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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

JAILSON ALVES NOGUEIRA

ENQUANTO O ESTADO NEGA, AS FACÇÕES CRIMINOSAS ABRAÇAM: UMA


ABORDAGEM A PARTIR DOS RELATOS DOS ADOLESCENTES INTERNADOS NO
CENTRO EDUCACIONAL MOSSORÓ/RN (CEDUC)

MOSSORÓ
2018
JAILSON ALVES NOGUEIRA

ENQUANTO O ESTADO NEGA, AS FACÇÕES CRIMINOSAS ABRAÇAM: UMA


ABORDAGEM A PARTIR DOS RELATOS DOS ADOLESCENTES INTERNADOS NO
CENTRO EDUCACIONAL MOSSORÓ/RN (CEDUC)

Monografia apresentada à Universidade do Estado do


Rio Grande do Norte – UERN – como requisito
obrigatório para obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Me. Ramon Rebouças Nolasco de


Oliveira

MOSSORÓ
2018
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

N778e Nogueira, Jailson Alves


ENQUANTO O ESTADO NEGA, AS FACÇÕES
CRIMNOSAS ABRAÇAM: UMA ABORDAGEM A PARTIR
DOS RELATOS DOS ADOLESCENTES INTERNADOS NO
CENTRO EDUCACIONAL MOSSORÓ-RN (CEDUC). /
Jailson Alves Nogueira. – Mossoró-RN, 2018.
148p.

Orientador(a): Prof. Me. Ramon Rebouças Nolasco de


Oliveira.
Monografia (Graduação em Direito). Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte.

1. Direito. 2. Adolescentes. 3. Estado. 4. Facções


criminosas. 5. Relatos. I. Oliveira, Ramon Rebouças Nolasco de.
II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.
JAILSON ALVES NOGUEIRA

ENQUANTO O ESTADO NEGA, AS FACÇÕES CRIMINOSAS ABRAÇAM: UMA


ABORDAGEM A PARTIR DOS RELATOS DOS ADOLESCENTES INTERNADOS
NO CENTRO EDUCACIONAL MOSSORÓ/RN (CEDUC)

Monografia apresentada à Universidade do Estado do


Rio Grande do Norte – UERN – como requisito
obrigatório para obtenção do título de Bacharel em
Direito.

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________________
Prof. Me. Ramon Rebouças Nolasco de Oliveira
Universidade Federal Rural do Semiárido - UFERSA

_____________________________________________________________
Profª. Ma. Veruska Sayonara de Góis
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

_____________________________________________________________
Prof. Me. Lauro Gurgel de Brito
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
AGRADECIMENTOS

Ao meu bom Deus, por possibilitar, diante de tantas dificuldades, concluir mais esta
etapa da minha vida.
À minha Família. Mãe, Pai, o que posso expressar, neste momento, é gratidão. Pelo
amor, cumplicidade e confiança depositada em mim, mesmo ladeados de tantas dificuldades.
Ao professor-estudante Ramon Rebouças Nolasco de Oliveira que, com toda sua
paciência e competência, contribui de forma significativa para minha formação. Ramon,
obrigado pelas discussões, críticas e “puxões de orelha”. Inclusive, guardo com carinho minha
primeira escrita que você comentou, voltou quase que totalmente grifado. Serei eternamente
grato, meu amigo.
Obrigado à professora Veruska Sayonara de Góis, sempre muito solícita e atenciosa e
que, desde o primeiro período do curso, faz-me ver o Direito por outras facetas. Também, sou
muito grato por você aceitar fazer parte da banca de avaliação deste trabalho.
Agradeço ao professor Lauro Gurgel de Brito pela disposição em contribuir com o
presente trabalho, bem como com seus ensinamentos e posicionamentos críticos em sala de
aula.
Ao meu eterno professor de Geografia e áreas afins. Raimundo Alberto Costa Queiroz,
obrigado pelos ensinamentos de vida, por me guiar até chegar aqui e por sempre me incentivar
a seguir este caminho, desde aquele tempo de “menino danado” no ensino médio.
Ao professor Jairo Rocha Ximenes Ponte, pelas (des)orientações, inquietações e
sugestões sobre a temática deste trabalho, geralmente com seu posicionamento crítico e
indagador durante as reuniões do projeto de extensão.
Professora Rosimeiry Florêncio de Queiroz Rodrigues pela atenção dispensada durante
a elaboração do pré-projeto, na disciplina Trabalho de Curso I, e por seu interesse na pesquisa.
Ao professor Humberto Henrique Costa Fernandes do Rego pelo espaço concedido
durante as atividades de monitoria, as quais se mostram, a cada dia, de grande valia para mim.
À Faculdade de Direito, em nome dos professores, técnicos administrativos e
estudantes, em especial os colegas de turma Pedro Farias, José Vitor, Martiniano Bezerra,
Hildeglênia Mendonça e Mariza Lima.
Ao Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática (UFERSA), por oportunizar
diálogos com os colegas extensionistas e vivências valiosas, além de disponibilizar acesso ao
seu banco de dados para subsidiar o presente trabalho.
Obrigado ao Grupo de Estudos do Pensamento Complexo (GECOM), por me
proporcionar, desde o primeiro período do curso, inquietações acadêmicas e ver o Direito além
das obviedades jurídicas.
Ao Centro Educacional Mossoró (CEDUC), por possibilitar o acesso à unidade para
dialogarmos com os adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de internação os quais
foram sujeitos da pesquisa.
Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo
propósito debaixo do céu.

ECLESIASTES (3:1)
RESUMO

O presente trabalho analisa quais as razões identificadas nos discursos de adolescentes para sua
participação em facções criminosas, levando em consideração os dados colhidos no Centro
Educacional Mossoró (CEDUC) e obtidos via Projeto de Extensão Direitos Humanos na
Prática, vinculado à Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). A partir do contato,
via extensão universitária, com adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
internação, e da carência de pesquisas acerca dessa relevante temática que ultimamente vem
ganhando notoriedade social, verificamos a necessidade da produção deste trabalho.
Inicialmente, o objetivo da investigação foi compreender o surgimento das facções criminosas
no Brasil, a partir da década de 1980, e os fatores que levam seus membros a atuarem de forma
solidária e gregária. Em seguida, procuramos entender a relação do estágio peculiar de
desenvolvimento dos adolescentes e o envolvimento desses em facções criminosas. Por fim, foi
possível investigar, a partir de discursos dos adolescentes internados no Centro Educacional
Mossoró (CEDUC), os motivos que os levam a participarem desses grupos facciosos. A
pesquisa tem um viés inter/transdisciplinar, dialogando e ecologizando as disciplinas (áreas do
conhecimento), utilizando a noção de método de Edgar Morin, bem como a estratégia de
abordagem fundamentada na exlética. Para tanto, o estudo se pautou em autores como: Edgar
Morin, Boaventura de Sousa Santos, Zygmunt Bauman, Marcelo Neves, Antônio Carlos
Wolkmer, Sérgio Adorno, Michel Foucault, Fernanda da Silva Lima, Josiane Rose Petry
Veronese, Maria Luiza Marcílio, Pierre Bourdieu, Rogerio Haesbaert, Carlos Amorim, entre
outros. As facções criminosas, no Brasil, surgem num contexto de repressão aos presos e
precarização do sistema penitenciário, uma afronta aos direitos humanos. A partir dos relatos
dos adolescentes foi possível identificar que há uma simbiose normativa entre os códigos do
Estado de direito e das Facções criminosas nos espaços de restrição de liberdade (penitenciárias,
centros educacionais) e nas comunidades onde esses grupos se expressam. Os adolescentes por
se encontrarem em estágio peculiar de desenvolvimento, historicamente vítimas de negligências
e indiferenças, apresentam maior vulnerabilidade para o ingresso em facções criminosas, nas
quais projetam as expectativas de suprir carências psíquicas, (emocionais) e financeira
(materiais). Essa peculiaridade é influenciada pelo consumismo, busca por uma masculinidade,
associada à ideia de virilidade, hierarquia e disciplina que gera uma figura imagética de um
(anti) herói na busca pelo poder e pertencimento comunitário como resposta à marginalização
e estereotipização social.

Palavras-chave: Adolescentes. Estado. Facções criminosas. Relatos. Vulnerabilidades.


ABSTRACT

The present study analyzes the reasons identifieds in the discourses of adolescents for their
participation in criminal factions, taking into account data collected at the Centro Educacional
Mossoró (CEDUC) and obtained through the Direitos Humanos na Prática Extension Project,
linked to the Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). From the contact, through
university extension, with adolescents who comply with the socioeducative measure of
internment, and the lack of research on this relevant subject that has been achieving social
notoriety lately, we have verified the need to produce this study. Initially, the objective of the
investigation was to understand the emergence of criminal factions in Brazil since the 1980s,
and the factors that lead its members to act in a solidarity and gregarious ways. Next, we try to
understand the relation of the peculiar stage of development of the adolescents and the
involvement of these in criminal factions. Finally, it was possible to investigate, from discourses
of the adolescents interned in the Centro Educacional Mossoró (CEDUC), the reasons that lead
them to participate in these criminal factions. The research has an inter/transdisciplinary bias,
dialoguing and ecologicalising the disciplines (areas of knowledge), using Edgar Morin's notion
of method, as well the approach strategy based on exlectics. To do so, the study was based on
authors such as: Edgar Morin, Boaventura de Sousa Santos, Zygmunt Bauman, Marcelo Neves,
Antônio Carlos Wolkmer, Sérgio Adorno, Michel Foucault, Fernanda da Silva Lima, Josiane
Rose Petry Veronese, Maria Luiza Marcílio, Pierre Bourdieu, Rogerio Haesbaert, Carlos
Amorim, among others. The criminal factions in Brazil arise in a context of repression of
prisoners and the precariousness of the penitentiary system, an affront to human rights. From
the reports of the adolescents, it was possible to identify that there is a symbiosis between the
codes of the Rule of Law and criminal factions in the areas of restriction of freedom
(penitentiaries, educational centers) and in the communities where these groups express
themselves. Adolescents who are at a peculiar stage of development, historically the victims of
neglect and indifference, are more vulnerable to entering criminal factions, in which they
project the expectations of psychic (emotional) and financial (material) deficiencies. This
peculiarity is influenced by consumerism, a search for a masculinity, associated with the idea
of virility, hierarchy and discipline that generates an imaginary figure of an (anti) hero in the
search for power and community belonging as a response to social stereotyping and
marginalization.

Keywords: Adolescents. Criminal Factions. State. Stories. Vulnerabilities


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
1 GÊNESE DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL ................................................ 15
1.1 SIMBIOSE NORMATIVA DOS CÓDIGOS DO ESTADO DE DIREITO E DAS
FACÇÕES CRIMINOSAS ................................................................................................... 15
1.2 COMANDO VERMELHO: A MAIS ANTIGA FACÇÃO CRIMINOSA DO BRASIL
............................................................................................................................................... 21
1.3 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL: A MAIOR FACÇÃO CRIMINOSA DO
BRASIL ................................................................................................................................ 22
1.4 REPRESSÃO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIA NAS PRISÕES: AS FACÇÕES
COMO ESPAÇOS DE CONQUISTAS DA HUMANIZAÇÃO PELO VIÉS DA
CRIMINALIDADE .............................................................................................................. 25
1.4.1 A (i)legitimidade da ação repressiva do Estado como instrumento de controle e
“pacificação” das facções criminosas ............................................................................ 26
1.4.2 Ações facciosas como resposta às ações repressivas do Estado .......................... 30
2 O PERCURSO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................... 36
2.1 A RODA DOS EXPOSTOS E SEUS EFEITOS REVERSOS ...................................... 39
2.2 INSTITUTOS DISCIPLINARES: PRIMEIROS PASSOS PARA UMA POLÍTICA DE
ENCARCERAMENTO DOS ADOLESCENTES ............................................................... 41
2.3 DO MENORISMO À PROTEÇÃO INTEGRAL .......................................................... 44
2.4 BREVE ANÁLISE ACERCA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO..................................................................................................................... 50
3 AS VULNERABILIDADES DA ADOLESCÊNCIA COMO FATORES PARA A
PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL E PARTICIPAÇÃO EM FACÇÕES
CRIMINOSAS ........................................................................................................................ 53
3.1 O ADOLESCENTE E A BUSCA INCESSANTE PELO PODER ................................ 56
3.2 O PERTENCIMENTO COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA SOCIAL E
BIOLÓGICA......................................................................................................................... 61
3.3 A TERRITORIALIDADE COMO SIGNIFICAÇÃO DA VIDA COTIDIANA DOS
ADOLESCENTES ................................................................................................................ 68
3.4 CONSUMISMO E SUAS POTENCIALIDADES QUE CONTRIBUEM PARA A
PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES EM FACÇÕES CRIMINOSAS........................ 75
3.5 MASCULINIDADE ENQUANTO SENTIMENTO DE VIRILIDADE, FORÇA E
PODER ................................................................................................................................. 80
4 MANIFESTAÇÕES DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO CEDUC MOSSORÓ/RN .. 87
4.1 O ESTUDO DE CASO ................................................................................................... 89
4.1.1 Centro Educacional Mossoró ................................................................................ 90
4.1.2 Realização das entrevistas com os adolescentes no CEDUC .............................. 91
4.1.3 O Instrumento de Coleta de Dados ....................................................................... 93
4.2 A ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 95
4.2.1 “Pro trabalho a gente dá o suor, pra facção a gente dá o sangue, até a última
gota”.................................................................................................................................. 96
4.2.2 “A facção ajuda nós a roubar”............................................................................ 106
4.2.3 “A facção dá apoio e causa medo no inimigo” ................................................... 111
4.2.4 “Essa guerra entre as facções ninguém sabe quando vai acabar” ................... 116
4.2.5 “Não tem como acabar com as facções, é uma coisa que ‘empesta’, como um
besouro que ferroa e vai passando de pessoa para pessoa”....................................... 119
4.2.6 “Eu faço parte de facção, facção tá em todo lugar e eu não quero falar sobre
isso” ................................................................................................................................. 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 128
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 132
ANEXOS................................................................................................................................ 145
ANEXO A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS .............................................. 146
12

INTRODUÇÃO

Com surgimento no final da década de 1970 (AMORIN, 2003), o fenômeno das facções
criminosas vem se acentuando nas últimas décadas no Brasil, sendo que, atualmente, elas atuam
com uma outra roupagem acerca do arregimento de novos membros, encontrando na
adolescência um terreno fértil para se retroalimentar.
Diante disso, o presente trabalho visa analisar quais as razões identificadas nos discursos
dos adolescentes para sua participação em facções criminosas, levando em consideração os
dados colhidos no Centro Educacional Mossoró e constante em banco de dados do Projeto de
Extensão Direitos Humanos na Prática, vinculado à Universidade Federal Rural do Semiárido
(UFERSA).
A pesquisa surge num contexto em que se buscam alternativas para conter a participação
dos adolescentes em facções criminosas, visando a diminuir os índices de delinquência na
adolescência e conter a capacidade de retroalimentação desses grupos facciosos. A repercussão
social e os prejuízos que esses grupos reflete, diretamente, na vida dos adolescentes (ADORNO,
2010).
Diante do contexto de vulnerabilidades e do estágio peculiar de desenvolvimento dos
adolescentes, é importante compreendermos quais os principais fatores que potencializam a
participação desses sujeitos em facções criminosas.
O objetivo central da pesquisa é analisar quais as razões identificadas nos discursos dos
adolescentes para sua participação em facções criminosas, levando em consideração os dados
colhidos no Centro Educacional Mossoró (CEDUC), pelo Projeto de Extensão Direitos
Humanos na Prática, vinculado à Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Para
tanto, é importante compreendermos o surgimento das facções criminosas no Brasil a partir da
década de 1980 e os fatores que levam seus membros a atuarem de forma gregária e solidária,
assim como entender a relação do estágio peculiar de desenvolvimento do adolescente e o
envolvimento desses em facções criminosas. Após a abordagem teórica, investigaremos, por
meio dos discursos dos socioeducandos internados no Centro Educacional Mossoró, as causas
para a participação de adolescentes em facções criminosas.
Na pesquisa de campo, estão presentes as narrativas e alguns elementos das trajetórias
de vida dos adolescentes que dizem possuir alguma relação com facções criminosas. Apesar da
análise se voltar ao banco de dados do referido projeto, realizamos, juntamente com os demais
membros do projeto de extensão, a coleta de dados no CEDUC, o que representa um contato
13

entre pesquisador e pesquisado, mesmo estando, no momento da coleta de dados, na condição


de extensionista. Por questões éticas e legais1 da pesquisa, restou assegurado o sigilo da
identidade dos adolescentes sujeitos da pesquisa.
Compreenderemos, no capítulo 1, o surgimento das facções criminosas no Brasil, a
partir do final da década de 1970. Também, serão abordados os fatores que levam seus membros
a atuarem como cooptadores de adolescentes em busca de um sentimento de justiça dentro dos
espaços de restrição de liberdade (penitenciárias e centros educacionais). Isso se verifica a partir
de uma simbiose dos códigos jurídico-normativos do Estado de direito e das facções criminosas.
No capítulo 2, considerando que as vulnerabilidades da adolescência têm guarida num
passado não tão distante, que envolve questões jurídicas, psíquicas e sociais, entenderemos,
brevemente, o percurso dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Abordaremos a
formação das Rodas dos Expostos, os Institutos Disciplinares, Doutrina Menorista à Proteção
Integral e, por fim, faremos um breve relato sobre a medida socioeducativa de internação.
Já no capítulo 3, investigaremos, a partir das categorias de análise, “poder”,
“pertencimento”, “territorialidade”, “consumismo” e “masculinidade”, quais os fatores que
contribuem para a participação de adolescentes em facções criminosas. É importante observar
que essas categorias se comunicam entre si durante o trabalho, devendo ser analisadas de forma
sistêmica.
Durante 4 semestres, entre os anos de 2016 e 2017, integrei, enquanto extensionista
voluntário, ao Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática, vinculado à Universidade
Federal Rural do Semiárido (UFERSA), oferecendo orientação processual aos adolescentes no
CEDUC e coletando informações para compor o banco de dados do referido projeto de
extensão.
Essa experiência, adquirida durante a atividade de extensão, subsidiou o capítulo 4 do
presente trabalho, que trata sobre uma pesquisa de campo. Com isso, exploramos o banco de
dados do Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática, vinculado à Universidade Federal
Rural do Semiárido (UFERSA), buscando identificar, nos discursos, possíveis razões para a
participação dos adolescentes em facções criminosas, fato relatado por alguns socioeducandos
que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro Educacional Mossoró (CEDUC).

1
O Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) prevê que: “Art. 94. As entidades que desenvolvem programas
de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito
e dignidade ao adolescente”. Diante disso, como a pesquisa reporta à instituição de internação (CEDUC), a
identidade deve ser preservada.
14

A participação de adolescentes em facções criminosas vem se expressando


transversalmente. Diante da complexidade da temática e a necessidade de encontrar respostas
que o Direito, por si só, não seria capaz de fornecer, a análise não se pautará, eminentemente,
num viés jurídico-dogmático. Porém não nos furtamos do Direito, já que, na sua essência, o
trabalho envolve Direito da Criança e do Adolescente (Fernanda da Silva Lima e Josiane Rose
Petry Veronese) que coaduna com Direitos Humanos (Fábio Konder Comparato). Além disso,
há muitas contribuições da Sociologia Jurídica (Boaventura de Sousa Santos), História do
Direito (Antônio Carlos Wolkmer), Antropologia Jurídica (Karina Biondi) e Psicologia Jurídica
(Bruno Shimizu).
Nesse sentido, as contribuições serão plurais do ponto de vista metodológico,
ecologizando as disciplinas e dialogando com outras áreas do conhecimento, uma abordagem
inter/transdisciplinar, que coaduna com a exlética2.

2
Trata-se de um “novo” método de conhecimento que busca fugir do binarismo mecânico da dialética, em prol de
indagações abertas e múltiplas, por entender que todo conhecimento tem condições de colaborar e fazer
apontamentos, respeitando os saberes diversos (DE BONO, 1994).
15

1 GÊNESE DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

Neste capítulo, analisaremos o intrincamento das expressões normativas que,


historicamente, atravessam as relações entre o Estado e as facções criminosa. Esse pluralismo
jurídico, ou a confusão de ordens normativas, projeta consequências e implicações no
comportamento social, pois o direito extraestatal (como o das facções criminosas) marginaliza
o direito estatal quando não lhe convém, abrindo um fosso entre o Estado e esses grupos,
gerando rivalidades.
O fenômeno das facções criminosas deve ser compreendido por múltiplas facetas, sendo
importante compreender o contexto em que surge as principais facções criminosas do Brasil.
Para tanto, abordaremos onde e como se deu o surgimento da primeira facção criminosa do
Brasil (Comando Vermelho) e a maior facção do País (Primeiro Comando da Capital). Ainda,
versaremos acerca da ação repressiva do Estado contra esses grupos criminosas.
Essa política supressora de direitos humanos contribuiu para que a população carcerária
buscasse estratégias de sobrevivência, sendo que as ações fundadas na violência passaram a
fazer parte desses grupos, tanto dentro dos ambientes de restrição de liberdade quanto fora
deles.
Portanto, é nesse enredo de pluralismo jurídico que envolve Estado e facções criminosas
que analisaremos como se dá a precarização dos ambientes prisionais e repressão estatal contra
esses grupos, os quais se utilizam da violência para dar respostas às políticas estatais de negação
de direitos humanos.

1.1 SIMBIOSE NORMATIVA DOS CÓDIGOS DO ESTADO DE DIREITO E DAS


FACÇÕES CRIMINOSAS

Etimologicamente, a palavra simbiose provém dos gregos, sendo que sym significa
“junto de” e bios remete à “vida”. Este termo foi adotado pelas ciências biológicas para designar
a funcionalidade entre dois organismos vivos, em que interagem entre si de forma harmônica
em busca de um proveito mútuo (CHATELARD; CERQUEIRA, 2015).
Outra área do conhecimento que se utiliza do termo simbiose é na Ecologia,
conceituando-a como “a associação estreita entre organismos de espécies diferentes. A
16

associação pode ser benéfica a ambos os organismos (mutualismo), benéfica a um e inócua ao


outro (comensalismo), ou benéfica a um e prejudicial ao outro (parasitismo)” (CASSINI, 2005,
p. 22).
Já na Psicanálise, o termo simbiose é bastante utilizado, conceituado por vários autores.
O que mais nos chamou a atenção é o conceito de Bleger, segundo o qual a simbiose se
caracteriza como “uma estreita interdependência entre duas ou mais pessoas que se
complementam para manterem controladas, imobilizadas e, em certa medida, satisfeitas, as
necessidades das partes mais imaturas da personalidade [...]” (BLEGER, 1967/2001, p. 83 apud
CHATELARD; CERQUEIRA, 2015, p. 263).
Partindo dessa concepção de Bleger, observamos que há uma estreita relação entre os
códigos jurídicos do Estado de direito e das facções criminosas, os quais se complementam e
dialogam quando pressupõem interesses de ambos os lados. Utilizam-se desse meio para manter
controlados e pacificados os ambientes onde os respectivos códigos se intrincam.
Diante dessa noção simbiótica, pretendemos compreender, a partir de uma concepção
moderna do pluralismo jurídico, como se expressam os códigos do Estado democrático de
direito e das facções criminosas, que se intercruzam em dadas localidades.
Esse pluralismo aparece como uma resposta à centralização do poder estatal que se
fundamenta no monismo jurídico, visto como insuficiente e inadequado diante do pluralismo
normativo nos espaços de vulnerabilidade social, onde as políticas estatais não adentram. Essa
concepção vem à tona sempre que há uma “multiplicidade de práticas jurídicas [...] num mesmo
espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos”, sendo que esse pluralismo pode
“ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais”
(WOLKMER, 2001, p. 219).
A concepção plural rompe com ideia de que, para ser considerado Direito, precisa-se,
necessariamente, partir de uma positivação estatal. É imprescindível associar o Direito às
diversidades socioculturais de cada povo, mesmo que se contraponha ao Direito formalista. O
pluralismo jurídico denuncia que o modelo monismo atua em desarmonia com a
transversalidade dos problemas sociais, restringindo-se a um modelo teórico (jurídico-político).
Não podemos conceber essa ideia, pois “dar as costas às normatividades tópicas decorrentes da
fragmentação de interesses e valores significa, para o Direito moderno, deficiência de eficácia
e vigência social” (NEVES, 1994, p. 26). Porém, o professor Marcelo Neves faz um alerta para
o fato de que:
17

O intrincamento do(s) código(s) jurídico(s) com outros códigos sociais atua


autodestrutivamente e heterodestrutivamente. O problema não reside,
primariamente, na falta de abertura congnitiva (heterorreferência ou
adaptação), mas sim no insuficiente fechamento operacional (auto-referência),
que obstaculiza a construção da própria identidade do sistema jurídico. Se tal
identidade pode ser vista, eventualmente, no plano da estrutura dos textos
normativos, ela é destruída gradativamente durante o processo de
concretização jurídica. Assim sendo, não se constrói, em ampla medida,
congruente generalização de expectativas normativas a partir dos textos
constitucionais e legais. Daí resulta que a própria distinção entre lícito e ilícito
é socialmente obnubilada, seja por falta de institucionalização (consenso) ou
de identificação do sentido das normas. A conseqüência mais grave é a
insegurança destrutiva nas relações de conflitos de interesses (NEVES, 1996,
p. 99).

Aceitar a visão do pluralismo não é, necessariamente, um “tudo é legítimo”, anarquismo


ou negação estatal. Ora, o pluralismo mais se manifesta, contemporaneamente, na presença do
Estado enquanto ente jurígeno principal/hegemônico, sobretudo dentro das instituições que o
representam e carregam o brasão estatal. Diante da diversidade social e humana, mostra-se
adequado e urgente aceitar a concepção plural do Direito por uma evidente inadequação de
insistir num monismo que se mostra, a começar pela sua nomenclatura, singular,
unidimensional, incapaz de acompanhar as transversalidades e pluralidades sociais.
Acreditamos não haver empecilhos para que comunidades ou grupos tenham regras
próprias, desde que não afrontem os fundamentos do Estado democrático de direito e não
caiamos no extremismo de querer combater/exterminar o campo jurídico estatal. Precisamos
romper paradigmas e combater “o legalismo como forma de hipertrofia jurídica do Estado em
detrimento da construção de esferas jurídicas autônomas no seio da ‘sociedade civil’” (NEVES,
1993, p. 10).
Não podemos negar que, atualmente, estamos restringindo o direito ao estatal, atuando
a partir do binarismo mecânico excludente de ilícito/lícito originário do Estado. Essa visão
compromete a noção de cidadania dos sujeitos, pois quem não se enquadrar na concepção
“lícita”, é marginalizado e reduzido a um adjetivo proveniente do crime praticado: ladrão,
homicida, corrupto, entre outros.
Por outro lado, o pluralismo jurídico não pode negar a concepção lícita/ilícita, mas deve
suplantar tal concepção e se associar à definição do justo, do legítimo, para além dessa noção
polarizada do que é lícito ou não. Isso porque a complexidade humana é caracterizada por
pluralidades, ora contraditórias, ora complementares, devendo a normatividade seguir essa
tendência, ajustando-se de acordo com as diversidades territoriais dos grupos.
18

Quando convencionamos, tradicionalmente, os parâmetros de legalidade e legitimidade,


utilizando-se da linguagem do Direito para afirmar o que seria errado/certo, justo/injusto,
lícito/ilícito, marginalizamos a concepção de cidadania planetária e integradora, que valoriza a
convivência comunitária e se fundamenta na condição humana para reconhecer no outro a sua
existência, independentemente de ser “vagabundo”, “marginal” ou “criminoso”. Partindo dessa
concepção, poderíamos incrementar meios de prevenção, socialização, aprendizado mútuo e até
mudanças/permanências nas próprias definições do que seria aceitável jurídico e socialmente.
Boaventura de Sousa Santos, em sua investigação na periferia empobrecida do Rio de
Janeiro, onde denominou, fictamente, de Pasárgada, percebeu que naquela comunidade
existiam normas nativas que regulavam o comportamento social, afirmando ou negando as
normas estatais, a depender do interesse coletivo. De acordo com seus ensinamentos, ele
pondera que: “existe uma situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço
geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica”. (SANTOS, 1980, p.
87).
A partir dessa compreensão de Boaventura, percebemos que essa noção de pluralismo
se expressa atualmente, seja por movimentos sociais ditos legais/legítimos ou não. Nesse
sentido, ratificamos que:

Com a criação de normas dentro do ambiente comunitário, o direito estatal


passa a ser utilizado de forma simbiótica com o “direito comunitário”.
Acontece que essas normas são também criadas e aplicadas por grupos
delinquentes (facções criminosas) que atuam à margem dos parâmetros de
aceitabilidade estatal. Porém, muitas vezes, essas normas são apoiadas pelos
membros da comunidade perante a carência de políticas públicas que coloca
em descrédito a autoridade estatal. [...] As normas estatais são aproveitadas
sempre que úteis para tutelar os direitos destes indivíduos, o que,
paradoxalmente, legitima o Estado (NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2017, p. 7).

Por não acreditarem nas políticas estatais, as comunidades periféricas empobrecidas


materialmente3 não depositam confiança no ordenamento jurídico estatal como instrumento de
efetivação de direitos e emancipação social. A partir disso, de forma lícita ou ilícita, estruturam-
se organizações coletivas de pessoas em busca de esferas jurídicas extraestatais que regulem o

3
Decidimos utilizar essa expressão, ao logo do trabalho, pelo fato de que nem toda periferia é sinônimo
vulnerabilidade socioeconômica. Nesse sentido, podemos perceber que os condomínios de luxos estão situados
nas periferias das cidades, podendo haver carências emocionais e simbólicas, mas dificilmente materiais
(socioeconômicas).
19

comportamento dos sujeitos e que não haja imposição, mas respeito à territorialidade da
população local. Quando a territorialidade das comunidades não é respeitada, por quem quer
que seja, passam a existir conflitos dentro desses ambientes de pluralismo jurídico, pois “venha
de onde e de quem vier, a violência constitui código normativo de comportamento” (ADORNO,
2007, p. 16), predominando a lei do mais forte.
Quando esses grupos negam o Estado ou o deixam em segundo plano, “o Estado se
inter-relaciona com outros ‘campos de juridicidade’ autônomos, tendendo a asfixiá-los através
da postura legalista dos operadores oficiais do Direito” (NEVES, 1993, p. 9). Com efeito,
buscam-se informações estratégicas para desarticular a comunidade “anarquista”.
Contudo, não podemos cair no utopismo de que, somente o Estado, por meio do seu
legalismo e “uso legítimo da força”, é capaz de reconhecer e efetivar direitos. É preciso
reconhecer outras formas de se buscar direitos e, sobretudo, satisfação social. Para tanto, a
concepção plural do direito pode nos trazer grandes contribuições, devendo ser analisado no
caso concreto.
Essa ideia não é utópica ou abstrata, ele vem se expressando, apesar de ser com outra
roupagem. Isso é o emerge com o novo constitucionalismo latino-americano e a concepção de
Estado multinacionais (multiétnicos), assim como o transconstitucionalismo que prega o
diálogo entre ordens jurídicas diversas, até onde há, fundamentalmente, ideias jurídica-
constitucionais opostas. Porém não podemos esquecer, negar ou transpor as singularidades,
limites, culturas e tradições de cada povo em nome de uma normatização.
A concepção do transconstitucionalismo proposta por Marcelo Neves “aponta
exatamente para o desenvolvimento de problemas jurídicos que perpassam os diversos tipos de
ordens jurídicas” e tal “questão que poderá envolver tribunais estatais, internacionais,
supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na
busca de sua solução” (NEVES, 2014, p. 207).
Por outro lado, constitucionalismo latino-americano parte de “uma teoria de avanço
democrático da Constituição, por força do qual o conteúdo desta deve expressar, nos limites de
suas possibilidades, a vontade soberana de seu povo, o reconhecimento de sua identidade, de
sua consciência cultural”. Diante disso, busca a “participação popular direta” e procedimentos
de “controle de constitucionalidade promovido pelos cidadãos e da criação de regras que
limitem os poderes políticos, econômicos, sociais e culturais” (CADEMARTORI; MIRANDA,
2016, p. 106).
O pluralismo abordado, aqui, é o que expressa, sobretudo, em contextos comunitários,
onde os sujeitos se regulam por ordens normativas própria e a norma estatal é colocada em
20

segundo plano, mas não negada, surgindo uma restrição ou indiferença ao Direito estatal, mas
nunca uma negação.
Isso porque o Estado não consegue se impor dentro da comunidade e, quando consegue,
é por meio de práticas violadoras de direitos, de modo que os agentes públicos também tendem
a criar regras “jurídicas paralelas” às normas oficiais. Nesse contexto, criam-se normas
comunitárias capazes de regular o comportamento dentro de determinados grupos, muitas vezes
de forma mais eficaz. Há, com isso, mesmo que embrionariamente, uma maior democratização
jurídica e uma autonomia comunitária. Se esta autonomia terá resultados substancialmente
democráticos, cada caso deverá ser submetido à análise.
Esse pluralismo jurídico ou a confusão de ordens normativas, sob a ótica das facções
criminosas, projeta consequências e implicações no comportamento social, pois o direito
extraestatal (como o das facções criminosas) marginaliza o direito estatal quando não lhe
convém ou não atende os interesses dos grupos que praticam ilícitos.
A normatividade dentro da facção é contraditória, ou, como dito anteriormente,
intrincada com as concepções do direito estatal, pois ao passo que elas defendem a solidariedade
entre os sujeitos e luta contra as injustiças (princípios do Estado de direito), aceitam, no seu
campo jurídico, a pena de morte, situação, teoricamente, excepcional no Brasil. Essa
contradição não é visível somente nas facções criminosas, ela se expressa “como que traduzindo
traços da cultura política brasileira, estabelece uma sorte de sincretismo moral entre tradição
(autoproteção pessoal) e modernidade (apelo à justiça e ao direito)” (ADORNO; SALLA 2007,
p. 17).
Não é raro identificarmos, nas comunidades empobrecidas materialmente do país, bem
como nos ambientes socioeducativos e prisionais, a predominância de outra expressão
normativa distinta da estatal. Por exemplo, as facções criminosas se expressam por meio do seu
próprio código. É válido salientar que seus procedimentos, mesmo afrontando o Estado
Democrático de Direito, são vistos como uma expressão normativa.
Diante dessa perspectiva de negativa de direitos por parte do Estado, emerge a
necessidade da criação de “códigos” normativos que possam orientar a organização e o
desenvolvimento de grupos, os quais Boaventura trata como pluralismo jurídico. Essa
“pluralidade normativa [...] pode corresponder a um período de ruptura social” (SANTOS,
1980, p. 109).
É a partir dessa concepção de pluralismo jurídico que analisaremos como isso reflete no
processo de expressão das facções criminosas, num intercâmbio entre o ambiente comunitário
21

e o sistema prisional (estatal), com reflexo, hoje, no sistema socioeducativo, sobretudo no


cumprimento de medidas socioeducativas de internação.

1.2 COMANDO VERMELHO: A MAIS ANTIGA FACÇÃO CRIMINOSA DO BRASIL

A partir do ano de 1979, começam a ser veiculadas notícias do surgimento da primeira


facção criminosa no país, trata-se do que conhecemos, hoje, como o Comando Vermelho
(AMORIN, 2003), germinada no Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, Rio de
Janeiro. A junção de presos políticos, perseguidos pela ditadura militar, e presos comuns que
fossem enquadrados na Lei de Segurança Nacional contribuiu para que o grupo se integrasse e
desenvolvesse nos presos o sentimento de coletividade, organização e pertencimento.
Esses presos passaram muitos anos convivendo e compartilhando saberes, teóricos e
empíricos. Os presos comuns possuíam uma vasta experiência de assaltos a bancos e carros
forte, já os presos políticos dominavam as estratégias de guerrilha, sempre guiados por leituras
de cunho comunista e revolucionário. Dentre as leituras que os presos tiveram contato,
destacam-se os textos de Carlos Marighela, “Che” Guevara, Régis Debray e Marx e Engels.
Inclusive, o trecho “a execução de um notório torturador vale mais do que mil discursos”, do
livro “Revolução na revolução”, de Régis Debray, influenciou uma das mais respeitadas
expressões do Comando Vermelho: “a execução de um delator vale mais do que mil discursos”
(AMORIN, 2003). A partir desse diálogo entre criminalidade e literatura, emergiram as
principais ideias para responder aos ataques estatais dentro e fora dos presídios.
Com a publicação da lei da anistia (lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979), os presos
políticos foram beneficiados e libertos, ao passo que os presos comuns permaneceram na
mesma situação, reprimidos, torturados e politizados, porém ainda sem percebem que tinham
adquirido tal virtude. A transferência dos presos gerou um sentimento de revolta na massa
carcerária, que passou a se sentir solitária e carente das estratégias de defesa e ataque que os
militantes comunistas dispunham.
Mas as manifestações contra a saída dos presos políticos cessaram e eles passaram a
colocar em prática as estratégias de guerrilha ensinadas pelos comunistas durante o período que
estiveram juntos. A aprendizado das estratégias foi de suma importância, mas o que mais fez o
grupo crescer foi a internalização do sentimento de união e liberdade que eram propagados
diariamente pelos presos políticos. À custa de muita luta e sangue, os primeiros grupos
22

começam a ganhar corpo dentro da unidade prisional e passam a confrontar o Estado em busca
de melhores condições de vida no cárcere. Nessas lutas, um grupo se destaca e começa a
angariar novos “soldados”. O que conhecemos, hoje, como Comando Vermelho, outrora
chamado de “falange LSN”.
Não podemos cair no sensacionalismo midiático e acreditar que as facções criminosas,
sobretudo o Comando Vermelho, são uma continuação ou um espelho dos movimentos
políticos que lutaram contra a repressão militar durante os anos de ditadura que passamos.
O movimento dos comunistas, durante a ditadura de 1964-1985, tinha cunho social e
político-partidário, tendo delineado um projeto de nação. Os presos restringem suas estratégias
a seus ambientes de sociabilidades, como os presídios e as comunidades dominadas pela
criminalidade.
Objetivando prejudicar a imagem do movimento político que lutou contra o período
ditatorial, sobretudo os comunistas, que utilizavam a cor vermelha nos seus atos políticos, a
mídia mudou o nome da facção “falange LSN” para Comando Vermelho, com a nítida intenção
de associar o movimento político ao movimento criminoso germinado dentro dos presídios
cariocas (LIMA, 2001).
Diferentemente do Primeiro Comando da Capital, o Comando Vermelho não possui
uma ideia de funcionamento que se assemelha a um viés “empresarial”. Por esse motivo, é
difícil estimar o quantitativo de integrantes da facção, pois vem passando por um processo de
pulverização dos seus membros para outros estados do país.
Resta claro que o Comando Vermelho é reflexo de uma política criminal
segregacionista, punitivista e desumanizadora aplicada dentro dos presídios brasileiros,
produzida a partir de uma má distribuição de renda do país.

1.3 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL: A MAIOR FACÇÃO CRIMINOSA DO


BRASIL

O Massacre do Carandiru, no ano de 1992, que resultou na morte de 111 presos, marcou
a história do sistema penitenciário de São Paulo e brasileiro. Foi a partir desse episódio
sangrento que os presos do sistema penitenciário paulista passaram a se articular e traçar
estratégias de sobrevivência contra a opressão estatal que pairava o sistema carcerário. Dentre
23

outras reinvindicações, eles exigiam, sobretudo, uma política que efetivasse os direitos
humanos e contivesse o ímpeto repressivo do Estado.
Os grupos cariocas, sobretudo o Comando Vermelho, que, por meio da pressão coletiva
dos seus membros, conseguiu diminuir a repressão e conquistar alguns direitos, serviu de
espelho para a articulação dos detentos paulistas. A atuação supressora de direitos humanos,
associada à ausência de políticas públicas eficazes, rendeu, por conseguinte, no ano de 1993, a
criação da maior facção criminosa do país. Trata-se da facção paulista denominada Primeiro
Comando da Capital (PCC), germinada no seio do estado de São Paulo, onde se encontra a
maior população do país (AMORIN, 2003).
Essa facção se organiza, estrutura-se e ganha espaço no cenário estadual e nacional,
dentro e fora dos presídios. Dentro do presídio atua com fidelidade ao seu código de conduta,
cooptando, punindo ou expulsando os membros que não compactuem com os interesses do
grupo. Fora dos ambientes de restrição de liberdade, “ocorre a ação dos ‘soldados’ que também
atuam no aliciamento de menores e jovens que são cooptados para o crime” (CANEPARO,
2015, p. 41).
A criação propriamente dita do PCC se deu no Centro de Readaptação Penitenciária,
Anexo à Casa de Custódia de Taubaté (São Paulo), mais conhecido como “Piranhão”, temido
pela massa carcerária pelas condições subumanas vivenciadas pelos detentos. Um grupo,
composto por 8 homens, formou um time de futebol dentro do presídio. Por serem provenientes
da capital do estado paulista, eles denominaram o time de Comando da Capital (SHIMIZU,
2011), o que, posteriormente, após conflitos dentro do presídio, deu ensejo à criação da facção
criminosa.
O período existencial do PCC pode ser compreendido em 3 etapas: o período da sua
fundação, que vai de 1993 até 2000, período de amadurecimento, que vai de 2001 até a
megarrebelião de 2006 e o período de expansão, que compreende o fim da megarrebelião até a
atualidade (CANEPARO, 2015).
O destaque fica para o ano de 2006, um marco para a história da segurança pública do
país. O PCC passa a ser notícia nacional e internacional pela demonstração de força ao atacar
o estado de São Paulo. Os principais alvos eram os agentes de segurança pública, atacando-os
dentro e fora dos presídios. 73 rebeliões simultâneas foram registradas nos presídios paulistas,
além de ataques a prédios públicos e ônibus queimados, chegando a um total de 293 atentados
(SCHELAVIN, 2011). Era a resposta às políticas supressoras de direitos humanos praticadas
diuturnamente pelo Estado durante décadas no sistema penitenciário.
24

Nesses ambientes prisionais predominou, durante o fortalecimento desse grupo, uma


disciplina velada e uma obediência necessária dos corpos dóceis. Um Estado que buscou e ainda
busca, pela “mecânica do poder”, “ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para
que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, segundo a rapidez e a eficácia
que se determina” (FOUCAULT, 2014, p. 135).
Um ponto que merece destaque é que essas ações não foram executadas exclusivamente
pelos “soldados” do PCC, mas pelos presos que não mantinham vínculo com o grupo, o que
denota que a facção possuía forte influência sobre a massa carcerária. As facções vendem
ideologias e seduzem com suas ofertas sedutoras, como o fornecimento de drogas, armas
(SCHELAVIN, 2011) e distribuição de renda aos detentos e suas famílias que necessitam de
verbas para a subsistência.
Após se tornar a força hegemônica em São Paulo, o PCC cresce numa velocidade
alucinante. Não há dados oficiais, mas, já no ano de 2003, o Jornalista Carlos Amorim ventilava
a informação de que o PCC possuia 30 mil membros somente nos presídios paulistas. Em 2011,
estimava-se que o PCC tinha “cerca de 130 mil membros, dentro e fora das prisões. Um
verdadeiro ‘sindicato do crime’ que comanda rebeliões, fugas, resgates, assaltos, seqüestros,
assassinatos e o tráfico de drogas” (SILVA, 2011, p. 2).
Hoje, não há nenhuma estimativa de quantos membros a facção possui, mas é notório
que sua atuação rompeu as fronteiras do estado de São Paulo e do país. O PCC se propaga
nacionalmente e passa a ganhar novos adeptos, “é uma grife quase irresistível para o jovem
seduzido pelo crime”, afinal, “ser do ‘partido’ é uma espécie de credencial que atesta qualidade
do criminoso” (AMORIN, 2003, p. 34).
Após esses acontecimentos, o PCC não vinha se envolvendo em práticas ilícitas de
grande destaque midiático, o que demonstra uma organização: articular, planejar e atacar. Até
que, em janeiro de 2017, eclodiram novas ações que envolveram o grupo, sobretudo após o
rompimento entre as duas maiores facções criminosas do Brasil, Comando Vermelho (CV) e
Primeiro Comando da Capital (PCC).
Várias rebeliões se espalharam pelo país, resultando em diversas mortes nas
penitenciárias. O confronto se inicia pela luta do controle do tráfico de drogas no país, sendo
que, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus (AM) e na Penitenciária de Alcaçuz,
em Nísia Floresta (RN), os confrontos se deram em maior intensidade, com vários detentos
mortos e feridos.
O curioso é que os combates não duram por muito tempo, e nem poderia. É uma regra
de sobrevivência das facções, pois o envolvimento nos conflitos acarreta baixas financeira e de
25

contingente, diminuindo, com isso, a capacidade expansiva dos seus negócios e de


enfrentamento do Estado e das facções inimigas.
Diante da fragilidade do sistema penitenciário do país e a inércia estatal, não se
vislumbra outra explicação do atual “controle” das penitenciárias senão a simbiose dos códigos
jurídicos do Estado de Direito e das facções criminosas, que, historicamente, vem se
expressando nos ambientes onde se predomina repressão e precarização, em detrimento de uma
humanização do sistema prisional brasileiro.

1.4 REPRESSÃO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIA NAS PRISÕES: AS FACÇÕES


COMO ESPAÇOS DE CONQUISTAS DA HUMANIZAÇÃO PELO VIÉS DA
CRIMINALIDADE

O sistema penitenciário brasileiro, historicamente, apresenta vulnerabilidades físicas e


humanitárias, sendo um polo de violência e arbitrariedades, reflexo das superlotações e
privações materiais e simbólicas dos sujeitos. Tanto os custodiados quanto os agentes que atuam
no sistema carcerário vêm passando por um processo de precarização, seja no cumprimento da
pena (presos) ou no exercício da função pública (agentes estatais). Por outro lado, o Estado se
defende afirmando que age dentro nos rigores da lei.
Não precisa de muito esforço cognitivo para perceber que não há mudanças
significativas na política penitenciária do país, o que há são subterfúgios estatais que maquiam
a realidade dos presídios brasileiros e reduzem o problema à ordem jurídica ou à segurança
pública, uma transferência de responsabilidades entre as instituições. Nesse sentido,
observamos que:

Desde meados do século passado, as políticas penitenciárias seguem as


mesmas diretrizes, pouco se renovando: são concebidas como respostas às
emergências provocadas pelo crescimento dos crimes, por rebeliões e fugas,
pelas duras condições do encarceramento, pela instabilidade das instituições
prisionais sempre a reboque de mudanças inesperadas em suas direções, o que
gera inquietações na massa carcerária, fonte freqüente de levantes e motins.
Não é estranho que, nesse cenário de pobre inovação, as intervenções do poder
público sejam insatisfatórias para enfrentar problemas acumulados no tempo,
limitando-se à expansão da oferta de vagas (FISCHER; ADORNO, 1987 apud
ADORNO; SALLA, 2007, p. 18).
26

Essa realidade vem se perpetuando até hoje, quiçá agravou-se (guardadas as


proporções), pois outrora havia a imposição de um código jurídico estatal dentro das prisões,
mesmo que de forma ilegal e ilegítima. Hoje, há, ora um diálogo, ora um conflito de códigos
do Estado de direito e das facções criminosas, ou seja, uma “confusão de códigos” que não
sabemos qual deve ser tomado como referência para as tomadas de decisões.

1.4.1 A (i)legitimidade da ação repressiva do Estado como instrumento de controle e


“pacificação” das facções criminosas

Durante a década de 1970, anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, talvez houvesse
possibilidade de “pacificar” os presídios por meio da repressão estatal e/ou supressão de
direitos, fosse pelo pouco contingente de presos ou pelo receio destes da “força bruta estatal”.
Hoje, estando num regime dito democrático de direito e um país signatário de tratados
internacionais, sobretudo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos que, em seu artigo
5º assegura a integridade pessoal dos indivíduos, a população carcerária se vê um pouco mais
amparada. Isso fortalece o grupo e o faz programar resistências frente aos ataques sofridos.
Nesse contexto, os sujeitos que ocupam esses espaços de restrição de liberdade, além da
inospitalidade do ambiente, passam por arbitrariedades e violências praticada pelo Estado, uma
demonstração de força contra seu inimigo: o dito criminoso. Porém, não nos enganemos que
essa violência é “mais uma manifestação de força do que uma obra de justiça; ou antes, é a
justiça como força física, material e temível do soberano que é exibida. A cerimônia do suplício
coloca em plena luz a relação de força que dá poder à lei” (FOUCAULT, 2014, p. 52).
Hoje, socialmente, há uma bipolarização conceitual da política penitenciária. Alguns
pregam arbitrariedades e extermínio da população carcerária, resquícios do período ditatorial e
restrição de direitos vividos no país até pouco tempo. Por outro lado, o qual nos filiamos,
emerge a necessidade de uma política humanizadora dos presídios do país, atuando dentro dos
ditames do Estado democrático de direito e articulado com outros órgãos de assistência social,
em busca de reconhecimento e efetivação de políticas públicas.
Com essa bifurcação de ideias, mostra-se de fundamental importância a participação da
sociedade civil nas discussões que envolvem segurança pública, pois, na pretensão de encontrar
saídas para conter os índices da criminalidade, ela cultua sentimentos se vingança dentro de
27

uma cultura penal retributiva, em que o sofrimento e a morte purgam o mal (pecado) praticado
(ZEHR, 2008). É a partir desse contexto que emergem os defensores da pena de morte
(seletiva), mas precisamos romper com esse paradigma e partir da concepção de que

o caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor


próprio, veio demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em
todo indivíduo; e que, por conseguinte, nenhuma justificativa de utilidade
pública ou reprovação social pode legitimar a pena de morte. O homicídio
voluntário do criminoso pelo Estado, ainda que ao cabo de um processo
judicial regular, é sempre um ato eticamente injustificável, e a consciência
jurídica contemporânea tende a considerá-lo como tal (COMPARATO, 2010,
p. 43-44).

Foi com essa ideia de garantir a vida humana que o estado de São Paulo, nos anos 1980,
tentou implementar uma política de humanização dos presídios paulistas, dando melhores
condições de vida aos presos, tratando-os, não somente como “criminosos”, mas, sobretudo,
como humanos. Entretanto, esse viés garantista dos direitos humanos sucumbiu em nome de
uma política segregacionista e punitivista que foi encabeçada por políticos “linha dura” (nos
moldes do que predomina, hoje, no Congresso Nacional, denominada “bancada da bala”),
difundida pelos veículos de comunicação e executada pelos agentes de segurança do Estado.
Houve uma verdadeira sabotagem por parte dos agentes estatais que, “estimulados pela
reinante impunidade, persistiram casos de tortura e maus-tratos, de corrupção e de outras
ilegalidades” bem como “provocando instabilidade no interior das prisões com a omissão de
seus serviços e conivência às movimentações que redundavam em fugas e rebeliões, inclusive
com saldo em mortes de presos” (ADORNO; SALLA, 2007, p. 19-20).
Foi a partir desse contexto de irresponsabilidade social que o Estado, representado por
seus agentes públicos, contribuiu para que eclodisse o Massacre do Carandiru, em 1993. Isso
deu ensejo à articulação e sentimento de união dos presos do sistema carcerário paulista,
passando a resistir contra a opressão estatal, acarretando a fundação da maior facção criminosa
do país atualmente (PCC), como vimos anteriormente.
O tratamento dado aos sujeitos dentro dos presídios repercute e os atinge em diferentes
níveis: moral, material, psicológico, social e simbólico. O preso internaliza o sentido da
“prisionalização”, carregado de injustiças e barbáries, passando a replicar como um exercício
do seu aprendizado.
28

Não nos esqueçamos de que esse sujeito violador é o mesmo que, cotidianamente, sofre
violações dentro do ambiente prisional, tendo a sua condição humana negada. Vivo
biologicamente e morto socialmente, ele passa a buscar algo que faça sentido para o
cumprimento da sua pena, pois “as tradições, valores, atitudes e costumes impostos pela
população carcerária são aprendidos e assimilados pelos reclusos como uma forma natural de
adaptação ou até mesmo de sobrevivência ao rígido sistema prisional” (BARRETO, 2006, p.
586).
Após sua saída do sistema prisional, as opressões não param. Agora, eles passam a ser
etiquetados, como um “ex-presidiário” violador de direitos e marginal social. Suas
singularidades são negadas, as virtudes de um pai, filho, esposo e um ser sociável são
substituídas pela noção de um monstro que precisa ser segregado e extirpado da sociedade. Ele
está livre da pena criminal, mas terá que conviver com a “pena social”, talvez mais cruel do que
a pena dos suplícios.
Não podemos cobrar um comportamento socialmente aceitável dos sujeitos que vivem
anos de negativas de direitos dentro do porão que é o sistema carcerário brasileiro. Precisamos
compreender que “a diferença entre o mundo livre e o mundo prisional torna questionável a
função da estrutura prisional, uma vez que os valores e a rotina do recluso no estabelecimento
penitenciário são completamente diferentes dos da sociedade liberta”, sendo que “a
discrepância existente entre esses dois mundos dificulta a adaptação do recluso em sua
reinserção ao mundo liberto” (BARRETO, 2006, p. 586).
Apesar de estarmos dentro de um Estado em que se busca efetivar direitos, percebemos
que o sistema penitenciário ficou imune a essas mudanças democráticas, tomando uma
característica punitiva, refletindo tanto no campo jurídico quanto no campo social. A cadeia
tem cheiro, cor e classe social, um ambiente degradante e autoritário. Isso reflete no papel
social, devendo ser posto em debate, porque ao passo que serve para isolar os “marginais” da
sociedade, “serve mais como ponto de reunião, organização e difusão da criminalidade em larga
escala” (PESTANA, 2009, p. 133).
Esses sujeitos são vistos a partir de um determinismo natural destacado das condições
sociais postas. E, é a partir desse contexto determinista, associado às ideias democráticas, que
a sociedade cobra autonomia nas escolhas dos sujeitos envolvidos em práticas ilícitas. Parte da
concepção de que “as classes populares também seriam livres para fazer suas escolhas e, dentro
dessa perspectiva, o crime também é visto como uma escolha racional” (PESTANA, 2009, p.
131). Porém esse fenômeno envolve múltiplas facetas que não se restringem a uma decisão
29

específica do indivíduo, suplanta o individual e envolve aspectos psicológicos, sociais,


políticos, econômicos, culturais e simbólicos.
Nesse sentido, o sistema prisional não pode passar imune de críticas quanto a sua
atuação de baixa efetividade perante o aumento da criminalidade. Não podemos estimular e
solucionar os conflitos dessa natureza utilizando agressões físicas e morais. Isso contribui para
que o sentimento de impunidade e sensação de segurança extrapole os muros dos presídios,
ocorrendo um “reforço de atitudes de cinismo e descrença frente à competência de modelos
democráticos de resolução de conflitos” (PAIXÃO; BEATO, 1997, p. 234).
Por outro lado, não poderíamos deixar de analisar o contexto em que os profissionais da
segurança pública estão inseridos. O perigo está intrínseco à profissão e eles convivem com a
precarização do trabalho, o que reflete negativamente nos resultados das suas atuações, dentro
e fora dos ambientes prisional e socioeducativo. Convivendo diuturnamente com os riscos da
profissão, “não é menos certo, porém, que orientações institucionais, emitidas pelas autoridades
hierarquicamente superiores e não raro lastreadas em políticas governamentais de segurança
pública podem agravar esse quadro se [de] risco” (MINAYO; ADORNO, 2013, p. 588). A
política do “bandido bom é bandido morto” potencializa essas vulnerabilidades dos agentes,
tendo que estar em condições físicas e psicológicas para abater o alvo a qualquer momento, ou
ser abatido.
Apesar de existir um discurso afinado sobre direitos humanos e Estado democrático de
direito na cúpula da segurança pública, esse discurso não consegue atingir a base do sistema,
onde estão os agentes que trabalham na linha de frente da segurança pública. Assim, “dado o
caráter militar da corporação, o transgressor é geralmente visto como inimigo a combater”
(MINAYO; SAOUZA; CONSTANTINO, 2008, p. 311).
Com fundamento de que estão agindo “em defesa da lei e da ordem”, muitas vezes suas
atuações não encontram amparo na Constituição Federal. Mesmo assim, agindo a partir do seu
código jurídico, não conseguem manter a ordem nos ambientes de conflituosidades,
corroborando para os embates entre criminalidade e Estado.
Inseridos nesse contexto de violência e insignificantes resultados das operações
policiais, associado ao poderio bélico que as facções criminosas dispõem, o medo vem se
instalando nos agentes de segurança, contribuindo para que ajam rapidamente em busca de
derrotar o inimigo faccioso.
Ao se utilizar da força contra grupos historicamente negados pelo Estado, os agentes de
segurança se expõem ao risco e passam a ser alvos de ataques das facções criminosas e com
isso aumenta “a probabilidade que têm de sofrer graves lesões (...) dentro e fora de seu ambiente
30

de trabalho e nos efeitos pós-traumáticos dos que continuam vivos” (MINAYO; ADORNO,
2013, p. 588).
É importante observarmos que o agente de segurança pública violador é o mesmo que é
violado pelo Estado cotidianamente com jornadas de trabalho exaustivas, baixa remuneração
(quando não atrasada) e convivência diária com o risco em nome da defesa do Estado4
(MINAYO; SAOUZA; CONSTANTINO, 2008).
Para fazer a vontade do Estado (que dispõe de instrumentos legais de coerção) e
inflamados pelo clamor social, os agentes se utilizam da força, porém eles não percebem que
“quanto mais o policial faz apelo ao emprego de força física, maior a exposição ao risco”
(MINAYO; ADORNO, 2013, p. 589).
É urgente tematizar os debates que envolvem criminalidade e segurança pública e
perceber que além de violadores, os agentes de segurança são violados diariamente com
condições de trabalho degradante e desumana. É preciso pensar políticas públicas
integralizadoras em defesa da vida, em que o único requisito para participar é estar na condição
de ser humano.

1.4.2 Ações facciosas como resposta às ações repressivas do Estado

A disparidade socioeconômica e a má distribuição de renda fazem com que os sujeitos


vivam sob a égide da criminalidade nos ambientes prisionais e periferias empobrecidas
materialmente das cidades, contribuindo para o fortalecimento das facções. Diferentemente do
Brasil, há países onde os conflitos estão relacionados, principalmente, com enredos geopolíticos
que envolvem questões étnicas, raciais, religiosas e territoriais.
Aqui, a luta é por sobrevivência na criminalidade. As facções necessitam atacar as
facções rivais e contra-atacar Estado, quem historicamente suprime seus direitos. Os ataques
das facções criminosas precisam ser vistos na sua complexidade, não pode ser reduzido a um

4
Apesar do referido trabalho versar acerca das condições de vida dos policiais militares do estado do Rio de
Janeiro, observamos que essa também é a realidade de grande parte dos estados do país. Como exemplo, podemos
citar as manifestações dos familiares dos policiais do estado do Espírito Santo, no início do ano de 2017, quando
os policiais foram impossibilitados de saírem dos batalhões pelos próprios familiares, que reivindicavam melhores
condições de vida para os profissionais. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v33n3/1678-4464-csp-33-
03-e00036217.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2018. Ainda, nesse mesmo sentido, tivemos a “Operação Padrão”,
deflagrada pelos policiais militares do estado do Rio Grande do Norte, no final do ano de 2017, que, também,
reivindicavam condições dignas de trabalho. Disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-
norte/noticia/com-salarios-atrasados-pms-da-grande-natal-nao-saem-as-ruas.ghtml>. Acesso em: 02 jun. 2018.
31

ataque contra o Estado ou compreendido exclusivamente a partir do prisma jurídico. Há


antecedentes que envolvem as ações das facções criminosas, a começar pela fundação dos
primeiros grupos, como visto anteriormente, ao apresentarmos, brevemente, o contexto que
resultou na fundação das facções Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital.
Os ataques promovidos pelo PCC, no ano de 2006, no estado de São Paulo, representam
o marco da resistências e respostas às políticas opressoras praticadas pelo Estado no sistema
carcerário do país. O confronto foi impulsionado pelo rompimento de acordos políticos
existentes entre o estado de São Paulo e o PCC sobre a condição desumana a que a população
carcerária estava se submetendo. Dizendo de outro modo, esse rompimento entre a facção e o
estado se deu, pois, “em um ambiente em que as relações sociais são arranjos precários, carentes
de reciprocidade, marcados por relações desiguais e hierárquicas, sujeitas a rupturas
inesperadas, quaisquer mudanças nos postos administrativos acentuam esses sentimentos”
(ADORNO; SALLA, 2007, p. 24).
Esse acontecimento passou a ser visto como um modelo a ser seguido por outras facções.
Em artigo publicado no ano de 2007, abordando a atuação do PCC, Sérgio Adorno e Fernando
Salla ponderam que “embora essas organizações tenham espraiado suas atividades e área de
influência para além de seus Estados de origem, não há evidências claras de que tenha se
constituído uma espécie de congresso entre elas” (ADORNO; SALLA 2007, p. 11). Porém,
hoje, percebemos que as facções vêm atuando em rede, uma verdadeira sincronização de vários
presídios do país, geralmente, feita por aparelhos celulares, o que facilita e as mantêm
associadas às facções que atuam em outros estados e, até, em outros países da América (LOPES
JÚNIOR, 2009).
Os sujeitos que fazem parte desses grupos e lotam o sistema carcerário do país
geralmente são pretos, vulneráveis econômica, emocional e familiarmente (ADORNO, 2010).
Dentro da facção tem seu comportamento moldado a partir dos interesses do grupo, agindo sob
o medo e resignação de quem os oprimem e negam acesso aos bens materiais, psíquico e
simbólicos. Nesse caso, só lhes resta revidar os ataques sofridos.
A vã concepção de que a arbitrariedade e supressão de direitos em detrimento de uma
política social eficaz, de médio e longo prazo, não pode ser vista como as melhores alternativas,
afinal

o crescimento espetacular da repressão policial nesses últimos anos


permaneceu sem efeito, pois a repressão não tem influência alguma sobre os
32

motores dessa criminalidade que visa criar uma economia pela predação ali
onde a economia oficial não existe ou não existe mais (WACQUANT, 2001,
p. 5).

Essa concepção repressora está “fundada na oposição cultural entre feras e doutores, os
‘selvagens’ e os ‘cultos’, que tende a assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo
que a manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem”
(WACQUANT, 2001, p. 5).
Não podemos ter outro entendimento senão o de que essa supressão de direitos desperta
o sentimento de vingança e ações violentas nesses sujeitos, guinados ao extermínio, pois

sua violência não é um fantasma ou doença que os aflige sem motivo, nem
tampouco um veículo conveniente para paixões hediondas. Pelo contrário, sua
violência é uma adaptação a vidas vazias e muitas vezes brutais [ ... ]. [A
violência] de boa parte dos homens violentos é, em última análise, gerada pela
hostilidade e abusos de outros, e alimentada pela falta de confiança em si e
baixa auto-estima. Paradoxalmente, sua violência é um tipo deformado de
auto-defesa e serve somente para confirmar os sentimentos de fraqueza e
vulnerabilidade que foram a origem primeira dessa mesma violência. Quando
sua violência atinge vítimas inocentes, assinala não um triunfo da coragem,
mas uma perda de controle (JOHNSON, 1984, p. 571 apud ZEHR, 2008, p.
36).

A utilização da violência é vista como uma forma de identificação com grupo faccioso
a que pertence, buscando afirmar sua identidade, demonstrar sua existência social e manter
controle sobre si, mesmo que seja a custo de práticas ilícitas, as únicas ao seu alcance. Nesse
caso, “compreendem-se igualmente as razões pelas quais os conflitos entre presos e entre esses
e os agentes penitenciários venham se acirrando, aliás em resposta ao endurecimento da
aplicação de sanções internas” (ADORNO; SALLA, 2007, p. 23).
Entretanto, o Estado, por meio de suas ações policiais, não busca combater somente a
criminalidade em si. Nos confrontos, também está combatendo, mesmo que inconscientemente,
o que há de mais preocupante para um plano de governo: flagelados, sem-teto, desamparados e
todos que estão marginalizados socialmente.
Se, por um lado, as prisões são vistas, principalmente pelas facções criminosas, como
um ambiente opressor quando se utiliza das suas regras para impor ordem dentro do cárcere,
por outro, o sistema é visto pelos presos como a instituição na qual, em tese, protege a vida dos
33

internos (BIONDI, 2006). Muitos adolescentes que cumprem medida de internação no CEDUC
Mossoró, que não é um ambiente prisional, mas há restrição de liberdade e expressão de facções
criminosas, veem o ambiente como uma forma de preservação da vida, pois estão sob a tutela
do Estado, que os protegem, teoricamente, dos ataques dos inimigos.
Os ataques e rebeliões são vistos como uma forma de reter algum sentido para a
individualidade dos sujeitos que, somadas e articuladas, gera o sentimento de união e
solidariedade nos membros, os quais não aceitam se submeter às políticas de repressão do
Estado.
Precisamos compreender esse fenômeno a partir da ideia de que os presos, estando num
ambiente de grande vulnerabilidade, como são as prisões brasileiras, eles encontram na rebelião
as maiores chances de sucesso para conseguir sua liberdade, apesar dessas conturbações
diminuírem as chances para progredir de regime (ZEHR, 2008).
De acordo com as vulnerabilidades dos presos do país e o seu contexto de
conflituosidade, as chances para se conseguir a liberdade são maiores se submetendo ao sistema
jurídico das facções criminosas (fugas) do que submeter-se às normas estatais.
As políticas públicas voltadas a conter o ímpeto das ações das facções criminosas vêm
se restringindo ao combate, no sentido de guerreá-las, uma “cruzada” estatal em detrimento de
políticas estratégicas que, além de conter esse fenômeno, atue respeitando os direitos humanos
dos envolvidos, tanto dos que praticam infrações, quantos dos que combatem (agentes da
segurança pública).
Não podemos negar, pois, que “há fortes evidências de que o encarceramento em massa
associado ao propósito de contenção rigorosa das lideranças dos grupos criminosos organizados
tem produzido efeitos adversos” ao passo que “estimula agudas percepções de injustiça entre
os presos, favorecendo e legitimando reações violentas arquitetadas pelas lideranças”
(ADORNO; SALLA, 2007, p. 23) e com a “camaradagem” do Estado por meio dos seus
agentes.
Diante disso, as facções criminosas se portam em posição de batalha, preparadas para
combater os inimigos: facções rivais e o Estado, nas pessoas dos seus agentes. Nesses
momentos de turbulência social, “polarizam as distinções e oposições entre ‘nós’ e ‘eles’, entre
os assumidos como injustiçados e os outros, considerados seus opressores e inimigos”
(ADORNO; SALLA, 2007, p. 24). Precisamos enxergar o problema de forma complexa, a parte
e o todo, tecido tudo junto.
Hoje, esses conflitos envolvendo facções criminosas e Estado vêm ganhando outras
proporções, não se expressando como outrora em que os sujeitos exigiam melhorias no sistema
34

prisional. Há novos interesses, o de mercado e domínio do território, vindo à tona sempre que
alguma política estatal coloque em xeque o domínio desses grupos, pois mudanças bruscas
podem comprometer e desestabilizar o controle do mercado criminal.
Com receio de ataques, eles articulam suas ações sempre preparados para defender os
interesses do seu respectivo grupo, agindo como “soldado” defensor da sua pátria. É uma
atuação de sobreaviso dos membros das facções. Aqui, cabe o ditado que está presente no
mundo do crime e conseguimos identificar nos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa no Centro Educacional Mossoró: “bandido não dorme, bandido cochila”
(ADOLESCENTE 1, 17 anos).
Os direitos humanos estão imbricados com esse fenômeno das ações e reações que
envolvem as facções criminosas, havendo grupos que os defendem e grupos que os criticam.
Mas, diante de crises como essa, acreditamos que os direitos humanos devem ser utilizados
como parâmetro para medir a que nível se encontra a democracia de um país (AZEVEDO,
2005), o que perpassa por diferentes contextos, econômicos, políticos, sociais, culturais e
jurídico.
Nesse cenário, surgem novos paradigmas que negam os direitos humanos em nome de
uma “limpeza” da criminalidade pela via do extermínio. Se fizermos uma pesquisa de opinião
no país, temas como: revogação do estatuto do desarmamento, possibilidade de pena de morte
e prisão perpétua receberão apoio maciço da população. Isso se deve muito ao aumento da
criminalidade, sentimento de impunidade e a sensação de insegurança nos grandes centros.
Hoje, as redes sociais e os veículos de comunicação de massa, contribuem para o aumento da
sensação de insegurança, que é muito maior do que a insegurança propriamente dita
(BAUMAN, 2009).
Esses grupos reforçam o sentimento popular de que a saída para a diminuição da
criminalidade é se utilizar da violência estatal. Com esse discurso, eles articulam campanhas
que combatem os direitos dos indivíduos que se encontram presos. Nessa seara, os direitos
humanos são “qualificados como privilégios conferidos a bandidos em uma sociedade onde o
‘homem de bem’, trabalhador honesto, não tem a proteção das leis, das políticas sociais e do
poder público” (ADORNO, 2000, p. 134).
Há uma evidente polarização das ações. Para alguns, é preciso encarar o problema da
criminalidade respeitando os direitos humanos. Para outros, a política de direitos humanos serve
para fomentar a impunidade e arregimentar a prática de crimes, necessitando, com isso, de uma
política enérgica e exterminadora contra esses grupos criminosos.
35

Entre a vontade da maioria e a defesa dos direitos humanos do cidadão, agindo


constitucionalmente, defendemos que a Constituição deve ser o remédio para a maioria da
população brasileira que propaga ódio e tem sede de vingança, buscando exterminar esse
segmento da sociedade que são os sujeitos que praticam ilícitos. Ser contra a vontade da maioria
para garantir direitos aos cidadãos pela via constitucional, não é ser antidemocrático, mas “se
trata da melhor maneira de proteger os direitos humanos, condição prévia essencial para um
verdadeiro governo de todos os cidadãos” (DWORKIN, 2001, p. 162).
Portanto, o presente capítulo buscou compreender como se deu o processo de
constituição das facções criminosas dentro do contexto prisional, onde predomina um
pluralismo jurídico em que, ora afirma, ora nega as noções de direitos humanos em razão da
repressão e precarização, vistas, pelo Estado, como a melhor alternativa para solucionar os
problemas que envolve criminalidade e segurança pública.
36

2 O PERCURSO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

No capítulo anterior, analisamos a estreita relação existente entre os códigos jurídicos


do Estado democrático de direito e das facções criminosas, o contexto em que as facções
criminosas emergiram, bem como a repressão estatal e as respostas facciosas a essa estratégia
utilizada para se atingir a pacificação social. Neste capítulo, abordaremos as repercussões dos
aspectos históricos-normativos acerca dos direitos da criança e do adolescente.
As primeiras discussões acerca dos direitos da criança e do adolescente, no Brasil, não
remontam um passado longínquo. Quando se iniciaram os debates, viu-se a necessidade de se
ter uma nova forma de olhar, pensar e tratar esse segmento da sociedade. Diante desse contexto,
a via jurídica surgiu como uma ferramenta hábil para se reconhecer as peculiaridades e
vulnerabilidades das crianças e adolescentes. O problema foi que limitaram os problemas da
adolescência à ordem normativa. Essa abordagem, a cada dia, demonstra-se insuficiente para
efetivar as demandas existentes, o que gera reflexo nos processos decisórios voltados a essa
população, tanto de cunho jurídico quanto político.
Nos debates sobre a maioridade penal, a capacidade de discernimento dos sujeitos é
acompanhada de definições como “vulnerabilidade” e “estágio peculiar de desenvolvimento”.
Ora considera que o parâmetro etário de responsabilização penal se remete às condições
biopsíquicas, ora essa imputabilidade é vista como uma resposta de política criminal ou
socioeducacional, eminentemente normativa. Há, também, quem acredite que, até mesmo o
exercício da cidadania, por meio do sufrágio, pode ser utilizado como parâmetro comparativo
para uma responsabilização criminal da criança e do adolescente. Porém, partiremos de outro
viés, que busca romper com esse paradigma.
O processo de reconhecimento desses direitos das crianças e dos adolescentes reflete
uma construção histórica e sociocultural. Nesse sentido, acreditamos que “os direitos do homem
são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria
emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem” (BOBBIO,
2004, p. 31).
Com efeito, a desproteção e marginalização desses indivíduos, são reflexos da política
assistencialista europeia que foi imprintada5 no país. Baseada nos ideais do modelo de produção

5
Morin preceitua que “o imprinting é um termo proposto por Konrad Lorenz para dar conta da marca indelével
imposta pelas primeiras experiências do animal recém-nascido (como ocorre com o filhote de passarinho que, ao
sair do ovo, segue o primeiro ser vivo que passe por ele, como se fosse sua mãe)” (MORIN, 2000, p. 28).
37

econômico europeu da época (efervescência do capitalismo industrial), essa política repercute,


até hoje, no Brasil, com a falta de investimentos na área social, sobretudo no que tange a
assistência à criança e adolescente.
Historicamente, a adolescência foi colocada em segundo plano, numa cultura impositiva
do homem adulto, viril, do “macho”. Porém, na contemporaneidade, o segmento jovem, em
comparação com outrora, vem ganhando espaço nos processos decisórios, principalmente no
momento de turbulência social, isso porque “sempre as jovens gerações que estiveram à frente
dos movimentos revolucionários: 1830, 1848, 1871 na França, depois o outubro de 1917, o
outubro polonês e a revolução húngara de 1956, a insurreição argelina de 1964, etc” (MORIN,
1997, p. 147). Poderíamos acrescentar o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
que lutou pela redemocratização do Brasil, no final da ditadura militar, em 1985.
Nesses espaços de conquistas, sempre houve reação por parte do Estado que se utiliza
do argumento “em defesa da instituição familiar” para institucionalizar os sujeitos, dominar,
suprimir direitos e negar a existência das classes menos favorecidas, como nos casos das
crianças e adolescentes (MORIN, 1997).
Por isso, é de fundamental importância analisarmos esse momento social das crianças e
adolescentes por diversas facetas: jurídica, social, econômica, política, sem, sobretudo, negar
as singularidades do seguimento social que fazia parte desse momento histórico, buscando uma
compreensão complexa das “relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e seu contexto,
as relações de reciprocidade todo/partes: como uma modificação local repercute sobre o todo
e como uma modificação do todo repercute sobre as partes” (MORIN, 2003, p. 25).
O fim do período escravocrata no Brasil trouxe grande preocupação em buscar novas
ideias para o progresso da nação. Necessitávamos fugir das amarras europeias difundidas
mundialmente como parâmetros a serem seguidos. Precisávamos construir um novo país dentro
da realidade local, mas sem esquecer o global, pois “o enfraquecimento de uma percepção
global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade – cada um tende a ser responsável
apenas por sua tarefa especializada –, bem como ao enfraquecimento da solidariedade”
(MORIN, 2003, p.18).
Uma das consequências foi que as capitais, São Paulo e Rio de Janeiro, depararam-se
com um boom populacional, recebendo pessoas de outras regiões do Brasil, sobretudo da região
norte nordeste. Esse fenômeno ficou conhecido como êxodo rural - saída de pessoas da zona
rural com destino aos grandes centros da região sul e sudeste -.
Essa entrada desenfreada de pessoas nas duas das principais cidades do país e o não
acompanhamento infraestrutural das cidades, gerou um problema social que até hoje se
38

perpetua: ausência de habitação digna. O crescimento urbano era desordenado e incontrolável,


“muitas pessoas habitavam conglomerados urbanos em periferias empobrecidas materialmente,
habitavam verdadeiros cortiços” (LIMA; VERONESE, 2012. p.15).
Diante dessa situação, os novos habitantes começaram a concorrer postos de trabalhos.
Começava a surgir a figura do trabalho assalariado, mas com a roupagem do trabalho escravo.
Eram os mesmos escravos de outrora, caracterizado e estereotipado pela cor, serviço, exaustivas
jornadas de trabalho e baixos salários. Uma escravidão velada. Apesar dos direitos desses
trabalhadores serem reconhecidos formalmente, não eram efetivados, eram simbólicos. A mera
formalidade jurídica reinava e o trabalho escravocrata seguia sem maiores preocupações.
Com essa escravidão velada, as crianças, filhas dos trabalhadores, não tinham
convivência familiar, restando abandonadas por uma família vulnerável, um Estado negligente,
e uma sociedade indiferente. Era urgente encontrar uma solução para o abandono e desproteção
desses sujeitos.
Uma das alternativas encontradas ao abandono foi o trabalho infantil. As crianças
passaram por um processo de etiquetamento6 sem precedente, devendo se enquadrarem nos
ideais republicanos da época e criar uma cultura de pessoas trabalhadoras dentro dos parâmetros
traçados pelo Estado. Entretanto, nem toda criança preenchia os requisitos para desempenhar o
trabalho, tinha que mostrar força de trabalho e se enquadrar nos ideais de produção da época
(LIMA; VERONESE, 2012). Com isso, mesmo com essa política de trabalho infantil, o
abandono era muito intenso no Rio de Janeiro e São Paulo.
O Estado se mostrou incapaz de encontrar respostas satisfatórias e traçar estratégias para
solucionar “a situação de milhares de crianças e adolescentes que viviam em condição de
abandono, assim como não houve uma política social capaz de atender adequadamente as
famílias e retirá-las da condição de extrema pobreza e de vulnerabilidade social” (LIMA;
VERONESE, 2012, p. 17).
Era visível a quantidade de crianças abandonadas nos grandes centros do país
(MARCÍLIO, 1997). Com isso, a política adotada pelo Estado buscou, a qualquer custo, criar
instrumentos que diminuíssem os índices de crianças abandonadas nos centros urbanos. Foi
dentro desse contexto que sugiram as instituições denominadas “A Roda dos Expostos” e
“Institutos Disciplinares”.

6
Sobre essa teoria, podemos observar que “os teóricos do etiquetamento defendem a importância de se estudar o
processo de definição por meio do qual a sociedade interpreta um comportamento como desviado ou reage a ele”
(ARAÚJO, 2010, p. 78).
39

Após essa breve explanação, analisaremos os elementos históricos-normativos da


infância e juventude no Brasil, partindo da transição do império, passando pelo período
republicano, até chegar ao paradigma da doutrina da proteção integral, preconizada na Lei 8.069
de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

2.1 A RODA DOS EXPOSTOS E SEUS EFEITOS REVERSOS

No Brasil Colônia e Brasil Império, as crianças abandonadas eram tachadas como


“expostas” ou “enjeitadas”. A ideia era expor e estereotipar as crianças com enjeitamentos para
justificar sua entrega às igrejas ou conventos. Essas rodas foram difundidas por todo o país,
tendo como instituições acolhedoras as Santas Casas de Misericórdia.
As rodas, como ficaram conhecidas, instalaram-se no Brasil seguindo as mesmas
características das rodas portuguesas, ou seja, a mesma ideia implementada em culturas
diferentes, o que se caracterizou como uma imposição europeia. As primeiras cidades a receber
as instalações dessas rodas foram: Salvador, Rio de Janeiro e Recife (MARCÍLIO, 1997).
Dentre outros objetivos dessas instituições, predominava o de diminuir os índices de abandono
de crianças, ampará-las nas casas de misericórdia, bem como incentivar as mães carentes a
trabalharem e se distanciarem da prostituição e “vadiagem”.
Ao que se propunham, as Rodas dos Expostos não foram eficientes, causaram um efeito
reverso, pois houve um aumento da rejeição e desproteção, tanto das mães, quanto dos filhos
expostos (MARCÍLIO, 1997). O Estado não conseguiu assistir às crianças e as mães não
conseguiram inserção no mercado de trabalho, encontrando na prostituição a sua principal fonte
de renda.
A estrutura das rodas dos expostos era precária, sem as mínimas condições para recrutar
crianças, tornando-se um grande foco de mortalidade infantil. Por predominar as concepções
capitalistas da época, com resquícios da escravatura, a maioria das crianças abandonadas nessas
instituições eram do sexo feminino, pois os homens representavam força de trabalho, mas não
eram todos, havia uma categorização dessas crianças de acordo com sua virilidade. As mulheres
eram estereotipadas como improdutivas e ineficientes, restringindo-se, quando disponível, aos
trabalhos domésticos (LIMA; VERONESE, 2012).
Essa política de institucionalização nas Rodas dos Expostos das crianças obedecia aos
ideais capitalistas. Assim, as crianças direcionadas às instituições eram, relativamente, uma
40

minoria, isso porque o Estado necessitava de mão-de-obra barata e produtiva, características


não encontradas nas crianças devido, sobretudo, ao seu porte físico.
Diante disso, seguindo o modelo de produção escravocrata, a compra de um escravo
adulto era mais viável financeiramente do que criar uma criança. Com isso, grande parcela das
crianças do sexo masculino que entravam nessas instituições eram provenientes dos senhores
de escravo. Em outras palavras, não era rentável “criar” uma criança para que, posteriormente,
viesse a contribuir de forma satisfatória na produção.
Soma-se a isso o fato de que as mães escravas não queriam ver seus filhos escravizados
e os colocavam nas Rodas dos Expostos para tentar livrá-los da escravidão (TRINDADE,
1999). Já os pais, abdicavam do pátrio poder acreditando que o papel desenvolvido pelo Estado
na criação dos seus filhos seria mais eficiente do que a convivência familiar, cultura essa que
até hoje tem reflexo na sociabilidade das crianças e adolescentes no país.
Após entrar para as Rodas dos Expostos, a convivência familiar era cessada. Essa cultura
de abandono predominou nas famílias que não queriam fugir dos padrões morais e éticos da
época. Diante disso, os filhos que eram tidos fora do casamento servia como pressão nas “mães
solteiras”, as quais viam no abandono a melhor alternativa para fugir da coerção social.
Esse moralismo se fazia presente na sociedade da época porque grande parte das
instituições sociais eram subsidiadas pelo Rei, sobretudo porque as verbas que o soberano
direcionava a essas instituições eram provenientes de doações de pessoas ligadas à igreja. Em
contrapartida, a igreja católica tinha forte influência nas tomadas de decisões, inclusive nas
questões morais vistas anteriormente (LIMA; VERONESE, 2012).
Após saírem das Casas de Misericórdia, as crianças deveriam restituir, através do
trabalho, os gastos que Estado teve durante o período que ela passou na instituição. A criança
começava a desenvolver o sentimento de trabalhador, impulsionada a agir de acordo com os
interesses do Estado: educar-se para trabalhar, trabalhar para servir ao Estado (VENÂNCIO,
1999).
A inserção no mercado de trabalho tornou-se uma preocupação do Estado, afinal,
perguntava-se quem iria recrutar essas crianças após sua saída das Rodas dos Expostos. Uma
alternativa foi a doação das crianças a famílias substitutas, que passaram a ser principal destino
desse segmento da sociedade. Dentro dessas famílias havia uma nítida divisão de trabalho de
acordo com o sexo da criança. “No caso dos meninos – de algum ofício ou ocupação (ferreiro,
sapateiro, caixeiro, balconista, e outros) e, no caso das meninas, como empregadas domésticas”
(MARCÍLIO 1997, p. 73). Ou seja, os meninos adquiririam uma profissão e as meninas eram
preparadas para servir às famílias.
41

A experiência com as Rodas dos Expostos não foi das melhores, aumentou o índice de
abandonos e a taxa de mortalidade infantil dentro das instituições elevou. Não haviam políticas
públicas voltadas à infância, existindo, portanto, uma forma de maquiar e diminuir o número
de crianças abandonadas a custo de um recrutamento irresponsável do Estado em nome de uma
política seletiva de higienização social (MARCÍLIO, 1997). Essa política de “limpeza” adotada
pelo Brasil, baseada no movimento higienista europeu do século XVIII e XIX, foi o que
potencializou a extinção das Rodas de Expostos.
Porém esse movimento higienista não foi num todo satisfatório, pois partiu de um viés
de categorização das crianças e adolescentes, contribuindo para que emergisse um preconceito
contra esse segmento da sociedade, fosse pela cor, sexo ou classe social.
Por muito tempo, acreditou-se que a extinção das Rodas dos Expostos estava
diretamente ligada aos elevados índices de mortalidade infantil. Porém o que acarretou o
fechamento dessas instituições foi o desperdício de mão-de-obra com as crianças
institucionalizadas.
Diante desse cenário, extinguem-se as Rodas dos Expostos do país após a aprovação do
Código de Menores de 1927, o qual foi reflexo de amplos debates dos juristas da época. Com a
extinção das Rodas, as crianças e adolescentes ficaram, novamente, abandonadas, voltando a
ser caracterizados como enjeitados e abandonados. A preocupação com a questão social que
envolvia a criança e adolescente voltou à tona, já que havia um elevado número de crianças que
perambulavam pelas ruas das cidades do país.

2.2 INSTITUTOS DISCIPLINARES: PRIMEIROS PASSOS PARA UMA POLÍTICA DE


ENCARCERAMENTO DOS ADOLESCENTES

Com o fim das Rodas dos Expostos, temos o surgimento de um novo grupo na
sociedade: adolescentes infratores (MARCÍLIO, 1997). De uma maneira insólita, o surgimento
do “adolescente infrator” foi comemorado, pois, mesmo que de forma negativa e estereotipada,
eles passaram a ser notados, não sendo mais invisíveis socialmente como outrora. Com o
surgimento do Código de Menores (1927), o adolescente passou a ser visto como um agente de
transformação social, mesmo sendo uma transformação negativa, às custas de práticas ilícitas.
Porém, essa era uma maneira de reivindicar, inconscientemente, seus direitos que foram
negados historicamente.
42

As políticas estatais de assistência juvenil não foram suficientes para o modelo de


Estado que se buscava. As crianças abandonadas poderiam ser uma ameaça a esse projeto que
se desejava construir. A meta era encontrar respostas satisfatórias e romper com a cultura
assistencialista e segregacionista que o Estado vinha praticando com esse segmento da
sociedade. Nem mesmo a articulação entre as igrejas, sociedade civil e demais entidades,
juntamente com instituições financiadas pelo Estado, não foram capazes de diminuir o número
de crianças e adolescentes em situação de abandono.
A partir desse momento, o Estado reconhece a necessidade de criar políticas públicas
ou qualquer outra alternativa que fosse capaz de diminuir o quantitativo de crianças e
adolescentes abandonados. Porém, essa área não era prioridade dentro do governo, não havia
orçamento para gastar com essa parcela invisível da sociedade.
Sem políticas estratégicas, o Estado começou a desenvolver um processo de
estereotipização das crianças, tachando-as como “sem casa”, “sem pais”, “marginais”,
“favelados”, “perigosos” dentre os adjetivos estigmatizantes. O intuito era “encontrar
mecanismos de coerção que atuassem sobre a infância, separando o ‘joio do trigo’, ‘salvar’
aqueles que tinham potencial e pô-los a trabalhar e imobilizar os que se mostravam renitentes”
(RIZZINI, 1997, p. 171 apud LIMA; VERONESE, 2012, p. 26).
No campo do direito, os juristas da época começaram a formular propostas para conter
o aumento da violência urbana, sendo que as crianças e adolescentes passaram a ser
considerados os vilões do aumento da criminalidade que assolava os grandes centros. Nesse
cenário, “entre as preocupações, falava-se com insistência na vagabundagem e mendicância
como ‘vícios’ a serem corrigidos” (ADORNO, 2010, p. 3). É com esse clamor social por mais
segurança que, em 1902, por meio da lei 844, o governo autorizou a criação dos Institutos
Disciplinares.
Guardadas as proporções, os Institutos Disciplinares consistiam no que denominamos,
hoje, de Centros Educacionais, onde adolescentes que praticaram atos infracionais cumprem
medidas socioeducativas. Assim como hoje, crianças e adolescentes em situação de abandonos,
etiquetados como delinquentes, eram enviadas aos institutos via decisão judicial.
Fazendo um comparativo, hoje, os adolescentes que cometem ato infracional,
dependendo da gravidade do ato, são direcionados aos centros educacionais mediante sentença
judicial. Não são raras as decisões fundamentadas no Direito Penal, tratando a questão da
infância como política criminal. Faz-se uma equivocada “dosimetria do ato infracional”, o que
não há previsão legal. Isso resta presente porque “as leis penais, destinadas em grande parte a
uma classe da sociedade, são feitas por outra”, sendo que “quase a totalidade dos delitos,
43

sobretudo de certos delitos, é cometida pela parte da sociedade à qual o legislador não pertence”
(FOUCAULT, 2015, p. 22).
Colocar as crianças para trabalhar dentro dos institutos era uma forma de educar e ao
mesmo tempo regenerar, retirando-as da criminalidade e inserindo-as no mercado de trabalho.
Buscava-se desenvolver uma cultura do trabalho dentro das instituições, “tentava-se a todo
custo incutir naquelas mentes, hábitos de produção e convívio aceitáveis pela sociedade que os
rejeitava” (SANTOS, 2008, p. 224 apud LIMA; VERONESE, 2012, p. 27).
O trabalho infantil dentro dos Institutos Disciplinares foi utilizado como ferramenta de
controle social dos sujeitos que se encontravam em vulnerabilidade social. Era necessário
encarcerar e tirar algum proveito do corpo dessas crianças e adolescentes, pois “o corpo só se
torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso” (FOUCAULT, 2014,
p. 29).
Preferiu-se investir na profissionalização de crianças e adolescentes dentro dos
Institutos Disciplinares a dar condições de trabalho a seus pais, já que eles sofriam com o
desemprego e não existiam programas sociais no Brasil que incentivassem a geração de
emprego. Também, “não havia no país uma política social capaz de dar suporte as famílias
pobres e auxiliá-las materialmente na criação dos seus filhos” (SANTOS, 2008, p. 224 apud
LIMA; VERONESE, 2012, p. 27-28).
Percebendo que um elevando índice de desemprego das pessoas mina qualquer plano
de governo, viu-se a necessidade de enfrentar a ociosidade dos sujeitos, principalmente de quem
vivia sob a tutela do Estado nos presídios e centros educacionais. Num país de matriz
escravocrata, ele era e ainda é visto como um dos grandes desafios para o Estado, pois “atrás
dos delitos de vadiagem, há a preguiça; é esta que se deve combater” (FOUCAULT, 2014, p.
104).
Não podemos negar que o trabalho era dado às crianças e adolescentes como
subterfúgios para mantê-los sob controle e justificar a negação dos seus direitos. Mas, diante
das vicissitudes postas, a ideia de capacitar os sujeitos que praticaram ilícitos para competir no
mercado de trabalho era excelente, um desejo social contemporâneo. Sem a efetivação dessa
política de trabalho as crianças e adolescentes se tornaram reclusas e reféns de um sistema
precário, insalubre, degradante e desumano.
Nesses institutos, ao passo que o trabalho contribuía para a ressignificação dos valores
sociais dos sujeitos, a repressão era tida como a melhor solução para conseguir diminuir os
índices de criminalidade e atender os interesses das classes dominantes da época.
44

É importante observar que jamais “teremos sucesso trancando os mendigos em prisões


infectas que são antes cloacas [será preciso obrigá-los ao trabalho]. Empregá-los é a melhor
maneira de puni-los” (FOUCAULT, 2014, p. 104). Por outro lado, não podemos admitir o
trabalho como uma pena retributiva, como um pecado ou enquanto suplícios, assim ele perde o
viés de ressocialização e ganha uma roupagem escravocrata, “ou seja, o trabalho forçado e
público” (FOUCAULT, 2015, p. 64).
A política estatal desenvolvida à época era meramente assistencialista, não se investia
em políticas públicas que buscassem a emancipação das crianças e de suas famílias, sendo que
a institucionalização foi prática recorrente no país. Caso a família não tivesse condições de dar
assistência psíquica e financeira aos seus filhos, o Estado se prontificava em exercer tal papel,
acautelando-os e retirando-os da convivência familiar e comunitária. Essa prática não trouxe
resultados satisfatórios, culminando numa internação em massa de crianças e adolescentes sem
que o Estado tivesse condições de atendê-los.
Com as Rodas dos Expostos e Institutos Disciplinares, criou-se um grupo de pessoas
que até hoje habitam as periferias do país, sendo esse mesmo grupo o principal alvo das políticas
de supressão de direitos praticadas pelo Estado: negros, pobres e analfabetos os quais,
historicamente, tiveram seus direitos negados (ADORNO, 2010). Essa política do Estado se
expressa, ora por ação, ora por omissão.
Era necessária uma nova concepção de assistência a esse segmento da sociedade, de
modo a buscar uma responsabilização solidária entre o Estado, família e sociedade civil. Para
tanto, foi necessário passar pela concepção menorista trazidas pelos códigos de menores de
1927 e 1979, que abordaremos no próximo ponto.

2.3 DO MENORISMO7 À PROTEÇÃO INTEGRAL

Antes da Doutrina Menorismo de 1927, almejando assistir e proteger os ditos “menores”


e delinquentes abandonados, surgem algumas disposições legais fundamentadas no sistema
criminal. É nesse contexto que foi criado o primeiro juizado de menores do Brasil. Tratava-se

7
Essa nomenclatura remonta à ideia de inferioridade e de um sujeito subversivo. Por isso, ao longo do nosso
trabalho, não utilizaremos o termo “menor” e suas derivações, de modo a tentar romper com essa concepção.
Porém, é inevitável a sua utilização quando formos abordar a Doutrina Menorista, termo amplamente citado e
reconhecido social e juridicamente à época.
45

do Juizado Privativo de Menores, uma instituição que se voltava aos interesses de menores
abandonados. Posteriormente, no ano de 1925, inicia-se uma nova fase na política de assistência
que ficou conhecida como a “judicialização da assistência”, em que foi criado o Conselho de
Assistência de Menores.
O que existia no país até 1927 eram leis esparsas sobre a infância e juventude. Diante
disso, um juiz do Rio de Janeiro, chamado de José Cândido de Albuquerque de Mello Mattos,
compilou essas leis e criou um instrumento normativo que, em 12 de outubro de 1927, por meio
do decreto número 19.934-A, entrou em vigor e passou a ser chamado de “Código de Menores”,
ou, Código de Mello Mattos. Inaugurava-se a fase do menorismo no Brasil.
Essa concepção menorista adotada no Brasil faz o adolescente aparecer na “ordem
jurídica como ser tutelado, reduzido, dependente das iniciativas da sociedade adultocêntrica no
campo do pátrio poder, da assistência filantrópica e do controle social” (ADORNO, 2010, p.
3).
O código de Mello Mattos veio para positivar e fundamentar juridicamente os
estereótipos dos sujeitos que foram propagados socialmente e vivenciados pelas crianças e
adolescentes durante anos. Nomenclaturas como: “menor”, “delinquente” e “abandonado”
passaram a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro. Os parâmetros foram traçados e, para
se enquadrar neles, era necessário dispor de algumas (in)competências, dentre elas: não ter
habitação definida, ser órfão, não possuir responsável pela sua guarda ou tutela, não ter
condições de subsistência (LIMA; VERONESE, 2012).
Ser pobre era sinal de que o Estado poderia intervir na convivência familiar e
comunitária das crianças e adolescentes. Cada dia mais, percebia-se que a instituição Estado
estava intervindo na instituição Família. Com a ausência de políticas públicas de distribuição
de renda e geração empregos, o Estado precisou encontrar um vilão para a situação de abandono
das crianças e adolescentes, e, assim, fê-lo. Passou a culpar os próprios jovens pela negligência
estatal e responsabilizá-los pela sua situação de abandono. Diante disso, a solução encontrada
foi interná-los para dar uma resposta aos problemas da criminalidade, reflexo da “vadiagem” e
“delinquência” dos sujeitos que há anos passam por um processo de coisificação.
Não haviam parâmetros jurídicos-sociais definidos para a internação das crianças e
adolescentes, o fundamento era genérico e abrangente, baseado na cor e na posição social. Essa
cultura se perpetua até hoje, resultando numa política de encarceramento em massa, que reflete
não só no sistema penitenciário, mas em toda sociedade. Assim, “a restrição à liberdade sempre
consistiu de recurso à mão das autoridades dispostas a empregá-lo mesmo nas situações de
menor gravidade ou de menor perigo à ordem pública” (ADORNO, 2010, p. 4). É diante desse
46

contexto que mais as facções criminosas se fortalecem, sendo o encarceramento em massa um


dos seus principais fatores que retroalimentam o grupo.
Com a implementação do primeiro Código de Menores, em 1927, volta-se a defender a
tese na qual internar crianças e adolescentes era buscar salvá-los pelo trabalho, caracterizando-
os como vilões dos problemas sociais, como o Estado tinha feito outrora. Essa seria a melhor
resposta à sociedade que convivia com a insegurança diuturnamente. Voltamos a praticar o
mesmo erro da política seletiva de encarceramento, contudo

esta estratégia político-institucional parece ter surtido seus efeitos. Entre fins
da década de 1930 e início e o curso dos anos 1960, parecem ter se arrefecido
as inquietações públicas e coletivas para com o problema do “menor”. Elas
não abandonam completamente o espaço público, porém se convertem, na
maior parte das vezes, em problemas pertinentes aos especialistas, pouco
interessando públicos mais amplos. Na imprensa periódica, vez ou outra, o
assunto é veiculado. Porém, não desperta muita atenção, não suscita grandes
alardes, é mesmo tratado como curiosidade, como um problema particular de
alguns “menores” desprovidos de família e, por conseguinte, carentes da “boa
educação” que poderia torná-los seres aptos para o convívio social em uma
sociedade socialmente percebida como pacificada (ADORNO, 2010, p. 4).

O código de 1927 carregava resquícios de uma cultura punitivista, baseada no Direito


Penal do Inimigo8, predominando a concepção de justiça retributiva, em que conseguir que os
sujeitos recebam a punição que merecem era a melhor resposta à criminalidade (ZEHR, 2008).
Porém, observamos inovações trazidas pelo código, principalmente no sentido de dar
cunho pedagógico às medidas de internação das crianças e adolescentes, rompendo, pelo menos
neste sentido, com os ideais punitivistas e segregacionistas das “Medidas de Assistência e
Proteção”, como eram chamadas o que conhecemos hoje por medidas socioeducativas.
É importante observar que esse código não só contemplava adolescentes com idade
inferior a 18 anos que cometessem ato infracional, mas, também, adolescentes que se
encontrassem em vulnerabilidade socioeconômica, ou seja, os que estivessem em “situação
irregular”.

8
Dialogando com as ideias de Günther Jakobs, Ramon Rebouças Nolasco de Oliveira define: “em linhas gerais,
sucintamente, o direito penal do inimigo considera que determinados seres humanos não merecem proteção
jurídico-legal semelhante a outros, pelo fato de características da personalidade do agente (inimigo) o constituírem
como perigoso para o bem-estar social e, por isso, se torna digno de tratamento penal diferenciado” (OLIVEIRA,
2016, p. 106).
47

A política de institucionalização das questões da infância e juventude não foi suficiente


para dirimir os problemas das ilicitudes praticadas pelos adolescentes em situação de
vulnerabilidade. Nas instituições de internação, controladas pelos Juizado de Menores, não
havia reeducação, fato que acarretou uma superlotação desses ambientes, muito se devendo à
ineficiência do serviço público. Soma-se a isso o fato de que os institutos de apoio não
chegavam aos locais de maior demanda: as periferias empobrecidas materialmente do país. As
instituições se concentravam nos grandes centros (LIMA; VERONESE, 2012).
Com o fracasso das instituições, buscam-se outros meios para o Estado acautelar essas
crianças e adolescentes. No ano de 1942, editado pelo Decreto n. 3.779, foi criado o Serviço de
Assistência a Menores (SAM), que tinha como principal objetivo prestar assistência a “menores
infratores e desvalidos”. Esse serviço recebeu grandes críticas por seu viés coercitivo e violento.
O SAM não rompeu com o paradigma pedagógico repressivo. A educação, de acordo com a
política do SAM, deveria ter coerção, hierarquia e disciplina como força motriz do processo
pedagógico nas unidades de internação de crianças e adolescentes do país.
Entretanto, sabemos que “A EDUCAÇÃO deve contribuir para a autoformação da
pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão”
(MORIN, 2003, p. 65).
O SAM ruiu e foi preciso buscar outros meios de atendimento a crianças e adolescentes.
Romper com a cultura assistencialista das instituições era um desafio. Reconhecer os direitos
não era mais suficiente, precisávamos efetivá-los, tanto com aporte jurídico, quanto
assistencialmente através de políticas públicas que reconhecessem o estágio peculiar de
desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Diante desse contexto, em 1964, foi aprovada a Política Nacional do Bem-Estar do
Menor (PNBEM). Essa política extinguiu o SAM e, em âmbito nacional, por meio da Lei nº
4.513/1964, criou-se a Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Com essa fundação,
objetivava, mais uma vez, romper com a cultura repressiva e estigmatizante das instituições,
em prol de uma abordagem pedagógica e emancipatória das crianças e adolescentes.
Como o governo não queria perder o controle dos “adolescentes delinquentes” e não
estava disposto a criar políticas públicas universalizadoras, passou a tratar esse problema como
uma questão de segurança nacional (LIMA; VERONESE, 2012). Para manter o controle das
crianças e adolescentes “delinquentes”, era preciso manter articulação com os estados, foi
quando cada estado da federação deveria criar suas Fundações Estaduais de Bem-Estar do
Menor (FEBEM).
48

Essa política de reestruturação de atendimento às crianças e adolescentes, adotada pelo


Brasil, era uma forma de prestação de contas e a ratificação, mesmo que formalmente, dos
princípios norteadores da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que reconhecia as
crianças como sujeitos de direitos. A proclamação foi feita pela Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1959.
A declaração só potencializava o simbolismo normativo que predominou no país, pois
“não alterou em nada a condição de vida de milhares de crianças e adolescentes, ao contrário,
o ordenamento jurídico brasileiro do período continuou a atuar apenas sobre os ‘menores ditos
abandonados e delinquentes’”. Soma-se a isso “uma política centralizadora e institucionalizante
que culpabilizou os próprios menores pela sua condição de pobreza” (LIMA; VERONESE,
2012, p. 38).
O código de Mello Mattos nunca atendeu às exigências dos problemas relacionados à
infância e juventude. Necessitava de uma atualização normativa, mas não era só isso. O
positivismo jurídico é capaz de reconhecer direitos, mas não tem demonstrado forças para
efetivá-los. Foi nesse contexto que, em 1979, o Novo Código de Menores foi aprovado e
revogou o Código de Mello Mattos (1927).
Com o novo código, iniciávamos uma nova fase/doutrina na área da infância e
adolescência. Rompíamos com a Doutrina Menorista e inaugurávamos a Doutrina Jurídica da
Situação Irregular. Materialmente, o código não trouxe avanços, persistindo os erros do código
anterior. A mudança mais significativa trazida pelo novo código foi que ele aumentou as
categorias de adolescentes. Os alvos deixaram de ser os “abandonados” e “delinquentes” e
passou a ser os rejeitados por sua família, vítimas de maus-tratos, os que se encontrasse-se em
perigo moral, desassistido juridicamente ou os praticassem algum desvio de conduta ou fosse
autor de infração penal (LIMA; VERONESE, 2012). As categorias, mais uma vez, eram
genéricas, possibilitando interpretação ampliativa em favor do Estado que buscava uma
“limpeza social”. Essa política potencializou o problema da superlotação nas instituições de
apoio a crianças e adolescentes.
No plano formal, os dois códigos trouxeram grandes avanços para a área da infância e
juventude, sobretudo no reconhecimento dos seus direitos, porém, não houve materialização.
As políticas públicas se restringiram a institucionalizar crianças e adolescentes, na vã pretensão
de que, por meio da coerção e da pedagogia do trabalho, ocorreria uma regeneração dos sujeitos
e a mudança dos seus comportamentos.
As concepções menoristas adotadas no país não atendiam às demandas sociais e foram
alvo críticas das organizações nacionais e internacionais. O rompimento com essas ideias e a
49

adesão à Doutrina da Proteção Integral foi reflexo, também, de uma pressão da sociedade civil
organizada. A Pastoral do Menor, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e
Movimento Criança Constituinte foram preponderante para essa mudança de paradigma.
Esses movimentos foram impulsionados e ganharam o apoio dos movimentos político
partidários que buscavam o rompimento com o regime ditatorial e a volta do regime
democrático. Com a redemocratização, avançamos, consideravelmente, na proteção das
crianças e adolescentes. Primeiro com a Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, com
a Lei nº 8.069/1990, a qual instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A Doutrina da Proteção Integral caracteriza-se pela proteção compartilhada das crianças
e adolescentes, prevista no caput do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que assegura:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Antes dessa doutrina, o Estado e a família atuavam de forma subsidiária na


responsabilização das crianças e adolescentes. Com a nova doutrina implementada, a
responsabilidade é solidária, não havendo ordem de responsáveis, sendo que família, Estado e
sociedade civil têm a obrigação de resguardar e efetivar os direitos das crianças e adolescentes.
Para regulamentar o dispositivo da proteção integral previsto na Constituição, por meio
da Lei n. 8.069 de 1990, foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto
rompe com o paradigma menorista e assistencialista presente nos códigos de menores, apesar
de ainda carregar muitos resquícios, reflexo de uma sociedade punitivista, segregacionista,
estigmatizante e repressora.
Diante disso, “o certo é que o comportamento transgressor não mais é lido pela opinião
pública informada com tolerância e condescendência, porém com recriminação e forte recusa”
(ADORNO, 2010, p. 3). Hoje, o grande desafio é a efetivação e proteção dos direitos, pois
somente a positivação, prevista nos códigos anteriores e, atualmente na Constituição Federal,
não surtiu efeito na vida das crianças e adolescentes do país.
Para orientar a política de atendimento à infância e juventude, foram criados conselhos,
norteados pelos princípios constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
50

Grande parte desses conselhos ainda existem em âmbito federal, estadual e municipal, tendo a
“finalidade de materializar as garantias advindas da Doutrina da Proteção Integral e integrar um
conjunto de ações capazes de orientar propostas; inclusive políticas públicas para que as
garantias e direitos conquistados para crianças e adolescentes (...)” (LIMA; VERONESE, 2012,
p. 121).
Ainda, por meio da Lei nº 8.242 de 1991, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CONANDA). Dentre outras competências do conselho, destaca-
se a de guiar as políticas de proteção à criança e adolescentes desenvolvidas em âmbito estadual
e municipal.
Portanto, com o advento dessa doutrina, não podemos reduzir os direitos das crianças e
adolescentes à uma abordagem jurídica-dogmática. É necessário reconhecer esses direitos,
dialogando com as trajetórias de vida desses sujeitos. Devemos evitar as compreensões
fragmentadas e atuar na efetivação desses direitos com um viés inter/transdisciplinar, pois “a
constituição de um objeto e de um projeto, ao mesmo tempo interdisciplinar e transdisciplinar,
é que permite criar o intercâmbio, a cooperação, a policompetência [dos sujeitos]” (MORIN,
2003, p. 110). É essa articulação/cooperação entre as instituições e sociedade civil que
contribuirá para o reconhecimento do estágio peculiar de desenvolvimento e efetivação dos
direitos desse segmento da sociedade.
A adolescência precisa ser compreendida como processos de construções históricas e
sociais. Hoje, o que se pretende é reduzir esse momento da vida humana a um simples hiato de
tempo existente entre a infância e à fase adulta. Nesse sentido, os sujeitos passam a ser
“esquadrinhado por uma série de discursos médicos, psicológicos, sociológicos, religiosos,
pedagógicos, jurídicos e policiais, que percorrem suas dimensões físicas, psíquicas, sexuais e
morais, buscando definir uma identidade própria” (FOUCAULT, 1975 e 1979; LEVI e
SCHMITT apud ADORNO; BORDINI; LIMA, 1999, p. 64). O adolescente precisa ser visto
na sua integralidade, sem negar nenhuma concepção acima citada, mas ecologizá-las.

2.4 BREVE ANÁLISE ACERCA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

O ECA não é um estatuto negligente quanto aos deveres das crianças e adolescentes ou
um instrumento que potencializou a impunidade, prevê direitos e deveres. As crianças e
adolescentes que praticarem ato infracional podem ser responsabilizadas de acordo com o que
51

preconiza o estatuto. Como nosso trabalho se volta aos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa no Centro Educacional Mossoró – CEDUC, abordaremos, brevemente, a
medida socioeducativa de internação.
Como assegura o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida
de internação é excepcional, devendo ser aplicada quando o ato infracional for praticado com
violência ou grave, reincidência em atos de natureza grave e em caso de descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. A internação é de responsabilidade
do Estado, não existindo, em regra, prazo determinado para seu término, exceto quando
completar 3 anos de internação ou for caso de liberação compulsória, quando o adolescente
completa 21 anos de idade. O adolescente deve ter avaliação periódica da sua medida, no
máximo, a cada 6 meses.
A medida deve ter natureza pedagógica, buscando romper com as concepções da
doutrina menorista e da situação irregular presente, respectivamente, nos códigos de 1927 e
1979, os quais possuíam natureza sancionatórias indefinidas, reinando uma discricionariedade
do Estado.
Mesmo havendo previsão legal para desenvolver atividades relacionadas à esporte,
lazer, escolarização e profissionalização, consideramos que esses instrumentos não são
suficientes para praticar uma socioeducação de qualidade com os adolescentes. Diante disso,
percebemos que o papel da família é insubstituível durante o cumprimento da medida
socioeducativa, não dispondo o Estado de capacidade substitutiva nesse ponto.
A convivência comunitária segue o mesmo raciocínio, não devendo haver somente
contato entre a população do centro educacional, mas um contato fora dos muros. Diante disso,
não resta dúvida de que “as unidades de internação perderam legalmente as características
de instituições totais, como outrora foram constituídas todas as instituições de acautelamento”
(HACHEM, 2012, p. 33). As unidades de internação têm sua função, assim como a família, a
igreja, a sociedade civil, universidades, entre outras.
Há uma forte tendência social e midiática de que os centros educacionais são as “novas
FEBEM”, locais que ficaram conhecidos como “cadeia para vagabundos mirins”. Isso se deve,
substancialmente, à cultura punitivista e segregacionista espraiada socialmente. Isso se reflete
porque “a partir do momento em que [os sujeitos] são confiscados para proveito do rei [Estado],
os vagabundos já não pertencem à ordem dos cidadãos” (FOUCAULT, 2015, p. 47).
De acordo com o Atlas da Violência, em estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2015,
houve uma diminuição de 3,3% em relação a 2014 na taxa de homicídio de jovens entre 15 e
52

29 anos, mas ainda tivemos 31.264 homicídios. Destaque para o estado do Rio Grande do Norte
que teve um aumento de 292,3% em relação a 2014. De acordo com a mesma pesquisa, de 100
pessoas vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras.
Hoje, a convivência familiar e comunitária dos adolescentes e jovens resta
comprometida, já que esses sujeitos estão indo “habitar”, precocemente, os porões das unidades
socioeducativas/prisionais. Não podemos cair na concepção de que os adolescentes devem ser
defendidos como “santos”, mas, também não podemos negar que eles aparecem mais como
vítimas do que como autores de práticas ilícitas.
53

3 AS VULNERABILIDADES DA ADOLESCÊNCIA COMO FATORES PARA A


PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL E PARTICIPAÇÃO EM FACÇÕES
CRIMINOSAS

Há muito se discutem as definições terminológicas relacionadas à criminalidade. Por


isso, é de suma importância que façamos uma breve explanação da diferença conceitual entre
crime organizado e organizações delinquenciais.
Acreditamos haver uma distinção entre crime organizado e organizações delinquenciais.
O crime organizado não habita, diretamente, as favelas do país e não penetra às rebeliões que
ocorrem no sistema penitenciário brasileiro. O crime organizado está na mais alta cúpula do
Estado, muitas vezes invisíveis socialmente, o que dificulta a sua identificação. Seus membros
são reconhecidos como doutos.
Por outro lado, o que predomina nas periferias empobrecidas materialmente, presídios
e centros educacionais, são organizações delinquenciais, sendo, atualmente, uma das principais
espécies desse gênero, as facções criminosas. Seus membros são vistos como: “soldados do
crime organizado”, “buchas de canhão” ou “testa de ferro”.
Essas organizações delinquenciais são combatidas veementemente pelo Estado
opressor, já que as forças oficiais sabem onde elas desenvolvem suas atividades. Esses grupos
são alvo de uma política repressiva e imediatista praticada pelo Estado que necessita dar uma
resposta satisfatória à sociedade quando os índices de criminalidade aumentam
(BALESTRERI, 2010).
Partindo dessa concepção, percebemos, nos discursos dos adolescentes que cumprem
medida socioeducativa de internação no Centro Educacional Mossoró (CEDUC), que eles não
demonstram capacidade material e cognitiva que os habilitam a serem considerados como
membros de uma organização criminosa.
Vemos que, também, a facção da qual eles têm simpatia, não os consideram como
sujeitos capazes de fazer parte, efetivamente, da organização delinquencial, pois o que atesta o
pertencer a determinada facção, é o batismo, e isso, hoje, é proibido nos termos do código de
conduta do grupo.
Não podemos acreditar que as facções criminosas atuam como organização paralela ao
Estado. Com efeito, “sob inspiração dos filmes de Hollywood, imagina-se que o Crime
Organizado dispõe de regras próprias, execuções rápidas e violentas e julgamentos internos,
54

tudo de forma a substituir os três poderes estatais, de criar as leis, executá-las e julgá-las”
(LUCAS, 2007, p. 111).
Diante da complexidade que envolve essa relação estre Estado e facções, não podemos
considerá-las e restringi-las a organizações paralelas, pois é notório que essa atuação se dá por
meio de agentes estatais, ora reprimindo, ora buscando equilibrar as forças de poder entre
Estado e facções, numa verdadeira relação simbiótica (SHIMIZU, 2011).
O crime organizado se expressa de várias formas. Para tanto, acreditamos que a
“natureza do crime organizado é transversal, não é paralela. Se o crime organizado fosse o tal
‘estado paralelo’ de que se fala, conseguiríamos identificá-lo e combatê-lo com muito maior
facilidade” (BALESTRERI, 2010, p. 62).
Por vezes, há, ainda, relações vistas com inferioridade e submissa a esse nível de
organização delinquencial, como é o caso da relação entre facções-adolescência. Os
adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CEDUC, por exemplo, são rebaixados ao
segundo escalão da criminalidade. Isso ocorre porque os sujeitos que possuem menos de 18
anos de idade não podem participar dos processos decisórios das facções.
Essa concepção de impotência se reflete porque sempre os adolescentes foram tachados
como indivíduos que não possuíam vontade própria, incapazes de se posicionarem e terem voz
ativa dentro do seu espaço de sociabilidade. Isso contribuiu para a associação da adolescência
à delinquência.
A estereotipização dos adolescentes, relacionada à sensação de violência social, vem
sendo impulsionada e potencializada, cada vez mais, pela sociedade e pelos veículos de
comunicação de massa. Essas atitudes alimentam uma falsa ideia de que o “jovem aparece como
uma ameaça, como uma espécie de radicalidade incontornável, um limite epistemológico à vida
razoável, seja lá o que isso possa ou venha significar” (ADORNO, 2010, p. 1).
O processo de autoconhecimento da adolescência passa por períodos de instabilidades,
tanto emocional quanto sociocultural. As vulnerabilidades presentes na adolescência estão
ligadas por componentes biopsicossociais que interferem na sua forma de agir e pensar dos
adolescentes. Isso envolvem questões relacionadas à masculinidade, consumismo, poder,
territorialidade, pertencimento, entre outros.
Essa baixa autoestima causa um sentimento de impotência nos adolescentes que
procuram responder pelo viés da onipotência, do “tudo posso”. Eles se expõem ao risco de
forma inconsciente, o que contribui para sua participação em atividades ilícitas. Eles vivem o
presente sem pensar no futuro. Esse perfil é visto como ideal pelas facções criminosas, em que
55

o indivíduo está disposto a encarar as vicissitudes da criminalidade sem temer as consequências


para sua vida.
Também, é nessa fase que o adolescente é bombardeado com informações reprodutora
de estereótipos comunitário, procurando idealizar o corpo, a roupa e o comportamento social
perfeito para sempre estar dentro dos parâmetros consumistas.
O uso de drogas, associado ao ambiente em que vive, além de representar uma
vulnerabilidade para a entrada no tráfico de drogas, pode representar uma oportunidade para o
adolescente superar algum problema familiar ou social e se inserir em grupos, geralmente
almejando buscar formas para obter recursos financeiros.
Pensando na sua segurança pessoal, o adolescente busca fazer parte de grupos, havendo
forte sentimento de união, numa espécie de identificação mútua. Isso pode representar a
substituição do papel da família no processo de afirmação de uma identidade, pois, no grupo,
ele encontra o combustível para seu ego.
A violência também é uma fonte de vulnerabilidade para os adolescentes, como autores
ou como vítimas. Atuando como autores, os adolescentes passam por um processo de
marginalização, em que o Estado e sociedade os distanciam dos recursos materiais e simbólicos
desses sujeitos. Como vítimas, sobretudo de homicídios, são vistos como “menos um”
indivíduo.
Essas vulnerabilidades vêm contribuindo para que adolescentes não desempenhem seu
protagonismo social e fragilizem os vínculos familiares, acarretando num “despertencimento
comunitário”. Eles precisam ter representatividade nos processos decisórios, tanto familiar
quanto comunitário.
Só assim, despertará o sentimento de pertencimento e poder de decisão, que é da
necessidade humana. Dialogando a Psicologia com a Biologia, percebemos que os indivíduos
buscam fazer parte de grupos sociais, assim como há nas sociedades das abelhas que necessitam
pertencer à sua colmeia (CODO, 2002).
Após essa breve apresentação sobre as vulnerabilidades na adolescência, abordaremos
essas vicissitudes a partir de categorias de análise. As categorias que analiso, a seguir, são,
respectivamente: “poder”, “pertencimento”, “territorialidade”, “consumismo” e
“masculinidade”.
As categorias foram definidas a partir da revisão de literatura e recorrência nas falas dos
adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro Educacional
Mossoró (CEDUC). Também, a minha vivência no ambiente de internação, enquanto
56

extensionista do Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática, vinculado à Universidade


Federal Rural do Semiárido (UFERSA), contribuiu para tal definição.

3.1 O ADOLESCENTE E A BUSCA INCESSANTE PELO PODER

Apesar das relações de poder serem debatidas preponderantemente no campo da política


e economia, percebe-se que elas também possuem uma estreita relação com a criminalidade,
sobretudo quando envolve a participação de adolescentes em facções criminosas. É importante
compreender o poder além das obviedades políticas e econômicas, ele é intrínseco ao ser
humano, está na família, no trabalho e até mesmo no saber, a partir do qual queremos encontrar
uma verdade e desejar o poder (FOUCAULT, 1979).
O ser humano é repleto de carências, sendo que “o poder desenvolver-se-á, assim, como
a possibilidade de mover-se, agir e constituir uma atividade orientada no meio, capaz de
satisfazer as exigências das condições de vida do próprio ser” (MARINO FILHO, 2010, p.265).
Todo sujeito almeja o poder para desenvolver suas atividades cotidianas. Com os adolescentes
não é diferente.
O problema é que, geralmente, eles buscam efetivar esse poder por meio de atividades
ilícitas, participando de facções criminosas, as quais se apoiam no poderio bélico e financeiro
para se conseguir poder. Esse poder ilegítimo adquirido pela via das armas de fogo traz
significados para a vida dos adolescentes, os quais, sem armas, saem fragilizados na relação de
poder com outros sujeitos devido a sua condição peculiar de desenvolvimento e a seu
rebaixamento enquanto ser humano.
Quando falamos de socioeducação, criminalidade, sistema penitenciário e
vulnerabilidade dos agentes das forças de segurança, vem à tona o processo de
(des)humanização desses sujeitos. Tudo isso está imbricado com os “micropoderes” nos
ambientes de restrição de liberdade, provenientes tanto de quem cumpre a medida/pena como
dos agentes que trabalham nas unidades onde o Estado se expressa. Há uma relação simbiótica
entre eles, uma permissão informal, ao passo que o poder estatal “não se aplica pura e
simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos que ‘não têm’; ele os investe, passa
por eles e por meio deles, apoia-se neles” (FOUCAULT, 2014, p.30).
Acreditamos que o poder é indissociável da humanização porque se refere “às formas
de ser, agir, pensar e sentir que são produtos de sua própria atividade vital e sociocultural”
57

(MARINO FILHO, 2010, p. 266). Analisando esse contexto, os últimos acontecimentos no


sistema penitenciário do país representam bem essa análise da existência de diálogo entre essas
relações de poderes (Estado/facção). Por um lado, as facções, que buscam, teoricamente, atingir
a humanização dos presídios. Por outro, o Estado, que busca manter o controle dos presídios
imperando sua noção de poder perante os detentos. Portando, nessa relação, poder e
humanização estão intrinsecamente ligados.
O poder não pode ser visto como um instrumento que é dado naturalmente, há outros
fatores que se comunicam. Na relação de poder entre adolescência e facções criminosas, ele
não existe somente por uma carência biológica, expressa-se socioculturalmente. Por outro lado,
ele também não pode ser imposto, precisa ser articulado,

o que significa que essas relações se aprofundam dentro da sociedade, que não
se localizam nas relações do Estado com os cidadãos ou na fronteira das
classes e que não se contentam em reproduzir ao nível dos indivíduos, dos
corpos, dos gestos e dos comportamentos a forma geral da lei ou do governo;
que se há continuidade (realmente elas se articulam bem, nessa forma, de
acordo com toda uma série de complexas engrenagens), não há analogia nem
homologia, mas especificidade do mecanismo e de modalidade (FOUCAULT,
2014, p. 30).

Essas relações de poderes não são singulares, não obedecem a lógica binária do sim ou
não. É preciso levar em consideração a pluralidade que contorna a relação e as vulnerabilidades
dos sujeitos dentro e fora do seu contexto de convivência familiar e comunitária. Nesse sentido,
quando não existe essa convivência, a vulnerabilidade é acentuada, aí é quando as facções
criminosas passam a dar sentido para a vida desses adolescentes, dando a possibilidade de
crescimento e satisfação pessoal dentro das atividades ilícitas.
O poder sempre foi visto de forma centralizada, restrito ao Estado, assim como o Direito
é visto na sua concepção monista. Além do pluralismo jurídico dentro das facções criminosas,
há um pluralismo de poderes dentro do contexto em que estão envolvidas Estado e facções
criminosas. Poderíamos falar de “micropoderes” (FOUCAULT, 2014), que nada mais é do que
o desenvolvimento de uma luta em volta de um foco particular de poder, sendo que esses focos
são capazes de criar inúmeros pequenos focos, que podem “ser um pequeno chefe, um guarda
de H. L.M., um diretor de prisão, um juiz, um responsável sindical, um redator−chefe de um
jornal” (FOUCAULT, 1979, p. 75).
58

Apesar de toda essa análise de Foucault sobre o poder, ele não criou uma definição por
acreditar que é um fenômeno complexo e descontínuo. Não existe um objeto “poder”, mas
relações de poder dentro do social. E é nesse sentido que existe a busca pelo exercício do poder
dos adolescentes com intermédio das facções criminosas.
É válido salientar que o conceito de poder foi aprimorado pelos pensadores
contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, Max Weber9 os quais
influenciaram o surgimento do Estado Moderno (SANTIN; MARCANTE, 2014).
Diante dessa relação de poder, ou poderíamos chamar de crises de poderes, algumas
comunidades são dominadas por facções criminosas, sobretudo nas periferias empobrecidas
materialmente das grandes cidades. Nesse cenário, o poder é expressado e imposto por facções
e Estado, intercruzando entre si, não havendo a possibilidade de identificação desse poder, pois
se modifica a depender do local e do momento, uma miscelânea de poderes. É válido salientar
que há outros centros de poderes que concorrem com o Estado, como o político, econômico e
religioso (SANTIN; MARCANTE, 2014).
Se por um lado a descentralização e abertura do poder fortalece o regime democrático
de um Estado ao inserir grupos marginalizados socialmente nas tomadas de decisões (como é o
caso dos adolescentes que habitam as periferias empobrecidas materialmente e estão em maior
grau de vulnerabilidade) por outro, pode tornar-se vulnerável e arregimentar o surgimento de
grupos que convergem com a democracia, como é o caso das facções criminosas.
Esses grupos buscam legitimar, pelo viés da criminalidade e violência, a sua resistência
ao processo de desumanização sofrido dentro dos ambientes prisionais/socioeducativos. É a
partir disso que as relações de poder entre adolescentes, facções criminosas e Estado se
entrelaçam.
Mesmo agindo à margem da legalidade, as facções criminosas vêm encontrando espaço
para manifestar seu poder, carnavaliza, menospreza o poder oficial e fazem emergir
manifestações periféricas, “são as vozes negras [...]. A carnavalidade, portanto, está empenhada
em exaltar as formas de saber, menosprezadas pela cultura oficial, como maneira de sabotar os
sabotadores”. (WARAT, 2004, p. 147-148).

9
O fenômeno das facções criminosas Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho também pode ser visto
à luz do pluralismo jurídico e da Sociologia Weberiana, sobretudo quanto aos tipos de dominação propostas por
Max Weber. Assim, predomina nesses grupos facciosos a dominação que Weber conceitua como burocrática ou
racional-legal. Aquela que “não está restrita à lei formalmente positivada, mas se manifesta também nas relações
em que os dominados obedecem a ordenamentos “informais” por eles criados – neste caso, aos ordenamentos
jurídicos das facções” (SILVA; SOUSA, 2018, p. 10).
59

Os adolescentes que possuem alguma relação com facções criminosas, buscam sabotar
quem os sabotam, nesse caso, o Estado, por meio dos agentes de segurança, e as facções
criminosas rivais. Assim, afirmou um adolescente que cumpre medida socioeducativa no
Centro Educacional Mossoró: “os maiores inimigos do [facção A] é os ‘puliça’ e os [facção B].
Os [facção B] cola com ‘puliça’” (ADOLESCENTE 1). Os relatos e o perfil dos adolescentes
que cumprem medida socioeducativa no CEDUC serão aprofundados no próximo capítulo.
Nas facções criminosas predominam uma relação de poder local, num espaço limitado,
mas com reflexo global. As tomadas de decisões estão mais próximas dos que compõem esses
grupos, gerando um sentimento de pertencimento no processo decisório das ações. Com esse
poder, elas são capazes de efetivar “políticas públicas” e direitos fundamentais de forma plena
e apropriada nas comunidades que dominam, algumas vezes com o apoio da comunidade que
se mostra carente de assistência estatal. Nesse sentido, percebemos que elas vêm atuando para
garantir o direito à segurança (SUPOSTA, 2017) e até a diminuição no preço do gás de cozinha
(TRÁFICO, 2017).
Entretanto, não podemos esperar que esse comportamento das facções e suas demandas
por justiça, contribua para uma (r)evolução social e uma mudança dos paradigmas em busca
dos sentimentos de justiça, igualdade e democracia, pois o que elas buscam é a expansão dos
negócios e a cristalização de práticas ilícitas (ADORNO, 2007).
É urgente reconhecer que há poderes fora do Estado, entre eles, os que são exercidos
pelas facções criminosas perante seus membros e dentro das comunidades onde o poder estatal
não atua perante o corpo social periférico. Porém, essa expressão da sensação de poder das
facções não representa uma diminuição do poder oficial ou um rebaixamento da sua atuação.
O que existe é uma negligência na sua expressão por parte do Estado e um avanço
faccioso. Quando o Estado busca se empoderar e se afirmar nessa relação, utiliza-se da violência
como principal instrumento de dominação e efetivação do poder.
Poder não pode ser concebido, simplesmente, a partir da utilização da força, mas ela
está presente em grande parte das relações e expressões de poder. Hannah Arendt, com um viés
mais político do que criminológico, aborda o poder e defende que a violência deve ser
dissociada dele porque “se a essência do poder é a efetividade do domínio, não existe então
nenhum poder maior do que aquele que provém do cano de uma arma, e seria difícil dizer ‘de
que maneira a ordem dada por um policial é diferente daquela dada por um bandido armado’”
(ARENDT, 1985, p.23).
Por outro lado, acreditamos que o poder se expressa a partir de um agir conjunto. Ele
pode ser associado à violência, entretanto “es cierto que el poder es a menudo violento y que
60

muchos grupos y personís basan su poder social en su capacidad para hacer violencia a los
demás. Pero aunque la capacidad de violencia suponga un poder real, no todo poder es violento”
(MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 92).
Compartilhamos da ideia de que as facções criminosas, isoladamente, não dispõem de
poderes, mas que há múltiplas relações de poder dentro da sociedade que os fazem se
expressarem. O poder se expressa, essencialmente, de forma repressiva, já que “o poder é
guerra, guerra prolongada por outros meios”10 (FOUCAULT, 1979, p. 99).
Nesse sentido, acreditamos que, através das armas, os adolescentes, influenciados por
facções criminosas, portando uma arma de fogo, possuem, efetivamente, poderes, mesmo que
seja momentaneamente emprestado da arma. Com isso, existe uma relação de poder entre
facções criminosas, sociedade, Estado e facções criminosas rivais, instrumentalizada pelas
armas de fogo.
Os adolescentes, ao participarem de facções, passam a se olhar como um sujeito que
carrega características de um anti-herói, que nada mais é do que um herói especial, alguém que
atua à margem da lei e teve seus direitos negados.
Diante desse contexto, as facções criminosas solidarizam-se e dão significados ao seu
comportamento antissocial, afinal “o anti-herói ferido pode ser um cavaleiro heróico numa
armadura enferrujada, um solitário que rejeitou a sociedade ou foi rejeitado por ela” (VOGLER,
2006, p. 58).
A invisibilidade social desses sujeitos contribui para que eles busquem, pela via da
criminalidade, conseguir representatividade comunitária, o que não é possível pelo viés da
legalidade.
Mas não se restringe a isso, há outros fatores relevantes a se analisar, como é o caso de
“uma familia desunida, material o emocionalmente insatisfactoria para sus miembros, un
ambiente poco acogedor, un indebido aprendizaje temprano, pueden contribuir a formar una
personalidad proclive a comportamentos delincuenciales” (MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 168).
O poder que os adolescentes buscam, ao fazer parte de facções criminosas, é o de
submeter e controlar a vontade de pessoas ou grupos, parceiros ou inimigos, sujeitando-os a um
código jurídico próprio da facção em que o principal instrumento de coerção é a violência. Eles
veem, no poder, a possibilidade de buscar participação nas tomadas de decisões do grupo e

10
Buscando compreender o poder a partir de uma concepção política, Foucault inverte o aforismo de Carl von
Clausewitz. Este assegura que a guerra nada mais era do que a continuação da política. Já Foucault, pondera que
“a política é a guerra prolongada por outros meios” (FOUCAULT, 1979, p. 99).
61

reconhecimento perante seus pares, bem como conseguir respeito dentro das associações e
comunidades que frequentam.

3.2 O PERTENCIMENTO COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA SOCIAL E


BIOLÓGICA

Por nosso trabalho possuir um viés inter/transdisciplinar, ousamos nos aventurar por
outras áreas do conhecimento e trazer suas contribuições para tecer tudo junto (MORIN, 2003)
com o Direito. Com isso, nesta categoria analisada, transitaremos, dentre outras áreas, pelos
conceitos da psicologia. Pois acreditamos que a Psicologia deve deixar de ter um papel de curar
traumas psicológicos e passa a desenvolver papel social, assim como devemos fugir da análise
estritamente dogmática do Direito e procurar equilibrar a sua balança com “doses” de
humanização. Não podemos negar a dogmática, claro, afinal não há Direito sem ela, muito
menos sem humanidade.
A denominação “irmão”, utilizada pelas facções criminosas, reforça as ideias de
solidariedade e pertencimento dentro dos grupos criminosos, “pois entre seus integrantes
produz-se a sensação de que os pares são seus ‘iguais’, e igualmente ‘outros frente aos de fora
do crime’” (FELTRAN, 2008, p. 108). A denominação “irmão” carrega significados múltiplos,
sendo, inclusive, utilizada por integrantes de igrejas e membros de lojas maçônicas para
designar uma expressão de união e coletividade.
O comportamento dos adolescentes é uma teia complexa, historicamente eivado de
impotência psíquica, física, social e jurídica, reduzidos conceitualmente ao estágio da vida que
se situa entre infância e o mundo adulto, sujeitos de direitos (no sentido formal), mas meros
“objetos” facilmente “domesticáveis”. Ao analisar a adolescência, é necessário levar em conta,
além dos aspectos psicossociais, sua família, o pertencer, sentir-se parte integrante de
determinado grupo ou comunidade. Isso influencia seu comportamento social e a afirmação da
sua identidade, que nem sempre se dá de forma socialmente aceitável.
Partindo dessa perspectiva, Edgar Morin conceitua o que seria adolescência,
considerando que esse momento da vida vai muito além do seu aspecto etário. Ele define que
“é uma categoria que se pode situar entre o fim da infância amparada, quando se está protegido
no casulo familiar, e a entrada no mundo da vida adulta, com uma carreira, uma profissão, o
casamento etc.” (MORIN, 2010, p. 30).
62

Há sociedade que não dispõe desse segmento social, sobretudo nas ditas sociedade
tradicionais, pois “as crianças são postas para trabalhar em tenra idade. A adolescência é
eliminada” (MORIN, 2010, p. 30) e há imposição para que a criança passe à categoria de
homem. Diante disso, o adolescente se sente autônomo e busca se situar numa cultura que, hoje,
são os hábitos dos sujeitos abastados. Assim, como todo ser humano, os adolescentes têm suas
aspirações. Morin cita duas principais aspirações presentes no comportamento dos
adolescentes: autonomia e comunidade.

Essas aspirações são vividas simultaneamente porque existe ao mesmo tempo


o sentimento de que não há mais comunidade numa sociedade atomizada,
reduzida ao individualismo, reduzida a formas, à procura do lucro, e o
sentimento de que as liberdades foram reduzidas (MORIN, 2010, p. 30).

Diante desse contexto, por se encontrarem em vulnerabilidades, os adolescentes estão,


cada dia mais, encorajados a participarem das facções criminosas, que buscam “soldados” para
retroalimentar sua rede. Para tanto, utilizam-se de ofertas sedutoras relacionadas, dentre outras
categorias, ao sentimento de pertencimento comunitário e da falta de políticas públicas voltadas
para a efetivação e proteção dos direitos desses sujeitos.
É de fundamental importância reconhecer a necessidade que os adolescentes possuem
de pertencer ao seio comunitário e de criar uma identidade terrena distante da prática de ato
infracional. Isso reflete muito no eu desses sujeitos. Apesar de percebermos que eles possuem
algumas concepções sobre si, não há uma cristalização de uma cognoscência de seu eu. Por
isso é importante observar que

na adolescência, a “personalidade” social ainda não está cristalizada: os papeis


ainda não se tornaram máscaras endurecidas sobre os rostos, o adolescente
está à procura de si mesmo e à procura da condição adulta, donde uma primeira
e fundamental contradição entre a busca de autenticidade e a busca de
integração na sociedade (MORIN, 1997, p. 154).

Apesar dessa necessidade de pertencer, fazer parte do mundo juvenil de forma mais
acentuada, todo ser humano necessita transitar e se inserir a grupos, mesmo que seja de forma
transitória. Escola, faculdade, trabalho, igreja ou qualquer ambiente de sociabilidade que traga
63

alteridade, segurança e tenham regras definidas pode contribuir para guiar o comportamento
dos sujeitos (MARCON; BORTOLAZZO, 2013). Na contemporaneidade, a liquidez das
relações humanas, sobretudo na adolescência, está contribuindo para inverter a lógica do
pertencimento, pois

lugares em que o sentimento de pertencimento era tradicionalmente investido


(trabalho, família, vizinhança) são indisponíveis ou indignos de confiança, de
modo que é improvável que façam calar sede por convívio ou aplaquem o
medo da solidão e do abandono (BAUMAN, 2005, p. 37).

A adolescência é uma fase de instabilidade social, inconstância emocional. A


transitoriedade nos desejos dos adolescentes, contribui para que busquem pertencer ao grupo
que melhor atender seus anseios naquele momento peculiar, o que proporciona criar uma
“impressão de pertencer a uma espécie comum” (MALFFESOLI, 1998, p. 139). É nesse
momento que as facções criminosas aparecem como álibi para a volatilidade emocional dos
adolescentes, afirmando-os como um indivíduo ativo e importante para o grupo. Essas
organizações delinquenciais sabem que essa fase da vida dos adolescentes é a fase que se busca
dar sentido e suprir carências materiais e psíquicas, por isso tratam os adolescentes como campo
fértil para subsidiar seu exército.
No período da adolescência, incessantemente, as relações de pares são buscadas no
intuito de promover uma maior interação social. Essas relações têm papel fundamental no
desenvolvimento emocional, comportamental e cognitivo dos adolescentes. Sua ausência
poderá desenvolver comportamentos antissociais, como é o caso da prática de atos infracionais
(CASTRO; GUARESCHI, 2007).
Percebemos que não ocorre somente o auto-isolamento, mas há o isolamento passivo
em que os adolescentes, por não se enquadrarem dentro dos ideais do grupo, acabam sendo
rejeitados por seus pares (FERREIRA et al., 2013). Por isso que “a necessidade de
pertencimento tem sido investigada tanto como uma variável situacional como uma
característica individual” (GASTAL; PILATI, 2016, p. 286).
Com essa ausência de pertencimento, a adolescência é terreno fértil para a atuação das
facções criminosas. Adolescentes, instáveis emocionalmente, acabam encontrando nesses
grupos a possibilidade de fugir do seu retraimento social. A Psicologia acredita que esse
64

isolamento dos adolescentes possui múltiplas facetas, dentre eles podemos mencionar o medo,
ansiedade ou, até mesmo, o desejo próprio de permanecer sozinho (GASTAL; PILATI, 2016).
Não há possibilidade de encontrar algum sujeito que não pentença, ora em maior
intensidade, ora em menor, mas sempre haverá uma inter-relação, percebida antes mesmo do
nascimento quando o indivíduo pertence, umbilicalmente, à mãe (CAPITÃO; HELOANI,
2007).
Por isso, os adolescentes buscam incessantemente esse pertencer já que fazer parte de
grupos está na essência humana e sua ausência pode comprometer o desenvolvimento
psicossocial dos sujeitos. É urgente fazer despertar nos adolescentes esse sentimento distante
das práticas ilícitas e, partir disso, buscar potencializar uma “consciência e o sentimento de
pertencimento à Terra” e da “identidade terrena” (MORIN, 2003, p. 73), pois “para civilizar
locais e globais, temos que no humanizar (de húmus) com a Terra, nos religar ao semelhante
(mesmo que diferente de nós em alguns aspectos) ” (OLIVEIRA, 2016, p. 9).
A ausência desse reconhecimento pode levar a uma estereotipização e comprometer
ações adequadas para superação da violência. As facções criminosas vêm contribuindo no
sentido de dar esse sentimento de pertencimento que tanto esses grupos demandam. Sentir-se
pertencente, respeitado e empoderado pelas facções criminosas, mesmo que pelo temor/terror,
acaba sendo o caminho mais viável para os adolescentes diante das condições postas. Diante
disso, suas potencialidades são utilizadas para praticar ilícitos de interesse das facções.
O próprio adolescente, influenciado pelos estereótipos sociais, auto-estigmatiza-se
como alguém incapacitado ou oprimido pelas estruturas sociais. Esse comportamento é
compreensível porque “quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender
o significado terrível de uma sociedade opressora?” (FREIRE, 2014, p. 42-43). Esse sujeito é
visto como “um subversor, que não consegue se adequar às normas e regras (‘o marginal, o
drogado, o pervertido sexual’)” (TAVARES, 2014, p. 185).
Nesse sentido de (não) pertencer à sociedade, eles argumentam/desabafam que não se
sentem parte da sociedade. Em conversa com adolescentes que cumprem medida
socioeducativa no CEDUC, eles demonstram um comportamento extrassocial ao se
estigmatizarem como pessoas que estão “fora” da sociedade, por não serem reconhecidos (pela
“sociedade”) como um sujeito sociável.
O sentimento de exclusão dos adolescentes passa por múltiplas facetas, não se
restringindo ao viés socioeconômico, mas interagindo com o campo ético, moral e psicológico,
devendo ser analisado de forma complexa. Por exemplo, a Psicologia Social reconhece como
condição básica do indivíduo a sua inclusão em algum grupo, valorização, desejos e
65

sentimentos que cada um carrega quando fica impossibilitado de pertencer a algum ambiente
sociável. Por conseguinte, “é perceptível que o autorizar-se a ser, o permitir-se agir, o
manifestar-se acerca da vida e dos projetos do grupo acontecem a partir do momento em que a
pessoa se autopercebe pertencente ao grupo e por ele se sente credenciada” (FASSINI;
MACHADO; SCHULTZ, 2013, p. 425).
A carência material também é uma condição de todo ser humano. Além dessa carência,
os adolescentes se mostram órfãos de apoio psicológico e simbólico. É diante dessa carência
que a necessidade de pertencer dos adolescentes deve ser levada em consideração. Não
podemos restringir a condição humana às necessidades elementares biológicas/materiais, sendo
de fundamental importância reconhecer as potencialidades e limitações dos adolescentes como
um direito universal, concatenando-as com os valores psíquicos e simbólicos.
Não poderíamos deixar de mencionar que a psicologia trabalha com a ideia de pertencer
a partir do inconsciente dos sujeitos, “o homem não só se liga às organizações por laços
materiais [...] e/ou morais [...], mas também e, quiçá, primordialmente por laços inconscientes”
(CAPITÃO; HELOANI, 2007, p. 58).
Não podemos continuar insistindo em transformar a necessidade básica dos
adolescentes em mínimo indisponível (nada). Além das carências materiais (financeiras), há
outras carências dos sujeitos que precisam ser levadas em consideração, sobretudo as afetivas,
emocionais e simbólicas.
Somente as condições aparentes dos adolescentes como o ambiente, estereótipos e sua
comunidade não podem ser utilizados para determinar o seu pertencer. Vemos isso como
manifestações culturais que não podem definir a identidade de um grupo. Não é somente o
material que os definem, há muito da subjetividade e do simbólico. Se reduzirmo-los a análises
unifatorial e unidimensional, “corremos o risco de nos equivocar ao analisarmos o grupo a partir
de elementos de sua cultura aparente e definir sua ligação a algum grupo social apenas por meio
de sua observação estática, já que não é apenas a forma que o define” (FASSINI; MACHADO;
SCHULTZ, 2013, p. 420).
O sofrimento humano também não é meramente material/corporal, mas tem muito do
simbólico, gerado, sobretudo, pela exclusão social. As políticas públicas são voltadas para
suprir as necessidades biológicas, sobretudo da fome dos adolescentes. Mas, muitas vezes, há
necessidade de uma política que aflore seus desejos, emoções, afetos e sonhos, pois “mesmo na
miséria, eles [o desejo e a ética] não estão reduzidos às necessidades biológicas, indicando que
não há um patamar em que o homem é animal”. Pois “[...] O brado angustiante do eu quero ser
66

gente perpassa o subtexto de todos os discursos” (SAWAIA, 2010, p. 115-116, apud


TAVARES, 2014, p. 198).
Nesse sentido, apesar do incremento das políticas de distribuição de renda nos últimos
anos, como bolsa família e bolsa escola, percebemos um aumento no número de adolescentes
envolvidos com práticas ilícitas, bem como a sua participação em facções criminosas. Não
queremos dar uma salvação messiânica para um problema como esse grau de complexidade,
mas vale a reflexão para não cairmos nos discursos fantasiosos de que o problema é estritamente
de cunho econômico.
É importante observar que, ao potencializar um sentimento de pertencimento nos
adolescentes, ao mesmo tempo, estamos contribuindo para aflorar uma disputa de poder e
estimular a exclusão do outro, pois é natural cada sujeito querer proteger e defender o grupo no
qual está inserido e que também o protege (MAFFESOLI, 1998). Podemos perceber isso nos
discursos dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CEDUC. Eles, ao se
afirmarem de determinada facção criminosa, sentem-se superiores, rebaixam e deslegitimam a
atuação dos adolescentes que fazem parte da facção rival.
Para a constituição das facções criminosas, por um lado, é necessário despertar nos
“irmãos” o sentimento de pertencimento, por outro, necessita-se da criação de facções rivais
porque elas fortalecem a pertença e revela a indiferença entre os grupos. A pertença e
indiferença é o que há de mais íntimo no comportamento humano. É necessário participar do
espírito coletivo do grupo, solidarizando-se com os pares, negando-os por vezes
(MALFFESOLI, 1998).
O ideal socialmente aceitável é visto como uma ilusão para os adolescentes que moram
na periferia empobrecida materialmente das cidades, seja pela falta de oportunidade
educacionais ou profissionais, seja pela expulsão social protagonizada pelos indivíduos ditos
sociáveis. Diante disso, há uma imposição do “homem bom” ao “homem bárbaro” com seus
ideais vistos como socialmente aceitáveis, fundamentados na família, escola e igreja e outras
instituições que insistem em traçar parâmetros de sociabilidades para indivíduos que convivem
com outra realidade sociocultural.
Para tanto, as facções criminosas, por meio dos seus rituais de criminalidade,
contribuem para o fortalecimento desses vínculos e um fortalecimento comunitário, apesar de
ser pela via ilícita. Observemos este discurso no CEDUC que carrega muito dessa noção: “todo
dia [é preciso] puxar a oração da própria facção, começa com um pai nosso”. Ainda, de acordo
com o adolescente, é necessário “cumprimentar os colegas constantemente com: um bom dia,
67

boa tarde, boa noite e um forte sincero abraço na parte de ‘fulano de tal’” (ADOLESCENTE 5,
17 anos).
Percebemos que esse discurso interage com desejo de pertencer dos seus “irmãos”. Isso
não é algo próprio desses grupos criminosos, podemos encontrar o pertencer humano nos mais
diversos comportamentos, “certamente, também, nos escritórios e nas oficinas, e a sócio-
antropologia do trabalho está cada vez mais atenta a eles. Finalmente, podemos lembrar que o
lazer ou o turismo de massa se apóiam essencialmente neles” (MALFFESOLI, 1998, p. 196).
É urgente compreender por outro viés as políticas públicas, não se restringir à cultura
da política estatal universalista e impositiva, de cima para baixo. É preciso ouvir os destinatários
e suas principais necessidades, trabalhando com alteridade, horizontalidade, diálogo e respeito.
A subordinação, discriminação e subalternidade que grupos como os adolescentes estão
submetidos se mostram ultrapassadas. Considerar que os adolescentes têm suas singularidades
é de fundamental importância para se atingir os índices de satisfação dessas políticas, mas,
também, não podemos confundir autonomia com libertinagem ou “tudo pode”.
Precisamos romper com ideário tradicional de que políticas públicas se restringem ao
Estado. Elas devem ser vistas como um processo participativo de diversos grupos sociais, com
divergências, sim, mas com tomadas de decisões que direcionam os rumos da sociedade
(SILVA; et al., 2017). Política pública envolve Estado, sociedade civil, universidades e demais
instituições. Também, precisamos romper com essas concepções assistencialistas de “mínimo
existencial” e aceitar um novo paradigma que parta da ideia de que “o básico é muito mais do
que o mínimo: é o essencial para que o sujeito participe da sociedade com reflexão crítica e
autônoma” (TAVARES, 2014, p. 197).
A ausência de pertencimento dos adolescentes faz emergir a busca por identidade.
Diante da seletividade e exclusão que o pertencimento vem proporcionando nessa cultura de
massas, construir uma identidade passa a ser o principal objetivo dos adolescentes. O problema
é que a construção dessa identidade não ocorre repentinamente, seja ela socialmente aceitável
ou reprovável, como nos casos dos adolescentes que participam de facções criminosas. É
preciso haver uma interação entre sujeito e grupo, mas, muitas vezes, o que acontece é um
“contrato de adesão”, em que os adolescentes chegam e aceitam as regras das organizações
delinquenciais.
Após entrarem nas facções criminosas, os adolescentes encontrarão um ambiente
democrático, onde há confiança, liberdade de expressão, solidariedade e coletividade, isto é, o
que contribui para a manifestação das identidades desses sujeitos. Contudo, não é simplesmente
68

a entrada de um sujeito em determinado grupo ou local que vai lhe fazer criar uma identidade.
É um processo gradual que necessita de tempo para sua construção (BAUMAN, 2005).
Buscando mensurar quanto o pertencimento interfere no comportamento dos sujeitos,
criou-se a Escala de Necessidade de Pertencimento (ENP). Esse instrumento foi traduzido e
adaptado para o Brasil por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) (GASTAL;
PILATI, 2016), tendo como principal objetivo produzir evidências de validade e quantificar as
motivações que fazem a pessoa buscar sua aceitabilidade em grupos. Os pesquisadores
asseguram que a escala possui um alto índice de confiabilidade ao que se propõe.
As entrevistas utilizaram como critérios a empatia, afetos e socialização. Não é nosso
objetivo adentrarmos na metodologia utilizada pela escala, apenas demonstrar que há
preocupação, sobretudo de quantificar, o pertencimento dos sujeitos, pois essa necessidade é
primordial para o desenvolvimento biológico e social dos indivíduos. Para compreender como
se chegou a tais resultados, aconselhamos consultar o trabalho referenciado.
Portanto, as condições materiais, psíquicas e simbólicas das quais os adolescentes
dispõem contribuem para desenvolver o seu pertencer às facções criminosas. Um terreno fértil
não só de criminalidade, mas, também, de ofertas sedutoras capazes de conscientizar que as
facções são o melhor ambiente de sociabilidade agradável.
Dentro dessa sociabilidade, comportamento dos adolescentes pode sofrer profundas
transformações num curto espaço de tempo, pois o ser humano é formado por micro humanos
em quem estão presentes as singularidades de cada sujeito em dado momento sociocultural. E,
nessa relação, as organizações vem influenciando consideravelmente seu comportamento. Isso
gera um sentimento de alteridade dentro do grupo que busca uma condição de humanidade dos
ambientes de restrição de liberdade porque é por meio do humano que se humaniza.

3.3 A TERRITORIALIDADE COMO SIGNIFICAÇÃO DA VIDA COTIDIANA DOS


ADOLESCENTES

Buscando guarida na Geografia, partimos da concepção de que o conceito de


territorialidade não pode ser dissociado da noção de território. Para tanto, este é enxertado de
representações identitárias e simbólicas dos sujeitos que habitam determinada localidade. A
união dessas representações com o território é o que faz emergir a territorialidade, a qual se
caracteriza por ser dinâmica e estática ao mesmo tempo. Dinâmica quanto às representações
69

plurais que permeia o espaço, e estática por se dar num mesmo ambiente físico (espaço)
(HAESBAERT, 2004). Com isso, é crível iniciarmos fazendo uma breve distinção entre
território e territorialidade.
O território está relacionado com a noção de espaço que, associado a um povo e sua
soberania, formam um Estado-nação, uma dominação jurídico-política da terra. Quando se
controla um espaço, delimita, traça fronteiras e busca a efetiva apropriação, emerge a noção de
território. Em outras palavras, o “território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder,
mas não apenas ao tradicional ‘poder político. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais
concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação”
(HAESBAERT, 2004, p. 1). Portanto, “falar de território é fazer uma referência implícita à
noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime uma relação
que um grupo mantém com uma porção do espaço” (RAFFESTIN,1993, p. 153).
O domínio territorial de um determinado lugar denota o exercício do poder, podendo ser
exercido por diversas instituições, inclusive pelo crime organizado. O significado jurídico de
território permeia três importantes conceitos: a dominação, que é exercida pelo soberano, seja
ele legítimo ou não, interdição pela qual se exerce o controle do território e a demarcação que
nada mais é do que o marco territorial (LA BERRE, 1995 apud SANTOS, 2009).
Acreditamos não haver fronteiras naturais que delimite um território. As fronteiras
naturais denotam a noção de espaço. Território é reflexo de micro poderes, sobretudo a
existência de um poder sobre a vida biológica e social dos sujeitos, o que Foucault deu nome
de biopoder11.
Logo após a primeira guerra mundial, em 1920, H. E. Howard define territorialidade
como sendo “a conduta característica adotada por um organismo para tomar posse de um
território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie" (HOWARD apud
RAFFESTIN, 1993, p. 159). Podemos perceber que a territorialidade é a junção do espaço físico
carregado das subjetividades dos sujeitos que a compõem em um dado momento histórico-
cultural.
Pode haver territorialidade sem território, como é o caso do povo curdo, composto por
mais de 25 milhões de pessoas que reivindica a criação do seu território num espaço no Oriente
Médio, ao qual possui afetividade e uma capacidade simbólica. Entretanto, não pode ocorrer o

11
Foucault define o biopoder como sendo “o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana,
constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa estratégia política,
numa estratégia geral de poder” (FOUCAULT, 2008, p. 3).
70

contrário, pois quem possui território, em maior ou menor grau, possui territorialidade. Ela faz
parte do que há de mais íntimo nas pessoas, está presente nas relações socioculturais.
O conceito de territorialidade que melhor dialoga com a nossa pesquisa é o que vê a
“territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se
identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu
‘território’ ou homeland12 ” (LITTLE, 2002, p. 3). Assim, considera-se que

a Territorialidade para os humanos é uma estratégia geográfica poderosa para


controlar pessoas e coisas através de um controle de área. Os territórios
políticos e a propriedade privada da terra podem ser as suas formas mais
familiares, mas a Territorialidade ocorre em vários graus e em inúmeros
contextos sociais. Ela é usada nas relações do dia-a-dia e nas organizações
complexas. A Territorialidade é uma expressão geográfica primária do poder
social. Ela é um meio pelo qual o espaço e o tempo estão interrelacionados. A
mudança de funções da Territorialidade nos ajuda a entender as relações
históricas entre a sociedade, o espaço e o tempo (SACK, 1986, p. 6).

A territorialidade humana é representada por múltiplas expressões, cada uma com suas
singularidades, não sendo diferente com as facções criminosas, as quais devemos procurar
entendê-las a partir do conceito de cosmografia o qual se define por “saberes ambientais,
ideologias e identidades − coletivamente criados e historicamente situados − que um grupo
social utiliza para estabelecer e manter seu território” (LITTE, 2002, p. 4).
As concepções de Estado-nação advindas da Europa vincularam a territorialidade ao
Estado, ocultando outras formas de expressões das territorialidades contra-hegemônicas, não se
reconhecendo as territorialidades legítimas, como é o caso dos índios e comunidades
quilombolas, e muito menos a territorialidade das comunidades periféricas, onde as facções
criminosas atuam.
Percebemos que o reconhecimento da existência da territorialidade da população que
habita as periferias empobrecidas materialmente do país é negado pelo Estado por ser
confundido com o território, pois ao se reconhecer ou abrir mão de um território, pode diminuir
o poder central e comprometer a soberania nacional.
A legalidade estatal não se comunica com a territorialidade desses grupos porque,
enquanto esta “se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência

12
Palavra de origem inglesa que denota a ideia de “pátria”/“terra natal”.
71

temporal ao território” (LITTLE, 2002, p. 11), aquela atua no campo da abstração baseada numa
infertilidade formal.
Nos ambientes de predominância das facções criminosas há uma contenção13 do
território, mas não há um fechamento total. Essa leve abertura proporciona acesso às
territorialidades que as circundam o seu cotidiano. Porém não podemos estigmatizar as facções
por restringir esse acesso, pois “cada sistema territorial segrega sua própria territorialidade, que
os indivíduos e as sociedades vivem” (RAFFESTIN, 1993, p. 161).
Quando somos barrados por um lado, procuramos fluir por outro e encontrar os segredos
e enredos nessa territorialidade. Foi assim que conseguimos transitar pelos discursos dos
adolescentes que expressam suas territorialidades dentro da unidade de internação e nas suas
comunidades.
Porém, mesmo a curiosidade faça parte da condição humana, e fazendo parte da essência
das pesquisas acadêmicas, precisamos ter muito cuidado para não “invadirmos” a
territorialidade alheia em nome de uma pesquisa “robusta” ou cientificamente aceitável. Não
podemos utilizar da legalidade/legitimidade estatal para violar a territorialidade desses sujeitos,
pois as abordagens envolvem o individual e o coletivo, o dito e o não dito, e pode trazer
significações diversas para cada sujeito envolvido nas pesquisas, seja o pesquisador ou o
pesquisado.
Temos uma vã impressão generalizadora que tudo que é periférico é ruim, que deve ser
extirpado e invadido. Demoramos a acreditar que nas periferias empobrecidas materialmente é
uma minoria de habitantes que se envolvem com práticas ilícitas, e não o contrário, com isso
há vidas a serem respeitadas dentro da sua complexidade.
Isso traz a reboque a noção de imposição da cultura dos ditos sociáveis quem levam
laços de solidariedade. Mas é preciso ter cuidado porque isso pode “destruir ou apagar os limites
antigos e desorganizar a territorialidade e, em conseqüência, questionar a existência cotidiana
das populações” (RAFFESTIN, 1993, p. 173).
Enquanto a nossa territorialidade definha juntamente com a tessitura que a sustenta,
como é o caso da coletividade, união e afetividade pelo espaço, as facções criminosas
potencializam suas relações sociais e conseguem novos “irmãos” (adolescentes) para defender
o que há de mais sagrado nessas organizações delinquenciais: significação da vida cotidiana.
Afinal, “defender a região, defender o local é talvez uma simples busca de sentido”
(RAFFESTIN, 1993, p. 184).

13
Criação de “barreiras, uma espécie de ‘barragem’ como forma de conter ou de redirecionar a circulação”
(HAESBAERT, 2010, p. 540).
72

Ao passo que a territorialidade se torna importante na vida dos sujeitos, ela também
possui seus problemas, é que ela gera, primeiramente, um sentimento de pertencer a
determinado território para, posteriormente, os indivíduos procurarem pertencer à sociedade
(RAFFESTIN, 1993). Essa peculiaridade é perceptível nos discursos dos adolescentes. Por um
lado, eles defendem e superestima a sua comunidade, por outro, consideram a sociabilidade
intangível. Essa concepção é vã, pois todo indivíduo pertente à sociedade, em menor ou em
maior grau psíquico.
Os sujeitos que moram em comunidades fechadas, isoladas e periféricas possuem um
maior grau de pertencimento ao seu território específico, predomina o senso de coletividade,
uma espécie de solidariedade mecânica (DURKHEIM, 2001), mas a sensação de pertencer não
acontece na mesma proporção.
O que precisamos é quebrar essa imaginação que os adolescentes têm acerca das
construções estereotipadas e segregacionistas da sociedade, o que termina por comprometer,
não só os adolescentes, mas também a coletividade e a sensação de pertencer à “sociedade
referência”.
A periferia empobrecida materialmente do país vem sofrendo, por parte do Estado, um
processo de desterritorialização sem precedente, para tanto, as facções criminosas incentivam
a preservação e a defesa da territorialidade desses ambientes. O Estado insiste com essa política
porque “desterritorializar uma etnia é a melhor maneira de vê-la desaparecer para se fundir num
magma sociológico” (BONNEMAISON, 2002, p. 107).
A partir desse comportamento “territorializador”, essas organizações delinquenciais
ganham respeito ao preservar o único patrimônio que dá sentido aos sujeitos viverem nesses
ambientes que mais representam a desigualdade do país: a territorialidade. Esse apreço pela
comunidade, por mais inóspito que o ambiente seja, dá-se pelo geossímbolo, que nada mais é
do que um lugar que expressa uma dimensão simbólica nos sujeitos a partir da sua cultura e do
seu fortalecimento da identidade (BONNEMAISON, 2002).
As facções proporcionam aos adolescentes experimentar de uma multiterritorialidade14
que as fazem transitar por diversos territórios concomitantemente em busca de uma identidade,
seja em território das facções rivais em busca do controle do tráfico de drogas e armas ou no
acesso a ambientes abastados, utilizados para reproduzir significações para o seu viver.
Percebemos que o poder, identidade e territorialidade se intercruzam em torno das
subjetividades dos sujeitos que habitam esses espaços de multiterritorialidades.

14
Transitar e conviver em vários territórios concomitantemente (HAESBAERT, 2004).
73

Os espaços delimitados pelas facções são fundados numa territorialidade da


criminalidade em que elas são os principais expoentes e ditadores das regras que devem
predominar naquele determinado espaço. Há quem diga que existe um vazio de poder nesses
ambientes de expressões facciosas, porém acreditamos não haver porque onde o Estado não
consegue entrar, outras organizações, legítimas ou não, tendem a territorializar o espaço
(RAFFESTIN, 1993), como é o caso das igrejas, ONGs e facções criminosas. O que ocorre é
uma substituição do poder, fundado a partir de suas relações.
O grande destaque que se dá, aqui, é que as facções criminosas não separam o território
enquanto dominação (material) do território enquanto apropriação (simbólica), ou seja, elas
compreendem os sujeitos a partir dessas duas facetas. O Estado, por sua vez, não reconhece
essa indissociabilidade e insiste em separar o material do simbólico, em nome de uma
legalidade e legitimidade seletiva (HAESBAERT, 2004).
Assim como nos conflitos geopolíticos envolvendo interesses dos países da Europa e do
Oriente Médio, na vã pretensão de buscar uma saída para a pacificação social, por se tratar de
uma sociedade plural e territorialmente forte, o Estado tem encontrado dificuldade para
controlar grupos através da coerção.
A repressão vem sendo o meio utilizado para “pacificar” e limitar o poder de atuação de
quem confronta as concepções estatais. Diante disso, surge uma política de repressão estatal
contra as organizações delinquenciais, entre elas, as facções criminosas.
Além de buscar conter a representatividade comunitária dos grupos que agem fora das
concepções oficiais, a repressão do Estado é vista de outro modo. Essa política estatal não é
propriamente uma limitação populacional, “ trata-se de eliminar uma etnia ou uma raça, um
grupo linguístico ou uma minoria religiosa que representa um obstáculo a uma política de
homogeneização ou de integração” (RAFFESTIN, 1993, p. 79).
Na contemporaneidade, os novos ideais de vida são compartimentados por
territorialidades. Na universidade, os alunos são separados por períodos. Nos presídios, há uma
separação de acordo com o tipo de transgressão praticada. Nos hospitais, não é diferente, divide-
se de acordo com as enfermidades. Nas fábricas, a produção é setorial (SACK, 1986). Esse
fenômeno também é percebido nos centros educacionais ou no espaço social externo onde as
facções criminosas têm atuação.
No CEDUC Mossoró, essa territorialidade também é expressada com a separação dos
adolescentes que pertencem a facções rivais, ou seja, divide-se o território a partir da
territorialidade dos sujeitos. Eles são separados por núcleos que se localizam em lados opostos,
onde em cada um desses ambientes a territorialidade é defendida com sua identidade advinda
74

do ambiente externo. Há adolescentes de diversas mesorregiões do estado do Rio Grande do


Norte, o que faz existir uma multiterritorialidade no ambiente de socioeducação.
A violência recíproca entre os adolescentes tem forte relação com a territorialidade,
sendo que, no CEDUC, é só mais um espaço em que ela se expressa. A defesa da sua
territorialidade fora da unidade é levada para dentro e apoiada por suas respectivas facções,
devendo se manter isolados e defender seu território de sobrevivência em nome do seu grupo.
Ao passo que as facções protegem e dão significado ao território ao controlar as ações
na comunidade, elas também submetem e vulnerabilizam os sujeitos que coadunam com seus
ideais. Os adolescentes vêm se tornando vítimas dessa disputa pelo controle territorial nas
comunidades, projetada pelas relações de poder, identidade e consumo (FREITAS, 2010).
A discriminação espacial nas periferias empobrecidas materialmente dos grandes
centros é latente, estando, nela, inserida a noção econômica, racial e política. A discriminação
entre grupos socialmente opostos é a mais acentuada atualmente, contudo há, também,
discriminação entre os sujeitos que possuem as mesmas condições socioeconômicas e que
ocupam o mesmo território, como é o caso de adolescentes pertencentes a facções criminosas
rivais.
A discriminação externa, a do segmento da sociedade que dispõe de melhores condições
financeiras, não consegue interferir tão fortemente quanto a discriminação interna, pois o
impacto é muito maior quando o sujeito da própria comunidade discrimina seu par.
Essa divergência entre os sujeitos faz emergir o desejo de controle e domínio do grupo
rival (RAFFESTIN, 1993), ou, a vontade de poder atuando para dominar os sujeitos
(FOUCAULT, 2015). As facções criminosas, utilizando-se do poder das armas, surgem como
meio para se atingir a dominação. Como reflexo dessas discriminações, temos a cooptação dos
adolescentes em nome de uma territorialidade e uma nova concepção de vida.
Portanto, observamos que a territorialidade, exercida pelas facções criminosas nas
comunidades empobrecidas, é engendrada pela disputa de território. Defende-o para evitar que
grupos rivais entrem e dominem a comunidade, uma mostra de pertencimento e identidade com
seu território.
Por isso “o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em
si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo
que nos pertence” (SANTOS, 1999, p. 8).
Num ambiente onde predomina a violência, o principal objetivo é lutar, diuturnamente,
pela vida. Para tanto, observa-se a precaução da população com os conflitos, por vezes,
75

contribuindo na defesa do território; ora atacado pelas facções rivais, ora pela vitimados pela
truculência estatal.

3.4 CONSUMISMO E SUAS POTENCIALIDADES QUE CONTRIBUEM PARA A


PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES EM FACÇÕES CRIMINOSAS

Diante das suas vulnerabilidades, as crianças e os adolescentes representam um campo


fértil para o desenvolvimento da cultura consumista. Isso é reflexo de um desejo individualista
(típico da economia de mercado e da sociedade do consumo) na afirmação da identidade dos
adolescentes. Essas ideias e valores remontam o século XVII e XVIII. Nesse período, o
consumo passou a ser o centro das atenções e a força motriz do desenvolvimento comercial
europeu, influenciando as relações entre as culturas (RETONDAR, 2008).
O binarismo consumismo-adolescência é percebido como forma de mediação das
relações psicossociais, internalizadas de acordo com o seu bem-estar e autoestima, afirmados
ou negados subjetivamente.
Erroneamente, costumamos utilizar consumo como sinônimo de consumismo, porém,
“o fenômeno do consumo tem raízes tão antigas quanto os seres vivos - e com toda certeza é
parte permanente e integral de todas as formas de vida conhecidas a partir de narrativas
históricas e relatos etnográficos”; já o consumismo, “é um atributo da sociedade” (BAUMAN,
2008, p. 37-41).
Os principais fatores que influenciam o consumismo dos adolescentes estão
relacionados com a aceitação social, as marcas (grifes famosas), marketing e publicidades. Em
diálogos com adolescentes que cumprem medidas de internação no CEDUD Mossoró, eles
afirmam que o estereótipo das roupas desperta desejo nas garotas e que, usar certos estilos,
aumenta as chances de conquistá-las. Ter várias parceiras ou, na linguagem deles, “pegar as
novinhas” numa noite representa a afirmação da sua masculinidade e gera respeito dentro do
ambiente de socialização.
A mídia, aproveitando a vulnerabilidade dos jovens e suas condições de peculiaridades,
tem grande influência na construção da sua identidade. Ela influencia o comportamento desse
dos jovens ao traçar parâmetros de aceitabilidade social. Diante disso, esses sujeitos buscam
alternativas que deem possibilidade de ascender socialmente e que os distingam de seus pares,
pois isso potencializa a sensação de poder e fomenta o reconhecimento comunitário.
76

Ainda nesse sentido, os veículos de comunicação de massas (principalmente TV e


Internet) aparecem como ferramenta propulsora de difusão de produtos que afetam o
comportamento dos adolescentes. Sabendo das suas fragilidades, divulgam informações dúbias
ou maliciosas capazes de comprometer o comportamento dos indivíduos e gerar fortes prejuízos
e interferir sua trajetória de vida, isso impulsiona sua entrada no rol de consumidores que não
possuem poder aquisitivo. Portanto os indivíduos simplesmente buscam sua auto-identificação,
influenciados pelas marcas divulgadas pela mídia e encontradas nos estandes das lojas
(BAUMAN, 2008).
Os adolescentes buscam estar em evidência e ter reconhecimento no ambiente
comunitário para suprir as exigências do ego individualista e hedonista que é alimentado por
seus pares. Já que estão em estágio peculiar de desenvolvimento, ficam mais vulneráveis às
ferramentas que potencializam a diferenciação a partir da aquisição de bens apresentados
publicamente como valiosos e que efetiva o pertencimento a determinado grupo social
(ARAÚJO, 2016).
Há um filtro criterioso dos adolescentes para consumir produtos. A vaidade reina e eles
não aceitam produtos que estejam à margem do rol característico que identificam os
adolescentes como membros dos “guetos comunitários”. A acumulação de bens não é um fim.
O que se busca é uma fluidez na sua utilização, pois “o que caracteriza o consumismo não é
acumular bens [...], mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir espaço para outros
bens e usos” (BAUMAN, 2004, p. 32).
A não recuperação dos valores juvenis muito se deve às “forças ocultas”, às grandes
corporações que lucram com o incremento dos adolescentes na linha de frente do consumismo.
Isso contribui negativamente no processo de ressignificação dos valores de adolescentes que
não possuem seus vínculos familiares e comunitários fortalecidos. Por trás das escolhas dos
objetos, está a necessidade de reconhecimento, baseada nas características de sujeito, um
referencial geralmente de uma classe social mais abastada. Percebemos que há uma necessidade
recíproca dos adolescentes que estão em classes sociais distintas reconhecerem a importância
do outro, pois

A ‘cultura’ dominada está marcada, de ponta a ponta, pela cultura dominante


e pela desvalorização da qual ela é objeto. A própria cultura dominante deve
também suas propriedades mais fundamentais ao fato de que ela se define,
sem cessar, negativamente em relação às ‘culturas’ dominadas (BOURDIEU,
1983: p.90).
77

Os adolescentes das classes sociais mais favorecidas, ao passo que são utilizados como
parâmetro de aceitação social por adolescentes das periferias empobrecidas materialmente,
precisam também desses sujeitos ditos “marginais” para se afirmar enquanto classe superior e
ter argumentos para continuar com o processo de estereotipização e estigmatização dos
adolescentes vulneráveis financeiramente.
Por parte dos adolescentes que se encontram em maior vulnerabilidade econômica e
social, isso se revela ao percebemos uma busca padronizada dos objetos desejado. Os
adolescentes veem nos grupos abastados “legitimidade”, inclusão e aceitação social o reflexo
do que buscam para si: reconhecimento ético e moral (ASSIS, 1999).
A indústria do consumo é capaz de gerar um imagético15 nos adolescentes, atribuindo
sentido em suas vidas a partir de uma hierarquia social dos bens (ARAÚJO, 2016). Isso pode
soar como uma difusão e manutenção das desigualdades sociais, legitimando certos grupos em
detrimento de outros, aflorando nos adolescentes da periferia empobrecidas materialmente um
sentimento de impotência e inferioridade.
Esses fatores atuam na subjetivação desses jovens que não veem em sua família
capacidade de poder de compra para torná-lo sujeito com representatividade dentro dos seus
grupos.
Há, sim, um ethos pelo consumo exacerbado e o status que essa cultura proporciona. No
entanto, precisamos traçar estratégias de consumo para esses adolescentes, no sentido de que
“o desejo pelos produtos pode ser controlado, mediante organização de ‘competências
culturais’ que indicam o caminho legítimo para aquisição de bens, obedecendo a normas sociais
e legais” (MELO; ASSIS, 2014, p. 159-160).
Os adolescentes vulneráveis, em regra, não têm acesso real ao consumo, mas estão
inseridos nesse sistema a partir do momento em que obtém um tênis, um boné, ou quaisquer
outros bens que alimentem essa cultura. A mercadoria para os adolescentes não possui valor de
uso, mas valor de troca, pois o que eles buscam é trocar o valor gasto em reconhecimento
comunitário.
Já o sentido dado ao objeto adquirido é simbólico, cada grupo dá o sentido de acordo
com a sua cultura e vivência. Os significados adquiridos pelas classes abastadas ao utilizar um

15
A mídia, de forma indiscriminada, utiliza-se da imagem para vender produtos e dar outras significações de vida
aos adolescentes a partir de uma nova concepção de estratificação social e cultural. Nesse sentido, “o valor das
mercadorias e dos objetos substitui o valor do homem, ele próprio transformado em mercadoria, definindo uma
nova ética no campo das relações sociais” (CAMPOS, 2003, p. 15).
78

produto são diferentes dos adolescentes que habitam as periferias empobrecidas materialmente.
Assim, o produto pode ter preço de marcado idêntico, mas possui valor e significado diferente
no campo imagético dos adolescentes (GAMBARO, 2012).
A ausência de condições financeiras para adquirir bens, associado ao desejo consumista
dos adolescentes, pode ser considerado como um dos vilões que potencializam a prática de atos
infracionais. Na vã pretensão de que as práticas ilícitas darão possibilidade de obtenção dos
recursos materiais, as facções criminosas se apresentam como elo entre a adolescência e o
consumismo. Percebemos isso no discurso de um adolescente que cumpre medida
socioeducativa de internação no CEDUC. Assim, ele nos relata: “eu entrei nessa vida por causa
do meu pai, ele não me dava dinheiro pra comprar roupas, cama, guarda-roupa”
(ADOLESCENTE 3, 19 anos).
Restam interrompidas outras perspectivas por vias legítimas e legais de acesso aos
produtos desejados. Nesse contexto de consumismo e ato infracional, os adolescentes estão
mais preocupados em exteriorizar o seu falso poder de compra do que interiorizar os
significados do capital simbólico dos produtos.
O consumo e o tráfico de drogas estão intimamente ligados com as práticas infracionais,
devendo partir de um pensar complexo, tecido tudo junto, os setores econômico, familiar,
político e social. Além de se sentirem bem, cobertos por objetos e embalagens, os adolescentes
buscam suprir carências afetivas emocionais consumindo drogas de forma desenfreada. O
tráfico de drogas, ainda hoje, é uma das principais fontes de renda das facções criminosas.
Muitos adolescentes asseguram que utilizam drogas para se sentirem mais espertos,
elétricos e com coragem de praticar condutas que, sem os efeitos de entorpecentes, não seriam
capazes. Entre os comportamentos, podemos citar a agressividade, a falsa sensação de
segurança e sua capacidade de convencimento com as “garotas da balada”. Se, por um lado,
eles utilizam drogas ilícitas, como a maconha e cocaína, por outro, em sua maioria, não
consomem bebidas alcóolicas, pois, segundo eles, enquanto a cocaína deixa o indivíduo
“ligado”, a bebida alcóolica deixa “lesado” e sem reação. Esse efeito compromete as chances
de defesa perante os ataques dos seus inimigos: Estado e facções rivais.
As facções utilizam os adolescentes como mão-de-obra do crime. Eles exercem o papel
de “aviãozinho16” no tráfico de drogas. Exercendo esse papel de office boy no comércio de
drogas ilícitas, atendem a seus desejos de consumo que foram reprimidos pela falta de
condições financeiras da família e de políticas públicas de distribuição de renda.

16
É o indivíduo que repassa drogas, vende ou transporta para alguém.
79

Os adolescentes que se envolvem com esse tipo de ato, geralmente, encontram no


consumo a possibilidade de afirmar sua identidade. O tráfico proporciona acesso a produtos
que, por vias lícitas, os adolescentes encontrariam dificuldades para sua aquisição. Com o
auxílio das facções criminosas, mesmo se encontrando à margem, consegue acessar produtos e
serviços que estão no centro do sistema.
Mesmo assim, acreditamos não ser somente as políticas de distribuição de renda capazes
de atender às necessidades desses adolescentes e suas famílias. Essa política foi desenvolvida
nos últimos anos e os índices de adolescentes envolvidos com atos infracionais vêm
aumentando. É preciso investir em política de cunho psicossocial que (re)signifique suas
pretensões e aflore nesses sujeitos a afetividade, alteridade, sentimentos, desejos e cognição.
Com isso, imaginamos que eles encontrem sentido na sua vida distante dos atos
infracionais e desenvolvam sua autonomia com o apoio da sua família, mesmo convivendo em
um ambiente de grande vulnerabilidade socioeconômica. É urgente romper com as ideias da
“política pública ‘pobre para pobre’, como se fosse impossível trabalhar a emoção de um sujeito
quando ele tem fome, como se ele não tivesse desejos ou sonhos, como se pensar fosse possível
apenas de ‘barriga cheia’” (TAVARES, 2014, p. 186-187).
Nesse cenário, os adolescentes podem conseguir sua emancipação17 e passar a se sentir
um sujeito autônomo e responsável por seu próprio destino profissional, educacional e sexual
de forma independente. O fato é que, essa mesma autonomia, pode ocasionar mais um fator de
vulnerabilidade, pois ao se sentir empoderado e independente, os adolescentes podem se sentir
um (anti) herói e romper os laços familiares e se aproximar da criminalidade (ADORNO, 2010).
Ao serem etiquetados socialmente como adolescentes consumistas e infratores,
colocam-se em xeque as suas singularidades, reduzindo-os às definições de uma cultura de
massa18. Antes de consumistas, transgressores, infratores ou qualquer outro adjetivo
reducionista, eles têm algo em comum com os sujeitos ditos sociáveis: são da mesma raça, a
raça humana. É preciso ensinar esses adolescentes a viver. Não podemos negar ou tratar a
adolescência como só mais um período da vida, pois é “na adolescência, que se acham
concentradas todas as verdades que se dispersam durante o encaminhamento do homem”
(MORIN, 1997, p. 154).

17
De acordo com Boaventura, a emancipação “não é mais do que um conjunto de lutas processuais, sem fim
definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas”
(SANTOS, 1991, p. 187).
18
Edgar Morin preceitua que “a cultura de massa é o produto de um diálogo entre uma produção e um consumo”
(MORIN, 1997, p. 46).
80

Não acreditamos que a pobreza motive o crime. Mas os adolescentes que estão em maior
vulnerabilidade e numa cultura de consumo exacerbado sofrem influências sociais para
adquirirem produtos midiáticos, o que, diante das suas condições socioeconômicas, só seria
possível por meio de práticas ilícitas.
Eles estão propícios a praticarem atos infracionais para buscar, de forma rápida, uma
representatividade na comunidade em que vivem e alimentar seu ego e desejo de poder sobre
os outros, vendo o consumismo como elemento de progresso.

3.5 MASCULINIDADE ENQUANTO SENTIMENTO DE VIRILIDADE, FORÇA E


PODER

Os debates sobre masculinidade vêm se intensificando cada dia mais. Há quem fale que
estamos passando por uma crise de masculinidade, pois a identidade dos homens estaria sendo
comprometida, tornando sem hegemonia (SILVA, 2006). Não negamos que há, historicamente,
uma diferença de direitos e deveres entre homens e mulheres, bem como é importante
reconhecermos que a feminilidade é utilizada como parâmetro para medir o grau de
masculinidade dos homens.
Porém, não é nosso objetivo analisar a masculinidade a partir dessas configurações de
gênero. Analisaremos a masculinidade enquanto virilidade, uma demonstração de força e poder
entre os adolescentes do sexo masculino.
Apesar de haver um vasto entendimento do que seria a virilidade, não podemos analisar
o ser viril dissociando-o das concepções de masculinidades, há um diálogo entre essas
categorias. Em outras palavras, “é impossível falar de virilidade sem discutir a própria
concepção de masculinidade” (VINUTO; ABREO; GONÇALVES, 2017, p. 61).
A virilidade possui um duplo significado. Inicialmente, ela pode ser atribuída à noção
de força, coragem, capacidade de lutar e dominar o outro, sendo essa a que será analisada nesta
categoria. A outra concepção, a qual não pretendemos adentrar, é a virilidade enquanto forma
sexual erétil do homem e sua imposição de valores (PASCAL; WELZER-LANG, 2000 apud
VINUTO; ABREO; GONÇALVES, 2017).
As concepções de masculinidade não podem ser vistas de forma homogênea. Elas
mudam de acordo com as singularidades e histórias dos sujeitos ou grupos específicos. É reflexo
de uma construção social permeada por significados plurais e que tem por trás uma disputa de
81

poder. É necessária uma compreensão das formações subjetivas dos adolescentes,


relacionando-as à violência e à posse de arma de fogo que a construção social proporciona e as
facções executam com esses sujeitos.
No contexto das facções criminosas, não vemos a virilidade como uma construção
natural da relação de subordinação homem-mulher posta historicamente, apesar de haver
influências. Essas representações são afirmadas muito mais pelo contexto de violência e poder
de dominação do outro, que não é necessariamente uma mulher, já que elas ainda não têm
representatividade nos processos decisórios das facções, apesar de que, há indícios de aumento
da sua participação. Predomina, assim, a relação masculina entre homem-homem.
Acreditamos que, mesmo inconscientemente, há superposição do masculino dentro das
facções. Mesmo as mulheres tendo aumentado a sua participação nesses grupos facciosos, elas
não exercem papel de destaque, restringindo-se a ocupar funções subalternas e desafiadoras
dentro da criminalidade, como entrar com drogas e armas dentro dos ambientes prisionais.
Geralmente, esse papel desempenhado pelas mulheres, emerge como uma espécie de prova de
amor/poder para seu companheiro ou filho que se encontra custodiado. Logrando êxito na
empreitada, ela e seu companheiro ganharão respeito dentro da organização delinquencial.
Há várias masculinidades, no plural, com representações hierárquicas diversas
(CONNELL, 1995 apud VINUTO; ABREO; GONÇALVES, 2017), compreendidas, dentre
outras, a partir de classes sociais, cor, orientação sexual ou ideologias facciosas. Diante disso,
a virilidade dos sujeitos é um instrumento de poder, importante quando se busca disputar o
controle do tráfico nas comunidades e domínio dos presídios/centros educacionais.
Em toda sociedade há uma masculinidade que se sobressai das outras e acabam sendo
utilizada como pressuposto para fundamentar as relações de poder. As facções utilizam a
masculinidade culturalmente imprintada pelo Estado e passada para os órgãos de segurança
pública. Os comportamentos dos sujeitos que participam das facções, expressam bem essa
realidade. Eles se baseiam nas afirmações/imposições de masculinidade, força e poder do
Estado para reproduzir tais conceitos, ora para se defender, ora para atacar.
Também é perceptível essa relação de masculinidade entre a criminalidade e o Estado
quando os agentes de segurança são etiquetados como “homens” ou “zome”. Isso demonstra
uma afirmação hegemônica, mesmo que inconsciente, da masculinidade/virilidade e
superpoderes da polícia, que acaba servindo de parâmetro para aquisição de armas e estratégias
de guerra para agir contra seus inimigos.
82

Nos últimos anos, a taxa de mortalidade dos homens jovens19 vem aumentando no
mundo, não sendo só uma característica do Brasil. Observamos que não há nenhuma relação
com os índices de mortalidade infantil, pois, mesmo nos países europeus, onde os índices de
mortalidade são baixos, o número de jovens mortos vem crescendo. Em países considerados
em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a taxa de homicídio de homens jovens é maior
do que em países que passam por guerra civil (BARKER, 2008).
Esse fenômeno é reflexo do modelo de masculinidade que eles buscam viver e querer a
todo custo provar que é “homem” forte, viril e poderoso. Eles buscam, por meio das facções
criminosas, afirmar sua masculinidade utilizando-se da violência para amenizar os efeitos da
exclusão social (BARKER, 2008).
A afirmação de masculinidade, enquanto virilidade, dos adolescentes é potencializada
pelas facções criminosas. Elas dispõem desde alternativas para suprir os desejos dos
adolescentes que se encontram em maior vulnerabilidade socioeconômica e estão propensos a
fazerem parte desses grupos. Isso vai desde a distribuição de poderio bélico (armas para praticar
assaltos e homicídios) à econômico (tráfico de drogas e o incentivo à prática de atos infracionais
contra o patrimônio). Eles são “desafiados e incentivados a agirem, sob pena de serem
rotulados como ‘fracos’, ‘bichas’, ‘moles’, ‘cagões’, ‘caretas’, entre outros epítetos, a
responderem a uma ofensa” (PIMENTA, 2014, p. 714).
No contexto das facções criminosas, a masculinidade possui um viés bipolar. Tanto
pode representar a conquista de poder sobre outro e ganhar respeito dentro da facção, ou “um
desvio em relação às normas de gênero pode resultar em ridículo ou em ser excluído de certos
espaços”. Isso traz significados que interferem no comportamento dos adolescentes porque
“definir a versão de masculinidade internalizada, projetada e vivida é uma questão de vida ou
morte” (BARKER, 2008, p. 28).
O privilégio que os adolescentes buscam ao tentar afirmar sua masculinidade, por meio
da violência, é algo intangível. Não tem como eles conseguirem poder pela via da
masculinidade. O que há são relações de poder, como visto anteriormente. Bem como, não
existe a possibilidade de domesticar os pares ou inimigos e torná-los propriedade, o que pode
ocorrer são coalizões, para o bem ou para o mal. Diante disso, a virilidade ganha outra
dimensão, pois “a virilidade [...] como aptidão ao combate e ao exercício da violência
(sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga” (BOURDIEU, 2012, p. 64).

19
No Brasil, considera-se jovem, de acordo com o Estatuto da Juventude (2013), as pessoas que têm entre 15 e 29
anos de idade.
83

Dentro das facções há pressões para que os adolescentes ajam como “homem”, tanto no
que diz respeito ao tráfico de drogas, ao honrar com as regras de pagamento dos negócios,
quanto o seu comportamento de gênero. Ao adolescente é imposto a concepção de “macho”, no
sentido de não ser afeminado, pois o feminino é visto como algo que é submisso, dependente e
inferior. Empiricamente, conseguimos perceber, em diálogos com adolescentes que cumprem
medida socioeducativa de internação no CEDUC Mossoró que o consumo de drogas e o porte
de armas são vistos como ferramentas que potencializam a afirmação da masculinidade dentro
das facções criminosas.
Num país em que não se costuma incentivar a autonomia juvenil, as formas dos
adolescentes solucionarem seus conflitos não poderia ser outra senão através da violência. Essa
cultura se associa atualmente à coerção estatal, quando se confunde o acesso ao judiciário com
acesso à justiça social, instigando e distanciando ainda mais “os donos do conflito”.
Nesse contexto, consumismo, busca por poder e a necessidade de pertencer a um grupo,
associados à concepção de masculinidade, fazem os adolescentes se utilizarem da força para
procurar adquirir respeito, disputar território e adquirir representatividade na comunidade. No
mesmo sentido, isso se expressa de forma impositiva em busca de notoriedade social,
demonstrar bravura e ousadia ao desafiar o Estado e destruir as facções rivais. Portanto, para os
sujeitos que fazem parte desses grupos o “orgulho de ser homem não se origina na gentileza e
outras disposições civilizadas, mas da capacidade e disposição de destruir o adversário”
(ZALUAR, 2007, p. 46).
Os conflitos entre os jovens são de várias espécies, envolvendo territorialidade, torcidas
organizadas, discussões político-partidárias e conflitos identitárias de gênero. Diante desse
contexto, os adolescentes veem a violência como um recurso eficaz na resolução de conflitos.
Percebendo esse desejo dos adolescentes, as facções criminosas corroboram para que ocorram
novos episódios de violências.
Hoje, os adolescentes convivem com diferentes formas de sociabilidades, seja na escola,
família ou nos espaços virtuais. Nessas relações sociais, está a violência nos centros urbanos
que representam grande ameaça para a vida dos jovens, sobretudo quando as facções criminosas
despertam nos jovens um sentimento de vizinhança, coleguismo e amizade que competem por
espaço de representatividade e diversão dentro da comunidade.
As organizações delinquenciais dão o suporte necessário para que os adolescentes
afirmem sua masculinidade portando armas, veículos e consumindo exacerbadamente via
capital proveniente do tráfico de drogas, principalmente quem vive com menor segurança e
autoestima. A desinibição que a droga proporciona atua como um facilitador das relações
84

sociais, sobretudo no processo de conquista das mulheres. Elas são vistas como afirmadoras da
virilidade dos adolescentes.
Porém, nem toda afirmação de masculinidade é violenta, é preciso analisar e refletir
criticamente de que forma e como ela surge no meio social. A masculinidade fugiu da
exclusividade binária “homem-mulher” para uma concepção a partir da história de vida social
e cultural de cada sujeito. Devemos levar em consideração que a masculinidade se expressa de
diversas formas, apesar de as facções quererem traçar um perfil de aceitação.
A masculinidade deve ser concebida dentro das concepções de gênero de cada sujeito.
A violência física contra mulheres é combatida dentro das facções, não sendo essa forma de se
afirmar a masculinidade na relação com o sexo feminino, mas a fertilidade, virilidade e poder
de conquista.
Ela não é afirmada de forma aleatória, há interesses escusos, não sendo diferente com
as facções criminosas. A masculinidade é afirmada de acordo com regras de condutas que
determinam e regulam a interação social entre os pares, buscando respeitar a mão invisível que
traz o código de honra de cada facção. Não se pode tomar decisão isolada dentro da facção,
ninguém quer perder poder de decisão, é preciso decidir coletivamente para honrar e satisfazer
o ego viril de cada sujeito do grupo. Essa concepção coaduna com a de que “a virilidade tem
que ser validada pelos outros homens, em sua verdade de violência real ou potencial, e atestada
pelo reconhecimento de fazer parte de um grupo de ‘verdadeiros homens’” (BOURDIEU, 2012,
p. 65).
Nos espaços de criminalidade, há uma figura que merece destaque e deve ser
compreendida a partir da virilidade e poder, e não propriamente da ideia de gênero. Essa figura
é estereotipada como a “mulher de bandido”. No binarismo de homem trabalhador e homem
bandido, a mulher exerce forte influência na construção da identidade masculina. Ela, ao
preferir o “homem bandido” em detrimento do trabalhador, empodera o “bandido” e o faz
ganhar prestígio social.
Diante de tantas vulnerabilidades, relacionar-se com “bandido de facção” dá uma (falsa)
sensação de segurança e reconhecimento às mulheres. Percebemos que há uma nítida troca entre
os sujeitos que praticam ilícitos e as mulheres que se envolvem com esses indivíduos. Eles
oferecem poder econômico e respeito comunitário às mulheres. Em troca, eles procuram, no
corpo delas, legitimar-se socialmente. Portanto, os homens preteridos passam a ver a influência
que as facções exercem como uma saída para conseguir relacionamentos amorosos.
As facções são vistas como uma oportunidade para ascender socialmente, o que, muitas
vezes, não é possível se atingir por falta de meios lícitos para obtenção de recursos financeiros.
85

As práticas ilícitas são vistas pelos adolescentes como trabalho digno, pois para quem vive em
condições subumanas, os parâmetros de legalidade e legitimidade se tornam secundários.
A masculinidade também se faz presente nas palavras e nas coisas. A nomenclatura
“irmão”, utilizada para designar se um sujeito faz parte ou não da facção, entre outras noções,
traz uma representação de virilidade que nos chama atenção. Para fazer parte, efetivamente, de
uma facção, é necessário ter mais de 18 anos, pois essa idade tem um simbolismo que carrega
consigo a ideia de homem viril, capaz de se defender e atacar seus inimigos quando necessário.
Essa virilidade é utilizada para distinguir hierarquicamente os membros das facções e a
distribuição de tarefas durante os confrontos.
Os crimes sexuais também trazem representações interessantes da masculinidade no
ambiente faccioso. O código jurídico próprio das facções criminosas considera esse tipo de
crime inaceitável. Os indivíduos que cometerem ilícitos sexuais, serão punidos de acordo com
as regras das facções. Dentre outras regras, está a humilhação e violência sexual. Dito na
linguagem deles, quem pratica crimes sexuais são transformados em “mocinhas” da cadeia, o
que representa uma mistura de poder e masculinidade.
Com essa violência sexual, busca-se equiparar os sujeitos violadores às mulheres, na vã
concepção da inferioridade feminina, isso porque “a pior humilhação, para um homem, consiste
em ser transformado em mulher” (BOURDIEU, 2012, p. 32).
Outra forma da masculinidade se manifestar dentro das facções é com o número de
ilícitos praticados pelos “irmãos”, pois, quanto mais extenso for o “currículo criminal” do
sujeito, mais representatividade e respeito ele possui dentro do mundo do crime.
Quem não é capaz de demonstrar virilidade, não é aceito nas facções ou passa a
desempenhar um papel de pouca relevância, podendo cair no ostracismo, ser expulso ou morto
Isso porque “as manifestações (legítimas ou ilegítimas) da virilidade se situam na lógica da
proeza, da exploração, do que traz honra” (BOURDIEU, 2012, p. 29).
Dentro do CEDUC, a masculinidade é colocada à prova quando os adolescentes se
utilizam da violência para afirmar sua identidade facciosa perante os adolescentes rivais ou
contra os agentes do Estado. A prática viril, ao passo que dá uma sensação de poder, também
produz receio nos membros hierarquicamente inferiores e nos membros das facções rivais, já
que, além do poderio financeiro, o outro fator que potencializam a subida hierárquica dos
membros é a crueldade nos atos praticados.
Nesse sentido, presenciamos este discurso no Centro Educacional Mossoró: “para subir
na hierarquia precisa ter muito dinheiro, muitos homicídios, muito conhecimento e experiência.
Se possível, ser formado no crime e na faculdade [graduação]” (ADOLESCENTE 1, 17 anos).
86

Portanto, almejar ascensão social é um atributo que representa a afirmação de poder e


identidade masculina dentro da comunidade. Isso não propicia apenas o acesso a bens consumo,
como também prestígio perante seus pares. O respeito que os adolescentes buscam está calcado
nos indicadores de independência econômica, associados a uma hegemonia de identidade,
poder e virilidade masculina (TAVARES, 2014).
87

4 MANIFESTAÇÕES DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO CEDUC MOSSORÓ/RN

O quarto capítulo deste trabalho se refere a uma pesquisa empírica, em que exploramos
o banco de dados do Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática, acerca da participação
de adolescentes em facções criminosas. O referido projeto de extensão é vinculado à
Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), nascendo, em meados de 2014.
O Projeto iniciou suas atividades desenvolvendo atividades lúdicas e interativas com
crianças e adolescentes que compareciam, juntamente com seus pais (assistidos), ao Núcleo de
Práticas Jurídicas (NPJ) da UFERSA.
Posteriormente, no ano de 2015, o projeto muda um pouco o foco e passa atuar com
mediações e conciliações com os assistidos no âmbito do Núcleo de Práticas Jurídicas da
UFERSA.
Em 2016, passamos a atuar em outro eixo, alcançando outros campos a partir de uma
comunicação universitária com instituições que compõem a rede de proteção à crianças e
adolescentes na cidade de Mossoró/RN. Nesse enredo, começamos a desenvolver atividades
junto às instituições que fazem o sistema socioeducativo, sobretudo o CEDUC Mossoró,
conhecendo os agentes que atuam na defesa e promoção de direitos de crianças e adolescentes.
As principais atividades desenvolvidas no CEDUC eram relacionadas ao
monitoramento de garantias dos adolescentes privados de liberdade pelo cometimento de atos
infracionais. Diante disso, realizávamos atendimentos e orientações ao adolescente e sua
família, acompanhando andamento dos processos e da execução da medida socioeducativa,
colaborando com a defesa técnica, além de outras atividades correlatas. Ainda, atuamos dando
apoio institucional à equipe técnica que executa as medidas socioeducativas de internação dos
adolescentes.
No ano de 2017, almejamos dar continuidade às atividades iniciadas e aprofundar a
colaboração na execução das medidas socioeducativas, buscando a compreender a problemática
do adolescente em conflito com a lei a partir das razões psicossociais que os levaram ao
cometimento de atos infracionais. Paralelamente a isso, atuamos nas comunidades da cidade de
Mossoró objetivando prevenir e reduzir conflitos, guiados pelos princípios de Justiça
Restaurativa.
Em suma, até o ano de 2017, voltamo-nos a atuar no atendimento jurídico-processual
aos adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de internação no CEDUC/Mossoró.
Portanto, prestamos esclarecimentos jurídico, acompanhamento processual, participação em
88

audiência de reavaliação, elaboração de relatório para a Vara da Infância e Juventude da


comarca de Mossoró e iniciamos o processo de capacitação dos agentes educacionais e equipe
técnica do CEDUC/Mossoró, em busca de melhores estratégias para a execução da medida
socioeducativa.
Os dados que analisamos são provenientes de diálogos realizados, pelo projeto de
extensão, com adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro
Educacional Mossoró/RN. Ao explorar esses dados, almejamos conseguir subsídios empíricos
para dialogar (afirmando ou refutando) com a parte teórica do trabalho vista anteriormente.
O direcionamento da pesquisa ao Projeto de Extensão se dá em razão do referido projeto
possuir um banco de dados com informações relevantes acerca da participação de adolescentes
em facções criminosas, objeto da nossa pesquisa. Além disso, temos uma proximidade com o
projeto de extensão e o campo de pesquisa (CEDUC), pois atuamos, enquanto
extensionista/pesquisador, nos anos 2016 e 2017 (4 semestres), coletando os dados que foram
analisados neste trabalho.
Há diversas pesquisas acadêmicas voltadas à adolescência, outras tantas versando sobre
crime organizado e facções criminosas, porém há escassez20 de pesquisas que tratam acerca da
participação de adolescentes em facções criminosas.
Diante disso, consideramos que a melhor estratégia de abordagem com adolescentes que
cumprem medidas socioeducativas de internação no CEDUC foi por meio do Projeto de
Extensão Direitos Humanos na Prática.
Além de possuir o banco de dados que reúne informações relevantes dos adolescentes
que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro educacional Mossoró (CEDUC),
o projeto contribui dando orientação processual aos adolescentes que passam por reavaliação
da medida socioeducativa.
Essa aproximação do projeto com os adolescentes conferiu uma maior solidez e
fidedignidade nas entrevistas, já que os adolescentes, em sua maioria, veem o projeto de
extensão como “alguém que olha para eles”. O sigilo no teor das conversas é outro fator que
potencializa a confiança dos adolescentes no projeto de extensão.
Antes de nos aventuramos a propor algo, recortamos o estudo ao Centro Educacional
Mossoró e buscamos, eminentemente, compreender como se dá a participação de adolescentes
em facções criminosas.

20
Ao realizarmos uma busca no Portal de Periódicos Capes/Mec, com os termos “adolescentes. Facções
criminosas”, não identificamos nenhuma pesquisa que verse sobre a temática.
89

Importante observarmos que não é a participação em facções criminosas dos


adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no CEDUC, mas adolescentes
em geral. O CEDUC foi o campo de estudo analisado via projeto de extensão Direitos Humanos
na Prática (UFERSA).

4.1 O ESTUDO DE CASO

Por se tratar de um fenômeno complexo, dinâmico e envolver a condição humana,


optamos por compreendê-lo, também, por meio da relação pesquisador-pesquisado. Assim, não
abstratizamos os conceitos, nem maquiamos a realidade, mas faremos um diálogo entre a teoria
e a realidade investigada.
Assim como a pesquisa teórica, a pesquisa empírica girou em torno das contribuições
do pensamento complexo, que não nega nenhum conhecimento, convidando a compreender a
participação dos adolescentes em facções criminosas de forma multifacetada, respeitando sua
singularidade e condição peculiar.
A pesquisa empírica foi, eminentemente, qualitativa, induzindo/coletando-se os dados
para examinar as categorias versadas no capítulo anterior. Optamos pela pesquisa qualitativa
por considerarmos a mais adequada para essa análise. Não acreditamos que o emaranhado
dessas informações dos sujeitos possa ser reduzido a números ou quantificadas com uma escala
de amostragem tão curta.
É válido salientar que não se busca, aqui, negar ou desmerecer as pesquisas
quantitativas, pelo contrário, elas possuem grande valia dentro do nosso trabalho monográfico,
inclusive, foram utilizados alguns dados quantitativos durante a elaboração do trabalho. Esse
diálogo quanti-qualitativo nos aproxima de uma visão exlética da realidade investigada. Por
isso, decidimos partir da noção de método como atividade pensante do pesquisador. O método
se desprende ao longo do caminhar da pesquisa (MORIN, 2005).
A orientação metodológica utilizada na pesquisa empírica se pauta na exploração do
banco de dados do “Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática” da Universidade Federal
Rural do Semiárido (UFERSA). Analisamos 6 Instrumentos de Coletas de Dados que aplicamos
quando fazíamos parte do projeto enquanto extensionista/pesquisador.
O quantitativo de 6 instrumentos analisados se mostra satisfatório, já que o universo de
adolescentes que cumpriam medidas socioeducativa no CEDUC era de 30 (trinta) adolescentes,
90

ou seja, 20% (vinte por cento) do número de adolescentes internados na unidade. Ainda, os
critérios utilizados para a seleção dos instrumentos no banco de dados do projeto foram os
seguintes: os aplicados pelo presente autor, os que dispusessem do maior número de
informações que dialogasse com a nossa pesquisa, os adolescentes habitassem,
prioritariamente, mesorregiões distintas e, por fim, os que foram aplicados no ano de 2017.
O instrumento de coleta foi pensado e elaborado pelo projeto de extensão no sentido de
orientar os diálogos dos extensionistas com os adolescentes que cumprem medida
socioeducativa. Também, busca facilitar a elaboração dos relatórios que são enviados à Vara
da Infância e Juventude da Comarca de Mossoró, a qual garante o acesso aos processos e
permite o diálogo com os adolescentes no Centro Educacional de Mossoró (CEDUC). Os
instrumentos aplicados e os relatórios terminam por compor o banco de dados do projeto,
podendo ser objeto de análise.

4.1.1 Centro Educacional Mossoró

O estudo foi delimitado ao Centro Educacional Mossoró/RN (CEDUC), sendo o acesso


via Projeto de Extensão Direitos Humanos na Prática (UFERSA). O CEDUC Mossoró
representa uma amostra relevante para a região, permitindo compreender as condições
socioeconômicas dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa e suas respectivas
comunidades.
O CEDUC Mossoró foi inaugurado em 2010 e tem capacidade, segundo dados da
Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte (FUNDASE)
para internar 38 adolescentes do sexo masculino, sendo o maior do Estado do Rio Grande do
Norte. Há, na unidade, uma equipe multiprofissional que atua na socioeducação dos
adolescentes, como: psicóloga, assistente social, pedagogas, educador físico, agentes
educacionais, entre outros. Na unidade de Mossoró, cumprem medida socioeducativa
adolescentes das 4 mesorregiões do estado do Rio Grande do Norte, fazendo-se presente,
portanto, uma heterogeneidade e multiterritorialidades na unidade de internação.
Só existem 3 (três) unidades de internação no estado. Além do CEDUC Mossoró, visto
anteriormente, há o Centro Educacional Caicó, na cidade de Caicó, com capacidade para alojar
32 adolescentes e o Centro Educacional Pitimbú, localizado na cidade de Natal, que tem
capacidade para internar 36 adolescentes. Por fim, há, no estado, somente uma unidade para
91

internar adolescentes do sexo feminino, que é o Centro Educacional Padre João Maria,
localizada em Natal, com capacidade para internar 15 adolescentes.
A pesquisa no sistema socioeducativo possibilitará um comparativo21 com outros
espaços de socioeducação e penitenciários em que há indivíduos envolvidos com facções
criminosas e, ainda, um diálogo com documentos e pesquisas acadêmicas que analisam esse
fenômeno em escala nacional.
É importante mencionar que a pesquisa se restringiu a adolescentes do sexo masculino,
por dois motivos. Primeiro, porque, constatado empiricamente, as facções criminosas são
compostas, majoritariamente, por indivíduos do sexo masculino. Segundo, porque o Centro
Educacional Mossoró só interna adolescentes do sexo masculino, como vimos anteriormente.
A facilidade de acesso aos dados do projeto de extensão e sua atuação, nos últimos anos,
nessa temática contribuíram para delimitação da pesquisa, bem como a proximidade geográfica
onde se encontram as duas universidades nas quais atuamos enquanto extensionista na
Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e como estudante da graduação em
Direito na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

4.1.2 Realização dos diálogos com os adolescentes no CEDUC

Os dados foram colhidos via Instrumento de Coleta de Dados (que se encontra anexo ao
trabalho) a partir de conversas com os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
internação no Centro Educacional Mossoró/RN. Os diálogos com os adolescentes não se
enquadram numa entrevista propriamente dita, apesar de haver uma aproximação.
O objetivo principal dos diálogos não era a investigação social para a coleta de dados
acerca de determinados assuntos (MARCONI; LAKATOS, 2003), mas orientação processual
acerca da reavaliação da medida socioeducativa dos adolescentes. Durante os diálogos sobre o
cumprimento da medida socioeducativa, o instrumento possibilitou obter informações do
contexto sociofamiliar dos adolescentes, inclusive, no que se refere a seu envolvimento ou não
com facções criminosas, buscando compreender sua linguagem, “códigos” e gírias.
Mesmo os dados não tendo sido colhidos via entrevistas propriamente dita, julgamos
importante trazermos seu conceito. Metodologicamente, a entrevista pode ser definida como:

A etapa “comparativa” de investigação pode ser tida como um dos métodos de procedimento (LAKATOS;
21

MARCONI, 2003).
92

um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional.
É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para
ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social (LAKATOS;
MARCONI, 2003, p.195).

Nesse sentido, acreditamos que o melhor caminho a se seguir é o da ecologia dos


saberes22, saberes científicos dialogando com os saberes empíricos colhidos nos diálogos com
os adolescentes, analisando-os e tecendo-os conjuntamente (MORIN, 2003) as informações
auferidas.
Mesmo já tendo aflorado o interesse de investigar sobre o tema, os diálogos com os
adolescentes foram realizados enquanto atividade de extensão. A conversa se deu de forma
reservada com o adolescente para prestar informações processuais, sendo que a coleta de dados
serviu à extensão e como extensão, ocorrendo, posteriormente, o aproveitamento dos dados
colhidos para a realização da presente pesquisa.
Para manter uma maior fidedignidade possível às informações colhidas durante o
diálogo com os adolescentes, deixamo-nos conscientes acerca da pesquisa realizada e pedimos
a sua compreensão no momento da aplicação do Instrumento de Coleta de Dados para que não
distorcêssemos os relatos e conseguíssemos transcrever fielmente a sua fala, inclusive com
erros gramaticais e as gírias que permeiam as facções criminosas. Além disso, antes de
iniciarmos a conversa, firmamos, verbalmente um acordo de consentimento e asseguramos o
sigilo nas informações colhidas
Após a entrevista, os dados colhidos foram lidos juntamente com os adolescentes para
que eles acrescentassem ou retirassem alguma informação que pudesse lhe comprometer. A
transparência, respeito e alteridade contribuiu, consideravelmente, na coleta dos dados,
conquistando a confiança dos adolescentes sem se utilizar de coerção ou assistencialismo.
Sabemos da importância do contato que a extensão universitária proporciona aos
estudantes, pois estão em jogo as singularidades humanas, afetos e emoções, vivências que não
são comuns durante as atividades de ensino e pesquisa. Sem esse elo empático, a captação de
informações dos adolescentes pode restar comprometida. Esses sujeitos, historicamente,

22
Essa definição “consiste na promoção de diálogos entre saber científico ou humanístico, que a universidade
produz, e saberes leigos, populares, tradicionais, urbanos, camponeses, provindos de culturas não ocidentais
(indígenas, de origem africana, oriental etc.) que circulam na sociedade (SANTOS, 2011, p. 76).
93

tiveram seus direitos negados pela sociedade e pelo Estado, tendo internalizado um sentimento
de desconfiança nas pesquisas acadêmicas. Durante os diálogos com os adolescentes, houve
relato no sentido de que as universidades agem de acordo com os interesses estatais,
marginalizam esse segmento da sociedade, criam/afirmam estigmas e estereótipos dos
adolescentes.

4.1.3 O Instrumento de Coleta de Dados

A estrutura do instrumento foi pensada para guiar os diálogos com adolescentes que
cumprem medida socioeducativa. O instrumento não foi elaborado para subsidiar nossa
pesquisa, porém atendeu perfeitamente os critérios definidos durante a elaboração do projeto
de pesquisa.
O instrumento utilizado nas entrevistas foi criado pelo Projeto de Extensão Direitos
Humanos na Prática, da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). O instrumento
de coleta é utilizado em todos os diálogos realizadas pelos extensionistas do projeto com os
adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro Educacional
Mossoró (CEDUC).
O Instrumento de Coleta de Dados possui um viés semiestruturado (BASTOS, 2009), o
que nos possibilitou uma maior flexibilidade durante os diálogos com os adolescentes. Não
adotamos o viés quantitativo na análise dos dados do instrumento, apesar dele possuir substrato
satisfatório para tal. A pesquisa quantitativa é muito utilizada, via questionários, com perguntas
fechadas e objetivas, o que não foi o caso.
As perguntas presentes no instrumento de coleta levam em consideração a realidade da
unidade e o contexto social em que os adolescentes que cumprem medida socioeducativa no
CEDUC estão inseridos, inclusive, sua participação em facções criminosas, objeto do estudo.
Não há ordem de abordagem rígida. Prezamos por uma abordagem de aproximação, em que os
adolescentes devem se sentir à vontade para dialogar dentro das suas possibilidades e trajetórias
de vida.
A definição dos 6 Instrumentos de Coleta de Dados que foram analisados obedeceu aos
critérios de sociabilidade na unidade e distribuição geográfica dos adolescentes pelo estado.
Nesse sentido, selecionamos os instrumentos de adolescentes que cumprem medida
94

socioeducativa em alojamentos de convivência23 diferentes, isso nos ajudou a compreender a


sociabilidade dentro da unidade de internação e entendermos a realidade social fora do ambiente
socioeducativo.
Além disso, priorizamos por instrumentos de coletas de dados referentes a adolescentes
que moram em distintas mesorregiões do estado do Rio Grande do Norte, pois as compreensões
locais são essenciais para compreender o global (MORIN, 2003).
Importante observarmos que nem todos os dados dos adolescentes, presentes nos
instrumentos, foram analisados. Isso se deu em face do corte metodológico que fizemos para
realizar a nossa pesquisa.
O instrumento é divido em 3 (três) partes que se se comunicam entre si. A primeira parte
se refere à identificação do assistido pelo projeto de extensão. Desta primeira parte,
analisamos, principalmente, os pontos do instrumento que versam sobre: idade do adolescente,
idade em que praticou o ato infracional, cidade de origem, cidade em que praticou o ato, deseja
retornar para o local onde morava antes do cumprimento da medida socioeducativa,
gênero/sexo, cor (etnia/raça), nível de escolaridade, frequência escolar, momento da prática do
ato infracional, consumo de drogas, carreira profissional, natureza/tipo do ato infracional que
praticou, se o adolescente internado possui assistência advocatícia e, por fim, se o adolescente
tem algum tipo de preconceito e/ou discriminação.
A segunda parte do instrumento diz respeito à convivência familiar e comunitária,
bem como aos aspectos do cumprimento da medida socioeducativa no Centro Educacional
Mossoró. Dentre outras indagações que fazem parte do instrumento, analisamos, especialmente,
as seguintes: com quem o adolescente morava antes da internação, como se dá a convivência
com a mãe e o pai, qual a renda média da sua família, se já foi vítima de algum crime, já praticou
ato infracional ou se considera inocente, já repetiu o mesmo ato que acarretou o cumprimento
de medida, tem algum familiar cumprimento pena/medida no sistema penitenciário ou
socioeducativo, possui algum envolvimento com facção, tem inimigos dentro ou fora da
unidade de internação, propõe alguma melhoria para unidade de internação, já cumpriu sanção
na protetora (“cafua”), foi torturado alguma vez, sente-se pertencente à sociedade e/ou a sua
comunidade onde mora.

23
Refere-se aos locais onde os adolescentes cumprem, efetivamente, a medida socioeducativa de internação e se
mantêm isolados por grades e paredes de concreto. Analogicamente falando, é o que denominamos no sistema
penitenciário de “cela”.
95

Por fim, o instrumento de coleta de dados reserva um espaço para as considerações


finais, o que nos possibilitou conseguir dados acerca da participação de adolescentes em
facções criminosas.

4.2 A ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi feita de forma individual. Cada Instrumento de Coleta de Dados,
proveniente do diálogo com os adolescentes, serão compreendidos de maneira dialogada
(afirmando ou refutando) com as teorizações das categorias de análise elencadas no capítulo
anterior.
Objetivando preservar a identidade dos adolescentes, eles foram identificados como:
“adolescente 1”, “adolescente 2”, “adolescente 3”, “adolescente 4”, “adolescente 5” e
“adolescente 6”, obedecendo à ordem cronológica da realização dos diálogos no Centro
Educacional Mossoró.
Em momento anterior do trabalho, enxertamos algumas falas dos adolescentes, contudo,
neste momento do trabalho, a análise das “vozes” será mais criteriosa.
Cada entrevista, aqui analisada, foi dividida por seção, nomeada pela frase que nos
chamou mais atenção durante a análise do instrumento de coleta.
Por questões éticas e de segurança, bem como buscando fugir da estereotipização e
redução da condição humana dos sujeitos, não etiquetaremos as facções criminosas com seus
respectivos nomes, símbolos ou lema, pois não se trata de um estudo sobre comportamento de
membros de facções criminosas específicas. Pelos mesmos motivos, não anexaremos ao
trabalho os Instrumentos de Coleta de Dados referentes aos adolescentes que foram analisados,
restando um modelo do instrumento em branco anexado.
Com isso, a identificação das facções que forem citadas durante a pesquisa, serão
identificadas por ordem alfabética, a começar pela letra “A”, antecedida pela palavra “facção”,
à medida que forem sendo citadas, a saber: “facção A”, “facção B”, “facção C” e assim
sucessivamente. Ainda, os nomes dos bairros de origem dos adolescentes serão substituídos por
números, em ordem cronológica, começando pelo número 1.
Nesse sentido, buscaremos preservar e não estigmatizar a comunidade onde os
adolescentes moram e a facção criminosa que participam, bem como não denunciar o grupo
96

que pretende ou afirma dominar os bairros das cidades, o que seria um etiquetamento
geográfico.

4.2.1 “Pro trabalho a gente dá o suor, pra facção a gente dá o sangue, até a última gota”

O adolescente 1 é natural de uma cidade localizada na Mesorregião do Oeste Potiguar,


tendo praticado o ato infracional que acarretou sua internação numa cidade localizada na
Mesorregião Central Potiguar. O adolescente possuía 17 anos de idade no momento do diálogo,
não possui religião e se autodeclara da cor parda. Antes do cumprimento da medida
socioeducativa, morava no Bairro 1 da mesma cidade, onde não sabe se voltará a morar após a
saída da unidade. Ele afirma que tem opção de morar na cidade de Natal com um familiar,
almejando fugir das “más amizades” e dos conflitos que envolvem facções criminosas.
A natureza do ato infracional praticado pelo adolescente, o qual acarretou sua
internação, foi análogo a roubo. Nesse ato, ele atuou como mandante, sendo que, no momento
da infração, ele possuía 16 anos de idade. O ato infracional que acarretou a internação do
adolescente foi praticado em cidade distinta de onde se encontra sua residência.
Quanto à sua escolaridade, ele nos afirmou que, no momento da prática do ato
infracional, não frequentava a escola. Ele possui o ensino fundamental incompleto, estando
matriculado, no momento da entrevista, no 6º ano. O adolescente reconhece a importância da
escola, mas conta que sempre a frequentava de posse de arma de fogo. Perguntado o porquê
desse comportamento, ele disse: “é porque sempre gostei muito de armas, já possuí umas 8
(oito)”.
O adolescente afirmou que antes do cumprimento da medida socioeducativa possuía
uma estreita relação com drogas ilícitas, procurava fumar maconha quando estava na
companhia dos amigos, com o objetivo de descontrair. Seguindo o diálogo sobre drogas, ele se
mostrou contrário à criminalização da venda da maconha. Ele acredita que a cachaça é mais
perigosa do que a maconha porque coloca em risco tanto a vida de quem a consome, quanto de
pessoas inocentes, referindo-se aos acidentes de trânsito. O consumo de bebida alcoólica foi
rechaçado pelo jovem porque, segundo ele, a pessoa fica “desligada” e, por ter vários inimigos,
precisa estar “ligado” para se defender dos ataques dos inimigos, Estado e facções rivais. Ao se
referir ao termo “Estado”, o adolescente se remete, principalmente, às forças de segurança.
97

A profissionalização dos adolescentes é uma das principais preocupações e desafios


sociais. Por um lado, há a necessidade de inserção desses sujeitos no mercado de trabalho, por
outro existe uma forte resistência por parte da sociedade (FOUCAULT, 2015), pois esses
sujeitos, em sua maioria, são julgados pela cor da pele localização geográfica da sua
comunidade, pois morar numa favela é o principal atestado para ser considerado um criminoso.
Nesse sentido, restam os serviços subalternos informais, como é o caso do adolescente em
análise, que já trabalhou como servente de pedreiro, porém sem vínculo formal. No momento
da prática do ato infracional, ele não estava exercendo nenhuma relação de trabalho ou
emprego.
Quando criança, relembra que tinha o sonho de ser juiz de direito. Hoje, deseja seguir a
profissão de eletricista. Diante das suas vulnerabilidades, as profissões de maior
representatividade social não se tornam realidade para a maioria dos adolescentes do país,
restando, portanto, as profissões subalternas, que também possuem seu valor, mas exercida por
um seguimento social, em sua maioria de negros, pobres, analfabetos e periféricos (BARKER,
2008).
A estigmatização, estereotipzação, preconceito e indiferença contra os adolescentes com
esse perfil é visível, acarretando uma reação similar por parte de quem, historicamente, sofre
com essas atitudes segregacionista e reducionista (ADORNO, 2010). Porém, essa concepção
não faz parte do contexto social do adolescente, pois, de acordo com seu relato, mesmo
convivendo em ambientes propícios a tais práticas, ele assegura que nunca expressou ou sofreu
algum tipo de preconceito.
O adolescente tem uma convivência familiar peculiar. Os pais biológicos (mãe e pai) do
adolescente 1 separaram, tendo adquirido novas núpcias posteriormente, assim ele considera
como “pai” e “mãe” os novos companheiros dos seus genitores, o que denota uma adoção por
afinidade. Diante disso, ele considera que possui duas mães, uma adotiva e outra biológica,
pelas quais têm muito amor. No que se refere à convivência paterna, ele assegura que, também,
tem 2 (dois) pais, um adotivo por afinidade e o outro biológico, os quais faleceram quando o
jovem tinha 6 (seis) anos de idade.
Nesse sentido, ele relata: “minha família diz que se meu pai fosse vivo, eu não teria
entrado no crime, porque ele era muito bruto e correto. Aquelas pessoas do sítio, sabe?!” A
vulnerabilidade familiar se expressa de forma patente, pois, mesmo o adolescente considerando
ter duas mães, há uma carência da presença paterna, considerada como fundamental para sua
participação em atividades ilícitas.
98

Antes do cumprimento da medida socioeducativa, ele morava numa casa com a mãe
adotiva e mais 3 familiares. Na unidade de internação, recebe visita da mãe adotiva e biológica.
De acordo com ele, por receber visitas semanais, não realiza ligações telefônicas para sua
família. No momento da entrevista, o adolescente não possuía relacionamento amoroso e nem
filhos, assim como não soube informar qual a renda familiar, restringindo-se a dizer que: “não
gosto de se meter nas coisas da minha mãe”. O seu envolvimento com atos infracionais não
teve influência familiar, pois, segundo ele, seus familiares não são envolvidos com práticas
ilícitas. O adolescente assegura que somente um sobrinho é envolvido com práticas ilícitas.
“Parece que um sobrinho meu já teve passagem pelo CIAD 24, daqui de Mossoró”. Mesmo o
adolescente não considerando haver uma influência familiar direta para sua participação em
atividades ilícitas, anteriormente, percebemos que a ausência do pai pode ter contribuído para
tanto.
O contexto social do adolescente 1 é bastante instável. Diz-nos ter sofrido duas
tentativas de homicídio. Essas tentativas, segundo o adolescente, foram praticadas por inimigos
de facções rivais. Isso é reflexo do seu envolvimento com práticas ilícitas, pois, desde os 12
anos de idade, pratica atos infracionais contra o patrimônio. Ao ser indagado se havia muitos
homicídios em sua comunidade, ele não se dispôs a falar, disse que essa informação é muito
particular.
O adolescente não expressa arrependimento pelos atos praticados, acreditando que a
medida socioeducativa imposta não foi justa. Diante desse relato, observamos que o juiz aplicou
a medida socioeducativa de internação utilizando os parâmetros do sistema penal, com isso, fez
uma dosimetria da medida e sentenciou o adolescente a cumprir, no mínimo, 2 anos de medida
socioeducativa. Sabemos que estamos diante de uma patente ilegalidade, o § 2º do artigo 121
do ECA dispõe que a internação não comporta tempo determinado, devendo o adolescente ter
sua medida socioeducativa avaliada, no máximo, a cada seis meses. Ainda, no artigo 121, § 3º,
o ECA assegura que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três
anos”
O jovem considera ter um comportamento excelente dentro da unidade de internação,
inclusive, participa de atividades externas à unidade. O adolescente considera que o único
aprendizado e significado que adquiriu durante o cumprimento da medida socioeducativa foi o
poder de persuasão. Como bem ele arremata: “meu único aprendizado, aqui, foi o poder de
persuasão que aumentou. Aqui, não muda ninguém. Só muda quem quer”. Ele ainda pondera

24
Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente acusado de Ato Infracional.
99

que a medida tem sido importante para sua vida, principalmente o contato com a psicóloga e
assistente social, pois foram essas conversas que o fizeram aumentar o poder de persuasão
perante seus pares. Mesmo diante das suas peculiaridades psicossociais, ele assegura que nunca
sofreu nenhum tipo de tortura, seja dentro da unidade de internação ou fora dela.
No sistema penitenciário, há o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), previsto na lei
7.210/1984 (Lei de Execução Penal). No sistema socioeducativo, há a Medida de Convivência
Protetora25, local denominado pelos adolescentes de “cafua”. A portaria 270/2015 da Fundação
Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), em seu artigo 133, assegura que “o
socioeducando poderá ser incluído em medida de convivência protetora, em local apropriado,
sem prejuízo das atividades obrigatórias [...]”. O referido artigo ainda assegura que o
adolescente pode ir à medida de convivência protetora “quando existir situação de risco às suas
integridades física, psicológica ou à vida, que impeça a permanência com os demais
socioeducandos”.
A sanção disciplinar de isolamento tem caráter excepcional, como bem expressa o § 2º
do artigo 48 da lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE): “É vedada
a aplicação de sanção disciplinar de isolamento a adolescente interno, exceto seja essa
imprescindível para garantia da segurança de outros internos ou do próprio adolescente a quem
seja imposta a sanção [...]”.
A excepcionalidade da medida é tão notória que o referido parágrafo complementa: “[...]
sendo necessária ainda comunicação ao defensor, ao Ministério Público e à autoridade
judiciária em até 24 (vinte e quatro) horas”. O adolescente em questão, assegura que foi posto
em medida de convivência protetora por estar “batendo grade”, o que se caracteriza como um
meio de chamar atenção dos funcionários da unidade de internação ou uma espécie de
manifestação contra algum ato que os adolescentes desaprovam do seu núcleo de convivência
desaprove.
Tanto no sistema penitenciário quanto no socioeducativo, o RDD e a “cafua” são vistos
como o símbolo da repressão estatal. Nesses ambientes de “castigo”, é comum haver violação
de direitos humanos, o que potencializa o acirramento entre facções criminosas e o Estado,
ambos se utilizando da violência para defender seus interesses. Durante o cumprimento da
sanção disciplinar de isolamento, os adolescentes ficam impossibilitados de praticarem

25
A Medida de Convivência Protetora está prevista no capítulo VII da portaria 270/2015 de da Fundação Estadual
da Criança e do Adolescente (FUNDAC), atualmente denominada de Fundação de Atendimento Socioeducativo
do Estado do Rio Grande do Norte (FUNDASE).
100

atividades pedagógicas e de sociabilidades, ou seja, suspende-se a socioeducação em nome de


um castigo pela via da intensificação da privação de liberdade.
Essa concepção vai de encontro à lei do SINASE em que se prioriza, em seu artigo 35,
inciso III as práticas ou medidas de caráter restaurativo: “Art. 35. A execução das medidas
socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: III - prioridade a práticas ou medidas que
sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”.
Na contemporaneidade, diante de relações cada dia mais fluidas, é comum os
adolescentes não possuírem sonhos, semeando a cultura da indiferença, não havendo espaço na
memória para guardar suas trajetórias de vidas, muitas vezes, se restringe a memórias de
acontecimentos ilícitos. Com o adolescente em questão não é diferente. Ele acredita que sua
vida nunca foi marcada positiva ou negativamente. Perguntado se a morte do seu pai tinha
marcado negativamente sua vida, ele diz não acreditar, pois não lembra de muita coisa.
Também, ele não possui perspectiva concreta de futuro, pensando somente no presente, ou, nas
palavras dele: “não faço planos, procuro viver o presente”. Ele acredita que não existe a
possibilidade de mudança de vida porque, “só muda quem quer. Eu não quero mudar, eu gosto
de viver essa minha vida louca e não tenho sonhos [de vida]”.
Sobre as informações processuais e o ato que acarretou o cumprimento da medida de
internação, disse estar ciente e criticou o papel do advogado nos processos que envolvem
socioeducativo. “Conheço [meu processo] mais do que meu advogado que me “tomou” 500
reais para me tirar do CIAD e não conseguiu. Pra gente [que está no sistema socioeducativo],
advogado não serve de nada”.
O adolescente nos assegura que possui uma estreita relação com facções criminosas, o
que vem comprometendo sua sociabilidade, tanto dentro da unidade de internação, quanto fora.
Ele acredita que, por fazer parte de facção criminosa, as pessoas da sua comunidade não o
querem por perto, o que denota uma redução do sujeito e potencializa sua marginalização, “mas
eu entendo [que as pessoas não me queiram por perto], pois a qualquer momento posso sofrer
um atentado e colocar em risco a vida de pessoas inocentes, procuro me distanciar o máximo”.
O jovem foi enfático ao afirmar os fatores que contribuíram para sua participação em
facção criminosa:

O que me fez entrar para a facção criminosa foi o poder de fogo que ela dispõe,
o maior do RN, e a maconha. Isso me faz sentir bem e poderoso. O desejo de
pertencer a um grupo foi o que me fez participar de facção, lá tem união,
coletividade, respeito e cumplicidade.
101

Diante de promessas ilusórias e passageiras, o adolescente encontrou na facção


criminosa a possibilidade de adquirir um sentimento de poder, em busca de uma sobreposição
sobre o outro. Para tanto, acredita que por meio da utilização de arma de fogo poderá dominar
seus inimigos e ganhar respeito e pertencimento comunitário.
O consumo da maconha é utilizado para afirmar sua masculinidade e seu sentimento de
coletividade, pois esse sentimento de união é o guia das relações sociais no interior das facções
criminosas. A lealdade às facções criminosas é patente, eles dão a vida em nome do grupo, ou,
segundo o adolescente 1: “pro trabalho a gente dá o suor, pra facção a gente dá o sangue, até a
última gota”.
O sentimento de coletividade dentro das facções criminosas faz emergir objetivos que
devem ser galgados pelos membros, não sendo diferente com ele que, consciente dos objetivos
da facção da qual faz parte, ele acredita que “o que faz o criminoso é a atitude e oportunidade.
Bandido não dorme, bandido cochila”. Agindo nesse sentido, ganhará respeito e credibilidade
dentro do grupo, podendo até ganhar indicações para mudar de patamar hierárquico dentro da
facção.
O adolescente assegura que os motivos que vêm ocasionando a “guerra” entre as facções
criminosas é a opressão no sistema carcerário.

A guerra contra [Facção B] surge porque eles começaram a oprimir a


população carcerária assim como o Estado faz. Então, nossa guerra é contra
[a Facção B] e o Estado. Quando a gente entra para a facção é preciso honrar
e buscar a igualdade para todos os “irmãos” que estão sendo oprimidos
diariamente nos presídios do país.

O adolescente ainda esclarece qual é o lema26 da sua facção, que se coaduna com os
ideais da não traição e não opressão dentro do grupo.
Demonstrando maturidade e articulação no discurso, passa a criticar as pesquisas
acadêmicas, o Estado e a mídia. “Nós não queremos responder pesquisas das universidades
porque a universidade é do Estado e jamais a pesquisa vai ser a favor da facção. A mídia só faz
atacar a gente, mas não sabe o que tem por trás e o que a gente passa”.

26
Como dito no início do capítulo, não utilizarmos qualquer expressão que possa identificar as facções criminosas
que têm atuação no CEDUC Mossoró.
102

A omissão estatal quanto a esse fenômeno das facções criminosas é visível. Quando o
Estado atua, é no sentido de potencializar a negação de direitos aos sujeitos que fazem parte
dessas organizações delinquenciais. Por outro lado, observando a ineficiência estatal, as facções
começam a ocupar os espaços e arregimentar os adolescentes, fragilizados diante das suas
vulnerabilidades. É nesse contexto que o adolescente enfatiza: “enquanto o Estado rejeita, as
facções abraçam”.
Há um pluralismo jurídico dentro das comunidades periféricas, bem como no sistema
prisional e socioeducativo, sendo que as facções criminosas são mais uma forma de expressar
esse pluralismo jurídico. Foi possível percebermos, pelo discurso do adolescente, que esse
pluralismo, efetivamente, expressa-se dentro das facções. Assim, ele expressa: “dentro da nossa
facção têm regras e devem ser respeitadas. Um exemplo é que não pode consumir crack e nem
comprimidos como rivotril, mas a venda é permitida”. Ainda, nesse mesmo sentido,
percebemos que há um consenso dentro da facção criminosa de que os familiares dos “irmãos”
não podem ser vítimas da guerra entre as facções: “nós não toleramos quem ‘bole’ com as
famílias dos nossos irmãos”.
A distribuição dos recursos, baseada no senso de coletividade, é um quesito que sofre
forte regulação e monitoramento pelos membros, pois a distribuição dos recursos é uma das
formas de seduzir novos “soldados”. “Ninguém fica na mão dentro da facção. Existe uma
distribuição da renda, mas, para ter direito a esse dinheiro, é preciso honrar e ‘tá’ realmente
necessitando”. Essa “política financeira” influencia a participação e permanência dos
adolescentes nas facções e a defesa dos seus interesses.
A fonte de renda das facções é diversa, desde assaltos a bancos a cobranças de
mensalidades dos membros. A seguir, o adolescente 1 narra com detalhes a proveniência das
fontes de renda da organização.

A nossa fonte de renda não pode ser do trabalhador assalariado. Não toleramos
roubos de celular e motos abaixo de 125 cilindradas. A gente rouba celular só
se for dessas loja, sabe?! Cada “irmão” precisa pagar o “caixa” mensalmente.
Atualmente, esse valor é 200 reais. Caso o irmão prove que não está em
condição de pagar, não têm problemas, mas, se num honrar, será cobrado. O
dinheiro é utilizado para comprar armas e manter os irmão e suas famílias que
estão sendo oprimidos dentro e fora dos presídios. Nós tivemos um prejuízo
muito grande ultimamente. A justiça bloqueou mais de 3 milhões da nossa
conta bancária.
103

É importante observarmos que o tráfico de drogas, assaltos a bancos e carros-fortes não


foram citados pelo adolescente, mas são vistos por outros adolescentes como as principais
fontes de renda das facções criminosas, como veremos no segundo instrumento de coleta
analisado. Essas práticas financiam e influenciam a entrada de novos membros nesses grupos,
servindo de instrumento para despertar nos adolescentes a falsa sensação de poder na luta contra
seus rivais e ganhar representatividade comunitária.
As articulações para as práticas de crimes e processos decisórios que ocorrem dentro
das facções é algo que carece de informações, atividades desenvolvidas com muita restrição.
Essa tem sido umas das principais dificuldades que os órgãos de segurança pública vêm
enfrentando.
As informações são restritas até mesmo para os membros do grupo porque esses dados
representam os segredos e enredos das facções criminosas. Diante disso, o adolescente se
restringiu a dizer que “o planejamento das ações é em ambiente restrito. Nem nossos familiares
podem saber. Quando sabe, é só o básico”.
Indagado se existiam facções criminosas dentro do CEDUC, o adolescente foi enfático
em dizer que sim. Segundo ele, há atuação de facções rivais dentro da unidade e “se misturar
adolescentes de facções rivais, é preciso ‘cobrar’. É preciso ‘pendurar’ ou esfaquear. A regra é
enforcar com lençol, não sei o porquê”.
As relações dentro das facções criminosas são repletas de especificidades. Há a figura
do “salve” que consiste em executar ordens advindas dos líderes da facção criminosas da qual
o sujeito pertence, sob pena de sofrer algum tipo de punição, até mesmo a morte.

Muita gente pensa que todo “salve” precisa ser cumprido. Não é porque se dá
um “não” que o irmão vai ser cobrado. O que não pode é ficar sempre dizendo
“não” aos nossos irmão sem justificativa. O salve é encarado como um Direito
e um dever, mas sem opressão.

Chama atenção que a opressão sofrida pelos detentos é o que orienta as ações das
facções contra os opressores. Não é permitida opressão dentro do grupo, mas quem não
obedecer às regras pode ser torturado e/ou morto. O combate a opressão é só quando beneficia
os “irmãos” do seu grupo. Portanto, percebemos uma contradição: o sentimento de coletividade
é restrito ao grupo. Não se busca uma coletividade global, o que se busca é atender aos interesses
da criminalidade, dos negócios ilícitos do grupo específico.
104

Antes de, efetivamente, ser considerado um “irmão” é preciso passar por um ritual
específico previsto por cada facção criminosa, o que elas denominam de “batismo”. De acordo
com o adolescente 1, que se diz fazer parte da Facção criminosa A, há possibilidade de
participar da facção mesmo não sendo batizado, porém existem algumas restrições,
principalmente quanto à ascensão hierárquica.

Não sou batizado e não pretendo ser. A diferença de quem é batizado e quem
não é só o fato de que o não batizado não pode subir na hierarquia da facção
e só pode sair da facção se for ser crente fiel. Para ser batizado é necessário
fazer um cadastro com: nome, vulgo 27, endereço e foto. Depois, o cadastro é
compartilhado no whatsapp pra que todos os irmãos conheçam e avalie o novo
membro, aí depois eles mandam sua avaliação, se aceita ou não.

Percebemos que há um certo rigor para o sujeito fazer parte das facções criminosas, elas
sempre prezam pela fidelidade ao grupo e a busca pelo interesse da coletividade, mesmo que
uma “coletividade seletiva”, como visto anteriormente.
Ainda, ele nos relatou que os adolescentes também podem ser batizados, porém com
algumas restrições e peculiaridades, ocorre um batismo específico. Na adolescência “o batismo
acontece a partir dos 16 anos. Dos 16 aos 18 o adolescente é batizado como ‘irmão da camisa
de primo’. A partir dos 18 anos, é batizado como ‘irmão da camisa’ ou simplesmente ‘irmão’”.
Os adolescentes carecem de voz, necessitam fazer parte dos processos decisórios da sua
comunidade para que se sintam pertencentes a grupos, uma necessidade de todo ser humano.
Por isso, acreditamos que os resquícios de democracia participativa, presente no interior das
facções, também vêm contribuindo para a participação de adolescentes.
Quanto menos voz dermos aos adolescentes, mais eles vão buscar participação nos
processos decisórios das facções criminosas. O pluralismo jurídico se expressa, mais uma vez,
na fala do adolescente, o que também dialoga com o aspecto democrático da tomada de decisões
das facções criminosas, a saber: “antes de julgar e punir qualquer irmão, é preciso colocar em
votação”.
Nesse sentido, o Estatuto da Juventude, que foi instituído pela lei nº 12.852 de 2013,
traz grandes contribuições, pois prevê que os jovens devem participar dos conselhos e
deliberações, com direito à voz e voto. No artigo 4º, o estatuto pondera que o “jovem tem direito

27
Apelido que deseja ser chamado dentro do espaço de criminalidade, uma espécie de etiqueta e muito semelhante
aos “nomes de guerra” utilizados pelos militares.
105

à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de


juventude”. Mais especificamente, inciso IV do referido artigo assegura “a efetiva inclusão dos
jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e voto”.
As facções são dotadas de uma estrutura hierarquizada, vista como uma estratégia de
sobrevivência, pois, como as prisões e mortes dos seus líderes, eventualmente, é preciso haver
uma estrutura bem definida, assim, diminuirá os conflitos dentro do grupo e manterá, sobretudo,
o controle do tráfico de drogas e armas nas comunidades e presídios/centros educacionais.
Portando, é importante observarmos que a ausência de hierarquia e disciplina, guardadas
as proporções, bem parecidas com o militarismo, pode apresentar um “risco” para a
sobrevivência das facções criminosas.
Essa forma de se estruturar minimiza a sensação de insegurança dos “soldados” e dá
estabilidade ao grupo. Essa concepção pode se caracterizar mais como um isomorfismo ou
mimetismo com o Estado. Ou, em outras palavras, é o que possibilita a efetivação simbiótica
entre Estado e facções criminosas. Dentro dessas peculiaridades, o adolescente afirmou que
“para subir na hierarquia precisa ter muito dinheiro, muitos homicídios e muito conhecimento,
experiência, se possível, ser formado no crime e na faculdade (graduação em nível superior)”.
O adolescente detalha como se organiza hierarquicamente a facção A, da qual faz parte,
numa escala crescente de valor, grandeza e importância. “A hierarquia da facção é a seguinte:
os irmãos ocupam a camada mais baixa da pirâmide [hierárquica]”.
O adolescente não soube dizer o número certo de membros, mas afirmou ser milhares,
com representação em muitos estados e até fora do país. Posteriormente, ele nos relata que há
o “conselho formado por 8 conselheiros fortemente armados e preparado para resolver qualquer
questão”.
Por fim, o adolescente 1 não se dispôs a falar sobre o final. Restringiu-se a dizer que
“são pessoas ponderosas, alguns membros estão nos presídios federais do país e outros estão de
“terno e gravata”, mas que não os conhecem.
O adolescente 1 acredita que a participação em facções criminosas dos adolescentes está
relacionada com múltiplos fatores, assim ele menciona:

Muitos adolescentes entram para as facções criminosas com o intuito de


buscar poder, reconhecimento e respeito comunitário, conquistar as mulheres
mais bonitas, ostentar com transporte, roupas e joias. Para conseguir isso, as
facções dão amparo.
106

Percebemos, nesse discurso acima, que os desejos reprimidos dos adolescentes, reflexo
da sua vulnerabilidade e peculiaridade, são explorados pelas facções no sentido de dar
assistência material e psíquica para despertar nesses sujeitos o interesse em participar dessas
organizações delinquenciais.
A análise desse primeiro diálogo com adolescente no Centro Educacional Mossoró
(CEDUC), pudemos perceber uma aproximação entre a pesquisa empírica e as categorias de
análise tratadas no capítulo anterior. A riqueza de detalhes narrada pelo jovem contribuiu no
sentido de nos aproximar, minimamente, da realidade vivenciada pelos adolescentes do centro
educacional e ter noção do que encontraríamos nas próximas entrevistas com outros
adolescentes que estão inseridos no contexto em que as facções criminosas vêm atuando
(sistema penitenciário e centros educacionais).

4.2.2 “A facção ajuda nós a roubar”

O segundo instrumento analisado é reflexo do diálogo realizado com o adolescente 2,


que possuía 17 anos de idade. Antes da internação, morava no bairro 1, numa cidade localizada
na Mesorregião do Leste Potiguar, onde também ocorreu a prática do ato infracional. Ele
pretende morar em outro bairro após cumprir a medida socioeducativa. “Quero ter uma vida
sossegada com meus filhos e minha esposa”.
O adolescente possui um perfil que foge à regra, sobretudo quanto a cor da sua pele,
distorcendo da realidade vivenciada no país, pois a grande maioria dos jovens que lotam os
presídios e centros educacionais do Brasil, são negros ou pardos. Ele se autodeclarou amarelo.
De acordo com o relatório anual 2016 – 2017 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura, há mais de 24 mil adolescentes privados de liberdade no país, distribuídos em 470
unidades de internação. Desse total, “57% dos quais têm entre 16 e 17 anos. Ademais, do total,
cerca de 58% dos internados são negros e pardos, número que pode ser maior tendo em vista
que 17% dos internos não teve sua raça/cor informada” (RELATÓRIO ANUAL 2016-2017,
2017, p. 61).
O acesso à educação é uma das formas que contribui no sentido de distanciar os
adolescentes das ofertas sedutoras das facções criminosas. O adolescente 2 também foge à regra
quanto ao baixo nível de escolaridade que permeia os adolescentes que se encontram em
107

vulnerabilidade socioeconômica. Ele estudou até o 9º ano do ensino fundamental, nunca sendo
reprovado. Mesmo possuindo um bom aproveitamento escolar, o jovem se envolveu com
práticas ilícitas e passou a manter uma estreita relação com facções criminosas. Não podemos
cair no utopismo educativo e considerarmos a educação onipotente e onipresente, solução para
todos os males sociais. Precisamos de uma maior articulação entre as instituições para fortalecer
o ser adolescente e desenvolver políticas públicas de acordo com suas necessidades, que nem
sempre são necessidades educacionais em sentido formal.
As facções vêm se fortalecendo e atuam com base nas vulnerabilidades dos
adolescentes. Diante disso, ele argumenta: “o crime me desviou da escola. Antes do crime eu
gostava de ir pra escola e me dava bem. Estudei até o 9º ano e nunca fui reprovado. Parei com
15 anos de idade”. Reconhecendo a importância da educação para um relacionamento social
harmonioso, o adolescente afirma que “até no crime é preciso a gente ter educação. Se não tiver
é cobrado”. Indagado como essa educação se faz presente no crime, o adolescente respondeu:
“é preciso respeitar e tratar bem os irmãos, não ‘bulir’ com criança, idoso e pessoas inocentes”.
A obtenção do lucro com o tráfico, associado às vulnerabilidades psicossociais,
potencializam a participação de adolescentes em práticas ilícitas. Quanto ao consumo de drogas,
o adolescente diz ser viciado em maconha, mas só utiliza para descontrair. Ainda, assegurou
que não consome bebida alcóolica, pois acredita que seus efeitos fazem o homem perder o poder
de reação e “dar vacilo” na hora de se proteger das facções rivais. O adolescente tece críticas à
criminalização da maconha e à legalização do álcool, fato que nos chama atenção porque o
tráfico de maconha é considerado uma das fontes de renda das facções criminosas.
Com a legalização, teoricamente, as facções criminosas perderiam uma de suas fontes
de renda. Contudo, há notícias no sentido de que a maconha está deixando de ser fonte de renda
para esses grupos, como aponta um trecho da reportagem do Jornal Estado de São Paulo, em
março de 2008: “a cúpula do PCC não mexe com maconha, pois ela dá pouco lucro. Isso não
impede que individualmente integrantes do PCC distribuam a droga [...]” (POLÍCIA, 2008).
Observemos que não há proibição de tráfico de drogas para membros que possuem uma
menor representatividade dentro do grupo, porém não é do interesse coletivo da facção essa
prática, sobretudo dos seus líderes, já que vem se demonstrando um comércio pouco rentável e
de grande exposição. A facção citada acima no trecho da reportagem deve ser vista como
exemplo, não sendo nosso objetivo etiquetar e enquadrar o adolescente em análise à uma facção
criminosa específica.
A criminalidade possui suas seduções, e elas comprometeram a profissionalização do
adolescente 2, nunca tendo trabalhado formalmente. “Quando entrei pro crime, comecei a
108

trabalhar numa oficina de carro para disfarçar, mas não demorei muito tempo porque no crime
rola dinheiro fácil, ninguém quer trabalhar”. Esse contexto comprometeu os sonhos e desejos
do adolescente quanto à sua profissionalização. “Nunca imaginei seguir nenhuma carreira
profissional, o crime não deixa nós pensar nisso”. No que tange a profissionalização durante o
cumprimento da medida socioeducativa, ele é enfático: “não existe nenhum aprendizado, aqui”.
Há quem acredite que existe uma ociosidade dos sujeitos que cumprem pena e medida
socioeducativa nos ambientes de restrição de liberdade. Contudo, o que percebemos é que o
trabalho nesses ambientes é exaustivo, degradante e desumano. As oficinas socioeducativas são
substituídas por “oficinas criminosas”. Nesse sentido, aqui, é válida aquela máxima de que
“uma mente vazia é oficina do diabo”. Estamos nos referindo ao comércio de drogas, armas e
planejamento para possíveis fugas e lutas em defesa dos ideais da facção criminosa.
Efetivamente, há um trabalho diuturno, só que distante do que imaginamos ser uma
possibilidade para ressignificação dos valores sociais dos adolescentes.
Sobre seu aspecto familiar, antes da internação, vivia com sua esposa e seu filho, sendo
que as despesas eram custeadas pela sua família e pela facção com a qual possui vínculo. De
acordo com ele, seu ambiente familiar não contribuiu para seu envolvimento com práticas
ilícitas: “Sou o único da família que me envolvi com o crime”. Por outro lado, sua convivência
comunitária é repleta de conflituosidades, tendo sido vítima e autor de tentativa de homicídio
devido ao seu envolvimento com facções criminosas.
A tortura é prática frequente nos espaços de restrição de liberdade28, bem como nas
periferias empobrecidas materialmente dos grandes centros. Essas práticas, historicamente,
potencializaram a organização dos sujeitos em defesa da dignidade humana reprimida e negada
por opressões estatais, um verdadeiro paradoxo. Acerca da prática de tortura, o adolescente
afirmou que dentro da unidade de internação nunca foi torturado, porém, dentro da sua
comunidade, sim. “Os ‘puliça’ deram um cacete em mim depois que me pegaram fazendo
desordem; fazendo assalto e bagunçando na rua”.
O jovem foi disciplinado várias vezes, tendo passado pelo local simbólico da opressão
estatal no sistema socioeducativo, a “cafua”. Segundo o adolescente, as circunstâncias que o
levaram a ser sancionado na “cafua” foi estar “bagunçando direto e tentativa de fuga” da
unidade de internação.

28
Para obter informações mais aprofundadas, ver o Relatório Anual 2016-2017 de Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura. Brasília, 2016. Disponível em: <
http://www.mdh.gov.br/noticias/pdf/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-lanca-relatorio-
anual-2016-2017-2>. Acesso em: 27 abr. 2018.
109

A territorialidade está presente nos sujeitos, independentemente de posição social, cada


uma se expressando de sua forma e dentro das suas singularidades. Nas classes sociais mais
abastadas, a territorialidade vem à tona com os condomínios de luxos, onde há um senso de
agrupamento e sentimento de classe que gera regras específicas para segurança e proteção do
grupo, inclusive, com vigilância armada. Em comunidades empobrecidas, a territorialidade se
mostra relevante na vida dos indivíduos, ao ponto de haver uma defesa comunitária contra os
ataques estatais, mesmo os sujeitos se defendendo à margem da legalidade e legitimidade
oficial.
Diante dessa breve concepção de territorialidade, observemos o relato do adolescente
que habita uma comunidade periférica: “no meu setor o povo é tudo sossegado, avisa quando
os ‘puliça’ vem. Quando os ‘puliça’ bate na gente, a população cai em cima para defender”. A
territorialidade carrega a identidade dos sujeitos que habitam aquele espaço, não se restringindo
ao espaço físico do território. Por isso, essa defesa e preocupação da comunidade com seus
membros, afinal são eles que fazem parte e defendem, de algum modo, o tecido social periférico
vulnerável socialmente.
Indagado sobre os enredos das facções criminosas, ele não hesitou em dizer que,
efetivamente, existem facções criminosas e que o Estado, expressado na figura dos agentes de
segurança pública, assim como as facções rivais, são os inimigos a serem combatidos. “O
Estado é inimigo porque oprime os ‘irmão’ dentro do sistema carcerário”. Na simbiose entre
Estado e facções, aflora, também, rivalidades com outros grupos para controlar o sistema
carcerário do país. Esse fenômeno simbiótico levanta suspeitas de facilitação de práticas ilícitas
em que a corrupção é quem dita as regras. Diante disso, adolescente afirma que: “os maiores
inimigos do [Facção A] é os ‘puliça’ e o [Facção B]”.
Essa rivalidade entre Facção A e Facção B se dá, segundo o adolescente, porque “o
[Facção B] aceita o que não deve, aceita estuprador, rouba celular, rouba moto 125 cilindradas,
quando vai matar os irmãos mata a família também, coisa que o [Facção A] não faz”. Em outras
palavras o adolescente 2 confirma que há uma relação simbiótica entre o Estado e facções. “Os
[Facção B] cola com ‘puliça’. Na guerra de alcaçuz os [Facção B] compraram os ‘puliça’”.
A vida do adolescente é ladeada de práticas facciosas. Há uma relação mútua entre a
facção e o adolescente, como bem ele assegura: “a facção ajuda nós a roubar”. Porém, as facções
criminosas possuem alguns limites para a cooptação dos adolescentes. “A facção só chega se o
boy for do crime, se o boy for sossegado, ele é respeitado e protegido pela facção”. Com a
ineficiência da segurança pública, os adolescentes que não se envolvem com esses grupos
passam a concordar e aceitar a proteção que lhe é dada, receosos de ataques de facções rivais
110

que buscam o domínio do território.


Ao abordarmos a temática das finanças dessas organizações delinquenciais, o
adolescente nos relatou que as finanças das facções criminosas são provenientes de roubos a
banco, carros-fortes e correios. “Quem financia o [facção A] é ‘roubo grande’. Indagado do que
seria roubo grande, o adolescente responde: “banco, correios e carro forte”. Chama a atenção
que o adolescente não citou o tráfico de drogas como fonte de renda das facções, o que, segundo
ele, é utilizado somente para pagar a mensalidade à facção. “Caso o cara seja traficante, é
preciso contribuir com dinheiro com a facção”.
Na estruturação hierárquica da facção da qual o adolescente pertence, ele assegura que
“os ‘cabeças’ que mandam as ordens. Todos são ‘irmão’, mas tem uns com mais poderes do
que outros”. Ainda, pondera que os aliados da Facção A são a [facção c] da Paraíba, [facção e]
do Amazonas e [facção D] do Rio de Janeiro.
Ele assegura que para fazer parte da facção é preciso respeitar o que está posto no código
de conduta. Mais uma vez, de acordo com o relato do adolescente, ratificamos a existência de
um código jurídico próprio das facções criminosas, sendo que, quando dialogado com o código
jurídico do Estado democrático de direito, faz emergir um pluralismo jurídico. Vejamos o relato
do adolescente: “só pode entrar para [facção A] ‘de maior’, não pode fumar maconha na rua, é
preciso ajudar a população que contribui de alguma forma com os irmãos”. A punição para
quem desobedecer às regras da facção é severa, de acordo com o adolescente, “se um irmão
roubar celular, leva um tiro na mão e outro no pé”.
A fidelidade e o senso de coletividade fazem parte da essência da facção criminosa. O
adolescente 2 diz não ter interesse em entrar, efetivamente, para a facção porque preza pela sua
liberdade.

Não pretendo entrar na facção porque quero ser eu mesmo. Nas facções a
gente precisa ajudar os irmão e ficar dando satisfação. A gente acaba ficando
preso ao sistema. Para se desligar da facção, se for batizado, é preciso virar
crente. Se não for batizado, pode sair sem precisar virar crente. Se o cara não
fizer isso, morre.

As ações violentas dispersadas pelas facções parecem ser uma via de mão dupla, pois,
se por um lado arregimenta alguns adolescentes, por outro distancia os que receiam as atitudes
violentas desses grupos, optando por seguir uma carreira autônoma com a prática de atos
infracionais. Porém, geralmente, as seduções facciosas são mais fortes do que o desejo de atuar
111

de forma autônoma.
No CEDUC, há, de fato, uma “guerra” entre as facções rivais no interior da unidade,
refletindo fora da unidade. Esse fenômeno compromete o cumprimento da medida
socioeducativa e dificulta o processo de sociabilidade sadia e sem violência dos adolescentes
nas suas respectivas comunidades.
O adolescente 2 assegura que não é “batizado”, mas possui vínculo com a facção A,
inclusive, recebe auxílios financeiros para complementar a renda familiar. Ele acredita que as
amizades e o ambiente em que morava influenciaram a sua participação na facção. Percebemos
que nesse relato estão presentes a territorialidade e o pertencimento ao grupo de amigos. Há
duas facetas diferentes: pode contribuir para o adolescente afirmar sua identidade e o distanciar
das práticas ilícitas, ou instigá-los a participarem de facções criminosas. Cada caso precisa ser
posto em análise.
No caso do adolescente 2, a territorialidade e a pertencimento ao grupo de amigos
influenciaram o seu vínculo com facções criminosas. Por isso, reiteramos que o pertencer e a
territorialidade devem ser trabalhadas no sentido de romper com os significados que as
organizações delinquenciais dão.
Quando trabalhamos com identidade, pertencimento e territorialidade não podemos
definir ou reduzir as singularidades dos sujeitos a conceitos estanques da ciência, pois definir
pode “matar” outras possibilidades na vida dos adolescentes que se encontram ladeados de
vulnerabilidades, tanto do ponto de vista materiais, quanto emocionais, afetivas e simbólicas.

4.2.3 “A facção dá apoio e causa medo no inimigo”

O terceiro instrumento analisado se refere ao adolescente 3, mora no bairro 2 que fica


localizado na Mesorregião do Oeste Potiguar. Possui 19 anos de idade e auto se declara da cor
parda. Ele nos relatou que, após cumprir a medida socioeducativa, não pretende retornar ao seu
bairro de origem devido ao elevado índice de criminalidade no local.
As rupturas e fragilidades dos vínculos comunitário dos adolescentes contribuíram para
que ele, com 19 anos de idade, não tenha concluído o ensino fundamental. A falta de acesso ao
sistema educacional é uma característica peculiar dos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa, em que o Estado não garante um mínimo formativo para esses sujeitos, não
sendo possível, em sua maioria, alcançar as séries finais do ensino fundamental.
112

A droga tem se tornado presente no cotidiano dos adolescentes que habitam as periferias
empobrecidas materialmente dos grandes centros urbanos do país. Nesse sentido, o adolescente
3 destoa dos adolescentes analisados anteriormente, em que confirmaram o consumo da
maconha e criticavam a bebida alcóolica, pois via essa última droga como obstáculo para a
defesa dos ataques dos grupos rivais. Assim, o jovem assegurou que a única droga que utilizava,
antes do cumprimento da medida socioeducativa, era o álcool.
A vulnerabilidade econômica dos jovens abre espaço para as facções criminosas
atuarem no sendo de distribuir a renda em troca dos “serviços criminais”. Geralmente, quando
encontram trabalhos lícitos são serviços subalternos e informais, como na situação do
adolescente 3 que “trabalhava de Gesseiro e Jardineiro. Já trabalhei ajudando meu tio com forro
de gesso, também”.
A convivência familiar do jovem é bastante conturbada, o que pode ter contribuído para
a prática de atos infracionais. Como podemos ver no seu relato:

Minha mãe me abandonou para ficar com meu padrasto. Fui morar com meu
pai. Comecei a morar com meu pai, mas ele não me dava dinheiro para
comprar roupa, guarda-roupa, cama, por isso, decidi roubar. Eu e meu irmão
ficava com raiva. Depois disso, fui morar com minha vó.

Não conseguimos identificar, durante o diálogo, se se trata de consumo ou consumismo


porque o socioeducando não se mostrou confortável para conversar sobre o tema. Mas
percebemos que a busca por bens materiais vem potencializando a prática de atos infracionais
do adolescente.
O adolescente 3 avalia seu comportamento, dentro da unidade, como excelente,
assegurando que nunca se envolveu em conflitos durante o cumprimento da medida de
internação. “Comparando com o comportamento dos outros adolescentes, meu comportamento
é excelente. Não dou trabalho, é só perguntar aos educadores e equipe técnica. Nunca fui para
a cafua”.
A “cafua”, citada pelo adolescente, trata-se do isolamento/castigo, como visto
anteriormente em outros relatos. Apesar de desconhecido pelo adolescente 3, a “cafua” é vista
como degradante e temida pelos adolescentes. “Lá é muito ruim, os meninos dizem”. Tenho
medo de ir para lá sem eu ter feito nada, mas se eu fizer alguma coisa de errado, não tenho
medo”. Esse discurso do adolescente carrega resquícios retributivos da medida socioeducativa,
113

pois, caso pratique alguma transgressão, ele autoriza, mesmo que inconscientemente, o Estado
“cobrar” uma retribuição pelo dano praticado. Geralmente, essa retribuição é paga com
suplícios no corpo dos sujeitos (FOUCAULT, 2014).
A territorialidade do adolescente está intrinsicamente ligada ao pertencer, estereótipos
e estigmas, sendo que esse fenômeno se expressa substancialmente onde predominam os (pré)
conceitos hegemônicos presentes nas classes abastadas “Colocam homicídio pra mim porque
moro no setor da favela. Julga o cara porque o cara mora ali”. Ele acredita que o ambiente onde
mora influenciou para que praticasse atos infracionais.
O adolescente assegura não ser vítima de estereótipos por parte da sociedade. “No meu
setor e fora dele o povo é sossegado, entro e saio de qualquer lugar sem ninguém falar nada e
eu não tenho medo nem vergonha”. Não vemos esse fenômeno da estereotipização ausente dos
ambientes periféricos, pode até ser em menor grau, mas esse fenômeno se expressa de algum
modo. Os estereótipos tendem a acontecer em menor escala nas favelas porque a
territorialidade, tão presente nesses ambientes, incentiva, tanto a defesa do território quanto a
blindagem dos seus habitantes.
O domínio da territorialidade de um bairro por uma facção criminosa impulsiona outros
indivíduos que moram em bairros diferentes a se “filiarem” a facções rivais almejando defender
a sua territorialidade. Como percebemos na fala do adolescente: “o [bairro 2] virou [facção A]
porque o [bairro 3] virou [facção B]”. Essa rivalidade entre os bairros, representados pelas
facções criminosas, contribuem diretamente para a expulsão territorial das pessoas e a busca
por habitação em outros bairros da cidade onde não exista essa rivalidade e os índices de
criminalidade não sejam tão elevados.
Esse domínio territorial por parte das organizações delinquenciais potencializa o
isolamento das áreas periféricas das regiões centrais, bem como o perfil dos habitantes, assim,
quem possui uma melhor condição financeira, migra para outros bairros. Diante disso, o
adolescente 3 nos relatou: “lá no [bairro 2] predomina o [Facção A]. Meu irmão deixou de
morar lá por causa das facções. Facções envolvem até inocentes”.
Chama-nos a atenção o fato de que essa territorialidade não se expressa apenas
geograficamente, num espaço territorial, mas, também, no espaço corporal dos adolescentes,
com tatuagens que os identificam e os empoderam diante dos seus rivais. Essas representações,
de acordo com o adolescente 3, também estão presente no CEDUC. “eu vejo, pelas grade, eles
passando sem camisa mostrando o símbolo/tatuagem do [facção B]”. O adolescente pega um
lápis e desenha numa folha o símbolo o qual faz referência. Trata-se do símbolo chinês
denominado “yin-yang”, em preto e branco, que representa o equilíbrio. Porém a facção
114

criminosa utilizou-se do símbolo e substituiu a cor preta pela cor vermelha, para representar o
sangue dos inimigos. Assim o adolescente acrescenta: "é uma jeito de equilibrar o bem e o mal
com sabedoria".
Também, observamos que a masculinidade se expressa no discurso do adolescente no
sentido de uma virilidade reprodutiva, já que ele almeja ser pai, limitando-se a dizer: “eu quero
ser pai porque é massa”. Outra análise é cabível: a hereditariedade. Como a maioria dos
adolescentes não possuem bens materiais ou contribuição social digna de reconhecimento, a
única maneira encontrada para deixar seu legado é um filho, representação da semente humana.
Isso vem ocorrendo com maior frequência, sobretudo, porque as expectativas e projeções de
vida desse segmento social cada dia vêm diminuindo.
A rotulação também ocorre entre as facções criminosas, sobretudo impulsionada pela
territorialidade dos sujeitos. Mesmo os adolescentes que não mantêm vínculo com facções
criminosas, são vistos como inimigos simplesmente por conviverem em bairro dominado por
facção rival. Ele assegura que foi vítima desse fenômeno. “Quando eu voltava do trabalho,
passou dois caras numa moto e começaram a atirar. Eles atiraram em mim só porque sou lá do
bairro 2 e eles são lá do bairro 3”. Esse fenômeno também se expressa dentro do Centro
Educacional. Quando o adolescente passa a cumprir medida socioeducativa no CEDUC, ele é
rapidamente rotulado pelas facções criminosas de acordo com o bairro de origem,
independentemente de fazer parte de facções criminosas.

Quando entrei aqui na unidade, eu disse que era do [facção A] para não me
colocar no núcleo que tem [facção B], eles me conhecem e sabe que sou do
[bairro A] e lá quem domina é o [facção A]. Se eu fosse para o núcleo do
[facção B] eu ia morrer. O pessoal da direção me pergunta direto e acha que
sou do [facção A] por causa disso, mas não sou, só disse que era para não
morrer. Na hora de fazer o PIA29 eu disse que era, deve estar escrito lá.

Por uma questão de sobrevivência, dentro da unidade de internação é preciso se


identificar e pertencer, mesmo que momentaneamente, à facção que domina sua comunidade e

29
O Plano Individual de Atendimento (PIA) tem previsão na Lei 12. 594/2012, a qual instituiu o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Em seu artigo 52 prevê: “o cumprimento das medidas socioeducativas,
em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de
Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem
desenvolvidas com o adolescente.
115

se expressa dentro da unidade de internação. O adolescente que se alojar num núcleo dominado
pela facção rival do seu bairro de origem poderá ser morto pelo grupo.
Com a iminência de conflitos entre as facções rivais, a sociabilidade dentro do CEDUC
resta comprometida, bem como a socioeducação. Diante disso, o adolescente demonstra receio.
“Eu quero sair mais daqui por causa dessa briga de facções aqui dentro”.
Ao ser indagado sobre o “salve” das facções criminosas, ele foi incisivo e afirmou não
obedecer tais ordens, pois não mantém nenhuma relação com esses grupos. De acordo com o
adolescente 3, essas ordens devem se restringir aos membros das facções criminosas. “Se eu
receber um ‘salve’ eu não faço porque não sou do [facção A], e não tenho medo porque eles
não mandam em mim. Tem que mandar ‘salve’ para quem é do [facção A]. Eu sou da massa 30,
a massa não tem nada a ver”. O pluralismo jurídico no ambiente das facções resta expressado,
mais uma vez, nesse relato do adolescente. Uma ratificação de que há um intrincamento do
código jurídico do Estado e das facções criminosas.
O comportamento de não obedecer às ordens das facções é natural de quem não possui
nenhum vínculo. Contudo, esses grupos tendem a “cobrar” quem não compactua dos seus
ideais. Como exemplo, podemos citar a rebelião ocorrida na Penitenciário de Alcaçuz,
localizada na cidade de Nísia Floresta/RN, onde os primeiros detentos a morrerem no
“Massacre de Alcaçuz”, foram os cristãos, os quais pertenciam a “massa carcerária” e que não
mantinham nenhum vínculo com as facções criminosas envolvidas nos conflitos (GUERRA,
2017).
Seguindo com os relatos do adolescente 3, ele acredita que há uma sedução por parte
das facções criminosas para conseguir novos membros, oferecendo apoio dos mais diversos
tipos, tanto materiais, quanto psíquicos.

Recebi o convite para fazer parte do [facção A], mas não aceitei. Ela me
ofereceu advogado, remédio e o que precisasse”. O cara entra por causa do
apoio que a facção dá. Meus amigos entraram para o [facção A] com medo de
morrer, a facção dá apoio e causa medo no inimigo”. O que meus amigos mais
quer da facção é apoio.

Tomando como base esse discurso do adolescente 3, a proteção oferecida pela facção
criminosa traz novos riscos e não se mostra, na sua totalidade, eficiente. Essas contribuições

30
Termo utilizado para se referir aos sujeitos que cumprem pena no sistema penitenciário e não possuem vínculo
com facções criminosas.
116

psíquicas e materiais (por meio de utilização de armas) vêm contribuindo de forma significativa
para a participação dos adolescentes em facções criminosas, comprometendo a sociabilidade
desses sujeitos e os aproximando de práticas ilícitas.

4.2.4 “Essa guerra entre as facções ninguém sabe quando vai acabar”

O quarto instrumento a ser analisado foi o referente ao diálogo com o adolescente 4, que
habita a periferia empobrecida materialmente de uma cidade localizada na Mesorregião Oeste
do Rio Grande do Norte. No momento da coleta de dados, ele possuía 17 anos de idade,
autodeclarando-se da cor branca. Após o cumprimento da medida socioeducativa, pretende
morar em outra cidade, mas não sabe qual especificamente.
A evasão escolar marca a vida dos adolescentes que se veem diante de tantas
dificuldades para estudar, sejam cognitivas ou materiais, tendo que conviver com um vácuo
educacional. No caso do adolescente 4, o período de recesso escolar foi preenchido por
atividades ilícitas, tendo praticado o ato infracional que acarretou sua internação no período que
se encontrava de férias da escola.
Ele nos relatou que, antes de iniciar o cumprimento da medida socioeducativa de
internação, consumia maconha, como forma de se integrar aos amigos e adquirir
representatividade e poder de conquista perante as mulheres, mas, durante a internação, ele
parou de consumir maconha e passou a fumar cigarros. O jovem também não consome bebida
alcóolica. “Antes de entrar aqui [no CEDUC] eu fumava maconha. Depois que entrei comecei
a fumar cigarro para a cadeia passar ligeiro, passar o tempo. Não dou valor a beber, deixa o cara
de vacilo”. A negativa à bebida alcóolica se associa à noção de que os efeitos da bebida
comprometem a autodefesa do sujeito contra os ataques dos seus inimigos, Estado e facções
rivais.
Conviver com inúmeras vulnerabilidades é um dos principais desafios para o
adolescente. A profissionalização diante das ofertas sedutoras da criminalidade é vista como
utopia pelos sujeitos, assim, o que resta é o trabalho informal, o que muitas vezes é rechaçado
pelos adolescentes que encontram na criminalidade uma saída para preencher seus vazios
psíquicos e materiais, como assegura o adolescente: “eu tive a oportunidade de trabalhar com
crediário, mas não quis, achava que a rua ia me dar algo de bom, andar com os amigos, fumar
maconha e curtir as mulheres”. No discurso do adolescente 4, percebemos que o consumo de
117

drogas e a masculinidade andam lado a lado, quase indissociáveis, contribuindo,


substancialmente, para seu envolvimento com práticas ilícitas.
Mesmo o adolescente afirmando ser inocente da prática do ato que lhe imputaram, é
importante analisar a natureza do ato infracional que acarretou o cumprimento da sua medida
socioeducativa. Ele cumpre medida de internação em virtude da prática de um ato infracional
análogo à homicídio. É importante ressaltarmos que a natureza do ato infracional praticado foge
à regra, pois os atos infracionais praticados pelos adolescentes, em sua grande maioria, são
contra o patrimônio ou associados ao tráfico de drogas 31, forma, também, de obter recursos
financeiros.
O estigma faz parte desse seguimento social, não sendo diferente com o adolescente 4,
pois, de acordo com seu relato, quando está na sua comunidade, não há preconceito nem
estigmas, mas, quando frequenta outras localidades, as pessoas estigmatizam o bairro e os
habitantes que moram nas zonas periféricas. Nessa perspectiva, ele menciona: “quando chegava
em outro bairro e falava que morava na favela, o povo dizia: vish, mora logo ali”. Mesmo assim,
apesar dos estigmas, o adolescente diz que se sente pertencente à sociedade, porém diz não
saber como será após o cumprimento da medida socioeducativa. “Me sinto parte da sociedade,
sim. Não sei agora, depois que eu sair daqui [do CEDUC], depois que colocaram esse homicídio
pra mim”.
Esses estigmas contribuem para que os sujeitos sejam julgados social e juridicamente,
pela cor, posição social ou ciclo de amizade. Assim, o jovem acredita que foi preso por causa
das amizades ou da sua territorialidade. “Rodei32 porque andava com os caras que é envolvido
com isso”.
A estigmatização desse segmento da sociedade acontece tanto fora do seu ambiente,
quanto dentro, no próprio meio faccioso. Nesse sentido, mesmo o adolescente 4 não fazendo
parte de facção, ele foi etiquetado como inimigo pelo fato dele possuir outra territorialidade,
tanto dentro da unidade de internação, quanto na cidade que mora, onde predomina a facção B.
Assim, ele nos relata: “os caras me consideram como inimigo porque moro no pavilhão do
[facção B] e no bairro lá da minha cidade que só tem [facção B]”.
Esse contexto potencializou a sensação de segurança do jovem, pois, mesmo não
fazendo parte de nenhuma facção criminosa, ele se sente mais protegido estando nos locais em

31
De acordo com pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em novembro de 2016, os 5 atos
infracionais mais praticados no país estão relacionados com tráfico de drogas, roubo e furto, o que se relaciona
com a busca por obtenção de recursos financeiros (BRASIL, 2016).
32
Gíria utilizada pelos adolescentes para se referir ao momento da apreensão.
118

que a facção B atua. Essa sensação de segurança se dá, de acordo com ele, porque não há certeza
de segurança dentro da comunidade e no CEDUC capaz de protegê-lo. Nesse sentido, indagado
se a medida socioeducativa aplicada foi justa, ele arremata: “sou inocente, mas numa parte foi
justa porque tô guardado. Tenho medo de morrer. Não sei como está a rua lá fora. É o povo
tudo se matando”.
O adolescente 4 tem ótima relação com seus pais, o que, a priori, não identifica
vulnerabilidades dentro da sua família que potencializaram a sua participação em atividades
ilícitas. Financeiramente, a sua família é estável, pois o pai trabalha e a mãe é aposentada.
Percebemos que duas das vulnerabilidades que facilitam a participação dos adolescentes em
facções criminosas não estão presentes: vulnerabilidade financeira e falta de convivência
familiar.
O socioeducando afirma que possui um bom comportamento dentro da unidade, nunca
tendo cumprindo sanção na “cafua”. Não cumprir sanção na “cafua” pode ser considerada uma
virtude, pois adolescentes “novatos” são persuadidos pelos “veteranos” a terem
comportamentos agressivos perante os adolescentes rivais e contra os agentes do Estado, uma
forma de afirmar sua masculinidade e territorialidade na unidade. É um comportamento próprio
de quem busca provar seu papel no mundo do crime, empoderar-se sobre os inimigos.
Desrespeitar as regras da unidade pode ocasionar o cumprimento de sanção na “cafua”, mas
pode reforçar o sentimento de fidelidade a um grupo.
Indagado sobre sua relação com facções criminosas, ele nos afirmou que não possui
nenhuma relação. O jovem também se mostra arrependido de se envolver com práticas ilícitas,
apesar de se dizer inocente no ato que proporcionou sua internação. A margem para romper
relações com as facções é curta, só havendo uma possibilidade: tornar-se evangélico, como bem
relata o adolescente. “A vida do crime já não é pra ninguém, imagina em facções criminosas
que a pessoa só pode sair para a ‘lei de crente’”.
Ele assegura que sempre recebe convites dos seus colegas para fazer parte de grupos
facciosos, mas vêm negando. De acordo com ele, seus colegas se utilizam da atratividade que
a arma de fogo proporciona para incentivar a entrada de novos adolescentes. “Meus colegas me
chamam pra fazer parte das facções, diz que é bom porque tem armas, mas não vou”. Nesse
caso, o nefasto poder que a arma de fogo proporciona foi utilizado como sedução para cooptar
o jovem.
Dentro do CEDUC, há várias territorialidades, expressando-se como microcosmos que
ladeiam os adolescentes. A facção A controla um grupo de adolescentes e demarca seus
territórios, no mesmo sentido que a facção B atua. Se forem rivais, não podem intercruzar, pois
119

cada facção busca impor seu código, julgando ser o melhor para os seus membros, como bem
assegura o adolescente 4: “aqui, dentro do CEDUC, se juntar as duas facções dá conflito”. As
territorialidades são identificadas pelos discursos dos adolescentes e no cotidiano da unidade
de internação. Além de haver a divisão territorial entre as facções dentro da unidade, há toda
uma logística na retirada dos adolescentes de facções rivais para ter acesso às atividades
cotidianas como: escola, esporte, atendimento médico, social e psicológico.
A convivência dos adolescentes com essas disputas entre as facções criminosas dentro
da unidade de internação se mostra conturbada, há uma mistura de confiança e medo.
Perguntado se as facções atrapalhavam a socioeducação, o adolescente respondeu que: “pra
mim, não, porque não tenho preconceito com nada, eles vivem a vida deles do jeito que quiser.
Mas as vezes dá medo deles invadir os pavilhão33, eles sempre quer invadir”.
Por não possuir nenhuma relação com facções criminosas, ele não aceita a imposição
de ordens desses grupos, afirmando não ter medo das possíveis “cobranças”. “Se o [facção B]
mandar um ‘salve’ eu não vou, não tenho nenhuma relação com a facção, e não tenho medo de
ser cobrado”.
Por fim, o adolescente 4 afirma que já conviveu em dois ambientes distintos onde estão
presentes as facções criminosas: o ambiente comunitário do seu bairro e o ambiente
institucional do CEDUC. Por estar inserido nesse ambiente diuturnamente, ele nos relata que
“essa guerra [entre as facções] ninguém sabe quando vai acabar”.

4.2.5 “Não tem como acabar com as facções, é uma coisa que ‘empesta’, como um besouro
que ferroa e vai passando de pessoa para pessoa”

O adolescente 5 é natural de uma cidade localizada na Mesorregião do Oeste Potiguar.


No momento da entrevista, ele possuía 17 anos de idade, tendo praticado o ato que resultou na
sua internação aos 15 anos, autodeclara-se da cor negra. A prática de um ato infracional análogo
a um roubo foi o que resultou o cumprimento da medida de internação do adolescente.
Antes de cumprir a medida socioeducativa, ele não frequentava a escola, assegurando
que cursou até o 4º ano do ensino fundamental. É visível que o adolescente possui defasagem

33
Esse termo é utilizado pelo sistema penitenciário para designar os ambientes onde ficam custodiados os presos
dentro de um presídio. Buscando comparação, e até a afirmação da sua masculinidade ao se comparar com os
adultos, os adolescentes costumam substituir o nome “núcleos de convivência” por “pavilhões”.
120

escolar, não sabendo ler nem escrever. No momento da realização da entrevista, o


socioeducando frequentava a escola da unidade de internação, mas sem saber em qual série
estava matriculado. “Eles disse que eu passei, mas não sei em qual série eu tô”.
A falta de profissionalização dos adolescentes está associada às condições precárias de
sua família. O adolescente comentou que nunca exerceu atividade profissional, nem mesmo
informalmente. Isso vulnerabiliza, ainda mais, a condição socioeconômica do adolescente, ao
passo que pode estimular a sua participação em facção criminosa.
Mesmo diante desse contexto, o adolescente não perde a esperança. Espelhando-se
financeiramente nos ideais consumistas dos sujeitos que possuem um maior poder aquisitivo.
O jovem almeja ascender socialmente através do trabalho. “[A minha perspectiva de futuro] é
ter um emprego bom e viver na paz com a minha família, construir um prédio ou uma casa com
piscina”.
No que tange à convivência familiar, ele afirmou que se restringe a contatos pontuais,
apesar de ter convivência com seu pai e viver em união estável com sua esposa, além de morar,
antes da internação, com seus dois filhos. Ele acredita que a morte da sua mãe o abalou
emocionalmente, contribuindo para as práticas de atos infracionais e participação em facções
criminosas. “Só queria minha mãe viva, depois que ela morreu eu fiquei pirado”.
A convivência comunitária do adolescente 5 também se mostra instável. Ele afirma
passar por um processo de estigmatização fora da sua comunidade, assim como sofre
preconceito pelo fato de manter relação com facção criminosa. Nas palavras dele: “tem gente
que tem medo de mim, não sei o que é isso. O povo sai de perto de mim e começa a dizer:
‘vish’, lá vem o filho de fulano de tal que é envolvido com facção. Eles entram pra dentro de
casa e fecha a porta”. Isso contribui para que o jovem se sinta pertencente somente à sua
comunidade, passando a negar ou ser indiferente com outras localidades que o rotulam como
insociável. Com isso, sobre seu pertencimento social, ele nos relata que: “só [sinto esse
pertencimento] no meu setor. Quando chego em outro lugar, o povo me olha diferente”.
Acerca do consumo de drogas, o socioeducando assegura que já fez uso de maconha,
loló, tabaco e bebida alcóolica. Sobre essa última droga, ele diz que seu uso não era frequente
porque “a bebida deixa a pessoa de ‘vacilo’ e eu não posso ficar de vacilo porque tenho muitos
inimigos das facções rivais”.
Historicamente, as condições degradantes dadas pelo Estado aos detentos que cumprem
penas ambientes de restrição de liberdade fizeram emergir grupos que buscavam humanizar o
ambiente e se legitimar pelo uso da força. Aqui, não estamos afirmando haver essa situação
121

dentro do CEDUC, pois precisaria haver uma investigação aprofundada nesse sentido, o que
não é objetivo da nossa pesquisa.
Porém, o adolescente se mostra insatisfeito com o ambiente de socioeducação. “Aqui,
tá fazendo eu perder o juízo. O comer é ruim, é difícil ter artes. Era pra ter vídeo game, totó,
ping pong. O lanche não muda, é só pão”.
Percebemos que o adolescente busca alternativas para sair da ociosidade. Ociosidade
essa que vem sendo preenchida pelas atividades facciosas, em prol dos interesses das
organizações delinquenciais.
Conturbar a sociabilidade da unidade é vista como um dos principais motivos para a
sanção dos adolescentes. O jovem nos assegurou que já foi disciplinado na unidade quando
cumpriu sua primeira medida socioeducativa. Assim ele assegura: “fui pra ‘cafua’ porque fui
pego com celular dentro da cela e tava fazendo bagunça na unidade”. Ele ainda pondera que a
baderna34 no centro educacional está relacionada com a facção criminosa no sentido de se
empoderar e se afirmar dentro da unidade de internação. O celular era utilizado para manter a
comunicação com os “irmãos” que estão fora da unidade e em outros centros
educacionais/presídios.
A tortura, historicamente praticada dentro dos ambientes socioeducativos e prisionais
contra os indivíduos, pode ser vista como um dos principais fatores para que o Estado aparece
como um dos inimigos da facção criminosa da qual o adolescente faz parte. Nesse contexto,
indagado se já sofreu algum tipo de tortura, ele relata: “sim, da polícia, quando fui preso. Por
isso os ‘puliça’ é inimigo da facção”.
Perguntado como se dá a relação entre facções criminosas e a adolescência, ele descreve
a sua participação e os enredos que entrelaçam esse fenômeno, afirmando, inclusive, ter sido
vítima várias vezes de tentativa de homicídio reflexo do seu envolvimento.
Ele pondera que adolescentes não podem fazer parte, efetivamente, da facção criminosa,
atuam como apoiadores, sem muitos direitos e deveres, porém sempre devendo lealdade aos
“irmãos”. O “batismo” é a formalidade necessária que garante a identidade e pertencimento de
um sujeito à facção criminosa. Nesse sentido, o jovem cita: “quem não é batizado recebe o
nome de primo leal. De menor não pode ser batizado, pra ser irmão precisa se batizar”.
Há, ainda, regras que devem ser seguidas quanto ao ritual de batismo de novos membros,
como por exemplo: “para batizar um ‘afilhado35’ só pode depois de 9 meses de ter sido batizado

34
Ameaçar adolescentes da facção criminosa rival, intimidar agentes educacionais e equipe técnica, cometer dano
ao patrimônio público, entre outros.
35
Refere-se ao membro da facção que ainda não foi batizado, mas mantém alguma relação de pertencimento.
122

e virado irmão”.
Ainda nesse sentido, o adolescente descreve como se procede o batismo. “Manda a foto
pras cadeia e os irmãos analisa e autoriza o batismo. O irmão que tá batizando lê as regras da
facção e o cara diz se concorda ou não. Se concordar, tá batizado e precisa honrar”.
O batismo não é visto com bons olhos pelo adolescente 5. “Não sei se vou me batizar,
porque quero mudar de vida e não quero ser crente”. Como vimos anteriormente, após ser
batizado, a saída da facção resta comprometida, só havendo uma possibilidade: tornar-se
evangélico. A fidelidade deve permear e estar presente em todos os processos decisórios que
envolvem as facções criminosa, pois “depois que se batizar, só sai se for para ser crente fiel,
caso contrário é morto, não pode se acovardar, você é decretado36”.
Ele nos afirma que a territorialidade imposta pela facção criminosa que domina a sua
comunidade e o sentimento de injustiça, proveniente das ações praticadas pela facção rival,
impulsionaram sua entrada na facção B. Nas palavras dele: “eu moro num canto que está sendo
dominado pela minha facção, preciso fazer parte senão vou morrer. Também, o que me fez
entrar foi a revolta da outra facção [facção A], eles mata inocente”. Diante disso, há regras para
executar membros das facções rivais, como ele assegura: “a nossa facção só vai atrás do
inimigo, respeita a família do inimigo, o [facção A] mata todo mundo que tiver pela frente”.
No discurso anterior, obsevamos que ele coaduna com o relato do adolescente 1. O
entevistado 1arremata que a facção A desaprova o comportamento da facção B, porque,
segundo ele, seus membros matam os familiares dos membros da facção A. Nesse mesmo
sentido podemos perceber que o adolescente 5 assegura que a facção A é considerada inimiga
porque mata os familiares dos “soldados” da facção B. Esse conflito de discursos busca
legitimar a atuação das suas respectivas facções. Já que a legalidade estatal resta afastada, eles
buscam gerar uma empatia nos sujeitos, apoiando-se nas concepções de família.
De acordo com os relatos do adolescente 5, a territorialidade dentro do CEDUC é
aguçada, porque a “[Facção B] fica no pavilhão 3 e 4 e [facção A] no 1 e 2. Somos inimigos até
a morte, se se bater, é fumo!”.
Como visto nos relatos dos adolescentes anteriores, os inimigos das facções são o
Estado, representado pelas forças de segurança, e as facções criminosas rivais. Observemos o
relato do adolescente 5 sobre esse ponto: “na nossa facção também tem uma regra pra matar
‘puliça’ porque os ‘puliça’ quando sabe que a gente é de facção quer matar a gente e diz que
nós reagiu”. Por fim, ele expressa: “nossos inimigos é [facção A], [facção C], [facção D] e

36
Significa dizer que o a pessoa será assassinada por desobedecer às regras da facção criminosa.
123

[facção E]”.
Assim, nos relatos do adolescente, conseguimos identficar que a opressão estatal vem
contribuindo para que as forças de segurança sejam vistas como um dos alvos das facções
criminosas. Por fim, a busca pelo controle das práticas ilícitas (tráfico de drogas e armas,
assaltos a bancos e a outras instituições) acarreta a rivalidade entre as facções criminosas dentro
e fora dos ambientes prisionais e socioeducativos.
O sentimento de poder, incessantemente citado pelo adolescente durante o diálogo, ora
implícita, ora explicitamente, contribuiu para a sua participação em facção criminosa. Assim,
ele relata: “eles perguntam se tamo precisando de alguma coisa: fuga, armas, apoio. Eles desce
uma pistola, [escopeta calibre] 12, qualquer coisa que você quiser fazer ela [facção B] ajuda”.
Relatando-nos em outras palavras, ele é ciente que o simples fato de portar uma arma
de fogo não o torna um sujeito de poder, pois o que acontece são expressões das relações de
poder de forma transitória, potencializadas pelo sentimento de coletividade presente nos
espaços facciosos.

O [facção B] desce armamento e drogas pra gente. Eu sei que o poderoso é o


lá de cima, mas a gente também se sente poderoso porque sabe que ninguém
vai mexer com nós, a gente pode contar com a facção. Quando eu sair daqui
[CEDUC], já tem um revólver e uma pistola. O bom, também, é que sempre
tá o “mói”, todo mundo junto, nunca tá pouco, sempre todo mundo armado.

Para o adolescente, nem tudo na facção é visto de forma positiva, já que não há
tranquilidade devido à presença de fações criminosas rivais. “quando o cara tá numa cidade que
têm duas facções, o cara troca bala direto, não pode dormir sossegado”.
A falta de acesso a bens materiais, diante da vulnerabilidade financeira do adolescente,
também contribuiu para que ele mantivesse relação com a facção criminosa, como bem ele
narra: “antes de entrar para a facção eu não tinha ajuda de ninguém, o Estado não me dava nada,
a minha família não tinha condições, a facção me ajuda, manda dinheiro, feira pra minha família
e advogado”.
No discurso a seguir, mais uma vez, identificamos a existência de um pluralismo
jurídico nos espaços onde as facções criminosas atuam, intercruzando o jurídico estatal e o
“jurídico faccional”, expressando-se em momentos oportunos, a depender dos interesses dos
sujeitos envolvidos. Se o Estado aplica a lei de forma que desagrade o grupo faccioso, o sistema
jurídico estatal é deslegitimado e atacado pela facção, mas, quando o grupo se sente ameaçado
124

e há previsão legal no sistema oficial que o beneficie, ela é suscitada, principalmente quando
envolve a integridade física dos sujeitos. Há, com isso, um intrincamento entre os códigos
jurídicos do Estado de Direito e das facções criminosas.
Nesse sentido, o código das facções pode se expressar de várias formas, autorizando ou
desautorizando atitudes dos seus “soldados”. Como nos relata o adolescente 5, há crimes que
não podem ser praticados pelos membros da facção criminosa. “Nossa facção não pode roubar
ônibus, não pode praticar latrocínio, não pode roubar dentro da favela”.
Caso essas regras da facção sejam desobedecidas, haverá “cobranças”. A cobrança é
feita utilizando-se da figura do castigo, que é a suspensão do exercício de algumas atividades
criminosas. Nesse contexto, o adolescente esclarece: “existe o castigo dentro da facção que é:
não pode vender drogas, pegar em armas, matar inimigos por algum tempo”.
Há membros dentro da facção que são responsáveis por monitorar se os indivíduos
punidos com o castigo estão obedecendo a determinação imposta pelo grupo. Esse instrumento
de controle é denominado de observação que, de acordo com o jovem, consiste em: “alguém
ficar pastorando o cara”.
O adolescente nos relata que dentro dos presídios e centros educacionais há regras de
convivência, permeadas por religiosidades, coletividade, comprometimento, alteridade e
vigorosidade dos adolescentes. Com isso, ele cita, pelo menos, 6 regras que devem ser
obedecidas e que se expressam dentro do CEDUC Mossoró.
A primeira regra consiste em “todo dia puxar a oração da própria facção, começa com
um pai nosso”. A segunda regra é “respeitar os outros”. A terceira regra a ser seguida é que
os membros da facção deve “manter a cadeia na paz”. A quarta regra citada pelo adolescente
5 se refere a “cumprimentar os colegas constantemente com o grito: “um bom dia, boa tarde,
boa noite e um forte sincero abraço na parte37 de ‘fulano de tal’”. Buscando manter o grupo
sempre com vigor, prontos para a “guerra”, a quinta regra assegura que “não pode tomar
comprimido, cheirar cola [de sapateiro], fumar pedra [crack] e em alguns lugares não pode
cheirar pó [cocaína]”. Por fim, a sexta regra que deve ser seguida pela membros é a de que
“estuprador, cabueta, nós mata. Não estupra, só faz matar”.
Além dessas regras citadas anteriormente, há outra regra de sobrevivência diante dos
confrontos entre polícia e facções rivais, tanto dentro dos centros educacionais ou presídios,
quanto nas comunidades. Assim o adolescente relata:

37
Significa o nome do emissor que manda o cumprimento ao receptor da mensagem.
125

Nas operações da polícia e durante a guerra dentro dos presídios a fuga é


proibida. Só pode fugir se for escolhido pela facção, geralmente [os escolhidos
são] quem já puxou muita cadeia. Aqueles que fugiu durante a guerra lá em
alcaçuz, sabe?! e não tinha autorização, vão ser cobrados porque tomaram
decisão isolada e deixaram os irmãos na mão.

Estando diante desses confrontos, tanto contra o Estado, como contra grupos rivais, os
membros recebem apoio armametista da facção criminosa, havendo uma verdadeira união
nacional dos “irmãos”. “Quando nós, daqui do estado, vê que não tem armas para trocar tiro
com os ‘puliça’, vem armamento de São Paulo: pistola, fuzil, metralhadora, [escopeta calibre]
12 de repetição, [fuzil] 762, ‘macaquinha’ [sub-metralhadora]”. Entretanto, não são todos os
membros que dispõe dessa influência para conseguir esses armamentos. Há restrições, como
veremos na fala do adolescente 5, a seguir. “Não é qualquer um que pode pedir e usar armas.
Precisa ser respeitado e se perder a arma, precisa pagar e se num pagar é ‘cobrado’. Só não
precisa pagar se perder a arma durante a ‘guerra’”.
O adolescente nos relata que também há interferência da facção nos relacionamentos
amosoros dos seus membros. Assim, “só pode ter relação com a mulher do ‘irmão’ depois de 6
meses dela ter separado ou ter ficado viúva”. É perceptível que a vida dos participantes é regrada
sistematicamente pela facção, o que inibe a autonomia dos sujeitos em nome de uma
coletividade criminal.
Dentro da facção, há uma hierarquia bem definida que deve ser obedecida, sendo que,
“para subir na facção precisa ter conceito: homicídio, palavra, arma e dinheiro”. Os membros
precisam obedecer à hierarquia e acatar as decisões, pois “quem manda é a facção, nós faz o
serviço que ela manda fazer”.
A seguir, ele cita um exemplo de como ocorre essa relação de hierarquia e disciplina.
“Para matar alguém, por exemplo, precisa comunicar e ter autorização da facção, se tomar
atitude isolada, pode perder a ‘camisa’ e ser ‘cobrado’”.
Também, dentro da organização delinquencial há uma distribuição de tarefas bem
definidas, de acordo com o perfil e influência de cada membro. “Cada irmão tem sua função.
Geral do estado: toma conta das cadeias do estado. Geral da rua: toma conta da rua. Geral
da cadeia: cada cadeia tem seu geral”.
E, nesse contexto, surgem os “salves” para serem executados. Quem não participa da
facção pode até ousar desobedecer à ordem do salve, mesmo sabendo dos riscos que está
correndo. Porém, quem participa da facção criminosa, não ventila essa possibilidade, como no
126

caso do adolescente 5. “Se chegar um ‘salve’ o cara não pode negar, o cara tem que ir, querendo
ou não querendo, e se negar, pode morrer”.
Perguntado se é necessário pagar alguma mensalidade à facções criminosa, o
adolescente responde:

Tem a cebola/caderninho/mensalidade pra ajudar os irmãos que não têm


condição. Mandar feira e dinheiro, por exemplo. Olhe! olhe! a facção me ajuda
depois que cheguei aqui [no CEDUC], ela me dá dinheiro e ajuda a minha
família. Se o cara tiver [condições de ajudar] e não quiser contribuir, pode ser
decretado.

Essa distribuição de renda acarreta um sentimento de coletividade, obediência e


fidelidade dos adolescentes em relação às facções criminosas.
Ao fim do nosso diálogo, o adolescente nos fez um alerta: “faz um ano e pouco que
entrei na facção. Não tem como acabar com as facções, é uma coisa que ‘empesta’, como um
besouro que ferroa e vai passando de pessoa pra pessoa”. Portanto, a relação dos sujeitos com
as facções é tão forte que o adolescente não vê possiblidades para conter o avanço desses
grupos.
É notório que entevistado possui uma estreita relação com a facção B. A vulnerabilidade
familiar e socioeconômica, associada à sensação de poder que a facção proporciona, bem como
o acesso a armas de fogo influenciaram para que o adolescente passasse a fazer parte do grupo.
Soma-se a isso a representatividade social que os bens materiais proporcionam, mesmo sendo
resultado de práticas ilícitas. Porém, como vimos anteriormente, o adolescente considera que a
busca por justiça social foi o que incentivou sua participação.

4.2.6 “Eu faço parte de facção, facção tá em todo lugar e eu não quero falar sobre isso”

O último instrumento de coleta que analisamos faz referência ao adolescente 6. Ao


explicarmos o intuito da nossa conversa, ele nos adiantou que já sabia do que se tratava, pois
os adolescentes com que tínhamos conversado anteriormente já os tinham relatado sobre nosso
diálogo. “Você é o cara que falou com [o adolescente 4] e [o adolescente 5] sobre facção, né?!
Eu faço parte de facção, facção tá em todo lugar e eu não quero falar sobre isso”. Então, o
127

adolescente nos perguntou: “era só isso?” Respondemos que sim e o adolescente 6 pediu para
ser conduzido de voltar ao núcleo de convivência.
Diante disso, percebemos que o teor da pesquisa foi discutida e analisada pelos
adolescentes membros da facção, decidido-os a não revelar mais nenhuma informação sobre a
organização delinquencial. Este comportamento do adolescente 6 é compreensível, pois revelar
informações da facção criminosa sem autorização dos seus líderes pode acarretar “cobranças”
e pôr sua vida em risco. Como as entrevistas são voluntárias, não insistimos em entrevistá-lo, o
que não deixa de ser uma informação relevante e reveladora para nossa pesquisa e trabalhos
futuro.
128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar o contexto em que surgiu o fenômeno das facções criminosas nos possibilitou
compreender as expressões facciosas atuais. Hoje, há muitos resquícios de outrora, mas sem
obedecer uma linearidade, o que nos fez perceber muita transversalidade nos discursos e nos
comportamentos dos indivíduos que se dizem fazer parte de facções criminosas.
A pesquisa evidenciou que, historicamente, esses grupos são guiados por um código
que, ora dialoga, ora colide com o código jurídico oficial, a depender do seu interesse. Diante
disso, observamos que há uma miscelânea jurídica nos ambientes onde existe a figura do Estado
e os representantes dos grupos facciosos. Verifica-se um intrincamento entre os códigos
jurídicos do Estado de direito e das facções criminosas, uma simbiose entre organizações
delinquenciais e a ordem oficial.
Essa simbiose contribuiu para o surgimento das facções criminosas no Brasil, a partir
do final da década de 1970. Predominou um encarceramento conjunto dos presos políticos com
presos comuns, os quais pleiteavam melhores condições dos ambientes carcerários. A
articulação desses presos possibilitou uma maior capacidade de enfrentamento da política
repressiva estatal, o que contribuiu para a “formação” dos sujeitos, bem como fez emergir o
sentimento de coletividade dentro do sistema carcerário.
As facções criminosas se utilizam da capacidade de articulação e o poder de persuasão
dos presos adquiridas dentro do sistema penitenciário, bem como das vulnerabilidades dos
sujeitos para arregimentarem novo membros para participarem dos seus grupos.
Diante disso, a análise do percurso dos direitos da criança e adolescente permite afirmar
que os adolescentes, por se encontrarem em estágio peculiar de desenvolvimento,
historicamente vítimas de negligências e indiferenças, apresentam maior vulnerabilidade para
o ingresso em facções criminosas. Eles almejam nesses grupos as expectativas de suprir
carências psíquicas, (emocionais) e financeira (materiais). Identificamos que a vulnerabilidade
da adolescência não é regida por cunho estritamente biológico, mas, também, psicossocial. No
mesmo sentido, os parâmetros etários de responsabilização desses sujeitos que observamos hoje
(imputabilidade a partir dos 18 anos, no Brasil) obedecem também às condições históricas em
que as crianças e adolescentes convivem.
Analisamos o fenômeno da participação de adolescentes em facções a partir de cinco
categorias de análise, que envolvem “busca pelo poder” “masculinidade”, “consumismo”,
“territorialidade” e “pertencimento”, sendo que, posteriormente, foram dialogadas com a
129

pesquisa empírica sobre os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no


Centro Educacional Mossoró (CEDUC).
Podemos perceber que a busca incessante dos adolescentes pelo poder contribui para
sua participação em facções criminosas. Essa noção de poder é potencializada quando eles,
portando uma arma de fogo, internalizam um sentimento de sobreposição sobre o outro
(geralmente o Estado e as facções rivais), capaz de combatê-lo e enfrentá-lo a qualquer
momento.
A afirmação da masculinidade enquanto virilidade de adolescentes é potencializada
pelas facções criminosas. Essa estratégia se expressa com a distribuição de poderio bélico
(armas para praticar assaltos, manter o controle do território e matar os inimigos) e econômico
(tráfico de drogas e o incentivo à prática de infracionais contra o patrimônio). Diante disso,
adolescentes são desafiados a praticarem tais condutas, sob pena de serem rotulados como
sujeitos “menos homens”.
Hoje, entre os adolescentes, predomina uma cultura imediatista em busca de um poder
de consumo, espelhados em grupos indivíduos que acabam servido de referência para tal
comportamento. Assim, teoricamente, o consumismo na adolescência também foi visto como
fator relevante para a participação de adolescentes em facções criminosas. A empiria não nos
possibilitou concluir, de forma substancial, que a participação de adolescentes em facções
criminosas é potencializada pelo consumismo. Nesse sentido, ainda, é importante mencionar
que os atos infracionais praticados pelos adolescentes, em sua maioria, são contra o patrimônio
e tráfico de drogas, uma forma de obtenção de recursos financeiros.
A territorialidade se faz presente no Eu dos adolescentes que participam de facções
criminosas, eles demarcam áreas de controle e lutam pelos ideais comunitários que coadunam
com seus interesses. A segregação social convivida diariamente por esses sujeitos é mais um
instrumento para eles se apegarem e defenderem seu agrupamento.
Há um fosso entre os “marginais” e os ditos “sociáveis”, que cria rótulos e traça perfis
de quem é “criminoso” de acordo com o local (territorialidade) que os sujeitos habitam. O
sentimento de pertencimento à comunidade, que parece legítimo, é usurpado pelas facções
criminosas. Isso “justifica” as práticas ilícitas, como se fossem “legítimas” ações de proteção
da “comunidade” para além da própria sustentabilidade da facção. Isso pode denotar a ideia de
criação de um Estado paralelo, mas o que existe é um aumento desse pertencimento aos grupos
diante da omissão estatal.
Os adolescentes são estigmatizados pela sociedade e, também, visto, por eles mesmos,
como sujeitos incapazes, subversores insociáveis que não pertencem a nenhum grupo e não se
130

sentem parte para as tomadas de decisões. Portanto, aproveitando o vácuo familiar e estatal, as
facções criminosas despertam nos adolescentes um sentimento de pertencimento comunitário,
empoderando-os e estimulando um senso de coletividade até então fragilizado nesses sujeitos.
Diante da ausência de pesquisas que versassem sobre a temática e as especulações
jornalísticas que nos rodeavam, buscamos compreender o fenômeno, também, na perspectiva
dos adolescentes que dizem possuir alguma relação com facções criminosas. Para tanto, foi
necessário ouvir os sujeitos, transcrever suas narrativas e dialogá-las com as categorias de
análise examinadas anteriormente.
Por meio da pesquisa empírica, foi possível perceber que há um pluralismo jurídico nos
ambientes onde se fazem presentes o Estado e as facções criminosas (comunidades periféricas,
sistema carcerário e sistema socioeducativo), agindo a partir de um movimento simbiótico
como visto anteriormente.
A partir dos discursos dos adolescentes, foi possível perceber que a luta pela
humanização do sistema carcerário, que deu ensejo ao surgimento das facções criminosas no
final da década de 1970 persiste, mas ganhou uma nova roupagem. Isso porque, atualmente, as
facções criminosas estão mais para empresas do que para grupos que buscam garantir direitos
humanos a se constituírem enquanto movimento social para transformar uma realidade posta.
A partir dos relatos dos adolescentes, foi possível perceber que eles acreditam que os
motivos que os fazem participar de facções criminosas é a negativa de seus direitos básicos
(saúde, educação e alimentação), disfuncionalidade familiar e ausência de políticas públicas
que contribuía para a construção de uma identidade terrena (MORIN, 2000) dos adolescentes
distante das práticas de atos infracionais.
Ainda, dentre as categorias analisadas teoricamente, o “poder”, associado à noção de
masculinidade, foi o mais citado pelos adolescentes. Segundo eles, as facções criminosas
reforçam esse desejo ao distribuir armas de fogo e oportunizar a compra de produtos vistos
como inalcançáveis de forma legítima, já que se encontram em elevando grau de
vulnerabilidade social.
Os adolescentes relataram que as facções criminosas despertam um sentimento de
pertencimento e coletividade, fato que não acontece quando eles estão em contato com a
“sociedade”. Portanto, o território passa a ganhar significados e fazer parte da subjetividade
deles, o que afirma e intensifica sua territorialidade.
Por fim, não conseguimos identificar fortes evidências de que o consumismo na
adolescência potencializa a participação desse segmento social em facções criminosas. Quando
131

o consumismo aparece, ele surge como um desenrolar da noção de poder e pertencimento


presente na relação adolescentes-facções.
Após a análise dos resultados, observamos que a participação de adolescentes em
facções criminosas possui várias facetas, muito além das categorias analisadas, um emaranhado
de especificidades que caracterizam o fenômeno como transversal, devendo ser compreendido
por diversos ângulos. Por fim, durante o percurso do trabalho resta claro que não foi nosso
objetivo propor alternativas para a contenção do fenômeno da participação de adolescentes em
facções criminosas. Mas, por outro lado, o presente trabalho pode auxiliar intervenções, leis
e/ou políticas públicas voltadas à infância, adolescência e juventude.
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ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de
Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
145

ANEXOS
ANEXO A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO – UFERSA


PROJETO DE EXTENSÃO “DIREITOS HUMANOS NA
PRÁTICA”

Av. Jorge Coelho de Andrade, 278, Presidente Costa e Silva, Mossoró-RN


Tel.: (84) 3317-8318 / E-mail: dhnapratica@gmail.com

FICHA DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE NO CEDUC MOSSORÓ

IDENTIFICAÇÃO DO(A) ASSISTIDO(A)


Nome:
Apelido: Idade/ Data de nascimento:
Cidade Natal: Idade da Prática do Ato Infracional:
Cidade onde foi praticado o ato infracional:
Bairro em que morava: Deseja retornar para o local: ( )Não ( )Sim
Gênero/Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino ( ) Travesti ( ) Transexual Masculino
( ) Transexual Feminino ( ) Outras opções de gênero
Cor (etnia/raça): ( ) Amarelo ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Preto/Negra ( ) Parda ( ) Outra:
Religião: Data da Entrevista:
Nível de Escolaridade: Analfabeto( ) Fundamental: ( ) Completo ( ) Incompleto
Ensino Médio: ( ) Completo ( ) Incompleto
Frequentava a escola no período da prática do ato infracional: ( ) Sim ( )Não
Reconhece a importância da educação: ( )Sim ( )Não
Problemas de Saúde: ( ) Não( )Sim Qual?
Já recebeu algum tratamento psiquiátrico:( )Não( )Sim Qual?
Uso de Drogas: ( )Não ( )Sim Qual?
Exercia profissão: ( )Não( )Sim Qual?
Estava trabalhando quando o ato foi praticado: ( )Não( )Sim Carteira assinada: ( )Não ( )Sim
Carreira profissional desejada:
Natureza/Tipo do ato infracional: Possui advogado: ( )Não ( )Sim
Teve alguma negativa de prestação de saúde durante a MSE: ( )Atendimento( )Medicamento( )Cirurgia
( )Tratamento ( )Outro:
Já sofreu preconceito/discriminação: ( )Não ( )Sim
Tem algum preconceito: ( )Não ( )Sim Qual?
COMPOSIÇÃO FAMILIAR
Com quem morava? Quantidade de membros na casa?
Convivência com mãe: ( )Não ( )Sim Obs:

Av. Jorge Coelho de Andrade, 278, Presidente Costa e Silva, Mossoró/RN


Tel.: 3317-8318 / E-mail: dhnapratica@gmail.com
Convivência com pai: ( )Não ( )Sim Obs:
Possui filhos: ( )Não ( )Sim Quantos? Relacionamento afetivo: ( )Não ( )Sim
Recebe visitas na unidade: ( )Não ( )Sim De quem?

Av. Jorge Coelho de Andrade, 278, Presidente Costa e Silva, Mossoró/RN


Tel.: 3317-8318 / E-mail: dhnapratica@gmail.com
Renda familiar: R$ Realiza ligações na unidade: ( )Não ( )Sim

Foi vítima de algum crime: ( )Não ( )Sim Qual?


Já praticou ato infracional: ( )Não ( )Sim
Já repetiu o mesmo ato: ( )Não ( )Sim
Reincidente no SINASE(outra MSE): ( )Não ( )Sim
Já foi preso como adulto: ( )Não ( )Sim Por quê?
Já responde algum processo criminal: ( )Não ( )Sim
Familiar cumprindo pena ou MSE: ( )Não( )Sim Quem?
Envolvimento com facção: ( )Não ( )Sim Inimizades (internas ou externas): ( )Não ( )Sim
Expressa arrependimento: ( )Não ( )Sim Aceitaria dialogar com a vítima: ( )Não ( )Sim
A MSE aplicada foi justa: ( )Não ( )Sim A MSE aplicada surtiu efeitos positivos: ( )Não ( )Sim

Proposta de melhoria para unidade: ( )Não ( )Sim Qual?


Relacionamento com funcionários da unidade: ( ) Bom( )Ótimo( )Excelente
( ) Ruim ( )Regular( )Péssimo
Alguma atividade externa durante a MSE: ( )Não ( )Sim Qual?

Foi disciplinado na unidade (protetora “cafua”): ( )Não ( )Sim


Se foi disciplina, qual motivo:

Possui algum trauma que marcou a sua vida: ( )Não ( )Sim Obs:

Algo positivo marcou a sua vida: ( )Não ( )Sim Qual?

Já sofreu tortura: ( )Não ( )Sim Obs:

Sente-se pertencente a sociedade: ( )Não ( )Sim


O que precisaria acontecer para haver uma mudança de vida?

Tem perspectivas concretas de futuro: ( )Não ( )Sim Quais?

Sonho de Vida: ( )Não ( )Sim Qual?

Qual aprendizado durante o cumprimento da MSE:

Av. Jorge Coelho de Andrade, 278, Presidente Costa e Silva, Mossoró/RN


Tel.: 3317-8318 / E-mail: dhnapratica@gmail.com
Conhecia as informações processuais prestadas
pelo projeto: ( )Não ( )Sim

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Av. Jorge Coelho de Andrade, 278, Presidente Costa e Silva, Mossoró/RN


Tel.: 3317-8318 / E-mail: dhnapratica@gmail.com

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