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i.i:;i', .fem;nto empÍrico, essa articulação não chega a ser a melhor expressão da verdade,
;f,,:i,conlorme rentarei demonstar a pardr do exame da história e da historiografia
.j,r.'., concernentes aos eventos em te[a, com especial destague para a Inconfidência Minei-
râ, 9uê, entxe eles, seria objero
da mais expressiva apropriação simbólica e política
pelas elites imperiais jd a
partir do inÍcio do século xIX no processo de constru$o da
identidade nacional. Nesse senddo,
sugiro, já de início, gue a relação esrabelecida
entrc as diversas inconfidências
do final do séculoxviil e o proÇesso de independên-
cia deu-se antes
por stra apropriaçáo e releirura pelos agentes da emancipação do que
Das múltiplâs utilidades das revolras
A independência brasíleira
formâçáo de um pensamento comum comPal- século xvIII, de uma expressiva csfera pública eflquento loc* privileg,ado da açáo
pelo acúmulo de experiêncies e
-ou
política, conforme demonstrou Jancsó
(1997)'
tilhado pelos rrês processos em Paute'
- à lncon-
preciso Por outro lado, ainda que admitindo seus eYenços cor$Perativamente
Em primeiro lugar, e pardr de uma breve análise comPerativa,l seiia no modo de se àzer
fidência Mineira, particularmente os relativos às reformulaçóes
os eventos em desta-
tentar,re§túelecer em bases Íeeli§tas as possíveis Çonexóes entre a difundida tese de que o que:contrapõe
hisroriografia, pelo " política, náo se pode aceirar impunemenre
quej Para além,do que .su§tenrou táo fortemente o.discurso'da elitista e reformista da In'
a comunháo e a circulaso das : os dois movimentos seria, firndamentalmente, o caráter
menos aré os anos 1980, o gue se percebe de fato é que
,i.l' Mineira ais-à-yis o caráter popular da baiana, freqüentemenre vista como
idéias enue os evento§ foram muito resrritas, para não falar da Prâticâmente
tr& "onnrên"ta
orevolucionária". Ora, no século XWII, mesmo tardio, o conüaPonto elite-povo não
â8enÍes envolvidos,
inexisrente circulaçáo dos personagens e da heterogeneidade dos se processâvâ do mesmo modo que nas democracias
modernas' Pelo contrário' na
o que Seriam variáVeis bastante e:cpressivas se qUiséssemos
demOnstrar que sua Suces-
documenução e
,, oi"* seteÇe11tista, o poYo era ainda uma "substância" urn pouco disforme, hetero-
,ao no tempo não seria obra do acaso' Floje sabemos' a PaÍtir de . eventualmente caminhavam de mãos dadas contra o Esta-
gênea, onde ricos e pobres
mlneiros e baianos,
também de análises hisroriográficas mais estruturais, que entre ,, ão e a nobreza, oU §UA fraçáo dominan!Ê, Nesse§ casos, náo era
incomum gue os
mesmo aprofundar
pobres conussem com a liderançe e a protcçáo simbólica muiro
Sem fieqüentemenEe
por exemplo, sáo rnaiores as diferenças que as semelhanças. ,,.
distinta nos dois casOS,
o exâme da conjunrura econômica regional, profundamente
diria gue, enquânEo a maioria dos conjurados mineiros era positivamente
dcfensora .,' rirrriam a soçiedade contemporânea a pardr da segunda merade do sécu-
"rr.rt
, , lo xix, não seria, portântor e marca inequívoca dessas sediçóes do perÍodo, sáo
das insrituiçóes do Ántigo Regime porruguês, desde que escoimadas de alguns exces-
sosdo absolutismo, os baiano§ cermrnente se inspiravam na§ reçentes
transformaçõee .j exemplares, nesr. sentido, os casos da Inconfidência Mineira, que, além das elites,
,-.', çsn1ou corn algum nível de envolvimento de pessoas de baixa o<uação socíal e' em
gue ainda se pÍocessavam no ambienre francês. & entre os
primeiros náo foram
ji:'il
enrre os não-monarquisras baianos o §enti-
.r.. menor gf*o, d;Io"onfidência Baiana, que contour a princípío, com fofie adesão de
iou"o, os monarquistas, p.r ouuo lado,
:l:Í
:i:Ir
sugeriria ,:,r', muiros membrOs da elire soteropolitana e baiana, os quais foram progressivamente
io d." do rermo "República" era radicalmente diferente do que 'l:1
::ri
"propriaçao r..', eximidos de participaçáo no correr da devassa. Tanto em um caso guânto no ou[ro'
o moümento republicano a pardr dos anos 1870'
lilr
:,r,.. a versão dominrnte na historiografizfez "tábula rasa', eliminando, na prádca, os ri::
os baianos, por seu turno, mais referenciados aos acontecimentos franceses lii
em qu€ o século xIX :..,, . ,.tor., populares de uma e as elites de outra. Nesse processo, foi decisiva a ação dos +i
çoevos ainda náo ctregavam a ser "republicanos" no sentido i:l
.t.i
dgvassantes em cada caso. ii:i
fortemente marcado iin
consagraria, mesmo porque seu repertório político seria ainda ii'. ',,
A questáo da inrerflerência dos derentores do poder local no curso das devassas iri
política por :i;1
p.l* Ãltu." política que condicionara padrões de ação e rePte§entaçáo .. que inVestigeram os três eventos nos remete diretamenle ao PIoblema, ainda em 11,
ili:
de rextos escritos supóe níveis de educação formal e inserçáo , . ditos? Ou, simplesmenf,e, o fato de se ter, de algum modo, caído em desgraça
junro iI'
parti;da divulgação .il
massa escrava do a membros do eswblishrnezr luso-brasileiro e, portanto, ser objeto de devassa? A per-
social certamenre muito diferenciados em relaso ao conjunro da ' i'i
:l
e vinham, cÔmo centenas
conrinenre. Em termos propriamente políticos, nãO deixa de ser surpreendente gunta se aplica fundamentairnente ao câso dos cariocas que
baiano do final do .' .o1r milhares de outros mernbros dq mundo ibero-americano, se deliciando com de-
avançada, no entânto, * progr"rri.', constituiçáo, no contexto
r' bates teóricos acerca de Bm noyo rnundo ou de uma nova ordem, mas que, na práti-
11".,,'ia, não cheg'aram e gerâr uma única ação concrela no sentido de sua tranSfOrmaçáo'
I Villaha. 2000. i'-....t, , Posivelmenre, seria a hornens como eles que um conhecido autor do século XiX se
102 A independôncia brasileira Das mÚltiplas utilidades das revoltas 103
Por todo o exposto, convém arentiu para alguns aspectos muirc irnportantes a r:.ltta'
, No plano dos cargos eletivos' f:i.dePu:d: *:i:]::"""t::tffi':*,11i1:
n
protagonisu de uma representativâ trajerória polÍtlco-administradva, tendo iniçiado iat',il* ;*;;ril ; oitocentista e' §eguramente' !
I
elirc polltica lus+'brasileira ou
*,r..rro, à qurl q,râtqTr membro da
I
i.:.,,traietória d.
:
,, ''r
que causâ
Posteriormente imperi"lLpimria'-O
l
Sáo Tiago de Cabo Verde, cargo que exeÍceu entre 1793 e 1795. Neste úldmo ano,
,,il: converte em problema deinvestigação
* é o fato de' em 1797' nosso exemplar l
i
assumiu a titularidade do cargo do qual até então era ajudante. Entre 1796 e 1797 prirneira
por crime de lesa-majestade de
I
I
:: per§onâgem rer sido condenado à morte
I
exÊrceu outra função em Cabo Verde, a de escriúo da Provedoria da Real Fazenda, à 1788/89' Mesmo
Mineira de
.,1.l,, cabeça no pro".r,o q* investigou
a Inconfidência .
gual se sucedeu o cargo de capitáo-mor do Forte de Santo Á,ntônio, ocupado entre continuaria
em degredo p"ra África' sua Pena
1798 e 1803 e que, na práricâ, lhe conferia o comando militar da praça da Vila da 1,;r,l: :tendo sido posteriorri.*." -*'i'ada " a rainha e
Praia, antiga capital daguela colônia. remetendo I preri"" i" um crime d" "lt''g'"nid'de'.cometido,contrâ
pois o nomeou
Após chegar a Lisboa, entre 1803 e 1804, José de Resende Costa Filho püeceu '" ' também contre ;fb;t;, que' afinal' p"t"t 'o tudo esquecido
sucessivas vezes e
"para diversos cergos'
bem acomodado depois de ser novamente empregâdo pelo Estado português, Foi
çonstituinte mineira
escriturário do Eúrio fugio enne 1804 e 1809, cargo que se sucedeu à experiência Seu caso náo é único' Ú* toi"g' da bancada
ocu11l1fl:::'::'.ffi lllii:l
padre Manoel Rodrigues da Costa' embora-náo.tenha
[:ffii;'ffi: ffi i J*;',"'*" Jil: cm i 26 " I
adquirida naÁfrica no mesrÍro campo. Convocado e nomeedo pelo príncipe regenter
em 1809 teve que voltar ao Brasil, de onde não mais sairia, Na principal região do
8
I*
.1T :.]:* ; :::1n
lmpério à época, convertida em sede da Corte Cosra Filho foi administrador da ;:il,1"1T':"f'"-J":*.";;;;'""*'o"rigio'o:*i^d:":Ti:,:".":'i,:
Fábrica de Lapidaçáo de Diamantes do fuo de Janeiro, contador-geral do Erário e, il:* ;;iffiil;ã.;u""r" )fl,,*, reveta grande vimlidade.ecoiu:i"1
r, . - J^-.:-:-i^* nô(I 1]I
nrl-
até 1827, escriváo da Mesa do Tesouro. ffi'*":#;J;l* p.o**inencia que sertscoricei@o
âsentes P:ti:i-
"oo*:t]fl,::lj;
do lbitipoca, aual município
ffii::If[.*""i;"ü; ni*Jt-*
5 Furtado,2002.
7
6 jardim, i989. Guimarães, 1988, I
IOd Aindependênciabrasileira Dâs múltiplas utilidades das revoltas 107
,,
de Conselhçiro Lafaiete, em 1754, Manoel Rodrigues da Cosra era descendente de .r, Não é improvável que o religioso, nas lides da Tipografia do Arco do Cego,
abastada famÍlia de fazendeiros e cultivava boas relaçóes com o contratador João tenha conhecido o irrequieto José de Sá e Bitencourt e Accioli, nosso terceiro e
Rodrigues de Macedo, norório sonegador ê inconfidente nunce indiciado,8 Prova- último personagem em destaque. Descendente de tradicional família baiana,
i. e abastada
velrnente'teria sido, no Seminário de Mariana, aluno do cônego Vieira, veemenre :ii o naturalista formado ern Coimbra ÍIasceu em Caetd, no ano de 1755, Âlém de
dêênsor da atualiza$o da doutrina seiscentista do Quinto lrnpério, de seu homôni- i
irir "coimbrão", teria sido freqüentador do cficulo ilustrado da Academia de Ciências de
mo padre Vieira, além de leitor atento de Raynal, Voltaire e Montesquieu. Tâmbém í.:liiü, Lirbon e tradutor de algumas obras sob coordenaçáo e a pedido do frei Veloso. Final-
condenado à reclusão, embora em Lisboa, dada sua condição de religioso, o padre Íi..,t't"'t*rr*., seria correspondente de José Bonifácio deAndrada e Silva, o "Patriarca da
Manoel Rodrigues da Cosm uáo deixou de exerçer atividades que o disdnguiriam, i.i Independência" e rambém cientista, com quem compartilhariq além do fascínio
sobretudo no campo intelecrual, sendo ainda possuidor de vasta biblioteca. Já em .1i;,. pelos segredos da química, a "repulsa ao despotismo" em todos os seus graus.lo
1796, apenas quatro anos depois de proferida â pene, sua prisão foi rela<ada e ele Êoi j.,i Ácusado de ser o inconfidente ciado em vários depoim€ntos como o "baúarel
rransferido para o Convento de São Francisco da Cidade, pena náo muito cruel para iiu pequeno da comarca do Sabará", José de Sá e Bittencourt e Accioli morâya com uma
um clérigo. 1..,' tia, com quem dnha esreitos laços afedvos dCIde a infância, na vila de Caeté. Thndo,
Em 1801 já se tornara amigo e conviva de personagens importantes como ,i',r: em 1789, resolvido passar na Búia pare rever parentes, tornou o caminho do Serro
Hipólito da Costa, gue posteriornente cria-ria o Correio Brds;lient€, do padrc Viegas i-:;.ri Frio, usual para os que faziam aquela jornadâ, até que foi informado por um viajance
de Menezes, inuodutor da imprensa em Minas Gerais, e do frei José Mariano da ,.. de que soldados procedentes de Vila Rica estavam na estrada à procura de "um ho-
Conceição Veloso, diretor daTipografia do fuco do Cego, em Lisboa, e responsável l.r.r'r: mem que se âusentara de Minas",ll Temeroso de que aqueles "lhe praticasem algu-
pela tradução e edição de inúmeras obras iluministas e protoliberais.e Ainda que boa 1i1,,, m.vioiencia",l2 embrenhou-se na mata e seguiu seu curso aré tes com os pârentes na
parte dessas affrmações seja baseada ern conjecturás, o Éro conÇrero é gue o padre i,lll: Búia. Tão logo as autoridades das Minas entrarem cm conteto com as da Bahia, o
Manoel Rodrigues da Costa mabdhou na tipografia, tendo raduzido e publicado i;ri;,,, eng"nho ern que se encôntÍava teria sido cercado "por mais de 300 homens" e o
pelo menos uma obra, e rcria sido o primeiro inconfidente de 1789 a receb€r autori- 5r.1ot.t foi preso. Chegando ao Rio de Janeiro, foi metido em urn dos segredos da
',,i'r'
zaçlo para retornaÍ ao Brasil, o que fez já em I 802, apenâs I 0 anos após ser condena- cadeia da Relafo até que, após interrogado durante apenas tr& dias consecutivos (há
';r'i
do, retornando à sua fazenda na comarca do Rio das Momes. De volta a Minas i,,i,,i' casos de meses entre um interrogatório e ouuo), foi libertado sem formalizaçáo de
Gerais, esteve envolvido corn projeros tôxteis, alimentÍcios e de rnelhoramentos pú- i::il" çulPa. Â questáo que surge diz respeito aotaÍnente à suposta incoerência eflffe rnô-
blicos em geral. Tornou-se ume referência de ciúlidade e cortesia em sua regiáo, r:ii,i'.ibilizar tamanho efetivo milirar para a sua caprura e depois libertá-lo em poucos dias.
recebendo as visitas de personagens tão dísparês quanto Augusrc de Saint-Hilaire e o
,,,,r,,,,, Um detalhe sobre sua libertaçáo não passou despetcebido a Silva (1948), que
imperador Pedro L Ainda em 1842, em provectâ idade, associou-se às escaramuças i,.'1, efirmaria ter ocorrido, entre a priúo e o interrogatório, o que passaria a se chamar o
.milagre
liberais da região de Barbacena, dando guarida a diversos e exaltados jovens que l li, ' de Bonsucesso": sue tia, após tom", .orrh.ai*"nto de sua prisão,
pareciam evocar nele sua própria juventude. Thmbém sócio do lnsticuto Hisrórico e
"b"rod,
,;,,,,, teria se esvaído em lágrimas e oraçóes até desfalecer. Num delírio, apareceu-lhe a
Geográfico Brasileiro, é dele um dos poucos regisuos, na prirneira pessoa, remanes' t,,il imog"* da Virgem de Bonsucesso prostrada sobre uma de suas lavras, supostamente
centes da inconfidência Mineira de 1788i89, uma vez que Resende Costa, tarnbém indi.o"ao o atendimento de suas preces. A pobre senhora teria cavado no lugar
,',rli.
convidado a prestar depoimento, limirou-se â reproduzir parte da narrativa de Robert :. , ; epontado "durante quinze dias com suas próprias máos* até conseguir alguns gülos
Southey, 0
padre Manoel Rodrigues da Costa morreu em 7844, aos 89 anos, sendo .,,,,, de ouror os quais cercamente teriam conrribuido para o bom andamento e agilidade
o úlúmo dos inconfidentes de 1788/89 a falecer.
to;ardim,
t9g9.
" Ânarrativa da epopéia é tomada de emprésrimo a §ouzs Silva. O "homem gue se âus€ntêm dc Minas'
I Jardim, 1989.
;1r3 gtovavelmentc o padre Rolim. Ver Silva, t 948, r 1, p. 89-)2 e 167-168.
e Ibid. " Palavras proferidas em resposta à inquirifo, Yer Á*os dr furassa...,1975, v, 1, p,555-573.
Das múltiplas urtilldades das revoltx 109
interesses no interior do mundo luso-brasileiro do Antigo Regime do que como ltfi, *iiria.aes urbanas típicas da sociedade e da burocracia portuguesa§, Perticularmente
urn ineguÍvoco movimento de ruptura, com uma clara agenda de construção de -'
iiii ,qu.l., situados no nú"l.o de Vila zu1 e s1 entorno, P."tt"*,,.
tl
alguns mornen-
nova nacionalidade, a qual se afirmaria, sobretudo, Por sua distinção em relaçáo à H;1, *, ' -ir*be* exúemamente céticos quânto ao fim último do projero
sediçioso'
portuguesa.ld liLn,t quentiarive e qualitativa dos bens següesrradosaos inconfi'
a análise
ir:,., a*to ae 17gg contribui para a melhor definição desse perfil dividido e hererogêneo
As devassas do fim do século XVlll como instrumento de gestáo Iti., . *rr possíveis implicaçó". p"ra o estudo da sediçáo PY.:idi. ot, dil?- :PT"dot:
política e como fonte sobrê a estruturâ luso-brasileira de Poder analisados corroboram o argumenro da cre§cenre Çomplexidade
e dualidade do cená-
as bases de compreensão de como se deu sua reapropriação a parrir de l82ll22- que oó se tonsolidaria nas prirneiras décadas do seculo XIX, na medida me§ma
ern
Nesse senrido, tome-se como exemplo a perceppo de que havia, enue os incon- que se definiam sua§ sólidas bases socioeconôrnicas, as mesma§ que §ustentariam a
fidentes de i788/89, pelo menos dois projeuos de sediçao disdnros. Â parrir da leiru- possível estabclecer um produti-
irimeira geraçáo das elitcs do império. Talvez fosse
ra dos autos de perguntas e acareaçóes constantes do qünto volume dos AWos de vo quadro polÍtico compüa[ivo *n"t *"t' úldmos t aqueles que foram eximidos
de
deuassa da Incorufidêrzçia Mineira (Ádiw), percebe-se claramente que alguns dos in- culpa na Inconfidência Baiana, embora com substancial vantagem de dados empÍricos
confidentes das regióes de maior prosperidede e vitalidade econômicas, cotÍro o eram
l5 Maxwell,
t985.
16
I3 Ver §i!ra, l94B, t, z, p, 89-92, Jardim, 1989,
l{ ;á discuti o temâ cm outros trabalhos. Ver Furado, 2000.
ll0 A independêncía brxileira
Das múltiplas utilidades das revoltas 111
ju$iça inviolável vos absolveu. Ela náo vos absolveu Nem sempre o§ econ[ecimenrcs filosóficos ne§re Pals heviam de ser crirninosos;
amt época- Pois bem, estâ
em §eu seio sentimentOs
Dem sempre ôs emanres da razâo e da verdade sufocariam
.. somente, mas vos engrandeceu e glorificou Pare todo o sempre! Hoje, quand.o
devastou e destruiu
vo[.uemosot olhos a0 pdstado, á a wssa figtra qil.e se ergil.e diante de nós. Ela cresceu úteis e liberais. () tirano despodsmo que, neste país, oprimiu,
temPo o seu exer-
tanro que enche todo esse horizonte longÍnquo e ensângüentado, onde luziram os os primeiros alunos desn útil faculdade embaraçou por rnuiro
ploglesso e
prlmeiros albores da.aurora,da'liberdad+ 4 gcd-ricia'r a doêe cício aos que e§capafarn de. suas.fiirias; fez o retardamenro de seu
Íydnd,o quelêftrot com que mágoa,
§ufocou no b*rço planos de melhorarnentos bem premeditados.
chamar sobrc ele codas as bên-
f.gara da Pdtria, é aosso no?ne quÊ Pronuncidmos, a Déspom Barbacena, e com
e todas as glorias.rs Ex,@ senhor, náo me recordo do infemal govetno do
çãos
quesatisfuçáonáoveioagoraaVEx'.,oprimeirofilósofodoNovoMundoàtesta
perdido'
Álém de compatibilizar suposros interesses públicos e açóes privadas, o texto ia direção dos negócios |úblicos ("') É 'go'a senhor que siato o tempo
de um grande desejo de
remete mmbém ao problema da inrervenção humana no cur§o da história. Aqueies V. Ex.i sabe gue, qrr"ndo deixei a universidade abrasado
vasos dc vidro próprios para o
que ousarâm contra o despotismo e Por isso sucumbirarn foram, afinal, absoluidos ser úril a minha Párria, comprei livros e todos os
e máquinas que me eram
pek histiriae o devir há de gloriffcar ainda mais esses homens "resolutos e de grande esrabelecimento de um laboratório, todos os reagentes
pôÍ em exercÍcio o meu gênio. (...) e quando lançava os primeiros
necessários para
espírito público". É também digna de noÉ e âssociâção da idéia da intemporalidade
alicerçes de meu edifício, a ambiSo de um Joaquim Silvério ("'), esse rnalvado'
da concepção de jusriça associada, ao rnesmo temPo ê paradoxalrnente, à virtude
(...) Êz denunciar ao visconde
"reveladora" do ternpo, da história como triunfo da "verdade". E se é precisamente tendo ouvido a alguns patrícios idéias mais liberais
tramavâ pelos mais dignos pauícios
no domínio do mito que ss oPera essa susPensâo do tempo, elernento que permite de Barbacena u*a pró*i*a sublevação que se
do despota
sua contínua reapresentação, é também no domÍnio do mito gue com freqüência a de Minas Gerais. (...) E saindo a salvo, temendo no\as Perseguições
meu denunciante, voltei para a Bahia onde residi muitos anos não dando exercí-
historiografia envereda quando procura restabeleces em bases históricas e empíricas,
cio alguro à minha faculdade ("')'t'
os discursos e pr&icas de seus personegens'
Panindo desses aspectos simbólicos e retóricos sllte, com freqüência, se associa-
Anote-se o faco de que nosso naruralista, irmão mais velho
do conhecido
ram Inconfidência Mineira e demais inconfidências do perÍodo' e seguramente
à
intendente câmara, pioreiro na siderurgia nacional no século xfx,
correlaciona
íoram intervenien[es nas diversas interpretações que se erigiram sobre o tema' gosta-
conhecimento' o qual teria sido coloca-
ria de sugerir, româado as trajetórias e falas de nossos três diferentes protegonistâs, direrarnenre adisponitilidade pública de seu
corno a erticula-
novas indagaçóes acercâ das relaçíes enue os fatos correlativos a 1788189 e 1 808-22, do a serviço da coroa caso forri* ouüas es direrriees de gestão, bem
ainda que o atrtor' ao se utilizal do
bem como estabelecer alguns limires Para âs articulaçóes Possíveis. Em primeiro lu- çáo .nu" iur"s, libçralismo e ciência' Observe-se
estaria,
gax, citemos brevemente o nosso naturalista.
termo "páuid,, não parece disdnguir claramente Brasil e Ponugll, :o,qr"
ainda por aquele tempo, .* de muitos dos próceres da independência.
Em 1821, inspirado pelas cransformaçóes que já ocorriam na estrutura do Esa- "o*lrohia mais políricos
do no Brasíl, José de Sá c Bittencourt encaminha a Jose Bonif;ício uma" Metnória Não é caso isolado no conrexro quc .xamin.i. Tomernos aSora Eemâs
inacesslvel durante déçadas, naverdade
O texto, para discutir a qucstão.
mincra[ógica da coruarcd do Sabará, enue dife-
significa â reromeda de uma rrocação intelectual interrompida dcsde que fora cirado e Premidos a um conrexto de transiçáo em área de reladva indefinição
sociedade setecentisEe e início
rentes
valores econômicos e sociais, aqueles homens da
indiciado peto crime de lesa-majestade, Embora Pouco se conheça sobre §uâs relaçóes â certeze de
do oitocentos náo tinham, como o§ histori*dores podem ter d PottetiTri,
com o Esrado luso-brasileiro no pe{odo enrre 1792 e I 821 , é elucidativa umâ Pâssa-
um Çerto curso da história. Esse tempo ÇoÍl§tituíâ-se em outro universo de significa-
gem em que o naruraJisra expressa as bas* de sua renúncia intelectual, o que muito nos
ção e, pormnro, eÍticuiave ootro, .onC.itos de
revolta, ieYoiuçáo' nat'o ou repúbli'
diz do processo em erflme. Na carta de oferecimenro de sua lvÍetnória, ele esçreve;
re
18 Santos, 19?2:15, grifos meus. Jardirn, 19§:241-244,
A independência brasileira Das mÚltiplas utilidades das revoltas 115
2rGonraga,
20 Carta a José de Resende Çosa, em Adim, v, 9, p. 442. l995Íil-lA.
L independência brasileira Das múltiplas wÍlidades das revoltas 717
instru@es não sustentam, minimamente, a suposição de que, a parrir dc um limite Voltando às Minas, diria que os versos de Gonzaga tas Cartas chilena1 quase
de I0 mil cruzados, os bens dos mineiros seriam 'tonfiscados" em favor da coroa.z2 sempre lembrados pe[a historiografia aPen,§ Por seu elevado teor de çrítica ao despo-
Era grande o desejo dos potentados locais de recuperar o acesso à gestão e ao tismo portuguôs, parecem ganhar um cÊrto conteúdo premonitório. Â lírica de
usufruto.das benesçes do Estado, o gue se percebe notadamente na proposição da Gonzaga nem.sempre sugere gue os
"parciais do levantd' náo estivessem abertos a
retomada do,curso de,algumas'antigas reformasiniciadas,p.gr;P.ombal;:de reorienações toda sorte de negociaçóes com os prepostos da coroa. fuferindo-se'ao desponismo de
adrninismarivas e de defesa da continuidade e recuperaçáo de alguns privilegios con- Luís da Cunha Meneses, etn suâs relaçóes com o eskmenro administrativo da capita-
'nia,
cedidos, pela administração metropolitana ou local, a rnoradores da capitania. Nesse o
escreve Poe[a:
senrido, é digno de nota o fato de que o programa econômico dos inconÊdentes esrá
quase todo contido em Çorrcspondência oficial de d. Rodrigo José de Meneses, en- Tu já viste o casquilho, quando sobe
viada à coroâ poEtuguesa em 1780, o quc não perece ter sido interpretado como À crsa e* gue se canta, e em que se joga,
uaição. O governador das Minas propusera ao governo da metrópole uma série de Que deixa à pona as bestas, e os lacaios,
medidas de diversificação econômica para reverter o quadro de decadência ern quc se Sem querer se lembrar que venra, e çhove?
encontrava â capitania, Destacam-se entre as medidas sugerida.s; l'a)libetdade perâ.a§ Pois assim rros tratou o nosso chde;
indústrias; b) organiza$o dc um serüço de correios; c) concessão de empréstirnos Mal à poru chepu do chde andgo
aos mineiros a 9% eo eno; d) suprcssão das casas de fundiçáo; e) insala-
juros de 8 a Com ele se reçolhe, e até ao rnesme
çáo de uma casa da moeda em Minas, para absorver todo o ouro em pó e transíormá- Luziáo, nobre corpo do senado
Io em papel-moeda; 0 cria$o de uma siderúrgica".z} Exceto a criação de urna uni- Não fala, não correja, nem despede,25
versidade, ere esse basicamente o projeto dos incctrfidentes mineiros de 1788/89.
. Náo se pode esguecer que vários inconfidentes foram constantes pafiíçipes des Eloqüentes, os versos indicam a possibilidade de que, corn alguns afagos aos
esffuturas de poder luso-brasileiras e agraciados com inúmeras regalias nas gestões homens bons das câmaras municipais ("luzido, nobre corpo do senado", que Gonzaga
imediatamente anteriores. Gonzaga, Çomo se sâbe, era filho de um homem que peÍ- procurava preencher com seus "parciais") e o convite a que adentrassem "à casa em
tencera, nas palavras de Maxwell (198r), ao "círculo Íntimo dos conselheiros dç Pom- que se centa e que se joga", boa parte das rensões poderia ser aliviada e, mais que
bal", Ciáudio não dispuúa mais de posiçáo considerável na capitania, tendo que tudo, poderiam set retomados e reafirmados os interesses cornplementares enüe a
sobreviver da "usura". AJvarenga perdera boa parte dos privilégios de gue dispuúa metrópole e a colônia. Ârrote-se ![ue, em senrido geral, e obra de Critilo se dirige ao
ao tempo de Pombai. Todos eles poderiam ser aqui entendidos não como já quase despotismo e ao desapego às normas uisrocráticas por par[e de Cunha Meneses ou,
"brasileiros", como insixe parte expressiva da historiografia de reterência, mas como no máximo, ao desporismo strhto sewu, A' monarquia, no entanto, parece resultar
vassalos da rainha de Portugal estabelecidos em colônias, anteriorrnente bern inseri- preservada ern pilares e esteios Êundamentais, etrüe os quais se inclui a nobreza, pos-
dos e agora privados de antigas regalias. Os mineiros, nesses casosl a meu ver, ainda teriormente convertida em "elite política", conceito mais próximo a uma sociedade
estão desdtuldos daquela consciência do "viver em colônias" que relataria com de classes.
ineditismo um obserrador do contexto baiano em 1802:2{ o que certemente tam- Por outro lado, também é possível identificar evidências de que alguns dos in-
bém já se colocava em alguns dos discursos de 1821172, dadas todas as transforma- confidentes de faro nuuiam maior simpatia pelo modelo republicano de exercício da
çóes que se sucederam a 1808. política, embora náo alirnentassem, âIé as últirnas conseqüências, o projeto de insti-
tuição do sistema represennrivo stricto scnsu, Esta parece ser a tônica dominante em
relação ao envolvimento de Álvares Maciel, possuidor de volume que continha as leis
zz Ádi*, v. 8, p, 4l-105; v. l, p.9l-126,157.
?lJardim, 195939.
24 Vilhena, apud Novais, i997, 25
Cf. Gon .g*, 1995:62.
A independêncÍa brasileira Das múltiplas utilidades das revoltas Xtg
o que udo isso parece inclicar é que alguns aspe«os das falas de lTgg/g9,
nptadamente no que Çonc€rne à defesa de uma monarquia náo-despótica, seriarn Referências bibliográficas
notavelmente retornados pelos mesmos protagonisras em lg2}-zz,num movimento
de forg abrasadora ao qual o prdprio príncipe herdeiro rentaria forçosarnenre se ÁUTOS dt deuasa da Inconfdência Mineira (Ad.im). BrasÍlia: Câmara dos Depurados; !ç16
adaptar. No gue se refere aos nossos rrês personagens destacados, raduzinclo por Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1978, 12v'
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