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MOSSORÓ-RN
2019
IZABELLA PATRÍCIA BRITO DA SILVA
MOSSORÓ-RN
2019
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande Norte.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Professora Doutora Márcia da Silva Pereira Castro
(Orientadora)
___________________________________________________________
Professora Doutora Gisele Caroline Ribeiro Anselmo
(Examinadora – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)
___________________________________________________________
Professora Doutora Ilka de Lima Souza
(Examinadora – Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que,
de alguma forma, se dedicam a causa da adoção
de crianças e adolescentes no Brasil.
Dar à luz a uma criança, é iluminar os seus dias,
dividir suas tristezas, somar suas alegrias,
é ser o próprio calor naquelas noites mais frias.
Dar à luz é estar perto, é sempre chegar primeiro,
é ter o amor mais puro, mais honesto e verdadeiro,
amar do primeiro olhar até o olhar derradeiro.
Dar à luz é se estressar, é não conseguir dormir,
é ser quase odiado por dizer: não vai sair.
Dar à luz é liberar, mas também é proibir.
Dar à luz é ser herói com papel de vilão,
é saber regrar o sim e nunca poupar o não,
não é traçar o caminho, é mostrar a direção.
Dar à luz é ser presente nos momentos mais cruéis,
é ensinar que os dedos valem mais do que os anéis,
é mostrar que um só lar, vale mais que mil hotéis.
Dar à luz é se doar, é caminhar lado a lado,
é a missão de cuidar, de amar e ser amado,
é ser grato por um dia, também ter sido cuidado.
É conhecer o amor maior que se pode amar,
é a escola da vida que insiste em ensinar,
que pra dar à luz a um filho não é preciso gerar.
É entender que neste caso o sangue é indiferente,
duvido o DNA dizer o que a gente sente.
É gerar alguém na alma, e não biologicamente,
pois não tem biologia e nem lógica,
para explicar o amor de pai e mãe.
Não se resume em gerar, quem gera nem sempre cuida,
mas quem ama vai cuidar.
Independentemente da cor que a pele tem,
da genética, do sangue, o amor vai mais além!
O amor tem tanto brilho, que quem adota um filho,
é adotado também!
(Dar à luz – Bráulio Bessa)
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, Rosemere, e ao meu pai, Paulo, que fazem dos meus sonhos os
seus sonhos. Esse título também é de vocês!
A minha avó, Zenilde, e a dona Luzia, pelas orações e pelas refeições prontas,
pra eu não precisar cozinhar e ter mais tempo para estudar.
As minhas cachorras que amo como filhas, Panda e Gigi, que estão sempre
comigo. Especialmente, durante as inúmeras madrugas em que fiquei produzindo
esse trabalho.
As professoras do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos
Social, principalmente, a Márcia Castro, que foi minha orientadora na graduação e
mais uma vez me aceitou como orientanda. Sua calma e minha pressa dão certo!
As professoras Gisele Anselmo e Ilka Souza, que apesar das inúmeras
atribuições, aceitaram participar da qualificação e da defesa final, trazendo
significativas contribuições ao meu trabalho.
As professoras Gilcélia Góis (que me acompanha desde a graduação) e a
Suzaneide Silva, pela atenção que me foi dispensada por meio dos livros emprestados
e dicas para a dissertação nos encontros da disciplina Seminário de dissertação.
A Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN, por ter permitido a realização
da pesquisa. Especialmente, a servidora que, com profissionalismo e paciência, me
concedeu a entrevista.
A minha amiga Glênia Rouse, por ter me incentivado a cursar o mestrado. Foi
uma benção começar e concluir essa etapa das nossas vidas juntas.
A Lucilma Freitas, minha colega de turma, pelas trocas de ideias e trabalhos
que fizemos juntas.
A Maria Santos e Raqueline Souza, minhas amigas e irmãs, com as quais
compartilho a vida.
A Iara Amanda, pelos textos que imprimiu, documentos que escaneou e,
principalmente, por todas as vezes que falou: “vai dar certo!”
A Francisco José Fortunato (Deir), pelas inúmeras vezes que providenciou um
carro linha nos deslocamentos Assú – Mossoró – Assú, por um preço mais em conta
e pontual pra eu não chegar atrasada nas aulas.
A Rafael Mendonça, pelas muitas impressões de textos enormes no decorrer
do mestrado.
A Gutemberg Nunes, que com sua presteza fez os gráficos.
Ao professor Josenilson Lima, que gentilmente fez a tradução do resumo para
abstract.
A todas as minhas alunas e alunos, que me incentivam a estudar cada vez
mais.
Por fim, minha infinita gratidão ao meu bom Deus, que colocou essas e muitas
outras pessoas em minha vida, que me permitiu momentos bons e difíceis. Tudo isso
me faz cada vez mais humana.
Se cheguei até aqui, foi porque a mão do Senhor me ajudou!
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
Nos primeiros anos de vida a criança depende destas ligações para crescer.
Ela carece de cuidados com o corpo, com a alimentação e com a
aprendizagem. Mas nada disso é possível se ela não encontrar um ambiente
de acolhimento e afeto. Os bebês não sobrevivem ao desamor. (VICENTE,
2011, p. 48).
1 Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do
Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências.
2 Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
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3Essa afirmação tem como base um contato anterior desta pesquisadora com o tema adoção. Mais
especificamente, nos de 2008 a 2010, durante o Estágio Supervisionado e na produção da monografia:
O direito à convivência familiar: a reinserção familiar e a adoção como medidas que visam o princípio
do melhor interesse da criança. (SILVA, 2010).
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[...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha
informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação
de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social,
para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um
problema social. (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 195).
capítulo 5, por meio dos gráficos). E o segundo, foi o acesso ao sistema virtual do
Cadastro Nacional de Adoção (CNA), para consultar o Relatório de Pretendentes
Disponível Nacional, que é de domínio público, para conhecer qual o perfil do
adotando solicitado pelos pretendentes.
Importa acentuar que os dados têm como marco temporal inicial o ano de 2010,
quando entrou em vigor a Lei nº 12.010/2009, que ficou conhecida como Lei Nacional
da Adoção ou Nova Lei da Adoção, apesar de que, sua proposta não é apenas sobre
adoção, e sim, sobre o direito à convivência familiar em todas as suas formas de ser
materializado.
No desenvolvimento da análise dos dados auferidos, buscamos apreender as
mensagens enunciadas e interpretá-las estabelecendo uma interlocução com os
aspectos sociais, os quais, por vezes, não ficam tão evidentes caso a análise se
detenha apenas ao que foi explicitamente apontado.
Por fim, partindo da perspectiva de que o tema investigado “[...] está altamente
imbricado com o contexto social e histórico” (MINAYO, 2013, p. 19), tomamos como
método de investigação e análise a lente orientadora do materialismo histórico
dialético, por compreendermos que:
as transformações sociais na vida moderna. Dessa forma, a teoria social de Marx vem
ao encontro do tema escolhido, na perspectiva de alcançar os objetivos propostos
pois, como veremos, a adoção teve (e tem) funções diversas que são decorrentes do
papel social atribuído ao público em comento, aspecto esse que é imbricado ao tempo
histórico de cada sociedade.
E ainda, sua escolha se justifica, pois temos em vista que esse método
compreende o modo de produção econômica como condicionante das demais esferas
da vida. Logo, tivemos a fundamentação necessária para perscrutar os diversos
aspectos que perpassam a adoção, principalmente, os recortes que a compõem, tais
como: o perfil dos envolvidos no processo e a idealização de família, no sentido das
“[...] representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos
atores sociais que lhe atribuem significados”. (GOLDMANN apud MINAYO, 2013, p.
25).
Temos clareza que os sucessivos caminhos percorridos no processo
investigativo revelaram que, durante a realização de uma pesquisa, não apenas se
desvenda aos olhos da pesquisadora uma realidade ainda pouco conhecida, como
também, desponta-se uma profunda transformação em seus conceitos e perspectivas
sobre as categorias trabalhadas (adoção, família, convivência familiar) e sobre os
assuntos transversais que foram problematizados.
Juventude a “seleção” dos candidatos aptos à adoção, ou seja, a busca de uma família
para uma criança, e não ao contrário, como acontecia na adoção clássica”. (CECÍLIO;
SCORSOLINI-COMIN, 2018, p. 498).
A escolha de apenas uma Comarca do Rio Grande no Norte pode, a princípio,
parecer um público pequeno, onde não se teria tantas informações a serem colhidas
para o alcance dos objetivos. Mas ainda na fase de reorganizar o projeto, tomamos a
orientação de Marconi e Lakatos (2010) sobre delimitação da pesquisa quanto aos
aspectos:
outras, que denotam que não existia uma proteção ampla no que concerne a
reconhecer a criança enquanto sujeito de direitos, independentemente de sua origem
no seio familiar.
Tomamos como aporte as considerações de Bordallo (2015), quando explica
que a legislação prevê normas para as mais diversas modalidades de adoção e
também, estão previstos os impedimentos, parcial e total, como forma de resguardar
os vínculos sanguíneos com a família biológica e não alterar o grau de parentesco, e
nas situações em que há administração de patrimônio (tutela).
E no quinto capítulo, Os processos de adoção na Vara da Infância e Juventude
no município de Mossoró-RN, temos o coração da dissertação, onde apresentamos e
analisamos as informações obtidas na pesquisa de campo. Para uma melhor
estruturação e direcionamento das ideias, este capítulo foi dividido nas seguintes
seções.
A seção 5.1 ficou reservada para o inovador meio online de organizar as
adoções, detendo um alcance tanto a nível local, quanto se estendendo a todo
território nacional: o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), lançado no ano de 2008.
Buscamos conhecer o funcionamento do CNA, na perspectiva de perceber as
inovações trazidas e os limites existentes, pois são informações basilares para tecer
as reflexões subsequentes.
Na seção 5.2 Os processos de adoção na Vara da Infância e Juventude de
Mossoró-RN, apresentamos e analisamos as informações concedidas pela
entrevistada na pesquisa de campo, as quais contemplam o procedimento inicial a ser
tomado quando se tem interesse em adotar um filho, as motivações que levam uma
pessoa a escolher pela adoção, os pormenores de como acontecem as etapas de
avaliação e a preparação dos pretendentes.
No decorrer da entrevista fomos questionando sobre quanto tempo dura cada
fase, como uma forma de responder a ideia bastante difundida de que uma adoção
pelas vias legais é demasiadamente demorada. E aí percebemos que a demora não
está necessariamente nos protocolos da legislação e, sim, no perfil da criança
solicitado pelo pretendente. Ao debatermos sobre os perfis, entendemos ser mais
didático utilizar gráficos para expor as informações e as análises seguindo uma linha
de interpretação que correlaciona elementos sociais, culturais e econômicos, não nos
limitando as informações aparentemente postas.
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Aqui, cabe dar relevo a um aspecto importante que pode ser nitidamente
observado quando desenvolvemos esse percurso histórico: as questões da infância
desvalida eram atravessadas, invariavelmente, pela situação de pobreza em que se
encontravam. Assim, “[...] a história das políticas sociais, da legislação da assistência
(pública e privada), é, em síntese, a história das várias fórmulas empregadas no
sentido de manter as desigualdades sociais e a segregação das classes”. (RIZZINI;
PILOTTI, 2011, p. 16). E se fizermos uma observação mais acurada, percebemos que
a prática do que está previsto em lei ainda mantém em nossos dias uma certa
diferenciação por classe social.
O estudo que se segue será marcado por uma periodização fazendo a
interlocução com as principais características do tratamento dispensado a crianças e
adolescentes, considerando a conjuntura de cada época e as correlações de forças
que engendraram as políticas de atendimento para o público em comento. Isso não
reflete a nossa interpretação dos acontecimentos como fatos estanques com datas
exatamente definidas. Mas sim, uma estratégia metodológica para melhor
compreensão e interpretação da realidade estudada na pesquisa.
Nos reportando a tempos pretéritos, sabe-se que o Brasil era habitado por
diversas tribos indígenas, até que que as navegações ultramarinas vindas dos países
europeus aqui chegaram, dando início a um verdadeiro processo de invasão com a
ocupação e exploração de nossos habitantes e da riqueza natural aqui existente. Esse
período foi denominado de Colonial, e durou entre dos séculos XVI à XIX.
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Desenvolver esse trabalho com as crianças era funcional aos propósitos dos
padres, pois elas eram por vezes atentas, por vezes submissas, e aprendiam sobre a
doutrina mais rápido, tornando-se multiplicadoras em suas famílias dos novos
ensinamentos recebidos. Era uma missão desafiadora não apenas no sentido de
ensinar sobre a religião, como também de fazer com que pudessem perseverar na fé,
se mantendo firmes na moral e nos bons costumes importados da Europa, como:
andar vestidos, viver um casamento monogâmico, desenvolver algum ofício para
prover suas condições de sobrevivência seguindo o modelo cristão de trabalho, entre
outros.
Sublinhamos que nessa época a percepção sobre o que é a fase da infância
ainda estava em discussão e pouco se falava em adolescência. Predominava a ideia
de que a criança era um pequeno adulto em formação, apto a ir exercendo
responsabilidades.
As fases da vida eram compreendidas da seguinte forma:
Dessa forma, ia se forjando o atendimento aos infantes por meio das atividades
da Igreja Católica, no intento de ensinar a ler e escrever. Todavia, essa ampliação não
contemplava as meninas, e sim, apenas os meninos.
É relevante mencionar ainda que não era fácil ser criança nessa época. As
condições de vida eram bastante precárias: as doenças advindas com os europeus e
com os escravos trazidos da África, se encontravam aqui, onde a medicina era
incipiente e o saneamento básico praticamente não existia.
Aliás, antes mesmo de chegar em terras brasileiras, as condições de
sobrevivência já eram bem difíceis: as embarcações vindas da Europa não ofereciam
alimentação e higiene adequados para os adultos, menos ainda para as crianças.
Logo, essas passavam sede, frio, sofriam humilhações e abusos sexuais, entre outras
hostilidades.
Quanto as embarcações vindas da África, a precariedade era ainda mais
manifesta, já que os povos escravizados não eram sequer tratados como seres
humanos, sofriam as adversidades acima citadas acrescidas de violência física
explícita e impiedosa.
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O resultado desses fatores era uma alta taxa de mortalidade infantil. Para
chegar a fase adulta era necessário ultrapassar duas etapas extremamente
desfavoráveis: a viagem do seu país de origem até aqui e a condições de
sobrevivência após o desembarque.
Outra situação dramática pela qual as crianças passavam era a de abandono
por parte dos pais. Não se trata de uma prática que acontecia apenas no Brasil.
“Desde a Antiguidade, em praticamente todas as sociedades, o abandono e a
exposição de crianças, o infanticídio e o direito de vida e morte dos pais sobre a
criança não foram incomuns e, às vezes, até faziam parte do cotidiano” (ORIONTE,
2004, p. 34), o que deixa nítido que essa fase da vida humana era desconsiderada.
“Uma mudança mais significativa só ocorreu com a chegada do cristianismo. Foi
Constantino, no final do Império Romano que, ao reconhecer a religião católica,
escreveu a primeira lei contra o infanticídio”. (ORIONTE, 2004, p. 34). Mas apesar
dessa lei e das que foram aprovadas posteriormente, sabemos que a prática de
abandono das crianças e infanticídio estão presentes até nossos dias.
Retomando nosso percurso histórico, os motivos que levavam os pais a
abandonar os filhos eram os mais diversos. Gonçalves (1992) citada por Orionte
(2004) explica:
mas, como forma de salvaguardar a honra das famílias. Para isso, utilizavam a Roda
dos Expostos.
[...] surgiu na Idade Média, mais precisamente em Roma, criada pelo papa
Inocêncio III, em 1203, e expandiu-se por Espanha, Bélgica, França e
Portugal. Era uma maneira de garantir o anonimato de pessoas que
entregavam crianças abandonadas, para evitar que morressem comidas por
cachorros ou em virtude de sua exposição nos bosques. Seu propósito era o
de conferir-lhes proteção, sustento e batismo, para garantir que não fossem
para o limbo, espécie de purgatório para crianças, segundo as crenças do
catolicismo. (RODRIGUES, 2015, p. 41-42).
Ainda sobre as questões afetas ao trabalho, temos que até o início do período
de industrialização brasileiro (final do século XIX) a economia girava em torno das
práticas agrárias e as crianças desenvolviam as mais variadas atividades, tais como:
alimentar os animais, cuidar de pequenos rebanhos, participar da colheita junto com
sua mãe, entre outras. Tudo isso se configurava como formas de ir sobrevivendo, em
meio a um contexto permeado por tantas adversidades, até chegar a fase adulta.
No contexto do Brasil Colônia, no ano de 1871 foi aprovada a Lei nº 2.040,
conhecida como Lei do Ventre Livre: “Artigo 1º Os filhos de mulher escrava que
nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre”.
(BRASIL, 1871). Essa é uma das leis abolicionistas, resultado das tensões sociais
pelas quais o país vinha passando, no que se refere as relações de trabalho advindas
da mão de obra escrava.
Por um lado, nascer na condição de pessoa livre não trazia mudanças tão
significativas, pois as crianças dependiam dos seus pais para sobreviver e eles eram
escravos. Ou seja, elas continuavam sobrevivendo na mesma situação de seus pais.
Por outro lado, podiam contar com a esperança de uma futura vida em liberdade, logo
que tivessem outros modos e espaços para sua sobrevivência, o que dá relevância a
Lei do Ventre Livre.
Na efervescência das mobilizações abolicionistas, em 13 de maio de 1888, a
princesa Isabel aprova uma das mais importantes leis da nossa história: a nº 3.353 ou
Lei Áurea, na qual: “É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no
Brazil”. (BRASIL, 1888).
Sobre esse marco na história brasileira, utilizamos as palavras de Gonçalves
(2018, p. 515), para expor que a abolição contou com “[...] uma forte participação de
escravizados(as) na luta antiescravista, levando ao colapso aquela ordem social”. É
importante fazer esse destaque pois, ainda é recorrente a ideia de um caráter passivo
da população escravizada, e atribuir o protagonismo das transformações societárias
ocorridas aos grandes fazendeiros do Oeste paulista daquela época e a pressão
exercida por países europeus que buscavam expandir o modelo capitalista de
produção econômica.
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Mesmo com sua indiscutível importância, não podemos nos furtar de citar que
as pessoas que foram libertas sofreram muito nesse processo, pois o Estado não
cuidou em proporcionar alternativas de inserção para estas. Muitas pessoas que não
sabiam sequer ler e escrever ou executar alguma atividade que não fosse agrária
acabaram voltando e/ou permanecendo nas fazendas, em condições semelhantes a
que viviam, como meio de sobrevivência.
O Brasil foi o último país das Américas a proibir a escravidão em seu território,
processo esse que aconteceu de forma lenta, pois os interesses dos ruralistas eram
colocados em primeiro plano. Com efeito, não se tratou de uma iniciativa que partiu
exclusivamente do Império e suas questões nacionais. Mas foi também uma resposta
à pressão feita pela Inglaterra que já tinha um modo de produção econômico que
carecia de novos espaços para a ampliação do consumo e da produção,
características essenciais para o fortalecimento do capitalismo.
Na sequência dos fatos históricos que cabem ser trazidos para o debate, em
15 de novembro de 1889 nasce a República Federativa Brasileira. Movimento de
origem militar, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Passetti (2010, p. 193) explica que “[...] esperava-se um regime político
democrático orientado para dar garantias ao indivíduo numa sociedade de território
amplo e de natureza abundante e generosa”, tendo em vista que na iminência do
século XX, o Império, juntamente com sua forma de governar, seu modo de produção
econômica, até mesmo seus elementos culturais, eram considerados ultrapassados,
pois se tomava como parâmetro o modo de vida dos países da Europa, industriais,
urbanos e capitalistas.
Em meio a tantas mudanças, como fica o trato dispensado às crianças?
direcionadas aos infantes buscavam sanar duas questões principais: a alta taxa de
mortalidade infantil e o problema do “menor” abandonado.
Tais fatores justificavam a necessidade da intervenção médica na família,
fazendo um forte combate a práticas populares bastante comuns, como por exemplo:
“[...] o uso de remédios caseiros no tratamento de doenças; a alimentação dos recém-
nascidos com farinhas diversas, ao invés do leite; o uso de figas e amuletos; os
banhos de sangue no matadouro para eliminação das anemias; entre outras”.
(FERNANDES; OLIVEIRA, 2012, p. 7). Assim, o médico passa a ser visto como único
detentor da competência para determinar regras de conduta à população.
Ao pensarmos sobre como o Estado vem tratando a classe pobre na
contemporaneidade brasileira, percebemos que a atuação do movimento higienista
em décadas pretéritas não ficou deixada para trás. Ao contrário, vem sendo utilizada
de forma atualizada por meio da intervenção nas famílias, com o retorno ainda mais
forte de concepções conservadoras acerca desta instituição para controlar e
disciplinar as gerações mais jovens. Outrossim, temos também a criminalização da
pobreza, que caracterizava o higienismo, permanecendo entre nós.
Além da própria família, a rua era considerada outro espaço perigoso, uma
escola do crime, onde as crianças tinham contato com práticas que vinham a romper
com a ordem social: roubos, vícios e doenças. Portanto, era necessário retirá-las
desse ambiente e lhes ensinar sobre a moral e os bons costumes vigentes. E o meio
mais eficiente era a internação nas instituições, aplicada a um público específico: as
crianças e adolescentes pobres.
5 Recebeu esta denominação em homenagem ao autor do projeto, o juiz José Cândido de Albuquerque
Mello Mattos, pelos seus inúmeros trabalhos na área de infância e juventude, que lhe deram
reconhecimento internacional, sendo eleito na década de 1930, vice-presidente da Associação
Internacional de Juízes de Menores, na Bélgica.
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O que tivemos foi uma década ganha social e politicamente, permeada por
profícuos debates e articulações. Prova maior, é que em 1987 foi formada a
Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas, cuja duração foi
de 18 meses. E em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), considerada nossa primeira Constituição
democrática, pois foi a que assegurou o sufrágio universal, e pelo caráter social e
participativo em sua elaboração e nas leis nela previstas.
Em vigor até os nossos dias, a CF/88 dispõe acerca das políticas sociais como
instrumentos de garantia dos direitos sociais que, por sua vez, integram o rol dos
direitos e garantias fundamentais para toda a população.
O desenvolvimento da consciência política popular foi expresso pela vasta
pauta democratizante, envolvendo as mais diversas demandas sociais: infância e
juventude; mulheres; idosos; povos indígenas; meio ambiente; entre outras, posto que
inaugurava um modelo de gestão das políticas sociais, passando a contar com a
participação ativa das comunidades através dos conselhos consultivos e deliberativos.
Os meninos e as meninas de rua se consolidam como símbolo da situação da
infância e adolescência desamparadas no Brasil, tanto pela sua importância em
termos quantitativos, como pela crescente organização e consequente intervenção no
panorama político nacional. Temos, então, um exemplo desse processo de construção
da consciência política que vem ocorrendo ao longo do tempo, reflexo das
mobilizações internacionais e nacionais, que visavam a implementação de políticas
sociais que potencializassem o desenvolvimento da organização familiar, como
também da proteção à criança e ao adolescente: o Movimento Nacional dos Meninos
e Meninas de Rua (MNMMR) que surgiu no 1º Encontro Nacional de Meninos e
Meninas de Rua (1984),
[...] cujo objetivo era discutir e sensibilizar a sociedade para a questão das
crianças e adolescentes rotuladas como “menores abandonados” ou
“meninos de rua”. O MNMMR foi um dos mais importantes polos de
mobilização nacional na busca de uma participação ativa de diversos
segmentos da sociedade atuantes na área da infância e juventude. O objetivo
a ser alcançado era uma constituição que garantisse e ampliasse os direitos
sociais e individuais de nossas crianças e adolescentes. (AMIM, 2015a, p.
49-50, grifos da autora).
Por meio deste quadro percebermos com nitidez que o sistema menorista deu
lugar ao garantista, normatizando a Doutrina da Proteção Integral. Expressa no campo
formal, agora nos resta o desafio da sua materialização, tarefa essa que é bastante
complexa, pois envolve diversos atores sociais e, principalmente, porque as
demandas de caráter social sofrem de forma ainda mais brutal os rebatimentos do
Estado neoliberal, que prioriza o setor econômico.
Apesar da CF/88 ser o principal ícone do período de redemocratização
vivenciado no Brasil e também aporte imprescindível na sistematização do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), não poderíamos deixar de mencionar que o
histórico de intensas mobilizações de organizações internacionais resultaram em
documentos como: a Declaração de Genebra (1924), a Declaração Universal dos
Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948), a Convenção Americana Sobre
os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e as Regras Mínimas
das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude
6 O título do quadro foi dado por esta escritora, pois não há título na publicação original.
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Amim (2015c) explica que a Lei nº 8.069/90 é orientada por três princípios: da
prioridade absoluta; do melhor interesse; e, da municipalização. A prioridade absoluta
trata-se de um princípio constitucional, por se encontrar estabelecido no artigo 227,
caput, e ratificado no ECA, em seu artigo 4º:
a participação popular. Esta, foi institucionalizada por meio dos Conselhos de Direitos
das Crianças e dos Adolescentes, criados para exercitar a ação popular no âmbito
governamental público.
Em relação ao princípio do melhor interesse, foi adotado em nosso país com o
Código de Menores de 1979, em seu artigo 5º: “Na aplicação desta Lei, a proteção
aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente
tutelado”, tendo em vista que esse já vigorava na comunidade internacional, por meio
da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959). Com o advento da
Doutrina da Proteção Integral, houve a ampliação do princípio do melhor interesse,
que passa a atender todas as crianças e adolescentes, diferentemente do que
acontecia na vigência do Código de 1979, que visava sua ação apenas para aqueles
que se encontravam em situação irregular.
A partir desse novo paradigma, o princípio do melhor interesse “[...] determina
absoluta obediência àquilo que melhor interessa e se compraz com os direitos da
criança e do adolescente”. (BAHIA, 2007, p. 199). Dessa forma, pode-se coligir que a
efetivação do princípio em debate se faz uma tarefa demasiadamente delicada, tendo
em vista que mensurar o que vem a ser melhor para uma criança ou adolescente
requer um profundo conhecimento do caso analisado, devendo ser considerados
todos os fatores objetivos e subjetivos que o permeiam.
E quanto ao princípio da municipalização, surgiu com a CF/88, apontando a
descentralização e ampliação da política de atendimento, em um sistema de cogestão
entre as três esferas de governo, enfatizando a atuação do município e positivando a
participação da população.
7 “Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios [...]”. (BRASIL, 1988).
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1990 até 2006, acorreu para o Brasil um grande volume de capital externo, que foi
aplicado na privatização de nossas melhores empresas (Vale do Rio Doce, Embratel,
Embraer, estatais da energia elétrica) e na aquisição de parte de outras grandes
empresas privadas. Com isso, houve um aumento da taxa de investimento e a
economia voltou a crescer. Mas cresceu de forma concentrada e ainda mais
dependente do capital estrangeiro, causando consequências desastrosas para a
classe trabalhadora.
A família pode ser considerada como a principal instituição que compõe o tecido
social, tendo em vista que é o grupo social em que imediatamente somos inseridos.
Nesse espaço se espera receber os elementos essenciais para a nossa
sobrevivência: cuidados iniciais, desenvolver as relações subjetivas, suprir as
necessidades objetivas.
Ao tecer reflexões sobre esse tema, logo se vem a questão: o que é família?
As formas de compreensão são heterogêneas. Temos as mais restritas ao
senso comum, ancoradas apenas nos laços de consanguinidade, como também, as
apreensões em sua diversidade de arranjos, a qual se trata de uma inegável
necessidade contemporânea.
Outro exemplo foi que, na década de 1960, houve uma difusão a nível mundial,
da pílula anticoncepcional, o que interferiu decisivamente na vivência da sexualidade
feminina que foi separada da função exclusiva e praticamente compulsória da
reprodução. “A pílula, associada a outro fenômeno social, a saber, o trabalho
remunerado da mulher, abalou os alicerces familiares [...]”. (SARTI, 2018, p. 36).
Assim, apesar de ainda ser forte a ideia de que a mulher deve obrigatoriamente ser
mãe, foi nessa época que houve um rompimento do universo naturalizado da
maternidade, que passa a envolver a possibilidade de escolha e o desejo de ser mãe.
“Os modos de vida nas famílias contemporâneas vêm se transformando,
criando novas articulações de gênero e gerações, elaborando novos códigos e, ao
mesmo tempo, mantendo um certo substrato básico das gerações anteriores”.
(SZYMANSKI, 2002, p. 20). Nesse desenvolvimento das relações, mudam-se também
os papéis dos membros da família.
Conforme exposto no Capítulo 2, percebemos que a concepção de criança
vigente durante muitos séculos foi de ser um pequeno adulto e que, em virtude da sua
fragilidade e dependência, passava por situações de abandono, violência, exploração,
entre outras dificuldades.
A família pode ser considerada como uma síntese desse universo simbólico
e das instituições nas quais se constroem as subjetividades, onde se
reproduz a ordem sociocultural em que estão inseridos e são atualizadas as
relações de gênero em todas as suas dimensões, no trabalho, no exercício
da sexualidade e nas relações de cuidado. (LYRA, et al., 2018, p. 103).
8 Como se sabe, foi na década de 1990 o termo homossexualismo foi substituído por
homossexualidade e que a Organização Mundial de Saúde (OMS) a retirou do Manual de Diagnósticos
e Estatística dos Distúrbios Mentais, que até então a classificava como desvio e perversão.
P á g i n a | 70
cuidados com o lar e com a criação dos filhos. A ideologia patriarcal continua
bastante enraizada no imaginário coletivo. Por isso, muitos homens têm
dificuldade de assimilar funções no âmbito familiar que culturalmente são
destinadas às mulheres. Ao mesmo tempo, as mesmas encontram
empecilhos na conquista de espaço no âmbito público. São discriminadas,
menosprezadas e julgadas. Contudo, o sexo feminino continua a procurar
maneiras de combater a dominação masculina. (OSTERNE; SILVEIRA,
2012, p. 9).
sociedade e das lutas coletivas. Enfim, é uma sociabilidade que insiste em roubar
nossa humanização, retirando de nós uma característica fundamental que é a vida em
sociedade.
Essas, como tantas outras inúmeras mudanças, proporcionam um intenso
processo de complexificação da sociedade que, inevitavelmente, repercutem na
composição das famílias.
Por outro lado, apesar das inúmeras mudanças ocorridas e ainda em curso do
contexto familiar, tem um aspecto que segue arraigado: a função de cuidar, a qual
suscita um trabalho que pode ser compreendido:
Para além dessa discussão, cabe ressaltar em nosso debate que, no decorrer
de sua vigência surgiu a Emenda Constitucional Nº 9, de 28 de junho de 1977, a qual
instituiu o divórcio, inaugurando uma nova fase por passar a reconhecer outras formas
de constituir família, ampliando seu conceito, anteriormente, ligado apenas ao
casamento.
Por fim, tivemos em 05 de outubro de 1988 a promulgação de mais um texto
constitucional, marco da reabertura democrática. Inquestionavelmente, trouxe
diversas e significativas mudanças ao nosso ordenamento jurídico, como por exemplo:
o princípio da isonomia, onde devem prevalecer os Direitos Humanos (artigo 5º); o
estabelecimento de novos paradigmas no que tange ao direito de família,
reconhecendo a união estável e a família monoparental, no artigo 226, § 3º e 4º,
respectivamente; o reconhecimento de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de
direitos, através do artigo 227, chamado também de Doutrina da Proteção Integral,
entre outros direitos que devem ser assegurados e materializados para todos os
cidadãos.
Mediante o exposto, é manifesto o reconhecimento da instituição familiar e seus
membros, de forma individual, nas Constituições. Para que se possa compreender
esse processo de tantas transformações, não podemos prescindir de analisar o
contexto referente a cada época, haja vista que pensar a instituição família ao longo
dos tempos, é pensar concomitantemente nas transformações ocorridas na
sociedade.
Após essa breve exposição, na qual discorremos que o trato dado à família por
nossos ordenamentos jurídicos se configura como um fator intrinsecamente ligado aos
elementos que compõe a sociedade, trataremos em nosso item subsequente acerca
do processo de legitimação da convivência familiar enquanto direito fundamental.
Parece óbvio afirmar que toda criança e adolescente tem direito a viver em
família. No entanto, diante do histórico de institucionalização de crianças e
P á g i n a | 80
Humanos (1948), que em seu artigo XVI, III, nos diz: “A família é o núcleo natural e
fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”.
No intuito de implementar o sistema garantista da Doutrina da Proteção Integral
que passa a vigorar com o novo ordenamento jurídico, foi promulgada em 13 de julho
de 1990 a Lei nº 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque não é apenas uma lei que se
limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de um verdadeiro
microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o
ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. (AMIM,
2015a, p. 50, grifo da autora).
Este Plano constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, ao romper com
a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o
paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e
comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. As
crianças e adolescentes não são fragmentadas e, portanto, devemos sempre
pensar no seu atendimento humano integral, por meio de políticas públicas
articuladas com vistas à plena garantia dos direitos e ao verdadeiro
desenvolvimento social. (BRASIL, 2006, p. 14).
O Plano veio para ratificar o que está disposto na CF/88, na Lei nº 8.069/90,
como também na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS); na Resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) e no Sistema Único da Assistência Social
(SUAS).
P á g i n a | 83
Para fins da lei, em seu artigo 2º, explica: “[...] considera-se primeira infância o
período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois)
meses de vida da criança”. (BRASIL, 2016). Fica claro que o Estado passa a ter uma
preocupação ainda maior com essa fase da vida que é a primeira infância, em que
acontece o desenvolvimento humano inicial, visando garantir a proteção integral.
Endossando as legislações anteriores, a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios apoiarão a participação das famílias em redes de proteção e cuidado
para com a criança, observando o contexto sócio familiar e comunitário, direcionando-
se à formação e ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com
prioridade aos contextos que apresentem situações de risco ao desenvolvimento da
criança.
As políticas e programas governamentais de apoio às famílias, incluindo as
visitas domiciliares e os programas de promoção da paternidade e maternidade
responsáveis, devem ser materializadas de forma articulada, integrando os diversos
profissionais e setores que, de alguma forma, cooperam para o pleno
desenvolvimento infantil.
Com seus laços esgarçados, torna-se cada vez mais difícil definir os
contornos que a delimitam. Vivemos uma época como nenhuma outra, em
que a mais naturalizada de todas as esferas sociais, a família, além de sofrer
importantes abalos internos tem sido alvo de marcantes interferências
externas. (SARTI, 2018, p. 35).
101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Redação dada pela
Lei nº 13.257, de 2016).
§ 4º Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou
o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo
responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade
responsável, independentemente de autorização judicial. (Incluído pela Lei nº
12.9629, de 2014). (BRASIL, 2019).
9Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar
a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.
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[...] as sanções mais graves impostas aos pais, devendo ser decretadas por
sentença, em procedimento judicial próprio, garantindo-se-lhes o princípio do
contraditório e o da ampla defesa, na hipótese de seus atos se caracterizarem
como atentatórios aos direitos do filho (art. 129, X, c/c os arts. 155/163 da Lei
n. 8.069/90). Por constituírem medidas drásticas e excepcionais, devem ser
aplicadas com a máxima prudência. (MACIEL, 2015b, p. 208).
que “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles
inerentes ou arruinando os bens dos filhos [...]”. É uma medida de caráter temporário,
formalizada mediante um decreto, o qual estabelecerá o tempo necessário da
suspensão do poder familiar, que poderá ser restituído, posteriormente, caso não
exista impedimento.
A destituição definitiva acontece quando um ou ambos os pais incidem em falta
grave aos deveres inerentes ao seu múnus.
Por fim, pode acontecer a situação de extinção do poder familiar, termo jurídico
utilizado quando há a interrupção definitiva, como, por exemplo, pela morte de um dos
pais ou do filho, emancipação do filho, em caso de maioridade do filho, adoção da
criança ou do adolescente, ou ainda, pela perda em virtude de uma decisão judicial.
Com efeito, a legislação traz um rol de possibilidades, das mais leves as mais
severas, sempre na direção de assegurar o pleno crescimento e desenvolvimento do
público infanto-juvenil junto a uma família.
Na sequência dos avanços auferidos, não podemos nos furtar de mencionar o
artigo 23 do ECA: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. (Expressão substituída pela
Lei nº 12.010, de 2009)”. (BRASIL, 2019).
Apontamos o artigo supra como avanço, pois tomamos como parâmetro a
legislação anterior, o Código de Menores, que em sua doutrina caracterizava:
depende apenas da livre vontade do indivíduo e, sim, de uma conjuntura mais ampla,
que tem na economia o fator determinante dos demais aspectos sociais.
Apesar do que está consignado na lei, na realidade de milhões de brasileiros
se verifica que a situação de vulnerabilidade econômica da família, aliada a outras
expressões da questão social, embora não seja a causa principal da destituição,
impede o exercício do múnus pela falta de condições concretas para cuidar da prole.
Sendo o Estado um corresponsável pela proteção às famílias, não deve ser
omisso. “O poder familiar é instituto regido por normas de ordem pública, de modo que
é fundamental que o Poder Público coopere neste papel, dotando a família de
condições para exercer estes deveres em favor dos filhos”, (MACIEL, 2015b, p. 204),
fortalecendo o princípio da prevalência da família natural. (BRASIL, 2019, artigo 100,
X).
Em concordância com o que foi exposto, são diversas as situações em que se
faz necessário o afastamento da criança de seus pais biológicos. Como solução, o
ECA prevê a colocação em família substituta. Mas essa não foi uma inovação trazida
por esse estatuto. A Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, Código de Menores, já
fazia essa previsão na Seção I - Da Colocação em Lar Substituto. “Artigo 17 - A
colocação em lar substituto será feita mediante: I - delegação do pátrio poder; II -
guarda; III - tutela; IV - adoção simples; V - adoção plena”. (BRASIL, 1979).
O ECA manteve a natureza jurídica da medida, mas agora, apenas nas
modalidades de guarda, tutela e adoção. Sendo a criança a principal parte do
procedimento, são previstas algumas disposições gerais que firmam ser ela um sujeito
de direitos.
inicial manifestação positiva de vontade dos pais, poderá postular medida ampla,
como a adoção”. Caso o processo não esteja dentro da formalização jurídica, abre-se
precedentes para a possibilidade de o guardião induzir a justiça ao erro de
intepretação, alegando “[...] que os pais já concordaram, de forma genérica, com a
inserção do filho em outra família”. (MACIEL, 2015c, p. 238).
A tutela é uma modalidade de inserção em família substituta que se configura
enquanto “[...] um conjunto de poderes e encargos conferidos pela lei a um terceiro,
para que zele não só pela pessoa de menos de 18 anos de idade e que se encontra
fora do poder familiar, como também lhe administre os bens”. (MACIEL, 2015d, p.
263).
Sobre a tutela, o ECA dispôs apenas três artigos: 36, 37 e 38. É no Código Civil
(2002) que ela se encontra mais amplamente explicada, prevista nos artigos 1.728 a
1.766. No caso em que houver algum tipo de incompatibilidade entre as leis, deve
prevalecer o que está previsto no Código Civil.
Para que não restem dúvidas sobre a quem pertence a competência de
executar o processo, temos que: quando existe alguma situação de risco (conforme
contemplado no ECA, artigo 98), será na Vara da Infância e Juventude; quando os
direitos estão sendo preservados, a competência é da Vara da Família.
A criança ou adolescente pode ser posto em tutela nas situações de:
falecimento dos pais, quando esses são julgados ausentes ou quando cessa o poder
familiar. Diferente da guarda, “Artigo 36 - Parágrafo único. O deferimento da tutela
pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar e implica
necessariamente o dever de guarda. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de
2009)”. (BRASIL, 2019).
Outra característica que diferencia guarda e tutela é que essa é um instituto
unilateral, isso quer dizer que o múnus pertence a apenas uma pessoa como
responsável, quando a guarda recai de igual forma sobre as duas pessoas que
formam o casal. E uma característica em comum entre as medidas apontadas é que
são revogáveis, podem em algum momento cessar. No caso da tutela, quando o
tutelado atinge a maioridade ou obtém a emancipação, quando volta a estar sob o
P á g i n a | 92
10 Tendo em vista que os assuntos: poder familiar, guarda e tutela, não são centrais em nossa pesquisa,
mas são transversais e deveras importantes, expomos apenas as informações essenciais. Para
aprofundamento da leitura, recomendamos o livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente:
aspectos teóricos e práticos (MACIEL, 2015), que se encontra nas referências.
P á g i n a | 93
Sobre isso, temos o fato curioso que essa forma de organização da adoção em
Roma permitiu que Nero fosse adotado por Augusto, transformando-se,
posteriormente, em Imperador. (BORDALLO, 2015).
Ainda sobre adoção na Antiguidade, temos o conhecido caso de Moisés,
relatado na Bíblia.
hebreus!” Então, a irmã do menino disse a filha do Faraó: A senhora quer que
eu vá chamar uma hebreia para criar este menino?” A filha do Faraó
respondeu: “Pode ir”. A menina foi e chamou a mãe da criança. Então a filha
do Faraó disse para a mulher: “Leve este menino, e o amamente para mim,
que eu lhe pagarei”. A mulher recebeu o menino e o criou. Quando o menino
cresceu, a mulher o entregou à filha do Faraó, que o adotou e lhe deu o nome
de Moisés, dizendo: “Eu o tirei das águas”. (ÊXODO, 2, 3-10).
E quanto aos que não tivessem herdeiros? Para a Igreja Católica e para o
próprio sistema era mais conveniente permanecer assim do que adotar, pois os bens
seriam repassados para a Igreja ou para o senhor feudal. (BORDALLO, 2015). Ou
seja, o interesse material se sobrepunha as demandas pessoais e sociais.
Mais adiante, já no direito moderno, com a Revolução Francesa e por meio do
interesse pessoal de uma figura política bastante conhecida, a adoção volta a estar
presente no corpo das normas.
Tamanha foi a sua relevância, que Sena (2015, p. 32) afirma: “Este Código
Francês veio a influenciar a normatização do instituto da adoção em todas as
legislações modernas, inclusive a brasileira”.
Conforme podemos constatar, apesar de termos acima apontamentos
pontuais, apenas para efeito de ilustração do nosso debate, sobre a prática da adoção
P á g i n a | 96
[...] assumia-se “por caridade” crianças deixadas à porta (hábito que perdurou
por muito tempo, inclusive depois de existirem as rodas dos expostos), órfãos
e abrigados. Tal procedimentos atendia, possivelmente, a situações advindas
das relações entre senhores e suas escravas, ex-escravas, serviçais da casa
e práticas de adultério, [...]. (GOIS, 2013, p. 26, grifo da autora).
Foi apenas no século XX que, pela primeira vez, a adoção foi mencionada em
lei, por meio do Código Civil Brasileiro, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Antes
disso, os adotantes eram desobrigados legalmente para com o adotado, possuindo
apenas a obrigação moral a qual, convenhamos, poderia ser facilmente manipulada,
caso fosse do interesse do adulto. Ou seja, a criança ficava desprotegida: poderia ser
devolvida (para uma instituição ou até deixada na rua), não tinha direitos sucessórios,
poderia estar na família apenas para auxiliar nos afazeres, entre outras tantas
situações que manifestam o poder de determinação do adulto sobre a criança e a
fragilidade dos vínculos adotivos, não sendo exagero dizer que era uma relação regida
pelo obséquio do adulto.
a escritura da adoção dos bebês mediante autorização judicial. Com isso, a adoção
passa a ser intermediada pelo poder judiciário.
Na esteira dos aparatos normativos, em 2 de junho de 1965, foi aprovada a Lei
nº 4.655, trazendo o conceito de legitimidade afetiva. Com isso, através de uma
decisão judicial as crianças adotadas passaram a ter os mesmos direitos dos filhos
biológicos. Tais situações foram descritas na legislação como filhos de pais
desconhecidos ou pais que declararam por escrito a concordância com adoção. Para
as crianças menores de sete anos, também se consideraram situações em que os
pais perderam os direitos legais sobre os filhos e nenhum outro familiar reivindicou
sua guarda. Para as maiores de sete anos, foi prevista a legitimação adotiva para as
crianças que já estavam sob os cuidados dos adotantes, como no caso de viúvos(as)
ou desquitados(as).
Entre avanços tão significativos ou não, Ferreira (2010, p. 29) explica que:
“Verificou-se um pequeno avanço no instituto da adoção, mas essa legislação, como
as revogadas, [...] ainda apresenta muitas barreiras para que se tornasse um instituto
que contemplasse o direito da criança e do adolescente à convivência familiar”.
Na lei de 1965 foram trazidos dois artigos que estão presentes até os nossos
dias: o rompimento definitivo com a família biológica e a irrevogabilidade da adoção.
Foi sob forte influência das mudanças sociais, que a legislação menorista
passou por uma radical transformação, proporcionando também mudanças
significativas no instituto da adoção.
legal. Assim, adopção é o acto pelo qual alguém acceita um estranho na qualidade de
filho”.
Com Pereira (1991, p. 211), temos uma intepretação que evidencia a
juridicidade do instituto: “Adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra
como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco
consanguíneo ou afim”.
Em Venosa (2006), temos um conceito que traz uma característica
fundamental: a necessidade de se criar vínculos de afetividade.
Assim, um processo de adoção não tem como retroagir. Nem mesmo nos casos
de falecimento do adotante o poder familiar poderá retornar aos pais biológicos,
conforme consta no artigo 49 do ECA. Por outro lado, o poder familiar atribuído aos
pais adotivos não é irrevogável. Caso eles venham a descumprir com suas
responsabilidades para com o filho adotado, poderão perder as prerrogativas do poder
familiar.
Podemos inferir que a aprovação da Doutrina da Proteção Integral em nosso
país, insculpida no artigo 227 da CF/88, foi o primeiro passo para a legitimação dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, servindo de aporte para a
promulgação da Lei nº 8.069/90, o que resultou em uma profunda mudança na
atenção dada a este público. Ou seja, a CF/88 preparou terreno para a aprovação de
uma legislação específica para o público infanto-juvenil: o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o qual revogou o Código de Menores (1979). Nessa nova
legislação a adoção é tratada na Seção III – Da família substituta, Subseção IV – Da
adoção, artigos 39 a 52.
A princípio, com o ECA, teve fim as designações de adoção simples e plena,
ficando apenas uma única forma de adoção para toda criança ou adolescente, ou seja,
de 0 a 18 anos de idade e, excepcionalmente, até os 21 anos, sendo extinta também
a Doutrina da Situação Irregular.
Além das medidas para que a criança não fique muito tempo institucionalizada,
está previsto também que no período em que esteja, possa ter uma rotina estabelecida
de acordo com suas necessidades/direitos: de ir à escola, receber os atendimentos
de saúde, ter o convívio comunitário. E caso os pais ainda não tenham sido destituídos
do poder familiar, receber a visita destes na instituição de acolhimento.
Em 2002, tivemos a aprovação de um Novo Código Civil (NCC), Lei nº
10.406/2002, que dedicou do artigo 1.618 ao 1.629, à adoção, dispondo que
independentemente da idade do adotante, o processo de adoção será judicial (artigo
1.623), e chegando a repetir alguns artigos do ECA, o que implica dizer que não há
incompatibilidade entre ambos os instrumentos normativos, uma vez que as emendas
trazidas pelo NCC vêm a somar o que já é previsto pelo ECA.
Em se tratando do NCC, destacamos que foi esse instrumento que fez a
substituição do termo pátrio poder por poder familiar. Não devemos interpretar apenas
como uma mera mudança terminológica, mas compreender a forte carga subjetiva
existente em cada um dos termos, conforme já explicado no Capítulo 3.
Após 19 anos de sua promulgação, o ECA sofreu uma profunda reformulação
através da Lei nº 12.010. Tão logo de sua aprovação, ficou amplamente conhecida
como Lei Nacional da Adoção ou Nova Lei da Adoção. Todavia, sua proposta não é
apenas sobre adoção, e sim, sobre o direito à convivência familiar.
Sublinhamos que essa lei não nasceu pronta. Inicialmente, foi apresentado no
Senado o Projeto de Lei nº 314/2004 (da senadora Patrícia Saboya Gomes), que
alterava apenas dois artigos do ECA: dava uma nova redação ao § 2º do artigo 46 e
ao caput do artigo 52, versando sobre adoção internacional e seu estágio de
convivência. Daí, o que aconteceu foi que o Projeto passou a contemplar as ideias
dispostas em outros projetos de lei e, por conseguinte, delineou um novo sistema de
garantia ao direito à convivência familiar, sendo levado para a Câmara dos Deputados
como Projeto de Lei nº 6.222/2005. E, por fim, em 03 de agosto de 2009, foi aprovado
como a Lei nº 12.010.
11 Em anexo.
P á g i n a | 109
No artigo seguinte, o ECA traz a adoção bilateral (ou conjunta), no artigo 42, §
2º, que estabelece: “[...] é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente
ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”. (Redação dada
pela Lei nº 12.010, de 2009). (BRASIL, 2019). Com a intenção de ampliar as
possibilidades de adoção, para efeito de filiação, a união estável foi igualada ao
casamento, permitindo que a adoção possa ser requerida tanto pelo casal, como pelos
conviventes.
A adoção bilateral pode ser requerida também pelos casais separados,
judicialmente ou não, mas de forma excepcional, e ficando nítido o bem-estar do
adotando.
Artigo 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de
outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
(BRASIL, 1940).
Em nossos dias, essa prática tem sido cada vez mais dificultada, tanto pelas
leis que organizam os processos de adoção, como pelos sujeitos envolvidos: pessoas
que trabalham na saúde, nos cartórios e no sistema judiciário, para que o
procedimento ocorra dentro da legalidade, sem prejuízo, principalmente, para a
criança.
Por outro lado, mesmo sabendo da possibilidade de desconstituição e de
punição, muitas pessoas ainda fazem uso dessa prática. Para compreender as
motivações que podem levar a isso, novamente, no valemos de Bordallo (2015), que
explica:
Muitas pessoas podem assim proceder por motivos os mais diversos, dos
quais podemos enumerar: não desejarem que o fato seja exposto em um
processo, achando que assim agindo a criança nunca saberá que foi adotada;
receio que a criança lhe seja tomada ao proporem a ação, considerando a
existência do cadastro que deve respeitado; medo de não lhes ser concedida
a adoção. (BORDALLO, 2015, p. 352).
uma criança a uma família ou que a criança seja utilizada em situações de exploração
sexual, de sua mão de obra, entre outras.
Se a adoção à brasileira ainda acontece, resta claro a necessidade de se
buscar estratégias que venham a desmistificar os protocolos atinentes a justiça e a
adoção, explicitando que é na Vara da Infância e Juventude que a demanda deve ser
atendida, espaço esse que deve ser acessado por todas as pessoas para sanar suas
dúvidas e viabilizar o processo de adoção.
Conforme vem sendo exposto, a adoção tem múltiplas faces. E uma delas, é o
forte caráter cultural de os pretendentes delinearem um perfil para a criança a ser
adotada, o que inclui que ela seja o mais nova possível. Quando a criança tem mais
de dois anos de idade12, é considerada uma adoção tardia, a qual revela o lado cruel
e excludente da escolha de um determinado perfil, potencializando crenças e
expectativas negativas.
12A questão da idade é apenas uma das demais características que os pretendentes apontam no
Cadastro de Adoção, aspecto que será debatido no capítulo seguinte.
P á g i n a | 114
Podemos constatar que para além das modalidades em que a adoção pode
acontecer, é fundamental que exista uma filiação sócio afetiva entre os envolvidos,
edificada no relacionamento diário, formando uma base emocional capaz de
assegurar o pleno desenvolvimento.
Vale firmar: não há mais distinções entre a filiação advinda de forma biológica
ou adotiva. A prevalência dos laços que são decorrentes do afeto permite a
possibilidade de criação de um parentesco legal, caso assim esteja favorecendo o
melhor interesse da criança ou do adolescente.
Mediante o exposto, podemos inferir que a adoção é um processo singular, mas
que pode ser materializada de diversas formas, conforme as especificidades de cada
situação. Inclusive, pode até acontecer utilizando-se de procedimentos à margem da
lei, cabendo as devidas punições quando comprovado. Por outro lado, o Estatuto
dispõe igualmente de algumas situações em que há impedimento para a adoção.
No artigo 42, § 1º, consta que “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos
do adotando”. (BRASIL, 2019). Trata-se de um impedimento total, medida adotada
pelo legislador na intenção de evitar alguma confusão ou inversão nas relações
biológicas de parentesco.
Constituir uma família, seja por meio de uma união afetiva e/ou da chegada de
um filho, não é uma decisão simples. Requer pensar que todos os aspectos da sua
vida vão mudar e não será uma mudança temporária. Envolve sentimentos,
questionamentos, expectativas positivas e negativas, afinal, estamos falando de vidas
humanas, portanto, de subjetividades.
Quando se trata da nossa prole, devemos refletir que “A parentalidade é para
sempre e deve ser decidida antes da chegada dos filhos, exigindo disponibilidade
afetiva, financeira e de tempo para exercê-la”. (CAMARGO, 2018, p. 9). E que gestar
é um processo complexo.
Se o processo biológico de gestar tem os seus desafios, na adoção não é
diferente. Embora a gestação não seja física, há de se fazer um preparo emocional,
pois das primeiras providências na Vara da Infância e Juventude até a efetiva chegada
do filho em casa haverá um longo percurso a se percorrer.
P á g i n a | 117
Desde a sua promulgação o ECA já previa que cada Comarca deveria manter
cadastros de pessoas habilitadas e das crianças e adolescentes disponíveis para a
adoção. “Artigo 50 - A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro
regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e
outro de pessoas interessadas na adoção”. (BRASIL, 2019). Todavia, pelo fato de
serem listagens regionalizadas as possibilidades ficavam, em certa medida, restritas,
pois não havia uma interação a nível federal.
Pensando em ampliar as oportunidades, em 2008 foi implantado o CNA,
ferramenta digital que funciona com base nas informações que são fornecidas pelos
Tribunais de Justiça de cada Estado, de maneira a aperfeiçoar o que já estava previsto
desde 1990. Assim, mesmo que estejam em cidades distantes, em outra unidade da
federação, a criança ou o adolescente apto a adoção poderá encontrar uma família
mediante a unificação das informações e o cruzamento dos dados, tornando mais
célere o processo de adoção.
No site do CNA tem a opção de cadastrar o pretendente, que pode ser nacional
ou internacional, e as seguintes informações:
idade, a falta de maturidade para compreender o processo e desejoso para ter uma
nova família, certamente, o infante não terá tantas imposições como tem o adulto.
Nessa direção, é fundamental que se tenha ciência de que a adoção não é
encomendar um filho como se estivesse adquirindo um objeto. Adotar é estar proposto
a conhecer e amar uma pessoa que tem uma história e uma identidade, que se tornam
cada vez mais densas com o passar o tempo, principalmente, se já estiver por um
tempo considerável na instituição de acolhimento, portanto, precisam ser
compreendidas, respeitadas.
E, independentemente de como o filho chega à família, biológico ou adotivo,
jamais será ideal e livre de conflitos. A paternidade/maternidade é uma experiência
que suscita aceitação e recomeços diante da nova organização familiar e das
situações inesperadas que vão surgir. Nas palavras de Vicente (2011, p. 54): “O fato
de a família ser um espaço privilegiado de convivência, não significa que não haja
conflitos nessa esfera. Cada ciclo da vida familiar exige ajustamento por parte de
ambas as gerações, envolvendo, portanto, o grupo como um todo”.
Desde a sua criação até os dias de hoje, o CNA tem passado por algumas
mudanças, ganhado novas funcionalidades, na perspectiva de que as crianças e
adolescentes fiquem o menor tempo possível na instituição de acolhimento e os
colocando como sujeitos principais do processo.
por conseguinte, tornar mais célere, para que as crianças e os adolescentes fiquem o
menor tempo possível no aguardo de uma família. Bem como, para evitar distorções
sobre a intenção em se adotar, salvaguardando a integridade do público em comento.
Para que possamos compreender de forma mais aprofundada como vem
acontecendo os processos de adoção, começamos perguntando a nossa entrevistada
qual o procedimento inicial a ser seguido pelo pretendente. Ao que ela nos explicou
que é algo simples: ir até a VIJ, e no setor da secretaria solicitar um formulário de
inscrição (que consta nos anexos) a ser respondido com as informações pessoais
juntamente com a documentação que está prevista no ECA.
Ou seja, deveria ter, além da assistente social, uma psicóloga, para que seja
um atendimento psicossocial. Porém, no momento da pesquisa a VIJ não contava
com essa profissional. Não é por isso que o processo deixa de acontecer ou está
sofrendo atrasos. Todavia, sabemos que a presença de uma psicóloga é fundamental,
não apenas porque está previsto na lei. E sim, por motivos como: os seus
procedimentos técnicos privativos conseguem alcançar resultados sobre a realidade
emocional do pretendente, sanar dúvidas comportamentais, entre outras questões
que naturalmente emergem antes e durante o processo e pela importância do trabalho
interdisciplinar.
[...] colocar sempre a criança como sujeito principal do processo, para que se
permita a busca de uma família para ela, e não o contrário. Entre as medidas
que corroboram essa intenção estão a emissão de alertas em caso de
demora no cumprimento de prazos processuais que envolvem essas crianças
e a busca de dados aproximados do perfil escolhido pelos pretendentes,
ampliando assim as possibilidades de adoção. Além das crianças aptas à
adoção, o novo sistema traz informações do antigo Cadastro Nacional de
Crianças Acolhidas, do CNJ, no qual 47 mil crianças que vivem em
instituições de acolhimento em todos os estados estão cadastradas. Esse
cadastro integra dados de todos os órgãos e entidade de acolhimento de
crianças/adolescentes abrigados no País. (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2019, n.p.).
ano. Mas depois da alteração trazida pela lei 13.509, que ela vem falar dos
prazos, passamos a fazer dois cursos por ano, um no primeiro semestre,
outro no segundo. (ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).
Com essa fala, percebemos que os servidores da VIJ têm se preocupado com
a observância da lei, principalmente, ao ofertar duas reuniões por ano, para que se
possa cumprir o prazo do processo de habilitação.
A explicação revela que a equipe que atua na adoção não tem uma visão
estreita, legalista, da execução do processo. Ao contrário, flexibiliza a ordem das
etapas, que não são difíceis de cumprir, mas são muitas, favorecendo mais o direito
da criança ou do adolescente de ter uma família, do que a estrita obediência ao crivo
da lei, prática que denota uma compreensão humanizada dos direitos do público
infanto juvenil.
No uso de suas atribuições legais, a juíza da VIJ de Mossoró passou a exigir
como obrigatória a participação nos encontros do Grupo de Apoio à Adoção. Com
P á g i n a | 127
Sim, pode acontecer. Por exemplo, nós temos uma situação aqui em que a
pretendente está em primeiro, mas o Cadastro dela está suspenso por que
ela devolveu uma criança. Então enquanto não se resolve essa situação ela
não pode ser vinculada a nenhuma criança. Quando eu incluo uma criança
que ela aparece como primeiro nome pra essa criança eu não posso vincular.
Eu vou vincular ao pretendente que vem em seguida. E quando eu faço a
vinculação do pretendente, logo eu entro em contato para comunicar.
(ENTREVISTADA, em 28 de agosto de 2019).
Podemos imaginar que foi um momento difícil para todos os envolvidos, mas é
claro que, com ônus para os infantes, que despertam em si a esperança de voltar a
uma convivência familiar. Por outro lado, o que serve de alento nas situações
relatadas é que os processos estavam em estágio de convivência, fase em que as
relações entre adotante e pretendente estão sendo moldadas, o que nos leva a
deduzir que os sentimentos filiais ainda não estavam solidificados.
Apesar de sua irrevogabilidade, existem os casos em que o processo retrocede
e é desfeito, então a criança ou adolescente retorna para a instituição de acolhimento
e é reinserida no Cadastro de Adoção13.
O desenvolvimento das novas relações entre pai/mãe e filho deve ser uma via
de mão dupla: o pai/mãe deve desejar a criança e da mesma forma, a criança deve
desejar viver com a família, estar disposta a aceitá-la. É interessante sublinhar a
importância dessa atitude porque na adoção a criança/adolescente é encaminhada
pelos profissionais para a nova família e, por vezes, mesmo já tendo um nível de
consciência que lhe permite compreender o que é a adoção, é visto e tratado mais
como objeto do que como um sujeito de direitos.
13 Seria interessante trazer dados quantitativos a nível nacional dos casos de devolução. Porém, a
informação não está disponível no site do Conselho Nacional de Justiça. Ao que nos parece, esse
registro é feito apenas a nível regional, em cada Comarca.
P á g i n a | 131
14 Artigo 50 - § 13 Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil
não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
P á g i n a | 132
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e
afetividade; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou
adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e
afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts.
237 ou 238 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
P á g i n a | 133
ESTADO CIVIL
93,94%
6,06%
No Cadastro não pergunta sobre a orientação sexual do casal, haja vista que,
“[...] a orientação sexual não deve ser um quesito a ser investigado, sendo
O fato de a constituição das famílias por casais héteros ainda ser predominante
não ofusca ter também casais homoafetivos, visto que, o ponto principal a ser
considerado é que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, precisam e
merecem ter uma família, e isso independe do fato de ser família constituída por um
casal homoafetivo ou heterossexual.
Salientamos ainda, o fato de ter duas pessoas solteiras, o que mostra que a
adoção não está condicionada ao fato de se ter um/a companheiro/a, mas a vontade
de ser família para quem não a tem.
Afinal, o que realmente importa não é a orientação sexual do pretendente ou
que seja necessariamente um casal, e sim, que a criança ou adolescente seja cuidado
em um ambiente que lhe proporcione o desenvolvimento físico e mental saudáveis.
Quanto a faixa etária dos pretendentes, temos:
FAIXA ETÁRIA
50%
42,19%
3,13% 4,68%
SE JÁ TEM FILHOS
51,51%
42,43%
6,06%
Uma parcela dos pretendentes ainda não tem filhos, informação essa que
confirma o que já se espera quando alguém procura a adoção: a vontade de ter um
filho. Em contraponto, merece destaque também o fato de que quase metade dos
habilitados já tem um filho, sendo dois deles adotivos.
As próximas informações são sobre dois aspectos que são proporcionais e se
complementam: o nível de escolaridade (por pretendente) e a renda mensal (por
habilitação).
P á g i n a | 136
NÍVEL DE ESCOLARIDADE
62,50%
28,13%
RENDA MENSAL
48,48%
36,37%
15,15%
apresentação de uma criança com um perfil não desejado que fatalmente será
rejeitada”. (VIEIRA, 2004, p. 77).
As informações aqui dispostas seguem a mesma ordem de como pede o
Cadastro de Adoção. A primeira é sobre o sexo esperado: menina ou menino.
Gráfico 6 – Sexo
SEXO
63,64%
27,27%
9,09%
A maioria das habilitações não faz restrição quanto ao sexo esperado. Trata-se
de uma informação bastante positiva, pois a construção de um perfil idealizado
começa a partir da escolha entre menina ou menino, por, no senso comum, ainda se
evidenciar a ideia de que existem características inatas a uma pessoa conforme o seu
sexo que podem influenciar na personalidade, no jeito de ser e, por conseguinte,
poderá ser mais fácil ou difícil a sua criação.
levadas em consideração, mas que acabam por repercutir em escolhas reais sentidas
pelos que estão nas instituições de acolhimento aguardando uma família.
Na escolha do sexo o Relatório Nacional aponta que a preferência segue a
mesma lógica local.
O fato de mais da metade das habilitações não ter preferência quanto ao sexo
é bastante relevante. Todavia, atentamos também para a quantidade de pretendentes
que querem apenas meninas, o que está relacionado ao estereótipo cultural de
gênero.
Mediante o exposto, temos que a ideia de “criar uma menina é mais fácil do que
criar um menino”, sustentada na diferença biológica entre os sexos, é culturalmente
forte em nosso país, a ponto de ser naturalizada. É preciso desmistificar esse tipo de
projeção direcionada ao menino e a menina e compreender que, independentemente
do sexo do futuro filho ou filha, certamente acontecerão os desentendimentos, que
devem ser suplantados pela construção da afetividade e do diálogo.
A opção de escolha seguinte é quanto a faixa etária que deve ter o adotando.
FAIXA ETÁRIA
54,55%
33,33%
12,12%
A nível nacional, os números estão em uma triste sintonia com a realidade local.
É preciso atentar ao fato de que a escolha por crianças de menor idade não
acontece de forma despretensiosa. Silva (2011, p. 61) leciona que, de forma geral, os
pretendentes ancoram essa predileção “[...] em um falso pressuposto de que as
adoções de bebês significam sempre a garantia de relações sem conflito, ou seja,
adoções de sucesso e, no caso das crianças mais velhas, profeticamente representam
o fracasso”.
Na pesquisa realizada por Camargo (2005) sobre o tema adoção tardia, são
elencados motivos em diversos âmbitos que levam os pretendentes a não escolher
uma criança de mais idade, dos quais citamos alguns deles.
Gráfico 8 – Raça/cor
RAÇA/COR
54,55%
Sem restrição
Branca ou parda
Parda
Branca
Parda ou indígena
Marcou as demais opções, exceto negra
P á g i n a | 145
A partir desse gráfico, inferimos que se a maior parte das habilitações assinala
não ter restrição quanto a cor da pele, temos a animadora notícia de que estão abertos
a adoção interracial.
A prática de não mais escolher a criança pela cor da pele é uma mudança que
vem acontecendo recentemente, estimulada por campanhas promovidas pelo
judiciário, pelos Grupos de Apoio a Adoção, e até mesmo em virtude da experiência
positiva vivenciada por artistas que realizaram esse tipo de adoção, repercutida pela
mídia.
“[...] os registros do Conselho Nacional de Justiça mostram que houve um aumento
médio de 32% na preferência por crianças e adolescentes negros nos últimos cinco anos no
país”. (VELASCO; REIS, 2017, n.p.). Apesar de ser uma informação alentadora, não
podemos parar nos avanços auferidos. É preciso romper com o mito de que existe
uma democracia racial no Brasil e insistir nas ações afirmativas, na perspectiva de
assegurar a todas as crianças e adolescentes o seu direito a convivência familiar.
DOENÇA/DEFICIÊNCIA
45,45%
42,42%
12,12%
Adotar uma criança com algum tipo de deficiência, é uma questão que envolve
amor, inspira maior atenção, suscita tempo. E não é uma prática que fica reclusa em
si mesma: ultrapassa a demanda particular e vai para as demandas coletivas, uma
vez que desponta a necessidade de ver concretizados os direitos desse segmento
por meio das políticas de inclusão.
A adoção de uma criança ou adolescente com doença crônica ou deficiência é
um tema que precisa ser mais debatido e aprofundado nas produções teóricas, para
que assim, possam ser melhor aceito e ter o seu direito à convivência familiar
materializado.
Dentre as tantas possibilidades, o pretendente escolhe também a quantidade
de crianças que aceita no item: grupo de irmãos.
GRUPO DE IRMÃOS
66,67%
27,27%
3,03% 3,03%
Apenas uma criança Até dois irmãos Até três irmãos Até quatro irmãos
que a maioria dos pretendentes queira apenas uma criança, para que possa prover
as condições objetivas a contento, tanto a nível local, como demonstra o gráfico, como
a nível de Brasil, em que o total de pretendentes que não aceitam adotar irmãos é de
62,86% e que aceitam é de 37,14%.
Mas devemos despertar para o fato de que, a depender da composição dos
grupos de irmãos,
[...] é possível se deparar com aqueles de idades mais restritas com elevadas
possibilidades de, em caso de autorização judicial para desmembramento,
serem adotados rapidamente. Ao passo que, para que os que tem idade mais
avançada, sobretudo, pré-adolescentes e adolescentes, a possibilidade de
adoção já se torna mais remota. (SOUSA, 2018, n.p.).
Tratando-se de adoção a não escolha tem um peso ainda maior que a escolha.
É preciso levar em conta que “Se a separação entre pais e filhos é um processo que
impinge elevada dor e sofrimento, igualmente o é a separação entre irmãos que
usufruam de afinidade e cumplicidade emocional”. (SOUSA, 2018, n.p.).
Considerando a importância da manutenção do vínculo entre os irmãos, o ECA
prevê que sejam acolhidos e encaminhados para a adoção juntos. A separação deve
ser a última opção mediante uma justificativa devidamente fundamentada.
Por fim, o último aspecto a ser escolhido é quanto ao Estado em que o adotando
está residindo.
ESTADO DE ORIGEM
33,33%
30,30%
15,15%
12,13%
9,09%
Sem restrição
RN
RN, CE, PB
RN e demais Estados do Nordeste
RN, Nordeste e Estados de outras regiões
São os pretendentes que vão arcar com toda a despesa referente a fase de
aproximação, o estágio de convivência e a viagem ir buscar o futuro filho. Nós
até tivemos um caso recente de um casal homoafetivo que tinha um perfil
bem amplo, aceitava grupo de até quatro irmãos. E surgiu um grupo de quatro
irmãos em uma Comarca no interior de um Estado do sul. Foi realizado todo
o procedimento e hoje as crianças estão com eles. Desde que as crianças
chegaram aqui eu sempre mantenho contato com esse casal. Eles mandam
fotos, dizem como está sendo a convivência, dão notícias sobre os meninos...
A gente sempre se coloca à disposição para orientar no que for necessário.
Inclusive, um deles conseguiu tirar a licença paternidade pra ficar com as
crianças. (ENTREVISTADA, em 13 de setembro de 2019).
Não obstante a adoção seja uma prática antiga, foi nas sociedades modernas
que crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos,
o que inclui o direito à convivência familiar. Mas quando o pretendente aponta uma
P á g i n a | 151
série de restrições acaba por estar fazendo uma inversão na lógica desse direito,
querendo dar a si uma criança e não uma família para a criança.
Ao se utilizar dessa lógica invertida, como fica o direito de ser filho daqueles
que não se encaixam no perfil predominantemente solicitado?
Fica apenas na letra da legislação, pois para que seja materializado, depende
de toda uma rede de profissionais, bem como, da mudança de paradigmas por parte
de quem tem o desejo de adotar, para que possa dispensar o idealizado e se conectar
a realidade posta nas instituições de acolhimento.
Não há como se debruçar sobre o tema adoção e não se sentir sensibilizada
com essa questão de perfil escolhido e não escolhido, pois a partir de um
conhecimento superficial, reproduzido cotidianamente nas diversas VIJ brasileiras,
são mantidas práticas estigmatizantes e segregadoras e, por isto, negadoras do direito
fundamental do público infanto juvenil à convivência familiar.
Importa expor igualmente o perfil das crianças disponíveis para adoção no
Cadastro em Mossoró.
Quadro 4 – Perfil das crianças disponíveis para adoção inseridas no CNA - Mossoró
Sexo Idade Raça/ Problema de saúde Grupo de Situação
Cor ou deficiência irmãos
1 M 2 meses Branca Não Não Em estágio de convivência
com os pretendentes.
2 F 11 meses Branca Não Não Está em aproximação com
os pretendentes.
3 M 2 anos Parda Não Não Está em aproximação com
os pretendentes.
4 F 7 anos Parda Não Sim Em estágio de convivência
com os pretendentes.
5 F 9 anos Parda Não Sim Em estágio de convivência
com os pretendentes.
6 F 5 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
7 F 7 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
8 M 8 anos Parda Não Sim Está em aproximação com
os pretendentes.
(Fonte: Elaboração própria)
que a aproximação paulatina entre a criança e a sua nova família proporciona o ajuste
necessário entre a criança idealizada e a criança real, que está ali para ser adotada,
que tem a sua história e, a depender da idade, traços definidos e hábitos adquiridos
em relações anteriores. E a criança também precisa adaptar-se aos novos pais, tendo
em vista que, muitas vezes, a instituição reforça uma super idealização da família
adotiva.
O estágio de convivência, período de adaptação que antecede a adoção
definitiva, segue as diretrizes do ECA: “Artigo 46. A adoção será precedida de estágio
de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa)
dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso”.
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017). (BRASIL, 2019). Ambas as etapas têm
igual importância e têm a finalidade maior de favorecer a interação antes da finalização
do processo, para que o pretendente se sinta o mais seguro possível da decisão
tomada, tentando assim, evitar a devolução da criança para a instituição de
acolhimento.
Essa é uma realidade nacional que ainda precisa ser melhor trabalhada pelo
setor judiciário, para que as crianças e os adolescentes não fiquem tanto tempo na
instituição de acolhimento, à espera de um lar.
Cada processo de adoção é único, assim como, as razões pelas quais uma
pessoa escolhe adotar. Dessa forma, questionamos: quais as principais motivações
que levam uma pessoa/casal a optar pela adoção?
a ser feito ao pretendente, “[...] no sentido de evitar, mas não garantir, que a criança
seja exposta à outras situações traumáticas de abandono e sofrimento nessa nova
família que o judiciário está arrumando para ela”. (CECÍLIO; SCORSOLINI-COMIN,
2018, p. 506).
As motivações expostas pelos pretendentes em Mossoró não fogem daquelas
que, via de regra, são expressas nas Varas da Infância em todo o Brasil. É preciso
que os futuros pais saibam distinguir o que os levam a pensar em adotar, visando uma
melhor elaboração psicológica pois, de acordo com Levinzon (2006), os diferentes
motivos podem repercutir no relacionamento com a criança ou adolescente adotada
em virtude dos pensamentos conscientes e fantasias inconscientes. A autora ainda
acrescenta a necessidade de os pais desejarem os filhos, para que estes sintam-se
bem acolhidos e não como estranhos e/ou inferiores na nova dinâmica familiar.
Há uma ampla gama de motivos que levam um casal a adotar uma criança:
questões de infertilidade; pais que afirmam que “sempre pensaram em
adotar”; a morte de um filho biológico; o contato com uma criança
abandonada que suscita o desejo de cuidar dela; o desejo de ter filhos quando
já não é mais possível biologicamente; o parentesco com pais biológicos que
não podem cuidar da criança; pessoas que não possuem um parceiro, mas
querem exercer a maternidade ou a paternidade; o medo de uma gravidez; o
argumento de que “há muitas crianças necessitadas” e é melhor adotá-las do
que pôr mais crianças no mundo. (LEVINZON, 2006, p. 25, grifos da autora).
A ideia de adoção como uma maneira de fazer caridade ainda está fortemente
arraigada no imaginário e nas intenções de algumas pessoas que anseiam por adotar.
Isso não é algo que nos causa estranhamento, afinal, durante muito tempo na história
do nosso país foi exercida uma forma de assistência aos então “menores” órfãos e
abandonados em que a comunidade, no intuito de integra-los socialmente e retira-los
dos perigos das ruas, os recebiam em sua família. Aliado a essa prática, na percepção
da Igreja Católica, abandonar uma criança era um ato de impiedade contrário a lei
divina. Assim, tinha-se a ocasião ideal para que as pessoas de índole piedosa
utilizassem desse instituto para exercer o seu papel social e sua religiosidade para
com uma criança necessitada. (SENA, 2015).
Não é fácil transformar uma prática concebida culturalmente. É necessário um
processo insistente de sensibilização e esclarecimento, para que possamos
compreender que os protagonistas da adoção são as crianças e os adolescentes e
não os adultos e seus interesses particulares.
P á g i n a | 155
existe o direito à defesa e a entrar com recursos, caso a decisão tenha sido de
destituição do poder familiar.
Sem o receio de estarmos repisando obviedades, afirmamos que a aprovação
de leis não é suficiente para proporcionar mudanças efetivas na vida daquelas
crianças e adolescentes que se encontram na instituição de acolhimento, aguardando
uma família (seja a biológica ou a adotiva).
Esse ano de 2019 foi realizado um projeto, intitulado de Adoção Legal, onde
a gente se reuniu com os órgãos da saúde, com o pessoal das UBS,
justamente para discutir esse ponto e pedir o apoio. Porque a gente sabe que
os profissionais da área da saúde, principalmente, os agentes de saúde, que
são aqueles profissionais que entram nas casas, conhecem a realidade, né?
Conhecem as mulheres gestantes, e sabem quando elas têm interesse em
fazer a entrega dos seus filhos pra adoção. Então foi iniciado esse projeto,
toda sexta-feira é realizado o encontro em um território, na área de uma UBS.
Já está terminando a zona urbana e vamos para a zona rural. Nesse encontro
convidamos todos os profissionais, mas a gente percebe que praticamente
só fica os agentes de saúde, algumas enfermeiras. Lá a gente discute a
necessidade dessa parceria, dessa colaboração e o que está previsto em lei,
que também é responsabilidade desses profissionais comunicar ao poder
judiciário aqueles casos que eles sabem que a mulher quer fazer a entrega
da criança para adoção, justamente pra gente quebrar um pouco esse
preconceito. A gente pensa que assim, pode quebrar algumas práticas de
que, as vezes, as pessoas fazem uma adoção dirigida por terceiros, e até
situações mais graves como a gente já se deparou aqui, quando envolve
pessoas de um poder aquisitivo maior, que acabam praticando o crime de
registrar a criança como se fosse seu filho biológico. Com isso, a gente
explica as sanções que estão previstas. Paralelo a esse projeto, teve também
uma decisão por parte do Ministério Público, através do mandato de um
vereador, que foi de afixar nas unidades de saúde, tanto públicas, quanto
privadas, um comunicado explicando que a entrega de uma criança para
adoção na Vara da Infância não é crime. A câmara municipal já sancionou e
está esperando o recurso para essas placas serem confeccionadas e
colocadas nos hospitais, maternidades e postos de saúde de Mossoró, para
que esse ato se torne mais comum dentro do que está previsto na lei.
(ENTREVISTADA, em 13 de setembro de 2019).
Abandono de incapaz
Artigo 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância
ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos
resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou
curador da vítima. (BRASIL, 1940, grifos do autor).
A ação que vem sendo desenvolvida pela VIJ de Mossoró é meritória, pois
vemos os servidores públicos da justiça se aproximando mais da população e fazendo
os esclarecimentos necessários sobre uma lei que protege tanto as crianças, quanto
suas respectivas mães. Nesse país em que muitas pessoas ainda não tem um exato
discernimento sobre seus direitos e percebem apenas o caráter punitivo das leis,
conjugar os verbos aproximar e esclarecer são medidas urgentes e necessárias a
serem praticadas por parte dos setores da justiça.
Quanto a escolha dos profissionais da área da saúde como primeiro público a
ser trabalhado foi sobremodo pertinente, já que ao estarem em contato muito próximo
com a população, por vezes, fazem a intermediação de adoções irregulares.
E queria que a criança fosse para um lar ser bem cuidada e ser muito feliz
com uma família. E assim, realizamos todos os procedimentos legais, com
segurança para a mãe e para o bebê. (ENTREVISTADA, em 13 de setembro
de 2019).
Entregar o filho para adoção seguindo os trâmites legais é simples, sem ônus
financeiro e sigiloso. Mas não queremos aqui passar uma imagem simplista desse
procedimento. Trata-se de uma decisão delicada, em que pesam diversos fatores
subjetivos e materiais, inclusive, o dedo do julgamento social em uma atitude
condenatória, apontado muito mais para a mulher do que para o homem (que na
prática deveria ter uma igual responsabilidade). “Por trás desse julgamento, que
avaliamos como equivocado, estão as ideias de que a mãe biológica tem a obrigação
de cuidar do filho, independentemente das condições de que disponha para que isso
se dê”. (EITERER, 2011, p. 78). Ao passo que se acolhe a mãe respeitando sua
decisão, estará sendo assegurada também a proteção para a criança, que por ser
recém-nascida, certamente, com pouco tempo estará em uma nova família e para
ambos os envolvidos, estarão sendo evitadas situações mais traumáticas e
complexas.
5.3 A ADOÇÃO PELA VIA DO CNA x ADOÇÃO INTUITU PERSONAE: qual tem
prevalecido?
Não vemos nenhum problema nesta possibilidade, eis que são os detentores
do poder familiar e possuem todo o direito de zelarem pelo bem-estar de seu
rebento. Temos de deixar de encarar os pais que optam por entregar seu filho
em adoção como pessoas que cometem alguma espécie de crime. A ação
destes pais merece compreensão, pois se verificam que não terão condições
de cuidar da criança, ao optarem pela entrega, estão agindo com todo amor
e carinho por seu filho, buscando aquilo que entendem melhor para ele.
Assim, se escolhem pessoas para assumir a paternidade do seu filho, deve-
se respeitar essa escolha. (BORDALLO, 2015, p. 347).
P á g i n a | 165
Em seu livro Manual de Direitos das Famílias, Dias (2016) também se expressa
em favor da adoção intuitu personae, explicando que quando não se aceita essa
prática:
Não se reconhece o direito de a mãe eleger a quem dar o filho à adoção, sem
atentar que este é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não
poderá criá-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que
pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica! [...] Só que nada,
absolutamente nada, deveria impedir a mãe de escolher a quem entregar o
seu filho. Às vezes é a patroa, às vezes uma vizinha, em outros casos é um
casal de amigos, que têm certa maneira de ver a vida, ou uma retidão de
caráter, que a mãe considera serem os pais ideais para o seu filho. (DIAS,
2016, p. 834-835).
Nessa direção, importa dar relevo ao direito dos pais de nomear um tutor ao
filho, conforme o artigo 1.729 do Código Civil. Daí, surge o questionamento: se há o
direito de eleger quem vai ficar com o filho depois da morte dos pais, porque negar a
possibilidade de escolher a quem dá-lo em adoção?
No rol de opiniões contrárias a adoção dirigida, temos o posicionamento do
Instituto Brasileiro de Direitos da Criança e do Adolescente (IBDCRIA) - Associação
Brasileira de Magistrados, Promotores da Justiça e Defensores Públicos da Infância e
da Juventude (ABMP), que aponta um agravante acerca da adoção intuitu personae.
Por certo que a troca de uma criança por dinheiro ou algum benefício é fato
que causa grande repulsa, e também somos contrários a ela, mas é certo que
nem sempre isso irá ocorres. Não se deve ter a ideia de má fé abrangendo
todos os atos que são praticados envolvendo a entrega de uma criança,
P á g i n a | 166
Não é demais lembrar que um filho não é uma propriedade dos pais, e sim,
antes de tudo, é um sujeito de direitos. Cuidar para que os direitos da criança e do
adolescente sejam preservados é o primeiro gesto de compromisso e
responsabilidade dos pretendentes a pais. Temos consciência de que existem as
especificidades de cada situação, afinal, estamos trabalhando com vidas e suas
subjetividades. Mas por questão de segurança das prerrogativas do infante e do
pretendente, entendemos que o ideal é procurar a VIJ mais próxima e seguir os
procedimentos recomendados.
Se por um lado, temos que muitas adoções intuitu personae acabam sendo
regularizadas (a pesquisa realizada na Comarca de Mossoró é uma prova disso), por
outro, existem também as situações que não têm um fim tão exitoso, em que o
Ministério Público ingressa com um pedido de busca e apreensão e a criança é
encaminhada para uma instituição de acolhimento até que seja feita toda uma
investigação acerca do caso, o que certamente é um momento difícil para todos os
envolvidos e, portanto, deve ser ao máximo evitado.
À guisa de conclusão, em face do percurso por nós trilhado, depreendemos que
os direitos do público infanto-juvenil passaram por diversas transformações, o que
inclui a prerrogativa da convivência familiar por meio da adoção, que culminaram na
sua forma de organização contemporânea. Indiscutivelmente, é dever de toda a
sociedade e do Estado, dar vida a letra da lei, para que as crianças e os adolescentes,
sem exceção, possam ser respeitados em sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento, recebam proteção integral e sejam reconhecidos enquanto sujeitos
de direitos.
não precisará fazer a vinculação manual como era no Cadastro. Por outro lado, a
ordem de associação entre a criança/adolescente e o pretendente vai continuar a
mesma: a começar pelo município, seguindo a para o Estado, demais unidades de
Federação e, em último caso, adoção internacional.
E ainda, o Sistema possibilita uma interação do pretendente que anteriormente
não acontecia. A princípio, o próprio pretendente pode fazer um pré-cadastro e
receber a lista de documentos necessários para iniciar o processo de habilitação na
VIJ mais próxima. “Os pretendentes também possuem uma área de acesso exclusivo,
onde o postulante com habilitação válida pode verificar seu perfil, sua posição na fila
municipal e estadual e realizar alterações em seus meios de contato, como e-mail e
telefone”. (HERCULANO, 2019, n.p.).
Sendo o SNA uma matéria novíssima, não é possível tecer considerações
críticas sobre seu funcionamento. Mas esperamos que venha a, de fato, agregar e o
número de adoções realizadas por essa via da legalidade supere as adoções dirigidas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
quem é adotado, e evitar as punições previstas para os casos de infração, deve ser
processado absolutamente dentro da lei, ou seja, tramitado na Vara da Infância e
Juventude de determinada Comarca.
Nesse quesito, fomos tomadas de surpresa, pois as leituras sobre como deve
funcionar o Cadastro Nacional de Adoção e as primeiras informações obtidas na
entrevista (que não aconteceu toda no mesmo dia, mas em etapas, em virtude da
disponibilidade da entrevistada), nos levavam a crer que o inovador sistema de virtual
de organização dos processos estava se sobrepondo a prática cultural e não prevista
em lei da adoção intuitu personae. Entretanto, os dados obtidos no site do Ministério
Público do Rio Grande do Norte mostram exatamente ao contrário.
No decorrer deste trabalho, diversas leis foram citadas, que datam da época do
Império ao ano de 2019. Talvez não seja necessária uma análise tão acurada, para
percebermos que prever normas em lei não lhes dá uma total aplicabilidade. Em
tempos pretéritos, lembramos que a Lei Áurea não encerrou imediatamente com a
escravidão no Brasil. Em nossos dias, a Lei nº 12.010/2009 ainda não garante que as
adoções aconteçam seguindo o Cadastro Nacional de Adoção, pelo menos, não na
Comarca de Mossoró.
Com esse resultado, não queremos aqui desqualificar a importância do CNA.
Inclusive, desde já, depositamos esperança de que o SNA venha a ser mais eficiente
do que o Cadastro.
Entendemos que esses instrumentos virtuais buscam combater os riscos das
práticas ilícitas que envolvem as crianças e os adolescentes que estão no aguardo de
uma nova família. Ressaltamos o quanto o CNA agregou ao instituto, lhe dando
transparência e possibilitando o encontro mesmo de quem está em diferentes regiões
do país. As legislações são deveras importantes, por meio delas, os direitos são
assegurados. E se em alguma circunstância não estão sendo materializados,
podemos nos organizar e reivindicar o seu acesso.
Dentre os objetivos específicos propostos, damos relevo ao que propomos em
descrever o perfil de crianças solicitado pelos pretendentes e o perfil disponível no
Cadastro de Adoção em Mossoró.
A realidade descortinada nos mostrou um resultado aflitivo: o perfil idealizado
da criança que se quer por filho também existe em Mossoró. Aqui, as características
predominantemente solicitadas são: indiferente quanto ao sexo; até três anos de
P á g i n a | 170
idade; sem restrição quanto a raça/cor; se tiver alguma doença, que seja tratável; que
não tenha irmão; que esteja no Estado do RN ou adjacentes (Ceará ou Paraíba).
A face cruel desse detalhamento nas escolhas é sofrida pelos adolescentes,
pois nenhum pretendente se dispõe a adotar quem tem mais de dez anos de idade.
Quando 15,15% dos pretendentes marcam todas as opções no item raça/cor, exceto
negras. Apenas 12,12% aceitam uma criança com deficiência. E quanto maior o grupo
de irmãos, menos a chance de serem adotados.
Mediante o exposto, temos nitidamente que um certo perfil de crianças tem
maiores possibilidades de ser adotado, enquanto o outro tem possibilidades mais
estreitas. Todos são crianças e adolescentes e por isso, têm direito a ser criados e
amados no seio de uma família. O que aumenta ou diminui as chances de ser adotado
é um aspecto que não dá pra mudar: o fato de ser quem são. E se não há como mudar
as características de quem espera por uma família em uma instituição de acolhimento,
que possamos romper com o perfil do filho idealizado.
Sabemos que alguns avanços já foram alcançados (por exemplo, quando mais
da metade dos pretendentes não fazem escolha entre menina ou menino), os quais
podem ser atribuídos, em grande parte, ao trabalho desenvolvido pelos Grupos de
Apoio à Adoção, que entre suas finalidades, fazem a sensibilização dos pretendentes
para as chamadas adoções necessárias, que são aquelas que compõem o perfil
preterido.
Todavia, ainda existem preconceitos velados que precisam ser quebrados, até
porque, temos o agravante de que as informações apuradas na VIJ de Mossoró estão
em consonância com o cenário brasileiro, conforme o Relatório de Pretendentes
Disponíveis (Nacional). Portanto, ainda temos um longo caminho de desconstruções
a seguir, tanto no contexto macro, como de forma regionalizada. Para isso, é
imprescindível a mudança na cultura de adoção brasileira, e assim, o instituto possa
acontecer dentro da lógica que se espera: crianças e adolescentes em convivência
com uma família, e não, uma família escolhendo uma criança para suprimento de
demandas e/ou carências particulares.
Complementando essa linha de raciocínio, reiteramos que as noções de família
e de infância não receberam sempre as mesmas conotações e valor social ao longo
da história. Sofrendo o impacto das transformações sócio econômicas, a família, como
elemento social, é motivo de constantes alterações. Afinal, a conjuntura em que
P á g i n a | 171
estamos inseridas, em seus aspectos sociais, culturais, entre outros que a compõem,
é dialética.
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o passo-a-passo da adoção. 2019. Disponível em: http://lardavis.org.br/passo-a-
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29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. Disponível
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APÊNDICES
P á g i n a | 187
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa “ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS
E AFETOS: uma análise da execução dos processos de adoção na Vara da Infância e Juventude
de Mossoró-RN” coordenada pela pesquisadora Izabella Patrícia Brito da Silva e que segue as
recomendações das resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e suas
complementares. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a
qualquer momento, retirando seu consentimento sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou
penalidade.
Caso decida aceitar o convite, a senhora será submetida ao seguinte procedimento:
responder a uma entrevista semiestruturada, cuja responsabilidade de aplicação é de Izabella
Patrícia Brito da Silva, formada em Serviço Social, aluna do Programa de Pós-graduação em
Serviço Social e Direitos Sociais, Campus Central, da Universidade Estadual do Rio Grande do
Norte. As informações coletadas serão organizadas em um banco de dados, categorizadas e
analisadas quanti e qualitativamente
Essa pesquisa tem como objetivo geral: Analisar os processos de adoção realizados na
Vara da Infância e Juventude do município de Mossoró-RN. E como objetivos específicos:
investigar como se dá a execução dos processos de adoção em Mossoró-RN, a partir da Lei nº
12.010/2009; descrever o perfil das crianças disponíveis para adoção e dos requerentes,
constantes no Cadastro de Adoção; e identificar as perspectivas e os limites proporcionados
pela Lei nº 12.010/2009 nos processos de adoção realizados na Vara da Infância e Juventude
de Mossoró-RN.
O benefício desta pesquisa é a possibilidade de após a sua realização e socialização
dos resultados, contribuir com a compreensão sobre os processos de adoção que
acontecem na Vara da Infância e Juventude de Mossoró-RN.
Os riscos a que a participante da pesquisa estará exposta são mínimos e serão
minimizados mediante a garantia do anonimato/privacidade da participante na pesquisa, onde
não será preciso colocar o nome da mesma. Para manter o sigilo e o respeito a participante da
pesquisa, apenas a discente Izabella Patrícia Brito da Silva aplicará a entrevista e a pesquisadora
responsável poderão manusear e guardar a entrevista. Manteremos a sigilo das informações por
ocasião da publicação dos resultados, visto que não será divulgado nenhum dado que identifique
a participante. Com a garantia que a participante se sinta à vontade para responder a entrevista
e a Anuência das Instituições de ensino para a realização da pesquisa.
Os dados coletados serão, ao final da pesquisa, armazenados em CD-ROM e caixa
arquivo, guardada por no mínimo cinco anos sob a responsabilidade da pesquisadora
responsável, no Departamento de Serviço Social, a fim de garantir a confidencialidade, a
privacidade e a segurança das informações coletadas, e a divulgação dos resultados será feita
de forma a não identificar a participante.
Você ficará com uma via original deste TCLE e toda a dúvida que você tiver a respeito
desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para a pesquisadora Izabella P. B. da Silva, na
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-RN, Campus Central, no endereço, BR 110,
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KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e Silva, CEP 59.633-010, Mossoró-
RN, Tel. (84) 3315-2210.
Dúvidas a respeito da ética desta pesquisa poderão ser questionadas ao Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP-UERN) - Campus Universitário Central - Centro de Convivência. BR 110,
KM 48, Rua Professor Antônio Campos, s/n, Bairro Costa e Silva, 59.633-010, Mossoró-RN,
Tel. (84) 3312-7032. E-mail: cep@uern.br
Se para o participante houver gasto de qualquer natureza, em virtude da sua participação
nesse estudo, é garantido o direito a indenização (Res. 466/12 II.7) – cobertura material para
reparar danos – e/ou ressarcimento (Res. 466/12 II.21) – compensação material, exclusivamente
de despesas do participante e seus acompanhantes, quando necessário, tais como transporte e
alimentação – sob a responsabilidade da pesquisadora Izabella P. B. da Silva.
Não será efetuada nenhuma forma de gratificação por sua participação. Os dados
coletados farão parte do nosso trabalho, podendo ser divulgados em eventos científicos e
publicados em revistas nacionais ou internacionais. A pesquisador estará à disposição para
qualquer esclarecimento durante todo o processo de desenvolvimento deste estudo.
Após todas essas informações, agradeço antecipadamente sua atenção e colaboração.
Consentimento Livre
Concordo em participar desta pesquisa, declarando, para os devidos fins, que fui
devidamente esclarecida quanto aos objetivos da pesquisa, aos procedimentos aos quais serei
submetida e dos possíveis riscos que possam advir de tal participação. Foram garantidos a mim
esclarecimentos que venham a solicitar durante a pesquisa e o direito de desistir da participação
em qualquer momento, sem que minha desistência implique em qualquer prejuízo a minha
pessoa.
Autorizo assim, a publicação dos dados da pesquisa, a qual me garante o anonimato e o
sigilo dos dados referentes à minha identificação.
Mossoró-RN ______/______/2019.
__________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
___________________________________________
Assinatura da Participante
ROTEIRO DA ENTREVISTA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS
1- Qual o procedimento inicial a ser tomado por quem pretende adotar um filho?
2- Como é realizada a avaliação psicossocial do pretendente? E quais aspectos são
levados em consideração?
3- Como acontece o curso de preparação psicossocial na VIJ de Mossoró?
4- Sobre o Cadastro de Adoção: quem faz o manuseio, acrescentando as informações
dos pretendentes e quais são as informações que nele constam?
5- É possível o pretendente estar habilitado, inserido no CNA e ter o cadastro
suspenso?
6- Aconteceram casos recentes em que os pretendentes devolveram a criança?
7- Como se dá a convocação do pretendente inscrito no Cadastro?
8- Qual o perfil das pessoas habilitadas a adotar na Comarca de Mossoró?
9- Qual o perfil das crianças/adolescentes solicitado pelos pretendentes?
10- Qual o perfil das crianças disponíveis para adoção no Cadastro em Mossoró?
11- Como acontecem as fases de aproximação e de estágio de convivência entre o
adotando e o pretendente?
12- Quais as principais motivações que levam os pretendentes a optar pela adoção?
13- Quanto tempo dura, aproximadamente, um processo de adoção na VIJ de
Mossoró, contando de quando é feita a vinculação entre a criança/adolescente e o
pretendente até a finalização do processo?
14- Em sua interpretação, as Leis nº 12.010/2009 e a nº 13.509/2017 efetivamente
trouxeram os avanços esperados?
15- Após a aprovação da Lei nº 13.509/2017 a VIJ de Mossoró realizou alguma ação
divulgar que a entrega da criança para adoção por meio da justiça não é crime?
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ANEXOS
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CADASTRO DE PRETENDENTES
1 DADOS DO(S) PRETENDENTES:
Nome do pretendente: _________________________________________________
CPF do pretendente: ___________________________________________________
Nome do(a) parceiro(a): ________________________________________________
CPF do(a) parceiro(a): _________________________________________________
Telefone principal: _____________________________________________________
Telefone secundário: __________________________________________________
E-mail: _____________________________________________________________
2 PERFIL DA CRIANÇA
Sexo Masculino ( ) Feminino ( ) Ambos ( )
Aceita adotar irmãos Sim ( ) Não ( )
Aceita adotar gêmeos Sim ( ) Não ( )
Tamanho do grupo de Até 1 ( ) Até 2 ( ) Até 3 ( ) Até 4 ( ) 5 ou mais ( )
irmãos
2.3 RAÇA/COR
Amarela ( ) Branca ( ) Indígena ( ) Negra ( ) Parda ( )
3 OBSERVAÇÕES
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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