PRODES), o que
significa que os dados de 2020 não são consolidados de todo o período, devendo ser bastante superiores à tabela
em junho de 2021.
72
24
“Um defensor da terra ou do meio ambiente é alguém que realiza ações pacíficas, voluntária ou
profissionalmente, para proteger os direitos ambientais ou fundiários. São muitas vezes pessoas comuns e que
talvez não se definam “defensoras”. Alguns são líderes indígenas ou camponeses que vivem em montanhas
afastadas ou florestas isoladas, protegendo suas terras ancestrais e meios de subsistência tradicionais de
empreendimentos de mineração, agronegócios em grande escala, barragens e hotéis de luxo. Outros são guardas
florestais, combatendo a caça ilegal e a extração ilegal de madeira. Eles também podem ser advogados,
jornalistas ou funcionários de ONGs trabalhando para expor abusos ambientais e apropriação de terras
(GLOBAL WITNESS, 2017, p. 12).
25
A ONU descreve os defensores ambientais como indivíduos e grupos que, em sua vida pessoal ou capacidade
profissional e de forma pacífica, esforçamse para proteger e promover os direitos humanos relativos ao meio
ambiente, incluindo água, ar, terra, flora e fauna. Podem ser ativistas comunitários, donas de casa, guardas
florestais, servidores públicos, profissionais que trabalham em empresas para fazer cumprir as normas
ambientais e outros. O defensor do meio ambiente típico trabalha no contexto da exploração de recursos naturais
em grande escala, que ocorre dentro ou perto de comunidades locais e indígenas em áreas remotas (KUMAR et
al, 2019, p. 171).
73
26
Dorothy Stang foi uma missionária de origem estadunidense que atuava na região amazônica desde a década
de 1970, passando a manter intensos diálogos com lideranças camponesas, políticas e religiosas, buscando
soluções para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra. Sua atuação a favor dos interesses de
agricultores emigrados da região Nordeste sempre desagradou madeireiros e fazendeiros do município de
Anapu/PA, onde a missionária estabeleceu escolas e liderou pequenos produtores rurais (EBC, 2015).
74
Esses são alguns dados selecionados em relação à violência rural praticados por
grileiros e latifundiários:
27
“O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de
prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da
Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento
no restante do Brasil e em outros países tropicais”. Disponível em: http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/home/
28
Ver: Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000 (BRASIL, 2000a), que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências.
76
A região amazônica tem observado o surgimento, nas últimas décadas, “de múltiplas
formas associativas agrupadas por diferentes critérios ou segundo uma combinação entre eles,
tais como: raízes locais profundas; fatores políticoorganizativos; autodefinições coletivas;
consciência ambiental; e elementos distintivos de identidade coletiva”, tais como as
associações das quebradeiras de coco de babaçu, de quilombolas, indígenas, ribeirinhos e
pescadores, por exemplo, que correspondem a certas territorialidades onde se reproduzem
física e socialmente (ALMEIDA, 2004). Isso importa na incorporação de fatores étnicos e
culturais nos instrumentos (políticas ambientais e agrárias) na definição das modalidades das
unidades de conservação, sob pena de “incorrer no equívoco de reduzir a questão ambiental a
uma ação sem sujeito” (ALMEIDA, 2004).
Há de se buscar e de desafiarse para um desenvolvimento sustentável amazônico,
substituindose o predominante modelo predatório de crescimento, que vem exigindo a
expansão contínua da fronteira agrícola com base na eliminação da floresta, para efetivamente
“melhorar a vida e ampliar as oportunidades para que as populações tradicionais possam
manter sua cultura e gerar renda por meio das atividades compatíveis com a preservação do
ambiente” (ABRAMOVAY, 2019, p. 64/65). Isso quer dizer que evitar a destruição das
unidades de conservação também é preservar a biodiversidade na Amazônia, mantendose a
floresta em pé na “luta contra as mudanças climáticas e para o desenvolvimento sustentável” e
reconhecendo “o papel estratégico das populações tradicionais e de suas atividades na
77
ocupação destas áreas”, por exercerem não apenas atividades econômicas e ecossistêmicas,
mas também por reproduzirem a riqueza cultural (ABRAMOVAY, 2019, p. 95/96).
A perda florestal nas unidades de conservação na Amazônia Legal, assim como foi
observado nas áreas indígenas, ultrapassa em muito o marco de 2008, demonstrando o vigor
que o incremento do desmatamento vem ganhando nos últimos anos 29.
1000
800
Áreas Km²
600
Taxa anual não
consolidada
400
200
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
29
As estimativas do sistema PRODES são realizadas de junho a junho de cada ano (Ano PRODES), o que
significa que os dados de 2020 não são consolidados de todo o período, devendo ser bastante superiores à tabela
em junho de 2021.
78
continuarem existindo –, seja por serem atacados mediante violência direta, tratase em
grande medida do mesmo fenômeno: o avanço da fronteira agrícola.
A fronteira se expande sobre áreas indígenas, unidades de conservação e terras
devolutas (todas de titularidade da União), porque há mecanismos que legitimam a
permanência de invasores.
30
A Câmara dos Deputados regulamentou definitivamente a Frente Parlamentar da Agricultura mediante o Ato
de Mesa n. 69, de 10 de novembro de 2005, que “cria o registro de Frentes Parlamentares na Câmara dos
Deputados”, as bancadas temáticas. Sob as regras da Câmara dos Deputados, permitemse entidades de cunho
associativo e integradas de forma suprapartidária, com o objetivo de promover o aprimoramento de determinado
setor da sociedade. Dentre elas, há as bancadas ou Frentes Feminina, Evangélica, Empresarial, Sindical,
Ruralista, da Saúde, da Educação e da Comunicação (sendo as duas primeiras informais) (SIMIONATTO;
COSTA, 2012).
80
A força política dos ruralistas reside na sua natureza suprapartidária, que se movem
sem as amarras da fidelidade partidária (BRUNO, 2015), podendo seus membros se unirem a
governistas e a oposicionistas (FLEISCHER, 2006), como por exemplo na aprovação do
Código Florestal (BRASIL, 2012), em que a “fragilidade momentânea do governo revelou um
poder que as bancadas tinham perdido em função das amarras impostas pela fidelidade
partidária” (CORREIO BRASILIENSE, 2011).
O discurso parlamentar centrase: (i) na instituição de novos códigos de conduta, mas
conservando as posturas oligárquicas e clientelistas do setor; (ii) na renovação das estruturas
de poder dos grandes proprietários e empresários do setor; e (iii) no fortalecimento do direito
de propriedade, ocultandose a problemática da questão agrária brasileira. Essa bancada se
caracteriza pelo seu poder de articulação, mobilização e construção de alianças com outras
bases/bancadas políticas, valendose de negociações, troca de favores e benefícios com outros
parlamentares para o fim que buscam (SIMIONATTO et al., 2012). Nesse sentido, a bancada
ruralista não se restringe à defesa do monopólio fundiário e dos temas relacionados à
agricultura e dos interesses corporativos do setor, uma vez que, desde sua criação, foi
contrária às pautas de ampliação de direitos sociais, melhoria de condições de trabalho e
questões relacionadas a valores (BRUNO, 2015).
A visão de mundo dos ruralistas não se resume à defesa intransigente da propriedade
da terra – perfazendo um emblema da união que supera disputas e neutraliza as diferenças, em
uma escala conservadora que encobre as exigências sociais da terra –, mas igualmente
apresenta marcas ideológicas e políticas profundas, que se ressignificam das tensões e dos
conflitos em torno do território como expressão da vida de um povo e da preservação do meio
ambiente. Não é por outro motivo que os adversários mais frequentes dessa bancada são
povos indígenas e populações tradicionais (BRUNO, 2017, p. 165). Percebese que essa visão
de mundo dos integrantes da bancada é marcada pela contradição entre um discurso de
modernização e técnica, em que o agronegócio globalizado competitivo está, ao mesmo
tempo, orientado por padrões de conduta conservadores por buscar se apropriar de territórios
indígenas, destruindo povos e a natureza (BRUNO, p. 2017, 166).
A FPA possui uma instituição que lhe presta suporte técnico e logístico, o Instituto
Pensar Agropecuária (IPA), cujas verbas lhe são direcionadas. Seus recursos são provenientes
de associações e grandes corporações e instituições financeiras: Bayer, Basf, BRF, JBS,
Syngenta, Bunge, Cargill, Banco do Brasil, Santander e Itaú BBA, Sicredi, B3 (antiga
82
Bovespa, bolsa de valores do Brasil) e o banco holandês Rabobank (DE OLHO NOS
RURALISTAS, 2019a), por exemplo, estabelecendose uma ligação bastante íntima entre esta
bancada e as grandes corporações e as instituições financeiras.
Conquanto se pudesse observar certa homogeneidade nos discursos, objetivos gerais
e formas de atuação dos parlamentares da bancada ruralista, Pompeia (2021, p. 266/267)
afirma que a representação do agronegócio se constitui, ao menos até o início da década de
2010, em uma série de núcleos políticos desarticulados, não havendo uma orquestração
política. Com efeito, não se identificava uma “unidade razoável de pleitos, narrativas para
defendêlos e estratégias para implementálos, o que, certamente, implicava a diminuição da
eficácia política” (POMPEIA, 2021, p. 267). Pompeia (2021, p. 270) explica que a guinada na
influência dos ruralistas se dá com a aproximação de dois prestigiados setores durante o
processo eleitoral de 2010: a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) e a
COSAG/FIESP (Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo), quando difundiram a ideia de que o agronegócio deveria ser tratado como
estratégia de Estado:
Com relação aos elementos da política agrícola, demandavamse mais recursos para
crédito e seguro, aprimoramento de preços e defesa, além de reserva de orçamento
para pesquisa. Em relação a infraestrutura, solicitavamse avanços em rodovias,
ferrovias, portos, hidrovias e dutovias. Na agenda comercial, requeriamse novos
acordos bilaterais e entre blocos, além de revisões no Mercosul.
[...] muitas terras se venderam que ninguém sabe onde ficam e muitas outras que
ficaram por cima de lotes anteriormente já vendidos. São os famosos 'títulos pluma'
ou 'pena', que estão à procura de um lugar onde cair. Se embaixo não há ninguém,
ali 'repousam' até aparecer o dono; e se este não aparece consolidam o domínio e a
posse, embora sem correspondência alguma com a descrição de seus documentos
(MENDONÇA, 1980).
[...] O Decreto n. 4.857/39, que disciplinava os registros públicos até 76, quando
entrou em vigor a Lei n. 6.015/73, prescrevia que no livro 3 apenas seriam inscritos
os atos transmissivos da propriedade, enumerando a natureza e o objeto desses atos
(arts. 237 e 238). Nesse aspecto, a legislação atual nada inovou, salvo transferir o
registro das transmissões para o livro 2 e criar para cada imóvel uma folha própria,
com a matrícula inicial e as averbações posteriores (arts. 173 e segs). É certo que
tanto a lei antiga como a nova aceitam como documentos registráveis as ‘certidões
extraídas de processos’ (art. 237, d, do Decreto nº 4.857 e 222, da Lei nº 6.015). Tal
expressão não parece, contudo, abranger as certidões administrativas que, fornecidas
criminosamente, tantas vezes ensejaram transcrições fraudulentas. Porém, existem
no Código Civil dois dispositivos que, combinados àqueles, não raro legitimaram, na
aparência, a falsidade do registro. Tratase dos arts. 137 e 138. O primeiro equipara
as certidões judiciais aos documentos em original. O segundo confere força idêntica
às certidões extraídas por oficial público de instrumentos lançados em suas notas.
Explicase, então, o jogo que permitiu tantos registros sem título hábil. Bastava que
se obtivesse certidão administrativa de uma compra inexistente, majorada ou
deslocada, registrandoa previamente no Cartório de Títulos e Documentos, para
levar, em seguida a certidão deste registro a um serventuário do interior, desonesto
ou ignorante, e dele conseguir a transcrição no livro 3. Independente dessa manobra,
e sem qualquer astúcia, também se registraram no livro 3 talões de impostos, títulos
de posses não legitimadas, recibos de benfeitorias, documentos de pessoas falecidas
sem forma de testamento nem de inventário, licenças estaduais ou municipais de
exploração pecuária e transitória (MENDONÇA, 1980).
31
Asselin (1982, p. 21) relata que, em meados dos anos de 1960, no Maranhão, a grilagem se viabilizou pela
“indústria da usucapião”, por meio da atuação em diversas comarcas do juiz de direito José de Ribamar Fiquene,
a partir de escrituras falsas provenientes de um único cartório.
89
A prática pode ser resumida como: “você rouba do patrimônio público, destrói a
floresta amazônica e, um ano depois, vira latifundiário legalizado e vai gozar a vida como
‘cidadão de bem’” (BRUM, 2019, p. 113).
Como os propósitos do Estado e das corporações estão afinados, as externalidades de
caráter socioambiental geradas no Arco do Desmatamento por essas atividades lucrativas não
90
O período de 2007 a 2010 do governo Lula marca uma maior pressão e atuação da
bancada ruralista para regularização de áreas públicas na Amazônia Legal. Os ruralistas
possuem uma intensa atuação no Congresso Nacional, seja pressionando o poder executivo,
seja propondo projetos de lei que facilitam a consolidação de terras griladas ou mesmo
impulsionando a ocupação ilícita de novas terras. No passado recente, podem ser listadas
algumas leis (ou instrumento com força de lei, no caso das Medidas Provisórias) que
contribuíram para o aumento dos danos na Amazônia, particularmente no Arco do
Desmatamento. Durante o governo Lula, sob as denominações de regularização fundiária,
alienação de patrimônio e titulação de posseiros, por exemplo, o Estado passou a legitimar a
ocupação de terras griladas, principalmente, neste momento, sob a denominação de
regularização fundiária.
A expressão regularização fundiária se consolida no Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/2001, BRASIL, 2001b) e na Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida (Lei n.
11.977/2009, BRASIL, 2009a), com o objetivo de garantia do direito social à moradia e do
pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade e do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Todavia, observase uma utilização contínua deste instituto de
interesse coletivo e difuso, desvirtuandoo, principalmente em âmbito rural. Nesse sentido,
durante esse período as Medidas Provisórias n. 422/2008 e n. 458/2009 foram marcantes na
consolidação da grilagem. A Medida Provisória n. 422/2008, convertida na Lei n.
11.763/2008 (BRASIL, 2008), permitiu a regularização fundiária mediante alienação por
91
dispensa de licitação para os imóveis da União situados em zona rural, concedendose ao final
do procedimento o título de propriedade ao interessado. Na prática, foi permitida a
“legitimação de áreas com até 1.500 hectares griladas na Amazônia Legal” (OLIVEIRA,
2015).
A votação da MP n. 422/2008 no Congresso Nacional foi cercada de contradições,
pois, apesar da orientação dos partidos, houve dissidências tanto na base do governo Lula, em
que parte votou “não”, bem como da oposição, em razão de um segmento ter se posicionado
favoravelmente (VIGNA, 2000?). Explicase que um segmento dos parlamentares governistas
alinhados à reforma agrária se posicionou contrariamente à MP, ao passo que uma fração da
oposição a apoiou, justamente aquela pertencente à bancada ruralista. Nesse particular, a
“proposição ao gosto e desejo da bancada ruralista” foi garantida pelos votos da oposição,
sobretudo pelo partido DEM, cujos parlamentares, em sua integralidade, votaram a favor da
Medida Provisória. O sentido dessa movimentação aparentemente contraditória entre os
partidos políticos, finaliza o autor, referindose esta “proposição de interesse dos que atuam
junto aos grandes proprietários de terras na Amazônia Legal, seriam eles os que deveriam
fazer maiores esforços para aprovação final da MP” (VIGNA, 2000?).
Como explicado no item anterior, a movimentação suprapartidária dos ruralistas, que
reconhecem a preponderância da atuação na defesa de interesses setoriais, principalmente de
seus próprios interesses privados, é de se compreender a votação de parte da oposição pela
aprovação da Medida Provisória.
Já a Medida Provisória n. 458/2009, convertida na Lei n. 11.952/2009 (BRASIL,
2009b), buscou “aumentar para 2.500 hectares as áreas passíveis de legitimação das terras
públicas griladas na Amazônia Legal o que não foi permitido pelo Congresso Nacional,
permanecendo os 1.500 hectares da Lei 11.763/2008” (OLIVEIRA, 2015). A Lei n.
11.952/2009 tinha o “objetivo de acelerar a regularização de ocupações informais em terras
públicas federais na Amazônia Legal”, para em seguida lançar “o programa Terra Legal para
implementar essa lei e beneficiar até 300 mil posseiros” (BRITO; BARRETO, 2011, p. 15).
Apesar da ambiciosa meta, pouco mais de duas centenas de títulos foram emitidos no primeiro
ano de Programa Terra Legal.
O CAR jamais fora concebido como mecanismo fundiário, mas sim como
mecanismo de regularização ambiental. Todavia, sempre teve por pressuposto a
existência de uma propriedade ou posse válidas sobre as quais incidiria o cadastro.
Ocorre, porém, que na prática este pressuposto tem sido deixado de lado e com isto
o CAR passa paulatinamente a servirse de instrumento para grilagem.
32
Lei n. 4.947/66 (BRASIL, 1966), fixa Normas de Direito Agrário, dispõe sobre o Sistema de Organização e
Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, e dá outras Providências.
Art. 20 Invadir, com intenção de ocupálas, terras da União, dos Estados e dos Municípios: Pena: Detenção de
6 meses a 3 anos.
94
33
Em reunião ministerial do dia 22 de abril de 2019, que foi tornada pública posteriormente por decisão do
Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, tomouse conhecimento de declaração do Ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre “aproveitar” o período de calamidade pública de pandemia de COVID19
para diminuir a proteção ambiental, “desburocratizando”: “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui
enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de
COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de Ministério
da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir
esforços pra dar de baciada a simplificação de regulam... é de regulatório que nós precisamos, em todos os
aspectos” (MIGALHAS, 2020).
96
dezenas de comitês e conselhos do Ministério do Meio Ambiente foram extintos como parte
do ‘revogaço’ que fechou centenas de colegiados e reduziu a participação da sociedade civil
nas instâncias de governo”, e o aparelhamento daqueles órgãos que não foram extintos pelo
Governo e pelo setor privado. No terceiro, discorrese sobre a criação do Conselho Nacional
da Amazônia Legal, sob a coordenação do VicePresidente da República Hamilton Mourão e
composto por outros 19 militares, sem a presença de representantes dos estados,
universidades, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), povos indígenas, setor privado e da
sociedade civil34. No quarto, o estudo expõe acerca da censura, da intimidação e da
espionagem de jornalistas e da perda de transparência, que ocorrem por terem sido
encaminhados oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para monitoramento de
organizações da sociedade civil na Conferência do Clima em Madri (COP25), em 2019, por
serem acusadas organizações não governamentais de cometerem crimes ambientais, inclusive
líderes indígenas35, por terem sido desautorizados órgãos como IBAMA e ICMBio a se
comunicarem com a imprensa, bem como a responderem tempestivamente nos prazos da Lei
de Acesso à Informação (BRASIL, 2011), e pelo lançamento de um novo site do MMA, que
foi ao ar sem a maior parte das informações, registros e dados históricos que eram
disponibilizados na página anterior.
Em outro levantamento dos atos normativos ambientais publicados no ano de 2020,
no contexto da pandemia de COVID19 (CAWAMURA et al., 2020), constatouse que há
quatro níveis de desestruturação da política ambiental federal desde o início da pandemia de
COVID19.
Há um primeiro nível, que se dá no âmbito da desestruturação normativa, que se
realiza por atos exarados através da gestão do Ministério do Meio Ambiente, e visa ao
enfraquecimento do aparato administrativo de proteção ambiental, seja pela alta frequência de
normas que flexibilizam os mecanismos de proteção, seja pela abstenção na tomada de
34
O estudo afirma que o Conselho assumiu a responsabilidade pelo combate aos ilícitos ambientais na
Amazônia, mesmo sem orçamento, metas ou planejamento, não obstante os órgãos ambientais federais
continuarem sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente, ou seja, “Mourão reina, mas não governa”.
Consta no estudo que o Conselho propõe integrar o DETER e o PRODES, atualmente vinculados ao INPE, ao
CENSIPAN, que é um órgão vinculado ao Ministério da Defesa, bem como criar um “marco legal”, para limitar
a atuação de organizações não governamentais na Amazônia Legal, para permitir tão somente aquelas alinhadas
ao “interesse nacional”. IBAMA e ICMBio são referenciados pelo Conselho no sentido de uma eventual
“reestruturação” e “revisão doutrinária”.
35
O MinistroChefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, publicou nas redes sociais
uma mensagem acusando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a líder indígena Sônia Guajajara
e o ator Leonardo Di Caprio de cometerem crimes lesapátria, pois seus objetivos seriam publicar fake news
contra o Brasil, imputar crimes contra o Presidente da República e apoiar campanhas de boicote contra produtos
brasileiros (CORREIO BRASILIENSE, 2020).
97
200,000,000
150,000,000
100,000,000
50,000,000
0
2019 2020 2021
500,000,000
400,000,000
300,000,000
200,000,000
100,000,000
0
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
36
Valores atualizados pelo IPCA (Bacen Calculadora do Cidadão), de dezembro de 2019 e novembro de 2020.
Considerouse como efetivamente autorizado o valor correspondente à coluna “Dotação Atual” do SIOP. Não foi
considerada a ação orçamentária 21BS em 2019, porque não houve internalização no Ibama dos recursos
correspondentes. Foram levadas em conta as ações orçamentárias 214M, 214N, 214P e, no ano de 2020, também
a 21BS (recursos extra da Lava Jato direcionados ao Ibama pelo STF). No PLOA 2021, não foram computados
os recursos condicionados à aprovação legislativa, nos termos do inciso III do art. 167 da Constituição.
99
400,000,000
350,000,000
300,000,000
250,000,000
200,000,000
150,000,000
100,000,000
50,000,000
0
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Nos últimos dois anos é possível verificar, de forma clara, menor participação social
na tomada de decisão e no tocante às questões ambientais.
Em termos de transparência e participação social na gestão ambiental, os retrocessos
são visíveis, porquanto são desestruturados órgãos e são impostas normas que dificultam a
transparência e a participação social no processo decisório.
Em levantamento sobre o panorama de transparência e participação ambiental
realizado por pesquisadores das organizações não governamentais IMAFLORA, Instituto
Socioambiental e Artigo 19, foram verificadas (i) alterações nos protocolos de comunicação
37
Valores atualizados pelo IPCA (Bacen Calculadora do Cidadão), considerando o mês de dezembro de cada
ano e o mês de novembro de 2020. Considerouse como efetivamente autorizado o valor correspondente à coluna
“Dotação Atual” do SIOP. Não foi considerada a ação orçamentária 21BS em 2019 porque não houve
internalização no Ibama dos recursos correspondentes. No PLOA 2021, não foram considerados os recursos
condicionados à aprovação legislativa nos termos do inciso III do art. 167 da Constituição.
38
Valores atualizados pelo IPCA (Bacen Calculadora do Cidadão), levandose em consideração o mês de
dezembro de cada ano e o mês de novembro de 2020. Considerouse como efetivamente autorizado o valor
correspondente à coluna “Dotação Atual” do SIOP. No PLOA 2021, não foram computados os recursos
condicionados à aprovação legislativa nos termos do inciso III do art. 167 da Constituição.
100
dos órgãos ambientais39; (ii) ameaças a servidores40; (iii) elevação do sigilo de documentos
públicos41; (iv) apagões em bases de dados ambientais; (v) deslegitimação de órgãos públicos
responsáveis pela produção de dados ambientais 42; (vi) extinção e alteração de composição de
órgãos colegiados43 (IMAFLORA et al., 2021).
Esses fatores, em conjunto, refletem na diminuição das autuações ambientais de
atividades.
39
Foi imposto ao IBAMA, por meio da Portaria n. 560/2020, uma “lei da mordaça”, por meio da qual o contato
com a imprensa dos ocupantes de direção, chefia e assessoramento devem “reportar à Ascom [assessoria de
comunicação] qualquer contato estabelecido com a imprensa”. Desse modo, o levantamento conclui que essa
“centralização diminui a autonomia dos órgãos ambientais em serem transparentes”, interferindo na publicidade
e na publicidade e na transparência das informações e dados produzidos pela instituição. Já para o ICMBio, foi
imposta a Portaria n. 411/2020, que institui um Código de Conduta aos seus servidores, “vedando aos servidores
divulgar estudos, pareceres e pesquisas, ainda não tornados públicos, sem prévia autorização”. Desde 2019, a
ControladoriaGeral da União (CGU) mudou o seu entendimento para determinar o sigilo sobre os pareceres
jurídicos utilizados para subsidiar vetos e sanções da Presidência da República a projetos provenientes do
Congresso Nacional, o que indica o enfraquecimento da “transparência e [da] capacidade da sociedade civil de
avaliar os argumentos que embasam a tomada de decisão governamental, inclusive nas políticas ambientais”
(IMAFLORA et al, 2021).
40
Foram exonerados servidores do INPE após os dados sobre desmatamento desmentirem declarações do
governo. Dentre os principais casos, destacamse Lubia Vinhas, coordenadorageral de Observação da Terra do
INPE, a qual era responsável pela produção de dados pelos sistemas DETER e PRODES sobre desmatamento na
Amazônia (IMAFLORA et al, 2021).
41
Publicação do Decreto n. 9.690/2019 (BRASIL, 2019c), com o objetivo de aumentar “categorias de agentes
públicos habilitados a classificar documentos governamentais como sigilosos ou ultrassecretos. Essas
classificações, que colocam em sigilo documentos pelo período de cinco, 10 ou 25 anos, eram até então
prerrogativa restrita a funcionários de primeiro escalão. Com o decreto, seriam estendidas também aos servidores
de segundo escalão”. O Congresso Nacional aprovou Decreto Legislativo que sustaria a medida, mas, antes de
concluir a tramitação no legislativo houve revogação da controverso Decreto (IMAFLORA et al, 2021).
42
Ricardo Galvão também foi exonerado da presidência do INPE no ano de 2019 após a acusação do Presidente
da República, Jair Bolsonaro, acusar os dados da instituição de serem “mentirosos”, que demonstravam o
aumento do desmatamento na Amazônia. O Presidente da República afirmou “que antes de serem divulgados
publicamente, estes deveriam passar pelo seu conhecimento, o que fere diretamente os princípios da
transparência e da impessoalidade”. Não obstante, o próprio presidente o INPE foi desacreditado, aduzindo que
estaria “a serviço de alguma ONG”. Para o levantamento, “o descrédito na geração dos dados ambientais por
órgãos governamentais e o cerceamento da divulgação dessas informações são um risco para o conhecimento da
realidade ambiental do país e confunde e dificulta a atuação do monitoramento e controle social das ações do
governo em relação ao desmatamento e proteção ambiental” (EXAME, 2019; IMAFLORA et al, 2021).
43
Os Decretos n. 9.784/2019 (BRASIL, 2019d) e 9.759/2019 (BRASIL, 2019e) trouxe uma lista de órgãos
colegiados para serem extintos, como o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), a Comissão do Plano
Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (CONAVEG). Além disso, o Decreto n. 9.806/2019 (BRASIL,
2019f) alterou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) de 96 para 23 integrantes,
sendo que, “com a mudança, o governo aumentou seu peso no conselho em 13%, enquanto os Estados perderam
7% e a sociedade civil, 6% da representação. Governo e setor produtivo passaram a ter a maioria dos votos”
(OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2021). Sobre a alteração da composição do CONAMA, o ministro Ricardo
Salles afirmou: “O CONAMA é ineficiente nos debates, prolixo nas suas discussões, com pouco fundamento
técnico e um prejuízo gigantesco à sociedade por sua morosidade e burocracia. Nós temos que reformular as
regras. Temos que combater o assembleísmo” (COLABORA, 2019).
101
35,000
30,000
25,000
20,000
15,000
10,000
5,000
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Figura 18: AIA anotados pelo IBAMA por Estados no Arco do Desmatamento (período 2004
2020)
Autos de Infração - IBAMA - Estados
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
44
Este autor, enquanto procurador das entidades autoras, é um dos subscritores da referida ação de improbidade
administrativa. Foi sustentado, em síntese, que os mesmos estariam agindo com violação à moralidade
administrativa, valendose da enfermidade e da fragilidade públicas da pandemia de COVID19 para praticar
atos ímprobos e maculados com desvio de finalidade, seja por não proteger adequadamente o bem ambiental,
seja por não proceder com transparência e com vistas a viabilizar a participação da sociedade no trato das
questões ambientais.
Requereuse (i) a condenação solidária dos réus no pagamento do dano moral coletivo em matéria ambiental, em
valor não inferior a R$ 20 milhões de reais; e (ii) ressarcimento integral dos danos, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público. Foi
requerida uma medida liminar de afastamento cautelar do ministro Ricardo Salles, fundado em elementos
probatórios que indicariam que o ministro utilizava a máquina pública para “controlar a conduta dos servidores e
até mesmo punir aqueles que valorosamente não atendem aos anseios e sentimentos pessoais do réu”, inclusive
utilizandose de “intimidações e retaliações para defender interesses outros, de madeireiros garimpeiros e afins”.
Para comprovar as condutas intimidatórias do ministro, a petição inicial da ação colaciona excertos da sentença
condenatória na ação de improbidade n. 102345267.2017.8.26.0053, quando o mesmo era Secretário do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo, bem como notícias que relatam ameaças e exonerações de servidores.
103
terras não só da União, como também do INCRA”; (ii) o público alvo foi ampliado para
incidir nas “terras ocupadas até 5 de maio de 2014, quando o texto até então vigente se referia
a ocupações até 22 de julho de 2008”; (iii) o limite de terras regularizáveis igualmente sofreu
incremento, “de quatro para quinze módulos fiscais, o limite de área de terras a serem
regularizadas, para que a averiguação dos requisitos possa ser feita por mera declaração do
ocupante”47; (iv) ampliou para 2.500 hectares o limite da área em relação as quais é permitida
a dispensa de licitação, antes limitada a 1.500 hectares; e, por fim, (v) dispensou as
assinaturas dos confrontantes, bastando a autodeclaração do interessado de que respeitou os
limites e confrontações.
A bancada ruralista pressionou o então Presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia, para que o mesmo colocasse em votação a MP n. 910/2019 e evitasse que a
medida perdesse a eficácia por transcurso do tempo. Para o deputado Zé Vitor, vicelíder do
PL e membro da FPA, "Estamos trabalhando forte para tentar votar ainda nessa semana. Nós
não queremos deixar ela caducar. Estamos falando com os líderes aqui para colocar para
votar. Estamos bem confiantes, é um processo político, e cabe algumas interpretações. Mas
sabemos a importância dessa pauta" (CONGRESSO EM FOCO, 2020). Sem consenso, a
medida não foi votada e perdeu a eficácia.
Os Projetos de Lei n. 490/07 (BRASIL, 2007) e n. 191/2000 (BRASIL, 2000) estão
em fase final de tramitação, os quais buscam permitir extrativas dentro de territórios
indígenas; a demarcação passaria a ser da competência do Congresso Nacional, e não mais do
Poder Executivo; e seria imposto um marco temporal sobre o direito das terras
tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, bem como outras medidas. Mais
recentemente, há a tramitação do Projeto de Lei n. 2.633/20 (BRASIL, 2020). A bancada
segue buscando a aprovação de outras medidas, visando à regularização de imóveis na
Amazônia.
Segundo Moizés (2021, p. 95), diante dessas propostas legislativas, é possível
verificar que os ruralistas pretendem, ao mesmo tempo, reestruturar a legislação para legalizar
práticas atualmente consideradas ilegais, bem como flexibilizar outros comandos legislativos
47
O módulo fiscal é uma unidade de medida que varia de acordo com o município. Segundo o EMBRAPA, o
valor do módulo fiscal é fixado pelo INCRA levando em conta: “(a) o tipo de exploração predominante no
município (hortifrutigranjeira, cultura permanente, cultura temporária, pecuária ou florestal); (b) a renda obtida
no tipo de exploração predominante; (c) outras explorações existentes no município que, embora não
predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; (d) o conceito de "propriedade
familiar". A dimensão de um módulo fiscal varia de acordo com o município onde está localizada a propriedade.
O valor do módulo fiscal no Brasil varia de 5 a 110 hectares”. O módulo fiscal em São Félix do Xingu, em pleno
Arco do Desmatamento, é de 75 hectares (EMBRAPA, 2021).
105
para continuar a desenvolver esse projeto. Seria nessa perspectiva de avanço sobre novos
territórios e, principalmente, na apropriação de recursos naturais, que haveria o
aprimoramento do agronegócio, atendendose às novas necessidades e demandas de expansão
do capitalismo. A bancada ruralista, portanto, atuaria no sentido de conferir segurança jurídica
ao agronegócio, concomitantemente a proposições de anistia de punições daqueles que já
ocupam ilegalmente territórios protegidos e terras devolutas (MOIZÉS, 2021, p. 95/96).
Uma proposta que se afirma poder contribuir para a conservação adequada do Arco
do Desmatamento seria uma reforma do arcabouço jurídico, proibindo, mediante emenda
constitucional, toda e qualquer regularização de invasão de áreas públicas que resulte em
danos ambientais, exceto para ocupações antigas e de baixa renda, retirando as possibilidades
de regularização profissional da grilagem de terras e limitando a antigas propriedades de
pessoas de baixa renda. Além disso, seriam necessárias ações judiciais destinadas a suprir
omissões inconstitucionais na demarcação de terras indígenas e unidades de conservação, bem
como o aprimoramento e melhor aplicação das leis de crimes ambientais (BARROSO;
MELLO, 2021).
Suas terras são cobiçadas justamente porque estão próximas à BR163, sendo,
portanto, mais valorizadas (TORRES, BRANFORD, 2017).
A Floresta Nacional Jamanxim possui pretensos “donos” de terras dentro de seus
limites, sendo que “segundo dados do ICMBio, 67% das detenções de terras instalaramse
depois da criação da UC, e 60% desses ocupantes não residiam ali” (TORRES, BRANFORD,
2017).
As reivindicações de terras, ademais, possuem dimensão média muito superior à
ocupação dos colonos da região, o que indica que se tratam de tentativas de apropriação ilegal
de grileiros (TORRES, BRANFORD, 2017). A Floresta Nacional Jamanxim “passou a
disputar as primeiras colocações na lista de UCs mais desmatadas da Amazônia, além de ser
palco de outros crimes violentos” (TORRES, BRANFORD, 2017). Tratase da terceira
unidade de conservação com mais incrementos de desmatamento acumulado no país, desde
2008, com 834,69 quilômetros quadrados de perda florestal (INPETERRABRASILIS48):
120
100
80
60
40
20
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Área Km²
48
Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/amazon/increments
49
Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/amazon/increments
107
Diante dos danos praticados pelas corporações que exploram a soja transgênica, a
carne bovina e a indústria madeireira no Arco do Desmatamento amazônico, os poderosos
demandam políticos e mecanismos legais para que não sejam atingidos pela norma penal.
Nessa perspectiva, apurouse que a bancada ruralista exerce diversas funções no Congresso
Nacional que são imprescindíveis à manutenção da estrutura econômica desigual e excludente
das relações sociais, haja vista a defesa veemente da grande propriedade rural e a forte
atuação para fragilização de leis ambientais, de direitos sociais e de melhoria das condições de
trabalho.
À vista do funcionamento político e normativo do Estado brasileiro, observouse que
a bancada ruralista no Congresso Nacional atua proximamente ao Poder Executivo, senão
imbricada a ele, visando a prosperar seus interesses setoriais e suas posturas oligárquicas, bem
como imunizar as corporações e latifundiários que representam.
O primeiro item desde capítulo se prestou a uma ampla investigação dos danos
sociais e do processo de vitimização no Arco do Desmatamento, com o objetivo de iniciar a
verificação da hipótese básica apresentada.
Em seu início, compreendeuse a relevância da floresta para a biodiversidade e para a
moderação do clima, nos níveis continental e global, bem como se indicou o desmatamento e
as queimadas na Amazônia geográfica e historicamente. Em seguida, situouse o país perante
os acordos internacionais climáticos, notadamente o Acordo de Paris, e a importância da
Amazônia em relação aos compromissos assumidos para mitigar as mudanças climáticas.
50
Em consulta ao sítio virtual do ICMBio, consta tão somente o plano de manejo de 2006, referente à categoria
Floresta Nacional, não havendo ainda regulamento aprovado, em plano de manejo, quanto à utilização dos
recursos naturais da Área de Proteção Ambiental Jamanxim.
109
51
No original: “I see violence as avoidable insults to basic human needs, and more generally to life, lowering the
real level of needs satisfaction below what is potentially possible”.
52
No original: “As a point of departure, let us say that violence is present when human beings are being
influenced so that their actual somatic and mental realizations are below their potential realizations”.
112
NECESSIDADES
Exclusão
Mutilação/agressão53 Repressão55
Violência Ressocialização54
Assassinato Bloqueios Detenção55
Direta Cidadão
econômicos/Sanções53 Expulsão55
secundário54
53
Além da mutilação (agressão) física em si, incluemse nessa categoria as ofensas às necessidades humanas
básicas, como atos que tenham uma cadeia causal longa como bloqueios e sanções econômicas (GALTUNG,
1990).
54
Envolve um duplo aspecto, a perda da identidade e da própria cultura e a ressocialização em uma outra cultura,
como a proibição e a imposição de línguas, o que acontece, muitas vezes, em cidadãos considerados secundários,
em que um grupo é submetido (não necessariamente uma minoria) são forçados a expressar a cultura dominante
e não a sua própria, pelo menos não no espaço público (GALTUNG, 1990).
55
A categoria repressão, detenção e expulsão aludem diretamente à Declaração Universal de Direitos Humanos,
de 1948 (GALTUNG, 1990).
56
“Os oprimidos podem, de fato, estar tão desfavorecidos que morrem (morrem de fome, definham com as
doenças) por causa disso: ‘Exploração A’. Ou podem ser deixados em caráter permanente, estado indesejado de
miséria, geralmente incluindo desnutrição e doenças: ‘Exploração B’” (GALTUNG, 1990).
57
A subcategoria “penetração” diz respeito à implantação pelo dominador de uma consciência parcial e
segmentada da realidade no oprimido, impedindoo de lutar efetivamente contra essa violência estrutural
(GALTUNG, 1990).
58
Nas subcategorias marginalização e fragmentação, a violência estrutural relacionase com a marginalização,
mantendo os oprimidos de fora, combinando com a fragmentação, mantendoos um longe dos outros
(GALTUNG, 1990).
114
culpa (intenção), e não na consequência 59. Essa distinção ressalta o imperativo de haver a
preocupação não apenas com a violência direta, mas sobretudo com a violência estrutural,
caso contrário, “os sistemas éticos dirigidos contra a violência intencional facilmente deixarão
de capturar a violência estrutural em suas redes, e podem, portanto, pegar os pequenos e
deixar os peixes grandes soltos” (GALTUNG, 1969).
O equilíbrio ecológico é uma quinta categoria de necessidade básica que, além de
incorporar as outras quatro (sobrevivência, bemestar, identidade, liberdade), também pode
significar ofensa às vidas biótica e abiótica. No que concerne a esta mais abrangente categoria
(equilíbrio ecológico), há a necessidade de um aprofundamento teórico para sua compreensão
como violência cultural, especialmente na relação ser humano e natureza (GALTUNG, 1990).
Os conflitos ocorrem entre gerações, através do tempo, diacronicamente, visto que
“cada geração tenta satisfazer suas próprias necessidades básicas”, interpondose no caminho
das gerações futuras por desconsiderálas. O conflito intergeracional pode ser (i) econômico,
ao poluir e esgotar o meio ambiente; (ii) militar, ao estimular violência; (iii) político, por
conflitos não transformados e ações irreversíveis; e (iv) cultural, ao aceitar culturas que
provocam as consequências antes listadas (GALTUNG, 2006, p. 166168).
No caso, o aumento da poluição, o esgotamento dos recursos e a marginalização de
culturas constituem problemas não resolvidos, empurrados às gerações futuras, havendo um
prognóstico de mais violência, à exceção das classes mais altas, que seguiriam protegidas
(GALTUNG, 2006, p. 167/168).
Há também aquelas ofensas aos aspectos simbólicos da existência humana, como a
cultura, a religião, a ideologia, a linguagem, a arte, as ciências empíricas e as ciências formais,
que podem ser usadas para justificar ou legitimar a violência direta ou a violência estrutural
(GALTUNG, 1990). Tratase da violência cultural.
59
A culpa como fundamento da responsabilidade civil foi introduzida na maioria dos Códigos Civis ocidentais,
possuindo, de fato, duas fontes: (i) a cultura jurídica romana, que incorpora significados helênicos de
responsabilidade, mas agrega sobretudo elementos de boafé nas obrigações, sendo buscado, portanto, a intenção
subjetiva, bem como o princípio de não lesar outrem (neminem laedere), que também introduz a noção de culpa;
e (ii) a culpa e a moral cristã, que se desenvolvem com a cultura jurídica que recepciona, na Idade Média, o
direito romano, com a transposição normativa do corpus iuris de Justiniano, transformado por meio de glosas e
comentários medievais, conduzindo à formação da Escola do Direito Natural. Enquanto a “moral romana era
fundamentalmente a moral do justo, (aequitas, epicikia), a moral moderna, instaurada pela Escola do Direito
Natural será a moral da conduta humana, conduta a ser julgada através de um filtro específico o filtro do
julgamento de Deus (MARTINSCOSTA, 1991).
116
Os termos paz e violência se relacionam um ao outro de forma que paz possa ser
considerada ausência de violência (GALTUNG, 1969). Se o oposto da violência é a paz, o da
violência cultural é a paz cultural, que abarcaria aspectos de uma cultura que servem para
justificar e legitimar a paz direta e a paz estrutural. O estudo da violência cultural destaca que
tanto a violência direta como a violência estrutural se legitimam e se tornam aceitas pela
sociedade, sendo necessária, portanto, uma análise tipológica da violência (GALTUNG,
1990):
A violência cultural faz com que a violência direta e estrutural pareça, até mesmo
faça sentir, certa, ou pelo menos não errada. Assim como a ciência política é sobre
dois problemas o uso do poder e a legitimação do uso do poder os estudos de
violência são sobre dois problemas: o uso da violência e a legitimação desse uso
(GALTUNG, 1990).
O estudo da violência cultural pode ser realizado, por exemplo, através da análise do
discurso, por meio do qual pode se vislumbrar a sustentação da violência estrutural ao longo
do tempo, dos pensamentos e da cultura, sem a qual essa forma de violência permaneceria
oculta (BÖHM, 2018, p. 4245).
A partir da concepção de violência cultural de Galtung (1969), inserese o dano
provocado pelas atividades extrativistas – cujas terras são cobiçadas por interesses dos atores
privados que anseiam pela exploração dos minerais, da terra para uso agrícola ou mesmo para
especulação – como dano social (BÖHM, 2020). Tratase do estudo de violências
“invisíveis”, que, ao contrário do homicídio, do roubo, não é percebida como violência e,
portanto, não é evitada, nem sancionada ou tampouco reparada como violência (BÖHM,
2018).
Isso quer dizer que os danos materiais a terras indígenas e tradicionais efetivam
reflexamente danos imateriais aos povos que vivem nesses locais, operando como uma
violência, ainda que não percebida como tal. Ao contrário, os atores privados e o Estado
justificam reiteradamente os atos praticados nessas terras, legais ou ilegais.
Budó (2017) trabalha o conluio das elites agrárias, políticas e econômicas, nacionais
e transnacionais, em termos mais atuais, para apontar a legitimação e a aceitação dos danos
praticado pelas corporações passando por campanhas como a realizada pela Rede Globo,
“agro é tech, agro é pop, agro é tudo” (GLOBO RURAL, 2017), como por propagandas
institucionais.
Diante do reiterado envolvimento de corporações com o crime ambiental, foi
cunhada a expressão greenwashing ou greenwash, que pode ser definida como a divulgação
117
exportou tratores) serão mais relevantes (GALTUNG, 1981, p. 113). É necessário perquirir os
efeitos de empobrecimento e de enriquecimento que a exploração de determinada matéria
prima causa na sociedade, principalmente levando em consideração os efeitos intraatores,
que podem influenciar negativamente a economia e a política, em questões militares, sociais,
culturais e comunicacionais (GALTUNG, 1981, p. 115/116).
Para o autor, os países desenvolvidos possuem uma estrutura socioeconômica que
permite absorver, converter e redimensionar os efeitos negativos intraator com o máximo de
impacto benéfico, o que se denomina por efeito spinoff. O grau de processamento do bem
comercializado é a variável básica por trás desse efeito (GALTUNG, 1981, p. 115/116).
O fenômeno de dominação, com efeitos positivos e negativos, inter e intraatores,
pode ser representado no seguinte esquema:
Efeitos Inter
62
Efeitos IntraAtores63 Efeitos InterAtores Efeitos IntraAtores
Atores
Positivo Matériasprimas65
64
Spinoff Bens manufaturados Pouco ou nada 66
(dentro) (commodities)
60
“A (‘developed’)” (GALTUNG, 1981, p. 114).
61
“B (‘developing’)” (GALTUNG, 1981, p. 114).
62
“Interactor effects” (GALTUNG, 1981, p. 114).
63
“Intraactor effects” (GALTUNG, 1981, p. 114).
64
“Positive (in)” (GALTUNG, 1981, p. 114).
65
“Raw materials” (GALTUNG, 1981, p. 114).
66
“Little or nothing” (GALTUNG, 1981, p. 114).
67
“Negative (out)” (GALTUNG, 1981, p. 114).
68
“Manufactured goods” (GALTUNG, 1981, p. 114).
69
“Pollution, Explotation” (GALTUNG, 1981, p. 114).
70
“Depletion, Explotation” (GALTUNG, 1981, p. 114).
120
É claro que existem preços que poderiam, na superfície, compensar a lacuna nos
efeitos intraatores, convertendo dinheiro em um desenvolvimento correspondente
das indústrias subsidiárias: a indústria da educação, a indústria do conhecimento, e
assim por diante. Muito disso é o que os países produtores de matériaprima podem
fazer com o dinheiro que ganham. Mas isto não é o mesmo. É preciso ser forçado a
um certo padrão de desenvolvimento intraatores para poder participar da interação
interatores, e muito mais para ser livre para tomar a decisão sem ter que fazêlo,
sem ser forçado por toda a máquina social. É difícil ver como a psicologia da
autonomia pode ser comprada por dinheiro (GALTUNG, 1981, p. 117)71.
71
No original: “Of course, prices exist that could, on the surface, compensate for te gap in intraactor effects,
converting money into a corresponding development of subsidiary industries: the education industry, the
knowledge industry, and so on. Much of this is what rawmaterialproducing countries can do with the money
they earn. But this is not the same. It is on thing to be forced into a certain pattern of intraactor development in
order to be able to participate in the interactor interaction, quite another to be free to make the decision whitout
having to do it, whithout being forced by the entire social machinery. Ths, it is hard to see how the psychology
of autonomy can be bought for money”.
121
opressão, referindose, assim, aos conhecimentos que surgem nesse contexto das lutas sociais
e políticas (SANTOS, B., 2019, p. 18).
A América Latina, como integrante do Sul Global, é marcada pelo extrativismo há
mais de 500 anos, que não deixou de existir mesmo com o fim da colonização, nem sequer
com a alternância entre governos progressistas e neoliberais, mais proximamente. Com a
globalização e a estruturação da economiamundo, o sistema capitalista consolida a
acumulação primárioexportadora como um dos seus elementos fundacionais, orientada pela
demanda dos centros capitalistas (ACOSTA; BRAND, 2018, p. 3538), causando vantagens
comparativas:
empresa conjunta de exploração, uma empresa que causa danos de grande magnitude
(BÖHM, 2020).
Nesse ponto, o crescimento histórico do capitalismo em âmbito global expande sua
produção – e consequentemente a poluição e a exploração de recursos naturais – com o fito de
promover o lucro corporativo. Em se tratando de trocas econômicas globais entre países do
Norte e Sul, percebese que as trocas econômicas são desiguais, principalmente à vista das
pegadas de extração e de consumo entre os mesmos, o que contribui para a fenda metabólica
(LYNCH, 2020), cujo conceito vai ser explorado a seguir.
A partir desse referencial teórico é que se compreende a exploração do agronegócio
no Arco do Desmatamento da Amazônia, tanto nos níveis ambiental, ecológico e climático,
como para as consequências nos seres humanos, diretas e indiretas.
Sem embargo da tipologia apresentada, há uma violência que opera no âmbito
relacional entre ser humano e natureza, o que é feito nas categorias de metabolismo social e
ruptura metabólica. Em outras palavras, as trocas econômicas globais (capitalistas) se
operacionalizam de tal forma desigual e destrutiva à natureza e ao ser humano, que também
interessam à criminologia.
Sob essa perspectiva, podem ser amealhados elementos para indicar como a
violência, que se realiza nas esferas estrutural, direta e cultural, interfere no metabolismo
social e provoca uma fenda no metabolismo dos seres humanos com a natureza.
72
“Metabolismo é o conjunto de reações químicas realizadas pelas células dos seres vivos para sintetizar
substâncias complexas a partir de outras mais simples, ou para degradar complexas e obter simples” (GARCÍA;
CARRIL, 2009, tradução livre).
125
Foram Marx e Engels que aplicaram a ideia de metabolismo social à teoria social, os
quais estudaram o trabalho humano e a apropriação de substâncias naturais às necessidades
humanas; à troca de matéria entre ser humano e natureza, fundamentalmente. Essa noção
marxiana não era metafórica, mas implicava troca material que gera uma interdependência
mútua (FISCHERKOWALSKI, 1998). Afirmase que o conceito de metabolismo social é
capaz de conectar o corpo humano e suas necessidades, os estilos de vida e as diferenças entre
os modos de produção (FISCHERKOWALSKI, 1997).
O metabolismo social é objeto de estudos econômicos sobre o fluxo de recursos
naturais ou energia, uma vez que são os seres humanos que extraem ou removem os materiais
da natureza, de tal forma que toda a utilização de recursos materiais pode causar impactos
ambientais significativos (MARTÍNEZALIER; JUSMET, 2013).
A abordagem do metabolismo social de um sistema social significa olhar para sua
economia em termos de estoques e fluxos biofísicos, sendo o metabolismo o processo pelo
qual um organismo constrói e mantém suas estruturas por meio da troca de energia e materiais
com seu ambiente ao longo de sua vida. Os autores relacionam a economia em termos
biofísicos (fluxo de energia) em termos monetários, de modo a observar estoques e fluxos,
reciclagem, resíduos e emissões, e quão grandes são os fluxos que serão necessários para
manter os estoques da sociedade no futuro. Há ainda, continuam os autores, a vantagem
conceitual de recorrer às leis das ciências naturais para modelar as interrelações:
termodinâmica, a lei da conservação da matéria, relações técnicas entre massa e energia, mas
também relações biológicas e bioquímicas que permitem a determinação de processos
metabólicos de plantas, animais e humanos, ajudam a construir modelos causais para cruzar
observações, preencher lacunas de dados, encontrar interpretações alternativas plausíveis para
observações e responder, por exemplo, questões relativas a desenvolvimentos futuros
(FISCHERKOWALSKI; HABERL, 2015, p. 100/101). Em consequência, essa construção
teórica tem a potência de preencher as lacunas entre ciências naturais tipicamente distantes,
como por exemplo climatologia, epidemiologia médica e hidrologia (FISCHERKOWALSKI,
1997, p. 1622).
Marx desenvolveu o conceito de metabolismo social, trazendo para a economia e
para a sociologia fenômenos descobertos no campo da conservação de energia, especialmente
pela descrição e conceito quanto ao metabolismo entre os organismos em termos de
termodinâmica (FOSTER, 2012).
126
Desse modo, “dentro do contexto da energia e dos materiais, atribuise grande valor
às leis da termodinâmica, especialmente à segunda (a da entropia)” (MELO, 2017, p. 355),
sendo principalmente utilizado o conceito nas relações entre economia e natureza (LEFF,
2006, p. 175) em um cenário de mudanças climáticas, visto que:
O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de
ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem
está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está
interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza (MARX,
2010a, p. 84)
significa “saquear não só o trabalhador, mas também o solo, pois cada progresso alcançado no
aumento da fertilidade do solo por certo período é ao mesmo tempo um progresso no
esgotamento das fontes duradouras dessa fertilidade” (MARX, 2017, p. 576). Percebese que
há sinais de preocupação das condições bioquímicas e energéticas que a produção capitalista
pode causar à natureza e ao ser humano.
Para entender essa crítica que surge da ecologia política, reconhecese que o trabalho
e o processo de produção designam, em última análise, uma relação de metabolismo entre ser
humano e natureza, tendo em vista que uma definição primária de socialismo/comunismo para
Marx era uma sociedade em que os produtores associados pudessem governar o metabolismo
humano com a natureza de forma racional, utilizando o mínimo de energia possível,
incorporando concepções termodinâmicas no entendimento de economia e sociedade
(FOSTER, 2012). Assim, a produção de mercadorias mediada pelo trabalho, portanto, é a
forma pela qual se dá a interação metabólica entre ser humano e natureza.
Muito embora não sejam utilizados os termos “entropia” ou “termodinâmica” n’O
Capital, os quais seriam introduzidos na comunidade científica no final do século XIX (e,
portanto, à morte de seu autor), já se trabalhavam conceitos de energia, à vista da citação do
filósofo Lucrécio para evocar o princípio da conservação: “nil posse creari de nihilo” (do
nada não se pode criar nada) (BURKETT; FOSTER, 2006; MARX, 2013, p. 953).
De outro lado, recusase a abraçar o reducionismo relacionado à interdependência
entre ser humano e natureza que, embora não sejam independentes em questões de energia,
não podem ser reduzidos tão somente a ela (BURKETT; FOSTER, 2006).
É possível extrair dessas passagens um conceito de fenda ou ruptura na interação
metabólica entre o ser humano e a terra, em cuja contradição se desenvolve a indústria e a
agricultura em grande escala sob o capitalismo (FOSTER, 2000, p. 155).
Posteriormente a O Capital e ao falecimento de seu autor, na Dialética da Natureza,
mas tomando certamente por base a complexa interação da relação ser humano e natureza,
anteriormente já teorizada, Engels descreve consequências catastróficas do trabalho humano:
Não fiquemos demasiado lisonjeados com nossas vitórias humanas sobre a natureza.
Esta se vinga de nós por toda vitória desse tipo. Cada vitória até leva, num primeiro
momento, às consequências com que contávamos, mas, num segundo e terceiro
momentos, tem efeitos bem diferentes, imprevistos, que com demasiada frequência
anulam as primeiras consequências. As pessoas que acabaram com as florestas na
Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e em outros lugares para obter terreno
cultivável nem sonhavam que estavam lançando a base para a atual desertificação
128
dessas terras, retirando delas, junto com as florestas, locais de acúmulo e reserva de
umidade. Quando consumiram na encosta dos Alpes os bosques de pinheiros que
eram cultivados com tanto cuidado na encosta norte, os italianos não desconfiaram
de que estivessem cortando pela raiz a produção de laticínios de sua região;
desconfiaram menos ainda de que, desse modo, estivessem drenando a água de suas
fontes montanhosas durante a maior parte do ano, para que, na época das chuvas,
pudessem derramar torrentes tanto mais caudalosas sobre a planície (ENGELS,
2020, p. 347/348).
Isso significa que o roubo ou destruição do solo não se limitou, naturalmente, apenas
à natureza externa, uma vez que humanos, como seres corpóreos, são também parte da
natureza. A expropriação da natureza na sociedade capitalista teve como contrapartida, na
análise marxiana, portanto, a expropriação da natureza corporal humana, sugerindo que o
roubo e a fenda no metabolismo da natureza também são uma ruptura no metabolismo
humano, que são visíveis nas muitas formas de trabalho escravo, nas condições de reprodução
social de família patriarcal, nos impactos físicos destrutivos e na perda dos poderes vitais dos
seres humanos (FOSTER; CLARK, 2020, p. 8).
O capitalismo provoca uma falha, ou ruptura metabólica (metabolic rift), no
processo de produção, dado que a expropriação da natureza é ao mesmo tempo a expropriação
dos próprios corpos humanos, resultando que a “ruptura ecológica é, portanto, também uma
ruptura corpórea, refletindo a interdependência do metabolismo social, que liga o ser humano
à natureza e à sua organização corpórea própria” (FOSTER; CLARK; 2020) 73.
O metabolismo do homem com a natureza somente pode ser entendido pela categoria
trabalho, segundo a qual o processo do trabalho é aquele no qual o homem, por suas próprias
ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza (MARX, 2017, p. 255).
O trabalho, em Marx, não é tão somente meio de vida ou uma forma de obtenção de recursos
para manterse a si próprio e sua família, mas, ao contrário, é “uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do
metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana” (MARX, 2017, p. 120).
Há também variações climáticas globais não provocadas pelo ser humano, como
variações de atividades vulcânicas, variação da intensidade solar, variações da excentricidade
da órbita terrestre, os efeitos do El Niño e La Niña, por exemplo, sendo também “bem
documentados sobre as oscilações climáticas na Amazônia ocorridas durante as glaciações e
também de variações mais recentes da temperatura local” (NOBRE, C. et al., 2007). Para tais
tendências e contra tais efeitos há pouco a ser feito quando houver possibilidade de previsões
73
No original: “The ecological rift is thus also a corporeal rift, reflecting the interdependent character of the
social metabolism, which connects human beings with nature and their own corporeal organization”.
129
científicas (NOBRE, C. et al., 2007). Diante disso, o ser humano pode agir de forma – como
uma independência compulsória – a não afetar o equilíbrio ecológico dinâmico.
Nesse particular, a construção metodológica do metabolismo social oferece
perspectivas para uma teoria filosófica holística e interdisciplinar para a análise do problema
ambiental, sendo necessária uma explicação para o processo histórico por meio do qual se
separa (alienase) a existência humana dos condicionantes naturais para se reproduzir, e não
um esclarecimento para a unidade do ser humano com a natureza externa (FOLADORI,
2001).
O capitalismo supõe uma divisão entre o domínio natural, tido como fornecedor
gratuito e não produzido de matériasprimas disponíveis para apropriação, e o domínio
econômico, concebido como a esfera do valor, produzida por e para humanos. Esse
rompimento metabólico se relaciona com o Antropoceno e é explicado, sinteticamente:
Sugerese, em tal concepção, que os últimos séculos seriam a “era do capital”, logo a
questão não seria o Antropoceno, mas o Capitaloceno. Em consequência, não se trataria
apenas da “era do homem”, pois o modo de produção capitalista possui relações mais
enraizadas entre acumulação, poder e natureza (MOORE, 2014).
Há uma contradição entre a natureza e a ecologia com o capital, além da exploração
da força de trabalho. A natureza é negada pela racionalidade econômica do capitalismo, que é
“externacionalizada” pelo capitalismo (LEFF, 2012, p. 105). Não por outro motivo, “o
capitalismo é intrinsecamente antiecológico”, em que, consequentemente, a “irrupção da crise
ambiental não apenas tornou consciente a [...] inconsciente contradição entre capital e
natureza, ao menos na visibilidade de seus custos ecológicos e de seus efeitos nos novos
enfoques teóricos da economia ambiental e ecológica e no ecomarxismo”. (LEFF, 2012,
105/106).
130
74
O termo decoupling foi criado pelo PNUMA, em 2011, para se referir a inevitável necessidade de se
desacoplar/desassociar o crescimento econômico ao consumo de recursos naturais, priorizando, para tanto, a
produtividade (“fazer mais com menos”) mediante investimentos maciços em inovação tecnológica, financeira e
social (PNUMA, 2011).
131
esgotamento dos recursos naturais, cujo alcance é aumentado com a análise da economia
política e ecologia da extração, uso e disposição de recursos. As percepções do metabolismo
social e da ecologia política permitem estabelecer ligações entre o uso de material e energia
por atores sociais e os impactos ambientais experimentados por outros, muitas vezes em
locais geograficamente distantes, e compreender a resistência a esses efeitos, que muitas
vezes assumem a forma de conflitos socioambientais (MURADIAN et al., 2012).
A construção teórica do metabolismo social pode ser igualmente adequada para uma
abordagem sistêmica na proteção de processos ecológicos e de ecossistemas complexos. Em
caso prático, sugerese a incorporação de aspectos de governança de fluxos energéticos para
atendimentos dos interesses humanos e não humanos envolvidos nos ecossistemas da Lagoa
da Conceição, em Florianópolis, Santa Catarina. Explicase que:
3.1.2.2 Gaia
75
Ver: CAPRA, F. O tao da física: Uma análise dos paralelos entre a física moderna e misticismo oriental. Ed.
Cultrix, 2020; CAPRA, F. O ponto de mutação. Ed. Cultrix, 2006.
76
Conquanto o marxismo seja constantemente criticado porque possuiria uma perspectiva antiecológica, haja
vista as experiências de inspiração socialista no século 20, há que se fazer algumas distinções. Löwy (2014, p.
25) afirma que Marx e Engels são acusados pelos ecologistas de serem produtivistas. Para o autor brasileiro
radicado na França a acusação não é justificada, visto que “ninguém denunciou tanto quanto Marx a lógica
capitalista de produção pela produção, a acumulação de capital, de riquezas de mercarias como fim em si”. O
autor, de outro lado, demarca sua crítica ao fracasso do socialismo da União Soviética a partir do monopólio das
decisões a uma oligarquia de tecnoburocratas, a qual impôs limites e contradições ao planejamento burocrático
e não realmente democrático para possibilitar um planejamento ecossocialista (LÖWY, 2009).
134
Achei útil conceber a Terra como parecida com um animal, talvez porque minha
primeira experiência séria em ciência, como estudante de pósgraduação, foi em
fisiologia. Mas isso nunca passou de uma metáfora – uma aide pensée, que não deve
ser levada mais a sério do que o marinheiro que se refere a seu navio como uma
‘mulher’. Até recentemente, nenhum anima específico me vinha à mente, mas
sempre algo grande, como um elefante ou uma baleia. Há pouco tempo, ao me dar
conta do aquecimento global, pensei na Terra mais como um camelo. Os camelos,
ao contrário da maioria dos animais, regulam a temperatura corporal em dois estados
diferentes, mas estáveis. Durante o dia no deserto, quando faz um calor insuportável,
os camelos a regulam perto de 40°C, temperatura bem próxima daquela do ar para
não precisarem esfriar o corpo suando água preciosa. À noite o deserto é frio,
podendo até provocar geada. O camelo perderia muito calor se tentasse permanecer
em 40°C; assim, ele muda a regulação para uma temperatura mais adequada de
34°C, que é quente o bastante. Gaia, como o camelo, tem diversos estados estáveis,
de modo a poder acomodarse ao ambiente interno e externo mutável (LOVELOCK,
2006, p. 28).
(ii) troca matéria e energia com outros sistemas que se acoplam àquela rede. Um sistema vivo,
nessa concepção, é uma máquina una que se organiza como uma rede de processos de
produção, transformação e destruição de componentes (LIMATAVARES et al., 2001).
A “teoria de Gaia olha para a vida de maneira sistêmica, reunindo geologia, micro
biologia, química atmosférica e outras disciplinas cujos profissionais não estão acostumados a
se comunicarem uns com os outros” (CAPRA, 1996, p. 83).
Reconhecese que “não é tão fácil pensar em Gaia como sendo viva”, mas, ainda
assim, adere ao entendimento da teoria de Gaia como um sistema autopoiético, na medida em
que “uma função de todos os componentes numa teia alimentar é a de transformar outros
componentes dentro da mesma teia”, em que os componentes de uma teia alimentar morrem,
são decompostos e repostos no próprio processo da rede, mas no sistema planetário em uma
escala de espaço e tempo muito maiores. O sistema autopoiético se confirmaria, segundo o
autor, com o argumento de que a teoria pressupõe a autogeração e a autoperpetuação:
Antropoceno, cujos efeitos despojam os seres humanos de suas almas – inclusive em termos
culturais, que são estreitamente vinculados ao mundo natural –, e a presença da humanidade
da Terra. A produção organizada no capitalismo que degrada a natureza também se expressa
na expropriação dos próprios corpos dos seres humanos, estabelecendo uma relação de
interdependência, ou seja, em uma ruptura do metabolismo.
Com razão, portanto, Galtung (1990), ao considerar uma quinta categoria de
violência que incorpora a natureza, de forma a considerar que afrontas a esse bem podem
impedir o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, nos planos material e
imaterial (sobrevivência, bemestar, identidade, liberdade).
Há ainda diversas questões a serem dirimidas sobre essa quinta categoria,
principalmente à vista do viés antropocêntrico das quatro primeiras categorias (sobrevivência,
o bemestar, a identidade e a liberdade). Ademais não há um posicionamento claro sobre a
ética ou sobre as bases econômicas para a referida categoria.
Diante da quinta categoria galtunguiana de violência que se opera contra a natureza e
da necessária abordagem complementar do metabolismo social, a questão da produção de
danos na Amazônia também pode ser analisada sob o prisma criminológico.
No atual contexto do capitalismo dependente brasileiro, algumas das respostas a
esses questionamentos serão exploradas, com base no arcabouço teórico da Criminologia
Verde e dos Crimes dos Poderosos, os danos praticados por corporações e pelo Estado na
fronteira agrícola que conforma o Arco do Desmatamento amazônico.
Diante da aquisição teórica do metabolismo social, temse o conhecimento de que os
danos contra a natureza também podem afetar o ser humano, em suas múltiplas
compreensões, e é sob tal entendimento que os danos ao meio ambiente devem ser
compreendidos.
3.1.3 O dano social sob a perspectiva da Criminologia Verde e dos Crimes dos Poderosos
77
No original: “Traditionally, within criminology and criminal justice, the analysis of justice, its scope, meaning
and content have been studied from a humancentered view oriented toward philosophical conceptions of justice
related solely to human concerns and values”.
142
lei penal – que reproduz desigualdades sociais e viola direitos humanos e não humanos
(BEIRNE, 2009; WYATT, 2016).
investidores, diretores, proprietários e todos aqueles que lucram com os danos ambientais
(WHYTE, 2020, p. 46/47). Regra geral, as empresas não são obrigadas a pagar os custos dos
efeitos mais prejudiciais de suas atividades, não estando os danos de longo prazo sequer
previstos nos balanços corporativos, porque as corporações não entendem dever pelos custos
deles (TOMBS; WHYTE, 2015, p. 1416). Esses custos não contabilizados são chamados de
externalidades da atividade produtiva, que podem abranger, por exemplo, acidentes e doenças
industriais, poluição ambiental e intoxicação alimentar. Essas externalidades são suportadas
social ou individualmente, neste último caso, atingindo os mais vulneráveis nos estratos
sociais (TOMBS; WHYTE, 2015, p. 1416).
SaadDiniz (2019, p. 162) diz que os danos sociais provocados pelas corporações
matam mais do que os homicidas convencionais, cuja violência corporativa (corporate
violence) é definida pelo dano e pelo risco imediato ao consumidor, aos empregados, ao
público em geral, podendo ser bastante perceptíveis nos campos da saúde, da segurança e do
dano ambiental, derivados de decisões provenientes de pessoas que ocupam alta hierarquia na
empresa. Apesar de comumente a gestão em cadeia atender, em regra, procedimentos estritos
e controlados, produzindo consciência do potencial lesivo e até mesmo fatal do que realiza, a
orientação pelo lucro a qualquer preço e a relação benefícios/danos turvam a percepção
pública sobre os processos de vitimização e violência corporativa, o que pode ser intencional
ou negligente por parte da corporação (SAADDINIZ, 2019, p. 162).
A atuação das corporações é tão impactante no meio social que a ONU emitiu, por
meio de seu Conselho de Direitos Humanos, os Guiding Principles on Business and Human
Rights, para exortar as pessoas jurídicas, independentemente de seu tamanho, setor, contexto
operacional e estrutura, a respeitarem os direitos humanos (ONU, 2012).
Segundo esse documento da ONU (2012), os Estados devem, relativamente aos
direitos humanos, (i) tomar medidas para aplicar as leis, exigindo que as empresas respeitem
nos, e periodicamente avaliem as suas adequações às referidas leis; (ii) garantir que leis e
políticas que tratem da criação e operação contínua de empresas, como a legislação societária,
não restrinjam, mas permitam o seu respeito pelas empresas; (iii) fornecer orientação eficaz às
empresas sobre como respeitálos em todas as suas operações; e (iv) encorajar, e quando
apropriado exigir, empresas a comunicarem como abordam seus impactos sobre eles.
144
corporativas que têm causado perdas econômicas significativas, lesões físicas e morte. Além
disso, a mudança do escopo revelou os danos estruturais que estão fora dos limites
disciplinares da criminologia, como pobreza, desnutrição e doenças evitáveis e assim por
diante, que são alcançados pela perspectiva do dano social (PEMBERTON, 2007).
Mais especificamente para tratar dos danos provocados ao meio ambiente, há
também a proposta conceitual de Lynch et al. (2013) do chamado crime verde, descrito como
“um comportamento que produz danos ecológicos [e que] promovem a desorganização da
natureza”, os quais “podem ser concretamente definidos por padrões científicos” 78. Em outras
palavras, para a “definição de crime verde detalhada acima, a desorganização ecológica é um
crime quando o comportamento em questão produz formas de desorganização que a natureza
não pode acomodar e que a ciência pode identificar como um dano” 79 (LYNCH et al., 2013).
Segundo Foster et al. (2011), o capitalismo tem a tendência de (i) desaceleração da
taxa geral de crescimento; (ii) proliferação de corporações multinacionais monopolísticas (ou
oligopolistas); e (iii) financeirização do capital internacional. Embora a primeira e a terceira
tendências tenham sido mais notadas após a crise de 2007/08, a internacionalização do capital
monopolista recebeu menor atenção, sendo a produção mundial cada vez mais dominada por
relativamente poucas empresas multinacionais capazes de exercer um considerável poder
monopolista, geralmente com sede nos Estados Unidos, União Europeia ou Japão (FOSTER
et al., 2011).
No entender de Foster et al. (2011), essas poucas empresas multinacionais entram em
uma “dialética de rivalidade e conluio”, sendo a competição frequentemente evitada e, quando
existente, reside na competição por posições de baixo custo, que continua sendo o resultado
final para os negócios, competição por recursos e mercados e diferenciação do produto
(FOSTER et al., 2011).
78
No original: “We posit that a green crime is a behaviour that produces unnecessary ecological harm—harms
that can be avoided by organizing production in different ways than are currently practised. Not only are these
green crimes unnecessary; they promote the disorganization of nature. Furthermore, the harm that is imposed on
the environment can be concretely defined by scientific standards”.
79
No original: “Employing our definition of green crime detailed above, ecological disorganization is a crime
when the behaviour in question produces forms of ecological disorganization that nature cannot accommodate
and which science can identify as a harm. In the modern capitalist world economy, it may be economically
beneficial to extract resources from countries with low wage rates, ship them to other lowwagerate nations to
transform them into commodities and then ship them to other nations for consumption (Gereffi 1999). While this
behaviour is beneficial for capitalism in terms of expansion and profit, it is not beneficial for the environment.
The environmental impacts of the international capitalist economy include escalated carbon dioxide pollution (Li
and Hewitt 2008; Stretesky and Lynch 2009) and other hazardous pollutants (Matthews et al. 2001)”.
146
Há ainda uma ampla gama de crimes de poder que podem se praticados por entidades
públicas e privadas, violando direitos dos trabalhadores, das mulheres, crianças,
consumidores, mercados, sistemas políticos ou contra os interesses de equidade e
religiosidade, etnia e raça, gênero e sexualidade, tortura e genocídio, por exemplo, bem como
contra o meio ambiente, prejudicando o ar, a água e os alimentos. Esses crimes se tornam
globalizados por estarem associados sobretudo a corporações que muitas vezes abandonaram
os modelos tradicionais de negócio e emprego, com salários excessivamente baixos e
trabalhadores temporários, locais de trabalho não saudáveis, entre outros (BARAK, 2015).
Ao investigar a interação das corporações e do Estado, e perceber que “as concessões
estatais garantidas aos interesses organizacionais dos poderosos e à acumulação de capital
[ser] tão antiga quanto o próprio capitalismo”, argumentase ser necessária a superação do
conceito de crime para o de dano social, permitindo “à criminologia compreender o impacto
de ações que não alcançam a definição de proibidas, ilegais ou criminosas, mas que provocam
mais dor, sofrimento e mortes do que aquelas classicamente alçadas a essas condições”
(BUDÓ, 2016, p. 130).
É improtelável descortinar os discursos que justificam ou exculpam os danos. Na
busca desse objetivo, apontase especialmente para o dano social, não para a norma. Em
outros termos, intentase focar nos atos e nas consequências cometidos pelas corporações e
pelo Estado que causam esse dano. Para Böhm (2017), a pesquisa criminológica é usualmente
realizada sobre os crimes comuns, regulares e individuais, mas, ainda assim, pode oferecer
ferramentas para o estudo de violações às mais graves violações de direitos humanos, ou seja,
crimes internacionais (por exemplo: genocídio, crimes contra a humanidade, como torturas e
deslocamentos, forçados ou crimes de guerra). Esse enfoque criminológico é capaz de
incorporar as violações de direitos humanos em seus aspectos econômicos, sociais e culturais,
que se vinculam estreitamente com o conceito de dano social e violência estrutural (BÖHM,
2017). A análise criminológica dos crimes dos poderosos nesta área percebe que não há uma
clara separação entre o que é legal e o que é ilegal, o que é atividade empresarial e o que é
crime organizado, quem é ofensor e quem é testemunha, havendo uma verdadeira simbiose, o
que se visualiza desde os atores individuais das corporações até as corporações em si (BÖHM,
2017). Em se tratando de responsabilidade individual, a responsabilidade é de difícil
comprovação, ao passo que as corporações não são percebidas como criminosas, ou até
mesmo seus danos não são identificados como tais, daí exsurgindo que “somente um foco no
149
dano social causado (delito, violação de direitos humanos ou qualquer outra categoria e rótulo
que lhe seja dado) pode dar uma dimensão real da lesividade produzida” (BÖHM, 2017).
Nos países latinoamericanos, há também um elemento frequente: a violência pelo
Estado e contra o Estado, bem como a violência praticada para proteção das corporações,
podendo se falar também em crimes estatalcorporativos, que se revelam pela “interação entre
atores políticos e empresariais e seus interesses, incluindo práticas de corrupção, favores
administrativos e judiciais ou licitações fraudulentas” (BÖHM, 2017). Daí que se
compreende, do ponto de vista criminológico, o quadro geral de prática de danos sociais no
Arco do Desmatamento da Amazônia, praticados em comum acordo entre o Estado e as
corporações do agronegócio, como violência e violação de direitos humanos, desde o ponto de
vista estrutural, até o cultural e o direto. Esse conluio entre Estado e corporações deve ocorrer
de tal forma que os danos sociais perpetrados continuam impunes, ainda que tipificados como
crimes. É o que se entende por imunização.
glifosato está relacionado a tumores renais, cujas evidências produzidas pela própria empresa
teriam sido acobertadas para se declarar, de forma contrária, em público, que ele não
apresentaria riscos (WHYTE, 2020, p. 18/19). Estão disseminados na literatura científica
estudos que indicam que o glifosato tem um grande número de efeitos prótumorigênicos em
sistemas biológicos, incluindo dano direto ao DNA, interrupção da homeostase da glicina,
entre outros. Há também fortes evidências epidemiológicas que apoiam correlações entre o
uso de glifosato em plantações a uma infinidade de cânceres, incluindo câncer de mama,
pâncreas, rim, tireoide, fígado, bexiga e leucemia mieloide (THONGPRAKAISANG et al.,
2013).
O modo de ação e a disseminação de glifosato no meio ambiente indicam que o
herbicida é responsável pelo desencadeamento de doenças crônicas comuns na sociedade;
efeitos de desregulação endócrino em células hepáticas; e danos neurológicos (NODARI;
HESS, 2020). Ademais, há uma vasta revisão bibliográfica sobre a exposição de glifosato
associada aos riscos aos animais e aos ecossistemas (NODARI; HESS, 2020). Podem ser
destacados os danos que os resíduos de glifosato causam às abelhas, por decorrência de
alterações nos seus metabolismos, provocando o decrescimento populacional, morte e não
reposição da rainha. Há também estudos sobre o impacto negativo que o glifosato acarreta a
uma série de organismos relevantes na cadeia alimentar aquática, bem como malformações
congênitas em animais aquáticos e terrestres (NODARI; HESS, 2020).
Em exemplo diverso, outra corporação que surgiu do espólio da I.G. Farben, a
BASF, desenvolveu posteriormente à Shell atividade industrial de produção de pesticidas na
cidade de Paulínia. Em auditoria, verificouse que o pesticida contaminou ar, solo e água,
colocando em risco a saúde dos trabalhadores. Consta que 20 anos de “remediação ambiental
não foram capazes de tornar a área afetada novamente habitável o que, por si só, revela a
magnitude do desastre ambiental” (ALIAGA, 2016).
Esses casos ilustram como as corporações podem ser imunizadas de graves crimes e
ter suas imagens desassociadas deles, desde que com o auxílio de Estados. Ao invés de os
Estados buscarem garantir os direitos dos cidadãos, houve a tomada de decisão por políticas
de desumanização e destruição de milhares de seus habitantes, sendo todas essas atrocidades
do século XX invisíveis para a criminologia. Dentre os motivos que fizeram o pensamento
criminológico dominante, e em certo modo, também o crítico, descuidaremse da violência
coletiva, estão (i) o fato de os criminólogos e criminólogas terem concentrado seus esforços
152
nos estudos do delito ordinário e não da criminalidade massiva e de grande dano social, até o
surgimento das lutas do movimento internacional dos direitos humanos como fator externo à
disciplina; (ii) a dependência da criminologia quanto à definições dos legisladores sobre o tipo
de comportamento ser ou não considerado delitivo; (iii) a aparente contradição metodológica
de se considerar a criminalidade cometida por agentes do Estado, haja vista os crimes
cometidos pelo Estado poderem ser vistos como uma contradição em termos; (iv) a
complexidade da investigação de genocídios e de graves violações de direitos humanos
(SARMIENTO et al., 2017).
Além disso, há outros elementos que buscam explicar o motivo pelo qual a
Criminologia não ter focado atenção para a violência que se produziu contra grandes
coletividades, como genocídios e outras atrocidades cometidas por Estados: (i) o direito penal
e sua dogmática cumpriram um papel obscuro para o regime nazista e para o Holocausto,
apesar de se pretenderem “neutros” ou “assépticos”; (ii) o estado de negação mental das
pessoas em relação à violência coletiva, sendo que os criminólogos e criminólogas se
comportam de igual forma; (iii) os crimes serem cometidos a milhares de quilômetros de
distância de onde se produz o pensamento criminológico, revelando muitas vezes um caráter
etnocêntrico e imperialista; e (iv) os principais crimes cometidos no século XX o foram por
Estados poderosos (Holocausto, guerras entre nações africanas, ditaduras latinoamericanas),
sendo um cenário dominado por poderes criminais de grande magnitude e invisibilizados seus
efeitos do poder mundial e das políticas das relações internacionais (SARMIENTO et al.,
2017).
Como visto, o crime praticado pelo Estado “é um crime altamente organizado e
hierárquico, talvez a manifestação do verdadeiro crime organizado por excelência”, não se
tratando de uma suposta psicopatia, o que seria uma ideia ingênua e simplista80
(ZAFFARONI, 2007). Por outro lado, há a peculiaridade de que o Estado criminoso “quase
sempre se apresenta como um moralista e um verdadeiro líder moral” (ZAFFARONI, 2007) 81.
80
No original: “En alguna medida —muy limitada por cierto— sus agentes admiten excesos o consecuencias no
deseadas, aunque las consideran inevitables. Presentar al criminal de Estado como un sujeto que niega todos los
valores dominantes y no siente ninguna culpa ni vergüenza, lleva a la inverosímil y tranquilizadora imagen del
psicópata. El crimen de Estado es un delito altamente organizado y jerarquizado, quizá la manifestación de
criminalidad realmente organizada por excelencia. La pretensión de atribuirlo a una supuesta psicopatía es
demasiado absurda, pues ni siquiera los más firmes defensores de este discutido concepto psiquiátrico admiten
tan alta frecuencia social”.
81
No original: “El criminal de Estado casi siempre se presenta como un moralista y como un verdadero líder
moral”.
153
Nesse sentido, Zaffaroni (2007) utiliza do escólio de Sykes e Matza (1957) sobre
delinquência juvenil (ou melhor, atos infracionais, em linguagem mais contemporânea), para
fazer uma analogia com os crimes cometidos pelo Estado. Foi desenvolvida, assim, uma
abordagem notabilizada por buscar descobrir os processos psíquicos do comportamento do
delinquente. Compreendese que os jovens não possuem valores antagônicos à sociedade,
mas, ao contrário, parecem comprometidos com valores convencionais (SYKES; MATZA,
1957). As normas sociais raramente possuem imperativos categóricos, mas são limitadas em
termos de lugar, pessoas e circunstâncias, ou seja, as normas de uma sociedade são permeadas
pela flexibilidade. De igual forma, os indivíduos podem buscar desaprovações da sociedade
com esses mesmos valores que estão alinhados a ela, ao mesmo tempo que também se
defendem de acusações, como pela legítima defesa, estado de necessidade e outras
justificações, ou seja, racionalizações (SYKES; MATZA, 1957). São desenvolvidas, nesse
quadrante, construções linguísticas úteis como justificação ou exculpação pessoal da conduta
criminosa, ou seja, mecanismos psíquicos que atuam nos processos de motivação, resolvendo
conflitos entre valores e normas pessoais e sociais relacionadas ao desvio da norma (CIRINO
DOS SANTOS, 2021, p. 202). Há um padrão de neutralização dos crimes praticados pelo
Estado, que decorre de uma seletividade do sistema penal. As aplicadas técnicas de
neutralização são (i) a negação de responsabilidade; (ii) a negação de lesão (ou dano); (iii) a
negação de vítima; (iv) a condenação dos “condenadores”; e (v) o apelo a valores mais altos.
Embora pensados na justificação psíquica pessoal, essas técnicas de neutralização podem ser
estendidas ao Estado, apesar de oferecer certas particularidades (SYKES; MATZA, 1957;
ZAFFARONI, 2007).
As técnicas de neutralização desenvolvidas por Sykes e Matza se apresentam
integrandose e corrigindo a teoria das subculturas, em que a “aprendizagem, através da
diferenciação dos contratos sociais, é objeto da teoria de Sutherland” (BARATTA, 2011, p.
79). A teoria de Sykes e Matza indica que é por meio da aprendizagem das técnicas de
neutralização que o delinquente se torna tal, e não através da aprendizagem de valores ou
atitudes contrários à sociedade. Isso significa que essas técnicas frequentemente representam
um sistema de valores negativos que prevalecem sobre o sistema de valores dominante
(BARATTA, 2011, p. 82/83).Enquanto jovens utilizam técnicas de neutralização para
racionalizar o cometimento de crimes, muitas vezes contraditórias e improvisadas pelos
próprios protagonistas, o Estado o faz de forma elaborada e por teóricos especializados no
154
3.1.4 Considerações quanto aos danos sociais e relação ser humano e natureza
Neste item, reconheceuse que a violência deve ser compreendida não apenas como
do tipo direto ou pessoal, mas também como aquelas que operam estrutural e culturalmente, a
partir de cuja tipologia é possível sistematizar a violência cometida por Estados e por
corporações que atuam nos âmbitos econômicos, normativos e culturais. Diante do que foi
exposto, ademais, podese conceber que os danos ambientais ou até mesmo com repercussão
no clima se enquadram na tipologia de violência galtunguiana, desde que consideradas as
aquisições da abordagem do metabolismo social, que pressupõe uma interdependência
relacional de troca de matéria e energia entre natureza e ser humano. Entretanto, a própria
sociedade capitalista é organizada de tal forma que provoca uma ruptura metabólica,
porquanto produz e externaliza danos ao depender do lucro e de novos espaços para expansão
produtiva, os quais se tornam problemas sociais do Estado.
Foi realizado um levantamento bibliográfico do campo da Criminologia Verde e dos
Crimes dos Poderosos, por meio de cujo instrumental foi possível efetuar reflexões sobre a
prática de danos no Arco do Desmatamento como violência. Não obstante, outras
ponderações foram possíveis, como, por exemplo, a utilização da ideologia “integrar para não
entregar” como uma técnica de neutralização de crimes praticados pelo Estado (e pelas
corporações) na Amazônia.
Com efeito, os estudos do marco teórico proposto, nessa perspectiva centrada no
dano e não no crime – sem a seletividade penal já realizada pelo legislador sobre o que é e o
155
que não é crime –, são adequados para se visualizar que os danos sociais são praticados por
corporações e por Estados.
Como visto, o Estado possui uma relação bastante próxima com a prática de danos,
senão com o cometimento de crimes. Por outro lado, é necessário ressalvar que a construção
jurídica do Estado de Direito, e as suas aquisições teóricas posteriores, são importantes
momentos para o direito ambiental e para a proteção do meio ambiente.
Buscase averiguar, assim, a relação entre a prática de danos ambientais com o
Estado de Direito.
Estado de Direito é uma expressão polissêmica, mas há uma ideia geral que perpassa
os estudiosos e as estudiosas do tema de que todos estão sujeitos à lei, incluído o Estado,
restringindo o exercício arbitrário do poder (CULLINAN, 2013, p. 98). Caracterizase o
Estado de Direito como a forma políticoestatal cuja atividade é determinada e limitada pelo
direito, de modo que o Estado de Não Direito é aquele que, pelo contrário, proclamase
desvinculado de limites, nem mesmo ante a esfera de liberdade dos indivíduos. O autor
explica que o Estado de Não Direito implica (i) a decretação de leis arbitrárias, cruéis e
desumanas; (ii) a identificação do direito como “razão do Estado”, que se ilumina por um
“chefe”; e (iii) a aplicação desigual e injusta do direito (CANOTILHO, 1999, p. 4).
A ideia do Estado de Direito é uma expressão que foi designada como condição de
um sistema políticojurídico minimamente democratizado, ou seja, com garantias suficientes
para os destinatários de normas. O Estado de Direito que preenche os requisitos como tal – ao
contrário do domínio despótico – vai além da observância genérica de direitos humanos, de
valores superiores e do princípio da legalidade (CAPELLA, 2002, p. 147).
Nesse sentido, o conceito de Estado de Direito exige (i) o reconhecimento
constitucional de direitos que foram incorporados histórica e socialmente nas constituições,
em suas gerações de direitos fundamentais, como as sufrágio universal efetivo, os direitos de
156
liberdade individual ou o direito a não ser detido, o direito de manifestação, bem como o
direito ao meio ambiente; (ii) o império da lei como expressão da vontade popular, que traz,
primeiro, a superioridade das leis sobre qualquer outra norma, e segundo, a legitimação
democrática destas leis; (iii) a separação dos poderes do Estado, consistindo uma conquista
das revoluções burguesas em relação ao antigo regime, porquanto coloca as decisões dos
juízes fora da órbita de influência ou pressão do governo, por exemplo, e determina o
cumprimento das leis ao governo, impondo limites claro a este governo; (iv) a submissão à lei
aos poderes públicos, caso contrário não poderia se falar em Estado de Direito, mas
imunidade ou um sistema em que os tribunais pudessem se distanciar da obediência à lei; (v)
a uma penalidade restrita, sem tratos cruéis, inumanos nem vexatórios, por também motivos
históricos e cheios de juízo de valor (CAPELLA, 2002, p. 147151). O Estado de Direito é
referido como um princípio de governança, em que a lei é o fator supremo na relação entre as
autoridades e o cidadão, bem como entre os cidadãos entre si, em conflitos particulares. Isso
significa que todas as pessoas, instituições e entidades, públicas e privadas, incluído o Estado,
são regidos pelas leis estabelecidas e devem prestar contas às instituições jurídicas82
(BUGGE, 2013, p. 6).
O Estado de Direito tem um ideal antropocêntrico por objetivar o cumprimento de
liberdade, segurança e integridade aos seres humanos não se preocupando ou sendo relevante,
nessa definição, a natureza como sujeito de direitos (BUGGE, 2013, p. 7). A crise ambiental
também deixa marcas no Estado e no Direito, que são desafiados a se transformar frente às
demandas e às consequências graves que essa crise provoca aos seres humanos, que
dependem de um meio ambiente sadio. Mais do que isso, a crise ambiental marca a passagem
para o Estado de Direito Ambiental, visto que “a intervenção estatal baseada na regulação
sancionatória clássica não vem sendo suficiente como mecanismo de proteção ao meio
ambiente (BELCHIOR, 2011, p. 117/118).
Nesse quadrante, o Estado ganha uma função promocional, ora para estimular
condutas ambientalmente desejáveis, ora para desestimular outras condutas que possam
colocar a humanidade em risco, em uma perspectiva de combate da crise ambiental
(BELCHIOR, 2011, p. 117/118).
82
No original: “The concept ‘rule of law’ encapsulates the highest values and functions of law and the legal
system in society: ‘rule of law is the role of law’. As such, rule of law can also be regarded as a primary social
value. In its broadest sense rule of law refers to the principle of governance where law is the supreme factor in
the relationship between the authorities and the citizen as well as between citizens with conlicting interests. It
means that all persons, institutions and entities, public and private, including the state itself, are governed by
established laws and accountable to legal institutions”.
157
Percebese que “a crise ambiental vivenciada pela modernidade traz consigo uma
nova dimensão de direitos fundamentais, a qual impõe ao Estado de Direito o desafio de
inserir entre as suas tarefas prioritárias a proteção do meio ambiente” (LEITE et al., 2010, p.
302).
Nesse sentido, as origens da noção de Estado de Direito Ambiental estão
relacionadas com o “entendimento de que o Estadonação moderno não é suficiente para a
proteção do meio ambiente e que por meio dele é que os riscos ambientais levaram às
mudanças climáticas e à modificação da era geológica” (LEITE et al., 2017, p. 67). Ou seja, a
percepção sobre os riscos e impactos gerados pela crise ambiental – principalmente de ordem
existencial – busca incorporar o meio ambiente como objetivo das decisões, modificando a
teoria clássica do Estadonação moderno (LEITE, 2017, p. 67).
A construção teórica do Estado de Direito Ambiental proclama a adoção de valores
biocêntricos, por compreender a essencialidade da proteção dos sistemas ecológicos para a
redução de riscos e para garantir a qualidade de vida, vinculandose à conscientização do
valor intrínseco de sua utilidade ou da valoração humana atribuída (LEITE, 2017, p. 68).
Obriga, em um primeiro momento, “o Estado, em cooperação com outros Estados e cidadãos
ou grupos da sociedade civil, promover políticas públicas [...] pautadas pelas exigências da
sustentabilidade ecológica” e, em um segundo momento, “o dever de adopção de
comportamentos públicos e privados amigos do ambiente de forma a dar expressão concreta à
assumpção da responsabilidade dos poderes públicos perante as gerações futuras”
(CANOTILHO, 2009, p. 17).
O artigo 225 da Constituição da República estabelece uma norma básica para o
Estado de Direito Ambiental, por estabelecer o dever de proteção do bem ambiental ao Estado
e à coletividade para as presentes e futuras gerações (KRELL, 2017, p. 48). Esse dispositivo
legal impõe ao Estado a função de atuar a favor da sua efetivação, privilegiando os princípios
da cautela, da cooperação e da ponderação. De outro lado, o artigo 225 da CR demanda
deveres, partindo da dimensão coletiva do dispositivo legal, podendo a efetivação do direito
ser direcionada ao Estado e à coletividade (KRELL, 2017, p. 48).
Os dois verbos utilizados pelo legislador constituinte originário para fixar o dever e
não a opção na implantação do artigo 225 da CR83, quais sejam, impor e incumbir,
83
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e
158
descortinando uma obrigação do Estado e não uma faculdade (BENJAMIN, 2003, p. 1416).
Assim, o autor continua afirmando que o Estado não pode ser omisso, neutro ou imparcial
frente ao dano ambiental, mas deve, em oposição a isso, envidar esforços de regulação e de
implementação da lei constitucional (BENJAMIN, 2003).
Na implementação do artigo 225 da Constituição da República, devese buscar (i) a
efetividade das políticas públicas, alcançando os objetivos almejados pelo legislador; (ii) a
confiança dos cidadãos no sistema jurídico, ou seja, a sua credibilidade quanto à certeza de
que as violações serão seguidas de respostas de implementação previsíveis e proporcionais;
(iii) a equidade e a justiça, impelindo que devem ser respeitados os requisitos destes
princípios, mas a deficiência na implementação não pode significar benefício a quem violar a
lei, em detrimento daqueles que a cumprem; (iv) a eficiência econômica, com melhor
utilização dos recursos naturais disponíveis; (v) o desestímulo ou dissuasão a novas violações,
que se orientam a partir da “consciência que tenha da possibilidade de sofrer um
sancionamento, monetário ou não”, a partir de uma decisão de custobenefício (BENJAMIN,
2003, p. 1733).
Sob as premissas fáticas e jurídicas investigadas, asseverase que “o Direito
ambiental e o dano ambiental/ecológico vieram para trazer novas indagações da sociedade,
pois exigem rupturas civilizatórias não apenas na sua juridicidade, mas também no âmbito
social da coletividade, e que, no final, protejam todos os seres vivos” (LEITE; AYALA, 2020,
p. 7).
A dimensão que o dano alcançou na hodiernidade faz parecer ser necessário
reformular a epistemologia jurídica, o Estado e a hermenêutica jurídica, reconhecendo a
demanda pela transformação emergencial do papel do Estado (LEITE; AYALA, 2020, p. 14).
Nesse quadro de crise e necessidade de ruptura, os autores sustentam que o direito ambiental
vigente possui um trato reducionista sobre a relação ser humano e natureza, resultando em um
viés compartimentalizado, fragmentado, economicista e antropocêntrico (LEITE; AYALA,
2020, p. 21/22).
A necessidade de mudança de paradigma emerge, mais recentemente, em
documentos jurídicos e políticos internacionais 84 que incluíram em seus conteúdos o respeito
preserválo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
84
São referenciados pelos autores a Carta Mundial para a Natureza (1983); a Carta da Terra (2000) e a
Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra (2010). São também mencionadas as Constituições da Bolívia e
do Equador.
159
à natureza e aos direitos humanos; a responsabilidade dos humanos para consigo mesmos e
para as futuras gerações; direitos inerentes à natureza entre outros (LEITE; AYALA, 2020, p.
22/23).
Em termos hermenêuticos, as normas precisam ser interpretadas de forma a
concretizar o novo paradigma de Estado, podendo ser um instrumento importante para sua
efetivação, capaz de minimizar os impactos da crise ecológica em prol da prosperidade
(LEITE; AYALA, 2020, p. 51).
O Primeiro Relatório Global Environmental Rule of Law (KUMAR et al., 2019, p.
1013) destaca os pontos do Estado de Direito Ambiental que lhe são característicos. A um,
esse Estado tem por objetivo garantir o cumprimento dos padrões, procedimentos e
abordagens definidos nas leis para garantir ar limpo, água limpa e um ambiente saudável,
sendo essencial para a saúde e o bemestar para os humanos. A dois, o Estado de Direito
Ambiental é multidimensional, pois atravessa muitas formas de normas e leis, desde as
normas consuetudinárias até os padrões adotados voluntariamente por empresas, ou seja, de
governança. A três, diante da capacidade limitada do planeta de sustentar a vida com recursos
naturais esgotáveis e a tendência dos recursos de uso comum se esgotarem se não forem
administrados com cuidado, destacase a centralidade do Estado de Direito Ambiental na
prevenção da tragédia dos comuns85. A quatro, a extensão de direitos legais ou personalidade
jurídica aos recursos naturais é uma reflexão ética e moral associada ao sucesso ao Estado de
Direito Ambiental. A cinco, é particularmente importante ao Estado de Direito Ambiental o
reconhecimento da necessidade de fornecer ao público acesso à informação, participação
significativa na tomada de decisões e acesso à justiça e, se aplicável, obter consentimento
livre, prévio e informado, principalmente no caso de comunidades indígenas. A seis, o Estado
de Direito Ambiental deve enfrentar a gestão dos recursos e a saúde dos ecossistemas,
considerando que as decisões poderão afetar gerações no futuro. A sete, este Estado deve
levar em conta que decisões devem ser tomadas mesmo quando há decisões significativas.
85
Em 1968, Garret Hardin (1968) publicou na revista Science o artigo The Tragedy of the Commons,
denunciando a superexploração dos recursos naturais comuns, de forma insustentável, ao longo do tempo.
Ademais, o autor criticou os limites do pensamento tecnicista e à racionalidade individual.
160
Nessa linha, o Relatório (KUMAR et al., 2019, p. 47) indica que são constatadas
deficiências na implementação da legislação ambiental, as quais não se limitam aos países em
desenvolvimento. Consta que os países que mais obtiveram resultados na implementação da
legislação ambiental foram aqueles que demonstraram melhorar a governança dando mais
força às instituições, conduzindo à maior resiliência à corrupção. Ademais, esses mesmos
países que alcançaram resultados em termos ambientais foram aqueles que fortaleceram leis
que garantiram maior transparência, participação e viabilizaram o acesso à informação ao
público em geral, ao tempo que também conferiram poderes aos órgãos e agências de
fiscalização e mecanismos de acesso à justiça (KUMAR et al., 2019, p. 173).
Segundo o Relatório, a ausência de estruturas legais claras na proteção de direitos
tradicionais relacionados à terra dá ao Estado e a atores privados oportunidades para grilagem
e para expropriação, aumentando a probabilidade de conflito social e até violento devido à
incerteza sobre a posse da terra (KUMAR et al., 2019, p. 173).
161
O Estado de Direito Ecológico exige uma ética que abranja o mundo não humano,
isto é, que considere os valores intrínsecos da natureza independentemente dos interesses
humanos. Ou seja, há uma diferença entre a natureza como valor em si mesma e a natureza
como meio de satisfação dos interesses e necessidades dos seres humanos, para os quais há a
necessidade de uma forte proteção legal (BUGGE, 2013, p. 8). Além disso, dentre os vértices
de abordagem, reconhecese que a corrupção é um problema fundamental a ser enfrentado no
âmbito do Estado de Direito Ecológico. Desde subornos diretos e extorsões até “zonas
cinzentas” em que as decisões e ações são influenciadas pelo apoio político, relações pessoais,
clientelismo e serviços mútuos, a corrupção assume muitas formas (BUGGE, 2013, p. 20/21).
A corrupção no setor ambiental e no Estado estão mormente ligados à aplicação (law
enforcement86) e à fiscalização da lei ambiental, bem como ao licenciamento. Mais
recentemente, também tem havido uma preocupação crescente com o risco de corrupção
relacionado às medidas nacionais e internacionais de combate às mudanças climáticas
(BUGGE, 2013, p. 20/21). As causas fundamentais da corrupção na área ambiental podem
estar relacionadas com legislações inadequadas e decisões fracas, pouco claras ou
inexistentes, conferindo às autoridades amplo poder discricionário, o que, apesar de ser
86
Para Paulo Mendes (2018, p. 12), law enforcement diz respeito à aplicação efetiva do direito, haja vista
“nenhuma lei perfeita garante uma boa aplicação” e também que é “por isso que o conceito de aplicação efetiva
não é redundante”.
163
necessário, torna o sistema vulnerável a decisões tendenciosas e à corrupção. Não por outro
motivo que o respeito e o fortalecimento do Estado de Direito são fundamentais para o
combate à corrupção e ao clientelismo (BUGGE, 2013, p. 21). Essa nova matiz do Estado de
Direito também alcança os contornos da governança no âmbito ambiental.
Há razões sociais e econômicas que vão além das preocupações ecológicas que
justificam melhorias na governança. A corrupção relacionada a floresta – como subornos e
extorsão por funcionários de alto escalão, pagamentos com vistas a viabilizar concessões de
madeira, ou incentivos para sancionar mudanças no uso da terra e a mais sinistra de todas, a
erosão de instituições fora do setor e em toda a economia – poderia ser enfrentada com
medidas que melhorem a transparência e o acesso a informações. Falhas na governança e
redução na corrupção também estão associadas ao grau exequibilidade das normas, sendo
preferíveis abordagens imperfeitas e exequíveis a abordagens perfeitas, mas inatingíveis
(KISHOR; DAMANIA, 2007).
Em estudo da Transparência Internacional Brasil de agosto de 2021, é ressaltada a
necessidade de se aprofundar a política de dados abertos, como MapBiomas Alerta e o
Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (SIMEX), do Imazon, para
monitoramento e combate ao crime ambiental, inclusive corrupção, visto que o “cruzamento,
a análise e a visualização de dados potencializam o monitoramento da qualidade ambiental e o
controle das ações e omissões de governos e do setor privado” (COLLAÇO et al, 2021). Há
também a iniciativa Amazônia Protege, do MPF, que identifica e instaura ações civis públicas
contra os responsáveis. No caso brasileiro, a extensão territorial do país, assim como “a
diversidade e a complexidade das cadeias produtivas a que podem estar associados, como nos
casos da madeira, do ouro e da carne”, são elementos que indicam o potencial do uso de dados
abertos, por meio dos quais poderiam ser visualizados tais ilícitos (COLLAÇO et al, 2021).
Ademais, o referido estudo da Transparência Internacional Brasil esclarece que o
combate à corrupção também depende da adoção de uma política estruturada de denúncia,
com canais seguros e medidas de incentivo, bem como proteção dos denunciantes de proteção
de meio ambiente, os chamados whistleblowers (COLLAÇO et al, 2021). A
institucionalização de uma política de incentivo e proteção de denunciantes de suspeitas de
ilícitos seria fundamental para o combate à corrupção ambiental, na medida em que são
“ativistas do campo socioambiental frequentemente fiscalizam e denunciam práticas como a
grilagem, o desmatamento ilegal e a extração ilegal de madeira e minério, além de outras
164
ações ilícitas muitas vezes realizadas por grupos criminosos e redes de corrupção”
(COLLAÇO et al, 2021).
Um último ponto a ser destacado do trabalho da Transparência Internacional Brasil
diz respeito à influência negativa que representantes do agronegócio exercer na governança
ambiental e climática, mediante lobby que pode se converter em influências para
“flexibilização de leis e regulações, bem como interferir no desenho e na implementação das
políticas públicas, no funcionamento das instituições, na distribuição do orçamento e na
criação de regimes tributários favoráveis às suas atividades” (COLLAÇO et al, 2021). Nesse
passo, haveria uma interferência indevida e desproporcional em decisões governamentais que
importam impactos (e danos) ambientais. Como resposta, os autores do estudo defendem que
o lobby poderia ser regulamentado, conferindo maior transparência e mecanismos para
controle social desta atividade, a exemplo de países da União Europeia e dos Estados Unidos.
Com efeito, os sistemas de governança nacional e internacional falharam (e
continuam falhando) em evitar que as atividades humanas deteriorem a integridade, saúde e
funcionamento dos ecossistemas naturais do planeta. O autor explica que no início do milênio
havia a consciência de especialistas sobre a suficiência de normas ambientais, mas elas não
eram aplicadas ou fiscalizadas (CULLINAN, 2013, p. 95/96).
As forças que produzem a destruição e os danos ambientais ganharam força, a
degradação acelerou e os impactos, que são cumulativos e sistêmicos, multiplicaramse,
empurrando os ecossistemas para seus pontos de inflexão (tipping points). Em vista disso,
uma mudança incremental no direito ambiental não será viável, pois lenta, devendo ser
buscadas metas ousadas, um “salto quântico” na governança (CULLINAN, 2013, p. 96/97).
Colocase que, em um primeiro momento, é necessário ser questionado qual é o objetivo das
leis e do sistema jurídico, ou seja, qual é o propósito que se espera alcançar com eles. Isso
porque, mesmo ao se introduzir novas leis, justificandoas como benéficas ao interesse de
toda a sociedade, ao bem público e ao interesse nacional, na verdade podese estar diante de
benefícios a interesses de grupos específicos que fizeram lobby para sua aprovação
(CULLINAN, 2013, p. 99).
Os sistemas jurídicos contemporâneos em quase todos os países se concentram em
manter relações harmoniosas entre sujeitos jurídicos (humanos e pessoas jurídicas como o
Estado e corporações) e dispensam importância às relações entre esses sujeitos jurídicos e
outros atores que não sejam humanos. Uma das razões, para o autor, é tratar a natureza como
165
recurso e não como sujeito de direito (CULLINAN, 2013, p. 99/100). Em vista disso, conclui
que:
87
Tratase de uma referência à célebre passagem do Manifesto Comunista, de Marx e Engels (2010b, p. 42),
segundo os quais “o executivo do Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda
a classe burguesa”.
168
fornecer informações voluntárias sobre sua própria conformidade. Ocorre que essas mesmas
empresas dificilmente fornecerão informações voluntárias sobre sua conformidade diária com
a legislação ambiental. Essa estratégia política, que lamenta a regulamentação como um
“fardo para os negócios”, promove a privatização dos serviços públicos, busca mais restrições
aos direitos dos trabalhadores e incentiva o retrocesso de toda uma série de limites impostos
às empresas, tornouse conhecida como neoliberalismo (WHYTE, 2020, p. 130/131).
Há um poder estrutural que deriva da monopolização do capital, que se explica pela
dependência do Estado (i) em relação às decisões de investimento das corporações para que
sejam determinados produção, emprego e consumo; e (ii) sobre a produção, investimento e
acumulação das corporações para amealhar capital para financiar seus próprios programas
sociais e políticos (FARNSWORTH, 2006).
Há também um poder de agência, que se qualifica pela influência das corporações
sobre o Estado – e em relação a qual teóricos marxistas e da elite concordariam sobre a
importância dessa influência –, sendo a chave das corporações no domínio do Estado para o
poder do capital. Ao ocupar essas posições, as elites políticas e econômicas ajudam a
preservar certas ideias que reforçam o privilégio e, mais importante, suprimem a oposição aos
negócios que realizam e aos mercados livres. Além disso, sustenta o autor que as corporações,
em razão da posição onde se encontram, podem usar seu acesso a recursos financeiros para
influenciar diretamente o processo político, persuadindo diretamente o debate político
(FARNSWORTH, 2006). Em resultado, há evidências de que o poder corporativo aumentou
sob a globalização, muito embora não seja um poder constante, mas que está exposto ao
contexto institucional e econômico prevalecente (FARNSWORTH, 2006).
Essa dinâmica desigual ganha novos contornos no que ficou conhecido por
“Consenso de Washington”, que é definido pela neoliberalização econômica das economias
capitalistas como resposta a experimentos econômicos anteriores caóticos, mas que convergiu
a uma nova ortodoxia. Em resultado, a aplicação dessas soluções se desenvolve
frequentemente de forma parcial e assimétrica entre os Estados (HARVEY, 2012, p. 23).
A neoliberalização reorganiza o capitalismo mundial e restabelece condições de
acumulação do capital e de restauração do poder das elites econômicas (HARVEY, 2012, p.
27). Ressaltase a importância dos métodos coercitivos do Estado neoliberal na manutenção
da relação desigual entre exploradores e explorados:
O rigor cientifico de sua economia neoclássica não é facilmente compatível com seu
compromisso político com ideais de liberdade individual, nem sua suposta
desconfiança com respeito a todo poder estatal o é com a necessidade de um Estado
169
88
“É passatempo inconsequente apontar aquilo que deveria ser e não é porque contraria as leis inflexíveis do
universo real. Tais devaneios podem ser considerados inócuos enquanto permanecem como sonhos. Porém,
quando seus autores começam a ignorar a diferença entre fantasia e realidade, tornamse os mais sérios
obstáculos aos esforços humanos no sentido de melhorar as condições externas de vida e bemestar. A pior de
todas essas ilusões é a ideia de que a ‘natureza’ conferiu a cada indivíduo certos direitos. Segundo esta doutrina,
a natureza é generosa para com toda criança que nasce. Existe muito de tudo para todos. Consequentemente,
todos têm uma reivindicação justa e inalienável contra seus semelhantes e contra a sociedade: a de receber a
parcela total que a natureza lhe outorgou. As leis eternas da justiça natural e divina determinam que ninguém se
aproprie daquilo que, por direito, pertence a outrem. Os pobres são necessitados somente porque pessoas injustas
despojaramnos do seu direito de herança. O papel da Igreja e das autoridades seculares é o de impedir essa
espoliação e fazer com que todos sejam prósperos” (MISES, 2010, p. 61/62).
89
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
171
90
No original: “Within the neoliberalism world‐view, the entire planet is given to those who are most capable of
exploiting it”.
173
3.2.3 Considerações no que concerne à relação do Estado de Direito com os danos sociais
3.3.1 Ecocídio: elementos para conceituação no campo da Criminologia Verde e dos Crimes
dos Poderosos
intencional de certos grupos sob a direção do Estado, o que poderia afastar a intenção de
eliminação exclusivamente cultural desses grupos. Entretanto, no decorrer do século XX,
formulouse a definição de genocídio para incluir qualquer grupo, seja ele uma coletividade
política, econômica ou cultural, pela seleção daquele que o comete (SHORT, 2016, p. 13/14).
O conceito de genocídio foi formulado por Raphael Lemkin, um advogado judeu e
polonês, e abarcaria apenas a destruição de uma nação ou de um grupo étnico, cujo termo foi
cunhado a partir da palavra genos (do grego: raça, tribo) com o sufixo cídio (do latim
cidium/caedĕre: matar). Com esta palavra, pretendiase significar um plano coordenado de
diferentes ações visando à destruição dos alicerces essenciais da vida dos grupos nacionais,
com o objetivo de aniquilar os próprios grupos (HOLOCAUST MEMORIUM MUSEUM,
2021).
Sob a sombra do Holocausto, as Nações Unidas aprovaram a Convenção para a
Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, principalmente com base nas contribuições de
Lemkin (SHORT, 2016; HIGGINS, SHORT, SOUTH, 2013). Genocídio compreenderia
quaisquer atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal: (i) matar membros do grupo; (ii) causar sérios danos
físicos ou mentais a membros do grupo; (iii) infligir deliberadamente ao grupo condições de
vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial; (iv) impor medidas
destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo; ou (v) transferir crianças do grupo à força
para outro grupo (SHORT, 2016; HIGGINS, SHORT, SOUTH, 2013).
Ademais, há outras construções que definem o genocídio, ainda, como uma ação
intencional sustentada por um agente para destruir fisicamente uma coletividade direta ou
indiretamente, por meio da interdição da reprodução biológica e social dos membros do
grupo, sustentada independentemente da rendição ou ausência de ameaça oferecida pela
vítima. Ou seja, nessa definição há a necessidade de uma agressão física (SHORT, 2016, p.
15).
As agendas corporativas dos Estados frequentemente impõem a agricultura industrial
e a mineração, por exemplo, em terras indígenas, externalizando poluição, degradação e,
muitas vezes, destituindo os povos indígenas de suas terras. Essas atividades capitalistas não
consideram que são uma ameaça à sobrevivência desses povos, porquanto são destruídos
símbolos culturais e seus meios de subsistência (SHORT, 2016, p. 29/30), ou seja, os meios
pelos quais se reproduzem socialmente.
177
91
“Tratase de um discurso político do inconsciente coletivo, que descansa sobre uma criminologia arcaica do
homem criminoso, o ‘outro estranho’ (criminologia do outro) (Garland, citado por Bombini: 2010, p. 4243), e
que explora a insegurança pública (Kessler: 2011, p. 9 e ss.) como fundamento para a adoção de mais medidas
punitivas [...], facilitadas pelas representações sociais do infrator, ou seja, não é somente a lei que estabelece o
que é o crime, também as imagens que lhes são atribuídas socialmente (Frade: 2008, p. 39) (GOMES, 2013, p.
28).
181
Uma característica chave que define o ecocídio perpetrado pelos poderosos é que
tais crimes envolvem atos ou omissões que são socialmente prejudiciais e
conduzidos por elites e/ou aqueles que detêm autoridade política e social
significativa nos setores ou domínios específicos de sua influência. Tais danos são
inseparáveis de quem tem o poder, de como o exerce e de quem, em última análise,
se beneficia das ações dos poderosos. Esses interesses sociais não apenas perpetuam
grandes danos, mas também obscurecem e mascaram a natureza da produção de
danos (WHITE, 2021, no prelo).
No ponto de vista exposto nesta Dissertação, o dano social pode ser considerado pela
abordagem do metabolismo social, rejeitando os vieses estáticos do antropocentrismo ou do
biocentrismo para acolher vínculo relacional entre os dois sujeitos, haja vista o fluxo de
materiais e energia entre ambos.
O dano social ocorre em um dado tempo e espaço, razão pela qual o ecocídio merece
ser estudado histórica e socialmente, que neste trabalho é no Arco do Desmatamento da
Amazônia.
Dito de outra forma, ainda que fosse possível a responsabilização dos diretores
executivos das corporações, os resultados seriam limitados diante das incontáveis
engrenagens que fazem o lucro girar e destruir a natureza, especialmente pelas políticas
econômicas adotadas conjuntamente entre os setores público e privado.
As corporações fornecem uma estrutura para investimento do capital, por meio da
qual é possível uma associação enorme de empresas e de operações associadas, que se
alimenta por um sistema financeiro, e é a partir dessa estrutura que as principais ameaças aos
ecossistemas são organizadas e implementadas (WHYTE, 2020, p. 116118).
A título de exemplo estão as práticas do governo Bolsonaro, que está particularmente
interessado em não “intervir” para proteger a Amazônia (WHYTE, 2020, p. 113/114). Avalia
se que, desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, houve um contínuo retrocesso nos
compromissos internacionais do Estado brasileiro, enquanto que nas políticas internas houve
incentivo do aumento na atividade agrícola e exploração madeireira, bem como o aumento da
taxa de desmatamento e incêndios. O desmantelamento da regulação ambiental também se
insere nesse cenário de piora dos índices ambientais. Assim, já há entendimento de que tanto
o que aconteceu como o que atualmente ocorre na Amazônia poderiam se enquadrar na
proposta de ecocídio de Polly Higgins (RAFTOPOULOS; MORLEY, 2020). Nesse passo, a
desestruturação e a desregulamentação do Estado para a proteção do meio ambiente, bem
como a ausência de políticas públicas promocionais à defesa desse bem também se inseririam
na prática do ecocídio.
Com efeito, no mês de agosto de 2021, a Articulação dos Povos Indígenas (APIB,
2021) elaborou uma representação ao Ministério Público junto ao Tribunal Penal
Internacional (TPI), reunindo fatos e declarações que comprovariam o planejamento e a
implementação de uma política antiindigenista explícita, sistemática e intencional liderada
pelo Presidente Jair Bolsonaro desde o primeiro dia de seu mandato presidencial. Essa
política, esclarece o documento, seria caracterizada pelo desmantelamento das estruturas
públicas que fornecem proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas, as quais estariam
reformuladas e dirigidas como instrumentos de perseguição. Sob essas circunstâncias, o
desmantelamento da infraestrutura que sustenta os direitos indígenas, sociais e ambientais
trouxe consequências, como invasões, esbulho e posse indevida de terras indígenas,
desmatamento, incêndios criminosos e queimadas, garimpos ilegais e mineração industrial
nesses territórios (APIB, 2021). Descrevese também que o Presidente da República encoraja
186
Mudamse as pessoas, mas não mudam os grupos representados e que indicam quem
vai determinar a política ambiental brasileira, no caso, a bancada ruralista, com sua visão de
“progresso” e “desenvolvimento” aplicada à Amazônia. Ainda que Ricardo Salles fosse
condenado por ecocídio – há muito já teria deixado a pasta e os danos à Amazônia teriam
progredido com o sucessor.
Ademais, as corporações são estruturadas de uma forma que protegem seus diretores,
no denominado véu corporativo. Por exemplo, a regularidade com que os bancos se envolvem
em atividades criminosas geram multas no valor de centenas de milhões de dólares (ou reais).
Práticas igualmente criminosas são rotineiras e normalizadas nos setores elétrico, de
187
alimentos e de construção civil, mas essas multas pouco têm impacto, à medida que as
mesmas são absorvidas pelas corporações. Ainda que as multas sejam aplicadas em valores
mais altos, no sentido de persuadir ou inibir a prática de novos ilícitos, seus efeitos são
questionáveis, dado que as corporações contam com especialistas para estimar as chances de
serem pegos e as consequências econômicas do negócio (WHYTE, 2020, p. 134136).
A fase atual do capitalismo neoliberal, marcado pela desregulamentação e pela
mercantilização global, pode ser denominada por “globalização neoliberal”, que é dominada
por corporações que atuam em nível global e, por sua natureza, concentram um poder
enquanto protegem aqueles que detêm esse poder da responsabilidade pelas consequências de
seu uso. Muitas corporações possuem mais poder econômico do que a maioria dos Estados e
dominam os processos políticos de quase todos esses mesmos Estados onde atuam, de tal
forma que seu poder crescente, junto com sua falta de responsabilidade, representa uma séria
ameaça aos direitos econômicos e políticos básicos das pessoas em todos os lugares
(BROSWIMMER, 2002, p. 8687).
As corporações são parte integrante do rolo compressor progressivamente ecocida,
por também silenciarem, banalizarem e legitimarem suas práticas danosas. Registrese que a
natureza organizacional profundamente antidemocrática das corporações desempenha um
papel fundamental no curso de ação contemporâneo e na política do capitalismo global que
leva à beira do colapso social e ecológico (BROSWIMMER, 2002, p. 87).
Esse cenário no qual as corporações buscam prosperar é o do neoliberalismo global,
em que elas não buscam apenas lucros em mercados de baixos salários, mas também desejam
escapar de estruturas regulatórias mais rígidas do Norte Global, acelerando muito a destruição
dos ecossistemas e da biodiversidade no Sul Global. Além disso, o agronegócio do século
XXI optou para técnicas de manipulação sem precedentes de engenharia genética de
alimentos e desenvolvimento de novos fertilizantes sintéticos, pesticidas e herbicidas. Áreas
cada vez maiores da paisagem global são atraídas para o capitalismo do neoliberalismo
globalizado e corporativo, acelerando 500 anos de degradação ecológica e ecocídio
progressivo. Resumindo, a globalização neoliberal constitui a última e mais destrutiva fase da
industrialização global (BROSWIMMER, 2002, p. 87/88).
De outro turno, em uma perspectiva criminológica, a influência econômica e política
que as corporações exercem sobre o Estado é fundamental para a compreensão das posições
de privilégio que ocupam, no chamado poder de agência (FARNSWORTH, 2006).
188
92
No original: “What happens to agents within a system also ultimately has an impact on the structure of the
system as a whole and so is important in its own right”.
93
No original: “It is therefore from beginning to end a political process”.
189
4. CONCLUSÃO
das plantações e das degradações praticados pelos latifundiários e pelo agronegócio são
entendidos por adequados à lei. Em outros termos, o que deveria ser crime é cometido
licitamente com licença ambiental. Daí o reconhecimento da pertinência do campo da
Criminologia Verde, que realiza abordagem a partir do dano social, independentemente de sua
legalidade.
O segundo capítulo de conteúdo teve, em seu início, uma análise da tipologia
galtunguiana de violência nas categorias estrutural, direta e cultural, de modo que se
compreendeu o próprio capitalismo como um produtor e reprodutor de violência no contexto
das relações desiguais e dependentes na periferia ou Sul Global.
Em continuidade ao raciocínio de J. Galtung, compreendeuse que os danos
ambientais podem ser discutidos em termos de violência, sobretudo a partir da abordagem do
metabolismo social, porquanto esses danos diminuem o ser humano nas realizações potenciais
e nas necessidades básicas de sobrevivência. Percebeuse que o conceito galtunguiano de
violência pode ser adequado para responder às preocupações e às exigências da destruição
ambiental e das mudanças climáticas que ocorrem no Arco do Desmatamento, especialmente
quando se considerou o dano ambiental como violência, mediado pela abordagem do
metabolismo social.
Posteriormente, apresentaramse as perspectivas gerais da Criminologia Verde, bem
como as bases dos Crimes dos Poderosos, estabelecendose a figura central do dano social
para análise criminológica das práticas cometidas pelas corporações e pelo Estado.
Observouse que as corporações lucram com a destruição do meio ambiente e as
externalidades são suportadas social ou individualmente, estabelecendose a violência pelo
viés estrutural, conforme objetivouse demonstrar.
Tomandose as contribuições de Sutherland sobre o “crime de colarinho branco”, a
partir do qual as violações da classe poderosa não são tipificadas como crimes, por
influenciarem nas suas definições, justificaramse o enfoque criminológico e as formas de
manutenção de poder.
Verificouse que os principais crimes de que a humanidade é vítima – aqui concebida
tanto em visão antropocêntrica como em uma visão não antropocêntrica – são cometidos pelos
atores sociais e econômicos mais poderosos: o Estado e as corporações. Com efeito, o poder
político e a influência nas decisões governamentais pelas corporações refletem que estas e o
Estado estão profundamente amalgamados.
194
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