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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS

IZABELLA PATRÍCIA BRITO DA SILVA

ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS E AFETOS: uma análise da execução dos processos


de adoção na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN

MOSSORÓ-RN
2019
IZABELLA PATRÍCIA BRITO DA SILVA

ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS E AFETOS: uma análise da execução dos processos


de adoção na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do


Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Direitos Sociais, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, como requisito para obtenção do
título de Mestra em Serviço Social.

Orientadora: Professora Doutora Márcia da Silva


Pereira Castro

MOSSORÓ-RN
2019
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande Norte.

S586e Silva, Izabella Patrícia Brito da


ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS E AFETOS: uma
análise da execução dos processos de adoção na Vara da
Infância e Juventude de Mossoró-RN. / Izabella Patrícia Brito
da Silva. - Mossoró, 2019.
196p.

Orientador(a): Profa. Dra. Márcia da Silva Pereira Castro.


Dissertação (Mestrado em Programa de Pós- Graduação
em Serviço Social e Direitos Sociais). Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte.

1. Adoção. 2. Família. 3. Convivência Familiar. I. Castro,


Márcia da Silva Pereira. II. Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. III. Título.
IZABELLA PATRÍCIA BRITO DA SILVA

ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS E AFETOS: uma análise da execução dos processos


de adoção na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do


Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Direitos Sociais, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, como requisito para obtenção do
título de Mestra em Serviço Social.

Aprovada em: _______/_______/2019

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________
Professora Doutora Márcia da Silva Pereira Castro
(Orientadora)

___________________________________________________________
Professora Doutora Gisele Caroline Ribeiro Anselmo
(Examinadora – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)

___________________________________________________________
Professora Doutora Ilka de Lima Souza
(Examinadora – Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que,
de alguma forma, se dedicam a causa da adoção
de crianças e adolescentes no Brasil.
Dar à luz a uma criança, é iluminar os seus dias,
dividir suas tristezas, somar suas alegrias,
é ser o próprio calor naquelas noites mais frias.
Dar à luz é estar perto, é sempre chegar primeiro,
é ter o amor mais puro, mais honesto e verdadeiro,
amar do primeiro olhar até o olhar derradeiro.
Dar à luz é se estressar, é não conseguir dormir,
é ser quase odiado por dizer: não vai sair.
Dar à luz é liberar, mas também é proibir.
Dar à luz é ser herói com papel de vilão,
é saber regrar o sim e nunca poupar o não,
não é traçar o caminho, é mostrar a direção.
Dar à luz é ser presente nos momentos mais cruéis,
é ensinar que os dedos valem mais do que os anéis,
é mostrar que um só lar, vale mais que mil hotéis.
Dar à luz é se doar, é caminhar lado a lado,
é a missão de cuidar, de amar e ser amado,
é ser grato por um dia, também ter sido cuidado.
É conhecer o amor maior que se pode amar,
é a escola da vida que insiste em ensinar,
que pra dar à luz a um filho não é preciso gerar.
É entender que neste caso o sangue é indiferente,
duvido o DNA dizer o que a gente sente.
É gerar alguém na alma, e não biologicamente,
pois não tem biologia e nem lógica,
para explicar o amor de pai e mãe.
Não se resume em gerar, quem gera nem sempre cuida,
mas quem ama vai cuidar.
Independentemente da cor que a pele tem,
da genética, do sangue, o amor vai mais além!
O amor tem tanto brilho, que quem adota um filho,
é adotado também!
(Dar à luz – Bráulio Bessa)
AGRADECIMENTOS

Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu.


É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu.
É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações.
E assim ter amigos contigo em todas as situações.
(Trem bala. Composição de Ana Vilela e Luan Santana).

A minha mãe, Rosemere, e ao meu pai, Paulo, que fazem dos meus sonhos os
seus sonhos. Esse título também é de vocês!
A minha avó, Zenilde, e a dona Luzia, pelas orações e pelas refeições prontas,
pra eu não precisar cozinhar e ter mais tempo para estudar.
As minhas cachorras que amo como filhas, Panda e Gigi, que estão sempre
comigo. Especialmente, durante as inúmeras madrugas em que fiquei produzindo
esse trabalho.
As professoras do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos
Social, principalmente, a Márcia Castro, que foi minha orientadora na graduação e
mais uma vez me aceitou como orientanda. Sua calma e minha pressa dão certo!
As professoras Gisele Anselmo e Ilka Souza, que apesar das inúmeras
atribuições, aceitaram participar da qualificação e da defesa final, trazendo
significativas contribuições ao meu trabalho.
As professoras Gilcélia Góis (que me acompanha desde a graduação) e a
Suzaneide Silva, pela atenção que me foi dispensada por meio dos livros emprestados
e dicas para a dissertação nos encontros da disciplina Seminário de dissertação.
A Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN, por ter permitido a realização
da pesquisa. Especialmente, a servidora que, com profissionalismo e paciência, me
concedeu a entrevista.
A minha amiga Glênia Rouse, por ter me incentivado a cursar o mestrado. Foi
uma benção começar e concluir essa etapa das nossas vidas juntas.
A Lucilma Freitas, minha colega de turma, pelas trocas de ideias e trabalhos
que fizemos juntas.
A Maria Santos e Raqueline Souza, minhas amigas e irmãs, com as quais
compartilho a vida.
A Iara Amanda, pelos textos que imprimiu, documentos que escaneou e,
principalmente, por todas as vezes que falou: “vai dar certo!”
A Francisco José Fortunato (Deir), pelas inúmeras vezes que providenciou um
carro linha nos deslocamentos Assú – Mossoró – Assú, por um preço mais em conta
e pontual pra eu não chegar atrasada nas aulas.
A Rafael Mendonça, pelas muitas impressões de textos enormes no decorrer
do mestrado.
A Gutemberg Nunes, que com sua presteza fez os gráficos.
Ao professor Josenilson Lima, que gentilmente fez a tradução do resumo para
abstract.
A todas as minhas alunas e alunos, que me incentivam a estudar cada vez
mais.
Por fim, minha infinita gratidão ao meu bom Deus, que colocou essas e muitas
outras pessoas em minha vida, que me permitiu momentos bons e difíceis. Tudo isso
me faz cada vez mais humana.
Se cheguei até aqui, foi porque a mão do Senhor me ajudou!
RESUMO

A adoção é um instituto que acompanha a trajetória da sociedade desde os tempos


mais remotos. A sua finalidade foi se transformando ao passo das transformações de
cada momento sócio histórico e, com isso, sendo imbricada às práticas culturais. Em
tempos hodiernos, em que crianças e adolescentes são reconhecidos enquanto
sujeitos de direitos, no Brasil, a adoção é regimentada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, que traz o público em comento para o cerne da discussão, suplantando
o seu papel anterior de objetos do direito. Nessa esteira, a pesquisa em tela teve como
objetivo geral: analisar os processos de adoção realizados na Vara da Infância e
Juventude (VIJ) do município de Mossoró-RN. E como objetivos específicos:
investigar como se dá a execução dos processos de adoção em Mossoró-RN, a partir
da Lei nº 12.010/2009; descrever o perfil de crianças solicitado pelos pretendentes e
o perfil real disponível no Cadastro de Adoção em Mossoró-RN; e compreender o
funcionamento do Cadastro de Adoção em Mossoró-RN. Para o alcance dos objetivos
propostos, realizamos uma pesquisa bibliográfica, tomando como aporte o
posicionamento de estudiosos(as) ligados(as) ao objeto, dentre os quais: Amim
(2015a, 2015b, 2015c), Bordallo (2015), Dias (2016), Faleiros (2011), Maciel (2015a,
2015b, 2015c), Osterne (2001), Rizzini e Rizzini (2004), Rizzini; Pilloti (2011), Silva
(2011), Szymanski (2002, 2018), Vargas (1998), Weber (1995, 2000), entre outros(as).
Fizemos uma consulta às legislações que disciplinam o processo de adoção. E
aplicamos uma entrevista semiestruturada com a servidora responsável pela
manutenção do Cadastro de Adoção na VIJ de Mossoró, lócus da nossa pesquisa. A
partir das leituras realizadas e estabelecendo interlocução com os resultados
auferidos na entrevista, percebemos que o Cadastro de Adoção funciona de forma
organizada em Mossoró. Entretanto, a maioria das pessoas que querem adotar, ainda
têm buscado meios a margem da lei, dando-se aí, a adoção intuitu personae. Sobre a
ideia bastante difundida no senso comum de que a adoção pelas vias legais é um
procedimento demorado, ficou nítido que o principal gargalo não é a conhecida
morosidade da justiça, e sim, o que a literatura especializada chama de perfil
idealizado que os pretendentes anseiam: criança, branca, menina, sem deficiência ou
doença crônica e sem grupo de irmãos. O que os dados nos mostram, tanto a nível
local, como nacional, é que esse perfil não é o que se encontra nas instituições de
acolhimento. O caminho de mudar a cultura da adoção em nosso país já está em
construção, mas ainda temos muito o que avançar, para que os pretendentes possam
compreender a importância de passar pela habilitação e inserção no Cadastro, como
forma de dar segurança e legitimidade ao processo, como também, para que possam
conhecer a realidade do público infanto-juvenil que se encontra nas instituições de
acolhimento a espera de um lar. Independentemente de qualquer característica ou
condição, todas as crianças e adolescentes devem ser acolhidas em uma família que
lhes proporcione amor, respeito, cuidados, vivência dos direitos e ensinamento do
cumprimento dos deveres, na perspectiva de um pleno desenvolvimento físico e
emocional.

Palavras-chave: Adoção. Família. Convivência Familiar.


ABSTRACT
Adoption is an institute that follows the trajectory of society since ancient times. Its
purpose was transformed at the pace of the transformations of each socio-historical
moment and, thus, being intertwined with cultural practices. In today's times, when
children and adolescents are recognized as subjects of rights, adoption in Brazil is
governed by the Child and Adolescent Statute, which brings the commenting public to
the heart of the discussion, supplanting its previous role as objects. from the right.
Accordingly, the research on screen had as its general objective: to analyze the
adoption processes carried out at the Childhood and Youth Court (VIJ) of the
municipality of Mossoró-RN. And as specific objectives: to investigate how the
adoption processes are executed in Mossoró-RN, from Law No. 12.010 / 2009;
describe the profile of children requested by the applicants and the actual profile
available at the Adoption Registry in Mossoró-RN; and understand the operation of the
Adoption Registry in Mossoró-RN. To achieve the proposed objectives, we conducted
a bibliographical research, taking as a contribution the position of scholars linked to
the object, among which: Amim (2015a, 2015b, 2015c), Bordallo (2015), Dias (2016 ),
Faleiros (2011), Maciel (2015a, 2015b, 2015c), Osterne (2001), Rizzini and Rizzini
(2004), Rizzini; Pilloti (2011), Silva (2011), Szymanski (2002, 2018), Vargas (1998),
Weber (1995, 2000), among others. We consulted with the laws governing the
adoption process. And we conducted a semi-structured interview with the server
responsible for maintaining the Adoption Registry at VIJ Mossoró, the locus of our
research. From the readings made and establishing dialogue with the results obtained
in the interview, we realize that the Adoption Registry works in an organized manner
in Mossoró. However, most people who want to adopt have still sought means outside
the law, giving themselves the adoption intuitu personae. About the widespread idea
that legal adoption is a lengthy procedure, it is clear that the main bottleneck is not the
well-known slowness of justice, but what specialized literature calls the idealized profile
that the applicants crave: child, white, girl, without disability or chronic disease and no
sibling group. What the data show us, both locally and nationally, is that this profile is
not what is found in the host institutions. The way to change the culture of adoption in
our country is already under construction, but we still have much to move forward, so
that applicants can understand the importance of undergoing registration and
registration as a way to give security and legitimacy to the process. , as well as so that
they can know the reality of the children and adolescents that are in the host institutions
waiting for a home. Regardless of any trait or condition, all children and adolescents
should be welcomed into a family that provides them with love, respect, care, living
their rights, and teaching of fulfilling their duties, with a view to full physical and
emotional development.

Keywords: Adoption. Family. Family living.


LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Estado civil dos pretendentes ............................................... 133
Gráfico 2 Faixa etária dos pretendentes ............................................... 134
Gráfico 3 Se os pretendentes já têm filhos ............................................ 135
Gráfico 4 Nível de escolaridade dos pretendentes ............................... 136
Gráfico 5 Renda mensal dos pretendentes ........................................... 136
Gráfico 6 Sexo ......................................................................................... 138
Gráfico 7 Faixa etária .............................................................................. 140
Gráfico 8 Raça/cor .................................................................................. 144
Gráfico 9 Doença crônica ou deficiência .............................................. 147
Gráfico 10 Grupo de irmãos ..................................................................... 148
Gráfico 11 Estado de origem .................................................................... 150
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Doutrina da Situação Irregular x Doutrina da Proteção
53
Integral .....................................................................................
Quadro 2 A escolha dos pretendentes quanto ao sexo da criança ..... 139
Quadro 3 A escolha dos pretendentes quanto a idade da criança ...... 142
Quadro 4 Perfil das crianças disponíveis para adoção inseridas no
151
CNA – Mossoró .......................................................................
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABMP – Associação Brasileira de Magistrados, Promotores da Justiça e Defensores


Públicos da Infância e da Juventude.
CF/88 – Constituição Federal de 1988.
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social.
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.
CNA – Cadastro Nacional de Adoção.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
CONSIJ-PR – Conselho de Supervisão dos Juízos da Infância e Juventude do Paraná.
EC – Emenda Constitucional.
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
FEBEM – Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor.
FIA – Fundo da Infância e Adolescência.
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.
GEPP – Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas.
IBDCRIA – Instituto Brasileiro de Direitos da Criança e do Adolescente.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social.
MNMMR – Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua.
MPRN – Ministério Público do Rio Grande do Norte.
NCC – Novo Código Civil.
NIAC – Núcleo Integral de Apoio à Criança.
PEC – Proposta de Emenda Constitucional.
PIB – Produto Interno Bruto.
PNAS – Política Nacional de Assistência Social.
RN – Rio Grande do Norte.
SAM – Serviço de Assistência ao Menor.
SGDCA – Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
SNA – Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento
STF – Supremo Tribunal Federal.
SUAS – Sistema Único de Assistência Social.
TCLE – Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.
UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
VIJ – Vara da Infância e Juventude.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15
1.1 TRILHA METODOLÓGICA DA PESQUISA ............................................... 17
1.2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DE PESQUISA ...................................... 22
1.3 APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO ....................... 25
2 CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS ............ 29
2.1 PÚBLICO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL: um histórico dos direitos e
das políticas de atendimento ............................................................................ 30
2.2 OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES A PARTIR DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .............................................................. 48
3 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR COMO DIREITO FUNDAMENTAL ................ 59
3.1 DEBATENDO SOBRE FAMÍLIAS, NO PLURAL ........................................ 60
3.2 O LUGAR DA FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ................ 73
3.3 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR: como está previsto nas
legislações? ..................................................................................................... 76
4 ADOÇÃO COMO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR ............................ 89
4.1 A ADOÇÃO EM SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS .................. 90
4.2 O APARATO NORMATIVO DOS PROCESSOS DE ADOÇÃO NO
BRASIL ............................................................................................................ 93
4.2.1 Modalidades de adoção e situações de impedimento ........................ 106
5 OS PROCESSOS DE ADOÇÃO NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
NO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ-RN ................................................................ 112
5.1 CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO: como funciona? ........................... 112
5.2 OS PROCESSOS DE ADOÇÃO NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
DE MOSSORÓ: análises e interpretações ...................................................... 116
5.2.1 Eu quero adotar um filho! Conhecendo o perfil dos pretendentes a
adotar ............................................................................................................... 128
5.2.2 A idealização não corresponde à realidade: conhecendo o perfil das
crianças e adolescentes disponíveis para adoção ........................................... 133
5.2.3 A adoção em seus aspectos subjetivos e objetivos: motivações,
prazos e eficiência das leis ............................................................................... 149
5.3 A ADOÇÃO PELA VIA DO CNA x ADOÇÃO INTUITU PERSONAE: qual
tem prevalecido? .............................................................................................. 158
5.4 MUDANÇAS EM CURSO: de Cadastro Nacional de Adoção para Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento .................................................................. 162
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 164
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 168
APÊNDICES .................................................................................................... 181
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 182
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA .................................................. 184
ANEXOS .......................................................................................................... 185
ANEXO A – FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO DO PRETENDENTE A
ADOÇÃO DA COMARCA DE MOSSORÓ ....................................................... 186
ANEXO B – NOTA DO MOVIMENTO PELA PROTEÇÃO INTEGRAL DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ..................................................................... 193
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1 INTRODUÇÃO

A tessitura das relações sociais é formada por um conjunto de complexidades:


aspectos subjetivos e objetivos são amalgamados na natureza de cada ser humano e
formam nossa personalidade, em seus traços inerentes ou adquiridos; vontades que
queremos materializar; carências que precisamos suprir. Embora sejamos
individualmente complexos, não nos bastamos, não somos autossuficientes,
precisamos do outro para entender quem somos e nessa correlação nos sentirmos
completos.
Destarte, somos seres sociais, políticos, dependentes uns dos outros nas mais
variadas instâncias da vida. A trajetória de cada pessoa nos afirma a colocação
anterior quando percebemos quantos grupos sociais já participamos ou ainda
estamos, entre escola, trabalho, Igreja e, assim, por diante.
Nessa esteira, é consenso que é na família que essas questões se coadunam:
espaço primeiro de socialização e contato com as regras do convívio social, onde
devemos dar e receber proteção e cuidados. Todavia, para algumas pessoas, a
família pode significar exatamente o oposto: ambiente de violência, do não suprimento
das carências intersubjetivas, da privação das necessidades objetivas.

Nos primeiros anos de vida a criança depende destas ligações para crescer.
Ela carece de cuidados com o corpo, com a alimentação e com a
aprendizagem. Mas nada disso é possível se ela não encontrar um ambiente
de acolhimento e afeto. Os bebês não sobrevivem ao desamor. (VICENTE,
2011, p. 48).

Fugindo da percepção maniqueísta, compreendemos ser mais pertinente a


ideia de espaço onde queremos ser e estar, apesar das contradições nela existentes.
A importância da família se tornou indiscutível, principalmente, nos primeiros
anos de vida, em que estamos mais em condições de recebimento, de aprendizagens,
de dependência de outras pessoas.

O vínculo é um aspecto tão fundamental na condição humana, e


particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos da criança o
levam em consideração na categoria convivência – viver junto. O que está
em jogo não é uma questão moral, religiosa ou cultural, mas sim uma questão
vital. (VICENTE, 2011, p. 50-51, grifos da autora).
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Dado esse reconhecimento, aliou-se o fato de se atribuir às crianças e


adolescentes a condição de sujeitos de direitos, de reconhecer a sua peculiar
condição de pessoas em desenvolvimento e de prever proteção integral através da
prioridade absoluta nos atendimentos, constitucional e estatutariamente, fazendo do
nosso país um ícone mundial na defesa dos direitos desse segmento.
Mas para que chegássemos à existência de uma rede normativa tão avançada,
foi necessário um longo percurso dos movimentos sociais voltados para os direitos
das crianças e dos adolescentes, os quais tiveram influência das mobilizações
internacionais que se intensificaram, principalmente, no período após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Como também, as transformações sociais e culturais
que influenciaram na percepção acerca do direito à convivência familiar, que pode
acontecer por meio da família biológica, guarda, tutela ou adoção. A Constituição
Federal de 1988 deixou o direito previsto e coube as legislações subsequentes dar
materialidade.
Nesse cenário, a pesquisa que ora se apresenta é direcionada a uma dessas
modalidades de inserção em família substituta, a adoção, “[...] medida excepcional e
irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de
manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa [...]”. (BRASIL,
2019, Artigo 39, § 1º).
Em tempos pretéritos, era recorrente a prática de “pegar para criar” uma criança
cujos pais não tinham condições financeiras para tal atribuição, como forma de suprir
a vontade da pessoa ou do casal de ter um filho e/ou exercer a caridade cristã
cuidando de um “menor” em situação de pobreza ou, até mesmo, abandonado. Não
era necessária uma regularização. Precisava apenas de um bom coração e aí
acontecia a perfilhação do “filho de criação”.
Com a inserção da Doutrina da Proteção Integral, por meio do artigo 227 da
Constituição Federal de 1988, essa lógica se inverteu. Desde então, não se trata mais
de ser um direito do adulto ter um filho, e sim, da criança ou adolescente de ser criado
e educado em uma família que lhe possibilite o pleno “[...] desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual, e social, em condições de liberdade e dignidade”. (BRASIL,
2019, Artigo 3º). Assim, a convivência familiar passa a ser uma prerrogativa essencial
para o público infanto juvenil, interpretada sob a égide de ser um direito humano
fundamental.
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As reflexões contidas nesse trabalho são fruto da minha trajetória no curso de


graduação em Serviço Social, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Especificamente, na disciplina Estágio Supervisionado, realizado no Núcleo
de Apoio Integral a Criança (NIAC), em Mossoró-RN, instituição de acolhimento para
crianças em situação de vulnerabilidade e que precisam ser afastadas do convívio
familiar como medida de proteção. Ao término desse, foi realizado outro estágio, como
voluntária, durante o período de seis meses, na Vara da Infância e Juventude de
Mossoró, acompanhando a atuação da assistente social responsável pelos processos
de adoção. A partir das experiências vivenciadas e leituras realizadas, redigi a
monografia: “O direito à convivência familiar: a reinserção familiar e a adoção como
medidas que visam o princípio do melhor interesse da criança”. (2010).
Dando continuidade ao interesse pelo tema, aprofundo meu estudo no curso
de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais da
UERN, com a presente dissertação: “Entrelaçando histórias e afetos: uma análise da
execução dos processos de adoção na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-
RN”.
Em nossa pesquisa, tomamos como objetivo geral: analisar os processos de
adoção realizados na Vara da Infância e Juventude do município de Mossoró-RN. E
como objetivos específicos: investigar como se dá a execução dos processos de
adoção em Mossoró-RN, a partir da Lei nº 12.010/2009; descrever o perfil de crianças
solicitado pelos pretendentes e o perfil real disponível no Cadastro de Adoção em
Mossoró-RN; e compreender o funcionamento do Cadastro de Adoção em Mossoró-
RN.
Para tanto, seguimos uma metodologia que merece detalhamento, tendo em
vista o que “Para que se possa avaliar a qualidade dos resultados de uma pesquisa,
torna-se necessário saber como os dados foram obtidos, bem como, os
procedimentos adotados em sua análise e interpretação”. (GIL, 2010, p. 28).
Assim, interpretamos ser importante começar expondo a trilha metodológica
percorrida durante a pesquisa.

1.1 TRILHA METODOLÓGICA DA PESQUISA

Ao apresentar a metodologia que compõe determinada pesquisa, busca-se


apresentar o “caminho do pensamento” e a “prática exercida” na apreensão
da realidade, e que se encontram intrinsecamente constituídos pela visão
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social de mundo veiculada pela teoria da qual o pesquisador se vale. (LIMA;


MIOTO, 2007, p. 39, grifos das autoras).

Dessa forma, a trilha metodológica delineada para o alcance dos objetivos


propostos teve como ponto de partida a pesquisa bibliográfica, a qual “[...] é elaborada
com base em material já publicado” (GIL, 2010, p. 29), para fornecer a fundamentação
teórica. É utilizada quando a pesquisadora se propõe a analisar várias posições sobre
um determinado problema. Sua principal vantagem “[...] reside no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela
que poderia pesquisar diretamente”. (GIL, 2010, p. 30).
Tivemos como aporte o posicionamento de estudiosos(as) ligados(as) ao
objeto, dentre os quais: Amim (2015a, 2015b, 2015c), Bordallo (2015), Dias (2016),
Faleiros (2011), Maciel (2015a, 2015b, 2015c), Osterne (2001), Rizzini e Rizzini
(2004), Rizzini; Pilloti (2011), Silva (2011), Szymanski (2002, 2018), Vargas (1998),
Weber (1995, 2000), entre outros(as) que se debruçam sobre as categorias adoção,
família e convivência familiar, utilizadas no desenvolvimento da dissertação. Essas e
as demais leituras empreendidas (citadas nas referências) foram de suma
importância, pois, nos auxiliaram também na delimitação do tema e na formulação da
questão de pesquisa, bem como, pelo fato de que a pesquisa bibliográfica “[...] vai
além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime
sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles existente”. (LIMA;
MIOTO, 2007, p. 44).
Nesse percurso, foi imprescindível a pesquisa documental. Por meio da
consulta a Constituição Federal de 1988, a partir da qual a criança e o adolescente
passam a ser reconhecidos enquanto sujeitos de direitos. Às legislações que
disciplinam o processo de adoção: o Estatuto da Criança e do Adolescente, e as leis
que vieram a acrescentar outras prerrogativas acerca desse tema: a nº 12.010/20091
e a nº 13.509/20172. E o acesso ao sistema virtual do Cadastro Nacional de Adoção,
a fim de consultar o Relatório de Pretendentes.

1 Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do
Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências.
2 Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
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E ainda, no decorrer do mestrado, nossa participação nas disciplinas (regadas


por debates com as professoras e colegas de turma), no Grupo de Estudos e
Pesquisas em Políticas Públicas (GEPP) e em eventos relacionados ao tema adoção,
oportunizaram subsídios para a produção da dissertação.
Cabe sublinhar o crescimento, em quantidade e qualidade, das obras que
versam sobre a temática da adoção3 em forma de livros, de dissertações e teses
(disponíveis nos repositórios online das universidades), as quais nos ajudaram a
alicerçar nossas reflexões.
Essa ampliação pode ser atribuída a diversos fatores, dentre eles, a aprovação
das leis supracitadas e o crescimento dos Grupos de Apoio a Adoção em todo Brasil,
os quais têm realizado atividades que dão evidência ao debate, fomentando as
discussões nos mais diversos espaços, inclusive, na produção científica.
Ao definirmos a Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN como lócus da
pesquisa, fizemos uma primeira visita (no mês de junho) para conversar com a
servidora responsável pelos processos de adoção (que é uma das assistentes
sociais), apresentar o projeto de pesquisa e solicitar autorização para que ele fosse
realizado. Tendo em vista que essa servidora está com tal incumbência, o que inclui:
alimentar o Cadastro com as informações das crianças e adolescentes disponíveis e
dos pretendentes; entrar em contato com outras Comarcas, quando necessário;
participar dos encontros preparatórios; entre outras atribuições descritas no capítulo
5, entendemos ser ela a pessoa ideal para nos fornecer as informações necessárias
para o alcance dos objetivos estabelecidos.
Após a concessão da autorização por parte da Vara da Infância, durante os
meses de agosto e setembro de 2019, fizemos as visitas para nos inteirarmos sobre
como acontecem os processos de adoção. Primeiramente, uma visita de caráter
exploratório, com conversas informais com as assistentes sociais, para: compreender
a dinâmica de funcionamento do Serviço Social, setor que tem a atribuição de
organizar os procedimentos das adoções; explicar os pormenores da pesquisa e os
procedimentos éticos, o que incluiu apresentar e colher a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3Essa afirmação tem como base um contato anterior desta pesquisadora com o tema adoção. Mais
especificamente, nos de 2008 a 2010, durante o Estágio Supervisionado e na produção da monografia:
O direito à convivência familiar: a reinserção familiar e a adoção como medidas que visam o princípio
do melhor interesse da criança. (SILVA, 2010).
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O projeto de pesquisa, juntamente com todos os documentos necessários, foi


submetido à apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte, em consonância com a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), recebendo o CAEE 17565719.0.0000.5294 e aprovado pelo
parecer nº 3.620.900. Assim, os procedimentos utilizados em nossa pesquisa
concordam com a Resolução 196/96 – Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde.
Os procedimentos utilizados em nossa pesquisa não ofereceram riscos à
dignidade humana e as informações colhidas foram analisadas de modo confidencial,
inclusive, resguardando a identidade da servidora que forneceu as informações,
sendo ela genericamente chamada de Entrevistada.
Nas visitas seguintes, aplicamos uma entrevista4, que teve a finalidade obter,
de forma direcionada, as informações por meio da fala dos sujeitos sociais,
necessárias para responder os objetivos. A essa técnica, Lakatos e Marconi (2003)
definem como:

[...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha
informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação
de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social,
para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um
problema social. (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 195).

A escolha da entrevista do tipo semiestruturada como instrumento de produção


de dados se deu considerando que, ao passo que apresenta um roteiro pré-
estabelecido, também permite a inserção de novas perguntas, caso seja percebida a
necessidade de aprofundar algum aspecto. Portanto, há uma maior flexibilidade entre
a pesquisadora e a entrevistada, no processo de perguntas e respostas. E teve como
foco central adquirir o máximo de informações possíveis sobre como acontecem as
adoções na Comarca de Mossoró, na perspectiva de alcançarmos os objetivos
propostos.
Outro recurso para alcançar as informações foi o acesso ao Cadastro de
Adoção que aconteceu em dois momentos: o primeiro, com a entrevistada, que nos
forneceu os quantitativos da Comarca (área territorial onde atua um juiz de primeiro
grau, que pode abranger um ou mais municípios) de Mossoró (apresentados no

4 O roteiro da entrevista consta nos apêndices.


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capítulo 5, por meio dos gráficos). E o segundo, foi o acesso ao sistema virtual do
Cadastro Nacional de Adoção (CNA), para consultar o Relatório de Pretendentes
Disponível Nacional, que é de domínio público, para conhecer qual o perfil do
adotando solicitado pelos pretendentes.
Importa acentuar que os dados têm como marco temporal inicial o ano de 2010,
quando entrou em vigor a Lei nº 12.010/2009, que ficou conhecida como Lei Nacional
da Adoção ou Nova Lei da Adoção, apesar de que, sua proposta não é apenas sobre
adoção, e sim, sobre o direito à convivência familiar em todas as suas formas de ser
materializado.
No desenvolvimento da análise dos dados auferidos, buscamos apreender as
mensagens enunciadas e interpretá-las estabelecendo uma interlocução com os
aspectos sociais, os quais, por vezes, não ficam tão evidentes caso a análise se
detenha apenas ao que foi explicitamente apontado.

[...] na análise, o propósito é ir além do descrito, fazendo uma decomposição


dos dados buscando as relações entre as partes que foram decompostas e,
por último, na interpretação [...] buscam-se os sentidos das falas e das ações
para se chegar a uma compreensão ou explicação que vão além do descrito
e do analisado. (MINAYO, 2013, p. 80).

Partindo da compreensão de que a adoção é um instituto complexo,


perpassado pelos aspectos subjetivos dos envolvidos e de natureza social,
escolhemos a abordagem qualitativa, que “[...] se aplica ao estudo da história, das
relações, das representações [...]” (MINAYO, 2013, p. 57), possibilitando desvelar
processos sociais e elaborar novas hipóteses, adentrando nos significados das ações
e das relações humanas.
Como também, suscitou realizar a abordagem quantitativa, “[...] que tem o
objetivo de trazer à luz dados, indicadores e tendências observáveis [...]”. (MINAYO,
2013, p. 56). Afinal, quando falamos sobre adoção, uma das primeiras indagações ou
curiosidades é saber dos números: quantas crianças estão disponíveis para adoção?
Quantas pessoas estão habilitadas? Entre outras questões dessa natureza.
Assim, em nossa pesquisa o qualitativo e o quantitativo se complementam, pois
os aspectos sociais e culturais incidem nas escolhas e nas não escolhas feitas pelos
pretendentes e resultam nos dados numéricos da adoção.
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Os dois tipos de abordagem e os dados delas advindos, porém, não são


incompatíveis. Entre eles há uma oposição complementar que, quando bem
trabalhada teórica e praticamente, produz riqueza de informações,
aprofundamento e fidedignidade interpretativa. (MINAYO, 2007, p. 22).

Por fim, partindo da perspectiva de que o tema investigado “[...] está altamente
imbricado com o contexto social e histórico” (MINAYO, 2013, p. 19), tomamos como
método de investigação e análise a lente orientadora do materialismo histórico
dialético, por compreendermos que:

Os princípios de especificidade histórica e de totalidade lhe conferem


potencialidade para, do ponto de vista metodológico, apreender e analisar os
acontecimentos, as relações e as etapas de um processo que é parte de um
todo. Os critérios de complexidade e de diferenciação lhe permitem trabalhar
o caráter de antagonismo, de conflito e de colaboração entre grupos sociais
e no interior de cada um deles e, pensar suas relações como múltiplas em
seus movimentos e desenvolvimento interior e interagindo com outros
fenômenos ou grupo de fenômenos. (MINAYO, 2013, p. 26, grifos da autora).

Sob a luz da teoria social de Marx, tentamos ir além da realidade manifesta,


buscando desvelá-la. “Esse desvendamento do real e a apreensão da sua essência
consistem em ‘aproximações sucessivas que não são lineares’ porque o que
prevalece são os elementos produzidos social e historicamente”. (LIMA; MIOTO,
2007, p. 40, grifo das autoras).
Ao discorremos sobre o método utilizado, tomamos como aporte também Paulo
Netto, que segue na mesma direção das autoras Lima e Mioto, frisando sobre a
importância de captar informações para além das que estão na aparência.

O objetivo do pesquisador, indo além da aparência fenomênica, imediata e


empírica – por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa
aparência um nível da realidade e, portanto, algo importante e não
descartável –, é apreender a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica) do
objeto. Numa palavra: o método de pesquisa que propicia o conhecimento
teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto.
Alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura e
dinâmica, por meio de procedimentos analíticos e operando a sua síntese, o
pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a pesquisa
viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência
do objeto que investigou. (PAULO NETTO, 2011, p. 22, grifos do autor).

Pensar sobre o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar


significa adentrar em um terreno delicado, pois é atravessado por expectativas (por
parte do adotante e do pretendente) e ideias equivocadas que ainda precisam ser
melhor elucidadas e, ao mesmo tempo, nos permite traçar algumas reflexões sobre
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as transformações sociais na vida moderna. Dessa forma, a teoria social de Marx vem
ao encontro do tema escolhido, na perspectiva de alcançar os objetivos propostos
pois, como veremos, a adoção teve (e tem) funções diversas que são decorrentes do
papel social atribuído ao público em comento, aspecto esse que é imbricado ao tempo
histórico de cada sociedade.
E ainda, sua escolha se justifica, pois temos em vista que esse método
compreende o modo de produção econômica como condicionante das demais esferas
da vida. Logo, tivemos a fundamentação necessária para perscrutar os diversos
aspectos que perpassam a adoção, principalmente, os recortes que a compõem, tais
como: o perfil dos envolvidos no processo e a idealização de família, no sentido das
“[...] representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos
atores sociais que lhe atribuem significados”. (GOLDMANN apud MINAYO, 2013, p.
25).
Temos clareza que os sucessivos caminhos percorridos no processo
investigativo revelaram que, durante a realização de uma pesquisa, não apenas se
desvenda aos olhos da pesquisadora uma realidade ainda pouco conhecida, como
também, desponta-se uma profunda transformação em seus conceitos e perspectivas
sobre as categorias trabalhadas (adoção, família, convivência familiar) e sobre os
assuntos transversais que foram problematizados.

1.2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DE PESQUISA

A nossa pesquisa foi realizada em Mossoró, localizado na Região Oeste do Rio


Grande do Norte, distando 277 quilômetros da capital, Natal. Limita-se ao norte com
o Estado do Ceará e o município de Grossos; ao sul com Governador Dix-Sept Rosado
e Upanema; ao leste com Areia Branca e Serra do Mel; e a oeste com Baraúna. Os
principais rios que atravessam o seu território são o Apodi e o do Carmo.
Conforme informações do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população estimada em 2018 é de 294.076 pessoas, o que faz desse
município o segundo mais populoso do Estado; tem uma densidade demográfica de
123,76 hab./km²; ocupa uma área de 2.099,360 km²; e tem um Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal entre 0,700 e 0,799, o qual é considerado alto,
sendo o terceiro maior do RN.
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Na indústria, a economia de Mossoró se destaca como o maior produtor


nacional de sal e de petróleo em terra, seguido da produção de cerâmica e de cimento,
contando, inclusive, com filiais de empresas de grande porte em seu território. No
setor primário, tem evidência o cultivo da fruticultura irrigada que, em sua maior parte,
é voltada para a exportação com: melancia, milho, feijão, cebola e, o principal produto,
o melão. Em virtude disso, o município é reconhecido nacionalmente como uma das
áreas agrícolas de modernização e desenvolvimento intenso da região Nordeste.
Assim, são esses os setores de maior fonte de renda e que empregam uma parcela
significativa da população mossoroense.
Quanto a renda per capita média do município citado, o site Atlas Brasil aponta
que cresceu de R$ 359,78 em 2000 para R$ 600,28 em 2010. Assim, a taxa média
anual de crescimento foi de 5,25%, quantitativo esse que expressa um bom grau de
desenvolvimento econômico.
Mossoró é marcado por acontecimentos históricos deveras importantes, entre
eles, sublinhamos que foi um dos primeiros municípios brasileiros a abolir a
escravidão, em 30 de setembro de 1883, cinco anos antes da Lei Áurea e, em virtude
desse acontecimento, nessa data se comemora a maior festa cívica da cidade. E,
ainda, foi o primeiro a computar um voto feminino, o de Celina Guimarães Viana, em
1928, seis anos antes de ser regularizado oficialmente no Brasil, em 1934, ato que
refletiu diretamente na luta pela emancipação feminina.
Se, por um lado, tais acontecimentos fazem com que os mossoroenses tenham
orgulho de sua cidade, pelo pioneirismo e feito libertário, por outro, atualmente, o
município amarga uma alta taxa de homicídios. O documento Atlas da Violência
(2016), traz Mossoró como a 9ª cidade mais violenta do Brasil, com taxa de 71,5
homicídios para cada 100 mil habitantes. O estudo também coloca outras duas
cidades potiguares na lista das 20 mais perigosas do país: Macaíba (na 5ª posição
com taxa de 72,4 homicídios para cada 100 mil) e Natal (na 16ª colocação e 62,1 por
100 mil).
A partir desse cenário, nos reportamos especificamente a Vara da Infância e
Juventude (VIJ), onde estivemos algumas vezes, tanto para a aplicação da entrevista,
quanto para conversas informais, no intuito de nos aproximarmos e conhecermos os
atendimentos referentes a adoção.
Esse espaço escolhido como lócus da nossa pesquisa, é onde tramitam os
processos de adoção, “[...] sendo de responsabilidade da Justiça da Criança e da
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Juventude a “seleção” dos candidatos aptos à adoção, ou seja, a busca de uma família
para uma criança, e não ao contrário, como acontecia na adoção clássica”. (CECÍLIO;
SCORSOLINI-COMIN, 2018, p. 498).
A escolha de apenas uma Comarca do Rio Grande no Norte pode, a princípio,
parecer um público pequeno, onde não se teria tantas informações a serem colhidas
para o alcance dos objetivos. Mas ainda na fase de reorganizar o projeto, tomamos a
orientação de Marconi e Lakatos (2010) sobre delimitação da pesquisa quanto aos
aspectos:

a) assunto – selecionando um tópico, a fim de impedir que se torne ou muito


extenso ou muito complexo;
b) à extensão – porque nem sempre se pode abranger todo o âmbito onde o
fato se desenrola;
c) a uma série de fatores – meios humanos, econômicos e de exiguidade de
prazo – que podem restringir o seu campo de ação. (MARCONI; LAKATOS,
2010, p. 143-144, grifos das autoras).

E ainda, sobre a delimitação do lócus da pesquisa, corroboramos com Weber


(2000, p. 5) quando afirma: “Além do mais, quanto mais específica for uma pesquisa,
tanto maior a probabilidade de encontrar respostas significativas e específicas.
Quanto mais amplo o objetivo de uma pesquisa tanto maior a chance de encontrar
respostas genéricas”.
É no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que encontramos a previsão
de existência de varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude.

Artigo 145 - Os estados e o Distrito Federal poderão criar varas


especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder
Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-
las de infraestrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões.
(BRASIL, 2019).

Durante muito tempo, o atendimento as questões referentes ao público em


comento foram resolvidas na Vara de Família. Todavia, em virtude do aumento das
demandas foi necessário um desmembramento entre os assuntos da Vara de Família
e os da criança e do adolescente. Dessa forma, foi criada a VIJ, por meio de normativa
de criação das Varas Judiciárias, que a partir de então, passou a contar com uma
equipe técnica específica.
Desde o ano de 2013, a VIJ funciona no Fórum Desembargador Silveira
Martins, localizado na Avenida Alameda das Carnaubeiras, 355, bairro Presidente
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Costa e Silva. Nesse Fórum também se encontram as demais Varas do município e


toda a estrutura do judiciário estadual em Mossoró. Além do município de Mossoró,
essa instituição atende também Serra do Mel, pois esse não tem uma Vara própria
para os assuntos atinentes à infância e juventude.
Atualmente, a juíza de direito da infância e juventude é Anna Isabel de Moura
Cruz e o quadro de funcionários conta com: diretor de secretaria, assessora da juíza,
auxiliares técnicos, auxiliar de gabinete, auxiliares de secretaria, assistentes sociais e
oficiais de justiça.

1.3 APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO

Para discorrer de forma precisa sobre as questões acima expostas, a


dissertação conta com seis capítulos, sendo o primeiro a introdução que ora
apresentamos, expondo o objeto da pesquisa, os objetivos propostos e como o
trabalho está estruturado.
No segundo capítulo, Crianças e adolescentes como sujeitos de direitos,
procuramos identificar as transformações que foram ocorrendo no percurso histórico
brasileiro dos direitos das crianças e dos adolescentes. Propomos uma divisão
metodológica por períodos, conforme alguns elementos que lhes foram
característicos: o período pré-republicano, marcado pela caridade religiosa; o período
da primeira República, em que fica patente a assistência higiênica ou científica; o
período da assistência social, a partir da década de 1930 e até a criação da Fundação
do Bem-estar do Menor (FEBEM), em 1964, quando a assistência recebe um caráter
mais repressor. E, com destaque, o período que sucede a promulgação da
Constituição Federal de 1988, legislação que consagrou crianças e adolescente
enquanto sujeitos de direitos.
O terceiro capítulo, A convivência familiar como direito fundamental, retrata um
debate tenso, pois trabalhamos com a categoria família, que em suas múltiplas faces,
segue um fluxo contínuo de transformações em seu conceito e na (re)organização dos
papeis de cada membro. Portanto, são famílias, no plural. Mas, ao mesmo tempo, e
contraditoriamente, recebe, por uma considerável parcela da população, a
intepretação do modelo nuclear burguês como o certo a ser seguido. De igual forma,
damos relevo a dificuldade que as famílias da classe trabalhadora têm em exercer sua
função protetiva em uma conjuntura de desmonte dos direitos sociais, principalmente,
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os segmentos mais pauperizados, que sofrem cotidianamente a sangria que abastece


as engrenagens do capital, restando a elas estreitas possibilidades para uma
sobrevivência digna e o provimento de suas necessidades mais essenciais, entre elas,
o direito de suas crianças e adolescentes a uma convivência familiar digna e que
potencialize o desenvolvimento de suas capacidades.
Nesse capítulo, coube também explicar como as famílias eram tratadas pelo
Estado via suas Constituições, para que pudéssemos perceber que a história não é
escrita de forma linear e nem sempre com a caneta democrática e, sim, dialética,
perpassada também por retrocessos e estagnações. Assim, a maneira como a família
era tratada nas constituições era reflexo da forma de governo, aspectos sociais e
culturais, vigentes em cada época.
Quanto ao quarto capítulo, Adoção como direito à convivência familiar, nos
debruçamos sobre a categoria central da dissertação, trazendo os aspectos históricos,
sociais e culturais que envolvem a adoção no Brasil. Explicitamos que é permeada
por diversos estigmas que envolvem: a família biológica, a adotiva, e, principalmente,
a criança ou adolescente a ser adotada. Portanto, são dilemas, emoções,
perspectivas, costumes, práticas enraizadas de se resolver a situação sem levar à
justiça, haja vista que se trata de uma prática antiga e recorrente, que em tempos
passados acontecia no simples “pegar pra criar”, como forma de atender a vontade
do casal que, por algum motivo, não pôde ter um filho biológico ou para ajudar uma
família que não tinha condições de prover as necessidades materiais do infante.
Apontamos que em nossos dias, contamos com um amplo arcabouço jurídico
que regulamenta os processos, na perspectiva de que não se trata mais de a família
ter uma criança e, sim, de a criança ter uma família, ou seja, ter assegurado o seu
direito à convivência familiar, cuja relevância foi discorrida no terceiro capítulo. À
primeira vista, a adoção em nossos dias pode parecer um conjunto de burocracias
que mais atrapalham do que facilitam. Todavia, importa lembrar que são formas de se
evitar o abuso de poder que um adulto pode exercer sobre uma criança ou
adolescente que pode se expressar por meio de trabalho forçado, exploração sexual,
entre outras práticas que rompem com os direitos do público em comento.
Nesse percurso, não temos mais o simples “pegar pra criar”, pois essa prática
não assegurava direitos, dava abertura para que pudessem acontecer situações em
que: o(a) genitor(a) pudesse pegar a criança novamente; os pais adotivos poderiam
devolver a criança; o filho adotado não tinha os mesmos direitos do biológico, entre
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outras, que denotam que não existia uma proteção ampla no que concerne a
reconhecer a criança enquanto sujeito de direitos, independentemente de sua origem
no seio familiar.
Tomamos como aporte as considerações de Bordallo (2015), quando explica
que a legislação prevê normas para as mais diversas modalidades de adoção e
também, estão previstos os impedimentos, parcial e total, como forma de resguardar
os vínculos sanguíneos com a família biológica e não alterar o grau de parentesco, e
nas situações em que há administração de patrimônio (tutela).
E no quinto capítulo, Os processos de adoção na Vara da Infância e Juventude
no município de Mossoró-RN, temos o coração da dissertação, onde apresentamos e
analisamos as informações obtidas na pesquisa de campo. Para uma melhor
estruturação e direcionamento das ideias, este capítulo foi dividido nas seguintes
seções.
A seção 5.1 ficou reservada para o inovador meio online de organizar as
adoções, detendo um alcance tanto a nível local, quanto se estendendo a todo
território nacional: o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), lançado no ano de 2008.
Buscamos conhecer o funcionamento do CNA, na perspectiva de perceber as
inovações trazidas e os limites existentes, pois são informações basilares para tecer
as reflexões subsequentes.
Na seção 5.2 Os processos de adoção na Vara da Infância e Juventude de
Mossoró-RN, apresentamos e analisamos as informações concedidas pela
entrevistada na pesquisa de campo, as quais contemplam o procedimento inicial a ser
tomado quando se tem interesse em adotar um filho, as motivações que levam uma
pessoa a escolher pela adoção, os pormenores de como acontecem as etapas de
avaliação e a preparação dos pretendentes.
No decorrer da entrevista fomos questionando sobre quanto tempo dura cada
fase, como uma forma de responder a ideia bastante difundida de que uma adoção
pelas vias legais é demasiadamente demorada. E aí percebemos que a demora não
está necessariamente nos protocolos da legislação e, sim, no perfil da criança
solicitado pelo pretendente. Ao debatermos sobre os perfis, entendemos ser mais
didático utilizar gráficos para expor as informações e as análises seguindo uma linha
de interpretação que correlaciona elementos sociais, culturais e econômicos, não nos
limitando as informações aparentemente postas.
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A partir das informações colhidas na pesquisa de campo, emerge a seção 5.3,


A adoção pela via do CNA x adoção intuitu personae: qual tem prevalecido? justificada
em virtude da disparidade dos números de adoções que, em sua maioria, ainda
acontecem de forma dirigida. E na seção 5.4, a recente mudança (segundo semestre
de 2019) no sistema virtual, que de Cadastro Nacional de Adoção passa a ser Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento.
Perfazendo o trabalho, apresentamos nossas considerações finais, fazendo um
apanhado dos elementos discutidos e dos resultados auferidos na pesquisa, na
intenção de fomentar os estudos sobre o instituto da adoção, em suas legislações e
em sua prática.
Nos elementos pós-textuais, dispomos das obras e legislações que foram
citadas, os apêndices (Termo de Compromisso Livre e Esclarecido e roteiro da
entrevista) e o anexo (Formulário de inscrição do pretendente a adoção da Comarca
de Mossoró).
Mediante o exposto, cabe mencionar ainda que essa pesquisa tem a intenção
de adensar o debate acerca da adoção dentro do Serviço Social, no sentido de que,
quando estávamos na fase de levantamento das referências, grande parte do material
encontrado (livros e repositórios online das Universidades) são de pesquisadores(as)
das áreas do Direito ou da Psicologia, lacuna essa que ainda precisamos preencher.
Afinal, a assistente social é uma das peças fundamentais para a realização de um
processo de adoção, pois sua prática, aliada a instrumentalidade e valores contidos
no Projeto Ético Político, têm grande influência na perspectiva de viabilizar o direito
da criança e do adolescente à convivência familiar. Portanto, devemos nos apropriar
ainda mais e contribuir crítica e cientificamente, para que se possam fortalecer as
prerrogativas positivadas para o público em estudo.

2 CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Atualmente, crianças e adolescente são reconhecidos como sujeitos de


direitos. Estes dispõem de uma legislação específica, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), fundamentada na Constituição Federal de 1988 (CF/88), marco
do processo de reabertura democrática, bem como, impulsionada pela mobilização
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internacional que organizou convenções das quais o Brasil se tornou signatário,


denotando a falência da justiça menorista.
Assim, no plano dos marcos teóricos temos uma rede de proteção composta
por políticas de assistência social, saúde, educação, sistema jurídico, entre outras,
formando o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente que tem
por finalidade assegurar o pleno desenvolvimento nessa fase da vida, assentadas no
Princípio da Prioridade Absoluta reservado a esse público.
Para que se possa compreender a presente forma de organização dos direitos
infanto-juvenis, é imprescindível voltar o olhar para trás e adentrar no processo
histórico de construção desses direitos.
Partimos da perspectiva de que a história não é linear, como um rio que
tranquilamente segue o seu curso. Ao contrário, é perpassada pela correlação de
forças, pelo jogo de interesses, características da sociedade de classes, que tem no
Estado a sua arena de disputas. Dessa forma, não temos a intenção de apresentar
um percurso histórico que trilha unicamente o caminho dos avanços. Até porque,
compreendemos que a materialização dos direitos é influenciada pelos diversos
aspectos que compõem a vida social: uma determinada época histórica, os elementos
éticos e valorativos que orientam a prática dos homens e mulheres e, sobremaneira,
o modo como as pessoas produzem e reproduzem suas condições de sobrevivência,
ou seja, o sistema econômico vigente.
Além disso, a participação social (leia-se, dos movimentos sociais), a atuação
da mídia, a influência de grupos religiosos, as articulações dos setores progressistas,
entre outros, foram fundamentais para a elaboração do Sistema de Garantia de
Direitos que busca proteger as crianças e os adolescentes.
Corroboramos com Vicente (2011, p. 51), quando destaca que “[...] sobreviver
é pouco. A criança tem direito a viver, a desfrutar de uma rede afetiva, na qual possa
crescer plenamente, brincar, contar com a paciência, a tolerância e a compreensão
dos adultos sempre que estiver em dificuldade”.
Em um país que é marcado pela desigualdade social desde a época da
chamada colonização, assegurar uma vida digna e plena prevista no ECA e nas
normativas correlatas é um enfretamento diário de desafios, a serem superados na
luta coletiva.
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2.1 PÚBLICO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL: um histórico dos direitos e das


políticas de atendimento

Historicamente, crianças e adolescentes receberam diversos tipos de atenção,


conforme os valores sociais e culturais de cada época. Por se tratar de fases da vida
em que há uma forte dependência dos adultos, principalmente, na infância, até mesmo
para as atividades mais essenciais da sobrevivência, as decisões concernentes ao
seu futuro ficavam nas mãos de outrem. Nesse processo, temos que:

Instituições foram erguidas para ampará-la; leis foram formuladas para


protegê-la; diagnósticos alarmantes demandaram novos métodos para a sua
educação; experiências de atendimento foram implementadas, visando
debelar o abandono e a criminalidade. (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 15).

Aqui, cabe dar relevo a um aspecto importante que pode ser nitidamente
observado quando desenvolvemos esse percurso histórico: as questões da infância
desvalida eram atravessadas, invariavelmente, pela situação de pobreza em que se
encontravam. Assim, “[...] a história das políticas sociais, da legislação da assistência
(pública e privada), é, em síntese, a história das várias fórmulas empregadas no
sentido de manter as desigualdades sociais e a segregação das classes”. (RIZZINI;
PILOTTI, 2011, p. 16). E se fizermos uma observação mais acurada, percebemos que
a prática do que está previsto em lei ainda mantém em nossos dias uma certa
diferenciação por classe social.
O estudo que se segue será marcado por uma periodização fazendo a
interlocução com as principais características do tratamento dispensado a crianças e
adolescentes, considerando a conjuntura de cada época e as correlações de forças
que engendraram as políticas de atendimento para o público em comento. Isso não
reflete a nossa interpretação dos acontecimentos como fatos estanques com datas
exatamente definidas. Mas sim, uma estratégia metodológica para melhor
compreensão e interpretação da realidade estudada na pesquisa.
Nos reportando a tempos pretéritos, sabe-se que o Brasil era habitado por
diversas tribos indígenas, até que que as navegações ultramarinas vindas dos países
europeus aqui chegaram, dando início a um verdadeiro processo de invasão com a
ocupação e exploração de nossos habitantes e da riqueza natural aqui existente. Esse
período foi denominado de Colonial, e durou entre dos séculos XVI à XIX.
P á g i n a | 32

Junto com os portugueses vieram os padres da Companhia de Jesus,


chamados de jesuítas, que tinham como missão disseminar a fé católica. No processo
de aproximação com os índios, perceberam que com as crianças o trabalho seria mais
eficiente, pois:

Ao cuidar das crianças índias, os jesuítas visavam tirá-las do paganismo e


discipliná-las, inculcando-lhes normas e costumes cristãos. [...] perseguiam
um duplo objetivo estratégico. Convertiam as crianças ameríndias em futuros
súditos dóceis ao Estado português, e, através delas exerciam influência
decisiva na conversão dos adultos às estruturas sociais e culturais recém
importadas. (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 17).

Desenvolver esse trabalho com as crianças era funcional aos propósitos dos
padres, pois elas eram por vezes atentas, por vezes submissas, e aprendiam sobre a
doutrina mais rápido, tornando-se multiplicadoras em suas famílias dos novos
ensinamentos recebidos. Era uma missão desafiadora não apenas no sentido de
ensinar sobre a religião, como também de fazer com que pudessem perseverar na fé,
se mantendo firmes na moral e nos bons costumes importados da Europa, como:
andar vestidos, viver um casamento monogâmico, desenvolver algum ofício para
prover suas condições de sobrevivência seguindo o modelo cristão de trabalho, entre
outros.
Sublinhamos que nessa época a percepção sobre o que é a fase da infância
ainda estava em discussão e pouco se falava em adolescência. Predominava a ideia
de que a criança era um pequeno adulto em formação, apto a ir exercendo
responsabilidades.
As fases da vida eram compreendidas da seguinte forma:

[...] a idade da infância gravitava até os 14 anos, então chamada a primeira


idade. Entre os 14 e os 25 anos o indivíduo era considerado como
pertencente à segunda idade, a idade adulta. Depois dos 25 ele passava a
pertencer à terceira idade, a velhice, o que demonstra as diferenças reinantes
que separam nossa época do período colonial. (RAMOS, 2010, n.p.).

Portanto, é nítido que o conceito de infância foi passando por diversas


intepretações e a maneira que temos no Brasil de perceber esse público foi herdada
do processo de colonização.

É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento no


Velho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo e
grupo, o que ensejava o nascimento de novas formas de afetividade e a
P á g i n a | 33

própria “afirmação do sentimento da infância”, na qual Igreja e Estado tiveram


um papel fundamental. Neste sentido, foi também esse movimento “que fez
a Companhia escolher as crianças indígenas como o ‘papel blanco’, a cera
virgem, em que tanto se desejava escrever; e inscrever-se”.
(CHAMBOULEYRON, 2010, p. 32, grifos do autor).

Nem sempre a catequização acontecia de forma tranquila. O sentimento dos


índios era mais de temor do que de amor e identificação com os princípios pregados.
Isso gerava conflitos recorrentes e os catequizadores tinham autonomia para utilizar
a força quando julgassem necessário, com o subterfúgio de estar agindo em favor do
bem maior que era levar a palavra de Deus.
Chambouleyron (2010) explica que com o passar dos anos a atuação dos
jesuítas foi ampliando suas atividades e o público atendido.

Muito embora a Companhia de Jesus houvesse nascido, na primeira metade


do século XVI, como ordem essencialmente missionária, aos poucos foi
também se transformando em uma “ordem docente”. De fato, a Ordem dos
Jesuítas pouco a pouco orientou seus esforços no sentido de se ocupar da
formação, não só dos seus próprios membros, mas também da juventude, o
que correspondia “ao desejo de formar jovens nas letras e virtude, a fim de
fazê-los propagar eles mesmos, no mundo onde vivessem, os valores
defendidos pela companhia”. (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 31, grifos do
autor).

Dessa forma, ia se forjando o atendimento aos infantes por meio das atividades
da Igreja Católica, no intento de ensinar a ler e escrever. Todavia, essa ampliação não
contemplava as meninas, e sim, apenas os meninos.
É relevante mencionar ainda que não era fácil ser criança nessa época. As
condições de vida eram bastante precárias: as doenças advindas com os europeus e
com os escravos trazidos da África, se encontravam aqui, onde a medicina era
incipiente e o saneamento básico praticamente não existia.
Aliás, antes mesmo de chegar em terras brasileiras, as condições de
sobrevivência já eram bem difíceis: as embarcações vindas da Europa não ofereciam
alimentação e higiene adequados para os adultos, menos ainda para as crianças.
Logo, essas passavam sede, frio, sofriam humilhações e abusos sexuais, entre outras
hostilidades.
Quanto as embarcações vindas da África, a precariedade era ainda mais
manifesta, já que os povos escravizados não eram sequer tratados como seres
humanos, sofriam as adversidades acima citadas acrescidas de violência física
explícita e impiedosa.
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O resultado desses fatores era uma alta taxa de mortalidade infantil. Para
chegar a fase adulta era necessário ultrapassar duas etapas extremamente
desfavoráveis: a viagem do seu país de origem até aqui e a condições de
sobrevivência após o desembarque.
Outra situação dramática pela qual as crianças passavam era a de abandono
por parte dos pais. Não se trata de uma prática que acontecia apenas no Brasil.
“Desde a Antiguidade, em praticamente todas as sociedades, o abandono e a
exposição de crianças, o infanticídio e o direito de vida e morte dos pais sobre a
criança não foram incomuns e, às vezes, até faziam parte do cotidiano” (ORIONTE,
2004, p. 34), o que deixa nítido que essa fase da vida humana era desconsiderada.
“Uma mudança mais significativa só ocorreu com a chegada do cristianismo. Foi
Constantino, no final do Império Romano que, ao reconhecer a religião católica,
escreveu a primeira lei contra o infanticídio”. (ORIONTE, 2004, p. 34). Mas apesar
dessa lei e das que foram aprovadas posteriormente, sabemos que a prática de
abandono das crianças e infanticídio estão presentes até nossos dias.
Retomando nosso percurso histórico, os motivos que levavam os pais a
abandonar os filhos eram os mais diversos. Gonçalves (1992) citada por Orionte
(2004) explica:

Podemos atribuir o fenômeno a vários fatores, entre eles, a transferência da


sede do governo geral de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, dando à
cidade uma posição de destaque. Sua população, em decorrência desse fato,
quase dobra. A complexidade do crescimento de uma cidade ainda sem muita
estrutura promove o aumento da pobreza, do desemprego e, como
consequência, o abandono de crianças. Foi, portanto, um fenômeno
essencialmente urbano. (GONÇALVES, 1992 apud ORIONTE, 2004, p. 36).

Ou seja, não devemos compreender o abandono como uma prática que


acontecia simplesmente pelo livre arbítrio dos pais. Mais do que isso, era reflexo de
um momento de mudanças política e econômica pelo qual o país estava passando, e
a parcela mais empobrecida da população sofreu as consequências negativas, pois
não conseguiram se reorganizar materialmente nessa conjuntura e não receberam o
apoio necessário por parte do Estado.
Outra motivação para o abandono são as situações em que a criança era fruto
de uma relação extraconjugal, carregando a pecha de filho ilegítimo. Essas crianças
eram colocadas em instituições de amparo, não por pensar na sobrevivência delas,
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mas, como forma de salvaguardar a honra das famílias. Para isso, utilizavam a Roda
dos Expostos.

Segundo explicação da doutrina especializada no tema, a “roda” era um


aparelho geralmente feito de madeira em formato de cilindro e com um dos
lados vazados, assentado em um eixo que produzia um movimento giratório,
de modo a permitir a não identificação da pessoa que ali depositava a criança.
Situava-se em local anexo às instituições destinadas ao acolhimento de
crianças abandonadas, comumente denominadas “Casa dos Expostos”,
“Depósito dos Expostos” ou “Casas de Roda”. (TAVARES, 2015, p. 398,
grifos da autora).

Utilizada aqui durante aproximadamente três séculos, a Roda dos Expostos


não se trata de uma inovação brasileira.

[...] surgiu na Idade Média, mais precisamente em Roma, criada pelo papa
Inocêncio III, em 1203, e expandiu-se por Espanha, Bélgica, França e
Portugal. Era uma maneira de garantir o anonimato de pessoas que
entregavam crianças abandonadas, para evitar que morressem comidas por
cachorros ou em virtude de sua exposição nos bosques. Seu propósito era o
de conferir-lhes proteção, sustento e batismo, para garantir que não fossem
para o limbo, espécie de purgatório para crianças, segundo as crenças do
catolicismo. (RODRIGUES, 2015, p. 41-42).

Seguindo a tradição existente em Portugal, no Brasil também foram


implantadas as Rodas dos Expostos. As primeiras surgem no século XVIII, de início,
em algumas das principais cidades da época: Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738)
e Recife (1789), nos hospitais Santa Casa de Misericórdia e depois se espalharam
por outras cidades.
Nessa época não se tinha uma legislação específica de proteção aos infantes.
Dessa forma,

[...] a Roda foi a única instituição de assistência à criança enjeitada ou


abandonada. Embora a municipalidade, representada pelas Câmaras do
Senado, entendesse que caberia a elas proverem assistência aos menores
abandonados, houve apenas liberação de recursos escassos destinados às
amas de leite para que se encarregassem dos cuidados dessas crianças
desamparadas. (RODRIGUES, 2015, p. 42).

Na prática, as Rodas se mostraram bastante ineficientes, pois eram precárias


tanto no aspecto estrutural, como humano, resultando em um alto índice de
mortalidade de crianças. No entanto, era grande a quantidade de enjeitados que
recebiam.
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Somente os estabelecimentos da Santa Casa do Rio de Janeiro receberam


mais de cinquenta mil crianças enjeitadas entre os séculos XVIII e XIX, o que
assinala a dimensão do problema. Em alguns centros urbanos, no século
XVIII, até 25% dos bebês eram abandonados e cerca de 70-80% faleciam
antes de completar sete anos. (TORRES, 2006, p. 3).

Podemos perceber que a Roda dos Expostos representava um misto de


questões religiosas e morais, já que a Igreja Católica e seus fiéis passaram a se sentir
incomodados com o fato de muitas crianças estarem morrendo sem receber o batismo
e não era justo que elas pagassem pela negligência ou pouca condição material dos
pais. Bem como, por questões econômicas e, por conseguinte, sociais, pois a falta de
condições para manter a subsistência do filho levava os pais, ou melhor, em sua
maioria, as mães, a entrega-los para a caridade religiosa.
Mesmo diante de tantas adversidades, o sistema das Rodas “[...] perdurou por
três regimes do governo brasileiro: iniciou-se na Colônia, continuou durante o Império
e foi abolida durante a República, em decorrência da promulgação do Código de
Menores de 1927”. (RODRIGUES, 2015, p. 42). Apesar desse Código, a última Roda
da Santa Casa só veio a fechar em 20 de dezembro de 1950, em São Paulo. E
conforme consta no site da instituição: “Mesmo depois que a roda foi retirada de seus
muros, a Irmandade de Misericórdia continuou a receber enjeitados até 26 de
dezembro de 1960”. (SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO, 2018, p.1).
Esse contexto expressa a demora do Estado em prover uma assistência que
trouxesse mudanças significativas na vida das crianças, que pudessem lhes
assegurar a sobrevivência.
Com relação as crianças que não sofriam o abandono por parte dos seus pais,
tão logo não tivessem mais a estrita dependência da sua mãe para as atividades
essenciais da sobrevivência, eram encaminhadas para o mundo do trabalho. Mas
essa não era uma regra aplicada a todas: tinha como fator definidor a questão da
classe à qual se pertencia. Se sua origem fosse ligada a alguma família da elite,
poderiam usufruir de uma infância de brincadeiras e acesso a educação. Ou se sua
origem era de famílias escravizadas, o trabalho era o destino que invariavelmente lhes
esperava.

A estratégia de encaminhamento da criança pobre para o trabalho articula o


econômico com o político, referindo-se ao processo de
valorização/desvalorização da criança enquanto mão de obra, como se a
desigualdade social fosse natural. [...] Os discursos e as práticas referentes
às políticas para a infância distinguem os desvalidos dos validos tanto
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econômica como sociopoliticamente. Os primeiros são desvalorizados


enquanto força de trabalho cuja sobrevivência e preparação escolar ou
profissional deve estar ao nível de subsistência, validando-se,
contraditoriamente, o projeto de direção da sociedade, de vida intelectual que
aos segundos caberia. (FALEIROS, 2011, p. 34, grifos do autor).

Ainda sobre as questões afetas ao trabalho, temos que até o início do período
de industrialização brasileiro (final do século XIX) a economia girava em torno das
práticas agrárias e as crianças desenvolviam as mais variadas atividades, tais como:
alimentar os animais, cuidar de pequenos rebanhos, participar da colheita junto com
sua mãe, entre outras. Tudo isso se configurava como formas de ir sobrevivendo, em
meio a um contexto permeado por tantas adversidades, até chegar a fase adulta.
No contexto do Brasil Colônia, no ano de 1871 foi aprovada a Lei nº 2.040,
conhecida como Lei do Ventre Livre: “Artigo 1º Os filhos de mulher escrava que
nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre”.
(BRASIL, 1871). Essa é uma das leis abolicionistas, resultado das tensões sociais
pelas quais o país vinha passando, no que se refere as relações de trabalho advindas
da mão de obra escrava.
Por um lado, nascer na condição de pessoa livre não trazia mudanças tão
significativas, pois as crianças dependiam dos seus pais para sobreviver e eles eram
escravos. Ou seja, elas continuavam sobrevivendo na mesma situação de seus pais.
Por outro lado, podiam contar com a esperança de uma futura vida em liberdade, logo
que tivessem outros modos e espaços para sua sobrevivência, o que dá relevância a
Lei do Ventre Livre.
Na efervescência das mobilizações abolicionistas, em 13 de maio de 1888, a
princesa Isabel aprova uma das mais importantes leis da nossa história: a nº 3.353 ou
Lei Áurea, na qual: “É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no
Brazil”. (BRASIL, 1888).
Sobre esse marco na história brasileira, utilizamos as palavras de Gonçalves
(2018, p. 515), para expor que a abolição contou com “[...] uma forte participação de
escravizados(as) na luta antiescravista, levando ao colapso aquela ordem social”. É
importante fazer esse destaque pois, ainda é recorrente a ideia de um caráter passivo
da população escravizada, e atribuir o protagonismo das transformações societárias
ocorridas aos grandes fazendeiros do Oeste paulista daquela época e a pressão
exercida por países europeus que buscavam expandir o modelo capitalista de
produção econômica.
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Mesmo com sua indiscutível importância, não podemos nos furtar de citar que
as pessoas que foram libertas sofreram muito nesse processo, pois o Estado não
cuidou em proporcionar alternativas de inserção para estas. Muitas pessoas que não
sabiam sequer ler e escrever ou executar alguma atividade que não fosse agrária
acabaram voltando e/ou permanecendo nas fazendas, em condições semelhantes a
que viviam, como meio de sobrevivência.
O Brasil foi o último país das Américas a proibir a escravidão em seu território,
processo esse que aconteceu de forma lenta, pois os interesses dos ruralistas eram
colocados em primeiro plano. Com efeito, não se tratou de uma iniciativa que partiu
exclusivamente do Império e suas questões nacionais. Mas foi também uma resposta
à pressão feita pela Inglaterra que já tinha um modo de produção econômico que
carecia de novos espaços para a ampliação do consumo e da produção,
características essenciais para o fortalecimento do capitalismo.
Na sequência dos fatos históricos que cabem ser trazidos para o debate, em
15 de novembro de 1889 nasce a República Federativa Brasileira. Movimento de
origem militar, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Passetti (2010, p. 193) explica que “[...] esperava-se um regime político
democrático orientado para dar garantias ao indivíduo numa sociedade de território
amplo e de natureza abundante e generosa”, tendo em vista que na iminência do
século XX, o Império, juntamente com sua forma de governar, seu modo de produção
econômica, até mesmo seus elementos culturais, eram considerados ultrapassados,
pois se tomava como parâmetro o modo de vida dos países da Europa, industriais,
urbanos e capitalistas.
Em meio a tantas mudanças, como fica o trato dispensado às crianças?

O interesse pela infância, nitidamente mais aguçado e de natureza diversa


daquela observada nos séculos anteriores, deve ser entendido como reflexo
dos contornos das novas ideias. A criança deixa de ocupar uma posição
secundária e mesmo desimportante na família e na sociedade e passa a ser
percebida como valioso patrimônio de uma nação [...]. (RIZZINI, 2011, p. 24).

Logo, os mais diversos olhares se voltam para o público infantil: a concepção


higienista e saneadora; a jurídica e a filantrópica. Todos com um único propósito:
salvar as crianças. Esse cuidado estava para além da caridade religiosa e das
relações privadas no âmbito familiar.
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De acordo com a lógica evolucionista e positivista da época, vigiar a criança


para evitar que ela se desvie é entendido como parte de uma missão
eugênica, cuja meta é a regeneração da raça humana. O homem tem nas
próprias mãos o poder de manipular destinos e influir no futuro da
humanidade. (RIZZINI, 2011, p. 24, grifos da autora).

Por se compreenderem como detentores de tamanha influência na vida dos


infantes, os representantes das concepções supracitadas também se achavam no
direito de tomar certas decisões, por mais que fossem invasivas à privacidade da
família e/ou das crianças. E, de forma geral, tais decisões eram correlacionadas a
questão de pobreza e/ou de abandono.

Sobre o abandono moral é que se desejava intervir. Retirar da família os filhos


que a ela não se submetiam. Mas como mudar uma tradição tão sagrada
quanto antiga, a da autoridade do pai? A estratégia consistia em mudar a
mentalidade; mostrar que a família era passível de punição e que, ao cometer
atrocidades contra as crianças, comprometia a moralidade de seus filhos e,
consequentemente, o futuro do país. Portanto, o filho não era propriedade
exclusiva da família; a paternidade era um direito que poderia ser suspenso
ou cassado. (RIZZINI, 2011, p. 121).

A prática do abandono, outrora tão recorrente, passa a ser inaceitável,


condenável, tendo em vista que o significado social da criança ganha novos
contornos, os quais pairavam entre: ter o importante papel de futuro da nação, de
patrimônio a ser atentamente zelado ou ser caracterizada enquanto delinquente e por
isso, um problema social a ser sanado. Em nome das chamadas crianças
delinquentes “[...] justificar-se-á a criação de um complexo aparato médico-jurídico-
assistencial”. (RIZZINI, 2011, p. 26). Um dos elementos em comum entre essas
concepções é a culpabilização do infante e de sua família pela situação de pobreza
em que se encontravam, o que precisava receber algum tipo de tratamento.

A difusão da ideia de que a falta de família estruturada gestou os criminosos


comuns e os ativistas políticos, também considerados criminosos, fez com
que o Estado passasse a chamar para si as tarefas de educação, saúde e
punição para crianças e adolescentes. Por isso é que desde o tempo dos
imigrantes europeus – que formaram os primeiros contestadores políticos –
até o dos migrantes nordestinos – que criaram os mais recentes líderes dos
trabalhadores –, o Estado nunca deixou de intervir com o objetivo de conter
a alegada delinquência latente nas pessoas pobres. Desta forma, a
integração dos indivíduos na sociedade, desde a infância, passou a ser tarefa
do Estado por meio de políticas sociais especiais destinadas às crianças e
adolescentes provenientes de famílias desestruturadas, com o intuito de
reduzir a delinquência e a criminalidade. (PASSETTI, 2010, p. 193).
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Entre tantas formas de pensar soluções para o problema da infância, a


princípio, a caridade, prática já consolidada, entra em conflito com as ações de
filantropia.

A filantropia distinguia-se da caridade, pelos seus métodos, considerados


científicos, por esperar resultados concretos e imediatos, como o bom
encaminhamento dos desviantes à vida social, tornando-os cidadãos úteis e
independentes da caridade alheia. A noção de prevenção do desvio e
recuperação dos degenerados entranhou de tal forma na assistência, que nas
décadas seguintes, filantropia e caridade tornaram-se sinônimos. O conflito
foi superado por uma acomodação das disparidades, pois ambas tinham o
mesmo objetivo: a preservação da ordem social. (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p.
22).

No final do século XIX emerge o movimento higienista, formado por médicos


que tinham o objetivo de cuidar da higiene e da saúde das pessoas, por acreditarem
que uma parcela dos problemas vivenciados no país estava ligada a questões
sanitárias. Dessa forma, as ações eram realizadas com a intenção de modificar o
comportamento da população para novos hábitos, utilizando-se da autoridade que era
atribuída aos médicos.
O higienismo acompanhava o recente desenvolvimento urbano do Brasil, que
em virtude de ter sido colonizado pelos países europeus, tinha neles padrões a serem
alcançados e vivenciados. Todavia, em virtude das inúmeras diferenças entre a
Colônia e seus colonizadores as medidas do higienismo não foram aplicadas como
seus idealizadores almejaram, restando para as camadas populares a culpabilização
pela situação precária em que se encontravam e a marginalização dos processos de
desenvolvimento econômico em curso.
Após a libertação dos escravos, houve um grande fluxo de migração da
população da zona rural para a urbana, em busca de condições de sobrevivência. A
questão é que as cidades não estavam preparadas para receber tantas pessoas de
forma tão rápida, pois não dispunham de condições estruturais, como: habitação,
saneamento básico, emprego, enfim, sem políticas públicas que dessem conta da
demanda que surgia. O crescimento das cidades de forma desordenada trouxe
consigo o aumento nos índices de doenças, criminalidade e violência.
Mediante esse cenário tão adverso, era difícil para as famílias pobres manter
as relações de cuidado e proteção, tornando recorrente o abandono de suas crianças,
o qual despertou a preocupação do movimento higienista. Assim, as medidas
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direcionadas aos infantes buscavam sanar duas questões principais: a alta taxa de
mortalidade infantil e o problema do “menor” abandonado.
Tais fatores justificavam a necessidade da intervenção médica na família,
fazendo um forte combate a práticas populares bastante comuns, como por exemplo:
“[...] o uso de remédios caseiros no tratamento de doenças; a alimentação dos recém-
nascidos com farinhas diversas, ao invés do leite; o uso de figas e amuletos; os
banhos de sangue no matadouro para eliminação das anemias; entre outras”.
(FERNANDES; OLIVEIRA, 2012, p. 7). Assim, o médico passa a ser visto como único
detentor da competência para determinar regras de conduta à população.
Ao pensarmos sobre como o Estado vem tratando a classe pobre na
contemporaneidade brasileira, percebemos que a atuação do movimento higienista
em décadas pretéritas não ficou deixada para trás. Ao contrário, vem sendo utilizada
de forma atualizada por meio da intervenção nas famílias, com o retorno ainda mais
forte de concepções conservadoras acerca desta instituição para controlar e
disciplinar as gerações mais jovens. Outrossim, temos também a criminalização da
pobreza, que caracterizava o higienismo, permanecendo entre nós.
Além da própria família, a rua era considerada outro espaço perigoso, uma
escola do crime, onde as crianças tinham contato com práticas que vinham a romper
com a ordem social: roubos, vícios e doenças. Portanto, era necessário retirá-las
desse ambiente e lhes ensinar sobre a moral e os bons costumes vigentes. E o meio
mais eficiente era a internação nas instituições, aplicada a um público específico: as
crianças e adolescentes pobres.

Uma história de internações para crianças e jovens provenientes das classes


sociais mais baixas, caracterizados como abandonados e delinquentes pelo
saber filantrópico privado e governamental – elaborado, entre outros, por
médicos, juízes, promotores, advogados, psicólogos, padres, pastores,
assistentes sociais, sociólogos e economistas –, deve ser anotada como
parte da história da caridade com os pobres e a intenção de integrá-los à vida
normalizada. Mas também deve ser registrada como componente da história
contemporânea da crueldade. (PASSETTI, 2010, p. 195).

A integração supramencionada por Passetti, era no sentido de que as


instituições eram tidas como espaços disciplinares que proporcionavam o aprendizado
de uma atividade profissionalizante, incutindo em seus internos hábitos de trabalho
para mantê-los ocupadas.
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Na perspectiva de uma verdadeira limpeza das ruas, juntamente com o viés


profissionalizante, surgem importantes instituições como: o “Instituto de Proteção e
Assistência à Infância (1901) no Rio de Janeiro, fundada pelo médico Moncorvo Filho;
o Instituto Disciplinar de São Paulo (1902); os Institutos Profissionais para Menores
Pobres (1909); e as Escolas Profissionais (1911)”. (FERNANDES; OLIVEIRA, 2012,
p. 6). Estas tinham em comum a tarefa de profissionalizar os alunos, bem como,
proporcionar uma regeneração física e, principalmente, moral para que, assim, no
futuro, o país pudesse contar com pessoas sadias, detentoras de uma profissão e que
pudessem colaborar com o progresso.
Aqui cabe lembrarmos o momento histórico emblemático pelo qual passava a
então capital do Brasil, Rio de Janeiro, que entre o final do século XIX e início do XX,
passou por uma fase de reforma arquitetônica. Suas ruas eram mal estruturadas, com
precárias condições de saneamento básico, o que favorecia o surgimento e
proliferação de doenças como: febre amarela, varíola, tuberculose, entre outras.
Ao assumir a presidência, Francisco de Paula Rodrigues Alves instituiu como
meta governamental o saneamento e reurbanização da capital da República. Para
execução desse projeto, um dos profissionais chamados foi o médico Osvaldo Cruz,
para atender as demandas de saneamento. Nesse percurso, o Rio de Janeiro “[...]
passou a sofrer profundas mudanças, com a derrubada de casarões e cortiços e o
consequente despejo de seus moradores, que não receberam a devida atenção social
ou ressarcimento. A população apelidou o movimento de ‘bota-abaixo’”. (REVISTA DA
VACINA, n.d., p. 1).
Como forma de combater a varíola, “Autoritariamente, foi instituída a lei de
vacinação obrigatória. A população, humilhada pelo poder público autoritário e
violento, não acreditava na eficácia da vacina”. (REVISTA DA VACINA, n.d., p. 1). A
vacinação obrigatória foi o estopim para que o povo, já profundamente insatisfeito com
o “bota-abaixo” e insuflado pela imprensa, se revoltasse.

Durante uma semana, uma parcela da população enfrentou as forças da


polícia e do exército até ser reprimido com violência. O episódio transformou,
no período de 10 a 16 de novembro de 1904, a recém reconstruída cidade do
Rio de Janeiro numa praça de guerra, onde foram erguidas barricadas e
ocorreram confrontos generalizados. (REVISTA DA VACINA, n.d., p. 1).

Esse acontecimento ficou popularmente conhecido como Revolta da Vacina,


inserida nas revoltas populares do período oligárquico. A população não recebia os
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devidos esclarecimentos sobre a importância da vacina ou formas de higiene para


prevenir as doenças. Por isso, a maneira como a campanha de vacina chegou até as
camadas populares gerou uma insatisfação generalizada.
Em virtude do cenário conturbado, foi proclamado o Estado de Sítio e o
cancelamento da vacinação obrigatória ainda em 1904. Depois disso, a Lei da Vacina
Obrigatória foi modificada e a utilização da vacina tornou-se opcional.
Se por uma vertente, era inegável que o movimento higienista ocasionava
progressos à saúde da população, por outra, era um auxílio para os interesses do
Estado, pois a medicina tinha, cada vez mais, autonomia e legitimidade social, se
tornando um forte instrumento de intervenção impositiva e moralizante nas famílias.
Estas eram alvo prioritário porque se acreditava que enquanto as crianças
continuassem convivendo com os vícios dos pais os males sociais continuariam a se
reproduzir. Era uma lógica de que hábitos perniciosos geravam epidemias.
Em um país nitidamente segregado, novamente, o recorte de classe social se
faz presente. “Do referencial jurídico claramente associado ao problema, constrói-se
uma categoria específica – a do menor – que divide a infância em duas e passa
simbolizar aquela que é pobre e potencialmente perigosa”. (RIZZINI, 2011, p. 26).
Para os filhos dos pobres a definição de “menor” se encaixava exatamente.
Afinal, esses eram passíveis da intervenção judiciária, compreendida como a melhor
solução.

[...] um certo segmento da infância pobre (definido como abandonado e


delinquente) foi nitidamente criminalizado neste período. Percebe-se que o
termo “menor” foi sendo popularizado e incorporado na linguagem comum,
para além do círculo jurídico. Não se detectou nenhum discurso contrário a
essa tendência ou mesmo qualquer tipo de questionamento a respeito, o que
faz pensar que a intervenção jurídica era, de um modo geral, muito bem-vinda
como possível chave para resolver os problemas que a instabilidade do
momento impunha. (RIZZINI, 2011, p. 130, grifos da autora).

Na esteira dos processos de transformações econômicas provenientes da


industrialização, o início do século XX foi marcado pelas mobilizações sociais do
proletariado ascendente que organizou o Comitê de Defesa Proletária, criado durante
a greve geral de 1917, que paralisou os setores industriais, comerciais e de
transportes em São Paulo.
Entre as pautas do movimento grevista estava a abolição do trabalho noturno
para as mulheres e a situação das crianças nas fábricas.
P á g i n a | 44

Denunciava-se o desrespeito, entre tantos outros, ao decreto no 13.113, de


17 de janeiro de 1891, que proibia o trabalho de crianças em máquinas em
movimento e na faxina. Os anarquistas alertavam para a situação das
crianças e jovens trabalhadores explicitando as péssimas condições de
trabalho dos adultos e, por último, as formas de sobrevivência da família de
trabalhadores. (PASSETTI, 2010, p. 195).

Conjuntamente, “Médicos e advogados são articuladores de instituições e


reformas que foram sendo implantadas na conjuntura de 1920 a 1926, principalmente
no governo de Arthur Bernardes, que foi chamado de Presidente da Criança por Mello
Mattos”. (FALEIROS, 2011, p. 43, grifos do autor).
Os juristas da época faziam uma estreita associação entre criança e
criminalidade, dando visibilidade a ideia de infância perigosa. E defendiam a
necessidade de criação de um sistema de proteção com legislações específicas para
os “menores”, que eram julgados e punidos conforme o Código Penal e detidos em
prisão comum, junto com adultos que tinham cometido os mais diversos tipos de
crimes.
Nesse momento, em que crescia a preocupação com o elevado número de
crianças e adolescentes abandonados, e “[...] O pensamento social oscilava entre
assegurar direitos ou ‘se defender’ dos menores” (AMIM, 2015a, p. 46, grifo da autora),
como também, através da influência de outros países que já apresentavam
legislações voltadas para esse segmento, em 1923, foi criado o Juizado de Menores,
tendo Mello Mattos como o primeiro Juiz de Menores da América Latina. E, em 12 de
outubro de 1927, foi publicado o Decreto nº 1.7943-A, primeiro Código de Menores do
Brasil, ou, Código Mello Mattos5. Entre seus objetivos, buscava suprir o hiato existente
no então Código Civil Brasileiro (1916), que não fazia menção ao trato de crianças e
adolescentes.

O Código de 1927 cuidava, ao mesmo tempo, das questões de higiene da


infância e da delinquência e estabelecia a vigilância pública sobre a infância.
Classificava os menores em duas categorias básicas: os abandonados e os
delinquentes, estabelecendo a vigilância sobre a amamentação, os expostos,
os abandonados e os maltratados, autorizando-se o juiz a retirar o pátrio
poder. O menor de 14 anos não era mais submetido ao processo penal e se
fosse maior de 16 e menor de 18 e cometesse crime poderia ir para prisão de
adultos em lugares separados destes. O juiz devia buscar a regeneração do
menor, definindo-se explicitamente que a questão da infância abandonada e

5 Recebeu esta denominação em homenagem ao autor do projeto, o juiz José Cândido de Albuquerque
Mello Mattos, pelos seus inúmeros trabalhos na área de infância e juventude, que lhe deram
reconhecimento internacional, sendo eleito na década de 1930, vice-presidente da Associação
Internacional de Juízes de Menores, na Bélgica.
P á g i n a | 45

delinquente era de caráter público. (FALEIROS, 2004 apud SILVA, 2010, p.


23).

O Código em comento foi a primeira legislação brasileira voltada


exclusivamente para tratar dos interesses do público infanto-juvenil. Inaugura-se uma
nova fase, que corresponde a uma mudança qualitativa: a idade da responsabilidade
penal foi elevada de 9 para 14 anos e passa da teoria pena-castigo para a pena-
educação.
Expressa uma preocupação social com a criminalidade juvenil, bem como, uma
conscientização quanto à gravidade das precárias condições de sobrevivência das
crianças pobres em suas próprias famílias, nas ruas, e até mesmo nas instituições.

A prisão e os internatos, em nome da educação para o mundo ou da correção


de comportamentos, apresentam-se desempenhando um papel singular.
Existem ao mesmo tempo como imagem disciplinar da sociedade – nelas os
supostos desajustados deverão ser enquadrados – e imagem da sociedade
transformada em ameaça – o lugar para onde ninguém pretende ir. Por isso
mesmo são incapazes de equacionar soluções para o retorno dos
encarcerados sem deixá-los estigmatizados ou tampouco poupar suas
famílias da economia do crime, pois mais cedo ou mais tarde elas acabam
participando da ilegalidade que se instala desde as prisões. (PASSETTI,
2010, p. 197).

Tais fatores fizeram com que o Estado passasse a assumir a responsabilidade


legal pela tutela da criança. Ou, nas palavras de Passetti (2010, p. 197):

Foi com o Código de Menores (decreto no 17.343/A, de 12 de outubro de


1927), que o Estado respondeu pela primeira vez com internação,
responsabilizando-se pela situação de abandono e propondo-se a aplicar os
corretivos necessários para suprimir o comportamento delinquencial. Os
abandonados agora estavam na mira do Estado. (PASSETTI, 2010, p. 197).

Perfazendo um total de 231 artigos, o Código de 1927 ultrapassou a esfera


jurídica, ampliando sua atuação para a área social, “[...] na tentativa de prever detalhes
para exercer todo o controle possível sobre os ‘menores’”. (ORIONTE, 2004, p. 46,
grifo da autora). E ainda, com orientações essenciais de atribuir deveres paternos e
impor obrigações estatais.
Dessa forma, o atendimento a criança passa a ter as características de:

[...] de prevenção (vigiar a criança, evitando a sua degradação, que


contribuiria para a degeneração da sociedade); de educação (educar o pobre,
moldando-o ao hábito do trabalho e treinando-o para que observe as regras
do ‘bem-viver’); de recuperação (reeducar ou reabilitar o menor percebido
P á g i n a | 46

como ‘vicioso’, através do trabalho e da instrução, retirando-o das garras da


criminalidade e tornando-o útil à sociedade; de repressão (conter o menor
delinquente, impedindo que cause outros danos e visando a sua reabilitação,
pelo trabalho). (RIZZINI, 2011, p. 26, grifos da autora).

No período compreendido entre 1930 e 1945, cresce o centralismo do Estado


assistencialista, denominado Estado Novo, especialmente, a organização dos
serviços públicos de atendimento, fazendo frente à evidente fragilidade das iniciativas
privadas, até então hegemônicas.
Nessa esteira, no ano de 1942, foi criado no Rio de Janeiro o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Deveria funcionar
como uma instituição que presta assistência as crianças desvalidas. Antes do SAM,
os “menores” abandonados ou infratores eram, indistintamente, apreendidos nas ruas
e levados a abrigos de triagem.
A partir de agora, temos a primeira política pública estruturada, conforme
consta no Decreto Lei nº 3.799, de 5 de novembro de 1941.

Artigo 2º O S. A. M. terá por fim:


a) Sistematizar e orientar o serviço de assistência a menores desvalidos e
delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;
b) Proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos
menores desvalidos e delinquentes;
c) Abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito
Federal;
d) Recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de ministrar-
lhes educação, instrução e tratamento somato-psíquico, até seu
desligamento.
e) Estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a
orientação dos poderes públicos;
f) Promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e
estatísticas. (BRASIL, 1941).

Uma novidade trazida pelo SAM foi separar os “menores” em duas


perspectivas: o autor de ato infracional (que era atendido nos internatos ou casas de
correção), e, os carentes e/ou abandonados (encaminhados para os patronatos
agrícolas ou escolas de aprendizagem de ofícios urbanos).

Instalado o SAM, o esforço de identificar os problemas e carências das


instituições volta-se para o menor e sua família. As dificuldades de viabilizar
as propostas educacionais do Serviço são depositadas no assistido,
considerado “incapaz”, “subnormal de inteligência e de afetividade”, e sua
“agressividade”, superestimada. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 33, grifos das
autoras).
P á g i n a | 47

Entretanto, acabou por ter uma forma análoga a um sistema penitenciário


voltado para os “menores”, com um atendimento repressivo e correcional. Com pouco
tempo de seu funcionamento, o SAM já passava a imagem de uma prisão para
“menores” delinquentes ou de uma escola do crime, se afastando do propósito para o
qual a instituição foi criada. Essa imagem foi fortemente apregoada pela imprensa da
época que ressaltava o quão perigosos eram os “menores” que estavam internados
no SAM.
Por outro lado, a imprensa também denunciava os casos de maus tratos pelos
quais os internos passavam, como diversos tipos de violências e condições
insalubres. “Paulo Nogueira Filho publicou em 1956, ano que deixou a direção do
SAM, uma extensa obra de denúncias sob o título: SAM: Sangue, Corrupção e
Vergonha [...], transformavam os internatos em verdadeiras sucursais do inferno [...]”.
(RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 34-35, grifos das autoras). Fica explícito que o trato
recebido por milhares de crianças e adolescentes era desumano e passava longe do
reconhecimento delas enquanto sujeitos de direitos.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), emergiram inúmeros movimentos
sociais em prol dos Direitos Humanos em todo o mundo, época em que foi elaborada
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Nessa esteira, foi elaborada na
Assembleia das Nações Unidas a Declaração dos Direitos da Criança (1959), a qual
foi ratificada pelo Brasil.
Nessa mesma década (1950), políticos, autoridades diversas e movimentos
ligados a questão dos “menores”, percebiam a ineficiência do SAM. Diante disso,

[...] surgem propostas para a instauração de um novo órgão nacional centrado


na autonomia financeira e administrativa da instituição e na rejeição aos
“depósitos de menores”, nos quais se transformaram os internatos para
crianças e adolescentes das camadas populares. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.
35, grifos das autoras).

Assim, na década de 1960 surge a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor


(FUNABEM), Lei nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964.

Artigo 5º A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor tem como objetivo


formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, mediante o
estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, coordenação
e fiscalização das entidades que executem essa política. (BRASIL, 1964).
P á g i n a | 48

Destoando flagrantemente de sua proposta, com a FUNABEM, o que houve foi


uma intensificação da antiga prática de recolhimento de “menores”, que ficavam
submetidos a um sistema que seguia a linha da Doutrina da Segurança Nacional que
militarizava a rotina dentro das instituições, distribuídas a nível de Estado, a Fundação
Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM).
Esse recolhimento prosseguiu reproduzindo uma atuação voltada para o
recorte de classe: “[...] de 1967 até junho de 1972, haviam sido recolhidas cerca de
53 mil crianças, a maioria procedente das favelas cariocas [...]. Todos pediam
esmolas, roubavam, vendiam bugigangas para sobreviver”. (RIZZINI; RIZZINI, 2004,
p. 37). Ou seja, muitos “menores” foram recolhidos apenas pela falta de recursos de
suas famílias. Apesar de isso não ser motivo para internação, acabavam sendo
duramente penalizados, o que é reflexo também da conjuntura política que estava
sendo regida por militares.
Na década de 1970, surge o debate sobre a necessidade de criação de um
novo Código de Menores e em 10 de outubro de 1979, este foi aprovado por meio da
a Lei nº 6.697, onde crianças e adolescentes se caracterizam como objetos do direito,
sendo o Juiz de Menores o executor das políticas públicas. Apresentava a internação
como regra para aqueles que se encontrassem em situação irregular; tinha a ação do
Estado enquanto modelo tutelar, em substituição aos pais; e fortaleceu a Doutrina da
Situação Irregular.

Artigo 2º - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o


menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V - com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI - autor de infração penal. (BRASIL, 1979).

A categoria “menor” em situação irregular não está distante do Código anterior,


pois ambas expõem as famílias das classes populares à intervenção do Estado pela
sua condição de pobreza, conforme a citação acima. Logo, a nova legislação
P á g i n a | 49

menorista reforçava a ideia de incapacidade das famílias pobres de cuidarem dos


seus filhos e dava abertura para uma ampla atuação por parte dos magistrados.

Nessa altura, já é possível distinguir claramente quem é o “menor”, em


oposição à “criança”. O primeiro tem origem nas camadas sociais mais
baixas, refratárias à interiorização dos códigos normativos tidos como
modelares no processo de modernização e urbanização social. Estes exigem
do Estado formas de captura ostensivas e intervenção do aparato judiciário e
policial. Em contrapartida, a “criança” tem como origem os núcleos familiares
burgueses, cujos membros se identificam mais facilmente ao ideário
dominante. (SANTOS, 2004 apud RODRIGUES, 2015, p. 50-51, grifos do
autor).

Além dessa distinção entre “menor” e criança, no processo histórico, os


“menores” receberam as mais diversas classificações.

Tal a força e abrangência deste sistema dito de proteção à infância que


praticamente cobria todo o universo de crianças pobres, pois que à “situação
irregular do menor” (categoria do Código de Menores de 1979) correspondia
uma suposta família “desestruturada” – por oposição ao modelo burguês de
família, tomando como norma – à qual a criança sempre escapava: seja
porque não tinha família (“órfão” ou “abandonada”); porque a família não
podia assumir funções de proteção (“carente”); porque não podia controlar os
excessos da criança (“conduta antissocial”); porque as ações e envolvimentos
da criança ou do adolescente colocavam em risco sua segurança, da família
ou de terceiros (“infrator”); seja porque a criança era dita portadora de algum
desvio ou doença com a qual a família não podia ou sabia lidar (“deficiente”,
“doente mental”, com “desvios de conduta”); seja ainda porque, necessitando
contribuir para a renda familiar, fazia da rua local de moradia e trabalho
(meninos e meninas “de rua”); ou ainda porque, sem um ofício e
expulso/evadido da escola ou fugitivo do lar, caminhava ocioso pelas ruas, à
cata de um qualquer expediente (“perambulante”). (ARANTES, 2011, p. 195,
grifos da autora).

Todas essas classificações expressam fatores de ordem social, econômica e


moral de cada época. Todavia, com traços em comum de: culpabilização pela situação
de pobreza e por isso, o atendimento em políticas de contenção institucionalizada, no
sentido do internamento como melhor forma de correção para os menores.
Silva (2005, p. 32) faz uma crítica incisiva ao Código de 1979, apontando o
descompasso entre o que está sendo proposto e a conjuntura da época, quando diz:
“Na realidade, a lei que antecedeu o ECA – no caso, o Código de Menores de 1979 –
já surgiu defasada para sua época, pois constituía o prolongamento da filosofia
menorista do Código de Mello Mattos”.
Foi a partir da década de 1980 que o tratamento dado aos “menores” recebeu
novos contornos. O esgotamento da Política Nacional do Bem-Estar do Menor
P á g i n a | 50

(PNBEM) e a nítida ineficiência da cultura do internamento fomentam os


questionamentos e debates acerca da legislação menorista. Além disso, a própria
conjuntura política e social de então, marcada pela efervescência dos movimentos
sociais e a reabertura democrática, propiciou a promulgação de uma nova
Constituição e, por conseguinte, um Estatuto próprio para crianças e adolescentes.

2.2 OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES A PARTIR DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Até o final da década de 1970, era recorrente o uso do termo Internato de


Menores para se referir as instituições que os recebiam, independentemente do tipo
de acolhimento (permanente ou provisório) e da origem do “menor” (órfão, carente ou
delinquente). Essa era uma forma de ação condizente com a direção política do país.
Ou seja, tendo em vista estar sendo vivenciado um governo militar, as medidas tinham
um caráter fortemente repressivo, voltado para a reclusão.
Na década de 1980, o Brasil passou por uma série de intensas mudanças: a
transição política, com o declínio do governo militar e início da reabertura democrática;
o movimento das Diretas Já; as mobilizações por direitos trabalhistas, civis, sociais e
políticos; o surgimento da Nova República, que tinha a perspectiva de regulamentar o
Estado democrático de direito e o exercício da cidadania; entre outras.
Tais mudanças influenciaram e receberam influência no sistema de direitos do
segmento em estudo. Alastravam-se as ideias e mobilizações entorno

[...] do entendimento de que o tema era cercado de mitos, como o de que as


crianças denominadas de menores – institucionalizadas ou nas ruas – eram
abandonadas; o mito de que se encontravam em “situação irregular” (Código
de Menores; 1979), ou de que a grande maioria fosse composta por
delinquentes (RIZZINI; RIZZINI, 1991). E tomava corpo a compreensão de
que o foco deveria recair sobre as causas estruturais ligadas às raízes
históricas do processo de desenvolvimento político-econômico do país, tais
como a má distribuição de renda e a desigualdade social. (RIZZINI; RIZZINI,
2004, p. 47, grifos das autoras).

A forma de pensar sobre situações vivenciadas pelos “menores” e suas famílias


passa a ter outras interpretações que saem do ângulo apenas da culpabilização e da
penalização. Emerge uma compreensão mais ampla, estabelecendo relação com as
questões estruturais as quais, de fato, podem ser determinantes para que uma pessoa
ou família tenha estreitas possibilidades de condições dignas de sobrevivência.
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No cenário de mudanças ocorridas na década de 1980, concernente aos


direitos do público infanto-juvenil, é relevante considerar os seguintes fatores:

A) A presença de movimentos sociais organizados, que reinauguram a


possibilidade de manifestação e participação popular no período pós-
ditadura;
B) O despontar, a partir dos primeiros anos da década de 1980, de diversos
estudos que ressaltavam as consequências da institucionalização sobre o
desenvolvimento das crianças e adolescentes e os elevados custos para a
manutenção dos internatos;
C) O interesse de profissionais de diversas áreas do conhecimento para
atuação neste campo também contribuiu para o aprofundamento da reflexão
e da produção sobre a questão;
D) Os protestos dos meninos e meninas internados, expressos nas rebeliões
e nas denúncias veiculadas pela imprensa e por depoimentos publicados em
diversos livros. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 46).

Os fatores supramencionados deixam explícito que a organização dos


movimentos sociais ganha força e notoriedade. Informação essa que não poderíamos
omitir, pois cremos que os direitos até hoje conquistados não são apenas concessões
por parte do Estado. E sim, garantias legítimas da classe trabalhadora que, quando
organizada, consegue auferir melhores condições de sobrevivência.
Por outro lado, foi uma década que marcou não apenas o Brasil, como a
América Latina, pelos baixos indicadores de crescimento econômico: alto índice de
desemprego, retração da produção industrial, inflação acelerada, baixo crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB) e, por conseguinte, aumento da desigualdade social.
Por isso, aconteceu uma queda nas médias históricas de crescimento dos cinquenta
anos anteriores.
Dessa forma, a década de 1980 tem essa dualidade de acontecimentos: a
estagnação da economia e o despontar do Estado democrático de direito. Portanto,
não podemos restringir a interpretação apenas ao econômico. Seria uma visão
unilateral dos fatos definir essa época exclusivamente como década perdida, já que
as lutas sociais e políticas obtiveram importantes conquistas.

Como reflexo desse contexto, no campo da infância ocorreu uma ampla


mobilização nacional, com repercussão internacional, que visava à defesa
dos direitos de crianças e de adolescentes e lutava por mudanças no Código
de Menores, na mentalidade social e nas práticas judiciais e sociais dos
órgãos do Estado que implementavam a política destinada a esse segmento.
(SILVA, 2005, p. 32).
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O que tivemos foi uma década ganha social e politicamente, permeada por
profícuos debates e articulações. Prova maior, é que em 1987 foi formada a
Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas, cuja duração foi
de 18 meses. E em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), considerada nossa primeira Constituição
democrática, pois foi a que assegurou o sufrágio universal, e pelo caráter social e
participativo em sua elaboração e nas leis nela previstas.
Em vigor até os nossos dias, a CF/88 dispõe acerca das políticas sociais como
instrumentos de garantia dos direitos sociais que, por sua vez, integram o rol dos
direitos e garantias fundamentais para toda a população.
O desenvolvimento da consciência política popular foi expresso pela vasta
pauta democratizante, envolvendo as mais diversas demandas sociais: infância e
juventude; mulheres; idosos; povos indígenas; meio ambiente; entre outras, posto que
inaugurava um modelo de gestão das políticas sociais, passando a contar com a
participação ativa das comunidades através dos conselhos consultivos e deliberativos.
Os meninos e as meninas de rua se consolidam como símbolo da situação da
infância e adolescência desamparadas no Brasil, tanto pela sua importância em
termos quantitativos, como pela crescente organização e consequente intervenção no
panorama político nacional. Temos, então, um exemplo desse processo de construção
da consciência política que vem ocorrendo ao longo do tempo, reflexo das
mobilizações internacionais e nacionais, que visavam a implementação de políticas
sociais que potencializassem o desenvolvimento da organização familiar, como
também da proteção à criança e ao adolescente: o Movimento Nacional dos Meninos
e Meninas de Rua (MNMMR) que surgiu no 1º Encontro Nacional de Meninos e
Meninas de Rua (1984),

[...] cujo objetivo era discutir e sensibilizar a sociedade para a questão das
crianças e adolescentes rotuladas como “menores abandonados” ou
“meninos de rua”. O MNMMR foi um dos mais importantes polos de
mobilização nacional na busca de uma participação ativa de diversos
segmentos da sociedade atuantes na área da infância e juventude. O objetivo
a ser alcançado era uma constituição que garantisse e ampliasse os direitos
sociais e individuais de nossas crianças e adolescentes. (AMIM, 2015a, p.
49-50, grifos da autora).

A organização desse e de outros movimentos sociais frutificou e na CF/88 foi


aprovada a Doutrina da Proteção Integral, a qual “[...] encontra-se insculpida no artigo
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227 da Carta Constitucional de 1988, em uma perfeita integração com o princípio


fundamental da dignidade da pessoa humana”. (AMIM, 2015b, p. 53). Com isso, o
público infanto-juvenil passou a ser reconhecido enquanto sujeito de direitos. “Trata-
se em verdade, não de uma simples substituição terminológica ou de princípios, mas
sim, de uma mudança de paradigmas”. (AMIM, 2015b, p. 55).
Para que possamos compreender melhor as diferenças entre a Doutrina da
Situação Irregular e a Doutrina da Proteção Integral, ilustremos nossa discussão com
o quadro comparativo a seguir.

Quadro 1 – Doutrina da Situação Irregular x Doutrina da Proteção Integral 6


ASPECTO ANTERIOR ATUAL
Doutrinário Situação Irregular Proteção Integral
Caráter Filantrópico Política Pública
Centralidade Local Assistencialista Direito Subjetivo
Centralidade Local Judiciário Município
Competência Executória União/Estados Município
Decisório Centralizador Participativo
Institucional Estatal Cogestão Sociedade Civil
Organização Piramidal Hierárquica Rede
Gestão Monocrática Democrática
Quadro comparativo elaborado por Brancher (2000) e citado por Amim (2015b, p. 58).

Por meio deste quadro percebermos com nitidez que o sistema menorista deu
lugar ao garantista, normatizando a Doutrina da Proteção Integral. Expressa no campo
formal, agora nos resta o desafio da sua materialização, tarefa essa que é bastante
complexa, pois envolve diversos atores sociais e, principalmente, porque as
demandas de caráter social sofrem de forma ainda mais brutal os rebatimentos do
Estado neoliberal, que prioriza o setor econômico.
Apesar da CF/88 ser o principal ícone do período de redemocratização
vivenciado no Brasil e também aporte imprescindível na sistematização do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), não poderíamos deixar de mencionar que o
histórico de intensas mobilizações de organizações internacionais resultaram em
documentos como: a Declaração de Genebra (1924), a Declaração Universal dos
Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948), a Convenção Americana Sobre
os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e as Regras Mínimas
das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude

6 O título do quadro foi dado por esta escritora, pois não há título na publicação original.
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(Regras Mínimas de Beijing, 1985); dos quais o Brasil se tornou signatário.


Conjuntamente com esses, tivemos a nossa própria mobilização interna, os quais
viabilizaram a aprovação do ECA.

O Estatuto da Criança e do Adolescente resultou da articulação de três


vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as políticas
públicas. Coube ao movimento social reivindicar e pressionar. Aos agentes
jurídicos (estudiosos e aplicadores) traduzirem tecnicamente os anseios da
sociedade civil desejosa de mudança do arcabouço jurídico-institucional das
décadas anteriores. Embalados pelo ambiente extremamente propício de
retomada democrática pós-ditadura militar e promulgação de uma nova
ordem constitucional, coube ao poder público, através das Casas legislativas
efetivar os anseios sociais e a determinação constitucional. (AMIM, 2015a, p.
50).

E como as legislações a nível nacional e internacional se intercruzam, na


sequência dos acontecimentos, tivemos:

Em novembro de 1989, as Nações Unidas aprovaram a Convenção


Internacional dos Direitos da Criança, regulamentando o paradigma da
“proteção integral”, que institui a “cidadania infanto-juvenil” e,
consequentemente, o sistema de garantia de direitos. Assim, o Estatuto da
Criança e do Adolescente foi institucionalizado no movimento dialético entre
a conjuntura nacional e a internacional que caminhava em direção ao
neoliberalismo. (SILVA, 2005, p. 37, grifos da autora).

No ano de 1990 foi realizado o Encontro Mundial da Cúpula pela Criança, o


qual contou com a participação de representantes de 80 países (incluindo o Brasil).
Na oportunidade, foi assinada a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a
Proteção e o Desenvolvimento da Criança e foi lançado o Plano de Ação para a
década de 1990, voltado para o comprometimento dos países em melhorar as
questões de saúde das crianças e suas mães, combater a desnutrição e o
analfabetismo.
A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990, marca uma nova fase na atenção prestada a este público em
nosso país que pode ser chamada de desinstitucionalizadora. O ECA sistematiza uma
linha de defesa de direitos por meio de medidas de proteção (artigos 98 a 102); a
explicitação do devido processo legal para apuração de atos infracionais praticados
por adolescentes (artigos 103 a 128) e a instituição de um elenco de medidas jurídicas,
administrativas e judiciais, de proteção desses direitos (artigos 129, 130 e 208 a 258).
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Amim (2015c) explica que a Lei nº 8.069/90 é orientada por três princípios: da
prioridade absoluta; do melhor interesse; e, da municipalização. A prioridade absoluta
trata-se de um princípio constitucional, por se encontrar estabelecido no artigo 227,
caput, e ratificado no ECA, em seu artigo 4º:

Artigo 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2019).

O mencionado princípio visa assegurar a primazia do interesse infanto-juvenil


em todas as esferas (judicial, social, familiar) e realizar a proteção integral do público
em questão, servindo de amparo para a efetivação dos direitos fundamentais.
Conforme Amim (2015c, p. 62), a prioridade deve ser assegurada pela família, pois
“[...] recai sobre ela um dever moral de se responsabilizar pelo bem-estar das suas
crianças e adolescentes, pelo vínculo sanguíneo ou simplesmente afetivo”. Pela
comunidade, em face da sua proximidade com a criança ou adolescente, como
também, por toda a sociedade, tendo em vista a socialização da responsabilidade em
proteger contra a violação dos direitos. E, ainda, sobre o poder púbico, em suas
esferas executiva, legislativa e judiciária.

Resta claro o caráter preventivo da doutrina da proteção integral em buscar


políticas públicas voltadas para a criança, para o adolescente e para a família,
sem as quais o texto será letra morta, não alcançando efetividade social [...].
Assim, na elaboração do projeto de lei orçamentária deverá ser destinado,
dentro dos recursos disponíveis, prioridade para promoção dos interesses
infanto-juvenis, cabendo ao Ministério Público e demais agentes
responsáveis em assegurar o respeito à doutrina da proteção integral
fiscalizar o cumprimento da lei e contribuir na sua elaboração. (AMIM, 2015c,
p. 66-67).

Para tanto, a Lei nº 8.069/1990 criou o Conselho Tutelar, “Órgão permanente e


autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento
dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”. (Artigo 131). O
conselheiro deve ser participativo no processo de elaboração das políticas socais e
estar atento para detectar demandas mediante a constatação da violação dos direitos
de crianças e adolescentes.
Ainda no campo da gestão, a partir do princípio da democratização da coisa
pública, o ECA se diferenciou profundamente das legislações anteriores, introduzindo
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a participação popular. Esta, foi institucionalizada por meio dos Conselhos de Direitos
das Crianças e dos Adolescentes, criados para exercitar a ação popular no âmbito
governamental público.
Em relação ao princípio do melhor interesse, foi adotado em nosso país com o
Código de Menores de 1979, em seu artigo 5º: “Na aplicação desta Lei, a proteção
aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente
tutelado”, tendo em vista que esse já vigorava na comunidade internacional, por meio
da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959). Com o advento da
Doutrina da Proteção Integral, houve a ampliação do princípio do melhor interesse,
que passa a atender todas as crianças e adolescentes, diferentemente do que
acontecia na vigência do Código de 1979, que visava sua ação apenas para aqueles
que se encontravam em situação irregular.
A partir desse novo paradigma, o princípio do melhor interesse “[...] determina
absoluta obediência àquilo que melhor interessa e se compraz com os direitos da
criança e do adolescente”. (BAHIA, 2007, p. 199). Dessa forma, pode-se coligir que a
efetivação do princípio em debate se faz uma tarefa demasiadamente delicada, tendo
em vista que mensurar o que vem a ser melhor para uma criança ou adolescente
requer um profundo conhecimento do caso analisado, devendo ser considerados
todos os fatores objetivos e subjetivos que o permeiam.
E quanto ao princípio da municipalização, surgiu com a CF/88, apontando a
descentralização e ampliação da política de atendimento, em um sistema de cogestão
entre as três esferas de governo, enfatizando a atuação do município e positivando a
participação da população.

Artigo 204 - As ações governamentais na área da assistência social serão


realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.
1957, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
(EC nº 42/2003)
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
(BRASIL, 1988).

7 “Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios [...]”. (BRASIL, 1988).
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Estabelecido por nossa Lei Maior, o princípio da municipalização é uma crítica


ao modelo piramidal da operacionalização das políticas sociais, que seguia a
dicotomia: planejadores e executores. Foi ratificado pelo ECA, em seu artigo 88:

São diretrizes da política de atendimento:


I - municipalização do atendimento;
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em
todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de
organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
III - criação e manutenção de programas específicos, observada a
descentralização político-administrativa. (BRASIL, 2019).

As referidas diretrizes da política de atendimento foram adotadas tendo em


vista que a municipalização facilita o acesso da população tanto no processo de
elaboração de políticas sociais, quanto na destinação dos recursos reservados para
estas, como também, para melhor adaptá-las à realidade local, rompendo com a
verticalização administrativa existente anteriormente.
Outro artigo igualmente importante da CF/88 direcionado a crianças e
adolescentes é o 228: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,
sujeitos às normas da legislação especial”. (BRASIL, 1988). Seguindo o constituinte,
o ECA, artigo 104 e o Código Penal (2002), artigo 27, corroboram que o menor de
dezoito anos possui presunção legal de inimputabilidade, vinculados ao princípio da
dignidade da pessoa humana.
Estabelecer a maioridade penal aos dezoito anos de idade é ainda uma
garantia contra o poder punitivo do próprio Estado que, historicamente, agiu de forma
repressora, prevalecendo as medidas de internamento até mesmo em situações onde
o então “menor” estava apenas em situação de pobreza, e não cometendo algum ato
ilícito.
Convém enfatizar que inimputabilidade não é sinônimo de impunidade. Ao
contrário, o ECA prevê um conjunto de medidas para aqueles que, com idade entre
doze e dezoito anos incompletos, cometem ato infracional.

Artigo 112 - Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
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VI - internação em estabelecimento educacional;


VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (BRASIL, 2019).

A medida aplicada deve ser proporcional ao ato cometido, sendo a internação


a última delas, tendo em vista que devem ser priorizados os princípios constitucionais
do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, da brevidade e da
excepcionalidade.
A maioridade penal é um assunto de grande visibilidade midiática e duramente
atacado. Nesses dias, em que presenciamos um alto índice de violência e valorização
do Estado penal, acaba-se por enaltecer mais a punição do que a prevenção.

Todos concordam em ver o crime controlado com uma prioridade nacional,


tendo como resultado a tendência à multiplicação de leis repressivas e a
perda de garantias individuais e sociais. Portanto, o fantasma da
criminalidade é criado para logo a seguir propor o sistema penal como
alternativa. (COSTA, 2005, p. 71).

A redução da maioridade penal e a eficácia (ou não) das medidas sócio


educativas são matérias de muita densidade, perpassadas por aspectos econômicos,
políticos, culturais, entre outros, e que, por vezes, causam comoção social. Dessa
forma, não é possível se estender sobre eles nessa pesquisa. Mas damos relevo ao
fato de que foram conquistas significativas para o segmento em estudo e é
imprescindível assegurar que o previsto na legislação possa ser de fato materializado
por meio das políticas sociais.
Simbolizando inquestionáveis avanços, Silva (2005) sintetiza o ECA em três
características:

Inovador frente ao conservadorismo dos Códigos de Menores (1927 e 1979),


na medida em que regulamentou a “cidadania” infanto-juvenil. Garantista, em
razão de ter introduzido o sistema das garantias constitucionais, negado pelo
Código. Participativo, pela maciça, expressiva e legítima participação popular
durante o processo de elaboração, que não se esgotou na participação ativa
dos militantes, sendo instituída formalmente a participação da sociedade
enquanto instrumento deliberativo, operativo, fiscalizador e controlador das
ações. (SILVA, 2005, p. 41, grifo da autora).

Ultrapassar o sistema menorista, reconhecer crianças e adolescentes como


sujeitos de direitos e dividir a responsabilidade entre a família, o Estado e a sociedade,
alteram significativamente as possibilidades de uma intervenção arbitrária do Estado
na vida desse público e de suas famílias.
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Na perspectiva de fortalecer a implementação do ECA e, principalmente, sanar


as dificuldades ainda existentes no que concerne a materializar a proteção integral, o
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), aprovou a
Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, que “Dispõe sobre os parâmetros para a
institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e
do Adolescente”. (SGDCA).
Um dos princípios norteadores da construção do SGDCA é a sua
transversalidade: diferentes aspectos são mutuamente relacionados, em
organizações e conexões que supõem articulações intersetoriais, como: assistência
social, educação, judiciário, conselhos, entre outros, de forma a romper com as ações
que são historicamente localizadas e fragmentadas, não compondo um projeto
comum.
Como podemos perceber, o reconhecimento do público infanto-juvenil
enquanto sujeito de direitos passou por várias modificações deveras importantes: da
culpabilização por se encontrar em situação irregular, passa a assumir a centralidade
nas políticas sociais. Por outro lado, precisamos estar sensíveis ao fato de que, em
nossos dias, ainda existem os “menores” em nossa sociedade: são aqueles que
trazem a marca da família “desestruturada”, “moralmente despreparada”, incapaz de
cuidar da sua prole. Ou seja, é fundamental que os avanços teóricos sejam
acompanhados pelos avanços práticos, para que as crianças, os adolescentes e suas
famílias sintam, de fato, as mudanças trazidas pelas legislações.
Não há como fazer um percurso histórico dos direitos sociais das crianças e
dos adolescentes sem mencionar a conjuntura econômica, principalmente, dos anos
1990, em que teve início a agenda neoliberal no Brasil.
Esse projeto societário teve início com a eleição de Fernando Collor de Mello
(1990-92) e foi continuado de forma ainda mais radical na gestão de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2003), marcado pela propagada estabilidade monetária,
lançando mão de juros elevados, liberalização da conta de capitais, privatização de
ativos e empresas públicas e redução de várias funções próprias do Estado,
principalmente, as que são ligadas as demandas sociais.
As sucessivas derrotas dos programas democrático-populares de
desenvolvimento abriram portas para que a classe dominante brasileira encontrasse
como saída o chamado neoliberalismo. Assim, refez sua aliança com o capital
estrangeiro, agora hegemonizado pelo capital financeiro. Durante toda a década de
P á g i n a | 60

1990 até 2006, acorreu para o Brasil um grande volume de capital externo, que foi
aplicado na privatização de nossas melhores empresas (Vale do Rio Doce, Embratel,
Embraer, estatais da energia elétrica) e na aquisição de parte de outras grandes
empresas privadas. Com isso, houve um aumento da taxa de investimento e a
economia voltou a crescer. Mas cresceu de forma concentrada e ainda mais
dependente do capital estrangeiro, causando consequências desastrosas para a
classe trabalhadora.

Vive-se uma época de regressão de direitos e destruição do legado de


conquistas históricas dos trabalhadores em nome da defesa, quase religiosa,
do mercado e do capital. [...] Crescem, com isso, as desigualdades e, com
elas o contingente de destituídos de direitos civis, políticos e sociais
(IAMAMOTO, 2004, p. 1).

A realidade que presenciamos hodiernamente não corresponde ao que está


assegurado nos instrumentos normativos mencionados e nas legislações correlatas a
essa matéria. No processo de desmonte dos direitos sociais, as crianças não têm
passado incólumes. Por exemplo: em virtude da ingerência do Estado capitalista que
tem tornado escasso e, até mesmo, destruído milhares de postos de trabalho, pais e
mães têm sido jogadas ao subemprego ou desemprego, restando aos infantes
assumirem o papel precoce de partícipes no provimento da renda familiar pela
exploração do trabalho infantil e/ou da mendicância, sendo-lhes roubada verdadeira
vivência da infância.
E entre os direitos que lhes têm sido negados, nos reportamos em nossa
pesquisa à violação do direito à convivência familiar, uma vez que situações de
abandono, negligência e/ou violência, cometidas tanto por sua família, como também
pelo próprio Estado, se constituem na realidade vivenciada por inúmeras delas.

O vínculo tem, portanto, uma dimensão política quando, para sua


manutenção e desenvolvimento, necessita de proteção do Estado. Neste
momento, o vínculo, por meio do direito à convivência, passa a fazer parte de
um conjunto de pautas das políticas públicas. (VICENTE, 2011, p. 51).

Para uma melhor compreensão sobre o direito à convivência familiar, é


fundamental direcionar um capítulo a esse assunto, para que possamos conhecer o
debate sobre a categoria família, como este direito está previsto e como se materializa.
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3 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Todo ser humano possui a necessidade de uma conexão familiar, do


pertencimento a um lugar e a um determinado grupo, no qual vamos constituir nossas
relações afetivas para com o próximo e, ao mesmo tempo, descobrir quem somos por
meio dessas relações. A convivência familiar se faz imprescindível para um
desenvolvimento humano saudável, principalmente, nas fases iniciais da vida, em que
há uma dependência da criança para com o adulto. Por isso, essa convivência deve
começar desde a mais tenra idade.
Se durante muito tempo a criança não foi reconhecida enquanto pessoa em
peculiar condição de desenvolvimento, sendo tratada como pequeno adulto e quando
estava em situação de vulnerabilidade o Estado tomava para si a responsabilidade
para com ela e apresentava a internação institucional como a medida mais adequada,
hodiernamente, esses procedimentos se reverteram.
No Brasil, temos na Constituição Federal de 1988 o marco legal que dá o
reconhecimento do direito à convivência familiar e comunitária, ratificado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). E para evitar a repetição da prática de
institucionalização fortemente utilizada até pouco tempo atrás, no ano de 2006 foi
aprovado o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Em se tratando do direito à convivência familiar, é necessário também
proporcionar a proteção à família, para que ela possa cumprir com suas funções
protetiva e afetiva. Daí, decorre a necessidade da oferta de políticas sociais por parte
do Estado, que se adequem a diversidade de configurações familiares presentes em
nosso vasto território.
Falar sobre família e o direito de nela se conviver é trilhar por um caminho
labiríntico. No Brasil, há de se considerar seu processo histórico, pois ainda
possuímos aspectos bastante arraigados como o racismo, o machismo e uma forma
de organização familiar que foi e ainda é estimada por muitas pessoas como o modelo
de família denominado de “certo e/ou estruturado” (quando há a presença do homem
provedor, da mulher cuidadora e seus filhos). É considerar, ainda, a conjuntura atual
em que o Estado, tomado pela onda neoliberal, se apresenta visivelmente pactuado
com os interesses da classe burguesa em detrimento dos investimentos sociais.
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Como veremos nesse capítulo, é na classe trabalhadora que se faz a sangria


que abastece as engrenagens do capital, restando às famílias dessa classe, estreitas
possibilidades para uma sobrevivência digna e provimento de suas necessidades
mais essenciais, entre elas, o direito das crianças e adolescentes à convivência
familiar e comunitária.

3.1 DEBATENDO SOBRE FAMÍLIAS, NO PLURAL

A família pode ser considerada como a principal instituição que compõe o tecido
social, tendo em vista que é o grupo social em que imediatamente somos inseridos.
Nesse espaço se espera receber os elementos essenciais para a nossa
sobrevivência: cuidados iniciais, desenvolver as relações subjetivas, suprir as
necessidades objetivas.
Ao tecer reflexões sobre esse tema, logo se vem a questão: o que é família?
As formas de compreensão são heterogêneas. Temos as mais restritas ao
senso comum, ancoradas apenas nos laços de consanguinidade, como também, as
apreensões em sua diversidade de arranjos, a qual se trata de uma inegável
necessidade contemporânea.

Aprendemos que as relações de parentesco são resultado da combinação de


três relações básicas; a descendência entre pais e filhos, a consanguinidade
entre irmãos e a afinidade a partir do casamento, sendo a família considerada
como grupo social onde acontecem esses vínculos. Contudo, temos
convivido com realidades diferenciadas que conformam a constituição desse
fenômeno (família) para além das relações de parentesco. Pensar família
hoje pressupõe seu entendimento enquanto um fenômeno que abrange as
mais diferentes realidades. (FREITAS; BRAGA; BARROS, 2011, p. 17).

Independentemente de qual seja o conceito de família que uma pessoa possa


ter, Sarti (2018) explica que o ponto de partida para nossa compreensão acerca dessa
instituição são as nossas próprias experiências.

Partimos, então, da ideia de que a família se delimita simbolicamente,


baseada num discurso sobre si própria, que opera como um discurso oficial.
Embora culturalmente instituído, ele comporta uma singularidade: cada
família constrói sua própria história, ou seu próprio mito, entendido como uma
formulação discursiva em que se expressam o significado e a explicação da
realidade vivida, com base nos elementos objetiva e subjetivamente
acessíveis aos indivíduos na cultura em que vivemos. (SARTI, 2018, p. 41).
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Os significados atribuídos são os mais diversos: espaço de amor, de


aconchego, de privacidade, onde eu posso ser quem eu sou. Por outro lado, nem
sempre a família representa sentimentos positivos. Pode também ser o ambiente da
violência, do não suprimento das carências intersubjetivas, da privação das
necessidades objetivas. Quaisquer que sejam as circunstâncias,

As trocas afetivas imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda,


definindo direções no modo de ser com os outros afetivamente e no modo de
agir com as pessoas. Esse ser com os outros aprendido com as pessoas
significativas, prolonga-se por muitos anos e frequentemente projeta-se nas
famílias que se formam posteriormente. (SZYMANSKI, 2002, p. 12).

Isso explica o porquê de observarmos, com certa frequência, a reprodução de


situações de violência, de machismo e/ou outras formas de opressão no seio familiar,
as quais são difíceis de serem rompidas de uma geração para outra, pois tendo sido
criado em um meio em que tais situações são recorrentes, existem grandes
possibilidades de se tornar um reprodutor desse comportamento, até mesmo de forma
naturalizada.
Apesar de não ser fácil romper com esse tipo de ciclo vicioso, é possível de
acontecer, pois a família não é uma instituição inerte. Concordamos com Engels
(1987), que no século XIX, ao refletir sobre a constituição da família, já afirmava que
ela veio se modificando de acordo com o contexto sócio histórico de cada época,
sendo, portanto, reflexo do conjunto de fatores que compõem a sociedade: o sistema
socioeconômico, a política, a cultura, entre outros.
Os conceitos sobre família estão presentes nas diversas áreas das ciências
sociais. Para a professora de psicologia Szymanski (2002, p. 9), “Compreende-se
como família, uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões afetivas e
assume um compromisso de cuidado mútuo e, se houver, com crianças, adolescentes
e adultos”. A autora explica que para se considerar um determinado grupo como uma
família, não precisa necessariamente haver o vínculo consanguíneo, o que até bem
pouco tempo era um fator primordial. Não raro, até os dias de hoje, ainda é comum
ouvirmos expressões como: “esse é meu parente de sangue” ou “ele é sangue do meu
sangue”, as quais reforçam a importância que se dá ao vínculo consanguíneo.
Temos que a concepção sobre família tem se ampliado, saído do âmbito restrito
das relações consanguíneas para contemplar igualmente as ligações afetivas de
mútua responsabilidade entre seus membros.
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A família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em


determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que
se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ela tem como tarefa
primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra
dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido.
(MIOTO, 1997, p. 120).

A forma como compreendemos o que é e qual a importância da família, também


está ligada a classe social na qual estamos inseridas. Sarti (2018), professora de
antropologia, realizou uma pesquisa na periferia de São Paulo, sobre qual o
significado que as pessoas atribuem a suas famílias.

Se, em toda sociedade brasileira a família é um valor alto, entre os pobres


sua importância é central, e não apenas como rede de apoio ou ajuda mútua,
diante de sua experiência de desamparo social. A família, para eles, vai além;
constitui-se em uma referência simbólica fundamental, que organiza e ordena
sua percepção do mundo social, dentro e fora do mundo familiar. (SARTI,
2018, p. 48).

Trata-se de um conceito que se assemelha ao de Szymanski (2002), no sentido


de que não é precisamente o vínculo consanguíneo que demarca a relação de
parentesco. E sim, prevalece a ideia das relações desenvolvidas por meio da
afetividade. “Para eles, a extensão da família corresponde à da rede de obrigações:
são da família aqueles com quem se pode contar, quer dizer, aqueles em que se pode
confiar”. (SARTI, 2018, p. 48, grifos da autora).
A família seria uma rede que se ramifica e envolve a gama de parentes e
vizinhos. A obrigação atrelada ao conceito de vínculo social relaciona-se diretamente
com as redes, grupos ou indivíduos de quem se recebe proteção mediante as mais
diversas necessidades. Essa ideia é resumida pela autora na expressão: “com quem
se pode contar”, o que considera o conjunto de pessoas e/ou agentes dos serviços de
quem os indivíduos podem receber auxílio nas mais diversas situações,
principalmente, de adversidade, tais como: fragilidades, riscos sociais, violências,
entre outras. O poder contar com alguém, significa o grau de solidez de um vínculo
que pode se estabelecer para além da relação consanguínea.
Essa concepção considera as redes formadas por vizinhos, parentes, amigos,
como parte do contexto de proteção, o que daria à família melhores condições de
enfrentar a vulnerabilidade e o risco social. Isto posto, o local onde a família está
situada pode, ao considerar os vínculos sociais, oferecer maior ou menor grau de
proteção.
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Os vínculos são compreendidos enquanto laços carregados de obrigações


mútuas que norteiam as relações entre os indivíduos e que se alteram de acordo com
aspectos como: a faixa etária, o gênero e o papel da pessoa no contexto familiar.
Mediante as explanações aqui expostas, depreende-se que há uma diferença
entre família como domicílio e família como rede de vínculo. Nessa concepção, são
considerados os vínculos estabelecidos para além dos laços consanguíneos ou das
relações de parentesco.
É fundamental em nossa pesquisa apresentar esses conceitos e reforçar que
existem muitos outros, em virtude de que, o que queremos expor é: atualmente, não
cabe mais reproduzir uma interpretação maniqueísta sobre família, que a divide entre
estruturada e não estruturada, certa ou errada. Mais do que isso, é possível um leque
de interpretações, pois, na prática, suas formas de organização são as mais diversas.

Embora a família continue sendo objeto de profundas idealizações, a


realidade das mudanças em curso abala de tal maneira o modelo idealizado
que se torna difícil sustentar a ideia de um modelo “adequado”. [...] Enfim, a
família contemporânea comporta uma enorme elasticidade. (SARTI, 2018, p.
39, grifo da autora).

Dando sequência a perspectiva conceitual, não podemos olvidar de nos


reportar a família no plano das legislações. Constitucionalmente, temos:

Artigo 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988).

Quanto ao parágrafo 3º fazer menção especificamente a união entre homem e


mulher, importa esclarecer que o Supremo Tribunal Federal (STF):

[...] decidiu por equiparar a união homoafetiva à união estável garantindo,


assim, todos os direitos conferidos pela Constituição e demais leis pertinentes
à união entre pessoas do mesmo sexo desde que, por óbvio, cumpram os
requisitos estipulados por lei na União Estável. (BERNARDO, 2018, n.p.).

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) traz uma explicação que se


mostra ampliada.
P á g i n a | 66

[...] é preponderante retomar que as novas feições da família estão intrínseca


e dialeticamente condicionadas às transformações societárias
contemporâneas, ou seja, às transformações econômicas e sociais, de
hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo cenário
tem remetido à discussão do que seja a família, uma vez que as três
dimensões clássicas de sua definição (sexualidade, procriação e
convivência) já não têm o mesmo grau de imbricamento que se acreditava
outrora. Nesta perspectiva, podemos dizer que estamos diante de uma família
quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços
consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade. Como resultado das
modificações acima mencionadas, superou-se a referência de tempo e de
lugar para a compreensão do conceito de família. (BRASIL, 2004, p. 41).

Entretanto, é válido frisar que nos equipamentos da assistência social podemos


encontrar discursos restritos, que criminalizam as famílias que não estão
organizadas/estruturadas conforme o modelo burguês (patriarcal e hetero normativo).
Por exemplo, quando se trata de famílias monoparentais femininas, já reconhecidas
como entidade familiar pela CF/88, por vezes são criminalizadas, sendo as mulheres
culpabilizadas pelas supostas “desestruturações” presentes no universo das relações
familiares. Indiscutivelmente, as leis proporcionam possibilidades de acesso aos
direitos. Mas isso não é suficiente, pois é igualmente necessária a mudança cultural e
ideológica de alguns operadores das políticas sociais que ainda apresentam uma
prática profissional conservadora e moralizadora, que chega a cercear as famílias que
não se encaixam nos moldes do que foi historicamente aceito como família
“estruturada”.
A família deve ser entendida como o núcleo no qual o ser humano é capaz de
desenvolver as suas potencialidades individuais, tendo em vista o princípio da
dignidade da pessoa humana, além dos princípios do direito das famílias. Assim, não
mais se justifica a preferência do direito por um modelo familiar em detrimento de
outro, até porque, o conceito de família não se esgota no matrimônio.
Mediante tantas modificações, acentuadas em virtude da dinamicidade social,
fica a certeza de que não podemos nos remeter a um conceito único de família.
Portanto, concordamos com Carloto (2008, p. 123), quando afirma: “É uma criação
humana e social, mutável, histórica, que se define e se transforma conforme a
estrutura social dada. É uma instituição decorrente da organização da sociedade”.
Nessa esteira, subscrevemos Losacco (2018, p. 82, grifos da autora): “No
debate contemporâneo sobre este tema, não podemos mais falar de família (no
singular). A partir das diversidades e das complexidades apontadas, além de outras
aqui não exploradas, o eixo do discurso deve ser famílias (em sua pluralidade)”.
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Neder (2011), compartilha dessa mesma ideia de diversidade, argumentando:


“Trabalhar-se-á com famílias, no plural, tendo em vista a multiplicidade étnico-cultural
que embasa a composição demográfica brasileira. O tema merece um tratamento
especial que leve em conta os aspectos históricos e culturais da formação social”. (p.
26, grifo da autora).
Ratificamos as perspectivas supracitadas de diversidade e pluralidade que é
oposto a pensar um modelo, uma estrutura a seguir, tendo em vista que o processo
de formação nacional contou com a presença de grupos étnicos culturais bastante
diversos.

Parte-se, portanto, da ideia de que não existe, historicamente e


antropologicamente falando, um modelo padrão de organização familiar; não
existe a família regular. Menos ainda que o padrão europeu de família
patriarcal, do qual deriva a família nuclear burguesa (que a moral vitoriana da
sociedade inglesa no século XIX atualizou historicamente para os tempos
modernos), seja a única possibilidade histórica de organização familiar a
orientar a vida cotidiana no caminho do progresso e da modernidade. Pensar
as famílias de forma plural pode significar uma construção democrática
baseada na tolerância com as diferenças, com o outro. (NEDER, 2011, p.
28, grifos da autora).

Para uma melhor compreensão de que a família é uma construção histórica e


recebe os impactos das mudanças nos mais diversos âmbitos que compõem a
sociedade, podemos citar alguns exemplos.
Um dos mais emblemáticos é o que se refere a Revolução Industrial que teve
seu início nos países da Europa, no século XVIII, período de ascensão do modo de
produção capitalista e mecanização das forças de trabalho, o que ocasionou uma
significativa alteração nos padrões de relacionamento entre as pessoas, inclusive, na
dinâmica familiar. Houve uma separação entre a vida privada e o mundo do trabalho,
que passa a ser a vida pública. Se no período anterior, predominava a forma de
produção familiar e artesanal, essa foi suplantada, dando lugar a produção em larga
escala por meio da venda da força de trabalho, onde o trabalhador não tinha mais o
controle das fases da produção. E em virtude de as condições de sobrevivência serem
bem difíceis, era recorrente que praticamente todos os membros da família se
dedicassem a trabalhar nas fábricas, o que inclui mulheres grávidas e crianças,
desenvolvendo atividades fisicamente desgastantes, por uma carga horária
extenuante de mais de doze horas diárias e recebendo um valor de pagamento inferior
ao que era pago aos homens.
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Outro exemplo foi que, na década de 1960, houve uma difusão a nível mundial,
da pílula anticoncepcional, o que interferiu decisivamente na vivência da sexualidade
feminina que foi separada da função exclusiva e praticamente compulsória da
reprodução. “A pílula, associada a outro fenômeno social, a saber, o trabalho
remunerado da mulher, abalou os alicerces familiares [...]”. (SARTI, 2018, p. 36).
Assim, apesar de ainda ser forte a ideia de que a mulher deve obrigatoriamente ser
mãe, foi nessa época que houve um rompimento do universo naturalizado da
maternidade, que passa a envolver a possibilidade de escolha e o desejo de ser mãe.
“Os modos de vida nas famílias contemporâneas vêm se transformando,
criando novas articulações de gênero e gerações, elaborando novos códigos e, ao
mesmo tempo, mantendo um certo substrato básico das gerações anteriores”.
(SZYMANSKI, 2002, p. 20). Nesse desenvolvimento das relações, mudam-se também
os papéis dos membros da família.
Conforme exposto no Capítulo 2, percebemos que a concepção de criança
vigente durante muitos séculos foi de ser um pequeno adulto e que, em virtude da sua
fragilidade e dependência, passava por situações de abandono, violência, exploração,
entre outras dificuldades.

[...] historicamente essa concepção foi mudando, tendo o sentido de família


se transformado, tornando-se um lugar de intimidade e afetividade. E deixou-
se de priorizar a continuidade da linhagem, mas da vida [...]. A mudança de
atitude em relação à criança, no sentido de considerá-la em sua
individualidade, ocorre simultaneamente às mudanças culturais associadas à
emergência de uma vida urbana mais intensa, no decorrer de um longo
período de tempo que tem início no século XV. (SZYMANSKI, 2018, p. 69).

Portanto, o que temos hoje, é o reconhecimento das crianças e dos


adolescentes como sujeitos de direitos, o que inclui uma legislação própria (ECA) e
políticas sociais que contemplam as necessidades inerentes a essa fase da vida.
O papel social do homem também vem passando por mudanças significativas.
Tomando como lapso a história do Brasil, marcada pela invasão dos europeus em
nossas terras, passa a predominar uma forma de organização familiar que tem o
homem como centro das decisões, representante e atuante na vida pública, provedor
das necessidades materiais. E para a mulher, fica reservada a vida privada, ou seja,
o espaço intrafamiliar, do cuidado e organização das atividades da casa.
P á g i n a | 69

Em contrapartida a essa construção social da infância ocorrida durante a


história, mesmo após a descoberta da paternidade, a função do cuidado e a
criação do filho permaneceram com as mulheres, pois os homens foram se
afastando do universo infantil. [...] Seu papel seria de produzir e administrar
riquezas, garantindo o sustento familiar, além de garantir segurança e valores
morais para a família. (LYRA, et al., 2018, p. 98).

Dessa forma, foi se naturalizando o papel social do homem, incentivado desde


sua infância, até mesmo em alguns detalhes que poderiam passar despercebidos,
mas que, na realidade, tem a intenção de lhe preparar para o futuro homem adulto. A
saber: as brincadeiras, ligadas ao esforço físico, à prática de esportes, ao espaço da
rua, e, a não preocupação com os afazeres domésticos, realizados pela mãe, com a
ajuda da filha. Processo esse, que faz interlocução com a vivência da sexualidade em
uma época em que a possibilidade a vivência da homossexualidade era duramente
reprimida8.
Fica nítido que existia (e ainda existe) uma hierarquização do papel masculino
e do feminino, resultado da construção histórica, cultural e social. E, é a partir da
análise das relações de gênero que podemos compreender melhor as atribuições
reservadas à mulher e ao homem na vida privada e pública.

A família pode ser considerada como uma síntese desse universo simbólico
e das instituições nas quais se constroem as subjetividades, onde se
reproduz a ordem sociocultural em que estão inseridos e são atualizadas as
relações de gênero em todas as suas dimensões, no trabalho, no exercício
da sexualidade e nas relações de cuidado. (LYRA, et al., 2018, p. 103).

No decurso das transformações ocorridas na estrutura social, pessoas e grupos


passam a questionar os modelos tidos como padrão de pai provedor e mãe cuidadora,
para que possam ser flexibilizados, saindo a paternidade da esfera da obrigação “de
ser” para o “desejo ser”.

Observa-se, em dias atuais, diferentes modalidades de exercício da


paternidade pelo homem. Alguns têm-na como fato real, um compromisso
pessoal e afetivo, além dos aspectos sociais. Outros, no entanto, têm-na
como possibilidade de acontecimentos, pois nunca houve sociedade que
ensinasse e permitisse aos homens desenvolverem habilidades de cuidados
infantis. Essa tarefa sempre coube à mulher. [...] Para que o exercício da
paternidade se faça mais intensamente, haverá necessidade de
transformações sociais profundas, quem sabe até com a extinção de

8 Como se sabe, foi na década de 1990 o termo homossexualismo foi substituído por
homossexualidade e que a Organização Mundial de Saúde (OMS) a retirou do Manual de Diagnósticos
e Estatística dos Distúrbios Mentais, que até então a classificava como desvio e perversão.
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preconceitos formados frente a comportamentos expressos, inclusive, em


brincadeiras infantis. (SOUZA, 1994 apud LYRA, et al., 2018, p. 105).

Em nossos dias, o que se tem é a coexistência de formas diferentes de ser pai.


Os que ainda estão presos ao pai provedor e um pai que não se restringe a
manutenção material e demonstra maior envolvimento no cuidado com os filhos e com
os afazeres domésticos.
Essa mudança, ainda em acontecimento, do universo masculino e do exercício
da paternidade, contou com a organização e presença das mulheres. No momento
em que elas reivindicam seus direitos, repercute em toda a estrutura social, pois em
alguns casos põe fim, em outros diminui (já que é um processo contínuo e não linear),
as ideias e as práticas de opressão do homem sobre a mulher.

[...] as relações de gênero como relações de poder se constituem de


hierarquias, desigualdades e conflitos. Mesmo que o poder esteja distribuído
de maneira desigual entre os sexos, tanto os homens se utilizam dele para a
manutenção da dominação masculina, como as mulheres se utilizam do
mesmo para combater as desigualdades e a submissão feminina. O que
ocorre é uma disputa pelo poder entre os sexos. Acreditamos que as
mulheres, baseadas na parcela de poder que desfrutam, podem desenvolver
mecanismos de negação dos papéis sociais impostos ao sexo feminino.
(OSTERNE; SILVEIRA, 2012, p. 7).

Nas incontáveis mobilizações e reinvindicações capitaneadas pelo movimento


feminista, está presente a desconstrução das relações desiguais na sociedade. Se
hoje, as mulheres podem estudar e exercer a profissão que desejam, votar e ser
votada, dirigir, ter sua independência financeira, entre outras prerrogativas constantes
na esfera dos direitos civis e políticos, não foi por meio de concessões do Estado ou
do reconhecimento de suas capacidades pelos homens. E sim, pela luta coletiva,
orientada pela óptica democrática.
No que concerne a esfera privada, que remete a divisão sexual de papéis e
tarefas na dinâmica familiar, o sistema de dominação é concebido de forma ampla e
incorpora as dimensões da sexualidade, da reprodução, da autonomia da mulher
sobre seu próprio corpo. Questionar a concepção de mãe e dona de casa como
destino irrevogável reverbera no papel do homem, pois busca-se transpor a ideia de
inclinação natural para a ideia de construção social.

Gostaríamos de acrescentar que, a despeito dos avanços femininos na


conquista dos espaços públicos e de uma divisão de papéis mais igualitária
no espaço doméstico, a mulher ainda é a principal responsável pelos
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cuidados com o lar e com a criação dos filhos. A ideologia patriarcal continua
bastante enraizada no imaginário coletivo. Por isso, muitos homens têm
dificuldade de assimilar funções no âmbito familiar que culturalmente são
destinadas às mulheres. Ao mesmo tempo, as mesmas encontram
empecilhos na conquista de espaço no âmbito público. São discriminadas,
menosprezadas e julgadas. Contudo, o sexo feminino continua a procurar
maneiras de combater a dominação masculina. (OSTERNE; SILVEIRA,
2012, p. 9).

Seja na esfera privada ou pública as conquistas femininas alteram a dinâmica


familiar. Não se tratam de processos estanques ou acabados. E sim, de lutas
contínuas, travadas diariamente contra um sistema que contém raízes patriarcais, o
que, por vezes, até dificulta que o opressor e o oprimido reconheçam a situação em
que se encontram, naturalizando as desigualdades entre homens e mulheres.
As mudanças que, historicamente, atravessam a família, direcionam para um
fluxo contínuo que, incessantemente, fomenta a produção de novos comportamentos,
interpretações e pesquisas. Tais mudanças resultam da confluência de múltiplos
fatores: o tempo histórico que se vive, o modo de produção que rege a economia, os
direcionamentos políticos vigentes, os elementos culturais que orientam os princípios
éticos.
Em tempos de globalização, não podemos nos furtar de mencionar que a forte
presença dos instrumentos tecnológicos também têm influenciado na dinâmica de
milhões de famílias, principalmente, no mundo infantil, que passa a ter possibilidades
de interações e brincadeiras muito mais virtuais do que de contato físico entre os
grupos.
Nesse cenário, se sucedem processos diversos e contraditórios: é a presença
intensa de tecnologias que aproximam, mas também que distanciam; que possibilitam
o acesso a uma maior quantidade de informações, todavia, nos alienam da realidade.
Estamos imersos em um modo de produção econômica altamente automatizado, que
gera um nível de riqueza sem precedentes, ao passo que milhões de pessoas morrem
de fome.
Não restam dúvidas de que o modo de produção capitalista dissemina a
desagregação em diversas instâncias. Separa o ser humano do resultado final do seu
trabalho; nos aparta uns dos outros, estratégia bastante funcional, que dificulta o
reconhecer-se no outro enquanto comparte, enquanto classe, desarticulando as lutas
e mobilizações; favorece o individualismo, colocando as nossas demandas como
únicas e urgentes, sem preocupar-se com o próximo, nos separando da vida em
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sociedade e das lutas coletivas. Enfim, é uma sociabilidade que insiste em roubar
nossa humanização, retirando de nós uma característica fundamental que é a vida em
sociedade.
Essas, como tantas outras inúmeras mudanças, proporcionam um intenso
processo de complexificação da sociedade que, inevitavelmente, repercutem na
composição das famílias.
Por outro lado, apesar das inúmeras mudanças ocorridas e ainda em curso do
contexto familiar, tem um aspecto que segue arraigado: a função de cuidar, a qual
suscita um trabalho que pode ser compreendido:

[...] Como o conjunto de atividades relacionadas às tarefas domésticas; ao


cuidado de seus membros, especialmente os dependentes; e também os
investimentos que as famílias têm de fazer no campo das relações com outras
instituições que lhe exigem tempo, energia e habilidades. (MIOTO; DAL PRÁ,
2015, p. 150).

Sabemos que, por vezes, o convívio diário no seio familiar e o exercício da


função de cuidar não são fáceis de se exercer. Os conflitos acontecem por diversos
motivos: gerações diversas, que tem valores e formas de compreender a vida
diferentemente; relações de poder e hierarquia, que podem ser utilizadas para educar
ou como imposição e autoritarismo; entre outros dilemas que podem dificultar o
diálogo e o entendimento entre seus membros.
E cabe sublinhar que os desafios vivenciados pela classe trabalhadora e seus
segmentos mais pauperizados são ainda mais profundos e intrincados, minando as
possibilidades de exercer sua função protetiva. “É consenso que a situação de
vulnerabilidade das famílias encontra-se diretamente associada à sua situação de
pobreza e ao perfil de distribuição de renda no país”. (FERRARI; KALOUSTIAN, 2011,
p. 12).
Falar sobre distribuição de renda no Brasil é tocar em um assunto pungente.
Conforme informações do site Agência de Notícias do IBGE, divulgadas em outubro
de 2019,

O rendimento médio mensal de trabalho da população 1% mais rica foi quase


34 vezes maior que da metade mais pobre em 2018. Isso significa que a
parcela de maior renda arrecadou R$ 27.744 por mês, em média, enquanto
os 50% menos favorecidos ganharam R$ 820. (IBGE, 2019).
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É uma realidade demasiadamente preocupante de concentração de renda, pois


expressa o fosso existente entre as classes, o qual é perpetuado por esse modo de
produção econômica em que todos produzem riqueza, mas apenas alguns podem
usufruir. “A família, enquanto forma específica de agregação, tem uma dinâmica de
vida própria, afetada pelo processo de desenvolvimento socioeconômico e pelo
impacto da ação do Estado através de suas políticas econômicas e sociais”.
(FERRARI; KALOUSTIAN, 2011, p. 12).
Não há como pensar as famílias, sem fazer uma interlocução com a forma que
o Estado tem de materializar as políticas sociais que, para além de concessões, são
direitos legítimos da classe trabalhadora, fruto da luta coletiva por melhores condições
de trabalho e de sobrevivência.
A família tem ganhado centralidade nas políticas públicas, sendo reconhecida
como a principal responsável pelo cuidado e bem-estar de seus membros. Nesse
aspecto, a expressão familismo tem ganhando notoriedade, e pode ser compreendida
como: “[...] como uma alternativa em que a política pública considera - na verdade
exige - que as unidades familiares assumam a responsabilidade principal pelo bem-
estar social”. (CAMPOS; MIOTO, 2009, p. 170). No entanto, é preciso ter clareza sobre
os limites e possibilidades dessa centralidade, que não pode representar a
responsabilização da família como única fonte de proteção.
Essa relevância da família no tocante às políticas sociais, se dá a partir da
década de 1970 devido, entre outros fatores, ao retrocesso do Estado de Bem-Estar
Social. As políticas sociais, engendradas no contexto mundial do pós-guerra,
utilizando o ideário de bem-estar social, perderam o fôlego mediante as sucessivas
investidas do capital. Dessa forma, tivemos o declínio do Estado de Bem-Estar Social
que deu lugar a uma forma neoliberal de administrar o Estado.
À medida que o Estado se desresponsabiliza pela proteção social, a família é
eleita como a detentora de tal, como espaço privilegiado de seus membros e,
consequentemente, do bom andamento da sociedade. Há nesse discurso uma carga
moral, bem como a culpabilização dos indivíduos por problemas e contextos que
foram e são gerados socialmente.
No caso do Brasil, ainda que não se possa falar de uma contraposição entre
Estado de Bem-Estar Social e neoliberalismo,
P á g i n a | 74

[...] o que se pretende atingir é o esboço de esfera pública deflagrado pelo


processo de democratização e delineado na Constituição de 1988. Exemplo
disto é a tão propalada necessidade de realizar as reformas constitucionais,
cujo elenco atinge exatamente o conjunto dos direitos sociais e políticos,
conquistados historicamente pela classe trabalhadora, e que, na retórica
liberal, têm sido responsáveis pelas dificuldades do Estado e das classes
burguesas para equacionar a crise social. (RAICHELIS, 2011, p. 76).

Se nos países do capital avançado, em que as políticas sociais são melhor


desenvolvidas e mais fortes, a família é colocada na centralidade das ações, nos
países em que o Estado de Bem-Estar Social não foi materializado em sua plena
acepção, como no caso do Brasil, tal situação acontece de forma ainda mais patente.
Dessa forma, as famílias se veem impelidas a ocupar um papel central na provisão de
bem-estar e de cuidado.
No cenário de um Estado que se desresponsabiliza no que tange aos serviços
de apoio as famílias,

[...] na América Latina, igualmente destacam o “familismo”, característico da


maioria dos países desse continente, em que a família, com suas estratégias
de sobrevivência, apoios e cuidados, constitui fonte ativa de proteção social
diante de um sistema pouco desenvolvido, ou de retração do Estado, com as
reformas neoliberais ocorridas nas últimas décadas, e de um mercado de
trabalho pouco inclusivo. (TEIXEIRA; CRONEMBERGER, 2012, p. 208, grifo
das autoras).

Mais especificamente, ao longo da história brasileira, a família vem exercendo


um papel de amortecedor das crises do país, especialmente após os anos 1980. Ou
seja, se trata de um forte apelo para responsabilização da família pela cobertura dos
riscos sociais e o princípio da subsidiariedade na intervenção do Estado, cuja
intervenção se dá apenas quando essas famílias não mais conseguem suprir suas
necessidades e as de seus membros.
Teixeira e Cronemberger (2012), explicam ainda que no caso do Brasil, nossas
legislações apresentam uma direção visivelmente familista.

Se não bastasse essa tradição de proteção social no interior das famílias,


com seus próprios recursos internos, pela não cobertura em benefícios e
serviços para o conjunto da população, a legislação infraconstitucional reforça
essa responsabilização, seja no Estatuto do Idoso, da Criança e do
Adolescente (ECA), Política Nacional da Assistência Social, em que o
princípio da subsidiariedade do Estado é dominante, ou seja, ele só intervém
quando a família se torna incapaz de arcar com os cuidados e com a
sobrevivência de seus membros, ou a protege para que ela possa responder
por essa função protetiva no ambiente doméstico. (TEIXEIRA;
CRONEMBERGER, 2012, p. 211-212).
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Essas orientações reforçam o familismo na política social, pois, se o mercado


e o Estado não amparam nas situações de vulnerabilidade, sobrepesa às famílias
esse amparo, na busca de integrar os indivíduos e oferecer laços e vínculos.
A família permanece privada do suporte necessário para garantir o
provimento do bem‐estar para os seus membros. O Estado, em contrapartida, ao
deixar de assegurar a proteção social em âmbito universal, aposta cada vez mais em
políticas seletivas e fragmentadas, utilizando‐se de mecanismos de solidariedade
como forma de limitar o acesso da família aos serviços públicos.
Em se tratando de política social na atualidade, em novembro de 2016 foi
apreciada pelo Senado a Proposta de Emenda Constitucional nº 55 de 2016 (PEC 55
ou PEC do Teto dos Gastos Públicos), a qual: “Institui o Novo Regime Fiscal no âmbito
dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por 20
exercícios financeiros” (BRASIL, 2016). Com bastante celeridade, no mês de
dezembro daquele ano foi transformada em norma jurídica, sob o argumento de que
não traz tantos prejuízos para a população, pois o seu objetivo é proporcionar o que
o governo chama de realismo orçamentário.
Assim, a partir de 2018, as áreas de saúde e educação passaram a ter como
piso os valores mínimos do ano anterior, reajustados apenas pela inflação. Trata-se
de uma limitação drástica dos gastos públicos e por um longo tempo que deveria ter
como base o desenvolvimento do PIB e não o índice de inflação. Por essa e outras
questões, a PEC 55 também ficou conhecida como PEC do Fim do Mundo.

É falacioso acreditar que tal medida auxilia na retomada da economia. Ao


contrário, vem a agravar ainda mais a situação. Principalmente, para as
camadas mais pauperizadas, pois o que já estamos vivenciando é uma
redução da oferta dos serviços públicos. Por conseguinte, temos a ampliação
nos moldes privados. (SILVA, 2018, p. 116).

Assim, temos um explícito quadro de diminuição dos investimentos do Estado


no sistema de proteção social, o que se configura em um processo de desmonte das
garantias essenciais para a sobrevivência da classe trabalhadora, sendo as famílias
convocadas a assumir de forma ainda mais ampla o seu papel protetivo, mesmo diante
de uma conjuntura que mais dificulta do que favorece o desempenho dessa função.
Sabemos que as políticas sociais não conseguem superar os desafios
estruturais do capitalismo. É uma conta que não fecha tentar proporcionar moradia
digna com saneamento básico, educação e saúde públicas de qualidade, entre outras
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prerrogativas que nos encaminham para uma sociedade fundamentada na justiça


social, se o modo de produção econômico se alimenta da exploração da força de
trabalho, da concentração de renda, do esgotamento dos recursos naturais, dentre
outras estratégias que possibilitem o aumento do lucro e a manutenção da ordem
posta, que nos separa entre exploradores e explorados.
Nessa conjuntura, a atenção à família, através de políticas sociais adequadas,
constitui-se, sem dúvida, em um dos condicionantes das transformações necessárias
para que se possa alcançar uma sociedade igualitária. Famílias essas que, como
vimos, vêm se transformando nas relações de gênero (na perspectiva de estabelecer
a equidade) e nas relações geracionais, afinal, as questões referentes ao casamento
e ao divórcio, a vivência da sexualidade e a decisão sobre ter ou não filhos e qual o
momento propício, a composição do orçamento doméstico, a divisão das
responsabilidades materiais e de cuidados, entre outros aspectos que integram a
dinâmica familiar, salientam o caráter histórico e plural das famílias.
Em contraponto, na cena contemporânea, evidenciamos iniciativas no âmbito
do governo federal que vão de encontro ao entendimento plural, tendo em vista a
diversidade no modo de as famílias se organizarem e construírem suas relações. A
título de exemplo, temos: o Projeto de Lei nº 6.583/2013, que dispõe sobre o Estatuto
da Família; a defesa de que a chamada “ideologia de gênero” não seja discutida nas
escolas, com o subterfúgio de ser essa uma iniciativa que defende os valores da
família; os discursos provenientes da representante do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos (Damares Alves); dentre outros que expressam um
retrocesso no que se avançou até então quanto à temática em questão, e buscam
fortalecer visões conservadoras acerca da instituição família e das relações que aí se
constroem entre os indivíduos na esfera privada e além desta.
Na direção do caráter histórico, importa fazer o questionamento: nas
Constituições anteriores, como o Estado se reportava as famílias?

3.2 O LUGAR DA FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Percorrendo os textos constitucionais anteriores, na Constituição Brasileira de


1824 “[...] a única referência à família correspondia à Família Imperial que vinha
tratada ao longo dos Arts. 105 a 115 [...]”. (BAHIA, 2007, p. 62, grifos do autor).
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Nesses artigos, estavam dispostas orientações sobre a família imperial, a


sucessão do Império, entre outros assuntos afins. Ou seja, não havia uma
preocupação com as possíveis formas de configuração familiar existentes no então
contexto brasileiro do século XIX.
Em 1891, tivemos a primeira Constituição do Período Republicano, que
buscava “[...] dissociar-se da Igreja, numa evidente tentativa de fortificação do Estado,
fez-se uma referência indireta à família [...] através da alusão ao casamento, que, até
então, era a única forma conhecida de família constituída”. (BAHIA, 2007, p. 63).
A transição do Império para a República foi um período marcado por intensas
transformações: a abolição dos escravos, o despontar do modo de produção
capitalista, a imigração de parte da população para a zona urbana, que passa a contar
com o desenvolvimento industrial. Nessa conjuntura, o Estado republicano tenta
organizar as famílias conforme o modelo nuclear burguês europeu. “A família
patriarcal, portanto, foi paulatinamente substituída pela família nuclear urbana, sem,
entretanto, deixar de lado sua matriz patriarcal”. (OSTERNE, 2001, p. 69).
É importante frisar que tanto as modificações nas Constituições que regiam o
nosso país, quanto a forma de organização das famílias, surgem em razão dos
interesses do Estado que tende a ampliar o seu controle sobre a economia e o social,
por meio da vigilância às famílias.
A Constituição de 1934, ofereceu tutela à família enquanto instituição, não
assegurando direitos a seus integrantes de forma individual, denotando maior
preocupação

[...] com o aspecto formal representado pelas regras de celebração do


casamento do que com o substancial, evidenciado na proteção propriamente
dita da família, na medida em que os Arts. 144 a 146 apenas davam conta da
indissolubilidade do casamento e das formalidades de segurança para o seu
surgimento, em que pese uma certa reaproximação com as religiões por meio
do reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso quando da
observação dos expedientes previstos na lei civil. (BAHIA, 2007, p. 63).

Em 1937, concomitante à instauração da ditadura do Estado Novo, Getúlio


Vargas outorga mais uma Constituição, na qual o Estado demonstra, através dos
artigos 124 e 127, uma maior preocupação com a família, com a infância e a
juventude:
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Artigo 124 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a


proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas
compensações na proporção dos seus encargos.
Artigo 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias
especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a
assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso
desenvolvimento das suas faculdades. (BRASIL, 1937).

Entretanto, mesmo com a positivação de tais garantias, lembremos que o


governo de Getúlio Vargas se caracterizou pela centralização do poder e implantação
de um regime autoritário de inspiração fascista. Daí, inferirmos que as prerrogativas
asseguradas ficavam mais no plano das garantias, do que na materialização.
Na década seguinte, caracterizada por retomar as liberdades individuais e os
direitos civis e políticos que haviam sido suspensos no governo de Getúlio Vargas,
“[...] tem-se que a Constituição de 1946 é considerada uma das mais democráticas
que o Brasil já apresentou [...]”. (BAHIA, 2007, p. 167). Prossegue emitindo à família
a atenção que lhe foi disposta na Constituição anterior: “Artigo 163 - A família é
constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial
do Estado”. (BRASIL, 1946). E o público infanto-juvenil recebe uma atenção maior:
“Artigo 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade,
à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa”.
(BRASIL, 1946).
Tendo em vista que a história não é escrita de forma linear e nem sempre com
a caneta democrática, a Constituição de 1967 apresentou um cunho ditatorial,
buscando institucionalizar e legalizar o Regime Militar, e não trouxe mudanças
significativas no que concerne à família que foi tratada conjuntamente com a cultura e
a educação. Apenas ratificou o casamento como única forma de instituir família e a
assistência à maternidade, infância e juventude, por parte do Estado, garantias já
previstas na Constituição de 1946.
Em 1969, o então presidente, Arthur da Costa e Silva precisou afastar-se, em
virtude de um problema de saúde, ficando em seu lugar uma junta militar, que
outorgou a Emenda Constitucional de Nº 1. Para alguns, se tratava realmente de uma
emenda ao texto constitucional de 1967, mas para outros,

Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição.


A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que
verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar
pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do
Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil. [...]
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Se convocava a Constituinte para elaborar Constituição nova que substituiria


a que estava em vigor, por certo não tem a natureza de emenda
constitucional, pois tem precisamente sentido de manter a Constituição
emendada. Se visava destruir esta, não pode ser tida como emenda, mas
como ato político. (SILVA, 1998 apud LIMA, 2008, n.p.).

Para além dessa discussão, cabe ressaltar em nosso debate que, no decorrer
de sua vigência surgiu a Emenda Constitucional Nº 9, de 28 de junho de 1977, a qual
instituiu o divórcio, inaugurando uma nova fase por passar a reconhecer outras formas
de constituir família, ampliando seu conceito, anteriormente, ligado apenas ao
casamento.
Por fim, tivemos em 05 de outubro de 1988 a promulgação de mais um texto
constitucional, marco da reabertura democrática. Inquestionavelmente, trouxe
diversas e significativas mudanças ao nosso ordenamento jurídico, como por exemplo:
o princípio da isonomia, onde devem prevalecer os Direitos Humanos (artigo 5º); o
estabelecimento de novos paradigmas no que tange ao direito de família,
reconhecendo a união estável e a família monoparental, no artigo 226, § 3º e 4º,
respectivamente; o reconhecimento de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de
direitos, através do artigo 227, chamado também de Doutrina da Proteção Integral,
entre outros direitos que devem ser assegurados e materializados para todos os
cidadãos.
Mediante o exposto, é manifesto o reconhecimento da instituição familiar e seus
membros, de forma individual, nas Constituições. Para que se possa compreender
esse processo de tantas transformações, não podemos prescindir de analisar o
contexto referente a cada época, haja vista que pensar a instituição família ao longo
dos tempos, é pensar concomitantemente nas transformações ocorridas na
sociedade.
Após essa breve exposição, na qual discorremos que o trato dado à família por
nossos ordenamentos jurídicos se configura como um fator intrinsecamente ligado aos
elementos que compõe a sociedade, trataremos em nosso item subsequente acerca
do processo de legitimação da convivência familiar enquanto direito fundamental.

3.3 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR: como está previsto nas legislações?

Parece óbvio afirmar que toda criança e adolescente tem direito a viver em
família. No entanto, diante do histórico de institucionalização de crianças e
P á g i n a | 80

adolescentes fez-se necessário a criação de mecanismos legais para sua garantia e


que normatizem o período de afastamento do convívio familiar e comunitário como
excepcional e transitório.
Com o intuito de melhor compreender o tema em pauta, concordamos com o
entendimento de Rizzini (2006) sobre convivência familiar e comunitária:

Por convivência familiar e comunitária, entende-se a possibilidade da criança


permanecer no meio a que pertence. De preferência junto à sua família, ou
seja, seus pais e/ou outros familiares. Ou, caso isso não seja possível, em
outra família que a possa acolher. Assim, para os casos em que há
necessidade de as crianças serem afastadas provisoriamente de seu meio,
qualquer que seja a forma de acolhimento possível, deve ser priorizada a
reintegração ou reinserção familiar – mesmo que este acolhimento tenha que
ser institucional. (RIZZINI, 2006, p. 34).

Situando-se no topo do nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal é


o instrumento responsável por assegurar a todos os cidadãos os seus direitos e
deveres, e limitar e organizar o poder do Estado. No período anterior à promulgação
da Constituição atualmente em vigor, nosso país encontrava-se inserido em um
contexto onde as garantias sociais eram praticamente inexistentes, estando a
população subjugada a ditadura militar e seus atos institucionais.
Após esse período de negação dos direitos individuais, foi promulgada a
Constituição Federal de 1988 (CF/88), resultado de processos internos que
possibilitaram uma maior democratização nos processos políticos e, por conseguinte,
o crescimento dos movimentos sociais em prol da garantia dos Direitos Humanos
dispostos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 1948, após as catástrofes vivenciadas no cenário
internacional da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Em face desse contexto de instauração de novos paradigmas no ordenamento
jurídico, tivemos um momento ímpar da nossa história, pois a partir de então, o Brasil
passa a se caracterizar enquanto Estado Democrático de Direito.

O conceito de Estado Democrático de Direito Social deve ser entendido como


uma estrutura jurídica e política, e como uma organização social e popular,
em que os direitos sociais e trabalhistas seriam tratados como direitos
fundamentais. Assim, vale dizer, os direitos sociais encontrar-se-iam sob a
guarda de garantias institucionais que os defendessem do assédio privatista.
(MARTINEZ, 2003, n.p.).
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Entre as diversas prerrogativas asseguradas pela CF/88, a família, a sociedade


e o Estado passam a ter o dever de proteger a convivência familiar, o que requer a
necessidade de uma compreensão ampliada de família, considerando a sua
pluralidade, tendo em vista que:

Em estreita síntese, família não é somente uma instituição decorrente do


matrimônio, tampouco se limita a uma função meramente econômica, política
ou religiosa. Com a repersonalização da família, é adequado concluir-se que
a célula mater da sociedade, modernamente, passou a significar o ambiente
de desenvolvimento da personalidade e da promoção da dignidade de seus
membros, sejam adultos ou infantes, o qual pode apresentar uma pluralidade
de formas decorrentes das variadas origens e que possui como elemento
nuclear o afeto. (MACIEL, 2015a, p. 125, grifo da autora).

Assegurar em nosso ordenamento jurídico o direito em comento, significou um


relevante avanço na compreensão de que a convivência familiar é um dos elementos
imprescindíveis para o desenvolvimento do ser humano, pois como já apontamos, a
família se configura enquanto experiência primeira de convivência social e espaço que
deve prover garantias afetivas, morais e materiais para seus membros.
Cumpre lembrarmos que, conforme já mencionado, a proteção à família e aos
seus membros de forma individual, se deu através de um longo processo histórico de
construções e desconstruções, conjugando fatores como o sistema socioeconômico
vigente, a política, a cultura.
A participação de diversos setores da sociedade ligados a temática de infância
e juventude, através de intensas mobilizações, auferiu a aprovação dos Artigos 227 e
288 da CF/88, “[...] resultado da fusão de duas emendas populares, que levaram ao
congresso as assinaturas de quase duzentos mil eleitores e de mais de um milhão e
duzentos mil cidadãos-crianças e cidadãos-adolescentes”. (AMIM, 2015a, p. 50).

Artigo 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança


e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda e qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Artigo 288 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,
sujeitos às normas da legislação especial. (BRASIL, 1988).

Igualmente importante foi a influência das normativas internacionais que já


previam a proteção à família, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos
P á g i n a | 82

Humanos (1948), que em seu artigo XVI, III, nos diz: “A família é o núcleo natural e
fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”.
No intuito de implementar o sistema garantista da Doutrina da Proteção Integral
que passa a vigorar com o novo ordenamento jurídico, foi promulgada em 13 de julho
de 1990 a Lei nº 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque não é apenas uma lei que se
limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de um verdadeiro
microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o
ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. (AMIM,
2015a, p. 50, grifo da autora).

Ratificando e ampliando as prerrogativas previstas na CF/88, o ECA dispõe no


Título II - Dos Direitos Fundamentais, um capítulo voltado para o direito à convivência
familiar e comunitária.

Artigo 19 - É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio


de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016).
(BRASIL, 2019).

Outro importante instrumento correlato a essa matéria, como mencionado no


Capítulo 2, é o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças
e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado em dezembro de
2006.

Este Plano constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, ao romper com
a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o
paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e
comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. As
crianças e adolescentes não são fragmentadas e, portanto, devemos sempre
pensar no seu atendimento humano integral, por meio de políticas públicas
articuladas com vistas à plena garantia dos direitos e ao verdadeiro
desenvolvimento social. (BRASIL, 2006, p. 14).

O Plano veio para ratificar o que está disposto na CF/88, na Lei nº 8.069/90,
como também na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS); na Resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) e no Sistema Único da Assistência Social
(SUAS).
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No mesmo eixo de atuação, temos a Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, que


“Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”. (BRASIL, 2016). Tem
como objetivo:

Artigo 1º - Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a


implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à
especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento
infantil e no desenvolvimento do ser humano [...]. (BRASIL, 2016).

Para fins da lei, em seu artigo 2º, explica: “[...] considera-se primeira infância o
período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois)
meses de vida da criança”. (BRASIL, 2016). Fica claro que o Estado passa a ter uma
preocupação ainda maior com essa fase da vida que é a primeira infância, em que
acontece o desenvolvimento humano inicial, visando garantir a proteção integral.
Endossando as legislações anteriores, a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios apoiarão a participação das famílias em redes de proteção e cuidado
para com a criança, observando o contexto sócio familiar e comunitário, direcionando-
se à formação e ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com
prioridade aos contextos que apresentem situações de risco ao desenvolvimento da
criança.
As políticas e programas governamentais de apoio às famílias, incluindo as
visitas domiciliares e os programas de promoção da paternidade e maternidade
responsáveis, devem ser materializadas de forma articulada, integrando os diversos
profissionais e setores que, de alguma forma, cooperam para o pleno
desenvolvimento infantil.

Artigo 5º - Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a


primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a
convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a
cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção
contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de
acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à
comunicação mercadológica. (BRASIL, 2016).

Os programas que se destinam ao fortalecimento da família no exercício de sua


função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância promoverão
atividades centradas na criança, focadas na família e baseadas na comunidade, com
atenção às situações que envolvam expressões da questão social.
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Artigo 14 - § 2º As famílias identificadas nas redes de saúde, educação e


assistência social e nos órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente que se encontrem em situação de vulnerabilidade
e de risco ou com direitos violados para exercer seu papel protetivo de
cuidado e educação da criança na primeira infância, bem como as que têm
crianças com indicadores de risco ou deficiência, terão prioridade nas
políticas sociais públicas. (BRASIL, 2016).

Destarte, as políticas sociais são chamadas a considerar a diversidade das


configurações familiares, os quais devem estar na centralidade da agenda social
brasileira, pois como se sabe, as famílias se movem em um campo minado,
atravessado por continuidades e rupturas, laços de solidariedade e conflitos.
Temos que a prioridade apontada pelo conjunto de legislações concernentes
ao público infanto-juvenil é de que a criança e o adolescente permaneçam junto a sua
família biológica e à comunidade. Contudo, frente as contingências sociais, nem
sempre essa convivência é possível. Sobre isso, cabe citar Marx (2011, p. 25): “Os
homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade;
não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Ou seja, diante de uma
conjuntura marcada por inúmeras adversidades, o esgarçamento dos laços afetivos
acaba por acontecer. E uma das consequências é a convivência familiar sem proteção
e cuidados entre seus membros, com rebatimentos mais incisivos para o público em
comento, que é ainda mais vulnerável nas situações de não acesso aos direitos.

Com seus laços esgarçados, torna-se cada vez mais difícil definir os
contornos que a delimitam. Vivemos uma época como nenhuma outra, em
que a mais naturalizada de todas as esferas sociais, a família, além de sofrer
importantes abalos internos tem sido alvo de marcantes interferências
externas. (SARTI, 2018, p. 35).

O uso abusivo de álcool e/ou outras drogas; as violências em suas diversas


manifestações; o desemprego ou subemprego; a pobreza; são algumas expressões
da questão social que se encontram imbricadas de tal forma, que é praticamente
impossível conseguir separar qual delas é causa e qual é consequência das situações
problemáticas vivenciadas nas famílias brasileiras.

Nessa perspectiva, a questão social é mais do que as expressões de


pobreza, miséria e “exclusão”. Condensa a banalização do humano, que
atesta a radicalidade da alienação e a invisibilidade do trabalho social – e dos
sujeitos que o realizam – na era do capital fetiche. A subordinação da
sociabilidade humana às coisas – ao capital-dinheiro e ao capital-mercadoria
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– retrata na contemporaneidade, um desenvolvimento econômico que se


traduz como barbárie social. (IAMAMOTO, 2010, p. 125, grifos da autora).

É uma radicalização das demandas sociais, sendo agravadas ante o momento


atual de regressão dos direitos sociais, colocando milhões de pessoas em situação
de vulnerabilidade.
Na medida em que as famílias não conseguem encontrar soluções para garantir
as necessidades mínimas, podem expressar suas dificuldades por meio de inúmeras
situações. As famílias têm de enfrentar circunstâncias como o desemprego, falta de
habitação e a não efetividade de serviços públicos que tendem a contribuir às
condições de vida, o que dificulta ou impossibilita que consigam exercer seu papel de
proteção a seus membros, tais como o cuidado com a saúde, educação, entre outros.

A família se encontra muito mais na posição de um sujeito ameaçado do que


de instituição provedora esperada. E considerando a sua diversidade, tanto
em termos de classes sociais como de diferenças entre os membros que a
compõem e de suas relações, o que temos é uma instância sobrecarregada,
fragilizada e que se enfraquece ainda mais quando lhe atribuímos tarefas
maiores que a sua capacidade de realizá‐las. (CAMPOS; MIOTO, 2009, p.
183).

Desse quadro, deriva uma outra questão bastante delicada: a criminalização


das famílias pobres. Culpabilizadas pela própria situação em que encontram, são
vistas como um problema social a ser sanado e, não raro, pesa sobre elas o braço
coercitivo do Estado, e as pechas de incapazes de se sustentar, de não ter governo
sobre sua prole.
É uma realidade antagônica: de um lado, contamos com um rico arcabouço
normativo que prevê o direito do público infanto-juvenil a convivência familiar, com
prioridade para a família biológica. Por outro, uma realidade econômica e socialmente
desigual que não favorece o cumprimento da lei.
Conforme explicitamos anteriormente, a família biológica detém total prioridade
sobre a prole. Para os casos em que o resguarde do melhor interesse da criança é o
afastamento desse convívio e o encaminhamento para uma instituição de
acolhimento, têm-se as seguintes garantias:

Artigo 19 - § 3º A manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente à


sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso
em que será esta incluída em serviços e programas de proteção, apoio e
promoção, nos termos do § 1º do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art.
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101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Redação dada pela
Lei nº 13.257, de 2016).
§ 4º Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou
o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo
responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade
responsável, independentemente de autorização judicial. (Incluído pela Lei nº
12.9629, de 2014). (BRASIL, 2019).

Quando esgotadas todas as possibilidades de reinserção, o ECA prevê a


medida de colocação em família substituta, através da guarda, da tutela ou da adoção,
tendo em vista que o mais importante é assegurar à criança o seu direito à convivência
familiar.

Nesta esteira, ainda, não se pode deixar de mencionar a importantíssima


integração ao direito brasileiro da doutrina da proteção integral, do princípio
do superior interesse da criança e do adolescente e, por derradeiro, do
reconhecimento do afeto e do cuidado como princípios jurídicos, sem os quais
as relações familiares sumiriam em institutos vazios e fadados a desaparecer,
pois são elementos indispensáveis para a sua estrutura e manutenção.
(MACIEL, 2015a, p. 126-127, grifos da autora).

Antes de adentrarmos nas medidas de colocação em família substituta, cumpre


fazermos algumas colocações acerca do instituto poder familiar.

O poder familiar, pois, pode ser definido como um complexo de direitos e


deveres pessoais e patrimoniais com relação ao filho menor, não
emancipado, e que deve ser exercido no superior interesse deste último.
Sendo um direito-função, os genitores biológicos ou adotivos não podem abrir
mão dele e não o podem transferir a título gratuito ou oneroso. (MACIEL,
2015b, p. 143).

O poder familiar segue uma perspectiva democrática, recaindo sobre ambos os


pais a responsabilidade de cuidar da prole. Todavia, nem sempre foi assim. Antes do
Código Civil de 2002, esse instituto era denominado de pátrio poder, expressando sua
origem de um viés despótico.

Diante da nova dimensão adquirida pelo aludido instituto, abandonou-se a


denominação tradicional “pátrio poder” ante os resquícios da patria potestas
romana, preferindo-se substituí-la por “poder familiar”, expressão adotada
pelo Código Civil, em 2002, ou “responsabilidade parental”, “poder parental”,
“autoridade parental” ou “pátrio dever”, conforme a doutrina faz referência.
(RAMOS, 2016, p. 36, grifos da autora).

9Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar
a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.
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Não se trata apenas de uma mudança terminológica e, sim, do rompimento de


uma relação hierárquica. Se antes, o pai era detentor de direitos irrestritos sobre o
filho, atualmente, o que se tem é um conjunto de direitos e deveres.

Essa evolução orientou-se, fundamentalmente, em três pontos: a) limitação


temporal do poder; b) limitação dos direitos do pai e do seu uso; c)
colaboração do Estado na proteção do filho menor e intervenção no exercício
do pátrio poder para orientá-lo e controlá-lo. (RAMOS, 2016, p. 37).

Apesar da mudança, o termo poder familiar ainda recebe críticas. Ramos


(2016) explica:

É caracterizado mais como um múnus legal do que propriamente um poder,


e por isso as críticas existentes à expressão “poder familiar” pois,
concomitantemente ao complexo de prerrogativas sobre a pessoa e os bens
dos filhos, corresponde aos deveres de criação, educação e sustento.
(RAMOS, 2016, p. 39, grifos da autora).

Nessa direção, temos que se trata de um conjunto de prerrogativas legais que


buscam proporcionar o desenvolvimento do infante, com respeito a sua dignidade e
individualidade e, sobretudo, pautada no afeto, estabelecendo uma
corresponsabilidade entre família e Estado.
Cabe explicar que o poder familiar é irrenunciável, inalienável e imprescritível.
E, ainda, é um conjunto de prerrogativas próprias da maternidade e da paternidade,
que passam a ter materialidade junto com o registro civil do filho e não quando do seu
nascimento. No caso em que o pai não fizer o reconhecimento, o poder familiar fica
exclusivamente com a mãe. (BRASIL, 2008, artigo 1.633).
Sabendo-se que nem sempre os pais têm condições de desempenhar o papel
protetivo de que carece o filho, a legislação prevê disposições para a suspensão e a
destituição do poder familiar, que são

[...] as sanções mais graves impostas aos pais, devendo ser decretadas por
sentença, em procedimento judicial próprio, garantindo-se-lhes o princípio do
contraditório e o da ampla defesa, na hipótese de seus atos se caracterizarem
como atentatórios aos direitos do filho (art. 129, X, c/c os arts. 155/163 da Lei
n. 8.069/90). Por constituírem medidas drásticas e excepcionais, devem ser
aplicadas com a máxima prudência. (MACIEL, 2015b, p. 208).

Compreendida como uma medida protetiva em defesa da prole, a suspensão


está prevista no Código Civil (2002), artigo 1.637, sendo relacionada a situações em
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que “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles
inerentes ou arruinando os bens dos filhos [...]”. É uma medida de caráter temporário,
formalizada mediante um decreto, o qual estabelecerá o tempo necessário da
suspensão do poder familiar, que poderá ser restituído, posteriormente, caso não
exista impedimento.
A destituição definitiva acontece quando um ou ambos os pais incidem em falta
grave aos deveres inerentes ao seu múnus.

[...] consistente no castigo imoderado do filho, abandono deste, prática de


atos contrários à moral e aos bons costumes, ou incidir reiteradamente em
abuso ou falta dos deveres inerentes à autoridade parental (art. 395 do
Código Civil de 1916 e 1.638 do Código Civil atual), descumprindo os deveres
de sustento, guarda e educação (art. 22 do ECA). (RAMOS, 2016, p. 40).

Por fim, pode acontecer a situação de extinção do poder familiar, termo jurídico
utilizado quando há a interrupção definitiva, como, por exemplo, pela morte de um dos
pais ou do filho, emancipação do filho, em caso de maioridade do filho, adoção da
criança ou do adolescente, ou ainda, pela perda em virtude de uma decisão judicial.
Com efeito, a legislação traz um rol de possibilidades, das mais leves as mais
severas, sempre na direção de assegurar o pleno crescimento e desenvolvimento do
público infanto-juvenil junto a uma família.
Na sequência dos avanços auferidos, não podemos nos furtar de mencionar o
artigo 23 do ECA: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. (Expressão substituída pela
Lei nº 12.010, de 2009)”. (BRASIL, 2019).
Apontamos o artigo supra como avanço, pois tomamos como parâmetro a
legislação anterior, o Código de Menores, que em sua doutrina caracterizava:

Artigo 2º - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o


menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
(BRASIL, 1979).

Pelo arcabouço menorista, a culpabilização por se encontrar em situação de


pobreza era normatizada e uma das punições era o afastamento entre pais e filhos.
Hoje, o entendimento é de que a pobreza se constitui em uma situação que não
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depende apenas da livre vontade do indivíduo e, sim, de uma conjuntura mais ampla,
que tem na economia o fator determinante dos demais aspectos sociais.
Apesar do que está consignado na lei, na realidade de milhões de brasileiros
se verifica que a situação de vulnerabilidade econômica da família, aliada a outras
expressões da questão social, embora não seja a causa principal da destituição,
impede o exercício do múnus pela falta de condições concretas para cuidar da prole.
Sendo o Estado um corresponsável pela proteção às famílias, não deve ser
omisso. “O poder familiar é instituto regido por normas de ordem pública, de modo que
é fundamental que o Poder Público coopere neste papel, dotando a família de
condições para exercer estes deveres em favor dos filhos”, (MACIEL, 2015b, p. 204),
fortalecendo o princípio da prevalência da família natural. (BRASIL, 2019, artigo 100,
X).
Em concordância com o que foi exposto, são diversas as situações em que se
faz necessário o afastamento da criança de seus pais biológicos. Como solução, o
ECA prevê a colocação em família substituta. Mas essa não foi uma inovação trazida
por esse estatuto. A Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, Código de Menores, já
fazia essa previsão na Seção I - Da Colocação em Lar Substituto. “Artigo 17 - A
colocação em lar substituto será feita mediante: I - delegação do pátrio poder; II -
guarda; III - tutela; IV - adoção simples; V - adoção plena”. (BRASIL, 1979).
O ECA manteve a natureza jurídica da medida, mas agora, apenas nas
modalidades de guarda, tutela e adoção. Sendo a criança a principal parte do
procedimento, são previstas algumas disposições gerais que firmam ser ela um sujeito
de direitos.

Artigo 28 - § 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será


previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de
desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e
terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009).
§ 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu
consentimento, colhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de
2009).
§ 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a
relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as
consequências decorrentes da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
[...]. (BRASIL, 2019).

A guarda é uma medida jurídica que legaliza a permanência da criança ou do


adolescente em um lar substituto, “[...] obriga a prestação de assistência material,
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moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de


opor-se a terceiros, inclusive aos pais” (BRASIL, 2019, artigo 33), solicitada quando
se encontra em alguma situação de vulnerabilidade, conferindo-lhe a condição de
dependente, inclusive, para fins previdenciários.
Quanto ao seu tempo de duração, a guarda pode ser definida em duas
espécies:

[...] a guarda provisória é aquela deferida por determinado tempo arbitrado


pelo magistrado, normalmente pelo período entre 30 e 90 dias, no curso do
processo de guarda, podendo ser deferida também nos procedimentos de
tutela e adoção. [...] Já a guarda definitiva pode ser conceituada como aquela
deferida por sentença que extingue o feito com resolução do mérito,
acolhendo o pedido autoral, nos processos cujo pleito seja expressamente o
de guarda. (MACIEL, 2015c, p. 240).

Em qualquer dos casos, é necessária a expedição de um termo para regularizar


a situação e comprovar nos serviços de saúde, na escola, entre outros espaços, que,
mesmo provisoriamente, a criança ou adolescente tem um guardião. Portanto, um
procedimento que era comum acontecer antes da aprovação do ECA, conhecido
como guarda de fato, hoje é considerada uma situação não regulamentada, pois a
pessoa não possui atribuição legal para exercer esse múnus.
Ao se falar sobre guarda, é tarefa esclarecer que “[...] não há alteração na
titularidade do poder familiar, mas apenas a mudança no exercício do encargo da
guarda (artigo 22 do ECA), em favor de quem não possui a autoridade parental”.
(MACIEL, 2015c, p. 237). Ou seja, a guarda coexiste com o poder familiar dos pais
biológicos, o que permite a continuidade dos vínculos familiares, não altera a filiação,
nem o registro civil da criança ou do adolescente.
Melhor explicando: em uma situação de divórcio, a guarda pode ser concedida
a um dos pais, mas ambos permanecem como detentores do poder familiar. Quando
se tem a guarda compartilhada, os dois têm a guarda e o poder familiar. E ainda, pode
ser concedida também a abrigos, famílias guardiãs e famílias adotivas em estágio de
convivência, podendo ser revogada quando uma das partes apresentar as devidas
motivações.
Por outro lado, os pais não podem retirar o filho da companhia dos detentores
da guarda sem ordem judicial. Portanto, a guarda é um processo permeado por
protocolos. Maciel (2015c, p. 238) explica que “A preocupação com o modo de
formalização da transferência da guarda justifica-se, pois, o guardião, com base na
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inicial manifestação positiva de vontade dos pais, poderá postular medida ampla,
como a adoção”. Caso o processo não esteja dentro da formalização jurídica, abre-se
precedentes para a possibilidade de o guardião induzir a justiça ao erro de
intepretação, alegando “[...] que os pais já concordaram, de forma genérica, com a
inserção do filho em outra família”. (MACIEL, 2015c, p. 238).
A tutela é uma modalidade de inserção em família substituta que se configura
enquanto “[...] um conjunto de poderes e encargos conferidos pela lei a um terceiro,
para que zele não só pela pessoa de menos de 18 anos de idade e que se encontra
fora do poder familiar, como também lhe administre os bens”. (MACIEL, 2015d, p.
263).
Sobre a tutela, o ECA dispôs apenas três artigos: 36, 37 e 38. É no Código Civil
(2002) que ela se encontra mais amplamente explicada, prevista nos artigos 1.728 a
1.766. No caso em que houver algum tipo de incompatibilidade entre as leis, deve
prevalecer o que está previsto no Código Civil.
Para que não restem dúvidas sobre a quem pertence a competência de
executar o processo, temos que: quando existe alguma situação de risco (conforme
contemplado no ECA, artigo 98), será na Vara da Infância e Juventude; quando os
direitos estão sendo preservados, a competência é da Vara da Família.
A criança ou adolescente pode ser posto em tutela nas situações de:
falecimento dos pais, quando esses são julgados ausentes ou quando cessa o poder
familiar. Diferente da guarda, “Artigo 36 - Parágrafo único. O deferimento da tutela
pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar e implica
necessariamente o dever de guarda. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de
2009)”. (BRASIL, 2019).
Outra característica que diferencia guarda e tutela é que essa é um instituto
unilateral, isso quer dizer que o múnus pertence a apenas uma pessoa como
responsável, quando a guarda recai de igual forma sobre as duas pessoas que
formam o casal. E uma característica em comum entre as medidas apontadas é que
são revogáveis, podem em algum momento cessar. No caso da tutela, quando o
tutelado atinge a maioridade ou obtém a emancipação, quando volta a estar sob o
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poder familiar em virtude de reconhecimento, legitimação ou adoção, ou ainda, sendo


destituído o tutor10.
A terceira medida de colocação em família substituta é a adoção. Considerada
como a mais completa, tendo em vista que promove a plena inserção da criança ou
adolescente no seio familiar. Em virtude de sua complexidade, bem como, por ser
categoria central da nossa pesquisa, é mister dedicar todo um capítulo para que
possamos percorrer o processo histórico, adentrar no plano normativo e adensar o
debate, concernentes a esse instituto.

4 A ADOÇÃO COMO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A adoção é um tema que instiga o imaginário popular. Grande parte das


pessoas conhece uma história sobre adoção ou, nos termos utilizados outrora, dar-se
conta de um caso de alguém que foi “pego pra ser criado” por outra família que não é
a sua biológica.
O tema é permeado por diversas representações que envolvem: a família
biológica, a adotiva, e, principalmente, a criança ou adolescente a ser adotado.
Portanto, são emoções, expectativas, dilemas e, inclusive, práticas enraizadas de se
resolver a situação sem levar à justiça da infância e juventude.
E, além de tudo isso, considerando que vivemos em uma sociedade dividida
em classes, existem grandes possibilidades de as histórias receberem os impactos
dos agravantes econômicos, tendo em vista que, conforme tem sido apontado no
decorrer de nossas argumentações, o contexto socioeconômico influencia
diretamente na forma de organização das famílias.
O instituto da adoção data de tempos remotos, portanto, já passou por
inúmeras transformações. Logo, precisamos recuar no tempo, o suficiente para traçar
um percurso histórico do nosso objeto de análise e, assim, compreender como se
chegou ao atual cenário em que, no Brasil, contamos com uma legislação que prioriza
o convívio do público infanto-juvenil com sua família biológica, mas quando de sua

10 Tendo em vista que os assuntos: poder familiar, guarda e tutela, não são centrais em nossa pesquisa,
mas são transversais e deveras importantes, expomos apenas as informações essenciais. Para
aprofundamento da leitura, recomendamos o livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente:
aspectos teóricos e práticos (MACIEL, 2015), que se encontra nas referências.
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impossibilidade, encaminha para família substituta, por meio da guarda, da tutela ou


da adoção.
Houve uma época em que o processo de adoção se caracterizava por uma
série de burocracias, na perspectiva de atender um casal sem filhos. Tal
direcionamento é compreensível, pois as leis não tinham o objetivo de sanar as
demandas dos então “menores”, e sim, dar respostas imediatistas, mesmo que essa
resposta fosse apenas aparente ou viesse a provocar complicações ou prejuízos
posteriormente. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe uma
nova intepretação para as questões infanto-juvenis, dentre elas, a adoção, tendo sido
acrescido de outras leis, não na intenção de revogá-lo, mas sim, de possibilitar, com
a maior brevidade possível, o encontro entre os que querem e precisam ter uma
família e os que desejam ser família para alguém.
No capítulo que se segue, nos debruçamos sobre a categoria central da
pesquisa, a adoção, conhecendo seu percurso histórico, como era e como é
atualmente a sua previsão nas normativas. Bem como, trazemos as modalidades de
adoção, tendo em vista que, apesar de ser um processo singular, pode ser
materializada de diversas formas, o que expressa o cuidado do legislador em atender
as especificidades de cada situação, na perspectiva de que a criança ou adolescente
tenha acesso ao seu direito à convivência familiar. E, por fim, apresentamos as
possibilidades de impedimento total e parcial.

4.1 A ADOÇÃO EM SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS

A adoção é uma prática presente na sociedade desde os tempos mais remotos.


Historicamente, é marcada pela relação com a religião, que era um elemento tão
determinante socialmente, que dela decorriam os aspectos culturais e o
direcionamento político de uma comunidade ou grupo social.

O dever de perpetuar o culto doméstico foi o princípio do direito de adoção


entre os antigos. A mesma religião que obrigava o homem a casar, que
determinava o divórcio em caso de esterilidade, ou em caso de impotência
ou de morte prematura, substituía ao marido um parente, oferecia ainda à
família um último recurso para escapar à desgraça tão temida da extinção,
que era o direito de adotar. Adotar um filho era olhar pela perpetuidade da
religião doméstica, pela salvação do lar, pela continuação das ofertas
fúnebres, pelo repouso dos manes do passado. (COULAGENS, 2008, p. 38).
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Fica claro que a preocupação era com a família adotante, principalmente,


aquela que não tivesse um filho homem, o qual era o responsável pelo culto
doméstico, pois acreditavam ser uma atividade fundamental para que os ascendentes
já falecidos tivessem paz na eternidade, sua memória fosse honrada e ainda, ao
adotar, estava-se garantindo a continuidade da família, que era a unidade em que se
desenvolviam praticamente todas as relações sociais.
Considerado como a primeira codificação jurídica que se tem notícia, o Código
de Hamurabi (Mesopotâmia) menciona a adoção em alguns de seus artigos, dentre
eles, o 185: “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho,
criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem”. (CÓDIGO...,
XVIII a.C.). Assim, é possível verificar, desde a Antiguidade, registros sobre questões
referentes à adoção, além da preocupação em assegurar alguns direitos relativos a
ambas as partes.
Na organização do direito romano, a adoção passa a ter também o objetivo de
transmitir o patrimônio do adotante para o adotado, pois o que mais importava era a
linhagem e “[...] a adoção servia para controlar a política das heranças”. (SENA, 2015,
p. 30), ficando os laços consanguíneos em segundo plano. Com essas medidas, a
família estava acobertada de não cair na desgraça de sua extinção.

No direito romano, a adoção foi concebida inicialmente como instrumento de


poder familiar: ela dava ao chefe de família a possibilidade de escolher um
sucessor digno de continuar o culto doméstico e, eventualmente, a vocação
política da família. A adoção também permitia a acessão de um indivíduo a
um status superior (por exemplo, um plebeu tornar-se um patrício), além de
ser usada para garantir a sucessão imperial. (WEBER, 2008, p. 41, grifo da
autora).

Sobre isso, temos o fato curioso que essa forma de organização da adoção em
Roma permitiu que Nero fosse adotado por Augusto, transformando-se,
posteriormente, em Imperador. (BORDALLO, 2015).
Ainda sobre adoção na Antiguidade, temos o conhecido caso de Moisés,
relatado na Bíblia.

Quando a mulher não pôde mais escondê-lo, pegou um cesto de papiro,


vedou com betume e piche, colocou dentro a criança, e a depositou entre os
juncos na margem do rio. A irmã observava de longe para ver o que
aconteceria. Nesse momento, a filha do Faraó desceu para tomar banho no
rio, enquanto suas servas andavam pela margem. Ela viu o cesto entre os
juncos e mandou a criada apanhá-lo. Ao abrir o cesto, viu a criança: era um
menino que chorava. Ela se compadeceu e disse: “É uma criança dos
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hebreus!” Então, a irmã do menino disse a filha do Faraó: A senhora quer que
eu vá chamar uma hebreia para criar este menino?” A filha do Faraó
respondeu: “Pode ir”. A menina foi e chamou a mãe da criança. Então a filha
do Faraó disse para a mulher: “Leve este menino, e o amamente para mim,
que eu lhe pagarei”. A mulher recebeu o menino e o criou. Quando o menino
cresceu, a mulher o entregou à filha do Faraó, que o adotou e lhe deu o nome
de Moisés, dizendo: “Eu o tirei das águas”. (ÊXODO, 2, 3-10).

Dando um salto temporal, da Antiguidade para a Idade Média muitas mudanças


ocorreram, as quais resultaram em não se ter mais tanto interesse na prática da
adoção. Da parte econômica, no sistema feudal se considerava imprópria a transição
entre pessoas de grupos sociais diferentes em uma mesma família. Pela questão
religiosa, o forte domínio da Igreja Católica ditava as regras: não se tinha mais o culto
doméstico aos deuses e a organização familiar passa a gravitar entorno do
sacramento do matrimônio.

Ademais, sob a influência do Direito Canônico que entendia ser a família


cristã apenas aquela oriunda do sacramento matrimonial, a adoção caiu em
desuso. A família cristã respaldava-se no sacramento do matrimônio como
única forma de perpetuar-se. (SENA, 2015, p. 31).

E quanto aos que não tivessem herdeiros? Para a Igreja Católica e para o
próprio sistema era mais conveniente permanecer assim do que adotar, pois os bens
seriam repassados para a Igreja ou para o senhor feudal. (BORDALLO, 2015). Ou
seja, o interesse material se sobrepunha as demandas pessoais e sociais.
Mais adiante, já no direito moderno, com a Revolução Francesa e por meio do
interesse pessoal de uma figura política bastante conhecida, a adoção volta a estar
presente no corpo das normas.

Napoleão foi um dos defensores da inserção da adoção no Código Civil então


em elaboração, pois como não conseguia ter filhos com sua imperatriz,
pensava em adotar. Após o advento do Código de Napoleão, o instituto da
adoção voltou a inserir-se em todos os diplomas legais ocidentais, haja vista
a grande influência do Código Francês nas legislações modernas dos demais
países. (BORDALLO, 2015, p. 284).

Tamanha foi a sua relevância, que Sena (2015, p. 32) afirma: “Este Código
Francês veio a influenciar a normatização do instituto da adoção em todas as
legislações modernas, inclusive a brasileira”.
Conforme podemos constatar, apesar de termos acima apontamentos
pontuais, apenas para efeito de ilustração do nosso debate, sobre a prática da adoção
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em épocas históricas distintas, um elemento está presente em todos: a adoção como


forma de suprir uma demanda (religiosa, política, social) por parte dos pais e/ou
famílias. Foi somente a partir do século XX que esse quadro se inverteu.

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) aconteceu uma profunda


mudança nesta prática. Iniciou-se a conceber a adoção como um direito da
criança e do adolescente a ter uma família. Foram as experiências das
adoções inter-raciais e internacionais que aconteceram durante este período
a romper com o modelo tradicional da adoção. Imigraram crianças
provenientes do Japão, Itália e Alemanha em direção às famílias dos Estados
Unidos, da Suécia e da Austrália. Neste período, inicia-se a repensar a nível
mundial o papel das crianças no interior das famílias. Observa-se que as
crianças começam a ser o “centro” da adoção e não mais os casais adotivos.
As adoções são concebidas como a necessidade da criança de estar dentro
a uma família e não mais somente o desejo de um casal estéril em ter um
filho. (ANSELMO, 2019, p. 187, grifo da autora).

A breve condensação das informações supramencionadas juntamente com a


análise das legislações brasileiras a seguir, nos possibilitam compreender que a
adoção, tanto em sua prática, quanto em sua legislação, constitui uma realidade que
tem se transformado com o passar do tempo, sendo delineada conforme as
circunstâncias (sociais, econômicas, políticas, religiosas) de cada momento histórico.

4.2 O APARATO NORMATIVO DOS PROCESSOS DE ADOÇÃO NO BRASIL

Em um Estado Democrático de Direito, a adoção é um processo que envolve


aspectos afetivos e jurídicos, e demanda apoio especializado, do ponto de vista
psicossocial, a fim de garantir direitos e instituir deveres, na direção do bem-estar dos
envolvidos.
A inserção do adotando no lar adotante é um processo eivado de conflitos,
desafios, possibilidades, anseios, que se desenvolvem no mundo privado dos
adotantes e adotandos, mas que sempre acabam ultrapassando esse âmbito, pois
envolve também toda uma equipe de profissionais ligados a justiça da infância e
juventude que devem acompanhar cada processo.
Dessa forma, por compreendermos que não há como falar em adoção sem
perpassar as trilhas jurídicas, vamos a seguir fazer esse percurso, conhecendo a
materialização da adoção no Brasil por meio das leis e de algumas práticas que burlam
tais leis.
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A prática da adoção em nosso país é antiga. Já foi compreendida como sendo


uma simples transferência de pátrio poder, mantendo-se os laços filiais naturais; foi
revogável; passou pelo “pegar pra criar” para exercer a caridade para com um órfão;
pelo suprir a necessidade de um casal de ter um filho; pela Roda dos Expostos.

[...] assumia-se “por caridade” crianças deixadas à porta (hábito que perdurou
por muito tempo, inclusive depois de existirem as rodas dos expostos), órfãos
e abrigados. Tal procedimentos atendia, possivelmente, a situações advindas
das relações entre senhores e suas escravas, ex-escravas, serviçais da casa
e práticas de adultério, [...]. (GOIS, 2013, p. 26, grifo da autora).

Foi apenas no século XX que, pela primeira vez, a adoção foi mencionada em
lei, por meio do Código Civil Brasileiro, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Antes
disso, os adotantes eram desobrigados legalmente para com o adotado, possuindo
apenas a obrigação moral a qual, convenhamos, poderia ser facilmente manipulada,
caso fosse do interesse do adulto. Ou seja, a criança ficava desprotegida: poderia ser
devolvida (para uma instituição ou até deixada na rua), não tinha direitos sucessórios,
poderia estar na família apenas para auxiliar nos afazeres, entre outras tantas
situações que manifestam o poder de determinação do adulto sobre a criança e a
fragilidade dos vínculos adotivos, não sendo exagero dizer que era uma relação regida
pelo obséquio do adulto.

A evolução do referido instituto era olhada com reserva e prevenção, pois de


um lado, ele era encarado como simples meio de transmitir nome e patrimônio
nas famílias aristocráticas. Além disso, por meio da adoção, podiam ser
introduzidos, na comunidade familiar filhos incestuosos e adulterinos,
burlando-se a proibição legal da época existente de seu reconhecimento e
implantando-se, assim, situação incompatível com a existência da família
denominada legítima. (VIEIRA; PIRES, 2010, p. 109).

Com o passar do tempo, percebeu-se o seu inegável caráter humanitário e sua


importância foi reconhecida legalmente no Código Civil de 1916 (artigos 368 a 378),
que no Capítulo V versa sobre adoção, explicando as condições para que o ato
aconteça.

Artigo 368 - Só os maiores de cinquenta anos, sem prole legítima, ou


legitimada, podem adotar.
Artigo 369 - O adotante há de ser, pelo menos, dezoito anos mais velho que
o adotado.
Artigo 370 - Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem
marido e mulher. (BRASIL, 1916).
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Os artigos deixam bastante nítido que a intenção da adoção era dar


continuidade a família quando o casal não conseguia fazer isso pelos meios naturais.
A adoção não se constituía enquanto um procedimento irrevogável. Ao
contrário, poderia ser desfeita por interesse das partes, após a criança alcançar a
maioridade, ou conforme o “Artigo 377 - II. Quando o adotado cometer ingratidão
contra o adotante” (BRASIL, 1916). Mas o Código Civil não especifica o que vem a
ser esse ato de ingratidão.
A adoção acontecia por meio de uma escritura regulamentada em cartório, não
havendo um processo judicial, o que tornava o ato fácil de ser desfeito. E como em
grande parte dos casos, a família biológica estava de acordo com a adoção, acabava
por não haver a destituição do então chamado “pátrio poder”.
Foi em 8 de maio de 1957 que veio a segunda legislação sobre adoção, Lei nº
3.133, que “Atualiza o instituto da adoção prescrita no Código Civil”, seguindo uma
perspectiva assistencial. As mudanças foram positivas, pois vieram a facilitar o
processo, tais como: reduziu a idade mínima do adotante de 50 para 30 anos e a
diferença entre o adotante e o adotado para 16 anos; a adoção deixa de ser apenas
para o casal sem filhos biológicos, sendo que esse casal deveria ter pelo menos cinco
anos de relacionamento oficial.
Vale destacar ainda o acréscimo trazido sobre a possibilidade de o adotado
escolher o sobrenome.

Artigo 2º - No ato da adoção serão declarados quais os apelidos da família


que passará a usar o adotado.
Parágrafo único. O adotado poderá formar seus apelidos conservando os dos
pais de sangue; ou acrescentando os do adotante; ou, ainda, somente os do
adotante, com exclusão dos apelidos dos pais de sangue. (BRASIL, 1957).

Por outro lado, ainda continuou a negar o direito sucessório, conservou o


caráter contratual da adoção e “[...] não simplificou suas formalidades, mantendo as
exigidas pelo Código Civil, a saber: escritura pública, registro da escritura no cartório
competente e sua averbação no registro civil com grande pagamento de custas”.
(FERREIRA, 2010, p. 29). Esse último aspecto não passa despercebido: quando o
autor afirma que envolve um alto valor, podemos inferir que só a vontade de adotar
não era suficiente. Era necessário também ter uma condição financeira para isso.
Com a lei de 1957 os juízes responsáveis pelo público em comento,
denominados de juízes de menores, passam a exigir que o cartório só regularizasse
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a escritura da adoção dos bebês mediante autorização judicial. Com isso, a adoção
passa a ser intermediada pelo poder judiciário.
Na esteira dos aparatos normativos, em 2 de junho de 1965, foi aprovada a Lei
nº 4.655, trazendo o conceito de legitimidade afetiva. Com isso, através de uma
decisão judicial as crianças adotadas passaram a ter os mesmos direitos dos filhos
biológicos. Tais situações foram descritas na legislação como filhos de pais
desconhecidos ou pais que declararam por escrito a concordância com adoção. Para
as crianças menores de sete anos, também se consideraram situações em que os
pais perderam os direitos legais sobre os filhos e nenhum outro familiar reivindicou
sua guarda. Para as maiores de sete anos, foi prevista a legitimação adotiva para as
crianças que já estavam sob os cuidados dos adotantes, como no caso de viúvos(as)
ou desquitados(as).
Entre avanços tão significativos ou não, Ferreira (2010, p. 29) explica que:
“Verificou-se um pequeno avanço no instituto da adoção, mas essa legislação, como
as revogadas, [...] ainda apresenta muitas barreiras para que se tornasse um instituto
que contemplasse o direito da criança e do adolescente à convivência familiar”.
Na lei de 1965 foram trazidos dois artigos que estão presentes até os nossos
dias: o rompimento definitivo com a família biológica e a irrevogabilidade da adoção.

Artigo 6º - § 3º Feita a inscrição, cessam os vínculos da filiação anterior [...].


Artigo 7º - A legitimação adotiva é irrevogável, ainda que aos adotantes
venham a nascer filhos legítimos, aos quais estão equiparados aos
legitimados adotivos, com os mesmos direitos e deveres estabelecidos em
lei. (BRASIL, 1965).

São procedimentos deveras importantes, pois dão mais estabilidade ao vínculo


formado pela adoção e proporcionam mais direitos ao adotado, rompendo com a
lógica exclusivamente caritativa.
Na década seguinte, foi aprovado o novo Código de Menores, Lei nº 6.697, de
10 de outubro de 1979. “Artigo 1º - Este Código dispõe sobre assistência, proteção e
vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação
irregular; [...]”. No que versa sobre adoção, foi deslocada do direito de família e passa
a ser uma “Medida de Assistência e Proteção”, conforme o Título V.
No Código de 1979 a adoção está prevista no artigo 17, sob dois tipos: simples
e plena. A simples
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[...] também chamada de civil, restrita ou comum, onde o vínculo de filiação


nasce de uma declaração de vontade do adotante e do adotado, e não é
definitivo, podendo ser revogado, pois em verdade é um negócio jurídico, não
imitando assim a filiação natural, que é irrevogável. Nesse sistema, a adoção
se dava através de escritura pública, sem interferência judicial. O filho adotivo
não rompia o vínculo com sua família biológica, podendo, inclusive,
permanecer com o nome originário. (SENA, 2015, p. 54).

E a adoção plena, que é a substituição da legitimação adotiva. Aqui, se


dissolveram as diferenças entre os direitos dos filhos biológicos e dos adotivos,
explicitou o rompimento de qualquer vínculo entre o adotado e a família biológica e
“[...] visava minorar a situação de menores em “situação irregular” (abandonados e
carentes)”. (SENA, 2015, p. 54, grifo da autora).
E ainda, surgem, pela primeira vez, os parâmetros para a adoção internacional,
mas, conforme consta no artigo 20, “O estrangeiro residente ou domiciliado fora do
País poderá pleitear colocação familiar somente para fins de adoção simples e se o
adotando brasileiro estiver na situação irregular, [...]”. (BRASIL, 1979).
O Código de Menores (1979) menciona também que os adotantes deveriam
comprovar, por meio de documento: estabilidade conjugal, comprovação de
idoneidade moral, atestado de sanidade física e mental e adequação do lar. (BRASIL,
1979, Artigo 18). Tais comprovações, para muitos, se tratava apenas de uma série de
burocracias que dificultavam ainda mais a adoção. Mas para a justiça menorista, era
uma forma de regulamentar o processo.
Com esse cenário, “Verifica-se um avanço na legislação relativa à adoção, pois
começou a se preocupar mais com a criança a ser adotada que com os adotantes”.
(FERREIRA, 2010, p. 31). Essa modificação no foco da adoção não está em um
passado tão distante, o que explica o fato de que muitos adultos em nossos dias ainda
têm essa visão de que é um direito seu ter uma criança para chamar de filho.
A década de 1980 foi um dos momentos mais importantes da história brasileira
em virtude da reabertura política e democrática após um duro regime militar (1964-
1985). Economicamente, o Brasil encontrava-se mergulhado em uma crise econômica
ocasionada pela dívida externa. Nesse cenário, a situação das crianças e
adolescentes, principalmente, dos segmentos mais pauperizados, era complicada e
muitos deles se encontravam abandonados nas ruas das grandes cidades. Por isso,
era recorrente o uso de termos como: meninos de rua, menores abandonados, entre
outros, sempre com cunho pejorativo.
P á g i n a | 101

O termo menor, no imaginário da população brasileira, se refere a uma


parcela bem definida da infância brasileira: é a parcela pobre, advinda de
camadas populares, vítimas de sua situação socioeconômica, submetida aos
mais diversos tipos de violência, abrangendo o universo doméstico e a rua;
das instituições que, em princípio, deveriam cuidar do seu bem-estar à
escola; do subemprego, quando existe, à exploração completa do seu
trabalho sem nenhuma remuneração. As crianças das camadas médias e alta
da população nunca são designadas como “menores”. Suas identidades e
estatuto social são outros. Associados ao termo menor, outras
representações permeiam o imaginário social, tais como: infrator,
trombadinha, moleque de rua, marginal, ladrãozinho, pivete, batedor de
carteira, pixote, delinquente, abandonado, e etc. (GOHN, 2000, p. 112, grifos
da autora).

Foi sob forte influência das mudanças sociais, que a legislação menorista
passou por uma radical transformação, proporcionando também mudanças
significativas no instituto da adoção.

É importante ressaltar que o ECA – considerado de vanguarda no panorama


internacional – foi elaborado sob a coordenação do Fórum Nacional de
Entidades Não Governamentais de Defesa das Crianças e Adolescentes,
com a participação do Fórum Nacional de Dirigentes Estaduais e Políticas
Públicas para a Criança e o Adolescente e da Frente Parlamentar pelos
Direitos da Criança. (GOIS, 2013, p. 26).

Como também, com a participação do Movimento Nacional dos Meninos e


Meninas de Rua, mencionado no Capítulo 2. Dessa forma, o que tivemos foi uma
verdadeira força tarefa, uma grande mobilização dos atores sociais que organizaram
equipes de trabalho em defesa de prover os direitos das crianças e dos adolescentes.
Consideramos que a questão da organização dos movimentos sociais é de
grande relevância e, por isso, não poderíamos nos furtar de expor, tendo em vista que
esse é um dos muitos exemplos que nos mostram a potência existente na mobilização
popular, a qual, inclusive, necessita urgentemente ser fortalecida. Nesses dias em que
os direitos sociais estão sendo violentamente reduzidos, crianças e adolescentes
também têm sido vitimados. Uma das questões mais emblemáticas é a Proposta de
Emenda Constitucional PEC 171/1993, que pretende alterar o artigo 228 da CF/88,
mudando a inimputabilidade penal de 18 para 16 anos.
Retomando a ideia de que o conceito de adoção vem se modificando com o
tempo, conforme a realidade de cada época, vários juristas tiveram a preocupação em
estabelecer uma definição, sendo válido citar algumas delas.
Para Beliváquia (1916) apud Sena (2015, p. 83, grifos da autora), “[...] trata-se
de um ato solene que exige o consentimento do adotando ou do seu representante
P á g i n a | 102

legal. Assim, adopção é o acto pelo qual alguém acceita um estranho na qualidade de
filho”.
Com Pereira (1991, p. 211), temos uma intepretação que evidencia a
juridicidade do instituto: “Adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra
como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco
consanguíneo ou afim”.
Em Venosa (2006), temos um conceito que traz uma característica
fundamental: a necessidade de se criar vínculos de afetividade.

A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural.


[...] a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a
pressuposição não de uma relação biológica, mas afetiva. O ato da adoção
faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa,
independentemente do vínculo biológico. (VENOSA, 2006, p. 276).

É relevante destacar que, atualmente, a adoção é perpassada pela questão da


afetividade, mas durante muito tempo, a ênfase estava no caráter contratual e
unilateral do instituto, nitidamente apontado pelo Código Civil de 1916.
Vale expor também a dimensão conceitual explicada por Sena (2015):

No direito brasileiro a adoção é o ato solene que, por intermédio de sentença


transitada em julgado, doa-se uma criança estranha a uma família,
caracterizando essa como filha. A partir da formalização deste ato esta
criança torna-se igual em direitos e deveres como se filho natural fosse
estabelecendo laços de vinculação civil, desvinculando-se da sua família
biológica. Ademais, a adoção no Brasil também tem natureza constitutiva,
uma vez a sentença transitada em julgado, torna-se irrevogável. Assim, o
adotado passa a ter outra filiação e consequentemente, direitos sucessórios
de sua nova família, cortando quaisquer vínculos com sua família anterior,
exceto no que diz respeito aos impedimentos matrimoniais. (SENA, 2015, p.
86).

Com o advento da CF/88 o instituto da adoção sofreu grande e singular avanço


legal, proporcionando uma integração total e definitiva do adotado em sua nova família
e, por isso, a relação entre adotante e adotado é de parentesco socioafetivo que imita
a família biológica.

O legislador constitucional em consonância com a tendência universal, proíbe


expressamente quaisquer espécies de discriminações face à filiação adotiva,
no que diz respeito aos direitos alimentícios, sucessórios, ao nome, salvo os
impedimentos matrimoniais. (SENA, 2015, p. 88).
P á g i n a | 103

Assim, um processo de adoção não tem como retroagir. Nem mesmo nos casos
de falecimento do adotante o poder familiar poderá retornar aos pais biológicos,
conforme consta no artigo 49 do ECA. Por outro lado, o poder familiar atribuído aos
pais adotivos não é irrevogável. Caso eles venham a descumprir com suas
responsabilidades para com o filho adotado, poderão perder as prerrogativas do poder
familiar.
Podemos inferir que a aprovação da Doutrina da Proteção Integral em nosso
país, insculpida no artigo 227 da CF/88, foi o primeiro passo para a legitimação dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, servindo de aporte para a
promulgação da Lei nº 8.069/90, o que resultou em uma profunda mudança na
atenção dada a este público. Ou seja, a CF/88 preparou terreno para a aprovação de
uma legislação específica para o público infanto-juvenil: o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o qual revogou o Código de Menores (1979). Nessa nova
legislação a adoção é tratada na Seção III – Da família substituta, Subseção IV – Da
adoção, artigos 39 a 52.
A princípio, com o ECA, teve fim as designações de adoção simples e plena,
ficando apenas uma única forma de adoção para toda criança ou adolescente, ou seja,
de 0 a 18 anos de idade e, excepcionalmente, até os 21 anos, sendo extinta também
a Doutrina da Situação Irregular.

Ancorada nos princípios instituídos pela Constituição de 1988, a nova adoção


prevista no ECA acabou com a discriminação entre crianças e adolescentes
adotados e biológicos; diminuiu a idade para adotar (21 anos), independente
do estado civil; estabeleceu a possibilidade de adoção de concubinos,
separados judicialmente, divorciados e viúvos; instituiu a adoção post mortem
e a adoção unilateral, quando um dos cônjuges ou concubinos adota o filho
do outro; proibiu a adoção pelos ascendentes e pelos irmãos; instituiu a
necessidade da oitiva do adotando maior de 12 anos; manteve o caráter de
irrevogabilidade da adoção e estabeleceu critérios para a adoção realizada
por estrangeiros, inclusive com relação ao cadastro de pretendentes à
adoção. (FERREIRA, 2010, p. 32).

Importa sublinhar que a adoção é uma medida excepcional de colocação em


família substituta, a ser utilizada quando tiverem sido esgotadas todas as
possibilidades de reinserção na família biológica, pois essa é a detentora da prioridade
sobre a criança.
Conforme já vimos anteriormente,
P á g i n a | 104

[...] a lógica de que, internando-se o menor carente, evitava-se o abandonado,


e, por sua vez, o infrator, resultou na internação em massa de crianças que
passaram por uma carreira de institucionalização, pela pobreza de suas
famílias e pela carência de políticas públicas de acesso à população, no
âmbito de suas comunidades. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 47, grifos das
autoras).

Talvez, pelo fato da internação do “menor”, decorrente do contexto de pobreza


em que estava inserido, ter sido uma prática frequente em um passado relativamente
recente, ainda é forte no imaginário popular que, uma pessoa/família de boa condição
socioeconômica pode (e até deve) pegar para si a criança pobre, pois poderá lhe
ofertar melhores condições de vida. Essa é mais uma prática com a qual o ECA
rompeu ao enunciar: “Artigo 23 - A falta ou a carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”. (Expressão
substituída pela Lei nº 12.010, de 2009). (BRASIL, 2019).
De fato, foi uma medida justa e necessária, pois devemos considerar que a
desigualdade social não é simplesmente resultado de escolhas ou não escolhas por
parte dos indivíduos, mas sim, é produzida por uma estrutura econômica perversa,
ancorada na exploração da força de trabalho e, atualmente, na intensificação da
privatização das políticas sociais. Logo, retirar o poder familiar em virtude da condição
de pobreza seria uma forma de punição, de culpabilização, pelo contexto de
vulnerabilidade em que a família se encontra naquele momento.
E ainda, por mais que a situação familiar seja adversa, possivelmente, não será
desejo do infante ser afastado do seu núcleo biológico. Caso isso aconteça e ele seja
levado a uma instituição de acolhimento como medida de proteção, o ECA prevê que
deve acontecer sob dois princípios básicos: a excepcionalidade e a brevidade. A
excepcionalidade consiste em somente utilizar a medida quando não houver mais
possibilidade alguma de manutenção da criança ou do adolescente na família
natural, já tendo sido esgotadas as medidas que são voltadas a favorecer a família
e auxiliá-las em suas necessidades físicas e sociais, conforme estabelece o artigo
101. E a brevidade é para que a medida não se estenda por mais tempo além do que
é estritamente necessário, ressaltando que a instituição de acolhimento deve ser
transitória e não um lugar de permanência para a criança ou o adolescente.

Artigo 19 - § 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de


acolhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito) meses,
salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse,
P á g i n a | 105

devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. (Redação dada pela


Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019).

Deixando claro que a adoção deve ser o último recurso utilizado.

Artigo 100 - X prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção


da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os
mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isso não
for possível, que promovam a sua integração em família adotiva. (Redação
dada pela Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019).

Além das medidas para que a criança não fique muito tempo institucionalizada,
está previsto também que no período em que esteja, possa ter uma rotina estabelecida
de acordo com suas necessidades/direitos: de ir à escola, receber os atendimentos
de saúde, ter o convívio comunitário. E caso os pais ainda não tenham sido destituídos
do poder familiar, receber a visita destes na instituição de acolhimento.
Em 2002, tivemos a aprovação de um Novo Código Civil (NCC), Lei nº
10.406/2002, que dedicou do artigo 1.618 ao 1.629, à adoção, dispondo que
independentemente da idade do adotante, o processo de adoção será judicial (artigo
1.623), e chegando a repetir alguns artigos do ECA, o que implica dizer que não há
incompatibilidade entre ambos os instrumentos normativos, uma vez que as emendas
trazidas pelo NCC vêm a somar o que já é previsto pelo ECA.
Em se tratando do NCC, destacamos que foi esse instrumento que fez a
substituição do termo pátrio poder por poder familiar. Não devemos interpretar apenas
como uma mera mudança terminológica, mas compreender a forte carga subjetiva
existente em cada um dos termos, conforme já explicado no Capítulo 3.
Após 19 anos de sua promulgação, o ECA sofreu uma profunda reformulação
através da Lei nº 12.010. Tão logo de sua aprovação, ficou amplamente conhecida
como Lei Nacional da Adoção ou Nova Lei da Adoção. Todavia, sua proposta não é
apenas sobre adoção, e sim, sobre o direito à convivência familiar.

Artigo 1º - Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista


para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e
adolescentes, na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1º A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226
da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e
promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente
devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por
decisão judicial fundamentada.
P á g i n a | 106

§ 2º Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o


adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as
regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na
Constituição Federal. (BRASIL, 2009).

Ou, nas palavras de Zazur (n.d., p. 4): “O objetivo primeiro da lei é a


continuidade sadia do grupo familiar natural”, sem se sobrepor as normas já
consagradas no ECA, como forma de assegurar a proteção integral.

Com efeito, a opção do legislador não foi revogar ou substituir as disposições


da Lei nº 8.069/90, mas sim a elas incorporar mecanismos capazes de
assegurar sua efetiva implementação, estabelecendo regras destinadas,
antes e acima de tudo, a fortalecer e preservar a integridade da família de
origem, além de evitar ou abreviar ao máximo o abrigamento (que passa a
chamar de acolhimento institucional) de crianças e adolescentes.
(DIGIÁCOMO, 2009, n.p., grifos do autor).

Sublinhamos que essa lei não nasceu pronta. Inicialmente, foi apresentado no
Senado o Projeto de Lei nº 314/2004 (da senadora Patrícia Saboya Gomes), que
alterava apenas dois artigos do ECA: dava uma nova redação ao § 2º do artigo 46 e
ao caput do artigo 52, versando sobre adoção internacional e seu estágio de
convivência. Daí, o que aconteceu foi que o Projeto passou a contemplar as ideias
dispostas em outros projetos de lei e, por conseguinte, delineou um novo sistema de
garantia ao direito à convivência familiar, sendo levado para a Câmara dos Deputados
como Projeto de Lei nº 6.222/2005. E, por fim, em 03 de agosto de 2009, foi aprovado
como a Lei nº 12.010.

A novidade legislativa veio a oxigenar e revitalizar o Estatuto da Criança e do


Adolescente, ampliando a aplicação de princípios, além de modernizar,
organizar e alargar o sistema protetivo, mostrando-se a tentativa de
aproximar a norma da realidade fática brasileira, compreendendo ao contrário
de simplesmente descrevê-la. O texto da Lei Nacional de Adoção evidencia
a preocupação voltada para a efetividade do direito fundamental à
convivência familiar. (SENA, 2015, p. 90).

A partir das informações apresentadas, podemos perceber que o ECA criou um


microssistema legal exclusivo de garantias, direitos e obrigações, cujo fulcro é
assegurar a convivência familiar e comunitária, a ser promovida via políticas sociais
prioritárias para esse público, as quais devem ser executadas no cotidiano das
práticas de atendimento e intervenção dos mais diversos profissionais da assistência
social, saúde, educação, justiça, entre outras áreas.
P á g i n a | 107

Nessa direção, entra em vigor a Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017,


que altera o ECA em diversos artigos concernentes a adoção, ao estabelecer novos
prazos e procedimentos para o trâmite dos processos, passando também pelo
procedimento de habilitação à adoção; e ao prever novas hipóteses de destituição do
poder familiar e de apadrinhamento afetivo.
Bem como, passa a disciplinar sobre uma prática delicada e atravessada por
dúvidas e preconceitos: a entrega voluntária da criança em tenra idade para adoção.
“Artigo 19-A - A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para
adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e
da Juventude”. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019). A partir dessa
previsão em lei, a mãe deve ser assistida pela equipe da justiça da infância e
juventude, recebendo as devidas orientações sobre o procedimento de entrega
voluntária, para que ela e o filho tenham seus direitos resguardados.
Por fim, ainda no âmbito das leis que regulamentam a adoção, temos o ponto
mais polêmico: o Projeto de Lei do Senado nº 394, de 2017.

Ementa: Dispõe sobre o Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente.


Explicação da Ementa: Estabelece o Estatuto da Adoção de Criança ou
Adolescente, dispondo sobre direito à convivência familiar e comunitária,
preferência da reinserção familiar, acolhimento familiar ou institucional,
apadrinhamento afetivo, autoridade parental, guarda e adoção, e Justiça da
Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2017).

Em matéria no site Agência Brasil (2018), como argumento central de sua


justificativa, o senador Randolfe Rodrigues, autor do projeto, destacou a lentidão dos
processos de adoção no Brasil. “O sistema de adoção no Brasil é cruel com as
crianças e os adolescentes. Milhares estão em abrigos à espera de uma família, sem
que ninguém tenha acesso a eles. Tornam-se invisíveis”.
Por outro lado, uma grande quantidade de entidades e associações,
reconhecidas nacionalmente, se posicionam contra esse projeto de lei, tais como:

Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de


São Paulo (AASPTJ-SP), Instituto Fazendo História, a Associação dos
Servidores da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (ASDPESP),
Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos da Área Sociojurídica do
Brasil (AASP Brasil), Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Fórum de
Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do Espírito Santo,
Associação dos Professores da PUC-SP (AproPUC-SP), Associação dos
Pesquisadores de Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o
P á g i n a | 108

Adolescente (Neca) e o Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e


Comunitária. (MELLO, 2018, n.p.).

Ressaltamos que o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) integra o


Movimento pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, que juntamente com
as associações e entidades supramencionadas e tantas outras que atuam e militam
em prol dos direitos do público infanto-juvenil, lançaram conjuntamente a Nota do
Movimento pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, em 30 de novembro
de 2017.
Na argumentação central contra o Estatuto da Adoção, a Nota explica:

A proposta apresentada, desconectada do ECA e da Política Nacional de


Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária, produzirá o retrocesso gravíssimo de a
adoção ser aplicada sob hermenêutica exterior à doutrina da proteção
integral, e sob regras que distorcem o sentido garantidor de direitos
individuais e sociais, já que se buscará romper vínculos a preservá-los ou
resgatá-los. Isso porque o “Estatuto da Adoção” propõe uma série de
reduções das garantias atuais em nome de uma maior possibilidade de a
criança e o adolescente serem adotados, apressando a colocação em família
adotiva, sobretudo quando se tratar de bebês e crianças de tenra idade.
Centralizando o ordenamento protetivo em adoções, produzir-se-ão também
desobrigações de uma série de políticas públicas setoriais básicas que
deveriam ser disponibilizadas à sociedade para preservar laços familiares.
Paralelamente, propõe uma clara diluição das atribuições da autoridade
judiciária, com a abertura para arranjos e intervenções de entes particulares,
e com a legalização das chamadas adoções “prontas” e “dirigidas”,
possibilitando, por fugir ao controle, ações eivadas de má-fé ou resultantes
de burlas ao cadastro de adoção e crimes contra o estado de filiação.
(MOVIMENTO PELA PROTEÇÃO INTEGRAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES, 2017, p. 1-2, grifos do autor).

Concordamos com a argumentação da Nota11, parcialmente reproduzida, pois


ao fazer a leitura do Projeto de Lei do Senado, percebemos que, na prática, o que vai
existir é um sistema paralelo dedicado a facilitar a adoção de crianças (sobretudo as
recém-nascidas e/ou de tenra idade), que fortalece a sistemática vigente à época do
Código de Menores, na qual a criança era tratada como um mero objeto à disposição
dos seus pais, trazendo assim, um grave retrocesso à forma como o Poder Público
deve atuar na busca da plena efetivação de seu direito à convivência familiar.
Importa lembrar que, conforme exposto no decorrer desse capítulo, o ECA foi
recentemente alterado pelas Leis nº 12.010/2009 e nº 13.509/2017, as quais
procuraram corrigir as distorções decorrentes, justamente, da concepção menorista

11 Em anexo.
P á g i n a | 109

que ainda se encontra impregnada tanto no meio jurídico, como na sociedade em


geral. Cremos que a correta aplicação dessas leis estabelece mecanismos capazes
de assegurar que todas as crianças e adolescentes tenham um lar e recebam de seus
pais ou responsável a atenção e o afeto que lhes são devidos, seja por meio da
adoção ou das outras medidas igualmente previstas para a convivência familiar.
É nítido que, atualmente, contamos em nosso país com um amplo arcabouço
jurídico que conjuga fatores indispensáveis para potencializar o pleno
desenvolvimento de crianças e adolescentes. Se tratam de garantias relativamente
recentes, tendo em vista que datam a partir da promulgação da CF/88, que no rol de
direitos aprovados, reconhece a convivência familiar como fator imprescindível para o
público em comento, recaindo o dever de sua materialização sobre o trinômio: família,
sociedade e Estado.
Dessa forma, podemos inferir que as importantes mudanças trazidas pelo ECA,
no que concerne a convivência familiar e a adoção, foram consolidadas pelas Leis nº
12.010/2009 e nº 13.509/2017. Tais mudanças serão explicitadas e analisadas no
Capítulo 5, fazendo um paralelo entre o que está previsto e como vem sendo
materializado no município de Mossoró-RN. Contudo, anteriormente, faz-se
necessário uma explanação acerca das modalidades de adoção e impedimentos
previstos nas legislações concernentes ao direito à convivência familiar.

4.2.1 Modalidades de adoção e situações de impedimento

A adoção é um procedimento único, bem como, os efeitos por ela produzidos


na vida do adotante e de sua nova família, tendo em vista que

[...] com a vigência do ECA, e posteriormente do Código Civil e da Lei nº


12.010/2009, não há mais qualquer distinção no instituto da adoção, como
ocorria no passado, onde se qualificava a adoção como simples ou plena,
com consequências jurídicas importantes decorrentes da separação, como
por exemplo na questão patrimonial e na revogação do ato. (FERREIRA,
2010, p. 64).

No entanto, podemos afirmar que as características específicas das


modalidades de adoção fazem com que recebam denominações decorrentes dos
seguintes critérios: a forma como é postulada e quem a postula.
P á g i n a | 110

Comecemos pela adoção unilateral, disposta no artigo 41, “§ 1º Se um dos


cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre
o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes”. Assim,
por meio da adoção se altera uma das linhas de parentesco, pois o padrasto ou a
madrasta resolve adotar o/a filho/a do/a companheiro/a.
Esta modalidade de adoção pode ocorrer nas seguintes hipóteses:

a) A mais comum é quando o adotando foi reconhecido apenas por um dos


genitores biológicos. Quando na certidão de nascimento não consta o nome
do pai ou da mãe (hipótese mais rara) e o padrasto ou madrasta manifesta o
desejo, em conjunto com a genitora ou genitor biológico, de regularizar uma
situação de fato, contando com a concordância do adotando, se for maior de
12 anos.
b) Quando o adotante foi reconhecido pelos genitores, mas um deles
consente com a adoção ou apresente causa que justifique a destituição do
poder familiar.
c) A última hipótese é mais polêmica, refere-se à adoção unilateral no caso
de orfandade, ou seja, se o pai ou a mãe biológica falecem, e o padrasto ou
madrasta ingressam com o pedido de adoção, contando com a concordância
do pai ou da mãe que ainda vive. (FERREIRA, 2010, p. 67).

No artigo seguinte, o ECA traz a adoção bilateral (ou conjunta), no artigo 42, §
2º, que estabelece: “[...] é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente
ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”. (Redação dada
pela Lei nº 12.010, de 2009). (BRASIL, 2019). Com a intenção de ampliar as
possibilidades de adoção, para efeito de filiação, a união estável foi igualada ao
casamento, permitindo que a adoção possa ser requerida tanto pelo casal, como pelos
conviventes.
A adoção bilateral pode ser requerida também pelos casais separados,
judicialmente ou não, mas de forma excepcional, e ficando nítido o bem-estar do
adotando.

Artigo 42 - § 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-


companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a
guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido
iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a
existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da
guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (Redação dada
pela Lei nº 12.010, de 2009). (BRASIL, 2019).

Nesse rol de modalidades, o ECA prevê também a adoção internacional,


P á g i n a | 111

[...] aquela na qual o pretendente possui residência habitual em país-parte da


Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das
Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada
pelo Decreto no 3.087, de 21 junho de 1999, e deseja adotar criança em outro
país-parte da Convenção. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017).
(BRASIL, 2019).

Cabe a ressalva de que se trata de uma excepcionalidade, pois como previsto


no próprio Estatuto, devem ter sido esgotadas todas as possibilidades de colocação
em uma família residente no Brasil. (BRASIL, 2019, artigo 51, II). E no caso de
brasileiros residentes no exterior que querem adotar uma criança ou adolescente
brasileiro, o processo segue as orientações previstas para a adoção internacional.
Sobre a adoção póstuma, não há um regramento próprio e sim, é mencionada
no artigo 42, § 6º: “A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca
manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada
a sentença”. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). Ferreira (2010, p. 70) explica que:
“Se constitui uma exceção à regra geral de que a adoção, por se tratar de direito
personalíssimo, levaria à extinção do processo, caso ocorresse o falecimento do
adotante e de que os efeitos da decisão não poderiam retroagir”. Mencionamos ainda
que esta modalidade surgiu após a promulgação da CF/88, com a implementação da
adoção judicial.
Na sequência, nos reportamos a uma forma de adoção que não pode ser
considerada exatamente uma modalidade, como as demais supracitadas, mas que é
uma prática ainda enraizada em diversos lugares do nosso imenso país. É a chamada
adoção à brasileira.
Bordallo (2015, p. 352) explica não é exatamente uma modalidade de adoção,
“[...] se trata, na verdade, do registro de filho alheio como próprio. Vem recebendo esta
denominação pela doutrina e pela jurisprudência pelo fato de configurar a paternidade
socioafetiva, cujo grande exemplo é a adoção e a ela se assemelhar neste ponto”.
Em tempos pretéritos, era comum um casal receber uma criança recém-
nascida dos pais biológicos, ir até o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e
se apresentarem enquanto pais, seguindo os trâmites dispostos na Lei de Registros
Públicos. Às vezes, até mesmo acompanhados com uma testemunha para dar
veracidade ao ato.
Entretanto, se a paternidade/maternidade era falsa, o documento também o
era. Logo, não dispunha de segurança para os pais, nem para o filho adotado, sendo
P á g i n a | 112

passível de desconstituição a qualquer momento por parte dos pais biológicos e


existindo o risco de responder por um crime, conforme consta no Código Penal:

Artigo 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de
outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
(BRASIL, 1940).

Em nossos dias, essa prática tem sido cada vez mais dificultada, tanto pelas
leis que organizam os processos de adoção, como pelos sujeitos envolvidos: pessoas
que trabalham na saúde, nos cartórios e no sistema judiciário, para que o
procedimento ocorra dentro da legalidade, sem prejuízo, principalmente, para a
criança.
Por outro lado, mesmo sabendo da possibilidade de desconstituição e de
punição, muitas pessoas ainda fazem uso dessa prática. Para compreender as
motivações que podem levar a isso, novamente, no valemos de Bordallo (2015), que
explica:

Muitas pessoas podem assim proceder por motivos os mais diversos, dos
quais podemos enumerar: não desejarem que o fato seja exposto em um
processo, achando que assim agindo a criança nunca saberá que foi adotada;
receio que a criança lhe seja tomada ao proporem a ação, considerando a
existência do cadastro que deve respeitado; medo de não lhes ser concedida
a adoção. (BORDALLO, 2015, p. 352).

Complementamos a argumentação do autor, mencionando também que muitas


pessoas compreendem o processo de adoção dentro da legalidade como demorado,
burocrático e oneroso. Mas, se em nossos dias, um processo de adoção é marcado
ou não por essas características, é algo que vamos debater posteriormente.
Em certa medida, os receios e dúvidas apontados sobre a adoção são
compreensíveis. Contudo, não podem ser utilizados como subterfúgio para realizar o
procedimento de adoção à brasileira. O sistema jurídico brasileiro conta com todo um
aparato normativo bastante organizado, que entre suas finalidades, tem a de garantir
o direito à convivência familiar e comunitária. Portanto, não se deve aceitar que
pessoas se utilizem de meios ilegais para a adoção, até mesmo, para que essa não
tenha sua função desvirtuada, ou seja, para que não venha a ser utilizada para dar
P á g i n a | 113

uma criança a uma família ou que a criança seja utilizada em situações de exploração
sexual, de sua mão de obra, entre outras.
Se a adoção à brasileira ainda acontece, resta claro a necessidade de se
buscar estratégias que venham a desmistificar os protocolos atinentes a justiça e a
adoção, explicitando que é na Vara da Infância e Juventude que a demanda deve ser
atendida, espaço esse que deve ser acessado por todas as pessoas para sanar suas
dúvidas e viabilizar o processo de adoção.
Conforme vem sendo exposto, a adoção tem múltiplas faces. E uma delas, é o
forte caráter cultural de os pretendentes delinearem um perfil para a criança a ser
adotada, o que inclui que ela seja o mais nova possível. Quando a criança tem mais
de dois anos de idade12, é considerada uma adoção tardia, a qual revela o lado cruel
e excludente da escolha de um determinado perfil, potencializando crenças e
expectativas negativas.

Vislumbram-se nesta modalidade de adoção muito preconceito, medo e


desconhecimento, além de mitos que cercam a procura por adoção de
crianças recém-nascidas. As pesquisas apontam o receio de adotar crianças
mais velhas em face da questão educacional ou maus hábitos que foram
constituídos durante o período de convivência com a família biológica ou no
acolhimento institucional (abrigo). Ademais, como mito, acredita-se que
adotando um recém-nascido é possível ter menos problemas, já que se pode
esconder o passado. Estas situações apontam para o fato de se encontrar
muitas crianças mais velhas disponíveis à adoção, abrigadas à espera de
uma família. No entanto, como afirmado, trata-se de mitos que não
necessariamente ocorrem na adoção tardia. (FERREIRA, 2010, p. 84).

É impiedoso atribuir exclusivamente à criança e a sua história já escrita o


sucesso ou não da adoção. Há que se reconhecer que se tratam de seres humanos,
que quanto mais anos vividos, mais páginas são escritas no livro de sua vida. E talvez,
algumas dessas páginas não sejam felizes e resultem em traumas e comportamentos
que precisam ser trabalhados social e psicologicamente. O que não vem a lhes
desabilitar do processo. Até porque, não conhecemos pesquisas brasileiras que
comprovem que o fator da idade venha a ser determinante no sucesso da adoção ou
na devolução da criança. Subscrevendo o autor acima, o que ainda se tem fortemente
são os mitos, que precisam ser desvelados e a inserção da criança em uma nova
família aconteça no menor espaço de tempo possível.

12A questão da idade é apenas uma das demais características que os pretendentes apontam no
Cadastro de Adoção, aspecto que será debatido no capítulo seguinte.
P á g i n a | 114

Podemos constatar que para além das modalidades em que a adoção pode
acontecer, é fundamental que exista uma filiação sócio afetiva entre os envolvidos,
edificada no relacionamento diário, formando uma base emocional capaz de
assegurar o pleno desenvolvimento.

A filiação sócio afetiva é a que decorre do vínculo de afetividade e de


solidariedade, marcada pela ligação entre pais e filhos na busca da felicidade
recíproca, formando a família moderna não só através do casamento, mas já
reconhecida a união estável e a comunidade formada por qualquer um dos
pais e o filho, em que se verifica igualdade emocional, de direitos e de
responsabilidades, autoridade negociada sobre os filhos, copaternidade,
família socialmente integrada. (KUSANO, 2011, p. 23).

Vale firmar: não há mais distinções entre a filiação advinda de forma biológica
ou adotiva. A prevalência dos laços que são decorrentes do afeto permite a
possibilidade de criação de um parentesco legal, caso assim esteja favorecendo o
melhor interesse da criança ou do adolescente.
Mediante o exposto, podemos inferir que a adoção é um processo singular, mas
que pode ser materializada de diversas formas, conforme as especificidades de cada
situação. Inclusive, pode até acontecer utilizando-se de procedimentos à margem da
lei, cabendo as devidas punições quando comprovado. Por outro lado, o Estatuto
dispõe igualmente de algumas situações em que há impedimento para a adoção.
No artigo 42, § 1º, consta que “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos
do adotando”. (BRASIL, 2019). Trata-se de um impedimento total, medida adotada
pelo legislador na intenção de evitar alguma confusão ou inversão nas relações
biológicas de parentesco.

Esta proibição é uma forma de não se alterar as relações de afeto existentes


no seio familiar. A situação artificial que seria trazida pela adoção realizada
pelos avós ou irmãos tumultuaria a família, trazendo um desequilíbrio às suas
sadias relações. Existindo afeto entre os membros da família, não será a
permissão da adoção que fará com que este sentimento se torne mais forte.
(BORDALLO, 2015, p. 296).

Ademais, a proteção que se deseja garantir com a colocação em família


substituta já está sendo suprida no momento em que o irmão ou os avós assumem o
cuidado da criança/adolescente, para que não fiquem desamparados. E para
regularizar essa situação, o ECA apresenta a guarda e a tutela, institutos ideias para
os casos que envolvem os parentes.
P á g i n a | 115

E há também o impedimento parcial: “Artigo 44 - Enquanto não der conta de


sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o
pupilo ou o curatelado”. (BRASIL, 2019). Essa regra visa proteger a pessoa do
tutelado ou curatelado da má administração de seus bens por parte do tutor/curador,
que pode se utilizar da adoção como forma de se apropriar ou evitar a prestação de
contas, já que na função de pai/mãe esse procedimento é dispensado. Assim, caso a
intenção do curador/tutor em adotar seja livre de má fé, deverá superar a causa
impeditiva, realizar a devida prestação de contas no juízo competente e aguardar a
homologação do processo.
Após transcorrermos esse longo e imprescindível caminho, perpassado por
contextualizações e construções históricas, legislações e conceitos, no capítulo que
está por vir, apresentaremos o coração da pesquisa, direcionado para a compreensão
da materialização dos processos de adoção no município de Mossoró-RN.

5 OS PROCESSOS DE ADOÇÃO NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO


MUNICÍPIO DE MOSSORÓ-RN

No capítulo em tela apresentamos o coração de nossa dissertação, que tem


por objetivo geral: analisar os processos de adoção realizados na Vara da Infância e
Juventude do município de Mossoró-RN. E como objetivos específicos: investigar
como se dá a execução dos processos de adoção em Mossoró-RN, a partir da Lei nº
12.010/2009; descrever o perfil de crianças solicitado pelos pretendentes e o perfil real
disponível no Cadastro de Adoção em Mossoró-RN; e compreender o funcionamento
do Cadastro de Adoção em Mossoró-RN.
Para que pudéssemos desenvolver essa pesquisa e atingir os objetivos
propostos, foi essencial empreender um considerável volume de leituras, para
obtermos a fundamentação teórica necessária que possibilitasse análises e
interpretações coerentes com a realidade da VIJ de Mossoró. Espaço esse que
fizemos visitas para uma melhor apropriação dos atendimentos referentes a adoção,
por meio de conversas informais com as assistentes sociais e a aplicação de uma
entrevista semiestruturada com a servidora responsável por alimentar o cadastro.
Falando em Cadastro Nacional, conhecer o seu funcionamento é tarefa
precípua para quem se debruça sobre o tema da adoção, haja vista que é esse
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instrumento virtual que tem agilizado os encontros entre pretendentes e adotantes,


apesar da distância geográfica que possa existir.
Portanto, aqui se encontra o fulcro da pesquisa, pois apresentamos como
ocorrem os processos de adoção na VIJ de Mossoró, via CNA, tecendo interpretações
sobre os dados auferidos, os quais perpassam o perfil das pessoas que são
pretendentes a adotar e o polêmico aspecto do perfil idealizado de criança que se quer
ter como filha.
Apesar do CNA ter uma excelente proposta de dar resposta à crítica que a
adoção recebe, de ser um processo demorado, e, inclusive, diversas famílias já terem
sido formadas por meio desse instrumento virtual, ainda existe uma forte concorrência
com a prática da perfilhação intuitu personae, que podemos perceber como
culturalmente arraigada quando estudamos sobre a história da adoção.
E na tentativa de sanar a contraposição, intuitu personae x CNA, no ano de
2019, esse ganhou novas funcionalidades, passando a ser o Sistema Nacional de
Adoção e Acolhimento, do qual se espera maior agilidade na materialização do direito
à convivência familiar das milhares de crianças e adolescentes que se encontram nas
instituições de acolhimento de nosso país.

5.1 CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO: como funciona?

Constituir uma família, seja por meio de uma união afetiva e/ou da chegada de
um filho, não é uma decisão simples. Requer pensar que todos os aspectos da sua
vida vão mudar e não será uma mudança temporária. Envolve sentimentos,
questionamentos, expectativas positivas e negativas, afinal, estamos falando de vidas
humanas, portanto, de subjetividades.
Quando se trata da nossa prole, devemos refletir que “A parentalidade é para
sempre e deve ser decidida antes da chegada dos filhos, exigindo disponibilidade
afetiva, financeira e de tempo para exercê-la”. (CAMARGO, 2018, p. 9). E que gestar
é um processo complexo.
Se o processo biológico de gestar tem os seus desafios, na adoção não é
diferente. Embora a gestação não seja física, há de se fazer um preparo emocional,
pois das primeiras providências na Vara da Infância e Juventude até a efetiva chegada
do filho em casa haverá um longo percurso a se percorrer.
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A adoção é uma construção psíquica e social que envolve a


criança/adolescente, o pretendente, a justiça, geralmente, um grupo de apoio a
adoção, uma série de dúvidas e uma ansiedade enorme. (ALMEIDA; GADELHA,
2018). E ainda, conta-se com o agravante de que os mitos e inverdades que permeiam
o processo dificultam o encontro entre os que esperam ser adotados e os que se
dispõem a adotar. Assim, não deixa de ser uma forma de gestação, um parto social,
a ser vivenciado de forma mais igualitária e compartilhada entre as duas pessoas que
formam o casal (nas situações em que não for uma adoção monoparental).
Em nossos dias, para que se possa realizar um processo de adoção no Brasil,
seguindo todos os trâmites legais, é necessário que o pretendente esteja inscrito no
Cadastro Nacional de Adoção (CNA), implantado sob a responsabilidade do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Além do CNA, o CNJ organiza também o Cadastro Nacional de Crianças e
Adolescentes Acolhidos e o de Adolescentes em Conflito com a Lei. Esses três
cadastros fazem parte dos projetos direcionados ao público infanto-juvenil,
fundamentados no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), Princípio do
Melhor Interesse.

[...] a concentração de informações referentes às crianças e adolescentes em


regime de acolhimento institucional ou familiar no país (CNCA) possibilita o
acompanhamento da situação pessoal, processual e procedimental de cada
acolhido e a implantação de políticas públicas relacionadas ao tema. Em
complemento, o cadastro de adolescentes envolvidos na prática de atos
infracionais (CNACL) representa um instrumento de efetividade da Justiça da
Infância e Juventude, considerando que proporciona aos magistrados maior
segurança e efetivo controle na aplicação e acompanhamento da respectiva
medida. (COORDENADORIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE
PERNAMBUCO, n.d., p. 3).

Esses três cadastros compõem o que o CNJ chama de Cadastros da Infância


e Juventude, os quais atendem as exigências previstas no ECA. São de indiscutível
relevância social, principalmente, para o público em comento e estão sempre em
aperfeiçoamento, para que possam dar respostas cada vez mais eficientes as
demandas de adoção, acolhimento institucional e acompanhamento dos adolescentes
que cometeram ato infracional.
Nos reportando especificamente ao CNA, implantado pela Resolução nº 54, de
29 de abril de 2008, “[...] constitui um instrumento seguro e preciso para auxiliar as
varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos de adoção”.
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(COORDENADORIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PERNAMBUCO, n.d., p. 4).


Nele estão armazenadas as informações referentes aos pretendentes habilitados e as
crianças e adolescentes aptos a serem adotados.

A finalidade deste cadastro é agilizar os processos de adoção, por meio do


mapeamento de informações unificadas, e viabilizar a implantação de
políticas públicas relacionadas ao tema com maior precisão e eficácia. O
instrumento amplia as possibilidades de consulta aos pretendentes
cadastrados, facilitando, assim, a adoção de crianças e adolescentes em
qualquer comarca ou Estado da Federação. (COORDENADORIA DA
INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PERNAMBUCO, n.d., p. 4).

Desde a sua promulgação o ECA já previa que cada Comarca deveria manter
cadastros de pessoas habilitadas e das crianças e adolescentes disponíveis para a
adoção. “Artigo 50 - A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro
regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e
outro de pessoas interessadas na adoção”. (BRASIL, 2019). Todavia, pelo fato de
serem listagens regionalizadas as possibilidades ficavam, em certa medida, restritas,
pois não havia uma interação a nível federal.
Pensando em ampliar as oportunidades, em 2008 foi implantado o CNA,
ferramenta digital que funciona com base nas informações que são fornecidas pelos
Tribunais de Justiça de cada Estado, de maneira a aperfeiçoar o que já estava previsto
desde 1990. Assim, mesmo que estejam em cidades distantes, em outra unidade da
federação, a criança ou o adolescente apto a adoção poderá encontrar uma família
mediante a unificação das informações e o cruzamento dos dados, tornando mais
célere o processo de adoção.

É de grande vantagem a criação de um cadastro nacional de


crianças/adolescentes e pessoas interessadas em adotar, pois só assim
conseguiremos ter um real mapeamento das crianças/adolescentes passíveis
de ser adotadas. Isso fará com que possam ser tomadas as corretas medidas
para sanar os problemas que acabaram por fazer com que essas pessoas
em formação tivessem de sair do seio de sua família natural. Fará, também e
principalmente, com que se verifique quem e quantas são essas crianças e
adolescentes, fazendo com que se busque de forma mais rápida uma família
para eles. (BORDALLO, 2015, p. 316).

No entanto, Sousa (2013) explica que, primeiramente, o Cadastro cruza os


dados para mostrar as crianças e adolescentes que estejam o mais próximo possível
da Comarca em que o pretendente reside.
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[...] os pretendentes residentes na própria comarca têm preferência em


relação às crianças ou adolescentes cadastradas nesta mesma
comarca, pretendentes cadastrados no próprio Estado têm preferência
sobre os pretendentes que residem fora do Estado, pretendentes
nacionais têm preferência sobre os internacionais e pretendentes
estrangeiros que residem no Brasil têm preferência sobre os residentes
no exterior. (SOUSA, 2013, p. 49-50).

No site do CNA tem a opção de cadastrar o pretendente, que pode ser nacional
ou internacional, e as seguintes informações:

1. Informar o Número do processo de habilitação, Data do pedido de


habilitação, Data da sentença de habilitação ou data da decisão que ratificou
nova avaliação após adoção realizada.
2. Informar o Nome do pretendente e CPF do pretendente, Nome do(a)
parceiro(a) e CPF.
3. Situação do pretendente (é automático – o próprio sistema atualiza).
4. Informar e-mail.
5. Informar o Telefone principal e secundário do pretendente.
6. Perfil da criança: Informar Sexo, se Aceita adotar irmão, se Aceita adotar
gêmeos, Tamanho do grupo de irmãos, Faixa etária. (COORDENADORIA DA
INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PERNAMBUCO, n.d., p. 4).

E ainda, informar se aceita as seguintes condições de saúde: sem restrições;


deficiência física; deficiência mental; HIV; outro tipo de doença detectada. Raça/cor:
indiferente; amarela; branca; indígena, negra; parda. E na opção de selecionar o
Estado, podem ser escolhidos todos, alguns ou apenas um.
Quanto ao campo de cadastrar a criança ou adolescente, solicita-se as
informações: nome da criança, número do processo da criança, sexo,
raça/cor, se possui irmãos e se são gêmeos e data de nascimento, situação da
criança (é automático – o próprio sistema atualiza), o Estado em que reside, as
condições de saúde (iguais as opções citadas no parágrafo anterior) e anexar relatório
psicológico e social do adotando.
Mediante o exposto, fica expresso que o CNA dispõe de toda uma série de
detalhamentos que possibilitam a escolha de uma criança ou adolescente que tenha
o perfil mais próximo possível do que o pretendente deseja. Tal detalhamento pode
ser considerado profícuo se interpretarmos que essa medida pode prevenir os casos
de devolução, os quais são profundamente traumáticos.
Por outro lado, a questão da escolha nos desperta a reflexão de que, apesar
de ser a criança e o adolescente os principais sujeitos do processo, eles não têm um
direito de escolha previsto no Cadastro. É o pretendente quem expõe o perfil desejado.
Até porque, em virtude da sua condição de fragilidade emocional; a depender da
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idade, a falta de maturidade para compreender o processo e desejoso para ter uma
nova família, certamente, o infante não terá tantas imposições como tem o adulto.
Nessa direção, é fundamental que se tenha ciência de que a adoção não é
encomendar um filho como se estivesse adquirindo um objeto. Adotar é estar proposto
a conhecer e amar uma pessoa que tem uma história e uma identidade, que se tornam
cada vez mais densas com o passar o tempo, principalmente, se já estiver por um
tempo considerável na instituição de acolhimento, portanto, precisam ser
compreendidas, respeitadas.
E, independentemente de como o filho chega à família, biológico ou adotivo,
jamais será ideal e livre de conflitos. A paternidade/maternidade é uma experiência
que suscita aceitação e recomeços diante da nova organização familiar e das
situações inesperadas que vão surgir. Nas palavras de Vicente (2011, p. 54): “O fato
de a família ser um espaço privilegiado de convivência, não significa que não haja
conflitos nessa esfera. Cada ciclo da vida familiar exige ajustamento por parte de
ambas as gerações, envolvendo, portanto, o grupo como um todo”.
Desde a sua criação até os dias de hoje, o CNA tem passado por algumas
mudanças, ganhado novas funcionalidades, na perspectiva de que as crianças e
adolescentes fiquem o menor tempo possível na instituição de acolhimento e os
colocando como sujeitos principais do processo.

Entre as medidas que corroboram essa intenção estão a emissão de alertas


em caso de demora no cumprimento de prazos processuais que envolvem
essas crianças e a busca de dados aproximados do perfil escolhido pelos
pretendentes, ampliando assim as possibilidades de adoção. (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, n.p.).

Para que possamos compreender melhor o CNA, apresentamos a seguir a


pesquisa na VIJ de Mossoró-RN, para conhecermos os procedimentos que
antecedem a inscrição no Cadastro, bem como, aprofundarmos as questões
referentes ao processo de adoção e suas legislações, cerne da nossa pesquisa.

5.2 OS PROCESSOS DE ADOÇÃO NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE


MOSSORÓ: análises e intepretações

O conjunto de procedimentos necessários para adotar tem passado


frequentemente por mudanças nas legislações, na perspectiva de desburocratizar e,
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por conseguinte, tornar mais célere, para que as crianças e os adolescentes fiquem o
menor tempo possível no aguardo de uma família. Bem como, para evitar distorções
sobre a intenção em se adotar, salvaguardando a integridade do público em comento.
Para que possamos compreender de forma mais aprofundada como vem
acontecendo os processos de adoção, começamos perguntando a nossa entrevistada
qual o procedimento inicial a ser seguido pelo pretendente. Ao que ela nos explicou
que é algo simples: ir até a VIJ, e no setor da secretaria solicitar um formulário de
inscrição (que consta nos anexos) a ser respondido com as informações pessoais
juntamente com a documentação que está prevista no ECA.

Artigo 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão


petição inicial na qual conste: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009);
I - qualificação completa; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009);
II - dados familiares; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009);
III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou
declaração relativa ao período de união estável; (Incluído pela Lei nº 12.010,
de 2009);
IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009);
V - comprovantes de renda e domicílio; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009);
VI - atestados de sanidade física e mental; (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009);
VII - certidão de antecedentes criminais; (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009);
VIII - certidão negativa de distribuição cível. (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009).

A entrevistada explicou que após o pretendente apresentar os documentos,


esses são encaminhados ao Ministério Público, onde o promotor fará a análise e caso
esteja tudo correto são devolvidos à VIJ para dar prosseguimento do processo.
Quanto aos requisitos necessários para se candidatar a pretendente, Camargo
(2018) informa:

Requisitos básicos para se inscrever no cadastro de adoção: Idade mínima


de 18 anos; Desejar como filho uma criança ou adolescente que tenha no
mínimo 16 anos menos que você; Disponibilidade emocional para viver todo
o processo de habilitação e adoção, que poderá ser trabalhoso; Ter
autonomia financeira. (CAMARGO, 2018, p. 13).

Com as transformações nas legislações e no próprio instituto, os requisitos


foram cada vez mais simplificados, o que é algo positivo, para que o pretendente não
desista ainda no início do processo, para que se torne breve e até mesmo, para dar
uma maior naturalidade ao ato de adotar.
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Uma das ideias fortemente difundidas sobre a adoção é de que se trata de um


processo demorado. No intuito de investigar a veracidade ou não dessa ideia, no
decorrer da entrevista fomos perguntando sobre quanto tempo se passa em cada
etapa.
Nesse primeiro momento entre a VIJ, Ministério Público e VIJ novamente, a
entrevistada falou que não há demora, acontece em aproximadamente oito dias úteis,
prazo estabelecido pela Lei nº 12.010/2009.
Ao receber a documentação de volta na VIJ, segue-se a etapa que, geralmente,
é a mais aguardada pelo pretendente: a avaliação psicossocial. Assim, pedimos para
a entrevistada explicar como acontece essa avaliação e quais aspectos são levados
em consideração.

Quando é um casal, a gente chama até aqui de forma individualizada.


Conversa com um, depois com o outro. E depois é que realiza a visita.
(ENTREVISTADA, em 11 de julho de 2019).

Um dos principais pontos é analisar com atenção se é um objetivo comum,


do casal. E essa análise é independente do sexo. Porque a gente já teve
experiências aqui de devolução da criança e do adolescente. E geralmente,
quem desiste primeiro, quem pressiona a desistência, é o marido. Pelo
menos, foi assim nos casos que a gente acompanhou. Então a gente está
sendo mais criteriosa nesse aspecto, de ver se realmente é um objetivo
comum ou se é algo mais de uma das partes e o outro está cedendo pra fazer
os gostos, fazer a vontade da esposa. Tanto é, que a gente aderiu a fazer as
entrevistas de forma individualizada inicialmente, pra depois fazer a visita na
casa, até conversar depois com ambos. Na oportunidade a gente pergunta
sobre as motivações que levam a adotar, que são várias. E sentir se é forte o
suficiente para, digamos, suportar uma adoção, quando ela apresentar alguns
desafios, algumas dificuldades. Por isso que a motivação deve ser levada em
consideração. (ENTREVISTADA, em 11 de julho de 2019).

O profissional, no desempenho da mencionada avaliação, poderá dispor de


várias técnicas e instrumentos, a depender de sua formação. Atualmente, quem
realiza esse procedimento na VIJ de Mossoró é o setor de Serviço Social, categoria
essa que tem a entrevista como parte de sua instrumentalidade de atuação.

Dentre as possibilidades de avaliação, a entrevista se coloca como o


procedimento mais utilizado porque permite a obtenção de informações, ao
mesmo tempo em que a situação de interação e de diálogo pode provocar
reflexões e observação de comportamentos não-verbais importantes para a
visão global do caso. (CONSIJ-PR, 2012, p. 58).

Após a entrevista na VIJ, a assistente social vai até a residência do pretendente


para um segundo momento de conversa. A visita domiciliar não é de caráter
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fiscalizador ou classificador das condições objetivas do pretendente. É para confirmar


as informações anteriormente prestadas, sanar alguma dúvida que possa existir de
ambas as partes, estabelecendo um diálogo em um ambiente que o pretendente se
sente mais à vontade.

Na visita a gente observa mais os aspectos subjetivos. Da questão financeira


a gente leva em consideração que pelo menos um dos dois, se for um casal,
tenha uma renda fixa. Mas não é o fator preponderante, até porque, a gente
sabe que tem muitas famílias hoje que é a família extensa quem contribui
para o sustento daquela família. Então, assim, a gente não pode deixar que
esse seja o fator principal, né? Mas a gente nunca se deparou com uma
situação de chegar em uma família e estar os dois desempregados.
(ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

As informações proferidas pela entrevistada se coadunam com o que orienta o


CNJ:

Nessa fase, objetiva-se conhecer as motivações e expectativas dos


candidatos à adoção; analisar a realidade sociofamiliar; avaliar, por meio de
uma criteriosa análise, se o postulante à adoção pode vir a receber
criança/adolescente na condição de filho; identificar qual lugar ela ocupará na
dinâmica familiar, bem como orientar os postulantes sobre o processo
adotivo. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, n.p.).

Em Mossoró, esse momento de contato com o pretendente é realizado, na


maioria das vezes, especificamente pela mesma assistente social, pois ela está
responsável pelos processos de adoção. Isso acontece porque são três assistentes
sociais, e cada uma é responsável por um tipo de demanda. Mas não é algo fixo.
Quando necessário, todas estão aptas a executar os atendimentos que surgem
diariamente.
Outra informação importante é que no ECA, Seção VIII – Da habilitação de
pretendentes à adoção, consta:

Artigo 197-B. I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe


interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o
art. 197-C desta Lei; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
Artigo 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a
serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo
psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o
preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade
responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009).
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Ou seja, deveria ter, além da assistente social, uma psicóloga, para que seja
um atendimento psicossocial. Porém, no momento da pesquisa a VIJ não contava
com essa profissional. Não é por isso que o processo deixa de acontecer ou está
sofrendo atrasos. Todavia, sabemos que a presença de uma psicóloga é fundamental,
não apenas porque está previsto na lei. E sim, por motivos como: os seus
procedimentos técnicos privativos conseguem alcançar resultados sobre a realidade
emocional do pretendente, sanar dúvidas comportamentais, entre outras questões
que naturalmente emergem antes e durante o processo e pela importância do trabalho
interdisciplinar.

[...] no âmbito das demandas familiares, é indispensável mesclar o direito com


outras áreas do conhecimento que têm, na família, seu objeto de estudo e
identificação. [...] O aporte interdisciplinar, ao ampliar a compreensão do
sujeito, traz ferramentas valorosas para a compreensão das relações dos
indivíduos, sujeitos e operadores do direito, com a lei. (DIAS, 2016, p. 111).

Nessa perspectiva, o Serviço Social, a Psicologia e o Direito ensejam uma


atuação integrada, com vistas a dar materialidade à convivência familiar para aqueles
que não a vivenciam.
Em virtude da falta de uma psicóloga, é elaborado apenas o estudo social,
documento em que a assistente social apresenta informações próprias a serem
consideradas por essa profissional, as quais são imprescindíveis para subsidiar a
decisão da juíza e dar prosseguimento ao processo.
O passo a passo para uma adoção é coordenado, a nível nacional, pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem por objetivo

[...] colocar sempre a criança como sujeito principal do processo, para que se
permita a busca de uma família para ela, e não o contrário. Entre as medidas
que corroboram essa intenção estão a emissão de alertas em caso de
demora no cumprimento de prazos processuais que envolvem essas crianças
e a busca de dados aproximados do perfil escolhido pelos pretendentes,
ampliando assim as possibilidades de adoção. Além das crianças aptas à
adoção, o novo sistema traz informações do antigo Cadastro Nacional de
Crianças Acolhidas, do CNJ, no qual 47 mil crianças que vivem em
instituições de acolhimento em todos os estados estão cadastradas. Esse
cadastro integra dados de todos os órgãos e entidade de acolhimento de
crianças/adolescentes abrigados no País. (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2019, n.p.).

A etapa seguinte no processo de adoção é participar do encontro de


preparação psicossocial.
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Artigo 197-C. § 1º É obrigatória a participação dos postulantes em programa


oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com
apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de
garantia do direito à convivência familiar e dos grupos de apoio à adoção
devidamente habilitados perante a Justiça da Infância e da Juventude, que
inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de
crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com
necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos. (Redação dada
pela Lei nº 13.509, de 2017).

A justiça brasileira exige que o pretendente seja preparado durante o processo


de habilitação para adoção. Cada Comarca oferece seu próprio curso, que pode ser
mais longo ou curto. Dessa forma, perguntamos: Como acontece o curso de
preparação psicossocial na VIJ de Mossoró?

A Lei 12.010/2009 já previa essa obrigação do curso psicossocial,


preparatório. A 13.509/2017, vem a falar sobre a questão da participação nos
grupos de apoio a adoção, traz essa previsão. O curso sempre foi uma etapa
obrigatória. No processo de habilitação tem que haver esse curso de
preparação psicossocial. Geralmente é a Vara da Infância que oferece o
curso. Tem algumas cidades, alguns Estados, que são os grupos de apoio a
adoção que oferecem esse curso de preparação psicossocial. Mas hoje, aqui,
ainda somos nós da Vara da Infância, com a participação dos técnicos do
acolhimento. A gente sempre abre para os técnicos do acolhimento e também
para o grupo de adoção daqui de Mossoró, o Afeto. Cada um tem a
participação deles. E como eu tinha falado, essa parte que passa a ser
obrigatória já havia previsão, mas com a 13.509, o juiz pode determinar que
os pretendentes participem das reuniões do grupo de apoio a adoção.
Inclusive, a juíza aqui de Mossoró determina que participem de, pelo menos,
dois encontros, como parte para os pretendentes entrarem no Cadastro,
como exigência também, pra habilitação. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto
de 2019).

Entendemos ser essa uma etapa fundamental, pois no imaginário de muitas


pessoas ainda habitam ideias equivocadas sobre a adoção, até mesmo, para os que
têm o desejo de adotar. Nesse caso, ao se reunir os diversos atores que, de alguma
forma, estão envolvidos no processo, está se possibilitando uma ampla troca de
conhecimentos, que não se encerram nos encontros, pois os pretendentes passam a
ser novos agentes multiplicadores das informações corretas.
Sobre a data da reunião preparatória, a entrevistada explicou que em Mossoró,
acontece duas vezes por ano.

As reuniões de preparação, nós fazemos duas. Uma no primeiro semestre,


geralmente no mês de maio. E outra no segundo semestre, que geralmente
vem acontecendo no mês de novembro. Até porque, hoje o ECA fala que o
processo de adoção, o processo de habilitação, deve durar no máximo cento
e vinte dias, prorrogável uma única vez por igual prazo, que é mais cento e
vinte dias, né? Então assim, antes, a gente só fazia um curso de adoção no
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ano. Mas depois da alteração trazida pela lei 13.509, que ela vem falar dos
prazos, passamos a fazer dois cursos por ano, um no primeiro semestre,
outro no segundo. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

Com essa fala, percebemos que os servidores da VIJ têm se preocupado com
a observância da lei, principalmente, ao ofertar duas reuniões por ano, para que se
possa cumprir o prazo do processo de habilitação.

A participação no programa é requisito legal, previsto no Estatuto da Criança


e do Adolescente (ECA), para quem busca habilitação no cadastro à adoção.
O programa pretende oferecer aos postulantes o efetivo conhecimento sobre
a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial; fornecer
informações que possam ajudar os postulantes a decidirem com mais
segurança sobre a adoção; preparar os pretendentes para superar possíveis
dificuldades que possam haver durante a convivência inicial com a
criança/adolescente; orientar e estimular à adoção interracial, de crianças ou
de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com
necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos. (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, n.p.).

Um dos pontos positivos da entrevista semiestruturada é a possibilidade de


redirecionar o processo de perguntas e respostas quando for pertinente, possibilidade
essa que foi apresentada a entrevistada logo no início da conversa. À vista disso, ao
falarmos sobre a reunião, ela acrescentou mais algumas informações que não
estavam no nosso roteiro de perguntas.

Quando o pretendente dá entrada na ação, que junta toda a documentação


ao formulário, geralmente, a juíza determina que seja feito o estudo social.
Mas se já estiver próximo da data do curso preparatório, os servidores da
secretaria orientam o casal a participar, porque só tem duas vezes por ano,
né? Independente da nossa visita ou não. A regra é que faça primeiramente
o estudo social, mas se o pretendente deu entrada na ação de habilitação
faltando pouco tempo para acontecer a reunião, os servidores já orientam que
eles participem do curso e depois é que vão receber a visita da assistente
social. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

A explicação revela que a equipe que atua na adoção não tem uma visão
estreita, legalista, da execução do processo. Ao contrário, flexibiliza a ordem das
etapas, que não são difíceis de cumprir, mas são muitas, favorecendo mais o direito
da criança ou do adolescente de ter uma família, do que a estrita obediência ao crivo
da lei, prática que denota uma compreensão humanizada dos direitos do público
infanto juvenil.
No uso de suas atribuições legais, a juíza da VIJ de Mossoró passou a exigir
como obrigatória a participação nos encontros do Grupo de Apoio à Adoção. Com
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essa prática, é proporcionado ao pretendente a troca de ideias, expectativas,


esclarecimentos e, até mesmo de experiências, pois quando é concluído, muitas
pessoas ainda permanecem no grupo para dar apoio aos que ainda estão com o
processo sendo tramitado.

Outra informação que eu acho importante é que a juíza determina que os


pretendentes participem de dois encontros que são organizados pelo Grupo
de Apoio a Adoção daqui de Mossoró, o Afeto. E eles devem anexar o
certificado de participação nos autos do processo. Somente depois de
cumprir com todo esse procedimento é que a juíza sentencia o processo
determinando a inclusão dos pretendentes no CNA. É claro que, antes de
sentenciar, ela abre vista ao Ministério Público, pra ele dar o parecer. Depois
de concluídas essas etapas, ela sentencia o processo. Depois de dez dias, a
juíza encaminha o processo para o setor de Serviço Social, pra gente incluir
no Cadastro o nome dos pretendentes e o perfil da criança ou das crianças
que eles desejam adotar. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

Ter como exigência a participação nos encontros do Grupo de Apoio à Adoção


é uma prática que, indiscutivelmente, fortalece a adoção, tendo em vista que, da
mesma maneira que o nascimento de um filho biológico requer toda uma preparação,
a chegada do filho adotivo também deve ser precedida de uma preparação que, para
além dos recursos materiais, envolve um trabalho na subjetividade. E um desses
aspectos subjetivos é direcionado a desconstrução dos mitos, preconceitos e do perfil
idealizado do filho, pois é fundamental compreender que o futuro filho não é uma folha
em branco, mas sim, um livro com algumas histórias já escritas, as quais, muitas vezes
são permeadas por situações traumáticas de abandono, negligência e/ou outras
formas de violência.
Entender os trâmites legais, com todas as suas questões burocráticas e
administrativas, é fundamental para a realização de uma adoção responsável. Embora
o tempo de gestação desse filho seja superior a gestação do filho biológico (pois,
geralmente, ultrapassa nove meses), legitimar a filiação pela via jurídica é dar
segurança e pertencimento à nova família que se forma, além de ser a única forma de
proteger o direito da criança e adolescente no processo de adoção.
Após a certificação de participação no programa de preparação, a juíza
proferirá sua decisão, deferindo ou não, o pedido de habilitação à adoção. Via de
regra, o que pode levar ao indeferimento são questões como: “Estilo de vida
incompatível com criação de uma criança ou razões equivocadas (para aplacar a
solidão; para superar a perda de um ente querido; superar crise conjugal etc.) [...]”.
(ALEIXO; CASTRO, 2019, n.p.). Nesse caso, o pretendente deve procurar a VIJ para
P á g i n a | 128

saber obter um detalhamento e começar o processo novamente. Quando deferido,


estará habilitado e será inserido no CNA.

Artigo 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros


referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita
de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade
de crianças ou adolescentes adotáveis. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
(BRASIL, 2019).

Destarte, prosseguimos a entrevista, agora direcionando para o funcionamento


do Cadastro Nacional de Adoção, o que nos leva a questionar: quem faz o manuseio,
acrescentando as informações dos pretendentes e quais são as informações que nele
constam?

Quem está responsável por alimentar as informações no Cadastro sou eu. A


juíza pediu pra eu ficar responsável por essa parte. Mas nada impede que
outro profissional aqui da Vara também possa alimentar, no caso da minha
ausência ou impossibilidade. As três assistentes sociais da equipe têm
acesso ao Cadastro, têm senha, e também os servidores do gabinete e da
secretaria, assim como a juíza. Mas essa parte de alimentar, de incluir o nome
de uma criança ou de um pretendente, geralmente o processo vem para o
Serviço Social e sou eu quem faço essa inclusão. (ENTREVISTADA, em 28
de agosto de 2019).

A partir do momento que eu incluo uma criança no Cadastro, já procedo com


as buscas. Porque quando eu coloco os dados dessa criança, já vou buscar
os pretendentes que estão dentro do perfil dela. Então acaba que eu faço
logo esse trabalho de vinculação: quando eu incluo o nome da criança vejo
os pretendentes que aparecem pra ela e respeitando a ordem cronológica do
Cadastro, quem está a mais tempo, eu procedo com a vinculação.
(ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

Como o próprio nome já diz, o Cadastro é Nacional. Ou seja, possibilita o


encontro entre a criança ou adolescente e seus pretendentes em qualquer Comarca
do Brasil, através do cruzamento dos dados. Assim, a técnica responsável pelo
manuseio do Cadastro faz o procedimento que se chama de vinculação.

Da mesma forma que a gente inclui o nome do pretendente, os dados dele, o


perfil da criança que ele quer, a gente também inclui os dados da criança, o
perfil dela: idade, o sexo, a raça, a cor. Então quando eu incluo os dados
dessa criança, automaticamente vai mostrar todos os pretendentes que estão
dentro do perfil dela. Isso acontece a nível de Brasil, o Cadastro cruza esses
dados, mas eu é quem vou vincular. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de
2019).
P á g i n a | 129

E esse é um dos grandes méritos do CNA: utilizar a informatização em favor da


materialização do direito fundamental à convivência familiar, reduzindo a distância
geográfica e o tempo de espera. Em funcionamento há pouco mais de uma década,
milhares de famílias já foram formadas e muitas outras estão sendo contempladas de
forma cada vez mais célere, na perspectiva de reduzir o tempo da criança ou do
adolescente na instituição de acolhimento.
Nesse momento de aquisição de tantas informações, surge uma outra questão
que não estava previamente no roteiro, mas cremos ser pertinente: é possível o
pretendente estar habilitado, inserido no CNA e ter o cadastro suspenso?

Sim, pode acontecer. Por exemplo, nós temos uma situação aqui em que a
pretendente está em primeiro, mas o Cadastro dela está suspenso por que
ela devolveu uma criança. Então enquanto não se resolve essa situação ela
não pode ser vinculada a nenhuma criança. Quando eu incluo uma criança
que ela aparece como primeiro nome pra essa criança eu não posso vincular.
Eu vou vincular ao pretendente que vem em seguida. E quando eu faço a
vinculação do pretendente, logo eu entro em contato para comunicar.
(ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).

Apesar de estar previsto no ECA que a adoção é irrevogável, existem casos


em que os pais não conseguem se adaptar ao filho, de forma geral, em virtude dos
conflitos e adversidades, decorrendo daí a vontade de devolver a criança ou o
adolescente à instituição de acolhimento. Trata-se de uma questão absolutamente
delicada, que deixa marcas profundas, difíceis de serem superadas, afinal, estará
sendo vivenciada novamente a situação de abandono.
Após esgotadas as tentativas de adaptação, embora seja uma decisão
dramática, acontece a devolução, pois a justiça entende que permanecer em um
ambiente onde a presença é indesejada fere ainda mais o princípio da proteção
integral.
Como forma de coibir que esse fato aconteça e de punir as pessoas que
acabam por submeter o infante a situação de duplo abandono, a Lei nº 13.509
acrescentou ao ECA: “Artigo 197-E § 4º - Após 3 (três) recusas injustificadas, pelo
habilitado, à adoção de crianças ou adolescentes indicados dentro do perfil escolhido,
haverá reavaliação da habilitação concedida”. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017).
(BRASIL, 2017).
É necessário prudência, responsabilidade e sensibilidade por parte dos
servidores da VIJ para tentar evitar que ocorram situações como essa. Por isso, a
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entrevistada ressaltou anteriormente sobre ouvir com atenção as motivações do


pretendente e quando for um casal, ouvi-los separadamente, e incentivar a
participação nos encontros preparatórios.
Sabemos que não há como garantir uma margem de 100% de sucesso dos
processos, mas na Comarca de Mossoró as estratégias utilizadas tem surtido um
efeito efetivamente positivo, pois a entrevistada relatou que desde que começou a
trabalhar na VIJ, no ano de 2014:

Tivemos apenas dois casos de devolução. As crianças eram acolhidas aqui,


foram recebidas cada uma por um casal que estava no Cadastro e após um
período do estágio de convivência foram devolvidas. (ENTREVISTADA, em
28 de agosto de 2019).

Podemos imaginar que foi um momento difícil para todos os envolvidos, mas é
claro que, com ônus para os infantes, que despertam em si a esperança de voltar a
uma convivência familiar. Por outro lado, o que serve de alento nas situações
relatadas é que os processos estavam em estágio de convivência, fase em que as
relações entre adotante e pretendente estão sendo moldadas, o que nos leva a
deduzir que os sentimentos filiais ainda não estavam solidificados.
Apesar de sua irrevogabilidade, existem os casos em que o processo retrocede
e é desfeito, então a criança ou adolescente retorna para a instituição de acolhimento
e é reinserida no Cadastro de Adoção13.
O desenvolvimento das novas relações entre pai/mãe e filho deve ser uma via
de mão dupla: o pai/mãe deve desejar a criança e da mesma forma, a criança deve
desejar viver com a família, estar disposta a aceitá-la. É interessante sublinhar a
importância dessa atitude porque na adoção a criança/adolescente é encaminhada
pelos profissionais para a nova família e, por vezes, mesmo já tendo um nível de
consciência que lhe permite compreender o que é a adoção, é visto e tratado mais
como objeto do que como um sujeito de direitos.

Nesse processo, é fundamental a atitude do adotante, de se mostrar


disponível para ser adotado pela criança numa postura mais passiva do que
ativa. A criança necessita se sentir livre para a sua escolha e, ao mesmo
tempo, segura de que é querida, é aceita. Isso nem sempre acontece nas

13 Seria interessante trazer dados quantitativos a nível nacional dos casos de devolução. Porém, a
informação não está disponível no site do Conselho Nacional de Justiça. Ao que nos parece, esse
registro é feito apenas a nível regional, em cada Comarca.
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primeiras semanas ou meses de convivência. A angústia dos pais, ante a


incerteza de ser aceito pelo filho, que ainda resiste a lhe chamar de pai/mãe,
muitas vezes, pode ser o passo inicial para as dificuldades de adaptação da
criança numa família. (VARGAS, n.d., p. 1).

Mesmo diante das dificuldades e resistências iniciais que venham a surgir, é


importante que a mãe e/ou o pai vivenciem as situações pelo prisma de se manterem
firmes na missão de ser família para o novo filho que por eles mesmos foi escolhido,
com a consciência de que toda relação entre humanos é perpassada por adversidades
que devem ser vivenciadas com paciência e afeto. Ou seja, a possibilidade de
devolução não deve (ou, pelo menos, não deveria) ser cogitada e nem levada adiante
como fazem alguns pais/mães adotivos.
No decorrer da entrevista foi perceptível que há uma preocupação e um
cuidado até mesmo após a conclusão da adoção, pois a entrevistada mencionou que
realiza um certo acompanhamento que não se estende por muito tempo em virtude
da demanda de processos em andamento, bem como, dentre outros atendimentos e
atividades por ela realizados. Mesmo quando é concluído o acompanhamento oficial,
uma boa parte dos pais e mães prossegue mantendo contato, mandando fotos,
relatando os desafios e alegrias da vida cotidiana da nova família.
Com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados do pretendente
são inseridos no CNA, observando-se a ordem cronológica da decisão judicial.

É uma ordem cronológica pra pretendentes que tenham o mesmo perfil ou


perfis parecidos. Nós temos pretendentes que aceitam crianças de zero a dez
anos. Mas temos pretendentes que só aceitam crianças até dois anos, ou até
cinco anos. Por exemplo, se surgir um bebê, vai chamar todos os que aceitam
a partir de zero anos. Vai de acordo com o perfil e respeitando a ordem
cronológica. É claro que um pretendente que quer um perfil mais amplo: faixa
etária maior, aceita grupo de irmãos, que aceita uma criança com deficiência
ou com problema de saúde, com certeza vai adotar primeiro do que o
pretendente que tem o perfil mais restrito. Nessa situação a ordem
cronológica fica em segundo plano. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de
2019).

Complementamos a fala acima com a previsão legal que consta no ECA:

Artigo 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros


referidos no art. 5014 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita

14 Artigo 50 - § 13 Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil
não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
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de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade


de crianças ou adolescentes adotáveis. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 1º A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser
observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art.
50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do
adotando. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). (BRASIL, 2019).

Com esse artigo, temos o estabelecimento de um critério objetivo para a


seleção dos pretendentes que se encontram na mesma condição: a ordem
cronológica da inscrição.

Não se trata, no entanto, de uma operação “matemática”, sendo possível, de


forma também criteriosa e justificada, deixar de observar a ordem cronológica
das inscrições, quando as peculiaridades do caso determinarem tal solução
excepcional. Em qualquer caso, é necessário que o chamamento dos
interessados seja devidamente fundamentado, devendo o Ministério Público
acompanhar e mesmo participar do processo de seleção. (DIGIÁCOMO;
DIGIÁCOMO, 2017, p. 340, grifo dos autores).

Foi somado ao ECA a Lei nº 12.955, de 5 de fevereiro de 2014, que “Acrescenta


o § 9º ao art. 47 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), para estabelecer prioridade de tramitação aos processos de adoção em
que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica”.
(BRASIL, 2014). Com o advento da nova legislação, se busca um melhor e mais ágil
acesso desse público às famílias adotivas, melhorando, consequentemente, seu
desenvolvimento e proporcionando a sua inclusão no seio familiar e, posteriormente,
nos demais espaços sociais.
Entendemos este dispositivo de lei como uma das formas de investir ativamente
em meios de tornar realidade a inclusão social através dos processos de adoção de
crianças e adolescentes com deficiência. Por outro lado, enfatizamos que se trata de
um assunto que precisa ter mais visibilidade e debate, pois a deficiência acaba se
tornando um fator complicador para os que estão à espera de um lar.
Falar sobre crianças e adolescentes com deficiência disponíveis para adoção
encaminha nossa entrevista para um aspecto delicado e polêmico: o perfil que os
pretendentes esperam do seu futuro filho e o perfil que está no CNA.

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e
afetividade; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou
adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e
afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts.
237 ou 238 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
P á g i n a | 133

5.2.1 Eu quero adotar um filho! Conhecendo o perfil dos pretendentes a adotar

Para desenvolvermos essa reflexão, a entrevistada nos mostrou o CNA através


do seu acesso e nos repassou algumas informações.
Primeiramente, ao se debruçar sobre esse tema, que tem passado por
constante ressignificação, não há como não nos despertar o interesse em conhecer
quem são os pretendentes a adoção. Embora não seja via um contato pessoal, por
meio das informações obtidas no Cadastro de Adoção foi possível delinear o perfil e
responder: quem são as pessoas habilitadas a adotar na Comarca de Mossoró?
A amostragem da nossa pesquisa é composta por 64 pretendentes ou 33
habilitações, que datam de 2014 a 2019, apresentada de forma detalhada em seus
matizes.
Dos 64 pretendentes, no item estado civil temos que dois são solteiros, um
homem e uma mulher. E 31 são casados, sendo 28 héteros e 3 homoafetivos15.

Gráfico 1 – Estado civil dos pretendentes

ESTADO CIVIL

93,94%

6,06%

Casados/União estável Solteiros

(Fonte: Elaboração própria)

No Cadastro não pergunta sobre a orientação sexual do casal, haja vista que,
“[...] a orientação sexual não deve ser um quesito a ser investigado, sendo

15 Homoafetividade: neologismo cunhado para evidenciar que os relacionamentos entre pessoas do


mesmo sexo, também constituem entidade familiar pois são edificados pelo afeto, elemento
identificador dos relacionamentos merecedores da tutela jurídica. Já se encontra dicionarizado e
inserido na linguagem comum, não só no Brasil, mas em vários países do mundo. (DIAS, 2016, p. 51).
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fundamental que os profissionais revejam seus posicionamentos e elaborem discursos


menos estereotipados quanto aos papéis de gênero e funções parentais”. (CECÍLIO;
SCORSOLINI-COMIN, 2018, p. 507). Mas a informação fica nítida no item de
identificação da/do parceira/ro do pretendente, em que é colocado o seu nome.

A família nuclear constitui-se ainda como modelo de família majoritário,


porém, a realidade é que cada vez mais tem surgido novos arranjos
familiares. Faz-se, então necessário ressignificar os modelos familiares
abrangendo suas novas modalidades de relacionamentos, em especial a
família formada por casais homoafetivos, com ou sem filhos, que vem
tentando ocupar seu espaço e lutando para ter seus direitos assegurados.
(FERREIRA; CHALHUB, 2014, p. 30).

O fato de a constituição das famílias por casais héteros ainda ser predominante
não ofusca ter também casais homoafetivos, visto que, o ponto principal a ser
considerado é que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, precisam e
merecem ter uma família, e isso independe do fato de ser família constituída por um
casal homoafetivo ou heterossexual.
Salientamos ainda, o fato de ter duas pessoas solteiras, o que mostra que a
adoção não está condicionada ao fato de se ter um/a companheiro/a, mas a vontade
de ser família para quem não a tem.
Afinal, o que realmente importa não é a orientação sexual do pretendente ou
que seja necessariamente um casal, e sim, que a criança ou adolescente seja cuidado
em um ambiente que lhe proporcione o desenvolvimento físico e mental saudáveis.
Quanto a faixa etária dos pretendentes, temos:

Gráfico 2 – Faixa etária dos pretendentes

FAIXA ETÁRIA

50%

42,19%

3,13% 4,68%

28 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60 a 69 anos


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(Fonte: Elaboração própria)

A faixa etária é de pessoas consideradas adultas, fase da vida em que, apesar


das adversidades econômicas, espera-se ter um emprego estável, com equilíbrio
financeiro, para que possa prover as condições objetivas necessárias para a
sobrevivência. Como também, nessa fase a atenção se volta para a constituição da
família, através do casamento e/ou dos filhos.
A organização familiar que já existe no cotidiano dos pretendentes, no que
concerne a ter ou não filhos, é mais uma informação constante no CNA, a qual é
contabilizada por habilitação.

Gráfico 3 – Se os pretendentes já tem filhos

SE JÁ TEM FILHOS

51,51%

42,43%

6,06%

Não tem filhos Tem filho biológico Tem filho adotivo

(Fonte: Elaboração própria)

Uma parcela dos pretendentes ainda não tem filhos, informação essa que
confirma o que já se espera quando alguém procura a adoção: a vontade de ter um
filho. Em contraponto, merece destaque também o fato de que quase metade dos
habilitados já tem um filho, sendo dois deles adotivos.
As próximas informações são sobre dois aspectos que são proporcionais e se
complementam: o nível de escolaridade (por pretendente) e a renda mensal (por
habilitação).
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Gráfico 4 – Nível de escolaridade dos pretendentes

NÍVEL DE ESCOLARIDADE

62,50%

28,13%

6,25% 1,56% 6,25% 1,56%

Ensino superior Ensino médio Ensino fundamental


Curso técnico Ensino fundamental Alfabetizado

(Fonte: Elaboração própria)

Gráfico 5 – Renda mensal dos pretendentes

RENDA MENSAL

48,48%

36,37%

15,15%

1 a 5 salários mínimos: 6 a 10 salários mínimos


Acima de 11 salários mínimos

(Fonte: Elaboração própria)

A variedade do grau de escolaridade dos pretendentes, que vai do alfabetizado


ao nível superior, expõe que a intenção de adotar não está ligada ao ensino que se
teve acesso. Mais que isso, expressa a perspectiva de vida, de organização familiar
que essas pessoas têm.
Em relação ao grau de escolaridade, em que a maioria dos pretendentes à
adoção tem nível superior e é de classe média ou alta, “[...] pode ser consequência da
condição financeira ser muito considerada no processo, principalmente deverá ter
P á g i n a | 137

uma profissão que garanta fornecer condições básicas para a sobrevivência da


criança”. (SILVA; MESQUITA; CARVALHO, 2010, p. 196).
Ao concluir a etapa de habilitação, o pretendente é inserido no Cadastro de
Adoção, no qual responde quais as características esperadas entre: sexo, idade,
raça/cor, se aceita grupo de irmãos, se aceita com deficiência ou doença crônica e
qual o Estado de origem.
Silva (2011, p. 56) explica que “A característica do filho adotivo é um processo
que, em razão de questões históricas ligadas aos ideais de família, nos leva a refletir
sobre a construção na sociedade de estereótipos e preconceitos”. Existem inúmeras
pesquisas voltadas para o perfil solicitado pelos pretendentes, as quais possibilitam
perceber que a realidade encontrada nas Varas da Infância e Juventude espalhadas
pelo Brasil condizem com a afirmação da autora.

5.2.2 A idealização não corresponde à realidade: conhecendo o perfil das crianças


e adolescentes disponíveis para adoção

Nessa esteira, examinamos o perfil esperado pelos pretendentes habilitados


em Mossoró nesse ano de 2019. Em concomitância, trazemos também o quantitativo
do Relatório de Pretendentes16, a nível nacional, organizado pelo CNJ e
disponibilizado em seu site. São informações públicas, que podem ser acessadas por
qualquer pessoa que tenha interesse sobre a temática. A partir dele, colhemos
algumas informações para fazer um paralelo com a realidade da VIJ de Mossoró.
Temos consciência de que retratar informações da VIJ de apenas uma
Comarca é uma pequena amostragem, mas a partir dessa pesquisa, damos
visibilidade a realidade local que serve para ajudar a compreender o cenário mais
amplo no que concerne a esse aspecto tão polêmico e delicado, que é o perfil exigido
pelos pretendentes.
Quando está devidamente habilitado e é inserido no Cadastro de Adoção, o
pretendente tem o direito de informar toda uma série de características que espera do
futuro filho. “Esse parece ser um procedimento constante em todas as comarcas e
faz-se isso até para poupar tempo e trabalho das assistentes sociais, evitando a

16 Durante a pesquisa, o Relatório de Pretendentes contava com 42.529 pretendentes disponíveis.


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apresentação de uma criança com um perfil não desejado que fatalmente será
rejeitada”. (VIEIRA, 2004, p. 77).
As informações aqui dispostas seguem a mesma ordem de como pede o
Cadastro de Adoção. A primeira é sobre o sexo esperado: menina ou menino.

Gráfico 6 – Sexo

SEXO

63,64%

27,27%

9,09%

Sem restrição Feminino Masculino

(Fonte: Elaboração própria)

A maioria das habilitações não faz restrição quanto ao sexo esperado. Trata-se
de uma informação bastante positiva, pois a construção de um perfil idealizado
começa a partir da escolha entre menina ou menino, por, no senso comum, ainda se
evidenciar a ideia de que existem características inatas a uma pessoa conforme o seu
sexo que podem influenciar na personalidade, no jeito de ser e, por conseguinte,
poderá ser mais fácil ou difícil a sua criação.

A preferência por meninas pode ser explicada pela idealização de que as


garotas são mais dóceis mais fáceis de criar, mais companheiras e mais
caseiras do que os meninos. A ideia de que um filho do sexo masculino
poderá dar mais trabalho apoia-se na crença de que os meninos são mais
violentos, rebeldes menos apegados aos pais. (SILVA, 2011, p. 57).

Não há uma comprovação científica de que o comportamento de uma pessoa


seja determinado apenas pelo seu sexo biológico. Como a autora bem explicou, são
idealizações e crenças, ou seja, perspectivas do senso comum que não deveriam ser
P á g i n a | 139

levadas em consideração, mas que acabam por repercutir em escolhas reais sentidas
pelos que estão nas instituições de acolhimento aguardando uma família.
Na escolha do sexo o Relatório Nacional aponta que a preferência segue a
mesma lógica local.

Quadro 2 – A escolha dos pretendentes quanto ao sexo da criança

13. Total de pretendentes que desejam adotar crianças TOTAL


PORCENTAGEM
pelo sexo. 42.517
13.1 Total de pretendentes que desejam adotar somente
3.463 8.14%
crianças do sexo masculino:
13.2 Total de pretendentes que desejam adotar somente
11.552 27.16%
crianças do sexo feminino:
13.3 Total de pretendentes que são indiferentes em
27.514 64.69%
relação ao sexo da criança:
(Fonte: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, online).

O fato de mais da metade das habilitações não ter preferência quanto ao sexo
é bastante relevante. Todavia, atentamos também para a quantidade de pretendentes
que querem apenas meninas, o que está relacionado ao estereótipo cultural de
gênero.

Os estudos sobre gênero analisam os papéis e responsabilidades atribuídas


ao homem e a mulher no contexto da nossa sociedade como se fossem
expectativas de certas características, aptidões e comportamentos prováveis
de cada um deles (a feminilidade e a masculinidade). (SILVA, 2011, p. 57).

Mediante o exposto, temos que a ideia de “criar uma menina é mais fácil do que
criar um menino”, sustentada na diferença biológica entre os sexos, é culturalmente
forte em nosso país, a ponto de ser naturalizada. É preciso desmistificar esse tipo de
projeção direcionada ao menino e a menina e compreender que, independentemente
do sexo do futuro filho ou filha, certamente acontecerão os desentendimentos, que
devem ser suplantados pela construção da afetividade e do diálogo.

[...] existem “conflitos e tensões” no decorrer de toda a existência da família.


Tais conflitos podem ser manifestos ou latentes. A forma de lidar com os
conflitos pode variar de modelos autoritários e intolerantes, nos quais
predomina um relacionamento adultocêntrico, de opressão e silenciamento
dos mais fracos, em geral, as crianças. O modo de lidar com os problemas
pode ser também democrático e de respeito pelas diferenças, e mesmo de
valorização da crise, quando o modo preferencial de lidar com as dificuldades
é pelo entendimento, pela linguagem, pela conversa. (VICENTE, 2011, p. 54).
P á g i n a | 140

A opção de escolha seguinte é quanto a faixa etária que deve ter o adotando.

Gráfico 7 – Faixa etária

FAIXA ETÁRIA
54,55%

33,33%

12,12%

0 a 3 anos 0 a 5 anos 0 a 10 anos

(Fonte: Elaboração própria)

Na maior parte das habilitações “[...] a preferência é por crianças recém-


nascidas, que pode ser justificada pela expectativa das famílias adotantes de controlar
os possíveis problemas que podem surgir no futuro com uma criança adotada”.
(SILVA, 2011, p. 58). Logo, quanto menos idade tiver a criança, melhor se adaptará a
nova família.
Com efeito, é compreensível que para muitas pessoas o sentir-se pai ou mãe
esteja conexo a participar de todas as fases da vida, desde a mais tenra idade,
passando pela experiência de poder pega-la em seus braços e fazer os primeiros
ensinamentos. Entretanto, é preciso compreender que, por diversos motivos, nem
sempre isso será possível no processo de adoção.
A priori, devemos dar relevo as formas como se chega à instituição de
acolhimento: por orfandade ou por destituição do poder familiar.
Atualmente, são poucas as crianças que vão para a instituição de acolhimento
por questão de orfandade. A redução da mortalidade materna durante o parto e o pós-
parto, os atendimentos de saúde mais eficazes, até mesmo o abandono do infante,
são situações de pouquíssima incidência. O que, inclusive, levou a supressão da
terminologia orfanato.
A outra via é por meio da destituição do poder familiar. Trata-se de um longo
caminho, porque como bem expressa a legislação infanto juvenil, a prioridade deve
ser dos pais biológicos e, por conseguinte, da família extensa. Destarte, cabe a equipe
P á g i n a | 141

da política de assistência social trabalhar junto a família para que a situação de


vulnerabilidade seja sanada e a criança possa retornar ao lar. Afinal, por mais adverso
que seja esse contexto, é onde ela mais quer estar, junto aos seus e a sua
comunidade.
Não temos como afirmar precisamente nesse trabalho quanto tempo dura o
procedimento de reinserção familiar, pois são inúmeras as variáveis que perpassam
cada caso: vulnerabilidades referentes as diversas formas de violência, existência ou
não de família extensa que possa assumir a guarda, aspecto econômico, entre outras,
as quais devem ser minuciosamente consideradas, como também, a forma de atuação
da equipe envolvida. O que se espera, é que o melhor interesse da criança seja
respeitado, e aí encontra-se a celeridade das ações para que não fique por um período
prolongado na instituição de acolhimento.
Não estamos a defender que a criança deve voltar para o seio familiar por
incontáveis vezes. E sim, que deve ser seguida a legislação quando diz que devem
ser esgotadas todas as possibilidades entre a família de origem, para que não seja
feita uma penalização tão drásticas em virtude de uma situação de contingência que,
por vezes, envolve as condições objetivas e a falta ou pouco acesso as políticas de
proteção social.
Até que seja concluído o processo, decretada a extinção do poder familiar e a
criança seja inserida no CNA, ela vai crescendo na instituição que, por melhor que
seja no cumprimento de sua função, não substitui uma família. Com o avançar da
idade, o nível de compreensão da criança vai se consolidando e ela percebe que vão
se estreitando as possibilidades de adoção.
Mediante esse cenário, fica patente entender que escolher apenas crianças
recém-nascidas ou de pouca idade foge da lógica de como acontece a destituição do
poder familiar. Fazer tal restrição torna dramática as possibilidades futuras das
crianças maiores e, principalmente, dos adolescentes, despontando assim o tema da
adoção tardia.

Tardia é um adjetivo usado para designar a adoção de crianças maiores.


Considera-se maior a criança que já consegue se perceber diferenciada do
outro e do mundo, ou seja, a criança que não é mais um bebê, que tem uma
certa independência do adulto para satisfação de suas necessidades básicas.
Vários autores consideram a faixa etária entre dois e três anos como um limite
entre a adoção precoce e a adoção tardia. (VARGAS, n.d., p. 1, grifo da
autora).
P á g i n a | 142

É pertinente problematizar que o uso do termo adoção tardia, apesar de ter se


tornado recorrente, pode remeter à ideia de algo que se realiza fora de um tempo
adequado e, assim, estaria reforçando a crença que associa a adoção a crianças
recém-nascidas ou de pouca idade. E para as mais velhas, é imputada uma toda carga
de expectativas negativas.
Essa é uma das faces da adoção, a qual não poderíamos nos furtar de
mencionar, pois os números mostram que as crianças de mais idade e os
adolescentes compõem a parcela dos que estão destinados a um período muito
extenso de institucionalização e são vitimadas por um duplo abandono: da família
biológica e dos pretendentes a adoção. Como foi exposto no gráfico, nenhum pretende
em Mossoró se dispôs adotar uma criança com idade superior a 10 anos.
Ao estudar sobre o tema de adoção tardia, Vargas traz uma explicação sobre
a origem desse público:

[...] ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstâncias


pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando
delas ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou
incapazes de mantê-las em seu pátrio poder, ou, ainda, foram ‘esquecidas’
pelo Estado desde muito pequenas em ‘orfanatos’ que, na realidade,
abrigam uma minoria de órfãos [...]. (VARGAS, 1998, p. 35).

A nível nacional, os números estão em uma triste sintonia com a realidade local.

Quadro 3 – A escolha dos pretendentes quanto a idade da criança

16. Total de pretendentes que desejam adotar crianças TOTAL


PORCENTAGEM
pela faixa etária. 42.517
16.1 Total de pretendentes que aceitam crianças com
4.785 11.25%
até 1 anos de idade:
16.2 Total de pretendentes que aceitam crianças com
6.305 14.82%
até 2 anos de idade:
16.3 Total de pretendentes que aceitam crianças com
7.786 18.3%
até 3 anos de idade:
16.4 Total de pretendentes que aceitam crianças com
6.539 15.37%
até 4 anos de idade:
16.5 Total de pretendentes que aceitam crianças com
6.681 15.71%
até 5 anos de idade:
16.6 Total de pretendentes que aceitam crianças com
4.508 10.6%
até 6 anos de idade:
16.7 Total de pretendentes que aceitam crianças com
2.485 5.84%
até 7 anos de idade:
P á g i n a | 143

16.7 Total de pretendentes que aceitam crianças com


1.393 3.27%
até 8 anos de idade:
16.9 Total de pretendentes que aceitam crianças com
588 1.38%
até 9 anos de idade:
16.10 Total de pretendentes que aceitam crianças com
611 1.44%
até 10 anos de idade:
16.11 Total de pretendentes que aceitam crianças com
232 0.55%
até 11 anos de idade:
16.12 Total de pretendentes que aceitam crianças com
189 0.44%
até 12 anos de idade:
16.13 Total de pretendentes que aceitam crianças com
112 0.26%
até 13 anos de idade:
16.14 Total de pretendentes que aceitam crianças com
60 0.14%
até 14 anos de idade:
16.15 Total de pretendentes que aceitam crianças com
45 0.11%
até 15 anos de idade:
16.16 Total de pretendentes que aceitam crianças com
30 0.07%
até 16 anos de idade:
16.17 Total de pretendentes que aceitam crianças com
34 0.08%
até 17 anos de idade:
16.18 Total de pretendentes que aceitam crianças com
156 0.37%
até 17 anos de idade e 11 meses:
(Fonte: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, online).

É preciso atentar ao fato de que a escolha por crianças de menor idade não
acontece de forma despretensiosa. Silva (2011, p. 61) leciona que, de forma geral, os
pretendentes ancoram essa predileção “[...] em um falso pressuposto de que as
adoções de bebês significam sempre a garantia de relações sem conflito, ou seja,
adoções de sucesso e, no caso das crianças mais velhas, profeticamente representam
o fracasso”.
Na pesquisa realizada por Camargo (2005) sobre o tema adoção tardia, são
elencados motivos em diversos âmbitos que levam os pretendentes a não escolher
uma criança de mais idade, dos quais citamos alguns deles.

O medo manifestado por muitos casais e famílias postulantes à adoção de


que a criança adotada, principalmente a que tem idade igual ou superior a
dois anos, por ter permanecido um longo período de seu processo
desenvolvimental na instituição ou transitando entre diferentes famílias, não
se adapte à realidade de uma família em definitivo, por crer
(equivocadamente) que a mesma já terá formado sua personalidade, caráter
e por ter se lhe incorporado “vícios”, “má educação”, “falta de limites” e
“dificuldade de convivência”.
P á g i n a | 144

A negativa expectativa quanto à possibilidade do estabelecimento de vínculos


afetivos entre os adotantes e a criança tendo em vista seu histórico de
rejeição e abandono associado à consciência de sua não pertença (biológica)
à família adotiva.
O mito de que ao longo do processo de desenvolvimento da criança, seus
desejos por conhecer a família biológica serão intensificados de modo a
comprometer a relação com a família adotiva, sendo este o motivo de
constantes conflitos que, quase sempre, culminam com a revolta e/ou fuga
do filho adotivo. (CAMARGO, 2005, p. 80-81, grifos do autor).

A visão fatalista de que o público em comento é sinônimo apenas de problemas


ou de insucesso precisa ser cada vez mais debatida para que assim, possa ser
desconstruída. Para tanto, são plausíveis as pesquisas voltadas especificamente para
o tema da adoção tardia, tal como a do autor supramencionado, da professora doutora
em psicologia Marlizete Vargas, entre tantas outras que se voltam para romper com
os perfis esperados pelos pretendentes.
Para se dispor a adotar, o pretendente não precisa de significativas condições
materiais. Muito mais se exige de sua disponibilidade afetiva para iniciar um novo
capítulo na história daquele que aguarda por uma família, que apesar de ter uma
subjetividade fragilizada por experiências negativas, não deve ser visto apenas de
forma unidimensional. E sim, como um ser de potencialidades, com capacidade para
recomeços.
É possibilitado também ao pretendente escolher quanto a cor da pele da
criança que espera adotar, assinalando no Cadastro a opção raça/cor. Os
pretendentes de Mossoró fazem a escolha da seguinte forma.

Gráfico 8 – Raça/cor

RAÇA/COR
54,55%

18,18% 3,03% 6,06% 3,03% 15,15%

Sem restrição
Branca ou parda
Parda
Branca
Parda ou indígena
Marcou as demais opções, exceto negra
P á g i n a | 145

(Fonte: Elaboração própria)

A partir desse gráfico, inferimos que se a maior parte das habilitações assinala
não ter restrição quanto a cor da pele, temos a animadora notícia de que estão abertos
a adoção interracial.
A prática de não mais escolher a criança pela cor da pele é uma mudança que
vem acontecendo recentemente, estimulada por campanhas promovidas pelo
judiciário, pelos Grupos de Apoio a Adoção, e até mesmo em virtude da experiência
positiva vivenciada por artistas que realizaram esse tipo de adoção, repercutida pela
mídia.
“[...] os registros do Conselho Nacional de Justiça mostram que houve um aumento
médio de 32% na preferência por crianças e adolescentes negros nos últimos cinco anos no
país”. (VELASCO; REIS, 2017, n.p.). Apesar de ser uma informação alentadora, não
podemos parar nos avanços auferidos. É preciso romper com o mito de que existe
uma democracia racial no Brasil e insistir nas ações afirmativas, na perspectiva de
assegurar a todas as crianças e adolescentes o seu direito a convivência familiar.

No direito da Criança e do Adolescente devem surgir ações no sentido de


assegurar melhores condições de vida para crianças e adolescentes
negros, e, sendo assim, é necessário providenciar políticas públicas de
ações afirmativas como meio indispensável para a concretização dos
direitos das crianças e adolescentes negros. Não se pode permanecer com
a cultura política do tratamento igualitário às crianças e adolescentes
desconsiderando suas desigualdades sociais. (CUSTÓDIO; LIMA, 2008, p.
255).

Quanto ao significativo número de habilitações que não aceitam crianças


negras,

Os estudos que tratam do tema da adoção de crianças têm dado destaque


para a presença do preconceito racial, ao denunciar que a imensa maioria
das crianças abandonadas e deixadas para adoção é negra, e que, por essa
razão, não são escolhidas. Prevalece a preferência por meninos e meninas
brancos refletindo um padrão eurocêntrico. (SILVA, 2011, p. 64).

A predileção por crianças brancas ou, em alguns casos, não negras, é um


aspecto perverso da realidade brasileira sobre a adoção. Ao consultarmos o Relatório
de Pretendentes do CNJ temos a confirmação dessa realidade: o total de
pretendentes que aceitam crianças brancas é de 92,53% e os que aceitam crianças
negras é de 56,36%.
P á g i n a | 146

Em um contexto em que quase 100% dos pretendentes aceitam adotar uma


criança branca e pouco mais da metade aceita uma criança negra, fica explícito que
é fundamental um trabalho de sensibilização sobre essa prática racista. Talvez, para
algumas pessoas, seja reproduzida de forma não consciente, sem uma reflexão mais
acurada do motivo que leva a essa escolha e sobre as consequências negativas que
impactam na vida da criança e do adolescente.

A busca pelos assemelhados e a dificuldade de aceitar crianças que não se


encaixem nos padrões da estética vigente no imaginário da sociedade
brasileira, são aspectos que têm sido incorporados no interior das práticas
judiciárias, e revelam a intolerância às diferenças raciais, e a negação à
diversidade étnico-cultural. (RUFINO, 2003, p. 40).

No debate sobre adoção interracial são compreensíveis os argumentos do


desejo dos pretendentes em ter um filho com quem possam se identificar a partir dos
traços físicos e que somos fortemente condicionados por diversas forças da nossa
sociedade a pensar que a maternidade/paternidade biológica é preferível à filiação
adotiva. Mas no momento em que a escolha da cor da pele passa a ser decisiva, o
que ocorre é uma supervalorização desse aspecto, como se o ser humano fosse
resumido somente a essa característica, a de ser ou não negro. Dessa forma,
materializa-se uma negação das bases sociais e culturais, sustentáculos da história
da sociedade brasileira. Relegar uma criança por motivos superficiais como a cor da
pele e suas características físicas é, sem dúvidas, uma atitude míope, imbuída de
racismo, que não enxerga a potencialidade dos vínculos que podem ser
desenvolvidos.
A existência do preconceito no Brasil é um fato. Não raro, são noticiados relatos
de famílias que sofrem com o racismo vivenciado por suas crianças adotadas. Ao
mesmo tempo, essa pode ser uma experiência de fortalecimento dos laços afetivos e
do despertar de uma consciência política para atitudes afirmativas.
Através das informações que estão sendo apresentadas tem ficado nítido que
existe um perfil idealizado pelos pretendentes. E no quantitativo que se segue,
percebemos que as crianças e adolescentes com alguma doença crônica ou
deficiência não são escolhidos.
P á g i n a | 147

Gráfico 9 – Doença crônica ou deficiência

DOENÇA/DEFICIÊNCIA
45,45%
42,42%

12,12%

Saudável Doença tratável Sem restrição

(Fonte: Elaboração própria)

Durante o processo de gestação, a maioria dos pais e mães começam a se


preparar para a chegada do filho e o principal desejo é que ele venha em perfeitas
condições de saúde. Contudo, por diversos motivos, tais como: problemas genéticos,
doenças gestacionais, agravante no momento do parto, ou até mesmo alguma
sequela adquirida, podem acarretar uma doença crônica ou uma deficiência.
Quando essa criança sai do convívio da família biológica e vai para uma
instituição de acolhimento ficar no aguardo de ser adotada tem início uma trajetória
dramática, marcada pela rejeição dos pretendentes.
Como aponta o gráfico acima, apenas quatro habilitações não têm restrição e
as demais não aceitam uma criança ou adolescente com deficiência. E caso tenha
alguma doença, que seja tratável.
A nível nacional, o quadro de exclusão se mantém. No Relatório de
Pretendentes do CNJ o total de pretendentes que somente aceitem crianças sem
doença é de 61,05%, que aceitam com alguma deficiência (mental ou física) é de
9,60% e os demais aceitam com doença tratável.
Weber (1995, p. 3) leciona que uma das justificativas dos pretendentes é que
“[...] teriam medo de adotar crianças com problemas de saúde pela incapacidade de
lidar com a situação e pelas despesas altas que teriam”.
Sobre a pouca aceitação da criança ou adolescente com deficiência,
concordamos com Ferreira; Sá (2015):
P á g i n a | 148

Crianças com deficiência compõem o grupo que está à espera de um novo


lar, porém, estas, infelizmente encontram maiores dificuldades nesse
processo, pois, embora essas crianças precisem de cuidados específicos, a
adoção de crianças com deficiência é o tipo mais raro. Provavelmente, devido
às limitações funcionais ou sensoriais advindas da deficiência, além do
preconceito que as acompanha. (FERREIRA; SÁ, 2015, p. 2).

Adotar uma criança com algum tipo de deficiência, é uma questão que envolve
amor, inspira maior atenção, suscita tempo. E não é uma prática que fica reclusa em
si mesma: ultrapassa a demanda particular e vai para as demandas coletivas, uma
vez que desponta a necessidade de ver concretizados os direitos desse segmento
por meio das políticas de inclusão.
A adoção de uma criança ou adolescente com doença crônica ou deficiência é
um tema que precisa ser mais debatido e aprofundado nas produções teóricas, para
que assim, possam ser melhor aceito e ter o seu direito à convivência familiar
materializado.
Dentre as tantas possibilidades, o pretendente escolhe também a quantidade
de crianças que aceita no item: grupo de irmãos.

Gráfico 10 – Grupo de irmãos

GRUPO DE IRMÃOS

66,67%

27,27%

3,03% 3,03%

Apenas uma criança Até dois irmãos Até três irmãos Até quatro irmãos

(Fonte: Elaboração própria)

A chegada de um filho traz alterações econômicas na família. Nas palavras de


Kusano (2011, p. 151). “Para que haja um bom desenvolvimento da criança ou do
adolescente, há que se atender às necessidades de ordem material (alimentação e
saúde, vestuário e moradia, educação, cultura e lazer)”. Nesse tocante, é razoável
P á g i n a | 149

que a maioria dos pretendentes queira apenas uma criança, para que possa prover
as condições objetivas a contento, tanto a nível local, como demonstra o gráfico, como
a nível de Brasil, em que o total de pretendentes que não aceitam adotar irmãos é de
62,86% e que aceitam é de 37,14%.
Mas devemos despertar para o fato de que, a depender da composição dos
grupos de irmãos,

[...] é possível se deparar com aqueles de idades mais restritas com elevadas
possibilidades de, em caso de autorização judicial para desmembramento,
serem adotados rapidamente. Ao passo que, para que os que tem idade mais
avançada, sobretudo, pré-adolescentes e adolescentes, a possibilidade de
adoção já se torna mais remota. (SOUSA, 2018, n.p.).

Tratando-se de adoção a não escolha tem um peso ainda maior que a escolha.
É preciso levar em conta que “Se a separação entre pais e filhos é um processo que
impinge elevada dor e sofrimento, igualmente o é a separação entre irmãos que
usufruam de afinidade e cumplicidade emocional”. (SOUSA, 2018, n.p.).
Considerando a importância da manutenção do vínculo entre os irmãos, o ECA
prevê que sejam acolhidos e encaminhados para a adoção juntos. A separação deve
ser a última opção mediante uma justificativa devidamente fundamentada.

Artigo 28 - § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou


guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de
risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a
excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso,
evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009).

Artigo 50 - § 15 Será assegurada prioridade no cadastro a pessoas


interessadas em adotar criança ou adolescente com deficiência, com doença
crônica ou com necessidades específicas de saúde, além de grupo de irmãos.
(Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019).

Ao acrescentar esses dispositivos ao ECA, a intenção do legislador é garantir


a proteção da relação afetiva, sobretudo, devido à ruptura dos vínculos com os pais
biológicos e, com isso, minorar o sofrimento emocional decorrente do abandono.
No caso de irmãos em acolhimento institucional, é natural que se crie entre
eles, na maioria dos casos, uma mutualidade protetiva, em especial, do mais velho
em relação ao mais novo. “Na hipótese de o magistrado autorizar a separação dos
irmãos, a recomendação da lei é no sentido de se tentar manter, mesmo após a
adoção, os laços de fraternidade”. (SOUSA, 2018, n.p.).
P á g i n a | 150

Por fim, o último aspecto a ser escolhido é quanto ao Estado em que o adotando
está residindo.

Gráfico 11 – Estado de origem

ESTADO DE ORIGEM
33,33%
30,30%

15,15%
12,13%
9,09%

Sem restrição
RN
RN, CE, PB
RN e demais Estados do Nordeste
RN, Nordeste e Estados de outras regiões

(Fonte: Elaboração própria)

Esse é um aspecto que incide diretamente na condição financeira. Embora o


processo de adoção seja gratuito em todo território nacional, é o pretendente quem
arca com os custos do deslocamento até a cidade em que se encontra o futuro filho.
Portanto, é compreensível que a maioria dos pretendentes escolha apenas o Rio
Grande do Norte e/ou os Estados limítrofes, Ceará e Paraíba.

São os pretendentes que vão arcar com toda a despesa referente a fase de
aproximação, o estágio de convivência e a viagem ir buscar o futuro filho. Nós
até tivemos um caso recente de um casal homoafetivo que tinha um perfil
bem amplo, aceitava grupo de até quatro irmãos. E surgiu um grupo de quatro
irmãos em uma Comarca no interior de um Estado do sul. Foi realizado todo
o procedimento e hoje as crianças estão com eles. Desde que as crianças
chegaram aqui eu sempre mantenho contato com esse casal. Eles mandam
fotos, dizem como está sendo a convivência, dão notícias sobre os meninos...
A gente sempre se coloca à disposição para orientar no que for necessário.
Inclusive, um deles conseguiu tirar a licença paternidade pra ficar com as
crianças. (ENTREVISTADA, em 13 de setembro de 2019).

Não obstante a adoção seja uma prática antiga, foi nas sociedades modernas
que crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos,
o que inclui o direito à convivência familiar. Mas quando o pretendente aponta uma
P á g i n a | 151

série de restrições acaba por estar fazendo uma inversão na lógica desse direito,
querendo dar a si uma criança e não uma família para a criança.
Ao se utilizar dessa lógica invertida, como fica o direito de ser filho daqueles
que não se encaixam no perfil predominantemente solicitado?
Fica apenas na letra da legislação, pois para que seja materializado, depende
de toda uma rede de profissionais, bem como, da mudança de paradigmas por parte
de quem tem o desejo de adotar, para que possa dispensar o idealizado e se conectar
a realidade posta nas instituições de acolhimento.
Não há como se debruçar sobre o tema adoção e não se sentir sensibilizada
com essa questão de perfil escolhido e não escolhido, pois a partir de um
conhecimento superficial, reproduzido cotidianamente nas diversas VIJ brasileiras,
são mantidas práticas estigmatizantes e segregadoras e, por isto, negadoras do direito
fundamental do público infanto juvenil à convivência familiar.
Importa expor igualmente o perfil das crianças disponíveis para adoção no
Cadastro em Mossoró.

Quadro 4 – Perfil das crianças disponíveis para adoção inseridas no CNA - Mossoró
Sexo Idade Raça/ Problema de saúde Grupo de Situação
Cor ou deficiência irmãos
1 M 2 meses Branca Não Não Em estágio de convivência
com os pretendentes.
2 F 11 meses Branca Não Não Está em aproximação com
os pretendentes.
3 M 2 anos Parda Não Não Está em aproximação com
os pretendentes.
4 F 7 anos Parda Não Sim Em estágio de convivência
com os pretendentes.
5 F 9 anos Parda Não Sim Em estágio de convivência
com os pretendentes.
6 F 5 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
7 F 7 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
8 M 8 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
(Fonte: Elaboração própria)

Essas crianças se encontram no Núcleo Integral de Apoio à Criança (NIAC) –


Pinguinho de Gente, instituição de acolhimento voltada para as crianças que se
P á g i n a | 152

encontram afastadas do convívio familiar de forma provisória ou definitiva e que


compõe a Proteção Social de Alta Complexidade de Mossoró.
Frisamos que esse não é número total de crianças que estão no NIAC nesse
momento. E sim, são os que se encontram disponíveis para adoção.

Um dado importante que temos que levar em conta é o número imenso de


crianças e adolescentes que vivem hoje nos serviços de acolhimento, mas
que não estão na lista da adoção pelo fato de ainda não terem sido destituídos
do poder familiar. Ou seja, foram afastados do convívio familiar (em geral por
terem sido vítimas de violência, negligência, abandono, maus-tratos), mas
ainda estão legalmente vinculados à família biológica e não podem ser
inscritas no CNA. Segundo dados de outubro de 2018, temos
aproximadamente 47 mil crianças e adolescentes em acolhimento no país,
enquanto apenas pouco mais de 9 mil dessas crianças e adolescentes estão
cadastradas no CNA. (CAMARGO, 2018, p. 31).

O cenário das adoções por via do Cadastro em Mossoró encontra-se bastante


favorável, pois todas as crianças disponíveis já estão vinculadas a pretendentes.
Certamente, pelo fato de corresponderem ao perfil idealizado: pouca idade, branca ou
parda, sem deficiência ou doença crônica. Apesar de ter dois grupos de irmãos, em
virtude das demais características não houve maiores dificuldades para fazer a
vinculação.
Sobre como acontece a fase de aproximação e o estágio de convivência, a
entrevistada fez a seguinte explicação:

Essa parte da aproximação fica sob a responsabilidade da instituição de


acolhimento. Quando é de uma criança menor, a aproximação e o início do
estágio de convivência se dão de forma mais rápida, né? Quando é uma
criança maior ou de um grupo de irmãos, essa aproximação acontece de
forma gradativa, de forma mais lenta e, consequentemente, o início do
estágio de convivência demora mais um pouco. Outro fator: quando vai se
iniciar a aproximação, as colegas lá do acolhimento costumam, antes de
qualquer coisa, conversar com o casal, com a família, e só a partir de então
é que se inicia o contato com a criança. Mas se for uma criança já um pouco
maior, que tenha já um entendimento sobre o que é a adoção, esse primeiro
contato é feito de forma coletiva. O casal costuma ir a dois ou três encontros
na instituição, onde ele vai ter contato não só com a criança que eles
pretendem adotar, mas com todas as outras crianças do acolhimento pra não
gerar nenhuma expectativa na criança, né? Então é feito inicialmente dessa
forma, o contato coletivo e só depois é que a equipe comunica a criança que
aquele casal que já esteve na instituição vai ser a sua nova família. A partir
daí é que começa a levar pra passar o dia, depois finais de semana, até poder
iniciar o estágio de convivência. (ENTREVISTADA, em 13 de setembro de
2019)

O momento da aproximação é deveras salutar, pois o pretendente já começa a


sentir como é o seu futuro filho, por meio desse contato inicial. Vargas (s.d.) explica
P á g i n a | 153

que a aproximação paulatina entre a criança e a sua nova família proporciona o ajuste
necessário entre a criança idealizada e a criança real, que está ali para ser adotada,
que tem a sua história e, a depender da idade, traços definidos e hábitos adquiridos
em relações anteriores. E a criança também precisa adaptar-se aos novos pais, tendo
em vista que, muitas vezes, a instituição reforça uma super idealização da família
adotiva.
O estágio de convivência, período de adaptação que antecede a adoção
definitiva, segue as diretrizes do ECA: “Artigo 46. A adoção será precedida de estágio
de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa)
dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso”.
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019). Ambas as etapas têm
igual importância e têm a finalidade maior de favorecer a interação antes da finalização
do processo, para que o pretendente se sinta o mais seguro possível da decisão
tomada, tentando assim, evitar a devolução da criança para a instituição de
acolhimento.
Essa é uma realidade nacional que ainda precisa ser melhor trabalhada pelo
setor judiciário, para que as crianças e os adolescentes não fiquem tanto tempo na
instituição de acolhimento, à espera de um lar.

5.2.3 A adoção em seus aspectos subjetivos e objetivos: motivações, prazos e


eficiência das leis

Cada processo de adoção é único, assim como, as razões pelas quais uma
pessoa escolhe adotar. Dessa forma, questionamos: quais as principais motivações
que levam uma pessoa/casal a optar pela adoção?

Entre os casais héteros, ouvimos com frequência: infertilidade de um dos


parceiros que compõe o casal, para fazer companhia aos pais no futuro, até
mesmo para fazer caridade a uma criança. E os casais homoafetivos
argumentam mais a questão de constituir uma família. (ENTREVISTADA, em
13 de setembro de 2019).

Escolher a filiação adotiva por motivações equivocadas aumentam


consideravelmente as chances de frustação e decepção, resultando em um processo
doloroso para ambos os envolvidos, mas, sem dúvidas, a criança ou adolescente
arcará de forma mais comovente. Dessa forma, é um questionamento imprescindível
P á g i n a | 154

a ser feito ao pretendente, “[...] no sentido de evitar, mas não garantir, que a criança
seja exposta à outras situações traumáticas de abandono e sofrimento nessa nova
família que o judiciário está arrumando para ela”. (CECÍLIO; SCORSOLINI-COMIN,
2018, p. 506).
As motivações expostas pelos pretendentes em Mossoró não fogem daquelas
que, via de regra, são expressas nas Varas da Infância em todo o Brasil. É preciso
que os futuros pais saibam distinguir o que os levam a pensar em adotar, visando uma
melhor elaboração psicológica pois, de acordo com Levinzon (2006), os diferentes
motivos podem repercutir no relacionamento com a criança ou adolescente adotada
em virtude dos pensamentos conscientes e fantasias inconscientes. A autora ainda
acrescenta a necessidade de os pais desejarem os filhos, para que estes sintam-se
bem acolhidos e não como estranhos e/ou inferiores na nova dinâmica familiar.

Há uma ampla gama de motivos que levam um casal a adotar uma criança:
questões de infertilidade; pais que afirmam que “sempre pensaram em
adotar”; a morte de um filho biológico; o contato com uma criança
abandonada que suscita o desejo de cuidar dela; o desejo de ter filhos quando
já não é mais possível biologicamente; o parentesco com pais biológicos que
não podem cuidar da criança; pessoas que não possuem um parceiro, mas
querem exercer a maternidade ou a paternidade; o medo de uma gravidez; o
argumento de que “há muitas crianças necessitadas” e é melhor adotá-las do
que pôr mais crianças no mundo. (LEVINZON, 2006, p. 25, grifos da autora).

A ideia de adoção como uma maneira de fazer caridade ainda está fortemente
arraigada no imaginário e nas intenções de algumas pessoas que anseiam por adotar.
Isso não é algo que nos causa estranhamento, afinal, durante muito tempo na história
do nosso país foi exercida uma forma de assistência aos então “menores” órfãos e
abandonados em que a comunidade, no intuito de integra-los socialmente e retira-los
dos perigos das ruas, os recebiam em sua família. Aliado a essa prática, na percepção
da Igreja Católica, abandonar uma criança era um ato de impiedade contrário a lei
divina. Assim, tinha-se a ocasião ideal para que as pessoas de índole piedosa
utilizassem desse instituto para exercer o seu papel social e sua religiosidade para
com uma criança necessitada. (SENA, 2015).
Não é fácil transformar uma prática concebida culturalmente. É necessário um
processo insistente de sensibilização e esclarecimento, para que possamos
compreender que os protagonistas da adoção são as crianças e os adolescentes e
não os adultos e seus interesses particulares.
P á g i n a | 155

Quando falamos sobre adoção, é comum ouvir que o processo é demorado,


burocrático, e até mesmo que a justiça mais atrapalha do que facilita o encontro entre
as crianças/adolescentes e as pessoas interessadas em adotar. Quanto a veracidade
desse pensamento comum, indagamos: qual o tempo médio de duração de um
processo de adoção na VIJ de Mossoró, contando de quando é feita a vinculação
entre a criança/adolescente e o pretendente até a finalização do processo?

Tem alguns fatores que influenciam na resposta: a vinculação sempre é


certificada no processo de destituição do poder familiar ou no processo de
acolhimento. Somente após o início da aproximação, é que os adotantes dão
entrada no pedido de adoção, a fim de iniciar o estágio de convivência, que
nem sempre é deferido liminarmente, vai do entendimento da magistrada.
Esse intervalo, entre o início da aproximação e o pedido de adoção, varia de
acordo com a idade da criança e se é um grupo de irmãos. Quanto menor a
criança, mais fácil a adaptação e menor o prazo para entrar com o pedido de
adoção. Quando se trata de adoção tardia e/ou de grupo de irmãos, esse
prazo é maior. Seguindo esse entendimento, a juíza determina 30 dias para
acompanhar o estágio de convivência, no primeiro caso, e 60 dias para o
segundo caso. Mas, no geral, vem-se respeitando o prazo para duração do
processo de adoção, que é de 120 dias prorrogável por igual período.
(ENTREVISTADA, em 13 de setembro de 2019).

Conforme a explicação pronunciada, não há como definir um prazo exato entre


a vinculação (que é o encontro virtual) e a finalização do processo. Para quem vê de
fora, a ideia que mais prevalece é a de que a adoção caminha no passo da morosidade
do judiciário. Mas ao estudarmos sobre esse instituto de forma pormenorizada,
constatamos que a lentidão é decorrente muito mais da escolha do pretendente por
uma criança idealizada, do que pelo processo de adoção em si.
Quanto aos prazos previstos no ECA, consideramos razoáveis, uma vez que,
estamos tratando com pessoas, suas histórias vivenciadas e as novas páginas que
serão escritas. Pela explicação, temos que, atualmente, na Comarca de Mossoró, da
vinculação a guarda definitiva pode acontecer no prazo de um ano ou até menos.
Dessa forma, quando alguém criticar que o processo está demorando mais do que
deveria, cabe perguntar: qual o perfil da criança ou adolescente que você espera ter
como filho?
Não queremos aqui encobrir as falhas e demoras do sistema judiciário.
Entendemos que as diversas situações que se estão pendentes nas instituições de
acolhimento e nas VIJ do nosso país podem ser resolvidas em um curto espaço de
tempo pela ação das equipes da justiça infanto juvenil.
P á g i n a | 156

Entretanto, não podemos apenas sobrepesar a responsabilidade para esses


profissionais sem enxergar que não se tem uma atuação profissional qualificada,
eficiente, se não houver uma estrutura física e material que corresponda as
necessidades, tais como: sala equipada com computador, impressora, internet,
telefone, armário, e devidamente adequada para receber o usuário, mantendo o sigilo
e o conforto, carro para fazer as visitas domiciliares e institucionais, entre outros.
Nas visitas ao nosso lócus de pesquisa, percebemos que a estrutura física e
material corresponde ao que se espera. O contratempo está nos recursos humanos:
conforme mencionado anteriormente, durante a pesquisa, não havia psicólogo na
equipe interdisciplinar e estava sem previsão de quando vai contar com esse
profissional, porque precisa ser contrato através de um concurso público do Tribunal
de Justiça. Apesar dessa lacuna, os atendimentos são realizados para não acontecer
atrasos nos processos, mas, certamente, fazendo muita falta, tanto para os usuários
(pretendentes e crianças/adolescentes), que precisam de orientações e
esclarecimentos; quanto para a assistente social, na elaboração dos documentos
processuais que embasam a decisão da juíza, já que as dimensões analisadas por
cada profissional são diferentes e, ao mesmo tempo, complementares.
Não tem como falar sobre adoção e não direcionar a discussão para as
legislações que lhes são concernentes.

[...] a adoção de crianças e adolescentes no Brasil passou a ser objeto


recorrente de projetos de alterações legislativas que, bem ou mal, procuram
acompanhar mudanças no espaço íntimo das famílias, mas também no
conjunto de deveres, direitos e responsabilidades que atravessam essa
mesma sociedade e suas relações com o Estado. (NAKAMURA, 2019, p.
179).

Dentre elas, damos enfoque as Leis nº 12.010/2009 e a nº 13.509/2017, sobre


as quais indagamos se efetivamente trouxeram os avanços esperados.

A Lei 12.010 vem reforçar a obrigatoriedade do CNA, como meio para


colocação em família substituta da criança e do adolescente. Tal medida,
garante mais segurança aos adotandos, em função de todas as exigências
contidas no artigo 197-A do ECA, né? Como também, um maior preparo dos
adotantes, visto a determinação de preparação psicossocial e jurídica é um
pré-requisito para inscrição no cadastro, como está no artigo 50, parágrafo 3º
do ECA.

E a 13.509 vem falar muito sobre prazos. Nos processos de destituição do


poder familiar, de adoção, de habilitação, em todos eles o prazo é de cento e
vinte dias, prorrogável por uma única vez por igual período. E ela estabelece
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também o prazo máximo para o estágio de convivência, que é noventa dias,


prorrogável uma única vez, mediante decisão judicial fundamentada. Ela vem
estabelecer esses prazos. A gente considera que foi muito importante, porque
tinha ações aqui de destituição do poder familiar se arrastando, demorando
demais, sabe? E as crianças crescendo, o tempo passando, e elas na
instituição de acolhimento. Não vai pra adoção, nem volta pra família
biológica, fica naquele impasse, muitas vezes, tentando o retorno dela pra
família, duas, três, e o tempo passando. E agora não. Com essa previsão
legal tem que resolver o quanto antes, né? Porque a lei é clara: cento e vinte
prorrogável por mais cento e vinte. Tem que cuidar! (ENTREVISTADA, em
13 de setembro de 2019).

São louváveis as iniciativas de aprovar leis que venham a somar ao ECA no


que compete ao instituto da adoção. Principalmente, em um dos aspectos que é
considerado como um dos maiores gargalos (juntamente com o perfil idealizado): o
cumprimento dos prazos processuais.
Nesse contexto, estamos unidas a opinião da entrevistada, em que o
estabelecimento de prazos é indiscutivelmente pertinente, tendo em conta que o poder
judiciário deverá atuar de forma mais célere em todos os procedimentos, o que,
obviamente, inclui a destituição do poder familiar, uma das etapas mais prolongadas
e, por conseguinte, um dos motivos de a criança ou o adolescente ficar por tempo
demasiado na instituição de acolhimento.

No Brasil existe uma legislação moderna e substancial para proteção


prioritária de infantes e jovens. Contudo, um enorme número destes são
criados longe de um ambiente familiar. Eles vivem em instituições, privados
do cuidado individualizado de sua família e sua formação psicológica em um
ambiente coletivo, em detrimento do seu amor próprio. (SENA, 2015, 120-
121).

Não podemos olvidar que o cumprimento dos prazos é assunto atravessado


por dilemas éticos: se o juiz decide com muita rapidez, pode estar impedindo que a
criança seja reinserida em sua família biológica, e se demorar a decidir, estará
atrasando a futura adoção.
Tendo em vista que cada família tem sua própria dinâmica e suas
subjetividades, é imprescindível que cada situação seja devidamente ponderada, para
evitar que seja cometida alguma injustiça. Para que se possa agir dentro do prazo e
sem cometer arbitrariedades ou culpabilizações, torna-se fundamental a presença de
uma equipe interdisciplinar para analisar de perto a situação da família e produzir os
relatórios e pareceres que fundamentarão a decisão do juiz. E ainda, esclarecer que
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existe o direito à defesa e a entrar com recursos, caso a decisão tenha sido de
destituição do poder familiar.
Sem o receio de estarmos repisando obviedades, afirmamos que a aprovação
de leis não é suficiente para proporcionar mudanças efetivas na vida daquelas
crianças e adolescentes que se encontram na instituição de acolhimento, aguardando
uma família (seja a biológica ou a adotiva).

É bem verdade que, apesar de todas suas inovações e avanços, a simples


promulgação da Lei nº 12.010/2009, por si, nada muda, mas ela sem dúvida
se constitui num poderoso instrumento que pode ser utilizado para mudança
de concepção e também de prática por parte das entidades de acolhimento
institucional e órgãos públicos responsáveis pela promoção dos direitos
infanto-juvenis, promovendo assim a transformação - para melhor - da vida e
do destino de tantas crianças e adolescentes que hoje se encontram
abrigados em todo o Brasil. (DIGIÁCOMO, 2009, n.p.).

A adequada implementação das leis supracitadas é um grande desafio, pois


envolve os diversos atores sociais que, de alguma forma, trabalham com os direitos
do público infanto juvenil; as pessoas que não estão ligadas diretamente, mas tomam
ciência de situações que acontecem a margem da lei, como a entrega de uma criança
para adoção sem a mediação de Justiça da Infância e da Juventude; bem como, as
ações coordenadas pelo Estado, que está muito próximo dessas questões por meio
das políticas públicas.
Uma das importantes novidades trazidas pela Lei nº 13.509/2017 foi um
acréscimo ao artigo 19-A: “A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar
seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça
da Infância e da Juventude”. Ou seja, está expressamente assegurado que entregar
a criança para adoção não é crime, desde que o procedimento seja acompanhado
pela justiça.
Um ponto importante que merece relevo é que a Lei deixa evidente que a
responsabilidade pela entrega é da mãe, não mencionando o pai. Cavalcante (2017,
n.p.) explica que o genitor será acionado caso a mãe faça a indicação de quem é. E
assim: “[...] deve-se tentar fazer com que este assuma a guarda e suas
responsabilidades como genitor. Se não houver indicação de quem é o pai ou se este
não manifestar interesse na criança, deve-se tentar acolher a criança em sua família
extensa”.
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Se a mãe não indicar quem é o genitor e se não houver representante da família


extensa apto a receber a guarda, o juiz deve: a) decretar a extinção do poder familiar
e b) determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver
habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar
ou institucional”. (CAVALCANTE, 2017, n.p.).
Diante dessas informações, perguntamos a entrevistada: Após a aprovação da
Lei nº 13.509/2017 a VIJ de Mossoró realizou alguma ação divulgar que a entrega da
criança para adoção por meio da justiça não é crime?

Esse ano de 2019 foi realizado um projeto, intitulado de Adoção Legal, onde
a gente se reuniu com os órgãos da saúde, com o pessoal das UBS,
justamente para discutir esse ponto e pedir o apoio. Porque a gente sabe que
os profissionais da área da saúde, principalmente, os agentes de saúde, que
são aqueles profissionais que entram nas casas, conhecem a realidade, né?
Conhecem as mulheres gestantes, e sabem quando elas têm interesse em
fazer a entrega dos seus filhos pra adoção. Então foi iniciado esse projeto,
toda sexta-feira é realizado o encontro em um território, na área de uma UBS.
Já está terminando a zona urbana e vamos para a zona rural. Nesse encontro
convidamos todos os profissionais, mas a gente percebe que praticamente
só fica os agentes de saúde, algumas enfermeiras. Lá a gente discute a
necessidade dessa parceria, dessa colaboração e o que está previsto em lei,
que também é responsabilidade desses profissionais comunicar ao poder
judiciário aqueles casos que eles sabem que a mulher quer fazer a entrega
da criança para adoção, justamente pra gente quebrar um pouco esse
preconceito. A gente pensa que assim, pode quebrar algumas práticas de
que, as vezes, as pessoas fazem uma adoção dirigida por terceiros, e até
situações mais graves como a gente já se deparou aqui, quando envolve
pessoas de um poder aquisitivo maior, que acabam praticando o crime de
registrar a criança como se fosse seu filho biológico. Com isso, a gente
explica as sanções que estão previstas. Paralelo a esse projeto, teve também
uma decisão por parte do Ministério Público, através do mandato de um
vereador, que foi de afixar nas unidades de saúde, tanto públicas, quanto
privadas, um comunicado explicando que a entrega de uma criança para
adoção na Vara da Infância não é crime. A câmara municipal já sancionou e
está esperando o recurso para essas placas serem confeccionadas e
colocadas nos hospitais, maternidades e postos de saúde de Mossoró, para
que esse ato se torne mais comum dentro do que está previsto na lei.
(ENTREVISTADA, em 13 de setembro de 2019).

É bastante comum interpretar a entrega do filho para a adoção como um ato de


abandono. Para que possamos desconstruir esse equívoco, precisamos distinguir a
natureza dessas práticas.
Ao procurar a justiça para a entrega, a mãe estará agindo de forma a assegurar
a proteção necessária ao infante, a qual, por algum motivo que não nos cabe julgar,
ela não está podendo oferecer. E estará resguardando a si mesma, pois a Lei nº
13.509/2017, nos parágrafos do artigo 19-A, traz como seguranças:
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§ 1º A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça


da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária,
considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e
puerperal.
§ 8º Na hipótese de desistência pelos genitores - manifestada em audiência
ou perante a equipe interprofissional - da entrega da criança após o
nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado
pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo
prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
§ 9º É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o
disposto no art. 48 desta Lei. (BRASIL, 2019).

Em contrapartida, o ato de abandonar uma criança a sua própria sorte se


constitui em um crime, conforme consta no Código Penal Brasileiro, Decreto Lei nº
2.848 de 7 de dezembro de 1940.

Abandono de incapaz
Artigo 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância
ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos
resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou
curador da vítima. (BRASIL, 1940, grifos do autor).

A ação que vem sendo desenvolvida pela VIJ de Mossoró é meritória, pois
vemos os servidores públicos da justiça se aproximando mais da população e fazendo
os esclarecimentos necessários sobre uma lei que protege tanto as crianças, quanto
suas respectivas mães. Nesse país em que muitas pessoas ainda não tem um exato
discernimento sobre seus direitos e percebem apenas o caráter punitivo das leis,
conjugar os verbos aproximar e esclarecer são medidas urgentes e necessárias a
serem praticadas por parte dos setores da justiça.
Quanto a escolha dos profissionais da área da saúde como primeiro público a
ser trabalhado foi sobremodo pertinente, já que ao estarem em contato muito próximo
com a população, por vezes, fazem a intermediação de adoções irregulares.

Adotar crianças burlando o Cadastro Nacional da Adoção (CNA) é uma


prática ilegal. Visando a combater essa conduta, o Ministério Público do Rio
Grande do Norte (MPRN) ajuizou uma ação civil pública na defesa dos
direitos coletivos dos cidadãos que integram esse cadastro, seja o local ou o
P á g i n a | 161

nacional, contra quatro pessoas, sendo um casal formado por profissionais


da área da saúde que adotou irregularmente uma criança em Mossoró e mais
duas médicas que participaram ativamente desse processo.
A ação é de autoria da 12ª Promotoria de Justiça de Mossoró. A unidade
ministerial pede à Justiça que condene os profissionais da saúde pelo dano
moral coletivo e social (causados no âmbito dos habilitados no Cadastro Local
de Mossoró e no Cadastro Nacional de Adoção) e pela infração administrativa
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O MPRN pleiteia a
condenação ao pagamento de indenização em valor não inferior a 20
salários-mínimos. A quantia deverá ser recolhida para o Fundo da Infância e
Adolescência (FIA) gerido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente de Mossoró (COMDICA-Mossoró).
Em investigação, o MPRN constatou que os médicos deixaram de efetuar o
imediato encaminhamento à autoridade judiciária de uma mulher interessada
em entregar a filha para adoção, desejo manifestado após o parto. A partir
disso, junto aos pais biológicos fizeram a intermediação da entrega da criança
para o casal interessado na adoção. (MPRN, 2018, n.p.).

A partir da aprovação da Lei nº 13.509/2017, que dá subsídios para a realização


do projeto em pauta e para as diligências empreendidas pelo MPRN, espera-se coibir
essa conduta, tendo em vista que os profissionais da saúde passam a ter a obrigação
de comunicar a autoridade judiciária os casos de gestantes e mães interessadas em
entregar o filho para a adoção, sob pena da prática de infração administrativa. Espera-
se também que esses profissionais possam atuar como multiplicadores das
informações previstas na lei.
Apesar de o projeto Adoção Legal ainda ser recente, nos veio a curiosidade de
saber se já havia chegado algum caso de uma mãe querendo entregar o filho,
decorrente das ações nas unidades de saúde.

A partir desses contatos com as UBSs, surgiu recentemente o caso de uma


gestante, que na época estava com oito meses, e veio voluntariamente a Vara
da Infância. Quando ela veio conversar comigo, me contou que, a princípio,
quando se viu grávida, com quarenta anos de idade, era o seu quinto filho, os
três primeiros moravam com o pai e ela criava sozinha uma criança de três
anos, que o pai não ajudava. Ela não tinha uma relação com o pai da criança,
foi só um encontro. Então quando começou e pensar sobre o que ia fazer,
não queria abortar, não teria coragem. Ela contou que uma enfermeira se
interessou pela criança e ajudou, incentivou, a fazer todo pré-natal na
unidade, todos os exames. E foi depois da gente passar nessa UBS a
enfermeira mudou de ideia, acho que ela sentiu medo de pagar alguma
sanção. Aí ela chamou a gestante e falou: eu vou desistir de ficar com o seu
filho. E a gestante ficou sem saber o que fazer, porque já estava com oito
meses. A gente também esteve com o projeto na maternidade trabalhando
com a direção e o com os profissionais de lá, porque a gente sabe do fluxo
que existe, das situações que são muito complexas. Então a gestante
comentou com a assistente social da maternidade que queria a
documentação pra fazer a laqueadura, e comentou que não sabia o que fazer,
porque queria doar, mas não sabia a quem. A assistente social ligou pra gente
e explicou o caso. No mesmo dia a gestante esteve aqui, contou toda a
trajetória, argumentou, deu pra perceber que ela é uma mulher instruída,
estava segura da decisão, e não se via mais cuidando de uma outra criança.
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E queria que a criança fosse para um lar ser bem cuidada e ser muito feliz
com uma família. E assim, realizamos todos os procedimentos legais, com
segurança para a mãe e para o bebê. (ENTREVISTADA, em 13 de setembro
de 2019).

Entregar o filho para adoção seguindo os trâmites legais é simples, sem ônus
financeiro e sigiloso. Mas não queremos aqui passar uma imagem simplista desse
procedimento. Trata-se de uma decisão delicada, em que pesam diversos fatores
subjetivos e materiais, inclusive, o dedo do julgamento social em uma atitude
condenatória, apontado muito mais para a mulher do que para o homem (que na
prática deveria ter uma igual responsabilidade). “Por trás desse julgamento, que
avaliamos como equivocado, estão as ideias de que a mãe biológica tem a obrigação
de cuidar do filho, independentemente das condições de que disponha para que isso
se dê”. (EITERER, 2011, p. 78). Ao passo que se acolhe a mãe respeitando sua
decisão, estará sendo assegurada também a proteção para a criança, que por ser
recém-nascida, certamente, com pouco tempo estará em uma nova família e para
ambos os envolvidos, estarão sendo evitadas situações mais traumáticas e
complexas.

5.3 A ADOÇÃO PELA VIA DO CNA x ADOÇÃO INTUITU PERSONAE: qual tem
prevalecido?

Na medida em que a nossa pesquisa foi sendo desenvolvida e aqui


apresentada, percebemos o quanto as legislações específicas e o Cadastro de
Adoção vieram a agregar ao direito das crianças e adolescentes a convivência
familiar. E ao passo que delineamos o percurso histórico acerca das prerrogativas do
público em estudo, percebemos que, de alguma forma, a adoção sempre esteve
presente. Portanto, podemos asseverar que se trata de um direito firmado em leis e,
ao mesmo tempo, permeado por práticas culturais.
Em face desse dualismo entre a adoção conforme a lei e como uma prática
junto aos costumes socialmente enraizados, temos a adoção dirigida ou intuitu
personae. “Nesta modalidade de adoção há a intervenção dos pais biológicos na
escolha da família substituta, ocorrendo esta escolha em momento anterior a chegada
do pedido de adoção ao conhecimento do Poder Judiciário”. (BORDALLO, 2015, p.
347).
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Ou, nas palavras de Kusano (2011), a adoção intuitu personae é aquela em


que:

[...] o adotante é previamente indicado por manifestação de vontade da mãe


ou dos pais biológicos ou, não os havendo, dos responsáveis legais quando
apresentado o consentimento exigido no artigo 45, do ECA, e, por isso,
autoriza a não observância da ordem cronológica do cadastro de adotantes.
(KUSANO, 2011, p. 52).

Diferente das modalidades apresentadas no Capítulo 4, não há uma previsão


específica na legislação para a intuitu personae, o que não impede que ela possa
vigorar, sendo recebidos casos desse tipo recorrentemente. A regra é que a pessoa
que deseja adotar procure a VIJ mais próxima e siga todo o conjunto de trâmites legais
do processo de habilitação, o que inclui ser inserido no CNA, instrumento virtual criado
com a função de organizar os procedimentos de perfilhação.

O CNA é um banco de dados unificado nacionalmente que contém as


informações necessárias à realização de adoções no Brasil. O cadastro tem
por objetivo facilitar e dar maior agilidade aos processos de adoção por meio
do mapeamento de informações unificadas, visto que uniformiza todos os
bancos de dados existentes; racionaliza os procedimentos de habilitação;
amplia as possibilidades de consulta aos pretendentes brasileiros
cadastrados; possibilita o controle adequado pelas respectivas
corregedorias-gerais de Justiça; e orienta o planejamento e a formulação de
políticas públicas voltadas para a população de crianças e adolescentes que
aguardam pela possibilidade de convivência familiar. (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 6).

Caso contrário, seu procedimento pode se configurar em prática de crime,


conforme previsto no Capítulo II - Dos crimes contra o estado de filiação, “Artigo 242
- Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-
nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena
- reclusão, de dois a seis anos”. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981).
Em matéria publica no site do Ministério Público do Rio Grande do Norte, em
29 de novembro de 2018, consta: “[...] de 2009 a 2017, transcorreram em Mossoró 80
adoções, sendo que, dessas, 77 foram na modalidade intuitu personae”. Fica
expresso que as adoções dirigidas tem prevalecido em detrimento do CNA.
Para elencar os fatores que levam de tamanha disparidade seria necessária
uma pesquisa mais aprofundada direcionada a esse objetivo, em que se pudesse ter
contato com os pretendentes e conhecer o que as motiva a não procurar a VIJ.
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Mas, de forma geral, sabemos que os pretendentes argumentam o excesso de


burocracia o que, em certa medida, seria a justificativa para realizar uma adoção sem
o acompanhamento da VIJ, os faz optar por esse tipo de atalho que burla a lei e que,
ao final, existem grandes possibilidades de dar certo e se obter a filiação definitiva.

Além disso, é possível perceber que a divergência entre as decisões


dos juízes de primeiro grau e do STJ também influenciam, posto que, neste
último caso, ao se transformarem em jurisprudência, estimulam a
disseminação do que foi decidido. No caso das adoções intuitu personae,
enquanto os juízes de primeiro grau têm dado prioridade à verificação da
habilitação dos adotantes, o Superior Tribunal de Justiça tem instituído
decisões a favor do melhor interesse da criança, pelo fato de comprovação
do vínculo afetivo. (BEZERRA, 2017, p. 52).

Sublinhamos que essa forma direcionada de adoção só pode ser deferida


quando apresentar reais benefícios para o adotando e fundar-se em motivos legítimos
para a escolha, ou seja, considerando o melhor interesse do infante.

Os interesses prioritários dos menores têm sido colocados como a melhoria


de suas condições de vida em relação à sua situação anterior, à sua
segurança, à sua proteção, aos seus cuidados, educação, afeição, integração
em uma família com a qual a criança adotada desenvolva laços de
afetividade. Na maioria dos países, estes interesses são erigidos à categoria
de necessidades. (KUSANO, 2011, p. 53).

Não se deve perder de vista a perspectiva de respeito à origem cultural,


religiosa e étnica da criança, aspectos que devem estar presentes na família/pessoa
pretendente, como forma de amenizar os impactos subjetivos decorrentes das novas
relações que estão sendo formadas pelo processo de filiação adotiva.
A dualidade entre adoção intuitu personae e o CNA é assunto que desperta
opiniões controversas. Dentre os que se posicionam favoravelmente, temos Bordallo
(2015).

Não vemos nenhum problema nesta possibilidade, eis que são os detentores
do poder familiar e possuem todo o direito de zelarem pelo bem-estar de seu
rebento. Temos de deixar de encarar os pais que optam por entregar seu filho
em adoção como pessoas que cometem alguma espécie de crime. A ação
destes pais merece compreensão, pois se verificam que não terão condições
de cuidar da criança, ao optarem pela entrega, estão agindo com todo amor
e carinho por seu filho, buscando aquilo que entendem melhor para ele.
Assim, se escolhem pessoas para assumir a paternidade do seu filho, deve-
se respeitar essa escolha. (BORDALLO, 2015, p. 347).
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Em seu livro Manual de Direitos das Famílias, Dias (2016) também se expressa
em favor da adoção intuitu personae, explicando que quando não se aceita essa
prática:

Não se reconhece o direito de a mãe eleger a quem dar o filho à adoção, sem
atentar que este é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não
poderá criá-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que
pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica! [...] Só que nada,
absolutamente nada, deveria impedir a mãe de escolher a quem entregar o
seu filho. Às vezes é a patroa, às vezes uma vizinha, em outros casos é um
casal de amigos, que têm certa maneira de ver a vida, ou uma retidão de
caráter, que a mãe considera serem os pais ideais para o seu filho. (DIAS,
2016, p. 834-835).

Nessa direção, importa dar relevo ao direito dos pais de nomear um tutor ao
filho, conforme o artigo 1.729 do Código Civil. Daí, surge o questionamento: se há o
direito de eleger quem vai ficar com o filho depois da morte dos pais, porque negar a
possibilidade de escolher a quem dá-lo em adoção?
No rol de opiniões contrárias a adoção dirigida, temos o posicionamento do
Instituto Brasileiro de Direitos da Criança e do Adolescente (IBDCRIA) - Associação
Brasileira de Magistrados, Promotores da Justiça e Defensores Públicos da Infância e
da Juventude (ABMP), que aponta um agravante acerca da adoção intuitu personae.

A pretensa "oficialização" da adoção "intuitu personae", além de


flagrantemente inconstitucional, na medida em que "coisifica" a criança, em
frontal violação à sua condição de sujeito de direitos e ao princípio da
dignidade da pessoa humana, representa, na prática, o fim do cadastro de
adoção e a proliferação do comércio e do tráfico de crianças, dando margem
a toda sorte de práticas ilícitas e consequências deletérias (como a
"devolução" de adotados por seus pais) que o ordenamento jurídico Pátrio
vigente, com base em normas e princípios de Direito Internacional, procurou
evitar - e com as quais não pode de modo algum compactuar. (IBDCRIA –
ABMP, 2017, n.p., grifos do autor).

Nos posicionamentos contrários se levanta a possibilidade de que ao permitir


que os pais entreguem diretamente o filho para adoção, estarão compactuando com
alguma forma de negociação com os adotantes, na forma de dinheiro ou qualquer
outro tipo de favorecimento, o que viola o princípio da dignidade humana.
Quanto a essa ideia, Bordallo (2015) contra argumenta:

Por certo que a troca de uma criança por dinheiro ou algum benefício é fato
que causa grande repulsa, e também somos contrários a ela, mas é certo que
nem sempre isso irá ocorres. Não se deve ter a ideia de má fé abrangendo
todos os atos que são praticados envolvendo a entrega de uma criança,
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sendo este um preconceito dos profissionais do direito. Existindo alguma


suspeita que tal situação possa ter ocorrido, deverá ser investigada no
transcorrer do processo de adoção, sendo tomadas as medidas legais
cabíveis, caso seja ele comprovado. (BORDALLO, 2015, p. 347).

Não é demais lembrar que um filho não é uma propriedade dos pais, e sim,
antes de tudo, é um sujeito de direitos. Cuidar para que os direitos da criança e do
adolescente sejam preservados é o primeiro gesto de compromisso e
responsabilidade dos pretendentes a pais. Temos consciência de que existem as
especificidades de cada situação, afinal, estamos trabalhando com vidas e suas
subjetividades. Mas por questão de segurança das prerrogativas do infante e do
pretendente, entendemos que o ideal é procurar a VIJ mais próxima e seguir os
procedimentos recomendados.
Se por um lado, temos que muitas adoções intuitu personae acabam sendo
regularizadas (a pesquisa realizada na Comarca de Mossoró é uma prova disso), por
outro, existem também as situações que não têm um fim tão exitoso, em que o
Ministério Público ingressa com um pedido de busca e apreensão e a criança é
encaminhada para uma instituição de acolhimento até que seja feita toda uma
investigação acerca do caso, o que certamente é um momento difícil para todos os
envolvidos e, portanto, deve ser ao máximo evitado.
À guisa de conclusão, em face do percurso por nós trilhado, depreendemos que
os direitos do público infanto-juvenil passaram por diversas transformações, o que
inclui a prerrogativa da convivência familiar por meio da adoção, que culminaram na
sua forma de organização contemporânea. Indiscutivelmente, é dever de toda a
sociedade e do Estado, dar vida a letra da lei, para que as crianças e os adolescentes,
sem exceção, possam ser respeitados em sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento, recebam proteção integral e sejam reconhecidos enquanto sujeitos
de direitos.

5.4 MUDANÇAS EM CURSO: de Cadastro Nacional de Adoção para Sistema


Nacional de Adoção e Acolhimento

Conforme mencionamos em alguns pontos do trabalho, a adoção já passou por


diversas transformações em seus aspectos práticos e nas legislações que lhes são
concernentes. E agora, a mais recente foi a aprovação da Resolução nº 289 de 14 de
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agosto de 2019, que “Dispõe sobre a implantação e funcionamento do Sistema


Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA e dá outras providências”.

Art. 1º O Conselho Nacional de Justiça implantará o Sistema Nacional de


Adoção e de Acolhimento – SNA, cuja finalidade é consolidar dados
fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional
e familiar, à adoção, incluindo as intuitu personae, e a outras modalidades de
colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e
estrangeiros habilitados à adoção. (BRASIL, 2019).

A proposta de união dos Cadastros de Adoção e de Acolhimento já vinha sendo


discutida, tendo o CNJ sugerido que as Comarcas fizessem a adesão. A partir de 12
de outubro do ano em curso (após a execução da nossa pesquisa) o uso SNA passou
a ser obrigatório em todo o território nacional, mas sem nenhum prejuízo de perca das
informações dos Cadastros.

Art. 6º Compete ao Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais viabilizar a


migração dos dados armazenados no Cadastro Nacional de Adoção – CNA
e no Cadastro Nacional de Crianças de Adolescentes Acolhidos – CNCA para
o SNA.
§ 1ºOs cadastros CNA e CNCA ficarão disponíveis para consulta até o dia 12
de outubro de 2019.
§ 2º Concluída a migração dos dados para o SNA e observado o disposto no
§ 1º deste artigo, os cadastros CNA e CNCA serão extintos, em conformidade
com a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de
Dados. (BRASIL, 2019).

O surgimento dessa nova plataforma virtual tem assento na mesma justificativa


do surgimento do CNA: dar celeridade aos processos, para que as crianças e
adolescentes fiquem o menor tempo possível na instituição de acolhimento.
De início, a transição do Cadastro para um Sistema soa de forma bastante
animadora. Dentre as mudanças, destacamos que “[...] plataforma possui um inédito
sistema de alertas, com o qual os juízes e as corregedorias podem acompanhar todos
os prazos referentes às crianças e adolescentes acolhidos e em processo de adoção,
bem como de pretendentes”. (HERCULANO, 2019, n.p.). Em virtude do volume de
demandas atendidas nas VIJ, podemos antever que tais alertas serão de grande valia
para tornar o trabalho mais ágil, chamando a atenção para as situações em que os
prazos se venceram ou estão próximos disso.
Outra mudança é que o SNA “[...] vai integrar os dados de todos os órgãos,
realizando buscas automáticas de famílias para as crianças em qualquer região do
país”. (HERCULANO, 2019, n.p.). Assim, a pessoa responsável por sua manutenção
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não precisará fazer a vinculação manual como era no Cadastro. Por outro lado, a
ordem de associação entre a criança/adolescente e o pretendente vai continuar a
mesma: a começar pelo município, seguindo a para o Estado, demais unidades de
Federação e, em último caso, adoção internacional.
E ainda, o Sistema possibilita uma interação do pretendente que anteriormente
não acontecia. A princípio, o próprio pretendente pode fazer um pré-cadastro e
receber a lista de documentos necessários para iniciar o processo de habilitação na
VIJ mais próxima. “Os pretendentes também possuem uma área de acesso exclusivo,
onde o postulante com habilitação válida pode verificar seu perfil, sua posição na fila
municipal e estadual e realizar alterações em seus meios de contato, como e-mail e
telefone”. (HERCULANO, 2019, n.p.).
Sendo o SNA uma matéria novíssima, não é possível tecer considerações
críticas sobre seu funcionamento. Mas esperamos que venha a, de fato, agregar e o
número de adoções realizadas por essa via da legalidade supere as adoções dirigidas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Empreender uma pesquisa a nível de pós-graduação, na mesma medida em


que foi apaixonante, foi desafiador, especialmente, por vivenciarmos uma conjuntura
tão adversa para quem ousa estudar e precisa das instituições públicas de ensino
para isso.
A adoção sempre fez parte dos hábitos culturais da humanidade. Ao passo que
as transformações sociais foram acontecendo, esse instituto também se transformou
e o ato de “pegar pra criar” passou a ser regulamentado, no caso do Brasil, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas legislações concernentes,
posteriormente aprovadas. E graças ao forte empenho dos ativistas em prol dos
direitos das crianças e dos adolescentes, houve a equiparação jurídica entre o filho
biológico e o adotivo.
Nessa esteira, nosso objetivo geral foi analisar os processos de adoção
realizados na Vara da Infância e Juventude do município de Mossoró-RN, tomando
como marco temporal os anos entre 2010 a 2019.
Hodiernamente, a adoção é um ato voluntário irrevogável, um direito civil e
constitucional. Para garantir segurança jurídica, tanto para quem adota, como para
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quem é adotado, e evitar as punições previstas para os casos de infração, deve ser
processado absolutamente dentro da lei, ou seja, tramitado na Vara da Infância e
Juventude de determinada Comarca.
Nesse quesito, fomos tomadas de surpresa, pois as leituras sobre como deve
funcionar o Cadastro Nacional de Adoção e as primeiras informações obtidas na
entrevista (que não aconteceu toda no mesmo dia, mas em etapas, em virtude da
disponibilidade da entrevistada), nos levavam a crer que o inovador sistema de virtual
de organização dos processos estava se sobrepondo a prática cultural e não prevista
em lei da adoção intuitu personae. Entretanto, os dados obtidos no site do Ministério
Público do Rio Grande do Norte mostram exatamente ao contrário.
No decorrer deste trabalho, diversas leis foram citadas, que datam da época do
Império ao ano de 2019. Talvez não seja necessária uma análise tão acurada, para
percebermos que prever normas em lei não lhes dá uma total aplicabilidade. Em
tempos pretéritos, lembramos que a Lei Áurea não encerrou imediatamente com a
escravidão no Brasil. Em nossos dias, a Lei nº 12.010/2009 ainda não garante que as
adoções aconteçam seguindo o Cadastro Nacional de Adoção, pelo menos, não na
Comarca de Mossoró.
Com esse resultado, não queremos aqui desqualificar a importância do CNA.
Inclusive, desde já, depositamos esperança de que o SNA venha a ser mais eficiente
do que o Cadastro.
Entendemos que esses instrumentos virtuais buscam combater os riscos das
práticas ilícitas que envolvem as crianças e os adolescentes que estão no aguardo de
uma nova família. Ressaltamos o quanto o CNA agregou ao instituto, lhe dando
transparência e possibilitando o encontro mesmo de quem está em diferentes regiões
do país. As legislações são deveras importantes, por meio delas, os direitos são
assegurados. E se em alguma circunstância não estão sendo materializados,
podemos nos organizar e reivindicar o seu acesso.
Dentre os objetivos específicos propostos, damos relevo ao que propomos em
descrever o perfil de crianças solicitado pelos pretendentes e o perfil disponível no
Cadastro de Adoção em Mossoró.
A realidade descortinada nos mostrou um resultado aflitivo: o perfil idealizado
da criança que se quer por filho também existe em Mossoró. Aqui, as características
predominantemente solicitadas são: indiferente quanto ao sexo; até três anos de
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idade; sem restrição quanto a raça/cor; se tiver alguma doença, que seja tratável; que
não tenha irmão; que esteja no Estado do RN ou adjacentes (Ceará ou Paraíba).
A face cruel desse detalhamento nas escolhas é sofrida pelos adolescentes,
pois nenhum pretendente se dispõe a adotar quem tem mais de dez anos de idade.
Quando 15,15% dos pretendentes marcam todas as opções no item raça/cor, exceto
negras. Apenas 12,12% aceitam uma criança com deficiência. E quanto maior o grupo
de irmãos, menos a chance de serem adotados.
Mediante o exposto, temos nitidamente que um certo perfil de crianças tem
maiores possibilidades de ser adotado, enquanto o outro tem possibilidades mais
estreitas. Todos são crianças e adolescentes e por isso, têm direito a ser criados e
amados no seio de uma família. O que aumenta ou diminui as chances de ser adotado
é um aspecto que não dá pra mudar: o fato de ser quem são. E se não há como mudar
as características de quem espera por uma família em uma instituição de acolhimento,
que possamos romper com o perfil do filho idealizado.
Sabemos que alguns avanços já foram alcançados (por exemplo, quando mais
da metade dos pretendentes não fazem escolha entre menina ou menino), os quais
podem ser atribuídos, em grande parte, ao trabalho desenvolvido pelos Grupos de
Apoio à Adoção, que entre suas finalidades, fazem a sensibilização dos pretendentes
para as chamadas adoções necessárias, que são aquelas que compõem o perfil
preterido.
Todavia, ainda existem preconceitos velados que precisam ser quebrados, até
porque, temos o agravante de que as informações apuradas na VIJ de Mossoró estão
em consonância com o cenário brasileiro, conforme o Relatório de Pretendentes
Disponíveis (Nacional). Portanto, ainda temos um longo caminho de desconstruções
a seguir, tanto no contexto macro, como de forma regionalizada. Para isso, é
imprescindível a mudança na cultura de adoção brasileira, e assim, o instituto possa
acontecer dentro da lógica que se espera: crianças e adolescentes em convivência
com uma família, e não, uma família escolhendo uma criança para suprimento de
demandas e/ou carências particulares.
Complementando essa linha de raciocínio, reiteramos que as noções de família
e de infância não receberam sempre as mesmas conotações e valor social ao longo
da história. Sofrendo o impacto das transformações sócio econômicas, a família, como
elemento social, é motivo de constantes alterações. Afinal, a conjuntura em que
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estamos inseridas, em seus aspectos sociais, culturais, entre outros que a compõem,
é dialética.

Na atualidade, a família deixa de ser aquela constituída unicamente por


casamento formal. [...] Essa nova concepção se constrói, em nossos dias,
baseada mais no afeto do que nas relações de consanguinidade, parentesco
ou casamento. É construída por uma constelação de pessoas
interdependentes girando em torno de um “eixo comum”. Seja qual for a
configuração, as estruturas familiares reproduzem as dinâmicas sócio
históricas existentes. (LOSACCO, 2018, p. 80).

E ainda, o Estado e a sociedade passam a ter o dever de olhar para todas as


crianças de igual forma, para que não se repitam as situações de um passado recente,
em que, “Deixada à própria sorte durante séculos, a infância pobre era ou mão de
obra barata, ou relegada ao banditismo, à prostituição, à marginalidade, sobretudo
aquela parcela que não desfrutava de proteção dos pais ou parentes”. (EITERER,
2011, p. 83).
Os argumentos supramencionados nos mostram que a realidade social é
dinâmica, passível de mudanças, o que nos leva a crer fortemente que as duas
principais que precisam acontecer na prática da adoção, procurar a VIJ e realizar o
procedimento conforme os trâmites legais e romper com o perfil de criança idealizado,
podem se tornar realidade.
Mas para isso, é necessário que o trabalho já iniciado de sensibilização dos
pretendentes seja ainda mais intensificado. Sensibilização essa, que mostre a
realidade das instituições de acolhimento, as consequências que as crianças e
adolescentes sofrem por não fazerem parte do perfil idealizado. E, principalmente, que
leve a uma reflexão aprofundada sobre quais os reais motivos das escolhas e das não
escolhas que são feitas pelos pretendentes.

Nos meandros desses caminhos paradoxais que constituem a realidade


deste país – com a qual é preciso lidar, sobretudo para modifica-la, pode-se
entender a sociedade brasileira pelo lado de dentro, interpretando sem a
lamentação de que este país não é como “deveria ser”. Os valores
“tradicionais” persistem não porque “ainda não chegamos lá”, mas porque
eles têm um sentido estrutural na sua formação histórica. (SARTI, 2011, p.
142-143, grifos da autora).

O debate sobre convivência familiar é desafiador, especialmente, no contexto


brasileiro em que as desigualdades sociais se agravam; as famílias se distanciam, se
desagregam; ou que entre seus membros nunca foi construída nenhum tipo de
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relação. É fundamental refletirmos sobre como materializar essa convivência familiar


e o que poderíamos pensar enquanto estratégias nesse sentido, quando se evidencia
que por meio da adoção essa convivência se mostra pouco possível ou muito difícil
de se concretizar, tendo em vista que não há garantias que todas as crianças e
adolescentes disponíveis para a adoção consigam serem adotadas, principalmente,
porque ainda precisamos romper com o perfil de idealizado de criança que se quer
adotar.
Considerando que o instituto em comento é um direito perpassado por prática
culturais, sabemos que as mudanças necessárias não ocorrerão em curto prazo, o
que torna fundamental persistir e dar visibilidade ao debate de que crianças e
adolescentes são sujeitos de direitos.
Para isso, todas as iniciativas são válidas, com ênfase para as atividades
desenvolvidas pelos Grupo de Apoio de Adoção, que têm atuado nas mais diversas
cidades brasileiras, inclusive, em Mossoró, em parceria com a VIJ.
As transformações sociais acontecem capitaneadas pelas ações coletivas
desenvolvidas por cada pessoa que se reconhece enquanto agente ativo desse
processo. E é indiscutível que o Serviço Social, tanto em sua prática com o público,
quanto na produção científica e acadêmica, é terreno fértil para o desenvolvimento
dos debates, questionamentos e proposição de novas interpretações, atribuindo
significados humanizados ao direito à convivência familiar por meio da adoção.
Nesses parágrafos que encerram nossa pesquisa, esperamos ter adensado as
produções do Serviço Social acerca desse tema tão delicado e apaixonante que é a
adoção. E que possamos dar prosseguimento ao debate em outros espaços, para que
a nossa categoria possa trazer contribuições cada vez mais frutíferas e,
principalmente, para que o público infanto juvenil possa, de fato, ter direito a uma
convivência familiar, sendo amado, respeitado e incentivado em suas potencialidades.
E assim, podermos, a cada dia, construir o caminho da justiça social.
P á g i n a | 173

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ossivel.pdf Acesso em: 21 set. 2019.

WEBER, Lídia N. D. A pesquisa sobre adoção no Brasil: uma necessidade. 2000.


Disponível em:
http://lidiaweber.com.br/Artigos/2000/2000ApesquisasobreadocaonoBrasilumaneces
sidade.pdf Acesso em: 22 set. 2019.

WEBER, Lígia N. Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá,
2008.

ZAZUR, Cássio R. Teruel. Artigos 8º a 33 da Lei 8.069/90. In: SOUSA, Everaldo


Sebastião de. Comentários à Lei nº 12.010/2009. Lei do direito à convivência
familiar. Goiás: Ministério Público do Estado de Goiás, n.d., p. 4-7.
P á g i n a | 186

APÊNDICES
P á g i n a | 187

Governo do Estado do Rio Grande do Norte


Secretaria de Estado da Educação e da Cultura - SEEC
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN
Campus Central - Mossoró
Curso de Serviço Social
Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Direitos Sociais

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa “ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS
E AFETOS: uma análise da execução dos processos de adoção na Vara da Infância e Juventude
de Mossoró-RN” coordenada pela pesquisadora Izabella Patrícia Brito da Silva e que segue as
recomendações das resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e suas
complementares. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a
qualquer momento, retirando seu consentimento sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou
penalidade.
Caso decida aceitar o convite, a senhora será submetida ao seguinte procedimento:
responder a uma entrevista semiestruturada, cuja responsabilidade de aplicação é de Izabella
Patrícia Brito da Silva, formada em Serviço Social, aluna do Programa de Pós-graduação em
Serviço Social e Direitos Sociais, Campus Central, da Universidade Estadual do Rio Grande do
Norte. As informações coletadas serão organizadas em um banco de dados, categorizadas e
analisadas quanti e qualitativamente
Essa pesquisa tem como objetivo geral: Analisar os processos de adoção realizados na
Vara da Infância e Juventude do município de Mossoró-RN. E como objetivos específicos:
investigar como se dá a execução dos processos de adoção em Mossoró-RN, a partir da Lei nº
12.010/2009; descrever o perfil das crianças disponíveis para adoção e dos requerentes,
constantes no Cadastro de Adoção; e identificar as perspectivas e os limites proporcionados
pela Lei nº 12.010/2009 nos processos de adoção realizados na Vara da Infância e Juventude
de Mossoró-RN.
O benefício desta pesquisa é a possibilidade de após a sua realização e socialização
dos resultados, contribuir com a compreensão sobre os processos de adoção que
acontecem na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN.
Os riscos a que a participante da pesquisa estará exposta são mínimos e serão
minimizados mediante a garantia do anonimato/privacidade da participante na pesquisa, onde
não será preciso colocar o nome da mesma. Para manter o sigilo e o respeito a participante da
pesquisa, apenas a discente Izabella Patrícia Brito da Silva aplicará a entrevista e a pesquisadora
responsável poderão manusear e guardar a entrevista. Manteremos a sigilo das informações por
ocasião da publicação dos resultados, visto que não será divulgado nenhum dado que identifique
a participante. Com a garantia que a participante se sinta à vontade para responder a entrevista
e a Anuência das Instituições de ensino para a realização da pesquisa.
Os dados coletados serão, ao final da pesquisa, armazenados em CD-ROM e caixa
arquivo, guardada por no mínimo cinco anos sob a responsabilidade da pesquisadora
responsável, no Departamento de Serviço Social, a fim de garantir a confidencialidade, a
privacidade e a segurança das informações coletadas, e a divulgação dos resultados será feita
de forma a não identificar a participante.
Você ficará com uma via original deste TCLE e toda a dúvida que você tiver a respeito
desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para a pesquisadora Izabella P. B. da Silva, na
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-RN, Campus Central, no endereço, BR 110,
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KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e Silva, CEP 59.633-010, Mossoró-
RN, Tel. (84) 3315-2210.
Dúvidas a respeito da ética desta pesquisa poderão ser questionadas ao Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP-UERN) - Campus Universitário Central - Centro de Convivência. BR 110,
KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e Silva, 59.633-010, Mossoró-RN,
Tel. (84) 3312-7032. E-mail: cep@uern.br
Se para o participante houver gasto de qualquer natureza, em virtude da sua participação
nesse estudo, é garantido o direito a indenização (Res. 466/12 II.7) – cobertura material para
reparar danos – e/ou ressarcimento (Res. 466/12 II.21) – compensação material, exclusivamente
de despesas do participante e seus acompanhantes, quando necessário, tais como transporte e
alimentação – sob a responsabilidade da pesquisadora Izabella P. B. da Silva.
Não será efetuada nenhuma forma de gratificação por sua participação. Os dados
coletados farão parte do nosso trabalho, podendo ser divulgados em eventos científicos e
publicados em revistas nacionais ou internacionais. A pesquisador estará à disposição para
qualquer esclarecimento durante todo o processo de desenvolvimento deste estudo.
Após todas essas informações, agradeço antecipadamente sua atenção e colaboração.

Consentimento Livre
Concordo em participar desta pesquisa, declarando, para os devidos fins, que fui
devidamente esclarecida quanto aos objetivos da pesquisa, aos procedimentos aos quais serei
submetida e dos possíveis riscos que possam advir de tal participação. Foram garantidos a mim
esclarecimentos que venham a solicitar durante a pesquisa e o direito de desistir da participação
em qualquer momento, sem que minha desistência implique em qualquer prejuízo a minha
pessoa.
Autorizo assim, a publicação dos dados da pesquisa, a qual me garante o anonimato e o
sigilo dos dados referentes à minha identificação.

Mossoró-RN ______/______/2019.

__________________________________________
Assinatura da Pesquisadora

___________________________________________
Assinatura da Participante

Aluna pesquisadora Izabella P. B. da Silva - Aluna do Curso de Pós-graduação em Serviço


Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus
Central. no endereço, BR 110, KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e
Silva, CEP 59.633-010, Mossoró-RN, Tel. (84) 3315-2210.
Orientadora da pesquisa Prof.ª Dr.ª Márcia da S. P. Castro. Curso de Pós-graduação em
Serviço Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN,
Campus Central. no endereço, BR 110, KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro
Costa e Silva, CEP 59.633-010, Mossoró-RN, Tel. (84) 3315-2210.
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UERN) - Campus Universitário Central - Centro de
Convivência. BR 110, KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e Silva, CEP
59.633-010, Mossoró-RN, Tel. (84) 3312-7032. E-mail: cep@uern.br
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ROTEIRO DA ENTREVISTA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS

TÍTULO DA PESQUISA: ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS E AFETOS: uma análise dos


processos de adoção na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN
PESQUISADORA: Izabella Patrícia Brito da Silva

1- Qual o procedimento inicial a ser tomado por quem pretende adotar um filho?
2- Como é realizada a avaliação psicossocial do pretendente? E quais aspectos são
levados em consideração?
3- Como acontece o curso de preparação psicossocial na VIJ de Mossoró?
4- Sobre o Cadastro de Adoção: quem faz o manuseio, acrescentando as informações
dos pretendentes e quais são as informações que nele constam?
5- É possível o pretendente estar habilitado, inserido no CNA e ter o cadastro
suspenso?
6- Aconteceram casos recentes em que os pretendentes devolveram a criança?
7- Como se dá a convocação do pretendente inscrito no Cadastro?
8- Qual o perfil das pessoas habilitadas a adotar na Comarca de Mossoró?
9- Qual o perfil das crianças/adolescentes solicitado pelos pretendentes?
10- Qual o perfil das crianças disponíveis para adoção no Cadastro em Mossoró?
11- Como acontecem as fases de aproximação e de estágio de convivência entre o
adotando e o pretendente?
12- Quais as principais motivações que levam os pretendentes a optar pela adoção?
13- Quanto tempo dura, aproximadamente, um processo de adoção na VIJ de
Mossoró, contando de quando é feita a vinculação entre a criança/adolescente e o
pretendente até a finalização do processo?
14- Em sua interpretação, as Leis nº 12.010/2009 e a nº 13.509/2017 efetivamente
trouxeram os avanços esperados?
15- Após a aprovação da Lei nº 13.509/2017 a VIJ de Mossoró realizou alguma ação
divulgar que a entrega da criança para adoção por meio da justiça não é crime?
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ANEXOS
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FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO DO PRETENDENTE A ADOÇÃO DA COMARCA


DE MOSSORÓ-RN

CADASTRO DE PRETENDENTES
1 DADOS DO(S) PRETENDENTES:
Nome do pretendente: _________________________________________________
CPF do pretendente: ___________________________________________________
Nome do(a) parceiro(a): ________________________________________________
CPF do(a) parceiro(a): _________________________________________________
Telefone principal: _____________________________________________________
Telefone secundário: __________________________________________________
E-mail: _____________________________________________________________

2 PERFIL DA CRIANÇA
Sexo Masculino ( ) Feminino ( ) Ambos ( )
Aceita adotar irmãos Sim ( ) Não ( )
Aceita adotar gêmeos Sim ( ) Não ( )
Tamanho do grupo de Até 1 ( ) Até 2 ( ) Até 3 ( ) Até 4 ( ) 5 ou mais ( )
irmãos

2.1 FAIXA ETÁRIA


De ________ anos e ________ meses a ________ anos e ________ meses.

2.2 ACEITA AS SEGUINTES CONDIÇÕES DE SAÚDE


Sem restrições ( ) Deficiência física ( ) Deficiência mental ( )
HIV ( ) Outro tipo de doença detectada ( )

2.3 RAÇA/COR
Amarela ( ) Branca ( ) Indígena ( ) Negra ( ) Parda ( )

2.4 SELECIONE O(S) ESTADO(S) EM QUE DESEJA BUSCAR CRIANÇAS:


Acre Alagoas Amazonas
Amapá Bahia Ceará
Distrito Federal Espírito Santo Goiás
Maranhão Minas Gerais Mato Grosso do Sul
Mato Grosso Pará Paraíba
Pernambuco Piauí Paraná
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Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rondônia


Roraima Rio Grande do Sul Santa Catarina
Sergipe São Paulo Tocantins

3 OBSERVAÇÕES
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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NOTA DO MOVIMENTO PELA PROTEÇÃO INTEGRAL DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES
Ref. ao PLS 394/2017
Autor: Senador Randolfe Rodrigues
Relator na CDH: Senador Paulo Paim
O "Movimento Pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes", constituído
pelas entidades que abaixo subscrevem, vem a público manifestar
posicionamento CONTRÁRIO ao PLS 394/2017, que pretende instituir o "Estatuto da
Adoção", deslocando do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para uma lei à
parte o instituto da adoção, conferindo a este novos princípios e sistemática.
O ECA é resultante de lutas de movimentos sociais conexos e contemporâneos
ao mesmo processo histórico de redemocratização do Brasil do qual emergiu a
Constituição Federal de 1988, e também do mesmo desejo civilizatório que, no
contexto global, conduziu à elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança
de 1989. É como documento matriz de um novo paradigma de proteção nascido de
um projeto de sociedade garantidora de direitos individuais e sociais que o ECA se
apresentou como referência para transformações positivas para crianças,
adolescentes, famílias e sociedade geral no Brasil. Trata-se, portanto, de conquista
histórica que implica, para sua implementação, em investimento e vigilância
constante.
É no ECA que habita a sistemática de garantia à convivência familiar e
comunitária como direito fundamental e constitucional, sob princípios reconhecedores
da família como o lócus privilegiado do afeto e do desenvolvimento humano. E é por
uma visão de preservação de direitos inerente à proteção integral, e não por
preciosismo ideológico, que a permanência da criança e do adolescente junto a sua
família natural tem precedência sobre a ruptura de vínculos (temporária, no caso dos
serviços de acolhimento, e definitiva, no caso da colocação em família substituta por
adoção). Nesse sentido, o referido direito fundamental concita as famílias, a sociedade
em geral e o Poder Público a promoverem ações que previnam rupturas, restabeleçam
vínculos e, excepcionalmente, conduzam à adoção.
A proposta apresentada, desconectada do ECA e da Política Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária, produzirá o retrocesso gravíssimo de a adoção ser aplicada
sob hermenêutica exterior à doutrina da proteção integral, e sob regras que distorcem
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o sentido garantidor de direitos individuais e sociais, já que se buscará romper vínculos


a preservá-los ou resgatá-los. Isso porque o "Estatuto da Adoção" propõe uma série
de reduções das garantias atuais em nome de uma maior possibilidade de a criança
e o adolescente serem adotados, apressando a colocação em família adotiva,
sobretudo quando se tratar de bebês e crianças de tenra idade. Centralizando o
ordenamento protetivo em adoções, produzir-se-ão também desobrigações de uma
série de políticas públicas setoriais básicas que deveriam ser disponibilizadas à
sociedade para preservar laços familiares. Paralelamente, propõe uma clara diluição
das atribuições da autoridade judiciária, com a abertura para arranjos e intervenções
de entes particulares, e com a legalização das chamadas adoções "prontas" e
"dirigidas", possibilitando, por fugir ao controle, ações eivadas de má-fé ou resultantes
de burlas ao cadastro de adoção e crimes contra o estado de filiação.
Nesse sentido, o PLS em comento inverte o princípio da prevalência da família
nas aplicações das medidas de proteção para impor que tal diretriz seja contemplativa
também de famílias adotivas. Tudo isso para gerar mais adoções e, nesse diapasão,
retirar garantias da criança, do adolescente, das famílias e da sociedade.
Tais dispositivos reavivam mecanismos que colidem com princípios
constitucionais justamente por serem práticas menoristas, que objetalizam a infância
como bem tutelado pelo interesse adulto, e que pode ser disponibilizado pelos pais.
Ao assim fazê-lo, criam-se mecanismos de adoção paralelos, que abdicam ou
minimizam formas de controle, supervisão e acompanhamento por parte do Estado
nas colocações de criança em família substituta.
Assim, por sua forma (a retirada do instituto da adoção do ECA e a ruptura com
princípios estatutários) e por seu conteúdo (a prevalência da família cedendo lugar à
adoção, a prévia intervenção de particulares em medida exclusiva da autoridade
judiciária, e a criação transversa de política pública pró-ruptura de vínculos em favor
da adoção), o PLS 394/2017 será medida de importante retrocesso e pretexto para
descumprimento de uma série de obrigações do Poder Público para com as famílias
brasileiras (inclusive as formadas por adoção), motivo pelo qual a presente
manifestação é pela REJEIÇÃO INTEGRAL da proposta.

Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/2018/02/20038,37/ADOCAO-Nota-do-


Movimento-Pela-Protecao-Integral-de-Criancas-e-Adolescentes.html

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