Você está na página 1de 421

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Educação

JOVENS [EM]CENA NO PALCO DA VIDA:


percursos de individuação no entrecruzamento do mundo do trabalho
com os processos de escolarização

Symaira Poliana Nonato

Belo Horizonte/MG
2019
SYMAIRA POLIANA NONATO

JOVENS [EM]CENA NO PALCO DA VIDA:


percursos de individuação no entrecruzamento do mundo do trabalho
com os processos de escolarização

Tese de doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e
Inclusão Social, da Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutora
em Educação.

Linha de pesquisa: Educação, Cultura,


Movimentos Sociais e Ações Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Juarez Tarcísio Dayrell


Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Carla Corrochano

Belo Horizonte/MG
2019
Dedico esta pesquisa a todos/as os/as jovens das
camadas populares que lutam, enfrentam, recusam,
recomeçam e criam outras formas de (re)existir
diante de uma sociedade tão desigual.

Também dedico este estudo a minha mãe, Dalva, e


ao meu pai, Raimundo.
Desistir? Eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me
levei realmente a sério. É que tem mais chão nos meus
olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais
esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus
ombros, mais estrada no meu coração do que medo na
minha cabeça (Cora Coralina).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Tese de doutorado intitulada “Jovens [em]cena no palco da vida: percursos de individuação


no entrecruzamento do mundo do trabalho com os processos de escolarização”, de autoria da
doutoranda Symaira Poliana Nonato, analisada pela banca examinadora constituída pelos/as
seguintes professores/as:

Prof. Dr. Juarez Tarcísio Dayrell (Orientador)


Universidade Federal de Minas Gerais

Prof.ª Dr.ª Maria Carla Corrochano (Coorientadora)


Universidade Federal de São Carlos

Prof.ª Dr.ª Marília Pontes Sposito


Universidade de São Paulo

Prof.ª Dr.ª Marcia de Paula Leite


Universidade Estadual de Campinas

Prof.ª Dr.ª Daisy Moreira Cunha


Universidade Federal de Minas Gerais

Prof. Dr. Geraldo Magela Leão


Universidade Federal de Minas Gerais

Prof.ª Dr.ª Juliana Batista dos Reis (Suplente)


Universidade Federal de Minas Gerais

Prof. Dr. José Eustáquio de Brito (Suplente)


Universidade do Estado de Minas Gerais

Belo Horizonte, 08 de fevereiro de 2019.


AGRADECIMENTOS

A maior riqueza do homem [e da mulher]


é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado[a].
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um[a] sujeito[a] que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros[as].
Eu penso renovar o homem [e a mulher] usando borboletas.

Manoel de Barros – “Retrato do artista quando coisa”

Esta tese representa, de fato, a recusa das palavras que me aceitam como sou. Nunca
aceitei as estatísticas que expressam uma realidade desigual e opressora de que uma mulher,
negra, estudante de escola pública durante toda a educação básica, filha de um torneiro
mecânico e de uma faxineira, dificilmente se torna doutora. Sei que sou exceção e só ocupo
este espaço/tempo porque minha (re)existência foi sustentada por diferentes indivíduos e
instituições, aos(às) quais atribuo minha eterna gratidão.
Agradeço a Deus, meu suporte divino e espiritual! A Ele toda honra e glória! Ao meu
santo de devoção, São Judas Tadeu, sustento diante das causas que, por vezes, parecem
impossíveis, agradeço a intercessão constante.
A minha família, suporte incondicional! Minha mãe e pai amados, vocês são os
verdadeiros sustentos da minha vida. A minha irmã Bréscia, pelo apoio constante e escuta as
minhas angústias e dúvidas. Trocamos muitos saberes, né? Aos meus irmãos, Layno e
Andreik, pelo carinho e confiança em mim. Agradeço, especialmente, a minha avó, Dona
Tina, por ser sustento de amor e cuidado em todos os momentos da minha vida. Amo vocês!!!
Ao Juarez, fico sem palavras para transcrever tamanha gratidão. Ju é umas das pessoas
mais humanas que já conheci. Agradeço a Deus pela possibilidade deste encontro que já
completa dez anos. Um orientador “no sentido mais amplo da palavra”. Um grande amigo!
“Me descobri educadora, coordenadora pedagógica, pesquisadora e me tornei ‘mais gente’,
graças a você! Você é um exemplo que eu quero seguir, pois consegue enxergar as pessoas
em suas singularidades e despertar o que há de melhor nelas. Você potencializa e ‘renova as
pessoas usando as borboletas’”.
À Flávia, companheira do Ju, agradeço imensamente pela acolhida generosa e pelos
ensinamentos. Você fez parte desta história contribuindo especialmente com sua leveza e
carinho. Obrigada por cuidar de nós! Agradeço a escuta, os abraços e o colo! Mulher de luta e
amiga que quero ter sempre na minha vida.
Agradeço ao Farley, meu amigo e companheiro de todas as horas. Minha gratidão pelo
orgulho e confiança que deposita em mim. Você é suporte do coração e da alma. Obrigada
pela paciência e cuidado durante todo o processo. Presença silenciosa, mas muito marcante e
significativa nos momentos de escrita. Acalento constante. Você transborda minha alma de
paixão e amor!
A minha coorientadora, Carla Corrochano, pelas leituras atentas e sugestões preciosas
que enriqueceram muito a tese. Agradeço pela convivência, receptividade em sua casa e
aprendizados que tive com você!
A minha amiga e afilhada, Carol, que sempre me apoiou, me animou, me alegrou e se
disponibilizou a me ajudar várias vezes. E que, especialmente, foi um suporte afetivo muito
relevante. Ao Daniel, afilhado querido, agradeço a tranquilidade e apoio de sempre. Amo
muito vocês!
Agradeço a todos os meus familiares que direta ou indiretamente contribuíram para
que eu chegasse até aqui, em especial, minha tia, Lúcia, pelo amor que tem por mim e ao meu
tio, Erasmo, que sempre falava que eu estudava demais e que, um dia, ele seria “igual a mim”.
Vocês chegavam “de mansinho” no “barracão” e me relaxavam.
Agradeço às amigas Natália Fraga, Nathália Abjaudi e Vanessa Fonseca, as quais eu
tive a honra de encontrar na Pró-Reitoria de Extensão. Amigas que posso “colocar no pote”,
como dizia a “Abajur”. Vocês foram suportes imprescindíveis neste processo. Com certeza,
seria mais árduo trabalhar e estudar, se minhas amigas de trabalho não fossem vocês.
Companheiras, solícitas, carinhosas, alegres e fortes. Aprendi muito com vocês. Vocês são
muito especiais para mim. Agradeço, também, à Zirlene Lemos, famosa Zizi, pelos abraços,
sorrisos e preocupação que sempre teve comigo.
Agradeço aos membros da banca, por terem aceitado compartilhar esse momento de
troca e aprendizados. Especialmente à educadora Daisy Cunha que “abriu” as portas da FaE
para mim! Aprendi muito sendo sua bolsista de monitoria. Você foi um suporte para
“desvendar” a UFMG! E, também, ao educador Geraldo Leão, do qual tive a honra de ser
bolsista de iniciação científica; espaço no qual desejei a pós-graduação, pois a arte de fazer
pesquisa foi alegre, leve e recheada de bonitezas.
Agradeço às amigas e educadoras, as quais o Observatório da Juventude (OJ) me
presenteou, Fernanda Dias, Juliana Reis, Jorddana Rocha, Álida Leal, Aline Gonçalves e
Shirlei Sales, minha especial gratidão, pelas conversas amigas, pela leitura atenta e carinhosa
dos meus escritos, pelas trocas de saberes e, sobretudo, por serem mulheres potentes que me
inspiram cotidianamente. Aos amigos Romulo e João, pelo incentivo e confiança.
Aos/Às integrantes do Observatório da Juventude da UFMG, espaço/tempo no qual
me sinto em casa! Grupo acolhedor, “jardim das borboletas”, no qual tenho enorme gratidão
por fazer parte. Agradeço pelas trocas, amizades, carinho e pela leitura e sugestões de parte
desta tese!
Aos/Às amigos/as do grupo Jovens Crismandos/as Aliados/as a Cristo (JOCAC),
agradeço pelas orações diárias, especialmente, Débora, Simone e Carol Matavelli, pela
preocupação e carinho. Ao Marcel, Gustavo e Gabriel, pelos sorrisos e diversões que me
renovavam. Vocês são amigos/as pela fé que carrego para vida.
As minhas amigas MMM – Mariluce, Marcia e Marcelle – da graduação para vida! Ao
Ricardinho, “anexo indispensável”, agradeço a energia positiva de sempre. Vocês
acompanharam todo o processo. Agradeço pelo apoio e preocupação!
As minhas vizinhas e amigas, Claudinha e Bruna, com as quais tenho a honra de
conviver e compartilhar minhas angústias e alegrias. Agradeço o apoio e incentivo de sempre.
À secretaria e ao setor financeiro do Programa de Pós-Graduação, por tornarem as
questões burocráticas simples, em especial, às queridas Dani e Rosy e ao querido Gilson, pela
gentileza, atenção e competência ao cuidar de cada detalhe.
À equipe da PROEX (Pró-Reitoria de Extensão), especialmente, às professoras
Benigna Oliveira e Claudia Mayorga, por compreenderem as minhas singularidades temporais
e permitem flexibilização de horários, o que foi primordial para conciliar estudos e trabalho.
Às amigas Zulmira e Rafaela, as quais encontrei na Rede de Desenvolvimento de
Práticas do Ensino Superior (GIZ/UFMG), agradeço pelo carinho e incentivo.
Aos trabalhadores e às trabalhadoras do Brasil que sustentaram financeiramente meus
estudos e existência em uma das instituições públicas de ensino superior mais prestigiadas do
país.
À Faculdade de Educação, instituição acolhedora e diferenciada dentro da UFMG,
espaço o qual, desde a graduação, me possibilitou ser mais que um sujeito que “vê a uva” me
possibilitou ir além da leitura das palavras: alcancei a leitura do mundo.
À “Esquerda” – entendida aqui como um posicionamento político, ideológico e
partidário que busca a igualdade de oportunidades e a justiça social, as quais são responsáveis,
dentre outras questões, pelo direito ao acesso às instituições de ensino superior, especialmente
negadas a determinados grupos sociais. Sou fruto da luta cotidiana daqueles/as que me
antecederam. Sou eternamente grata e me coloco, também, nesta luta por democratização e
inclusão, pois quero ver mais “Symairas” na Universidade pública e gratuita.
E, por último, agradeço, especialmente, aos/às queridos/as jovens que participaram
desta pesquisa e, especialmente aos/às entrevistados/as que cederam parte significativa das
suas vidas a mim. Sem vocês não existiria pesquisa.
RESUMO

Esta tese é resultado de uma pesquisa realizada com jovens ex-trabalhadores/as da Cruz
Vermelha Brasileira (CVB) que exerceram suas atividades laborais na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) entre os anos de 2011 e 2013. A presente investigação teve como
objetivo compreender, por meio do entrecruzamento entre trabalho e escolarização, como têm
se configurado os percursos de individuação dos/as jovens, levando em conta os processos de
socialização, decorridos cinco anos da saída da Universidade. A partir do diálogo com
autores/as da sociologia da juventude, do trabalho, da educação e sociologia do indivíduo, o
caminho teórico-metodológico buscou dar um “zoom sociológico” nos enredos, tramas e
dramas individuais dos/as jovens. Assim, tecemos análises que buscaram articular as
experiências dos/as jovens no âmbito da família, do trabalho e da escolarização. Quanto aos
procedimentos metodológicos, destacamos a aplicação de questionário a 95 jovens com vista
à construção de um perfil e de entrevistas individuais com nove dentre eles/as. As narrativas
biográficas foram expressas em “cenas sociológicas” que revelaram o movimento e a
dinâmica que perpassavam a vida de jovens imersos/as em múltiplas instâncias socializadoras,
evidenciando os modos como cada um/a deles/as enfrentava os desafios postos e quais eram
os suportes que encontrava. Dentre os resultados, constatamos uma homogeneidade quanto
aos trajetos laborais, por meio da inserção em trabalhos considerados precários no setor de
serviços, embora sobressaísse a maneira heterogênea em que os/as jovens viviam, lutavam e
enfrentavam o mundo do trabalho. As experiências eram marcadas por modos singulares de
(re)existir à precariedade do trabalho, tendo como base os suportes. Assim, os/as jovens
questionavam e também se recusavam a aceitar alguns trabalhos “destinados” a eles/as,
devido, entre outras questões, à experiência de trabalho que tiveram na UFMG. No âmbito
dos processos de escolarização, as narrativas refletiram, em sua maioria, as descoincidências
entre os projetos de longevidade escolar e as condições objetivas dos/as jovens. Todavia, os/as
jovens lançavam mão de diferentes suportes e estratégias para se constituírem como
estudantes e poderem alcançar o ensino superior ou outros projetos. As famílias,
principalmente as mães, assumiam um lugar significativo, funcionando como importante
suporte, mesmo que, não raras vezes, contraditório, no processo de construção dos/as jovens
como indivíduos. Em síntese, consideramos que os/as jovens construíam percursos de
individuação, tendo como suporte a expectativa de “ser alguém na vida”. Eles/as se
constituíam como “híper-indivíduos” diante da aventura permanente de enfrentar desafios.
Assim, a maneira como os/as jovens viviam tornava-se para eles/as uma solução biográfica
das contradições sistêmicas.

Palavras-chave: Jovens. Individuação. Trabalho. Escolarização.


ABSTRACT

This dissertation results from research carried out with young former workers of the Brazilian
Red Cross (CVB) who worked at the Federal University of Minas Gerais (UFMG) from 2011
to 2013. The research aimed to understand how paths of individuation have been configured
among youth, paying attention to the intersection between work and schooling. It takes into
consideration the processes of socialization in place five years after this youth had left the
university. The theoretical-methodological pathway sought to give a sociological zoom in the
individual plots, stories, and dramas of young people by considering authors of the sociology
of youth, of work, and education, as well as the sociology of the individual. Therefore, we
wove analyses that sought to articulate the experiences of young people in the family, work,
and schooling. As for the methodological approaches, we had 95 young people responding to
a survey aiming to build their profiles, and we developed individual interviews with nine of
them. Biographical narratives were expressed in "sociological scenes" that revealed the
movement and dynamics that permeated young people lives who were immersed in multiple
socializing instances. These scenes evidenced how each one of them faced their challenges
and what were their supports. Among the results, we found a homogeneity concerning labor
paths of these youth through their insertion in the service sector taking jobs seen as
precarious. Although, the heterogeneous manner in which young people lived, struggled and
faced the world of work also stood out. The experiences of young former workers of the CVB
were marked by unique ways of (re) existing to precarious work through their supports. Thus,
young people questioned and also refused to accept some jobs which were "destined" to them.
Their reasons, among other things, were related to the work experience they had at UFMG. In
the scope of schooling processes, the narratives mostly reflected the lack of articulation
between school longevity projects and the objective conditions of the young. Nonetheless,
young people used different supports and strategies to become students and to reach higher
education or other projects. Families, especially mothers, have a significant place, functioning
as important support, but also and quite often contradictory, in the process of constructing
young people as individuals. In summary, we consider that the young people in this research
constructed their pathways of individuation, having as support the expectation of “becoming
something in life.” They constituted themselves as "hyper-individuals" in the face of the
permanent adventure of facing challenges. Therefore, the way young people lived became for
them a biographical solution to systemic contradictions.

Keywords: Young People. Individuation. Work. Schooling.


LISTA DE SIGLAS

ANTD ....... Agenda Nacional de Trabalho Decente


ANTDJ ..... Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude
CBO .......... Classificação Brasileira de Ocupações
CVB .......... Cruz Vermelha Brasileira
ECA .......... Estatuto da Criança e Adolescente
Enem ......... Exame Nacional do Ensino Médio
FaE ............ Faculdade de Educação
FIES .......... Fundo de Financiamento Estudantil
IBGE ......... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES ............ Instituições de Ensino Superior
IPEA ......... Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB .......... Lei de Diretrizes e Bases
OIT ........... Organização Internacional do Trabalho
PNAD ....... Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PORTA ..... Programa de Promoção e Orientação ao Trabalhador Adolescente
PRORH ..... Pró-Reitoria de Recursos Humanos
ProUni....... Programa Universidade para Todos
Reuni ......... Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
Sisu ........... Sistema de seleção Unificada
UFMG....... Universidade Federal de Minas Gerais
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cópia da tela da página inicial do grupo no Facebook ......................................................................... 37
Figura 2 – Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (13/07/2016) ......................................................... 40
Figura 3 – Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (18/08/2016) ......................................................... 41
Figura 4 – Cópia da tela de postagem de Meme no grupo do Facebook (22/8/2016) ........................................... 42
Figura 5 – Cópia da tela de postagem de Meme no grupo do Facebook (29/8/2016) ........................................... 42
Figura 6 – Cópia de tela de conversa pelo Messenger com jovem mulher ............................................................ 43
Figura 7 – Cópia de tela de conversa pelo Messenger com jovem homem ........................................................... 44
Figura 8 – Cópia de tela de postagem do jovem Weliton em sua linha do tempo na rede social .......................... 52
Figura 9 – Organização das categorias de análise das entrevistas ......................................................................... 56

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Projeção da população brasileira por grupos etários selecionados (1980 - 2050) .............................. 64
Gráfico 2 – Sexo dos/as jovens sujeitos da pesquisa ........................................................................................... 118
Gráfico 3 – Saldo de movimentação de empregados no mercado de trabalho formal, segundo o sexo – Brasil
(2005 – 2015) ...................................................................................................................................................... 119
Gráfico 4 – Distribuição de negros/as e brancos/as, por faixa salarial ................................................................ 121
Gráfico 5 – Nível de ocupação dos/as jovens, por grupos de idade - Brasil (2005 – 2015) ................................ 132
Gráfico 6 – Taxa de desocupação das pessoas de 16, ou mais anos de idade – Brasil (2013 - 2017) ................. 133
Gráfico 7 – Taxa de participação – Brasil (2013 - 2017) .................................................................................... 134
Gráfico 8– Número de ocupados/as – Brasil (2013 - 2017) ................................................................................ 134
Gráfico 9 – Evolução do grau de informalidade contemplando todos os conta própria – Brasil (2013 - 2017) .. 139
Gráfico 10 – Taxa de desemprego – pessoas entre 16 e 65 anos – Brasil (2012 - 2017)..................................... 140
Gráfico 11 – Percentual de jovens que frequentam a escola, por grupos de idade – Brasil (2005 - 2015) .......... 143
Gráfico 12 – Taxa de frequência líquida no ensino superior de graduação da população e 18 a 24 anos de idade,
segundo o sexo e a cor ou raça – Brasil (2005 - 2015) ........................................................................................ 145

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Síntese do perfil dos/as entrevistados/as ........................................................................................... 151

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Escolaridadede mães e pais dos/as jovens (2012 e 2017) .................................................................. 124
Tabela 2 – Renda mensal aproximada da família dos/as jovens (2017) .............................................................. 127
Tabela 3 – Empregos/trabalhos após a saída da Cruz Vermelha (UFMG) .......................................................... 136


SUMÁRIO

PARTE I ........................................................................................................................................................................ 25
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 25
2 POR UMA METODOLOGIA AFETIVA: OS CAMINHOS DA PESQUISA ............................................... 33
2.1 INICIANDO O ARTESANATO: OS (DES)ENCONTROS ENTRE A PESQUISADORA E OS/AS JOVENS
INTERLOCUTORES/AS ................................................................................................................................................... 36
2.2 COMPARTILHANDO EXISTÊNCIAS SINGULARIDADES: AS BONITEZAS E TRISTEZAS DOS (CONTRA)TEMPOS DAS
ENTREVISTAS .............................................................................................................................................................. 50
2.3 OBSERVANDO AS FORMAS, ANALISANDO AS TEXTURAS E TESSITURAS: O PROCESSO DE ANÁLISE ................... 54
2.4 TECENDO E COMPONDO O ARTESANATO: A FORMA DE APRESENTAÇÃO DAS ENTREVISTAS ............................. 59
3 OS CAMINHOS TEÓRICOS: PEÇAS BASILARES DO ARTESANATO .................................................. 62
3.1 A JUVENTUDE COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA E OS/AS JOVENS A PARTIR DE UM OLHAR
INTERSECCIONADO ...................................................................................................................................................... 62
3.2 JUVENTUDES E PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO ............................................................................................. 70
3.3 BREVES APONTAMENTOS SOBRE TRABALHO, EMPREGO E DESEMPREGO ......................................................... 77
3.3.1 Reflexões sobre as transformações do/no trabalho a partir da década de 70: focalizando o mercado de
trabalho no Brasil e os/as jovens ........................................................................................................................... 83
3.3.2 O mercado de trabalho brasileiro nos anos 2000 e os/as jovens ............................................................. 95
3.3.3 Alguns apontamos sobre a crise no mercado de trabalho a partir de 2014 .......................................... 101
3.4 “SOCIOLOGIA DO INDIVÍDUO” E A INDIVIDUAÇÃO ........................................................................................ 106
3.4.1 As sociologias do indivíduo ................................................................................................................... 112
4 PERFIL DOS/AS JOVENS EX-TRABALHADORES/AS DA CRUZ VERMELHA CÂMPUS
PAMPULHA UFMG .................................................................................................................................................. 117
4.1 CONHECENDO OS/AS JOVENS ....................................................................................................................... 117
4.2 OS/AS JOVENS E SUAS INSERÇÕES LABORAIS ............................................................................................... 129
4.3 JOVENS E PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO ................................................................................................... 142
PARTE II..................................................................................................................................................................... 148
CENAS SOCIOLÓGICAS ......................................................................................................................................... 148
1 CENA 1 – TRABALHAR PARA ESTUDAR – TRABALHADORES/AS TERCEIRIZADOS/AS E
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS/AS: LETÍCIA E CAIO ................................................................................ 152
1.1 A JOVEM LETÍCIA E O SEU AMBIENTE FAMILIAR ........................................................................................... 152
1.2 O JOVEM CAIO E SUAS VIVÊNCIAS EM FAMÍLIA ............................................................................................ 157
1.3 O SONHO DE SER CONTRATADO NA UFMG FRENTE AO DESLIGAMENTO: O DESEMPREGO TEMPORÁRIO E O
TRABALHO ESTRATÉGICO .......................................................................................................................................... 161
1.4 INSERÇÃO PROFISSIONAL: ARTICULANDO MÉRITO E CONTATOS .................................................................... 166
1.5 INSERÇÃO NA UNIVERSIDADE: CAMINHOS DIFERENTES E DESAFIOS COMUNS ................................................ 177
1.6 SER TRABALHADOR/A E ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO/A: “EXCLUÍDOS/AS DO INTERIOR” NO ENSINO SUPERIOR
189
1.7 ENTRE FAZER O QUE GOSTA E GOSTAR DO QUE FAZ: TRABALHAR PARA PODER ESTUDAR.............................. 201
2 CENA 2 – SÉRGIO, O JOVEM CONCURSEIRO: ESTUDAR PARA TRABALHAR ............................. 207
2.1 “MINHA FAMÍLIA MINHA BASE”: O CONTEXTO FAMILIAR ............................................................................. 207
2.2 O DESEMPREGO E O CURSO TÉCNICO COMO POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO ........ 209
2.3 A ‘VIDA’ DE UM CONCURSEIRO: PODEMOS FALAR EM “NEM NEM?” .............................................................. 214
2.4 A FAMÍLIA COMO SUPORTE PARA “SÓ ESTUDAR”: POSSIBILIDADE DE VIVENCIAR UMA MORATÓRIA .............. 224
2.5 “FACULDADE? SÓ SE EU PUDER PAGAR” ...................................................................................................... 228
3 CENA 3 – TERRENOS LABIRÍNTICOS - ENTRE OS TRABALHOS E A BUSCA DO EMPREGO
COMO CONSTRUÇÃO DE SI: A JOVEM REBECA ........................................................................................... 233
3.1 A JOVEM MÃE: AS TRAMAS E OS DRAMAS DA SUA HISTÓRIA ......................................................................... 233
3.2 INSERÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO ...................................................................................................... 245
3.3 “MINHA VIDA ERA SÓ ESTUDAR”: CONSTRUINDO CAMINHOS PARA A INSERÇÃO NO ENSINO SUPERIOR ......... 256
3.4 O SONHO DAS FEDERAIS E A REALIDADE DA UNIVERSIDADE PRIVADA: A “MÃE COMO PROVA” ..................... 258
4 CENA 4 – BRENO: O DESENGAJAMENTO ............................................................................................... 268
4.1 “MINHA MÃE É UM AMOR”: A VIVÊNCIA FAMILIAR E O JOVEM...................................................................... 268
4.2 A EXPERIÊNCIA DE TRABALHO NA UFMG: “MELHOR EMPREGO PARA JOVENS” ........................................... 270
4.3 A PROCURA POR TRABALHO E OS (CONTRA)TEMPOS DAS NOVAS INSERÇÕES ................................................ 277
4.4 DESEMPREGO: OS SENTIDOS DA EXPERIÊNCIA .............................................................................................. 287
4.5 “SE DER EU VOU ESTUDAR MAIS”................................................................................................................. 293
5 CENA 5 – WELITON: EM BUSCA DE RECONHECIMENTO ................................................................. 299
5.1 (RE)CONSTRUINDO AS RELAÇÕES FAMILIARES: ENTRE A REJEIÇÃO E O RECONHECIMENTO ........................... 299
5.2 AS EXPERIÊNCIAS DE WELITON SOB O OLHAR DO RECONHECIMENTO ........................................................... 304
5.3 “SEM CARTEIRA EU NÃO FICO”: AS EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO ................................................................. 307
5.4 CURSO TÉCNICO: SÍMBOLO DE SUCESSO E APROXIMAÇÃO COM O ENSINO SUPERIOR ..................................... 323
5.5 ENSINO SUPERIOR: (RE)CONSTRUINDO AS ESTRATÉGIAS .............................................................................. 329
6 CENA 6 – A JOVEM DAYANE: QUANDO SE INTERSECCIONAM CLASSE, GÊNERO E RAÇA ... 334
6.1 A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA ROUBADAS................................................................................................. 334
6.2 A UFMG COMO ESPAÇO DE TRABALHO ANTES E DEPOIS DA CVB E O DESEMPREGO .................................... 344
6.3 “MAS, EU SÓ TENHO 22 ANOS”: EXIGÊNCIAS DO MERCADO DE TRABALHO ................................................... 349
6.4 O SONHO DE ACESSAR O ENSINO SUPERIOR PÚBLICO: ENTRE O DESEJÁVEL E O POSSÍVEL .............................. 354
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................ 366
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................................... 381
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ................................................ 411
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO .......................................................................................................................... 413
APÊNDICE C – POSTAGENS NO GRUPO DO FACEBOOK ............................................................................. 418
APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA NARRATIVA ............................................................................ 421
25

PARTE I

1 INTRODUÇÃO

Aprendi que na arte de fazer pesquisa:


A expressão reta não sonha.
Não se usa traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem limites:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação
transvê.
É preciso transvê o mundo e as pessoas do mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. As artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Transver que as coisas podem ser isso e aquilo.
Construir mosaicos de possibilidades.
Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio
por aí a desformar.

(Minhas conversas com) Manoel de Barros – “As lições de R.Q.”

Em minhas1 conversas com Manuel de Barros, busco traduzir a maneira pela qual
construímos este grande “artesanato intelectual” chamado tese. Não usamos traço
acostumado, entendendo que, na arte de fazer pesquisa, precisamos desformar o mundo e as
pessoas do mundo. Concordamos com Alberto Melucci2 (2005) que a pesquisa sociológica é
uma possibilidade de interpretar a ação como palavra. Assim, nesta investigação, tecemos
palavras para tirar da natureza as naturalidades com o objetivo de compreender, por meio
dos entrecruzamentos entre trabalho e escolarização, como tem se configurado os percursos
de individuação de jovens ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) do
Câmpus Pampulha/ Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mesmo conscientes de que os/as jovens estão inseridos/as em múltiplos processos de
socialização, optamos pelo recorte do trabalho e dos processos de escolarização, por

1
Nos itens “Introdução” e “Por uma metodologia afetiva: os caminhos da pesquisa”, em alguns momentos,
utilizo a conjugação verbal na primeira pessoa do singular, pois se trata de uma narração marcada por
vivências e experiências subjetivas que repercutiram em minha trajetória acadêmica.
2
Na escrita desta tese, optamos por utilizar o nome e sobrenome da/o autora/autor quando essa/e é citada/o
pela primeira vez. Nas citações seguintes, manteremos somente o sobrenome, seguindo as normas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Tal postura tem como objetivo visibilizar uma
produção científica escrita por mulheres e homens, a qual, não raras vezes, tendemos a considerar a
masculina. Além disso, como uma opção política, optamos pelo uso de uma linguagem não sexista, utilizado
a grafia “o/a”.
26

entendermos que ambos compõem, desde muito cedo, as biografias juvenis sendo, portanto,
instâncias socializadoras que “fazem juventudes”. Além disso, consideramos que tanto o
mundo do trabalho quanto a educação têm passado por modificações significativas e nos
interessa compreender como os/as jovens se constituem como indivíduos em meio a este
contexto de mudança. Não obstante, embora esse tenha sido o ponto de partida, o campo de
pesquisa trouxe a instância familiar como um espaço/tempo significativo para analisarmos os
percursos de individuação.
O desejo por uma pesquisa que articulasse juventude, trabalho e escolarização não se
deu ao acaso, pelo contrário, foi fruto de minha trajetória pessoal e acadêmica. Assim como
os/as jovens pesquisados/as, também estou enredada em diferentes espaços de socialização
que contribuíram significativamente para a escolha da temática aqui proposta, bem como para
as análises que serão desenvolvidas ao longo da tese. Afinal, deve-se

aprender a usar sua experiência de vida em seu trabalho intelectual:


examiná-la e interpretá-la continuamente. Neste sentido, o artesanato é o
centro de você mesmo, e você está pessoalmente envolvido em cada produto
intelectual em que possa trabalhar. Dizer que você pode “ter experiência”
significa, por exemplo, que seu passado influencia e afeta seu presente, e que
ele define sua capacidade de experiência futura. Como [pesquisadora]
cientista social, é preciso controlar essa ação recíproca bastante complexa,
apreender o que experiência e classificá-lo; somente dessa maneira pode
esperar usá-lo para guiar e testar sua reflexão, e, nesse processo, moldar a si
mesmo como um artesão intelectual (Wright MILLS, 2009, p. 22).

Minha juventude foi significativamente marcada pela relação com o trabalho e com os
estudos, especialmente pela conciliação entre ambos. Durante os anos finais do ensino
fundamental, já desenvolvia algumas atividades para obtenção de renda. Articulado a esses
trabalhos, eu exercia, na esfera familiar, o trabalho doméstico, para o qual eu e minha irmã,
por sermos mulheres, éramos responsabilizadas.
No período de realização do ensino médio, o trabalho se intensificou, pois consegui
um emprego numa empresa de telemarketing. Assim como dois dos/as jovens desta pesquisa,
fui aceita nesse setor sem ter experiência. Era um trabalho considerado ideal por mim, pois
era em tempo parcial e assinavam a carteira. Ou seja, estar neste trabalho me possibilitaria
continuar estudando. É interessante apontar que ter a carteira assinadaera algo muito
significativo para mim. Sendo assim, nunca faltei ao trabalho devido às demandas da escola e
estudar no horário do trabalho era questão impensável, afinal, poderia “sujar” minha carteira,
se fosse demitida.
27

No âmbito dos estudos, me lembro de que, durante toda a educação infantil e ensino
fundamental, minha mãe acompanhou de (muito) perto meu processo de escolarização. Ela ia
às reuniões, me ajudava nos deveres de casa e, junto ao meu pai, criava uma rotina de estudos
para mim. Recordo que a brincadeira e a TV eram permitidas somente após eu concluir as
atividades escolares. Neste sentido, desde muito cedo, fui muito incentivada a estudar e
também “cobrada” a ter boas notas.
Embora meus pais tenham concluído a educação básica – meu pai, o curso técnico em
Mecânica, e minha mãe, o Magistério – no período em que minha irmã, meus irmãos e eu
cursamos o ensino médio, não fomos mais acompanhados tão de perto por eles. Contudo, a
escolha da escola de ensino médio, por exemplo, foi marcada pela “imposição de meus pais”:
lembro-me de que eu queria ir para uma escola na qual todas as minhas amigas estavam se
matriculando. Meus pais “me obrigaram” a fazer uma prova de seleção na Escola Estadual
Ordem e Progresso, da polícia civil. Eu fui selecionada e comecei a estudar lá. Após minha
inserção no ensino médio, fui construindo um caminho mais autônomo como estudante,
certamente “moldado” por uma socialização primária que foi decisiva para meu gosto pelos
estudos. Meus pais foram suportes significativos na minha trajetória de escolarização.
Ainda no ensino médio, o meu desejo de “longevidade escolar” (Maria VIANA, 1998)
foi sendo costurado. Nesta costura, contei com o incentivo dos meus pais, de professores/as
que, em diferentes momentos, enfatizavam que eu deveria continuar estudando e, também, de
um dos donos da empresa de telemarketing em que eu trabalhava3. O desafio era como
acessar a universidade! Não possuía condições de pagar uma faculdade particular e não havia
as atuais políticas de democratização do acesso. Assim, optei por recusar outros trabalhos –
com melhores condições laborais e salários – para me manter trabalhando seis horas/dia e
poder me organizar para frequentar um cursinho.
Nesse contexto, fui vivenciando minha condição de jovem, mulher, negra, estudante
de escola pública e pobre; e, como aparece em diferentes pesquisas, o desejo de “ser alguém
na vida” fazia parte da minha juventude e produziu em mim um anseio por ser “um
determinado alguém”, pautado nas falas da minha mãe e de meu pai, especialmente. Trabalhei
na empresa de call centers, enquanto cursava os três anos do ensino médio e o primeiro ano
de graduação na UFMG. Estar inserida em uma universidade pública, algo distante da minha

3
Lembro-me de que ele cursava Educação Física e, durante meu tempo de trabalho, pedia para que eu fizesse
alguns trabalhos para ele. Podemos ter várias análises desse contexto, mas, naquele momento, foi um suporte
muito significativo, pois eu saía da “rotina estressante do atendimento” e podia ler e aprender coisas
diferentes. Ademais, aguçava ainda mais o meu desejo pela universidade.
28

realidade, me colocava outro desafio: como permanecer nesse espaço em que, não raras vezes,
me senti “excluída do interior” (Pierre BOURDIEU, 2001)?
A minha trajetória no curso noturno de Pedagogia, a partir do ano de 2006, foi
marcada pela incerteza e pela “insegurança” das bolsas de extensão, ensino e pesquisa, em
paralelo às dúvidas de sair do emprego. Mesmo diante da instabilidade, a partir do 3º período
da graduação na UFMG, tive a oportunidade de participar de programas de ensino, extensão e
pesquisa que foram suportes para minha continuidade na graduação e fomentaram um desejo
de continuidade na pós-graduação. Daí se observa que a pesquisa aqui apresentada advém não
só, mas especialmente, da minha biografia. O meu interesse pelos/as jovens faz parte da
minha história, desde 2003, quando ingressei, como catequista da Pastoral da Juventude, da
qual ainda sou integrante. Já os estudos sobre a juventude, escola e trabalho se mostraram um
caminho para mim, logo no início da graduação, a partir de 2006. Mas só foi a mim possível
identificar tais temas como prováveis recortes de pesquisa, ao participar de diferentes
programas de ensino, pesquisa e extensão, como Ações Afirmativas4, Conexões dos Saberes5
e Observatório da Juventude (OJ)6, que problematizam questões relacionadas às relações
raciais, exclusão e juventudes, respectivamente.
Sublinho minha participação no programa Observatório da Juventude, do qual sou
ainda integrante, desde 2008. Estar inserida nele, em especial, tem me proporcionado contato
com diferentes pesquisas, mas, sobretudo, um contato direto com jovens em diversos espaços,

4
O programa Ações Afirmativas, da Faculdade de Educação da UFMG, iniciado em 2002, é um programa de
ensino, pesquisa e extensão, que busca implementar uma política de permanência bem-sucedida, destinada a
jovens negros, sobretudo aos de baixa renda. (Sistema de Informação da extensão (SIEX) e Site: Ações
Afirmativas. Disponível em: http://www.acoesafirmativasufmg.org/p/historico.html Acesso em: outubro de
2017). No programa, pude participar do Projeto da Hemeroteca, que tinha como objetivo coletar os dados
relativos à temática da questão étnico-racial, subsidiar estudos referentes à educação étnico-racial e criar
uma cultura de seleção de fontes documentais, classificação, indexação e arquivamento.
5
O programa Conexões de Saberes, atualmente da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, iniciado em
2002, também se insere no âmbito de ensino, pesquisa e extensão, e atua em duas dimensões: a primeira
delas visa aproximar as instituições públicas de ensino das comunidades populares e dos movimentos sociais
e a segunda refere-se a melhorar as condições para a permanência dos estudantes de origem popular nas
universidades federais. Este programa se estabelece a partir de três eixos: democratização da universidade,
relação entre universidades e comunidades e movimentos sociais e relações Conexões de Saberes, com o
Programa Escola Aberta. Minha participação se deu em um eixo de trabalho intitulado “Democratização da
Universidade”, que visava identificar e analisar mecanismos e lógicas de exclusão e invisibilidade na
Universidade Federal de Minas Gerais.
6
O programa Observatório da Juventude, da Faculdade de Educação da UFMG, iniciado em 2002, é um
programa de ensino, pesquisa e extensão, inserido no contexto das políticas de ações afirmativas em torno da
temática da “educação, cultura e juventude”, tendo como eixos norteadores a condição juvenil, as políticas
públicas, as políticas culturais e as ações coletivas da juventude. Busca desenvolver atividades de
investigação, levantamento e divulgação de informações sobre a situação dos jovens da região metropolitana
de Belo Horizonte/MG, além de promover a capacitação de jovens, educadores e estudantes da graduação
interessados na temática da juventude.
29

o que veio fomentando meu desejo de ampliar a compreensão sobre as juventudes, ao mesmo
tempo que alimentava novas indagações sobre a articulação entre juventude, trabalho e escola.
Costumo dizer “que me formei em Pedagogia com ênfase em Observatório da Juventude”.
Grupo querido, acolhedor, no qual venho me formando como pesquisadora, educadora,
mulher e me reconheci como negra. Um programa que descortinou as diferentes
desigualdades (etária, gênero, raça, território) que especialmente os/as jovens vivenciam
cotidianamente para se constituírem como indivíduos.
A minha participação no OJ me motivou a desenvolver uma monografia de conclusão
de curso de Pedagogia cujo foco era o/a jovem. Nesta investigação abordei as repercussões de
um projeto socioeducativo na trajetória de vida de jovens de periferia de Belo Horizonte e
região metropolitana (Symaira NONATO, 2010). No âmbito do programa, ressalto minha
atuação como bolsista de iniciação científica7, orientada pelo professor Geraldo Leão e,
também, minha participação no projeto InterAgindo.
Os achados das duas experiências de pesquisa - monografia e iniciação científica –
evidenciaram as tensões na relação “juventude, trabalho e escola”, o que me fazia indagar: o
que significava ser jovem trabalhador/a? Como os/as jovens articulavam trabalho e escola?
Como vivenciavam suas juventudes? Essas questões me acompanharam e, somente mais
tarde, com minha participação no InterAgindo, que as defini como uma possibilidade de
pesquisa.
O Projeto InterAgindo8 era uma atividade de extensão, desenvolvida pelo programa
Observatório da Juventude, em parceria com a Faculdade de Educação. O objetivo geral desse
projeto era propiciar aos/às jovens trabalhadores/as que desenvolvem suas atividades laborais
no espaço da UFMG atividades de formação e socialização que possibilitem o diálogo entre o
trabalho educativo e o trabalho produtivo. O projeto se organizava a partir de quatro
dimensões que se constituíram como eixo central: Identidade, Projeto de Vida, Trabalho e
Desigualdades. Embora eu já tivesse contato e amizades com alguns/algumas jovens
trabalhadores/as da UFMG, especialmente da Faculdade de Educação, minha participação

7
A pesquisa teve como objetivo entender as trajetórias de jovens participantes do Programa ProJovem Urbano
(Programa Nacional de Inclusão de Jovens), no ano de 2009, em Belo Horizonte/MG. Procurei compreender
a vivência da condição juvenil pelos participantes do programa, a partir de suas experiências de
escolarização, trabalho e de seus projetos de futuro, para assim compreender os significados e sentidos do
programa para eles. (LEÃO, Geraldo Pereira; NONATO, Symaira Poliana. Políticas públicas, juventude e
desigualdades sociais: uma discussão sobre o ProJovem Urbano em Belo Horizonte. Educação e Pesquisa,
v. 38, n. 4, out./dez. 2012, p. 833-849).
8
Cf. O livro “Por uma Pedagogia da Juventude: Experiências educativas do Observatório da Juventude da
UFMG” (Juarez DAYRELL, 2016) traz, em um dos capítulos, uma reflexão sobre o Projeto InterAgindo.
30

como “colaboradora” no projeto me possibilitou aproximar-me de outros/as jovens e definir


qual o recorte que faria para estudar o tema “juventude e trabalho”. Posteriormente, me tornei
coordenadora pedagógica do projeto, experiência que foi enriquecedora para minha formação
como Pedagoga.
Nesse contexto, no mestrado9, realizei um estudo quantitativo, mesclado com técnicas
próprias da pesquisa qualitativa, com o objetivo de compreender a condição juvenil de jovens
trabalhadores/as da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) na UFMG (câmpus Pampulha),
buscando analisar as possíveis repercussões do trabalho nas suas vivências escolares e na
construção de seus projetos de futuro.
Entre as conclusões da pesquisa, evidenciamos que o perfil do/a jovem trabalhador/a
era marcado por situações de trabalho repetitivas e incertezas diante dos projetos de vida,
ainda, que a condição juvenil e de estudante era circunscrita pela condição de trabalhador/a. A
escola configurou-se como um local para ter melhores empregos, ou seja, garantia de um
“futuro melhor”. Assim, a valorização da escolarização remete ao que a maioria traduz como
possibilidade de “melhorar de vida”. Quanto aos projetos de vida, podemos ressaltar que estes
dialogavam, ora com a continuidade de estudos, ora com a busca de melhores inserções no
mercado de trabalho, ambas vistas como possibilidades de retribuição à família.
Foi a partir dos resultados dessa pesquisa que emergiu o desejo pela investigação aqui
apresentada. Desta maneira, os/as interlocutores/as da presente pesquisa são os/as jovens que
trabalhavam na UFMG, via CVB, que participaram na minha pesquisa de mestrado. Não tinha
a pretensão de desenvolver uma pesquisa longitudinal, mas consideramos potente desenvolver
uma investigação com os/as mesmos/as indivíduos, decorridos cinco anos de contato com
eles/as. Destacamos a dimensão temporal como um elemento que enriquece e adensa a
pesquisa. Afinal,

cada passagem de vida deve ser vista em interconectividade com


experiências passadas e expectativas futuras com acontecimentos de um aqui
e um ali. Qualquer experiência acontece em determinado contexto. Por outro
lado, qualquer experiência recebe o seu significado [não a determina] de
uma acumulação de experiências passadas que conduzem a experiências
presentes. Ou seja, não conseguiríamos experienciar a vida da forma que
experienciamos se não tivéssemos tido a experiências que tivemos [que são
importantes, mas são também (re)significadas e/ou (re)construídas] (José
PAIS, 2001, p. 78).

9
NONATO, Symaira Poliana. A condição juvenil dos jovens trabalhadores da Cruz Vermelha Brasileira
no câmpus Pampulha da UFMG. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, MG, 2013.
31

Nesse sentido, buscamos indagar, especialmente, quais os percursos laborais e de


escolarização os/as jovens têm realizado e como vivenciam tais percursos, especialmente
diante de um contexto de mudanças sociais e econômicas que vivenciamos neste período.
Eu me via como uma pesquisadora com a alma atormentada por trazer para a voz um
formato de pássaro. E é neste contexto, tendo como base o objetivo da pesquisa, que
avistamos o campo teórico da “sociologia do indivíduo” (François DUBET, 1994; Danilo
MARTUCCELLI, 2007; François SINGLY, 2012) como um potente olhar para compreender
as singularidades das experiências juvenis no mundo do trabalho e nos processos de
escolarização. Consideramos que essa abordagem permite construir mosaicos de
possibilidades, tendo em vista que viabiliza conhecer os indivíduos que se adequam ou se
rebelam contra as posições ou classes sociais, que se formam e se desformam, mesmo que
haja constrangimentos estruturais nessa tessitura.
No contexto da sociologia do indivíduo, privilegiamos nos perguntar pela
individuação, buscando entender como os/as jovens vêm se construindo como indivíduos
singulares no enfrentamento dos desafios – especialmente no âmbito do trabalho – e dos
processos de escolarização. Assim, consideramos que os/as jovens articulam histórias únicas
e, ao mesmo tempo, diversas, ratificando que a expressão reta não sonha; buscamos, assim,
indagar: como está a vida desses/as jovens, decorridos cinco anos do fim do contrato de
trabalho vinculado à CBV, no câmpus Pampulha da UFMG? Quais trânsitos no mundo do
trabalho já fizeram ou têm feito? Quais espaços de trabalho esses jovens ocupam hoje? Como
têm se escolarizado? Enfim, como os/as jovens se fabricam enquanto indivíduos diante dos
desafios enfrentados no mundo do trabalho e nos processos de escolarização?
Para apresentar os percursos de individuação dos/as jovens construímos as cenas
sociológicas, que trazem para reflexão as experiências biográficas juvenis articuladas às
mudanças estruturais no mundo do trabalho e na educação. Desta maneira, o título desta tese
visa retratar duas ideias: com a expressão Jovens [em]cena, buscamos demonstrar que os/as
jovens são atores/as de suas próprias vidas. Eles/as estão [em]cena, cotidianamente,
improvisando, ensaiando, se formando, se desformando, questionando a direção do texto,
refletindo sobre suas vidas e, especialmente construindo formas próprias de existir diante dos
desafios no palco da vida. Encenar aqui representa também o exercício contínuo dos/as jovens
“se virarem” no mundo do trabalho e nos processos de escolarização, pois eles/as
experimentam, avançam, recomeçam e reinventam no cotidiano de suas vidas se construindo,
assim, como indivíduos singulares. Em segundo plano, [em]cena traz também a escolha
metodológica que fizemos ao apresentar os/as sete jovens, a partir de seis cenas sociológicas.
32

Uma escolha que foi se construindo, a partir do campo, mas também por considerarmos que
com as narrativas biográficas conseguiríamos apresentar de forma ímpar os percursos de
individuação simultâneos aos processos de socialização.
***
Sucintamente apresentamos a organização geral da tese. Optamos por dividi-la em
duas partes. Iniciamos a primeira parte da tese com esta introdução, imediatamente o segundo
capítulo intitulado “Por uma metodologia afetiva: os caminhos da pesquisa” buscando
evidenciar as escolhas teórico/metodológicas, os (des)encontros com os/as jovens
interlocutores/as da pesquisa, algumas situações do campo e, por fim, o processo de análise de
dados. No terceiro capítulo apresentamos os principais referenciais teóricos, conceitos e
categorias que orientam a pesquisa. Focalizamos nossos esforços por apresentar reflexões
sobre as categorias juventude, trabalho, escolarização, sociologia(s) do indivíduo e
individuação. No quarto capítulo, apresentaremos o perfil dos/as 95 jovens ex-
trabalhadores/as da Cruz Vermelha que compuseram esta pesquisa relacionando a situação
atual dos/as jovens ao contexto de quando trabalharam na CVB, em alguns casos, mas
especialmente aos dados do mercado de trabalho e processos de escolarização em âmbito
nacional.
Na segunda parte da tese, buscamos trazer as experiências dos/as jovens, a partir de
seis cenas sociológicas, alcançadas por meio das narrativas biográficas, para explicitar as
vivências, práticas, reflexões, enfim, os desafios que compõem seus percursos de
individuação. Por último, nas considerações finais, ressaltamos os principais achados da
pesquisa, expondo, também, os sentimentos e as possibilidades de aprofundamento desse
incrível processo de artesanato intelectual.
33

2 POR UMA METODOLOGIA AFETIVA: OS CAMINHOS DA PESQUISA10

Você não sabe o quanto [caminhamos]


Pra chegar até aqui
[Percorremos] milhas e milhas antes de dormir
[Nós] nem cochilamos
Os mais belos montes escalei
Nas noites escuras de frio chorei
A vida ensina e o tempo traz o tom
Pra nascer uma canção
Com a fé do dia a dia [encontramos] a solução

Cidade Negra – “A Estrada”

Sempre que ouvia11 a música A Estrada12, me lembrava do doutorado e me perguntava


o quanto caminhamos para chegar até aqui. Peço licença para fazer pequenas alterações na
letra, mas a construção da pesquisa foi um trabalho coletivo. As muitas vezes que “nem
cochilei”, no singular, eram também no plural, pois não deixava muita gente cochilar. No
caminho da construção, não deixei os/as jovens cochilarem, sempre os/as inquietando e
convidando-os/as a contar mais sobre suas vidas; não deixei meu orientador cochilar, tudo
bem que ele já não cochila, mas dei muito trabalho, era orientação para tese e para vida; não
deixei minha coorientadora cochilar, com e-mail e mensagens no WhatsApp13; não deixei
alguns/algumas amigos/as e professores/as da FaE cochilarem, compartilhando minhas
ansiedades, alegrias e dúvidas. De outro lado, muita gente cochilou, esperando que as
“arquiteturas e tessituras de temporalidades e ritmos” (Inês TEIXEIRA, 2011) da minha vida
se alterassem para que “sobrasse” mais tempo para a convivência com eles: esperaram meus
familiares, namorado e amigos/as. Esperaram e participaram, à maneira deles/as, deste
processo tão intenso.

10
Fui inspirada pelos escritos “O antropólogo e os pobres: introdução metodológica e afetiva”, de Alba Zaluar
(1985), para a construção do título deste capítulo e, especialmente, para tentar escrever um texto detalhado e
sensível, como a autora o fez ao narrar suas experiências de pesquisa. Buscarei contar os caminhos da
pesquisa com muito cuidado, pois concordo com Charles Mills que “somente pela conversão na qual
pensadores experimentados [não que eu o seja muito] trocam informações sobre suas formas práticas de
trabalho será possível transmitir ao estudante um senso útil de método e teoria” (Charles Wrigth MILLS,
1982, p. 211). Ademais vejo essa lacuna em muitas pesquisas que leio, desde a minha participação no Estado
da Arte da Juventude – 1996 – 2006, dentre outras pesquisas e, considero que as narrativas metodológicas
“são vivas” e mostram o quão vivo e intenso foi o processo.
11
Por vezes, utilizarei a primeira pessoa do singular, reservada para indicar meus momentos e sentimentos
como pesquisadora. Em outros momentos, a primeira pessoa do plural, ressaltando a construção coletiva da
pesquisa.
12
SILVA FILHO, Antônio Bento da. (Toni Garrido); FARIAS, André José (Bino), DA GAMA, Paulo. A
estrada. Intepretação: Banda Cidade Negra. Álbum: Quanto mais curtido melhor. Warner/Chappell Music,
Inc. 1998.
13
Lançado em 2009, o WhatsApp Messenger é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e
chamadas de voz para smartphones.
34

As milhas que percorremos nos levaram a construir e reconstruir os caminhos teóricos


e metodológicos, pois, a cada novo passo, novas inquietações e novos desafios surgiam.
Assim, me permiti “ser levada” conscientemente pelos inesperados que o campo me mostrava
e assumi que ser pesquisadora é montar e remontar quebra-cabeças. Como afirma Charles
Wright Mills (1982), me entreguei aos estímulos da “imaginação sociológica”, pois tinha em
mente o problema de pesquisa que estava construindo, ao mesmo tempo procurei ser
“passivamente receptiva a qualquer ligação imprevista e não planificada” (p. 228). Concordo
que a produção do conhecimento a partir da pesquisa transforma os/as pesquisadores/as, os
sujeitos pesquisados, os pressupostos da pesquisa e até mesmo os pontos de vista (Alberto
MELUCCI, 2005), pois foi isso que aconteceu ao longo desses anos.
A vida ensinou e o tempo trouxe o tom para minha trajetória no doutorado, pois, desde
minha inserção no curso, muitas mudanças aconteceram, reconstrução(ões) de sonhos e até
mesmo de promessas para a pesquisa. O doutorado, desde o início, tem sido parte
fundamental da minha vida, mas ele não é minha vida. Parafraseando Paulo Freire (2015), me
movo como pesquisadora, porque primeiro me movo como gente. A minha [nossa] pesquisa
de doutorado está totalmente enredada na minha história de vida. Fui escolhida pela temática
da juventude, trabalho e escolarização. Como ressaltam Viviane Weschenfelder e Elí Fabris
(2018), as “posições que assumimos como sujeitos [gente] (gênero, profissão, classe,
pertencimento étnico-racial e etc.) são importantes porque dizem do lugar e das possibilidades
de produção do conhecimento que produzimos” (p. 122). Desta maneira, minhas escolhas
teórico-metodológicas dialogam com minha leitura de mundo, pois “sou situada, movida por
interesses, paixões, capacidade, papéis institucionais que não podem ser esquecidos nem
vistos como impedimento ao conhecimento, mas sim considerados como elementos
constitutivos do campo [e de todo processo de pesquisa] que torna possível a reflexão e a
pesquisa e que legitimam o produto como saber social” (Juarez DAYRELL, 2005, p. 11).
Ademais, me mover como gente/pesquisadora foi também atentar cotidianamente para a
dimensão ética da pesquisa, a qual não pode se restringir à aprovação no Comitê de Ética14.
Buscamos construir uma pesquisa que lutou contra a “cegueira epistemológica”, pautada
numa “ética do desconforto” (Viviane WESCHENFELDER; Elí FABRIS, 2018, p. 116).
Nesse contexto e considerando que o objetivo deste estudo era compreender, por meio
dos entrecruzamentos entre trabalho e escolarização, como têm se configurado os percursos

14
Ressalto, porém, que a pesquisa esteve de acordo com os princípios éticos exigidos pelo Comitê da UFMG.
Todos/as os/as jovens foram informados/as sobre o objetivo da pesquisa e assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido (Apêndice A).
35

de individuação de jovens, ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha, no câmpus Pampulha da


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), optei por desenvolver uma pesquisa
qualitativa, que, como afirma Maria Cecília Minayo (2001), preocupa-se com questões muito
particulares:

ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,


valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 2001, p. 21).

O estudo qualitativo é importante para interpretar questões que são difíceis de


quantificar, como sentimentos e valores (Mirian GOLDENBERG, 2001). É interessante
pontuar, porém, que a pesquisa qualitativa não deve ser vista em contraposição à quantitativa.
A escolha pela pesquisa qualitativa se deu pelos seguintes motivos: assumo a
centralidade da linguagem, tendo em vista que as palavras e o corpo como um texto têm
sentido em um contexto, e corroboro com a redefinição da relação observador/a e
observado/a, os/as quais opto denominar pesquisador/a e interlocutor/a, pois trata-se de uma
relação social, um processo de troca dialógica e não de uma linearidade entre hipótese e
verificação. Outrossim, não pretendi produzir conhecimentos absolutos, mas, sim, possibilitar
questionamentos e interpretações acerca dos fenômenos sociais (MELUCCI, 2005).
Articulado à pesquisa qualitativa, optamos pelo aporte teórico-metodológico da
“sociologia do indivíduo” (DUBET, 1994; MARTUCCELLI; SINGLY, 2012; Juliana REIS,
2014) que nos viabilizou a partir “da dinâmica essencial da individuação [que] combina um
eixo propriamente diacrônico com o um eixo sincrônico” compreender as “existências
individuais” (MARTUCCELLI, 2010, p. 95) dos/as jovens que, por sua vez, são únicas e
singulares.
Para a realização desta pesquisa, utilizamos diferentes procedimentos de coleta de
dados, tais como: levantamento de dados/informação/contatos para a localização dos/as
jovens, aplicação de questionário, pesquisa exploratória, entrevista narrativa e
semiestruturada, como apresentareia seguir. Todos os momentos foram relatados em caderno
de campo15. Na pesquisa exploratória e durante as entrevistas, optei por inserir a descrição dos
acontecimentos, situações e contexto, de um lado do caderno, e, de outro lado, minhas
interpretações e sentimentos.

15
Manter um diário de campo faz parte do “artesanato intelectual” enfatizado por Mills (1982) para que
possamos estar envolvidos em todo produto intelectual. Escrevia e refletia ao escrever, relia e indagava
minhas próprias reflexões e argumentações. Fui compondo meu trabalho intelectual com costuras e
descosturas.
36

2.1 Iniciando o artesanato: os (des)encontros entre a pesquisadora e os/as jovens


interlocutores/as

Entre as milhas percorridas no trabalho de campo, num primeiro momento, foi


necessário localizar os/as jovens, decorridos, para alguns/algumas, quatro anos e, para
outros/as, cinco anos da saída da UFMG. Isso porque, no mestrado, apliquei questionário
aos/as jovens no ano de 2012 e alguns/algumas já deixariam a UFMG naquele ano. Ressalto
que a busca foi pelos/as 149 interlocutores/as com os/as quais eu desenvolvi a pesquisa
naquela época. Para localização: a) retomei a lista de 2011, cedida pela Diretoria de Recursos
Humanos (DRH/UFMG), que reunia os dados deles/as, b) consultei os questionários
aplicados na pesquisa de mestrado, que continham outras informações, tais como: telefone
residencial, celular e e-mail, e c) tentei reativar um grupo na rede social Facebook16 que havia
criado naquela época, com o objetivo de conseguir comunicação mais rápida com os/as
jovens.
O primeiro desafio se deu ao tentar estabelecer contato pelo telefone, pois muitos
números de celulares não existiam, alguns números residenciais não eram mais dos/as jovens
e outros sequer tinham telefone em casa. Enviei mensagem para todos os e-mails disponíveis,
mas não recebi nenhum retorno. Diante desse contexto, percebi que o melhor caminho seria a
localização via Facebook, pois, estando numa “sociedade em rede” (Manuel CASTELLS,
1999), as possibilidades de localização se modificaram. Além disso, cada vez mais o
ciberespaço – como um “universo socializador do indivíduo contemporâneo” (Graça
SETTON, 2011, p. 14) – é ocupado pelos/as jovens. Construí, então, um perfil pessoal no
Facebook, exclusivo para a pesquisa. Como não foi possível reativar o grupo que havia criado
em 2012, criei outro grupo fechado, ou seja, apenas para convidados/as, com o nome
“#Pesquisa UFMG 2012 / Lembra?#”. Optei por manter parte do nome, pois alguns/algumas
jovens já faziam parte do grupo, e acrescentei ao nome a palavra “lembra”. Além disso, o
nome genérico “pesquisa UFMG” foi uma maneira de chamar a atenção dos/as jovens que
seriam convidados/as a participar.

16
Facebook é uma rede social virtual gratuita, lançada em 4 de fevereiro de 2004. O nome do serviço decorre
do nome coloquial para o livro dado aos alunos no início do ano letivo, por algumas administrações
universitárias nos Estados Unidos, para ajudar os alunos a conhecerem uns aos outros (a tradução literal
seria “livro de rostos”). A pessoa deve declarar ter pelo menos 13 anos para se tornar usuária registrado do
site, que hoje tem 2 bilhões de usuários (Raquel SOARES, 2017).
37

Figura 1 – Cópia da tela da página inicial do grupo no Facebook

Fonte: Capturado pela autora, 2017.

Confesso que foi um exercício difícil, pois, em sua maioria, os nomes cadastrados nos
perfis do Facebook não são os nomes de registro civil. Algumas pessoas utilizam os apelidos;
outras, abreviações dos nomes, ou sobrenomes; outras, ainda, a junção do nome do/a
companheiro(a)/cônjuge, e, além disso, as opções são acrescidas de símbolos. Foi um trabalho
minucioso para conseguir localizá-los/as, o que tomou muito tempo. Nas noites escuras de
frio [e dias] chorei e me preocupei por não conseguir localizá-los/as mais rapidamente.
Cheguei a ficar sem esperança. Em um determinado momento, um dos jovens me ofereceu
ajuda para localizar os/as outros/as. Sérgio17 começou a me enviar os perfis dos/as que
trabalharam na mesma época que ele, para eu conferir e fazer o convite para a participação no

17
Optei juntamente com os/as jovens interlocutores/as da pesquisa por utilizar pseudônimos, para garantir o
anonimato.
38

grupo. A partir daí, foi utilizada a estratégia intitulada “bola de neve”18: quando passei a pedir
ajuda para outros/as jovens, um/a jovem me levava ao/a outro/a. Com essa ajuda, consegui
aumentar significativamente o número de jovens localizados/as. Além disso, nos casos em
que eu os/as encontrava, mas eles/as não respondiam ao convite para participar do grupo,
estabelecia contato com familiares, namorados/as e amigos/as, pedindo o contato telefônico
e/ou que avisassem os/as jovens que eu precisava conversar com eles/as.
Em paralelo à busca por meio do Facebook, tentei contato via telefone com os/as
jovens que eu não consegui localizar na rede e com os/as que não haviam aceitado o convite
para participar do grupo. Ao final desse levantamento, consegui agrupar 85 jovens no grupo
“#Pesquisa UFMG – 2012 – Lembra?# e ter contato com outros/as 19, ou via familiares, ou
via telefone/WhatsApp, totalizando104 jovens. Destes, infelizmente, quatro haviam sido
mortos e cinco estavam presos, todos homens. A notícia das prisões e mortes veio por parte
dos/as amigos/as e, também, por suas mães. O contato com duas mães, especialmente, foram
momentos muito dolorosos, pois, sem saber do fato, telefonei para a casa dos/as jovens e as
mães responderam acerca da prisão, ou da morte, chorando ao telefone. Conversei com quatro
mães e com irmãos e tios/as, via telefone, e, em todos os casos (morte/ prisão), os familiares
relataram envolvimento dos/as jovens com o tráfico de drogas.
Após esse processo inicial, fui para a segunda etapa, que se consistiu na aplicação de
um questionário19 (Apêndice B), que tinha como objetivo investigar como estariam os/as
jovens decorridos quatro, ou cinco anos, da saída da UFMG. Com base no questionário que
construí para a pesquisa de mestrado (NONATO, 2013), o instrumento foi composto por
questões abertas e fechadas, sendo dividido em quatro blocos:
a) identificação pessoal e socioeconômica – com questões sobre idade, sexo, pertencimento
étnico/racial, local de moradia;
b) informações sobre o pai e a mãe – com questões sobre escolaridade e ocupação atual–
considerando o momento da pesquisa;
c) os percursos de trabalho dos/as jovens – quantos trabalhos tiveram; qual/ais trabalhos;
tempo na função; formalização; motivo/s das saídas e
d) questões acerca da trajetória de escolarização – conclusão ou não do ensino médio,
inserção no ensino superior, curso/s que fizeram. Ao final, um campo para comentários e
18
Ressaltamos que existe a metodologia de pesquisa qualitativa intitulada “bola de neve”, que trata-se de uma
forma de amostragem não probabilística que utiliza cadeias de referências para localização a grupos difíceis
de serem acessados, ou estudos (Juliana VINUTO, 2014). Não utilizamos essa metodologia, mas, sim, uma
das estratégias nela presentes.
19
É importante mencionar que o período de aplicação do questionário foi de quatro meses.
39

uma questão sobre o interesse ou não em participar da entrevista.


Após a escrita de várias versões, concluímos a elaboração do questionário e apliquei
um pré-teste a dois grupos: jovens escolhidos/as aleatoriamente, com o intuito de verificar a
clareza das perguntas, e ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha que estavam no grupo a ser
pesquisado, para ver se o instrumento atenderia ao objetivo. A partir da aplicação do pré-teste,
consideramos que o instrumento estava coerente com os objetivos e fácil de compreender,
mesmo com uma demanda de tempo pequena para resposta, dados os prazos para a
concretização da pesquisa. Alterei algumas palavras, trocando por outras de uso mais comum.
Após a construção da versão final do questionário, optamos por colocá-lo no Google
Formulário20, uma vez que essa ferramenta possibilitaque as pessoas acessem e respondam ao
questionário a partir de um link. Enviei o link por mensagem individual (Messenger) a
todos/as os/as 85 jovens que estavam no grupo. Na visualização do link, constava a primeira
parte do questionário, contribuindo para que os/as jovens não achassem que se tratava de
spam21. Além disso, também postei o questionário no grupo e coloquei como post fixo, ou
seja, ele sempre ficava no topo das mensagens do grupo, facilitando a localização.
Como relatado até aqui, a localização dos/as jovens demandou bastante esforço. O
processo de recebimento das respostas não foi diferente. Inicialmente, tive pouco retorno, pois
eles/as não estavam visualizando a mensagem individual, em razão de talvez acessarem pouco
o Messenger. Embora houvesse um texto disponível a todos/as no grupo, esclarecendo o
objetivo de sua criação e manutenção, além de uma postagem explicando do que se tratava o
questionário, em um segundo momento, muitos/as retornaram as mensagens individuais
perguntando se, com a entrevista, eles/as poderiam voltar a trabalhar na UFMG. Nesses casos,
eu pedia o número de telefone desses/as jovens e ligavapara explicar, novamente, as razões da
criação do grupo e da necessidade de resposta ao questionário, como também para esclarecer
possíveis dúvidas. Em algumas ligações, mesmo com a explicação, alguns/algumas
perguntaram se eu conseguiria um trabalho para eles/as na UFMG. Ficou evidente que o
sentido que atribuíram ao trabalho na UFMG, enquanto jovens trabalhadores/as, era ainda
muito forte, aliado às situações que viviam de desemprego e/ou de trabalhos precários,
fazendo com que desejassem trabalhar novamente na universidade. Parece que

20
O Google formulários faz parte do Google docs que é um pacote de aplicativos gratuito do Google. Permite
a construção de formulário (no caso, questionário) com questões abertas e fechadas e gera uma visualização
dos dados coletados, bem como uma planilha de Excel com os resultados.
21
Spam: Termo utilizado para se referir a e-mails ou mensagens não solicitadas, que geralmente são enviados
para um grande número de pessoas, com o intuito de vender um produto ou serviço, ou, ainda, disseminar
vírus aos computadores alheios.
40

alguns/algumas deles/as me viam como uma possibilidade de regresso. Explicitei a todos/as


que eu não poderia ajudá-los/as na reinserção, mas procurei indicar espaços para buscarem
emprego.
Decorrido um mês desde que havia postado o questionário, obtive pouco mais de 20
respostas. A não resposta era justificada, especialmente, por falta de tempo e de acesso à
internet. Considero, também, que o desânimo em responder foi devido ao tamanho do
questionário, pois, à primeira vista, parecia ser extenso, mas, na leitura, algumas questões
eram relacionadas, assim, nem sempre os/as jovens teriam que responder a todas as questões.
Mesmo com alguns retornos, foi necessário mudar a estratégia e, aí, percebi que o movimento
no próprio grupo seria o mais eficaz. Comecei fazendo postagens de textos na página do
grupo, conforme ilustrado a seguir.

Figura 2 – Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (13/07/2016)

Fonte: Capturado pela autora, 2017.


41

Figura 3 – Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (18/08/2016)

Fonte: Capturado pela autora, 2017.

Como realçado em vermelho, na imagem da Figura 3, as postagens eram visualizadas,


eram curtidas (aparecendo uma marcação em azul, com preenchimento, para garantir o
anonimato), mas os/as jovens continuavam sem responder ao questionário, motivo pelo qual
foi necessário mudar a estratégia novamente. Eu já estava praticamente desistindo da
tentativa, via rede social, mas com a fé do dia a dia encontrei a solução, pois percebi que o
formato das minhas mensagens não estava chamando a atenção. Neste sentido, comecei a
fazer postagens “engraçadas” no grupo, utilizando Memes22. O exercício da pesquisa é
realmente um aprendizado, pois eu mesma não lia os, assim chamados, “textões” na minha
linha do tempo do Facebook e acreditava que os/as jovens leriam. Aliado a este movimento
de construção dos Memes23, pedi ajuda a alguns/algumas jovens que já tinham respondido,
solicitando que comentassem as postagens, marcando24 e chamando seus/as amigos/as.

22
Meme é um termo grego que significa imitação. A palavra é conhecida e sempre utilizada nas redes sociais,
referindo-se ao fenômeno de "viralização" de uma informação, ou seja, qualquer vídeo, imagem, frase, ideia,
música que se espalhe entre vários usuários, rapidamente, alcançando muita popularidade. Há programas
disponíveis para criação de Memes a partir de uma mesma imagem, modificando-se apenas o texto.
23
Ver outras postagens no Apêndice C.
24
No Facebook é possível marcar alguém, assim, cria-se um link o qual é remetido ao perfil da pessoa marcada
e, por sua vez, ao ser marcada em alguma postagem, a pessoa é notificada. A marcação é importante, pois
necessariamente quem foi marcada verá que foi citada em determinada postagem.
42

Figura 4 – Cópia da tela de postagem de Meme no grupo do Facebook (22/8/2016)

Fonte: Capturado pela autora, 2017.

Figura 5 – Cópia da tela de postagem de Meme no grupo do Facebook (29/8/2016)

Fonte: Capturado pela autora, 2017.


43

A partir dos novos tipos de postagem e da ajuda dos/as outros/as jovens, consegui
ampliar o número de questionários respondidos. Foi um momento de muito trabalho, em que
eu ficava “on-line 24 horas”, pois, a todo momento, os/as jovens tinham dúvidas sobre a
veracidade da pesquisa e me chamavam no Messenger. Muitos deles/as não acreditavam que
alguém poderia ter interesse em conversare saber de suas histórias. A visão dos/as jovens
sobre eles/as mesmos/as diz de um lugar de inferioridade. Consideramos que tal postura
dialoga com as reflexões Gayatri Spivak (1942) que, ao refletir sobre práticas discursivas de
intelectuais, bem como sobre os apontamentos do seu grupo de estudos sobre os subalternos,
questiona: “Pode o subalterno falar?” A autora salienta para além do sentido literal, pois o
subalterno é capaz de falar; há a necessidade de um caráter dialógico na fala do subalterno.
Conclui que, contudo, ele não pode falar, pois é sempre intermediado pela voz de outrem.
Procurei romper com o silenciamento dos/as considerados/as subalternos/as e aproximar-me
da perspectiva do intelectual pós-colonial, como cita Spivak (1942), criando espaços em que
os/as subalternos/as pudessem falar e, mais do que isso, fossem, de fato, ouvidos/as.
Foram momentos ricos de aproximação com os/as jovens, de conversa sobre vários
assuntos, de desabafo e, novamente, de pedido de ajuda, por eles/as, para encontrar trabalho.

Figura 6 – Cópia de tela de conversa pelo Messenger com jovem mulher

Fonte: Capturado pela autora, 2017.


44

Figura 7 – Cópia de tela de conversa pelo Messenger com jovem homem

Fonte: Capturado pela autora, 2017.

Durante todo o tempo da pesquisa, recebi mensagens dos/as jovens pedindo ajuda para
conseguir trabalho. Como já ressaltei, tentei contribuir indicando locais para
inscrição/cadastro e/ou para apresentação de currículo. Em alguns casos, elaborei os
currículos para eles/as, pois alguns/algumas me informaram que não sabiam fazer um. Todas
as vezes que recebia mensagens como essas, me sentia totalmente impotente, sem saber como
ajudar, me questionando o sentido e, ao mesmo tempo, a importância de se fazer esta
pesquisa. “Como ajudá-los/as?” Era a pergunta que eu me fazia cotidianamente. Importante
ressaltar que eu sei dos meus limites enquanto pesquisadora, mas o compromisso social de ter
que “dar retorno” também fazia parte das minhas reflexões. Assim, como Alba Zaluar (1985),
eu tinha consciência da linha tênue entre a pesquisa e os meus sentimentos com relação às
realidades postas, por isso, a todo momento, buscava um equilíbrio entre o distanciamento
enquanto pesquisadora e a aproximação como “pesquisadora/gente”.
Embora o número de respondentes estivesse aumentando, muitos/as jovens ainda não
tinham respondido, o que me inquietava, pois o prazo que havíamos definido para o término
da etapa do questionário estava acabando. Muitos diziam que responderiam e acabavam não
respondendo, mesmo aqueles/as com os quais eu conversava mais de uma vez ao dia. Optei,
então, por ligar para alguns/ algumas e convidá-los/as a responderàs questões, via telefone.
Enquanto aguardava o recebimento das respostas, optamos por iniciar o terceiro
procedimento de coleta de dados – a pesquisa exploratória – com alguns/algumas jovens já
45

respondentes, para estabelecer uma forma de aproximação e para que pudéssemos eleger
alguns/algumas para a entrevista. Esse procedimento possibilitou chegar mais perto dos
sujeitos participantes da pesquisa, para aprofundar os aspectos já respondidos no questionário
e outros elementos pertinentes. De mais a mais, a pesquisa exploratória é um espaço/tempo
para a construção de uma relação de confiança entre a pesquisadora e os/as interlocutores/as,
pois “permite o fluir da rede de relações além de possíveis correções dos instrumentos de
coleta de dados” (MINAYO, 2004, p. 103). Foi um movimento muito prazeroso e
interessante, pois, na medida em que me aproximava deles/as, as respostas ao questionário
começaram a aumentar: quem havia participado desse 3º momento, informava aos/as
outros/as sobre a conversa ocorrida na pesquisa exploratória, incentivando-os/as a responder.
Ademais, alguns/algumas jovens que não estavam entre os/as escolhidos/as para a pesquisa
exploratória me perguntaram se eu não iria conversar com eles/as também. A escolha dos/as
jovens para essa fase da pesquisa se deu a partir do questionário e já se relacionava aos
critérios para a escolha do grupo dos/as jovens para a entrevista narrativa, a qual se constituía
como a próxima etapa da pesquisa. Paulatinamente, aproximei-me de um grupo de 25 jovens
escolhidos/as entre todos/as os/as respondentes do questionário.
Para a escolha dos/as jovens, levamos em conta a diversidade de gênero, de raça, de
trajetórias de escolarização (os/as que não concluíram a educação básica; os/as que
interromperam a trajetória estudantil, após a conclusão do ensino médio; os/as que já estavam
no ensino superior, ou em outros processos educativos), de percursos de trabalho (experiência
de inserção em setores diferentes: “bicos”; inseridos em trabalhos formais, ou informais; em
situação de desemprego) e, também, o interesse e a disponibilidade do/a jovem em participar.
Nesse processo de escolha, já foi possível perceber que as trajetórias eram semelhantes, ao
menos considerando esses dados iniciais, uma vez que a maioria não havia passado por outros
processos educativos após o ensino médio e as experiências de trabalho de quase todos/as
concentravam-se no setor de serviços.
Eu conversava com esse grupo de 25 jovens, via rede social, pessoalmente e/ou via
WhatsApp. Conversávamos a respeito da vida deles/as, desde que saíram da UFMG, sobre
futebol, política, inserção no ensino superior, crianças – nos casos em que os/as jovens já
eram pais ou mães –, dentre outros assuntos. Nas primeiras conversas, eu sempre “puxava
papo”, mas, com o passar do tempo, alguns/algumas já me chamavam para conversar e até
falavam “Hoje você não vai querer conversar comigo, não?” (Caderno de campo, 2016).
Os/As jovens me interrogavam sobre a minha vida, minha família, com o que eu trabalhava,
sobre o processo de inserção na universidade e na pós-graduação. Foram experiências
46

ímpares, em que estavam cientes da minha intencionalidade, mas, ao mesmo tempo, eu não
era mais “a outra estranha”, pois “sem nunca ser considerada igual, fui ‘aceita”’ (Alba
ZALUAR, 1985) em relação àqueles/as, os/as quais eu observava e com quem tinha interação,
pois eu já era parte do campo de observação25 (DAYRELL, 2005). Alguns/Algumas jovens
começaram a me contar situações que estavam vivenciando no relacionamento, na família,
com seus/as companheiros/as, nos seus projetos de vida e pediam-me conselhos. Enquanto
pesquisadora, eu buscava manter distanciamento das histórias e experiências, pois minhas
falas poderiam influenciar nossas conversas e entrevistas. Mas, ao mesmo tempo, tive uma
postura cuidadosa com os pedidos e, finalizado o tempo da pesquisa de campo, retomei
algumas questões com os/as jovens. Marquei de almoçar com alguns/algumas, fui ao
shopping com outros/as e/ou, ainda, os/as encontrei na UFMG, para conversar sobre
diferentes situações.
Desses momentos, cito especialmente um. Refere-se a um encontro no Centro
Esportivo Universitário (CEU), em que um jovem me convidou para conversar, mas logo
percebi que ele tinha interesses, os quais extrapolavam o diálogo proposto, pois, em vários
momentos, ele me perguntou se eu tinha namorado, [dizia] que “eu era bonita, enfim...”
(Caderno de Campo, 2016). Senti-me desconfortável por não ir conversar com ele, mas como
mulher, me sentia no direito de recusar a situação. Diante do contexto, convidei uma amiga do
jovem que também fazia parte do grupo das 25 pessoas selecionadas para a pesquisa
exploratória. Contei a situação a ela que logo concordou em me ajudar. Chegamos juntas ao
CEU e o jovem falou: “O que você está fazendo aqui?” Ela respondeu: “Vim conversar
também, não pode?” Entramos no clube e ficamos conversando sobre a pesquisa. No meio da
conversa, ele disse que ela atrapalhou “o esquema dele”. Eu disse que ela não tinha
atrapalhado: eu a havia convidado ao perceber a situação. Conversamos sobre o fato, ele
pediu desculpas por fingir que queria conversar sobre a pesquisa e rimos da situação.
Atualmente, os dois são namorados (Caderno de campo, 2016).
Com o decorrer do tempo, percebi que alguns/algumas jovens me viam como alguém
que “os/as escutava”. Alguns expressaram que gostavam de conversar comigo, pois “eu
deixava eles/as falarem”.

25
Considero que a aceitação se referia a diferentes aspectos que serão explicitados no texto. Dentre eles, um
elemento “físico” que busquei me ater e me preocupava foi com as roupas que eu usaria no dia das
entrevistas, os acessórios, ou seja, como eu me apresentaria. Como afirma Melucci (2005), o corpo é um
objeto de atenção, então, ficava muito receosa de, a partir de meu corpo, me distanciar dos/as jovens.
Busquei não ir com roupas sociais, pois, para alguns, apenas pessoas ricas usavam esse tipo de roupa.
Considerei que, se eles/elas tivessem essa impressão a meu respeito, isso poderia causar algum
distanciamento.
47

Diante desse contexto, considero que busquei “escutar a voz dos/as jovens”, ao invés
de “dar a voz aos/as jovens”, como algo imperativo e hierárquico. Busquei estabelecer com
eles/elas uma relação que não os/as via como “Outros/as estigmatizados/as”, pois, como
ressalta Spivak (1942), o “mais claro exemplo disponível de violência epistêmica é o projeto
remotamente orquestrado, vasto e heterogêneo de se constituir o sujeito colonial como Outro”
(p. 47). Isso porque, como afirma Arroyo (2014), na nossa sociedade, tem-se incorporado uma
forma de pensar “os/as Outros/as”, trabalhadores/as, pobres, negros/as, como é o caso dos/as
jovens, como subalternizados/as diante da civilização, do conhecimento e da cultura.
Inspirada em Uwe Flick (2004), realizava o que eu estou nomeando de “sondagens
biográficas”, e, a partir daí, selecionamos 10 jovens para a entrevista narrativa (roteiro no
apêndice D). Um do grupo dos/as jovens escolhidos/as foi preso no dia agendado e, como ele
tinha um perfil singular ‒ por exemplo, intitular-se microempreendedor –, optei por não
entrevistar outro/a no lugar dele. Foram realizadas duas entrevistas com cada jovem,
totalizando 18 entrevistas26.
A entrevista narrativa, como menciona Inês Teixeira (2006, p. 3), “propõe-se a escutar
os sujeitos que, generosamente, emprestam e confiam suas vidas aos entrevistadores, que
delas recolhem não somente os fatos, mas os sentidos, os sentimentos, os significados e
interpretações que tais sujeitos lhes conferem”. Dessa maneira, a entrevista narrativa é um
instrumento importante para se conhecerem as dinâmicas cotidianas das relações sociais e
políticas, permitindo analisar acontecimentos partindo da subjetividade dos/as
entrevistados/as. Além disso, ao possibilitar que o/a entrevistado/a ordene e atribua sentido
aos acontecimentos, correlacionando-o aos fatos presentes, leva a uma reflexão acerca de suas
próprias vivências, em que pode correlacionar imagens de si, do/a outro/a e do mundo, além
de atribuir significados às suas experiências (Álida LEAL, 2017; TEIXEIRA, 2006).
A questão geradora foi: “gostaria que você contasse como está a sua vida, desde que
saiu do trabalho na Cruz Vermelha, no câmpus Pampulha UFMG”, que contemplou a
amplitude necessária para uma entrevista narrativa, a fim de não enquadrar a pergunta a meu
problema de pesquisa. Ao mesmo tempo, possibilitou chegar ao foco desejado, especialmente
pelo fato de que trabalho e escolarização são processos que, na maioria das vezes, fazem parte
da biografia dos/as jovens.

26
Havíamos realizado entrevistas com nove jovens (duas entrevistas com cada um/a), mas, na qualificação, a
banca avaliou que o material apresentado já era suficiente. Assim, optamos por não trabalhar com dados
empíricos de dois jovens (Sabrina e Ricardo), pois, mesmo sendo singulares, acabavam abarcando temáticas
já contempladas nas análises de dados trazidos por outros/as jovens.
48

Já a segunda entrevista contou com um roteiro semiestruturado e individual,


construído a partir da escuta atenta da primeira entrevista. Nesse momento, fiz “sondagens
narrativas” (FLICK, 2004), buscando explorar detalhes de fatos e sentimentos não
explicitados anteriormente. Em alguns casos, a pergunta contava com fragmentos da
entrevista anterior que foram lidos pela pesquisadora. Interessante apontar que os/as jovens,
às vezes, se assustavam com o que haviam dito e afirmavam que nunca tinham parado para
refletir sobre a própria vida. Nesta entrevista acrescentamos duas questões: “o que é trabalho
para você?” e “como você tem vivenciado sua juventude?”, tendo como base o contexto da
entrevista e os objetivos da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro de 2016 e agosto de 2017,
em locais e horários escolhidos pelos/as jovens. Somente uma jovem optou por fazer na
própria casa, pois não tinha com quem deixar sua filha. O restante escolheu a UFMG,
enfatizando que gostariam de retornar à universidade, pois estavam com saudades e
aproveitariam para ver os/as colegas de trabalho. Dois jovens escolheram a UFMG, por
trabalharem nela. A entrevista mais curta durou 57 minutos (Sérgio, 22 anos, homem) e a
mais longa durou 3 horas e 40 minutos (Breno, 22 anos, homem). Em alguns casos, após o
término, ainda ficávamos de 15 a 40 minutos conversando. Todas as entrevistas foram
gravadas, com autorização dos/as jovens, e transcritas. Disponibilizei o áudio e a transcrição
para todos/as que se interessaram e/ou solicitaram. As transcrições totalizam 935 páginas.
Todas foram transcritas ao “pé da letra” e, após a minha escuta de revisão, eu as textualizei,
retirando vícios de linguagens e repetições de palavras nas frases. Entre colchetes coloquei
expressões ou assuntos subentendidos na fala dos/as entrevistados/as, com o objetivo de
facilitar a leitura e o entendimento das narrativas.
A etapa de realização das entrevistas foi um momento muito difícil para mim, tendo
em vista a conciliação de trabalho e de estudos, pois a escolha de dias e horários sempre foi
dada aos/as jovens. Foi também uma mistura de sentimentos. Por um lado, os mais belos
montes escalei, para a alegria do encontro e da troca de experiências e para a escuta de
histórias potentes e de (re)existência, mas, por outro lado, a sensação da impotência diante de
histórias tão tristes, de violações de direitos e de desigualdades.
Realizei nove entrevistas durante o segundo semestre do ano de 2016 e,
posteriormente, retornei aos/às mesmos/as jovens no ano de 2017, realizando outras
entrevistas. As entrevistas, ora me desestabilizavam, ora me davam equilíbrio.
Desestabilizavam pelas desigualdades, sofrimentos, violências narradas, pois demonstravam
“consciências dolorosas” (ZALUAR, 1985) das opressões que vivenciavam. Ao mesmo
49

tempo, davam equilíbrio pela alegria, coragem, maturidade e reflexividade com que relataram
lidar com a vida. Considero que as entrevistas foram recheadas de bonitezas, pois os/as jovens
narraram suas vidas, como se estivessem revivendo o momento. Havia muita emoção e
sentimento nos depoimentos. Tinham também um carinho comigo e um grande interesse em
“falar” e “ser escutado/a” (na experiência da individualidade). Da minha parte, um interesse
enorme de “escutar essas vozes”, tão singulares e, ao mesmo tempo, tão plurais.
Considero que as entrevistas foram potentes, especialmente, por três motivos: o
primeiro diz respeito às perguntas de pesquisa, provocadoras do desejo de “dizer as palavras”;
em segundo lugar, o fato de eu ser uma jovem pesquisadora27 possibilitou outro olhar dos/as
jovens, um olhar de proximidade, pois falávamos a mesma língua, eu entendia as gírias, as
piadas, as trolagens28 e até mesmo os interesses; o terceiro motivo, que se articula ao segundo
e que considero essencial, foi a relação de confiança estabelecida. Melucci (2005), ao refletir
sobre o contrato entre pesquisador/a e observado/a [interlocutor/a], afirma que:

O contrato de pesquisa atinge, inevitavelmente, a opacidade da ação social e


a possibilidade de reduzi-la: é em nome desta possibilidade que o
pesquisador pode pedir aos sujeitos para colocar à sua disposição
informações a que, de outro modo, não teria acesso. Nesse sentido, o
contrato deve, porém, contar com um grau suficiente de confiança, sem a
qual é impossível que haja qualquer troca de informações (MELUCCI, 2005,
p. 337).

O processo da pesquisa exploratória e, mais especificamente, a “sondagem biográfica”


foi fundamental para que os/as jovens não me vissem como “estranha”, como apontei,
levando-os/as a dizer somente o que a pesquisadora gostaria de ouvir. Sabendo do meu
“lugar” de trabalhadora na UFMG e de ex-coordenadora do projeto InterAgindo, procurei
exercitar o estranhamento necessário no momento da análise. Os depoimentos expressaram
enredos de histórias com as contradições, emoções, esquecimentos, sentimentos e
contestações que fizeram parte das vivências deles/as. Isso porque, “contar sobre si” é “fruto
da capacidade individual de construir e reconstruir, sempre de novo, molduras de sentido,
narrativas sempre novas, a despeito da moldura temporal presentificada” (Carmen
LECCARDI, 2005, p. 49).

27
Consideramos que o fato de eu ser uma jovem pesquisadora potencializou o diálogo com os/as jovens aqui
considerados/as, porém, não podemos afirmar que todo/a pesquisador/a jovem terá facilidade(s) com a
pesquisa com interlocutores/as também jovens, pois dependerá da pesquisa realizada e do contexto existente.
28
Trolagens: termo usado entre os/as jovens para brincadeiras, zoações.
50

2.2 Compartilhando existências singularidades: as bonitezas e tristezas dos


(contra)tempos das entrevistas

Entre as várias situações de entrevista, ou de tentativa de entrevista, optei por trazer


duas memórias que, ao olhar para o passado, me tocaram e, ainda, me tocam. A primeira delas
refere-se ao jovem Carlos. Iria realizar com ele a décima entrevista, mas Carlos foi preso no
dia agendado. Anteriormente, fiz várias tentativas para conversar pessoalmente com ele, mas
várias vezes ele desmarcou. Suas postagens no Facebook e algumas coisas que
conversávamos no WhatsApp me chamavam a atenção. Em vários momentos, ele afirmou que
vendia drogas, mas depois dizia que era mentira. No Facebook, havia postagens de
enfrentamento à polícia, xingamentos a alguns vizinhos considerados por ele “X9” (delatores)
e as “famosas postagens ostentação”29, ou seja, fotos nas quais exibiam-se imagens com
dinheiro, correntes e mulheres. Num determinado dia, ele aceitou conversar pessoalmente,
mas só se fosse em seu local de trabalho, um lava a jato. Como pesquisadora, fiquei feliz, mas
“como gente” que sou, fiquei também muito receosa.
Assim, como narrou Zaluar (1985, p. 10), “não era um medo que qualquer ser humano
sente diante do desconhecido”, mas um medo construído pelos discursos e falas estereotipadas
acerca de jovens negros/as, moradores/as de favela que faziam postagens sobre crimes,
violências e drogas. Apesar de saber que são estigmas acerca de jovens pobres e sobre a
criminalização da pobreza, eu tinha medo. Chamei uma amiga para me acompanhar, pois
minha condição de mulher me deixou ainda mais insegura. Confirmamos a entrevista na noite
do dia anterior. No dia da entrevista, fui confirmar que eu já estava saindo para encontrá-lo e
ele não respondeu. Liguei várias vezes para o celular e ninguém atendeu. Liguei para a casa
dele e a mãe me informou da prisão por tráfico de drogas. Ela disse chorando: “Aquele
menino danado, fingindo que estava trabalhando de lavar carro e era esconderijo de
drogas... Ah. meu Deus, o que eu vou fazer agora?” (Caderno de campo, 2016). Emocionei-
me, conversei um pouco com a mãe do jovem tentando acalmá-la, desliguei o telefone e
refleti sobre a situação. Fazer pesquisa é isso. É afetar e deixar-se ser afetada, mas, ao mesmo
tempo, lidar com o inesperado e não saber como agir.
Outra lembrança que em vários momentos invade meus pensamentos relaciona-se à
entrevista que eu realizei com o jovem Breno, da qual transcrevo trechos do caderno de

29
São postagens em que, em sua maioria, homens buscam demonstrar poder e status, a partir de fotos retiradas
com muito dinheiro, carros e mulheres. Neste caso, as mulheres são expostas como objeto de desejo. Tais
postagens reforçam as assimetrias de gênero, pautadas em uma hierarquização do lugar das mulheres como
objeto.
51

campo:

Após a escolha por mais um jovem, fui fazer contato com o Breno. O
contato com o Breno foi pelo WhatsApp. Utilizei uma parte da mensagem
que já havia enviado a outra pessoa. Neste caso, uma mulher. Não foi um
bom começo! Acabo enviando a mensagem com o nome da menina para ele.
Imediatamente peço desculpas, e reenvio a mensagem, agora com o nome
certo. A famosa visualização do “zap” foi rápida, mas a resposta um pouco
demorada. Ao final da noite, uma novidade, o retorno: “Oi Symaira, tenho
interesse, sim, e topo fazer a entrevista. Só marcar o dia e o horário. Pode ser
na UFMG”. Em menos de 2 minutos, já retornei e consegui agendar.
Passados alguns minutos, uma nova mensagem: “Se fosse outra ocasião, não
faria isso nunca. Hoje em dia, não pode ficar confiando em ninguém. Estou
indo, porque eu te conheço”. No dia agendado, envio, logo de manhã, uma
mensagem lembrando da entrevista no final da tarde. Nenhuma resposta do
outro lado, mas uma visualização. Opto, então, por esperar a resposta.
Porém, em meio à correria do trabalho, somente às 15h (uma hora antes da
entrevista) me lembrei de que não tinha recebido confirmação. Bom, mais
um exercício da pesquisa, aprender a confiar. Fui para o local combinado
uns 20 minutos antes do horário. Arrumei a sala e fui esperar. Chegou o
horário marcado e nada, pensei: “Vou ligar? Não. Melhor esperar. Afinal,
atrasos acontecem”. Esperei por mais 20 minutos e nada. Fiz, então, a opção
de enviar uma mensagem no WhatsApp. Agora, sem visualização e sem
resposta. “É”, pensei, “infelizmente, deve ter acontecido alguma coisa”.
Optei por ligar para saber se, de fato, não teria entrevista. Liguei. Do outro
lado: “Symaira, estou chegando na UFMG. Atrasei um pouco”.
Sentei e esperei. Meu olhar ficava atento a todas as pessoas que entravam na
Faculdade de Educação. Decorridos 50 minutos, de um lado não esperado da
Faculdade, o Breno chega sorrindo! Levanto e vou cumprimentá-lo.
Enquanto andávamos para a sala, ele fala: “Mesmo já tendo conversado com
você aqueles dias tudo, eu fiquei com medo de vir aqui. Vai que era coisa
errada, tipo assalto, sequestro. Aí demorei a responder no WhatsApp,
porque fui investigar no seu Facebook. Aí, vi você com outros ‘Cruz’ que
trabalharam comigo e respondi lá”. Eu sorri e agradeci por ter ido.
Chegamos à sala e fui explicar, com mais detalhes, a pesquisa. O Breno já
foi logo falando que era gago e que iria ficar ruim na gravação. Falei que não
tinha problema, mas que poderia desligar se ele quisesse. Ele disse que não
se incomodava. Perguntou por que foi escolhido. Pediu que explicasse
novamente o que era o doutorado. Perguntou para que servia a pesquisa.
Perguntou quem foram os/as outros/as jovens. Enfim, mais um exercício de
pesquisa, nos convida a sermos questionados.
Iniciamos a entrevista depois de uma conversa que possibilitou “quebrar o
nervosismo” e a timidez dele. As falas do Breno encheram meus olhos de
lágrimas (em vários momentos) e, para não chorar, concentrava o olhar e, de
certa maneira, as lágrimas iam para minhas mãos que, debaixo da mesa,
apertavam um ferro. Literalmente lágrimas nas mãos, pois minhas mãos
suavam muito. Tentava manter atenção em deixar meu corpo tranquilo
diante de falas que demonstram a injustiça e desigualdade do mundo, mas,
ao mesmo tempo, manter a atenção a tudo que o Breno falava. Foi a
entrevista mais longa que eu fiz e, ao acabar, sentia meus ombros tensos e
um esgotamento impensado. Ao final, fiz os agradecimentos e o Breno olhou
para mim e disse. “Trouxe um presente para você e sei que pode me ajudar”.
Breno retira um envelope e me entrega algo e diz: “Pode abrir”. Fiquei sem
reação ao ver que era seu currículo. Breno me pediu ajuda para conseguir um
trabalho, pois não podia mais ficar “sem um real no bolso”, como disse.
52

Após levá-lo à saída da Faculdade, sentei e não consegui segurar as lágrimas


e os meus questionamentos. Questionei-me do meu papel de pesquisadora de
jovens e, ao mesmo tempo, questionei a expectativa que esse jovem colocava
em mim, ao solicitar esperançoso um emprego. Respiro, vou para o carro e
coloco uma música para tentar relaxar e escuto a música “Meu Aniversário”
interpretada por Nando Reis:
“Eu não posso entender / Essa vida tão injusta
Não vou fingir que já parou de doer / Mas um dia isso vai se acabar...”
O resto foram só lágrimas... (Caderno de campo, 2017).

Todas as entrevistas me afetaram muito e afetaram muito os/as jovens. Dos nove
entrevistados/as, seis deles/as retornaram com mensagem informando o quanto foi bom falar
de suas vidas e o quanto os/as fez refletir sobre suas trajetórias. Explicitaram que, no início,
acharam que seria um tanto de perguntas e que teriam dificuldade para responder, mas
gostaram de poder falar de suas vidas e, especialmente, de serem “escutados/as”, como
explicita Weliton em uma postagem no Facebook. Mantenho contato mais frequente com seis
deles/as.

Figura 8 – Cópia de tela de postagem do jovem Weliton em sua linha do tempo na rede social

Fonte: Capturado pela autora, 2017.

A postagem ilustrada na Figura 8 foi do Weliton (21 anos, homem), que, desde o
início, se mostrou muito interessado em compartilhar sua história. Ele participou do Projeto
InterAgindo e fez menção a um livro do Observatório da Juventude, do qual um dos capítulos
53

foi dedicado ao projeto, como já pontuamos. Com o convite para participar da entrevista,
questionou a seriedade de ter sido escolhido, pois não acreditou que seria entrevistado.
Weliton agradeceu, ressaltando a minha capacidade de o “olhar devagar”, enquanto, na vida,
muitas pessoas o “olham depressa demais”, explicitando o quanto era julgado, sem ser
escutado. Embora, como ressalta Zaluar (1985, p. 31), “essa fala ininterrupta que meus
ouvidos e meu gravador registraram continua ainda em grande medida silenciada para o resto
do mundo”, considero que o papel e o desafio de ser pesquisador/a, é olhar devagar e enxergar
mais do que a superfície apresenta. É olhar com afeto, é desnaturalizar o olhar, é estranhar o
familiar e familiarizar-se com o estranho (Roque LARAIA, 2007). Além disso, o jovem
contribuiu muito para que eu pudesse “olhar devagar”, pois confiou em mim enquanto
entrevistadora e na possibilidade de que a entrevista fosse um espaço de afetar e ser afetado.
De maneira geral, considerei que as entrevistas possibilitaram que os/as jovens se
colocassem como “atores/as sociais reflexivos/as” de suas próprias trajetórias. Nesse sentido,
como atores/as, eles/elas “puderam ‘dar conta’ das suas práticas e a pesquisa é uma
possibilidade dialógica e reflexiva de ‘dar conta’ da ação mesma. A narração é, deste modo,
distinta da ação, mas faz parte dela como seu elemento construtivo” (MELUCCI, 2005, p. 40).
Outro fator importante acerca do campo, mas especialmente das entrevistas, refere-se
ao fato de eu ter me enxergado em várias narrativas dos/as jovens. Em alguns momentos, meu
corpo inquietava-se internamente, movido pelo desejo de conversar, ao invés de ouvir. Os
relatos do trabalho de alguns/algumas jovens no telemarketing me fizeram recordar o “meu
tempo” de operadora de telemarketing: tanto as alegrias quanto as humilhações. Os relatos
acerca da família, da divisão de tarefas domésticas somente entre as mulheres e de ser julgada
por “estudar demais”, me fizeram reviver minhas experiências familiares. Foram entrevistas
que “rasgaram a alma”, pois, naquele momento, foi possível construir, a partir da escuta, uma
reflexividade mais madura, baseada na distância dos fatos, no passar do tempo e do olhar a
partir do “outro”, perceber, ainda com mais detalhes, a perversidade da meritocracia e das
desigualdades impostas aos/as jovens. Mesmo identificando semelhanças entre a minha
história e a deles/as, considero ter tido “suportes invisíveis e visíveis” que a maioria deles/as
não teve (MARTUCCELLI, 2012).
Por último, outro aspecto, apontado de maneira mais breve anteriormente, é que
também fui entrevistada (ZALUAR, 1985; LEAL, 2017). Os/As jovens me questionaram a
respeito da minha família, do doutorado, do meu trabalho e do desejo de fazer pesquisas com
eles/elas. Ao falar da minha família, muitos/as se espantaram pelo fato de eu ter uma mãe
faxineira, um pai torneiro mecânico e uma irmã doutora em educação (FaE/UFMG), um
54

irmão graduando em engenharia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), com 100% de
bolsa ProUni, e outro irmão formado no ensino médio e realizando curso técnico.
Perguntaram sobre como meus familiares, especialmente mãe e pai, conseguiam se organizar
para a gente estudar. Em alguns casos, explicitei com mais detalhes, pois percebi que
alguns/algumas identificaram em mim algo que para eles/as era visto como impossível: como
uma jovem, pobre, estudante de escola pública, poderia estar no doutorado na UFMG. Sei que
sou exceção, mas foi fundamental falar sobre a minha trajetória para alguns/algumas. “Ser
entrevistada”, como para os/as jovens, me possibilitou reflexões sobre minha vida e, ao
mesmo tempo, sobre a “boniteza” que é fazer pesquisa, pois somos, enquanto
pesquisadores/as, “levados/as ao inesperado”. Considero que as colocações de Judith Butler
(2015) se relacionam ao que significou eu ser “entrevistada” ao mesmo tempo em que
permitiu a mim retomar a dimensão ética da pesquisa:

Talvez seja ainda mais importante reconhecer que a ética requer que nos
arrisquemos precisamente nos momentos de desconhecimento, quando
aquilo que nos forma diverge do que está diante de nós, quando nossa
disposição para nos desfazer em relação aos outros constitui nossa chance de
nos tornarmos humanos. Sermos desfeitos pelo outro é uma necessidade
primária, uma angústia, sem dúvida, mas também uma oportunidade de
sermos interpelados, reivindicados, vinculados ao que não somos, mas
também de sermos movidos, impelidos a agir [...] (BUTLER, 2015, p. 171).

Como mencionado pela autora, me “desfiz” diante das várias interrogações e, cada vez
mais, percebia o quanto os/as jovens eram tanto semelhantes quanto diferentes de mim. Ser
interpelada, de fato, me tornou mais humana, pois senti o que significa “ceder” parte da minha
vida. A postura dos/as jovens possibilitou colocar-me ainda mais no lugar deles/as e a refletir
eticamente como eu escreveria sobre experiências tão intensas, mas, ao mesmo tempo,
marcadas por desigualdades e exclusão, sem correr os riscos de produzir violências
epistêmicas.

2.3 Observando as formas, analisando as texturas e tessituras: o processo de análise

Após a finalização da segunda etapa da pesquisa, junto a 09 jovens, retomei a escuta


de todas as entrevistas. Distanciei-me do material empírico por mais ou menos 20 dias e
comecei o processo de categorização. Considero que a categorização é um dos pontos- chave
da pesquisa, pois, por ela, conseguimos sistematizar em temas e subtemas todos os dados
encontrados. Na categorização, podemos “brincar” com o material, a partir das nossas
interpretações, inquietações, intuições e leituras de mundo. Assim, para a construção da
55

categorização, tive como alicerce o objetivo da pesquisa e, especialmente, as referências sobre


juventude, trabalho e escolarização.
Em um primeiro momento, organizei o material, tendo como base as grandes
categorias de análise da pesquisa: condição juvenil, trabalho e escolarização. Para isso,
realizava a leitura das entrevistas e identificava com cores específicas cada fragmento,
correspondente às grandes categorias. A partir da leitura, identifiquei, no material, a
recorrência de questões vinculadas a: gênero/sexualidade; família; projeto de vida; rotina;
sociabilidade. Tal organização gerou novas categorias. Retomei as transcrições e fiz
marcações, com novas cores, para as recém-criadas categorias. Após esta nova organização,
separei cada categoria em um arquivo tanto por categoria (em arquivos diferentes) quanto por
sujeitos (com marcação das categorias no mesmo arquivo). Posteriormente, as categorias
foram desdobradas em subtópicos, por exemplo, “trabalho na UFMG” e trabalho “pós
UFMG”, para facilitar a análise. Fiz a separação dos depoimentos por subtópicos e, em
vermelho, à frente do trecho, escrevia o assunto a que se referia. Por exemplo, escrevia, em
vermelho, no trecho de desemprego, “busca por emprego”. Temáticas com pouca frequência
foram inseridas na categoria “outros”. Ao final da categorização, organizei o material
empírico, conforme ilustrado na Figura 9.
56

Figura 9 – Organização das categorias de análise das entrevistas

Fonte: Elaborado pela autora.


57

As categorias me permitiram um olhar mais “afinado” acerca do material empírico e


das possibilidades analíticas. É a partir da categorização que temos os insights sobre a
disposição do material, o qual afeta o conteúdo de todo o trabalho (MILLS, 1982). A
categorização é para mim um dos momentos em que temos que ter mais sensibilidade e
coerência, pois demanda “recortar” as falas dos sujeitos, que são seres completos. Foi, por
isso, um momento difícil e demorado, pois nem a vida, nem as histórias são lineares. Os
sujeitos são múltiplos, por isso, estão imbricados simultaneamente em diferentes papéis
sociais, tais como de estudantes, trabalhadores/as, jovens, filhos/as, mães e pais. Ademais, são
interseccionados/as por suas condições identitárias, tais como: raça, gênero, orientação sexual.
Por esse motivo, o desafio da escrita foi capturar os percursos de individuação de “um
sujeito” em suas múltiplas experiências. Ou seja, entender as singularidades dos modos de
vida dos/as jovens, mas sempre articuladas às suas condições de existência e dentro de um
contexto social.
Tendo em mão o material empírico, optei pela análise de conteúdo, por ser um
conjunto de técnicas investigativas de dados qualitativos que contribuem de forma mais
significativa para a pesquisa, possibilitando indagar sobre o conteúdo e aquilo que está por
trás das palavras ditas (MINAYO, 2004). De resto, possibilita “articular a superfície dos
textos descritos analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis
psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem” (MINAYO,
2004, p. 203). Como afirma Laurence Bardin (1997, p. 30), “é um método muito empírico,
dependente do tipo de fala a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como
objetivo”. Logo, a análise de conteúdo possibilita considerar as próprias palavras e os modos
de falar dos/as jovens, utilizando as entrevistas como um instrumento analítico. Isto significa
dizer que o “trabalho analítico nem implicava a simples reprodução dos depoimentos como se
fosse a análise propriamente dita, nem apenas a retirada de trechos de entrevistas que fossem
considerados ilustrativos para uma argumentação já fechada” (Maria CORROCHANO, 2008,
p. 123).
Com a categorização do material empírico e a definição do tipo de análise, iniciei a
escrita dos capítulos, mas reforço que escrever foi um exercício que perpassou todo o
processo do doutorado. Aprendi com o meu orientador a anotar “as palavras que voam”, ou
seja, ideias que aparecem em momentos que extrapolam o “tempo de construção da tese”, mas
que são essenciais para a composição do “artesanato intelectual”. Fiz várias anotações num
pequenino bloquinho, que era meu companheiro de bolso, em roda de amigos/as, em
seminários, congressos, aulas, no café, no momento de dormir, no ônibus e etc. Esse
58

bloquinho me acompanhou! Meus escritos também foram feitos no “caderno de orientação”,


no qual anotava todas as ocasiões de orientação para a escrita da tese e, posteriormente, os
elementos principais das gravações que fazia disso. Também os escritos do “caderno de
campo” foram especiais, pois neles, além da descrição das entrevistas, escrevia minhas
sensações, angústias e desejos de falas que foram, muitas vezes, silenciadas pelo contexto de
entrevista, como comentei anteriormente. Por último, alguns fragmentos de análise de
entrevistas, cujas gravações ouvi muitas vezes, ideias soltas e possibilidades de análise.
O momento crucial de escrita aconteceu quando meu orientador pediu para eu fazer o
primeiro sumário comentado, ou seja, escrever os possíveis capítulos e tópicos da tese,
justificando o motivo das escolhas. Considero que é um momento rico e de muito
aprendizado, pois é possível visualizar os caminhos pretendidos e se ter ideia do todo. Sempre
digo a ele o quanto é pertinente e preciosa essa orientação!
Escrever, para mim, é um grande prazer, mas sempre me questionava se o que eu
estava escrevendo “tinha cara de tese”, pois a minha sensação era que “quanto mais a
preparava, mais inacabada ficava. Inacabada e inacabável”, a mesma sensação de Fernando
Pessoa ao escrever o “Livro do Desassossego” (2006). Pode parecer contraditório, mas me
indicaram esse livro para ler e sossegar-me, nos intervalos de leitura e escrita. Fato é que o
livro me “sossegou”, junto com outros mais que compuseram minha estante de livros
literários. Ler literatura em meio às leituras de textos acadêmicos foi uma dica preciosa da
professora Teixeira (2015), ao citar que precisávamos escrever teses “menos duras e mais
poéticas”, e de minha amiga e professora, Álida Leal, ao me ensinar que “descansar” lendo
literatura é inspirador e renovador.
Assim como no mestrado, meu momento de escrita era cheio de rituais: “ter relido
todos os fichamentos e/ou anotações da temática sobre a qual eu escreveria, estar com todas
as minhas outras atividades em dia, para conseguir concentrar e estar em um ambiente bem
silencioso” (NONATO, 2013, p. 27). A diferença do momento de escrita do mestrado para
doutorado é que, no último, eu trabalhava oito horas diárias, assim, meu tempo de dedicação
era muito “contado”, o que era muito desafiador, pois meus “rituais de escrita” envolviam,
primeiramente, um pouco de procrastinação até, de fato, iniciar os escritos. Devido a isso,
como estratégia, fiz a negociação de trabalhar 12 horas seguidas em alguns dias, para poder
folgar em outros, e me deleitar com um dia inteiro escrevendo.
Outro desafio do momento da escrita foi “fazer escolhas”, pois tínhamos um material
empírico muito rico, denso e extenso, mas, como parte do “artesanato intelectual”, foi mister
59

fazer recortes30 e até mesmo exclusões de dados empíricos (entrevistas narrativas e


semiestruturadas) de dois jovens, como já citamos. Isso porque, de um lado, nos
preocupávamos com a extensão do trabalho, mas, especialmente, porque, tendo em vista a
“ética do desconforto”, que desde o início buscamos desenvolver, era preciso “garantir a
riqueza dos detalhes que mantem a fidelidade do texto [...]” mantendo ao mesmo “tempo uma
vigilância constante aos limites éticos de sua ousadia” (Cláudia FONSECA, 2010, p. 213).
Enfatizamos que esse foi o maior desafio, pois, mais que atender às demandas da pesquisa,
primávamos pelo respeito aos/as interlocutores/as. Deste modo, consideramos que algumas
narrativas, por mais que estivessem em total consonância com o problema de pesquisa, não
poderiam compor as reflexões, pois, eticamente, num momento de devolução do trabalho,
bem como de divulgação dos dados, poderia trazer repercussões para os/as jovens. Afinal, não
temos controle sobre as formas de leitura e as possíveis consequências de uma pesquisa.
Gostaria de trazer para esse texto todos os encontros e desencontros com os aportes
teóricos, as mudanças, as inserções, pois todos são parte do processo de construção
teórico/metodológico, mas isso tomaria muitas páginas mais. Enfatizo que tive a oportunidade
de encontrar e conversar pessoalmente com algumas de minhas referências, que são seres
humanos vivos e sensíveis. Entre elas, meu orientador, Juarez Dayrell, minha coorientadora,
Maria Carla Corrochano, além de Bréscia Nonato, Geraldo Leão, Inês Teixeira, Miguel
Arroyo, Nadya Guimarães, Danilo Martuccelli, Juliana Reis, Álida Leal, dentre outros/as.

2.4 Tecendo e compondo o artesanato: a forma de apresentação das entrevistas

A forma de apresentação dos dados empíricos foi para nós um dos exercícios de
“imaginação sociológica” mais desafiadores. Como enfatiza Mills (1982), a organização do
material pode tanto alterar significativamente o conteúdo quanto silenciar os/as
interlocutores/as. Ao mesmo tempo, fazemos uma analogia às explicitações de Guimarães
Rosa (2001), em seu idílico livro “Grande Sertão: Veredas”, acerca da vida, para dizer da
importância desse momento. O autor afirma: “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Foram várias
tentativas de arranjos, que “esquentavam e esfriavam”, pois, quando achávamos que eles
tinham uma disposição interessante, várias questões nos desinquietavam novamente e nos
mostravam que não seria o melhor caminho. É necessário coragem para não acomodar nas

30
Optamos, por uma questão de foco, em não inserir na tese as informações referentes à condição juvenil (no
que tange ao lazer) e à sociabilidade, mas estas encontram-se presentes na análise, quando e se necessário.
60

primeiras tentativas de construção, especialmente quando chegamos num momento em que


parece que os objetivos da pesquisa serão alcançados.
A primeira tentativa de organização dos dados, tendo como base o esboço do sumário,
foi o agrupamento dos/as jovens pelas condições no mundo do trabalho. Isso porque tínhamos
jovens em diferentes situações, desde empregados/as, trabalhando com “bicos”,
desenvolvendo trabalhos domésticos, a desempregados/as tanto com um período curto quanto
com um período mais longo de desemprego. Porém, já no momento da sistematização,
percebemos que essa disposição limitaria a enxergar os percursos singulares dos/as jovens.
Outra tentativa foi a organização a partir das narrativas dos/as jovens acerca do
trabalho. Inspirados/as em Corrochano (2008) e Gisela Tartuce (2010), construímos as
chamadas configurações, tendo como base o conceito de configuração de Norbert Elias
(1980). Dividiríamos em quatro configurações, quais sejam: “experiências de trabalho
possíveis”; “sem estudos e sem trabalho”; “agora é trabalho de verdade” e “desemprego
temporário e permanente”. Essa tentativa nos “esquentou e sossegou”, pois pareceria ser uma
boa estratégia. Organizei as narrativas a partir dessa possibilidade e iniciei a escrita da
primeira configuração. Não obstante, paralelamente ao meu início de escrita, tive o privilégio
de participar do seminário de pesquisa do Observatório da Juventude (OJ)31. Na apresentação
dos dados, as pessoas questionavam como ficaram a família e a escola nessa organização,
além disso, o professor Geraldo Leão provocou: “Mas, essa jovem Letícia tem narrativa de
trabalho e desemprego. É isso mesmo?” No momento, eu respondi que sim, mas me
“desinquietei” logo das minhas certezas de organização. No dia seguinte, retomei meu
exercício de escrita e me dei conta de que, para esta tese, essa organização não atenderia. Nós
estaríamos fragmentando as narrativas dos sujeitos em temáticas as quais não contribuiriam
para responder às questões centrais da pesquisa. Na dinâmica da vida, os/as jovens tinham
vivenciado situações variadas quanto ao mundo do trabalho e aos processos de escolarização.
Ademais, na 2ª proposta de organização, o contexto familiar não seria contemplado e ele
apareceu de maneira significativa na empiria. Essa ideia de organização teve como pano de
fundo minha visão prévia de que as narrativas eram muito homogêneas. Então, eu não
conseguia pensar nada que não fosse uma sistematização em agrupamentos.

31
O seminário de pesquisa é um momento rico de troca e aprendizados. Espaço em que os/as estudantes de
graduação e/ou pós-graduação apresentam suas pesquisas (em andamento) e os/as integrantes do OJ
apontam reflexões, sugestões, críticas.
61

Diante das significativas contribuições que obtive no seminário de pesquisa do OJ,


percebi a fragilidade do desenho que havia pensado, assim, me permiti distanciar e
posteriormente olhar para os dados recomeçando o artesanato intelectual.
Após o distanciamento dos dados, mergulhei nas narrativas de cada jovem buscando
enxergar suas singularidades. Fiz um “mapa mental” de todos/aseles/as tentando identificar o
eixo central de análise, bem como as temáticas que atravessavam a trajetória de cada um/a.
Percebi, como afirma Martuccelli (2004, p. 303), que os/as jovens tinham muitas
semelhanças, mas a minha “lente” de interpretação estava me impossibilitando enxergar que,
nas narrativas, escondiam-se “uma grande diversidade de estados sociais”. Após muita
reflexão, consegui identificar que cada um/a dos/as jovens, mesmo com condições objetivas
similares, construía enredos e tramas diversos no mundo do trabalho e nos processos de
escolarização. Assim, a partir de capítulos nomeados como cenas sociológicas, optei por
analisar individualmente cada um/a deles/as (com exceção de dois jovens, para os quais fiz a
opção de agrupar suas cenas) sublinhando suas narrativas biográficas e dando ênfase a
elementos diferentes dos seus percursos laborais e de escolarização, apreendidos nas
entrevistas narrativas, como veremos.

***
Por fim, citamos um procedimento muito rico que deveria fazer parte da pesquisa, bem
como ser comprovada à pós-graduação, quando da entrega de materiais, após a defesa da tese.
Estamos nos referindo à devolução dos resultados aos/as interlocutores/as e a todos/as
àqueles/as que estiveram diretamente envolvidos/as. Achamos que esse é um procedimento
ético que permite o aumento da confiança entre pesquisador/a e interlocutores/as, mas,
especialmente, um respeito àqueles/as que cedem suas vidas e narrativas a nós,
pesquisadores/as. Como já citei, tenho construído devoluções da pesquisa com os/as jovens,
tais como: envio dos áudios da entrevista e das transcrições, recebimento de retorno sobre a
concordância de utilização das narrativas, após a leitura pelos/as entrevistados/as e conversas
com os/as jovens, a partir das entrevistas. Buscarei, ainda, formas de devolver os resultados
da pesquisa a todos/as os/as jovens, como fiz no mestrado, pois considero que é um direito
dos/as interlocutores/as e um papel importante da pesquisadora. Além disso, a comunicação
dos resultados, não somente para os pares e nos formatos acadêmicos, mas também para os/as
sujeitos, não é somente “representação dos objetos, mas contribui para constituí-los e fazê-los
viver” (MELUCCI, 2005. p. 22).
62

3 OS CAMINHOS TEÓRICOS: PEÇAS BASILARES DO ARTESANATO

Neste capítulo, discorremos sobre as escolhas teóricas sobre as quais alicerçamos a


pesquisa. Iniciamos com uma discussão sobre juventude apontando a construção social e
histórica dessa categoria, articulada ao conceito de interseccionalidade. Na sequência
trazemos o debate sobre a escolarização, com ênfase na expansão do ensino médio e nas
políticas de democratização do acesso para o ensino superior. Depois refletimos brevemente
sobre o conceito de trabalho como uma relação social fundamental dos homens e das
mulheres entre si e dos homens e das mulheres com a natureza, que se modifica
historicamente. Ainda nesta discussão buscamos trazer algumas das mudanças do cenário do
mercado de trabalho ao longo dos anos. Por fim, abordamos a discussão sobre “sociologia(s)
do indivíduo”, enfatizando o conceito de individuação. Neste momento trata-se de uma breve
discussão, já que posteriormente esses conceitos serão articulados aos dados empíricos.

3.1 A juventude como construção social e histórica e os/as jovens a partir de um olhar
interseccionado

Os/as sujeitos interlocutores/as desta pesquisa são jovens, sendo, portanto, a discussão
da categoria juventude fundamental para nossas análises.
A juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e uma representação (Angelina
PERALVA, 1997; Nilma GOMES; DAYRELL, 2004), sendo complexo defini-la em um
único conceito. Como afirma Dayrell (2005, p. 9), nas representações da sociedade, a
juventude é vista como “um grupo dotado de interesses comuns, os quais se referem a uma
determinada faixa etária”, assumindo, assim, um caráter homogêneo. Ao contrário de tais
representações, podemos dizer que a juventude, enquanto condição social, se expressa através
das transformações físicas, psicológicas e biológicas que ocorrem a partir de uma determinada
faixa etária, mas não se resumem nesses sinais. Como bem evidenciado por Mario Margulis e
Marcelo Urresti,

a juventud, como toda categoría socialmente constituida, que alude a


fenómenos existentes, tiene una dimensión simbólica, pero también debe ser
analizada desde otras dimensiones: se debe atender a los aspectos fácticos,
materiales, históricos y políticos en que toda producción social se
desenvuelve (MARGULIS; URRESTI, 1998, p. 17).

Corroborando as ideias de Margulis e Urresti, sendo a juventude uma construção


social, os/as jovens que compõem a juventude são sujeitos concretos, em carne, sangue e
espírito, como salienta Maria Corrochano (2008). Assim, “na realidade, não há tanto uma
63

juventude e sim jovens enquanto sujeitos que a experimentam e sentem segundo determinado
contexto sociocultural onde se inserem” (DAYRELL, 2007, p. 4).
Considerar a juventude como uma construção social e histórica não significa ignorar a
dimensão etária dessa etapa da vida, pois “a definição de ser jovem através de uma idade é
uma maneira de se definir o universo de sujeitos que habitaram o tempo da juventude”
(DAYRELL; Paulo CARRANO, 2014, p. 110).
No Brasil, assim como em alguns outros países da América Latina32, as pessoas jovens
são aquelas com idade entre 15 e 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juventude (BRASIL,
2013). Cabe ressaltar que a faixa etária é um critério variável, conforme o país, ratificando as
reflexões acerca da juventude como uma construção social e cultural. Ainda no Brasil, pode-
se dizer que o reconhecimento institucional da juventude e a definição do seu recorte temporal
representa uma conquista. No ano de 2010, foi aprovada a Emenda Constitucional de número
6533 que garante a inserção do termo jovem no capítulo VII da Constituição e estabelece o
Estatuto da Juventude para regular os direitos dos/as jovens. Tendo em vista a faixa etária de
15 a 29 anos, temos no Brasil uma população de jovens de aproximadamente 51,3 milhões, ou
seja, os/as jovens representavam um quarto da população total do país, de acordo com o
Censo 2010. Porém, esses/as jovens fazem parte de um contingente populacional que, desde
1999, tem diminuído. Em 2005, a taxa de jovens de 15 a 29 anos era de 27,4% da população
e, em 2015, o número caiu para 23,6%. Ao contrário, tem-se um aumento da população
adulta, de 30 a 59 anos ‒ que, em 2005, era de 36,2% e foi para 41,0% em 2015 – e da
população de 60 anos ou mais, de 9,8% para 14,3%. De acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD, 2016), tal queda se justifica pela diminuição da
fecundidade34 e aumento da expectativa de vida da população, especialmente idosa. No
gráfico a seguir, a partir de dados do IBGE (2004), é possível visualizar a tendência de queda

32
A definição do Brasil se iguala a mais oito países da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, México,
Panamá, Paraguai e Peru). Em países da América Central, os jovens são aqueles com idade de 15 a 24 anos
(Anguila, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados (também 15 a 29 anos), Belize, Dominica, Granada,
Guiana, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, San kitts e Nevis, San Vicente e Santa
Lucia, Trindade e Tobago), de 15 a 30 anos (Cuba) e de 15 a 35 anos (República Dominicana). Embora a
maioria dos países da América Latina considere que a faixa etária inicial para juventude é de 15 anos, alguns
países se diferem, tais como: Colômbia (14 a 26 anos), Costa Rica (12 a 35 anos), Guatemala (14 a 30 anos),
Honduras (12 a 30 anos), Jamaica (14 a 24 anos), México (12 a 29 anos), Uruguai (14 a 25 anos) e
Venezuela (18 a 28 anos). Costa Rica é o país em que a juventude é mais estendida, contemplando 23 anos.
Por outro lado, a Venezuela contempla o menor período, de 10 anos (Dina KRAUSKOPF, 2017).
33
Aprovada em 13 de julho de 2010, com o apelido de PEC da Juventude, a Emenda Constitucional nº 65
altera a denominação do capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227, para
cuidar dos interesses da juventude.
34
A taxa de fecundidade no Brasil passou de 2,09 filhos por mulher, em 2005, para 1,72 em 2015, o que
representa uma queda de 17,7% (PNAD, 2016).
64

da população de jovens (15 a 29 anos) e o aumento da população nas faixas etárias de 30 a 59


anos e acima de 60 anos.

Gráfico 1 – Projeção da população brasileira por grupos etários selecionados (1980 - 2050)

Embora não seja o único elemento importante para compreendermos a juventude, é a


partir da faixa etária que as políticas públicas são pensadas e desenvolvidas. Além disso, nas
pesquisas demográficas, a população também é calculada a partir da dimensão etária (Paul
SINGER, 2007; CARRANO, 2008). É interessante pontuar que, em se tratando de políticas
públicas, alguns estudos, como o do IPEA (2008), tendem a desenvolver suas análises
considerando a juventude subdividida em subgrupos, cada qual com a sua especificidade:
jovem adolescente (dos 15 aos 17 anos), jovem jovem (dos 18 aos 24 anos) e jovem adulto
(que abarca os sujeitos de 25 a 29 anos). Assim, se consideramos os/as jovens
interlocutores/as desta pesquisa, eles/as estão inseridos na faixa jovem jovem. Concordamos
com tal classificação, considerando que, em cada faixa etária, temos singularidades nos
modos de ser jovem, o que não significa também uma homogeneidade dentro da mesma faixa
etária.
Dessa maneira, Carrano (2000) salienta que socialmente as “idades” representam um
marco para estudos estatísticos, orientam a definição de faixas para a escolarização
obrigatória, compõem a atribuição de idade mínima para a responsabilização penal e o início
legalizado no mundo do trabalho, etc., mas ressalta que as idades não abarcam toda a
complexidade da juventude. Helena Abramo (2005) ratifica que não devemos considerar a
juventude somente a partir de uma visão cronológica, enfatizando a necessidade de
relativizarmos tais marcos, pois os sujeitos vivenciam trajetórias diferenciadas, ainda que
estejam com a mesma idade.
65

Guita Debert (2010) defende que as idades são uma dimensão essencial para a
organização social e que desta forma dificilmente rupturas de paradigmas aconteceriam sem
uma nova “cronologização da vida”, pois fazem parte da definição do status de uma pessoa.
No entanto, ressalta que a flexibilização dos parâmetros “do que seriam os comportamentos
adequados e direitos e deveres próprios a cada faixa etária é, contudo, acompanhada da
transformação das idades num laço simbólico privilegiado para a constituição de atores
políticos e redefinição de mercados de consumo” (idem, p. 61). Logo, a autora ressalta que
não podemos enquadrar os/as jovens somente em marcos etários, pois a juventude, assim
como o processo de transição para a vida adulta, é marcada por idas e vindas. A autora, ao
citar o processo de descronologização, explicita que as experiências dos/as jovens não se
ajustam a um modelo de trajetória linear.
Ainda neste debate, Margulis e Urresti (1996) afirmam que a juventude pode ser
pensada como um período da vida em que se tem um excedente temporal, tendo “mais
possibilidade de ser jovem todo aquele que possua este capital temporal como condição geral”
(idem, p. 5). Os autores chamam esse excedente de “moratória vital”. Porém, essa
potencialidade energética, se realiza nas relações sociais. Assim, “o exercício das
possibilidades abertas pela moratória vital [...] vê alteradas sua capacidade de expressão e de
realização, dependendo da posição social ocupada pelo sujeito” (Mônica PEREGRINO, 2011,
p. 280). Isso significa que os/as jovens vivenciam a moratória vital de maneiras desiguais e/ou
diferentes. A possibilidade de apropriação e uso desse excedente ou “plus” se relaciona a
outra “reserva”, esta de caráter social, uma espécie de crédito, que a sociedade, através de sua
rede de instituições, oferece a alguns/algumas jovens. Esse crédito é intitulado por Margulis e
Urresti (1996), como “moratória social”. Concordamos, então, com Peregrino (2011) que
moratória social faz referência a “um tempo doado” pela sociedade para que os/as jovens
experimentem a juventude.
Diante da complexidade da categoria juventude, Dayrell (2007) constrói uma reflexão
a partir da ideia de “condição juvenil”, considerando especialmente duas dimensões:

ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento


da vida, no contexto de uma dimensão histórico-geracional, mas também à
sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos
diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia, etc.
(DAYRELL, 2007, p. 05).
66

A contribuição do autor dialoga com as reflexões de diferentes pesquisadores/as 35 do


campo da Sociologia da Juventude que postulam que são múltiplas as possibilidades de se
vivenciar essa fase da vida. Como ressalta Geraldo Leão (2011):

A juventude, como categoria de análise, é uma construção histórica e social


na qual se cruzam as diversas posições sociais ocupadas pelos sujeitos e seu
grupo de origem, as representações sociais dominantes em um dado
contexto, as culturas juvenis, as experiências e as práticas produzidas pelos
jovens. Não se pode, portanto, falar de uma juventude universal, mas em
jovens que vivem e compartilham experiências a partir de contextos sociais
específicos. O conceito de condição juvenil é importante para se
compreender os jovens a partir de sua posição na estrutura social, mas
também a partir dos elementos comuns à experiência juvenil nas sociedades
contemporâneas, do modo como essa sociedade representa e desenvolve
políticas e ações voltadas a eles (LEÃO, 2011, p. 101/102).

A partir das considerações do autor, é possível afirmar que existam juventudes, no


plural, visto que a experiência juvenil é marcada pelo pertencimento sociocultural dos
sujeitos. Concordando com os/as autores/as optamos por tecer um olhar acerca dos/as jovens a
partir da ótica da diversidade. Isso porque, as condições sociais (classe, local de moradia),
culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e os pertencimentos identitários (raça,
gênero) alteram significativamente os modos de se vivenciar a juventude. Neste sentido, como
pontua Abramo (2005), mais que questionar sobre as possibilidades e impossibilidades de se
viver a juventude, “a reflexão deve se pautar sobre os diferentes modos como tal condição é
ou pode ser vivida” (p. 44). Assim, embora todos/as jovens dessa pesquisa sejam jovens
pobres, consideramos que exista uma pluralidade nos modos de vivenciar a juventude. É com
este olhar que buscaremos compreender os sujeitos jovens desta pesquisa nas suas relações
com a família, com os processos escolares e com o trabalho. Articulado à noção de juventude
na ótica da diversidade, consideramos também pertinente um olhar interseccional para com
os/as jovens, tendo em vista que a intersecção de diferentes condições existenciais adensa
ainda mais as análises sobre os diferentes modos de vivenciar a juventude.
O conceito de interseccionalidade foi construído nas décadas de 1970 e 1980, por
feministas negras norte-americanas que buscavam contestar o universalismo da categoria
“mulher”. O questionamento teve como mote a reflexão que as mulheres brancas de classe
média não representavam o movimento feminista como um todo, pois as formas de opressão
vividas por elas seriam diferentes daquelas sofridas por mulheres negras, por exemplo. Assim,
as feministas buscaram problematizar como as identidades de gênero, classe e raça

35
Cf. Marília SPOSITO, 2003, 2005; Ana CORTI, 2004; ABRAMO H., 2008; CARRANO 2000, 2008;
DAYRELL, 2001, 2007; LEÃO, 2004, 2011; NONATO, 2013.
67

combinadas tendiam a ditar as regras do lugar da mulher na sociedade36. Nesta perspectiva,


Kimberlé Crenshaw (2002) evidencia que o conceito é utilizado para referir-se à intersecção
de identidades sociais e sistemas correlacionados de opressão e exclusão:

A associação de sistemas múltiplos de subordinação tem sido descrita de


vários modos: discriminação composta, cargas múltiplas, ou como dupla ou
tripla discriminação. A interseccionalidade é uma conceituação do problema
que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação
entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma
pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas
discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSHAW, 2002, p.
177).

A metáfora da intersecção contribui para refletirmos que não há singularidade de uma


identidade, pois as identidades se inter-relacionam, contribuindo para um sistema de opressão
que expressa o “cruzamento” de múltiplas formas de discriminação. A autora reforça a
importância da metáfora ressaltando que a mesma contribui para uma analogia em que vários
eixos de poder, quais sejam, raça, etnia, gênero e classe “constituem avenidas que estruturam
os terrenos sociais, econômicos e políticos. É através delas que as dinâmicas do
desempoderamento se movem” (CRENSHAW, 2002, p. 177). Podemos afirmar, com Helena
Hirata (2014), que a teoria da interseccionalidade visa “apreender a complexidade das
identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado” (HIRATA,
2014, p. 62-63).
Diante do exposto na presente pesquisa, buscamos enxergar os/as jovens tanto na ótica
da diversidade quanto da interseccionalidade, levando em conta que os sujeitos interlocutores
estão inseridos em tramas bastante complexas em que se entrecruzam classe, gênero e raça,
especialmente.
O perfil dos/as jovens, como abordaremos no próximo capítulo, relaciona diferentes
marcadores. O primeiro37 deles é o pertencimento de classe, pois são jovens pobres. Sabemos
da complexidade do debate em torno do conceito de classes sociais, o que foge aos limites
desta pesquisa, mas optamos por explicitar os diferentes fatores que contribuem para
evidenciar o lugar sociocultural dos/as jovens, tais como: baixa escolaridade das mães e pais,
inserções em ocupações consideradas de baixo prestígio social e uma renda familiar também
baixa, o que se relaciona com os níveis de escolarização e espaço de trabalho. O fato de serem
jovens pobres repercute diretamente nos acessos que eles têm, considerando-se que o capital

36
Cf. Kimberlé CRENSHAW, 2002; Júlio SIMÕES; Sérgio CARRARA, 2014; Joaze COSTA, 2015.
37
Salientamos que a ordenação não significa uma hierarquia entre as condições sociais e identitárias.
68

econômico seja um elemento significativo do “campo de possibilidades” que se refere ao


contexto social, econômico e cultural no qual o/a jovem está inserido/a, o que, por sua vez,
limita ou potencializa suas possibilidades de experiências e aponta os limites e ou as
alternativas possíveis de serem sonhadas e desejadas, individual ou coletivamente (Gilberto
VELHO, 1987).
O segundo ponto se refere à condição racial dos/as jovens. Somando-se os percentuais
(pretos/as e pardos/as)38, temos 79,9% de jovens negros/as como interlocutores/as da
pesquisa. Cabe ressaltar que, se biológica e cientificamente, as raças não existam, nossa
discussão sobre a dimensão racial se alicerça na construção social do conceito. O termo raça é
uma “categoria social de dominação e de exclusão” (GUIMARÃES, 2003, p. 4), uma vez que
somos socializados/as naturalizando as hierarquizações que fazemos entre negros/as e
brancos/as, nas diferentes relações sociais que desenvolvemos. Isso é, raça atualmente se
refere a algo que “orienta e ordena o discurso sobre a vida social” (idem). Pensar o/a jovem na
intersecção com sua condição racial é importante, pois a realidade negra é atravessada por
desigualdades na educação, no trabalho, no acesso à saúde e a bens culturais, embora ainda se
tenha presente uma representação social sobre a democracia racial Brasil (MUNANGA,
Kabengele, 2004; GOMES, 2004, 2006; Marcelo PAIXÃO; Luiz CARVANO, 2008).
O terceiro ponto é a condição de gênero dos/as jovens. Temos mais de 60% de jovens
que biologicamente se identificaram como homens39, o que já demarca uma diferença que diz
respeito à época que os/as jovens eram trabalhadores/as da CVB40. Optamos por trabalhar com
o conceito de gênero, pois ele contribui para atribuir um caráter social às relações entre os
sexos, em oposição somente à dimensão biológica. Segundo Joan Scott (1995), gênero é “um
elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e
como “uma forma primária de dar significados às relações de poder” (p. 86). Desta maneira,
salientamos que o gênero, assim como a juventude, é uma construção social que dialoga com

38
A junção de pretos e pardos se baseia em estudos de pesquisas demográficas oficiais do Brasil,
embasamento empírico e estatístico consistente. Segundo Paixão e Carvano (2008), se justifica, pois: I) há
usual proximidade dos indicadores sociais dessas duas populações, tal como já descrito por uma vasta
literatura que trata do tema das relações raciais; II) esta aproximação só se torna compreensível pelo fato de
que os pardos, apesar de não apresentarem uma identidade negra, são assim identificados e discriminados
pelos demais contingentes, sendo, portanto, sujeitos às mesmas barreiras de realização socioeconômica que
os de cor ou raça preta; III) existência de uma perspectiva política no movimento negro de entendimento de
que os diversos matizes comportam uma unidade comum; [...] (PAIXÃO; CARVANO, 2008, p. 16).
39
Embora alguns/algumas expuseram orientações sexuais que não apresentam linearidade entre sexo e o
desejo heterossexual.
40
Na pesquisa de mestrado que realizei com os/as jovens, chamei a atenção para a discrepância entre a
contratação entre homens e mulheres, ressaltando que a diferença poderia estar relacionada ao estereótipo de
que certos tipos de atividades sejam para homens e outras para mulheres (NONATO, 2013).
69

as formas de representação da masculinidade e da feminilidade na sociedade. Assim, como


ressalta Guacira Louro (2014), “é a forma como essas características são representadas ou
valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é
feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico” (LOURO,
2014, p. 25).
Nesta perspectiva, na análise que faremos, será possível denotar “formas pelas quais o
gênero intersecta-se com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas
intersecções contribuem para a vulnerabilidade” das mulheres (CRENSHAW, 2002, p. 174).
Abordaremos nesta pesquisa três dimensões importantes que fazem parte da construção
identitária dos/as jovens: classe, raça e gênero, buscando analisá-las de forma
interseccionadas. O que significa ser um/a jovem pobre negro/a homem/mulher, por exemplo?
A partir das narrativas dos/as jovens, será possível trazer à tona questões relacionadas a cada
uma dessas dimensões. Cabe salientar que nossa análise, ora privilegiará uma, ora outra
intersecção, de acordo com o contexto.
É com este olhar interseccionado que buscaremos analisar os diferentes modos dos
sujeitos investigados vivenciarem a juventude na sua articulação com as dimensões da
família, escola e trabalho. Lembrando que:

ser jovem é ocupar uma posição singular, possibilitada pela escola nas
sociedades modernas e urbanas, que aparta o jovem da sociedade livrando-o
temporariamente das responsabilidades da vida adulta. Ocorre, porém, que
ao fazê-lo, este é segregado também dos “jogos sociais de poder” [...].
(PEREGRINO, 2011, p. 282)

Entretanto, a “suspensão do jogo” não acontece da mesma forma para todos/as. Os/As
jovens interlocutores/as desta pesquisa são ex-trabalhadores/as da CVB e continuam, em sua
maioria, trabalhadores/as, ou seja, já participaram e participam no jogo de poder do mundo de
trabalho, vivenciaram/vivenciam a condição de estudante e trabalhador/a, estando em meio ao
jogo da conciliação entre trabalho e escolarização. São, em sua maioria, jovens pobres e
negros/as, participando do jogo da exclusão, desigualdades e violação de direitos.
Nesse contexto, buscaremos, ao longo desta análise, articular os marcadores
identitários e estruturais às experiências dos/as jovens no campo do trabalho e da
escolarização levando em conta também a relação da família nesses processos.
70

3.2 Juventudes e processos de escolarização

Analisar a pluralidade de modos de vivenciar a juventude significa atentar, também,


para as diferentes instâncias socializadoras das quais os/as jovens fazem parte. Embora
saibamos que os/as jovens estão “expostos a universos sociais diferenciados, a laços
fragmentados, a espaços de socialização múltiplos, heterogêneos e concorrentes, sendo
produtos de múltiplos processos de socialização” (DAYRELL, 2007, p. 1114), consideramos
que a escola é um espaço/tempo privilegiado de vivências da “condição juvenil”, pois faz
parte da trajetória da maior parte dos/as jovens.
No Brasil, até um tempo atrás, as escolas públicas, especialmente de ensino médio,
estavam restritas aos/as jovens da classe média e da elite brasileira. Somente na década de 90
aconteceu o processo de expansão deste nível de ensino. Marília Sposito e Izabel Galvão
(2004) relacionaram o processo de massificação da educação no país com os contextos da
redemocratização, acelerada urbanização e a exigência de maior escolaridade para o mercado
de trabalho. Ademais, pontuam uma concepção ampla de educação como processo de
formação humana e a afirmação em textos legais da educação escolar como um direito de
crianças e jovens (Constituição Federal de 1988)41. Esse quadro culminou na ampliação das
vagas nas escolas de educação básica, principalmente nas escolas de nível fundamental. É a
partir da universalização dessa fase do ensino que se percebe uma maior pressão sobre o
sistema educacional, para que também o ensino médio se tornasse um direito de todos/as.
Ante ao processo de expansão educacional, Sposito (2005) ressalta que aconteceu um
movimento de reordenação do sistema educativo, construído em ambos os governos de
Fernando Henrique Cardoso, na década de 90, relacionados ao financiamento do ensino
público, que, por sua vez, produziram transformações curriculares e medidas de correção de
fluxo. Segundo a autora, devido a tais questões,

[...] muitos estudos de políticas públicas da área de educação concluem, com


razão, que se tratou de uma oferta desprovida de qualidade e de condições
materiais e humanas de funcionamento adequadas para as unidades
escolares, atingindo a escola pública, única modalidade de acesso à educação
escolar para a maioria dos jovens brasileiros (SPOSITO, 2005, p. 97).
41
Articulada à necessidade de uma nova sociedade, ainda em transformação, a Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 208, inciso II, ao estabelecer como dever do Estado a progressiva expansão desse nível de
ensino, diz respeito ao reconhecimento da importância do ensino médio para a formação dos/as
brasileiros/as. Em 1996, por meio de Emenda Constitucional, este dever foi ampliado, exigindo-se a
universalização do ensino médio, ou seja, este nível de ensino passou a ser um direito de todos/as os/as
cidadãos/ãs. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96), o ensino médio é definido
como a etapa final da escolarização básica e possui, dentre outras finalidades, “a preparação básica para o
trabalho e cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade as novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996).
71

A falta de qualidade da expansão do ensino, especialmente do ensino médio, é


reforçada por análises que apontam que o aumento da oferta de vagas não foi devidamente
acompanhado por um controle da qualidade, o que gerou crescentes níveis de repetência e
avaliações negativas sobre os conhecimentos adquiridos (Miriam ABRAMOVAY et al.
2002). Neste sentido, Jamil Cury (2008) enfatiza que os avanços quantitativos do processo de
expansão da educação pública podem ser lidos como “inclusão excludente”: “a face manifesta
dessa inclusão excludente é a privação de determinados direitos e bens sociais para ser, ao
mesmo tempo, precariamente incluído em outras dimensões da produção da existência social”
(CURY, 2008, p. 215). Apontamos que esses aspectos da falta de qualidade nesse momento
histórico tendem a se alongar até o contexto atual, mas ressaltamos a complexidade da
reflexão acerca da qualidade do ensino, pois envolve fatores estruturais e conjunturais.
Neste cenário de baixa qualidade, ocorreu a ampliação do ensino médio gerando uma
modificação do público mais homogêneo que o frequentava até então. O/A jovem que passou
a se inserir no ensino médio apresentava uma diversidade de habilidades, conhecimentos,
repertórios culturais e projetos de vida, o que fez com que a escola ganhasse novos sentidos
na atualidade. O ensino médio que, há décadas, era considerado como uma antessala dos
estudos universitários e, como tal, estava reservado aos/as filhos das classes dominantes,
tornou-se o nível de ensino “final” para a maioria da população (SPOSITO; Raquel SOUZA,
2014), o que se alterou com o recente cenário de ampliação doensino superior, pois a
continuidade pós-ensino médio passou a compor os sonhos e projetos de vida de muitos/as
jovens, especialmente de camadas populares que sequer sonhavam com essa possibilidade.
Os/As jovens interlocutores/as desta pesquisa, por exemplo, nasceram em meados da
década 1990, quando as “portas” do ensino médio já estavam abertas para eles/as. Ao
contrário dos seus pais que não conseguiram, em sua maioria, acessar esse nível de ensino.
Para esta geração, a ideia de que a escola constituiu juventude (Emilio FANFANI, 2000) e/ou
que a escola “faz” juventudes (DAYRELL, 2007) deve ser relativizada, devido ao processo
tardio de expansão educacional. Já para os/as jovens aqui pesquisados/as, a escola pode ser
lida como espaço que “faz/fez” juventudes, principalmente a partir dos resultados da pesquisa
de 2012, quando estes mesmos/as jovens ainda estavam no ensino médio. Ao mesmo tempo, o
trabalho também constituía-se como espaço privilegiado de socialização e de sociabilidade
(NONATO, 2013).
Tal cenário realça que, mesmo em um contexto de ampliação das oportunidades
escolares, o trabalho continua sendo uma categoria significativa para os/as jovens,
especialmente de camadas populares. Ademais, ratifica as várias maneiras de vivenciar a
72

juventude, tendo em vista que ser jovem, estudante e trabalhador/a traz outras nuances para a
condição juvenil. Enfatizamos, porém, que a relação escola e trabalho para segmentos juvenis
é bastante diversa. Estudos mostram que, nos países desenvolvidos, os/as jovens normalmente
ingressam no mercado de trabalho, depois de concluírem a educação formal. Ou seja, fazem
uma trajetória escolar relativamente prolongada (Carlos HASENBALG, 2003). Já nos países
em desenvolvimento, essa relação se manifesta de maneira contrária:

[...] Duas características da transição escola-trabalho no Brasil – bem como


em outros países latino-americanos – dificultam a observação em forma
‘pura’ da relação entre qualificações educacionais e o ponto de entrada no
mundo do trabalho. Essas características são (1) o ingresso precoce no
mercado de trabalho e (2) a conciliação ou superposição de estudo e trabalho
(HASENBALG, 2003, p. 147-148).

Sposito (2005) reforça tais ponderações mostrando que a expansão da escolaridade


dos/as jovens no Brasil não veio acompanhada de um desligamento do mundo do trabalho.
Assim, para boa parcela dos/as jovens brasileiros, “escola e trabalho são projetos que se
superpõem ou poderão sofrer ênfase diversas de acordo com o momento do ciclo de vida e as
condições sociais que lhes permitam viver a condição juvenil” (SPOSITO, 2005, p. 106).
Ambas as características dos países em desenvolvimento são vivenciadas pelos/as jovens
desta pesquisa. Todos/as tiveram superposição de trabalho e estudos, conciliaram o ensino
médio e o trabalho na UFMG. Quanto ao ingresso precoce, alguns/algumas começaram a
trabalhar, inclusive antes da idade legalmente permitida.
A conciliação entre trabalho e estudos, necessária para jovens trabalhadores/as que se
tornam estudantes, tende a ocorrer, em sua maioria, no período noturno, como foi o caso
dos/as jovens da presente pesquisa. Peregrino (2009), em análises sobre as pesquisas
realizadas sobre a escola noturna, pondera:

a escola noturna é um espaço carregado de significados, e não nos


furtaremos aqui a expor alguns dos sentidos expressos nestes estudos.
Condição de conciliar trabalho e estudo; esperança de dias melhores; espaço
de socialização; engodo, falácia; instituição de categoria inferior para alunos
trabalhadores excluídos dos processos regulares de escolarização; espaço
propício para produção de novas sociabilidades, são algumas das formas por
que a escola noturna se dá a ver (PEREGRINO, 2009, p. 104).

A autora pontua diferentes sentidos da escola noturna que tendem a dialogar com o
contexto mais amplo dos sentidos da escola. Dentre os sentidos apontados pela autora,
destacamos a ideia da escola como espaço de socialização, se configurando como uma
instância importante nas biografias juvenis. Em segundo lugar, a escola como esperança de
73

dias melhores, ou seja, deposita-se uma confiança na instituição escolar como possibilidade
de construção de projetos de vida e mobilidade social. Mas, Peregrino (2009) também pontua
a escola noturna como espaço de qualidade inferior e espaço dos/as excluídos/as. As
colocações da autora nos levam a questionar: como será que os/as jovens leem as suas
vivências no ensino médio, decorridos 4 ou 5 anos que frequentaram esse nível de ensino?
Quais dimensões eles/elas ressaltam de suas experiências como jovens estudantes? O que
dizem sobre a qualidade da escola e, especialmente da escola noturna, que frequentaram? O
que significou para eles/as conciliar a escola e o trabalho?
Mesmo diante de um cenário de baixa qualidade, a expansão do ensino médio
possibilitou que muitos/as jovens de camadas populares acessassem esse nível de ensino e
concluíssem a educação básica. Não obstante, como salienta Aline Ferreira (2017), o processo
de universalização do ensino médio ainda apresenta desafios consideráveis. Um deles é a
adequação da idade/série dos/as alunos/as cujas taxas de distorção chegam a 30%
(MEC/INEP, 2015). Outro desafio são as taxas de reprovação e evasão escolar. Segundo
dados do Censo escolar 2017, a repetência no primeiro ano do ensino médio, por exemplo,
chega a 15,3%. No que tange à evasão, os dados revelam que 11,2% dos/as alunos/as
matriculados/as evadiram da escola (INEP, 2018).
Os motivos da evasão escolar devem ser lidos em sua complexidade, como apontam
Dayrell e Rodrigo Jesus (2013, 2016) ao estudarem a exclusão dos/as jovens de 15 a 17 anos
no ensino médio. Embora a investigação aponte outras nuances, explicitamos as ponderações
dos autores acerca do peso do contexto socioeconômico e cultural das famílias como um dos
fatores de exclusão social. Outro motivo citado é a falta de sentido na escola, que também foi
evidenciada na pesquisa “os motivos da evasão escolar” (Marcelo NERI, 2008). Dayrell e
Jesus (2016, p. 416) constatam que os/as jovens “não entendem o que está sendo ensinado e a
utilização de adjetivos como chata, enjoativa e maçante foram comuns para expressar o
desânimo de grande parte deles” com relação à escola.
Os/As jovens pesquisados/as, em sua maioria, como veremos no próximo capítulo,
estão acima da média nacional quanto à conclusão do ensino médio. Diante da finalização
dessa etapa, todos/as os/as entrevistados/as (que ainda não se inseriram) desejavam o acesso
ao ensino superior, o que reforça que o ensino médio deixava de ser visto como etapa final de
ensino. Tal mudança se deve tanto à expansão do ensino médio quanto ao processo de
ampliação do ensino superior.
A ampliação do ensino superior no âmbito público e, especialmente, na esfera privada
ocorreu no Brasil a partir de 2004, sendo mais significativo nos dois governos de Luiz Inácio
74

Lula da Silva. Após longo período de estagnação desse nível de ensino que, assim como o
ensino médio, era restrito à elite, a expansão buscou enfrentar o histórico brasileiro de
exclusão do acesso ao ensino superior, respondendo a um duplo desafio:

de um lado, [...]o afunilamento na oferta de vagas nas instituições públicas e


alto valor de mensalidade nas instituições privadas [...]. De outro, a cobrança
do mercado por profissionais qualificados em nível superior, e atendimento a
uma produção cada vez mais dependente de conhecimento e do domínio de
novas técnicas e tecnologias (Erinaldo CARMO et al., 2014, p. 305).

Nesse contexto, a ampliação de novas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)


junto à ampliação de vagas naquelas já existentes e, também, a expansão das instituições
privadas foram realizadas para responder tanto às exigências de mercado quanto à cobrança
da sociedade por “longevidade escolar, entendida aqui como a permanência no sistema
escolar até o ensino superior” (VIANA, 2000, p. 47).
Foram criados programas e políticas de inserção, articulados tanto ao ensino público –
os quais citamos: o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (ReUni)42 e a Universidade Aberta do Brasil (UAB)43 – quanto ao
ensino privado, quais sejam: a ampliação do Financiamento Estudantil (FIES)44 e a criação
Programa Universidade para Todos (ProUni)45. Essa expansão, que aparece em consonância
com o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001‐2010, está também articulada ao crescimento
econômico alcançado pelo Brasil nesse período, como abordaremos.
É importante ressaltar que a expansão do ensino superior, explicitada na proposta do
REUNI, visava à formação cidadã (autônoma, reflexiva e crítica) e à inclusão, via educação
superior (GRUPO ASSESSOR, 2007). Dessa maneira, Antonio Marques e Vera Cepêda

42
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI
(Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007) – tem o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e
permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e
de recursos humanos existentes nas universidades federais (BRASIL, 2007). A meta é dobrar o número de
alunos nos cursos de graduação em dez anos, a partir de 2008.
43
Universidade Aberta do Brasil – UAB (Decreto nº 5.800, de 08 de junho de 2006). É um programa que
busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programa de educação superior, por meio da educação a
distância. A prioridade é oferecer formação inicial a professores em efetivo exercício na educação básica
pública, porém, ainda sem graduação, além de formação continuada àqueles já graduados (BRASIL, 2006).
44
Financiamento Estudantil – FIES- destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores
não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com
regulamentação própria (BRASIL, 2001).
45
É um programa criado pelo Ministério da Educação, em 2004. O Programa Universidade para Todos –
PROUNI (Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005) – é destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e
bolsas de estudo parciais, de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento), para estudantes
de cursos de graduação e sequenciais, de formação específica, em instituições privadas de ensino superior,
com ou sem fins lucrativos (BRASIL, 2005).
75

(2012), salientam que a expansão desse nível de ensino se pautava numa “aposta do lugar
privilegiado da educação como via de desenvolvimento e como ferramenta de inclusão,
redistribuição de capitais (educacionais, empreendedores, simbólicos e legais) e
empoderamento societal” (p. 172). Se, esta era a proposta das universidades públicas, nem
sempre o mesmo acontecia na consequente expansão do ensino superior privado, que ampliou
substancialmente sua atuação, havendo casos de não correspondente qualidade do ensino.
Carmo (2014) pondera que se tratou de um crescimento de quase 74 % no setor
privado, em apenas uma década. Neste sentido, cabe ressaltar que, desde a década de 90,
inclusive nos governos Lula, a ampliação do acesso ao ensino superior se deu, basicamente,
pela ampla autorização de abertura de nova IES privadas, principalmente faculdades.
O ProUni é uma das causas desta ampliação do ensino superior privado46, pois é o
principal meio através do qual a maioria dos/as jovens de camadas populares acessam esse
nível de ensino. O programa possibilita bolsas em instituições privadas, a partir da nota obtida
no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um dos critérios de participação no programa é
ter cursado todo o ensino médio em escola pública ou em escolas particulares na condição de
bolsistas. Cabe ressaltar, ainda, que o ProUni possui políticas de ações afirmativas destinadas
a estudantes pretos/as, pardos/as, indígenas e portadores/as de deficiência.
No âmbito público, explicitamos uma medida que consideramos umas das mais
representativas: a Lei de Cotas (BRASIL, 2012). Ainda no ano de 2004, houve uma
orientação do MEC para que as Instituições Federais de Ensino Superior destinassem pelo
menos 50% de suas vagas para estudantes de escolas públicas e contemplassem cotas para
negros/as e indígenas, de acordo com a composição étnica de cada unidade da Federação.
Contudo, somente em 2012, após uma série de debates, teve-se a aprovação da Lei nº
12.711/2012, que garantia de modo gradual a reserva de 50% das matrículas, por curso e
turno, nas 59 universidades federais e 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, a alunos/as oriundos/as integralmente do ensino médio público, em cursos
regulares ou da Educação de Jovens e Adultos (MEC, 2013), contemplando, ainda, critério
socioeconômico e étnico-racial. A reserva de vagas para estudantes de escola pública,
definida pela Lei 12.711, de 2012, iniciou-se no processo seletivo para ingresso, em 2013, em

46
Como ressalta Wilson Almeida (2012), embora tenhamos críticas ao ProUni, devido a seu caráter
“privatizante” é necessário também considerar as vicissitudes do acesso e permanência de jovens de
camadas populares proveniente do ensino médio público, a pouca permeabilidade do ensino superior público
às demandas de trabalhadores-estudantes que são majoritariamente bolsistas, dentre outras questões
(ALMEIDA, 2012)
76

todas as instituições federais, tendo sido sua implementação concluída apenas no processo
para ingresso em 2016.
Dentre as medidas de acesso ao ensino superior público, chamamos a atenção também
para a implementação do Sistema de Seleção Unificada - SISU. O Sistema foi criado pelo
MEC com o objetivo de democratizar e facilitar o acesso às vagas em instituições públicas. O
SISU é uma plataforma on-line47 que tem a mesmas características da plataforma do ProUni,
em que os/as estudantes que realizaram o Enem podem se inscrever para tentar o ingresso no
ensino superior. Bréscia Nonato (2018) salienta que

o Sisu funciona como uma espécie de leilão, em que os “lances” são as notas
que cada estudante conseguiu no ENEM. Portanto, quanto maior o lance,
isto é, quanto maior a nota do ENEM, mais chances de se conseguir a vaga
em uma Universidade pública. Isso porque, durante as edições que ocorrem
diariamente, o sistema gera um ranking classificatório que permite ao
candidato verificar a nota de corte e sua posição48 no curso escolhido e, caso
desejado, alterar sua escolha para um curso ou Universidade que esteja
condizente com sua nota. Esse processo é que tem justificado a analogia do
Sisu a um leilão (NONATO, 2018, p. 73-74).

A autora ressalta que o processo de escolha a partir da plataforma do SISU, que é


muito recente, tende a contribuir para mudanças nas escolhas feitas e interfere diretamente
nos projetos de vida dos/as estudantes. Cita, ainda, que a escolha por meio do Sisu, tendo
como base a nota do Enem, recoloca a questão de se saber em que medida o sujeito escolhe,
ou em que medida é “escolhido” por determinado curso49.
É importante ressaltar que as políticas e programas de inserção reconhecem, como
afirma Dubet (2015), que a origem social e os recursos financeiros dos quais o indivíduo
dispõe têm influência direta na possibilidade de acesso ao ensino superior. Ademais, assentem
que a dimensão racial, por exemplo, também interfere diretamente no processo de inserção
desse nível de ensino.
Consideramos que, particularmente, a Lei de Cotas e o SISU, mesmo com os seus
limites, são essenciais para reduzirem o “abismo” de inserção no ensino superior público entre
aqueles/as oriundos/as das camadas médias e aqueles/as das camadas populares. Os/As jovens
de camadas populares, sobretudo os/as negros/as, em sua maioria, sequer cogitavam a entrada
47
O sistema apresenta um funcionamento por turnos. Durante o dia, pode-se fazer modificações das escolhas
de cursos e instituições, quantas vezes desejar, e, na madrugada, ele é fechado para edições. Além disso, de
inscrição, seleção e divulgação tem a duração de quatro dias (segunda a quinta feira).
48
Nota de corte é a menor nota para ficar entre os selecionados em um curso, com base no número de vagas e
no total de candidatos. Uma vez por dia, o Sisu calcula e divulga a nota de corte para cada curso, em cada
instituição.
49
Cf. NONATO, 2018.
77

nesse nível de ensino, principalmente na universidade pública, devido a uma série de


condicionantes: entrada precoce no mercado de trabalho – que gerava uma conciliação entre
trabalho e educação básica –, limites das condições socioeconômicas, origem familiar,
ausência de reflexões sobre os projetos de vida dos/as jovens e, até mesmo, falta de sentido da
escola, bem como a naturalização de que o ensino superior não fosse para eles/as (NONATO,
2013). Assim, concordamos com Nonato (2018) que salienta que

é sabido que o caminho para uma democratização efetiva e completa será


longo, mas é preciso reconhecer que o Sisu e as cotas alteraram um contexto
que se impunha há décadas na Educação Superior brasileira: O contexto de
flagrante desigualdade em que se realizava o vestibular no Brasil foi
tornando cada vez mais clara a necessidade de fazer avançar a discussão
sobre a Universidade como um espaço que, se não tem necessariamente que
acolher a todos, deve ser ao menos uma opção a qual todos têm o direito de
aspirar (NONATO, 2018, p. 79).

Vis-à-vis, reforçamos que as políticas educacionais voltadas para democratização do


acesso aos diferentes níveis de ensino são essenciais e já têm produzido mudanças do perfil de
estudante do ensino superior. Mas, é importante enfatizar, que tais medidas isoladamente não
serão suficientes para democratizar a educação, pois:

as desigualdades educacionais se inter-relacionam com as desigualdades


sociais e, para que haja, de fato, grande mudança, essas últimas precisariam
ser alteradas. O primeiro passo, de qualquer forma, é a análise cuidadosa da
relação entre essas políticas e as desigualdades sociais (NONATO, 2018, p.
275).

Por último, consideramos que o contexto de ampliação do ensino médio e a criação de


políticas de democratização do acesso ao ensino superior produzem novos discursos e alteram
as realidades quanto à “longevidade escolar”. Neste contexto, buscaremos, na análise,
compreender melhor em que medida o desejo pelo ensino superior faz parte das vivências
dos/as jovens pesquisados/as, bem como a forma como cada um/a deles/as lida com esse
processo, discutindo até que ponto as políticas de democratização têm chegado aos/às jovens
da presente pesquisa.

3.3 Breves apontamentos sobre trabalho, emprego e desemprego

O entendimento dos percursos de individuação dos/as jovens interlocutores/as desta


pesquisa demanda discutir uma determinada compreensão acerca do trabalho bem como as
mudanças que vêm acontecendo nesse campo. Partimos da ideia de queo trabalho é uma
dimensão central da condição humana. Danilo Martuccelli e Kátia Araujo (2012), ao
78

estudarem as “provas”50 enfrentadas pela população chilena, ressaltam que o trabalho é uma
das “provas sociais mais relevantes” (MARTUCCELLI; ARAUJO, 2012, p. 15). Os autores
salientam que um traço marcante do trabalho como prova é a tendência de apresentar aspectos
comuns em sociedades extremamente diferentes. Neste sentido, Álida Leal (2017) afirma que

o trabalho é um fator de individuação que compõe um eixo crucial para o


estudo da constituição do mundo social, no passado e no presente. O
trabalho atravessa sociedades, espaços, tempos, e grupos sociais dissimiles,
sendo um enfrentamento inevitável por parte do indivíduo. Do trabalho não
se escapa (LEAL, 2017, p. 128).

As contribuições da autora reforçam a importância do trabalho para entendermos que


tipo de indivíduo se fabrica em uma determinada sociedade, especialmente porque o mundo
do trabalho vem se alterando significativamente ao longo das décadas.
Considerando as tendências recentes da ocupação no Brasil, os/as jovens aqui
investigados/as nasceram em um período – década de 1990 – marcado por uma forte
desestruturação do mercado de trabalho, em decorrência de uma série de fatores, dentre os
quais se destacam: as baixas taxas de crescimento econômico, a abertura comercial
desregulada, o forte crescimento da população economicamente ativa (PEA), a abrupta queda
do emprego industrial, a reestruturação produtiva, as privatizações e a terceirização de
atividades (DIEESE, 2012). Como consequência, o período caracterizou-se pela elevação das
taxas de desemprego a patamares nunca vistos no país e pelo crescimento significativo de
formas mais precárias de inserção no mercado de trabalho (Nadya GUIMARÃES, 2004). De
outro lado, o período também assinalou a introdução de uma série de estratégias de
flexibilização das relações trabalhistas, inclusive por meio de mecanismos de remuneração
variável.
Já no início dos anos 2000, e especialmente a partir de 2004, observaram-se alterações
no mercado de trabalho brasileiro, resultado não apenas do crescimento econômico, mas
também de políticas públicas direcionadas para a melhoria das condições de ocupação
(Marcia LEITE; Carlos SALAS, 2014). Nesse sentido, os dados evidenciam aumento dos
rendimentos do trabalho, progressiva diminuição das taxas de desemprego e expansão do
assalariamento e das taxas de formalização do emprego, realidade que se prolongou até o
período em que os/as jovens pesquisados/as se inseriram no mercado de trabalho em 2011.

50
Como veremos posteriormente, as provas se configuram como “um conjunto de desafios estruturais, por
isso, comum a todos os indivíduos de um coletivo (MARTUCCELLI, 2006).
79

Ainda que se reconheçam limites nessas alterações, são inegáveis as melhorias em vários
indicadores do mercado de trabalho no período, inclusive para os/as jovens.
No cenário atual, especialmente a partir do ano de 2014, retornaram algumas das
condições do mercado de trabalho anterior, especialmente a diminuição da formalização, com
o agravante da aprovação de reformas e legislações que reforçaram os processos de
precariedade e de perda de direitos. Neste contexto, tendo em vista que, para esses/as jovens,
o enfrentamento do trabalho é inevitável e “que do trabalho não se escapa”, torna-se relevante
compreender os seus percursos laborais e, principalmente, como eles/as constroem tais
percursos. Como nos lembram Sposito e Felipe Tarábola (2017, p. 6), “as eventuais reversões
de conquistas frágeis, na atual conjuntura, não significam, no entanto, um mero retorno ao
patamar anterior. Trata-se, também, de verificar como os jovens experimentam essas
mudanças e conformam suas subjetividades”.
É ainda importante considerar que o trabalho não se restringe ao mercado. A
apreensão dos percursos de individuação juvenis, a partir das experiências laborais, precisa
estar relacionada a uma visão sistêmica de trabalho. Neste sentido, entendemos o trabalho
enquanto relação social “(1) antagônica, (2) estruturante para todo o campo social, (3)
transversal à totalidade deste campo social” (Danièle KERGOAT, 1992, p. 16). O trabalho,
entendido em termos de sua relação social, é importante, pois possibilita liberá-lo de um
conceito de caráter meramente econômico, ampliando sua complexidade e situando-o em um
contexto social e histórico. Dessa maneira, corroboramos com as colocações de Angelo
Soares (2011) que expõe:

Como relação social, o trabalho é socialmente construído e não pode ser


considerado como um conceito monolítico. Perpassado por diferentes
relações sociais como as de raça, de etnia, de classe, de sexo/gênero e de
idade, o trabalho produz e é, ao mesmo tempo, o produto de uma sociedade
(SOARES, 2011, p. 92).

O autor cita, além disso, que essas relações sociais devem ser compreendidas em
termos de “coextensibilidade”, ou seja, as diferentes relações se interseccionam no mundo do
trabalho. Cabe lembrar que a mudança do Estatuto do Trabalho, mencionada pelo autor, se
deu ao longo dos anos e foi enriquecida especialmente a partir dos estudos feministas. Assim,
como pontua Kergoat (2016, p. 19), “de uma simples produção de objetos, de bens,
ele[trabalho] se transformou no que alguns chamam de ‘produção do viver em sociedade’ -
trabalhar é transformar a sociedade e a natureza e, no mesmo movimento transformar a si
mesmo”. As contribuições das feministas são misteres, pois deslocam nosso olhar para além
80

de uma representação de trabalho industrial, associado ao mundo dos homens, brancos,


centrada unicamente na valorização do capital que em geral invisibiliza de uma só vez o sexo,
a idade, a raça, o gênero, desconsiderando o trabalho em sua totalidade (KERGOAT, 1992;
Helena HIRATA, 1994; SOARES, 2011). Com essa perspectiva, se contempla o trabalho
doméstico, o trabalho militante, o trabalho de produção dos seres humanos, o trabalho do
cuidado, o estudo como um trabalho, dentre outros.
O entendimento do trabalho como relação social amplia significativamente nosso olhar
sobre a experiência laboral dos/as jovens, uma que vez que possibilita perceber também
aquele trabalho que não é mediatizado pelas relações mercantis, bem como as diferenciações
de gênero, idade, raça. Assim, podemos dizer que cada indivíduo vivencia experiências
peculiares no trabalho a depender das diferenças mencionadas, pois “el trabajo, en sus
aspectos subjetivos, se dota, pues de significaciones plurales y singulares (ARAUJO;
MARTUCCELLI, 2012, p. 45).
Corrochano (2002), por exemplo, evidencia que os significados do trabalho para os/as
jovens vão muito além do acesso à renda, mesmo considerando a realidade de jovens
operários e operárias por ela investigados/as. Os sentidos que chamaram mais a atenção da
autora foram: a independência pessoal, a dignidade e a realização pessoal – em relação a esta,
é atribuído um sentido ao trabalho futuro que poderá trazer satisfação pessoal, tornando-se
fortemente ligado à vida, e não apenas como um meio para sobrevivência.
Araujo e Martuccelli (2012) salientam algumas dimensões positivas do trabalho
apontadas pelos indivíduos chilenos, tais como: o trabalho associado ao ingresso econômico;
o trabalho como lugar no qual se afirma uma autopercepção positiva sobre si mesmo; o
trabalho como um âmbito importante de intensidade vital e de exercitação individual, e
finalmente o trabalho como espaço sociabilidade.
Os/As jovens trabalhadores/as da Cruz Vermelha, no ano de 2012 apontaram
diferentes sentidos do trabalho (NONATO, 2013). Em especial, destacaram-se as dimensões
da socialização e sociabilidade. Entre algumas características da socialização expressas
pelos/as jovens, ressaltamos as diferentes aprendizagens: conviver com o público e com as
pessoas, aprender a conversar “melhor”, ampliar a rede de contatos etc. O que é fundamental
ressaltar é que os diferentes sentidos podem se sobrepor e/ou se excluir e, como afirma
Bernard Charlot (2000), podem “adquirir sentido, perder sentido, mudar de sentido, pois o
próprio sujeito evolui, por sua dinâmica própria e por seu confronto com os[as] outros[as] e
com o mundo” (CHARLOT, 2000, p. 57). Nesta perspectiva, é importante apreender como
os/as jovens pesquisados/as têm construído atualmente suas experiências no mundo do
81

trabalho, o que, por sua vez, é interseccionada pelas condições familiares, socioeconômicas,
de escolarização, experiências anteriores de trabalho e emprego, bem como as dimensões de
raça, de gênero e faixa etária. Ao mesmo tempo, apreender os sentidos que eles/as atribuem
atualmente às suas experiências laborais.
As reflexões sobre o trabalho são importantes, mas cabe também apontarmos as
diferenças entre trabalho e emprego. Isso porque, se, de um lado, o trabalho pode ser lido
como uma ‘produção do viver em sociedade’, a sociedade capitalista o transforma em
trabalho assalariado, alienado e fetichizado: “o que era uma finalidade central do ser social
converte-se em meio de subsistência” (Ricardo ANTUNES, 2004, p. 8). Portanto, a força de
trabalho, conceito chave em Marx (1985), passa a ser uma mercadoria cuja finalidade é criar
novas mercadorias e gerar capital. Ruy Braga e Marco Santana (2015) ressaltam que na
sociedade capitalista existe uma “mercantilização do trabalho, isto é a transformação da força
de trabalho em uma mercadoria despojada de direitos sociais” (idem, p. 532), o que se
intensifica com as (contra)reformas aprovadas no contexto atual, como abordaremos.
É importante ressaltar que, a partir da visão burguesa, associou-se o trabalho à sua
forma institucional, ou seja, o emprego. O emprego é algo recente na história da humanidade.
O conceito surgiu na Revolução Industrial, marcado por uma relação em que os indivíduos
vendem sua força de trabalho, por alguma remuneração. Cabe lembrar, que tende a existir
uma confusão entre trabalho e emprego, mas é importante ponderar que o trabalho é
“ineliminável da existência humana” (MARX, 1985), já o emprego é uma construção
capitalista do trabalho, que pode por vezes não fazer parte da experiência do sujeito.
Articulado ao emprego, entendemos o desemprego também como uma categoria
socialmente construída51. Desta maneira, Corrochano (2008) explicita ser possível inferir que
em países como o Brasil a categoria possa ser “diversa (dadas às características do mercado
de trabalho brasileiro), isso não significa sua inexistência” (idem, p. 34). Assim, mesmo aqui,
onde o assalariamento regular não se constituiu como forma de emprego dominante e não se
erigiram mecanismos de seguridade social, a categoria parece persistir como significativa e

51
Segundo Corrochano (2008, p. 32), “sua emergência está fortemente ligada ao desenvolvimento da
sociedade salarial moderna e da imposição de uma nova forma de relação com o trabalho e diferentes
padrões de vida entre os trabalhadores. Até o século XIX, nem mesmo a palavra desemprego fazia parte do
vocabulário europeu [...]. Todos aqueles que não conseguiam prover sua existência, necessitando de algum
tipo de assistência, eram identificados como pobres, vagabundos, incapazes, inválidos ou vadios. O
desenvolvimento da relação salarial moderna separa capital e trabalho, demanda e oferta, tempo de trabalho
e não-trabalho, gestão e produção, anos de emprego contínuo e aposentadoria e até mesmo as idades da vida.
[...] para além de questões econômicas propriamente ditas, o desemprego associa-se ao desenvolvimento de
modelos de representação dos trabalhadores em variados espaços sociais, bem como à clara definição de
procedimentos e instituições para seu controle” (idem, p. 33).
82

operacional. Como reconhece a autora: “mesmo entre indivíduos que nunca vivenciaram uma
situação regular de emprego, a identificação como desempregado torna-se cada vez mais
frequente” (CORROCHANO, 2008, p. 34). Assim, estar desempregado/a pode remeter a um
sentido clássico, ou seja, relaciona-se ao fato de não ter um trabalho formal, especialmente
com carteira de trabalho assinada, ou mesmo um tempo de não trabalho. Como veremos, tanto
entre os/as jovens que responderam ao questionário quanto entre os/as jovens
entrevistados/as, muitos/as desenvolviam trabalhados remunerados, mas se afirmavam como
desempregados/as tanto porque não tinham um vínculo formal quanto porque tinham
expectativas de um outro trabalho.
Outro elemento importante quanto ao desemprego se refere à necessidadeem se refletir
que existam diferentes maneiras de vivenciá-lo. Daniel Thin (2006) reelabora o pensamento
de Pierre Bourdieu (1977) que, ao estudar as condições de subproletários nos anos 1950 e
1960, destacou os efeitos do trabalho e a desorganização que sua ausência traz no contexto da
sociedade moderna.

[...] na falta de um emprego regular, o que faz falta não é apenas a certeza de
um salário, é esse conjunto de obrigações que caracterizam uma organização
coerente do tempo e um sistema de expectativas concretas. Como o
equilíbrio emocional, o sistema de quadros temporais e espaciais nos quais
se desenrola a existência não pode se constituir na ausência de pontos de
referência fornecidos pelo trabalho regular (THIN, 2006, p. 220).

Antony Giddens (2005), por sua vez, enfatiza a importância do trabalho, ao ressaltar
que, mesmo nos lugares em que as condições são relativamente desagradáveis e as tarefas são
repetitivas, o trabalho acaba por contribuir como elemento estruturador na composição
psicológica das pessoas e nas atividades diárias.
Os autores supracitados trazem a perspectiva da organização temporal, a partir do
trabalho, bem como a importância deste para o processo de construção de si. Porém,
apontamos que, assim como a experiência do trabalho, o desemprego pode ter diferentes
sentidos e modos de experimentar (GUIMARÃES, 2002; CORROCHANO, 2008), podendo
ou não gerar falta de controle temporal, repercussão na composição psíquica, bem como levar
ou não à busca por outros trabalhos. Ademais, é importante citar que o desemprego repercute
de maneiras diferentes entre os/as jovens de camadas populares e de camadas médias,
brancos/as e negros/as, homens e mulheres. Guimarães (2002) ressalta que o desemprego
impacta com mais intensidade os/as jovens com menos recursos econômicos, escolares, e
culturais e de forma mais amena àqueles/as com mais recursos.
83

Alguns/Algumas dos/as jovens interlocutores/as desta pesquisa vivenciaram o


desemprego52 sendo importante compreender como lidaram e elaboraram essa experiência,
principalmente na relação com o tempo e com quais valores.
Ponderamos que as categorias trabalho, emprego e desemprego, embora sejam
diferentes, se relacionam. Como apontamos, a noção de trabalho é mais ampla que emprego,
sendo um emprego uma forma possível de trabalho. Assim, também se articulam “mundo do
trabalho” e “mercado de trabalho”. Entendemos que o mundo do trabalho busca contemplar as
diferentes nuances que o sujeito é submetido, ao procurar ingressar ou sair do mercado de
trabalho. O mundo do trabalho envolve o trabalho e o emprego e, mais do que isso, busca
trazer as experiências singulares para o debate do mercado.

3.3.1 Reflexões sobre as transformações do/no trabalho a partir da década de 70:


focalizando o mercado de trabalho no Brasil e os/as jovens

Nos limites desta tese, não cabe reconstruir historicamente as transformações do


trabalho, em especial do trabalho assalariado, ao longo das últimas décadas. No entanto,
considerando a realidade dos “países centrais”, vários estudos têm destacado o quanto as
mutações do trabalho provocadas por transformações no modo de acumulação, em especial
entre o final da década de 1960 e início dos anos 1970, após a chamada “Era de Ouro do
Capital”53 (Marilia MEDEIROS, 2009, p. 57) contribuíram para produzir alterações
significativas nas trajetórias juvenis, especialmente nos trânsitos para a vida adulta (PAIS,
2001; Claude DUBAR, 2001). Por essa razão, pareceu-nos importante pontuá-las, ainda que
de maneira breve, considerando também as diferenças, principalmente ao se levar em conta a

52
De acordo com a Pesquisa Emprego e Desemprego, são intitulados “desempregados aqueles indivíduos que
se encontram numa situação involuntária de não-trabalho, por falta de oportunidade de trabalho, ou que
exercem trabalhos irregulares com desejo de mudança. Essas pessoas são desagregadas em três tipos de
desemprego: a) desemprego aberto – pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias
anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum tipo de atividade nos sete últimos dias; b) desemprego
oculto pelo trabalho precário – pessoas que, para sobreviver, exerceram algum trabalho remunerado de auto-
ocupação, de forma descontínua e irregular, ou não remunerado em negócios de parentes, além disso,
tomaram providências concretas nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou até 12 meses atrás para conseguir
um trabalho diferente deste; c) desemprego oculto pelo desalento e outros – pessoas que não possuem
trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias, por desestímulos do mercado de trabalho ou por
circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses” (DIEESE,
2001, p. 325).
53
Segundo Medeiros (2009), a “Era de ouro” representou uma nova etapa do capitalismo tanto desenvolvido
nos EUA como na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, marcada por um crescimento e uma
prosperidade econômica jamais vistos. Essa fase teve o Fordismo como pano de fundo, pois foi
caracterizado pela produção e consumo em massa e criou um novo padrão de renda para garantir tanto a
expansão do mercado quanto a inclusão dos/as trabalhadores/as.
84

realidade brasileira, na qual a informalidade sempre foi marcante (LEITE; Sandra SILVA;
Pilar GUIMARÃES, 2017).
Como afirmam Cavalcante et al. (2008), entre o final da década de 1960 e início dos
anos 1970, o capitalismo passou a enfrentar um momento de crise no modelo de
desenvolvimento baseado em uma forma específica de organização do trabalho: a produção
em massa, um dos elementos centrais do fordismo54. Para David Harvey (2014), a palavra
rigidez traduz os motivos da crise. Segundo ele, havia problemas com a rigidez dos
investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo e sistemas de produção em
massa, nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho, nos compromissos do Estado.
Cândido Ferreira (1993) destaca também os conflitos e resistências dos/as trabalhadores/as em
relação ao tipo de trabalho ao qual estavam submetidos/as no âmbito da organização
taylorista55/fordista e, paralelamente, tornava-se cada vez mais difícil ter mão de obra que
aceitasse o trabalho desqualificado, especialmente devido à elevação do nível de instrução das
camadas populares da população desses países.
A crise do fordismo nos países centrais rompeu com o padrão de crescimento e gerou
uma restrição orçamentária, o que trouxe consequências para a configuração do mercado de
trabalho, uma vez que o Estado, como forma de controlar os gastos, começou a reduzir o

54
O fordismo, para alguns/algumas autores/as, representou um modelo de desenvolvimento e, para outros/as,
representou todo um modo de vida. Antonio Gramsci (1974) defende a ideia de um modo de vida que
demanda “[...] um novo tipo humano, em conformidade com o tipo de trabalho e processo produtivo” (p.
146), ou seja, um modo de vida marcado pela racionalidade através da capacidade do comando do capital e
disciplina. Enquanto modelo de desenvolvimento, permitiu a padronização da mão de obra, envolvendo
intensa mecanização, com uso de máquinas/ferramentas especializadas. Com essa padronização, acontecia a
separação radical entre concepção e execução. A produção fordista se estabelecia a partir da linha de
montagem, acoplada à esteira rolante, assim, o trabalhador não se desloca mantendo um fluxo trabalho. Não
obstante, cabe lembrar que embora tenha essas duas noções “deve haver uma compatibilidade entre o
paradigma dominante em determinada formação social no que se refere à organização do processo de
produção e a macroestrutura socioeconômica de acumulação (ou seja, regime de acumulação e o modo de
regulação vigentes)” (Cândido FERREIRA, 1993, p. 10). Salientamos que não existiu um modelo único e
homogêneo do fordismo nos diferentes países. No Brasil, por exemplo, a implantação do fordismo realizou-
se em termos precários, tendo em vista os contextos de exclusão e concentração de renda do país. Por esta
razão, que o fordismo dos países periféricos foi denominado “fordismo periférico” (Alain LIPIETZ, 1988)
e/ou fordismo incompleto.
55
O taylorismo pode ser analisado como uma estratégia de gestão/organização do processo de trabalho.
Antonio Cattani (1997, p. 247) afirma que tratava-se de “um sistema de organização do trabalho,
especialmente industrial baseado na separação das funções de execução e planejamento [...] no controle de
tempos e movimentos na remuneração por desempenho”. Desta maneira, o taylorismo teve como foco o
controle e a disciplina, visando o controle dos tempos ociosos como uma estratégia de assegurar um
aumento da produtividade do trabalho. Sinteticamente o taylorismo teve como princípios básicos: a
separação programada da concepção/planejamento das tarefas, pois os trabalhadores eram pagos para
executar e não pensar; a intensificação da divisão do trabalho, no sentido de ser possível recrutar o operário
mais adequado para ocupar os postos de trabalho; e o controle dos tempos e movimentos, o que possibilitava
eliminar o tempo não dedicado às tarefas produtivas.
85

seguro desemprego e previdência social (Claudio DEDECCA; Camila RIBEIRO; Fernando


ISHII, 2009).
Fernanda Vale e Leila Salles (2007) mencionam que, com a crise da classe assalariada
na Europa, em meados de 1970, e a falta de recursos sociais para as famílias, a chamada
entrada para vida adulta ganhou outras configurações. Então, por um lado, mesmo sem
maturidade ou idade compatível, parte da população jovem assumiu a responsabilidade de
subsídio da família junto aos pais e, por outro lado, tem-se jovens submetidos a altos índices
de desemprego o que, por sua vez, retarda a saída do núcleo familiar. Neste contexto, o
desemprego juvenil emergiuna cena pública europeia como um problema, gerando um
conjunto de políticas públicas de inserção (DUBAR, 2001).
Nadya Guimarães (2006) chama a atenção, ainda, para o fato que, no final da década
de 70, nos países que construíram o Estado de Bem-Estar Social, na França, por exemplo,
os/as jovens deixaram de vivenciar a segurança da “passagem pré-programa”, ou seja, a
passagem da escola para o emprego de maneira imediata e automática, após a finalização da
escolarização básica e passaram a ter que lidar com as situações de “inserção aleatória”.
As transformações na esfera do trabalho, com a ampliação do desemprego entre
jovens, ao lado da crescente escolarização, mudanças significativas nas dinâmicas familiares e
do enfraquecimento dos mecanismos sociais de proteção “embaralham” os marcos de entrada
na vida adulta: o período de formação estende-se e não há necessariamente entrada no
mercado de trabalho, a independência financeira pode não ser acompanhada pela saída da
casa dos pais, ou pela constituição de uma nova família. Vários estudos acentuam o caráter
não linear das trajetórias, ou “trajetórias ioiô”, marcadas pelas imprevisibilidades e
reversibilidades (PAIS, 2001). Corrochano (2013) reforça tais reflexões e reconhece que,
“ainda que não de forma isolada e homogênea, é inegável o lugar da crise do trabalho na
menor previsibilidade e nas reversibilidades dos percursos para a vida adulta” (p. 27).
No âmbito internacional, a busca por saídas da crise ocorreu a partir do processo de
reestruturação produtiva. José Silva (2012) salienta que as empresas “deveriam buscar um
padrão de desenvolvimento integrado à nova economia globalizada, sendo preciso
implementar novos mecanismos e formas de acumulação, capazes de oferecer respostas ao
quadro crítico que se desenhava” (idem, p. 86). Logo, se fez presente a ideia de reestruturação
produtiva, nomeada por Harvey (2014) de acumulação flexível, marcada por um confronto
direto com a rigidez do fordismo. Segundo o autor,

ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de


trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
86

surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de


fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional
(HARVEY, 2014, p. 140).

Assim, a acumulação flexível redesenha os processos de organização e gestão do


trabalho, flexibilizando jornadas, provocando uma política de enxugamento do quadro das
empresas, o que reflete a hegemonia do capital financeiro.
Jorge Mattoso (1994) salienta que o processo de reestruturação assumiu um caráter
marcadamente desigual em diferentes países, empresas e indivíduos, com uma “distribuição
desequilibrada dos benefícios do processo técnico” (MATTOSO, 1994, p. 14). Segundo o
autor, devido a isso, ocorreu uma desestruturação da ordem econômica gerando dois
movimentos contraditórios: primeiro, um novo paradigma tecnológico e novas formas de
produção e organização do trabalho e, com isso, aponta-se para a formação de um novo
trabalhador, mais escolarizado, participativo e polivalente. O segundo, “uma ofensiva do
capital reestruturado sob o domínio financeiro, em nome da crescente competitividade
internacional se move contra o trabalho organizado [...] e sua relação salarial” construído no
período anterior (idem).
Assim, Mattoso (1994) aborda que as diferentes formas de insegurança passam a
compor o cenário do mercado de trabalho, quais sejam: há um crescimento da insegurança no
mercado de trabalho, de pertencer ou não a ele; insegurança no emprego, devido ao processo
de enxugamento; insegurança quanto à renda, resultado do distanciamento da relação
salário/produtividade; insegurança quanto à contratação, especialmente devido à ampliação da
contratação descentralizada no âmbito das empresas e crescimento da contratação em tempo
determinado, parcial e até mesmo sem contrato, e, por último, insegurança no que concerne à
representação do trabalho, especialmente devido ao enfraquecimento das práticas de
negociação sindical.
Se essas tendências, provocadas por mudanças no modo de acumulação e assentadas
na flexibilização da produção podem ser consideradas estruturais, também parece-nos
importante considerar, concordando com Leite e Salas (2014, p. 87-88), a necessidade do
olhar “para a dinâmica interna das nações (os movimentos sociais, os Estados nacionais, a
trajetória pregressa das sociedades e as instituições nela engendradas)”, mesmo diante dos
constrangimentos criados pela globalização. Ainda que não se trate aqui de recuperar essa
dinâmica, para o caso brasileiro em toda a sua complexidade, vale destacar alguns de seus
elementos.
87

Como consequência do caráter socialmente excludente do desenvolvimento capitalista


no Brasil, não ocorreu aqui a formação de um padrão de consumo de massa, tão pouco
construiu-se um Estado de Bem-Estar Social, como aconteceu nos países centrais (Alain
LIPIETZ, 1988; LARANJEIRA, 1997; FERREIRA, 1993). O alto número de trabalhadores/as
tanto fora do mercado de trabalho quanto os/as inseridos/as no setor informal, características
do mercado de trabalho brasileiro, também marcam diferenças relevantes em relação aos
países centrais. Essas limitações não se relacionam à dimensão econômica, pois de 1940 a
1980 o crescimento da economia brasileira foi acelerado. Entre os anos 1950 e 1960, assim
como em outros países da América Latina, observou-se um crescimento expressivo, ancorado
no

[...] forte crescimento da economia capitalista mundial ocorrido no pós


guerra, em tarifas protecionistas à nossa indústria nascente e numa forte
intervenção estatal. Alcançando expressivas taxas de crescimento econômico
no período, o país chegava aos anos de 1970 com um parque industrial
amplo e integrado. É necessário levar em conta que a integração das massas
no processo de desenvolvimento ocorreu basicamente por meio do trabalho,
mais especificamente do trabalho registrado. Isso deixou de fora não só a
população rural, mas também uma enorme quantidade de trabalhadores
urbanos (ocupados sem registro ou por conta própria, em pequenos negócios,
ou ainda como trabalhadores domésticos) (LEITE; SALAS, 2017, p. 89).

Nesse sentido, no momento em que deflagrava-se no contexto internacional a crise do


capitalismo e a busca por saídas via reestruturação produtiva, alcançavam-se no Brasil,
especialmente entre 1968 e 1973,– no momento mais duro da Ditadura Militar do país–índices
significativos de crescimento econômico, intitulado de “milagre econômico brasileiro”,
tornando-se, ao mesmo tempo, evidente “uma das principais características do padrão
brasileiro, de combinar o elevado dinamismo econômico com o mais vergonhoso descaso
social, agravando as carências sociais, a miséria e a marginalidade urbana” (Waldir
QUADROS, 1991, p. 7).
Destacamos que nesse período verificava-se um aumento do número de jovens
trabalhadores/as formais no Brasil, devido às necessidades de sobrevivência e de ampliação
de consumo entre as famílias. Nessa direção, Madeira (1986) nos lembra de que, ao longo da
década de 1970, a população jovem pôde se inserir de uma forma mais “moderna” na
sociedade, seja a partir da escola, do trabalho ou do lazer. Contudo, Madeira (1986) enfatiza
que isso não significa que tenham diminuído as distâncias relativas objetivas entre os/as
jovens. Nesse contexto, segundo a autora, devido a uma série de modificações que ocorreram
88

ao longo deste período, reforçaram ou mesmo estenderam a identidade jovem para uma
parcela maior da sociedade:

Assim, a expansão das oportunidades de trabalhos remunerados, dos


empregos formais, reforça aspirações, ambições e também a onipotência, e
torna mais claramente explícitos os conflitos entre as gerações. A
democratização da escola, ao mesmo tempo que aviva as aspirações, satisfaz
carências de sociabilidade (sobretudo no caso das jovens); os meios de
comunicação se encarregam de criar símbolos visíveis e claros de identidade
jovem, o sistema de ‘consumo’ torna-os acessíveis seja pela queda de
qualidade, seja pelo barateamento do produto, seja pela criação do sistema
crediário (MADEIRA, 1986, p. 18).

A autora enfatiza ainda que uma caraterística da década de 70 foi o “rejuvenescimento


da PEA urbana”. Madeira (1986) critica a inserção de crianças, adolescentes e jovens no
mercado de trabalho, pois, segundo a autora, em um processo de urbanização e
industrialização, esperava-se que a participação desse grupo diminuísse. Assim, ao mesmo
tempo em que mudanças importantes ocorrem na esfera produtiva e a escolaridade se
ampliava, “isso não impacta[va] de modo negativo na contratação de ‘menores’, ou seja, uma
‘falácia da teoria da modernização’” (MADEIRA, 1986, p. 18).
Neste contexto de ampliação de trabalho entre os/as jovens, podemos constatar uma
mudança nos padrões de consumo e paulatina constituição de uma identidade juvenil, via
consumo. Madeira (1986) afirma que “as pressões para o consumo eram algo generalizado na
América-Latina [...] também generalizado nos meios de comunicação, com a tendência em
oferecer aos mesmos um corpo integrado de símbolos e representações do que é ser jovem”
(idem, p. 29). Desta maneira, para além do trabalho como necessidade ou para ajudar a
família, os/as jovens, inclusive os de setores populares, como cita a autora, passaram a
consumir efetivamente, seja para compras de roupas, acesso à cultura e lazer, ou mesmo para
continuar estudando. Mas é importante ressaltar que o acesso ao consumo, devido aos baixos
salários dos/as jovens, só era possível porque a sobrevivência deles/as ainda era delegada à
família (MADEIRA, 1986).
Decorrido o período de “milagre econômico”, o Brasil começou a apresentar declínio
da economia, a partir de 1973, e, somente na década seguinte, seus impactos seriam
percebidos. Apontamos que o choque provocado pela elevação dos juros internacionais e o
novo saldo nas cotações das matérias-primas importadas, principalmente o petróleo,
contribuíram significativamente para a crise. Assim, nos anos 80, manifestou-se “a
deterioração da economia capitalista no país, gerando hiperinflação, recessão e a crise da
dívida externa (1981-1982), contribuindo para debilitação da economia do país”
89

(MEDEIROS, 2009, p. 64). O crescimento econômico vivido no período foi também


interrompido pelo fortalecimento dos princípios neoliberais nos países centrais, como forma
de enfrentar a crise do fordismo da década anterior (LEITE; SALAS, 2014). Dessa maneira,

embalado pelas políticas econômicas inspiradas no Consenso de


Washington, o país passou a adotar, especialmente a partir dos anos de 1990,
medidas de privatização, controle de gasto público e de abertura comercial,
entre outras pautas do Consenso (LEITE; SALAS, 2014, p. 89).

É neste contexto que a reestruturação produtiva chega com intensidade no Brasil.


Segundo Leite (2003) a reestruturação produtiva no Brasil teve duas características:

Em primeiro lugar, embora as estratégias seguidas pelas empresas em cada


um desses momentos sejam bastante diferenciadas, um elemento comum é o
seu caráter limitado e reativo, ainda que não se possa deixar de considerar
que alguns setores mais competitivos, como o automobilístico, venham
apontando para um processo mais sistêmico; em segundo, ao contrário das
expectativas dos estudos iniciais quanto mais o processo se aprofunda, mais
nocivos se mostram seus efeitos sociais (p. 70).

Assim, no cenário da reestruturação produtiva e da transformação do desemprego em


grave problema estrutural, especialmente a partir da década de 1990, assistimos a convivência
de um novo modelo produtivo com uma nova forma de “superexploração56” (Giovanni
ALVES, 2000). Segundo Lilia Montali (2004), na década de 90 acentuam as transformações
na economia e ocorrem mudanças no padrão de incorporação da força de trabalho. Dessa
forma, acontece redução dos postos de trabalho, aumento do desemprego e restrições para a
inserção de trabalhadores/as assalariados/as regulamentados/as.
Neste contexto, se no Brasil, o mercado de trabalho já não havia se estruturado de
forma completa, persistia as características de um mercado com altos números de
desempregos e trabalho informal; nisso, os/as jovens foram ainda mais afetados (Márcio
POCHMANN, 1999). José Silva (2012) afirma que existiu uma quebra dos

mecanismos básicos de reprodução da sociedade: a mobilidade social, a


ampliação continuada do consumo moderno e, sobretudo, o assalariamento.
A pobreza passa a ter maior visibilidade e, por isso, várias pessoas começam
a “olhar” cada vez mais para os “jovens urbanos” e para as “gangues”
juvenis, sobretudo diante dos “novos” fenômenos sociais, como resposta à
pobreza generalizada: assaltos, roubos, e arrombamentos são alguns
exemplos (SILVA, 2012, p. 80).

56
Segundo o autor, a superexploração está inserida na capacidade de promover a direção moral-intelectual do
capital na produção, articulando o consentimento operário e o controle do trabalho, capaz de realizar a
subsunção da subjetividade operária à lógica do capital (ALVES, 2000, p. 159).
90

Diferentes autores explicitam que a ruptura do processo de desenvolvimento que se


desenhava até então no Brasil (e também em outros países da América Latina) foi drástica em
termos sociais, tendo em vista o aumento expressivo das taxas de desemprego, das formas
precárias de trabalho, da perda da proteção oferecida pelos direitos trabalhistas, ao mesmo
tempo em que diminuíam os salários e a população economicamente ativa com o trabalho
registrado. Desta forma, nos anos 80, mas, sobretudo, nos anos 90, ocorre um
aprofundamento dos problemas sociais57.
Particularmente em relação aos/às jovens, ampliam-se nesse período as dificuldades de
ingressar e permanecer no mercado de trabalho, a despeito de maiores níveis de escolaridade
dessa geração em relação às gerações anteriores, como já apontado. Luis Silva Filho, Fabio
Silva e Silva Queiroz (2015, p. 22) ressaltam que o processo de reestruturação produtiva e as
novas relações de trabalho, foram “relativamente responsáveis pela desestruturação do
emprego jovem no Brasil”, o que retrata na verdade o drama social mais visível de um país,
frente a uma estagnação econômica de anos (POCHMANN, 2004). Há uma mudança das
tendências que vinham se observando no período anterior, de aumento da presença de jovens
em ocupações mais protegidas (MADEIRA, 1986; CORROCHANO, 2008). Análises de
Montali (2004) revelam a perda de postos de chefes masculinos e filhos, bem como das filhas
maiores de 18 anos, ampliando-se a participação da mulher cônjuge e da mulher chefe de
família no mercado de trabalho.
Assim, ao lado da persistência do padrão de transição escola-trabalho no Brasil -, de
simultaneidade da participação na escola e no mercado de trabalho (Ana CAMARANO, 2006;
HASENBALG, 2003), ampliam-se os níveis de desemprego e a maior presença de jovens,
especialmente das camadas populares, em formas precárias de trabalho (POCHMANN, 2000).
Neste contexto, a lógica da empregabilidade reaparece, ocultando de fato as causas da
falta de lugar para todos/as no mercado de trabalho (Gaudêncio FRIGOTTO, 2004)
Entendemos por empregabilidade a “capacidade da mão-de-obra de se manter empregada ou
encontrar um novo emprego” (LEITE, 1997, p. 64), ou seja, existe um processo de
culpabilização individual do sujeito que está fora do mercado de trabalho quando, na verdade,
há uma complexidade de fatores que impedem a inserção no mercado, complexidade
estarelacionada ao próprio paradigma produtivo e às políticas públicas para seu
enfrentamento.

57
Cf. MONTALI, 2004; MEDEIROS, 2009; LEITE; SALAS, 2014; HARVEY, 2014.
91

Além da ideia de empregabilidade, a teoria do capital humano58 ganhou força na


década de 90. Em síntese, essa teoria pressupôs que a melhor capacitação para o trabalho
poderia gerar maior produtividade, qualificação da mão de obra, a partir da formação escolar
e profissional (CATTANI, 1997). Neste sentido, Silva (2012) ressalta que

[...] além de serem os jovens o grupo que mais se encontrava/encontra


desempregado, são aqueles que reúnem potencial para aprender em um
contexto cuja característica-chave é a possibilidade de “aprender a
aprender”. É desse modo que os jovens passam de “problema social” a
sujeito de “potencial capital humano” (SILVA, 2012, p. 89).

A educação teria um papel central, articulando-se ao mercado de trabalho, com o


discurso de que o aumento da educação e da qualificação possibilitaria habilidades e
conhecimentos melhorados, levando-os a serem mais produtivos. Se essa perspectiva estava
presente para o conjunto da população trabalhadora, fomentando um conjunto de políticas
públicas dirigidas à qualificação profissional, entre os/as jovens torna-se ainda mais intensa
(Naira FRANZÓI, 2003). Assim, sendo o desemprego decorrente da baixa qualificação, o/a
jovem é considerado fracassado caso ele/a não consiga ser competitivo. Consequentemente é
preciso “correr atrás” da formação para se ter espaço no mercado de trabalho. Frigotto (1998)
corrobora explicitando:

[...] desloca-se a responsabilidade social para o plano individual. Já não há


políticas de emprego e renda dentro de um projeto de desenvolvimento
social, mas indivíduos que devem adquirir competências ou habilidades no
campo cognitivo, técnico, de gestão e atitudes para se tornarem competitivos
e empregáveis. Os desempregados devem buscar ‘requalificação’ e
‘reconversão profissional’ para se tornarem empregáveis ou criarem o auto-
emprego no mercado informal ou na economia de sobrevivência
(FRIGOTTO, 1998, p. 15).

Como salienta o autor, o sujeito é o único responsável por sua inserção e permanência
no mercado de trabalho. A lógica difundida é que o fracasso, a pobreza e o desemprego
podem ser resolvidos a partir do investimento em formação para o trabalho, ou seja, a
qualificação emerge como “fetiche capaz de romper a exclusão social” (Liliana SEGNINI,
2000, p. 75).

58
Frigotto (1995) afirma que a teoria teve impacto expressivo no Terceiro Mundo, sendo uma alternativa para
se alcançar o desenvolvimento econômico, para se reduzirem as desigualdades e para aumentar a renda dos
indivíduos. Cattani (1997) salienta que no Brasil a teoria (com base nas ideias de Theodore Schultz) inspirou
inúmeros autores vinculados aos governos militares pós-64. Predominou nesse período a ideia de que,
“através de políticas educacionais impostas de forma tecnocrática, seria possível promover o
desenvolvimento econômico” (idem, p. 36).
92

Ao mesmo tempo, na década de 90, temos uma expansão do sistema educacional


brasileiro em todos os níveis de ensino, mas especialmente no ensino médio, como já
apontamos. Acácia Kuenzer (2002) salienta que a escola respaldava suas ações sob a ótica do
capital, educando para o trabalho fragmentado, contribuindo cada vez mais para produzir um
trabalho e um/a trabalhador/a precarizado/a, uma marca da reestruturação produtiva. Não
obstante, é imposto ao/à trabalhador/a superar a fragmentação dos conhecimentos, pela
realização de multitarefas. A autora menciona que, com esse novo ideal, aparentemente, as
aprendizagens se ampliam, mas a exploração tende a aumentar ainda mais, visto que um/a
mesmo/a trabalhador/a executa muitas funções e responsabilidades.
Para atender as lógicas do mercado, os/as trabalhadores/as passam por formações
rápidas, que buscam somente a conformação desses/as às mudanças tecnológicas, sem
preocupação com a formação humana. Os cursos de formação profissional são exemplos
dessa realidade, conferindo aos/às jovens trabalhadores/as uma “certificação vazia”, que
inicialmente pode incluir no mercado de trabalho, mas os/as excluindo posteriormente, devido
à formação precária e/ou formação em massa (DALAROSA; SOUZA, 2014). Um exemplo
dessa certificação vazia se relaciona ao processo de ensino/aprendizagem. Os cursos se
pautam no ensino do “fazer” e não na compreensão dos processos tecnológicos, por
consequência, quando a tecnologia avança, os cursos se tornam obsoletos. Desta maneira,

através dos processos de inclusão excludente, a educação escolar e não


escolar se articula dialeticamente aos processos de exclusão includentes
existentes no mundo do trabalho, fornecendo ao cliente – o capital – a força
de trabalho disciplinada técnica e socialmente, na medida de suas
necessidades [...]. (KUENZER, 2002, p. 93).

A busca por formação/qualificação, reforçada a partir da teoria do capital humano e da


empregabilidade, ainda tem presença marcante no contexto dos anos 2000. A partir das
análises da presente pesquisa, evidenciaremos o quanto o discurso da empregabilidade e da
teoria do capital humano faz parte das experiências dos/as jovens trabalhadores/as que
buscam, a partir da formação, especialmente em cursos técnicos, um lugar no mercado de
trabalho.
A partir dos anos 90, quase metade do percentual de jovens que se inseriu no mercado
estava em trabalhos de baixa qualificação, atividades informais, sem conteúdos e
questionamentos, rotinizados e com ausência de perspectiva profissional, devido, em grande
parte, à falta de alternativas de emprego e crescente desemprego juvenil (Ricardo ANTUNES
2005; Guy BAJOIT; Abraham FRANSSEN, 1997). Realidade que tende a contrariar a teoria
93

do capital humano, tendo em vista que, num quadro de estagnação econômica, baixo
investimento em tecnologia e precariedade do mercado de trabalho, a escolaridade não seja
suficiente para garantir a geração de trabalho (POCHMANN, 2004). Nesta mesma direção,
Frigotto (2004) nos mostra que:

[...] a tese da “empregabilidade” é falsa e cínica. Falsa porque a escola não


tem [...] capacidade de gerar nem garantir emprego. Ainda falsa num
contexto de crise endêmica de desemprego e, no caso brasileiro, de recessão.
Cínica, porque culpa a vítima por ser pobre e por ter baixa escolaridade e,
ainda porque mascara a estrutura social geradora de desigualdade
(FRIGOTTO, 2004, p. 3).

Ou seja, a formação profissional não é capaz, sozinha, de garantir espaço no mercado


de trabalho, como veremos com os/as jovens desta pesquisa. Assim, a credencial escolar
serve, antes, para conseguir um “lugar melhor na fila do desemprego” (HASENBALG, 2003).
Por isso, os/as jovens são instigados/as a adquirir (sempre e mais) formação, pois só assim
podem alterar seu lugar na disputa por postos de trabalho, como enfatiza Guimarães (2006).
Não podemos deixar de mencionar que, paralelamente à empregabilidade, a difusão da
lógica empreendedora também é parte desse contexto de transformações do capital e do
trabalho e se difunde fortemente no Brasil, especialmente entre os/as jovens. “Ser
empresário/a de si mesmo/a”59 é a tônica da nova cultura do trabalho, o que tende a levar a
modos de exploração, maior individualização, bem como à culpabilização individual dos/as
indivíduos que fracassam. Ressaltamos que, diante desse cenário, os/as jovens são os/as mais
expostos/as à lógica empreendedora, pois são o grupo que tem mais dificuldade de acesso e
permanência no mercado de trabalho60. Como pontua Vitor Ferreira61, é necessário
articularmos a categoria geracional à discussão sobre juventude e trabalho, pois os
“frequentemente designados Milénio62 terão sido os/as primeiros/as jovens a lidar diretamente
com a realidade do capitalismo neoliberal, ajustando muitas das expectativas e aspirações de
que partilham à dura estrutura de constrangimentos e oportunidades que lhe é
disponibilizada”.

59
Há uma literatura importante que analisa as transformações no mundo do trabalho, a sociedade neoliberal e
suas consequências sobre a subjetividade dos/as trabalhadores/as; sua leitura contribui para compreensão
desse processo. Cf. BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009; EHRENBERG, 2010; DARDOT; LAVAL, 2016.
60
Cf. POCHMANN, 1999; CORROCHANO, 2008, Mariléia SILVA, 2014; MANZANO; CALDEIRA, 2018.
61
O JUBRA – Juventude Brasileira – é um evento voltado para a discussão acerca das juventudes. Palestra na
mesa de abertura do VII JUBRA (2017) – intitulada “Jovens e geração em tempos de crise”.
62
Menção ao livro: Geração Milénio – um retrato social e político. Cf. Vitor FERREIRA et al. (2017).
94

Assim, o empreendedorismo volta-se para determinada geração que busca saídas para
as incertezas e desigualdades do mercado de trabalho. Nenhum/Nenhuma dos/as
entrevistados/as da presente pesquisa apresentou um discurso empreendedor, mas citou jovens
amigos/as que buscavam essa via. Tendemos a considerar que, no caso dos/as jovens de
camadas populares, é um discurso perverso, pois eles/as não têm condições econômicas para
iniciar e manter um empreendimento. Livia de Tomasi (2016) pondera que, do ponto de vista
econômico, a possibilidade de sobrevivência dos empreendimentos é muito pequena – na
ótica dos direitos, em geral, representa a precariedade das relações de trabalho,
responsabilizando indivíduos pelos seus fracassos. Não obstante, também parece importante
olhar para as ambiguidades presentes nessa perspectiva. Pesquisa de Tomasi (2016) revela
que, ao mesmo tempo, a despeito dos vários problemas, alguns/algumas jovens acentuam a
possibilidade de escolha de trabalhar com o que gostam, com autonomia, sem controle dos
seus tempos e corpos.
Tendo em vista essas breves considerações, pode-se dizer, seguindo Leite e Salas
(2014), que as transformações do trabalho, provocadas por mudanças no modo de acumulação
e pautadas sobre a flexibilização da produção e do trabalho, são estruturais63, modificando “o
paradigma de expansão do assalariamento e dos direitos a ele associados” (LEITE; SALAS,
2014, p. 87). Ao mesmo tempo, ainda seguindo esses autores, também parece importante
considerar que, embora essas tendências sejam estruturais, elas também dependem “da

63
Concordamos com Leite, Silva e Guimarães (2017) quando salientam que o conceito de precariedade pode
ser usado para analisar o trabalho de forma praticamente universal; já o conceito de precarização é mais
condizente com a análise da realidade europeia, de perda de direito conquistados durante 30 anos gloriosos.
Assim, em países com questões estruturais, por exemplo, marcados pela informalidade, como os latino-
americanos, o conceito de precariedade é o mais coerente, sendo, portanto, o conceito de precarização pouco
explicativo. Não obstante, consideramos que os seis tipos de precarização da realidade brasileira, enunciados
por Graça Druck (2011), a partir do conceito de Precarização Social do Trabalho - como um processo em
que se instala – econômica, social e politicamente – uma institucionalização da flexibilização e da
precarização moderna do trabalho, que renova e reconfigura a precarização histórica e estrutural do trabalho
no Brasil -, contribuem para a análise mercado de trabalho brasileiro, especialmente a partir de 2014, sobre
os quais apresentamos uma síntese. Segundo Druck (2011), temos: “vulnerabilidade das formas de inserção
e desigualdades sociais - as formas de mercantilização da força de trabalho produziram um mercado de
trabalho heterogêneo, segmentado, marcado por uma vulnerabilidade estrutural e com formas de inserção
(contratos) precários, sem proteção social; intensificação do trabalho e terceirização - o que tem levado a
condições extremamente precárias, através da intensificação do trabalho (imposição de metas inalcançáveis,
extensão da jornada de trabalho, polivalência, etc.) sustentada na gestão pelo medo; insegurança e saúde no
trabalho - desrespeitam o necessário treinamento, as informações sobre riscos, as medidas preventivas
coletivas, etc., na busca de maior produtividade a qualquer custo, inclusive de vidas humanas; perda das
identidades individual e coletiva - fruto da desvalorização simbólica e real, que condena cada trabalhador a
ser o único responsável por sua empregabilidade; fragilização da organização dos trabalhadores -
dificuldades da organização sindical e das formas de luta e representação dos trabalhadores; a condenação e
o descarte do Direito do Trabalho – fetichização do mercado tem orquestrado e decretado uma “crise do
Direito do Trabalho” [...] cujas leis trabalhistas e sociais têm sido violentamente condenadas pelos
“princípios” liberais de defesa da flexibilização, como processo inexorável trazido pela modernidade dos
tempos de globalização” (DRUCK, 2011, p. 47-52).
95

correlação de forças entre os vários atores sociais, da sua capacidade de ação e mobilização e,
em consequência, de decisões políticas que podem ser mais ou menos favoráveis ao trabalho”
(LEITE; SALAS, 2014, p. 87). Nesse sentido, ainda que não desprezando as tendências
estruturais, especialmente considerando-se o processo de globalização e os limites impostos
para as economias de periferia, no momento em que os/as jovens aqui pesquisados/as
ingressaram no trabalho (em meados dos anos 2000), o Brasil, assim como alguns países da
América Latina, atravessava um outro contexto econômico e uma conjuntura política diversa
que, para alguns/algumas autores/as, conformou um novo modelo de desenvolvimento. Nesse
sentido, cabe refletir sobre alguns dados da inserção juvenil neste contexto e, especialmente
como os/as jovens lidavam com seus percursos laborais.

3.3.2 O mercado de trabalho brasileiro nos anos 2000 e os/as jovens

O século XXI, especialmente nos primeiros anos, tem sido marcado por mudanças na
economia internacional64, por uma nova conjuntura política e educacional tanto no Brasil
quanto em outros países da América Latina que tem favorecido o enfrentamento das
tendências neoliberais que vinham se conformando até então. Como afirmam Leite e Salas
(2014), com a chegada ao poder de grupos que faziam oposição às tendências neoliberais, a
partir de 2003 (início do governo Lula), as medidas passaram a se dirigir ao fortalecimento do
Estado para a retomada do crescimento econômico, articulado à inserção de setores
tradicionalmente excluídos da sociedade. Desta forma,

afastando-se do ideário neoliberal, tais medidas se apoiavam em


instrumentos teóricos voltados a uma nova estratégia desenvolvimentista,
baseada em um Estado e um mercado fortes, bem como em um conjunto
coordenado de políticas visando à efetivação de um programa nacional de
desenvolvimento. Essa conjuntura conformou o novo modelo de
desenvolvimento, resultante tanto da ação de movimentos sociais como das
tendências econômicas do capitalismo em nível internacional (LEITE;
SALAS, 2014, p. 90).

A mudança de perspectiva proporcionou um movimento de estruturação do mercado


de trabalho. Isso não significa, contudo, a ausência de problemas “tanto resultantes da herança
de uma estrutura social marcada por profundas desigualdades baseadas no sexo e na raça,
quanto correlatos ao surgimento de novos desafios econômicos que afetam o trabalho”

64
Segundo Leite e Salas (2014, p. 88): “a abertura de uma situação internacional favorável às economias
latino-americanas, impulsionada pela demanda de commodities produzidas na região, facilitou a ação dos
atores sociais que há muito vinham clamando pela mudança das políticas econômicas e sociais, bem como
pelo atendimento dos problemas enfrentados pelos grupos menos favorecidos”.
96

(LEITE; SALAS, 2014, p. 90). Ademais não significa que se estava livre da flexibilidade e da
precariedade das relações de trabalho, tão pouco da inexistência do neoliberalismo, mas
emergiram políticas públicas que visavam enfrentar esse contexto, na perspectiva de um
“novo modelo de desenvolvimento”. Assim, a retomada da função e da ação do Estado passa
pela necessidade de redistribuição das riquezas sociais com peso equilibrado para a melhoria
do conjunto das atividades econômicas e sociais, atribuindo à educação um lugar de
centralidade na tarefa do desenvolvimento (Antonio MARQUES; Vera CEPÊDA, 2012).
Nessa dinâmica, entre os anos de 2004 e 2014, especialmente nos dois governos de
Luiz Inácio Lula da Silva (2003), começou a ocorrer no Brasil uma significativa elevação do
ritmo de crescimento econômico. Uma série de pesquisadores/as65 evidenciaram que o novo
contexto trazia geração de empregos, redução das taxas de desemprego, aumento das
formalizações no mercado de trabalho, redução das desigualdades e inegável melhoria nas
condições de vida da sociedade. Nesta mesma direção, Paulo Baltar et al. (2010), ao
realizarem uma análise sobre a realidade do trabalho no governo Lula, enumeraram melhorias
significativas desse contexto, tais como:

redução das taxas médias de desemprego; expansão do emprego assalariado


formal (protegido pela legislação trabalhista, social e previdenciária
brasileira); crescimento do emprego nos setores mais organizados da
economia (inclusive na grande empresa e no setor público); redução do peso
do trabalho assalariado sem registro em carteira (ilegal) e do trabalho por
conta própria na estrutura ocupacional; elevação substantiva do valor real do
salário mínimo; recuperação do valor real dos salários negociados em
convenções e acordos coletivos; importante redução do trabalho não
remunerado; intensificação do combate ao trabalho forçado e redução
expressiva do trabalho infantil (BALTAR, 2010, p. 10).

Tais mudanças contribuíram significativamente para a melhoria das condições de


inserção e permanência no mercado de trabalho. Ao contrário dos anos anteriores, marcados
pela informalidade e precariedade, a lógica do trabalho protegido foi um elemento importante
do período. Mas não podemos nos esquecer dos limites desta política de expansão, pois os
postos de trabalho criados eram ainda de baixa qualidade, baixa qualificação e baixos salários
(OIT; CEPAL; PNUD, 2008; BALTAR, 2016). Ao mesmo tempo, a informalidade e a
precariedade continuavam a existir, pois, no Brasil, há um regime de trabalho caracterizado
mais pela instabilidade dos vínculos e relações precárias de trabalho (BALTAR; Marcelo
PRONI, 1996, p. 113).

65
Cf. LEITE, 2012; Anselmo SANTOS; Denis GIMENEZ, 2015; CORROCHANO et al., 2017; LEITE;
SALAS, 2017; Marcelo MANZANO; Christian CALDEIRA, 2018.
97

Aliado às melhorias no mercado de trabalho, houve um aumento dos investimentos em


políticas públicas ligadas à expansão de vagas/instituições de educação de nível superior
públicas, como já citamos, uma vez que a perspectiva de crescimento econômico e da
melhoria da qualidade de vida tinha a educação como eixo.
No período do governo Lula, embora com limites66, existiu uma preocupação com a
diminuição das desigualdades sociais que articularam políticas públicas educacionais e
melhorias significativas no mercado de trabalho visando contribuir para a melhoria da
qualidade de vida da população. Esse novo panorama do mercado de trabalho acarretou
mudanças na configuração da população economicamente ativa, com diferenças da taxa de
ocupação na faixa etária juvenil, como vemos no gráfico abaixo:

Gráfico 2 – Evolução da taxa de ocupação na população total de 15 a 29 anos – Brasil (1992 –


2013) (em %)

Fonte: IBGE (2013).

Houve uma diminuição da taxa de ocupação de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos


e aumento da ocupação na faixa etária de 25 a 29 anos. Como apontam Sposito e Souza
(2014), ao analisar a situação de trabalho de jovens nos anos de 2001 a 2011, os dados
indicavam um afastamento dos/as jovens adolescentes (15 a 17 anos) da condição
trabalhadora, o que tende a expressar que os/as jovens desta faixa etária se dedicavam,
exclusivamente, aos estudos. Mesmo que saibamos que os contextos são diferentes,

66
André Singer ressalta, por exemplo, que, mesmo diante de políticas de redistribuição de renda, aumento de
salário, redução da pobreza, crescimento econômico e diminuição de desemprego, havia a manutenção de
relações econômicas anteriores, bem como as alianças para a execução dessas relações. (SINGER, 2012) O
autor cita, ainda, que “ao tomar das propostas originais do PT aquilo que não implica enfrentar o capital,
como seria o caso da tributação das fortunas, revisão das privatizações, redução da jornada de trabalho,
desapropriação de latifúndios, ou negociação de preços por meio dos fóruns de cadeias produtivas, o lulismo
manteve o rumo geral das reformas previstas, não obstante aplicando-as de forma muito lenta. É a lentidão
que permite interpretá-lo como tendo um sentido conservador” (SINGER, 2012, p. 193).
98

dependendo da classe, raça/cor, sexo e território, esse afastamento é positivo, pois aponta a
possibilidade de não ter o/a jovem que conciliar trabalho e escola (SPOSITO; SOUZA, 2014).
Para Manzano e Caldeira (2018), tal alteração era um indicativo de melhoria social, pois a
diminuição envolve grupos de idade localizados nos extremos da distribuição etária (se
referindo também à queda da ocupação das pessoas com mais de 50 anos) e a ampliação
ocorre para os jovens adultos. Os autores ressaltam que a diminuição nas duas primeiras
faixas da juventude se deve tanto a fatores demográficos quanto socioeconômicos. Ou seja,
existiu uma queda da participação no mercado e ao mesmo tempo a “possibilidade de se
manterem mais tempo na condição de inatividade econômica, fato relacionado à desobrigação
dos jovens enquanto contribuinte da renda familiar” (idem, p. 11). Por sua vez, essa
“dispensa” tendia estar relacionada a melhorias das condições sociais e econômicas da
população de modo geral, especialmente melhoria da distribuição de renda, redução da
pobreza e elevação da renda média das famílias (BALTAR, 2010). Ademais, poderia estar
relacionada também à expansão educacional dos anos 1990 (GUIMARÃES; MARTELETO;
BRITO, 2016).
Tais mudanças, no entanto, não chegaram a alterar a realidade da juventude brasileira
como trabalhadora, especialmente os/as jovens de camadas populares. Assim é o/a jovem
trabalhador/a que se torna estudante, pois a postergação da entrada no mercado na faixa etária
citada não retira o trabalho da condição juvenil, seja como realidade presente (trabalho
informal ou mesmo trabalho doméstico), seja como projeto de futuro (SPOSITO; SOUZA,
2014; CORROCHANO, 2014).
Outro elemento importante desse período que aconteceu em todos os grupos etários foi
o aumento de formalização dos vínculos empregatícios, inclusive para a faixa etária juvenil
(BALTAR, 2010). A construção de um mercado de trabalho com trabalhos protegidos é
essencial numa sociedade marcada pela flexibilidade e precariedade, pois garante, a partir do
papel do Estado, a efetivação dos direitos trabalhistas regulamentados na CLT. Aconteceu
inclusive, a partir de 2003, a formalização no setor público brasileiro, seja pela administração
direta do município, seja decorrente do governo federal para reverter a lógica de contratação
precária do governo anterior (Fernando MATTOS, 2015).
Articulado ao contexto de formalização e de trabalho protegido, a partir de 1999,
houve melhoria no sistema de fiscalização do trabalho, embora não suficiente, no qual
destacamos o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo, em convênio com a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), como parte da Agenda Nacional de Trabalho Decente.
99

O Trabalho Decente passou a ser um compromisso entre o governo brasileiro e OIT,


em 2003, a partir da assinatura do Memorando do Entendimento67, com o objetivo deconstruir
um Programa Especial de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de
Trabalho Decente. De acordo com a OIT, o Trabalho Decente é definido como:

trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade,


equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. Para a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a noção de trabalho decente se apoia em
quatro pilares estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho,
em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade
sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do
trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria
de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão
da proteção social; d) diálogo social (OIT, 2006, p. 05).

Tendo como base esses princípios, no ano de 2006, foi elaborada a Agenda Nacional
de Trabalho Decente. A construção da “agenda”, entendida aqui como temas e problemas que
são prioridade política do governo em determinado momento político, ratifica a importância
que o governo dava ao trabalho.
No que tange especificamente às juventudes, no ano de 2010, foi aprovada e lançada a
Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ) e o Plano Nacional de
Trabalho Decente para a Juventude (PNTDJ). Discutida entre 2013 e 2016, a construção da
Agenda envolveu o diálogo entre diferentes setores da sociedade, tais como as diversas
instâncias do governo federal, organizações da juventude, centrais sindicais, confederações
empresariais, pesquisadores e outras entidades da sociedade civil, com o apoio técnico da OIT
(CORROCHANO; Helena ABRAMO; Laís ABRAMO, 2017, p. 139).
A elaboração de uma Agenda própria para as juventudes é corroborada pelo Ministério
do Trabalho e Emprego ao ressaltar que

[...] a construção de uma agenda nacional de trabalho decente para a


juventude é tarefa extremamente relevante, e ganha importância quando
falamos do Brasil, onde o trabalho tem intensa presença na vida juvenil, ou
mesmo se faz presente, muitas vezes, antes da idade legal para trabalhar,
ainda na infância ou adolescência (BRASIL, 2011, p. 3).

Tais constatações vêm reforçar que no Brasil o trabalho, assim como a escola,
“faz[em] juventudes”, o que corrobora com André Mendes (2013), ao afirmar que a visão

67
Memorando do Entendimento se refere a um acordo entre duas ou mais partes para construir termos de um
entendimento. Normalmente é o primeiro passo para uma formalização de jurídico mais elaborado.
100

fásica do desenvolvimento, em que a criança brinca, o jovem se forma e o adulto trabalha,


tende a não ser aplicável às camadas populares e, certamente, merece ser relativizada.
Os/as jovens brasileiros/as, especialmente os/as jovens pobres estão inseridos/as no
mundo do trabalho e, como já explicitamos, são eles/as os/as mais expostos/as às sinuosidades
do mercado68. A Agenda Nacional de Trabalho Decente para Juventude pressupõe considerar
os/as jovens como sujeitos de direitos, tentando superar a dualidade [trabalho e estudos],
chamando a atenção para o fato de que há a necessidade de examinar as condições em que o
trabalho é exercido e de promover garantias de que essa inserção não seja prejudicial ao seu
desenvolvimento integral, da qual a educação é parte fundamental (CORROCHANO;
ABRAMO H.; ABRAMO L., 2017, p. 149). Assim, considerando o diagnóstico da condição
juvenil em relação ao trabalho educação, são propostas quatro ações prioritáriaspara a Agenda
Nacional de Trabalho Decente para a Juventude que apontaremos bem resumidamente: 1)
“Mais e melhor educação”- que busca elevar os níveis de ensino de jovens com igualdade de
oportunidades de tratamento de classe, gênero, raça e implementação de políticas públicas
para garantir a observância efetiva da idade mínima de ingresso no mercado de trabalho,
conforme legislação brasileira vigente; 2) “Conciliação de estudos, trabalho e vida familiar” –
tal proposta busca ampliar as possibilidades de conciliação entre trabalho, estudo e da vida
familiar de forma que o trabalho não prejudique os demais; 3) “Inserção ativa e digna no
mundo do trabalho” – busca possibilitar mais e melhores oportunidades de empregos e outras
oportunidades de trabalho para os/as jovens e igualdade de tratamento e de oportunidade; 4)
“Diálogo Social” – fomentar e ampliar o debate acerca de melhores alternativas para inserção
juvenil no trabalho69 (BRASIL, 2010).
Ressaltamos que a reflexão da Agenda reconhece os/as jovens trabalhadores/as
também como estudantes, buscando construir possibilidades de garantir conciliação digna
para a grande maioria de jovens pobres que estudam e trabalham, bem como garantir
tempo/espaço com a família.
Enfim, podemos sintetizar, afirmando com Claudio Dedecca (2015), que o país, no
período de 2004 a 2014, vivenciou uma queda da desigualdade com “a elevação dos níveis de
renda dos diversos estratos, amparada no crescimento econômico, com geração de empregos
formais, políticas públicas ativas de renda e uma melhoria progressiva das contas públicas do

68
Cf. Leila JEOLÁS, 2007; CORROCHANO, 2008; Naercio MENEZES FILHO et al., 2013; SILVA, 2014;
MANZANO; CALDEIRA, 2018.
69
Apresentamos aqui uma síntese das prioridades da Agenda Nacional de Trabalho Decente para Juventude
(2011). A discussão completa traz em detalhes todas as prioridades, exemplificando a linha de ação.
101

governo federal” (DEDECCA, 2015, p. 9). Tais mudanças possibilitaram uma estruturação
domercado de trabalho, contrariando, por sua vez, as tendências especialmente de redução do
Estado e precariedade do trabalho do neoliberalismo. Salas e Leite (2017) enfatizam que as
melhorias atingiram a grupos normalmente excluídos, como mulheres e negros/as.
Consideramos também que a juventude foi beneficiada, seja com a diminuição da ocupação
especialmente em determinada faixa, como mostramos, seja na ampliação em outras, além da
ampliação do sistema educacional. É este o contexto no qual os/as jovens interlocutores/as
desta pesquisa iniciaram suas trajetórias no mercado de trabalho.

3.3.3 Alguns apontamos sobre a crise no mercado de trabalho a partir de 2014

Podemos dizer que um conjunto de fatores (crise política e econômica, queda da taxa
de investimento, endividamento das empresas e das famílias, dentre outros) desarticularam a
estrutura política, institucional e econômica que vinha se configurando no Brasil, desde o
início dos anos 2000. Segundo Salas e Leite (2017),

o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015 significou uma


deterioração dos dados da estrutura ocupacional, antes mesmo, portanto, das
mudanças trabalhistas e do corte das políticas públicas de cunho social
promovidos pelo atual governo. Neste sentido, consideramos que os dados
nos permitem caracterizar três diferentes momentos para o período aberto a
partir de 2004: o primeiro e mais extenso, que vai de 2004 a 2012, que foi
um período de importante melhoria da estrutura ocupacional; o
compreendido pelos anos 2013 e 2014, que foi de uma estabilidade relativa,
caracterizada pela permanência da situação anterior; e o que se abre em
2015, marcado por um processo abrupto de deterioração (SALAS; LEITE,
2017, p. 4).

Assim, o crescimento econômico, junto à inclusão social que o Brasil experimentava


até então, vai sendo consumido pela grave crise econômica e política. Tal crise tem a
precariedade do trabalho como um elemento marcante, porém, o que a torna mais complexa
para os/as trabalhadores/as se refere, a nosso ver, à institucionalização e à legalização dessa
precariedade.
Nesse contexto, foi aprovada, em março de 2017, a lei conhecida como Lei da
Terceirização (Lei 13.429/2017)70 que, dentre outras autorizações, permite que as empresas
contratem funcionários/as terceirizados/as para executarem atividades-fim, ou seja, as
principais funções de uma empresa. Não existia até então uma legislação própria para a

70
Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Altera os dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que
dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações
de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
102

terceirização, mas a Justiça do Trabalho autorizava a execução somente para atividades-meio,


tais como serviço de limpeza e manutenção. Não podemos esquecer que a “terceirização é
uma forma de contratar a mão de obra com potencial altamente precarizador das relações de
trabalho, acirrando desigualdades e fragmentando a organização dos trabalhadores” (Magda
BIAVASCHI; Marilane TEIXEIRA 2015, p. 38). Sendo assim, na prática, a relação de
emprego passa a ser uma relação comercial, na qual os direitos trabalhistas são negligenciados
em função dos beneficiários da força de trabalho que se isentam de quaisquer
responsabilidades.
Podemos dizer que a terceirização é um processo antigo de organização da produção e
do trabalho visando diminuir os custos e aumentar a flexibilidade. Segundo Helena Hirata
(2016), existe uma experiência acumulada sobre as consequências da terceirização que afetam
principalmente os direitos dos/as trabalhadores/as. Ela ressalta, ainda, as consequências
negativas para a saúde e segurança, visto que os/as trabalhadores/as terceirizados/as, por
definição, não são formados/as para uma atividade específica e chama-nosa atenção para as
consequências da terceirização para homens e mulheres. Podemos dizer que a terceirização
para as mulheres é ainda mais intensa, pois grande parte das mulheres está inserida em
espaços de trabalho já precarizado, tais como aqueles relacionados a serviços, com menor
remuneração e menores salários (HIRATA, 2016; Christian DUARTE; SALAS, s/d). Na
reflexão que desenvolveremos, será possível denotar, assim como menciona Hirata (2016),
que a terceirização já mostra sua face, especialmente no espaço público, e buscaremos
analisar como os/as jovens vivenciam suas experiências como terceirizados/as.
No contexto da crise, além da Lei da terceirização, “assistimos” a aprovação da
intitulada Reforma Trabalhista em 13 de julho de 2017 (Lei nº 13.467/2017)71. Tal reforma
alterou mais de cem artigos e parágrafos da CLT e mudou de forma drástica o funcionamento
do mercado de trabalho. Isso porque, segundo Sandro Carvalho (2017),

há, no conjunto da Lei n. 13.467/2017, uma lógica que busca diminuir, no


marco do direito do trabalho no Brasil, a noção de que a venda da
mercadoria força de trabalho trata-se de uma relação entre pessoas,
substituindo-a por uma visão que trata essa venda como uma relação entre
coisas (CARVALHO, 2017, p. 81).

71
Lei nº 13.467/2017 - Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no
5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974; 8.036, de 11 de maio de 1990; e
8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.
103

Considerar a força de trabalho humana como uma mercadoria é desconsiderar que o


indivíduo trabalhador/a não é somente “força” de trabalho72. Tal postura aparece nos
primórdios da Revolução Industrial, a qual foram anos de lutas e buscas por garantias de
direitos que são, a partir dessa Lei, rompidos, representando um retrocesso, especialmente
para o/a trabalhador/a e certamente para os/as jovens, visto que são os/as mais atingidos/as
com as mudanças e crise do mercado de trabalho.
Outro elemento central da chamada Reforma Trabalhista é a prevalência de acordos
coletivos sobre a Lei, ou seja, o negociado prevalece sobre o legislado, como diz o artigo
aprovado na Câmara:

No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do


Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais
do negócio jurídico, respeitado o disposto no artigo104 da Lei nº 10.406, de
10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio
da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (BRASIL, 2017).73.

Não abordaremos todos os pontos da reforma, pois consideramos que tanto a visão
do/a trabalhador/a como mercadoria quanto a prevalência do negociado são suficientes para
considerarmos que estamos diante de um cenário crítico do mundo do trabalho. A Justiça do
Trabalho, que atuava em prol dos direitos do/a trabalhador/a, deve apenas analisar a
conformidade aos elementos juridicamente formais. Carvalho (2017, p. 83) salienta que “o
legislador procura estabelecer que a ausência de contrapartidas pela retirada de direitos legais

72
Optamos por trazer um exemplo explicitado por Carvalho (2017) que concordamos ser umas das formas
disposta nessa Lei que desconsideram o trabalhador como ser humano e, especialmente sujeitos de direitos,
sendo nessa lógica, portando, uma “mercadoria como outra qualquer”. O autor expõe como “a junção de
dois ou mais dispositivos pode ter um potencial danoso ao trabalhador do que quando analisados
isoladamente. O Artigo 394 - A permite o trabalho de gestantes em atividades insalubres em graus médio e
mínimo, exceto mediante apresentação de atestado de saúde; entretanto, o item XII do Artigo 611-A permite
a negociação do enquadramento da insalubridade, o que abre a possibilidade para que gestantes trabalhem
em condições de insalubridade que atualmente sejam consideradas de grau máximo” (CARVALHO, 2017,
p. 84).
73
Acontece a introdução na CLT, do artigo 611 - A: Art. 611 - A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de
trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de
trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada,
respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa
Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos,
salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos
que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos
trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX –
remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por
desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de XI – troca do dia de feriado; XII –
enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem
licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens
ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou
resultados da empresa (BRASIL, 2017).
104

não deve ensejar a nulidade dos acordos por vício do negócio jurídico”, desta forma, rompe
com a prática comum da Justiça do Trabalho que buscava anular acordos que continham
apenas cláusulas que restringiam os direitos. Conjuntamente, no início do ano 2019, com o
começo da nova gestão na presidência da república, o Ministério do Trabalho foi extinto, o
que pode contribuir para acirrar a precariedade e as desigualdades já presentes no mercado de
trabalho. Essa decisão parece desconsiderar o trabalho como elemento primordial da
existência humana, pois não se terá mais um órgão específico para refletir as estratégias,
diretrizes e a aplicação dos recursos públicos, especificadamente para o trabalho e emprego.
Ante a esse panorama de (des)construção do mercado de trabalho, concordamos que as
análises de Ricardo Antunes (2011) sobre a informalidade cabe neste contexto atual, pois o
autor ressalta que:

é nesse quadro, caracterizado por um processo tendencial de precarização


estrutural do trabalho, em amplitude ainda maior, que os capitais globais
estão [realizando] exigindo também o desmonte da legislação social
protetora do trabalho. E flexibilizar essa legislação social significa - não é
possível ter nenhuma ilusão sobre isso - aumentar ainda mais os mecanismos
de extração do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição
dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe
trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e
especialmente pós-1930, quando se toma o exemplo brasileiro (ANTUNES,
2011, p. 411).

A partir das considerações que fizemos sobre o mercado de trabalho, especialmente a


aprovação da Lei de Terceirização e da Reforma Trabalhista, o que pareceria somente uma
pressão (exigência) para o desmonte do trabalho protegido e do trabalhador se configura como
realidade. Concordamos com Antunes (2011), que não existe ilusão sobre a ampliação de
todas as formas de precarização, pois o novo cenário do mercado de trabalho concretizado
rompe com a proteção do trabalho e legitima ainda mais a exploração do/a trabalhador/a.
Os/As jovens interlocutores/as desta pesquisa vivenciaram possibilidades de inserção
no mercado de trabalho consideradas mais favoráveis, desde a inserção como trabalhadores/as
na UFMG, entre 2011 e 2013, porém o panorama que abordamos mostra o quanto as
configurações do mercado de trabalho se alteraram. As mudanças que pontuamos,
especialmente no trabalho em sua forma assalariada, fazem com que palavras como incerteza,
insegurança, crise, transformações passem a compor ainda mais a dinâmica do trabalho. Logo,
evidenciamos que os avanços alcançados, a partir dos anos 2000, “não foram suficientes para
eliminar a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro: novas formas de precarização
das ocupações avançam, tal como a terceirização, e persistem desigualdades na qualidade
105

dospostos de trabalho, nos salários e nas jornadas de trabalho” (CORROCHANO, 2014, p.


211). Neste sentido, será importante entender os acessos que os/as jovens pesquisados/as
conseguem no mercado de trabalho, analisando as possibilidades que eles/as encontram e em
que medida e intensidade as (contra)reformas os/as atingem.
No cenário da crise, os aspectos do mundo laboral que considerávamos mais
suscetíveis à juventude são vividos pela população ativa de maneira geral, embora
consideremos que os/as jovens ainda estão expostos mais intensamente aos dilemas e
transformações do mundo do trabalho (GUIMARÃES; MARTELETO; BRITO, 2016).
Diante de um contexto de piora do emprego e da renda das famílias que as puxa para posições
inferiores na estrutura social, marcada pelo estreitamento das políticas públicas e de proteção
social, a tendência é aumentar a busca do trabalho por parte dos/as jovens que passam a
aceitar “qualquer coisa” (Waldir QUADROS, 2017; WICKERT, 2006; CORROCHANO,
2008). A informalidade e outras formas de inserções precárias que sempre estiveram presentes
no mercado de trabalho brasileiro se intensificam, visto que, especialmente para os/as jovens,
conseguir ou se manter em um trabalho tende a estar articulado à submissão perante as
exigências dos/as empregadores/as, de baixos salários, longas jornadas e ritmos intensos
(CORROCHANO, 2014; BONO; LEITE, 2016). Lembramos que a informalidade é um
importante marcador de desigualdades que se reproduzem não apenas pelo território nacional
– as desigualdades regionais –, como também entre os grupos populacionais específicos
(PNAD, 2017, p. 37).
A crise do mercado de trabalho pode alterar a possibilidade de alguns/algumas jovens
de poderem “apenas” estudar, como era a realidade no início dos anos 2000. Com a
diminuição da renda e até desemprego de membros da família os/as jovens, especialmente
os/as jovens-adolescentes, podem ser impelidos a se inserir no mercado de trabalho, visto que
sua renda pode ser fundamental para o grupo familiar (SANTOS; GIMENEZ, 2015), o que
tende a reforçar que a escolha por trabalhar não é apenas um ato individual, podendo começar
“ainda na infância ou na adolescência e até na juventude e a vida familiar parece ter uma
relação muito significativa com essa decisão” (CORROCHANO, 2001, p. 83).
Tendo como base o contexto de crise do mercado de trabalho brasileiro, o diagnóstico
da OIT sobre o trabalho para os/as jovens hoje evidencia um tom de denúncia, pois, para
garantir um Trabalho Decente para a juventude, seria necessário construir estratégias de
enfretamento a um mercado de trabalho precário para toda a população. Diante dele, a
pergunta de Mariléia Silva (2014, p. 191) é “como garantir trabalho decente na lógica
capitalista que, em si, é ‘indecente’”? Esta questão remete a uma crítica ao conceito de
106

trabalho decente74 o que consideramos plausível visto que, parece paradoxal buscar trabalho
decente no contexto do mercado de trabalho brasileiro. Contudo, consideramos que a noção
de trabalho decente é pertinente, pois contempla várias dimensões fundamentais para a esfera
do trabalho, tais como oportunidades de trabalho, rendimento, jornada de trabalho, ambiente
de trabalho, combinação com outras dimensões da vida (vida pessoal e familiar), diálogo
social. Assim, consideramos que o conceito contribui para tensionar as lógicas do mercado e
potencializar trabalhos efetivamente decentes.
Por fim, consideramos que a contextualização que realizamos contribui para
evidenciar o quanto o mercado de trabalho brasileiro se configurou como um espaço/tempo
precário, instável e incerto que demanda dos/as trabalhadores/as buscar estratégias para
alcança-lo e permanecer inseridos/as, pois mesmo em momentos de crescimento econômico
tais características não são rompidas. E é nesse mercado que os/as jovens pesquisados/as se
inserem e enfrentando os desafios colocados pela estrutura social constroem percursos de
individuação singulares, os quais procuraremos analisar.

3.4 “Sociologia do Indivíduo” e a individuação

A possibilidade de análise dos dados a partir da chamada “sociologia do indivíduo”,


tendo como base a construção realizada por Danilo Martuccelli, estava sinalizada desde a
construção do projeto desta tese de doutorado. Mas o processo da pesquisa, a todo o
momento, questionava nossas escolhas potencializando significativamente o exercício de
“imaginação sociológica”. Neste processo a análise empírica demandou ampliar o olhar sobre
os dados coletados, tornando necessário lançar mão de outros/as autores/as para darmos conta
da realidade pesquisada, pluralizando a abordagem como sociologias do indivíduo. É o que
discutiremos a seguir.
A sociologia do indivíduo, enquanto um campo teórico mais amplo, se justifica tendo
em vista que “mais que uma simples perspectiva de análise, que supõe teorias e métodos
particulares, a sociologia do indivíduo é uma sensibilidade intelectual e existencial”
(MARTUCCELLI; SINGLY, 2012, p. 11). Ela permite “conhecer os indivíduos” entendendo
que mais que um “personagem social”, como apontado na sociologia clássica, os indivíduos
tornam-se mais independentes das posições ou classes sociais se constituindo “entre isto e

74
Diferentes autores/as produzem críticas ao conceito de trabalho decente. Não vamos desenvolver esse
debate, mas cabe salientar que as críticas se relacionam à concepção de trabalho decente como um trabalho
formal, à dicotomia entre trabalho decente e trabalho precário que o conceito tende a produzir, à ênfase nas
condições contratuais de trabalho desconsiderando aspectos vinculados às características intrínsecas dos
empregos, dentre outras questões (Daniel MOCELIN, 2011; Roberto ANAU, 2011).
107

aquilo, nos entremeios dos espaços, tempos, encontros e desencontros da/na vida social”
(LEAL, 2017, p. 105). Assim, pensar sociologicamente os/as jovens a partir da sociologia do
indivíduo parecia ser, de fato, uma potencialidade, pois nosso interesse estava especialmente
centrado nas experiências dos/as jovens no mundo do trabalho e nos processos de
escolarização, buscando entrever as relações com o contexto de mudança social e econômica.
Martuccelli e Singly (2012) ressaltam que “com a modernidade, as sociedades
ocidentais outorgaram um lugar mais amplo ao indivíduo” (p. 12). É importante pontuar que a
sociologia sempre se interessou pelos indivíduos, mas a análise da sociologia contemporânea
ganhou outros contornos, tendo em vista que parte do indivíduo para compreender a
inteligibilidade dos fenômenos sociais e as novas relações entre dimensões sociais e pessoais.
Assim, a escolha pelas sociologias do indivíduo mostrou-se adequada diante das múltiplas
experiências que os indivíduos estavam enredados, junto à interpretação de que exista uma
nova maneira de se fazer a sociedade. Por isso, novas abordagens sociológicas apareceram,
buscando desenvolver cuidadosamente as sociologias do indivíduo, “tendo em vista que é o
indivíduo, com sua personalidade, que dará concretude e realidade ao papel social e a
instituição. Ele é cada vez mais chamado a construir experiências do que interiorizar papéis”
(CORROCHANO, 2008, p. 27; DUBET, 1994; LAHIRE, 2004; MARTUCCELLI, 2007).
A sociologia, desde sua origem, dispõe de três grandes estratégias intelectuais para o
estudo do indivíduo, quais sejam: socialização, subjetivação75 e individuação. Tais
perspectivas proporcionam modos distintos para lermos os indivíduos, embora possam ser
feitas “hibridações76”, ou seja, mais de uma perspectiva podem estar juntas
(MARTUCCELLI, 2006). Na presente pesquisa, optamos em construir uma análise que
articula a socialização e a individuação, tendo esta última como eixo central. Logo, nossas
reflexões voltaram-se para os percursos de individuação juvenis, levando em conta os
processos de socialização, especialmente nos âmbitos familiar, escolar e laboral.
Consideramos que as práticas socializadoras e os processos de individuação são
dinâmicas imprescindíveis na análise sociológica contemporânea (MARTUCCELLI, 2007;

75
O questionamento dessa matriz teórica é “como em uma sociedade moderna racionalizada e altamente
administrada existem possibilidades de emancipação do indivíduo?” Martuccelli (2006, p. 75) afirma que
“para dar cuenta de este doble proceso de dominación y de emancipación, la subjetivación ha trabajado a lo
largo de su decurso histórico a través de un doble proceso. Por un lado, la dialéctica entre el sujeto
individual y el sujeto colectivo e histórico (en este registro la emancipación del sujeto individual depende del
sujeto colectivo o histórico). Por el otro lado a través de la dinámica entre las posibilidades de emancipación
y las capacidades crecientes de sujeción del sistema social (en este segundo eje, de lo que se trata es de
describir el juego cruzado entre los márgenes de emancipación y los procesos de racionalización, entre la
subjetivación y la sujeción).
76
Cf. Juliana Reis (2014).
108

ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012; GIDDENS, 2002; REIS, 2014). A socialização é a


primeira grande matriz pela qual os/as sociólogos/as analisam os indivíduos. O estudo do
indivíduo a partir da socialização é importante, pois esta significa “el proceso por el cual una
sociedad se dota de sus miembros y al mismo tiempo es el proceso por el cual un indivíduo se
convierte en miembro de una sociedad” (MARTUCCELLI, 2006, p. 69). Na análise pela via
da socialização se questiona “como é possível a vida social” ou como se mantém a “ordem ou
a coesão social?” (MARTUCCELLI; SINGLY, 2012). Busca-se entender o processo de
fabricação social e psicológico do ator. Cabe lembrar que as maneiras de compreender os
indivíduos foram se alterando ao longo do processo de construção do conhecimento no campo
das ciências sociais e humanas. Martuccelli e Singly (2012) apontam a existência de duas
modernidades. A primeira modernidade, desde o final do século XIX, e a segunda
modernidade, especialmente a partir da década de 1960.
A primeira modernidade tem como base o indivíduo abstrato e a primazia da razão,
tendo como referência o sociólogo Émile Durkheim (1955). Tendo como base esse autor,
podemos dizer que a socialização privilegiava o caráter externo e coercitivo da sociedade e a
internalização pelos indivíduos dos valores e comportamentos sociais através dos processos
educativos. Dessa maneira, para que o indivíduo fosse suficientemente sólido na sociedade
moderna, era necessário que ele fosse socializado de determinada maneira e a educação
aparecia como o centro do dispositivo de enquadramento social. Como nos lembram Tânia
Quintaneiro, Maria Barbosa, Márcia Oliveira (2009), a educação:

“cria no homem um ser novo”, insere-o em uma sociedade, leva-o a


compartilhar com outros uma certa escala de valores, sentimentos e
comportamentos. E se as maneiras de agir e sentir próprias de uma sociedade
precisam ser transmitidas por meio da aprendizagem é porque são externas
aos indivíduos (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2009, p. 70)

Nesta perspectiva, há uma correspondência entre o ator e o sistema, com poucos


espaços para que os sujeitos se construam através de suas escolhas e além das imposições
dasinstituições77. Como explicitam Martuccelli e Singly (2010), nos cursos ofertados por
Durkheim, o autor explicitava que era necessário o indivíduo aprender a desingularizar-se em
alguns momentos. Cabe ressaltar como explicita Juliana Reis (2014) que:

77
Concordamos com as ponderações de Reis (2014) que enfatiza que, mesmo diante de uma produção do
século XIX, a partir da sociologia durkheimiana, cabe apontar para as mudanças do contexto atual, em que
as gerações mais novas, especialmente as juventudes, se apropriam de determinados saberes, tal como o
“manuseio de artefatos e recursos tecnológicos”, se constituem como sujeitos a e se mostram mais
habilitados para ensinar ou informar as lógicas da cibercultura.
109

perante a análise funcionalista durkheimiana, que privilegia a sociedade em


face dos indivíduos, é condizente ponderar que as teorizações são
construídas na disputa por maneiras de conceber as ciências sociais, além de
relacionarem-se com o tempo histórico subjacente às análises. Em outras
palavras, por um lado, a existência de teorias que elevam a condição da
unidade social às instituições e à sociedade como elementos estruturantes da
vida coletiva e, por outro, compreensões que dão relevância ao indivíduo
enquanto eixo norteador, mostram como as sociedades humanas estão em
permanente fluxo (REIS, 2014, p. 24).

Desta maneira, na perspectiva do fluxo mencionado por Reis (2014), na segunda


modernidade aparecem outras maneiras de analisar os processos de socialização do indivíduo,
os quais contribuem para novas práticas de se fazer sociologia. Martuccelli e Singly (2010)
apresentam três características importantes da chamada segunda modernidade: o fim da
crença no progresso, a desestabilização das instituições e a importância da singularidade dos
indivíduos. A partir dos anos 1960, Peter Berger e Thomas Luckman (1995) complexificaram
a ideia de socialização trazendo a dimensão da socialização primária e da socialização
secundária, o que remetia a uma ordem social subjetivamente compartilhada por parte dos
indivíduos. A partir desta clivagem, a sociologia começou a ampliar o olhar para a
multiplicidade de espaços socializadores, bem como para a singularidade das trajetórias e
escolhas. Ademais, passou a reconhecer que os espaços de socialização não apenas
reproduziamas normas e a ordem social, mas possibilitavam certa autonomia individual, o
jogo do Eu (Alberto MELUCCI, 2004), o que, por sua vez, proporcionava transformações e
outras construções das relações humanas. Foi a partir dessa abertura nos estudos de
socialização que surgiram trabalhos de uma sociologia mais individualizada contemplando as
dimensões plurais e contraditórias das vivências pessoais.
Neste processo, nos lembram Martuccelli e Singly (2012, p. 29) de que os sociólogos,
“ao interessarem-se pelas trajetórias individuais, descobrem que essas não podem ser
reduzidas a figuras tipos, e decidem progressivamente a prestar maior atenção nos
indivíduos”. Amplia-se a ideia de que a sociedade e as instituições não conseguem mais
transmitir de maneira harmoniosa as normas de ação e o indivíduo é convocado a dar sentido
a sua trajetória. Assim, com mais pertinência, se impõe a necessidade de reconhecimento dos
processos diferenciados das trajetórias individuais. Reis (2014) recorda-nos de que cada um é
fruto de uma série cada vez mais contingente e diversa de experiências de socialização. Pensar
a socialização hoje implica em considerá-la como um “processo construído coletiva e
individualmente capaz de dar conta das diferentes maneiras de ser e estar no mundo”
(SETTON, 2013, p. 199). Implica constatar que, na sociedade contemporânea, as próprias
instituições responsabilizam os/as atores/as pela construção de suas trajetórias. Veremos na
110

análise sobre as experiências vivenciadas pelos/as jovens nos âmbitos da família, do trabalho
e da escola como tais instituições não se limitavam a exercer imposições aos indivíduos, mas
se colocavam também como recursos que os sujeitos precisavam aprender a mobilizar
(DUBAR, 2009; GIDDENS, 1997; REIS, 2014).
Neste sentido, podemos entender que os processos de socialização estão imbricados
nos processos de individuação. A perspectiva da socialização nos possibilita compreender o
papel da família, da escola e do trabalho apenas em parte, naquilo que os/as jovens hoje
expressam enquanto comportamentos, valores e visões de mundo, na medida em que se
centram no passado, no que foi experienciado e internalizado. Mas, a socialização não dá
conta da ação dos indivíduos na mobilização das instituições, não dá conta dos processos de
reelaboração constantes que os indivíduos vão fazendo na medida de suas experiências
presentes, ou seja, da ação de cada um sobre si mesmo. Significa dizer que, para compreender
como os/as jovens se constroem como indivíduos, é importante recuperar como se deram as
suas experiências socializadoras, mas é preciso também atentar para as possíveis articulações
que cada um/a vai fazendo entre o passado e o presente, entre as matrizes socializadoras e o
trabalho que cada um/a faz sobre si mesmo/a para responder aos desafios postos pela
realidade onde se insere. Neste sentido, os processos de socialização contemporâneos são
simultaneamente processos de individuação.
A noção de individuação se insere no contexto da sociologia do indivíduo, como
explicitam Martuccelli e Singly (2012),

[...] a sociologia do indivíduo propriamente dita, às vezes em diálogo crítico


com a tese do individualismo institucional somente se constitui
verdadeiramente quando se leva em conta a complexidade institucional
contemporânea, quando já não se define os agentes sociais somente por um
pertencimento típico (classe social, gênero, geração), e quando se presta
atenção no trabalho que cada um realiza sobre si mesmo (MARTUCCELLI;
SINGLY, 2012, p. 34).

Os autores enfatizam a centralidade do indivíduo chamando a atenção para que seu


processo de constituição permite descrever uma nova forma de fazer a sociedade. Os
indivíduos não param de singularizar-se. Neste sentido, a matriz sociológica da individuação,
segundo Martuccelli (2006), busca responder “que tipo de indivíduo se fabrica
estruturalmente numa determinada sociedade em um período histórico”, permitindo um olhar
privilegiado sobre a autonomia dos indivíduos e suas ações perante as injunções sociais. Para
responder a tal questão é necessário o entrecruzamento de um eixo diacrônico (histórico) e um
eixo sincrônico (biográfico), tendo em vista que as transformações históricas precisam ser
111

percebidas através das experiências dos indivíduos. Isso parece fundamental, especialmente
em uma sociedade em que as mensagens são fortemente dirigidas aos indivíduos.
Cabe citar que a matriz da individuação não desconsidera as dimensões subjetivas,
pois, como salienta Leal (2017) nos estudos, pela via da individuação, “nota-se progressiva
tendência de singularização da análise sendo que, cada vez mais, se escrutina dimensões mais
subjetivas e íntimas dos indivíduos” (p. 106). Segundo Martuccelli (2006), a construção
histórica da individuação, no campo das ciências sociais, está dividida em dois momentos. O
primeiro, entre o final do século XIX até 1960, esteve articulado “aos fatores estruturais de
individuação”. Diferentes autores/as chamavam a atenção para o processo de diferenciação
social crescente “que trae como consecuencia una multiplicación de círculos sociales y de
ámbitos de acción regidos por normas disímiles” (MARTUCCELLI, 2006, p. 80). Assim, os
indivíduos vão se individualizar cada vez mais, pois são submetidos a uma pluralidade de
papéis, normas, atividades, o que tende a implicar uma diferenciação crescente das trajetórias
pessoais. Neste momento, mais que experiências singulares o foco estaria nos fatores de
individuação. Ou seja, interessa conhecer as consequências das grandes transformações
sociais e o tipo de indivíduo que forjam. Em um segundo momento, após 1960, segundo o
Martuccelli, nota-se uma inflexão nesta matriz analítica, que se consolidou na década de 1980
na Alemanha e na Inglaterra, posteriormente, na França, passando a ser denominada de
“individualização”. Para Martuccelli (2006, p. 81), se trata de “una variante de lectura
particular (y contemporánea) de la matriz de la individuación”. Ressaltamos que, por essa
perspectiva, não se abandonam as reflexões sobre os grandes fatores estruturais, mas amplia-
se o interesse pelas experiências individuais e o esforço de singularização das análises
(MARTUCCELLI, 2006; LEAL, 2017). Desta maneira, como explicita Leal (2017, p. 107),
“os estudos passam a ser mais finos e passa-se a se dar conta dos problemas sociais ao nível
dos indivíduos [...] as experiências individuais são um elemento chave da interpretação e da
análise sociológica”.
Ainda sobre a individualização, Martuccelli (2006) enfatiza que a tese central é que as
instituições estão trabalhando de outras maneiras, assim, os indivíduos se veem confrontados
a responder problemas inéditos, o que os obriga “a hacer un uso permanente de la
reflexividad” (idem, p. 82). Logo, a reflexividade se converte em um elemento fundamental
do atual processo de individuação.
Ante tais reflexões e, considerando que “na realidade, não há tanto uma juventude e
sim jovens” (DAYRELL, 2007), ratificamos que problematizar sociologicamente os/as
jovens, a partir dessas matrizes, permite apreender que os indivíduos, embora compartilhem
112

de posições sociais comuns ou mesmo destinos geracionais em comum, articulam histórias de


vida únicas (Paulo CARRANO, 2009).

3.4.1 As sociologias do indivíduo

Martuccelli e Singly (2012) enfatizam que os estudos que privilegiam a sociologia do


indivíduo podem ser desenvolvidos de diferentes maneiras, a depender do autor, ou seja,
existem “sociologias do indivíduo”. Assim, inspirados em diferentes autores/as da sociologia
do indivíduo, buscamos compreender os percursos de individuação, sem desconsiderar os
processos de socialização dos/as jovens a partir de suas experiências de vida, tendo em vista
que o campo da pesquisa nos conduziu a alcançá-las por meio das narrativas biográficas.
Brevemente traremos para o debate algumas possibilidades que nos inspiraram e
demarcaremos, quando for o caso, os pontos dos/as autores/as que contribuíram para as
reflexões que realizamos.
Primeiramente citamos o processo de análise da sociologia do indivíduo a partir das
provas. Martuccelli e Singly (2012) salientam que as provas podem ser um instrumento
analítico para a sociologia do indivíduo, na medida em que propõe uma articulação particular
entre o ator e o sistema. François Dubet e Danilo Martuccelli utilizam da noção de provas,
mas com abordagens diferentes.
Dubet (1994) menciona que todos os indivíduos estão submetidos a uma prova
permanente que é a experiência, a qual, por sua vez, se perfaz na tentativa de o indivíduo
combinar três lógicas diferentes de ação78: a lógica de integração, a lógica estratégica e a
lógica de subjetivação. “O sujeito social é definido por um jogo de tensões, por um trabalho e
não por um ser” (DUBET, 1994, p. 260). Na perspectiva de Dubet, a sociologia deve, então,
analisar as experiências particulares do indivíduo, pois são elas que constroem seu mundo e
sua subjetividade de maneira singular. Embora não tenhamos analisado a experiência como
prova nem utilizado das diferentes lógicas de ação para compreender os processos de
individuação dos/as jovens, a noção de experiência social foi importante. Assim, como
postula o autor, experiência social “designa as condutas individuais e coletivas dominadas
pela heterogeneidade dos seus princípios constitutivos, e pela actividade dos indivíduos que

78
Segundo Dubet (1994) “cada actor, individual ou coletivo, adopta necessariamente três registos da acção que
definem simultaneamente uma orientação visada pelo actor e uma maneira de conceber as relações com os
outros. Assim, na lógica da integração, o actor define-se pelas suas pertenças, visa mantê-las ou fortalecê-las
no seio de uma sociedade considerada então como um sistema de integração. Na lógica da estratégia, o actor
tenta realizar a concepção que tem dos seus interesses numa sociedade concebida então ‘como’ mercado. No
registo da subjetividade social, o actor representa-se como sujeito crítico confrontado com uma sociedade
definida como um sistema de produção e dominação” (DUBET, 1994, p. 113).
113

devem construir o sentido das suas práticas no próprio seio da heterogeneidade” (DUBET,
1994, p. 15). Desta maneira, segundo o autor, é por meio de nossas experiências que
construímos aprendizados, fruto das ações e das interações sociais que se estabelecem. Cabe
lembrar que a experiência não se restringe a algo mecânico, pelo contrário, pressupõe a ação
do sujeito. Dubet (1994), a partir da metáfora da peça teatral, chama a atenção para o
distanciamento entre os indivíduos e os papeis sociais, enfatizando que os indivíduos
questionam tais papéis. Assim, o ator não decora o papel que irá representar, mas improvisa,
questiona a direção e o texto, abre a possibilidade do novo, do inusitado, por meio de um
processo autorreflexivo.
Fica evidente, assim, a importância das narrativas biográficas dos/as jovens nesta
pesquisa, pois, segundo Dubet (1994), “o que se conhece da experiência é aquilo que dela é
dito pelos actores, este discurso vai colher as categorias sociais da experiência” (p. 103). Da
mesma forma, Pais (2001) vai reforçar esta centralidade, afirmando que as biografias juvenis:

inscrevem-se em verdadeiras “redes de hipertextualidade dominadas pelo


princípio da metamorfose, da multiplicidade e do descentramento. Uma rede
hipertextual está em constante construção, mudando face à mudança das
partes envolvidas. [...] Numa rede hipertextual não há centro nem
linearidade. Entrecruzam-se vários centros, vários caminhos e sentidos.
(PAIS, 2001, p. 14 - grifos do autor).

Assim, as biografias rompem com a ideia de linearidade e explicitam as múltiplas


possibilidades de vivências. A metáfora do hipertexto conduz a pensarmos, também, nos
diferentes espaços de socialização que os/as jovens estão inseridos/as e, devido a isso, os
diferentes percursos de individuação que podem ser tecidos.
Katia Araujo e Martuccelli (2010), por sua vez, buscando compreender os processos
de individuação, desenvolvem o conceito de prova. Esse operador analítico se refere aos
“desafios históricos, socialmente produzidos, culturalmente representados, desigualmente
distribuídos, que os indivíduos estão obrigados a enfrentar, sendo um processo estrutural de
individuação” (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012, p. 21). É importante ressaltar que o estudo
do processo de individuação, na perspectiva dos autores, não se reduz a um estudo de
trajetórias de vidas, tendo em vista que propõe uma macrossociologia à escala do indivíduo,
buscando entender o conjunto de provas que é específico de cada sociedade. Ou seja, eles
buscam compreender, a partir do indivíduo, a estrutura social mais ampla.
De maneira geral, como afirma Martuccelli (2010), a vida social está cada vez mais
permeada e atravessada por provas. Todavia, as provas não remetem a qualquer tipo de
desafio ou problema vivencial, mas a um conjunto de desafios estruturais e, por isso, comuns
114

a todos os indivíduos de um coletivo que, por sua vez, percebem e respondem aos desafios de
maneiras diversas. As provas se articulam aos processos de socialização, já que são
vivenciadas em espaços institucionais (escola, trabalho, família), ou são relativas ao laço
social (grupos, uso do tempo, relações interpessoais) (MARTUCCELLI, 2010). Diante do
exposto, consideramos que a compreensão da individuação pelas provas busca dar conta da
singularidade de trajetórias individuais, ou seja, o trabalho pessoal de cada indivíduo em
responder aos desafios, vivenciar processos socializadores e fabricar-se (REIS; DAYRELL,
2018).
Martuccelli (2007), a partir das provas, explora a flexibilidade da vida social indicando
a articulação entre processos sociais e experiências pessoais, a história da sociedade e a
biografia dos indivíduos. O autor destaca que a vida social é uma constante prova e que os
indivíduos respondem aos desafios de maneiras diferentes. Cabe ressaltar que as
singularidades de enfrentamento são também marcadas pelas características sociais e
identitárias dos indivíduos (posição social, gênero, raça, orientação sexual). Isso porque,
como afirma Carrano (2009, p. 12), as provas “não são independentes das posições e dos
contextos sociais realmente vividos, mas são heterogêneas no interior de uma mesma posição
social e dos contextos de vida semelhantes”. Como já sinalizamos, não partiremos das provas
como um operador analítico que tem como objetivo construir uma macrossociologia da
sociedade. A partir desse entendimento, inspirados no autor, optamos por trabalhar com a
ideia de desafios que permite a apreensão dos percursos de individuação juvenil articulando-
os aos processos de socialização, sem, contudo, nos propormos a construir uma análise
macrossociológica da estrutura social brasileira. Concordamos com Martuccelli, quando
afirma que “la buena sociología no es más macro que micro, puede ir muy lejos en las dos
direcciones [...] puesto que lo que logra es justamente dar cuenta, desde una perspectiva
particular, de la articulación entre la historia y la biografía” (SETTON; SPOSITO, 2013, p.
258).
Além do conceito de prova, Martuccelli (2007) traz a noção de suporte, o qual será
muito relevante para a nossa análise79. Para tanto, o autor se coloca o seguinte
questionamento: “como o indivíduo é capaz de sustentar-se no mundo?” Na perspectiva de
Martuccelli, existe, na cultura ocidental, uma representação ou mesmo naturalização do dever

79
Cabe salientar que optamos por trabalhar com a noção de suportes, mas Martuccelli (2007) considera que há
outras dimensões inerentes à ação dos indivíduos ao perpassarem por um fenômeno, tais como: dos papéis,
do respeito, da identidade e da subjetividade. Em seu livro intitulado “Gramaticas del individuo” o autor
explicita e reflete especificamente sobre os significados e implicações de cada delas.
115

do indivíduo, de sustentar-se de forma autônoma e independente. Assim, sobretudo no século


XIX, propagou-se a ideia de que um indivíduo pudesse se sustentar sozinho, o que seria uma
ilusão. Afinal, segundo o autor, os indivíduos sem suportes quase não subsistiriam. Neste
contexto, “uma sociologia dos suportes” (MARTUCCELLI, 2006) precisa romper com essa
representação, deixando explícito que nenhum indivíduo se sustenta sozinho, pois é sempre
sustentado por um conjunto de suportes. Entretanto, como afirmam Reis e Dayrell (2018):

esses suportes só fazem sentido dentro de uma lógica social, não é possível
elegê-los previamente. Em torno de cada um de nós há um tecido elástico
composto de relações familiares, profissionais, afetivas, ou seja, “nosso
verdadeiro mundo”. Há necessidade de apreender as diversas geometrias
pelas quais se desenham nossa relação com o mundo e com os outros e que
nos sustentam (REIS; DAYRELL, 2018, p. 88).

Neste sentido, cabe ressaltar que todos os indivíduos têm suportes, mas nem todos
garantem o êxito da individuação, por isso é importante compreender como os suportes
contribuem para a construção de sujeitos autônomos. Os suportes podem ser materiais ou
simbólicos, próximos ou distantes, conscientes ou inconscientes, ativamente estruturados ou
passivamente sofridos, sempre reais em seus efeitos, mas sempre têm o efeito de apoiar,
sustentar e fomentar as experiências dos indivíduos. Martuccelli (2007) explicita que,
historicamente, os suportes sempre foram diversos e variáveis 80. Cabe lembrar ainda que eles
não são algo que se temou não de uma vez e para sempre. Assim, podem aparecer ou sumir
em determinados períodos da vida do indivíduo, pois estão associados à dimensão temporal.
Nesta perspectiva, buscamos compreender com quais suportes os indivíduos jovens desta
pesquisa contavam nos seus processos de individuação no âmbito da família, do mundo do
trabalho e dos processos de escolarização.
Por fim, diante da reflexão que realizamos, enfatizamos a potencialidade da sociologia
do indivíduo na perspectiva da individuação articulada à socialização para a análise aqui
proposta, uma vez que, esta viabiliza o alcance das trajetórias vividas de maneira fortemente

80
Martuccelli elenca alguns tipos de suportes, quais sejam: invisíveis, estigmatizantes, patológicos e
confessáveis. O autor aponta que quanto mais elevadas são as posições sociais, mais o indivíduo é
sustentado exteriormente, mas há aparência da não existência dos suportes, por isso, invisíveis. Por outro
lado, os suportes estigmatizantes permeiam a vida das classes populares. As políticas públicas de assistência
social, por exemplo, estigmatizam os sujeitos como “assistidos”, como se não tivessem condições de se
manterem autonomamente, como tutelados. Porém, o autor demonstra que, pelo contrário, quanto mais frágil
é a situação dos indivíduos, mais ele se vê obrigado a se autossustentar por uma rede de relações de
solidariedade e muito pouco pelos direitos sociais. Os suportes patológicos são aqueles socialmente vistos
como doentios ou excessivos, por isso, não desejáveis. O uso de drogas pode ser compreendido como um
suporte patológico. Já os suportes confessáveis dizem respeito às íntimas relações em que os sujeitos se
amparam no outro. O autor, inclusive, usando a ideia dos casais que dizem “se suportar” mostra como os
encontros amoroso, familiar, afetivo são sustentações para a existência humana contemporânea (REIS, 2014,
p. 36).
116

singular, as quais são atravessadas por dificuldades e êxitos, destino e sorte, oportunidades e
dominações (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2010). Portanto, sublinhando narrativas
biográficas singulares, privilegiamos um olhar para o entrecruzamento das experiências
juvenis nas vivências na família, no mundo do trabalho e nos processos de escolarização.
117

4 PERFIL DOS/AS JOVENS EX-TRABALHADORES/AS DA CRUZ VERMELHA


CÂMPUS PAMPULHA UFMG

4.1 Conhecendo os/as jovens

Como já explicitado, a fim de me reaproximar dos/as jovens que participaram da


pesquisa de mestrado optamos, entre outros caminhos, por construir um questionário para
traçar o perfil dos/as jovens, decorridos quatro ou cinco anos da saída da UFMG. Tal perfil
retrata elementos que compõem as múltiplas identidades desses sujeitos, tentando dialogar,
em alguns casos, com os dados da pesquisa anterior.
No ano de 201281, 149 jovens participaram da pesquisa. Eles/as tinham idade média de
16 e 17 anos82. Tínhamos um percentual de 65% de jovens homens e 35% de mulheres, dos/as
149 que trabalhavam no câmpus Pampulha. Quanto à raça/ cor, 53,69%, mais da metade
dos/as jovens, autodeclaravam-se pardos/as e 28,29% pretos/as e, ainda, um pequeno número
se autodeclarou branco (14,77%) e amarelo (3,36%). Todos os/as jovens eram solteiros/as.
Nenhum/a dos/as jovens tinha filhos, na ocasião (NONATO, 2013).
Retomando a pesquisa atual, é importante lembrar que tivemos acesso a 104 jovens
e/ou familiares deles/as. Desses jovens, 95 responderam ao questionário, pois 4 deles estavam
mortos e 5 presos, como apontamos na discussão metodológica. Um primeiro fator importante
a ser enfatizado para compreendermos o perfil dos/as jovens se relaciona à faixa etária: eles/as
têm entre 20 e 22 anos. Os sujeitos da pesquisa são considerados jovens, de acordo com as
definições do Brasil (BRASIL, 2013) ‒ a maioria estava com 21 anos (56,8% - 54 sujeitos),
seguida dos/as jovens com 22 anos (28,4% - 27) e os com 20 anos (14,7% - 14).
Na faixa de 20 a 22 anos, como citaram alguns/algumas jovens (em campo aberto do
questionário, reservado para comentários), há uma mudança na relação com o pai e a mãe –
especialmente com as mães: não há mais uma relação de “vigilância”, pois “não pedem mais
para sair”, e, sim, “informam aos pais, mães, avós, ou pessoas com quem convivem que
sairão”, o que, como veremos nas cenas sociológicas, é diferente para homens e mulheres.
Parece que a dimensão da autonomia (e da confiança) na relação com as mães e com os pais
tende a aumentar, mas é interessante pontuar que alguns/mas deles/as expressaram a demanda
em serem “cobrados/as pelos pais”, isto porque muitos/as jovens ressaltaram que os/as

81
Optamos por apresentar brevemente o perfil dos/as jovens da pesquisa anterior para não confundir o/a
leitor/a. No que tange a alguns elementos acerca dos pais, das mães e/ou responsáveis, consideramos
pertinente abordar de maneira articulada com os dados atuais.
82
Tal faixa etária estava diretamente relacionada à característica do processo seletivo da Cruz Vermelha
Brasileira (CVB), pois os/as jovens podem fazer inscrição para participar de algum processo, via CVB, com
quinze anos, e, até serem chamados/as, podem já ter alcançado os 16 anos e três meses.
118

responsáveis “não ligam tanto para eles/elas”, não se preocupam tanto, pois consideram que,
ainda que filhos/as, já são “donos/as de seu nariz”.
Os aparatos jurídicos, a obrigatoriedade de alistamento para os homens, a finalização
da última etapa da educação básica, colocada como ideal aos 17 ou 18 anos, são dimensões de
um possível ritual de passagem, o que faz com que a população veja e lide com os/as jovens
que têm acima de 18 anos de maneira diferente da forma com que lidam com jovens de 15 a
17 anos. A expressão “agora você é homem/mulher”, “agora já é dono/a do seu nariz” e
“agora já pode ser preso/a” é algo comum de ser escutado pelos/as jovens que completam a
maioridade. Juntamente com esses enunciados, está atrelada a cobrança por definições quanto
à vida laboral e escolar, bem como a construção de uma família, para alguns/algumas que já
namoram. Se antes as cobranças giravam em torno das decisões acerca de finalizar o ensino
médio ou para alguns, que curso fazer na faculdade, ou mesmo sobre em qual lugar se deseja
trabalhar, a mudança de faixa etária parece impor aos/as jovens a construção de projetos de
vida “mais concretos” e não somente de sonhos.
Outro elemento central para refletirmos sobre a condição juvenil se refere ao gênero.
Os/As interlocutores/as da pesquisa são majoritariamente representados por jovens homens.

Gráfico 2 – Sexo dos/as jovens sujeitos da pesquisa

32%

68%

Masculino Feminino

Fonte: Elaborado pela autora.

Temos 68% (65) de jovens homens e 32% (30) de jovens mulheres. Tal diferença é
reflexo da distinção na contratação pela UFMG. A contratação da maioria de jovens homens
tem relação direta com o estereótipo de funções, ou seja, o que é considerado “trabalho para
homens e para mulheres”. Por exemplo, os homens eram contratados para o almoxarifado,
“pois [quem exerce a função, teoricamente] precisa carregar peso”, o que não era considerado
uma função para mulheres que, em sua maioria, ficavam na recepção [função que não
exigiriaforça física, por exemplo] (NONATO, 2013). Além disso, podemos considerar que os
jovens homens são muito mais incentivados a entrar no mercado de trabalho que as mulheres,
119

que, por sua vez, se ocupam com o trabalho doméstico, o qual é visto, muitas vezes, como um
não-trabalho. Os dados da PNAD (2016) mostram que tem havido uma trajetória de
crescimento de inserção das mulheres no mercado de trabalho formal, desde 2005, mas em
2014 e em 2015 novamente se registraram queda nas admissões, como veremos no gráfico a
seguir.

Gráfico 3 – Saldo de movimentação de empregados no mercado de trabalho formal, segundo o


sexo – Brasil (2005 – 2015)

Fonte: Ministério do Trabalho, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED.

Os/As jovens desta pesquisa fazem parte dessa estatística, pois, no ano de 2011, ano
da contratação inicial da maioria deles/as, havia uma desigualdade nas contratações,
privilegiando os homens. De forma geral, os dados dialogam, refletindo a discrepância na
contratação formal de homens e mulheres. Os dados contribuem para percebermos uma
mudança de cenário, mas ainda é significativa a diferença da inserção no mercado de trabalho
em relação ao gênero. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem sinalizado o
crescimento do trabalho doméstico, como espaço dessa inserção, majoritariamente, pelas
mulheres, embora o trabalho doméstico ainda tenha baixa taxa de formalização, mesmo com a
Lei Complementar nº 150, de junho de 2015 (BRASIL, 2015), a qual legisla sobre a
contratação. Cabe lembrar que, mesmo com a saída para o mercado de trabalho por parte das
mulheres e com a mudança da estrutura familiar, o cuidado com o trabalho doméstico, na
própria casa, ainda fica, majoritariamente, a cargo das mulheres, tornando a jornada feminina,
com os afazeres domésticos83, o dobro da jornada dos homens, dados que não se modificaram

83
O uso dos termos “afazeres domésticos” e “atividades domésticas” é feito aqui somente para evitarmos a
repetição do termo “trabalho doméstico”, pois entendemos que se trata de um trabalho.
120

desde 2005, mostrando como o padrão de gênero socialmente construído permanece


inalterado, desde a última década (PNAD, 2016). Veremos como estas construções se
materializam nas cenas sociológicas especialmente das jovens Dayane e Rebeca, como
também do jovem Sérgio. As narrativas das jovens Rebeca e Dayane, a todo momento, jogam
luz aos diferentes percursos de individuação de uma jovem mulher. Em ambas as cenas, as
questões de gênero são patentes e atravessam as vivências das jovens mulheres. Os
depoimentos de Sérgio, por sua vez, contribuem para a reflexão dos conflitos existentes
quando um jovem homem opta por estudar, ao invés de trabalhar fora, possibilitando refletir
sobre as diferenças quanto ao gênero.
Outra dimensão importante da condição juvenil é o estado civil. Temos a maioria
dos/as jovens solteiros/as, representando 86,3% (82), mas temos jovens casados/as, com 6,2%
(6), divorciados/as e em união estável, com 2,1% (2) cada, e os/as jovens que informaram
outra situação 3,1% (3). A saída da casa dos pais, especialmente para o casamento, tende a ser
um elemento importante para se pensar a entrada no mundo adulto, embora não de maneira
rígida, pois, cada vez mais, temos trânsitos fluidos entre os/as jovens que saem e retornam.
Assim, já não podemos dizer que sair da casa dos pais representa a entrada no mundo adulto,
pois, cada vez mais, diferentes elementos devem ser considerados aos pensarmos nessa
transição (GUIMARÃES; MARTELETO; BRITO, 2016). Interessante pontuar que dos/as
seis jovens casados/as, cinco são mulheres. Os/As jovens casados/as, ou com união estável,
fazem parte de um número de 56,3% de pessoas que, em 2015, estavam nessas condições,
segundo dados da PNAD 2016. Tanto o casamento civil e/ou religioso quanto a união estável
são numericamente superiores para as mulheres que para os homens. De acordo com dados da
PNAD (2016), na faixa etária de 15 a 29 anos, somando os percentuais dos dados, temos
25,5% homens casados nesta faixa etária e 32,0% de mulheres e, no caso da união estável,
temos 50,5% de homens e 67,4% de mulheres, ou seja, as mulheres casam-se mais cedo que
os homens.
Cabe lembrar que 16,8% (16) dos/as jovens tinham filhos/as, sendo treze jovens com
um filho e três com dois filhos. Dos 16, oito homens com filhos/as e oito mulheres. Dos
homens, somente um era casado e, das mulheres, três, com casamento (civil e/ou religioso) e
uma com união estável. Esse dado articula-se à discussão sobre o estado civil dos/as jovens,
mostrando que não existe uma relação linear entre ter filhos/as e ser casado/a. A partir da cena
da jovem Rebeca, poderemos ver como o estado civil e ter filhos/as complexifica o processo
de singularização e as análises das jovens mulheres.
121

Juntamente com a dimensão etária, estado civil e a questão de gênero, a raça/cor


também é um elemento central que perpassa a condição juvenil, sendo mais uma faceta
importante da identidade juvenil. Os/As jovens da pesquisa se autodeclararam pardos/as,
52,6% (50), seguidos dos/as pretos/as, 27,3% (26), brancos/as, 17,8% (17), indígenas, 1% (1),
e um jovem não soube informar, 1 (1%). Unificando as categorias preto/a e pardo/a, temos
79,9% de jovens negros/as, como interlocutores/as da pesquisa. Esse número faz parte de um
percentual de 53,9% de pessoas que se declaravam pretas ou pardas no Brasil, em 2015,
enquanto 45,2% se declararam brancas (PNAD, 2016).
No relatório produzido pela OXFAM Brasil, em outubro de 2016, com dados da
PNAD84 (2016), a categoria raça aparece como componente de diferentes desigualdades.
Destacam-se, por exemplo, as desigualdades de renda dos/as brancos/as e negros/as.

Gráfico 4 – Distribuição de negros/as e brancos/as, por faixa salarial

* Valores arredondados
Fonte: IBGE / Pnad Contínua 4º trimestre de 2016 (Adaptado pela autora)

Os dados da PNAD (2016) evidenciam as diferenças de faixas salariais entre


brancos/as e negros/as, a partir das quais há desdobramentos de outras. Isso porque o acesso a
bens culturais, educação e saúde, como já ressaltado, perpassa, também, a dimensão
econômica. Genavilda Santos, Maria José Santos e Rosangela Borges (2005) afirmam que a
“composição social no Brasil tem a base bastante larga e o ápice estreito. Há, porém, uma
característica ainda mais marcante: as camadas sociais vão embranquecendo na medida em
que sobem na pirâmide social” (SANTOS G.; SANTOS M.; BORGES; 2005, p. 292).

84
PNAD contínua do 4º trimestre de 2016.
122

Cabe salientar que, além dessas desigualdades, os/as homens/mulheres negros/as,


cotidianamente, sofrem preconceitos e discriminações, pois são identificados/as a partir da cor
de pele, de seu tipo de cabelo e de outros traços que os/as distinguem de outros grupos. Tais
características determinam o lugar destinado aos/às homens/mulheres negros/as, pela
sociedade, que, geralmente, se encontra hierarquicamente em posição inferior em relação ao
lugar destinado aos/às homens/mulheres brancos/as, o que é causado pelo racismo. Existe
uma estrutura branco-racista construída na sociedade brasileira, em que o fenótipo branco é
colocado como padrão e superior. É o “preconceito de marca” (Oracy NOGUEIRA, 2007),
um preconceito que se manifesta, a partir da aparência, dos gestos, do sotaque, entre outros.
No Brasil, é possível afirmar que quanto mais preta a cor de pele, mais preconceito se sofre.
As desigualdades, os preconceitos e as discriminações que assolam a população negra
no Brasil permeiam e fazem parte da vivência dos/as jovens negros/as, os/as quais, além de
outras dimensões da condição juvenil, têm a raça/cor diferenciando as vivências entre eles/as
e os/as jovens brancos/as.
O fato de 79,9% dos/as jovens desta pesquisa serem negros/as traz diferentes nuances
para a reflexão acerca do acesso à educação e ao mercado de trabalho, que é ainda mais
complexo na fase da juventude, como veremos em algumas cenas. Como já abordamos, a raça
é uma dimensão mister para um olhar interseccionado sobre o/a jovem e cada vez mais
precisa ser levada em conta nas análises. Na cena da Dayane, por exemplo, poderemos
perceber como a intersecção de gênero, raça e classe tendem a limitar o campo de
possibilidade da jovem, obrigando-a a construir respostas ainda mais singulares para os
desafios que enfrenta.
Uma questão importante que faz parte da vida de jovens negros/as, especialmente
homens, como é aqui o caso, refere-se à violência. A partir da produção do imaginário social,
os jovens negros e homens são os apontados como agentes da violência. Entretanto, os jovens
negros são os mais discriminados, são os que têm menos oportunidades, são vistos pela
sociedade como potencialmente criminosos e violentos, especialmente pela polícia, o que
viola seus direitos e os torna vítimas de violência – inclusive no sentido estrito, pois são os
que mais morrem. É possível dizer que a violência tem relação direta com as dinâmicas de
hierarquização social, produzindo e reafirmando desigualdades (MUNANGA, 2004; GOMES,
2002). Assim, o racismo opera na relação entre violência e hierarquia social (re)construindo
inferioridade e marginalidade para jovens negros.
Na PNAD (2016), registra-se que, em 2014, a taxa de homicídio por arma de fogo, de
todas as idades, foi de 21,1% para cada 100 mil habitantes; para jovens, essa taxa foi de
123

49,6%. No Atlas da Violência (2018), explicita-se que os jovens negros compõem o perfil
mais frequente de homicídios no Brasil. “Por sua vez, os negros são também as principais
vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil” (p.
41). Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados, como se estivéssemos
em situação de guerra.
A discussão do combate à violência se faz necessária e faz parte da meta 16.1 dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)85, de “reduzir significativamente todas as
formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares” (NAÇÕES
UNIDAS, 2015, p. 30). Os nove jovens citados no início da construção do perfil,
principalmente os quatro jovens mortos, fazem parte das estatísticas gerais de mortes da
juventude negra, pois, em todos os casos, foram homicídios; em um dos casos, por policiais,
segundo a mãe do rapaz. Quanto aos cinco jovens presos, todos estavam envolvidos com o
tráfico de drogas, segundo suas mães e familiares. Embora não tenhamos muitos elementos
para análise, podemos salientar que, nos casos apontados, existe uma relação entre juventude
negra, violência e violação de direitos, pois todos os jovens eram/são negros (os nove haviam
se autodeclarado pretos na pesquisa anterior). Na heteroclassificação, seriam também
classificados como pretos, devido ao fenótipo, evidenciando a relação entre raça e violência.
Em paralelo às dimensões que compõem a identidade juvenil, quais sejam, a faixa
etária, o gênero e a raça/cor, é importante trazer elementos da família e do local de moradia
dos/as jovens, os quais são relevantes para conhecermos seu lugar social.
Quanto à escolarização dos pais e mães dos/as jovens, em sua maioria, eles/as não
tinham alcançado o ensino médio. No momento da pesquisa realizada em 2012, havia com
ensino médio incompleto, 8,72% (13) das mães e 10,07% (15) dos pais; com ensino médio
completo, 16,78% (25) das mães e 15,44% (23) dos pais. Chamava a atenção o baixo número
de pais e mães que estavam cursando ou cursaram o ensino superior. Apenas 2,01% (3) das
mães tinham ensino superior incompleto e nenhum pai estava nessa condição. Com ensino

85
Foram adotados pelo Brasil, em setembro de 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Processo iniciado em 2013,
seguindo mandato emanado da Conferência Rio+20, os ODS deveriam orientar as políticas nacionais e as
atividades de cooperação internacional nos próximos 15 anos, sucedendo e atualizando os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM). Chegou-se a um acordo que contempla 17 objetivos e 169 metas,
envolvendo temáticas diversificadas, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde,
educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis
de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos
e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização,
governança, e meios de implementação. Cf. Portal do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-
objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods Acesso em: 20 fev. 2018.
124

superior completo ou mais, havia 1,34% (2) das mães e 0,67% (1) de pais (NONATO, 2013).
Atualmente, é possível observar mudanças no cenário de escolarização dos pais e mães dos/as
jovens86, como vemos na tabela a seguir:

Tabela 1 – Escolaridadede mães e pais dos/as jovens (2012 e 2017)87

2012 2017
Mães Pais Mães Pais
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
Nunca estudou 2 1,3 1 0,7 2 2,1 0 0,0
Até a 4ª série do ensino fundamental 30 20,1 25 16,8 15 15,8 13 13,7
Ensino fundamental incompleto 36 24,2 32 21,5 24 25,3 22 23,2
Ensino fundamental completo 31 20,81 19 12,8 13 13,7 14 14,7
Ensino médio incompleto 13 8,72 15 10,1 9 9,5 6 6,3
Ensino médio completo 25 16,78 23 15,4 23 24,2 21 22,1
Ensino superior incompleto 3 2,01 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Ensino superior completo ou mais 2 1,3 1 0,7 7 7,4 2 2,1
Não sei informar 7 4,7 33 22,1 2 2,1 17 17,9
TOTAL 149 100,0 149 100,0 95 100,0 95 100,0
Fonte: Elaborada pela autora.

Embora permaneçam em maioria os pais e mães que não concluíram a educação


básica, sendo menos escolarizados que seus filhos, aumentou o número de pais e mães com
ensino superior ‒ foi de dois para sete o número de mães que completaram esse nível de
ensino. É possível que, decorridos quatro anos, três das mães que já estavam cursando a
graduação tenham concluído. Ainda assim, os/as jovens pertencem a uma geração mais
escolarizada que seus pais e mães. As reformas educacionais desenvolvidas na década de
1990, com o objetivo de universalização do ensino fundamental e, posteriormente, a expansão
do ensino médio parecem ter contribuído para o aumento da escolaridade. Todavia, a
desigualdade social existente no Brasil impossibilitou e ainda impossibilita que muitas
pessoas tenham acesso à escola, por diferentes motivos.
Chamamos a atenção para escolaridade dos pais e mães, pois a família tem papel
importante no processo de escolarização dos/as filhos/as, principalmente, morando na mesma
casa, como era o caso dos/as jovens, embora saibamos da complexidade de fatores que
envolvem família e escolarização (GUIMARÃES; MARTELETO; BRITO, 2016). Quando

86
Cabe lembrar que estamos trabalhando com total de interlocutores/as diferentes, mesmo assim, é possível
perceber as mudanças.
87
Optamos por manter a nomenclatura anterior, por séries, pois, no pré-teste do questionário, os/as jovens
apresentaram dúvidas acerca da nova organização do ensino fundamental em 9 anos.
125

questionados com quem moravam, 38,9% (37) dos/as jovens da pesquisa informaram que
moravam com seus pais (pai e mãe); igualmente, 38,9% (37) deles/as moravam somente com
as mães; 9,4% (9) desses/as jovens moravam com cônjuges/companheiros/as; 3,1% (3)
moravam sozinhos/as, ou com o pai, ou com outros familiares; 2,1% (2) moravam com
amigos/as, ou financiados/as por eles/as e, por último, 1% (1) deles/as morava sozinho/a,
mantido/a por familiares.
Diferentes pesquisas apontam o quanto a família tem papel essencial na escolarização
(Maria NOGUEIRA, 2005; Mauro BRAGA, 2006; PAIXÃO, 2006; THIN, 2006), mostrando
que ter pais e mães menos escolarizados tem influência nos processos de escolarização dos/as
filhos/as, desde a dimensão de não se ter ninguém para orientá-los/as acerca dos processos
educacionais, até não se ter referência para uma continuidade de estudos, como veremos na
reflexão da cena da jovem Dayane. Nogueira (2005) ressalta que:

todo um estoque de pesquisas empíricas desenvolvidas entre meados dos


anos 1950 e meados da década de 1960 nos Estados Unidos (Relatório
Coleman), na Inglaterra (a aritmética política) e na França (a demografia
escolar) viu no meio familiar de origem, em particular em sua dimensão
sociocultural, um poderoso fator explicativo das desigualdades de
oportunidades escolares (NOGUEIRA, 2005, p. 564).

Aliado ao nível de escolaridade dos pais e mães, que, como afirma Nogueira (2005),
repercute nas oportunidades escolares dos filhos, vale analisar a ocupação dos pais, a qual
dialoga, embora não de forma linear, com os acessos à escolarização que tiveram. Não
obstante, se mantenham, majoritariamente, no setor de serviços, houve um processo de
formação que permitiu ocupações consideradas de prestígio social, especialmente
relacionadas à formação no ensino superior, as quais não havia antes. No caso das mães,
temos: advogada, enfermeira e professora de ensino médio. No caso dos pais, temos um
administrador e um fiscal do Detran que exige curso superior. Temos, ainda, genitores com
formação técnica em máquinas e em aparelhos odontológicos. Nas demais ocupações, as mães
estão, majoritariamente, como domésticas (no próprio lar, ou empregadas como tal). Temos,
ainda, ocupações consideradas femininas, a saber: auxiliar de lavanderia, auxiliar de
produção, cabelereira, copeira, costureira, cozinheira, cuidadora de idosos, faxineira, gerente
de loja/encarregada, recepcionista, office girl e operadora de caixa, além de aposentada e
autônoma. No caso dos pais, a maioria é pedreiro e motorista, além de aposentado, armador,
autônomo, auxiliar de estoque, auxiliar de produção, bombeiro hidráulico, carteiro,
churrasqueiro, comerciante, estofador, garçom, gari, gerente, jardineiro, marceneiro,
mecânico, mestre de obra, motoboy, porteiro, promotor de vendas, segurança, serralheiro,
126

serviços gerais, taxista, vigilante e zelador.


Ainda para refletirmos sobre o lugar social dos/as jovens da pesquisa, apontamos o
local de moradia, que pode potencializar ou limitar acessos, pois os lugares trazem consigo
estereótipos e representações. Além disso, o território, como explicita Milton Santos (2007),

não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas


naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O
território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do
trabalho, da resistência, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre as
quais ele influi. Quando se fala em território, deve-se, pois, de logo, entender
que está se falando em território usado, utilizado por uma dada população
(SANTOS, 2007, p. 96).

Os territórios “usados” pelos/as jovens se situam nos mesmos espaços de quatro anos
atrás. Embora tenha havido mudança por parte de alguns/algumas, especialmente dos/as
jovens casados/as, ainda temos a grande parte morando em Belo Horizonte (57,7%) e o
restante morando na região metropolitana (42,3%), em diferentes cidades, tais como
Contagem, Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Vespasiano, São José da Lapa e Sabará. Seus
territórios são situados em periferias, aglomerados, vilas e conjuntos habitacionais. Morar
nesses lugares é vivenciar as contradições e desigualdades nos acessos à educação, ao
trabalho, à saúde, ao lazer, entre outros.
Nas chamadas periferias, os acessos a determinados serviços são limitados, enquanto,
em outros lugares da cidade, as pessoas usufruem de uma vasta quantidade de serviços.
Regina Novaes (2006) chama a atenção para o mercado de trabalho, por exemplo, ressaltando
que o local de moradia fecha, ou abre portas, nos critérios de seleção, “pois no imaginário
social o/a jovem que mora em tal lugar de bandidos é um bandido em potencial: melhor não
empregar” (NOVAES, 2006, p. 106). Na discussão metodológica, relatamos que o jovem
Breno, ao final da entrevista, entrega a mim dois currículos com endereços diferentes,
chamando a atenção que, em determinados locais, não se contrata quem mora em região de
periferia. Assim, a estratégia é “burlar” o sistema de exclusão. Veremos a dimensão do
território presente, também, na cena do jovem Caio e da jovem Dayane. No caso de Caio, a
madrasta se preocupava com o local de moradia onde ele e o irmão estavam com a mãe, pois
tinham menos acesso à escolarização, por exemplo, e incentivava o pai a buscar os jovens
para morarem com eles em outra cidade, a qual considerava ter mais possibilidades. No caso
de Dayane, a jovem tendia a denunciar as difíceis condições do território em que vivia com a
mãe. Por outro lado, os territórios também são espaços de construir identidades, em que os/as
jovens expressam vários modos de ser jovem, suas culturas juvenis, seus ritmos e seus estilos.
127

Como em outros espaços, existem relações de amizade, de vizinhança, trabalhos coletivos e,


também, tensões. Assim, é necessário refletirmos sobre as reelaborações que os/as jovens
fazem dos seus territórios, desnaturalizando a periferia como espaço/tempo à margem e
tornando os espaços físicos em espaços sociais (DAYRELL, 2007). Espaços que possibilitam
trocas de saberes, relação de amizades, lutas e produção artística.
Cabe lembrar que o processo de urbanização faz com que as periferias sejam cada
mais excluídas dos bens e serviços disponíveis nos centros, gerando um processo de exclusão
socioespacial. Assim, acontece uma (re)produção de desigualdades e de hierarquias, pois,
através do espaço físico, o espaço social vai se constituindo (Maria RIBEIRO 2012;
BOURDIEU, 1997). Fato é que, em sua maioria, não temos, nas periferias, a presença de um
Estado garantidor de bens e serviços básicos, sendo necessário o deslocamento daqueles que
podem fazê-lo, para acessarem educação, saúde e trabalho.
Outra questão que se faz presente na caracterização dos/as jovens, sujeitos desta
pesquisa, é a renda familiar88, que marca diferentes possibilidades de acesso, entre elas, o
acesso à moradia. A maioria dos/as jovens desta pesquisa tem renda familiar de dois e meio a
três salários mínimos89 (40,2%); dados detalhados na tabela a seguir.

Tabela 2 – Renda mensal aproximada da família dos/as jovens (2017)


Freq. %
Até um salário mínimo 2 2,1%
De 1 e meio a 2 salários 30 31,5%
De 2 e meio a 3 salários 38 40,2%
De 3 e meio a 4 salários 16 16,8%
4 e meio ou mais 9 9,4%
TOTAL 95 100,0%
Fonte: Elaborado pela autora.

Se somarmos os percentuais, é possível dizer que a renda familiar de 73,8% dos/as


jovens é de até três salários mínimos, contando com a renda deles/as próprios/as – um valor
baixo, porque, em sua maioria, precisa ser compartilhada com outras pessoas da família e,
especialmente, porque não se podem reduzir as necessidades humanas dos jovens à mera
satisfação das condições básicas de vida, geralmente não garantidas pelo Estado.

88
Apontamos que estamos cientes de que a questão econômica é relativa e imprecisa, mas buscamos associar
diferentes elementos, quais sejam: escolaridade, local de moradia, raça, escolaridade dos pais e mães, para
refletirmos sobre o lugar social dos/as jovens.
89
O salário mínimo era de R$ 937,00 (2017).
128

Ademais, podemos refletir sobre a relação entre renda e moradia e a própria condição
juvenil: Quais são os acessos desses/as jovens a espaços/tempos de lazer e cultura? Quais são
as suas possibilidades de acesso a cursos técnicos, cursos de línguas, cursinhos pré-
vestibulares, faculdades e universidades privadas pagas? Como esses/as jovens vivenciam o
espaço da cidade?
Muitos/as jovens responderam, por exemplo, que gostariam de ficar somente
estudando, ou gostariam de ter condições de pagar uma faculdade particular, mas devido a
outros gastos ‒ tais como aluguel, água, luz, comida ‒ não podiam fazer essa “escolha”. É
importante mencionar que os condicionantes sociais, tais como escolaridade do pai, da mãe,
ou do responsável, bem como a ocupações destes/as, contribuem para a delimitação ou para a
potencialização dos campos de possibilidades desses/as jovens, que, por sua vez, se articulam
e interferem de forma singular na vida de cada um/a (DAYRELL, 2005).
Após a caracterização dos sujeitos da pesquisa e da análise dos diversos fatores que
influenciavam/influem na sua condição juvenil, retomamos a questão sobre estarem, ou não,
os/as jovens apartados/as do jogo social de poder (PEREGRINO, 2011), citado no capítulo
anterior. Consideramos que os/as jovens interlocutores/as desta pesquisa estão totalmente
imersos/as no jogo social, devido às suas condições de gênero, raça (em sua maioria
negros/as), renda familiar (baixa renda) e território (moradores/as de periferias). Outras
reflexões que seguem possibilitaram ratificar o quanto os/as jovens participam do jogo de
entrada e de saída do mercado de trabalho, bem como da busca por uma longevidade escolar.
Poder vivenciar a moratória social, como um tempo/espaço de escolarização e adiamento das
responsabilidades do chamado mundo adulto, não faz parte do cotidiano da grande parte
dos/as jovens desta pesquisa e, quando podem ter acesso à determinado tipo moratória, como
veremos na cena do jovem Sérgio, a experiência é, também, marcada por tensões e conflitos.
Assim, para muitos/as jovens desta pesquisa, eles/as não vivenciam a sua condição de
jovens – tendo como base as representações de jovens que não têm responsabilidades e
podem, por conseguinte, dispor de um tempo de fruição. Nas conversas informais e nas
entrevistas, a maioria afirmou que não é jovem, pois precisa trabalhar e garantir seu sustento.
Os/As interlocutores/as da pesquisa, embora na faixa etária de jovem, se colocam como
adultos, tendo em vista o modo com que precisam lidar com sua condição juvenil. Boa parte
deles/as trabalha desde os 16 anos – mas havia casos de atividade laboral desde os 14 anos.
Quando eles/as trabalhavam na UFMG, conciliavam o ensino médio com a jornada de oito
horas exercida, tinham/ têm responsabilidades quanto a despesas familiares e alguns/ algumas
já têm filhos/as. Assim, ao invés de buscarmos pensar os elementos da saída do mundo
129

juvenil e da entrada no mundo adulto, é possível perceber as ambiguidades90 (CHAUÍ, 1996)


que compõem a vivência juvenil na contemporaneidade, as quais já são problematizadas por
diferentes autores (DAYRELL; 2003, 2005; REIS, 2014; SPOSITO, 2009; CARRANO,
2015). Embora não se coloquem como jovens, consideramos que se trata de uma outra
maneira de experimentar e de vivenciar a juventude. Nas seis cenas sociológicas que
apresentaremos, será possível denotar distintos percursos de individuação, devido às
diferenças nas condições identitárias, socioeconômicas e familiares articuladas às relações de
trabalho e de escolarização.

4.2 Os/As jovens e suas inserções laborais

Antes de nos atermos às condições de trabalho atuais dos/as ex-trabalhadores/as da


Cruz Vermelha Brasileira (CVB)91, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), faz-se
necessário trazer alguns elementos do contexto de trabalho dos/as jovens, quando ainda
trabalhavam na universidade, pelo convênio com Cruz Vermelha Brasileira.
Brevemente pontuamos que a CVB, instituição presente no estado de Minas Gerais há
94 anos92, presta serviço de assistência comunitária, qualificação socioprofissional e
segurança social. Podemos dizer que é uma instituição marcadamente conhecida pela sua
atuação no sentido de promover o primeiro contato do jovem que estuda com o mercado de
trabalho. Assim, em 1974, a CVB desenvolve o Programa Ação Jovem, com duas
modalidades de inserção dos/as jovens. Uma, intitulada Jovem Aprendiz, a qual contempla
jovens de 14 a 16 anos que trabalham entre quatro e seis horas por dia e são regidos pela Lei
da Aprendizagem (BRASIL, 2000). A outra modalidade, intitulada Jovem Trabalhador/a,
contempla jovens de 15 a 18 anos, regidos/as pela Consolidação de Leis Trabalhistas (CRUZ
VERMELHA BRASILEIRA, 2016).
O processo seletivo para trabalhar acontecia na CVB e, depois, na UFMG. Para poder
fazer inscrição, era necessário quea/o jovem estivesse com 15 a 16 anos e três meses de idade

90
Abordamos o sentido de ambiguidade, a partir da autora Marilena Chauí (1986) que afirma que
“ambiguidade não é falha, defeito, carência de um sentido que seria rigoroso se fosse unívoco. Ambiguidade
é a forma de existência dos objetos da percepção e da cultura, percepção da cultura sendo, elas também,
ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas [...]” (p.
123).
91
A CVB é uma instituição autônoma, filantrópica e de utilidade pública. No caso de Minas Gerais, a
instituição atua desde 1914, sendo uma das mais antigas do País. Embora tenha outras diferentes frentes no
estado, há mais de 39 anos, a instituição definiu que o atendimento à juventude, especialmente em situação
de vulnerabilidade social, estaria entre suas prioridades (CRUZ VERMELHA, 2016).
92
Dados do site da Cruz Vermelha: http://cvbmg.org.br e de análise de documentos.
130

e, também, que estivesse estudando – cursando a partir do nono ano do ensino fundamental.
Após passar por todas as etapas de seleção da CVB – que iam desde a triagem
socioeconômica à triagem psicológica (NONATO, 2013) –, o nome do/a jovem selecionado/a
ficava em um banco de dados e era encaminhado para as instituições, entre elas a UFMG.
Após a seleção, o/a jovem passava a fazer parte do Programa “Jovem Trabalhador”,
sob o regime da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), das 8h às 17h, com uma hora de
almoço, num total de 44 horas semanais, logo, não são “jovens aprendizes” ou “menores
aprendizes”93. Em sua carteira de trabalho, era registrada a função de mensageiro interno. De
acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), essa função é uma das exercidas
pelo contínuo, que também é denominada mensageiro externo e office-boy, entre outras. O
contrato finaliza quando o/a jovem completa 18 anos, exatamente no dia do seu aniversário.
Na descrição sumária da CBO, nesse cargo as pessoas:

Transportam correspondências, documentos, objetos e valores, dentro e fora


das instituições, e efetuam serviços bancários e de correio, depositando ou
apanhando o material e entregando-os aos destinatários; auxiliam na
secretaria e nos serviços de copa; operam equipamentos de escritório;
transmitem mensagens orais e escritas (BRASIL, 2017).

Contudo, os achados da pesquisa de mestrado que desenvolvi evidenciaram que os/as


jovens realizavam diferentes atividades, sem relação com as atribuições definidas pela CBO,
as quais variavam de acordo com o setor ao qual estavam vinculados/as.
A análise desenvolvida por mim (NONATO, 2013) trouxe diferentes elementos para
pensarmos a condição juvenil dos/as jovens que exerciam suas atividades laborais na UFMG.
O primeiro elemento se refere ao tempo longo de deslocamento até o trabalho. A
maioria gastava entre uma e duas horas para chegar à UFMG, de modo que muitos/as jovens
ocupavam, com o trabalho, praticamente, 10 horas do seu dia. Outro elemento era a rotina
deles/as que, segundo averiguei (NONATO, 2013), era muito “pesada”, visto que eles/as
exerciam oito horas diárias de trabalho e, depois, ou antes (considerando os casos dos que
trabalhavam à noite), iam para a escola com mais quatro horas e meia de atividade, como
estudantes. Cabe lembrar que as chefias imediatas dos/as jovens podiam permitir, ou negar,
saídas antes do horário estabelecido; assim, para alguns/ algumas, a jornada poderia ser
flexibilizada, enquanto que, para outros/as, não. Trata-se de uma dimensão que não era
institucionalizada. A chefia, também, tinha um papel importante no que tange à experiência

93
No ano de 2017, o convênio entre UFMG e CVB começou a ser alterado, priorizando a contratação, por um
período de quatro ou seis horas. O salário dos/as jovens teve redução.
131

laboral dos/as jovens. Uns/ Umas tinham acesso a cursos, atividades culturais e educativas,
enquanto outros/as não tinham liberação para desenvolver nenhuma atividade. Nesse sentido,
é possível dizer que, em grande medida, embora a responsabilidade seja da própria
universidade, as experiências formativas de trabalho, pensando nos/as jovens como sujeitos de
direitos e de aprendizagens, dependiam, muitas vezes, da chefia imediata (NONATO, 2013).
O sentido que os/as jovens atribuíram ao trabalho também é interessante de ser
pontuado. A maior parte dos sentidos atribuídos dialogava com as dimensões de socialização
e de sociabilidade. Quanto à socialização, eles/as afirmaram que o trabalho proporcionou
aprendizagem voltada para: “conviver com o público, aprender a conviver com as pessoas,
aprender a conversar mais, ampliação da rede de contatos” (NONATO, 2013, p. 236). Quanto
à sociabilidade, eles/as mencionaram a possibilidade de fazer e de cultivar amizades.
Juntamente com as dimensões supracitadas, os/as jovens enfatizaram o sentido de
independência, principalmente financeira, mas não somente ela. Os/As jovens salientaram a
possibilidade de serem “donos/as de si”, pois tiveram mais autonomia, liberdade e confiança
dos pais, mães e/ou responsáveis (NONATO, 2013).
O trabalho na UFMG para muitos/as jovens significava, naquela época, uma
possibilidade de ajudar nas despesas de casa, tendo em vista que as mães, pais ou
responsáveis não conseguiam manter a casa, sem a ajuda financeira de seus/suas filhos/as.
Para alguns/algumas, subsidiar seus próprios gastos já era suficiente para contribuir com o
orçamento da família. Desta maneira, o sentido da necessidade era algo comum aos/às jovens,
devido, especialmente, à condição de serem pobres. Além dos sentidos positivos atribuídos ao
trabalho, alguns/algumas ressaltaram que este era uma “obrigação a cumprir”, pois
precisavam trabalhar e que se tratava de uma rotina pesada, mas que trabalhar na UFMG era,
de forma geral, positivo.
Esses/as jovens faziam parte de um percentual de 25,3%, de jovens de 15 a 17 anos de
idade, ocupados/as, no Brasil, no ano 2012 (PNAD, 2015), ano de entrada da maioria na
UFMG, como podemos ver no gráfico a seguir:
132

Gráfico 5 – Nível de ocupação dos/as jovens, por grupos de idade - Brasil (2005 – 2015)

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2015.

O gráfico 5 mostra uma queda de ocupação em todas as faixas etárias da juventude,


como já apontamos, todavia, é preciso observar que os dados se referem aos trabalhos
formais. Ricardo Antunes (2005) e outros/as autores/as por sua vez, chamam a atenção para a
“nova morfologia do trabalho”, que agrega várias formas de precariedade, tais como: a
subcontratação, a terceirização, a quarteirização e o trabalho doméstico (GUIMARÃES, 2006;
IPEA, 2008; OIT, 2009). Assim, os trabalhos informais, que cada vez mais têm feito parte da
vivência juvenil (IPEA, 2008), nem sempre são alcançados pelas estatísticas.
No gráfico 5, podemos ver, ainda, que, na faixa etária de 18 a 24 anos, em que os/as
jovens estão atualmente, o nível de ocupação não caiu tão significativamente quanto na faixa
anterior, mas o cenário do mercado de trabalho se alterou. Os/As jovens ex-trabalhadores/as
da Cruz Vermelha saíram da UFMG com 18 anos. O desligamento da maioria dos/as jovens
aconteceu em 2013, ano em que o mercado de trabalho estava em ascensão e a taxa geral de
desocupação94 no país estava baixa (7,94%). Como afirmam Carlos Salas e Marcia Leite
(2017), os dados do mercado de trabalho, de 2004 a 2014, evidenciaram uma “melhoria na
estrutura ocupacional brasileira” no período. Os dados demonstraram “uma tendência
importante de diminuição do desemprego, de melhoria salarial, de formalização da força de
trabalho, de distribuição de renda e de redução de miséria, ensejando debates sobre um
processo de estruturação do mercado de trabalho” (SALAS; LEITE, 2017, p. 01). Se

94
Proporção de pessoas desocupadas em relação ao total de pessoas economicamente ativas, em um
determinado grupo etário (PNAD, 2017, p. 136).
133

compararmos com os índices de 2013 a 2017, podemos perceber o aumento da taxa de


desocupação, que foi de 6,18%, em 2013, para 13,0%, em 2017:

Gráfico 6 – Taxa de desocupação das pessoas de 16, ou mais anos de idade – Brasil (2013 - 2017)

Fonte: Pnad Contínua/IBGE – Elaboração IPEA

É importante citar que as taxas de desocupação do gráfico 6 não estão desagregadas


por idade, para chamar a atenção sobre a situação do mercado de trabalho que já estava
apresentando uma situação de declínio para toda a população maior de 16 anos, sem
considerar recortes de sexo, raça, território que também tiveram repercussões. Cabe lembrar
que os/as jovens de 16 a 29 anos são os/as que sofreram com a taxa de desocupação, tendo
sido um percentual de 18, 9%, para jovens homens, em 2016, e de 24,0%, para jovens
mulheres (PNAD, 2017, p. 25).
Articulada ao baixo índice de desocupação, também sem desagregar por faixa etárias,
temos a taxa de atividade ou participação95, que se manteve praticamente estável no ano de
2013, como vemos:

95
Proporção da população ocupada ou desocupada (população economicamente ativa) em relação às pessoas
em idade de trabalhar. Pessoas em idade de trabalhar: pessoa de 14 anos, ou mais, de idade na data de
referência. Na publicação citada, optou-se por selecionar apenas as pessoas de 16 anos, ou mais, de idade.
(PNAD, 2017, p.136).
134

Gráfico 7 – Taxa de participação – Brasil (2013 - 2017)

Fonte: Pnad Contínua/IBGE – Elaboração IPEA.

Trazer ambos os dados – de desocupação e de participação – é importante, pois mostra


que o desemprego estava baixo e a atividade estava estável. Assim, caía o número de
desempregados/as, ao mesmo tempo em que se mantinha equilibrada, ou em ascensão, como
em 2015, a taxa de participação. Tais dados conflitam com o que afirma Mariléia Silva (2009,
p. 86): diante do mercado de trabalho, o/a jovem “se depara com uma realidade em que não há
lugar para todos”. Parecia haver, sim, um lugar para todos/as, pois o número de ocupados/as
(medida pela proporção de ocupados/as, em relação à população em idade de trabalhar,
chamada também de População em Idade Ativa (PIA)), também crescia.

Gráfico 8– Número de ocupados/as – Brasil (2013 - 2017)

Fonte: Pnad Contínua/IBGE – Elaboração IPEA.

Porém, a partir dos dados do número de ocupados/as e da taxa de atividade, é possível


verificar também que o cenário de melhoria do mercado de trabalho, de possibilidades de
135

inserção e de baixo desemprego começava a ter declínio em 2015. Assim, nos anos de 2015,
2016 e 2017 já não vivenciávamos um progresso do mercado de trabalho. Os dados da PNAD
(2016) apontam que, em 2015, pela primeira vez na década, a população ocupada sofreu
redução, diminuindo cerca de 3,7% milhões de ocupações e os mais afetados/as foram os/as
jovens de 16 a 24 anos (-15,4% na década e -10,7% em relação a 2014). Houve, assim, um
aumento da População Não Economicamente Ativa (PNEA). A partir da faixa etária da
PNEA, tem-se que “metade tinha 50 anos ou mais de idade, 21,1% entre 16 e 24 anos, 15,0%
entre 25 a 39 anos e 10,1% entre 40 e 49 anos” (PNAD, 2016, p. 68). Na PNAD de 2017,
também se reforçava que a população jovem era a mais atingida, pois o nível de ocupação
diminuiu de 59,1%, em 2012, para 52,6%, em 2016, entre os/as jovens. Diante do novo
cenário, concordamos com Salas e Leite (2017) que chamam a atenção para que, a partir de
2015, com o aprofundamento da crise econômica, aconteceu uma “deterioração dos dados da
estrutura ocupacional” (SALAS; LEITE, 2017, p. 4) e os dados reforçaram que a juventude
era o grupo etário que o contexto econômico mais impactou.
É interessante ponderar que, segundo o Ipea (2016), quase a metade da população
desocupada (comparação de 2005/2015), que vinha buscando emprego, tinha um perfil
educacional exigido no mercado de trabalho, ou seja, ensino médio completo ou superior
incompleto, porém, não encontrava trabalho diante da queda da atividade econômica. Assim,
a partir do novo cenário, e, especialmente pensando nos/as jovens que são os/as mais
afetados/as com a queda da ocupação e com o aumento da taxa de desemprego
(CORROCHANO, 2008; GUIMARÃES; MARTELETO; BRITO, 2016), retomamos a
consideração de Silva (2009), agora concordando que, diante da atual configuração, os/as
jovens são impelidos/as a buscar trabalho em um mercado que não tem lugar para todos/as.
Ou seja, se antes parecia se ter um mercado de trabalho com mais possibilidades de acesso, a
partir de 2014, com as taxas de desocupação, as possibilidades de emprego diminuíram e
os/as jovens, devido a diferentes nuances, tenderam a estar imersos/as num mercado ainda
mais seletivo, no qual era/é difícil concorrer. Como veremos nas cenas sociológicas, os/as
jovens buscaram/buscam diferentes estratégias para se inserirem, especialmente a
qualificação, mas nas análises, buscamos evidenciar que a formação é apenas um dos
elementos que compõe a complexidade da inserção.
Dos sujeitos desta pesquisa, 67,4% (64) dos/as jovens estavam trabalhando e 32,6%
(31) não estavam. É possível afirmar que os/as jovens estão acima da média da taxa de
ocupação para a faixa etária de 18 a 24 anos, apresentada no gráfico 5.
136

Como apresentado na tabela a seguir, 12,6% dos/as jovens não tiveram nenhum
emprego, desde a saída da Cruz Vermelha. Os outros 87,4% (somando os percentuais) já
tiveram alguma experiência de trabalho posterior àquela na UFMG.

Tabela 3 – Empregos/trabalhos após a saída da Cruz Vermelha (UFMG)


Freq. %
Nenhum 12 12,6
1 22 23,2
2 37 38,9
3 16 16,8
4 7 7,4
5 ou mais 1 1,1
TOTAL 95 100,0
Fonte: Elaborada pela autora.

Após o término do contrato com a Cruz Vermelha, uma parte dos/as jovens (38,9%)
teve dois trabalhos; 23,2% deles/as tiveram um trabalho e 16,8% tiveram três experiências.
Com menor número, 7,4% dos/as jovens tiveram quatro trabalhos e 1,1%, 5 ou mais
trabalhos. Esses dados tendem a indicar uma baixa rotatividade entre empregos e entre
emprego e desemprego, pois, como afirmamos, a maioria estava empregada. Desta forma,
apontamos que, se, para alguns/algumas autores/as, a rotatividade está associada à idade, não
é o caso dos/as jovens interlocutores/as desta pesquisa, pois a maior parte deles/as teve de um
a dois trabalhos (Felícia MADEIRA, 2004; CORROCHANO, 2008).
As ocupações dos/as jovens96, em seus primeiros trabalhos, desde que saíram da
UFMG, foram: ajudante de obra, aprendiz, atendente/operador/a de caixa, auxiliar
administrativo, auxiliar de almoxarife, auxiliar de frios, barman, cobrador/a, contínuo
(terceirizado), eletricista automotivo, estagiário (contabilidade e PBH), encarregado de
produção, estoquista, garçom/garçonete, instrutor de informática, metalúrgico, militar do
exército, operador de telemarketing, porteiro, promotora de cartão, promotora de eventos,
recepcionista, repositor, segurança, Técnico em Enfermagem, Técnico em Saúde no Estado e
vendedor. Observa-se que, em sua maioria, as inserções se deram em setor de serviços e em
ocupações consideradas de baixo prestígio. Algumas delas relacionavam-se com inserções em
cursos técnicos e a ocupação de técnico em Saúde do Estado referia-se a uma formação
técnica, para a qual havia concurso público. Cabe lembrar que o setor terciário, desde a

96
Optamos por não inserir a linguagem não sexista para ressaltar as funções exercidas pelos jovens homens,
grafadas com somente “o”, exercida pelas mulheres, grafadas somente com “a” e grafadas com “o/a” aquelas
desenvolvidas por ambos.
137

chamada “acumulação flexível”, tem ganhado peso no Brasil (DRUCK, 2011; HARVEY,
2014; SILVA, 2014). A ampliação no setor de serviços está associada ao aumento da
precarização social do trabalho (DRUCK, 2014), pois à natureza de parte de seus postos de
trabalho está associada à diminuição da formalização, das jornadas mais flexíveis e da
sindicalização, por exemplo (PNAD, 2017).
O tempo médio que a maioria dos/as jovens demorou para conseguir emprego, após a
saída da UFMG, foi de até seis meses (39 jovens). Alguns/Algumas informaram que
demoraram mais tempo, de sete a nove meses (5 jovens). Outros/as jovens não procuraram
emprego, pois estavam esperando o seguro desemprego acabar. Tínhamos, ainda, jovens que
só conseguiram trabalho a partir do tempo de um ano (13), ou a partir de dois anos (2), pós-
UFMG. A maioria dos trabalhos em que os/as jovens se inseriram, após a saída da UFMG.
Foi conseguida por indicação de familiares, especialmente, evidenciando a ideia dos laços
fortes97 (Mark GRANOVETTER, 1973) e, em alguns casos, pela indicação de colegas de
trabalho da UFMG. O “QI” – expressão popular que, em alusão à sigla do conceito de
quociente de inteligência – um critério que poderia ser utilizado para avaliar a condição de
alguém para exercer determinado cargo – significa, nesses casos, “Quem Indica” (para a vaga
de emprego) – faz parte da dinâmica do mercado de trabalho e ser indicado/a, no caso dos/as
jovens, é importante, pois nem sempre eles/as têm a experiência que o mercado exige, ou
oportunidades para inserção. A indicação, a partir dos circuitos profissionais98
(GUIMARÃES, 2009), articulada ao mérito, possibilitou a reinserção de três dos/as jovens na
UFMG, como terceirizados/as. Em duas cenas sociológicas, com os/as jovens Dayane, Caio e

97
Mark Granovetter (1973) busca compreender as redes e as maneiras como circulam as informações sobre
possibilidades de emprego. Os “laços fortes” são aqueles em que os indivíduos se conhecem, são íntimos e
próximos. Os laços fortes são eficazes para localização e acesso a empregos, tendo familiares, vizinhos/as e
amigos/as como principais interlocutores/as. Já os “laços fracos”, ao contrário, são formados por indivíduos
que são pouco íntimos ou se encontram pouco. Os laços fracos são aqueles que conseguem maximizar a
circulação da informação ocupacional, aumentando as chances individuais de localizar empregos e,
especialmente de melhores ocupações. Para o autor, os indivíduos que conseguem transitar pelos laços
fracos têm mais chances de encontrar melhores oportunidades de trabalho, pois a rede é mais ampliada. Já
nos laços fortes a tendência é ficar circunscrito em familiares, vizinhos, ou em contatos próximos que
tendem a limitar novas e melhores possibilidades de inserção no mundo do trabalho.
98
Guimarães (2009) classificou os mecanismos de procura de trabalho de modo a diferenciar um conjunto de
circuitos, quais sejam: “Circuito Doméstico” são àqueles em que as informações de trabalho provêm dos
indivíduos mais próximos; o “Circuito Comunitário” é marcado por informações ocupacionais de um círculo
minimamente mais alargado, formado por amigos e vizinhos que tendem a co-habitar com os indivíduos; o
“Circuito Associativo”, neste caso, as informações já são a partir de vínculos de outra ordem, com menor
intimidade entre os indivíduos, tendo como referências os sindicatos, comunidades de bairro e outros tipos
de associação. E, por último, o “Circuito Profissional” que também são redes mais amplas, a partir da
relação entre antigos colegas de trabalho.
138

Letícia, será possível refletir sobre as redes de contato, bem como sobre a construção dos/as
jovens como trabalhadores/as terceirizados/as.
Quanto ao tempo de permanência no trabalho, em geral, os/as jovens permaneceram
mais de um ano no novo local. No que se refere ao registro em carteira, dos/as 83 jovens,
74,7% (62) informaram que seu primeiro emprego, desde a sua saída da UFMG, foi com
carteira assinada e 25,3% (21) informaram que não adquiriram tal direito. As ocupações sem
carteira assinada foram: auxiliar administrativo, servente, estagiário, atendente, repositor,
vendedor e promotor de eventos.
Em sua maioria, a experiência laboral dos/as jovens que tiveram 2º trabalho também
se deu no setor de serviços99. O tempo médio que a maioria desses/as jovens demorou para
conseguir seu segundo emprego, após a saída da UFMG, foi de até quatro meses. No caso do
tempo durante o qual os/as jovens ficaram no trabalho, a maioria ficou por mais de um ano,
ou estão ainda inseridos/as no mercado. Quanto ao registro em carteira, dos/as 54 jovens,
68,5% (37) tiveram a carteira assinada e 31,4% (17) não tiveram o registro. As ocupações sem
carteira assinada foram: office boy e atendente de supermercado100.
Diante do exposto, enfatizamos a formalização dos vínculos da maior parte dos/as
jovens que trabalhavam. O vínculo formal, segundo Nadya Guimarães (2004), é importante,
pois

[...] garante representação sindical e assegura que as relações de trabalho


serão regidas por convenções coletivas, não apenas por contratos individuais
entre patrão e empregado; [o empregado] tem na CLT e, em muitos casos, na
Constituição Federal, o escudo protetor contra arbitrariedade do empregador;
minimamente garante férias; 13º salário e pecúlio da forma de FGTS. Em
suma, o vínculo formal de trabalho traz o trabalhador à superfície da cena
social, possibilitando que ele se torne protagonista de seu próprio destino,
dando-lhe visibilidade pública e conferindo estabilidade à sua relação com o
Estado via acesso regulador à legalidade imperante, a algo que poderia ser
nomeado “mínimos civilizatórios em termos de remuneração e direitos”
(GUIMARÃES, 2004, p. 304-305).

O trabalho protegido, ou emprego, representado pela assinatura na carteira,


emboracom menos peso institucional, devido às novas configurações do mundo do trabalho,

99
Ocupações: ajudante de obra, arquivista de escritório de advocacia, atendente, auxiliar administrativo,
auxiliar de contabilidade, auxiliar de mecânica, auxiliar de reposição/produção, auxiliar de saúde bucal,
auxiliar de tesouraria, auxiliar de veterinário, auxiliar merchandising, cobrador, estoquista sapataria,
exército, fiscal de loja, manobrista de estacionamento, office boy, operador de máquinas, operador de
telemarketing, porteiro, recepcionista, servidora pública, vendedor, zelador.
100
As experiências seguintes, de alguns/ algumas jovens que tiveram mais de dois empregos, se aproximaram
muito das duas experiências citadas. Ou seja, houve pouca alteração com relação ao tipo de inserção, ao
tempo de busca e ao tempo de permanência no trabalho.
139

ainda é um elemento central para pensarmos na garantia de direitos de trabalhadores. Para


alguns/algumas jovens, a carteira assinada era considerada fundamental, pois chegaram a
deixar outros empregos, em razão da ausência do registro, como veremos na cena do jovem
Weliton. Todavia, alguns/algumas jovens estiveram ocupados/as na informalidade por um
período que ultrapassou seis meses, o que lhes usurpou a garantia de uma série de direitos. O
gráfico abaixo evidencia o aumento da informalidade no Brasil ao longo dos anos:

Gráfico 9 – Evolução do grau de informalidade contemplando todos os conta própria – Brasil


(2013 - 2017)

Fonte: Pnad Contínua/IBGE – Elaboração IPEA

Paralelamente ao aumento das taxas de desemprego e à redução da taxa de ocupação,


tem-se a evolução do grau de informalidade. Os trabalhos informais representam a saída de
um trabalho regulado pelo Estado e a inclusão em um mundo do trabalho que é “invisível do
ponto de vista do Estado e de suas instituições e, provavelmente, ainda mais predatório em
relação à força de trabalho” (GUIMARÃES, 2004, p. 305). Dessa forma, o aumento da
informalidade vem acompanhado, inclusive, de uma diminuição dos rendimentos, reforçando
a ideia da informalidade como demarcador de desigualdades. A formalização, ao contrário,
aumenta a renda média (IPEA, 2017; OXFAM, 2017). É importante sinalizar que o mercado
de trabalho tem sido colocado como um “fator recente de redução das desigualdades de renda
no Brasil” (OXFAM, 2017, p. 62) o que nos faz ponderar sobre a importância da formalização
dos espaços/tempos de trabalho.
Os dados de reinserção dos/as jovens nos permitem dizer que temos um percentual que
se diferencia da média nacional quanto ao acesso ao mercado de trabalho, pois a maioria está
inserida e consegue permanecer. Cabe dizer, ainda, que a trajetória de ocupações da maioria
dos/as jovens, nas diferentes experiências de trabalho, aconteceu no setor de serviço, assim
140

como as ocupações de suas mães e pais, o que nos faz lembrar do termo “desejando o
desejável” (BOURDIEU, 1996), pois, “em parte, a perspectiva dos/as jovens hoje reflete as
condições gerais em que se encontram as famílias, embora possa ser, na maioria das vezes, a
reprodução da atual situação econômica e social” (POCHMANN, 2000, p. 11) Assim,
alguns/algumas jovens estão reproduzindo as mesmas trajetórias de trabalho de seus pais,
inclusive havia aqueles/as que trabalhavam com pais e familiares.
Outra questão importante é que a maioria dos/as jovens informou que conseguiu nova
ocupação a partir da indicação feita pelos locais de trabalho anteriores, mas, especialmente,
pela indicação de familiares. Em todas as cenas, será possível perceber a importância dos
“laços fortes” para procurar ingresso no mercado de trabalho. Para a maioria dos/as jovens da
pesquisa, desde a inserção na CVB às novas inserções alcançadas pelas indicações feitas pelas
famílias, especialmente as mães tiveram um papel importante na conquista da vaga.
Não podemos deixar de citar que 32,6% dos/as jovens pesquisados/as não estavam
trabalhando, fazendo parte da taxa de desemprego que tem aumentado desde 2015, como já
ressaltamos. Os/As jovens que estavam desempregados/as, majoritariamente, já estavam na
situação, havia mais de um ano, como responderam. Dez dos/as jovens desempregados/as já
estavam sem trabalhar havia mais de três anos; quatro deles/as afirmaram não procurar
emprego, ou seja, estavam em situação desemprego oculto pelo desalento. No caso dos/as
jovens que não tiveram nenhum trabalho, desde a saída da Cruz Vermelha, encaixam-se no
que Pochmann (2007, p. 49) denomina como “desemprego de exclusão”, o que consiste em
um período longo sem emprego. O gráfico abaixo possibilita um panorama da taxa de
desemprego em nível nacional:

Gráfico 10 – Taxa de desemprego – pessoas entre 16 e 65 anos – Brasil (2012 - 2017)

Fonte: Maurício REIS, 2017 com dados de Pnad Contínua.


141

O período analisado coincide com o contexto de saída dos/as jovens. Embora não se
trate somente da faixa etária de 15 a 29 anos, contribui para refletirmos sobre o aumento da
taxa de desemprego. Maurício Reis (2017, p. 39) afirma que a “recente deterioração do
mercado de trabalho pode representar mais dificuldades para os/as trabalhadores que se
encontram em busca de um emprego”. Consideramos que grande parte dos/as jovens ex-
trabalhadores/as, mesmo os/as que estavam trabalhando, não puderam escolher os trabalhos e
condições de trabalho, seja pelo contexto de desemprego, seja pela falta de qualificação para
buscar outras ocupações, falta de experiência, pelo local de moradia (longe dos centros de
emprego), como alguns/algumas citaram no campo de observações do questionário. Além
disso, existe um “desencorajamento com o mercado de trabalho” (IPEA, 2016), que, segundo
a OIT, relaciona-se às seguintes razões:

desconhecimento sobre como ou onde procurar trabalho; incapacidade de


encontrar trabalho compatível com suas competências; experiências
anteriores de procura por emprego sem resultados; sentimento de que se é
jovem demais para encontrar trabalho; sensação de que não há empregos
disponíveis na região (WHAT, 2015, p. 3, tradução nossa).

Corroborando as informações divulgadas pela OIT, alguns/algumas jovens citaram que


não sabiam onde procurar trabalho, especialmente por não identificarem em quais espaços
poderiam se inserir, tendo como base a experiência anterior. Já outros/as jovens citaram que
não faziam nada para ganhar dinheiro, mesmo estando desempregados/as, se mantendo
especialmente com ajuda de suas mães, pais, ou responsáveis. Como veremos em algumas
cenas, o desemprego é vivenciado pela maior parte como um momento de sofrimento e
frustração. Não obstante, salientamos que o desemprego também foi vivido como um tipo de
moratória e construção de projeto de vida, como veremos na cena de Sérgio. Mas, também
com uma postura desengajamento, como veremos com Breno. Em todos os casos, o
desemprego “parece pôr em risco, para uma ampla gama de indivíduos, identidades sociais e
formas de sociabilidades construídas em experiências pregressas de trabalho” (GUIMARÃES,
2004, p. 256).
Citamos, também, que, entre os/as jovens que não estavam empregados/as, 32,6% (31)
desenvolviam as seguintes atividades: ajudante de lava a jato, ajudante de pedreiro, artesão,
professor de Matemática (aula particular), cabelereira, vendedora de chup-chup, editor de
vídeos/conserto computadores, vendedora de doces, faxineira, garçom, instrutor de academia,
manicure, motorista/ motoboy (entregas), panfletagem, segurança, servente, pintor (“qualquer
coisa que aparecer”), motorista de Uber, vendedor de drogas e vendedor de revistas. Esses/as
142

jovens poderiam ter dito que estavam trabalhando, desenvolvendo as atividades citadas,
mesmo que de maneira informal, como fizeram os/as outros/as. Optamos por respeitar a
resposta desses/as jovens, pois dizer que não estavam trabalhando, mesmo desenvolvendo as
atividades que listamos, parece referir-se ao sentido e significado que eles/as atribuem à
categoria trabalho. Fica explícito que, para alguns/algumas, o envolvimento com essas
atividades não significava estar trabalhando101, pois não havia carteira assinada, como foi
explicitado por eles/as. Assim, para muitos/as deles/as, o trabalho é igual ao emprego, ou seja,
se não se tem um trabalho protegido não se tem um emprego.
As ocupações e os desempregos (temporários, ou desde a saída da UFMG) dos/as
jovens nos fazem indagar sobre as políticas e programas de inserção laboral que “assumiram
sobremaneira o fetiche da capacitação do jovem para um mercado de trabalho de poucas
oportunidades” (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 31). Concordamos com a crítica feita por
Sposito e Carrano (2003) acerca das políticas [neste caso programa] de primeiro emprego que,
em sua maioria, não têm um acompanhamento e continuidade, após a saída dos/as jovens da
primeira experiência laboral. Isso faz com que eles/as saiam “sem rumo” para novas
inserções, como foi o caso da maioria dos/as ex-trabalhadores/as da CVB. Muitos/as jovens se
depararam com um mercado de poucas oportunidades em que não “há lugar para todos”
(SILVA, 2009), sem um ofício e sem qualificações.

4.3 Jovens e processos de escolarização

Nos anos de 2012 e 2013, os/as jovens ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha eram,
predominantemente, estudantes do ensino médio, devido a uma escolha da UFMG, pois esta
instituição poderia optar por contratar jovens do 9º ano também. A maioria estava cursando o
terceiro ano (42,2%) dessa modalidade de ensino; 28,1%, o segundo ano e 20,1%, o terceiro e
último ano. Um número pequeno (8,0%) já havia concluído essa etapa escolar (NONATO,
2013).
No período da presente pesquisa, 87,3% (83) dos/as jovens participantes desta
concluíram o ensino médio, sendo que 78,3% (65) deles/as o fizeram no tempo regulamentado
de três anos; 13,2% (11), em quatro anos, e 8,4% (7), em cinco anos, ou mais. Onze deles/as
cursaram esse nível de ensino na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em algumas cenas,

101
Cabe lembrar que, no questionário, optamos por perguntar sobre a situação no mundo do trabalho utilizando
a palavra trabalho, por entender que esta é mais ampla que emprego, como já citamos. Silva (2012) afirma
que, no Brasil, a falta de emprego não é desemprego, tendo em vista que as pessoas permanecem buscando a
sobrevivência, por outras formas de trabalho, dessa maneira “desemprego, no Brasil, não é o reverso do
trabalho, uma vez que isso pressupõe a negação da condição de trabalhador” (SILVA, 2012, p. 148)
143

os/as jovens narram elementos das suas vivencias neste nível de ensino, articulando-as às
experiências atuais de processo e projetos de escolarização.
Ao relacionar os dados coletados aos de níveis nacionais, podemos afirmar que a
maioria estava entre os 59% dos/as jovens no Brasil que concluem o ensino médio, não
participando da estatística de que quatro a cada 10 jovens de 15 a 19 anos não o concluem
(OXFAM, 2017). O gráfico a seguir, sobre o percentual de jovens que frequentam a escola,
mostra que a maior frequência acontece na idade considerada ideal para a conclusão desta
etapa.

Gráfico 11 – Percentual de jovens que frequentam a escola, por grupos de idade – Brasil (2005 -
2015)

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2015.

Podemos dizer que uma quantidade considerável dos/as jovens estava inclusa no grupo
daqueles/as que frequentavam a escola nos anos de 2011 e 2012 (83,7% e 84,1%,
respectivamente). No ano de 2016, quatro dos 12 que não concluíram o ensino médio
compunham as estatísticas de jovens que estavam frequentando a escola na faixa etária de 18
a 24 anos ‒ no caso, todos/as estavam na EJA.
Apenas dois motivos foram citados pelos/as 12 jovens que não concluíram o ensino
médio e não retornaram à escola: a falta de interesse e um caso de gravidez. A falta de
interesse pela escola é apontada por diferentes pesquisadores/as102 como um dos fatores chave
para a evasão. Como já citamos, o processo de expansão do ensino médio modificou muito o

102
Cf. DAYRELL, 2007; DAYRELL; Daniele BARBOSA, 2009; NONATO, 2013; LEÃO; DAYRELL; REIS,
2011; DAYRELL; Rodrigo EDNILSON, 2016.
144

público que passou a fazer parte da escola. O público se alterou, mas a escola continuou a
mesma, por isso, concordamos com Dayrell (2007), ao enfatizar que, para os/as jovens,

a escola se mostra distante dos seus interesses, reduzida a um cotidiano


enfadonho, com [alguns] professores que pouco acrescentam à sua
formação, tornando-se uma “obrigação” necessária, tendo em vista a
necessidade do diploma (DAYRELL, 2007, p. 1106).

Entre as múltiplas variáveis, a falta de diálogo entre escola e jovens é um elemento


importante, quando refletimos sobre o distanciamento entre eles/as e a instituição escolar,
explicando assim o que eles/as apontam como a “falta de interesse”. Sabemos que a escola
pública no Brasil apresenta diferentes questões que merecem ser problematizadas, tais como a
precariedade da infraestrutura, os baixos salários dos professores, a falta de investimento na
formação docente continuada, mas modificações na cultura escolar e no currículo também
precisam ser debatidas.
Apesar do distanciamento entre escola e jovens, alguns/algumas deles/as não
abandonam/abandonaram a escola e outros espaços educativos. Dos 95 jovens da pesquisa,
30,5% (29) informaram que estavam estudando e 69,4% (66) informaram que não. Entre os/as
jovens que estavam estudando, temos a seguinte realidade: dezesseis faziam curso superior,
quatro faziam EJA, dois faziam curso técnico, três estudavam para concurso, um fazia cursos
de línguas e três não informaram sua situação. Com exceção dos/as jovens estudantes em
cursos de línguas, nas cenas sociológicas, será possível nos aproximarmos das diferentes
experiências de escolarização e de longevidade escolar e perceber as singularidades.
Ressaltamos que, dos/as 16 jovens que estavam fazendo curso superior, dois eram para
tecnólogos, tendo, assim, uma duração menor. Entre os cursos superiores, citamos: Ciências
Contábeis; Engenharia de Controle e Automação; Fisioterapia; Psicologia; Sistema da
Informação; Educação Física; Ciências Biológicas; Engenharia Civil; Arquitetura e
Urbanismo. Ao contrário dos/as jovens das camadas médias e altas, que, com a idade de 22
anos já estariam concluindo esse nível de escolaridade, a maioria dos/as jovens estava nos
primeiros períodos desses cursos, tendo-os iniciado entre 2015 e 2016.
Cabe salientar que os/as 16 jovens que estavam cursando o ensino superior faziam
parte de um percentual restrito, a nível nacional, de pessoas que acessam esse nível de ensino.
Na PNAD 2016, verifica-se que apenas 15,3% dos/as brasileiros/as com mais de 25 anos
haviam concluído o ensino superior. No caso dos/as jovens de 18 a 24 anos, temos um
145

percentual de 18,4% totais (PNAD, 2015) de frequência líquida103 a esse nível de ensino. No
gráfico a seguir, podemos verificar a taxa de frequência líquida ao ensino superior
comparando 2005 e 2015:

Gráfico 12 – Taxa de frequência líquida no ensino superior de graduação da população e 18 a 24


anos de idade, segundo o sexo e a cor ou raça – Brasil (2005 - 2015)

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2015.

No gráfico, chamam a atenção algumas discrepâncias, especialmente na frequência


entre homens e mulheres e entre negros/as (pretos/as e pardos/as) e brancos/as. Levando em
conta que temos 79,9% de jovens que se autodeclararam negros/as, é importante
problematizar o aspecto racial no acesso ao ensino superior. Em geral, a juventude negra e
pobre é a que tem mais dificuldade para acessar esse nível de ensino. Como apontado no
relatório OXFAM (2017, p. 60), “em 1995, brancos tinham, em média, 6,7 anos de estudo,
enquanto, no caso dos/as negros/as, essa média era de 4,5. Passados vinte anos, brancos/as
têm uma média de 9 anos de estudo, contra 7,4 dos/as negros/as”. Embora tenha aumentado o
número de anos estudados por negros/as, manteve-se a diferença de mais ou menos dois anos
de escolaridade. Significa dizer que, a cada branco/a ingressando na universidade, temos um/a
negro/a ainda no segundo ano do ensino médio. De acordo com a Oxfam (2017), pessoas com
ensino superior ganham 2,5% a mais que aquelas que concluíram apenas a educação básica,
ou seja, com dois anos a mais de escolarização, os/as brancos/as estarão sempre com
rendimentos maiores que os negros/as, como vimos no gráfico 4, produzindo e reproduzindo
ainda mais desigualdades.

103
É a razão entre o número total de matrículas de alunos/as com a idade prevista para estar cursando um
determinado nível e a população total da mesma faixa etária.
146

Os/As 16 jovens que estavam cursando a graduação conseguiram romper com algumas
barreiras, pois todos/as são negros/as, todavia, é importante lembrar que são exceção à regra.
Isso porque, ao pensarmos na educação brasileira, podemos dizer que, em todas as etapas, em
especial no ensino superior, ocorre um funil de alunos/as, em que alguns/algumas não
conseguem chegar a uma “longevidade escolar”, consequência dos mais variados fatores. Essa
é a realidade dos/as jovens que acessam esse nível de ensino, todavia, para o/a jovem negro/a,
tal afirmação se faz ainda mais complexa.
A questão do pertencimento étnico-racial, muitas vezes, é invisibilizada por outras
questões, tais como fatores econômicos, como afirma Santos (2007): “acredita-se que a
desigualdade racial detectada nas universidades públicas brasileiras não se deve ao aspecto
racial, mas sim, ao econômico” (p. 233). É claro que não podemos negar que a questão
econômica dificulta a entrada no ensino superior – ela está, entretanto, totalmente interligada
à questão da raça. Gomes e Munanga (2006) afirmam que existe um “abismo racial” que está
presente em vários setores da sociedade. Essa desigualdade é fruto da estrutura racista somada
à exclusão social e à “desigualdade socioeconômica, que atinge toda a população brasileira e,
de modo particular, os/as negros/as” (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 172). Essas diferenças
trazem consequências que alimentam o círculo vicioso, pois, sem condições de estudo, os/as
jovens negros/as têm desvantagens com relação ao mercado de trabalho.
Embora saibamos das desigualdades para a inserção no ensino superior, especialmente
para determinados grupos, Bréscia Nonato (2018) aponta que as políticas de democratização
do acesso, especialmente Sisu, Lei de Cotas, mas também o ProUni e Fies (que não fizeram
parte da pesquisa da autora), têm contribuído para minimizar tais desigualdades e possibilitar
a inserção de grupos antes excluídos a esse nível de ensino. Os/As jovens interlocutores/as
dessa pesquisa, por exemplo, a partir das políticas citadas, “contrariam alguns destinos” que
são vistos como comuns a jovens pobres e negros/as no ensino superior, pois se inserem neste
nível de ensino nos mais diferentes cursos.
Lembramos, porém, que, embora o cenário esteja se alterando, observemos que ainda
existe uma inversão na sociedade brasileira, em que estudantes de escola pública acessam o
Ensino Superior em instituições particulares e jovens que estudaram em escolas particulares
acessam esse nível de ensino em instituições públicas. No caso desta pesquisa, treze jovens
cursam-no em instituições particulares e três, em instituições públicas.
Podemos dizer que o ProUni e o Fies têm sido o meio encontrado por jovens pobres
que não conseguem acessar o ensino superior público, por diferentes motivos, entre eles, a
precariedade do ensino médio público, motivo que aparece em todas as cenas sociológicas
147

dos/as jovens interessados/as em acessar o ensino superior, ou que o acessaram com muita
dificuldade. José Pinto (2004, p. 753) aponta que “há pouca esperança de saída, a não ser
ampliar ainda mais a participação do setor privado, via subsídios diretos (ProUni)”, por
exemplo. Todavia, mesmo com poucas esperanças, temos jovens que, contrariando todas as
barreiras sociais, se inseriram no ensino superior público, como é o caso do jovem Caio. A
jovem Rebeca também conseguiu passar na seleção, mas, por vários motivos, não conseguiu
se inserir.
É importante analisarmos os fatores que influenciam as oportunidades de acesso ao
ensino superior no Brasil e revelar determinantes muitas vezes invisíveis, quando se discute
os motivos pelos quais alguns/algumas alunos/as não conseguem entrar na universidade. Nas
cenas sociológicas, poderemos estreitar o nosso olhar para as maneiras singulares de busca,
inserção e permanência quanto a esse nível de ensino.
148

PARTE II

CENAS SOCIOLÓGICAS

Como já ressaltado, optamos por uma postura metodológica da “sociologia do


indivíduo” (DUBET, 1994; MARTUCCELLI, 2007), pois “de nada serve ler os grandes
processos sociais se se é incapaz de compreender as vidas das pessoas: a forma como vivem,
lutam e enfrentam o mundo” (MARTUCCELLI; SINGLY, 2012, p. 11).
Os autores explicitam a importância de colocarmos o indivíduo como objeto central da
análise sociológica. Desta maneira, sublinhando narrativas biográficas singulares, que foram
trazidas pelo campo da pesquisa, buscamos compreender e analisar as experiências juvenis no
trabalho e nos processos de escolarização, a partir do que nomeamos como “cenas
sociológicas104”.
As cenas sociológicas foram assim intituladas, pois buscamos captar o movimento, a
dinâmica e a não linearidade que perpassam as vidas dos/as jovens que estão enredados/as em
múltiplas instâncias socializadoras, as quais são fundamentais na produção social dos
indivíduos, articulando-as sempre à análise da estrutura social. Assim, buscaremos delinear
um tratamento propriamente sociológico para a individualidade dos/as jovens, estabelecendo
uma ponte entre os contextos macrossociológico e microssociológico, como menciona Pais
(2001):

cruzar a análise das transições biográficas – que nos mostram como os


jovens projetam seus futuros possíveis em articulação com os seus passados
– com a análise mais estrutural das redes sociais e dos recursos relacionais
com os quais os jovens podem ou não contar. No labirinto da vida alguns
jovens querem (princípio do desejo), mas não podem (princípio da realidade)
vencer os desafios que se colocam a si mesmos (PAIS, 2001, p. 409).

A partir do cruzamento supracitado pelo autor, será possível compreender os percursos


de individuação dos/as jovens ex-trabalhadores/as da CVB no câmpus UFMG, a partir do
“zoom sociológico” (CARRANO, 2009) nos enredos, tramas e dramas individuais. Em cada
uma das cenas, denotaremos diferentes arranjos quanto à família, ao trabalho e aos processos
de escolarização, mas, especialmente, como os/asjovens lidam com essas instâncias e, acima
de tudo, criam estratégias de (re)existências singulares. Ao mesmo tempo, esta possibilidade
de organização/análise evidenciará o que é horizontal entre eles/as. O que atravessa os
percursos de individuação dos/as jovens? O que é comum a todos/as eles/as? Para tentar

104
A nomeação “cenas sociológicas” tem inspiração no título do livro Retratos Sociológicos (Lahire, 2004),
mas isso não significa uma adesão ao seu referencial teórico.
149

“conhecer os indivíduos”, entendendo que eles se constituem entre isso e aquilo, como já
citamos, buscamos desenvolver nas cenas

uma espécie de visão binocular, uma “dupla descrição”. Por uma parte, é
necessário um retrato da realidade interna do informante [interlocutor/a]; por
outra é preciso inscrevê-lo dentro de um contexto externo que aporte
significado e sentido à realidade vivida pelo informante [interlocutor/a]
(Antonio BOTÍA, 2002, p. 16).

As colocações do autor reforçam tanto a nossa escolha pela análise do discurso quanto
às explicitações de Martuccelli e Singly (2012), ao chamarem a atenção para o fato de que o
indivíduo da “sociologia do indivíduo” não está fora do social, como erroneamente se pensa.
Apresentaremos, na sequência, os enredos de vida de sete jovens organizados em seis
cenas. Somente dois jovens foram agrupados, pois as condições de trabalho e de escolarização
eram semelhantes, embora as formas de significar e vivenciar as experiências fossem
diferentes. Todos/as os/as outros/as são apresentados/as separadamente.
Letícia e Caio compõe a mesma cena, pois são jovens, também, trabalhador/a
terceirizado/a e universitário/a Ambos constroem suas tramas, tendo como base “trabalhar
para estudar”. Vivenciam, portanto, a relação trabalho e escolarização. No âmbito familiar,
vivenciam realidades bem diferentes. Caio não tem a família presente, devido ao falecimento
de seu pai e da madrasta; já Letícia tem o suporte familiar. Quanto ao ensino superior,
constroem diferentes estratégias, diante da difícil conciliação entre estudo e trabalho.
Sérgio, ao contrário, busca “estudar para trabalhar”. A vivência como concurseiro é
basilar em seu percurso de individuação. Vivencia a possibilidade de ser estudante, devido ao
suporte da mãe e da irmã mais velha, mas enfrenta as singularidades de ser um jovem pobre,
negro e de camada popular, o qual se dedica aos estudos, algo pouco comum.
Rebeca é uma jovem casada e mãe. O emprego para ela ocupa o “espaço de construção
de si mesma” em oposição ao trabalho doméstico. Tem uma vivência marcada pela gravidez e
pela relação difícil com a mãe. Devido à gravidez, interrompe os estudos, mas rompendo com
o “socialmente esperado”, retoma a escolarização. Rebeca vivencia caminhos labirínticos
tanto na família quanto no trabalho e na escolarização.
Breno é o único jovem que interrompeu os estudos ainda quando trabalhava na
UFMG, retoma-os, devido ao trabalho, mas também pelo incentivo da mãe. Vivencia
diferentes experiências laborais que são marcadas pela desarmonia entre os tempos. As
experiências de trabalho e de escolarização são marcadas pelo desengajamento. A mãe tem
centralidade nas vivências do jovem.
150

Weliton, no âmbito familiar, enfrenta o desafio da rejeição paterna e, posteriormente,


materna. O jovem tende a ser um agenciador de sua história e experiências como sujeito
singular. Seu percurso de individuação é alicerçado na busca pelo reconhecimento e o
trabalho se configura como um espaço potente para isso. Seus processos de escolarização são
marcados por estratégias diversas.
Dayane tem o trabalho como uma “necessidade” e, embora seja esta a realidade de
todos/as os/as jovens da pesquisa, ao que parece, para ela isso é ainda mais intenso. Vivencia
a tensão da interseccionalidade (gênero, classe e raça) tanto na família quanto no trabalho e
nos estudos. A vivência familiar se limita à relação com a mãe. O processo de escolarização é
marcado pelo desejo de acessar o ensino superior.
Apresentamos abaixo um quadro com a síntese quecontempla as características gerais
de cada jovem, para facilitar a compreensão do conjunto.
151

Quadro 1 – Síntese do perfil dos/as entrevistados/as

Escolaridade pais Profissão Pais Escolaridade


Estado Situação de Situação recente no
Cenas Jovens Idade Gênero Raça Religião Processo
Civil Moradia/Familiar Mãe/ Pai/ Mãe Pai mundo do trabalho
educativos jovem
Madrasta Padrasto Madrasta Padrasto

Trabalhando
Mora com mãe, padrasto ES EM Motorista de ES (and.)
Letícia 22 M P S Evangélica Faxineira (Secretária -
e irmão mais novo. completo completo Ônibus Psicologia
Terceirizada UFMG)
1
Mora com irmão mais
Trabalhando
velho; Pai e madrasta EF EF ES (and.)
Caio 22 H R S Católico Faxineira Falecido (Secretário -
falecidos; Mãe mora em incompleto incompleto Ed. Física
Terceirizado UFMG)
outra cidade.
CT (não
Mora com a mãe, pai e Até a 4ª Até a 4ª concluído):
2 Sérgio 22 H R S Evangélico Costureira Pedreiro Desempregado
irmão mais novo. série do EF série do EF Mecatrônica
Concurseiro
T (concluído):
Mora com marido e a Dono de Trabalhando
Meio Ambiente
Não tem própria filha; Morava EM Até a 4ª Padaria (Trabalho doméstico/
3 Rebeca 22 M R C Copeira ES (and.)
religião com mãe e irmão mais incompleto série do EF /Padeiro Atendente de
Ciências
novo. Confeiteiro Padaria)
Biológicas
Mora com mãe, irmã
gêmea e irmã mais nova; EF EM Encarregada EM Completo
4 Breno 22 H B S Católico Taxista Desempregado
Pouco contato com o completo completo de Motel (EJA)
pai.
CT (concluído):
Mora com mãe, padrasto Trabalhando
EM EF Administração;
5 Weliton 21 H P S Evangélico e irmão mais velha; Recepcionista Porteiro (Atendente de
incompleto incompleto CT (and.):
Sem contato com o pai. Telemarketing)
Enfermagem
CT (não
Não tem Mora com mãe; Até a 4ª Sem Empregada Sem concluído); Trabalhando
6 Dayane 22 M R S
religião Sem contato com o pai. série do EF informação Doméstica informação Segurança do (Recepcionista)
Trabalho
H – Homem | M – Mulher | C – Casado/a | S – Solteiro/a | P – Preto/a | R – Pardo/a | B – Branco/a | EF – Ensino Fundamental | EM – Ensino Médio | ES – Ensino Superior |
CT – Curso Técnico | T – Tecnólogo | and. – Em andamento. |
Fonte: Elaborado pela autora
152

1 CENA 1 – TRABALHAR PARA ESTUDAR – TRABALHADORES/AS


TERCEIRIZADOS/AS E ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS/AS: LETÍCIA E
CAIO

Se as coisas são inatingíveis... ora!


Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Mario Quintana – “Das utopias”

Na cena de Caio e Letícia, será possível trazer para o debate percursos de individuação
juvenis que retratam conciliação entre trabalho e estudos. Abordaremos as experiências
laborais de jovens trabalhadores/as terceirizados/as. O trabalho é citado como central para
ambos os participantes da pesquisa, principalmente, porque possibilita a manutenção dos
estudos. Assim, o foco é “trabalhar para estudar”, embora vivenciem as ambiguidades de, ora
serem trabalhadores/as que estudam, ora serem estudantes que trabalham. A família tanto de
Caio quanto de Letícia são suportes para o processo de “longevidade escolar”, especialmente
pelo incentivo, desde a educação básica. Enquanto estudante universitário/a, tanto Letícia
quanto Caio trazem diferentes nuances que explicitam a dificuldade de conciliar trabalho e
escolarização, mas constroem estratégias e resistências para conseguirem permanecer na
universidade.

1.1 A jovem Letícia e o seu ambiente familiar

Letícia é uma jovem que, no período da pesquisa, estava com 22 anos de idade,
solteira. Ela se autodeclarou preta, heterossexual e evangélica. A jovem trabalhava como
secretária na UFMG, via contrato de terceirização. Ela morava com a mãe, o padrasto e os
irmãos: uma irmã de 20 anos e um irmão de 15 anos. Afirmou ter pouco contato com o pai,
que morava com outros familiares. A mãe de Letícia se separou do cônjuge quando esta
última ainda estava no ensino fundamental. O pai de Letícia tinha ensino médio completo e
atuava como motorista de ônibus; a mãe, ensino superior completo (Licenciatura em
Pedagogia) e trabalhava como faxineira; o padrasto possuía ensino superior incompleto, fazia
desenhos técnicos (software AutoCAD105) na empresa de engenharia que trabalhava e
prestava serviços autônomos. Moravam em uma casa própria, já quitada, em Belo Horizonte,
num bairro considerado de periferia.

105
Software utilizado principalmente para a elaboração de peças de desenho técnico, em duas dimensões (2D) e
para a criação de modelos tridimensionais (3D).
153

É interessante destacar que a mãe de Letícia voltou a estudar, após a separação


conjugual, pois o ex-marido tinha ciúmes dela e não a permitia fazê-lo. Ela havia cursado
apenas até a 4ª série do ensino fundamental e, então, na inexistência de impedimento,
ingressou na Educação de Jovens e Adultos (EJA), concluindo o ensino fundamental e médio
e, posteriormente, iniciou o curso de Pedagogia em uma faculdade privada, via ProUni.
Letícia trazia as memórias da separação dos pais e da formatura da mãe, dando
evidências das mudanças que tinham ocorrido, desde 2012, o que havia trazido melhoria para
suas condições de vida:

[...] as coisas na minha casa melhoraram. A minha mãe formou na


faculdade. Aí, ela formou [em Pedagogia], toda feliz, e todo mundo lá em
casa, porque foi muito esforço, sabe?! Porque a gente não tinha uma vida
boa, foi tudo muito “pé no chão”, mesmo, correr atrás das coisas. A minha
mãe conseguiu formar, a minha irmã ainda não entrou para a universidade,
mas ela faz curso de inglês, conseguiu um curso de designer. Curso de seis
meses, eu acho que profissionalizante, em uma faculdade. O meu irmão está
com 15 anos, ele ganhou um curso da escola como melhor aluno, aí, ganhou
um curso no CEBRAC, aí, a minha mãe, para poder incentivar, pagou outro
curso para ele, então, ele faz dois cursos no CEBRAC. Falo sempre com ele:
“Estuda, estuda, não deixa de estudar, não. Corre atrás das coisas, as
coisas estão muito difíceis, não pode ficar parado”. Eu acho que
conhecimento é uma coisa que ninguém tira da gente. Só os estudos vão
fazer a gente melhorar de vida. A gente tem que fazer um esforcinho para
poder melhorar. Com esforço a gente consegue (Letícia, 22 anos, mulher).

O depoimento da Letícia nos faz refletir o quanto a escolarização é vista,


especialmente para famílias de camadas populares, como um meio possível para se ter um
futuro melhor, baseado no esforço pessoal (Marilena NAKANO; Elmir ALMEIDA, 2007). O
depoimento da jovem demarca a importância da família como espaço de elaboração dos
projetos de vida (Mariana BITTAR, 2015), uma vez que a jovem projetava na mãe, enquanto
membro da família, a possibilidade de ter perspectivas quanto ao futuro. Letícia reforçava
essa perspectiva, a partir da cobrança que fazia para que o irmão estudasse. Tendemos a
considerar que a retomada dos estudos por parte da mãe se relacionava, também, a essa
confiança na instituição escolar como uma credencial importante para acessar melhores
empregos e ter melhores condições de vida (CORROCHANO, 2008; Oscar LEÓN, 2017).
Como já abordamos na discussão sobre o contexto do mercado de trabalho, a
“longevidade escolar” é uma credencial importante, mas não pode ser vista de maneira
isolada. Parece existir no senso comum uma ideia de que o término do ensino superior, ou de
determinadas qualificações, e a entrada no mercado de trabalho, o que é ratificado por
todos/as os/as outros/as jovens participantes da pesquisa, como veremos, acontecem de forma
automática. Porém, no contexto do mercado de trabalho, outras nuances precisam ser levadas
154

em conta, tais como: faixa etária, rede de contato, raça, gênero, orientação sexual, local de
moradia, aparência (especialmente no setor de serviços), dentre outras questões. Afinal, o
trabalho é uma relação social que é atravessada por outras relações sociais.
Segundo Letícia, sua mãe buscava inserção na área da Pedagogia, para conseguir
abandonar o trabalho de faxineira, mas ainda não conseguira o que intentava, o que endossa
que a formação não seja o único elemento relevante para a inserção no mercado de trabalho106.
Em análise realizada nos anos 80, a autora Sposito (1989) já pontuava que não havia garantia
entre a área de formação e o exercício da função, pois a exigência do diploma não se tratava
da necessidade do diplomado, mas, simplesmente, devido à sua disponibilidade. Na década de
90, as reflexões realizadas por Maria Letelier (1999) sobre escolaridade e inserção no
mercado reforçam as ponderações de Sposito (1989), ao ressaltar que o mercado precisa cada
vez mais de “mão de obra” mais escolarizada, não para o desempenho de determinadas
funções, mas para a competição por melhores empregos. Não obstante, segundo a autora,
existia um investimento em educação, mas não havia novos postos de trabalho, com melhor
qualidade, assim, a força de trabalho era subutilizada. Pochmann (2004), a partir de análise
realizada em 2004, na qual revelou que há “escassez de emprego e do elevado excedente de
mão-de-obra no país, termina observando a manifestação mais evidente da discriminação,
sobretudo quando se trata da população de menor renda e mais escolaridade” (p. 388).
Embora sejam pesquisas com contextos diferentes, expressam parte da realidade no momento
atual, no qual a mãe de Letícia está imersa. Inferimos que, no caso dela, a faixa etária, a
instituição de ensino que estudou, que reflete a qualidade do curso, o capital cultural
acumulado, a falta de redes de contatos, a ausência experiências na área, dentre outros fatores
possíveis, também repercutem na busca dela por um trabalho na área de formação.
Outra questão que destacamos no depoimento de Letícia é o lugar que a mãe assumia
quanto ao suporte (MARTUCCELLI, 2007) para o processo de escolarização do irmão. A
jovem citou que o irmão ganhou um curso como melhor aluno e a mãe pagou outro curso para
incentivá-lo. Se a atitude da mãe podia ser vista como um incentivo e se situava nas
possibilidades objetivas de escolarização do jovem, ilustrava, também, a inserção de jovens de
camadas populares em diversos cursos, sem uma reflexão sobre a importância de tais cursos a
longo prazo, ao contrário do que acontece nas camadas médias (Maria NOGUEIRA, 2000).
Ademais, podemos dizer que a realização de tais cursos também dialoga com o que é
oferecido aos/as jovens, especialmente jovens de camadas populares. Na década de 90, no

106
Cf. Maria LETELIER, 1999; POCHMANN, 2004; Tatiane NEVES, 2006; CORROCHANO, 2001, 2008.
155

contexto de teoria do capital humano, os cursos de qualificação se intensificaram, buscando


atender a uma demanda de mercado. Frigotto (1998) chama a atenção para o fato de que tais
cursos se voltavam para o desempregado que devia buscar se “requalificar” para se tornar
empregável, reforçando a credencial da formação como garantia de inserção, ou seja, a
empregabilidade e a responsabilização individual quanto à inserção, ou não. Estamos cientes
da não linearidade dos projetos (Gilberto VELHO, 1987), mas salientamos o quanto o
discurso da importância de cursos para mobilidade social, reproduzido em diferentes
instâncias de socialização e também pelo Estado, repercute nas vivências dos/as jovens de
camadas populares.
Sublinhamos, ainda, o quanto a dimensão do mérito, revestida do esforço pessoal, é
marcante no depoimento da jovem. Letícia parecia acreditar que o esforço era a “chave para o
sucesso” e a garantia de um futuro melhor (Vera TELLES, 1990; NONATO, 2013; Graciele
SANTOS; Heloisa GENTIL, 2016). Assim, por essa perspectiva, o fracasso tendia a ser
responsabilidade única e exclusiva do próprio sujeito. Apontamos que acreditar no esforço
pessoal como elemento essencial de mudança pode ser decorrência do contexto de carência
material ao qual a maioria está submetida: a renda, a situação de moradia e a escolaridade
baixa dos pais (Maria CARNEIRO, 2008), denunciando, por sua vez, a ausência de diferentes
instituições, especialmente o Estado, as quais deveriam garantir direitos básicos. As análises
do mérito, no contexto chileno, realizadas por Araujo e Martuccelli (2012, 2015), cabem ao
cenário brasileiro, pois os autores pontuam que “la expansión del mérito como valor se asocia
en este país con los cambios ocurridos en las últimas décadas y la intensidad con la que se
instaló la lógica del mercado” (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2015, p. 1505). Os autores citam
que há uma maior tendência de individualismo contemporâneo, marcado pela valorização e
ambição pessoal, confiança, esforço próprio e o desejo de ter sucesso. Desse modo, a crença
no mérito deve ser lida também como reflexo de um contexto neoliberal, especialmente no
contexto atual do capitalismo, no qual os indivíduos são impelidos a responder
individualmente por seus fracassos.
Retomando a inserção da mãe de Letícia no curso superior, é interessante apontar
como o ingresso dela neste nível de escolaridade provocou alteração no contexto familiar,
como explicou a jovem:

Na minha família, por parte de mãe, depois que minha mãe entrou para
faculdade, outra tia minha também entrou. Ela ainda não formou. Ela está
fazendo [licenciatura em] Matemática. Mudou até as falas da vovó. É até
mais flexível, minha avó não fica insistindo que tem que casar... fala que tem
que estudar, tem que curtir a vida, trabalhar, conseguir uma casa, depois,
156

vocês pensam em casar. Agora, na parte do meu pai, eles não são muito,
assim, eles são ligados em outras coisas, então, assim, meus primos, a
maioria já são casados na minha idade. Eu acho que só tem uma prima
minha que fez faculdade, ela fez RH [Recursos Humanos], o resto, todo
mundo casou e parou, ninguém faz mais nada, ficou na “estaca zero”
(Letícia, 22 anos, mulher).

A entrada da mãe de Letícia na faculdade alterou um contexto familiar no qual


namorar, casar, ter filhos e exercer o trabalho doméstico era o padrão. Ocorre uma
desnaturalização de que determinados processos são comuns, bem como o incentivo para a
inserção de outros parentes no universo universitário.
Ressaltamos que a mudança objetiva na vida da mãe contribuiu para configurar uma
nova subjetividade à família. A alteração da postura da avó de Letícia foi essencial, pois
mudou toda “uma lógica familiar”, especialmente por ser ela a matriarca da família. Além
disso, é importante ressaltar que não foi uma neta jovem da geração atual que concluiu o
ensino superior, mas, sim, sua mãe, que sequer tinha o ensino médio. Esse fato parece ter sido
significativo para que os irmãos mais velhos da mãe de Letícia buscassem essa formação, pois
desnaturalizaram que a inserção na graduação era algo somente para as gerações mais novas.
Não podemos deixar de citar esse novo olhar se constrói em determinado contexto, qual seja
de melhorias no mercado de trabalho, o que contribui para o aumento da renda familiar, e de
oferta de políticas públicas de democratização do acesso no ensino superior. Como
mencionado, a mãe da jovem acessava o ensino superior, via ProUni. Já na família do pai de
Letícia, como narrado por esta última, não existiu esse movimento de retomada dos estudos e
consequente alcance do nível superior de escolaridade, o que para ela significava “ficar na
estaca zero”.
Por último, ressaltamos a reinserção da mãe de Letícia na educação básica e,
especialmente, a conclusão do curso superior, o que notabiliza que a família tem um papel
importante nos processos de escolarização dos/as filhos/as “com aportes muitas vezes sutis,
nem sempre conscientes e intencionalmente dirigidos” (Nadir ZAGO, 2015, p. 199). O papel
das mães é ainda mais significativo, especialmente num contexto de ampliação das famílias
monoparentais107 com chefias feminina, como é o caso da maioria dos/as jovens
interlocutores/as dessas pesquisas, pois, em diferentes pesquisas, a autora observou o esforço
da mãe em prolongar a escolaridade dos/as filhos/as (ZAGO, 1994, 2015).
Letícia, no período da pesquisa, se constituía como uma jovem estudante universitária

107
Segundo Leiliane Bhering e Marcia Fontes (2017), a partir de análise de dados da PNAD (2015), o total de
família monoparentais era de 11,7% (13.114). Desse percentual, 87,3% são de família monoparentais,
chefiadas por mulheres.
157

do curso de Psicologia, cursando o 3º período na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Era


bolsista do Programa Universidade para Todos (ProUni), com 50% de desconto na
mensalidade. Sua relação com o ensino superior foi se “construindo e se desconstruindo”
desde 2012, até sua inserção na faculdade, no ano de 2016. Em 2012, à época da aplicação do
questionário da primeira pesquisa (NONATO, 2013), Letícia havia informado que o sonho
dela era cursar Psicologia na UFMG, mesmo em um contexto em que o ensino superior não
parecia ser uma possibilidade, o que mudou com a inserção da mãe numa faculdade. Ela,
então, afirmara que “não se via terminando o ensino médio, casando e tendo filho”, como
acontecia em grande parte de sua parentela. A trajetória de Letícia também se articulava à
ampliação do acesso à universidade e ao incentivo dos/as colegas de trabalho e de seus
familiares.
Quanto ao trabalho, Letícia informou que seu primeiro contrato formal foi aos 16
anos, em 2011, na UFMG, pois buscava aprender e adquirir experiência. Antes da sua
inserção, desenvolvia o trabalho doméstico (não-remunerado). Como para vários dos/as
outros/as jovens, sua mãe foi a responsável por informá-la acerca da CVB e incentivou todo o
processo, reforçando a importância dos circuitos domésticos, que fazem parte dos “laços
fortes” (GRANOVETTER, 1974) e mecanismos não-mercantis (redes pessoais), para procurar
e promover a inserção no mercado de trabalho (GUIMARÃES, 2009). Após seu
desligamento, ficou três meses desempregada e, posteriormente, voltou a trabalhar na
instituição. Desde o ano de 2013 – há cinco anos, portanto –, Letícia atuava, no período da
pesquisa, como já mencionado, como secretária contratada, via processo de terceirização. A
jornada de trabalho era de 44 horas semanais, de segunda a sexta-feira, com intervalo de uma
hora para o almoço.

1.2 O jovem Caio e suas vivências em família

Caio é um jovem que, no período da pesquisa, estava com 22 anos de idade, solteiro,
se autodeclarou pardo, heterossexual e católico. Assim como Letícia, o jovem trabalhava
como secretario na UFMG, via contrato de terceirização. Era o mais novo de dois irmãos.
Caio morava com a mãe e o irmão na região metropolitana de Belo Horizonte, mas a madrasta
incentivou o pai a levar o irmão e a ele para a cidade de Belo Horizonte:

A gente não tinha muita oportunidade lá, porque o bairro era mais carente,
assim, então, não tinha muita coisa perto, em Ribeirão das Neves. E foi um
dos motivos para a gente vir morar com meu pai, por intermédio da minha
madrasta. Querendo ou não, se a gente ficasse lá, a gente ia acabar sendo
ninguém na vida. P: Lá vocês moravam com quem? Lá a gente morava com
158

minha mãe. Só que, aí, minha mãe ia trabalhar de faxineira e, aí, ela não
tinha condições para manter a gente e dar alguma opção de estudo para a
gente. Então, aí, a minha madrasta ficou falando com meu pai e meu pai
decidiu buscar a gente para morar com ele. E, aí, minha mãe foi para o Rio
de Janeiro, para a família dela. E... [silêncio]... isso eu não culpo ela, não,
porque, se a gente não tivesse vindo morar com o meu pai... Meu pai tinha
mais condição, apesar que ele era pedreiro, mas ele trabalhava em
empreiteira... A gente estaria mal. E era ele e minha madrasta também.
Então, já era dois salários e, estando aqui, em Belo Horizonte, também, a
gente tinha mais opções de escola, de curso para você fazer, diferente de lá,
em Neves, que era mais longe as coisas. E... muita coisa do que a gente é
hoje, eu e meu irmão, a gente deve a minha madrasta e meu pai. Então, foi
ela que ingressou a gente na formação, mesmo, para vida. Aí, colocou na
igreja. Ela trabalhava no posto perto na minha casa. Eu lembro que eu
ganhei um prêmio de melhor redação. Nossa, eu fiquei feliz demais o dia
que eu ganhei. Aí, eu fui lá no posto. Eu tenho a redação até hoje e o troféu
lá em casa também. eu fui lá no posto lá com a camisa, com o troféu mostrar
[para] minha madrasta. Aí, eu fui lá todo alegre. Ela ficou feliz demais
(Caio, 22 anos, homem).

No depoimento, percebemos o papel primordial que teve a madrasta no processo de


socialização de Caio. Na narrativa do jovem, vemos a marca do local de moradia enquanto
espaço que possibilita ou limita “ser alguém na vida”. Vera Telles e Robert Cabanes (2006),
por exemplo, mencionam o quanto as trajetórias habitacionais repercutem diretamente nas
biografias individuais, pois articulam trabalho, acessos, serviços e tempos urbanos. No
depoimento fica explícita, também, a intenção dela de integrar os jovens em processos
educativos e religiosos e “tirá-los da rua”, como forma de proteção e cuidado familiar, pois,
segundo Caio, sua madrasta afirmava que lá (em Ribeirão das Neves) era periferia e não era
lugar para eles. A visão da madrasta acerca do local de moradia dos jovens se alicerçava,
como afirma Gabriel Feltran (2010), na representação que se tem acerca das periferias, ou
seja, “seriam então o lugar dos pobres, e todos sabem o que isso significa: trata-se de lugares
subalternos socialmente, por vezes vistos como ‘submundos’, em que convivem misturados
‘trabalhadores’ e ‘bandidos’, que despertam piedade e insegurança” (p. 571). Desta maneira,
era necessário e urgente que os jovens não ficassem naquele espaço.
Sabemos o quanto o local de moradia tem repercussões no acesso a certos serviços,
tais como educação, saúde, lazer e trabalho como já discutimos no perfil dos/as jovens. Como
vimos, local de moradia reflete, não somente diferenças econômicas, mas também culturais e
sociais. Assim, morar neste ou naquele bairro, nesta ou naquela cidade remete a determinado
tipo de representação social e, especialmente, tende a ampliar ou limitar investimentos
públicos, devido aos estereótipos acerca daquele local. Retirar os jovens da cidade supracitada
159

reflete uma representação social, mas, ao mesmo tempo, a realidade objetiva daquele local108.
O jovem enfatizou o quanto a madrasta (faxineira) e o pai (pedreiro), mesmo com baixa
escolarização (ensino fundamental incompleto), incentivavam ao irmão e a ele a estudar e a
fazer faculdade, ratificando a importância da “mobilização dos pais na construção de
trajetórias escolares” (Mariana BITTAR, 2015, p. 48), como vimos na história de Letícia e
veremos em outras cenas.
Decorridos alguns anos, em 2012, o pai de Caio faleceu. A partir daí, segundo Caio, a
principal renda da família passou a ser a do irmão, que trabalhava como Jovem Aprendiz na
Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM)109. Em 2016, a madrasta também veio
a falecer, provavelmente com depressão, em decorrência da morte do pai, segundo o jovem.
Caio sentiu um esvaziamento da figura da mãe tanto devido à morte da madrasta quanto a
ausência física da mãe que estava no Rio de Janeiro, pois a distância impossibilitava uma
relação mais íntima e afetiva com estaúltima. O contato, na maior parte das vezes, era pelo
telefone e pessoalmente somente quando o irmão e ele iam visitá-la. O jovem informou que
não ter a mãe por perto era ruim, pois “ficava sem referência”. Quando a madrasta era viva,
não sentia tanto. Percebemos o quanto a figura da mãe é algo que fazia falta para Caio. São
recorrentes as pesquisas que enfatizam o quanto as mães têm um papel central nas vivências
juvenis, pois tendem a acompanhar de perto as diferentes experiências de socialização e
sociabilidades dos/as jovens (LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011; TARTUCE, 2010; NONATO,
2013). Leão, Dayrell e Reis (2011) ao realizarem a discussão sobre projeto de vida com
jovens no Estado do Pará, salientam “[...] a importância da mãe no estabelecimento e reforço
de suas redes de relações, na transmissão de valores morais do grupo, constituindo-se uma
referência importante nos processos de socialização” (LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011, p.
79).
Além da ausência da figura materna, Caio ressaltou que vivenciavaa distância de seus
parentes. Informou que a família é como se fosse somente o irmão e ele, pois os parentes
ficavam “cada um para o seu lado. Não temos uma relação de família. Depois que meu pai e
minha madrasta morreram, não tenho muito mais o sentido de família”. A fala de Caio

108
Enfatizamos que o processo de urbanização tende a gerar cada vez mais uma exclusão socioespacial. As
pessoas de camadas populares tendem a se deslocar para as periferias distantes que, por sua vez, apresentam
indicadores de exclusão diante do grau de escolaridade, acesso a bens e a serviços, infraestrutura, acesso a
aparatos de esporte e etc. (RIBEIRO, 2012).
109
Associação Profissionalizante do Menor é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, beneficente, de
assistência social que, desde 1975, profissionaliza e orienta adolescentes e jovens de famílias em situação de
vulnerabilidade social, por meio dos programas socioassistenciais – adolescente trabalhador e de
aprendizagem - Disponível em: www.asspromom.org.br Acesso em 03 de janeiro de 2018.
160

demonstrava a falta que ele sentia da família que, comumente, temos como padrão
socialmente construído, pautado especialmente nos laços sanguíneos, embora ele
reconstruísse o sentido de família.
Podemos dizer que a vida de Caio destoava, em alguns pontos, da vivência da Letícia,
no que tangia a aspectos relacionados à família, especialmente, a relação com a mãe. A jovem
tinha uma convivência próxima da mãe dela, o que não exigia, da parte de Letícia, assumir
tantas responsabilidades quanto aquelas que eram assumidas por Caio. Em meio a tantas
questões com que Caio precisava lidar, tais como as ausências, as responsabilidades com
relação à organização e despesas de casa, o jovem ainda precisava se preocupar com o seu
local de moradia, que, após o falecimento do pai, entrou em processo de inventário.
Mesmo em meio a um contexto adverso, especialmente de ter que “se tornar adulto
mais rápido”, como citou Caio, ele conseguiu se inserir na universidade. Cursava o 4º período
do curso de Educação Física, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no turno
matutino. É interessante ressaltar que, no ano de 2012, o jovem havia informado que não
pretendia fazer curso superior, mas buscaria estudar para fazer o concurso de bombeiro
(NONATO, 2013). Essa perspectiva era pautada num sonho de infância, o qual era reforçado
pelo pai. Todavia, ele escolheu outro percurso e seu irmão foi quem passou no concurso para
bombeiros. Caio citou que trancou um semestre da faculdade para estudar para o concurso,
mas acabou não estudando e perdeu um semestre. Mencionou que, se o pai estivesse presente,
talvez não teria sido dessa maneira, pois, certamente, teria alguém para ajudá-lo a avaliar a
situação. A partir da ponderação do jovem, salientamos a importância de uma interlocução
com o mundo adulto para a tomada de determinadas decisões. Isso não significa dizer que
os/as jovens não conseguem tomar decisões, mas ter suporte (MARTUCCELLI, 2007) é
essencial para a definição das escolhas.
Quanto ao trabalho, Caio informou que começou a trabalhar aos 14 anos, como
vendedor de salgados, e, posteriormente, como ajudante de pedreiro, junto ao seu pai. Após
amorte deste, a renda da família diminuiu muito e seu irmão tinha apenas o salário de
aprendiz, então, para ajudar nas despesas de casa, Caio ingressou na UFMG, como jovem
trabalhador, por intermédio da madrasta, que foi quem o incentivou a trabalhar.
Quando se desligou da UFMG, foi informado de que, ao surgir uma vaga, seria
chamado novamente. Por precaução, optou por trabalhar em uma empresa de telemarketing.
De fato, após dois meses, foi convidado para retornar à UFMG. No momento da pesquisa,
Caio atuava como secretário do “C”, que tem a mesma dinâmica de uma unidade acadêmica
da UFMG, sendo também terceirizado. O trabalho, assim como o de Letícia, era de 44 horas
161

semanais, com intervalo de uma hora para almoço. Como estudava no período matutino, a
jornada era à tarde e à noite.

1.3 O sonho de ser contratado na UFMG frente ao desligamento: o desemprego


temporário e o trabalho estratégico

Com relação às inserções no mundo do trabalho, Caio teve experiências anteriores a


sua reinserção na UFMG e Letícia não teve nenhuma experiência de trabalho remunerado,
mas trabalhava no serviço doméstico, em casa.
Caio e Letícia tinham perspectivas diferentes acerca do trabalho na UFMG. Caio, por
exemplo, não se negava a desenvolver nenhuma atividade, mesmo que as ações a serem
realizadas nela não estivessem de acordo com as instruções dadas pela CVB, o que não era a
realidade de Letícia. Caio citou a conversa que teve com o pai, quando este ainda era vivo:

Na época que eu entrei na Cruz Vermelha, ele era vivo ainda. Aí, ele falava:
“Que homem digno é trabalhador... Faz tudo que eles te mandarem, porque
você tem que fazer o serviço. Se o pessoal mandar você fazer o negócio,
você tem que fazer. Não pode ficar essa coisa: ‘Ah eu não vou... Não estou
nem aí para o serviço’. Você não vai ser bem valorizado e não vai ficar lá”.
Então, eu segui o exemplo dele. Tanto é que eu fazia tudo que o pessoal
pedia. A Cruz Vermelha tem essa coisa que a gente não pode. O ‘Cruz
Vermelha’ não pode carregar peso, não pode carregar computador. Então,
tinha muito ‘Cruz’, menino maior que eu, assim, que falava: “Ah eu não vou
fazer isso, porque não é minha função. Não está escrito”. Se você fala isso
com seu chefe, ele vai pensar... “Um dia você vai sair da UFMG”; ele pode
pensar em te contratar ou não. Pensava muito na contratação, porque,
desde quando eu entrei, já falavam que, no local que eu estava, contratavam
os jovens. E, tipo assim, muita parte do serviço de carregar um computador,
se pedir para um homem e você falar que não, eles não vão pensar em te
contratar. Computador não é tão pesado e, com a minha experiência de
trabalho antes da Cruz Vermelha, eu trabalhava de servente com meu pai,
meu pai era pedreiro [...] era pior e tem gente nessa situação (Caio, 22 anos,
homem).

O depoimento de Caio traz diferentes contribuições para pensarmos nas relações de


trabalho. Primeiramente, a dimensão moral do trabalho que, como afirmam Leila Jeolás e
Maria Lima (2002), é uma perspectiva que se inicia no âmbito familiar. A postura do pai –
ensinar para o filho como ele deveria agir nas relações de trabalho e obedecer ao patrão,
independente das regras no espaço de trabalho– diz respeito a uma socialização para o
trabalho que também pode acontecer na esfera familiar, mas acontece na escola, de forma
mais intensa (Mariano ENGUITA, 1989).
Tendemos a considerar, ainda, que o pai ensinou para Caio posturas que ele
considerava importantes para uma pessoa se manter no emprego, ou seja, o trabalhador ideal é
162

aquele que obedece às ordens, sem questionar, e, além disso, é prestativo. Como discutimos, a
postura do pai também se alicerça em determinado conceito de trabalho, que é construído
socialmente. Como narrou Caio, ele seguiu as orientaçõesdo seu pai:

[...] Eu não reclamava, não reclamava de nada, sempre estava de prontidão


para fazer tudo, porque eu já sabia que poderia ser contratado. Se eu
começasse a negar o que eles pedissem, ia acabar “queimando meu filme”,
então, eu procurei fazer tudo que pedia para eu poder conseguir ser
contratado quando eu saísse [silêncio] [...] “Ah, vamo ver se ele faz assim”,
né? Se eu fosse um funcionário reclamão, reclamasse de tudo, aí,
provavelmente, eles não iam querer me contratar, não, depois (Caio, 22
anos, homem).

Articulada à obediência e aos conselhos do pai, a postura de Caio se referia muito à


necessidade de “provar incessantemente ser merecedor do privilégio que é seu emprego”
(Silvia VIANA, 2015, p. 98), pois tinha medo de ser mandado embora. Quanto a um desejo
de contratação no futuro, pois ouvia falar que no órgão em que estava as pessoas eram
contratadas após o desligamento. Cabe lembrar também que as empresas se utilizam do poder
que detém quanto à demissão ou contratação futura para garantir uma obediência do
trabalhador (Daniele LINHART, 2014). Assim, o trabalhador opera com a lógica de trabalhar
bem para se manter no trabalho, naturalizando o lugar do medo e do assédio nas relações de
trabalho. A busca de Caio pela contratação ficou explícita em seu depoimento. Podemos dizer
que a experiência de trabalho de Caio na UFMG parecia não ter sentido no “presente”, pois as
ações do tempo presente sempre remetiam a uma estratégia para um futuro: ser contratado. O
jovem deixou claro em seu discurso que, mesmo não gostando da maneira como as coisas
aconteciam, aceitava as ordens, demonstrando que a aceitação é um elemento do campo da
estratégia. Ademais, se relaciona também a uma aceitação baseada no “adiamento das
recompensas” (LECCARDI, 2005) e na consideração de que existem jovens que estão em
situações piores, ou seja, como ressalta Dubet (2014), “há sempre mais infelizes do que eles
mesmos” (p. 77), ao relembrar sua vivência como ajudante de pedreiro e os conhecimentos
que trazia desse campo de trabalho.
No caso de Letícia, ela também tinha um sonho de ser contratada, pois ficava com
medo do que iria acontecer ao sair da UFMG, mas, diferente de Caio, não tinha uma relação
estratégica com o trabalho, no sentido de pensar a longo prazo e assumir um “determinado
papel” como trabalhadora. As falas de Letícia traziam dimensões do processo de
aprendizagem dela no trabalho, evidenciando que não foi uma relação tranquila:

E, aí, eu comecei a trabalhar na “A”[UFMG] e lá eu recebia documento,


atendia telefone, atendia pessoas e, às vezes, me colocavam na recepção.
163

Foi um aprendizado um pouco forçado, porque tinha algumas coisas que eu


não sabia, então, eu tive que aprender “na marra” e, assim, tive algumas
pessoas que me ajudaram, eu gostei bastante de trabalhar lá [...] (Letícia, 22
anos, mulher).

Letícia trazia em seu discurso nuances da relação de trabalho, especialmente


relacionadas ao processo de aprendizagem, ressaltando que gostou de trabalhar no local em
que estava, ao mesmo tempo em que foi necessário “aprender na marra”. É importante citar
que, segundo Letícia, ela sempre foi aberta a aprender tudo, sempre buscou saber de questões
que não estavam relacionadas diretamente ao seu trabalho, mas que faziam parte da rotina do
departamento. A jovem citou que, muitas vezes, se sentia pressionada ao ocupar o lugar da
secretária, pois não era a sua função, mas também não questionava e não falava de seus
medos. Caio também mencionou que aprendeu a fazer as funções sozinho. Afirmou que não
conhecia a UFMG e, não raras vezes, ficou perdido quando ia entregar os documentos. Sob
outra perspectiva, afirmou que aprendeu a ser menos tímido, pois precisava conversar com as
pessoas. As experiências citadas por esses dois jovens nos fazem retomar a dimensão
educativa do trabalho (Miguel ARROYO, 1987), ou seja, a importância dos processos
formativos, diante das primeiras experiências de emprego, que tendem a contribuir muito para
o processo de construção identitária dos/as jovens, a qual extrapola a dimensão do trabalho e
que cada um de nós faz por meio das diferentes relações que estabelecemos com o mundo e
com os outros.
A falta de orientação acerca das atividades a serem desenvolvidas, bem como o
aprendizado individual do trabalho aparecerão em outras cenas e ratificam os achados da
pesquisa anterior, realizada por Nonato (2013). A autora enfatizou que a visão de que os/as
jovens “estavam de passagem na UFMG”, ou seja, de que tinham um contrato com data-
limite era a justificativa da falta de formação no/do trabalho. Assim, reforçamos as colocações
da autora que já chamava a atenção “para a necessidade de a universidade colocar na pauta a
discussão sobre os/as jovens trabalhadores/as da CVB que se inserem nesse espaço, pois a
qualidade do trabalho certamente terá repercussões nas vivências juvenis” (NONATO, 2013,
p. 155).
Mesmo não tendo uma atitude estratégica com relação ao trabalho, como Caio, Letícia
informou que existia uma “promessa de contratação” para ela. No período do seu
desligamento, não foi possível, pois, segundo a jovem, a universidade estava numa fase difícil
para contratar. Assim, ela ficou dois meses sem trabalho remunerado e à espera da possível
contratação.
164

Assim como para Caio, existia para Letícia uma espera para retornar à UFMG. Ambos
foram desligados no ano de 2013 e tiveram percursos diferentes. Caio estava mais convicto de
que seria recontratado, pois conscientemente havia mantido o “perfil ideal de trabalhador”,
mas, diante da necessidade, optou por conseguir um emprego enquanto aguardava a
contratação. Letícia tinha esperanças, mas não tinha certeza de que poderia ser chamada
novamente.
Caio começou a trabalhar numa seguradora, no setor de telemarketing, como já
mencionamos. O trabalho consistia em receber ligações de clientes segurados de carro, os
quais tiveram algum acidente, e escrever toda a situação narrada por eles. Ressaltou que não
gostava do trabalho, porque não aprendia, pois sempre era a mesma coisa e o horário de
chegada era às 07h, segundo ele, muito cedo, como explicou:

Ah, muito ruim, nossa, era muito ruim. A única vantagem é porque era uma
seguradora, aí, as ligações eram demoradas. Eu não trabalhava no setor
que o pessoal fica ligando para pessoa oferecer produto, eu não tinha que
ficar ligando, não, eu só tinha que atender ligação, eu não tinha que bater
meta, não. Com relação ao trabalho que eu tinha na Cruz Vermelha, o
telemarketing é muito ruim, a começar pelo fato de ter que bater ponto e lá,
tipo, assim, se você atrasa um minuto, já tá descontando. Lá não tem dessa,
não. Eu comia muita coxinha lá [risos], era o que dava para comer, só era
15 minutos. Era o tempo de descer do prédio, atravessar a rua, comprar o
salgado, comer e subir de novo, e não pode atrasar. Aí, esse ponto lá era
puxado, assim, e o horário também, eu acho que eu pegava sete horas da
manhã, tinha que pegar o metrô para chegar lá, fazer quase uma viagem
que era lá no [bairro] Carlos Prates [...] (Caio, 22 anos, homem).

Apesar de não ter passado pela experiência de ter metas para bater, não ter que vender
produtos e fazer cobranças, típicas tarefas do setor telemarketing, em comparação com o que
Caio realizou na UFMG, apareciam as marcas do trabalho em sua conotação capitalista: a
cobrança do estrito cumprimento da carga horária, tendo o relógio de ponto como mecanismo
de controle; o desconto pelo atraso e o pouco tempo para alimentação. Um exemplo é o tempo
demarcado para as refeições ‒ comer coxinha, algo rápido e, obviamente, não saudável, passa
a ser uma rotina para Caio. O jovem afirmou que conseguiu trabalho rápido, pois no
telemarketing aceitavam jovens com ou sem experiência no ramo, como era o caso dele, o que
representa uma “porta aberta” para jovens, mas configura-se também como um espaço de
precariedade das condições de trabalho e de vida (BONO; LEITE, 2016), como refletiremos
na cena do jovem Weliton.
Letícia, por sua vez, não estava segura da contratação e, em meio à finalização do
processo de escolarização do ensino médio e o desligamento da UFMG, ficou completamente
165

“perdida” sobre como retomaria as atividades laborais. Assim, ao contrário de Caio,


vivenciou a experiência do desemprego por dois meses.

Eu estava pirando [por estar] desempregada e sem estudar. Nossa, eu via as


pessoas acordando cedo, indo trabalhar e voltando. Minha irmã fazia curso,
minha mãe voltava da faculdade e ia para o estágio e eu lá em casa, sem
fazer nada, e eu pensava: “Gente, todo mundo faz um tanto de coisa e eu
aqui parada, sem nada para fazer”. E eu ficava me sentindo inútil. Não que
serviço de casa é menor ou pior que quem trabalha fora, mas eu me sentia
inútil em casa, porque era a mesma coisa que você fazia sempre. Café da
manhã, almoço e janta e limpava a casa. Eu ficava: “Genteeee...”, eu
ficava vendo novela o dia inteiro e não tinha nada para fazer, nada. Tinha
vergonha de não fazer nada. Assim, e eu fui ficando deprimida, não queria
conversar e não queria sair, e eu me sentia muito mal, porque eu comecei a
trabalhar com 16 anos e, aí, eu já tinha dinheiro para comprar minhas
coisas. Eu tinha dinheiro para sair e não precisava pedir pra minha mãe
nada, e, aí, você ter que começar a pedir dinheiro emprestado para fazer as
coisas, eu me senti inútil. Não tinha vontade de fazer nada e, aí, fui ficando
depressiva, porque todo mundo não tinha tempo para conversar comigo,
todo mundo atarefado, né? (Letícia, 22 anos, mulher).

A vivência de desemprego temporário de Letícia foi de muito sofrimento, dentre


outros fatores, pois se articulou com o término da educação básica. Como afirmam Jorge
Sarriera et al. (2000):

A saída da escola supõe para o jovem um período de transição. Sai de uma


instituição organizada e organizadora para um espaço social no qual o tempo
e a atividade não estão tão estruturados. O papel, antes do aluno, torna-se um
papel confuso e pouco definido. Esse novo espaço de transição é chamado de
terra de ninguém, isto é, nenhuma instituição social se responsabiliza pelo
jovem nessa fase [...] (SARRIERA et al., 2000, p. 45).

A experiência de Letícia dialoga com as colocações dos autores, pois a jovem citou
que se sentia perdida. Isso porque tanto a escola quanto o trabalho são instituições que podem
atuar significativamente para a organização temporal dos sujeitos (THIN, 2006). Letícia não
tinha o papel social (MARTUCCELLI, 2007) de aluna nem de trabalhadora, não tendo,
portanto, nenhuma responsabilidade, na sua concepção pessoal, a não ser com o trabalho
doméstico.
Como já apontamos na discussão acerca da juventude e trabalho, tanto o emprego
quanto o desemprego são vivenciados de maneiras diferentes pelos/as jovens, como veremos.
Mesmo Letícia tendo uma condição estável e contando com o suporte (MARTUCCELLI,
2007) da família, o desemprego para ela se configurou uma experiência muito negativa. O
trabalho doméstico não supria o lugar do trabalho assalariado, pois a jovem se sentia inútil.
Como veremos na cena de Rebeca, que também questionava o trabalho doméstico, as jovens
mulheres requerem outro espaço para construírem suas experiências laborais. Quando o
166

trabalho se configura como essencial para a existência humana, como citou Letícia, faz com
que sua ausência seja um período de tensão e, de certa forma, gera um olhar desacreditado
sobre a própria vida. Letícia sentia que “não seria nada na vida, que não tinha mais nada”,
pois estava sem trabalho. A jovem compartilhava os sentimentos de vergonha e
desvalorização, relatados também por jovens belgas desempregados, da investigação realizada
por Bajoit e Franssen (1997). Outro aspecto que intensificou seu sofrimento, bem como o
tédio quanto ao desemprego, era a falta de tempo dos familiares para conversar com ela, tendo
em vista que todos estavam inseridos em contextos de trabalho e/ou escolarização. As
“agendas lotadas” dos familiares geravam uma falta de tempo para escuta, o que
intensificava a visão de Letícia sobre sua suposta “inutilidade”.
Embora vivenciada de maneiras diferentes, podemos dizer que a ausência de trabalho
para jovens de camadas populares tende a restringir muito as possibilidades de eles/as
vivenciarem a condição juvenil, que, mesmo sendo limitada pelo trabalho, é também
potencializada por ele. Em geral, a vivência do desemprego é vista como desestruturação,
gerando receios e um sentimento de vazio, como foi o caso de Letícia. O desemprego é, ainda,
um fator que prejudica a construção de projeto de vida, pois, a partir do trabalho, o/a jovem
pode ter mais possibilidades de acesso aos estudos, ao lazer e ao consumo. Porém, como
veremos nas cenas de Sérgio e Breno, cada sujeito pode vivenciar a experiência do
desemprego de uma maneira, o que tem relação com suas experiências na família e no
trabalho, suas condições socioeconômicas, representações sociais sobre emprego e
desemprego, bem como com um sistema de proteção social por parte do Estado.
Diante do contexto, podemos dizer que a experiência de trabalho na UFMG marcou
positivamente a vivência de trabalho dos jovens Letícia e Caio, pois construíram, na UFMG,
processos de aprendizado. Avistamos um processo de socialização no trabalho por parte
desses jovens que, consciente ou inconscientemente, desenvolveram estratégias que dialogam
com o perfil ideal de trabalhador, mas comum a posição crítica para os processos de
socialização no trabalho. Ambos, em menos de três meses, foram recontratados pela UFMG
na condição de terceirizados e estão há quatro anos vivenciando essa experiência de trabalho.

1.4 Inserção profissional: articulando mérito e contatos

A reinserção de Letícia e de Caio na UFMG expressa uma articulação possível do


mérito de cada um com os contatos que estabeleceram ao longo da experiência como jovens
trabalhadores da CVB. A contratação de jovens ex-trabalhadores/as não faz parte de uma
167

política institucional da UFMG. Após o desligamento, os/as jovens não têm mais nenhum
vínculo formal com a instituição.
É fundamental pontuar que, no convênio entre CVB e UFMG, não se tem nenhum
plano estratégico para o desligamento dos/as jovens. O sentimento de “estar perdida”, citado
pela jovem Letícia, aparece também para outros/as jovens, pois, após o desligamento, os/as
jovens, a princípio, não sabem como se inserir novamente no mercado, não têm uma profissão
e, além disso, em sua maioria, já finalizaram a educação básica, ou seja, os/as jovens se
desligam do trabalho e da escola, dois espaços institucionais importantes na biografia juvenil
de jovens brasileiros/as. Ademais, cabe reforçar que se trata de jovens, pobres e, em sua
maioria, negros/as, como apontamos no perfil. Os recortes etários, de classe e raça tendem a
ampliar ainda mais as dificuldades de acesso no mercado de trabalho e a continuidade dos
estudos. Vis a vis, a possibilidade de nova inserção dos/as jovens no mercado de trabalho
tende a ser alcançada a partir dos contatos pessoais. Assim, os “mecanismos mercantis”
cedem lugar a “mecanismos não-mercantis”, para a busca de um trabalho, especialmente nas
camadas populares nas quais os diferentes contextos de subalternização dificultam a
construção de “rede de laços fracos” (GRANOVETTER, 1973; GUIMARÃES, 2009).
No caso de Letícia e Caio, os vínculos que eles construíram ao longo do tempo, como
jovens trabalhadores/as e, especialmente, a postura com relação ao trabalho, considerada
importante por parte do/a empregador/a, fizeram com que ambos voltassem a trabalhar na
UFMG, como terceirizados. A inserção dos/as jovens, especialmente no setor público, como
terceirizados/as, reforça a ampliação da terceirização na dinâmica do mercado de trabalho.
Além disso, descortina, ainda, a lógica do Estado mínimo, pauta de políticas neoliberais, que
pode se fortalecer com a Lei da terceirização, como apontamos.
Para os/as jovens, a relação de trabalho anterior foi primordial para que fossem
contratados/as tanto por terem sido “conhecidos pela UFMG” quanto pela maneira que
haviam exercido suas atividades. “Tipo, foi com relação ao trabalho que eu desempenhei no
setor. O pessoal já gostava de mim, falava que eu trabalhava bem. Aí, eles/as falaram que,
quando tiver a vaga, a gente vai te chamar” (Caio). Letícia cita que foi ao antigo trabalho na
UFMG e lá falaram a ela: “Me ligaram aqui para pedir referências de você e tal [...] ele
[chefe], acredito que deve ter falado muito bem”. Caio explicitou que as pessoas gostavam
dele, pois ele trabalhava bem, e Letícia enfatizou que a ajuda do chefe foi ótima. Caio, de
forma mais consciente e estratégica, e Letícia, de forma mais inconsciente, mas sempre
buscando um perfil ideal de trabalhadora. Os depoimentos evidenciaram que a contratação se
deu na articulação dos elementos mérito e contato. Neste caso, podemos falar, também, em
168

“circuitos profissionais”, ou seja, informações ocupacionais que provem de antigos colegas de


trabalho. Os/As jovens conseguem estabelecer “laços fracos” que potencializam a reinserção
na UFMG. Salientamos que, mesmo sendo considerado um trabalho precário, pois se dá via
terceirização, o trabalho no espaço da UFMG possibilita ampliar as redes de contato,
especialmente na dimensão universitária, o que é importante para jovens estudantes. Assim,
embora a terceirização se configure como uma forma de precarizar o trabalho e o trabalhador,
enfatizamos as diferentes formas de configuração desse processo, pois trabalhar na UFMG
aparenta ser diferente dos acessos que se tem nos circuitos domésticos.
Letícia e Caio salientaram o quanto a forma como desempenharam o trabalho como
jovens trabalhadores da CVB foi essencial para a reinserção. De um lado, Letícia afirmou que
passou “muito aperto” na época que era jovem trabalhadora:

Eu passei muito aperto, nossaaaaa... Eu não sei se é necessário passar


aperto, mas, para mim, foi bom, no meu ponto de vista, sim. Se eu não
tivesse passado por algumas coisas lá [CVB/UFMG], por exemplo, terem
me colocado na recepção para eu atender as pessoas... que eu não sabia
atender, porque eu trabalhava lá dentro da secretaria, então, tinha outras
pessoas para atender. Se não tivessem me colocado na recepção e falado
que era assim... assim e eu, morrendo de medo de ficar lá, eu acho que não
conseguiria ficar aqui no “X”, hoje, porque é a mesma pressão, e chega
uma pessoa e, às vezes, acha ruim e grita, às vezes, a forma de falar não te
agrada, você também não se posicionar como profissional, também é ruim,
você não saber atender. E, então, eu acho que algumas coisas que eu passei
lá na “A” [UFMG] foram importantes para eu estar aqui no “X”. Não sei
se, necessariamente, alguém tem que passar por isso, porque eu acho muito
ruim tacar uma responsabilidade em um menino de 15 e 16 anos, se ele não
tem [condições]. Acredito que não necessariamente todo mundo tenha que
passar por isso, mas o meu caso foi necessário, foi bom, porque me ajudou a
amadurecer algumas coisas, mas eu não sei se todas as coisas são válidas
para todo mundo, não (Letícia, 22 anos, mulher).

Letícia, mesmo não considerando que algumas pressões sejam importantes para todas
as pessoas, avaliava que, para ela, foi essencial o processo de aprendizagem que vivenciou: ter
passado determinadas situações, para aprender a lidar com pessoas e aprender a se posicionar
como profissional, o que lhe trouxe amadurecimento. Por outro lado, Caio considerava que
era necessário passar por determinados sofrimentos:

Eu sempre procurei ter um empenho, procurei fazer as coisas “direitinho”,


sem ter problema. Até mesmo para ter o reconhecimento da chefia. Então...
e hoje eu não me arrependo de ter feito tudo que eu fiz, porque hoje,
realmente, eu penso que estou colhendo os frutos que eu plantei de quando
eu era Cruz Vermelha aqui. Você tem que “sofrer um pouquinho”, para
depois você melhorar. P: O que é esse sofrimento, assim? Você considera
que é necessário a gente passar por situações de sofrimento para poder
melhorar? Ah, eu concordo. Até mesmo pelo fato da onde que eu comecei,
que eu comecei ajudando meu pai de servente e era pesado, ralava no sol
169

quente, tinha que ficar subindo, pegava muito peso, não tinha muito “vida
mansa”, não, aí, eu sai dessa dificuldade, trabalhando com meu pai, e era
ruim, porque ele nunca me pagava direito [risos]. Aí, tá, eu sai de carregar
lata de cimento, fui pra Cruz Vermelha, que era só o serviço de andar e a
maioria dos negócios era só documento, era coisa tranquila de fazer.
Trabalhava com meu pai, era “pesado pra danar”, aí, depois na Cruz
Vermelha, era pesado também, tinha que ficar andando no sol e, hoje, eu
trabalho aqui no ar [condicionado]. Então, eu acho que foi uma conquista
que, querendo ou não, foi a base para eu estar tranquilo do jeito que eu
estou hoje, demorou um pouquinho, eu tive que sofrer um pouco, por isso,
que eu acho que é na base do sofrimento, mesmo (Caio, 22 anos, homem).

Para Caio, a dimensão do sofrimento foi a base para ele estar na função em que está
hoje, pautado na certeza de que, no futuro, teria uma recompensa, assumindo a lógica do
“adiamento das recompensas”, como já pontuamos. Interessante enfatizar a relação que o
jovem faz entre trabalhar ao sol, como ajudante de pedreiro, com o pai, depois, entregando
documentos, andando a pé pela UFMG, e, agora, estar “no ar condicionado”. Essa relação
tem como pano de fundo uma hierarquização dos espaços e funções que exerceu. Assim, o seu
trabalho mais recente tem maior status sobre os outros, na visão dele, pois não é “pesado” e
tem uma estrutura confortável. Porém, foi “necessário sofrer”. A lógica religiosa e capitalista
segundo a qual “colhemos o que plantamos” parece embasar a fala de Caio, ratificando, ainda,
a necessidade de que o plantio precisa ser doloroso para termos outras possibilidades. O
sofrimento, que sempre foi associado ao trabalho – tripalium (Suzana ALBORNOZ, 1986;
Elida LIEDKE, 1997) - e a busca pelo reconhecimento por parte da chefia faziam parte da
vivência, como trabalhador, de Caio, que se pautava o tempo todo pela busca da contratação,
o que, de fato, foi efetivado.
Podemos dizer que a reinserção dos/as jovens da UFMG se relacionou com um
processo de socialização no/do trabalho, em que ambos construíram modos de trabalho
singulares. Para eles, as instituições “não são apenas coerções que se impõem aos indivíduos,
são ainda recursos que eles devem aprender a mobilizar eficazmente” (Claude DUBAR, 2009,
p. 261).
As atribuições recentes tanto de Caio quanto de Letícia dialogam muito com o que
faziam quando eram jovens trabalhadores/as da CVB, mas envolvem questões de
responsabilidades que ambos não tinham anteriormente:

Aqui eu faço mais serviço administrativo. Agora que eu aprendi a operar os


equipamentos do auditório, aí, eu fico mais ligado com os equipamentos de
auditório também. E, pelo curso que eu cheguei a fazer, também. Quando eu
era [trabalhador da] Cruz Vermelha, eu tive oportunidade de fazer um curso
de manutenção de computadores, lá, no COLTEC. Eu conversei com o
coordenador e ele conseguiu a bolsa para mim, que eu era Cruz Vermelha,
170

aí, ele entendeu a situação. Aí, ele me deu a bolsa e eu aproveitei a


oportunidade e vinha todo sábado fazer curso de manutenção aqui. Essa foi
umas das coisas boas que eu fiz também, aproveitando o tempo de Cruz
Vermelha aqui. P: Atualmente como seu cargo é registrado? Na carteira
está como recepcionista, mas é questão de contratação, pois, na verdade, o
serviço é um pouco de recepção, só que eu acabo fazendo de tudo, entendeu,
porque a gente recebe mais os professores, entrego os materiais para eles
abrirem as salas, mas, aí, dependendo do dia, e quando não tem Técnico de
Informática e o professor está com alguma urgência na sala, eu ajudo
também. E também ajudo nos auditórios, quando tem algum evento e não
tem ninguém para ajudar, aí, eu fico lá, ligo os equipamentos. Geralmente é
quando é evento mais simples, quando é só palestra, aí, é só ligar o
computador e ligar o projetor, aí, é tranquilo [...] (Caio, 22 anos, homem).

A fala de Caio dialoga com os achados de Nonato (2013, p.129) em que os/as jovens,
na pesquisa realizada em 2012, afirmaram que eram “severinos/as”, ou seja, faziam um pouco
de tudo no local de trabalho, assim como no trabalho recente. Frequentar um curso aos
sábados também remete a mais um esforço que o jovem fez, em prol da contratação,
atendendo a lógica da empregabilidade (LEITE, 1997), mas também a possibilidade de
formação, a partir do trabalho, ou seja, o trabalho educativo, em que esse trabalho é também
um locus de produção, aquisição e mobilização de saberes.
No caso de Letícia, ela disse das suas atribuições, ao descrever um pouco da sua rotina
no trabalho:

Ó, já chego todos os dias atrasada no serviço [risos], porque chego tarde, eu


chego em casa 11 e 40 da noite, todo santo dia. Chega as seis e meia da
manhã, quem disse que eu quero levantar? Não estou aguentando levantar
para vir trabalhar. Então, eu já chego atrasada todos os dias. Eu deveria
chegar aqui 08h, eu chego aqui 8h30, 8h40... Mas, enfim, a minha chefe está
deixando, então, está bom, mas, aí, eu já chego 08h30. A primeira coisa que
eu faço é, já chego, abro a janela, né?, ou ligo o ar-condicionado, sento,
guardo as coisas, lanche, aí, vou abrir o e-mail. Tem que olhar e-mail por e-
mail, o que tiver que responder, responde, o que tiver que encaminhar,
encaminha, o que tiver que resolver na hora e resolve as pendências. O
telefone toca o dia inteiro, você está ouvindo tocar, né? É o dia inteiro
atendendo o telefone e cuidando da agenda da gestão. É igual segurança,
sabe? Tem que saber os passos dela todinhos. Tem que agendar reunião
para ela. Se ela vai viajar para fora, tem que reservar carro, hotel... Enfim,
aí, é solicitação de reunião, eu tenho que remarcar reunião, tem que marcar
isso. Tem a outra secretária que trabalha comigo, ela participa da reunião
de câmara. Quando ela não participa, tem que montar a pauta, lista de
presença, tem que marcar estacionamento, mandar para o setor
responsável. Não é um serviço pesado, mas é muito detalhe e, assim, aqui
tudo é para ontem, né?! É difícil, né?! Tudo para ontem! É muita reunião. É
muita demanda, porque, de alguma forma, tudo aqui passa no gabinete, ou
para ciência da professora, ou para um acordo, ou para uma assinatura,
tudo passa por mim, de alguma forma. Para poder chegar nos dois [chefias],
tem que passar por mim, é muita responsabilidade. E, aí, saio daqui
correndo, não almoça, uma hora, né?; uma hora é rapidinho, né?; que não
dá tempo de fazer nada. Aí, você faz, vai no ICB [almoçar], ou, às vezes,
171

você pede marmita, ou, às vezes, você vai no banco para poder resolver e já
fica no banco 40 minutos e almoça 20, aí, é aquela correria toda na hora do
almoço. Volta ao trabalho, aí, tudo de novo, chega mais e-mail, chega mais
demanda, é assinatura, é isso, é gente querendo falar com o professor, é
gente querendo fazer reunião, é um serviço muito repetitivo (Letícia, 22
anos, mulher).

A descrição da rotina de trabalho de Letícia possibilitava entendermos sua função


como secretária de uma unidade administrativa e, especialmente, as diferentes atividades que
exercia nesse local. Tratava-se de um cargo de confiança e com muitas responsabilidades. As
diferentes atribuições da jovem requeriam, por sua vez, um perfil de funcionário que
conseguisse lidar com diferentes demandas, habilidade de escrita para enviar e responder e-
mails e atenção para o trabalho com a agenda. Ela considerava que não se tratava de um
trabalho pesado, mas cheio de detalhes e que estes precisavam ser resolvidos rapidamente, o
que diz da importância de se ter alguém atento na função, bem como que soubesse lidar com
essa lógica de trabalho. Tanto Caio quanto Letícia concordavam que a maior responsabilidade
na função mais recente é o que diferenciava esta do trabalho anterior.

[...] quando eu vim aqui para “A” [unidade administrativa], já foi diferente,
eu sou responsável por um tanto de coisa. Tem que lidar com a diretoria,
tem que lidar com o pessoal de outras instituições e é assim diretamente. Vai
assinar qualquer coisa, é a Letícia que tem que ir lá. Letícia tem que falar
com a secretária. Se eu fosse Cruz Vermelha, eu não ia fazer isso. Então,
assim, a responsabilidade, eu creio, que deva ser nesse sentido de me passar
demandas que eu não fazia quando eu era da Cruz Vermelha e não tinha
essa responsabilidade de ter que fazer essas coisas, lidar diretamente com
autoridade (Letícia, 22 anos, mulher).

Percebemos que, mesmo ainda sendo jovem, as atribuições de Letícia mudaram


consideravelmente, demarcando que “o lugar” ocupado não remetia necessariamente à
dimensão da faixa etária, mas às relações institucionais, pois, na função mais recente, Letícia
continuava sendo jovem, mas era terceirizada. Seu depoimento também apontava a dimensão
educativa do trabalho: a experiência permitia enfrentar medos e inseguranças. Caio também
mencionou questões importantes com relação a seu trabalho, mas, especialmente, a novas
atribuições:

[...] a partir das minhas novas funções aqui no trabalho, a rotina está
mudando. Eles querem alguém que esteja mais como referência [...]. O
trabalho é muito simples, entendeu, agora que eu estou tendo essa coisa que
é mais complicada de ter que olhar e responder e-mail e ter contato com as
outras pessoas. Igual, têm os eventos, esse negócio de ter contato com
pessoal da reitoria, os pró-reitores, eu não gosto muito, não, eu fico meio
sem jeito. Eu não gosto muito de contato com essas pessoas muito
superiores, tenho medo de fazer alguma coisa errada, sei lá, te mandam
embora, alguma coisa assim. Por isso, eu prefiro ficar mais quietinho, no
172

meu canto, mas eu ainda estou melhorando nisso [...]. Ah, eu também abro
OS [ordem de serviço], aqui, tem que trocar aquela lâmpada lá que está
queimada. Sou eu que faço essas coisas aqui nesse prédio, também, mas é
legal. Eu estou gostando, porque é vantajoso para mim, que eu estou
mostrando serviço para a diretora. Então, eu penso que, se tiver que cortar,
eles vão olhar bem na hora de cortar e olhar quem está fazendo isso.
Querendo ou não, se for o caso, de ter que mandar embora, eu penso que
minha vaga tá meio que garantida, fazendo isso, o que volta um pouco na
questão da Cruz Vermelha, que eu sempre estava disposto pra trabalhar,
fazer tudo pra me garantir. Hoje em dia, continuo a mesma coisa. Eu
pretendo continuar aqui até formar, então, tudo que aparecer para eu fazer
eu vou fazendo, não fico reclamando, não (Caio, 22 anos, homem).

Caio enfatizou em seu discurso a mudança de rotina, especialmente no que tange à


reflexão sobre o trabalho que desenvolvia, o que remete à diferença entre o trabalho
intelectual e o manual (MARX, 1985). Além disso, assim como Letícia, Caio reiterou que a
dimensão da responsabilidade era bem diferente. Ele retomou a dimensão do “medo de ser
mandado embora” que fazia com que ele, assim como anteriormente, “mostrasse serviço” e,
caso alguém precisasse ser mandado embora, ele se via como “garantido”, ou seja, não fazia a
leitura de que poderia ser escolhido para tal fim. No depoimento do jovem, fica patente a
importância do mérito individual, tendo como referência a recompensa. Caio parecia
incorporar a competitividade desejada na lógica de mercado, se preocupando unicamente com
ele mesmo. Consideramos que a postura do jovem reforça a discussão do mérito apontada por
Araujo e Martuccelli (2015), em que o individualismo é o foco. O jovem não expressa, em
nenhum momento, a dimensão coletiva do trabalho. Articulada a isso, assim, como os/as
jovens estudados/as por Bajoit e Franssen (1997), consideramos que a busca de Caio em
sempre “se garantir” expressa a figura do “garantismo”, como expressam:

A cultura do trabalho, capaz de proporcionar uma identidade digna e positiva


ao trabalho, torna-se uma referência distante, mas sempre desejada. A
dimensão expressiva do trabalho como locus da realização de si é
progressivamente abandonada em favor unicamente da lógica do emprego, o
tema da retribuição prevalece sobre o da contribuição, as categorias
administrativas ou afetivas substituem as categorias sociais e profissionais
(BAJOIT; FRANSSEN, 1997, p. 81).

Novamente Caio assumia uma postura estratégica enquanto trabalhador, construindo


mecanismos de permanência. O distanciamento que ele preferia manter dos/as
considerados/as por ele “superiores” dialogava com o medo que havia de ser mandado
embora, já que, na maioria dos casos, são as chefias quem detêm essa autoridade, embora
afirme estar buscando melhorar nesse aspecto. Acentuamos o processo de socialização no
trabalho por parte do jovem, ele ia reelaborando as estratégias de permanência ao longo do
173

tempo. Se antes ficava calado e cumpria as ordens, agora buscava “mostrar serviço” e
participar das atividades. Sendo o desemprego uma ameaça, especialmente diante de um
contexto de corte de verbas nas universidades públicas, em que os/as trabalhadores/as
terceirizados/as tendem a ser os/as primeiros/as a serem demitidos/as, o jovem condiciona
suas práticas e sua identidade profissional às demandas do trabalho (José SOEIRO; Ricardo
FERREIRA; João MINEIRO, 2012).
A experiência de trabalho na UFMG tanto para Caio quanto para Letícia era analisada
positivamente por eles, especialmente quando comparada aos trabalhos dos seus/as amigos/as.
Caio, assim, mencionou que:

[...] aqui não tem muito o modelo de empresa, você não tem que ficar
batendo meta no trabalho. O trabalho nem exige isso, por isso, que é bom, é
mais atendimento aos professores, não tem que, tipo, mexer com processo.
Eu tenho um colega que, no trabalho dele, nem pode mexer no Facebook!
Aqui não tem dessa, não. Tipo, assim, a diferença que eu vejo é que eu sou
terceirizado, mas o trabalho mesmo é como se eu fosse concursado, porque
o trabalho é mais tranquilo, não é essa coisa de empresa. É o melhor lugar
para trabalhar, por isso que todo mundo fica “doido” para trabalhar nos
“C”, é muito mais tranquilo. Se eu fosse concursado então seria melhor
ainda [...] (Caio, 22 anos homem).

O jovem trazia em sua fala as diferenças do trabalho na UFMG no que tangia à


autonomia e à liberdade que eram dadas aos/as funcionários/as. Um ponto muito recorrente na
fala de Caio era não ter que bater meta. Para ele, essa pressão, que muitas empresas
impunham, fazia com que o espaço de trabalho fosse prejudicial, pois era necessário trabalhar
a todo o momento, sob o risco do desemprego, por não cumprir uma meta. A narrativa do
jovem reforçava a importância de se relativizar o trabalho como terceirizado na UFMG, em
relação a outro local, como já pontuamos. Não estamos desconsiderando que seja uma forma
de precariedade, mas não podemos negar que há características diferentes, tendo em vista que
o próprio jovem afirmava que ele parecia ser concursado, ou seja, na prática, as relações
pareciam ser menos tênues. Dentro deste contexto, consideramos que, para Caio, não ficava
tão evidente as marcas da terceirização, tais como intensificação do trabalho, contrato
temporário, pois, em nenhum momento, ele salientou nada a esse respeito, embora soubesse
das incertezas do emprego diante desse tipo de contratação.
Ainda que no depoimento do jovem o serviço público se distanciasse da lógica da
empresa, o que é uma realidade, Linhart (2014) discute a emergência do novo modo de ser da
precarização, que, por sua vez, atinge trabalhadores/as com empregos estáveis, especialmente
os/as concursados. A autora nomeia de “precarização subjetiva”, que se relaciona ao
sentimento de precariedade dos/as assalariados/as estáveis, diante das exigências cada vez
174

mais intensas no trabalho e tais sujeitos “estão permanentemente preocupados com a ideia de
nem sempre estar em condições de responder a elas [...] faz com que eles nunca se sintam
verdadeiramente protegidos e seguros de poder conservar seu posto de trabalho (LINHART,
2014, p. 45). Como cita a autora, o conceito pode parecer provocação diante das incertezas
que têm outros/as trabalhadores/as acerca do mercado de trabalho, mas é uma realidade, pois
esta forma de precarização tem gerado medo, ansiedade e sensação de insegurança. Isso
porque a “precarização subjetiva”, como aponta Aparecida Souza (2016), é “vivenciada como
um sentimento difuso de ser obrigado/a, em nome da autonomia e responsabilização, a atingir
objetivos, metas que intensificam de forma espetacular os ritmos de trabalho” (p. 4).
Letícia também trazia dimensões importantes ao relacionar sua experiência de trabalho
com a de outros/as jovens:

Aí, eu fico pensando: “Nossa, gente, eu acho que eu sou privilegiada,


porque tem tanta gente que nem tem oportunidade”. Eu fico vendo, assim,
muitos colegas que eu tenho no Facebook, que eram da Cruz Vermelha, que
não estão estudando, que estão trabalhando em empregos, assim, não é não
digno, não é isso, mas não é um emprego “bacana”, que a pessoa queria
ter. Eu acredito que eu tenho um emprego “bacana”, não é o que eu quero,
eu preciso do trabalho, mas eu tenho a possibilidade de poder estudar aqui,
ter uma mesa, sentar, mexer no computador, ter ar condicionado, tenho uma
gaveta... minha. Tem meninos que fizeram a Cruz Vermelha comigo que não
tiveram essa oportunidade, é o dia inteiro carregando caixas. Então, assim,
eu não sei se é um privilégio, se foi, também, força de vontade, não sei, eu
acho que é a mistura de um monte de coisa, né? (Letícia, 22 anos, mulher).

Letícia trazia em sua fala elementos sobre o espaço físico do trabalho que, às vezes,
poderiam ser negligenciados, mas que compunham sua dinâmica. É interessante pontuar que
quanto mais acolhedor for o espaço de trabalho e possibilitar estar à vontade, mais se pode
criar identidade com ele. Possibilitar espaços de trabalho que proporcionem que os/as
funcionários/as se sintam “em casa” ‒ tendo lugares para seus pertences, tendo controle sobre
os materiais com que trabalham ‒ é benéfico para os/as trabalhadores/as e para o
desenvolvimento das atividades. Ao dizer que tinha uma gaveta e dar ênfase para isso, Letícia
reforçava esse aspecto e, especialmente, pontuava a dimensão da relação de pertença com o
espaço, pois o viacomo seu. Ademais, o espaço também informava o tipo de trabalho e a
posição que se ocupava nele.
Cabe lembrar que a Letícia tinha consciência de que diferentes fatores contribuíram
para que ela estivesse na posição que ocupava. Ela também comparava o seu trabalho com os
trabalhos de seus/suas colegas. Como abordamos no capítulo 4, a maioria dos/as jovens, ex-
trabalhadores/as da Cruz Vermelha, está em trabalhos no setor de serviços, considerados de
175

baixa qualificação. Ter uma mesa com gaveta, em sala com ar condicionado, instrumentos
que, de certa forma, tendem a produzir representações sobre um espaço mais estruturado e
organizado, não é a realidade da maioria. Como afirma Letícia, “carregar caixas” tem sido a
realidade de muitos/as jovens ‒ caixas que podem, metaforicamente, representar, inclusive, as
diferentes funções degradantes, precárias, com baixos salários e muitas horas de trabalho em
que alguns/algumas jovens se inseriram, o que não é um trabalho “bacana”, segundo o crivo
estabelecido por Letícia. A jovem se interrogou se estava num lugar de privilégio, ou se havia
conquistado aquela ocupação, devido a sua força de vontade. Consideramos que, num
contexto de desemprego e de perda de direitos trabalhistas, seja um privilégio estar num
trabalho protegido, pois, mesmo que a maioria dos/as jovens esteja empregada,
alguns/algumas estão inseridos/as em espaços laborais desprotegidos e precários.
A experiência de trabalho na UFMG tanto para Caio quanto para Letícia foi, assim
como é para a maioria dos/as jovens pobres, uma necessidade para sobrevivência,
especialmente como estudantes, conforme abordaremos. Os/As jovens ressaltaram as
potencialidades do trabalho como espaço de aprendizagem, como espaço de fazer relações,
além de possibilitar tempo para estudar, mas expuseram também as limitações da condição de
serem jovens trabalhadores/as.

No trabalho o que me incomoda mais é a sexta-feira. Porque, na sexta-feira,


é o dia que geralmente a gente aproveitava mais. Quando eu trabalhava de
Cruz Vermelha, eu não fazia faculdade e trabalhava durante o dia. Então,
depois das seis horas, estava livre, se quisesse sair com os amigos para
alguma festa, ou pra zuar, eu poderia. Agora, não posso, porque tem que
trabalhar à noite. E, na sexta-feira, tenho aula de manhã. Eu até gosto dos
dias que não tem aula de manhã, pois eu posso dormir até tarde (Caio, 22
anos homem).

Como já ressaltamos, se, por um lado, o trabalho potencializa as vivências juvenis, por
outro, limita a condição juvenil, especialmente em relação à fruição do tempo. Os/As jovens
da pesquisa trabalhavam 44 horas semanais - Letícia trabalhava durante o dia e estudava à
noite e Caio estudava pela manhã e em algumas tardes, e compensava as horas de trabalho no
período da noite. Assim, o tempo de vivenciar outros elementos da juventude era muito
limitado. Não se tratava somente de tempo, pois a rotina “pesada” gerava cansaço e desânimo
para sair e ter lazer, tendo em vista que os finais de semana deveriam ser os dias de descanso.
Letícia também trazia as limitações de ser jovem trabalhadora, ressaltando o pouco tempo
para a família:

Lá em casa, todo mundo é muito atarefado, então, a gente não consegue


encontrar todos os dias. Quando eu saio, a minha mãe já saiu, há muito
176

tempo, para trabalhar. Quando eu chego, ela já está dormindo e vice-versa,


né?! A minha irmã também é a mesma coisa. Então, assim, acaba não
encontrando. Chega domingo, aí, eu vou para o meu quarto, vou estudar e,
aí, a gente acaba nem conversando muito, só quando tem filme, aí, a gente
vê filmes juntas. Mas, é muito difícil encontrar. E eu acho também que essa
questão de tecnologia tem coisas boas e tem coisas ruins. Atrapalha muito o
contato, sabe? Falta diálogo, às vezes, sabe?! Às vezes, no final de semana,
a minha mãe está lá dentro do quarto, assistindo filme. A minha irmã
assistindo série no celular, eu, no notebook ou, então, no texto, o meu
padrasto fazendo as coisinhas dele, ou bebendo a cervejinha. Então, assim,
você fala: “Nossa, né?!” A gente não tem problemas, mas, às vezes falta
diálogo. Eu falo, gente, atrapalha muito. E é uma coisa que eu fiz no meu
relacionamento, falei com ele [o namorado]: “Quando a gente estiver junto,
vamos parar de ficar mexendo no celular, não vai ter esse negócio”.
Porque, senão, a gente começa a priorizar outras coisas e a gente perde o
contato visual com as pessoas. Então, assim, eu acho que falta muito isso na
minha casa, na maioria das casas, falta isso, diálogo que falta. E, aí, a
gente, às vezes, por causa dessa rotina doida, cada um está fazendo uma
coisa, né?! Estudando, trabalhando, fazendo autoescola, então, acaba não
encontrando. Então, às vezes, assim, eu fico: “Nossa...” A minha mãe, às
vezes, nem sabe um monte de coisa que eu faço. Acredito que ela tem
orgulho, muito orgulho, mas é difícil, falta esse diálogo (Letícia, 22 anos,
mulher).

O depoimento de Letícia trazia à tona uma série de questões relacionadas à rotina de


quem trabalha e estuda, das relações com as mídias, bem como da relação com o tempo que a
sociedade contemporânea vive. Cada vez mais a falta de tempo é um tema recorrente. A
relação com o tempo, a todo o momento, tem gerado contratempos, marcado pela lógica
capitalista de produção, bem como pelo processo de globalização e modernização.
Retomamos aqui a segunda ação prioritária da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a
Juventude (BRASIL, 2010) que se refere à conciliação entre trabalho, estudo e vida familiar,
pois no depoimento da jovem Letícia, por exemplo, fica evidente o quanto gostaria de usufruir
de todos esses espaços, sem que o trabalho prejudique. Letícia chama a atenção para o modo
como as relações com o tempo e com as tecnologias interferem na relação familiar,
especialmente de uma família em que todos/as são atarefados/as. Assim como Caio já
apontava sua falta de relação com o irmão, devido à falta de tempo.
As narrativas de ambos os jovens colocam em questão a jornada de trabalho que é
muito extensa. Como afirmam Corrochano e Laís Abramo (2016, p. 120), “as longas jornadas
de trabalho ainda são uma realidade, ainda que eles e elas [jovens] se encontrem em um
momento da vida em que a dedicação aos estudos é central”. As autoras ressaltam que a
redução da jornada não foi alcançada pela ANDTJ, devido à falta de consenso em torno de
uma proposta. Dito isso, salientamos o quanto a jornada extensa limita a vivência da condição
juvenil, para além da dimensão do trabalho e da escolarização, pois, se incluirmos os
177

deslocamentos e, no caso das mulheres, devido à cultura machista, o trabalho doméstico e o


cuidado com a família, os tempos de vivência do lazer e do tempo livre ficam praticamente
inexistentes. Assim, estamos diante de jovens trabalhadores/as e estudantes para os/as quais o
uso do tempo tende a ser totalmente consumido pelo trabalho e pelo estudo, como se a
vivência da juventude não tivesse outras dimensões importantes. Como cita Sposito (1989),
estudar e trabalhar remetem a refletir sobre o “tempo que se rouba da convivência familiar, do
lazer e do próprio descanso, essencial para quem trabalha em geral 40 horas por semana (44,
no caso dos/as jovens da pesquisa) e precisa recuperar-se para nova jornada de trabalho” (p.
96). O contexto mostra o quanto é necessário se enxergar os/as jovens em suas múltiplas
dimensões e, especialmente, construir políticas que levem em conta tais pluralidades, pois a
ANTDJ, por exemplo, evidencia a relação do trabalho com a família e os estudos.
Por fim, a reinserção de Letícia e Caio na UFMG foi marcada especialmente pela
trajetória de trabalho que construíram tanto com as pessoas quanto com o próprio trabalho. O
trabalho na UFMG pode ser lido como um espaço ambíguo, pois possibilita e limita as
vivências da condição juvenil especialmente como estudantes, como abordaremos.

1.5 Inserção na universidade: caminhos diferentes e desafios comuns

Como vimos, dos/as 95 jovens respondentes do questionário, 30,5% (29) informaram


que estavam estudando e 69,4% (66) informaram que não. Daqueles/as que estavam
estudando, 16 cursavam o ensino superior. Caio e Letícia faziam parte desse número de
graduandos. Como menciona Corrochano (2013, p. 26), os/as jovens nascidos na década de
90 compuseram a primeira geração que vivenciava “importantes alterações no sistema
educacional com ampliação do acesso em todos os níveis de ensino, a despeito dos limites que
ainda persistem110, em especial no tocante à qualidade do ensino” Dentre essas mudanças, a
expansão do ensino superior público e privado, que a partir de políticas

incorporou jovens e também adultos, homens e mulheres, oriundos de


classes sociais, raça/ etnia e regiões de moradia tradicionalmente excluídas
desse nível de ensino. Se é certo que este processo ainda apresenta
limitações e tem sido alvo de relevantes críticas, não é possível negar o fato
da universidade contemplar uma maior parcela da população brasileira e
uma maior heterogeneidade social no contexto contemporâneo
(CORROCHANO, 2013, p. 24).

110
Cabe mencionar que, na Lei de Diretrizes da Educação Nacional, por exemplo, que traz a educação básica
como elementar, fundamental e imprescindível à formação do sujeito, no Art. 4º da referida lei, que assevera os
direitos à educação, o ensino superior não aparece.
178

Assim, se, anteriormente, o ensino superior era restrito a uma parte da população, as
políticas de democratização do acesso, especialmente após 2003, proporcionaram uma
diversificação da composição social dos/as universitários/as, como já apontamos. Porém,
relembramos que o acesso ao ensino superior merece muita atenção, pois ainda é muito
restrito, especialmente entre jovens de 18 a 24 anos. Desta maneira, podemos afirmar que
Caio e Letícia faziam parte de um grupo considerado seleto no contexto brasileiro,
especialmente sendo eles jovens de 22 anos, negros e pobres.
Caio, conforme mencionou, sempre foi incentivado pelo seu pai e pela sua madrasta,
quando ainda morava com eles, a estudar no ensino médio e a tentar sua inserção na
faculdade. Letícia disse que sempre pensou em ingressar no ensino superior, para o quê foi
incentivada pela mãe, especialmente a partir do exemplo desta de ter voltado a estudar, tendo
concluído esse nível de ensino. Ambos afirmaram que tiveram uma trajetória linear e
considerada bem-sucedida no ensino médio, o que assevera as ponderações de Maria Viana
(2000) que afirma que “êxitos escolares parciais” podem levar a “êxitos escolares
subsequentes” (p. 51). Ademais, Naercio Menezes Filho, Marcos Lee e Bruno Komatsu
(2013), ao investigarem os determinantes sobre a continuidade dos estudos e a inserção no
mercado de trabalho, sinalizam que a educação da mãe (ter entre 12 e 16 anos de estudo)
aumenta a probabilidades dos/as filhos/as de continuarem estudando e diminuiu a
possibilidade de estarem trabalhando.
Podemos dizer que Letícia teve um caminho mais complexo para a inserção no ensino
superior. Ela tinha muito interesse em acessar a universidade, mas considerava que não tinha
aprendido nada no ensino médio. Assim como a maioria dos/as jovens entrevistados/as, disse
que a tentativa de inserção no ensino superior foi marcada pela precariedade desse nível de
ensino. Segundo ela, muitos/as de seus amigos/as entraram na faculdade e ela estava muito
angustiada de não ter conseguido. Face ao perfil dos/as jovens ex-trabalhadores/as da Cruz
Vermelha, consideramos que a relação com a educação básica é atravessada por vários
condicionantes, dentre os quais enfatizamos a origem social e a raça.
Como mencionam Bourdieu e Passeron (2014, p. 27), a “origem social é, de todos os
determinantes, o único [uma determinante- chave] que estende sua influência a todos os
domínios e a todos os níveis da experiência dos estudantes e primeiramente às condições de
existência”. Articulada à origem social, a condição racial também é fundamental, pois, no
179

Brasil, a raça111 também é condição de existência e limita, ou possibilita, acessos (Nilma


GOMES, 2005; Gevanilda, SANTOS; Maria SANTOS; Rosangela BORGES, 2005).
Chamamos a atenção para essas duas categorias, pois ambas refletem nas formas de existir
dos/as jovens e, especificamente, nas formas de ser jovem estudante dos/as interlocutores/as
desta pesquisa. Esses/as jovens vivenciaram, durante toda a sua experiência de escolarização,
um processo penoso para adquirir a cultura transmitida pela escola, que é a cultura da classe
dominante (BOURDIEU, 2011), cultura da qual eles não fazem parte, mas que se impõe sobre
as culturas das camadas populares e que a escola reproduz e legitima. Durante o processo de
escolarização, as dificuldades aparecem, pois são culturas diferentes, mas os/as jovens pobres
tendem a se lançar no jogo da “crueldade subjetiva da meritocracia” (DUBET, 2004, p. 31),
quando não evadem, ou são excluídos/as da escola, para apreender lógicas temporais,
posturas, conteúdos e códigos distantes da sua cultura. Podemos considerar que, a partir da
década de 90, o “novo” jovem que entra na escola questiona e tensiona a cultura escolar, uma
vez que leva para esse espaço valores, lógicas e saberes com os quais esta instituição ainda
não tinha se deparado. Todavia, ainda prevalece uma lógica da cultura dominante nos
currículos e, primordialmente, nos tempos e espaços da escola, tentando, muitas vezes,
escolarizar os saberes, desejos e demandas dos/as jovens.
Consideramos que uma das marcas da precariedade do ensino para os/as jovens se
relaciona a essas lógicas socializadoras tão diferentes (Daniel THIN, 2006) que privilegiam a
cultura dominante.
Articulada a essa dimensão, está outra marca da precariedade da educação básica, a
qual diz respeito à própria representação que se tem do público que passa a frequentar a
escola, especialmente no ensino médio, a partir da década de 90. Houve, sim, uma expansão
dessa modalidade de ensino, como já citamos, mas uma expansão que se constituiu numa
“escola pobre para pobres” (LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011, p. 261) ou como afirmam
Nakano e Almeida (2007):

Quando se trata do Brasil, o sistema nunca esteve aberto para todos, nem
formalmente, e aqueles que tiveram acesso a ele vivem no seu interior
diferenças de qualidade abissais. Aos extratos mais pobres da população são
oferecidas as piores condições de estudo, em termos materiais e de qualidade
(NAKANO; ALMEIDA, 2007, p. 1091).

111
Como citado por Rodrigo Ednilson, em exposição oral (durante a defesa de dissertação de Romulo Silva,
2018), antes de serem jovens, os/as jovens são negros/as (2018), do ponto de vista da heteroclassificação, o
que altera significativamente seus modos de ser jovens estudantes.
180

Diferenças abissais que se concretizam nas más condições de infraestrutura, de


aprendizagem, na situação de desvalorização da carreira docente, da falta de profissional com
formação adequada a esse nível de ensino, da falta de vínculo de trabalho, o que aumenta a
rotatividade e amplia as dificuldades pedagógicas, articuladas às condições de existência
dos/as jovens, tais como baixa renda familiar, local de moradia precário, insuficiências de
capital cultural, as quais contribuem para ampliar a precariedade e as desigualdades, o que
tende a se ampliar com a chamada Reforma do Ensino Médio112.
Por último, vale a pena pontuar que o novo perfil de aluno/a que chega ao ensino
médio tem demandas específicas, mas a escola, como não foi pensada para assistir esse
público, não consegue enxerga-lo e/ou atendê-lo nas suas múltiplas condições (trabalho,
origem social, gênero e raça, por exemplo), sendo reduzidos os/as jovens à condição de
alunos/as, o que também contribui para que as experiências sejam precárias.
Mesmo diante dessa realidade e buscando possibilidades de inserção, Letícia fez a
primeira tentativa na seleção do Enem, no ano de 2013, e não obteve êxito. Os/As colegas de
trabalho da UFMG, após sua contratação, aconselhavam para que, já que ela considerava que
não teve uma base boa e que não tinha uma família ou filhos/as que dependiam dela
financeiramente, ela investisse parte do seu salário em um cursinho preparatório. Ela seguiu o
conselho dos/as colegas e iniciou o cursinho, como uma tentativa de preencher a lacuna da
formação básica:

112
Primeiro cabe citar que a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, conhecida popularmente como Reforma
do Ensino Médio, foi a conversão da Medida Provisória nº 746, de 2016 o que já configura um cenário de
arbitrariedade e autoritarismo da implementação. A Reforma “altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de
agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral.” (BRASIL, 2017). Celso Ferreti (2018), em texto intitulado “A reforma do Ensino Médio e sua
questionável concepção de qualidade da educação”, já expressa que a citada reforma traz consequências
radicais e negativas para esse nível de ensino. O autor cita que, de acordo com a Lei 13.415, a “reforma
curricular tem por objetivo tornar o currículo mais flexível, para, dessa forma, melhor atender os interesses
dos alunos do Ensino Médio [...] a Lei parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas
presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular [...]. Nesse sentido,
a Lei parece apoiar-se numa concepção restrita de currículo que reduz a riqueza do termo à matriz curricular.
A instância que busca dar conta dessa questão é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, no
entanto, não é entendida pelos seus próprios propositores como currículo” (p. 26/27). Ademais, a partir de
algumas propostas da Lei, Ferreti (2018), cita que “a reforma alinha-se aos postulados da Teoria do Capital
Humano, bem como do individualismo meritocrático e competitivo que deriva tanto dela quanto da
concepção capitalista neoliberal [...] assim a Lei 13.415 pode ser interpretada, nesse sentido, como uma ação
e proposição de afirmação da busca de hegemonia, no campo educacional, pelos setores da burguesia da
sociedade capitalista brasileira, em contraposição às de caráter contra hegemônico, representadas pelas
tentativas, formuladas no decorrer do primeiro governo Lula, de instituir no país uma educação de caráter
integrado e integral” (idem, p. 33/34).
181

Aí, eu comecei a estudar, desde de 2013, no cursinho. Fui para o cursinho,


fiz extensivo, fiz intensivo, e, aí, não conseguia nada. Não conseguia uma
nota boa para passar, não conseguia Sisu, não conseguia ProUni, aí, acabei
frustradíssima. Aí, no outro ano, voltei de novo para o cursinho. Aí, no
segundo semestre de 2014, teve essa seleção, né?, depois do Sisu, tem o
ProUni. E, aí, tinha uma bolsa de 50% na PUC. E, aí, eu falei: “Será que eu
vou, será que eu não vou?”. E acabei achando melhor não ir. Falei: “Ah, eu
acho que eu tenho capacidade para tentar uma bolsa de 100%”. E, aí, eu
não fui e nem levei documentos e não fiz o processo de seleção lá do ProUni
na PUC. Depois, eu fiquei pensando que não era para ser mesmo, porque eu
não era madura para fazer o curso que eu queria, eu acho que não iria dar
certo (Letícia, 22 anos, mulher).

Posteriormente, no ano de 2015, ela retomou o cursinho e foi selecionada na


Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais para o curso desejado, de Psicologia. A
jovem comenta que ficou muito animada, mas não sabia que a faculdade fazia uma nova
seleção. Haveria uma segunda etapa, que se tratava de uma prova de questões dissertativas.
Salientou que não teve tempo de estudar, pois estava se dedicando a juntar a documentação,
mas, ao mesmo tempo, não tinha clareza do conteúdo. “O que eles perguntavam eu nunca
aprendi no colégio. Eu não ia conseguir nunca aquela vaga”. Como previsto por ela própria,
Letícia não passou na prova.
Após o processo de seleção da Faculdade de Ciências Médicas, Letícia ficou muito
chateada com a situação e se sentindo cada vez mais incompetente para conseguir tirar boas
notas no Enem, como ela mencionou. Assim, ela acabou desistindo de continuar no cursinho e
optou por fazer outras coisas, tais como “malhar”. Segundo ela, depois de quatro meses
frequentando só a academia de ginástica e incentivada pelo namorado, decidiu voltar a
frequentar o cursinho pela terceira vez. “Fui lá no cursinho de novo, reabri minha matrícula.
‘Agora eu vou com tudo, não vou desistir’. Eu sofri, gente, nessa seleção, eu sofri demais”
(Letícia, 22 anos, mulher).
A jovem fez a inscrição no ProUni e optou por uma bolsa de 50%. É interessante
perceber como o passar do tempo altera a percepção e as escolhas da jovem, pois, na primeira
tentativa de inserção, já havia conseguido a bolsa parcial. O desejo de distanciamento do
cursinho: “É minha chance de nunca mais fazer cursinho na minha vida, que eu não aguento
mais isso”, se referia a ser um espaço no qual a jovem se via responsável pelo seu fracasso,
pois no

no cursinho, eu me senti uma “burra”. Nossa! Os professores falavam umas


coisas e eu não sei de nada, nada, nada. Meu Deus, parece que nem estudei
no Ensino Médio. Eu fiz três anos de cursinho e não era barato. Eu ficava:
“Gente, eu não sei de nada”. Cada menino fera, assim, sabe? O professor
perguntava e eles respondiam, eu ficava lá atrás. Ficava: “Meu Deus, o que
182

é isso, eu não aprendi nada?”. Parece que no cursinho você consegue ver
ainda mais que você é ruim, que está muito aquém. Serve para você ver que
você não pode chegar. E aí, assim, eu ficava muito chateada, porque eu não
estava conseguindo entrar na universidade e eu tinha que ir de novo para o
cursinho, naquela batalha [...] (Letícia, 22 anos, mulher).

O cursinho representou para Letícia uma ocasião para ela perceber que os pares dela e
ela aprenderam muito pouco no ensino médio e, pior que isso, ela se sentiu “burra” e incapaz.
Letícia reconheceu a precariedade do ensino médio, mas, mesmo assim, se culpava por não
conseguir aprender. A postura da jovem tinha relação com sua visão de que o esforço pessoal
era o fator- chave para alcançar os objetivos, assim, ela se colocava como única responsável
pelo próprio fracasso, tendendo a desconsiderar as condições de origem social, de raça, de
gênero, bem como o contexto em que realizou o ensino médio. O cursinho era para ela um
espaço de inferiorização diante de meninos/as considerados/as, em sua leitura pessoal,
“feras”, ou seja, muito capazes, assim, percebia intimamente uma barreira visível entre
aqueles/as que poderiam acessar os projetos de vida e os/as que ficariam à margem do
processo, no caso, a aprovação no Enem. Fica evidente a perversidade da lógica meritocrática,
que quer introduzir uma ideia de igualdade de oportunidades, quando, na verdade, as
concorrências são desiguais e hierárquicas. Embora quisesse desistir, a persistência para
continuar estudando se fez pelo

[...] incentivo do namorado e do pessoal do serviço que falavam: “Não, vai


lá, volta para o cursinho, estuda de novo”. Mas, eu quase desisti, porque eu
pensava: “Poxa, a gente sofre tanto na vida, por ser pobre, corre atrás, não
consegue as coisas e tem tanta gente aí que consegue a primeira vez que faz
o vestibular, passa em duas, três, quatro, cinco [faculdades], pode escolher,
à vontade, o lugar, nunca pegou um ônibus na vida, não precisou trabalhar,
não precisou fazer nada”. Eu ficava muito com essas coisas, depois, eu
parei com essas “bobagens”. “Vou seguir minha vida, vou correr atrás das
minhas coisas, eu pelo menos estou me esforçando”. Isso aqui foi com meu
esforço, eu não precisei ficar dependendo de ninguém, então, bola pra frente
e, graças a Deus, estou aí, vou formar, em nome de Jesus, vai dá tudo certo
na minha vida (Letícia, 22 anos, mulher).

A desistência temporária de Letícia se relacionava a um cansaço, mas, ainda mais


especialmente, à análise que fez do contexto em que algumas pessoas têm diferentes
oportunidades, enquanto outras vivenciam situações de desigualdade. Sua postura se
assemelhava com as trajetórias escolares levantadas por Maria Viana (2000), marcadas por
“dar um tempo”, mas que não representam uma desistência, mas, sim, um momento de
“reunir forças” e retomar os projetos de longevidade.
A inserção de Letícia na universidade, segundo ela, foi um “divisor de águas” em sua
vida, pois, segundo narrou, trata-se de “outra vida”.
183

[...] Eu estou adorando o curso [Psicologia]. Não me vejo fazendo outra


coisa, já estou no quarto período, graças a Deus. O currículo de lá, eu estou
achando maravilhoso. Estou no terceiro estágio já, no quarto período, e, aí,
muitos falam: “Ah, mas porque você não escolhe outro curso?” Mas, é um
curso que eu me identifico, que eu já sabia que eu queria e, quando você
entra, você vê que tudo faz sentido. Ah, claro que têm matérias que você não
se identifica tanto, mas outras matérias você fala assim: “Nossa, gente, é
isso mesmo que eu queria para a minha vida”; o curso é lindo, é
maravilhoso, tudo é lindo aqui na PUC [...] (Letícia, 22 anos, mulher).

A entrada da jovem no curso desejado não é algo comum, pois, normalmente, pessoas
de camadas populares fazem escolhas pelo “curso possível” e nem sempre pelo “curso
sonhado”. Com o Sisu, esse cenário se complexificou ainda mais, pois sabendo das
impossibilidades de inserção já no preenchimento da inscrição no Sistema do Sisu, muitos/as
jovens fazem trocas, buscando se inserir em algum curso, mesmo sem que este tenha relação
com a carreira que almejam, como menciona Bréscia Nonato (2018)

O candidato não tem como se iludir que será aprovado num determinado
curso, caso as simulações da primeira etapa do Sisu sugiram
sistematicamente o contrário. Além disso, ao mesmo tempo em que sonhos
impossíveis são desfeitos, opções mais viáveis são apresentadas. O candidato
não precisa, assim, sair do processo com o “peso” de ter sido, simplesmente,
reprovado. Ao contrário, o sistema, indiretamente, estimula o candidato, por
meio das simulações, a ajustar suas preferências originais ao que é
objetivamente possível, de modo a possibilitar a aprovação, mesmo que não
no curso ou na instituição mais desejados por ele (NONATO, 2018, p. 78).

Além disso, não podemos esquecer que a origem social tende a ser um fator primordial
nas escolhas. Temos visto que cursos considerados de menor prestígio social ainda são
ocupados por pobres e aqueles considerados de alto prestígio, pela elite (NONATO, 2018).
Todavia, podemos ler também como uma estratégia de acesso ao ensino superior, em que se
faz uma escolha entre cursar um curso menos desejado, ou não cursar nenhum, especialmente
num contexto em que a credencial da “longevidade escolar”, embora não seja a única, é
considerada um elemento importante no acesso ao mercado de trabalho e mobilidade social
(ARAUJO; MARTUCCELLI, 2015).
No que tange à escolha da instituição de ensino superior, na pesquisa realizada em
2012, Letícia havia informado um desejo de acessar a UFMG (NONATO, 2013), mas, na
pesquisa atual, informou que tinha essa universidadecomo a terceira opção, sendo, então, a
Faculdade de Ciências Médicas sua primeira opção, seguida da PUC. A jovem se inseriu em
uma instituição privada, com bolsa de 50%. O contexto de Letícia se assemelhava ao de
muitos/as estudantes de escolas públicas que se inserem em universidades e faculdades
privadas, com bolsa ou não, ao contrário dos/as estudantes de escolas privadas, que tendem a
184

se inserir nas universidades públicas. Tal inversão pode ser explicada, pela relação entre as
variáveis da origem social, pelo capital econômico e cultural e, também, pela diferença na
qualidade de ensino da educação básica nas escolas privadas e nas públicas. Mas, também,
devido ao número pequeno de oferta de vagas em instituições públicas, em contraposição ao
número elevado de oferta de vagas nas privadas, em razão do elevado número de instituições
privadas existentes no País. Mas é preciso situar que tal realidade começou a mudar, a partir
da Lei de Cotas e do Sisu, que vêm ampliando o acesso dos/as jovens pobres às escolas
públicas federais113, como já refletimos.
Letícia afirmou que sua inserção no curso superior foi um desafio:

Desafio... Eu acho que é ter conseguido, é estar cursando uma faculdade.


Sair de um lugar que eu não tinha essas possibilidades para poder ter uma
vida melhor, ter acesso a outros empregos. Eu vim de escola pública, de
mãe que era faxineira e pai que era trocador de ônibus, e, aí, você ver sua
mãe saindo do papel de faxineira e estudar, sabe? Ter acesso à faculdade, a
um estágio, e, aí, você conseguir fazer isso foi o maior desafio que eu
enfrentei na minha vida. É eu sair daquela posição de, às vezes, ser barrada
de um tanto de coisa, de não ter acesso à leitura, um monte de coisa, e
conseguir ter acesso a essas coisas, com esforço e dedicação, eu acho esse o
maior desafio da minha vida. Tive muito incentivo em casa também e de
outas pessoas que eu convivia, isso me ajudou, também, muito. E, se eu não
tivesse tanto incentivo, a gente não sai muito da posição que a gente está. É
interesse, é incentivo e ter acesso às outras coisas e às pessoas te indicarem
o que tem que fazer, né? Eu acho que é isso... (Letícia, 22 anos, mulher).

O depoimento de Letícia demonstrava o quanto para ela a entrada na faculdade


permitiu “sair de um lugar que não tinha essas possibilidades”, trazendo a dimensão da
importância do processo de escolarização para mobilidade social. A jovem conseguia trazer
diferentes condicionantes do seu campo de possibilidades, tais como sua origem social,
marcada pela vivência como estudante de escola pública, a ocupação laboral do pai e da mãe,
para explicitar que ela é uma exceção, e, novamente, a dimensão do esforço pessoal. Citou,
ainda, a importância do incentivo, o que foi um diferencial tanto na vivência dela quanto na
de Caio. Letícia trazia o seu contexto familiar, demarcando o quanto era significativo e, ao
mesmo tempo, uma exceção sua inserção no ensino superior. Isso porque, apesar de a mãe de
Letícia se inserir na faculdade e concluir o curso superior, trazendo outra perspectiva para o
ambiente familiar mais próximo, na família paterna, e mesmo na família materna, o ensino
superior não fazia parte das vivências e nem dos sonhos de seus familiares.

113
Cf. MENEZES FILHO; LEE; KOMATSU, 2013; CORROCHANO, 2013; CARMO et al., 2014; Rosileia
NIEROTKA; Joviles TREVISOL, 2016; NONATO, 2018.
185

Voltamos, agora, para a inserção de Caio, que, ao contrário de Letícia, teve um


processo menos conturbado. A inserção de Caio se deu, incialmente, em uma instituição
particular.

Comecei a fazer a faculdade lá [na Faculdade] na Pitágoras. Era [curso de


Tecnologia em] Rede de Computadores. Aí, eu fiz um semestre, mas não
estava gostando, não. Estava indo muito além do que eu gosto de fazer no
computador. Lá estava mexendo com programação, “trem chato pra
danar”, e eu gosto só de desmontar computador, tirar as peças e trocar. Eu
faço manutenção básica e formatação (Caio, 22 anos homem).

A inserção de Caio foi no ano de 2014, no curso de Tecnólogo em Redes, com uma
bolsa do ProUni. Não estando satisfeito com o curso, optou por sair e tentar Enem novamente.
Com uma boa nota, Caio conseguiu passar, na Universidade Federal de Ouro Preto, para o
curso de Educação Física e estava tentando se organizar para ir para outra cidade:

Já estava olhando as moradias lá. Aí, eu falei: “Não posso ficar lá, não”.
Aqui eu já trabalho, minha vida já está sendo montada aqui, aí, eu vou pra
lá sem nada. Não tem família pra me ajudar a me manter lá. “Como é que
eu vou fazer?” Aí, por isso que eu acabei desistindo. Mas, é essa questão da
liberdade do jovem também, se eu fosse um jovem que tem a família que
pudesse me ajudar, aí, eu teria ido pra lá, tranquilamente, teria ido, largado
emprego e tudo pra ir pra lá (Caio, 22 anos, homem).

A fala de Caio deixa claro que a ausência de um suporte (MARTUCCELLI, 2007)


familiar impossibilitou a sua ida para a Universidade Federal de Ouro Preto. Afirmou que, se
o pai estivesse vivo, com certeza, teria ido, pois o pai queria muito que ele estudasse e daria
um jeito de garantir sua vida em Ouro Preto/MG. A impossibilidade de deslocamento
apontada por ele nos remete a refletir que, embora exista a possibilidade de que todos/as os/as
candidatos tenham acesso a cursos de todas as regiões do Brasil, a partir da implementação do
Sisu, na realidade, nem todos/as têm os recursos necessários para se deslocar.
Como menciona Velho (2003), o confronto com a realidade impele o desenvolvimento
de estratégias racionais e, sobretudo, uma capacidade de adaptar-se às circunstâncias. Assim,
face ao contexto, Caio começa a pensar em outras possibilidades de acesso à universidade.
Ainda com a nota do Enem, percebeu que passaria na Instituição Helena Antipoff (atual
Universidade Estadual de Minas Gerais - UEMG), na cidade de Ibirité/MG, na região
metropolitana de Belo Horizonte/MG, também no curso de Educação Física, mas, como só
tinha a motocicleta para se deslocar, ficou receoso de dirigir na estrada, à noite. A partir
dessas dificuldades, Caio optou por alterar as universidades no sistema do Sisu, reforçando as
ponderações de Cláudio Nogueira e Nonato (2017) que citam:
186

Com base na nota de corte e classificação provisória, alterada diariamente no


período em que o sistema está aberto, o estudante pode fazer diferentes
simulações buscando uma maior aproximação entre sua nota e um curso em
que seja realmente possível sua aprovação. Com isso, podemos dizer que o
indivíduo é induzido a adequar sua escolha às condições objetivas de
aprovação (NOGUEIRA; NONATO, 2017).

Ou seja, há uma busca por adequar a nota às possibilidades de inserção, reforçando a


ideia de adaptação e não de escolha, como enfatiza Nonato (2018). Mas, denotamos que o
jovem Caio, novamente, se fez estratégico, pois, de início, havia colocado a UFMG em
segundo lugar e a Instituição Helena Antipoff em primeiro lugar. Ao visualizar que passaria
na primeira opção, colocou a UFMG em primeiro lugar. Aqui vale ressaltar uma estratégia no
sistema do Sisu: a primeira possibilita o direito a concorrer à lista de espera tanto de curso
quanto de instituição, o que, por sua vez, não acontece com a segunda opção. A atitude do
jovem reforça as colocações de Martuccelli e Araujo (2015, p. 1516) que “para ganar en el
juego del mérito no basta con tener más credenciales educativas que otros. Es imperioso tener
las verdaderas buenas credenciales y poder tejer las cosas como se debe. Un juego en donde
prima una evidente asimetría de información”. Articulado à credencial da escolarização, o
jovem também tinha acesso às informações certas para construir sua estratégia. Decorrido o
tempo da primeira chamada, fez sua inscrição para concorrer à lista de espera e foi chamado
na terceira chamada da UFMG.

Nooo! Jamais estava nos meus planos estudar na UFMG. Para começar,
que eu estava no ensino médio, ainda. Eu nem sabia dessa vida, como que
era faculdade, se pagava, não pagava. Eu nem sabia como que entrava na
UFMG, do processo que tinha que fazer, que, agora, passou para o Enem.
Mas eu sou muito grato, porque, tipo assim, abriu as portas para mim e hoje
tudo que eu conquistei foi através daquele pontinho que começou lá na Cruz
Vermelha, quando eu era Jovem Trabalhador. E, por isso, minha gratidão
com relação de ter entrando aqui, na UFMG, e ter começado a trabalhar. E,
agora, estou muito feliz de estar trabalhando aqui e de estar estudando aqui
também (Caio, 22 anos, homem).

Caio deixa claro como era distante para ele pensar numa inserção na universidade e,
especialmente, uma universidade federal. Reforçando que sua trajetória escolar, desde o
ensino médio, trouxe repercussões positivas para sua inserção no ensino superior,
especialmente pelo apoio da madrasta com os estudos e, também, sua inserção na igreja114,

114
Embora não seja foco desta análise, chamamos a atenção do quanto a religião tem repercussões nos modos
de ser dos/as jovens e exerce forte influência nas estratégias destes (BITTAR, 2015). Caio atuava em uma
ação da Igreja Católica da qual fazia parte. A religião atua também como instância de socialização juvenil,
juntamente com a família, escola e o trabalho, pois, como afirma Setton (2008, p. 15/16), é um espaço do
qual se constrói “valores morais e identitários [...], um sistema de disposições orientador de condutas”.
Novaes (2008) cita que a religião “pode ser vista como um dos aspectos que compõem o mosaico da grande
diversidade da juventude brasileira” (NOVAES, 2008, p. 263).
187

que, segundo o jovem, o ajudava a ter compromisso e organização com os estudos, mas, ao
mesmo tempo, mais um aspecto da política do Sisu que pode também possibilitar o sonho
com um curso, ou uma universidade impensada anteriormente (NONATO, 2018).
Questionado sobre a escolha do curso, Caio informou que sempre teve dúvidas entre
Educação Física e cursos relacionados a computadores, mas, devido à sua experiência
negativa no curso de Redes, optou pelo primeiro. Porém, afirmou que não abandonaria o
curso, mesmo se não estivesse gostando:

Se eu falar aqui no meu serviço que eu vou largar a UFMG, o povo dá um


infarto. Que é uma coisa que eu penso: “Será que eu tenho coragem? Eu
não tenho coragem de largar o curso, não”. Porque mais que você fala:
“Será que eu estou gostando do curso, mesmo?”. Falo: “Não”. Mas, não,
gostando ou não eu estou fazendo alguma coisa. É melhor que você ficar na
dúvida e ficar parado, ficar em casa e não estudar, só porque você está na
dúvida. Mesmo na dúvida, o tempo está passando e você está parado (Caio,
22 anos, homem).

No depoimento, Caio deixava claro que o curso de Educação Física ainda não era o
que ele desejava. Tendemos a considerar que o jovem ainda não havia descoberto a carreira
que gostaria de seguir, o que realça o difícil momento de escolhas acerca do ensino superior.
Às vezes, pode se tratar de uma escolha provisória, embora, para jovens pobres, a dimensão
da experimentação nem sempre seja factível.
A partir da trajetória de Caio, visualizamos a falta de espaços e tempos que
possibilitem reflexões sobre escolhas e descobertas de habilidades para jovens de camadas
populares, seja no âmbito familiar, devido à ausência de capital cultural familiar acerca desse
nível de ensino, seja durante o percurso de escolarização, especialmente no ensino médio.
Porém, a partir do campo de possibilidades do jovem, concordamos com Rachel Almeida
(2011) que os/as jovens vivenciam “a dialética entre as oportunidades objetivas e as
esperanças subjetivas, entendendo, grosso modo, que as segundas tendem a se ajustar às
primeiras, isto é, que as aspirações se ajustam às condições e às possibilidades de se verem
concretizadas” (p. 22). Assim, o jovem fez a escolha pelo possível e dar sentido a sua
“escolha” se coloca como um desafio para ele. Cabe salientar que, mesmo não gostando do
curso, ele não o abandonava, como havia feito anteriormente, o que se justifica pela relação
que Caio estabelecia com a UFMG. Para o jovem, mais importante que o curso era estar em
uma universidade pública, pois, para ele, havia sido um sonho realizado e uma surpresa, pois
não se via capaz de passar. Sua ênfase de que nunca pensou em acessar a UFMG foi reflexo
da representação de que a universidade pública não seria para pobres, mesmo com todo o
188

processo de expansão da universidade, como é a percepção, também, de outros/as jovens. Para


Caio, a

universidade, atualmente, é o bem maior que eu tenho. É a faculdade e o


fato de toda a assistência que a UFMG tem e, principalmente, o fato de não
ter que pagar a mensalidade de R$ 1.000,00 [que pagaria em uma faculdade
particular]. Tipo assim, por mais que dê tudo errado, que eu perca a casa,
tenha que morar de aluguel, pelo menos o estudo eu vou continuar
estudando [silêncio]. P: Por que é seu bem maior? A faculdade, tipo assim,
eu não posso pensar que eu não dependo dela, porque ela que vai me dar
um futuro, né? Eu estou com esse trabalho agora, mas não vou ficar aqui a
vida inteira, então, querendo ou não, daqui a uns anos, a faculdade que vai
ser meu ganha-pão. A faculdade é o bem maior, porque, querendo ou não, o
meu trabalho aqui [na UFMG], como eu sou terceirizado, dependendo do
jeito que “tá doido”, aí, os políticos, vai que eles me mandam embora? Eu
posso ser mandado embora hoje, mas eu continuo com a faculdade. Por
isso, tem hora que eu penso que foi melhor a faculdade do que um concurso,
porque, se eu tivesse num concurso, eu não ia estar ganhando tão bem,
sendo só de ensino médio. Vamos supor que, se eu tiver ganhando 3 mil
reais, eu pensaria que estaria bem. Só que trabalhando, ganhando 3 mil
reais, eu não ia conseguir bolsa nas outras faculdades, então, parte desse
dinheiro ia pra faculdade, ia acabar que eu ia ficar com o mesmo tanto que
eu ganho hoje, é, por isso, que eu penso: não tenho que pagar faculdade,
posso perder tudo, mas a faculdade eu não perco (Caio, 22 anos, homem).

Na narrativa, ficava evidente o quanto o ensino superior tinha um valor para Caio,
devido à possibilidade de estar na UFMG. A estabilidade citada, independentemente do curso:
a UFMG representava para Caio este lugar de segurança. Assim, a profissão futura não se
relacionava ao desejado, mas ao possível, tendo em vista que se inseriu naquele curso. A
mudança nem era cogitada pelo jovem, pois a universidade é que se configurava como um
diferencial para ele. Desta maneira, no caso de Caio, a ideia de provisoriedade sobre o curso
parecia ser menos possível. Não porque o jovem tivesse certeza do curso, mas devido à sua
postura estratégica; supomos, assim, que o provisório para ele só se relacionasse ao emprego.
É perceptível como o jovem é estratégico e reflexivo, pois conseguia analisar sobre
seu projeto de vida, explicitando que foi melhor não ter feito concurso, pois, se fosse
aprovado, teria, inicialmente, um salário maior, não ganharia uma bolsa e não teria uma boa
condição. Assim, como afirma Setton (2015), a postura do jovem “não são determinações do
destino tampouco são inatas; parecem estar mais próximas de estratégias ou mesmo ser táticas
de avaliação de um campo de força” (p. 1414). Como Letícia, o jovem trazia elementos sobre
o trabalho na UFMG como um espaço/tempo “de passagem” que potencializava a sua
condição de estudante, mas que não possuía sentido em si mesmo.
Podemos dizer que tanto para Caio quanto para Letícia o acesso à universidade
significava uma conquista importante. Letícia estava no curso desejado e Caio na
189

universidade sonhada, mas ambos vivenciavam os dilemas para a permanência no ensino


superior. Embora tivessem a possibilidade de ainda sonhar com uma profissão futura e com
uma mobilidade social, a forma com que conseguiram se inserir no ensino superior poderia
ser uma barreira para inserções futuras no mundo do trabalho, como veremos.

1.6 Ser trabalhador/a e estudante universitário/a: “excluídos/as do interior” no Ensino


Superior

Então, eu faço as mesmas coisas quase todos os dias. Aí, saio daqui 17
horas, correndo, às vezes, 18h, às vezes, 18h30, às vezes, 19h, né? Às vezes,
eu fico um pouquinho até mais tarde, aí, vai, pega circular para ir para a
PUC, aí, chega, na PUC, é aquela correria para comer rápido, porque não
dá tempo nem da gente comer direito. Andando e comendo! Aí, vai para a
aula, aquela aula de quatro horários. Aí, às vezes, eu estou dormindo na
aula, viu; tem umas aulas que estão difíceis, viu. Tem uma aula específica
que está me matando [risos], porque a professora é muito calma, muito
“zen” e ela vai falando em um ritmo lento e, aí, você vai “caindo[no sono]”,
porque você já está cansada. Aí, eu termino a aula 22h30, eu pego um
ônibus, vou para a estação São Gabriel, chego na estação às 22h50, quase
23h, pego outro ônibus para ir para o bairro e chego em casa 23h40. Aí,
você tem que comer alguma coisa, tem que tomar banho, tem que arrumar
as coisas. Arrumo o lanche para poder trazer no outro dia, material, às
vezes, olhar e-mail, às vezes, fazer uma atividade, às vezes, precisa, vamos
adiantar, fazer atividade, aí, vai dormir 1h da manhã, né?! Uma hora da
manhã, para poder levantar às 6h30. Só que eu não estou conseguindo
levantar, né; estou acordando 7h [risos], mas enfim, a rotina é essa, muito
pesada. Aí, chega no sábado, aula 7h40 da manhã. Aí, saio de casa, às
vezes, antes das 7h, para poder chegar na PUC a tempo, aí, fico até 11h10
da manhã na PUC. Às vezes, vou para a biblioteca fazer algum trabalho,
fazer alguma coisa, quando vou, aí, saio de lá às 2h da tarde. Quando não,
vou para casa, meio-dia estou pegando o ônibus para ir para a casa, aí,
chego mais cedo. Aí, final de semana não dá para fazer nada, porque
sábado, dá 20h30 da noite, você já quer dormir, né?! Aí, você evita de ir em
muitas festas cansativas, essas coisas, porque eu não tenho pique para
poder ir (Letícia, 22 anos, mulher).

A rotina de Letícia é um convite à nossa reflexão sobre ser jovem trabalhador/a e


estudante universitário/a. Como cita Nadir Zago (2006, p. 230), “a categoria ‘estudante’
recobre uma diversidade muito grande de situações”. Se antes existia um “estudante clássico”,
que possuía disponibilidade de tempo para estudar, financiamento familiar, por exemplo,
como mencionam Luiz Britto et al (2008, p. 787), especialmente porque pertencia à elite que
tinha esse nível de ensino, como um “destino ‘naturalmente’ esperado” (Maria NOGUEIRA,
2000, p. 132), o/a novo/a aluno/a amplia a categoria estudante, pois se insere no espaço
acadêmico, exercendo diferentes papéis sociais, dentre eles, o de ser, também, trabalhador/a.
A rotina “pesada” de Letícia, com “tempos contados”, sendo necessário a ela andar e comer,
ao mesmo tempo, para cumprir os compromissos, expressa a realidade de grande parte dos/as
190

estudantes de camadas populares, especialmente do noturno. Trabalhar o dia inteiro e estudar


à noite tende a gerar situações como aquela de dormir nas aulas, relatada pela jovem. Se as
condições de estudo não são as melhores, acirra-se ainda mais com as metodologias das aulas
no ensino superior que nem sempre são construídas pensando no/a estudante que trabalha e,
também, estuda. Sublinhamos, ainda, a falta de tempo para outras vivencias da condição
juvenil. Em pesquisa sobre os sentidos do trabalho para jovens universitários/as, desenvolvida
por Elizabeth Aragão (2008, p. 117), ratifica-se a ausência da dimensão do lazer, pois,
segundo a autora, parece que o lazer “pertence a uma fase da vida que passou”, pois estudos e
trabalhos ocupam todo o tempo. “As festas cansativas” invertem o sentido da realidade, pois
a condição de trabalho e de estudo que acaba por ditar o olhar que se deve ter para outros
elementos da condição de jovem.
O trabalho tanto para Caio quanto para Letícia é condição sine qua non para
continuarem estudando. Consideramos que Caio e Letícia, ora são trabalhadores que estudam,
ora estudantes que trabalham. São estudantes que trabalham, pois, o sentido do trabalho está,
principalmente, na possibilidade de estudar. Ou seja, a permanência de ambos no trabalho se
justifica, pois, do ponto de vista econômico– precisam do trabalho para se manterem como
estudantes– Letícia, com o pagamento parcial da mensalidade e os custos diários, e Caio, com
os custos cotidianos do curso. Outra questão é o lugar de trabalho, pois, para ambos, a UFMG
é um espaço que possibilita a eles conciliarem as circunstâncias, mesmo com todas as nuances
que elas trazem. Mas, ao mesmo tempo, são trabalhadores que estudam, pois não podem optar
por ficar “somente estudando” e, por isso, vivenciam uma relação com o tempo que pode ser
vista “como tempo contado”. Cada minuto do dia do/a jovem Letícia e Caio é controlado para
dar tempo de administrarem suas demandas de trabalhadores e estudantes, articuladas a uma
“cota pesada de desgaste físico aliada à alimentação precária e irregular” (SPOSITO, 1989, p.
29). Assim, consideramos que a trajetória de ambos no ensino superior é marcada pela
ambiguidade.
Trabalhar e ser estudante universitário/a traz diferentes nuances para a relação que os
dois jovens estabelecem com o ensino superior, pois não podem fazer escolhas diversas
acerca do processo formativo de graduandos. Letícia fala um pouco do seu contexto de
trabalhadora estudante:

Aí, passou a era do cursinho e caí na universidade. De novo [risos],


estudando o dia inteiro, estudando, não, trabalhando o dia inteiro e, à noite,
estudando. E, na PUC, ainda tem um agravante, tem aula sábado, que
“mata”. Eu falei assim: “Gente, eu não estou aguentando mais isso” e,
ainda, agora, fazendo estágio. Toda quinta-feira, saio daqui numa correria,
191

na hora que dá dez para as cinco, eu estou indo embora rápido, para chegar
na PUC e fazer o estágio. O estágio é uma hora, do estágio, eu tenho que
correr a PUC quase toda para poder chegar na aula, então, assim, é muito
maçante. Eu acredito que estudar e trabalhar, se você não tiver força de
vontade, você não aguenta, não, você não estuda, você só trabalha, você
segue o fluxo que é imposto né?! Ah, todo mundo trabalha, aí, você vai
trabalhando, você não estuda, você não pensa mais em outra coisa. Tem
outros colegas meus que não formaram, nem terminaram o ensino médio,
estão trabalhando, não fazem nada. Outros já formaram, porque fizeram
tecnólogo, ou alguma coisa né, outros vão formar, outros estão estudando
ainda, então, eu acho que é muito difícil (Letícia, 22 anos, mulher).

No depoimento de Letícia, ficava evidente o impasse: Como trabalhar, estudar e ainda


fazer os estágios da faculdade? Para Letícia, a palavra “correria” descrevia bem a maneira
singular com que conseguia conciliar todas as demandas. Outra questão dizia respeito à
reflexão que fazia de jovens que não estudam e “só trabalham, seguindo o fluxo que é
imposto”. Podemos pensar que esse fluxo faz parte da realidade da maioria dos/as jovens de
camadas populares que não têm condições de estudar, pois precisam trabalhar. A primeira
questão é: quem consegue acessar o ensino superior? Aos/Às que acessam, os cursos são
escolhidos pelos/as jovens, ou os/as jovens é que são escolhidos pelos cursos? Como é a
permanência? A dimensão da força de vontade mencionada por Letícia, muitas vezes, é a
naturalização do sistema meritocrático e desigual em que vivemos. Desta forma, a partir dos
questionamentos, frisamos que, para além do mérito, outros elementos compõem a inserção e
a permanência no ensino superior. Como apontam Martuccelli e Araujo (2015, p. 1512), “los
obstáculos al reconocimiento del mérito producen un fuerte sentimiento de injusticia y
frustración […] la lista de obstáculos al mérito es muy diversa (discriminaciones – de género
o étnicos–, lugares de trabajo bajo la influencia de juegos de poder […]”. Ou seja, embora o
mérito seja relevante, ele não pode ser lido de maneira isolada, especialmente, numa
sociedade desigual.
Em 2012, Letícia havia afirmado que o trabalho não atrapalhava os seus estudos nem
sua relação com sua família (NONATO, 2013). Porém, a leitura que faz recentemente é que
ela não conseguia perceber o quanto o trabalho impossibilitou-lhe ter mais tempo para estudar
e, também, para se relacionar com seus familiares. Mesmo o trabalho, naquela época,
representando um espaço importante de independência e responsabilidade, foi, também, a
partir da reflexão recente, um tempo de restrições. As ponderações de Letícia reforçam a
dimensão da meritocracia, mas, especialmente, a impossibilidade de escolher:

Ah, agora eu não estou gostando muito de trabalhar. Mas, eu gosto de


trabalhar, eu não gosto de ficar em casa, às vezes, sem fazer nada, mas, no
momento, eu estou estudando, é muita coisa, é muito pesado e muito puxado.
192

Estou ficando meio preguiçosa, porque eu estou ficando muito cansada, aí,
você tem aquela rotina que você tem que sair correndo e ir para faculdade,
voltar e não ter tempo para fazer nada na vida Aí, tem estágio e você fica
pensando: “ai, meu Deus, como vou fazer?”. Faço um malabarismo.
Cronômetro... Porque tem que ir para o estágio, não tem como largar o
emprego, eu não tenho renda para pagar a outra metade do curso (Letícia,
22 anos, mulher).

“Fazer malabarismo”, diante das impossibilidades de escolher, é a resposta singular


que a jovem apresentou, diante do desafio da organização do tempo. Ela esclareceu bem que,
apesar de gostar tanto do curso quanto do trabalho, a rotina ficava muito cansativa, o que nos
leva a interpretar a afirmação de que não esteja “gostando muito de trabalhar”, não somente
do ponto de vista dos afetos e preferências, mas, sim, a partir da compreensão de que a falta
de sentido com relação ao trabalho tem correlação com as condições concretas de exaustão,
diante de uma rotina “pesada”.
Caio também informou que trabalhar e estudar é uma rotina muito “pesada”, sendo
complicado não ter acesso a diferentes possibilidades que a UFMG oferecia, o que, em sua
avaliação, afetava a sua qualidade como estudante. Na pesquisa de 2012, ao contrário de
Letícia, Caio já ressaltava o quanto trabalhar e estudar prejudicava seus estudos, pois ficava
muito cansado. Por outro lado, informou que estar trabalhando e estudando dentro da UFMG
era algo que minimizava as dificuldades de conciliação, pois o tempo de deslocamento e a
flexibilidade de poder trabalhar em outro horário, em prol da faculdade, foi possível, a partir
de negociação com o setor de trabalho. Mesmo com esse contexto mais favorável, Caio expôs
as dificuldades de sua vivência como jovem universitário:

[...] e, agora, como eu estou fazendo a graduação, eu estou vendo que é


outro sofrimento que você passa, mas é necessário. Até você conseguir ser
professor, mesmo, você sofre muito. Estou tão morto que tem aulas que
durmo muito. Fico a semana toda aqui na UFMG, vou em casa só para
dormir praticamente. A vida social é só sábado e domingo, o resto da
semana é todo aqui. É um sofrimento, mas é reduzido, porque penso que, se
eu tivesse que sair daqui e ir pra outra faculdade em outro lugar, ia ser um
transtorno muito maior, por causa do trânsito, ia demorar mais, ia ser muito
mais cansativo (Caio, 22 anos, homem).

O sofrimento aparecia, novamente, no depoimento de Caio, o que para ele era um fator
essencial para o aprendizado e para alcançar melhores condições de vida. O jovem trazia a
todo o momento a dimensão do “adiamento das recompensas”, ou seja, era necessário sofrer,
inclusive, na faculdade, como ressaltou acerca do trabalho, para garantir um futuro melhor.
Assim como Letícia, ressaltava que dormia nas aulas, pois estava “morto” (ou seja, exausto),
o que poderia causar a diminuição da qualidade na sua formação. Todavia, ressaltava o quanto
193

era bom trabalhar e estudar no mesmo local, minimizando o tempo de deslocamento,


diferentemente da trajetória de Letícia. Questões relacionadas à flexibilidade dos tempos e ao
incentivo que teria no trabalho, para continuar estudando, também foram pontuadas:

Estou muito feliz de estar lá [no trabalho]. Principalmente, por ser no lugar
que eu estudo. Eu acho que, pelo fato de eu ser aluno, as oportunidades são
maiores. Tipo assim: lá, o povo, eles pensam: “Eu vou dar oportunidade
para ele estudar, deixa ele fazer um horário e pagar depois”, porque eu
tenho que cumprir a carga horária, mas eles me dão a liberdade. Eu tenho
aula à tarde, aí, eu fico devendo horas, aí, sexta-feira, que eu não tenho
[aula], eu venho mais cedo, aí, nisso aí o pessoal me ajuda. Porque eles
também veem que eu estou querendo, é diferente de quando é uma pessoa
que não quer nada. Eu estou querendo alguma coisa para a vida, assim,
então, eu falo: por que atrapalhar?! Isso, principalmente, quando eu passei,
porque, como o curso é diurno, eu trabalhava aqui durante o dia, aí, eu tive
que mudar para a noite, aí, foi o maior apoio do setor, né?, porque, senão,
eu teria que procurar outro emprego, ou, então, desistir da faculdade. Aí, eu
até pensei: “Nossa, mas eu não posso desistir, eu não posso perder”, porque
é igual eu te falei, a faculdade é o meu bem maior que eu tenho ultimamente
(Caio, 22 anos, homem).

Estar dentro da UFMG, mesmo com as limitações, era diferente de estar em outros
espaços de trabalho, pois tanto Caio quanto Letícia conseguiam se organizar para adaptar sua
rotina e ser estudantes que trabalhavam, assim, buscavam ocupar seus tempos em prol das
demandas do ensino superior. Consideramos, ainda, que o fato de Caio trabalhar e estudar na
mesma instituição era um fator- chave para que essa relação se estabelecesse de maneira
menos cansativa. A alteração do seu horário de trabalho, por exemplo, representava uma
adaptação da instituição aos horários do curso do Caio, o que não é algo comum. Cabe
lembrar, também, que, no relato de Caio, foi citado que existiria uma priorização da
faculdade, caso não conseguisse alterar seu horário. O trabalho era, para Caio, o meio para
atingir seu fim, que era sua formação universitária. Caio gostava do trabalho, mas não criava
nenhum vínculo que ultrapasse sua relação com a universidade. O mais importante era a
universidade, ratificando seu lugar de estudante trabalhador.
A díade trabalho e estudos limitava que Caio e Letícia vivenciassem a condição de
jovens universitários, experimentando as diferentes possibilidades que a academia tende a
oferecer.

Vejo o pessoal participando muito dos projetos lá da Educação Física, até


estágio, mesmo, que é bom para formação, aí, nesse ponto, eu vejo que
minha formação acaba que fica meio “embaraçada”. Se for olhar meu
currículo, eu não fiz muita coisa na área. Eu sou disciplinário no meu curso.
Eu só faço matéria. Não tenho tempo de viver o curso, igual meus colegas.
194

Vou para aula e tenho que trabalhar. Igual, tem o projeto115 [Projeto de
Extensão: Programa de Educação Tutoria (PET)] que eu tenho muita
vontade de participar. Eu já pensei em ser integrante, eu sou meio que
integrante, pois eu venho de voluntário e me ajuda, porque eu pego
certificado. Mas, eu tenho vontade de participar mais, mas só que eu não
posso, por causa do trabalho. Para ser integrante, não pode ter outro
vínculo empregatício. Só que, aí, entra minha crítica contra as bolsas116
aqui, que a bolsa é 500 reais, assim, 500 reais pra mim não dá pra fazer
nada, até pra maioria do pessoal também não dá pra eles fazerem nada,
então, eu não posso largar o trabalho pra fazer isso. Aí, essa questão da
liberdade, até poder investir mais no curso, acaba não sobrando muito
tempo para mim fazer outras coisas. Não sei como vai ser, quando eu
formar, sem muitas experiências na área. É bem complicado ser trabalhador
e estudante (Caio, 22 anos, homem).

O relato de Caio ilustrava a realidade, ainda presente, de jovens trabalhadores/as e


estudantes que não podem participar das diferentes ações que ultrapassam o espaço da sala de
aula tradicional, tais como extensão, pesquisa, atividades culturais, pois não têm
disponibilidade de tempo e/ou, mesmo com as possibilidades de bolsa, não podem aderir ao
projeto, devido ao reduzido valor dessa bolsa, ao contrário de jovens de camadas médias que
podem realizar diferentes atividades que estendem, reforçam e ampliam os saberes e saber-
fazer. Podemos renomear a forma como ele se autodenominou “disciplinário” para um
“excluído do interior”, ou seja, a exclusão acontece estando dentro do curso de Educação
Física. (Pierre BOURDIEU; Patrick CHAMPAGNE, 2001). Assim, se, por um lado, o
contexto de ser trabalhador na universidade facilitava sua condição de estudante e permitia
que ele e também a jovem Letícia tivessem experiências que outros/as alunos/as não
possuíam, por outro lado, as restrições de tempo continuavam a impossibilitar que eles
vivenciassem o curso “como seus/as colegas”. Caio ressaltou que ia a alguns eventos
acadêmicos, mas na condição de funcionário. Para ele, era interessante pegar o certificado,
mas não ampliava a sua formação, por não conseguir participar como discente. E, por último,
ele questionou o quanto seria inviável para ele uma bolsa acadêmica que tivesse o valor de
R$400,00, pois precisava do trabalho para sobreviver e esse valor seria insuficiente. Ou seja,
se para alguns/algumas a bolsa é uma possibilidade de vivenciar a Universidade, Caio não se

115
Projeto é um tipo de ação de extensão. A extensão universitária na UFMG é definida como “um processo
interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre
universidade e outros setores da sociedade” (Resolução 03/2016). São cinco os tipos de ações de extensão:
Programas, Projetos, Curso, Evento e Prestação de Serviços.
116
As bolsas acadêmicas podem ser nas três dimensões acadêmicas: Extensão, Pesquisa - Iniciação Científica -
ou Ensino, monitoria, por exemplo. As bolsas, em sua maioria, têm o valor de R$ 400,00. No caso de bolsa
acadêmica ação afirmativa, o valor é de R$ 500,00. O/A discente bolsista atua 12 horas semanais (ensino) ou
20 horas semanais (Extensão e Pesquisa). O/A bolsista não pode ter vínculo empregatício, nem acumular
bolsas.
195

inseria nesse contexto. “É bem complicado ser trabalhador e estudante”, mas Caio buscava
construir estratégias para conseguir, ao menos, cumprir os créditos necessários à sua
formação:

[...] eu estou até assustando, agora, que eu já vou para o 4º período.


Comecei a preocupar, agora, em cumprir os créditos. Nossa, depois que eu
vi a lista lá, eu quase caí para trás [risos], é muita coisa. E, atualmente,
para tentar cumprir os créditos, eu vim, recentemente, no domingo no
câmpus117. E eu já venho também, de vez em quando, eu venho em evento do
PET, que é da Educação Física, que é no sábado, pois, se deixar para o
final do curso, fica muito ruim. E, agora, aproveitando o horário, esse
intervalo dá, que a aula geralmente acaba umas 11h30 e 12h, tem natação
lá na Educação Física, aí, eu consegui me inscrever, também, para ficar de
monitor na natação. Foi legal também, porque eu aprendi nadar lá com a
professora. É legal demais essa coisa de que eu fui aluno e, agora, eu sou
professor (Caio, 22 anos, homem).

O relato de Caio mostrava um pouco de suas estratégias para que conseguisse


vivenciar mais do curso, especialmente, cumprir os créditos. Os tempos possíveis de Caio
eram aos sábados e no intervalo de almoço, ou seja, muito limitado. No depoimento, também
percebemos o deslocamento do papel que Caio vivenciou na instituição, pois era aluno e
passou a desenvolver a função de “professor” (monitor), e o quanto isso era significativo para
ele.
Letícia e Caio descrevem uma rotina “pesada”, de busca de brechas para ampliar suas
formações. Reforçam a tendência de jovens trabalhadores/as fazerem cursos precários, pois
não vivenciam, de maneira ampla, a formação universitária, fragilizando a construção de
redes com os/as colegas e professores/as (MESQUITA, 2010). Quanto às redes, Araujo e
Martuccelli (2015) salientam que estas são uma estratégia importante de mobilidade
individual e coletiva e que se configuram como um dos obstáculos fortes do mérito, sendo
assim, a falta de redes repercute de maneira negativa na formação profissional e nas
possibilidades que terão os/as estudantes. Mesquita (2010) sublinha que o/a trabalhador/a que
também estuda “é duplamente um/a trabalhador/a e o seu trabalho de estudar está incluído na
categoria de sobretrabalho, pois ultrapassa, não raras vezes, a jornada de 44 horas de trabalho
semanal” (p. 83).
Os relatos de Caio e Letícia evidenciavam os desafios para conciliar a relação
universidade e trabalho, especialmente, devido à difícil gestão do tempo, o que é pontuado por

117
O Domingo no câmpus é um evento realizado pela Pró-reitoria de Extensão da UFMG, com a colaboração
da comunidade acadêmica, que abre a Universidade aos domingos (em período parcial), para realizar
atividades recreativas, culturais, de lazer e esporte, reforçando a dimensão pública da universidade.
Disponível em: https://www2.ufmg.br/proex/
196

Araujo e Martuccelli (2012) como uma das maiores provas para a sociedade chilena, tendo em
vista o “trabalho sem-fim”, o qual consome todo o uso do tempo. Mas, mesmo diante das
complexidades da conciliação, consideramos que ambos os jovens, Letícia e Caio, constroem
percursos de individuação pautados nas (re)existências, na autodeterminação e nas estratégias
que “sustentam” os/as jovens, em geral, diante do desafio de serem jovens, trabalhadores/as e
estudantes universitários/as.
O novo perfil de aluno/a que ingressa no ensino superior não apresenta o mesmo
capital cultural que os/a alunos/as filhos/as das elites. Segundo Valéria Belletati (2011), a
dificuldade nos conteúdos é reflexo da formação básica de má qualidade, como já refletimos,
o que faz com que os/as alunos/as do ensino médio público enfrentem maior dificuldade de
adaptação à universidade. Isso porque, “as deficiências não sanadas no ensino médio [ou
desconhecidas, como pontua Letícia] dificilmente serão resolvidas no ensino superior, onde a
abordagem e complexidade dos conteúdos são diferentes” (Erinaldo CARMO et al., 2014, p.
315). Parte-se do pressuposto de que os/as alunos/as têm uma bagagem para aprender
determinados conteúdos, mas essa não é a realidade. Letícia e Caio representam muitos/as
estudantes universitários/as que não conseguem acompanhar o conteúdo do ensino superior,
por isso, grande parte evade, mas eles dois, ao contrário, permanecem. Como aponta Felipe
Tarábola (2015) acerca dos/as jovens que ingressam na USP, se a frequência no cursinho tem
sido fundamental para corrigir determinadas lacunas para acessar o ensino superior, ela não é
suficiente para suplantar as exigências do ensino universitário, como também não o foi para
Letícia. A narrativa de Caio reforçava as explicitações de Letícia, mesmo estando em outra
universidade. Para Caio, “o problema da UFMG é que eles acham que ninguém trabalha”,
reforçando a ideia de um tipo ideal de aluno/a.
Nesse contexto, pesquisadores/as têm evidenciado que, se o Brasil não construir
políticas de permanência eficazes que levem em consideração o contexto de escolarização
pregresso dos novos sujeitos, o ensino superior se manterá, também, como um mecanismo de
reprodução das desigualdades (SANTOS; GENTIL, 2016), uma vez que a universidade abrirá
as possibilidades de entrada, mas não adequará o currículo, produzindo cada vez mais
“excluídos do interior”. Desta maneira, como cita Mesquita (2010),

Um ensino “adequado às condições do educando” é um sarcasmo petrificado


nas políticas neoliberais que difundem a falsa ideia de assistencialismo e
igualdade. Se estes educandos são diferentes, pois constituem a categoria
trabalhador/estudante, que difere da categoria estudante, necessitam de uma
política pública diferenciada, que lhes ofereça condições concretas de
receber no mínimo a mesma formação dos que têm todo o tempo necessário
197

para o estudo. Não se trata aqui de um ensino adequado, mas de uma política
de qualidade, que respeite sua condição de trabalhador/estudante do período
noturno (MESQUITA, 2010, p. 78).

Concordamos com a contribuição da autora e, como ela mesma ressalta, não se trata de
aligeirar o curso, ou de oferecer algo de menor qualidade, mas, sim, de ampliar o tempo
destinado à formação. Mesquita (2010) ressalta a importância da construção de currículos
“vivos” que dialoguem com as realidades e com as subjetividades dos/as novos/as
ingressantes, o que pode contribuir para que os/as graduandos/as se sintam pertencentes à
universidade e, especialmente, consigam permanecer nela. Igualmente, para os/as jovens
estudantes que já ingressaram, a autora sugere políticas de permanência, as quais devam
abranger assistência do ponto de vista econômico, acadêmico, como aqueles relacionados às
dimensões do currículo– tais como monitorias–, além do apoio psicológico, podem contribuir
para diminuir as distâncias.
As “cartas dadas” antes da chegada dos/as jovens no ensino superior contribuem para
reforçar que eles/as sejam “excluídos/as do interior” nos cursos, pois vivenciam
cotidianamente processos de exclusão visíveis e invisíveis. Ressurge a questão: como ser
pobre, trabalhador/a e cursar o ensino superior? Trata-se de uma formação universitária,
contemplando o mínimo necessário para se ter um diploma e buscar uma inserção no
mercado, a qual contemple o exercício profissional concernente com a área de formação. Caio
e Letícia estão se formando para ocupar quais espaços? Uma futura Psicóloga e um futuro
Educador Físico e/ou professor de Educação Física, com restritas experiências formativas e
escassos contatos, tendem a encontrar espaços limitados e/ ou precários de atuação
profissional. Não obstante, reforçamos que ambos representam uma exceção à regra, pois
“quebraram barreiras” e estão cursando o ensino superior. Ademais, são jovens que
(re)elaboraram estratégias e percursos, enfrentado a precariedade, a partir de novas formas de
(re)existir. A permanência de ambos na universidade significava cotidianamente “quebrar a
‘regra do jogo’”, pois o contexto desconhecido por eles foi sendo desvendado no processo:

No início, eu tive um pouco de decepção, porque eu também pensava outra


coisa: “Nossa, faculdade é isso: você vai ter acesso a um monte de coisa”, e
não é assim; também, eu que vim de um lugar humilde, as coisas também
continuam difíceis para mim. Um monte de que, assim, “eu não sabia
disso”, aí, tem que correr atrás pra aprender. Aí, às vezes, só porque você
não tem um nome, você não tem privilégio em algumas coisas... Porque
também tem disso em universidade particular, não é só em pública, não,
porque o pai, às vezes, é professor, aí, te indica para umas coisas, né, os
meus pais não são professores, eu não tenho acesso a ninguém da
universidade, eu não conheço ninguém, então, eu que tenho que dar a cara a
tapa, então, assim [...] (Letícia, 22 anos, mulher).
198

“Dar a cara a tapa” pareceu ser uma expressão que representou, em grande medida,
as vivências de Caio e de Letícia como um/a estudante universitário/a, uma vez que, a
inserção, as “escolhas” das universidades e do curso, o processo de aprendizagem, a
participação em processos formativos foram difíceis para ele/a, pois, a todo momento, existia
um “campo de possibilidade real”, o qual “ditava as regras”.
Por último, diante do contexto exposto, é importante citar que as vivências como
jovens universitários/as extrapolam os muros da universidade, tendo, inclusive, repercussão
nas vivências cotidianas desses/as jovens. Letícia, por exemplo, mencionava como a relação
com a universidade teve impacto na sua vida social, pois

o namoro fica prejudicado, né?! Eu já tive até brigas por causa disso,
porque eu estava muito focada só na universidade, porque era tudo muito
novo para mim, né? e então, você foca no negócio. Aí, ele me cobrou mais
atenção. Mas, eu também pedi para que ele fosse mais compreensivo,
porque não é fácil universidade, não é ensino médio, não é ensino
fundamental, é diferente. Mas, eu fico tentando meio que equilibrar, porque,
também, se eu focar muito em uma coisa, você acaba prejudicando outras
da sua vida. Você deixa de sair muito com amigos. E, quando é dia de
semana de prova, eu tenho um exercício avaliativo, ou trabalho, nossa, nem
me fale de sair, que eu não saio de jeito nenhum, não saio para nada. Os
meninos ficam até falando que eu sou meio neurótica, mas eu acho que eu
sou mesmo, mas é porque, para mim, as coisas não foram fáceis, então, eu
tento me esforçar ao máximo, porque eu custei a chegar ali, então, assim, eu
não vou “fazer por fazer”, não é isso que eu quero, né? É a minha vida
profissional, meu futuro: fazer um curso deficiente, eu não quero isso para a
minha vida. Eu quero ser uma profissional competente no que eu faço,
então, eu me dedico muito no curso. Eu estou cheia de olheira, eu estou
horrorosa, porque não dá tempo nem de fazer unha, não dá tempo nem de
fazer nada, não dá, mas eu sei que eu vou ter recompensa nesse curso no
futuro. E eu acredito que você se abdicar cinco anos da sua vida em uma
universidade, ninguém morre por causa disso. Então, eu não sei se, acho
que não custa nada, são só cinco anos e eu acredito que ninguém morre por
causa disso, de abdicar esse tempinho da sua vida e eu acho que a
recompensa, depois, vai ser muito maior, muito maior do que festas, do que
essas coisas... Mas é difícil viu, sair. Eu aproveito qualquer tempo livre para
estudar. Não está fácil, não (Letícia, 22 anos, mulher).

Inferimos que priorizar os estudos não era uma escolha por não estar com o namorado,
ou com os/as amigos/as, mas uma forma de tentar sanar as lacunas tanto do ensino médio
quanto da própria formação que estava em andamento. A leitura que Letícia fazia do seu
tempo como universitária estava intimamente relacionada a todo o contexto de inserção e de
dificuldades que ela vinha vivenciando na vida acadêmica. Consideramos que, para Letícia,
sua vida fosse uma coisa e a universidade fosse outra. Para ela, era necessário “abdicar” de
viver para ser graduanda, “abrindo mão” de outros elementos da sua condição juvenil, para ter
uma recompensa no futuro. A narrativa da jovem mostrava como o tempo livre não
199

significava um tempo liberado de coerções dos tempos vividos, pois afirma Martuccelli
(2012, p. 181) “esse tempo liberado é progressivamente organizado por novas regulações
sociais deixando de ser tempo livre”. A jovem citava, ainda, que estava

cheia de olheira. Olha que isso não me incomodava, antes, não, sabe, eu
não ligava para isso, não, mas agora eu fico um pouco incomodada. Eu não
tenho tempo, olha aqui [mostra a unha], eu não faço unha, não, eu não faço
mais unha direito, quando eu faço, é um milagre, porque eu não estou tendo
tempo pra isso, aí, depois que começou a surgir as olheiras, eu fiquei muito
incomodada. Não dá para ser mulher- maravilha, não dá, a gente tenta ser,
mas não dá. É muito difícil a gente fazer cinco, seis coisas ao mesmo tempo,
é muito difícil. Ou eu faço um exercício, ou eu saio com meu namorado, ou
eu faço unha, ou eu saio com as minhas amigas, ou eu leio o livro, ou eu
faço unha, ou eu durmo melhor. Então, eu estou priorizando outras coisas,
quando dá para fazer, eu faço, quando não dá, eu não faço mais, não. Só o
que me incomoda é essa bendita olheira, eu não estou aguentando mais isso,
porque você olha e fala: “Poxa, meu rosto: que trem preto, trem fundo”
(Letícia, 22 anos, mulher).

A narrativa da Letícia ampliava a categoria estudante que já mencionamos. O recorte


de gênero era mais um elemento que complexificava a análise sobre o que fosse ser jovem,
universitária, trabalhadora e mulher. Letícia citava diferentes elementos que poderiam fazer
parte ou não da vida de uma mulher, mas que, para ela, eram menos importantes, até a
“chegada das ‘olheiras’”, as quais configuravam uma expressão facial de “sobrecarga”. A
expressão “não dá para ser mulher- maravilha” fez-se uma boa metáfora para questionarmos
o quanto as mulheres são “cobradas” – e se cobram – a terem múltiplas atividades,
trabalharem em casa e fora de casa, serem estudantes e, concomitantemente, estarem
adaptadas a um padrão de beleza imposto cultural e socialmente. Letícia precisava fazer
escolhas do campo da vaidade, da relação com o namorado e da sua vida de estudante. A
jovem demonstrava como era difícil lidar com este contexto e com o quase inevitável
sentimento de culpa, por não “dar conta de tudo” – como se ela o tivesse que fazer.
Caio, por sua vez, não ressaltou nenhum aspecto relacionado a ser jovem, homem e
trabalhador, e, além disso, pareceu encarar a vida de graduando de outra forma. Aos finais de
semana, ele não conseguia “pegar nos livros para estudar”, pois estava muito cansado, mas
também, porque ele tinha

um grupo que está mais presente, assim, de amigos. Então, a gente sempre
sai. Direto a gente saia, à noite, aí. Porque eu tenho um colega que canta,
então, direto a gente vai, porque ele canta nos barzinhos, aí, direto a gente
vai nos barzinhos que ele está cantando. P: E esses amigos você conheceu
aqui? Não, eles são amigos da igreja, mesmo. Lá da minha comunidade.
Aqui não tenho muitas amizades, porque não tenho tempo, mesmo. Aí, a
gente se conheceu lá e ficou um grupo mais unido aí. Aí, sai mais é esse
grupo mesmo [silêncio] (Caio, 22 anos, homem).
200

Caio mencionou que sempre saía com esse grupo de amigos/as e que, aos finais de
semana, priorizava se divertir um pouco, pois ficava muito tempo na universidade. É
interessante enfatizar que Caio não tinha uma relação de amizade com os/as colegas de curso,
pois, como citou, não tinha tempo para estar com eles/as.
Diversos fatores compõem as diferentes relações que Caio e Letícia estabeleceram
com a universidade, seja pela forma de inserção de ambos – uma gratuita e a outra
parcialmente paga –, seja pelo fato de Caio estudar e trabalhar na mesma instituição, seja
pelas peculiaridades da personalidade de cada um.
O contexto analisado deixa claro como o trabalho marcava e precarizava as
experiências do Caio e da Letícia como jovens estudantes universitários, mas, ao mesmo
tempo, potencializava outras experiências, pois ambos trabalhavam em uma universidade. O
trabalho marcava, pois trabalhavam para estudar. A vivência de ambos no trabalho possuía
um sentido estratégico, pela continuidade dos estudos. O fato de trabalharem na UFMG, era
relevante, pois esta universidade se configurava como um espaço possível de estudar tanto
pela existência de flexibilidade de horários quanto pela possibilidade de se estudar no horário
de trabalho, embora o tempo longo de trabalho limitasse as condições de participarem das
atividades formativas que extrapolassem a sala de aula.
Outra questão importante se referia às dificuldades que ambos ressaltaram ter com o
conteúdo, especialmente marcada pela precariedade do ensino médio que cursaram. Letícia
lidava com essa lacuna “correndo atrás”. Ela pesquisava, estudava aos fins de semana,
“abdicava da vida” em prol da universidade. Caio, porém, assumia suas dificuldades, mas
ressaltava que não estudava aos fins de semana, pois ficava muito cansado e priorizava, assim,
se divertir. Podemos dizer que Letícia naturalizava mais o “ofício de aluno” (ARROYO,
2000), enquanto Caio lidava estrategicamente com este papel, por exemplo, quando ia
trabalhar na UFMG e pegava certificados de diversos eventos. Todavia, as escolhas
individuais, que potencializavam a vivência ou não da condição juvenil, tiveram origem no
percurso de inserção e no percurso familiar de cada um, o que para Letícia era mais limitado.
O fato de pagar 50% da faculdade resultava em que Letícia cobrasse de si mesma ser o “tipo
ideal de aluna”, pois, caso contrário, teria que pagar uma dada disciplina acadêmica
novamente, quiçá mais de uma. Além disso, a bolsa do ProUni também era vinculada ao
mérito acadêmico, ou seja, ser reprovada poderia significar a perda da bolsa. Citamos, ainda,
as dificuldades de cada curso e a maneira como ambos lidavam com tais dificuldades.
Com relação ao âmbito familiar, cabe lembrar que ambos os jovens informaram pouco
acerca da rotina que possuíam em casa, pois reforçavam que “viviam no trabalho e na
201

universidade”. Letícia mencionou que tendia a ser liberada pela mãe do trabalho doméstico,
pois todos na casa viam que ela não tinha tempo, como também visto por Sposito (1989). Essa
“liberação” representava mais uma forma de suporte familiar. Já Caio, por morar com o
irmão, informou que eles mesmos davam conta do trabalho, mas mais aos fins de semana, o
que segundo ele não atrapalhava seu lazer e encontro com os/as amigos/as.
Por fim, a partir do contexto, consideramos que Caio e Letícia haviam sido produzidos
como “excluídos do interior” nos seus cursos superiores, mesmo apresentando resistências e
estratégias variadas para não serem outsiders.

1.7 Entre fazer o que gosta e gostar do que faz118: trabalhar para poder estudar

A partir das reflexões que realizamos até o momento, sobre os percursos de Letícia e
de Caio, especialmente, no que diz respeito aos processos de escolarização e de trabalho,
podemos afirmar que este ocupava um lugar central na vida de ambos, o que se confirmava,
por exemplo, no relato da fase de desemprego vivenciada por Letícia, a qual foi de sofrimento
e na qual ela se sentiu inútil, tendo pensado que “não seria nada na vida”. A jovem
mencionou:

[...] trabalho é vida. Eu não consigo me imaginar sem trabalhar, sem fazer
nada. Não que eu ache ruim uma pessoa que não trabalhe, ou critique ela
por isso, mas eu acho que, para mim, é muito importante. Você fazer uma
coisa que você goste, eu acho que é vida, o que te move, não sei. Você
acorda cedo, faz um monte de coisa e planeja; eu não penso minha vida sem
trabalhar, não, e eu comecei muito cedo, também.... Mas, de vez em quando,
é bom tirar umas férias... Mas eu não me vejo sem trabalhar, não, para mim
é minha vida (Letícia, 22 anos, mulher).

A experiência negativa com o momento do desemprego estava totalmente articulada à


centralidade que o trabalho tinha na vida da jovem. Como veremos na cena do jovem Breno,
ele possuía uma relação com o desemprego diferente daquela estabelecida por Letícia. Caio,
por sua vez, embora não tivesse vivenciado momento de desemprego, trazia em sua narrativa
marcas da centralidade do trabalho:

[...] realmente eu fico incomodado com essa questão [da rotina], até com a
faculdade, mesmo, que, aí, eu fico nessa rotina de UFMG, segunda a sexta.
Aí, tem vez que eu trabalho mais no sábado, aí, tem vez que venho domingo
no câmpus. Mas, a questão que me incomoda mais é a rotina de trabalhar,
mas, ao mesmo tempo, eu já não consigo ficar sem ela. É muito estranho. E
uma coisa também que eu penso nessa questão da rotina é porque, tipo
assim, como eu trabalho, tem vez que eu trabalho no final de semana, Aí,
ganhava as folga, era estranho não ir trabalhar, estar lá, no bairro, lá,

118
Cf. Jeolás, LIMA (2002); TARTUCE (2010).
202

durante a semana. E, agora, eu me vejo preso na rotina, porque quando eu


estou à toa, sem trabalhar, e não tem nada pra fazer, igual... É um feriado,
tipo no meio da semana ou no final, tipo sexta-feira, ou segunda-feira, aí, eu
estou em casa lá, falo: “Nooo, tem nada pra fazer”. É até estranho (Caio,
22 anos, homem).

Na fala de Caio, percebemos o quanto o trabalho compunha a rotina do jovem. A


ausência do trabalho – seja no caso de ter uma folga, seja na possibilidade de não ir trabalhar
– representava “algo estranho” para ele. A expressão “eu me vejo preso na rotina” era uma
marca da importância do trabalho na vida de Caio. As narrativas sustentavam ainda mais as
ponderações de Suzana Albornoz (1986), ao citar que o “indivíduo moderno encontra
dificuldade em dar sentido à sua vida se não for pelo trabalho” (p. 23), pois, para ambos os
sujeitos da pesquisa, por exemplo, o trabalho era essencial e inerente as suas vivências. Cabe
ressaltar que a importância podia se estabelecer a partir de diferentes sentidos. Assim, se, para
Letícia, o sentido referia-se mais intensamente à dimensão da aprendizagem, para Caio, se
fazia necessário trabalhar para sobreviver, pois ele não possuía suporte financeiro por parte da
família, como citou:

É desafiador, porque eu não posso me dar ao luxo de ficar sem trabalhar.


Então, querendo ou não, por mais que seja bom, ou seja ruim, eu tenho que
trabalhar. E o que é desafiador é isso: não ter essa liberdade de escolher,
falar “Ah... Não vou trabalhar, não preciso disso, não”, sendo que eu
dependo disso. Nossa, se eu perder meu emprego, vou “ficar doido”, que é
tanta coisa que eu conquistei com o trabalho, que, tipo assim, eu posso até
perder, mas eu não posso ficar sem, posso perder aqui [na UFMG], mas vou
ter que arrumar outro. Hein, mais, aí, é o que eu falei, perco trabalho, mas
não perco a faculdade. Eu vou ter que caçar um estágio pra fazer, vou
ganhar menos, vou ter que aprender a viver com aquilo até formar e
conseguir uma coisa melhor (Caio, 22 anos, homem).

A perspectiva, seja da necessidade do trabalho, seja da ausência de escolha sobre


trabalhar, ou não, era algo concreto na vivência de Caio. A forma com que ele lidava com o
trabalho estava diretamente relacionada a um dos sentidos do ato de trabalhar para ele, que,
desde sua inserção como jovem trabalhador, se relacionava à necessidade de sobrevivência,
em razão da ausência da base familiar, a qual, anteriormente, dava apoio a ele. Letícia, por
outro lado, também tinha o trabalho como necessário, dadas as condições objetivas de vida,
mas a falta dele não produziria repercussões em sua sobrevivência, pois tinha o suporte
familiar, porém, poderia interferir na continuidade de sua vida acadêmica.
Tendo em comum o sentido da necessidade, outros elementos merecem ser
problematizados, para ampliarmos o sentido do trabalho para eles, Letícia e Caio. Embora o
jovem citasse que não podia escolher sair do trabalho, ele explicitava que “perde o trabalho,
203

mas não perde a faculdade”, ou seja, a universidade era mais importante para Caio que o
trabalho. Explicitou que, se fosse necessário, ganharia menos, até conseguir formar, ou seja,
mais uma vez, a prioridade era dada àuniversidade. A fala de Letícia acerca do olhar dela
sobre o trabalho dialogava com a visão de Caio:

Para mim, um emprego “bacana” é, por exemplo, aqui [na UFMG], eu


acredito que o meu emprego seja “bacana”, porque eu tenho a
possibilidade de poder estudar, de ser incentivada a fazer um monte de
coisa, eles me incentivam, o tempo todo, a fazer um monte de coisa. Não
desmerecendo quem trabalha com outra coisa, mas eu tenho alguns colegas
do ensino médio que hoje não têm um emprego, que não conseguem estudar.
Eles trabalham o dia inteiro em um supermercado, não têm a possibilidade
de ganhar um salário que pode, às vezes, fazer faculdade particular e pagar
o curso, não têm condições. Eu encontrei até com uma colega, mesmo,
semana passada, do ensino médio, e ela falou que não tinha o dinheiro para
poder pagar a faculdade, trabalhava o dia inteiro em um frigorifico, sabe?
E eu fiquei falando: “Poxa, e a gente reclama da vida o tempo todo, e eu
com um emprego, assim, bom”. Claro, não é o melhor emprego do mundo,
mas é um emprego bom, porque eu consigo estudar. Não sei se estou errada,
também, de falar que o meu emprego é “bacana”, mas, para mim, é
“bacana” neste sentido, de proporcionar coisas, né? Eu poder conseguir
pagar a minha universidade, metade do curso, conseguir estudar, ter
incentivo de pessoas “bacanas” no meu lado, falando: “Faz isso, faz
aquilo”. E esses colegas meus não têm esses incentivos, aí, eu falo, todas as
vezes que a gente se encontra: “ó, gente, estuda, faz isso, faz aquilo”. “Ah,
Letícia, mas eu não tenho dinheiro para isso, não tenho tempo para isso”.
Aí, eu fico pensando, sabe, poxa, é assim, daquele grupo de 30, sai dois. O
resto, todo mundo fica do mesmo jeito, não sai daquela vida e, não sei,
assim, não tem, é o governo que não incentiva, é, às vezes, a família que não
incentiva, é a própria pessoa que, às vezes, não tem interesse em mudança,
mas eu acho que emprego “bacana” para mim é isso, de ter a possibilidade
de me dar alguns privilégios em algumas coisas. Eles dão uma atenção,
assim, a mais para os meus estudos [...] (Letícia, 22 anos, mulher).

O “trabalho bacana” para Letícia contemplava alguns elementos que eram


considerados essenciais para ela: ter incentivos diversos; poder estudar, mesmo no local de
trabalho; conhecer pessoas e ter flexibilidade de horário. Ou seja, era um emprego que
possibilitava a ela ter acessos que os/as demais colegas, do período da CVB, não tinham.
Diante do exposto, é interessante apontar que, embora o trabalho tivesse centralidade
nas vidas de Letícia e de Caio, em nenhum momento, eles abordaram a questão dos direitos
do/no trabalho, ou algo sobre a terceirização. Mesmo em um contexto de ampliação do
desemprego, baixa formalização dos vínculos ea existência de trabalhos precários, Letícia e
Caio não mencionaram nenhum elemento desses. Tendemos a considerar que eles não
refletiam sobre essas questões, pois, diante de cenários tão precários que conheciam e
vivenciavam com amigos/as e familiares, o espaço de trabalho na UFMG, mesmo numa
lógica também de precariedade, era relativamente distante do que considerariam como
204

precário. Além disso, consideramos que, devido às estratégias para “trabalhar para estudar”,
eles não se colocavam tais questões, pois o trabalho na UFMG tinha possibilitado a eles tal
conciliação – trabalhar e estudar concomitantemente –, mesmo com as dificuldades que
enfrentavam.
Ademais, os relatos tanto de Letícia como de Caio tinham em comum a centralidade
dos estudos. Para ambos, os estudos estavam em primeiro lugar, estudar era a prioridade. Se
tiver que escolher entre trabalhar e estudar, Caio escolheria “seu bem maior”que era a
faculdade. Letícia, por sua vez, também dava sentido para o trabalho, a partir dos estudos, ou
seja, o “trabalho bacana” era aquele que possibilitava estudar. Para Letícia, o trabalho era,
especialmente, a possibilidade de poder pagar a metade de seu curso, mas também um
espaço/tempo possível para estudar. Assim, o trabalho na UFMG só tinha sentido para esses
dois jovens, enquanto estivessem estudando, como relataram:

eu estou planejando, assim, eu vou fazer tudo que for possível para eu
continuar trabalhando aqui, na UFMG, até eu formar. Eu já estou aqui, se
eu for sair, vai ser empresa, aí, lá não vai ter as coisas, pelo menos, aqui,
eles deixam a gente estudar. Igual, eu venho nesse domingo no câmpus,
então, eu vejo com minha chefe, já me colocou na equipe e, agora, todo
Domingo no Câmpus você tem que vir, mas, aí, ela me ajuda que ela me dá
certificado de participação. Nessa questão de estudos, a UFMG ajuda, por
isso que eu pretendo me manter aqui, até eu terminar a graduação. Se for
para uma empresa fora, eles não vão estar nem aí, não: “você está
formando em Educação Física, não é pra trabalhar pra mim”, então, eles
“nem vão ligar”. Aqui, eles preocupam mesmo, até o próprio setor, o chefe
fica incentivando a fazer concurso, a estudar, aí, isso é legal e o chefe aqui é
bem tranquilo, a diretora também, tranquila (Caio, 22 anos, homem).

Hoje eu estou feliz com o que eu faço aqui, mas não é o que eu quero para a
minha vida. Esse trabalho é um trampolim para mim. Preciso muito, para
ter acesso aos estudos. Você tem acesso a um monte de coisa, você tem
acesso a coisas dasinstituições de pesquisa, um monte de coisa, né?! A gente
tem acesso a muitos líderes, um monte de coisa, né, mas não é uma coisa
que me preenche completamente. O que eu quero fazer na Psicologia, não
sei se vai ser “clinicar”, não sei para que lado eu vou na Psicologia. Estou
gostando de tudo, está difícil escolher, mas eu acredito que o emprego daqui
está sendo muito importante para isso: para poder me ajudar a pagar, para
ter algumas coisas também, não só pagando a universidade, mas ter coisas
materiais também, mas não é o que me satisfaz, assim, por completo. Eu
acredito que eu vá ficar aqui só até depois que eu formar, que eu acredito
que, se eu encontrar um emprego, eu acho que, nem que seja um estágio,
alguma coisa, eu acredito que eu vou sair daqui. Não acredito que vou
durar muito tempo, não, mas está sendo válido a experiência que eu estou
tendo aqui, mas, eu quero ir para a Psicologia, fazer outras coisas. Meu
projeto de futuro é outro, não é aqui, acredito que é outra coisa, mas, aí,
vamos esperar né, está faltando mais três anos, né, vamos esperar mais um
pouco, né (Letícia, 22 anos, mulher).

É possível denotar que, para ambos, o trabalho na UFMG era um espaço/tempo no


205

qual aprenderam a gostar do que faziam. Letícia afirmava que o trabalho na UFMG era “um
trampolim” e Caio registrava que ficaria na UFMG até se formar, pois “pelo menos aqui eles
deixam a gente estudar”. Ficava evidente que a experiência de trabalho lá era vista de forma
positiva, mas ambos buscavam experiências em que “farão o que gostam”, de fato. As falas
expressavam, ainda, que não se viam como profissionais e que não criaram identidade
profissional com a atividade que desenvolviam na UFMG. Para eles, o espaço era um meio
para atingir um objetivo maior que era a formação no ensino superior e, assim, terem,
posteriormente, uma profissão com que se identificariam.
Trabalhar para estudar e ser trabalhador/a que estuda, como afirmam Alvaro Comin e
Rogério Barbosa (2011) eram faces da ambígua relação que Letícia e Caio desenvolveram
com o trabalho. Ainda que não estivessem no trabalho ideal, pois

[...] falar em trabalho ideal hoje, portanto, representa, para a maioria dos
jovens, o desejo de estar empregado, ou pelo menos, trabalhando. Segundo
eles, o ideal seria unir o útil ao agradável, ou seja, trabalhar naquilo que se
gosta. No entanto, se o jovem não pode escolher “fazer o que gosta”, ele tem
que aprender a “gostar do que faz” (JEOLÁS; LIMA, 2002, p. 59).

Consideramos que Letícia e Caio aprenderam a gostar do que faziam, especialmente


porque conseguiram (re)significar a condição de “trabalhadores que estudam” para
“estudantes que trabalham”. Enfrentaram o desafio e o esforço de serem jovens estudantes
trabalhadores, pois acreditaram que o prolongamento da escolaridade era uma possibilidade
para alcançarem inserção no mercado de trabalho, sobretudo numa ocupação que os realizasse
e, especialmente, promovesse a mobilidade social. Como já ressaltamos, o diploma do ensino
superior, mesmo agregando capital simbólico, não é um “passaporte para o mercado de
trabalho”, pois cada vez mais tem havido um “desajuste” entre a oferta de trabalho e o nível
de estudo e/ou profissão de formação119. Bourdieu (2007) chama a atenção, a partir do
contexto francês, mas que, nesta análise, cabe ao Brasil: as “vãs promessas” do sistema
escolar e social geram uma “geração enganada”, pois a escola e/ou continuidade escolar não
pode(m) garantir mobilidade social, especialmente com o processo de massificação que causa
desvalorização dos títulos (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2001), o que era a expectativa dos
jovens participantes da pesquisa. Assim, como salienta Comin e Barbosa (2011),

é decisivo que o Estado brasileiro (sob as diversas formas em que ele se


materializa e atua) seja capaz de garantir, o quanto antes, que o “produto”
[escolarização] que estes indivíduos estão adquirindo no mercado tenha, pelo

119
Cf.: SPOSITO, 1989; LETELIER, 1999; MESQUITA, 2010; POCHMANN, 2004; SENNETT, 2006;
ALVES, 2007; SILVA, 2014; MANZANO; CALDEIRA, 2018.
206

menos, as características que suas embalagens prometem. Além de fazer


valer o direito do consumidor, estaríamos ampliando o leque de
possibilidades das políticas de desenvolvimento (COMIN; BARBOSA,
2011, p. 95).

Porém, mesmo cientes de que a escolarização não garantiria inserção no mercado de


trabalho, estar num nível de ensino, em instituições consideradas de qualidade– PUC e
UFMG –, o que ainda se constitui/constituía uma barreira para a maioria dos/as jovens, era
um privilégio, pois agregava capital cultural e poderia, futuramente, agregar capital
econômico. E depois, não se pode desconsiderar os benefícios sociais e individuais de uma
formação mais longa. É inegável que o prolongamento escolar pode proporcionar avanços no
que tange à melhoria na qualidade de vida para o sujeito e para a sociedade como um todo
(NONATO, 2018).
Ao final da cena de Letícia e Caio, é possível observar as diferenças quanto aos
sentidos do trabalho, experiência do/no trabalho e da/na esfera familiar. Contudo,
consideramos que muitos fatores se assemelhavam e contribuíam para os processos de
(re)inserção do/a jovem tanto no mercado de trabalho quanto no ensino superior. As famílias
de ambos foram suportes (MARTUCCELLI, 2007) para que eles pudessem sonhar e buscar o
ensino superior. Desde a educação básica, foram incentivados a estudar e o discurso da
“educação como possibilidade de mobilidade social” sempre fez parte da vida deles. No
percurso de vida, os/as jovens voltaram a trabalhar na UFMG, devido ao mérito e aos contatos
que construíram, embora de forma diferentes. Os laços fracos (GRANOVETTER, 1974)
potencializavam a volta deles para o trabalho na UFMG. Os/As jovens avaliaram o trabalho
de maneira positiva, especialmente devido à possibilidade de conciliar trabalho e estudos,
embora ressaltassem elementos complexos dessa conciliação. Letícia e Caio construíram
estratégias variadas, para conseguirem conciliar trabalho e formação acadêmica, embora não
tenham conseguido vivenciar a “vida universitária” como gostariam. Os estudos tinham
centralidade na vida de ambos e o trabalho era um meio para terminarem a faculdade. Embora
tenham aprendido a gostar do trabalho, não se viam no mesmo local laboral, após o término
do ensino superior. Não questionaram, em suas falas, a lógica da terceirização. Tendemos a
considerar que se tratava da diferença entre ser terceirizado na UFMG e em outro local. Pode
ser também, porque eles conheciam amigos e familiares que estavam imersos em trabalhos
ainda mais precários e não se viam nesta situação. Por fim, apontamos que os jovens
vivenciavam a ambiguidade (CHAUÍ, 1986) entre ser estudante trabalhador e trabalhador
estudante, construindo respostas singulares diante dessa díade.
207

2 CENA 2 – Sérgio, o jovem concurseiro120: estudar para trabalhar

Nesta cena, refletiremos sobre a constituição do jovem Sérgio como concurseiro,


mediante sua busca por inserção no mercado de trabalho. “Estudar para trabalhar” era a saída
que o jovem encontrava, em meio ao desemprego forçado. Ele reelaborava suas estratégias de
inserção, tendo em vista que, mesmo formado no ensino médio e com um curso técnico, o
qual julgava que seria uma “porta de entrada para o mercado de trabalho”, o jovem
continuava na “fila por emprego”. A trajetória do Sérgio, mesmo que atravessada por tensões,
possibilita(va) falarmos em um tipo de moratória para jovens pobres, mas limitada, pois
implica(va) um tipo de trabalho, o de estudar para concursos. Na tirinha121, busca-se retratar
um pouco da rotina da vida de concurseiro, explicitada pelo jovem. A resposta singular que o
jovem construía acerca do desemprego permitia questionar categorias construídas para
nomear jovens que não estão na escola e não estão no mercado de trabalho.

2.1 “Minha família minha base”: o contexto familiar

A trajetória do jovem Sérgio era marcada pelo envolvimento com os estudos,


especificamente, com os estudos para a aprovação em um concurso público. O jovem
destoava de todos/as os/as outros/as respondentes do questionário, bem como dos/as outros/as
entrevistados/as, pois era o único que vivenciava a possibilidade de “só estudar”. Ele, no caso,
estudava em casa.

120
Concurseiros é como se chamam, popularmente, os sujeitos que se dedicam por dois anos, ou mais, em
tempo integral, ou parcial, aos estudos, em preparação para um concurso.
121
Imagem adaptada. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2013/02/15/a-vida-de-um-concurseiro/ Acesso
em: 20 de setembro de 2018.
208

Sérgio estava com 22 anos, solteiro. Ele se autodeclarou pardo, heterossexual e


evangélico. Era o terceiro filho do total de quatro. Morava com seu pai, mãe e o irmão mais
novo, pois os irmãos mais velhos eram casados e não residiam junto a eles. O pai e a mãe de
Sérgio estudaram até a 4ª série do ensino fundamental. A mãe era costureira e trabalhava em
casa fazendo costuras. O pai era pedreiro autônomo. Sérgio e sua família moravam em uma
casa própria, já quitada, em um bairro periférico da cidade de Santa Luzia/Minas Gerais.
Desde a pesquisa realizada em 2012, ele ressaltava a relação afetuosa com sua família.
Segundo ele, a família continuava unida e sempre um membro ajudando o outro. Para Sérgio,
a família era tida como suporte. Os irmãos mais velhos eram apresentados como aqueles que
davam apoio e ajudavam, especialmente nos estudos. Segundo Sérgio, a relação com a mãe
também era ótima, pois conversam muito e confiavam um no outro. “Minha mãe apoia a
gente bastante. Se for para estudar, ela está dentro”. Podemos afirmar que na vivência tanto
com os irmãos mais velhos quanto com a mãe a dimensão dos estudos era um elemento que
fazia parte da relação que eles estabeleciam.
Em contraposição à relação afetuosa com outros familiares, a relação com o pai
parecia se configurar numa “presença ausente”, ou seja, o pai morava na mesma casa, mas
não tinha uma relação de intimidade e de diálogo com o filho Sérgio. Assim, ao contrário das
conversas que Sérgio constituía com a mãe sobre seus desejos, seus planos e seus medos, na
relação com o pai, não costumava “bater papo”. “Era cada um para um lado”, como
mencionou. Outra questão que Sérgio pontuava era que tanto o pai quanto o irmão mais velho
não gostavam de vê-lo somente estudando. Ele dizia o quanto o pai era machista e, para ele, o
pai, os homens precisavam “trabalhar e sustentar a casa”, portanto, a lógica do homem como
provedor se sobrepunha a outra(s). O posicionamento do pai poderia estar relacionado às
representações sociais em torno do jovem homem de camada popular que não teria direito a
ser temporariamente apartado dos “jogos sociais de poder”, postergando a chamada transição
escola-trabalho (PEREGRINO, 2011). Assim, seriam esperadas de Sérgio a entrada no
mercado de trabalho, a contribuição com as despesas da casa e, até mesmo, futuramente, a
saída da casa dos pais, em suma, a participação dele nos jogos de poder.
A postura da mãe – e da irmã mais velha – eram diferentes da postura adotada pelo
pai. Segundo o jovem, ambas apoiavam a decisão do jovem de “somente” estudar e
contribuíam financeiramente para que ele não precisasse de um emprego. De um lado,
podemos ler as diferenciações de comportamento, a partir das relações de gênero, ou seja, os
padrões culturalmente e socialmente construídos para homens e mulheres. Assim, o pai,
homem, tenderia a requerer a inserção do jovem no mercado de trabalho, enquanto a mãe e a
209

irmã, mulheres, tenderiam a buscar protegê-lo e incentivá-lo nos estudos. De outro lado, a
partir da própria construção familiar, de acordo com Cynthia Sarti (2004, p. 121), “os
discursos são distintos porque os lugares nas relações são diferenciados. O discurso muda não
apenas com quem fala, mas também a quem fala”. Nesta dinâmica, Sérgio mencionou que,
quando a irmã mais velha estava desempregada e estudando em casa, tanto o pai quanto mãe a
apoiavam. No seu caso, devido ao fato de ser homem e não ser o caçula, o discurso era
diferente e gerava tensões. O jovem citou que não gostava muito de falar das relações
familiares, pois “tem uma família complicada”, especialmente devido à relação com o pai.
Como havia informado, no ano de 2012, o trabalho começou a fazer parte da vida de
Sérgio, quando ele ainda estava com 14 anos, como ajudante do tio, em um lava a jato. A
segunda experiência laboral foi aos 16 anos, na UFMG ‒ na época, informou que trabalhava
para ser independente. Ressaltou, ao contrário de seus/suas amigos/as, que não precisava
ajudar nas despesas de casa, assim, o seu salário era para uso próprio. O jovem citou que sua
mãe que havia buscado informação sobre a CVB e o ajudado em todo o processo, o que
reforçava a ideia da importância da constituição dos “laços fortes” para jovens pobres.
Interessante pontuar que, mesmo numa família em que os estudos eram a prioridade, houve
um incentivo ao trabalho, durante o período de escolarização do ensino médio. Após ser
desligado da CVB, ele foi contratado por mais seis meses pela UFMG, para continuar
exercendo as mesmas funções. Passado esse período, o jovem foi demitido, com a justificativa
de falta de verba.
Desde o ano de 2014, Sérgio não teve nenhuma outra experiência de emprego.
Manteve-se com o seguro desemprego, as economias que fez e, especialmente, a ajuda da sua
mãe. Durante o ano de 2014 e meados de 2015, realizou um curso Técnico de Mecatrônica,
com o objetivo de conseguir um emprego na área, mas não obteve sucesso. Depois da
experiência malsucedida do curso técnico, ele resolveu estudar para passar em concurso.

2.2 O desemprego e o curso técnico como possibilidade de inserção no mercado de


trabalho

Na UFMG, Sérgio atuou na seção de pós-graduação de uma unidade acadêmica,


diferente de Letícia e Caio, os quais atuavam em unidades administrativas. O jovem atuava na
recepção e, dentre as atribuições que realizava, citou: atendimento ao público; atendimento
telefônico; reserva de salas; abertura e fechamento de salas; entrega de documentos em outras
unidades. Quanto à chefia direta, mencionou que esta tinha muita paciência para ensinar o
trabalho: era aberta para diálogo e, especialmente, o incentiva a estudar. Sérgio ficou na
210

universidade, de janeiro de 2012 a maio de 2013. O trabalho na unidade acadêmica


possibilitou a ele o contato com docentes, técnicos/as e, especialmente, discentes, o que
acontecia com menor frequência nas unidades administrativas. Sérgio havia informado, em
2012, que o trabalho estava ajudando-o a ser menos tímido, pois precisava recepcionar e
conversar com os/as alunos/as. Além disso, fez amizades com alguns/algumas alunos/as com
os quais, segundo ele, ainda tem contato.
Ao contrário dos/as jovens que esperavam ser contratados/as, como era o caso de
Caio, Sérgio informou que não pensava nessa possibilidade, pois os/as funcionários/as da sua
unidade eram, em sua maioria, concursados/as. Afirmou que tinha o desejo de continuar na
UFMG, mas não criava expectativas, pois sabia que seria muito difícil. Próximo do término
do seu contrato, Sérgio foi chamado para conversar sobre o interesse em permanecer na
unidade, a partir de um novo contrato. “Eu não sei se eles gostaram de mim e eu fui
contratado por mais seis meses”.
A relação que Sérgio estabeleceu com o trabalho foi diferente daquela que Letícia e
Caio estabeleceram. Enquanto Caio criava estratégias para se manter vinculado à
universidade, Sérgio não apresentou nenhuma preocupação acerca do seu desligamento,
aguardando passivamente as decisões sobre sua continuidade, como citou. Além disso, não
tinha clareza sobre os motivos que levaram a chefia à decisão por sua recontratação. Passou,
assim, uma vez recontratado, a ter expectativas de continuar na Federal (UFMG) por mais
tempo, mas, após seis meses, com o vencimento do contrato, foi demitido. O jovem afirmou
que não “ficou desesperado” procurando emprego, embora o tenha buscado, como explicitou:

[...] quando eu saí da UFMG no final de 2013, eu tentei achar emprego, mas
eu acabei não encontrando, aí, eu comecei o curso de Mecatrônica, para ver
se ajudava. Comecei a fazer o curso, e fui fazendo o curso e tentando
arrumar emprego, e não consegui. Depois que eu concluí o curso, eu tentei
só na área de Mecatrônica. Procurei estágio “pra caramba” e acabei não
encontrando também. O desemprego é a pior coisa que tem, sabe?!

Após a saída da UFMG, o jovem buscou trabalho em diferentes áreas, mas não
conseguiu, fato que ratifica a tese de que a inserção no mercado de trabalho seja mais
complexa para a juventude (CORROCHANO, 2008). Essa complexidade tornou-se ainda
mais intensa no período em que o jovem buscou emprego, ano no qual teve início a crise
econômica, como abordamos. Segundo ele, em alguns locais, nos quais entregou o currículo,
as pessoas diziam que, somente com o ensino médio, ele não conseguiria trabalho, mesmo em
locais que pediam como pré-requisito somente este nível de ensino. Denotamos que o
desemprego tendia a deixar um sentimento negativo nas vivências juvenis de Sérgio. A reação
211

de considerar o desemprego como a “pior coisa” corroborava com a explicitação de Robert


Castel (1998) e Dubar (2001) que ressaltam que, mesmo diante de transformações do mundo
do trabalho, este ainda é uma referência que ultrapassa a dimensão econômica, pois se
relaciona à dimensão psicológica, cultural e simbólica. Ademais, reforça o lugar do trabalho
como parte das vivencias juvenis de grande número dos/as jovens, tendo em vista a falta de
alternativas para a socialização e a sociabilidade, além de trabalho e escola, especialmente
para jovens pobres.
O curso de Mecatrônica foi a “saída” que Sérgio encontrou para não ficar sem estudar
e trabalhar. Optou por se qualificar, a partir de um curso técnico que, segundo ele, seria “mais
rápido”, possibilitaria a ele se profissionalizar e se inserir no mercado de trabalho mais
rapidamente também. Neste sentido, parece que Sérgio apostava que a maior escolaridade
poderia melhorar seu “lugar na fila do desemprego” (HASENBALG, 2003), do mercado de
trabalho, especialmente porque, mesmo com a conclusão do ensino médio, não conseguia se
inserir. Não obstante, não foi essa a realidade encontrada por Sérgio, pois o curso técnico não
foi suficiente para que ele conseguisse emprego. Ele tinha consciência de que o Brasil estava
passando por mudanças econômicas, nomeando-as de “crise maravilhosa no Brasil”.
Informou que não conseguiu fazer estágio e que seus/suas colegas de curso também não
encontraram nada na área. Tal contexto contribuía para contestar a lógica da empregabilidade
(LEITE, 1997), que

parte do falso pressuposto de que o desemprego não é causado por um


desequilíbrio entre as dimensões da população economicamente ativa e as
ofertas de trabalho no contexto das atuais relações de trabalho e produção,
mas sim por inadequações dessa população às exigências de qualificação
colocadas pelo novo paradigma produtivo (LEITE, 1997, p. 64).

As contribuições da autora reforçam que o acesso ao mundo do trabalho se relaciona a


diferentes nuances, mas busca-se responsabilizar os indivíduos pelo próprio desemprego122.
Sérgio, porém, não se culpa pela falta de emprego, demonstrando estar ciente de que se trata
de uma questão conjuntural, o que, na verdade, é estrutural, agravada pelo contexto de crise.
Mesmo não se responsabilizando, devido à busca frustrada por trabalhos na área, ao contrário
de seus/suas colegas de curso, Sérgio optou por estudar para concurso e acabou desanimando
com o curso técnico:

Até hoje eu não concluí [risos], eu não fiz o trabalho final. Não entreguei até
hoje, que vergonha, né?! Pior que nem sei se vai valer mais. A gente sai

122
Cf. ALVES, 2007; ANTUNES, 1999; ANTUNES; POCHMANN, 2007; NEVES, 2006.
212

fazendo tudo sem ter muita noção e não dá continuidade, né? Aí, não peguei
o diploma. Eu acabei desanimando, pois, quando eu acabei o curso, em
2015, também começou a crise no Brasil, eu não consegui arrumar estágio,
aí, acabou que eu fiquei “desanimadão”, mas eu pretendo voltar. Já fiz,
né?! Dezoito meses de curso [risos]... No finalzinho desistir...

Sérgio tinha consciência de que o curso técnico não tinha se constituído como um
projeto refletido, tendo inicialmente se baseado na crença do diploma como garantia de
emprego, pois afirmou: “a gente sai fazendo tudo sem ter muita noção e não dá
continuidade”. Fazer curso técnico foi uma “válvula de escape” para Sérgio, diante do
desemprego e do término do ensino médio. Podemos dizer que o curso não teve, para Sérgio,
um sentido de profissionalização, como era a expectativa dele. A falta de espaço para estágio
tinha relação com o que Richard Sennett (2006) nomeou como “sociedade voltada para as
capacitações”, na qual o sistema educacional possibilita a formação de um grande número de
jovens, mas não tem espaço no mercado que dialogue com tal formação.
Neste sentido, as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, por parte de Sérgio
e seus/suas colegas, corroboraram com a análise de que embora “posser un título escolar
certificado por el Estado se ha convertido encriterio básico para la regulación de los puestos
de trabajo” (Oscar LEÓN, 2017, p. 13) a qualificação não deve ser colocada como a
“salvação” frente ao desemprego. Afinal, esta é somente um dos elementos que compõe a
complexa relação do mercado de trabalho, que envolve, dentre outros aspectos, as dimensões
de gênero, raça, classe e o local de moradia (ALVES, 2007; Tatiane NEVES, 2006). Logo, a
não inserção do jovem Sérgio se relaciona a um mercado de trabalho que não seja capaz de
absorver toda a mão de obra qualificada, pois são escassas as ofertas de emprego (SENNETT,
2006) e “o mercado não é para todos/as” (ALVES, 2007, p. 253), especialmente num
momento de desaquecimento da economia.
O desemprego causou ao jovem um descrédito quanto ao curso técnico e a inserção
dele, de maneira geral, fazendo com que ele buscasse novas estratégias, como enfatizou: “Eu
não conseguia nada nem na área do curso nem nada mesmo, aí, o desemprego me fez pensar
em concurso. Pensar em não ter que passar por essa busca mais. Então, o concurso entrou
mais ou menos na minha vida, acho que foi em 2015”.
A resposta singular de Sérgio, diante do desemprego, foi a busca pelo concurso
público, a qual representava para o jovem “uma alternativa para lidar com o sentimento de
insegurança mobilizado frente à instabilidade encontrada no mundo do trabalho” (Pricila
ALBRECHT; Edite KRAWULSKI, 2011, p. 15). Portanto, o concurso era para Sérgio a busca
por estabilidade, o que, por sua vez, tendia a contestar a ideia de que os/as jovens não
213

quereriam vínculos formais estáveis (ALBRECHT; KRAWULSKI, 2011) Assim, como


afirma Pais (2001), se a “flexibilização” é uma estrutura de oportunidades, com todas as
precariedades para alguns/algumas, outros/as reagem mal a ela.
O contexto familiar de Sérgio, especialmente a figura da mãe – e também da irmã,
como estava presente em outros trechos de sua narrativa –, como suporte, foi um fator central
para que ele pudesse fazer a opção de “somente” estudar, desde o curso técnico, iniciado em
2014, até o momento da entrevista, no primeiro semestre de 2017. O jovem, assim, trazia este
contexto:

Depois da Federal [UFMG], eu nunca mais trabalhei. P: Foi opção? Não...


Assim... No começo, foi opção, quando eu estava fazendo curso Técnico em
Mecatrônica, eu tinha juntado um dinheiro e foi opção. Mas, depois, foi
falta de conseguir trabalho e, depois, voltou a ser opção. Falei com minha
mãe... “Mãe, durante o curso, eu não vou trabalhar”... E minha mãe super
me apoia, assim... Não cobra nada em casa e tal... Ela super... Gente boa
demais, nó... Só tenho a agradecer minha mãe. Aí, ela me apoia bastante e
eu fiquei focado no curso, mesmo.

O desemprego acabou sendo para Sérgio uma possibilidade de experimentar um tipo


de moratória quanto ao trabalho, neste caso, uma postergação que foi sustentada pela mãe e
pela irmã. Logo, o desemprego não foi vivido de maneira drástica, pois acabou possibilitando
um tempo para a construção de projetos, neste caso, o de estudar para alcançar a estabilidade,
necessariamente, como concursado. Ressaltamos, como afirma Corrochano (2008), que essa
vivência “não aflitiva” ocorreu em razão das condições dos demais membros da família.
Porém, não significava que se tratasse de uma moratória sem tensões e ambiguidades, dada à
resistência paterna – e do irmão dele. Sérgio, em vários momentos, afirmou que era uma
oportunidade poder somente estudar, mas que, em determinados momentos, se sentia inútil
por não trabalhar:

Ahh... Trabalhar é essencial, não sei, não sei. [pausa]. Acordar cedo, por
exemplo... É engraçado que, esses dias, eu estava até lá, em casa,
comentando que faz falta; esses dias, eu estava sentindo falta de acordar
cedo e fazer alguma coisa, sabe, de, assim... No meu caso, não, porque eu
continuo acordando cedo e estudo o dia inteiro. Mas, eu estava sentindo
bastante falta de acordar cedo e ser útil para alguma coisa, sabe? Eu acho
que a gente chega num determinado tempo do estudo que... No começo,
assim, você estuda bastante, você está “emocionadão” com o conhecimento,
aí, a partir do momento que você chega na caminhada do conhecimento,
parece, assim... “Pô, estou estudando isso aqui, há tanto tempo, e ainda não
foi”. Você começa a repetir a matéria demais, não tem nada novo, aí, você
começa a sentir que você não tá sendo útil, sabe? Que você está ali,
repetindo aquela rotina todo dia, que aquilo dali não vai dar em nada, e,
você sente bastante falta de trabalhar, de se sentir útil, sabe? Acho que... Sei
lá [pausa]... É mais ou menos isso. E, também, tem uma rotina de estudo,
mas é diferente, porque é com você mesmo, no trabalho tem seus colegas,
214

chefes e tem salário; eu não tenho nada.

A ausência do trabalho estava marcando a vivência de Sérgio como jovem estudante,


pois o fato de não sair de casa, as tarefas repetidas eo acordar cedo “apenas” para estudar
faziam com que ele se sentisse inútil. É interessante pontuar que Sergio não considerava o
estudo como um trabalho, apesar do investimento de tempo e esforço mental, talvez, por este
se realizar em casa. Nesse sentido, demonstrava como a experiência com os ritmos e tempos
do/no emprego é expressiva e tende a “moldar” as formas de lidar com o tempo. Outra
questão importante se refere aos sentidos do trabalho (CORROCHANO, 2001), entre eles, a
relação de socialização e sociabilidade, a qual Sérgio se refere, ao falar dos/as chefes e
colegas. Anthony Giddens (2005) enfatiza alguns elementos do trabalho que dialogam com as
questões abordadas por Sérgio:

Dinheiro – um ordenado ou um salário é o principal recurso do qual muitas


pessoas dependem para satisfazer suas necessidades [...]; Nível de atividade
– o trabalho, em geral, proporciona uma base para aquisição e o exercício
das aptidões e das habilidades [...]; Variedade – o trabalho proporciona um
acesso a contextos que contrastam com o meio doméstico [...]; Estrutura
Temporal – para quem tem um emprego o dia normalmente se organiza em
torno do ritmo de trabalho [...]; Contatos Sociais – o ambiente de trabalho,
muitas vezes, proporciona amizades e oportunidades de participação em
atividades comuns com outras pessoas [...]; Identidade pessoal –
normalmente valoriza-se o trabalho pela sensação de identidade social
estável que ele oferece. (GIDDENS, 2005, p. 306 - grifos nossos).

O fato de estudar sozinho em casa fazia com que Sérgio não estabelecesse os contatos
sociais, os quais poderiam ser construídos no trabalho. Além disso, faltava a ele o retorno em
dinheiro, pelo salário, que seria um elemento importante e motivador para a continuidade do
trabalho. A identidade pessoal, especialmente, de ser visto como trabalhador era um elemento
para o jovem, pois não gostava de se sentir “inútil” e, como salientou, não gostava de estar em
casa, devido às falas do pai, pois isso significava ser lembrado, o tempo todo, que só
estudava. Ser estudante para concurso é lidar a todo o momento com o adiamento das
recompensas (LECCARDI, 2005). Ele tem consciência quer ser estudante “dá trabalho”, mas
não garantia a ele os retornos que o emprego o dava.

2.3 A ‘vida’ de um concurseiro: podemos falar em “nem nem123?”

A escolha de Sérgio pelos estudos se relacionava com a visão de que seria através da

123
O termo surgiu na Inglaterra, em meados dos anos 90, com a seguinte denominação inglesa: NEET (not in
indication, employment or training) (María FEIJOÓ, 2015). No Brasil, a denominação tem sido utilizada
para caracterizar jovens que nem trabalham nem estudam – nem nem.
215

escolarização que ele iria conseguir “ser alguém na vida”, como mencionou. Essa visão
também era compartilhada e reproduzida na sua família. A experiência que Sérgio teve no
trabalho na UFMG e a ocorrência do desemprego, como vimos, foram marcantes para que ele
optasse pelo concurso público:

Quando você trabalha, você vê como é a realidade. Eu sempre ouvia minha


mãe falar: “Sérgio, estuda. Vai para a escola e estuda, porque você não
sabe como é a vida aqui. Você não sabe o que é pegar ônibus e trabalhar um
mês todo para ganhar um salário baixo”. E você não dá muita atenção
quando você é novo. “Ô, mãe, não quero saber disso, não; quero aproveitar
minha infância”. E, quando você começa a trabalhar e vê que a realidade é
bem outra, você tem que cumprir horário, você tem que pegar ônibus. O
ônibus atrasa e você chega no serviço e sua chefe está te olhando feio e você
tem que dar uma satisfação. Quando você começa a trabalhar, sua cabeça
muda e você vê que tem que correr atrás, porque, se você não correr, você
vai ficar na mesma o resto da sua vida. Você tem que estudar. Se não
estudar, não vai melhorar de vida, não vai conseguir nada. Vai ganhar
pouco o resto da vida. Tem que se virar, né?!

No depoimento, as falas da mãe tendiam a expressar que ela não queria que Sérgio
reproduzisse sua história, projetando sobre ele uma perspectiva de mobilidade social.
Interessante ponderar o quanto o foco do jovem, inicialmente, não fossem o trabalho e os
estudos. Para ele, o essencial era usufruir de outras vivências da juventude. Todavia, as
experiências do mundo do trabalho, quais sejam emprego e desemprego, fizeram com que
Sérgio visse “como é a realidade”, o que anteriormente não fazia parte de suas preocupações.
Quando trabalhou na UFMG, em 2012 e 2013, pôde vivenciar um pouco da rotina de trabalho
dos/as servidores/as públicos/as124 e considerava que ela era “maravilhosa”, por isso, desejava
ser “concursado”, pois, no setor público, “não era tão pesado trabalhar”, na visão de Sérgio.
Não era como via seus/suas colegas e familiares dizendo acerca das empresas privadas. Sérgio
parecia ter uma visão “romântica” acerca do serviço público, como um espaço/tempo em que
ele não teria que seguir regras, não teria horário a cumprir e receberia muito bem, um
pensamento coerente com representações existentes na sociedade brasileira sobre o trabalho

124
Dallari (1989), de modo sintetizado, traz a definição de que “servidor público é quem trabalha para a
administração pública em caráter profissional, não eventual, sob vínculo de subordinação e dependência,
recebendo remuneração paga diretamente pelos cofres públicos” (p. 16).
216

neste setor125.
Outra questão importante seria a relação que Sérgio estabelecia com os estudos.
Estudar, para ele, era a possibilidade de se inserir num concurso público e, consequentemente,
“melhorar de vida”, numa relação instrumental, ou seja, estudar não tinha sentido em si, mas
apenas para atingir determinado fim, relação essa observada por Atahualpa Fernandez e Marly
Fernandez (2005), em estudos sobre o significado dos estudos para concurso com jovens e
adultos. Todavia, passar em um concurso era, também, para o jovem, a possibilidade de ter
estabilidade e acessar o ensino superior, a longo prazo, buscando a “longevidade escolar”.
Quanto à escolha pelos concursos, ele ressaltou:

Para concurso, eu foquei em uma área, porque, se você ficar mudando, as


matérias são muito diferentes. Escolhi a área [Administrativa] que tem
muito concurso. Não escolhi a carreira, pois não dá para ficar escolhendo.
Agora, a carreira que vier é essa. Foco nas matérias e salário e os
concursos que têm a matéria, eu faço. É bem difícil estudar para concurso,
assim, e o pior é que tem dia que você acorda e fala: “caramba, para que eu
estou acordando e estudando?” Acho que passar em concurso, mais de
60%, é autoestima e você se manter focado.

No depoimento de Sérgio, ficou evidente que não era ele quem escolhia os cargos em
que almejava trabalhar, mas “era escolhido pelo concurso” tendo em vista as matérias que
exigia, próximas àquelas por ele estudadas. Para Sérgio, não era importante passar no
concurso desejado, mas, sim, passar em um concurso público, independente da carreira a se
desempenhar a partir da aprovação. O posicionamento do jovem corroborava com as
explicitações de Albrecht (2010) que afirma que “critérios para escolher quais concursos
dedicar a sua preparação são balizados por questões referentes ao salário ofertado; ao nível de
concorrência do concurso e o aprofundamento das matérias a serem estudadas” (p. 84).
A relação de Sérgio com os concursos era estratégica, pois, assim como outros
concurseiros, ele elegeu a área administrativa, com exigência de nível médio, e estudava os
conteúdos daquela área. Ele buscava focar em concursos de diferentes órgãos, desde que
contemplassem as mesmas matérias que ele já estava estudando, tais como: Direito
Constitucional; Direito Administrativo; Ética no Serviço Público; Língua Portuguesa;
Raciocínio Lógico, entre outras. As matérias nem sempre eram as mesmas, por isso, o jovem
125
Cabe lembrar que, desde o final da década de 90, a partir da Emenda à Constituição número 19, houve
mudanças significativas no regime jurídico do setor público, com a implementação de mecanismos de
avaliação dos/as trabalhadores/as, aumento do tempo de experiência, possibilidade de demissão, em
decorrência de avaliação periódica, e a exoneração de servidores/as não estáveis, em caso de se exceder o
limite de despesas com pessoal. Além disso, como afirma Aparecida Souza (2016) cada vez mais o setor
público tem incorporado métodos de gestão desenvolvidos no setor privado, pautado na eficácia e eficiência.
Não podemos esquecer também que existe, por parte da mídia, uma campanha para desqualificar os/as
servidores/as públicos/as com vista a contribuir para a redução do Estado.
217

afirmou que o estudo começava pela leitura do conteúdo programático, pois era isso que
determinava se tentaria ou não dado concurso. Embora fosse estratégico em sua decisão, o
jovem ressaltou o quanto era difícil manter o foco, o que para ele se relaciona à dimensão da
autoestima. Ou seja, nem sempre o jovem acreditava na possibilidade de inserção dele no
serviço público o que, segundo ele, comprometia a rotina de estudos elaborada.
Sérgio afirmou ter construído uma rotina de concurseiro que poderia resumida da
seguinte maneira:

Rotina de quem quer passar em concurso é estudar e esperar. E, de um ano


e pouco para cá, é todos os dias assim. De segunda a sábado, eu estudo o
dia inteiro e, domingo, eu tiro uma “folguinha” para fazer outro tipo de
coisa, para praticar um esporte. Mas, de segunda a sábado, é assim: acordo
6h... 6h30...7 horas [risos] da manhã, tomo café, sento na cadeira e fico no
computador o dia inteiro. Paro para almoçar, dou uma hora para almoçar,
volto. Aí, lá pras seis da tarde, eu paro e vou fazer uma caminhada, fazer
alguma coisinha e, de noite, volto de novo para estudar, para responder
umas questões, às vezes, vou para igreja também, mas a rotina mais é o
estudo. Na parte da noite, eu estou estudando só as outras duas matérias
que são diferentes do concurso que eu já estava estudando [para Técnico do
Seguro Social - nível médio]. Na parte do dia, eu continuo estudando a
matéria da Polícia Federal, que já estava estudando há bastante tempo.

Ficava muito claro como a sua rotina era próxima a de um trabalhador. Segundo o
jovem, ela era pautada no “horário comercial”, ou seja, ele a iniciava na parte da manhã, fazia
o “horário de almoço”, depois, retornava ao estudo e, na sequência, fazia uma atividade física
e retomava, novamente, os estudos. Percebemos uma estratégia quanto à organização de
estudos, pois, de acordo com ele, na parte da noite, fazia exercícios e estudava matérias novas
e, durante o dia, mantinha o foco nas matérias que já vinha estudando. Sérgio deixou claro
que não era uma rotina fácil: “Tem dia, assim, que acordar é difícil, o relógio desperta sete
horas da manhã, aí, você fala: Poxa, hoje eu vou acordar para estudar, eu não acredito que
eu estou acordando para estudar”. Mas, mesmo com o desafio de acordar cedo, explicitou
que de, certa maneira, já tinha se adaptado a esse processo de estudar durante a semana. Já,
aos fins de semana, era um período mais complicado, como ressaltou:

[...] final de semana é um pouco puxado, assim [risos]. Final de semana,


sempre tem alguma coisa a mais para fazer. Amigo vem chamar para jogar
bola e surge alguma coisa e você tem que dizer não. Mas, tem dia que você
não aguenta dizer não e você vai. Estava comentando com minha mãe que
vou nas coisas e fico pensando que “eu não devia estar aqui, eu devia estar
lá em casa estudando”. Você acaba não conseguindo se permitir viver o
momento, sabe? Acaba toda hora se policiando e pensando: “devia estar
estudando, devia tá fazendo isso”, não, mas não tem como, né? Tem que
tirar um tempinho também para, mesmo que pouco [risos], pra fazer outros
tipos de atividades, mas até que eu consigo, sim, fazer rotina direitinho.
218

Percebemos que existe, por parte de Sérgio, um “controle” acerca da vivência dos
tempos dele, mas também a consciência de que seria necessário “tirar um tempinho” para
fazer outras coisas. A cobrança sobre si mesmo ficava evidente, o que fez com que ele tivesse
disciplina sobre a própria rotina, mas, ao mesmo tempo, tal cobrança gerava sentimento de
culpa, quando ele optava por fazer outras coisas que não estudar. Além disso, a cobrança se
relacionava, ainda, ao sentimento de “inutilidade” que Sérgio sentia: “eu estou indo para 23
anos e eu sou homem e isso é preocupante [risos]. Aí, você acaba pensado: ʻpô, eu já tenho
22 anos e estou dependendo da minha mãe’. Você acaba querendo fazer alguma coisa, para
pagar uma conta”. Salientamos o quanto a colocação do jovem expressava a força das
representações sociais sobre o que um/a jovem de camada popular, de 22 anos, deveria estar
fazendo, como “tensionavam” o pai e o irmão mais velho. Desta forma, o jovem ressaltou que
buscava, a todo o tempo, “manter o foco”, pois estudar em casa requeria muita disciplina e
responsabilidade:

Estudo sozinho e on-line. Comprei cursos on-line. Nossa, meu Deus, são
matérias que você nunca viu na vida. Nossa, muito diferente. O difícil é se
manter focado. Precisa de disciplina. Você estudar para o imprevisível,
sabe, é um desafio, mesmo. Tem gente que começa a estudar depois que o
edital sai, né? Aí, não adianta nada, você vai lá só para ver a prova. Gastar
seu tempo àtoa. Eu sempre, eu comecei a estudar antes do edital sair. Pego
uma carreira e foco nela e, o dia que sair edital, eu tenho que estar
preparado.

Devido à ausência de condições financeiras para fazer cursos presenciais, Sérgio


estudava em casa, por meio de cursos on-line126. O jovem afirmou que o programa do curso
permitia assistir cada aula, no máximo, sete vezes, mas que havia conseguido um software
que grava as aulas, assim, tinha condições de assisti-las mais vezes. O fato de estudar com
cursos on-line e em casa impossibilitava Sérgio de ter contato com professores/as, para sanar
possíveis dúvidas, e com colegas, para trocar informações sobre concursos, estratégias de
estudos e dúvidas. Concordamos com Albrecht (2010), ao mencionar que, embora pareça que
o acesso a concursos seja democrático, não existe igualdade de oportunidade, “uma vez que a
competitividade leva à busca dos estudos preparatórios, acabando por favorecer aqueles com
condições financeiras que lhes permitam custear um cursinho” (p 102).
Outra questão se referia à necessidade de “lidar com o imprevisível”, ou seja, Sérgio
estudava para um concurso que poderia ser aberto a qualquer momento, mas não tinha

126
Importante mencionar o surgimento de empresas dos ramos de cursos on-line que se beneficiam com a crise
econômica, pois vendem um produto abaixo do preço dos cursos presenciais, embora garantindo altos
lucros, pois têm baixos custos na produção dos materiais. Além de estratégias de não reprodução do produto,
o que tende a obrigar outras pessoas a adquirir.
219

garantia alguma de que estivesse devidamente preparado nem de aprovação, gerando tensão
na espera pela abertura de um edital de concurso que fosse na área na qual ele já estivesse
estudando. O jovem afirmou que pesquisava sobre a abertura de concursos, mas o contexto de
cortes públicos que o Brasil vinha vivenciando diminuía o número de concursos e nem
sempre as previsões eram cumpridas127. Cabe ressaltar que, desde a época em que começou a
estudar, o jovem prestou provas de dois concursos. Um, para auxiliar administrativo da
Prefeitura de Belo Horizonte, e outro, para Técnico do Seguro Social do INSS. No primeiro,
ele não atingiu metade dos pontos da prova. Já, no segundo, errou somente 10 questões, mas
não foi classificado, pois eram somente quatro vagas e os primeiros colocados erraram, no
máximo, quatro questões.
Outro aspecto importante que fazia parte da vivência de Sérgio como concurseiro se
relacionava à precariedade da experiência dele como aluno do ensino médio. O jovem
enfatizou essa dimensão ao narrar sobre umas das suas tentativas de inserção:

Esse concurso que fiz [INSS] eram 11 matérias. Se você for pensar, 11
matérias para o tempo que eu estudei parece muito, mas é pouco. Parece
muito tempo, mas é bem pouco tempo, porque é matéria que você nunca viu
na vida. Você sai do ensino médio e vai ver Direito Constitucional, Direito
Administrativo, um tanto de matéria... Aí, você descobre que seu Português
e sua Matemática do ensino médio não valeram de nada, que você tem que
aprender tudo de novo, aprender de verdade, pois, você descobre que não
sabe nada. Aí, é muito triste, porque você tem que estudar o que você não
aprendeu e as matérias do concurso. Gente, não aprendemos nada do
Português, mesmo, e olha que eu já achava difícil.

O depoimento remete às considerações de Antonio Suxberger (2009) quando afirma


que a precária formação educacional de muitos/as restringe as possibilidades de inserções em
concursos. A escolarização, especialmente do ensino médio, se colocava como um desafio
para Sérgio, pois se desenvolveu em contextos de precariedade, entendida aqui como a
“articulação entre os processos societais e as experiências pessoais”, (ARAUJO;
MARTUCCELLI, 2010, p. 83). Como vimos, trata-se de uma escola com baixa qualidade, na
qual são reproduzidas as desigualdades, ao mesmo tempo em que se tende a culpabilizar os
sujeitos de seus fracassos. Assim, mesmo mantendo uma rotina de estudos, Sérgio afirmava

127
Na década de 1990, houve um período chamado enxugamento da “máquina administrativa” iniciado no
Governo do Presidente Fernando Collor de Mello, o que diminuiu a inserção de pessoal no setor público.
Todavia, a partir de 2003, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, houve uma retomada para a admissão em
cargos públicos, nas mais diversas áreas (Ver: Neves, 2005; Nogueira, 2005). Porém, a partir 2015, retoma-
se o discurso do Estado mínimo, com o governo de Michel Temer, havendo a redução do número de
concurso e a extinção de cargos públicos, por meio do Decreto nº 9.262, de 10 de janeiro de 2018.
220

que ficava aquém de candidatos/as que tiveram um ensino médio de qualidade e tinham
acesso a diferentes formas preparatórias para um concurso.
Ser concurseiro limita Sérgio quanto às vivências de aspectos da condição juvenil,
especialmente no que tange à sociabilidade, pois ele afirmava ter poucas amizades:

pois não tenho muito tempo para estar com eles [amigos/as]. Fiz escolhas
que são bem diferentes. Eles me acham doido, né? Me acham louco de parar
de trabalhar. A maioria dos amigos tem carro e eu não tenho. Falam assim:
“Você é doido, estudando...Vai trabalhar, comprar suas coisas, fica aí,
sustentado pela mãe”. Ficam me ‘zuando’, mas eu falo: “gente, tem que
estudar, né? Melhor pagar o preço agora, enquanto eu estou novo ‒ novo
mais ou menos ‒ pagar o preço agora”. Abro mão de muita coisa. Às vezes,
se um amigo chama para sair, eu tenho que estudar, às vezes, você quer
sair, mas pensa: “não, eu tenho que estudar”.

A narrativa de Sérgio deixava claro a dimensão do adiamento das recompensas, bem


como a postergação de outros projetos. Isso porque a opção dele pelos estudos, com um
retorno em longo prazo, o impossibilitava de ter tempo para o lazer e de ter acesso a bens
materiais, como seus/suas amigos/as tinham, e ele, ainda, tinha que “abrir mão de muita
coisa”, como afirmou. O depoimento, além disto, apontava para o desafio diante das
“escolhas” temporais, pois, mediante a necessidade dos estudos, a sociabilidade – ou outra
atividade relacional – tendia a ser sacrificada, o que ratificava que “nem todos os indivíduos
se encontram em igualdade de condições e oportunidades estruturais para ter e sustentar
amizades” (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012, p. 184). Mas, o jovem assumia
conscientemente essas perdas: “é melhor pagar o preço agora, enquanto eu estou novo”. Isso
tudo buscando a conquista desejada, a aprovação no concurso.
Mesmo diante de tensões, a inserção em um concurso público se configurava como um
projeto de vida para Sérgio. Guerreiros (2008) afirma que um projeto deve ser pensado
considerando-se, pelo menos, três aspectos, quais sejam a situação presente, o futuro desejado
e os meios para lográ-lo, o que consideramos ter feito parte da construção do projeto de
Sérgio. Ademais, considerando as categorizações de Zenaide Alves (2013), o projeto de vida
de Sérgio poderia ser lido como “projeto estratégico, pois apresenta claramente alvo e seta, ou
seja, evidenciam conhecimento suficiente do campo de possibilidades de modo a avaliar e
definir os fins e os meios possíveis paraalcançá-los” (p 178). Ao mesmo tempo, se
configurava como uma forma de (re)existência às representações e imposições sociais nas
quais os/as jovens de camadas populares, nessa faixa etária, deveriam estar trabalhando ou
conciliando: trabalho e escolarização. É interessante apontar que, embora tenhamos citado que
houve uma diminuição na taxa de ocupação de jovens a partir de 2005, possibilitando
221

especialmente aos jovens de 15 a 17 anos somente estudar, o jovem Sérgio pode(ria) ser
considerado uma exceção nas camadas populares, em que essa possibilidade não é comum,
sobretudo para concursos.
Cabe mencionar que ele construiu o projeto de vida, a partir do trabalho, ou seja,
passar em um concurso levaria-o a ter condições de pagar uma faculdade e de começar a
estudar. A visão de Sérgio era reflexo do seu contexto familiar, que “é apertado”, como
afirmou, sendo necessário “correr atrás e trabalhar”, pois, a mãe não teria condições de
oferecer o que ele chamava de “vida melhor”. Segundo o jovem, o sonho dele era passar em
um concurso, para dar uma vida melhor à mãe e à irmã, retribuindo tudo que faziam por ele, o
que ratificava a dimensão da moral da reciprocidade, ou seja, necessidade de “dar, receber e
retribuir” que constitui as relações sociais humanas (Marcel MAUSS, 1974). Destarte,
podemos afirmar que, se, de um lado, o jovem tinha uma visão romântica acerca do concurso
público de nível do ensino médio, pois imaginava que proporcionaria a ele pagar uma
faculdade privada, constituir uma família e, ainda, ajudar a mãe/ irmã, por outro lado, a feitura
do concurso se constituía como uma possibilidade “mais rápida” de ter acesso a melhores
condições de vida, mesmo tendo somente o ensino médio. Pelo concurso, ele poderia ter um
trabalho seguro e estável, além de condições de mobilidade social.
Diante do exposto, consideramos que a trajetória de escolarização e busca por trabalho
do jovem Sérgio nos convidam a questionar a categoria nem nem, ou seja, jovens que nem
estudam nem trabalham. Poderíamos falar de jovens nem nem no contexto brasileiro?
Nas reflexões que realizamos sobre o mercado de trabalho, mostramos como o
desemprego tem aumentado, desde o início do ano de 2014, o que é mais grave ainda para
população jovem. A falta de emprego e de busca por emprego – numa articulação de ambas as
ausências, caracterizando inatividade – bem como o não envolvimento com os estudos
representariam a chamada geração nem nem. A categoria é uma construção social, baseada
numa determinada compreensão de juventude quanto à relação com o trabalho, construção
esta pautada num conceito de trabalho, restrito a dimensão do mercado de trabalho, ou seja,
mediatizado pelas relações mercantis.
De acordo com o Censo 2010, o grupo de nem nem teria aumentado de 16,9% para
17,2%. Já no ano de 2018, uma pesquisa do IPEA revelou que 23% dos jovens brasileiros não
trabalham e nem estudam (jovens nem nem). Cabe enfatizar que a condição nem nem é
vivenciada de maneira diferenciada pelos/as jovens. Ana Camarano e Solange Kanso (2012)
ressaltam que tende a existir uma dinâmica diferenciada entre sexo, sendo as mulheres as mais
presentes na categoria nem nem. Joana Monteiro (2013) reforça as explicitações das autoras
222

citadas e enfatiza a maternidade e/ou a maternidade social128 como um fator preponderante


quanto à condição de não trabalhar e não estudar, pois nos dados estatísticos não se considera
tal atividade como trabalho. Naercio Menezes Filho, Pedro Cabanas e Bruno Komatsu (2013),
por sua vez, enfatizam quanto os/as jovens menos escolarizados/as apresentam uma taxa de
inatividade maior, aumentando o índice de nem nem nesse contexto. Para muitos, como Liédje
Siqueira et al. (2017, p. 57), por exemplo, “o problema da existência de jovens nem nem é que
eles podem ameaçar o crescimento futuro da economia da nação”, tendendo a construir uma
imagem moralizante desta categoria. Ao contrário, consideramos que a categoria nem nem
precisa ser problematizada, pois congrega falta de acesso ao mercado de trabalho e à escola,
desigualdades entre homens e mulheres e entre os/as mais e menos escolarizados/as.
Inicialmente temos que considerar que a chamada geração nem nem não seja uma
novidade. Cardoso (2013) nos lembra que “o novo estaria na intensidade com o qual o
referido fenômeno surge, ou seja, o aumento dos nem nem está quase exclusivamente
associado ao desemprego de jovens anteriormente ocupados/as e que já teriam deixado a
escola” (p. 127). Em diálogo com as ponderações do autor, tendemos a considerar que o
termo é um “modismo importado” de contextos bem diferentes do Brasil, que passou a ser
empregado sem uma reflexão acerca do que a nomeação dada pode esconder em termos do
acesso ao trabalho e à educação. Assim, a categorização tende a reforçar um estereótipo
negativo em relação aos/as jovens pobres, pois são eles/as especialmente que estão fora do
mercado de trabalho protegido e fora da escola.
Neste sentido, apontamos questões importantes para o debate, a fim de desconstruir a
ideia do/a jovem considerado/a nem nem no Brasil. Inicialmente cabe retomar a vivência do
jovem Sérgio como concurseiro. Seria ele um jovem nem nem? A trajetória de estudos do
jovem já contradizia essa ideia, mas, ainda assim, ele comporia as estatísticas dos/as jovens
que nem trabalham e nem estudam. A esse respeito, Pais (2001) faz uma crítica à escassa
discussão sobre a dificuldade do recenseamento do desemprego juvenil. As diferentes formas
de estar no mundo do trabalho e os limites entre trabalho e não trabalho se modificaram, mas
as estatísticas não dão conta dessa multiplicidade. Desta maneira, segundo o autor, o
desemprego que as estatísticas nos mostram “resulta de malabarismos artificiosos e não tem
correspondência com o desemprego real” (p. 29), pois não “registram integralmente o
fenômeno, daí o resultando os mistérios dos jovens desaparecidos nas teias do desemprego”
(p. 15-16). O autor explicita que, se os dados fossem realmente condizentes com a realidade,

128
Maternidade social envolve o cuidado com irmãos, sobrinhos e outros entes mais novos da família (FEIJOÓ,
2015).
223

as taxas de desemprego disparariam. Neste sentido, chamamos a atenção que a apreensão dos
dados não pode ser lida com total correspondência à realidade.
A construção da categoria nem nem parece ter como alicerce uma ideia de linearidade,
ou seja, espera-se que para um/a jovem a saída da escola seja seguida da entrada no mercado
de trabalho. Linearidade que não aconteceu para Sérgio e, certamente, não é diferente para a
maioria dos/as jovens brasileiros/as das camadas populares, pois, como já discutimos, a
escolarização não é garantia de trabalho.
Outra questão importante é que esta categoria desconsidera o trabalho informal que
cada vez é mais presente nas vivências juvenis. Como já afirmamos, em um contexto de
redução do trabalho protegido, os/as jovens são impelidos/as “a serem menos seletivos em
relação às escolhas de emprego, posto que as ofertas caracterizam-se por vínculos temporários
e regime parcial” (Mariléia SILVA, 2016, p. 120). Desconsidera-se o trabalho doméstico não
remunerado exercido, em sua maioria, por mulheres e também se despreza a realidade
daqueles/as, como Sérgio, que investem no estudo informal para prestar concursos. Todas
estas situações aqui descritas contestariam as estatísticas oficiais. Ademais, reforçam que o
uso da categoria se pauta num conceito restrito de trabalho.
Cabe citar ainda que o termo nem nem traz consigo um julgamento de valor, como se
os/as jovens não desejassem trabalhar e/ou estudar. Ratificando a explicitação Silva (2016)
que menciona que

[...] levantaremos uma breve reflexão sobre a expressão nem nem, utilizada
pela mídia para designar os jovens que não estudavam e nem trabalhavam,
não pelo tom anedótico que possa estar associado a tal expressão, mas pelo
julgamento moral que parece embutido. Começaríamos com a ideia
representada de que poderia se tratar de uma geração nem isso, nem aquilo,
ou seja, jovens que nada fazem: não tomam iniciativa, não são proativos,
desistem com facilidade e, por suposto, estariam na contramão do discurso
da empregabilidade (SILVA, 2016, p. 122).

Assim sendo, a utilização do termo tende a culpabilizar os/as jovens pela falta de
acesso ao trabalho e à educação, como se existisse, por parte deles/as, um desinteresse
(CORROCHANO; ABRAMO H.; ABRAMO L., 2017). Mas, no contexto brasileiro, no qual
o fenômeno do desemprego, especialmente juvenil, e a falta de acesso à educação são
estruturais, teria sentido falar somente em desinteresse? Afirmamos que não, pois, como já
ressaltamos, tanto no campo educacional quanto no mercado de trabalho não há espaço para
todos/as. Assim, como sinaliza Feijoó (2015, p. 31), “o uso do termo está se convertendo
como um estigma e obstáculo para melhor compreensão do problema”, uma que vez que
224

diferentes variáveis devem ser analisadas, para refletirmos sobre a relação juventude, trabalho
e educação.
Em vista disso, reforçamos que o percurso no mundo do trabalho – e, especialmente,
de escolarização – do jovem Sérgio contribuiu para refutar o termo nem nem, uma vez que
este tende a mascarar um problema social tanto do desemprego quanto da inatividade dos
sujeitos jovens. Tendemos a considerar que as nomenclaturas “geração que vive à deriva”
(SENNET, 2003), ou “uma juventude com vida interditada ou em suspenso” (FRIGOTTO,
2011), ou mesmo “jovens sem sem”, ou seja, que estão sem estudos e sem ocupação no
mercado de trabalho (CORROCHANO; ABRAMO H.; ABRAMO L., 2017), são mais
coerentes, pois buscam explicitar que o problema não é do indivíduo, mas, sim, de uma
estrutura complexa e relacional que se intensifica ainda mais em contextos como este que
presenciamos na conjuntura atual do mercado de trabalho. Destarte, tendo como base o
contexto dos 95 jovens pesquisados/a, apontamos que a expressão “jovens sem sem” tende a
explicitar, de forma mais fidedigna, que os/as jovens estão inseridos/as em contextos em que
estão sem direito tanto à educação quanto ao mundo do trabalho.

2.4 A família como suporte para “só estudar”: possibilidade de vivenciar uma
moratória

A família de Sérgio cumpria o papel de suporte (MARTUCCELLI, 2007), o que lhe


possibilitava estudar. A todo momento, conforme vimos, Sérgio trazia no discurso elementos
que indicavam o quanto a família era quem garantiaa vivência dele enquanto jovem estudante.
Desta maneira, diante da necessidade de estudar, para possível inserção em um concurso
público, a família de Sérgio o “sustentava” financeiramente e simbolicamente. A fala de
Sérgio acerca de sua família parecia indicar um diferencial em relação aos parentes dele e às
demais famílias que conhecia:

Assim, na minha família, se você for pensar, minha família, poxa, família
humilde, assim: meus primos, ninguém tinha estudado, minha irmã foi a
primeira a formar na faculdade. Aí, você pensa assim: “poxa, na família de
todo mundo, ninguém está querendo estudar. Ninguém está nem aí pra nada.
Ninguém está querendo “correr atrás” de nada. Querem trabalhar num
serviço para ganhar um salário mínimo e viver normal, trabalhando para
pagar conta. Não pode viajar, não pode fazer nada, não sobra dinheiro para
nada”. Minha mãe sempre falava para estudar e minhas tias deixavam pra
lá. Não deixava a gente faltar de aula. Não conseguia entender a matéria,
mas obrigava a gente a fazer [lição] para casa e tudo.

A primeira questão é a diferença que Sérgio percebia entre seu núcleo familiar e o dos
parentes dele. A dimensão moral e de suporte acerca dos estudos, pela mãe, era central na
225

vivência de Sérgio. Ela tinha a 4ª série do ensino fundamental e, mesmo assim, participava do
processo de escolarização do filho, situação que aparentava não ter ocorrido entre os parentes.
Outra questão importante no depoimento de Sérgio, que também dialogava com a
discussão anterior, se referia à dimensão do desejo. O jovem deixou explícito que
seusfamiliares não queriam estudar e que sua irmã foi a primeira a fazer faculdade, mas o
desejo de estudar, ou não, está diretamente relacionado ao campo de possibilidades, o que, por
sua vez, limita ou potencializa as possibilidades de experiências. A partir da narrativa de
Sérgio, problematizamos que “querer, em maior parte, não seja sinônimo de poder” para os/as
jovens de camadas populares, como Sérgio afirmou ser o contexto dos familiares dele. O
desejo pelos estudos é construído e pautado na realidade concreta. Muitos/as jovens, por
necessidade, caem no círculo vicioso de um trabalho precário, porque não têm qualificação,
que, por mais que não garanta, possibilita melhor posição na “fila do desemprego”. O quadro
de ausência de possibilidades se perpetua, porque esses/as jovens não têm condições
econômicas para estudar. Então, ter o que Sérgio considerava uma “vida normal”, em que se
trabalha para pagar conta, é a alternativa para muitos/asdeles/as, para os/as quais, muitas
vezes, o trabalho precário seja a regra. A situação de Sérgio era diferente da realidade dos
familiares e de alguns/algumas amigos/as, como citou, ainda:

Às vezes, eu fico pensando o que seria de mim sem minha família,


especialmente minha mãe... Ah... [pausa]...Pois é, é importantíssimo, né?
[risos]. Eu fico imaginando, se eu tivesse que trabalhar e estudar... Às vezes,
assim, estou estudando mais de dez horas por dia, tem vez que a gente acha
tão pouco, sabe?! Tem tanta coisa para você aprender, sabe, assim, às
vezes, você começa a fazer exercício e começa a errar demais, aí, você fica,
assim: “nossa, mas eu estou estudando e, aí, não tá rolando”. E, se eu fosse
pensar em trabalhar e estudar? Você trabalhar o dia inteiro, chega cansado,
aí, você tem poucas horas, entre dormir e estudar. Então, poder ficar em
casa só estudando, pra mim, é um privilégio muito grande que minha mãe
tem me dado. Às vezes, até quando eu estou muito desanimado, assim, eu
falo: “ah mãe, não sei, eu acho que eu vou parar com esse negócio. Se não
der esse ano, vou parar. Vou voltar a trabalhar”. Aí, minha mãe vai falar
comigo as coisas. Ela fala: “você está estudando, vamos ter fé que você vai
passar. Você vai conseguir”. Aí, eu penso: “Voltar a trabalhar de quê? Tá
bom que você tem o curso técnico, mas, aí, você vai ganhar quanto, o quê
que você vai conseguir conquistar na vida trabalhando num trabalho
normal?” Então, ela acaba me dando muito apoio, assim, para mim
continuar estudando – as coisas vão dar certo, se Deus quiser.

Consideramos que a condição de “só estudar”, garantida pela família era a


possibilidade de Sérgio vivenciar um tipo de moratória, especialmente relacionada a uma
postergação quanto ao trabalho mercantilizado. Não podemos dizer aqui da moratória social
nos termos de Margulis, Urresti (1996), visto que não ocorria de fato uma “suspensão do jogo
226

social”, entendendo que o estudo para concurso era uma forma de trabalho. Mas, era um tipo
de moratória na qual o jovem podia fazer a escolha se ser “somente” estudante e se dedicar e
essa atividade. No depoimento, ao criticar o trabalho que consumia o dia todo, o que ele via
como inviável para a conciliação com os estudos, o jovem acabava por reforçar a ideia de
vivenciar um tipo de moratória. Além disso, a julgamento era pertinente, pois mostrava que
outras nuances também compunham a disputa pelo concurso, não se tratando somente da
bagagem adquirida no ensino médio, mas dos tempos de dedicação e das condições para isso.
Sérgio enfatizava o apoio que recebiada família, o que não ocorria com seus/suas colegas:

É bom demais quando você tem o apoio da família, é bem mais fácil. Eu fico
vendo meus colegas, meus colegas têm que trabalhar. Às vezes, o pai não
tem condição, às vezes, também não apoia. Lá em casa, graças a Deus,
minha mãe me dá bastante apoio, mas não é a realidade de muitos jovens,
aí, que têm que ajudar em casa, que a mãe cobra trabalhar.

O jovem reconhecia que a realidade vivenciada por ele não era semelhante à da
maioria dos/as jovens, os/as quais nem sempre contavam com o suporte familiar, ratificando
que esta moratória acontecia de maneira diferente e desigual, não sendo garantida a todos/as
os/as jovens de nossa sociedade. Ao se referir-se à falta de apoio, usou o exemplo do pai,
como aconteceu com ele. O papel da mãe, referente tanto ao suporte moral quanto econômico,
como estamos descrevendo aqui, foi ressaltado em várias de suas falas.
O ambiente familiar de Sérgio se configurou para ele como um espaço propício para
os estudos. É interessante apontar, a partir deste caso em análise, algo que parece ser
recorrente nas famílias de camadas populares: os/as irmãos/ãs mais velhos/as tendem a
participar dos processos educativos dos/as mais novos/as, seja moralmente, seja
economicamente. Podemos considerar o fato como uma dimensão estratégica das camadas
populares, pois os/as mais velhos/as são incentivados/as a trabalhar, não raras vezes, por
necessidade, o que pode, em tese, estar possibilitando que os/as mais novos/as possam
usufruir das conquistas alcançadas e, com maior probabilidade, vivenciar a “moratória
social”, ficando isentos/as do emprego, por exemplo, como vemos no caso de Sérgio
(HEILBORN, 1997; CORROCHANO, 2008; TARTUCE, 2010).
Sérgio reforçou, por vezes, que sua trajetória destoava da dos/as jovens de camadas
populares tanto em relação à realidade que vivenciavam quanto em relação às representações
e opiniões. Para muitos/as de seus/suas amigos/as, Sérgio “é um à toa”, como afirmou ouvir.
“Somente” estudar já foi naturalizado por muitos/as jovens como algo impensado. Logo, para
a maioria dos/as jovens na faixa de 22 anos, o “lugar” de Sérgio seria no trabalho e, no
máximo, ele deveria conciliar o trabalho com o estudo.
227

Apontamos que Sérgio se via confrontado a dar conta do paradoxo entre o destino
socialmente esperado para ele – o “imperativo moral do trabalho, através do qual cabe ao
jovem, como signo de transição para vida adulta, o dever de trabalhar” (Maria, HEILBORN;
Cristiane CABRAL, 2006, p. 239) – e as próprias apostas nos estudos para passar em um
concurso público, a fim de conseguir “ser alguém na vida”, como ele afirmava em suas falas.
Assim, mesmo que tenhamos considerado que Sérgio vivenciava a possibilidade da moratória,
não podemos negar que ele sofria uma “pressão”, especialmente por parte do pai e do seu
meio social, para se inserir no mercado de trabalho, pois, muito embora as linhas de transição
estejam mais fluidas há um tempo, o trabalho ainda se constitui num momento privilegiado
para a transição para vida adulta, pois “ele é condição de possibilidade para que outras
dimensões da passagem da adolescência à vida adulta se efetivem” (GUIMARÃES, 2006, p.
171). Podemos dizer que Sérgio vivia a sua moratória.
A trajetória de Sergio nos traz elementos para problematizar a compreensão da
transição para a vida adulta. Tradicionalmente esta foi pensada de forma linear: escolarizar-se,
entrar no mercado de trabalho, sair da casa dos pais, casar-se e ter filhos. Porém, diferentes
autores/as129 já reconhecem que a transição não pode ser lida de maneira harmoniosa uma vez
que

as transições juvenis envolvem processos de ajustes mútuos e dinâmicos em


diferentes aspectos da sua existência: da aprendizagem – elaboração de
novas formas de ação e de entendimento do mundo, o outro, de si mesmo; da
identidade em mudança – transformação e criação de novas posições
identitárias e dos processos, de significação, por meio dos quais o indivíduo
elabora suas experiências com os outros, conferindo sentidos ou as
ressignificando. (Denise LARANJEIRA; Mirela IRIAT; Milena
RODRIGUES, 2014, p. 124-125).

Ao pensarmos na trajetória de Sérgio, fica evidente que a transição para vida adulta se
complexifica, acontecendo um processo de dessincronização, uma vez que estamos imersos
em contextos cada vez mais diversos, com modos de ser jovem singulares, com
“temporalidades e ritmos sociais imbricados e diferentes” (PAIS, 2003, p. 58). Consideramos
que o jovem conseguia elaborar novas formas de ação que permitia o dinamismo e ajuste de
sua transição, uma vez que escolhia, a partir dos seus suportes, continuar estudando. Não é
demais reforçarmos que a permanência do jovem na casa dos pais era marcada pela presença
familiar em seus projetos de vida, especialmente pelo suporte da mãe que era quem “sustenta”

129
Cf. FORACCHI, 1972; PAIS, 1993; Sandra ANDRADE; Dagmar MEYER, 2014; CAMARANO et al.,
2006.
228

os desejos do jovem, o que tem sido evidenciado em diferentes pesquisas130. Podemos dizer
ainda que o prolongamento da transição vivenciado pelo jovem Sérgio é marcado pela
ambiguidade (CHAUÍ, 1986). devido às dimensões das possibilidades e das tensões que
apontamos aqui, o que exemplifica que a experiência da moratória deva ser repensada, a partir
de múltiplos olhares que contemplem os/as diferentes jovens que têm distintas formas de
experimentar esse prolongamento.
Articuladas a essas questões, não podemos deixar de mencionar as mudanças no
contexto social, tais como aquelas relativas ao mundo do trabalho e à educação que, de
maneira geral, já têm contribuído para o prolongamento da juventude (CAMARANO; MELO,
2006; PAIS, 2003; CAMARANO et al., 2006). De um lado, tem ocorrido a relativa
democratização do sistema escolar, a qual permite uma ampliação no tempo de estudos dos/as
jovens, especialmente de camadas populares, vimos no perfil geral dos/as jovens. De outro
lado, no campo do trabalho, refletimos sobre a ampliação do assalariamento e das formas de
acesso ao mercado, como também sobre a diminuição do desemprego. Tais mudanças têm
repercussão tanto para a juventude quanto para seus familiares, o que propendem a
possibilitar que alguns/ algumas jovens, como Sérgio, possam vivenciar a moratória, devido
às melhorias das condições de vida de seus pais ou responsáveis. Todavia, a partir de 2015,
começamos a experimentar uma redução do incentivo aos processos educacionais e a
ocorrência de um mercado de trabalho em crise, com o aumento do desemprego, o qual tem
gerado espaços de trabalho precários, o que, por sua vez, dificulta a inserção do/a jovem no
mercado de trabalho. Significa dizer que o contexto que possibilitou a experiência de Sergio
está em transformação, certamente interferindo nos processos de transição para a vida adulta
de significativas parcelas dos/as jovens brasileiros/as.

2.5 “Faculdade? Só se eu puder pagar”

Vimos o quanto a família de Sérgio se preocupava com o processo vivenciado por ele
de escolarização na educação básica e com os estudos dele para a feitura de um concurso
público, proporcionando ao jovem a experiência da moratória, mas a inserção no ensino
superior parecia ser algo que não era tão incentivado e, para o jovem, remetia a um projeto
que poderia ser alcançado somente com a aprovação no concurso, por razões financeiras:

Eu penso muito em fazer faculdade, mas não agora. Penso demais. Só que
faculdade é meio difícil. Você trabalhar, como eu vejo alguns amigos meus,

130
Cf. LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011; LEÃO; NONATO, 2012; Zenaide ALVES, 2013; NONATO, 2010,
2013; Jorddana ALMEIDA, 2017.
229

ganha pouco e não tem uma profissão, sabe?! Trabalha lá, ganha, às vezes,
um pouco mais de um salário, para pagar a faculdade; às vezes, sai do
serviço e tem que trancar a faculdade. Eu quero buscar uma estabilidade.
Eu fiz o curso técnico e fico pensando assim: “poxa, pelo menos eu vou ter
uma profissão, vou ganhar um pouquinho mais, vai dar para eu pagar a
faculdade e não ficar tão apertado. Se eu sair do serviço, eu tenho a
profissão, caço outro lugar e não vai atrapalhar tanto”. Mas, assim, eu não
consigo ver eu estudando, ganhando, aí, mil... Mil e pouco [reais] igual a
maioria da galera e pagando R$ 900,00 de faculdade. É um preço bem alto,
acho quem tem cara para isso, mas eu prefiro estudar em casa, mesmo, on-
line e tentar uma estabilidade no concurso público, ou, pelo menos, se eu
não conseguir serviço público, se eu conseguir na área que eu fiz o técnico.
Sei lá... Eu acho que é muito difícil você trabalhar ganhando pouco e pagar
faculdade, sabe? Não sei, às vezes, eu estou pensando errado, né? O que
acha?

O desejo de Sérgio de cursar o ensino superior estava condicionado às condições


materiais. Ao contrário do projeto de vida que ele construiu em torno da inserção no concurso
público, a continuidade da escolarização não parece ser um projeto prioritário para ele. No
depoimento ele expressa que a dimensão do adiamento das recompensas não era “natural”,
quando se tratava do ensino superior, pois ele não se enxergava, por exemplo, “abrindo mão”
do salário, em prol da faculdade. Ademais, parecia não aceitar o fato de ter que esperar para
ter uma profissão, enquanto buscasse uma qualificação de ensino superior. Consideramos que
a dimensão do tempo e do investimento eram elementos que explicavam um pouco da
diferenciação para o jovem.
A visão do jovem acerca da inserção no ensino superior girava em torno da faculdade
privada. Toda a elaboração de projeto sobre a continuidade dos estudos se pautava no
pagamento da mensalidade (e outros pertinentes) e, portanto, na dificuldade de pagar uma
faculdade cara. Quando questionado sobre a universidade pública, Sérgio respondeu:

Você não se vê estudando numa Universidade Pública, não, ao invés de


pagar? Hannnn.... [silêncio]. Nossa, sacanagem essa pergunta [risos].
Nunca pensei, sempre achei muito difícil, achei muito “fora da minha
casinha”, sabe? Não sei. Nunca nem parei para pensar [...] A primeira vez
que fiz Enem, fui tão mal que nem fiz mais e não tentei inscrever para entrar
[...]. Eu acho que, na verdade, você estuda em escola pública hoje em dia...
Minha escola pública, vou falar a verdade para você, era péssima. Assim,
tinha dia que você ia para a escola, chegava lá, tinha três horários e você ia
embora para casa. Você concorrer com quem estudou em escola boa,
particular, é impossível. É uma coisa, assim, do outro mundo. Fui aprender
Matemática e Português depois que eu comecei a estudar em casa. Meu
Deus, tanta coisa que eu vi que era para eu ter aprendido no ensino médio.

O depoimento de Sérgio refletia a naturalização da ideia de que a universidade pública


não era para quem tivesse feito a educação básica em escola pública. Embora exista uma
realidade concreta acerca da precariedade do ensino médio, devido a diferentes nuances – as
230

quais são abordadas por todos/as os/as outros/as jovens da pesquisa –, Sérgio nem
vislumbrava a possibilidade de tentar. Isso exprimia a naturalização da incapacidade, bem
como o sentimento de inferioridade. Ademais, em 2012, o jovem já havia informado que
trabalhar e estudar atrapalhava bastante os estudos, pois ficava muito cansado e não conseguia
assistir às aulas, ou por falta de concentração, ou porque dormia (NONATO, 2013). Havia
dito, inclusive, que não “tinha pique” para estudar fora do horário de aula.

Trabalhar e estudar é muito puxado. Eu acho que, se você quer, se você tem
vontade de entrar para a faculdade, se você tiver condição de não trabalhar
e, se você tem uma escola boa que tem um ensino bom, eu não acho legal
você trabalhar, não, sabe? Mas, não é a realidade da maioria. Se você tem a
oportunidade de estudar, entra de cabeça, porque estudar... Não tem outra
saída. Você tem que estudar. Você estuda ou você vai ficar aí pelo resto da
sua vida na mesma. Não vai conquistar nada, vai ver os outros conquistando
e você não tendo nada. Estudar é o único caminho para você ter uma vida
melhor né? Se trabalhar, a gente já sai mais atrás. Acho que um “Enem da
vida” a gente está bem atrás, mas acho que, se lutar bastante, eu vou
conseguir, se Deus quiser, pois ensino superior é necessário para a gente ter
melhores empregos, né?

Em sua fala, Sérgio enfatizou que o ideal para os/as jovens que queriam acessar o
ensino superior era não trabalhar, ao mesmo tempo em que reconhecia que não era esta a
realidade da maioria. A dificuldade de conciliação entre trabalho e estudos poderia ser umas
das justificativas da opção do jovem, por “ser somente” concurseiro e decidir-se por protelar a
inserção no ensino superior, o qual, segundo ele, se articularia ao trabalho. Além disso, a
postura familiar quanto à moratória do trabalho para inserção no ensino superior não teria o
mesmo contexto, pois não representaria um retorno em curto prazo.
Por fim, mesmo consciente da dificuldade de estudar, o jovem explicitou que “a única
maneira para se ter um futuro melhor é os estudos” e que “com luta” se poderia ingressar no
ensino superior. O depoimento de Sérgio ratificava o lugar da escolarização, vista como
“único” meio de mobilidade, o que faz parte da construção histórica do mercado de trabalho,
como vimos, desconsiderando que a educação seja credencial importante, mas que se articula
a outras tão necessárias quanto.
Outro ponto relevante, quando refletimos sobre a relação que Sérgio estabeleceu com
o ensino superior, diz respeito à estratégia ou à ausência de estratégia para a inserção:

P: Você se vê fazendo esse mesmo movimento de estudo que faz para o


concurso para o Enem? Sabe que eu já pensei nisso? [risos]. É, não sei, viu,
sabe que eu não sei, eu já pensei nisso, se eu consigo estudar para concurso,
por que que eu não consigo estudar para fazer um Enem, né? Eu não sei,
viu... [pausa], não sei. Acho que seria diferente, sabe? Porque, assim, no
meu caso, que eu não trabalho, a gente pensa muito em querer ajudar a
mãe, ajudar em casa. Eu estou estudando, no caso, para conseguir algo que
231

me remunere, se eu consegui passar no concurso, eu vou ter remuneração,


ajudar em casa, vou poder pagar minha faculdade. Se eu ficar estudando
para fazer faculdade, passar no Enem, eu vou estudar, vamos supor, um ano
inteiro para passar e voltar a estudar. Eu não vou ter uma remuneração pra
poder ajudar minha mãe, ajudar em casa, acho que isso pesa bastante. Meus
planos são a curto prazo, mesmo. Preciso ter estabilidade. Estudo para
faculdade é investimento a longo prazo.

Sérgio acreditava que a estratégia que tinha para estudar para concurso não poderia ser
transposta para os estudos para o Enem, pois, segundo ele, os objetivos eram diferentes. Ele
afirmou que o objetivo com o concurso era ser remunerado para ajudar a família dele. Já a
faculdade seria um investimento a longo prazo, pois iria estudar para se inserir nela e, depois,
continuar a estudar para conseguir um trabalho. Consideramos que o jovem não buscava
estratégias variadas de mobilidade, pois depositava todas as expectativas na inserção em um
concurso. A visão do concurso “como salvação” evidenciava uma postura pautada no
“presente estendido” (LECCARDI, 2005), pois suas tentativas ocorriam a partir de
“facilidades” de estudo e inserção, escolhendo, assim, concursos sem uma relação com um
possível curso superior. O jovem parecia não construir a possibilidade de conciliar os estudos
para o concurso e para o Enem, por exemplo. Novamente, Sérgio ressaltava em sua fala o
quanto era complexo ser estudante e ser sustentado pela mãe, por isso, segundo narrou,
precisava de algo que tivesse resultado a curto prazo, pois não poderia mais ficar na situação
de dependência. Enfatizou que os planos que alimentava se dirigiam em direção ao objetivo
de passar em um concurso para, somente depois, acessar a faculdade:

Hã... Eu quero muito ser aprovado... [risos]... Eu quero muito ser aprovado
em um concurso, entrar para faculdade e continuar estudando. Entrar na
faculdade, formar e tentar um concurso de nível superior. Acho que a gente,
quando conquista uma coisa, a gente tem que buscar sempre conquistar
mais, né? Acho que faz parte da vida, a gente faz um plano, quando a gente
conquista, a gente pensar em outra coisa. Se eu conseguir ser aprovado no
concurso, eu vou entrar para faculdade. Está nos meus planos entrar numa
faculdade e fazer uma faculdade e tentar um outro concurso para nível
superior. Eu acho que carreira pública é o melhor que tem.

O depoimento do jovem nos faz concluir o quanto o concurso público era prioridade
para Sérgio, mas, ao mesmo tempo, ele alimentava o desejo de, em longo prazo, poder
trabalhar e estudar, para acessar um concurso de nível superior. Na pesquisa realizadano ano
de 2012, o jovem havia afirmado o interesse em cursar Educação Física, na UFMG, mas
mencionou recentemente que não pensava mais nesse curso, pois havia poucos concursos na
área. Disse que, provavelmente, fizesse Administração, pois este curso apresentava relação
com a área para a qual ele estava estudando para concurso. Todavia, enfatizou que faria um
232

concurso de nível superior, mesmo sem relação com o seu curso de formação, sendo o estudo
somente um meio para o trabalho.
A trajetória do jovem Sérgio tendia a representar um ideal de indivíduo como “dono e
senhor de si mesmo” – sujeito autônomo – como salienta Martuccelli (2007), o qual, mediante
as complexidades do mundo do trabalho, busca (re)construir outras possibilidades de
vivências, por meio do(s) suporte(s) que possui. O desemprego forçado, articulado à recusa de
ter que viver em meio às incertezas do mercado de trabalho, serviu como mote para que o
jovem optasse por buscar outros caminhos de inserção. Desta maneira, mesmo não estando
inserido no mercado de trabalho, a todo momento o jovem dialogava com a expectativa de
inserção, via concurso público. O trabalho ganhava centralidade nos projetos de vida dele,
especialmente na constituição como jovem estudante. Sérgio era capaz de sustentar-se como
concurseiro, fazendo referência à questão de Martuccelli (2007) sobre como o indivíduo seja
capaz de sustentar-se no mundo, pois, no caso de Sérgio, por exemplo, ele tinha a família e,
especialmente a mãe e a irmã como suporte. O suporte, primordialmente da mãe, garantia que
Sérgio experimentasse a este tipo de moratória, o que tendia a ser algo distante para jovens de
camadas populares. Porém, como explicitamos, havia tensões, marcadas especialmente pela
cobrança do pai/irmão e do próprio jovem acerca do lugar dele, sendo vivenciada nas suas
ambiguidades. A experiência do jovem como estudante que buscava inserção no mercado de
trabalho por meiode concursos contribuiu para questionar a construção da categoria nem nem
e ratificara complexidade da chamada transição para vida adulta.
233

3 CENA 3 – Terrenos labirínticos - entre os trabalhos e a busca do emprego como


construção de si: a jovem Rebeca

A trajetória da jovem Rebeca convoca(va) a refletir sobre as singularidades que


perfazem a experiência juvenil de uma mulher, casada e com filha. Sua cena trazia à tona as
assimetrias e as desigualdades de gênero. Quando ainda adolescente, a jovem vivenciava a
lógica da “internalidade feminina”, o que, por sua vez, era reforçado pela postura da mãe que
tendia a responsabilizá-la pelo trabalho doméstico. Tal lógica era articulada a um controle dos
tempos/espaços de vivência de Rebeca. A internalidade continuava na juventude tanto na vida
como cônjuge quanto no exercício da maternidade. A jovem, em suas experiências laborais,
mostrava-se sempre proativa, o que acabava gerando uma intensificação das atividades
realizadas em um de seus trabalhos. Quanto à escolarização, a jovem tinha idas e vindas,
devido às lógicas de gênero, à ausência de condição econômica e em razão da maternidade. A
cena de Rebeca evidenciava o trabalho doméstico e aquele de ser mãe, reforçando que o
campo do trabalho não pode ser somente àquele midiatizado por relações mercantis. Não
obstante, a jovem não se via nesses trabalhos e desejava um emprego para a “construção de
si”. Por último, consideramos que, assim como Mafalda, da tirinha131 acima exposta, a jovem
construía seus projetos, teoricamente, mas, na prática, se via em terrenos labirínticos.

3.1 A jovem mãe: as tramas e os dramas da sua história

Rebeca é uma jovem, a qual estava com 22 anos no período da pesquisa. Casada, se
autodeclarou parda, heterossexual e sem nenhuma religião. A jovem tem uma filha que, na
época da entrevista, estava com um ano e nove meses de nascida. A gravidez ocorreu dois
anos após o término do ensino médio. Estava sem emprego, mas era responsável pelo trabalho
doméstico e pelos cuidados com a filha. A mãe de Rebeca tinha ensino médio incompleto, o
pai cursou até a 4ª série do ensino fundamental. O marido de Rebeca tinha o ensino superior

131
QUINO, Joaquín. Lavado. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
234

incompleto (Engenharia de Sistemas). A mãe de Rebeca trabalhava como copeira, o pai como
padeiro/confeiteiro em padaria própria e o marido da jovem como motorista de transporte
público.
No momento da primeira entrevista, Rebeca morava com a mãe, com o irmão e com a
filha. O marido permanecia no imóvel dos pais dele, contudo, o casal estava construindo uma
moradia própria.
Quanto à família, Rebeca declarou que os pais dela não foram casados, tiveram um
relacionamento curto e, por isso, ela e o pai sempre tiveram pouco contato. Mas, teve a
oportunidade de uma experiência de proximidade, por sete meses, ainda na adolescência,
como narrou:

Eu morei com o meu pai sete meses, só para terminar o meu ensino
fundamental, porque a minha mãe mudou de bairro e eu fiquei com o meu
pai para não ter que trocar de escola. No começo, foi mil maravilhas, sabe?
Ah, estou morando com meu pai, nunca xinga, nunca fala nada. Minha
madrasta era muito boa. Com o passar do tempo, foi estranho, porque eu
não tinha o meu quarto, eu não tinha nada meu separado. Eu não tinha
privacidade, pois eu saía do banho e ia para o quarto, não podia trocar de
roupa sozinha. Meu irmão, por parte de pai, ele abria a porta do quarto a
hora que ele queria. Na casa da minha mãe, não era assim, tinha os limites,
até hoje tem. Minha mãe corrigia a gente, meu pai deixava tudo. Eu não
tinha intimidade com meu pai para conversar coisas de mulheres, como
menstruação. Minha mãe fazia falta. Não tinha afeto com meu pai.

A experiência da jovem com o pai foi se alterando ao logo do tempo. A princípio, a


ausência de limites era algo que alimentava o desejo de Rebeca de morar com o pai, pois,
mesmo antes da necessidade de mudança de bairro, a jovem já “implorava para a minha mãe
deixar eu morar com o meu pai”. Não obstante, decorrido um tempo, o limite, se tornou algo
necessário para a jovem. Chama a atenção a comparação que a jovem fez entre a postura da
mãe e a do pai, pois mesmo com 13 anos, ela requeria a presença de uma autoridade
representada por um adulto. Além disso, a ausência de privacidade na casa e de diálogo com o
pai passou a ter um peso maior para a decisão de não permanência na nova moradia, pois,
naquele momento, estava aprendendo a lidar com o corpo e suas transformações biológicas. A
falta de confiança e de diálogo se agravava ainda mais com a ausência do pai, pois

ele nunca estava em casa, porque ele sempre trabalhou na padaria, então,
ele saía de casa três horas da manhã e voltava meia- noite, aí, eu nunca via
ele. Eu tinha uma meia- irmã, mas sempre eu que tinha que fazer comida,
limpar a casa e lavar roupas. E minha irmã nem ligava, pois falava que eu
sabia fazer mais coisas, por ser mais velha. E o meu irmão nem era
obrigado a fazer nada, um absurdo, né? Quando alguma coisa estava suja, a
minha madrasta reclamava com meu pai e ele reclamava comigo, porque eu
era moça e estava dentro de casa e “a moça tem que cuidar da casa”. Hoje
235

eu não aceitaria isso, não.

O depoimento mostrava que morar na mesma casa não significou uma aproximação
entre pai e filha. Parecia que a madrasta se “desresponsabilizou da jovem”, inclusive,
delegando somente a esta última os cuidados da casa. A partir do depoimento, é possível
evidenciar as desigualdades de gênero tanto na relação entre os irmãos, pois o irmão não era
demandado quanto ao trabalho doméstico (não-remunerado), quanto na relação entre Rebeca
e a irmã.
Diferentes autoras/es132 problematizam a invisibilidade do trabalho doméstico, bem
como o uso do termo para designar as atividades desenvolvidas no âmbito privado.
Alguns/Algumas ressaltam que o trabalho doméstico, a partir da cultura machista, é tido como
uma tarefa de responsabilidade da mulher e, consequentemente, é menos valorizado (Cristiane
SOARES, 2008; Claudio DEDECCA; Camila, RIBEIRO; Fernando ISHII, 2009; Jéssica
AGUIAR, 2017).
A invisibilidade do trabalho doméstico está articulada à inferioridade do papel da
mulher na sociedade, o que é histórico no Brasil. Historicamente construiu-se uma imagem do
papel feminino assentado na reprodução biológica e fixado na esfera privada, ou seja, dentro
de casa, enquanto aos homens cabe o espaço de trabalho na esfera pública. Ademais, tal
historicidade tem raízes no processo de abolição da escravatura, momento em que a mulher,
negra especialmente, encontrou oportunidade como trabalhadora doméstica - nem sempre
remunerada (Joaze COSTA, 2015). Helena Hirata e Danièle Kergoat (1994), ao
problematizarem que a classe operária tinha dois sexos, já chamavam a atenção para que “as
práticas, a consciência, as representações, as condições de trabalho e de desemprego de
trabalhadores e trabalhadoras são quase sempre assimétricas” (p. 94). Neste sentido, o termo
usado para designar as atividades desenvolvidas no âmbito privado tem um papel de
contribuir para minimizar as desigualdades de gênero.
Rafaela Cyrino (2009) reflete que alguns/algumas autores/as têm dificuldade de
reconhecer como trabalho as atividades domésticas, quando estas não são remuneradas, mas
trabalham com a ideia de trabalho social, que trata-se da articulação entre o assalariado e o
doméstico. Dedecca (2004) se aproxima da autora citada, ao defender a ideia de trabalho para
a reprodução social, a qual, segundo o autor, incorpora a dimensão econômica, para consumo
próprio e para a organização familiar. Munich Santana e Magda Dimenstein (2005) afirmam

132
Cf. HIRATA; KERGOAT, 2004; Claudio DEDECCA, 2004; Munich SANTANA; Magda DIMENSTEIN,
2005; Cristiana BRUSCHINI, 2006; Hildete MELO et al., 2007; Cristiane SOARES, 2008; Rafaela
CYRINO, 2009.
236

que as atividades domésticas são uma forma de trabalho. Cristina Bruschini (2006) defende o
uso do termo trabalho não remunerado, ao invés de inatividade, como é considerado nas
pesquisas censitárias, ou PNAD, por exemplo. Por fim, Hirata (2002) enfatiza o caráter
multidimensional do trabalho, entendendo o trabalho não somente no campo profissional, mas
também no doméstico. Concordando com as defesas dos/as autores/as para que as atividades
desenvolvidas no âmbito familiar (mesmo aquelas não remuneradas) sejam nomeadas como
trabalho e não como “dupla jornada”, “segundo turno”, ou “acúmulo”, como se fossem
apêndices do trabalho assalariado, como chamam a atenção Hirata e Kergoat (2007),
assumiremos tal conceito nesta tese, isto porque não nomear o trabalho doméstico como
trabalho tende a reforçar ainda mais as desigualdades de gênero.
A problematização sobre o termo é importante, pois contribui para contestar as
desigualdades e as assimetriasde gênero. Retomando o depoimento de Rebeca, é possível
denotar que ela explicitava a sua insatisfação, mas, embora discordasse, realizava as
atividades. Isto porque a jovem tinha treze anos e seguia as imposições do mundo adulto.
Contudo, assim como as jovens interlocutoras da pesquisa realizada por Jéssica Aguiar
(2017), Rebeca afirmava que já não aceitaria a diferença de tratamento, pois passou a
compreender como as relações socialmente construídas reforçavam estereótipos de gênero e
aumentavam as assimetrias entre os sexos. Desse modo, a jovem passou a enfrentar e
propunha a não aceitação de uma realidade parecida nos tempos atuais. Concordamos com a
autora supracitada que “essas práticas generificadas que são reproduzidas, reforçam as
assimetrias e demarcam espaços e posições socialmente definidos como ‘naturais’,
fabricando, assim, sujeitos em relações desiguais” (AGUIAR, 2017, p. 64). Na narrativa da
jovem, foi possível perceber uma diferença entre as irmãs, o que refletia que a “identidade de
‘mulher’ não foi capaz de gerar solidariedade no interior do lar” (COSTA, 2015, p. 152). Com
isso, não queremos dizer que não exista sororidade133 entre as mulheres, mas que a identidade
de gênero é entrecortada por outras diferenças, tais como idade, como é o caso aqui exposto,
mas, também, classe e raça. Ao longo da cena, será possível retomar a dimensão de gênero
que atravessava a vida da jovem Rebeca, com mais intensidade que no caso de outros/as
jovens.

133
Conceito presente no feminismo definido como união, cumplicidade e aliança entre mulheres e busca por se
alcançar um objetivo comum. Representando a "união entre mulheres que se reconhecem irmãs formando
um grupo político e ético na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres". Disponível em:
www.movimentovamosjuntas.com.br
237

Após o término do ensino fundamental, Rebeca voltou a morar com a mãe. A distância
geográfica, articulada à escassa relação entre pai e filha, afastava ainda mais os dois.
Decorridos alguns anos, o pai se separou da madrasta e se envolveu com outra mulher.
Segundo Rebeca, o pai retomou o contato com ela, mas ainda com pouquíssima frequência.
Quando a jovem já estava com cerca de 19 anos, eles ampliaram o contato. Rebeca afirmou
que tentava ter uma relação mais próxima com o pai, mas não aceitava algumas atitudes dele,
especialmente quanto ao não comprimento do “papel” de pai. Assim, a jovem questionava,
por exemplo, o trabalho que o pai gostaria que ela exercesse, pois, segundo ela, “ele sonhava
muito pouco para ela, pois não a conhecia. Ele queria que eu trabalhasse como garçonete de
padaria. Gente, eu faço um curso e ele queria que eu trabalhasse de garçonete da padaria
dele. Eu falava: ‘como que me rebaixa tanto assim?’” Mesmo diante das insatisfações que
tinha a jovem ressaltou:

hoje em dia, eu vejo a falta que ele fez. Ter um pai presente deve ser muito
diferente. Talvez eu seria mais incentivada. Teria um homem para me dar
conselhos, pois tem outras ideias. Nossa, ele nunca ajudou em nada. Ele só
me via uma vez por ano, que era no meu aniversário. Eu nunca contei com
nada do lado paterno, mas era melhor não contar, porque, se eu contasse,
eu sairia no prejuízo, sempre quando ele falava que iria me dar alguma
coisa, eu saía no prejuízo, porque ele não me dava. Ele só atordoou a minha
vida.

A ausência do pai não era algo que havia sido superado pela jovem. Em diferentes
momentos, Rebeca fazia leituras do seu passado explicitando o quanto seria diferente se
tivesse contado com a presença do pai. Interessante apontar que a jovem requeria do pai uma
relação de confiança e intimidade, “para dar conselhos”, a partir do ponto de vista
masculino. A ausência do pai tende a ser algo recorrente entre os/as jovens de camadas
populares, na realidade, há uma ausência presente, como vimos também com Sérgio, pois o
pai teve a oportunidade de assumir seu papel, mas não o fez. O distanciamento do pai, entre
outras consequências, gerou o afastamento da família paterna, cujos membros não faziam
parte da trajetória de Rebeca.
No que tange à relação com familiares maternos, a jovem afirmou que sempre foi
muito próxima de todos/as, os/as quais a ajudavam em tudo o que ela precisava. Como sua
mãe engravidou aos 21 anos e não teve apoio do namorado, a família as ajudava sempre.
Como apontado por Acácia Dias e Estela Aquino (2006), um argumento recorrente na
literatura sobre gravidez é que alguns filhos/as tendem a repetir a história reprodutiva da
família, o que aconteceu com Rebeca. A jovem engravidou na juventude e narrou como a
relação com a família se alterou, após anunciar a sua gravidez:
238

Na família da minha mãe, todos nós somos muito críticos e muito


observadores, sabe? Se a gente comete um erro, você está crucificada.
Minha prima falou assim: “todo mundo acha você perfeita, porque você
estuda, você é quietinha, aí, acontece isso [gravidez], né?” Aí, todo mundo
pensa assim, “a santa não é santa”, a frase que eu ouvi de umas tias. Então,
isso foi um pouco pesado, tanto que minha mãe não conversa mais com as
minhas tias, por causa disso, de tanto elas falarem essas coisas [começa a
chorar]. Eu sempre fui incentivada, sempre fui a sobrinha e neta preferida,
por ser estudiosa, por conquistar muita coisa sozinha, por fazer de tudo
sozinha. Aí, quando eu engravidei, foi meio assim que caiu isso, sabe?
Desmoronou. Acho que a parte mais triste da minha vida foi isso, porque,
assim, era meio que “auge”, assim, de todo mundo e foi para “nada”
depois.

Percebemos a repercussão da gravidez na relação familiar. A gravidez era vista como


algo desmoralizante, pois, a partir deste fato, “a santa não é santa” e Rebeca passou a ser
preterida. Importante problematizar que a família deu suporte à mãe da jovem, por ter sido
mãe na juventude, mas, no caso de Rebeca, os familiares tomaram outra postura. Pontuamos
como a gravidez na juventude repercute, especialmente, na vivência da jovem mulher, pois
“pegar barriga”, como a jovem explicitou, era algo que seria visto por todo mundo e todos/as
pronunciariam julgamento, afinal, como aborda Shirlei Sales (2017, p. 77), “as jovens
evidenciam com suas barrigas a prática sexual desprotegida e sem prevenção”.
Concomitantemente, há a cobrança e a regulação dos prazeres protagonizados pelas mulheres,
tendo em vista que, numa sociedade machista, as mulheres não podem, em tese, demonstrar
nem praticar seus desejos.
A jovem se emocionou ao relembrar do momento em que contou da sua gravidez para
a família dela, pois disse que passou “a ser nada” e sofreu muito com a situação. Na
contramão da postura da família de Rebeca, ela afirmou que, na família do namorado,
“ninguém nunca falou nada. Ficaram assim até chatos, de tanto que eles gostaram da
situação”. A postura dos familiares do namorado reforçava a ideia tão amplamente discutida
de como a maternidade e a paternidade ocupam lugares diferentes na sociedade, totalmente
marcados pela relação de gênero e pela cultura machista, pois o homem jovem, “grávido” e
solteiro não sofre os mesmos preconceitos e constrangimentos da mulher jovem, grávida e
solteira. A gravidez de Rebeca trazia à tona mais uma desigualdade de gênero socialmente
construída. Maria Heilborn e Cristiane Cabral (2006) apontam que as mulheres “são
culpabilizadas por engravidar e os homens absolvidos ou esquecidos de sua participação” (p.
228). Sales (2015) afirma, ainda, que as práticas sexuais são “exibidas” como uma espécie de
troféu para os meninos, pois a gravidez, por exemplo, atesta a masculinidade. Acácia Dias e
239

Estela Aquino (2006) ponderam que, até na literatura sobre a temática, existe uma tendência
de circunscrever a questão ao universo feminino.
Desse modo, esse acontecimento nos indicava e ratificava como há a regulação da
vivência da sexualidade na juventude, especialmente se estamos nos referindo à jovem
mulher. Rebeca era considerada “perfeita”, “quietinha”, “trabalhadora” e “estudiosa”, até
que existiu uma evidência (a gravidez) de que ela estabelecia relações sexuais com o
namorado. A partir daí, ela passou a “ser nada”. Nesse sentido, a forma como a vivência da
sexualidade e a gravidez, mais especificamente, foram encaradas pela parentela de Rebeca
nos mostra que há, sim, uma relação direta com a moral, pois espera-se determinado
comportamento das jovens mulheres e outro comportamento dos jovens homens, conforme
explicitado anteriormente.
Nesse contexto de julgamentos e distanciamento das pessoas, a jovem informou que,
desde que descobriu que estava grávida, teve, especialmente, o suporte (MARTUCCELLI,
2007) da mãe, do namorado e da família do namorado. Diferentes autores 134 ressaltam a
contribuição das famílias, enfocando o papel da mãe em torno do apoio para a
parentalidade135. Rebeca salientou, ainda, que a mãe não aceitava as críticas feitas e a
defendia, em diferentes ocasiões, com outras pessoas, contudo, a relação entre ambas era
diferente, pois

a minha mãe “surtou”, porque eu tinha tirado carteira [de motorista],


começado a faculdade, aí, foi quando ela “surtou”, ela deu um “surto
psicótico”, um “surto”, mesmo, gente. Ela olhava para mim com uma
tristeza e eu não aguentava. Todos os dias, ela olhava para mim e falava
“não acredito que você está grávida. Como foi fazer isso? Não esperava
isso de você”. Eu olhava, assim, e falava: “eu sei que são épocas diferentes,
mas você também engravidou com 21 [anos], então, não faz muita diferença
não, sabe?!”

A jovem Rebeca afirmou que a mãe dela sempre falava que não queria a reprodução
de seu destino para a filha, que não queria que “esse tipo de coisa [gravidez] acontecesse”.
Como ressaltam Ana Dias e Marco Teixeira (2010), a gravidez tende a ser colocada como um
“desvio de percurso”, como ficou explícito no depoimento da jovem e, no caso na mãe de
Rebeca, parecia ser uma frustação ainda maior, pois ela projetava na filha algo que não havia
conseguido para si mesma.
Rebeca citou que tinha uma relação próxima com a mãe, mas que ela sempre a
controlava muito. “Quando eu comecei a namorar e ela viu ‘que ia para frente’, ela viu que
134
Cf. HEILBORN; CABRAL, 2006; HEILBORN et al., 2002; DIAS; AQUINO, 2006.
135
Termo que engloba a ideia de maternidade e paternidade (HEILBORN; CABRAL, 2006, p. 225).
240

eu ia acabar saindo de casa mais cedo, então, piorou; eu não podia sair para canto nenhum,
não tinha escapatória, sabe? A minha vida era estudar, pois eu não tinha para onde sair, e
minha mãe me prendia demais”. A jovem queria muito sair de casa para

viver o que eu queria viver e minha mãe não deixava. Na minha


adolescência, eu era muito de ficar em casa, minha vida era muito de
estudar, então, eu pensava: “vou estudar para o que eu gosto e vou fazer
algo fora”. Então, assim, eu sempre pensava: “tem que ter uma maneira de
eu conhecer as coisas”, sabe? Sem estar aqui, porque aqui não me agrada,
mas eu nunca consegui ir, então, eu tenho isso na cabeça até hoje. Hoje eu
tenho uma barreira que é a minha filha, mas, quando eu era mais nova, eu
queria sair loucamente e ir “curtir a vida”, ir para tudo quanto é canto,
conhecer tudo quanto é lugar. Mas, minha vida era muito restrita pela
minha mãe, acho que, por ser mulher, pois com meu irmão não é assim. Ele
está com 14 anos, o menino vai para tudo quanto é lugar; eu, com 14 anos,
eu tinha que arrumar casa, sabe? Eu tinha que cuidar do meu irmão, eu
tinha que estudar, tirar nota boa, só isso, podia fazer mais nada de
diferente. Se eu tivesse que ir em uma festa, aí, eu ia, tinha horário para
voltar, tinha que avisar minha mãe, sempre, onde eu estava, cada canto que
eu ia, com quem ia, seu eu falasse homem, aí,“já era”, então, assim, chega
um certo tempo que você fica cansada disso. Até hoje, quando eu vou em
algum lugar, eu ligo para ela, acho que é costume de fazer isso, mas tem
coisa que eu não falo mais, acho que isso era bem chato. Eu nunca falei
para minha mãe que eu tinha desejo de sair de casa, com medo de magoar.

A narrativa trazia diferentes nuances que remetiam às relações de gênero, como


sinalizou Rebeca. Inicialmente, ressaltamos o desejo da jovem de vivenciar a condição
juvenil, para além do estudo e do trabalho, o que ia de encontro com a postura da mãe, a qual
atuava como limitadora dessa vivência. A atitude da mãe explicitava a cultura de
“internalidade feminina” em relação a casa, a qual favorece a vigilância sobre a vida das
jovens mulheres, especialmente, no que tange à sexualidade. O que, por sua vez, não acontece
com os homens, os quais são incentivados tanto a externalidade quanto a serem ativos na
dimensão sexual. Outra questão importante que se articula à “internalidade feminina” se
refere a não divisão do trabalho doméstico, ou à ocorrência de uma divisão muito desigual
(HIRATA; KERGOAT, 2007). Assim, como na época na qual morou com o pai, como já
abordamos, o trabalho doméstico era responsabilidade da jovem Rebeca, acrescido do cuidado
com irmão mais novo. Como afirma Aguiar (2017), tratava-se de “uma jornada que não
termina. Jovens mulheres que se desdobram entre os afazeres da escola [...] e do trabalho
doméstico, ocupações que disputam suas dedicações e o anseio por tempo livre” (p.59).
Interessante mencionar que o desejo de sair de casa e “viver o que queria viver” não
significava para a jovem a negação dos estudos, pois estudar continuava a fazer parte dos seus
planos. Assim, sair de casa representava não ter o controle da mãe, desejo compartilhado por
outras jovens mulheres, como apontado por Heilborn et al. (2002). Devido à falta de
241

condições, mas também ao medo de magoar a mãe, a jovem não saiu de casa, mas afirmou
que a gravidez foi uma maneira de diminuir a vigilância.

Casei com a pessoa que namorei desde a época de UFMG. Aí, ficamos, aí,
tivemos Karen [risos], não planejado, inesperado, mesmo. Tive a Karen,
pela teimosia de ser muito naturalista da vida. A teimosia leva a algumas
coisas não muito boas, mas a gente aprende com os erros, mas não foi uma
coisa que eu achei absurda, porque, assim, foi um meio de escapar da minha
rotina, da loucura da minha mãe, de me prender em casa, porque, nesse
tempo, eu era meio assim, de estudar muito, eu era muito focada no estudo,
tanto que eu passei em duas [universidades] federais e não pude cursar
nenhuma das duas, porque a minha mãe não me deixou sair de casa de jeito
nenhum. Então, assim, quando eu engravidei, foi “aquela loucura”, foi uma
loucura total, assim, “o que que eu vou fazer agora?”. Porque eu não tinha
casa, não estava casada, estava namorando, estava fazendo faculdade,
então, assim, estava começando a construir a minha caminhada.

A gravidez de Rebeca “foi aquela loucura”, especialmente porque não tinha passado
por alguns ritos considerados “padrão”, para antes de se ter um filho, quais sejam: o
casamento, a saída da casa dos pais, juntamente com uma moradia, e, no caso dela, com a
faculdade.
A narrativa da jovem colocava em questão o discurso da “gravidez indesejada”, pois,
mesmo sem planejar, a maternidade representava para Rebeca a “liberdade” com relação à
autoridade da mãe. Com a gravidez, a jovem mencionou que teve mais liberdade, pois a
“mãe, já pensou assim: já fez, não tenho mais nada que possa fazer, já está grávida, então,
não posso impedir de fazer mais nada. Já aconteceu o pior”. Nesse contexto, é necessário
enfatizar que a situação de parentalidade precisa ser lida em sua complexidade, pois revela
uma “diversidade de razões, causas, motivações e perfis desses sujeitos, retratando uma
peculiar heterogeneidade” (DIAS; AQUINO, 2006, p. 1448).
Concordamos com Dias e Teixeira (2010) que apontam que a gravidez pode ser uma
alternativa para lidar com questões e problemas presentes no contexto socioafetivo, no caso
da jovem Rebeca, o controle excessivo por parte da mãe. Destarte, como abordam as autoras,
a gravidez “pode fazer parte de um projeto de vida das adolescentes uma vez que funciona
como um ‘passaporte’ para entrar na vida ‘adulta’; [...] é tida como uma via de acesso a um
novo estatuto de identidade e de reconhecimento através do papel materno” (idem, p. 128-
129). Ainda tendo como referência os/as autores/as citados/as, apontamos que problematizar a
gravidez, especialmente na juventude, somente como algo indesejado ou não esperado, pode
deixar de fora elementos variados do fenômeno, como o explicitado por Rebeca, ou como
uma “alternativa de vida”, trazendo à tona outros modos de viver a juventude, sendo que a
parentalidade pode fazer parte desses modos de ser jovem. Em consonância com essa
242

perspectiva, o documentário “Meninas” (2006), dirigido por Sandra Werneck, também nos
traz essas experiências vivenciadas por jovens mulheres. Algumas chegam a citar a
importância de se ter o/a filho/a para, na configuração familiar existente, deixar a posição de
ser mais uma “filha que cuida dos/as irmãos/ irmãs” para passar a ser “mãe que cuida apenas
de uma criança, seu/sua próprio/a filho/a”.
Se a gravidez se constituiria, para Rebeca, como uma possibilidade de ter menos
controle da mãe e poder sair mais, a realidade se apresentou bem distinta, pois, devido às
limitações da gestação e aos posteriores cuidados com a filha, a jovem continuou limitada
quanto ao anseio por sair. Porquanto, independente de ser desejada/planejada, ou não, a
maternidade se impõe, especialmente, na vida das jovens mulheres. A vida das jovens passa a
se vincular com as demandas dos/as filhos/as, atrelada ao discurso de que a mãe seja
responsável por todos os cuidados com a criança (Joan SCOTT, 1995; HEILBORN et al.,
2002; AGUIAR, 2017), o que acirra ainda mais a internalidade feminina.
Após o nascimento da filha, Rebeca e o namorado se casaram, corroborando com Dias
e Aquino (2006) que citaram que a existência de filhos/as parece motivar a conjugalidade. A
jovem enfatizou que já pretendia casar-se com seu namorado, mas que antecipou a ideia do
casamento, devido à gravidez, e por compreender que esta era a oportunidade de ela sair de
casa e se distanciar da vigilância materna. Guimarães, Marteleto e Brito (2016) enfatizam que,
no Brasil, houve um rejuvenescimento do padrão de fecundidade, ao mesmo tempo em que
ocorreu uma diminuição das taxas de fecundidade em outros grupos etários (Cíntia SIMÕES;
Luanda BOTELHO; Pedro MORAES, 2018). Também mencionam que o país ocupa o quarto
lugar em uniões conjugais para idades abaixo de 19 anos.
Embora tenha se casado, devido ao não planejamento, mas também à necessidade de
ajuda para cuidar da filha, a jovem Rebeca ficou na casa da mãe, durante toda a gestação e no
período puerpério. Afirmou que, durante o período de gestação, os familiares maternos foram
aceitando a sua gravidez e passaram a ajudar em tudo o que ela precisava.
Rebeca e o namorado, no período em que se realizava a entrevista, estavam
construindo um imóvel no lote da família dele e, enquanto a casa não fica pronta, estariam,
segundo ela, “igual cigano, assim, toda hora na casa de uma pessoa, porque ninguém dá
conta, é muita pessoa para uma casa só, aí fica, vai para a casa de um, vai para a casa de
outro, constrói, vai terminando”. É importante mencionar que, mesmo com as críticas e a não
aceitação inicial com relação à gravidez, os familiares maternos de Rebeca contribuíram com
a construção da casa, alguns/algumas financeiramente, e outros/as, com mão de obra.
243

No início do ano de 2017, Rebeca passou a morar com o marido e com a filha e
comentou que ainda estava aprendendo a ser jovem, casada e mãe, pois era tudo muito novo.
A jovem mencionou que a relação com a mãe havia mudado muito:

Sair de casa é outra coisa. Muito bom! Qualquer coisa que ela fala eu ainda
me sinto afetada, mas não muda as coisas que eu tenho que fazer, porque já
sou mulher, eu tenho uma família. Eu já sou casada, eu já tenho minha vida
e agora é minha vida. Então, assim, são minhas decisões, não são mais dela.
Agora é muito difícil eu consultar e aceitar imposição dela para alguma
coisa, porque, hoje em dia, a gente tem que começar a andar com as
próprias pernas, sabe? E já aceitei muito. Eu pergunto a ela coisas que eu
realmente não sei dentro de casa, quando eu fico com dúvida. Quando é
alguma coisa que eu tenho que comprar, está caro e eu não tenho a mínima
noção, que são coisas de mãe, né?

O depoimento da jovem expressava o sentimento de liberdade que teve ao sair de casa


da mãe. Se, para Rebeca, a sua vivência como jovem, casada e mãe era uma construção, a não
aceitação das ordens e das imposições da mãe era algo concreto. O casamento representou
para ela a possibilidade que, há muito tempo, desejava: poder tomar decisões próprias, sem a
interferência da mãe. Por outro lado, percebemos que a mãe ainda ocupava o lugar de apoio
quanto à gestão doméstica, pois era procurada para responder questões “que são coisas de
mãe”, o que, por sua vez, reforçava uma visão generificada quanto à dinâmica doméstica.
Assim, como salientam Dias e Teixeira (2010, p. 125), a jovem que engravida “além de
exercer o papel de filha, passa a exercer o papel de mãe, e ressignifica nesse processo, a sua
relação com a própria mãe”, pois passa a ter outro olhar para maternidade o que possibilita
haver menos conflito com a família. Ratificando essa nova postura, a jovem afirmava que
passou a ter a mãe como referência, compreendendo as dificuldades que a mãe teria passado
para cuidar dela e do irmão, sem a presença do pai deles. Rebeca refletia que tratava-se de um
processo difícil, pois

a gente não nasce mãe, né? Muda a nossa vida toda. A minha “biologia” da
vida, como eu sempre digo, tive que passar ela para frente, né? Tive que
parar, coisa que eu amo, como a faculdade, e querer outro amor, minha
filha. Foi desesperador, porque eu parei, estagnou, aí, eu fiquei assim: “e
agora? O que que eu faço da minha vida? Como que eu toco?”. Aí, passou
dois meses e eu pensei assim: “continuar, né? O fruto está aqui [mostra
barriga], ele vai vir”. É difícil ser mãe, porque todo mundo acha que temos
que saber e dar conta de tudo. Passei tanta frustração na amamentação. Foi
um desastre, eu não sabia nada. Colocava o peito na boca dela, mas não
estava rolando, ela não mamava. Chorei horrores, litros, falei: “gente, não
é possível; eu sou muito incompetente”. Você se sente incapaz, literalmente,
porque você tem alguém para alimentar. Bom que tive meu namorado do
meu lado. Então, assim, agora é tocar a bola para frente, procurar emprego,
continuar a faculdade.
244

Na narrativa, a jovem rompia com a ideia da maternidade como um instinto da mulher,


ou como “essência inscrita na natureza feminina”, como cita Dagmar Meyer (2000, p. 122).
Questionava o quanto ser mãe era um aprendizado, o qual, por vezes, poderia trazer
sofrimentos e inquietações, conforme ela se culpasse por não conseguir amamentar,
reforçando a ideia de que este gesto seria algo natural, o que diz respeito à internalização do
papel socialmente construído para as mulheres. A autora supracitada problematiza a ideia do
aleitamento como prática máxima da maternidade, o que, por sua vez, gera um processo de
“politização dos seios e do aleitamento materno”, ou seja, forma de controle e disciplinamento
social. Ademais, o depoimento também trazia anecessidade de reconstrução de projetos de
vida, como aponta Dias e Teixeira (2010)

A projeção de si mesmo no futuro, elemento importante da construção da


identidade na adolescência é substancialmente afetada no caso das
adolescentes que engravidam, que precisam lidar com uma nova perspectiva
temporal dada pelo desenrolar da gravidez e do próprio desenvolvimento
após o nascimento. Planos são deixados de lado ou redimensionados em
função da gestação e da maternidade/paternidade (DIAS; TEIXEIRA, 2010,
p. 125).

Tendemos a apontar que as mudanças de projetos tiveram repercussão para Rebeca,


pois, segundo o que narrou, ela necessitou “abrir mão” de tudo que amava, especialmente
estudo e determinado trabalhos, mas veremos adiante que aconteceu um redimensionamento
dos projetos que foram retomados e reiniciados.
Quanto à rotina, a jovem afirmava que, depois que engravidou, não tinha “o privilégio
de ter rotina, pois tudo gira em torno da filha. Ela acorda, eu acordo, ela dorme e eu durmo.
É rotina no sentido de todo o dia você ficar por conta”. Afirmou que, nos primeiros meses
após nascimento, não aguentava mais ficar em casa. Quando a filha cresceu um pouco, passou
a sair mais, mas ia apenas a lugares nos quais a filha pudesse frequentar. Relatou que, a partir
daí, não se viu mais como jovem, pois “ser jovem é, sinceramente, é estar à disposição de
tudo”, e ela não estava mais, pois tinha “a responsabilidade de ter comida para ela poder
comer e organizar a casa”. Para Rebeca, a juventude estava associada à possibilidade de
lazer e de escolher, a partir dos desejos, o que, por sua vez, não fazia parte da vida dela desde
a adolescência. O fato de Rebeca não se ver como jovem dialogava com as colocações de
Dias e Aquino (2006) que mencionam que a maternidade na juventude representa uma etapa
de transição para vida adulta, o que tende a ser diferente nas camadas médias que vivenciam
um encurtamento da juventude, ou seja, a gravidez nas camadas médias não significa deixar
de vivenciar a juventude, devido aos diferentes suportes, mas tende a diminuir o tempo dessa
245

“moratória social”. Embora tenhamos salientado, na cena do jovem Sérgio, que a transição
para vida adulta não se trata de uma linearidade nem tem marcadores específicos, tendo como
base a vivência de Rebeca, concordamos que a maternidade pode ser uma etapa de transição,
mas, ao mesmo tempo, pode representar um outro modo de vivenciar a juventude.
Concordamos com Heilborn et al. (2002) que enfatizam que “o diferencial de gênero é
um demarcador fundamental na modulação das biografias no que tange a experiência da
parentalidade” (p. 42). O recorte de gênero e a maternidade alteraram as posturas, as decisões
e reconfiguravam a identidade e os projetos de vida da jovem.
Quanto ao trabalho, Rebeca teve duas experiências de emprego, após ser desligada da
UFMG. A primeira foi como recepcionista de um consultório odontológico e a segunda como
estagiária na prefeitura, devido ao curso de Meio Ambiente que havia feito. Além disso, a
jovem citou que trabalhou alguns dias como recepcionista de uma empresa de turismo. Após o
nascimento da filha, parou de trabalhar fora e estava desempregada, desde 2015. No momento
da segunda entrevista, estava trabalhando, temporariamente, como balconista, na padaria do
pai. Informou que era somente um “bico”.
No que se refere ao estudo, a jovem realizou o curso de Tecnólogo em Meio Ambiente
e se formou. Tentou ingressar em universidades federais, passou em duas, mas a mãe não a
deixou ir, por estarem localizadas em outras cidades. No ano de 2015, ingressou em uma
faculdade privada, mas trancou a matrícula, devido à gravidez. No ano de 2017, retomou à
faculdade e cursava bacharelado em Meio Ambiente ‒ estava no 3º período.
A vida da jovem Rebeca foi marcada por “terrenos labirínticos” (PAIS, 2001), mas
consideramos que ter se tornado mãe foi algo central da sua trajetória.

3.2 Inserções no mercado de trabalho

Rebeca havia informado, em 2012, que trabalhava e recebia ajuda da família. A jovem
disse que sua mãe foi quem orientou sobre a CVB e a ajudou no processo seletivo. A
contribuição da família é algo recorrente na trajetória dos/as jovens, confirmando, uma vez
mais, a importância dos “circuitos domésticos” (GUIMARÃES, 2009). Rebeca trabalhava em
uma unidade acadêmica, no setor que fazia atendimento ao público externo.
Na pesquisa atual, a jovem citou que havia começado a trabalhar para ser
independente financeiramente e ter a possibilidade de sair de casa, pois a mãe a “controlava”
muito, como abordado. Assim, como afirma Felipe Tarábola (2015), o início do trabalho e a
busca por independência financeira coincidem com a busca por autonomia.
246

A jovem mencionou que sua experiência de trabalho na UFMG foi muito positiva e
considerou que este teria sido o “melhor emprego que já teve”. Os elementos ressaltados por
Rebeca quanto ao emprego se referiam à dimensão da socialização e do aprendizado no
ambiente laboral, aspectos que se relacionavam aos sentidos que muitos/as jovens dão ao
trabalho, como abordado por Corrochano (2001) e Nonato (2013). A jovem comentou, ainda,
sobre aspectos da dimensão educativa do trabalho, em que era ensinada a realizar a função,
destacando a paciência que as pessoas que a orientavam tinham. Porém, a diferença
geracional parecia gerar relações hierárquicas e de desrespeito no ambiente, mas Rebeca lidou
com a situação, também, como uma possibilidade de aprendizagem. Ela enfatizou que
aprendeu muito durante o período de trabalho na UFMG:

Nossa, eu aprendi demais, mas eu queria saber de tudo, também. Porque, no


trabalho, você tem que ser uma pessoa proativa, que não espera nada. Eu
não esperava, já ia logo perguntando. Eu era muito proativa. Não esperava
e fazia de tudo também. Mas, quando você trabalha demais, as pessoas te
observam, sendo um empregador, ou sendo pessoa de casa mesmo, aí, acho
que meio que te explora, porque, quando a pessoa vê que você faz tudo, que
você é despojada, que você se dispõe a fazer as coisas, o pessoal meio que
dá uma “montada” em você, então, isso, para mim, foi ruim. Bom é que
você aprende muita coisa, você aprende diversas coisas.

A partir do depoimento, assim como na experiência de Caio, embora por meio de


diferentes nuances, é possível afirmar que tanto a dimensão do aprendizado – que estava
relacionada à postura – quanto a disposição para o trabalho – que poderia resultar em
“acúmulo de trabalho” – fizeram parte da vivência da jovem. Acrescentamos, ainda, o desejo
pela contratação, como foi citado na cena do jovem Caio. Rebeca chamava a atenção para a
necessidade de ser uma pessoa proativa no trabalho, mas, ao mesmo tempo, questionava o
olhar do outro sobre a proatividade – que tem sido uma competência muito requerida no
mercado de trabalho –, pois a tendência era a pessoa acabar sendo explorada, com acúmulo de
tarefas e consequente sobrecarga. Corrochano (2008) explicita que a exploração pode ser
facilitada pela pouca experiência juvenil, bem como pela ausência de informação sobre
direitos por parte dos/as jovens. A jovem narrou que fazia outras atividades:

Junto com a UFMG, eu fazia alguns “bicos”. Eu trabalhava, assim,


praticamente, em mais três serviços. Nunca gostei de ficar parada, eu fico
angustiada de ficar parada, sem fazer nada, aí, eu arrumava esses serviços.
Pegava “bicos” de monitora de brinquedo infantil em festa, de garçom em
um buffet e de ajudante em hostel. Muitas das vezes, eu não tinha matéria
interessante na sexta-feira, então, eu nem ia perder o meu tempo, aí, eu ia
para o buffet. Aí, sexta, sábado e domingo, eu pegava três dias no buffet,
direto. Minha mãe me buscava. Aí, eu chegava assim, morta, exausta. Aí, o
pessoal ficava assim: “como é que você. Dá tempo para você viver, para
você namorar?” Eu arrumava tempo. Eu gostava muito dessa rotina, assim,
247

de estar em todo canto ao mesmo tempo e de ter o tempo todo ocupado, de


ficar na correria.

Trabalhar em outros locais se relacionava à postura da jovem diante da vida, pois não
gostava de “ficar parada”, mas sugerimos que outros dois fatores também justificavam a
busca por mais de um local para trabalhar. O primeiro fator era a possibilidade de, a partir das
experiências diversificadas de trabalho, vivenciar outros espaços/tempos, isso porque existia,
por parte da mãe dela, uma “abertura” quando se tratava de trabalho e estudo, mas não para
outros campos. O excesso de trabalho era uma solução e não um problema, tendo em vista
que permitia maior chance de circulação (CORROCHANO, 2008; Lia PAPPÁMIKAIL,
2013), pois se configurava como um “atributo suplementar, como meio de fuga da monotonia
doméstica e do controle familiar” (HEILBORN, 1997, p. 333). O segundo fator seria a própria
necessidade, pois a jovem tinha desejos de consumo, como tirar a carteira de motorista, assim,
seria necessário agir daquele modo, uma vez que, somente com o salário da UFMG, não seria
possível ter acesso aos bens desejados. Por último, é importante ressaltar o paradoxo da
relação com o tempo vivenciado pela jovem, pois gostava de ter o tempo ocupado com o
acúmulo de atividade, mas “arrumava tempo” para viver.
A jovem mencionou que seu contrato na UFMG se encerrou e, em razão de trabalhar
bem, as pessoas a indicaram para trabalhar com um professor/dentista no consultório dele,
como narrou:

Aí, falaram assim: “tem um professor precisando de auxiliar de dentista”.


Eu não entendia “bulhufas” né? Só trabalhei na faculdade, mas nem mexia
em boca. Mas, fui com a “cara e com a coragem”. Ele falou assim: “você
vai ser recepcionista e vai me ajudar na dentística”. Então, aí, eu fui para
ele, comecei a trabalhar praticamente no dia seguinte que saí da UFMG.
Meu chefe que me indicou, falou que eu era boa de serviço, que eu iria
aprender.

O perfil proativo certamente foi ponto-chave para a indicação, pois, no novo trabalho,
a jovem desempenharia uma função que não tinha aprendido na UFMG: “fui contratada
como recepcionista, de 8h às 18h, às vezes, mais. Tinha uma hora de almoço. Eu recebia um
salário. Ele não queria pagar a insalubridade, então, ele me pagava a ‘merreca’ por fora,
que não dava os 20%, que era o certo”. A indicação da jovem, assim como para Letícia e
Caio, perpassou a relação dos intitulados “circuitos profissionais”, ou seja, se constituiu a
partir das redes desenvolvidas no trabalho. Como afirma Guimarães (2009), os/as jovens nem
sempre têm circuitos profissionais, pois ainda são pouco experientes no mercado de trabalho.
Segundo ela, no consultório, manteve a postura que teve na UFMG.
248

Então, no escritório, eu era do mesmo jeito. Eu era nova demais e estava


com pique. Queria aprender, pois sempre tive muito isso. Eu aprendia muita
coisa e aprendia muito rápido. Fazia tudo, até o que não era do meu
serviço, porque eu sempre quis agradar, eu não gosto de ver as coisas
paradas. Eu tenho este pequeno “problema”, parece um TOC [Transtorno
Obsessivo Compulsivo], todas as vezes que eu vejo uma coisa, assim, eu já
tenho que arrumar, está fora do lugar, eu tenho que por; não tem gente para
fazer, eu faço. Se faltava alguém, eu pegava o serviço e fazia; se a pessoa
estava doente, eu fazia; eu não tinha problema; não tinha gente para ir no
dia, eu ia; eu não tinha problema.

A jovem já tinha avaliado que a postura proativa nem sempre era vista de maneira
correta nas relações de trabalho, mas, mesmo assim, a manteve, pois este era o seu perfil
como trabalhadora. Consideramos que, embora as dinâmicas de trabalho não sejam lineares e
as posturas sejam diferentes, as experiências de primeiro emprego contribuem para
socialização no trabalho. Porém, no novo trabalho, a rotina de Rebeca foi totalmente alterada,
pois “eu era só secretária, mas virei tudo lá”, como narrou:

Então, eu era auxiliar de dentista, eu era recepcionista, telefonista, auxiliar


de prótese e arrumava a mala dele para ele viajar para Bahia, porque ele
era professor de lá também. Aí, saiu uma pessoa e eu aprendi a fazer
dentadura, que beleza, né? Então, eu sentava todos os dias do lado da
cadeira dele, quando terminava o atendimento com o cliente, para aprender
a mexer com prótese. Aí, chamava alguém para trabalhar e a pessoa saía,
porque não dava conta dele, aí, eu fui substituindo as pessoas, aí, eu aprendi
tudo. Isso é um “defeito”, eu acho, eu acho que isso não é uma qualidade,
de verdade. Aí, foi ficando uma “bosta”, pois eu tinha que dar conta de
tudo, e pior que eu dava.

No depoimento da jovem, ficava explícito que a proatividade gerou a ela múltiplas


funções. O cenário vivenciado por Rebeca, cada vez mais, tende a ser comum no mercado de
trabalho em que o/a funcionário/a é contratado/a para desenvolver uma função, mas
desenvolve outras atividades, no mesmo tempo de trabalho e sem acréscimos no salário, o que
é reflexo do processo de flexibilização do trabalho. Cabe mencionar que, além do acúmulo de
tarefas, a relação interpessoal no trabalho não era boa, pois as pessoas “não davam conta” do
empregador, como citou a jovem. Rebeca contou que falava que estava sobrecarregada, mas
nem sempre era ouvida. Num determinado momento, o chefe de Rebeca resolveu contratar
algumas pessoas “porque ele viu que estava ‘me matando’, de tanto eu gritar com ele, eu
acho, eu falava, já não está dando mais”. Com a contratação, a jovem tinha, inclusive, a
tarefa de ensinar as pessoas que entravam: “eu tive que ensinar um estudante de Odontologia
a mexer com prótese, mexer com gesso, a fazer tudo, desde o zero, para continuar ganhando
o mesmo tanto [risos]. Ele, estudando, não sabia nada”. Rebeca enfatizou que gostava de
ensinar, mas já estava sem paciência com a rotina de ter que fazer todo o seu trabalho e, ainda,
249

ensinar alguém a desempenhar sua função, às vezes, até depois do horário. A jovem tinha
consciência de que seu perfil passava a ser um “defeito”, tendo em vista que estava se
submetendo a condições de trabalho desgastantes, pois, mesmo ocupando várias funções,
dava conta do trabalho, como vemos na sua narrativa:

No começo, era muito tranquilo, eu estava tirando carteira [de motorista],


aí, comecei no curso de tecnólogo e trabalhando com ele, então, ele me
liberava, assim, umas duas horas, por dia. Aí, três meses depois, começou o
“caos” em minha vida. Era uma correria: eu tinha que atender paciente,
esterilizar material, ficar com o telefone no bolso, tirar a máscara para
atender, colocar a máscara e as luvas, ensinar os novatos e ir lá, no
laboratório, e ver se o menino está fazendo o negócio direito, era muito
cansativo para mim. Eu não podia nem comer, era de meio-dia a uma o meu
horário de almoço, dava meio-dia e meia, tinha paciente chegando e eu
tinha que interromper a comida e começar a trabalhar, não dava tempo de
escovar dente, não dava tempo de comer uma fruta. Aí, eu falei: “gente, não
está dando”. Eu sentei, conversei, falei com ele: “ó, eu tenho que ter
horário para comer, pelo menos”.

A rotina de trabalho da jovem era precária e desgastante. A necessidade de ter que


conversar com o chefe, para requerer o tempo obrigatório de pausa para o almoço, era a
evidência das péssimas condições a que Rebeca estava sendo submetida. Tal contexto
evidencia o quanto o processo de flexibilização torna o trabalho ainda mais precário. A
situação levou a mãe dela, que não aceitava mais o seu trabalho no consultório, a interferir.

Minha mãe chegou um tempo e falou assim: “você vai sair de lá, eu vou
ligar para ele e você vai sair. Como a UFMG te indica para um trabalho
desse? Tinha que ser um trabalho melhor!” Minha mãe começou a falar
muito, pois ela via que eu não estava dando conta mais, eu tinha que tomar
cápsula de vitamina, para poder ficar o dia todo acordada, porque eu não
estava conseguindo repor o que eu aprendia no outro dia, nossa, era
“confusão; gente, a minha vida era conturbada nessa época, porque ele era
muito exigente. Eu passava mal, antes de chegar no serviço, eu tinha
problema de cabeça todos os dias, eu desmaiava. Era exame para lá e para
cá, mas ninguém sabia o que eu tinha de jeito nenhum. Eu tive problema de
pressão, todo dia, eu passava mal, todos os dias, de tanto que eu trabalhava.
Quando eu fui no médico, ele falou: “você está com acúmulo de estresse do
trabalho”.

A mãe de Rebeca questionava a UFMG, por ter sido esta responsável pela indicação,
pois teria a expectativa de que se trataria de um trabalho formativo e não degradante.
Destacamos o adoecimento pelo trabalho como um fator importante para que houvesse a
intervenção da mãe. Todavia, há diferentes situações de trabalho que, por vezes, são
degradantes, mas não são vistas pelos familiares de jovens com tais contextos, pois nem
sempre essas situações geram um adoecimento visível, como foi o caso de Rebeca.
250

Rebeca afirmou que sua condição de jovem foi um dos motivos por ter chegado em
uma situação exaustiva de trabalho, pois tinha dificuldades para falar não. Como afirma
Corrochano (2001), “além de enfrentarem as dificuldades de uma organização do trabalho que
á pouca voz aos trabalhadores de maneira geral, a idade e a pouca experiência acabam criando
mais dificuldades para que sejam ouvidos de fato” (p. 121).
Articulada à idade, como ressalta a autora, a jovem citou que o chefe a explorou ainda
mais, porque sabia que ela pagava o curso de tecnólogo com o salário. A aceitação do
trabalho desgastante e exaustivo se devia ao desejo de continuar estudando. Sair do trabalho
significaria ter que sair do curso, tendo em vista que a mãe não teria condições de ajudá-la a
pagar. Assim como os/as outros/as jovens, Rebeca via na educação a garantia de um futuro
melhor, como citou:

Eu continuei em prol de estudar, sabe? Porque, com estudos, talvez, não


passaria mais por isso. O pouco tempo para almoçar, para mim, ainda era,
assim, era superável, sabe? Porque eu recebia 850 reais com passagem;
nem almoço ele pagava, tirava do meu bolso e tinha que pagar o [curso de]
tecnólogo, que era 646 reais. Então, eu tinha que trabalhar para pagar meu
curso, então, era meio que necessidade, tanto que eu fiquei lá, até eu
conseguir um estágio na prefeitura. Foi bom, porque aprendi muita coisa,
passando pelos apertos, mas deixou uma lição, no caso, eu não paro as
minhas coisas pessoais por causa de trabalho, nunca mais.

No depoimento, ficou evidente a valorização do processo de escolarização, em


detrimento da própria saúde. A marca de classe estava posta na vivência da jovem que, assim
como a maioria dos/as jovens de camadas populares, se “matam de trabalhar” para conseguir
estudar e ter um futuro melhor, como mencionou a jovem. Além disso, novamente,
percebemos a dimensão do sofrimento, articulada ao “adiamento das recompensas”, pois, para
a jovem, “era superável ficar sem almoço”, por exemplo, em prol dos estudos. Hirata (2016)
chama a atenção para como que a intensificação do trabalho, marca da flexibilização do
trabalho tanto no setor secundário como no terciário, tem causado danos à saúde física e
psíquica dos/as trabalhadores/as, como foi o caso da jovem Rebeca.
No contexto de adoecimento e pressão da mãe, mas, especialmente, devido à
possibilidade de estagiar na prefeitura, a jovem decidiu sair do consultório: “eu falei com ele
‘não vou ficar mais com você’, pois eu surtei [risos]. Agora acabou; eu não posso acabar
com a minha saúde, por causa desse trabalho, sabe”.

Aí, no dia, fui sair mesmo, para mim, foi muito triste, porque você vê que
você não é nada. Sai um e coloca outro. Porque o meu salário era o mesmo,
eu não recebia vale-alimentação, não recebia [adicional de] insalubridade,
não recebia nem lanche da tarde [...].
251

A jovem expressava o sentimento de indignação, diante da falta de reconhecimento e


de valorização. Para Rebeca, tanto a não valorização, por parte do empregador, quanto a
ausência de interesse, por parte dela, em atuar na área motivaram ainda mais a decisão de não
mais permanecer no consultório de Odontologia. É importante frisar que a saída da jovem se
relacionava à exploração que estava vivendo no ambiente de trabalho. Assim, quando
encontrou um “suporte mínimo”, ela saiu. Lembramos, porém, que devido à inexistência de
condição econômica, a jovem só se desligou do trabalho, quando encontrou outro meio para
se manter financeira e economicamente.
A jovem saiu do consultório e iniciou um estágio na prefeitura, após um mês,
possibilitado em razão do curso de Tecnólogo em Meio Ambiente que estava fazendo, como
mencionou:

Nossa, era outra vida; na verdade, outra, não, pois não tinha vida antes.
Era meio- horário, eu ganhava a metade do que eu recebia [antes], mas eu
tinha tempo de fazer tudo o que eu queria. Tinha tempo de estudar, tinha
tempo de sair, tinha tempo de voltar para casa e ver minha mãe, olhar para
o povo, fazer tudo; coisa que eu não tinha, quando eu trabalhava de 8h às
18h, de segunda a segunda. Era bom demais, que era na área que eu estava
estudando.

O estágio representou para a jovem um espaço/tempo possível para conciliar estudo,


trabalho, família e lazer, isso porque, como regulamenta a Lei de estágio, a atividade era de
seis horas diárias para estudante do ensino superior. Ou seja, mesmo com menor salário, a
possibilidade de ter mais tempo era fundamental para Rebeca. Cabe lembrar que a
possibilidade de conciliar estudos, trabalho e vida familiar é uma das prioridades
estabelecidas pela Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude, a qual, dentre os
avanços importantes citados por Corrochano, Abramo H. e Abramo L. (2017), “foi evitar
olhar para a questão do trabalho como um elemento isolado na vida dos jovens” (p. 153),
reconhecendo, inclusive, a expressividade do trabalho doméstico realizado pelas mulheres
jovens.
Durante o mês em que ficou sem trabalho, retomou os “bicos” (trabalhos informais)
que fazia na época em que trabalhava na UFMG e, depois, os manteve, tendo em vista a
diminuição da renda. Os “bicos” foram necessários, pois Rebeca ainda não tinha concluído
seu curso e precisava pagar as mensalidades. A jovem ficou no estágio durante 11 meses e o
contrato não foi renovado, pois ela já havia finalizado o curso. Com a saída do estágio, a
jovem ficou sem trabalho e, posteriormente, descobriu sua gravidez. Rebeca estava sem
emprego há 2 anos e expressou seu sentimento:
252

Não me sentia muito bem, não, sinceramente. Eu não me sinto muito bem,
ficando sem fazer alguma coisa. Quando eu ficava o dia inteiro dentro de
casa, eu já não tinha paciência nem comigo mesmo. Ah... É muito chato, eu
acho que não tem nem explicação, é muito chato, meu Deus, não dou conta.
Eu fico tentando dormir, à tarde, para descansar, nem isso eu consigo fazer,
porque eu acho que é perca de tempo dormir à tarde. Então, sei lá, é uma
coisa horrível ficar sem trabalho e eu me sentia uma inútil. É bom trabalhar,
sabe, é bom você ocupar a cabeça. Eu falo: “gente, ficar dentro de casa o
dia todo é meio conturbado”. Você começa até esquecer das coisas que você
tem que fazer de tanto que não tem rotina.

A narrativa da jovem expressava o sentimento de “inutilidade” diante do desemprego.


A ausência de rotina era o principal problema de ficar dentro de casa. Novamente, o trabalho
(fora de casa) era visto como um espaço/tempo que proporcionaria a organização dos tempos
e, especialmente, da vida. Assim, como Letícia e Sérgio, para Rebeca, o desemprego era a
expressão de um vazio, mesmo que não significasse a ausência de trabalho absoluta. É
importante explicitar que a jovem se referia a um emprego, o qual tivesse que sair de casa
para realiza-lo, porque

eu tinha muito trabalho em casa, mas trabalho doméstico! É um trabalho,


mas não para mim. É um trabalho, assim, acho lindo [risos], mas ser dona
de casa não é meu foco. Eu faço as coisas, gosto das coisas limpas e
organizadas, mas é um trabalho para quem gosta, sabe? Eu não sirvo para
isso, não é a minha vocação, não. Então, assim, não é bom, não, prefiro
ficar no ritmo de trabalho e faculdade, do que ficar só com casa e minha
filha. Cansa demais, pois maternidade não é aquela maravilha, não; e eu
acabo fazendo a maior parte das coisas em casa, mas prefiro outro
trabalho, pois, quando ficamos em casa, todo mundo acha que é fácil, que
estamos à- toa.

O trabalho doméstico e o cuidado com filha eram considerados, pela jovem Rebeca,
como um trabalho, mas ela enfatizava que não se configurava como um trabalho para ela.
Assim, se, por um lado, existia um reconhecimento de que o trabalho doméstico era um tipo
de trabalho, por outro lado, existia uma negação deste, pautada em diferentes elementos. O
primeiro era o perfil da jovem que, desde a adolescência, buscava romper com a construção
sócio-histórica da “internalidade feminina”. O segundo elemento dizia respeito à falta de
reconhecimento do trabalho doméstico como trabalho, sendo, assim, desvalorizado. O não
reconhecimento gera invisibilidade ao trabalho e a quem o desenvolve (BRUSCHINI, 2006;
CYRINO, 2009), o que ficava explícito na narrativa, quando a jovem enfatizava que as
pessoas dizem que ela estivesse “à toa”, o que reforçava seu sentido de “inutilidade”, o qual
foi descrito no depoimento anterior. Por último, consideramos que a narrativa trazia as
frustações da jovem quanto às dificuldades com a maternidade, bem como expressava a
253

realidade vivenciada por muitas mulheres que desenvolvem a maioria do trabalho doméstico
sozinhas.
Diferentes autores/as136 ressaltam o quanto as mulheres respondem por uma jornada de
trabalho doméstico muito superior a dos homens. Bruschini (2006) afirma que as cônjuges
têm mais horas de trabalho doméstico, se comparado o tempo de trabalho doméstico do
cônjuge. Dedecca (2004) pondera que, mesmo nos casos em que há situação de desemprego
dos homens, as mulheres despendem mais tempo com o trabalho doméstico. Reflexões
desenvolvidas pela Organização Internacional do Trabalho (2016, 2017) reforçam os achados
da pesquisa desenvolvida pela Fundação Perseu Abramo (2001): mesmo com obstáculos para
acessar o mercado de trabalho, as mulheres desejam trabalhar fora e dedicar menos tempo em
casa, questionando o papel tradicional dado às mulheres, o que era compartilhado por Rebeca.
A jovem requeria um emprego com carga horária fixa, com salário digno e com possibilidade
de se sociabilizar, o que não era possível no espaço do trabalho doméstico: “preciso sair de
casa, fazer outras coisas, me tornar mais ‘útil’; eu me sinto mais útil fazendo as coisas, como
se diz, ficando um pouco sem tempo, sabe?”
Interessante apontar que a jovem sublinhava a dificuldade que estava vivenciando na
experiência da maternidade, desmistificando uma visão romântica quese tem no senso
comum, como se a maternidade “fosse só flores”, como citou. Mesmo sendo algo trabalhoso,
Rebeca não estava satisfeita com aquele trabalho, “de ser mãe”. Para ela, o trabalho
doméstico não garantia a relação com o tempo, a qual ela sempre buscou ter e, especialmente,
não garantia uma rotina, como mencionou:

Eu gosto de trabalhar, pois, para mim, é rotina. Eu gosto da rotina, sabe?


Assim, tudo muito rápido, sabe? Rotina de ter que trabalhar todos os dias,
ter uma função, ter com quem conversar. Mas, eu não gosto muito do
trabalho que é tudo igual, sempre, tanto que lá, no consultório, não era tão
ruim, por causa disso, pois tinha que fazer um tanto de “trem” diferente.
Então, assim, eu gosto dessa “coisa rápida” e esse “trem” de ter que fazer
tudo.

O sentido do trabalho para Rebeca se relacionava à possibilidade de ter uma rotina,


mas, também, de ter uma função a cumprir. Importante mencionar a relação que a jovem
estabelecia com o tempo, de gostar de “tudo muito rápido”, ou seja, para ela, ter rotina era
não ter tempo, como já enfatizamos. Como cita Maria Lima (2007, p. 7), “as atividades não
remuneradas não suprem esse papel, e mesmo quando estas podem ser vistas como trabalho,

136
Cf. DEDECCA, 2004; Hildete MELO; Claudio CONSIDERA; Alberto SABBATO, 2007; DEDECCA;
RIBEIRO; ISHII; 2009.
254

não dão às pessoas o mesmo sentido de realização, além de fazê-las sentir-se à margem dos
acontecimentos”. Desta maneira, a jovem se reconhecia a partir do emprego, pois este
englobava diferentes fatores: saída de casa, socialização, salário, visibilidade, rotina e,
especialmente, o reconhecimento da jovem como alguém “útil”.
Rebeca mencionou que, no tempo em que estava desempregada, recebia auxílio da
mãe e do marido tanto para se manter quanto para as necessidades da filha. Rebeca explicitou
que não era incentivada a buscar emprego, pois não teriam condições de pagar alguém para
olhar a filha e a mãe não queria que colocassem a neta em uma escolinha, tão precocemente.
Tal questão corrobora com a tese de que, para mulheres, o acesso ao mercado de trabalho se
relaciona, também, à aprovação da família, tendência apontada nos estudos da OIT (2017).
Assim, o marido trabalhava fora, enquanto ela cuidava da criança, demonstrando a
importância do trabalho doméstico e do cuidado com a criança, para haver a externalidade
masculina, ao mesmo tempo em que reforça a internalidade feminina. Ou seja, o trabalho
doméstico contribui para a dinamização do trabalho assalariado, pois o homem consegue
trabalhar fora, a partir da internalidade da mulher, de certa maneira, o primeiro cumpre um
papel funcional para o segundo (KERGOAT, 1992; HIRATA, 1994; DEDECCA, 2004;
SOARES, 2011).
Após um período de desemprego, a jovem conseguiu um trabalho de recepcionista, em
uma agência de turismo, quando sua filha estava com um ano e dois meses de nascida.
Informou que buscou emprego tanto para colaborar com a quitação das despesas da
construção da casa e com aquelas geradas com o cuidado da filha quanto para se
responsabilizar, também, por tais demandas, mas isso teria alterado em muito a dinâmica da
casa e da filha, por isso, teria resolvido pedir demissão, inclusive, porque era necessário a mãe
dela ficar com a neta, mas a mãe de Rebeca não tinha paciência e ficava reclamando. A jovem
Rebeca ainda informou que não considerou a nova experiência como um emprego, pois havia
ficado lá menos de três meses.
Outra experiência de trabalho da jovem, a qual ela citou como um “bico”, foi a de
balconista, na padaria do pai, nos períodos da manhã. Segundo a jovem, o pai começou a
fazer contato com ela e pedir favores. Inicialmente, ela ignorou, mas, depois, aceitou a
proposta, pois não queria fazer com o pai o que ele teria feito com ela, como mencionou. O
pai solicitou a jovem que trabalhasse na padaria, por um mês, até que ele contratasse outra
pessoa para o trabalho. Assim, a reaproximação entre Rebeca e o pai aconteceu, por meio da
vivência do trabalho. A jovem começou a trabalhar com o pai, mas mencionou que ficaria
somente um mês, pois, depois, se iniciariam as aulas. Afirmou que a mãe não aceitou a
255

situação de ela trabalhar com o pai e ficou chateada com a escolha da filha, mas, depois, a
mãe não havia interferido mais. Rebeca ressaltou que se tratava de algo temporário, pois

padaria não é coisa muito boa, não. Nunca pensei na minha vida em sentar
numa cadeira de balcão, para trabalhar; acho que não é um serviço para
mim. Não é desmerecendo quem faça, não, mas é uma coisa, assim, que eu
não me vejo fazendo o resto da vida, sabe? É chato, é algo sem futuro. Não
tem futuro o negócio, ou você está ali, no balcão, ou você está ali, no
balcão, o resto da vida, não tem como você sair dali, sabe? Aí, eu estou lá
“ajudando, por ajudar”.

O trabalho na padaria – o qual a jovem considerava um “absurdo” o pai deseja-lo para


ela, anos antes dessa experiência– passou a ser a realidade de Rebeca. Mas ela deixou-nos
claro a leitura que fazia acerca desse trabalho, salientando que se tratava de uma experiência
“com fim determinado”, pois se destoava de seus projetos de vida. Ao contrário de outros/as
jovens, como veremos, que vivenciam/vivenciavamuma certa “conformação dos sonhos”
(Fabiana JARDIM, 2009), Rebeca explicitava que a função tinha um tempo determinado.
Consideramos que o trabalhar na padaria era para a jovem a estratégia que teve para se
aproximar do pai, pois, a todo momento, afirmava o quanto ele fazia falta. A narrativa de
Rebeca tende a corroborar com esta hipótese:

Minha relação com o meu pai é uma coisa um pouco vaga, pois é muito
tempo de distância. Eu tento conversar mais com ele, mas, toda hora, na
padaria, tenho que ir para a produção fazer as coisas, toda hora, tem que
atender o caixa. A gente conversa, mas, assim, não é a mesma coisa que
seria, se eu tivesse tido a presença dele desde a infância, sabe? Ter
conversado sobre tudo, tudo que aconteceu, sobre tudo que eu já fiz, as
coisas que eu gosto, então, assim, eu acho que ele nem tem noção das coisas
que eu gosto, mesmo. Eu espero que, quando eu pare de trabalhar lá, a
relação continue, eu espero, mas acho que não vai acontecer, mas ainda
tenho esperança.

Mesmo trabalhando com o pai, a jovem considerava que estivessse desempregada,


pois, para ela, o trabalho na padaria não fazia sentido. O maior desafio dela era conseguir algo
na área de formação, porque possuía pouca experiência, especialmente pelo longo período em
que ficou desempregada, como afirmou. Além disso, mencionou que o fato de ser mãe
limitava muito as suas possibilidades, pois não tinha condições de aceitar quaisquer propostas,
pois dependia dos horários de trabalho e da aceitação de negociação, quando a jovem
precisasse resolver questões próprias da filha. Seus ex-chefes, da UFMG, ligaram para ela,
oferecendo trabalho, mas ela não aceitou, pois não tinha ninguém para cuidar da filha. Desta
forma, salientamos que a jovem conseguia ter possibilidades de acesso ao mercado de
trabalho, mas, devido ao trabalho de ser mãe, ela não podia aceitar. O lugar da mulher,
256

novamente, vinha à tona, pois era a jovem que precisava “abrir mão” das oportunidades de
trabalho e emprego, para cuidar da filha.

3.3 “Minha vida era só estudar”: construindo caminhos para a inserção no ensino
superior

Desde o ensino médio, Rebeca tinha uma relação de desejo e de interesse pelos
estudos.

Eu estudava muito no ensino médio; eu estudava de madrugada. O famoso


“o que você faz de meia-noite às 6h?” Porque eu acho que é bom estudar,
sabe?! [Risos]. Tem gente que não gosta, mas eu acho que, no fundo, é uma
coisa muito boa, porque você aprende bastante coisa. Eu tinha esse prazer
para estudar, o ruim é que a escola não me exigia nada. Estudava muito,
pois a escola é “mais ou menos”. Eu falo muito isso com o meu irmão: “se
você não estuda, não é que você não seja ninguém na vida, você não é
reconhecido de maneira alguma. Tem muitas profissões aí, igual, tem de
faxineira, tem de gari, tem de doméstica, tem, mas não é uma profissão
reconhecida. Não é tão valorizada quanto deveria ser. E, se você estuda, às
vezes, a sua profissão é até mais valorizada”.

No depoimento, percebemos o gosto da jovem pelos estudos, como também a visão


que construía da escola, como sendo essencial para “ser alguém na vida” e para “ser
valorizada”, visão esta que era compartilhada por todos/as os/as jovens interlocutores/as desta
pesquisa. A escola “era ruim” – no sentido da qualidade do ensino ofertado–, então, era
necessário à jovem “cobrir as lacunas” da formação escolarizada que recebia. Ademais, a
condição de trabalhar e estudar interferia no processo, assim, era preciso estudar no período
da madrugada, único tempo que lhe restava durante a semana: “eu estudava muito, porque eu
queria uma universidade federal, pois a minha mãe não tinha condições de pagar uma
faculdade particular. Dos meus 15 anos aos 18, eu era... Literalmente, só sabia estudar, fazia
mais nada da vida”. Estudar muito representava, para Rebeca, a possibilidade de inserção
numa universidade, o que era o seu sonho; assim, ela aceitava o “adiamento das recompensas”
(LECCARDI, 2005) e não fazia “mais nada da vida”, como mencionou. A jovem afirmou
que sua mãe e todos os seus familiares maternos a incentivavam muito.
Rebeca já mencionava, em 2012, que trabalhar e estudar atrapalhava o seu
desempenho na escola, pois não tinha tempo de estudar e, por isso, suas médias haviam
diminuído, após sua inserção no trabalho. Narrou como conciliava trabalho e estudos naquela
época:

Conseguia trabalhar e estudar, porque, nem que eu virasse a noite, eu


estudava. Eu sempre fui focada, por isso, conseguia. Saía de casa às 5h30,
estudava dentro do metrô, ou dentro do ônibus; subindo a rua para ir para o
257

trabalho, eu estudava. Ficava com livro na mão, com prancheta na mão,


com papel na mão, eu estudava. Aí, eu ia estudando em qualquer brecha que
eu tinha no trabalho. No horário de almoço e lanche. O meu ensino médio,
enquanto eu não comecei a trabalhar, era chegar em casa e estudar, até a
hora de dormir. Porque eu tinha que estudar, porque, senão, eu não
conseguia passar em nenhuma faculdade.

A prioridade da jovem eram os estudos. Rebeca enfatizou o seu perfil “focada”,


atribuindo a isto o fato de que conseguia conciliar trabalho/estudo. Ela afirmou que não
almoçava cotidianamente com os/as colegas, para gastar menos tempo no almoço e poder
estudar. A jovem tinha muita disciplina, o que também se devia ao controle da mãe, mas,
especialmente, ao desejo que alimentava de acessar uma universidade federal. O perfil de
Rebeca se assemelhava ao dos/as jovens interlocutores/as de Tarábola (2015), os quais “se
fecham para o espaço da rua ou são enclausurados pela vigilância e controle familiar, se
superocupam e tratam a possibilidade de ter tempo livre para si como uma utopia” (p. 317). A
vida da jovem apresentava-se como uma sucessão de tempos programados e coercionados,
exigindo dela uma “híper-organización de tiempos e actividades” (ARAUJO;
MARTUCCELLI, 2012, p 196). Destacamos que existia, por parte de Rebeca, uma
preparação para o projeto de “longevidade”, a qual aconteceu desde o ensino fundamental,
segundo ela. Assim, para a jovem, como aponta Leccardi (2005), o presente não era somente
uma ponte entre passado e futuro, mas um tempo de preparação para esse futuro, nesta
concepção “o futuro, o devir aparece ligado, por um duplo fio, às escolhas e às decisões”
(idem, p. 41).
Com o término do ensino médio, a jovem realizou a prova do Enem e passou na
Universidade Federal de Ouro Preto, para o curso de Engenharia Ambiental e, no ano
seguinte, na Universidade Federal de Viçosa, para o curso de Ciências Biológicas, mas a mãe
não a deixou ir para outra cidade, como analisaremos posteriormente. A jovem acabou
ingressando em uma faculdade privada, para o curso de Ciências Biológicas, mas trancou o
curso no segundo período, devido à gravidez.
No ano após a conclusão do ensino médio, como a jovem não havia ido para a
faculdade, procurou cursos gratuitos para estudar, mas todos eram somente no período da
manhã ou tarde, o que a impossibilitaria de trabalhar. Ela passou no curso de Técnico em
Meio Ambiente, oferecido pelo Programa de Educação Profissional (PEP)137 do Estado de

137
O Programa de Educação Profissional (PEP) foi criado em 2007 pelo governo do Estado de Minas Gerais e
tem como objetivo facilitar o acesso a cursos de capacitação gratuitos para jovens estudantes ou concluintes
do ensino médio que não se inseriram no ensino superior. São ministrados de acordo com a demanda de mão
de obra da região. Disponível em: pep.educacao.mg.gov.br
258

Minas Gerais, mas os cursos eram ofertados somente no período matutino ou diurno: “aí, eu
pensei, ou eu trabalho e pago um curso, ou eu só estudo e faço curso de graça. Então, optei
por pagar, para não voltar a depender da minha mãe de novo”.
A jovem iniciou o curso de Tecnólogo em Meio Ambiente, no período noturno, com
duração de dois anos. Segundo ela, a escolha pelo curso se relacionava ao desejo de cursar
bacharelado em Ciências Biológicas no ensino superior. Ao contrário dos/as outros/a jovens
entrevistados/as, que realizaram cursos, Rebeca tendia a demonstrar maior articulaçãoentre o
curso escolhido, a área de desejo do ensino superior e a atuação profissional. A opção por
trabalhar e estudar se relacionava a três circunstâncias: às condições econômicas da família,
pois sabia que a mãe não dispunha de meios para ajudá-la com passagens e lanches para os
cursos gratuitos. Ao fato de considerar que a mãe já a havia sustentado por muito tempo. Ao
contexto de não poder contar com o auxílio do pai.
Mesmo sem condições financeiras, o suporteda família foi essencial para que a jovem
pudesse conseguir terminar o curso de Meio Ambiente, reforçando que os suportes
(MARTUCCELLI, 2007) não são somente de ordem econômica. Rebeca morou na casa da
avó, que era perto do local do curso, durante grande parte do processo. A mudança para a casa
da avó foi em virtude do desgaste gerado pelo deslocamento, o qual, muitas vezes, era
negligenciado, pois, morando na casa da mãe, chegava a casa à uma hora da madrugada,
arrumava os materiais e lanche para o trabalho, dormia às 2h e saia às 05h30 para trabalhar.
Quando passou a dormir na casa da avó, chegava às 23h, ou seja, duas horas de diferença,
tempo este que passou a ser essencial para descansar. Importante relembrar que, juntamente
com o curso, Rebeca trabalhava no consultório de Odontologia, com uma rotina de trabalho
exaustiva, como já discutimos. A jovem considerou que só conseguiu manter-se nos dois
lugares, porque queria muito concluir o curso, uma vez que já havia dedicado muito tempo a
ele. A jovem concluiu o curso e ingressou na faculdade, para o fim de cursar bacharelado em
Ciências Biológicas.
Rebeca informou também que, decorridos uns oito meses do nascimento da filha, ela
estava estudando por conta própria, para tentar um concurso público. Tentou na área
administrativa, foi classificada em dois concursos, mas não foi chamada, devido a estar fora
do número de vagas. Informou que não se via sem estudar, mesmo com a rotina pesada de ser
mãe.

3.4 O sonho das federais e a realidade da universidade privada: a “mãe como prova”

O desejo de ingressar no ensino superior fez parte da vida da Rebeca, desde muito
259

cedo. A jovem afirmou que tinha em mente que gostaria de fazer algum curso relacionado ao
meio ambiente, mas não sabia muito bem qual seria a melhor opção. A falta de suporte para
ajudar nas escolhas é algo que perpassa o contexto de todos/as os/as jovens entrevistados/as, o
que não foi diferente com Rebeca. Segundo ela, foi no ensino médio que teve a certeza de
qual curso faria, pois ela sabia o que queria estudar, mas não sabia em qual curso poderia ter
acesso ao que gostaria de vivenciar no campo profissional. Salientou que, no segundo ano,
teve contato com uma professora de Biologia que a ajudou muito na decisão, pois lhe deu
informações sobre vários cursos que poderiam ter relação com o desejo quanto ao trabalho
com o meio ambiente. Ressaltamos o papel da professora como incentivadora, mas
especialmente, como fonte de informação acerca das possibilidades que Rebeca detinha, ou
seja, um suporte que a jovem não possuía, pois, em sua família, somente uma tia tinha
cursado o ensino superior, mas não tinha conhecimentos sobre os cursos da área ambiental. É
importante ponderar que Rebeca tinha com seus/as professores/as uma boa relação,
especialmente porque, segundo ela, cumpria bem seu ofício de aluna (ARROYO, 2000).
O papel da professora foi essencial, mas consideramos que a articulação ensino médio
e projetos de vida dos/as jovens estudantes, especialmente no que tange ao mundo do
trabalho, ainda está aquém das expectativas dos/as jovens e das promessas do arcabouço legal
desse nível de ensino. Assim, concordamos com Corrochano (2014) que explicita que os/as
jovens, ao terminarem o ensino médio, parecem sentir falta do que ela nomeia de “mapa de
orientações”. Ou seja, assim como apontam outros/as autores/as, a escola poderia ser um
espaço de conhecimento e de atitudes acerca dos projetos de vida, os quais, por sua vez, não
se restringem ao mercado de trabalho138. Da mesma forma, Corrochano (2014) ressalta que
“com isso, não quer dizer que a escola deve responder a todas as questões, mas parece
importante considerá-las, o que pode ampliar o significado de uma de suas finalidades –
preparação para o mundo do trabalho” (p. 223) – especialmente num contexto capitalista,
marcado pela lógica de culpabilização individual dos sujeitos.
Após a escolha do curso, a jovem fez o Enem e passou na Universidade de Ouro Preto,
como já pontuamos:

Passei, nem acreditei quando eu vi. Saiu UFOP para Engenharia Ambiental.
Aí, eu falei: “nossa, muito top e ainda tem a ‘vagabundagem’” em Ouro
Preto. UFOP é ótima, é maravilhosa, ainda mais Engenharia Ambiental,
que é um sonho de qualquer pessoa”. Não tinha pensado nesse curso
incialmente, mas iria aprender a fazer cálculos na marra. Falei: “Mãe,

138
Cf. LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011; NONATO; Sara VILLAS, 2011; LEÃO; NONATO, 2011; DAYRELL,
et al., 2015.
260

passei na universidade, passei na UFOP”. Aí, ela: “onde que é isso?”


Falei: “em Ouro Preto, é universidade pública e gratuita, é federal”. Aí,
ela: “você não vai”. Aí eu: “oi? Mãe, passei numa federal. Estudei demais
para isso.” Ela só repetiu: “você não vai, pois eu não tenho condições de te
manter lá; eu não tenho condições de te deixar longe de mim tanto tempo.
Então, não tem condição nenhuma de você ir. Como que eu vou te manter
lá? E você mulher, sozinha lá também”. Aí, eu falei: “não, você não precisa
me manter, eu estudei a vida toda para isso, eu vou estudando e pagando as
coisas. É porque é Ouro Preto?” Ela respondeu: “é, lá é muita bagunça”.
Então tá, ano que vem, eu tento de novo. Lá vai eu estudar, de novo, que
nem uma “cachorra”.

No depoimento, ficava evidente a satisfação de Rebeca em ter passado em uma


universidade federal, o que era o seu objetivo inicial. Aliada a isto, a possibilidade de ter
acesso ao que a jovem nomeou como “vagabundagem”, o que consideramos que se tratava da
representação que Rebeca fazia do que significava estudar na UFOP, articulando à imagem de
liberdade que sempre desejou ter. O curso não era o pretendido inicialmente, mas o acesso a
uma universidade gratuita e pública, assim como para Caio, era para a jovem mais relevante
que o curso. Notamos que a justificativa da mãe para não autorizar a filha a mudar de cidade
tem como base diferentes motivos, mas consideramos primordialmente dois que se
interseccionam: a dimensão de gênero e de classe. A dimensão de gênero se configurava em
diferentes nuances, tais como: ser mulher e morar sozinha; morar em uma cidade universitária
que representava para elas um espaço de liberdade, festas, namoros, brincadeira; a influência
da lógica da internalidade feminina no pensamento da mãe de Rebeca. Ademais, a negativa,
de certo modo, expressava um “cuidado” com a filha, especialmente diante da cultura
doestupro, presente numa sociedade machista. Quanto à classe, se relacionava
primordialmente à falta de recurso financeiro para manter Rebeca em outra cidade. Mesmo
diante das razões explicitadas, consideramos que a mãe atuava como limitadora do projeto de
longevidade da filha.
Rebeca relatou que a relação com a mãe ficou muito ruim, pois ela não aceitava a
decisão tomada. Informou que, no período posterior à decisão da mãe, elas tiveram muitas
brigas. A jovem citou: “fiquei revoltada, porque, nossa, eu estudei que nem ‘cachorra’ para
passar e não pude ir. Fiquei mais de um mês sem conversar com a minha mãe. Cismei que ia
sair de casa. Não fazia nada direito em casa”. O convívio de Rebeca com a mãe já era
marcado por tensões e conflitos, o que se intensificou após a decisão da mãe. Assim,
apontamos que a relação delas era um desafio que a jovem precisava enfrentar
cotidianamente, o que remetia-nos à ideia da família como “uma prova”
261

particularmentesignificativa, como apontam Araujo, Martuccelli (2012) e Reis (2014). Após


um período, contudo, a jovem afirmou que a relação começou a melhorar.
No ano seguinte, a resposta singular da jovem, mediante a família ser vivida como um
desafio, se pautava em criar, novamente, uma rotina de estudos, para tentar ingressar no
ensino superior. A jovem fez o Enem e, mais uma vez, passou para o curso de Ciências
Biológicas e Biologia Marinha, mas na Universidade Federal de Viçosa, como descreveu:

Minha mãe perguntou “o que que você vai tentar?” Aí falei: “a mesma
coisa”. Você via Rebeca? Você não via Rebeca. Rebeca ficava estudando
todos os dias, ficava até de madrugada. Aí, passei na [Universidade] de
Viçosa, aí, não tinha desculpa, porque a minha tia, caçula da família, ela
mora em Setiba-ES. Aí, como a minha tia morava em Setiba-ES, eu pensei:
“é pertinho, então nós vamos, falei, esse ano vai dar certo, eu vou”. Aí,
fiquei esperando sair o resultado. Aí, quando saiu, eu passei em Ciências
Biológicas e Biologia Marinha. Era um sonho de consumo. Falei: “eu vou
para Biologia Marinha em Viçosa, sabe?” Olhei assim e falei: “é para lá
que eu estou indo”. Aí, falei para a minha mãe. Aí, ela: “han? Você vai para
longe desse jeito? Olha, esse lugar lá mata toda hora”. Aí, eu murchei. Foi
pior do que flor, eu murchei todinha. Falei: “acabou. Eu não tento mais
faculdade nenhuma, não me mato de estudar de novo, porque tudo que eu
estudei foi em vão”. Era para eu ter tido essa continuidade da vida que eu
tive, era para eu estar fazendo outra coisa, era para eu estar formando.
Falei: “a minha tia mora lá, mãe, é perto, eu durmo”. Ela: “não, você vai
morar na casa da sua tia, vai ter despesas”. Aí, foi outro 'não'. Aí, eu não
fui.

A segunda oportunidade da jovem de estudar em uma universidade pública, também


negada pela mãe, representava o rompimento com uma trajetória de estudos, para acessar o
ensino superior gratuito. Em ambos os casos, observamos a obediência de Rebeca em relação
à mãe, mas também a falta de condição de se sustentar e ir para outra cidade. Novamente, a
mãe mencionou o aspecto dos gastos como justificativa e abordou o contexto da cidade – com
alta taxa de violência. Rebeca comentou que ficou muito chateada com a mãe, pois avaliava
que a Universidade de Viçosa tinha o melhor curso de Ciências Biológicas e era o curso mais
desejado por ela. Ademais, a jovem enfatizou a possibilidade de morar com a tia. Devido à
falta de suporte no que tange às condições materiais, bem como, novamente, à questão de
gênero, a mãe atuava como uma “barreira” quanto ao projeto. Concordamos com Tarábola
(2015) ao discorrer que

[...] família não é apenas o locus da afetividade e do amor, na família vista


como prova à qual os indivíduos estão submetidos, aspira-se à liberdade para
o exercício da autonomia, colocando muitas vezes em xeque a própria noção
de autoridade dos pais ou outras figuras que assumem tal papel simbólico de
responsabilidade sobre os demais, enquanto, ao mesmo tempo, a tensão entre
gratidão, solidariedade e dívida se coloca (TARÁBOLA, 2015, p. 194).
262

A partir das colocações do autor, tendemos a considerar que a mãe, como parte da
família, atuava “como prova” quanto aos processos de escolarização da jovem. Todavia, não
podemos negar que a mãe foi, também, suporte quanto ao incentivo, ouseja, era uma relação
marcada pela ambiguidade. A impossibilidade de cursar o ensino superior, devido à não
autorização da mãe foi muito frustrante para a jovem Rebeca, pois foram

duas faculdades no lixo, sabe? Muito tempo dedicado, muito estudo para
nada. Eu falo “para nada”, porque foi para nada, mesmo. Eu nem pude ir,
nem ver como que é que era. O sonho, ó, “puffff”, furou, morreu. Acabou
tudo. Falei, ah, não estudo mais, não. Estudo agora só na faculdade,
acabou.

Após decidir-se por não estudar mais para ingressar em uma universidade pública,
Rebeca optou por estudar em uma faculdade particular. A jovem afirmou que atualmente
compreende a atitude da mãe, pois diferentes fatores teriam interferido na decisão dela, tais
como: ausência de condições econômicas para manter a filha em outra cidade ou estado; não
existência da contribuição do pai da jovem e o fato de serem Rebeca e ela mulheres. Porém, a
compreensão não estava ligada à aceitação da postura da mãe. Uma expressão da não
aceitação foi que a jovem se inseriu no curso de Ciências Biológicas, a partir do FIES, e
afirmava que era a mãe quem pagava os boletos de juros e iria pagar após a conclusão do
curso: “eu realmente não assumo o compromisso de pagar, porque eu tive duas
oportunidades, e foi esforço, não foi, assim, sorte, foi esforço... Ai foi um suor, mas eu não
pude ir, então, minha mãe que paga”. É importante ressaltar que a jovem também
responsabiliza o pai pela impossibilidade de ir para outra cidade, pois segundo ela, se o pai
fizesse a parte dele talvez a mãe poderia deixá-la ir.
Por ter decidido estudar numa faculdade particular, a jovem ressaltou que todo mundo
a questionava por não ter tentado para a UFMG, mas ela afirmou que o curso na faculdade
particular era mais interessante, como explicitou

Então, eu preferi fazer a minha faculdade particular, porque a grade era


melhor, era mais interessante. A UFMG é para quem pode não trabalhar,
até um certo momento. Você tem grade de manhã e de noite, ou você tem de
manhã e de tarde. É uma loucura. Isso para mim, com filha, com casa e com
marido, para mim, não dá. Porque, assim, como eu não trabalho, quem
trabalha é o meu marido, como que eu ia fazer faculdade de manhã e de
tarde? Partir o dia assim? Eu acho que essa parte da UFMG é muito
confusa, assim, os horários. Então, por isso, que eu fui para a UNA. Eu
pesquisei bastante, quando eu fui tentar as federais, Belo Horizonte, Ouro
Preto e Viçosa. Eu tentei aqui [UFMG] foi Aquacultura.

Na narrativa da jovem, o que ela nomeou como “preferência”, na realidade, possuía


relação com a impossibilidade de estudar numa universidade em que a grade compreendesse
263

dois turnos no dia. A necessidade de trabalhar e cuidar da filha limitava as possibilidades da


jovem Rebeca. A inserção em uma universidade federal, de tempo integral, não era problema
antes, pois ela não era mãe, o que ocorreu somente após a inserção na faculdade privada.
Neste sentido, salientamos a singularidade do que significa ser uma jovem mãe, pois Rebeca
não tinha suportes que a possibilitassem manter-se em um curso de tempo integral. Logo, suas
escolhas não perpassam somente o desejo, mas o campo de possibilidades, o qual, dentre
outras questões, era limitado pela responsabilidade de ser mãe. Cabe ressaltar que, quando
realizou o Enem, a jovem optou pela UFOP e pela Universidade Federal de Viçosa, pois,
segundo ela, avaliou que o curso era melhor nessas universidades. Ademais, ela não teria nota
para passar na UFMG naquela época, devido à alta seletividade do curso.
Para não ter que sair da faculdade quando engravidou, começou a fazer o curso a
distância, mas, no terceiro mês de nascimento da filha, optou por trancar o curso, pois,
segundo ela, não estava aguentando e ficava exausta com a rotina: “eu não aguentei o ritmo,
para mim, foi demais, era casa, criança, faculdade, eu estava ficando louca já, aí, tranquei,
parei, aí, virou ‘vida de Karen’”. Como apontam Heilborn et al. (2002), a parentalidade
impõe um abalo muito maior na vida das jovens mulheres. Rebeca expôs suas frustações:

Foi bem triste ter que trancar [matrícula na faculdade], foi, assim, o que me
“afundou”. Tentei fazer tudo on-line, mas não tinha suporte de professor
nenhum, não tinha auxílio da instituição. Engravidar é ser esquecida.
Ninguém quer saber. Então, para mim, estava ficando, assim, muito
cansativo. Aí, eu cheguei ao ponto de ficar chorando todos os dias. Não
dava mais para continuar, se eu continuasse, ia “tomar pau” em todas as
matérias e ter que pagar, mesmo assim. Achei melhor “trancar”, mas com o
coração triste, pois já tinha tido tanta frustação com relação à faculdade.

A situação retratava o contexto de muitas jovens que engravidam e não conseguem


conciliar a gestação/maternidade com os estudos139. Não por incompetência, mas por se tratar
de um momento no qual as mulheres passam por muitas transformações biológicas e
psicológicas, enfrentam julgamentos e precisam “aprender a ser mãe”, como foi o caso de
Rebeca. A falta de suporte da instituição contribuiu para que a jovem trancasse o curso, pois a
maternidade “disputava” tempo com os estudos. Ademais, as regras escolares não são
pensadas levando em conta a especificidade deuma jovem mãe e estudante. Muitas vezes, as
demandas das mulheres grávidas são negligenciadas e as jovens grávidas “são esquecidas”,
como citou a jovem, enquanto mulheres e estudantes, o que contribui para o abandono. A

139
Cf. FONSECA; ARAÚJO, 2004; DIAS; AQUINO, 2006; DIAS; TEIXEIRA, 2010.
264

narrativa também evidenciava a discussão sobre a solidão140 que a maternidade pode gerar.
Rebeca contou que, a cada mês de idade completado pela filha, ela ficava feliz e, ao
mesmo tempo, muito triste, pois comparava esse tempo com aquele que perdia na faculdade.
A jovem retomou os estudos no primeiro semestre de 2017, quando a filha tinha em torno de
dois anos.

Voltei a estudar, graças a Deus. Eu me senti realizada, sabe? Agora minha


vida tem sentido quase completo. Falta o trabalho. Estou fazendo alguma
coisa. Aí, eu comecei a participar do congresso da faculdade, parece que a
vida começa a “encaixar” de novo. Mas, está sendo um sufoco também.
Entrar no ritmo é um desafio, pois fiquei muito tempo parada. O pessoal da
minha sala é tão jovem, eu estou com 22 [anos], o pessoal tudo com 19, 20,
mas eles têm outro pique. Estão no ritmo, desde o primeiro período. Então,
para mim, as coisas estavam rápidas demais. Parecia que eu tinha ficado
parada mais[de] três anos parada.

A vida de Rebeca, segundo o depoimento dela, “só” tinha sentido a partir dos estudos
e do trabalho (remunerado). Parece que estudar era o que direcionava a vida da jovem.
Enfatizamos o “terreno labiríntico” em que a jovem esteve imersa. A sua trajetória de
escolarização, assim como toda sua vida, foi marcada por um cenário de idas e vindas, em que
a jovem precisou refazer seus projetos e estratégias. Assim, apontamos que, embora seja
complexa a retomada dos estudos, especialmente de jovens mães pobres, é necessário
“considerar que as alterações pela maternidade nas carreiras [e vida] femininas podem ser
apenas temporárias” (HEILBORN, et al, 2002, p. 37). A jovem enfatizou a diferença do seu
ritmo com o dos/as novos/as colegas de sala, ressaltando que “as coisas estavam rápidas
demais” para ela. Nesse sentido, Rebeca chamou a atenção para a diferença etária, mas, mais
que a idade, a diferença estava no modo com que cada um vivenciou/vivenciava a juventude
e, no caso de Rebeca, uma vivência marcada pela mudança na rotina e responsabilidades, a
partir da gravidez.
Diante do cenário, a jovem mencionou que retomar os estudos era um desafio, pois,
depois que a filha nasceu, ela perdeu o prazer de estudar, porque é muito cansativo ser mãe e
estudante e, não existia uma iniciativa por parte da instituição, uma preocupação com o fato
de ela ser mãe, pois

140
A solidão que a maternidade tende a trazer não é vivenciada somente por Rebeca, mas apontada por outras
jovens. Como vemos nos vídeos e alguns textos: Solidão materna. RUBIM, Flávia, 06 mai. 2018, disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=J_NDjYzwF08, acesso em: 04 ago. 2018; Quem escuta a mãe?
Precisamos falar sobre a solidão materna, 18 ago. 2017, Redação – Portal Catraquinha, disponível em:
https://catraquinha.catracalivre.com.br/geral/familia/indicacao/solidao-materna/, acesso em 20 ago. 2017;
OLIVER, Diana. Quão solitária pode ser a maternidade no século XXI, 19 jan. 2018, disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/11/actualidad/1515682730_474645.html, acesso em: 05 ago. 2018.
265

depois que você entra para a faculdade, todo mundo é tratado do mesmo
jeito. Ninguém quer saber se eu não entreguei trabalho, porque minha filha
passou mal e dormi no hospital. Você é meio que obrigada a tudo e seu
prazer vai acabando ainda mais. O seu prazer morre ali, ó, o seu professor
fala: “80 páginas para amanhã, tá?” Acabou, você não tem prazer. Tem
obrigação. Antes eu tinha mais prazer. Talvez, volte.

A jovem chamava a atenção para a necessidade das instituições de ensino superior se


preocuparem com as singularidades dos sujeitos. Não se trata de igualdade de tratamento, mas
de diferentes tratamentos, tendo em vista que os sujeitos são múltiplos e diversos. Outra
questão importante era a crítica ao processo de construção de conhecimento, a partir do
sentimento de obrigação.
Diante das dificuldades de lidar com o ritmo da faculdade e de não ser vista em sua
especificidade, a jovem afirmou que o curso de Tecnólogo em Meio Ambiente que fez tem
sido essencial, pois muitas matérias são complementares e muitas dúvidas que tem ela
consegue minimizar com a base que teve no curso. Além disso, a jovem mencionou que o
suporte do marido era fundamental para que ela conseguisse conciliar faculdade e ser mãe,
pois “ele me ajuda muito [...] ele que fica para mim com a Karen para eu poder estudar,
então, tem dia que eu ficava na faculdade até sete horas da noite”. Interessante pontuar como
o cuidado dos/as filhos/as é ainda visto como um papel da mulher, pois a jovem mencionou a
participação do marido como se ele fosse um colaborador e não o responsável tanto quanto ela
pela filha. Assim, como aponta Aguiar (2017), “isso faz com que o trabalho doméstico [e o
cuidado com os/as filhos/as] para o homem não seja obrigatório e, sim, uma “ajuda” que eles
dão generosamente às mulheres quando querem ou podem” (p.64). Cabe ressaltar que a jovem
estudava no período noturno, mas trocou para o horário matutino, pois, na parte da manhã, a
filha dormia um período considerável e era mais fácil para o marido cuidar. Como vimos, a
jovem já tinha tentado deixar a filha com a mãe, no período noturno, mas afirmou que a mãe
sempre ligava para ela, no período de aula, e não tinha muita paciência com a neta.
A jovem reforçou que ser mãe e estudante era uma rotina pesada, mas que “quando
você só estuda, você arruma desculpa para não fazer só isso. Você tem um tempo inteiro vago
e deixa tudo acumular, ou inventa outra coisa. Quando você tem mais tarefas durante o dia,
acho que você se cobra mais”. As ponderações da jovem sobre a organização do tempo para
diferentes atividades já expunham uma naturalização e, ao mesmo tempo, uma cobrança
acerca das diversas atividades que “cabem à mulher”. Ao mesmo tempo, em sua narrativa, a
jovem expressava uma leitura de tempo pautada numa sociedade capitalista, na qual, de forma
crescente, temos que produzir mais, com tempos mais reduzidos. Ou seja, uma sociedade que
266

exige “24 horas” de trabalho (GIDDENS, 1991), na qual o tempo livre se torna foco de
julgamento.
Por último, Rebeca considerou que retomar os estudos era o que havia feito a vida dela
ter sentido, mas também era a possibilidade de ter outras oportunidades, pois

o mundo de hoje te faz essa cobrança de estudar, trabalhar. Antes, você se


apresentava para uma pessoa assim: “eu sou Rebeca”. Só isso e mais nada.
Mas, hoje em dia, ser só Rebeca não vale nada. Você é questionada:
“Rebeca, mais Rebeca, o quê? Você faz o quê da vida? Em quê que você é
formada? O quê que você está fazendo?” Então, é necessário você fazer um
curso superior. Hoje, quem tem ensino médio nem é visto. Às vezes, o
trabalho nem precisa da formação, mas é necessário ter curso superior,
assim mesmo. Se você não faz, você não é visto.

No depoimento, a jovem expressava a importância de determinados papéis sociais,


especialmente relacionados ao trabalho e à educação, para a constituição do sujeito na
sociedade contemporânea. “Ser somente Rebeca” era pouco, assim, a jovem enfatizou a
importância do ensino superior como credencial para ser vista e ter mobilidade social. A
jovem reforçava o discurso da necessidade do diploma, pois, mesmo numa profissão em que a
formação de ensino superior não fosse necessária, era primordial ter um, afinal a posse do
diploma possibilitava ficar melhor posicionado na “fila do desemprego” (HASENBALG,
2003). Ademais, consideramos que a ponderação de Rebeca se relacionava, inclusive, ao
contexto particular de vida e à busca pelo reconhecimento. Destarte, ela poderia ser “somente
Rebeca” para sua família e, também, para seu pai.
As vivências de Rebeca, acerca da vida familiar, do trabalho e dos estudos mostraram
a complexidade de uma trajetória marcada pela relação de gênero. Sabemos que a dimensão
de gênero perpassa por todas as trajetórias sobre as quais já nos debruçamos aqui, mas
consideramos que, no caso de Rebeca, essa dimensão era ainda mais intensa e visível. A
jovem vivenciava a imposição do trabalho doméstico delegado à mulher, desde a adolescência
e, posteriormente, na juventude. Desejava um emprego, pois não se reconhecia neste papel
socialmente construído para as mulheres, qual seja a internalidade feminina. Experimentou a
intensificação e a exploração no/do trabalho, o que evidencia o processo de flexibilização. A
vivência do desemprego era complexa, pois existia, concomitantemente, sofrimento, vazio.
Porém, ao mesmo tempo, ela não poderia aceitar, indiscriminadamente, uma oferta de
emprego, devido à maternidade, como pontuamos. Quanto aos estudos, verificamos as
reconstruções que a jovem fazia, a partir dos limites colocados pela mãe quanto ao ensino
superior e, posteriormente, à gravidez. Evidenciamos que, ao contrário da ausência de
perspectivas de estudos e trabalho, que tendem a fazer com que “a internalidade em relação à
267

casa se afirme como valor” (HEILBORN et al., 2002, p. 42) para algumas mães de camada
populares, Rebeca buscava, a todo momento, a reconstrução de seus projetos de vida, mesmo
com os limites que sua realidade lhe impunha. Apontamos que a trajetória da jovem era
marcada por “terrenos labirínticos”, pois expressava a “complexidade inteligente: por um
lado, o prazer do extravio frente à inextricabilidade; por outro, a expectativa de se sair do
labirinto, com as astúcias da razão (ou do sentido)” (PAIS, 2001, p. 55). Rebeca articulava
essa complexidade inteligente, pois ora sua trajetória foi marcada pelo extravio, ora pela
busca da saída, sendo necessário, portanto, “ir e vir”, já que, na sua condição de jovem mulher
e mãe, o cenário que se aliava a esse labirinto dizia que nem tudo poderia ser escolhido.
Assim, em meio às vivências marcadas por lutas diárias, ela se refazia, se reeelaborava e
começava novamente a busca pela saída.
268

4 CENA 4 – Breno: o desengajamento

Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza


social e suas misérias individuais, trabalhem, trabalhem para
que, ficando mais pobres, tenham mais razão para trabalhar e
tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção
capitalista.

Paul Lafargue– “O Direito à Preguiça”

A cena do jovem Breno traz/trazia para o debate a discussão sobre o desengajamento


frente às experiências laborais, mas também diante da recusa quanto a determinados tipos de
trabalho. A partir das narrativas do jovem, é possível afirmar que ele buscava viver outras
temporalidades e não somente o tempo de trabalho e o tempo do processo educativo. Durante
a experiência laboral, o sentido do trabalho e do emprego se perfaz especialmente a partir de
sua dimensão econômica, articulado à possibilidade de se vivenciar o consumo por meio da
renda conquistada. O período do desemprego é sobretudo considerado ruim, em razão das
lembranças do emprego, todavia, o jovem vivencia o desemprego de maneira singular. A
maneira de (re)existir do jovem Breno perante às temporalidades impostas tanto do trabalho
quanto da escola ampliaram nosso olhar acerca das possibilidades de se experimentar a vida
de trabalhador e de estudante.

4.1 “Minha mãe é um amor”: a vivência familiar e o jovem

Breno estava com 22 anos quando participou da pesquisa. Jovem, solteiro, se


autodeclarou branco, heterossexual e católico. Estava desempregado, embora tenha realizado
alguns “bicos”. Após a conclusão do ensino médio, não participou de nenhum outro processo
educativo formal. Ele morava com a mãe, uma irmã gêmea e uma irmã mais nova, de oito
anos, em Belo Horizonte, na região de Venda Nova, a qual é considerada de periferia. Seus
pais eram separados. A mãe de Breno completou o ensino fundamental e o pai, ensino médio.
A mãe trabalhava como encarregada de motéis e o pai, como taxista. Breno declarou que eles
moravam de aluguel num lote de parentes.
Quanto à família, Breno informou que se relacionava mais com os seus parentes
maternos:

Minha família é bem tranquila. “Todo mundo ajuda todo mundo”, mas
“todo mundo quer cuidar da vida de todo mundo” também. Minhas tias
269

maternas são bem presentes. Eu e a minha irmã gêmea somos tranquilos e


não temos desavenças, mas a gente não é amigo, não. Com a irmã mais
nova, eu sou mais apegado. Na minha família tem umas discussões, às vezes,
mas é normal, coisa de família. No caso da família do meu pai, é pouco
contato.

Aparecia no depoimento uma relação que tende a ser comum nas famílias de camadas
populares, que diz respeito ao envolvimento dos diferentes membros da família em todos os
assuntos O jovem ressaltou que as tias se envolviam nas definições sobre os estudos da irmã
mais nova e sobre sua inserção no mercado de trabalho, por exemplo. Tal envolvimento tem
correspondência com as condições objetivas das famílias, pois, às vezes, moram no mesmo
espaço físico, ou mesmo em residências separadas, mas têmos parentes como suporte
(MARTUCCELLI, 2007).
A participação dos parentes “nas questões, tanto as boas quantos as ruins”, como
explicitava Breno, corrobora com as colocações de Maria Heilborn e Cristiane Cabral (2006)
que afirmam que “os vínculos entre membros da unidade familiar, aliadas às condições
materiais de existência, fazem com que a família seja concebida como um sujeito coletivo
para a qual a participação de todos é esperada” (p. 242). Não obstante, o pai de Breno não
participava da unidade familiar. O pouco contato com o pai e com a família paterna se
justificava inicialmente pela distância geográfica.

A culpa é mais dele; até ele morando com a gente, ele era distante. Meu pai
nasceu para ser solteiro. Só que a minha mãe é muito dedicada, ela
conseguiu suprir essa falta do pai, então, ela foi mãe e pai. Minha mãe fazia
aniversário para gente e meu pai estava no bar, ela tinha que chamar ele.
Ele não fazia questão da gente. Ele que tinha, desde pequeno, se aproximar
mais de mim. Ele era meio “gelado”. Eu sou bem tranquilo; a minha irmã
que “puxou ele”, tem pavio curto, aí, ela fala assim: “você quer cobrar
postura de filho e não tem de pai?”. Eu concordo, mas não falo isso. Ele
não foi muito presente de dar, assim, carinho, amor. Ele fala assim: “eu
sempre dei amor a vocês, nunca faltou nada para vocês. Vocês sempre
tiveram seus desenhos para assistir e tudo”. Aí, eu falo: “não, pai, isso é
verdade, mas você podia ser mais presente, conversar mais e tudo”. Se eu
não for atrás dele, ele também não vai atrás de mim. Aí, quando eu não ligo
para ele, minha mãe cobra isso.

Há vários pontos para reflexão sobre a relação entre Breno e o pai. Primeiramente,
podemos pontuar que o distanciamento entre pai e filho não se dava com a separação dos pais,
pois já era uma situação que fazia parte do contexto familiar. Outro ponto diz respeito ao
questionamento do jovem acerca do estado civil do pai, pois, para Breno, ele não cumpria
com seu papel de marido nem de pai. O jovem não aceitava a forma como o pai lidava com a
mãe na relação afetiva, como mencionou, e brigava com ele, em favor da mãe. Assim como
nas cenas de Sérgio e Rebeca, denotamos a “ausência presente” da figura paterna, ou de
270

alguém que cumprisse esse papel na vivência do jovem. Isso porque o pai tinha uma presença,
mas não assumia suas responsabilidades, tampouco a participação requerida e considerada
ideal pelo jovem. É importante pontuar que o papel do pai nas famílias das camadas populares
tem surgido nesta investigação como uma questão que merece um aprofundamento posterior.
Ao contrário da relação com o pai, a relação com a mãe era muito próxima:

[...] a minha mãe é um amor, mesmo, de pessoa, é muito dócil. Ela se


preocupa com a gente demais. Com minha mãe eu converso, mas não muito,
porque, às vezes, não tem o que conversar também, mas a gente tem a
relação boa. A minha mãe me deixa à vontade em casa, ela não é de xingar.
E eu respeito muito ela, não a respondo. É legal que, às vezes, a gente não
concorda com algumas coisas, a gente discute e tal, mas isso aí é saudável.
Cada um fala o que pensa, né, cada um respeitando a opinião do outro.

A forma com que a mãe lidava com o jovem, especialmente com uma postura de
atenção e preocupação, possibilitava uma relação de proximidade entre os dois, o que é
comum a praticamente todos/as os/as jovens entrevistados/as. A conversa também era algo
mencionado por Breno, o que parecia não se tratar de algo hierárquico, com a mãe impondo
sua opinião por sua autoridade, mas, de fato, dialógico.
Quanto ao trabalho, o jovem havia informado, no ano de 2012, que começou a
trabalhar com 15 anos, como vendedor na loja da tia. Aos 16 anos, começou a trabalhar na
UFMG. Após o desligamento da UFMG, teve diferentes experiências de trabalho, mas
também períodos de desemprego.
Com relação ao processo de escolarização, Breno não havia concluído o ensino médio
e ingressou na Educação de Jovens e Adultos, decorrido um ano de sua saída da UFMG.
Informou que tinha vontade de se inserir no ensino superior, mas antes pensava em fazer um
curso técnico.

4.2 A experiência de trabalho na UFMG: “melhor emprego para jovens”

Breno começou a trabalhar na UFMG aos 16 anos, segundo ele, para ser independente.
Sua inserção na universidade se deu num órgão vinculado à reitoria. O jovem tinha como
atribuições: entrega de documentos nas diferentes unidades, conferência de malotes recebidos
e organização do arquivo. Ele informou que gostou muito da experiência de trabalho na
UFMG. Ao contrário de Letícia e Caio, pontuou que nunca pensou na possibilidade de ser
contratado, especialmente por considerar que sua postura não atendia às expectativas do local
de trabalho, como abordaremos. Afirmou que era um trabalho que não tinha muita cobrança,
por isso, acabava ficando“relaxado com o horário”:
271

[...] em relação ao trabalho aqui [UFMG], olha, só para você ver, eu tinha
que estar às 8h na UFMG na época. Eu tinha que ter vergonha de falar isso,
mas eu chegava aqui 9h, umas 9h10, mas a minha chefe não falava nada.
Mas, ela chegava aqui às 10h, também, então ela nem via. Mas, só que tinha
um pessoal que falava para ela. Mas, comigo falavam assim: “ô, Breno,
depois que você sair daqui que você vai ver, porque lá é pior, porque aqui,
tipo assim, entre aspas, você está começando, você está aprendendo”. Me
davam conselhos. A pessoa segue, se quiser, e eu não seguia, não. Eu
conversava com o pessoal direito... Aí, eu gostava daqui, porque não tinha
muita cobrança de horários e nem das coisas para fazer. Não tinha horário
para fazer nada. Parece que eu nem tinha chefe. Era bom demais. Eu ficava
“de boa”, fazia as coisas quando estava a fim. Às vezes nem fazia.

No depoimento de Breno, é possível identificar que a dimensão positiva do trabalho


para ele se articulava à falta de cobrança quanto ao cumprimento dos horários e das tarefas.
Narrou que foi chamado para conversar na Diretoria de Recursos Humanos da UFMG, setor
responsável pela contratação dos/as jovens, mas, segundo ele, somente falaram para ele não
chegar atrasado, porém, não havia nenhuma advertência. Apontamos a ausência da relação do
jovem com sua chefia, especialmente no que tange às cobranças. A organização dos horários,
a responsabilidade de cumprir as regras e executar as atividades são elementos importantes no
processo de socialização e aprendizagem no trabalho, o que, por sua vez, parece não ter feito
parte da experiência de Breno na UFMG. As relações de trabalho e com o trabalho que Breno
estabelecia não se converteram em uma organização temporal que comumente vemos nos
espaços de trabalho, ao contrário, se configuravam a partir da “ausência de divisão temporal
pelo trabalho, ou [das]temporalidades de um trabalho errático [que] conduzem, às vezes, a
temporalidades simples ou arrítmicas” (THIN, 2006, p. 220). Neste contexto, tendemos a
considerar que as regras do trabalho, principalmente de cumprimento de horário, não faziam
sentido para o jovem, o que dificultava a obediência.
Em 2012, o jovem havia afirmado que contribuía para o sustento da família
(NONATO, 2013). Na pesquisa atual, ele informou que, na época, a mãe havia estipulado o
valor de 100 reais mensais para ele ajudar nas despesas da casa. Ele afirmou que a mãe não
“controlava” o seu dinheiro, mas fazia questão que ele entregasse o valor de contribuição na
data combinada, pois, segundo ele, não fazia nada no prazo. Breno considerava que o valor
era ótimo, pois o restante ele “esbanjava com os/as amigos/as”. O jovem explicitou, ainda,
que a mãe o obrigava a ajudar nas despesas de casa, pois ele gastava muito dinheiro à toa e,
muitas vezes, gastava mais que podia. É possível dizer que a postura da mãe com relação ao
filho seria uma tentativa de corrigir a falta de organização financeira e temporal do jovem.
Consideramos que a maneira com que Breno lidava com o trabalho e, especialmente com o
272

tempo do trabalho, tendo em vista o não cumprimento dos horários e regras, tendia a ser a
forma como ele se comportava em casa, imputando à mãe o papel de controle.
O jovem afirmou que era desorganizado, sempre acordava atrasado para a escola e não
fazia as tarefas de casa no tempo estipulado. Após o início do trabalho na UFMG, sua mãe
“achou” que ele iria melhorar, como afirmou, mas ele ficou do mesmo jeito. Segundo ele:

Aqui [UFMG] era um emprego diferente. Era “de boa” demais. Só que, se a
pessoa já for relaxada ‒ e eu confesso que eu era, na verdade eu sou, eu sou
relaxado nesse sentido de acomodar ‒, aí já era. Fica acostumado com tudo
errado. Eu sou relaxado e a pessoa não cobrar ‒ porque aqui eles não
cobram muito, né? Então, principalmente para a gente que é jovem tem que
ter alguma coisa, tipo horário definido, as “atividades certinhas” para fazer
se não, o jovem não faz. Mas, aqui [UFMG]é bom, é o “melhor emprego do
mundo” para o jovem, porque você fica mais tranquilo, você não tem tantas
obrigações, então, você fica mais tranquilo para fazer as coisas e tudo,
então, aqui eles não vão te cobrar.

O depoimento nos possibilita afirmar como o jovem conseguia fazer uma reflexão
sobre o trabalho como uma relação social. De certa maneira, ele retratava o quanto as posturas
individuais ou a ausência destas poderiam repercutir na forma como o trabalho é
desenvolvido. Mesmo demonstrando reflexividade, consideramos que a narrativa é ambígua,
pois, ao mesmo tempo em que ele requeria liberdade, citava a importância de se ter certo
limite. Assim, de um lado, “ter um emprego diferente” dizia respeito à falta de cobrança e à
liberdade que era dada ao jovem. Por outro lado, podemos afirmar que a disciplina, entendida
aqui como um comportamento internalizado, o qual está de acordo com as regras e
regulamentos do trabalho, que tende a ser vista de forma negativa, era algo que fazia parte das
expectativas de Breno e de sua mãe. Ademais, podemos citar que Breno considerava que o
“trabalho para jovem” deveria ter os horários e tarefas definidas, manifestando uma
representação de que jovens não lidariam bem com a liberdade no espaço de trabalho; o que,
por seu turno, reforçava o estereótipo de que “jovem é irresponsável por natureza” e, assim,
quiçá, justificasse a postura que ele mantinha no trabalho.
Ainda com relação ao trabalho na UFMG, chamamos a atenção para a experiência do
Breno quanto ao uso do seu salário:

Eu trabalhava para ter meu dinheiro. Melhor parte do trabalho era receber.
O salário que eu recebia aqui [UFMG] eu gastava todo com roupa, com
futebol, que eu gosto muito, saídas com os amigos, né. Nessa época, os
meninos [amigos] não trabalhavam, não, aí, eu que “bancava tudo”. Eu
gastava muito mais do que eu recebia, pois queria as coisas para chamar
atenção e ficar igual os ‘playba’141. Eu andava ‘só nos panos’142, só com

141
Referência a jovens de camadas médias – playboy.
273

roupa de marca. A galera “colava comigo”! Nossa... de cartão de crédito


fiquei devendo minha mãe cinco mil reais. Eu recebia 500 reais, mas só que
eu queria um tênis de 600, 800 reais, aí, eu comprava, mas só que eu não
tinha como comprar à vista e eu passava o cartão e dividia. Fiquei pagando
dívida no cartão da minha mãe com meu seguro, acerto daqui e do segundo
trabalho.

O jovem valorizava aquilo que o trabalho oferecia como retorno, diante da “venda da
força de trabalho”, ou seja, o salário e as possibilidades de uso deste. A dimensão do
consumo143 a partir da experiência do trabalho, estava posta no discurso de Breno. Ter acesso
a bens materiais e a diferentes espaços foi uma experiência possível para o jovem, a partir do
momento em que começou a receber um salário. Todavia, embora a sociedade de consumo
tenda a se colocar como um espaço aberto e democrático, “el consumo coordina y ocupa un
rol importante en la reproducción sistémica, en la integración y la estratificación social”
(Omar MARÍN, 2010, p. 140). Assim, o consumo não é acessível a todos/as, se restringindo
para alguns/algumas, devido à faixa etária, condição econômica, local de moradia e cor/raça,
por exemplo. Desta forma, consumir é participar de um campo de disputa por aquilo que a
sociedade produz e pela maneira de utilizar (Néstor CANCLINI, 2015). Os/As jovens são
citados/as por Márcia Grohmann, Luciana Battistella e Carolina Lutz (2012, p. 914) como
“grandes consumidores/as do futuro”, mas consideramos que estes/as nem sempre vão ocupar
essa posição. O depoimento do jovem Breno nos possibilita pensar as diferentes nuances que
o consumo na juventude apresenta.
A primeira questão se refere à reflexão sobre a identidade a partir do consumo.
Diferentes autores144 exploram a dimensão do consumo como um elemento que faz parte do
processo de construção de identidade, pois

[...] o que consumimos é nossa marca visível e determina inclusive nosso


lugar social [...] o consumo aparece como um instrumento que vincula
socialmente os indivíduos dando-lhes um conjunto de características que os
distinguem e os individualizam [...]; o consumo oferece visibilidade diante
do grupo e cria identidades sociais, refletidas, por exemplo, no uso de
produtos da moda, grifes, etc. [...] (Brasilmar NUNES, 2007, p. 663- 665-
668).

[...] identidade [que] se definiam por essência a-histórica: atualmente


configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que
se pode chegar a possuir [...] (CANCLINI, 2015, p. 30);

142
Gíria utilizada para dizer que se vestia bem, especialmente em alusão a roupas de marcas.
143
Entendemos por consumo “como um conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação
e os usos dos produtos” (Nestor CANCLINI, 2015, p. 60).
144
Cf. NUNES, 2007; MARÍN, 2010; Lia PAPPÁMIKAIL, 2013; CANCLINI, 2015; PEREIRA, 2016.
274

o consumo [é] como um campo importante de expressão e afirmação política


para os mais pobres das periferias (Alexandre PEREIRA, 2016, p. 553)

Corroboramos com os autores que o consumo tem um lugar importante no processo de


construção identitário, pois, quando pensamos nas culturas juvenis, por exemplo, os estilos de
vida, a forma de se vestir e a forma de ocupar os espaços/tempos que fazem de cada jovem
um/a “consumidor/a da cidade” (NUNES, 2007), como também contribuem
significativamente para que os/as jovens se construam enquanto sujeitos. Não obstante, no
caso do jovem Breno, o consumo, diante do seu desejo de “ficar igual os playba” nos faz
indagar: quais imagens e/ou identidades são fomentadas no âmbito do consumo? Tal
questionamento é importante, pois como afirma Nunes (2007),

os jovens são mergulhados em espaços estéticos gerados pela imagem


televisiva e pela visibilidade anônima da vida urbana. A valorização de
espaços de consumo de classe média, como os shoppings centers, apontados
como áreas de lazer de fim de semana, indicam que, mesmo em
desvantagem em relação aos grupos dominantes, há uma permanente
tentativa de diferenciação do lugar de origem, do próprio grupo,
prevalecendo a individualização. A tentativa de se adaptar à moda
vestimentária ditada pelos canais de comunicação é um exemplo desse
fenômeno [...] (NUNES, 2007, p. 657).

Assim, no caso de Breno, é possível afirmar que, em busca de se aproximar de uma


imagem de jovens de classe média, Breno forjava uma condição socioeconômica que não
possuía. Conquanto não podemos deixar de considerar que a atitude do jovem é reflexo de um
contexto que impõe um padrão de consumo e valores que nem todos/as têm acesso. A
sociedade constrói parâmetros de estética, beleza e estilos que são amplamente divulgados
pela mídia, colocando-os como universais, o que leva os/as jovens a consumirem, tendo como
base tais parâmetros, uma vez que, hipoteticamente, seriam estes parâmetros que dariam a
eles/as reconhecimento.
A segunda questão que apontamos quanto ao consumo é o distanciamento entre os
desejos e as possibilidades objetivas. Breno, para ter acesso aos bens materiais, acabava se
endividando. Ao contrário das pesquisas desenvolvidas por Corrochano (2008) e Pappámikail
(2013), nas quais alguns/algumas jovens demonstraram ter certa conscientização acerca do
seu lugar social e das desigualdades na distribuição dos recursos financeiros, Breno
reconhecia que não era igual aos “playbas”, mas, ainda assim, diante de um sistema que
impunha/impõe o consumo, ele experimentava-o largamente, mesmo sem condições
econômicas. A falta de recursos era sanada pela mãe do jovem, que atuava como suporte
(MARTUCCELLI, 2007) financeiro, pois possibilitava a ele acesso ao seu cartão de crédito,
275

buscando atender os desejos de consumo do filho. Breno narrou sua experiência quanto ao
consumo:

sabia que estava errado, mas parece que você é rico. Eu não tinha limite e
não tinha ninguém para me frear, nem a minha mãe. Ela jogava o cartão na
minha mão e eu ia para o shopping com os meninos. Ela só avisava para ter
cuidado. O cartão dela e da minha vó tinham um limite altíssimo, se você
quisesse comprar uma moto, tem como [...].

Novamente o jovem demonstrava uma reflexão sobre suas ações passadas, mas o
desejo do consumo e, de certa maneira, a experiência de se ver em outra posição econômica
parecia ser mais forte. Ter um cartão para gastar garantia status perante aos/as amigos/as e
uma busca pelo reconhecimento, via consumo (MARÍN, 2010). Assim, a consciência era
negligenciada em prol do prazer imediato, o que se articulava auma forma de lidar com a
dimensão temporal, tendo o tempo presente como marcador. O jovem confirmou seu
descontrole, mas, ao mesmo tempo, culpabilizou a mãe por não cerceá-lo, o que remetia a
uma representação da mulher como responsável pelo filho e, tão logo, por suas atitudes. Ao
atribuir a responsabilidade à mãe, o jovem outorgava a ela o poder de “(in)validação imediata
do destino ao dinheiro solicitado [uso do cartão], constituindo um meio suplementar de
controle e vigilância” (PAPPÁMIKAIL, 2013, p. 175). Logo, como afirma a autora citada,
seria “dever dos pais refrear esses desejos [gastar mais do que recebe, por exemplo] com
referência àquilo que objetivamente se pode ter” (idem, p. 162). Mas questionamos a
dimensão do “dever”, pois a mãe também parecia ser vítima da lógica imperativa do consumo
e daquilo que socialmente se prescrevia para uma “boa mãe”. As ações, narrativas e,
especialmente, as reflexões de Breno tendiam a evidenciar que, ao mesmo tempo em que ele
buscava limites, tanto no trabalho quanto na família, ele não conseguia lidar com os conselhos
que recebia, o que parecia apontar para dissonâncias entre os conselhos e a visão de mundo do
jovem.
Nesse contexto, o jovem argumentou, ainda, que a UFMG

tinha que ser diferente na parte de orientação sobre o dinheiro. Sobre como
comprar. A UFMG tinha que dar uma estrutura. Com 16 anos, você é
imaturo, você não tem a cabeça, aí, torra o dinheiro. O quê que eu fiz com o
dinheiro? Nada! Nada, nada. “Cabeça ruim” demais. A única coisa que eu
fiz com o salário foi curtir e comprar, mas, se for pensar assim, com “outra
cabeça”, para investir, para eu estudar, para eu fazer outras coisas, a não
ser assim, shopping, ajudar a mãe, outras coisas, eu não fiz nada. Não
guardei nada. Poucos chefes conversam sobre isso, eles só chamam para
conversar, se o jovem estiver aprontando, são mais profissionais. Tinha que
ser além do profissional que é o mais importante. A gente já ia aprendendo
desde cedo. Mas, foi bom gastar [risos].
276

A ponderação é coerente, pois muitos/as jovens têm a UFMG como primeiro espaço
de emprego, ou seja, pela primeira vez, recebem um salário e não sabem como administrar.
Assim, em meio a uma sociedade que estimula o “consumo expressivo orientado para o prazer
em detrimento da ética de poupança que justifica o consumo somente na necessidade”
(PAPPÁMIKAIL, 2013, p. 188), o jovem cobrava ter acesso ao aprendizado sobre como
utilizar o dinheiro. Ao mesmo tempo em que buscava se redimir, atribuindo ao outro, a mãe
ou à UFMG, a culpa pela falta de limite no consumo.
Breno expressava um sentimento de culpa, por não ter feito investimentos mais
concretos e, quiçá, palpáveis, o que dialoga com as ponderações de Canclini (2015), ao propor
reconceituar o consumo, para além da dimensão dos gastos inúteis, como “espaço que serve
para pensar”. O jovem afirmou que, nas outras experiências de trabalho que teve, também não
fez nenhum investimento, pois, só a partir do desemprego, com a falta de dinheiro, passou a
refletir sobre a importância de se utilizar melhor o salário.
Diante do exposto, consideramos que o jovem desenvolveu uma postura de
desengajamento acerca do trabalho na UFMG. Desengajamento entendido aqui como uma
vivência possível acerca do trabalho. Neste sentido, desengajar-se refere-se a uma postura de
recusa, especialmente aos tempos coercitivos do emprego e a determinados tipos de trabalhos,
a qual se materializou na ausência de cumprimento dos horários e regras, desinteresse,
distanciamento das atividades desenvolvidas no trabalho, não construção de relações
interpessoais no âmbito do trabalho e, ao mesmo tempo, na ausência de sentido que extrapole
o emprego como um espaço/tempo somente para se ter um salário. As narrativas de Breno
trouxeram poucos elementos acerca das experiências vividas no fazer cotidiano do trabalho,
das sociabilidades, das angústias, embora não possamos deixar de citar que, em alguns
depoimentos, o jovem mencionou questões que se referiam aos aprendizados e reflexões que
teve na sua vivência laboral.
O desengajamento implica, também, a possibilidade de vivenciar outras
temporalidades na relação com o trabalho. Partimos da ideia, inspirados em Ana Cardoso
(2007), que os tempos são múltiplos. Segundo esta autora,

tempo é uma construção social – o que me leva a falar em construções


temporais que resultam em culturas temporais diferentes, a depender,
portanto, da sociedade e do momento histórico; b) existe uma multiplicidade
de tempos sociais, mesmo que em cada cultura temporal haja um tempo
dominante; c) a apreensão dessa multiplicidade temporal é feita, sobretudo, a
partir da análise dos sujeitos, isto é, de vivências, experiências e
representações temporais cotidianas (CARDOSO, 2007, p. 31).
277

Significa dizer das multiplicidades de tempos, tais como o tempo da família, tempo do
trabalho, tempo de lazer, tempo de consumo, sendo que um mesmo tempo possa ser
vivenciado de maneiras diferentes. Assim, se para alguns/algumas o “o tempo de trabalho
ocupa de modo tão efetivo o lugar central a ponto de ocultar a possibilidade de se perceber
outras temporalidades” (idem, p. 27), para outros/as, como Breno, esse tempo imposto pode
ser questionado, buscando-se vivenciar a subjetividade, mas sem o controle temporal do
mercado de trabalho. O posicionamento do jovem reforçava que o tempo é, antes de tudo,
uma experiência subjetiva, antes mesmo de se constituir uma medida de duração, ou um
objeto de reflexão (idem, 2007). Desta maneira, cada sujeito pode vivenciar o tempo à sua
maneira, sofrendo as possíveis consequências de tal postura. Assim, apontamos que a maneira
do jovem lidar com o tempo se associava a um tempo presente, com arco temporal mais curto
(LECCARDI, 2005).
A experiência de trabalho do jovem na UFMG trouxe repercussões para suas vivências
laborais em outros espaços de trabalho. Como afirmam Heilborn e Cabral (2006, p. 231), o
primeiro trabalho é uma das “sucessivas experiências de primeira vez, que ‘modulam [não
determinam] a socialização’” e atuam como “um conjunto de pequenos rituais de passagem
em torno de determinados marcos valorativos bastante fortes, ainda presentes na sociedade
brasileira” (TARTUCE, 2010, p. 160). Nas discussões a seguir, refletiremos como a maneira
do jovem de lidar com o tempo, bem como a experiência de trabalho anterior, tendia a
repercutir nas suas experiências de trabalho, desemprego e escolarização.

4.3 A procura por trabalho e os (contra)tempos das novas inserções

O jovem Breno entrou na UFMG em dezembro de 2011 e saiu em julho de 2013. Após
um mês do desligamento, Breno afirmou que começou a sentir a falta do trabalho, pois já
tinha se acostumado com a rotina (com a sua maneira de lidar com a “rotina”) e ficou
preocupado com o fato de não ter dinheiro para comprar roupas e sair, quando o seguro
desemprego acabasse. Como vimos até aqui, os/as jovens atribuem diferentes sentidos para o
trabalho. No caso de Breno, tendemos a considerar, como salientamos, que o sentido central
se relacionava à dimensão da renda.
Após a saída, o jovem tentou se inserir no mercado de trabalho, mas ficou
desempregado durante um ano, até iniciar novo trabalho.
O jovem afirmou que participou de vários processos seletivos e que “todo dia tinha
entrevista de emprego e eu me dou bem, pois fui em várias. Nossa, eu já perdi as contas de
entrevista que eu fui, que minha mãe mandava eu ir”. A avaliação que fazia da sua atuação
278

nas entrevistas de emprego era ambivalente, pois ir bem nas entrevistas significaria a
possibilidade de ser contratado, o que não era o caso. É importante frisar que a mãe de Breno
tinha participação ativa na busca por trabalho para ele, como narrado:

Eu já estava há um tempão desempregado e é ruim não ter como comprar


nada, e a minha mãe me cobra demais. Ela vê que eu sou “tranquilo”, não
estou, assim, “correndo atrás”, que eu não sou interessado, mas “uma hora
vai”, mas, pelo fato dela ser mãe, querer me proteger também. Ela falou
assim: “Breno, cadê o emprego?” Ela quer me ver empregado. Então, ela
que “corre atrás”, mais do que eu. Ela fica ligando para os lugares, ela que
marca as entrevistas, assim, para eu ir. Ela é tipo uma agência, ela marca
os trens e eu só vou. As minhas tias também “correm atrás” para mim, a
minha namorada também “corre atrás” e o meu pai, não.

No depoimento percebemos que Breno se preocupava com o desemprego,


especialmente devido à perda da possibilidade de consumo de bens pessoalmente valorizados.
Mas, ao contrário da experiência de Letícia e Rebeca, o desemprego não era vivido de
maneira tão aflitiva por ele. Embora existisse uma preocupação, a forma como o jovem
vivenciava a dimensão temporal, pautada primordialmente “em viver o presente”, como ele
afirmava, fazia com que o tempo do desemprego fosse experienciado a partir de outra lógica,
recaindo, por consequência, sobre a mãe, tias e namorada o papel de buscar possibilidades de
inserção para ele, como aparece, também, nas pesquisas realizadas por Corrochano (2008) e
Tartuce (2010). Novamente surge a atuação de outros membros, ratificando a dimensão da
família como suporte. Ressaltamos, ainda, a dimensão da “proteção” por parte da mãe,
demonstrando o esforço contínuo em dar “outros rumos” para a trajetória do filho. A busca
por empregos por parte dos familiares, ou seja, a partir do âmbito privado, refletia, inclusive,
a insuficiência da esfera pública no que tange à garantia de políticas públicas de trabalho e
renda. Ademais, retratava a frágil autonomia do jovem com relação à busca por trabalho.
Nesse contexto, foi a mãe de Breno quem conseguiu o segundo trabalho para o jovem.
A mãe pediu ajuda para algumas pessoas do círculo de trabalho dela que conseguiram indicar
Breno para trabalhar como carregador em uma distribuidora de medicamentos. Evidenciamos,
novamente, a importância dos circuitos pessoais, especialmente “não mercantis” (como
agências, por exemplo) para ampliarem e/ou conseguirem inserção dos/as jovens
(GUIMARÃES, 2009). Salientamos como o “el entorno familiar y las características
ocupacionales de los padres y madres, son aspectos que inciden en la situación laboral de los
jóvenes, porque dentro de la familia los miembros con conexiones pueden recomendar al
sujeto joven para un puesto de trabajo […]” (Fábio HOZ; Raúl QUEJADA; Martha YÁNEZ,
2012, p. 432). Não obstante, as indicações familiares – “laços fortes” (GRANOVETTER,
279

1974) –, no caso de jovens de camadas populares, tendem a conduzi-los/as a trabalhos de


baixa qualificação e precário, se assemelhando aos dos pais. Neste novo emprego, Breno
trabalhava oito horas por dia, de seis da manhã às 14h, atuando

lá na expedição, lá na carga e descarga. Aí, eu ficava lá na expedição para


conferir as caixas e encher os caminhões e os carros. Era bom, porque era
“de boa”, não tinha que ficar escrevendo nada, era só fazer o que eles
mandavam lá, não tinha que pensar igual, às vezes, aqui [UFMG].

O jovem trabalhava com carregamento/descarregamento de medicamentos. Ao


contrário de Dayane, como veremos, que não gostava de seu trabalho no laboratório, por ser
repetitivo e não possibilitar pensar, Breno considerava positivo ter um trabalho “braçal” e no
qual só obedecia às ordens e “ficava de boa”, como ressaltou. Como citam Alicia Gutiérreze
Gonzalo Assusa (2016), diante da falta de outras credenciais (qualificação, experiências) “[...]
a construção de uma imagem de ‘trabalhador submisso’ pode funcionar como eficaz
substituto, fundamentalmente em atividades (aparentemente) sem muitas exigências ou
complexidade técnica” (p. 143). Todavia, consideramos que, no caso de Breno, não era a
substituição das credenciais que estava em jogo, mas o seu desengajamento com relação ao
trabalho, o que, por sua vez, neste caso, poderia estar relacionado à recusa por determinado
tipo de trabalho e não pelo trabalho em si (Guy BAJOIT; Abraham FRANSSEN, 1997;
JARDIM, 2009).
Ao contrário da experiência laboral na UFMG, o trabalho na distribuidora foi marcado
por cobranças, inclusive dos/as colegas de trabalho. O jovem narrou uma das situações:

Eu não tenho, assim, problema de ficar bem no lugar, mas tinha um menino
que era “folgado”, ele “ralava” [trabalhava], assim, comigo, só que ele
começava a “encher o saco”, porque eu era “meio avacalhado”, mas só
que eu “ficava na minha”, eu não caía em briga dele. Porque ele ficava no
meu pé, às vezes, me xingava, se eu fizesse um “trem errado”. Ele falava
assim: “nó véi, você é ‘ruim demais de serviço’ e ainda só chega atrasado”.
Isso me atrapalhou um pouco lá, mas eu precisava de dormir e sair também,
né?

Tendemos a considerar que “ser avacalhado” tinha relação também com outras
formas de viver as temporalidades, pois, ao contrário dos/as colegas que pareciam estar de
acordo com o “tempo do trabalho” e tudo o que essa temporalidade carrega, Breno não se
submetia. Concordamos com Bajoit e Franssen (1997, p. 86) que explicitam que uma “relação
dessacralizada com o trabalho se [traduz] também em outra relação com o tempo”. Significa
dizer que o jovem tendia a não aceitar a relação dominante na qual o “tempo social é
subordinado ao tempo econômico” (tempo do trabalho) (Claudio DEDECCA, 2004, p. 08). Se
acreditamos, com Cardoso, (2007 p. 35) que “é justamente a existência de tempos
280

pessoalmente construídos protegem os indivíduos da dominação excessiva dos tempos que


lhes são exteriores”, podemos dizer que o desengajamento é novamente uma possibilidade de
construção do próprio tempo, em contraposição ao tempo do trabalho. Avistamos, desta
maneira, o desengajamento como um suporte, pois foi a maneira pela qual o jovem conseguiu
“sustentar-se” diante dos tempos coercitivos do mercado de trabalho.
O jovem informou que, nesse período, cursou Educação de Jovens e Adultos (EJA), à
noite, e que, depois da aula, ficava com seus/as amigos/as do bairro. “Eu chegava em casa de
madrugada. Eu tinha que acordar às 4h30 para eu chegar lá às 6h. Eu ia para a casa 1h30
da manhã e não acordava”. Citou, ainda, que faltava em alguns sábados, pois ia para festas e
não conseguia levantar, o que reforça a ideia de que o jovem priorizava outras
temporalidades, tais como o tempo de lazer e o tempo de sociabilidade. Ao longo do processo
de trabalho na distribuidora, Breno foi chamado algumas vezes para conversar, recebeu
algumas advertências, mas continuava chegando atrasado. Em comparação com o trabalho na
UFMG, o jovem afirmou que eles tiveram “paciência, mas só que é muito mais reduzido,
então você tem que ‘entrar no eixo’. Eu chegava atrasado e eles pensavam: ‘esse cara é
‘meio devagar’”.
Em razão dos atrasos, faltas e conflitos com alguns/algumas colegas de trabalho, o
jovem foi demitido oito meses após sua inserção.

Meu chefe falou assim: “ô, Breno, a partir desse momento a gente não conta
mais com você na empresa. Passa no RH e, depois, pode ir embora”. Eu
assustei. Foi ruim, não faziam questão de mim. Na UFMG teve festinha e
tudo. Aí, ele não falou o motivo, mas eu acredito que era corte de
funcionários. Mas, eles mandaram outras pessoas embora também. Eu estou
desviando o foco. Eu saí de lá por causa que eu chegava atrasado. Se eu
fosse mais dedicado, se eu chegasse cedo, eu podia estar lá até hoje.

Na narrativa do jovem, foi possível inferir que ele tinha expectativa de ter a mesma
postura desengajada que teve na UFMG e se manter no trabalho. Mesmo sabendo que tinha
uma postura considerada inadequada, esperava “festinha” de despedida. A demissão fez com
que ele questionasse sobre o seu lugar e sua importância para a empresa, tendo como base a
experiência na UFMG. Inicialmente não queria expor o motivo da demissão, mas acabou
reconhecendo que o seu perfil de trabalhador não estava de acordo com a expectativa da
empresa. O jovem tinha consciência de que sua demissão foi devido ao não cumprimento dos
horários e normas. Diante desse contexto, podemos citar que a experiências com
temporalidades diferentes é complexa, pois, para o empregador, o tempo “ao ser vendido por
certo período ao empregador, este passa a ter o direito de utilizá-lo da forma que lhe convier,
guardados, é claro, os limites da legislação, do poder dos trabalhadores” (CARDOSO, 2007,
281

p. 32), mas o jovem Breno requeria ter direito à maneira que utilizava seu tempo. E pagava o
preço por tal postura.
Após a saída da distribuidora, Breno ficou sete meses desempregado e novamente, por
intermédio da mãe, conseguiu outra inserção laboral:

Eu saí da distribuidora e fiquei em casa. Aí, passou um tempo, e veio minha


mãe e falou assim: “Breno, ó, arrumei lá no supermercado para você ir. É
para você ir amanhã. Você não pode ficar parado”. Eu falei assim: “nó,
mãe, amanhã?” Ela falou assim: “é, amanhã, às 8h, é para você estar lá no
RH do supermercado”. Aí, falei assim: “e então, tá, mãe, eu vou ir”. Mas,
eu pensei, assim, comigo: “ah, será? ‘Ralar’ em supermercado? Trabalhar
em supermercado, trabalhar em supermercado eu não quero, não. É escravo
demais. Esse emprego é ‘surrado’, é de ‘oreia seca’, de cara ignorante”.
Mas é puro preconceito, não tem disso para uma pessoa que está
precisando. Fiquei pensando, assim, comigo, mas eu fui, né? Por causa que,
se eu não for, já viu. Aí, beleza, eu fiz a ficha lá. Passou uma semana, eles
me ligaram. Aí, eu dei a notícia à minha mãe, falei assim: “ô, mãe, eles me
ligaram para eu levar os documentos e tudo”. Ela ficou feliz demais. Aí, eu
já não estava, assim, importando com que eu pensei antes.

O depoimento provocava reflexão acerca de diferentes questões. Quando a mãe afirma


“não pode ficar parado”, a fala dela se relacionava à dimensão moral, aliada ao tempo, na
lógica do capitalismo, no qual “nos é vetada a possibilidade de parar, pois a ‘atrofia da
disposição’, a ‘inépcia moral’, a ‘invalidez de vontade’ mais que um erro é um pecado”
(Silvia VIANA, 2015, p. 95). Constitui-se, assim, outra forma de imposição do tempo do
trabalho. Outra questão é a representação do Breno quanto ao trabalho e aos funcionários do
supermercado ‒ pessoas pouco instruídas, trabalho de “oreia seca” destinado a pessoas sem
formação, o que não seria adequado para ele. Se, anteriormente, o jovem pareceu requerer um
trabalho braçal, em que não precisava pensar, agora tendia a recusar o trabalho buscando
“fugir do destino de ser mão de obra barata”, como os/as jovens da pesquisa de Tommasi
(2012, p. 103). Porém, a justificativa para repensar sua postura se referiu à dimensão da
necessidade e em razão da “pressão da mãe”, como afirmou.
Breno tinha como principal função a reposição de mercadorias no supermercado.
Citou que fazia muitas brincadeiras e que, junto a outros/as, comia(m) muitas coisas do
estoque às escondidas. O jovem mencionou que gostava muito de trabalhar lá, pois era muita
“zueira” com os/as colegas, ou seja, dava ênfase ao sentido da sociabilidade no trabalho.
Além disso, ele afirmou ter mudado sua opinião sobre os/as trabalhadores/as de
supermercado, devido às condições de trabalho que, de acordo com sua opinião, eram boas. O
jovem salientou que trabalhava de segunda a sábado e “somente” dois domingos no mês.
Além disso, enfatizou que tinha uma folga na semana e, aos feriados, trabalhava em regime de
282

escala, mas recebia 50 reais por isso e poderia folgar posteriormente. Sobre seu processo de
trabalho, Breno citou:

[...] eu, no [Supermercado] BH, eu não tinha a “cabeça boa”. Um dia,


assim, eu faltei, sem falar com ninguém, para assistir jogo. Eu já saí em
horário de almoço, fui embora para assistir jogo. Eu chegava só atrasado.
Eu fui irresponsável, porque eu não podia ter feito isso, então, eu fiquei lá
pouco tempo, por causa disso também. Só foi juntando, aí, eu acredito que
só foi acumulando, aí, eles “pegaram e me mandaram embora”. Porque, se
não fosse isso, eu estaria lá até hoje. E eu gostava do serviço. Aí, isso aí é
uma pessoa imatura. Igual eu estava sendo. Aí, hoje em dia, se eu arrumar
outro emprego, igual eu estou em busca, aí eu já não faço isso mais. Aí, eu
já cumpro certinho os horários, eu já faço certinho, eu já não falto de
serviço, não saio mais cedo, e é isso.

A postura do jovem se repetiu, especialmente com relação ao não cumprimento dos


tempos no trabalho. Este conflito entre as diferentes vivências do tempo levou-o a ficar
novamente desempregado.
O jovem reforçou seu perfil salientando: “na UFMG eu já chegava atrasado, eu tinha
esse problema e eu levei isso lá para fora também, isso me atrapalhou bastante... eu saí dos
empregos foi por causa disso”. Este apontamento feito por ele nos leva a inferir que a falta de
controle temporal, desde o primeiro trabalho, veio reforçando a dificuldade de Breno em
internalizar a lógica de tempo capitalista nas suas experiências subsequentes. Assim, se o
trabalho “[...] é espaço de regulação social, onde [os/as jovens] convivem com a lógica e com
os valores que visam à moralização e ao disciplinamento dos pobres” (DAYRELL, 2005, p.
94), na contramão dessa lógica, na postura de Breno, o desengajamento se sobressaiu,
especialmente devido a uma recusa a essa organização temporal, o que, por sua vez,
reforça(va) o quanto os indivíduos tendem a se “rebelar” contra as instituições. Cabe ressaltar
que tanto a mãe quanto o pai cobravam de Breno uma postura com relação à organização
temporal dele, como narrou:

Em relação aos horários, minha mãe me acordava, ela me sacudia, eu


acordava e voltava para dormir. Aí, com o passar do tempo, ela foi
“largando mão” e falava: “ô, Breno, você tem que ‘virar é homem’”. Meu
pai também falava: “ô, Breno, eu chego no serviço no horário certo, você
não pode fazer isso?” E, fazer o quê, você tem que escutar calado e eu sou o
tipo de pessoa, assim, se eu tiver realmente errado, eu escuto calado, eu não
falo nada. Minha mãe “largou de lado” e falou: “ah, esse menino não tem
jeito, mesmo”. Ela falava com meu pai: “você conversa com seu filho”. Mas
eu era “vacilão”, eu escutava, mas não praticava, aí, foi passando o tempo,
os dois, acabou que eles nem falam mais.

Ficavam evidentes as tentativas da mãe quanto à mudança de postura do jovem, pois,


além das suas intervenções, ela exige a atuação paterna. A intervenção do pai também não
283

modificou o cenário, o que estava relacionado ao fato de o jovem não ter uma relação boa
com ele e não ouvir muito seus conselhos, como disse. Interessante reforçar que o Breno se
mostrava muito reflexivo e o tempo todo expressava consciência de suas ações, mas não as
mudava, o que pode reforçar a dimensão da recusatanto a uma organização temporal do
mercado quanto aos tipos de trabalho a que tinha acesso.
Face ao explicitado, corroboramos com Antonia Colbari (1995) que afirma que

A mercadoria força de trabalho tem a particularidade de, legalmente, a partir


do contrato, pertencer ao capitalista, mas continuar sob o controle físico do
seu portador. A adesão ao trabalho e o engajamento subjetivo do trabalhador
no processo produtivo não estão plenamente assegurados pelo aspecto
contratual da relação de compra e venda da força de trabalho; presumem
sempre a (boa) vontade do trabalhador de desprender-se de suas capacidades
física e intelectual e canalizá-las para a atividade produtiva (COLBARI,
1995, p. 12).

Logo, mesmo diante dos conselhos no espaço de trabalho da UFMG, das conversas
com as chefias na distribuidora de medicamentos e da insistência de mudança por parte da
mãe e do pai de Breno, a adesão ou não ao emprego cabia especialmente ao jovem. É
importante trazer essa dimensão, não para culpabilizar o jovem acerca do seu
desengajamento, mas para pontuar que o desengajamento é uma saída possível, sim, para os
indivíduos, embora com consideráveis consequências, tal como a demissão, que desejam,
assim como Breno, “de ter tempo para própria vida, de que o tempo todo não seja consagrado
à recuperação da ‘força de trabalho’” (BAJOIT; FRANSSEN, 1997, p. 87).
O jovem afirmou que não estava trabalhando “fichado”, mas buscava fazer “bicos”
para ganhar algum dinheiro. A situação de trabalho de Breno corrobora com as explicitações
de Guimarães (2002; 2008) que afirma que a saída da condição de desemprego nem sempre se
dá com uma ocupação estável, apresentando uma tendência de fragilização dos vínculos. O
trabalho informal contribui consideravelmente para a fragilização, pois os/as trabalhadores/as
não têm proteção da legislação trabalhista, tendendo a relações precárias de trabalho.
Com relação à informalidade, Carlos Corseuil e Maíra Franca (2015) apontam que, de
2006 e 2013, a taxa de informalidade caiu de 52,1% para 38,6%, respectivamente. Não
obstante, a partir de 2014, o cenário que ainda apresentava lacunas começou a retroceder,
como já abordamos, e a informalidade passou a ser uma das formas de inserção,
especialmente dos/as jovens, no mercado de trabalho, pois eles/as tendem a estar mais
propensos/as a aceitar trabalhos que não aceitariam (GUIMRÃES, 2009; REIS, 2017).
Breno se insere no contexto de informalidade e sua primeira experiência com “bicos”
foi de freelancer, no estádio de futebol, na qual fazia distribuição interna nos bares. “A gente
284

distribuía refrigerante, assim, salgados, tinha uma sala onde que tinha o depósito de
refrigerante e salgados, aí, a gente pegava no carrinho e distribuía nos bares todos, era isso
o serviço, ok”. O jovem fez esse trabalho em alguns dias de jogos, mas, depois, não foi mais
chamado. Breno afirmou que ganhava R$ 60,00 por dia, mas pagavam a cada 15 dias.
Informou que, ao receber, foi com um amigo para o Rio de Janeiro e “torrou” o dinheiro
todo. Mais uma vez, a dimensão do consumo se destacava na vida de Breno, agora, porém,
articulada ao tempo livre para gastar.
A partir da experiência de trabalho no estádio, ele conheceu um senhor que precisava
de pessoas para ajudar no carregamento de gesso. Foi o segundo “bico” do jovem. No
trabalho com gesso,

eu não cansei nada. Os “trens” já estavam quebrados, as paredes de gesso,


no estacionamento do Mineirão, só catei os entulhos e “taquei” nos
caminhões. Esse senhor era bem-educado e bacana. Ele dava almoço à
gente, nós almoçamos uma marmitona. Ele dava refrigerante, a marmita e a
passagem ainda. Era 10 reais de passagem para ir e voltar e mais o dia que
saiu a 70 reais o dia. Aí, eu fiquei lá o quê? Cinco dias, recebi 350 reais.

Breno encarava com naturalidade a tarefa de carregar e descarregar caminhões, pois


fez essa função em todas as ocupações que teve, após a UFMG. As duas experiências
informais citadas “enquadravam” o jovem no que Antunes (2011) nomeou como
trabalhadores/as “informais mais instáveis”, ou seja, são pessoas recrutadas temporariamente
para realizar determinados serviços: “Eles realizam trabalhos eventuais e contingenciais,
pautados pela força física e pela realização de atividades dotadas de baixa qualificação, como
carregadores” (idem, p. 409). Cabe salientar que Breno demonstrou satisfação com as
condições de trabalho, que são, na verdade, mínimas. Jardim (2009, p. 149), ao refletir sobre
as condições de trabalhos de jovens, chama a atenção que, em algumas narrativas, os/as
jovens tendem a valorizar “benefícios que são direitos, mas que operam como privilégios”, o
que tende a demonstrar “uma figuração da pobreza como o acostumar-se com o mínimo”.
A visão de Breno com relação ao trabalho era muito distante da dos/as outros/as
jovens entrevistados/as. Ele não questionava suas funções, os pagamentos que recebia nem as
condições de/para o trabalho. Como cita Silva (2014), “existe uma naturalização da
subcontratação” (p. 186) articulada à “relação ‘fetichizada’ com o trabalho precário” (p. 187)
que é mascarada pela chamada flexibilidade dos tempos. É provável que a postura de Breno
se relacionasse ao sentido que dava ao trabalho, em seu aspecto de recompensa em curto
prazo, para satisfazer a seus desejos de ir a um jogo de futebol, ou comprar roupas. É
importante ressaltar que, embora Breno se preocupasse com o futuro, ele usava como lema a
285

expressão “carpe diem”, como dizia, ou seja, aproveito o momento.


Por último, o jovem citou que trabalhou como vendedor na loja de materiais escolares
e produtos diversos da tia, para ajudá-la quando tinha muito movimento, tarefa que também
tinha executado antes mesmo de entrar na UFMG. Informou que a tia lhe pagava
corretamente, o que já ajudava para sair com a namorada e assistir aos jogos.
A partir dessas experiências de “bicos”, apontamos que a busca pelo trabalho
temporário pode estar articulada à recusa de Breno de uma organização temporal que tenha o
trabalho como foco, pois, mesmo sendo tempo de trabalho, o trabalho informal, temporário,
aciona outras formas de vivenciar o tempo/espaço no/do trabalho.
Breno já estava há um ano e cinco meses sem emprego, e sete meses sem nenhuma
ocupação remunerada.

Minha tia ia arrumar um emprego para mim, de servente, pois ela conhecia
o pedreiro. Eu fiquei meio assim... “Ah, não, tia, ‘sai fora’, eu não quero
trabalhar de pedreiro, não”. Ter que acordar cedo demais. Todo mundo
vendo. Aí, eu não fui, não, mas não é desfazendo, não. Eu não quero isso
para mim.

A recusa do jovem em trabalhar como servente de pedreiro se pautou na representação


pessoal de que se tratava de um trabalho de menor prestígio. Ser visto nessa posição pelos/as
outros/as não era uma coisa que Breno queria para sua vida. Ele recusava o trabalho, pois
tinha a mãe como suporte, possuía outras expectativas de inserção, mas também porque a
identidade de trabalhador parecia não ser central paraele. Consideramos, ainda, que Breno não
queria um tempo de trabalho com uma lógica de cumprimento de horário. Ingressar em outro
emprego era, para ele, o retorno a uma rotina da qual ele não queria participar. Nas
experiências que teve com “bicos”, o jovem não citou problemas com atrasos, ou ausências,
talvez porque era algo em curto prazo, ou seja, uma submissão temporária às regras, mas
também a possibilidade de viver de outras maneiras o tempo. Por outro lado, para Breno,
“ficar nesse trem de bico não dá certo, não, porque, aí, se a pessoa não precisa mais de você,
você sai e não tem, assim, nada, fica liso, o negócio é a carteira assinada”. Ou seja, o jovem
conseguia visualizar a diferença positiva em se ter um trabalho protegido, apontando
principalmente para o fato de se ter alguma segurança ao sair dele. A carteira de trabalho para
ele não era necessariamente um símbolo de dignidade, como é para alguns jovens, mas a
garantia de ter um acerto e/ou seguro desemprego, por exemplo.
Quando questionado sobre os motivos do não cumprimento de regras, e tão logo do
desengajamento, o jovem respondeu que, se tivesse um trabalho que ele gostasse, ele não
286

agiria da mesma forma, o que ratifica que o não cumprimento das regras tinha relação com a
falta de sentido do trabalho.

Trabalho? Trabalho é uma necessidade, né?! Assim, no começo você pensa


nisso e é uma obrigação ou, então, a pessoa não gosta de trabalhar, mas só
que não é o meu caso. Tem diferenças, tipo assim... Se uma pessoa gosta de
plantar e ela trabalhar nisso, no dia de colher, ela vai ter prazer e achar
gostoso fazer isso. Só que tem o trabalho, por exemplo, o trabalho de
repositor de supermercado, tem dia que você acorda e não quer ir, você não
quer trabalhar em um domingo, aí, você tem que ir que é basicamente sua
obrigação, porque [é] uma necessidade desse mundo capitalista que a gente
vive. Eu já penso também no futuro, que você tem um emprego que você faz,
porque você ama e que você gosta, além de ser um trabalho, “une o útil ao
agradável”, além de ser um trabalho que você precisa, você ter uma renda
para você se manter, sua família, seus filhos e etc. Aí, assim, eu vou chegar
no ápice de trabalhar no que eu gosto e no que eu mais entendo, é claro que
eu tenho que estudar. Aí, não, vou fazer tudo direito.

A justificativa que o jovem elaborou acerca da sua recusa do tempo do trabalho se


referia à falta de um sentido para o trabalho que extrapolasse a obrigação e a necessidade.
Afirmou que, no futuro, teria um trabalho no qual conseguiria conciliar o sentido da
necessidade e do desejo e, assim, cumpriria as regras. Embora projetasse um trabalho que se
articulasse com seu desejo de fazer o que ama, o jovem não tinha nenhuma estratégia para
alcançá-lo. Consideramos que a fala do jovem talvez se tratasse de um discurso para a
pesquisadora, especialmente, pois realizamos a entrevista na UFMG e, ao final da entrevista,
ele me entregou um currículo, pedindo ajuda para conseguir um emprego. Assim, como
afirma Tartuce (2010, p. 96), “o local onde se realiza [a entrevista] é de suma importância
para conformação dos discursos: quando se entrevista alguém na escola, é o ‘papel’ de
estudante que é acionado, e assim por diante”. Consideramos que acionamos o “papel” de
trabalhador do jovem, o que, por sua vez, pode ter conformado um discurso do trabalhador
ideal.
As experiências de trabalho de Breno e as reflexões que o jovem fazia eram marcadas
pela ambiguidade (CHAUI, 1986). Ao mesmo tempo em que o jovem tinha uma ação no
trabalho, ele questionava essa ação, demonstrando que aquilo poderia ter mais de um sentido
para ele. A experiência laboral possibilitava enfatizar que o jovem se relacionava com a
dimensão temporal a partir do tempo “presente” e das emergências desse recorte. Desta
maneira, tendo o presente como “medida e horizonte transforma sua trajetória de trabalho
num conjunto de experiências encerradas em si mesmas” (JARDIM, 2009, p. 85), o que
refletia na sua maneira de lidar com o desemprego, como abordaremos.
287

4.4 Desemprego: os sentidos da experiência

Como vimos, Breno teve duas experiências de emprego, após o seu desligamento da
UFMG. Depois de ficar um ano sem trabalho, foi contratado por uma distribuidora de
medicamentos, da qual foi demitido. Na sequência, ficou sete meses desempregado, até
começar no supermercado, tendo sido demitido novamente O jovem era o único entrevistado
que estava na situação de desemprego. Cabe citar que ele mesmo considerava estar
desempregado, pois não reconhecia as atividades de “bicos” que desenvolvia como um
emprego. Embora cientes de que as categorias e as estatísticas não dão conta do fenômeno do
desemprego (PAIS, 2001), como já sinalizamos, consideramos que o jovem vivenciou tanto o
“desemprego oculto pelo trabalho precário” quanto o “desemprego oculto pelo desalento”
(DIEESE, 2001).
Como abordamos anteriormente, com a crise econômica, o desemprego tem
aumentado significativamente e os/as jovens são os mais afetados com as instabilidades do
mercado de trabalho145. Segundo os dados do estudo sobre Tendências Globais de Emprego
para Juventude 2017, divulgado pela OIT, o Brasil atingiu a maior taxa de desemprego juvenil
em 17 anos, chegando aos 30% de pessoas de 15 a 24 anos. Interessante apontar que a faixa
etária não contemplava jovens de até 29 anos, faixa etária estabelecida para juventude no
Brasil, o que aumentaria ainda o percentual de desempregados. Com exceção de Caio,
todos/as os/as interlocutores/as da pesquisa tiveram em situação de desemprego, mas Breno,
além de ficar mais tempo desempregado, vivenciava a experiência de maneira singular.
Como abordamos no item anterior, o jovem foi demitido do emprego e passou a
desenvolver “bicos”, se inserindo na condição de desemprego oculto pelo trabalho precário,
pois tendia a aceitar trabalhos informais com baixos salários e desprotegidos. O jovem, há
sete meses, não exercia função remunerada. Devido ao contexto de desistência da mãe em
“ser agência de emprego”, como ele citou, bem como o desengajamento do jovem, ele não
procurava trabalho, o que nos levou a inseri-lo também no desemprego oculto pelo desalento.
Informou que a situação de desemprego “vinha atrapalhando muito”, pois ele não podia
ajudar em casa, não tinha condições de sair com a namorada e não podia acompanhar o time
de futebol para o qual torcia. Ressaltou ainda:

[...] o mais importante é você ter um dinheiro no mês, porque essa coisa de
acordar cedo, ter que ir todo dia, eu não sinto falta, não. Tenho dificuldade
com esse “trem”. Melhor me dar um serviço e poder ir embora quando

145
Cf. GUIMARÃES, 2002; CORROCHANO, 2008; Marco CADONÁ; César GÓES, 2013; LEÃO;
NONATO, 2014; SANTOS; GIMENEZ, 2015; OIT/IPEA, 2015.
288

acabar.

A partir das considerações de Breno, é possível dizer que a ausência de renda era o
elemento-chave para ele quanto ao desemprego. Ao contrário dos/as outros/as jovens que
experimentaram a situação de desempregados/as e apontavam a falta que sentiam da rotina,
Breno ressaltou que não sentia falta, pois não sabia lidar com ela. A sua postura diferenciada
denotava que o jovem elaborasse outra maneira de experimentar o tempo, como já citamos,
pois ele tendia a requerer uma dinâmica de trabalho que não tivesse horários fixos e controle.
Assim, a busca por um trabalho protegido não era o centro das atenções do jovem, como visto
por Corrochano (2008), com alguns/algumas jovens de sua pesquisa.
O jovem informou que ficar desempregado era ainda pior quando se tinha a
consciência de que ele foi o responsável pela situação de desemprego. Além disso, narrou que
na sua família eles/as já não ficavam preocupados/as com ele, pois,

quando eu falei com minha mãe que eu fui despedido do supermercado, ela
falou assim: “tá vendo, você ‘caçou’”. Ninguém lá de casa “deu ideia”. Eu
fiquei reclamando que fui despedido, que eu ia ficar desempregado, eu
cheguei a sonhar, isso é verdade, cheguei a sonhar mais de sete vezes que eu
estava lá repondo [mercadoria]. Eu falava isso com minha mãe e ela falava:
“ah, Breno, quero saber, não, você no seu terceiro emprego foi despedido
por causa de horário?” Eu falava: “não, mãe, não foi por causa disso”. E
ela falava: “Breno, você foi despedido por causa de horário, sim, não quero
saber do seu sonho, não. Agora vai ficar à toa em casa. Não quero saber de
você me pedindo um real”.

A relação da família e especialmente da mãe com os desempregos de Breno pareceu


ser uma situação já saturada. Os/As familiares e ele próprio consideraram que ele era o
responsável pela falta de trabalho e pareceram não se incomodar mais com os sentimentos
dele. O jovem não concordava com a postura da família e afirmava que é “guerreiro, porque
eu não fico só em casa, não; se aparece um bico, eu faço, eu não sou essa pessoa que fica
‘relaxada’, mas só que eu estou um ano já desempregado e estou, assim, em busca de um
emprego”. A narrativa de Breno é dúbia, pois, por um lado, ele concorda com sua
responsabilidade e, por outro, não corrobora com a opinião dos familiares acerca da sua
postura.
O pai lidava com a situação de desemprego do jovem ainda com mais distanciamento,
pois

ele não fala assim: “ô, Breno, você está desempregado, você quer um
dinheiro para você olhar emprego, o que você está precisando?”. Ele não
faz isso. Minha mãe fala: “ele conhece muita gente e não arruma emprego
para você, ele pode, sim, conversar com outras pessoas”. Meu pai é assim,
se ele ficar desempregado, no outro dia, ele arruma emprego. Meu pai é
289

difícil por causa disso, ele sabe que estou desempregado e não manda um
dinheiro pra você ir pagar passagem pra olhar um emprego. Ele fala assim:
“arrumar para quê? Você não quer saber de nada”. Ele e minha mãe falam
assim: “ih, Breno ó, se você continuar assim, você vai ficar com uns 40
anos, vai estar trabalhando de ‘oreia seca’ no supermercado, de repositor,
de faxineiro e vivendo assim para sempre”.

Embora a mãe do jovem ainda faça crítica à postura do pai, ela tinha a dimensão do
desengajamento do filho. Tanto o pai quanto a mãe afirmavam que o jovem não iria mudar de
postura e teria poucas possibilidades de trabalho. A expressão “oreia seca”, que apareceu em
narrativas do jovem, parecia ser reiterada pelos pais, numa clara associação com trabalhos
precários e de baixo status. Sublinhamos que, devido à culpabilização do jovem, por parte da
família, o “circuito doméstico” (GUIMARÃES, 2009), que é um importante suporte para a
inserção no mercado de trabalho, tendia a desaparecer, pois os pais e os parentes já não
buscavam conseguir trabalho para Breno. Cabe lembrar que a situação de desemprego de
Breno não podia ser lida apenas a partir da culpabilização do jovem, pois diferentes nuances
compõem a complexidade do desemprego, como já apontamos.
Outra questão vivenciada por Breno, com a experiência do desemprego, segundo ele,
foi o afastamento dos/as amigos/as. O jovem afirmou que

Eu tenho amigos, mas tenho pouco contato. Tenho eles no Face [Facebook],
WhatsApp e tudo, mas de ir na casa deles e eles irem na minha, jogar vídeo-
game, jogar bola igual era, não. Antes, a gente ficava junto, aí, depois,
acabou isso. Depois que não tinha mais como sair e pagar as coisas, eles
sumiram. Aí, hoje em dia, os meus amigos, assim, mesmo, é Deus, minha
família, a minha mãe e a minha namorada. Mas, de resto, eu não tenho
amigos, não.

Embora a ausência de trabalho limitasse as vivências da condição juvenil, neste caso


especialmente as saídas com os/as amigos/as, pois o jovem não tinha dinheiro, o que poderia
gerar isolamento (JARDIM, 2009), consideramos também que Breno internalizou

en sí mismo la idea de um producto que se oferta de la mejor forma posible a


fin de ganar el aprecio y la estima social. Según la gama de ofertas existente
en el mercado, que prácticamente demanda un tipo de sujeto social, las
personas deberán elevar su valor de mercado a través de un continuo
consumo de bienes que eleven la atención de potenciales compradores;
asimismo, el proceso delimita la pertenencia al grupo de referencia de los
sujetos (MARÍN, 2010, p. 150).

Avaliamos como plausível o apontamento do autor, pois, ao se colocar como “um bem
de consumo”, o jovem Breno tendia a justificar o afastamento dos/as amigos/as a partir do
desemprego, sem levar em conta que tal afastamento não poderia ser interpretado somente
pela falta de dinheiro, além disso, ele tinha um perfil mais tímido, o que poderia minimizar as
290

possibilidades de se fazer amigos/as. Essa internalização fazia com que o próprio jovem se
afastasse das amizades da infância, pois segundo ele, antes, buscava sempre ir ao antigo bairro
em que morava para visitar os/as amigos/as, mas, desde que ficou desempregado, não
retornou ao local.
Quanto ao lazer, o jovem informou que saía pouco, pois não estava trabalhando e a
mãe raramente dava dinheiro para ele sair. Ele afirmou que suas raras saídas eram para ir ao
campo de futebol, pois era “torcedor fanático” e não poder ir ao jogo estava o deixando
muito mal. De acordo com Breno, sua mãe afirmava que ele tinha que sair para procurar
emprego e estudar, reforçando as colocações da Pappámikail (2013) que, na reflexão sobre o
uso do dinheiro, na visão dos pais, “o dinheiro pode ser gastolivremente, mas não pode ser
mal gasto, sendo mal gasto remete para o universo do imaterial, do lazer e do supérfluo, ao
passo que o bem gasto se reveste do caráter de investimento na carreira escolar e laboral [...]”
(p. 160). Corrobora também com Alexandre Pereira (2013) que, ao investigar os
“rolezinhos”146 nos centros comerciais de São Paulo, ressalta que havia uma condenação ao
evento, pois os/as jovens deveriam trabalhar ou estudar, ao invés de estarem no shopping,
evidenciando a “visão de que os/as jovens não teriam direito de encontrar e desfrutar do ócio”
(p. 555).
Ficava evidente como o desemprego afetava as relações de Breno com os/as amigos/as
e suas possibilidades de lazer. Tal contexto vinha reforçar “o quanto o desemprego afeta o
processo de filiação social, pois [os] jovens se afastam dos processos coletivos, demonstrando
um empobrecimento das relações fora do âmbito familiar” (Romilda GUILLAND; Janine
MONTEIRO, 2010, p. 152), além de impossibilitar o próprio ato de circular pela cidade
(TARTUCE, 2010). Estar desempregado era um constrangimento para ele, pois o desemprego
trazia várias questões, tais como: um julgamento do desemprego, como se fosse uma escolha
individual; a valorização social da figura do trabalhador, que se contrapõe a figura do
“vagabundo”; também a ética do trabalho que reforça que a dignidade é alcançada pelo
trabalho. O constrangimento se dava, pois, embora o jovem não se incomodasse com o
estatuto de trabalhador, ele não queria receber rótulos.
Atrelado a essas questões consideramos que o constrangimento também poderia estar
presente para Breno, pois o desemprego afetava suas condições de consumo, sentido central

146
O fenômeno dos “rolezinhos” foi a ocupação de shopping centers em várias grandes cidades brasileiras por
adolescentes e jovens, em sua maioria, moradores de periferia. Eles articulavam esses encontros por meio de
redes sociais com propósitos diversos de diversão, deboche e/ou protesto, chegando a reunir 3000 jovens,
sendo duramente reprimidos (NONATO; DAYRELL, 2018, p. 108). Cf. Ivan FARIA; Moises GERALDO;
Warley SANTOS, 2014; FERREZ, 2014a, 2014b.
291

do trabalho para Breno. Existia uma valorização da estética e do uso de roupa de marca,
devido às imposições da sociedade de consumo, assim, concordamos com Nunes (2007) que
não se tratava de fazer parte do mercado de trabalho com todas as nuances de um espaço
laboral, mas especialmente de fazer parte do mercado de consumo. “Ficar desempregado não
é tão grave como ficar sem consumir” (NUNES, 2007, p. 668).
Mesmo assim, a vivência do desemprego, por parte de Breno, parece ter sido menos
dolorosa que a experiência dos/as outros/as jovens. Todavia, não significa que ele não fosse
afetado, como mencionou:

Se você me perguntar: “ô, Breno, como você está?”, hoje em dia, eu estou
aí, eu estou, assim, sem pensar no futuro, eu estou “tipo assim”, à margem
de sorte mesmo, porque eu não tenho um real no bolso, realmente eu não
tenho um real no bolso para fazer nada. Se eu preciso de fazer alguma
coisa, eu peço à minha mãe, igual um cartão de ônibus, para eu pagar uma
passagem de ida e volta para ir buscar emprego. Mas, ela só dá dinheiro
para essas coisas, também. Aí, eu com a namorada, eu já saí muito com ela,
mas hoje em dia, eu não estou saindo mais com ela e ela entende. Hoje em
dia, se eu quiser, se ela quiser tomar um sorvete, eu não posso ir com ela,
porque eu estou desempregado e eu não tenho dinheiro. Igual, eu cortei o
cabelo outro dia, a minha avó tinha 15 reais para eu ir cortar o cabelo, ela
me deu. Aí, é isso aí. O meu pai, ele nunca foi de me ajudar em nada. Não
posso comprar nada. Igual, já comprei uma camisa de 300 reais, mas, hoje
em dia, tem que usar umas roupinhas mais humildes.

O depoimento de Breno trazia nuances sobre sua experiência com o desemprego.


Primeiramente, a falta de perspectiva e a sensação de que não possuía nenhum controle sobre
o tempo e, assim, sobre sua vida. A partir do desemprego, o jovem parecia se incomodar com
a falta de uma organização coerente do tempo, especialmente quanto ao futuro (THIN, 2006;
SOEIRO; FERREIRA; MINEIRO, 2012). A falta de recursos financeiros era recolocada pelo
jovem como um dos maiores problemas, reforçada pela postura da mãe de lhe dar dinheiro
somente para a busca de trabalho. Isso porque, parecia que o dinheiro era para o Breno a
possibilidade de ser reconhecido pelos/as amigos/as e, não necessariamente o “estatuto de
trabalhador”, o que realça a hipótese de que a identidade de trabalhador não era importante
para o jovem.
Neste contexto, ressaltou que ficaria satisfeito de conseguir um “trabalho de
repositor, pois era o melhor que estava tendo. Meu sonho hoje é voltar a ser repositor,
porque ‘é de boa’”. Segundo o jovem, com o trabalho de repositor, ele conseguiria “arrumar
sua vida”. Assim, o que era, para ele, o trabalho de “oreia seca”, como citamos no início da
cena, passou a se configurar como desejo do Breno, a partir da experiência do desemprego, o
que diz respeito a uma “conformação dos sonhos”, como aconteceu com os/as jovens
292

entrevistados/as por Jardim (2009). Ademais, como salienta Corrochano (2008), a recusa por
determinados trabalhos parece não poder [continuar] fazer parte da vida do jovem e o
“reconhecimento de que [os/as jovens] fariam qualquer trabalho sinaliza de modo muito forte
os limites de suas capacidades de escolha” (p. 239). Assim, como alude Heilborn (2002, p.
29), “o estreito horizonte de oportunidades restringe a possibilidade de planejamentos futuros
e de previsões a médio ou longo prazo, resultando numa espécie de presentificação da vida”, e
o projeto de vida tende a dar lugar aos sonhos. É o que parece nos dizer abaixo:

Eu sei que ser jogador não tem como. A família que tem que incentivar o
menino e a pessoa tem que ter uma noção, também, um domínio, mas se
você coloca na escolinha de futebol, desde pequenininho, ela vai
aprimorando. Então, assim, eu nunca tive esse contato com bola, acredito
que, se tivesse desde pequeno, eu poderia ter conseguido, mas não sou
frustrado com isso, não, isso daí é da vida mesmo. Umas pessoas têm
oportunidade e outras, não, mas o pior é que eu nem sabia como fazer para
chegar nesses treinos e tal... Mas “é de boa”, mesmo. A gente sonha outras
coisas e tá bom. Estamos aí para sonhar “outras paradas”, mesmo. Ruim é
ficar mudando toda hora de sonho, mas é isso aí... Comentarista eu posso
ser ainda. Entendo bem de futebol. Quem sabe, né?

O desejo do jovem de ingressar no mundo do futebol tendia a ser distante da sua


realidade, pois a inserção nesse espaço é permeada pelas redes de contatos e uma inserção a
longo prazo para ser comentarista, o que o jovem não dispunha. Concordamos com Pais
(2001) que expõe que os/as jovens “por se sentirem no labirinto da vida, tendem muitas vezes
a negar a vigência da realidade através de projeções utópicas” (p. 57). Salientamos que, para o
jovem Breno, parecia não ter diferença entre sonho e projeto de vida. O sonho são abstrações
e os projetos de vida são construídos a partir dos sonhos, mas, por meio de estratégias e,
especialmente, conhecimento acerca do campo de possibilidades. A partir das definições de
Alves (2013), consideramos que os sonhos de Breno quanto ao futebol poderiam ser lidos sob
a ideia de “projetos hipomaníacos”, pois são

caracterizados por excesso de otimismo, euforia, mania de grandeza,


desconhecimento do campo de possibilidades, projeções excessivas no
futuro, quase uma fuga da realidade, aqueles que se expressam dentro do
modo de projeto aqui definido como hipomaníaco, por vezes, parecem
misturar realidade e fantasia, brincam com tudo que o futuro pode oferecer,
já que para estes no futuro tudo é possível (ALVES, 2013, p. 177).

A noção de que “é de boa” sonhar outras coisas retratava a precariedade de suporte


que o jovem possuía para construir seus projetos, mas, especialmente, a realidade de um
campo de possibilidades condicionado por um [vários] ‘mas’ que tendia a obrigar o jovem a
mudar de sonho. Podemos dizer que, assim como Sérgio, “o tempo do desemprego é vivido
293

como tempo de reflexão” (CORROCHANO, 2008, p. 40) para Breno, pois conseguia pensar
sobre suas ações e elaborava o sentido para o seu desengajamento quanto às experiências de
emprego.
Por fim, apontamos que a experiência de desemprego e também da falta de trabalho de
Breno era vivenciada por ele de maneira apática, ou seja, o jovem não estava satisfeito com a
falta de dinheiro, com a impossibilidade de sair e de pensar no futuro, mesmo assim, não
buscava trabalho. Porém, a apatia não se referia à falta de ação, mas uma ação consciente, de
indiferença, que caracterizava o desemprego oculto pelo desalento, acerca do mundo do
trabalho, ou seja, o jovem se desengajava, em recusa ao que estava posto como opção e
caminho para ele. A experiência de desemprego de Breno contribuiu para ratificar “a
multiplicidade dos modos de viver e dos modos de significar a ausência de trabalho”
(CORROCHANO, 2008, p. 311).

4.5 “Se der eu vou estudar mais”

A trajetória escolar de Breno se aproximava da sua postura diante do trabalho. Breno


afirmou que não gostava de estudar e que a mãe o obrigou a continuar o processo de
escolarização. O jovem contou um pouco:

[...] eu repeti de série por quatro vezes. Uma na sexta, uma na oitava e duas
no primeiro. Aí, a minha mãe falava assim: “ô, Breno, você pode ter 30
anos que você nunca vai sair da escola, eu nunca vou deixar você parar de
estudar sem terminar o colégio. Você pode repetir mais umas 10 vezes que
você não vai sair da escola”. Eu repeti uma série trabalhando aqui, na
UFMG, mas só que eu não contei para ninguém, não, eu acho que ninguém
ficou sabendo. Aí, foi na oitava série, mas isso aí não é desculpa que eu
trabalhava aqui, que eu repeti, não, porque dava muito bem para levar os
dois juntos, o trabalho e o estudo. Foi assim, falta de vergonha minha,
mesmo. O pessoal podia pensar: “você é burro demais”, mas não era. É
porque eu não fazia os trabalhos, não fazia nada, mas era incrível, nas
provas eu chegava, eu era só 7 para cima, por causa que eu não gostava de
fazer os trabalhos e atividades, mas eu prestava atenção nas aulas, então, eu
tenho, assim, uma certa facilidade de aprender. Repeti o primeiro ano mais
duas vezes. Aí, apareceu a oportunidade de fazer EJA e foi a minha mãe que
foi atrás, assim, para mim. A minha mãe é um anjo na minha vida.

O processo de escolarização de Breno foi marcado pela reprovação e, posteriormente,


pela evasão da escola. Em seu depoimento, o jovem deixou claro que não cumpria o chamado
“ofício de aluno” (ARROYO, 200). Novamente a mãe aparecia com uma postura de suporte,
agora, com relação ao processo educativo. O movimento da mãe de Breno refletia o esforço
empreendido pelos pais e, especialmente, mães para conseguir que os/as filhos/as continuem
na escola, situação encontrada também nos achados de Corrochano (2008). No ano de 2012,
294

Breno havia informado que trabalhar “atrapalhava” seus estudos, pois ficava muito cansado.
Mas, desta vez, informou que a questão era que ele

não gostava muito de estudar. Eu não repeti porque eu trabalho, se a pessoa


for esforçada, ela trabalha e estuda normal. Então, eu repeti por causa
disso, mesmo, por causa que eu não fazia as coisas tudo, mas só que, nessa
época que eu estava, assim, trabalhando, eu chegava, assim, cansado, às
vezes, e eu dormia lá na sala, porque eu já não tinha interesse, então, eu não
ficava, assim, preocupado... Nem aí.

Embora sob o olhar de Breno o trabalho não fosse o motivo da reprovação, é possível
considerar que o cansaço fosse um fator que contribuísse para isso. A reprovação foi ocultada
pelo jovem, o que pode estar relacionado a uma estratégia de não ser cobrado pela CVB
(ademais, a reprovação poderia causar afastamento do trabalho) e pela própria mãe.
Interessante apontar que a postura de Breno no processo de escolarização também apontava
para a dimensão do desengajamento. Tendemos a considerar que, mesmo a escola sendo
caracterizada por um tempo e espaço específico (THIN, 2006) em que se ensina a respeitar e
cumprir horários (Mariano ENGUITA, 1989), dentre outros objetivos, a interiorização da
disciplina, hierarquias e preparação para o mercado (ENGUITA, 1989; WICKERT, 2006),
para Breno, essa instituição não cumpria essa função. Havia um círculo de desengajamento,
pois o trabalho parecia não contribuir para que Breno repensasse seu ofício de aluno, nem a
escola contribuía para que o jovem se engajasse. Tendemos a considerar que ambas as
instituições possuem lógicas socializadoras pautadas nas regras temporais e no controle dos
corpos e, no caso da escola especialmente, há “determinação de adiar para um tempo
vindouro a satisfação possível que o tempo presente pode garantir, em vista dos benefícios
que esse adiamento torna possíveis” (LECCARDI, 2005, p. 35), ou seja, “adiamento das
recompensas”, o que destoava da perspectiva do presenteísmo de Breno, contribuindo
significativamente para o desengajamento do jovem. Como explicita Pedro Abrantes (2003), a
recusa à escola é uma arte de sobrevivência, uma maneira de adaptação que pode se constituir
também por uma “adesão distanciada”, no caso do jovem em questão, o desengajamento.
Diante da reprovação e do desinteresse (causado por diferentes motivos, como já
abordamos), o jovem abandonou a escola regular e ficou um ano sem estudar e, somente a
partir do suporte da mãe, retomou os estudos. Segundo Breno, a mãe o obrigava a estudar,
pois, para se inserir em alguns trabalhos, precisava ter a certificação do ensino médio. Assim,
295

se matriculou na Educação de Jovens e Adultos (EJA)147 aos 21 anos e considerou que foi
uma boa oportunidade.

Eu fui lá para o grupão, na rua de baixo, aí, eu fui e fiz esse EJA aí. Salvou.
P. Salvou? Uaiiii... Eu fiz três séries em um ano e meio, comecei no começo
de 2014, formei no meio de 2015, em julho, fiz o primeiro e o segundo ano
em um ano, mais seis meses, eu fiz o terceiro ano e eu formei. Bem melhor.
“Rapidão”, acabou esse “trem”, aí, minha mãe parou de falar na minha
cabeça.

O término da educação básica para Breno era uma obrigação a ser cumprida. Cursar a
EJA foi para ele foi algo que “salvou”, pois possibilitou a conclusão dessa etapa da carreira
estudantil em um período reduzido, ou seja, um período menor que 3 anos. Consideramos que
a dificuldade que o jovem tinha em gerir as rotinas e regras também pode ter contribuído para
sua trajetória de reprovações e evasão do ensino médio regular. Ademais, “as relações dos
jovens com a escola são complexas, pois vão além de aprender e ser disciplinado” (LEÃO;
Jorddana ALMEIDA; NONATO, 2014). Existe um distanciamento entre a cultura escolar e as
experiências sociais vivenciadas pelos/as jovens em diferentes espaços e tempos (DAYRELL,
2007), o que tende a contribuir para que o/a jovem, visto/a, não raras vezes, somente como
aluno/a, abandone a escola. A dimensão do tempo reaparecia na fala de Breno, por meio da
expressão “rapidão”, o que corroborava com o significado do tempo presente para o jovem,
no máximo, um presente um pouco mais ampliado.
Após a conclusão do ensino médio, o jovem afirmou que não conseguiu participar de
nenhum outro processo educativo formal. Breno salientou que sua mãe sempre participou do
seu processo de escolarização, que conferia se ele fazia as atividades, mas que, no ensino
médio, ela foi se distanciando desse papel. O distanciamento poderia estar relacionado tanto à
diferença de nível de escolarização do jovem e da mãe, mas também a uma tentativa de
contribuir para a construção de autonomia por parte de Breno no que tangia aos estudos. Ele
salientou que a mãe e a namorada o incentivam a fazer faculdade, pois a titulação em nível
superior facilitaria na busca por empregos. Ele afirmou que sempre falava com a mãe que
ensino superior não era garantia de nada, não era certeza de ter um trabalho, o que corrobora
com as reflexões que realizamos de que a formação não seja a única credencial importante

147
É importante ressaltar, embora não seja o nosso foco, que tem acontecido um processo de “juvenilização da
EJA” (SILVA, 2009; CARRANO, 2007), ou seja, historicamente, o público da EJA era composto de
trabalhadores/as mais velhos/as [em idade] que tiveram poucas oportunidades de inserção nos estudos e de
contato com a escola. Na atualidade, tem aumentado o número de jovens excluídos/as do ensino regular por
diferentes motivos, mas que retornam à escola em busca de conclusão da educação básica e de melhores
condições de trabalho (CORROCHANO, 2008; JARDIM, 2009), especialmente, pois para eles/as a escola
ainda “representa uma possibilidade de aprendizado que os leve ao mercado de trabalho e os inclua na
sociedade” (Claúdia COSTA; Nayara ARAÚJO; Miriam ALVES, 2016, p. 32).
296

para o mercado de trabalho O jovem mencionou ainda que, antes da faculdade, faria um curso
técnico:

Primeiro vou arrumar um “trampo”. Aí, se der, eu volto a estudar. Porque,


aí, depois que eu estiver um ano lá de “casa” [emprego], estiver mais
tranquilo, aí, eu já vou começar a olhar outras coisas, um curso técnico, um
curso tipo o do Senai, de dois anos, esses “negócios” de elétrica, de
mecânica, para eu ter uma renda boa já inicial. Aí, depois eu vou, assim,
vou fazer uma faculdade, um negócio assim. Se eu começar uma faculdade
agora, não tem como, porque a faculdade você tem que dedicar tempo. Eu
não quero esses negócios de pagar depois, então, tenho que ter dinheiro
para pagar.

O jovem apresentava um projeto de escolarização que se assemelhava ao de Sérgio, no


qual era necessário conseguir trabalhar para pagar os estudos. Essa perspectiva de construção,
ao contrário da relação que teve com os projetos de trabalho, tende a exprimir um
entendimento do seu campo de possibilidades. Mas, também é ambígua, pois o jovem
explicitava que precisava ter tempo, algo que não faltava a ele, mediante a realidade do
desemprego, mas não via esse tempo como algo possível. Em seu depoimento, identificamos
que Breno não pensava em uma instituição pública e o ensino superior aparecia como um
sonho a longo prazo. Breno afirmou que depois que conseguisse “um emprego bom, tipo
repositor de supermercado”, daria “uma arrumada na vida” e passaria “um ano, um ano e
pouco abrindo os horizontes”. Então, em sua análise, conseguiria parar de trabalhar para
estudar, pois para fazer faculdade, é necessário

ser exclusivo só para os estudos. Hoje eu não tenho como ser só exclusivo,
porque a minha mãe não tem como bancar os livros meus, o estudo, a
passagem. Então, pensar na faculdade não tem como, porque eu não ia ter
como “bancar” essa faculdade, porque eu preciso ajudar em casa para
começar a faculdade, então aí, eu vou, assim, pensar em um “trem” mais
imediato, aí, depois que eu tiver, eu tenho 21 anos, a partir que eu tiver uns
26, 27, aí, eu vou fazer um ”bocado” de faculdade. Tem pessoa que começa
a faculdade com 17 anos e com minha idade está formada. Mas, aí, nunca é
tarde também, mas só que eu não vou focar só em empreguinho, eu já com
uns 23 eu já vou ter uns cursos, aí, eu já vou começar já a crescer e posso
parar de trabalhar, e também fazer um ”bocado” de concurso público, né,
quem sabe também...

A partir do depoimento de Breno, vemos que, para a continuidade dos processos de


escolarização, o jovem não tinha clareza sobre como proceder. Breno estando com 22 anos
afirmou que, aos 23, já teria realizado cursos para ter empregos melhores e poder estudar.
Mas, na mesma narrativa, citou que faria faculdade somente aos 26 anos. Ressaltou que o
ensino superior era um sonho distante, mas que conseguiria fazer faculdade, pois conseguiria
um novo emprego, ou começaria a trabalhar com futebol. Outra possibilidade que o jovem
297

vislumbrava era o concurso público. O depoimento tendia a reforçar os projetos do jovem


como “hipomaníacos”, agora no que tange à escolarização.
Breno parecia não saber muito bem quais caminhos seguir nos estudos. Tendemos a
considerar que faltou suporte para que o jovem conseguisse elaborar seus projetos de
escolarização. A continuidade do processo de escolarização se tratava de projetos com poucas
condições concretas para ele. Concordamos com Pais (2001, p. 409) ao afirmar que “no
labirinto da vida alguns jovens querem (princípio do desejo), mas não podem (princípio da
realidade) vencer os desafios que se colocam a si mesmos”. Assim, consideramos que o
projeto do jovem Breno ainda estava no campo da abstração, dos sonhos e do
desconhecimento dos caminhos a serem traçados, o que refletia a lógica de um sistema
meritocrático, em que nem todos/as os/as jovens têm chances sequer de construir projetos.
As experiências de emprego, desemprego e escolarização de Breno, entrelaçadas à sua
vivência no âmbito familiar, nos desafiam a desnaturalizar que exista apenas uma maneira de
lidar com o tempo e, especialmente com as instituições. A partir das narrativas apresentadas,
concordamos com Pais (2001, p. 17) que salienta que os “conceitos de emprego e de
desemprego se manifestam desajustados à realidade vivida” pelos/as jovens. Assim,
inicialmente, uma leitura superficial das narrativas do jovem levaria a uma análise moralista,
enfatizando uma representação estereotipada de Breno como alguém que “não quer nada”. Foi
necessário deslocarmos nosso olhar para perceber as nuances das ações do jovem.
O desengajamento se constituiu como uma maneira do jovem “sustentar-se”, ou seja,
um suporte, diante de lógicas temporais que destoavam da maneira como subjetivamente
construía sua relação com o tempo. Cabe salientar que a maneira pela qual o jovem
organizava seu tempo era também reflexo da chamada “modernidade líquida” (Zygmund
BAUMAN, 2001). Imersas nesse contexto de fluidez e efemeridade, as pessoas tendem a
experimentar outras formas de organização do tempo, bem como outros valores, pois a
dimensão temporal se perfaz a partir do que é mais imediato, o que se relaciona ao
“presentismo” do jovem Breno.
Desta maneira, o desengajamento do jovem com relação ao emprego representava a
recusa de um “tempo de espera”, pautado no adiamento das recompensas, bem como na
construção de valores acerca do trabalho que destoavam de uma disciplina do trabalho como
valor moral. O jovem se recusava a ter seu tempo cotidiano e de vida submetido ao mundo do
trabalho. Assim, como ressalta Pais (2001), muitos/as jovens, assim como Breno, “não
querem perder a vida tentando ganhá-la. Rejeitam a instrumentalidade do trabalho e valorizam
as satisfações intrínsecas que dele possam retirar” (p. 20). Vale lembrar que o jovem não
298

rejeitava o trabalho, mas o trabalho a que tinha acesso. Nesse contexto, consideramos que a
sociedade, em grande parte, tem produzido jovens “feitos pela escola e pelo trabalho”
(SPOSITO, 2005; DAYRELL, 2007) que se submetem aos tempos do trabalho e da escola,
especialmente no caso de jovens das camadas populares, o que, por sua vez, parecia ser
questionado por Breno, ao querer vivenciar outras formas de organização do tempo e do
espaço.
Ante o exposto, a experiência de desemprego de Breno, embora vista de maneira ruim
pelo jovem, não era colocada como um “tempo de vazio”, ou de inutilidade, como expressado
por outros/as jovens da presente pesquisa. Para ele, parece que a centralidade não estava na
sua identidade de trabalhador, mas, sim, na possibilidade de viver o presente tendo a
dimensão da renda como foco. Na relação com a escolarização, ficou evidente que o jovem
“não estava naturalmente disposto a fazer o papel de aluno” (DUBET, 1997, p. 223).
Ademais, existia uma recusa aos tempos da instituição, pois o jovem não aceitava as
promessas da escola (em longo prazo), assim, a EJA, por ser “rapidão”, fez mais sentido para
ele.
Por último, ressaltamos que o desengajamento era basilar em seu percurso de
individuação, pois expressava o modo do jovem (re)existir e de responder singularmente aos
desafios familiares, no trabalho e nos estudos, especialmente marcados por tempos
controlados e por regras. O jovem se recusava a se submeter a um ao tempo de trabalho e de
estudos que consumisse grande parte do tempo da vida. Cabe citar ainda que era um
desengajamento reflexivo e marcado por ambiguidades.
299

5 CENA 5 – Weliton: em busca de reconhecimento

Viver é um rasgar-se e remendar-se.

Guimarães Rosa

A cena do jovem Weliton nos possibilita(va) refletir sobre como o jovem “era
‘rasgado’”, no sentido de ser rejeitado e inferiorizado, em diferentes espaços de socialização e
buscava “remendar-se” reelaborando seus percurssos de individuação em meio aos desafios
familiares, laborais e escolares. A experiência de trabalho na UFMG era marcada pela relação
com a chefia que atuava como um suporte para o jovem. O trabalho e a escola se tornavam
espaços de busca por reconhecimento, especialmente diante da denegação do reconhecimento
no âmbito familiar. O percurso laboral do jovem trazia a especificidade da inserção no
trabalho de telemarketing, o qual, mesmo sendo um espaço de precariedade do trabalho e do
trabalhador, era reelaborado por Weliton a partir de respostas singulares. Quanto ao processo
de escolarização, o jovem expressava uma reflexão significativa sobre seu projeto de vida e
campo de possibilidades. Tanto para o campo trabalho quanto para o da escolarização era
possível afirmar que Weliton operava com diferentes estratégias para “fabricar-se como
sujeito”.

5.1 (Re)construindo as relações familiares: entre a rejeição e o reconhecimento

Weliton estava com 21 anos quando participou da pesquisa. Jovem, solteiro, se


autodeclarou preto, homossexual e evangélico. Ele morava com a mãe, a irmã mais velha e o
padrasto, em uma casa cedida pelos parentes maternos, em um bairro de periferia da cidade de
Santa Luzia/MG. A mãe de Weliton tinha ensino médio incompleto e seu padrasto, ensino
fundamental incompleto. A mãe dele trabalhava como recepcionista e o padrasto, como
porteiro.
Apesar de morar no mesmo lote que alguns familiares, Weliton afirmou que

não era próximo dos meus parentes, devido a problemas sérios, eu não era
amigo da minha família. Tipo, a gente tinha os nossos problemas, até mesmo
por causa da minha opção sexual148. Eu fazia as minhas coisas por mim e
não dava muita satisfação. Morava na mesma casa com minha irmã e mãe e
parecia que eu morava sozinho. Não tinha relação nenhuma mesmo.

No depoimento de Weliton, constatamos que ele relacionou o distanciamento da


família especialmente ao fato de ser homossexual. Informou que os tios o tratavam com

148
Mantivemos a expressão original usada pelo jovem, mas optamos pelo uso do termo orientação sexual.
300

indiferença, o insultavam e às vezes o agrediam, devido ao seu modo de falar e vestir, mas
que ele tentava ignorar a situação.
No passado, a relação de Weliton com a mãe também não era de proximidade e se
agravou, especialmente após o jovem contar para ela sobre a sua orientação afetivo-sexual.
Ele narrou a respeito:

Ela me mandou para fora de casa, naquele primeiro momento, depois, ela
me aceitou, mas teve todo aquele “show de mãe”. E eu falei para ela: “nós
gays, homossexual, já sofremos o preconceito da sociedade, se a gente não
tem o apoio da família, não precisa de mais nada. Se não posso ser gay
aqui, não posso mesmo ficar aqui”. Eu fiz a minha parte de falar, de lançar
a verdade e não querer esconder nada. Eu falei, mesmo não concordando,
pois minha irmã nunca falou com ninguém que era hetero. Agora, se você
não puder ser mãe de homossexual, não precisa ser minha mãe, pois eu sou.
Ela me deixou ficar em casa, mas não me aceitava de jeito nenhum. Deixou
por dó. E eu não fui embora, porque não tinha para onde ir.

A narrativa do jovem expressava a sua demanda pela aceitação da mãe, mas,


inicialmente, não foi isso que aconteceu. Ficou explícito o questionamento do jovem acerca
da necessidade de dizer que era homossexual, quando tal postura não é requerida às pessoas
heterossexuais. Mesmo discordando, Weliton parecia se sentir mais confortável contando para
a mãe sobre sua orientação.
Tendemos a considerar que as posturas tanto dos tios quanto da mãe se baseavam na
lógica da heteronormatividade, ou seja, “um sistema de vigilância social em que homens e
mulheres são interpelados a demonstrar apenas comportamentos coerentes com o seu sexo
biológico e com o desejo heterossexual” (Paulo NOGUEIRA; Anna D’ANDREA, 2014, p.
25). Isso porque não aceitaram que o jovem “fugisse da norma”, tendo atitudes homofóbicas
em relação a Weliton, que iam desde agressões físicas a simbólicas.
Quanto ao distanciamento da mãe com o filho, inferimos que o fato se relacionasse a
um possível sentimento de culpa por parte da mãe, de ter engravidado e o marido não aceitar a
gravidez, o que gerou, também, um afastamento com relação ao pai biológico, como narrado:

Hoje não faz diferença nenhuma na minha vida, mas, assim, no período, foi
uma época difícil o que eu vivi, que foi a questão da rejeição do meu pai e
entender que eu precisava e poderia viver sem ele. Não que eu sinto falta
hoje, mas senti muito. Ele me rejeitou desde quando ele descobriu que a
minha mãe estava grávida de mim. Minha mãe tinha acabado de ter a minha
irmã, estava recente, primeira filha, aí, minha mãe engravidou de mim. Ele
falou: “não quero. Eu acabei de ter uma filha para ter outro, não quero, não
é meu. Como vou assumir?” Terminou com a minha mãe e foi embora. Ele
buscava a minha irmã para sair e levava para o parque, e eu via tudo. Ele
falava: “eu vim buscar a Daiana”. E minha mãe perguntava: “você não vai
levar o Weliton? Ele é seu filho”. Ele: “eu sei, mas não vou levar, eu não
quero ele, mesmo com o DNA, eu não sou obrigado a ter ele como filho.
301

Registrei, porque o juiz me obrigou. Não quero relação nenhuma com ele”.
Foi bem assim mesmo, ele foi bem direto. E, aí, ficou nessa aí, eu fui ficando
“só na minha”, também com todo mundo.

A rejeição pelo pai, na visão do jovem, era um dos fatores que contribuíram para o
distanciamento familiar. Como explicitou no depoimento, havia algumas interferências da
mãe, mas o pai se negava a reconhecê-lo como filho. Weliton afirmou que na adolescência
tinha uma péssima relação com a irmã, pois considerava que ela era responsável pelo pai não
gostar dele. Como a irmã também sofria com a situação e era muito retraída, os dois não
tinham muito diálogo. Com o passar dos anos, o pai foi se distanciando de todos, inclusive da
irmã. Com a perda de contato e, especialmente o crescimento do jovem, a mãe de Weliton
contou a ele como ocorreu todo o processo de rejeição do qual ele recordava de alguns
momentos, ajudando-o a compreender e a lidar com a situação.
As narrativas do jovem sobre sua relação familiar expressavam um cotidiano marcado
por tensões, constrangimentos e conflitos. Assim, como para Rebeca, as situações familiares
se configuraram como desafios, os quais o jovem precisava enfrentar constantemente. No
caso de Weliton, o desafio se agravava ante as rejeições, especialmente acerca da sua
orientação sexual, o que consideramos que se tratasse de um drama social também
compartilhado por outros sujeitos, sobretudo os que rompem com a lógica heteronormativa.
Desta maneira, concordamos com Araujo e Martuccelli (2012) que afirmam que

los individuos enfrentan solos, en todo caso más solos que en otros lugares,
la vida social, puesto que se ven obligados a buscar respuestas por sí mismos
a una serie de falencias […]. En este contexto, los soportes y el apoyo no se
encuentran principalmente en las instituciones, sino que tiene que ser
producido (o al menos sostenido y recreado) por el proprio individuo
(ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012, p. 243).

Assim, diante de um cenário de falência na relação entre o jovem e a família, Weliton


precisava construir individualmente respostas para as contingências da vida, buscando os
suportes necessários para tal, os quais ele parecia encontrar especialmente no mundo do
trabalho, como apontaremos.
Decorridos alguns anos, quando Weliton já estava com 18 anos de idade, o pai
biológico resolveu procurá-lo, mas o jovem se recusou a ter contato, o que evidenciava o
quanto a rejeição provocou uma mágoa e, também, o desejo de não mais ter contato com o pai
biológico. Weliton afirmou que várias pessoas conversaram com ele sobre a possibilidade de
perdoar o pai, mas ele dizia não conseguir. Acerca da situação, o jovem afirmou que “a
rejeição vai ficar guardada para o resto da vida. Minha mãe fala que sou frio, que eu não era
302

assim antes. Aí eu falo ‘querida, pergunte para o seu ex-marido’. Por mais que eu não queria
ser assim, o mundo me fez assim, ele me fez eu ficar assim”.
Conjuntamente a dimensão do sofrimento, a atitude do jovem parecia se relacionar à
aproximação com o padrasto que, para ele, ocupava o lugar de pai. A falta que sentia do pai
foi sanada pela figura do padrasto que, desde sua adolescência, o tratava com afeto e atenção.
O jovem afirmou que, depois de alguns anos do término do pai com a mãe, quando ele estava
com cerca de dez anos, a mãe começou a se relacionar com o padrasto. Segundo ele, o
padrasto “lutou ‘horrores’ para ele [o pai] pelo menos me dar um amor de pai, mesmo que
ele não pagasse a pensão, porque é uma coisa que ele nunca fez, porque eu sempre fui
sentimental e virei o ogro que eu sou”. Weliton estabeleceu com o padrasto uma relação de
amor e amizade e decidiu que não teria mais nenhuma relação com o pai biológico, o que
tendia a minimizar o enfretamento solitário dos desafios familiares.
O distanciamento da mãe quanto à Weliton se alterou, a partir das intervenções do
padrasto. Além disso, uma possível mudança de contexto também contribui para mudar a
relação, como mencionou:

Eu fui perceber o tanto que ela [a mãe] realmente se preocupava comigo,


foi quando eu passei na faculdade em Januária, que eu falei assim: “olha,
eu vou embora, porque eu ficar aqui, ou ir, não faz nenhuma diferença. Você
não precisa se preocupar comigo lá, porque você nunca se preocupou
comigo aqui, então, eu vou”. Foi aí, então, que ela “ficou louca”. “Não.
Não quero que você vá. Você vai ficar em outra cidade sozinho. Você não
pode ir, pois não tem ninguém para te ajudar lá. Não vou deixar você ir e
ficar sem ninguém por perto. A gente quer você com a gente. Eu amo você”.
E minha irmã também a mesma coisa. Aí todo mundo chorou e
conversamos.

A inserção do padrasto na família de Weliton pareceu mudar totalmente a


configuração das relações familiares. Na visão do Weliton, o diálogo passava a fazer parte das
relações. Tendemos a considerar que a dimensão da perspectiva da “perda” contribuiu para
que tanto o Weliton quanto a mãe e a irmã refletissem sobre a relação familiar e buscassem o
diálogo para melhorar. Como o jovem optou por não ir para outra cidade fazer o curso
superior, foi possível “ter uma DR” (discutir a relação), como informou, para que pudessem
construir uma nova convivência. Weliton enfatizou que, mesmo com um ambiente mais
harmonioso, existiam conflitos, mas que a relação atual com a mãe era de amor e amizade.
Diante da aproximação, uma nova dinâmica se estabeleceu no âmbito familiar e a mãe passou
a ocupar o centro das relações. O jovem afirmou: “minha mãe é tudo para mim”, e que
gostava muito do novo vínculo que conseguiram estabelecer. A mãe passava a participar de
toda a vida do filho, desde o trabalho, a escola, a convivência com amigos/as e com
303

namorados. Segundo Weliton, às vezes, ele quer contar suas intimidades para ela que o
adverte: “eu sou sua mãe, não precisa de contar os detalhes dos seus relacionamentos”.
Talvez a relação entre ambos não fosse tão distante, pois a narrativa da reaproximação
pareceu expressar que foi um processo rápido. Não significava que o jovem não tivesse sido
rejeitado por ela, mas podemos supor que a relação não foi rompida, como aconteceu entre ele
e o pai.
Nesse contexto, Weliton estabeleceu novos laços com seus parentes, especialmente
tias e avó, e passou a ocupar um lugar de referência na família. “Lá em casa, agora, sou eu
quem resolvo tudo, qualquer problema que dá, ‘liga para o Weliton’. Problemas nas contas,
briga de alguém, festas, tudinho mesmo”. Avistamos o jovem como um suporte importante na
manutenção dos laços familiares. Cabe enfatizar que o jovem, às vezes, se cansava de estar
nesse papel, pois “antes era ninguém, agora é muita responsabilidade”. Pontuamos que,
assim como a mulher, os homossexuais, quando aceitos, tendem a ser referência no espaço
familiar, especialmente sendo responsabilizados pelo trabalho doméstico e pela gestão da
casa.
Da mesma forma, Weliton explicitava que a sua casa: “virou o ponto de encontro”,
depois que sua relação com a sua mãe mudou, pois ela começou a ficar próxima dos seus/as
amigos/as e chamá-los/as para frequentar a casa.

Porque, agora, ela gosta muito dos meus amigos, ela gosta de ser amiga dos
meus amigos. Ela não gosta de ser aquela mãe que “ah, é amigo do Weliton
e tal, fica à vontade”, não. Ela chega, entra na conversa, ela bate papo, ela
brinca. Ela gosta que eles vão lá em casa para saber com quem eu ando. A
minha mãe fica nervosa quando eles não deixam eu estudar. É normal, ela
cobra mesmo.

Os/As amigos/as do jovem chamavam a mãe dele de mãe, o que demonstrava que
houvesse uma boa relação dos/as amigos/as de Weliton também com a mãe dele. Articulado à
relação de intimidade e proximidade, podemos perceber o controle da mãe quanto às
amizades do filho sobretudo visando garantir que ele possa estudar sem interferência.
Quanto ao trabalho, o jovem havia informado, em 2012, que seu primeiro emprego foi
aos 13 anos, no qual ajudava numa creche perto de sua casa, caracterizando-se como trabalho
infantil, o que é ilegal149. Entrou na UFMG aos 16 anos, por intermédio da mãe e de uma
amiga que já trabalhava na CVB, o que ratificava a importância dos “circuitos domésticos”
como principal forma de busca e acesso ao emprego (GUIMARÃES, 2009). Ao final do

149
Pois, de acordo com o ECA (Lei 8.069/90), artigo 60, é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze
anos, com exceção na condição de aprendiz.
304

contrato, no ano de 2013, ficou cinco meses desempregado. Após seis meses do desligamento
da CVB, começou a trabalhar como assistente administrativo em um escritório de
contabilidade. Ficou durante três meses nesse trabalho e pediu para sair, pois não assinaram
sua carteira. Decorridas duas semanas, o jovem iniciou trabalho numa empresa de
telemarketing e estava nesse trabalho já há dois anos.
No que tange ao processo de escolarização, Weliton fez um curso técnico de
Administração entre os anos de 2013 e 2015. No ano de 2014, o jovem passou no curso
superior de Enfermagem, numa universidade na cidade de Januária/MG, mas não foi cursar,
atendendo ao pedido da mãe. Iniciou um curso de Publicidade em uma faculdade privada,
com 50% de bolsa, mas avaliou que não tinha relação com seu desejo. No ano de 2016,
iniciou o curso técnico em Enfermagem, pois afirmou ser a área em que pretendia dar
continuidade no ensino superior.

5.2 As experiências de Weliton sob o olhar do reconhecimento

Tendo como base a relação que o jovem estabeleceu no contexto familiar e a maneira
com que lidou com as instâncias educativas e de trabalho, como veremos, consideramos que a
cena do Weliton nos possibilita(va) fazer uma análise a partir da Teoria do Reconhecimento,
desenvolvida por Axel Honneth. Para tanto, consideramos importante apresentar brevemente
a formulação teórica desse autor.
O foco da teoria de Axel Honneth é a categoria Reconhecimento Intersubjetivo e
Social, pois assume a ideia de que o reconhecimento é uma necessidade humana. Assim,
enfatiza que a luta pelo reconhecimento aparece como elemento fundamental da gramática
moral dos conflitos (HONNETH, 2003). Podemos dizer que a Teoria do Reconhecimento de
Honneth (2003) “defende a ideia de que a identidade dos indivíduos é construída por meio do
reconhecimento intersubjetivo, através do qual os sujeitos garantem a plena realização das
suas capacidades e uma relação positiva consigo mesmos” (DAYRELL, 2014 p. 3). Desta
forma, sendo o reconhecimento recíproco o ponto- chave da teoria, Honneth interessa-se em
investigar as experiências morais dos sujeitos humanos envolvidos em situação de
desrespeito, ou seja, denegação desse conceito, explicando que o conflito se perfaz a partir da
luta por reconhecimento (HONNETH, 2003).
Axel Honneth constrói a Teoria do Reconhecimento se pautando na ideia de que “na
sociedade moderna haveria três esferas decisivas para a integração e reprodução social: a
família, a sociedade civil e o Estado” (Emil SOBOTTKA, 2015b, p. 35). Em cada uma dessas
esferas, o reconhecimento intersubjetivo assume uma dimensão específica, quais sejam: o
305

amor, o direito e a solidariedade, respectivamente. Todas essas dimensões do reconhecimento


estão interligadas, por isso, “o indivíduo precisa experimentar sucessivamente em cada esfera
o tipo de reconhecimento correspondente para desenvolver uma autorrelação prática positiva e
assim formar uma identidade pessoal sadia e tornar-se um sujeito autônomo” (Emil
SOBOTTKA, 2015b, p. 36). Portanto, para Honneth, o não reconhecimento em qualquer uma
das esferas gera conflito social. Para analisar a cena de Weliton, nos concentramos nas
questões que perpassam a busca pelo reconhecimento e a negação deste.
Honneth (2003) constrói essas três dimensões de reconhecimento intersubjetivo,
ressaltando que a relação positiva do indivíduo consigo se intensifica na experiência das três
formas de reconhecimento. A primeira dimensão refere-se à esfera emotiva, ou amor, como é
designado pelo autor. As relações emotivas se concretizam a partir da intersubjetividade
afetiva e são as interações mais importantes para a estruturação da personalidade do sujeito
(José ARAÚJO NETO, 2013). Como pontua Dayrell (2014), essa dimensão se refere às
formas de relações primárias intensas, tais como relações familiares, amizades e eróticas.
O não reconhecimento na dimensão do amor corresponde a uma forma de desrespeito
que ameaça um componente específico da identidade. Segundo Sobottka (2015a),

o reconhecimento do amor diz respeito ao bem-estar físico e psicológico e é


considerado a forma elementar de reconhecimento. Negligenciar ou negar o
reconhecimento nas relações primárias destrói a confiança no valor que as
necessidades de cada um têm aos olhos dos outros. (SOBOTTKA, 2015a, p.
691)

Ao retomarmos as vivências familiares do jovem Weliton, é possível afirmar que, em


vários momentos e, a partir de diferentes pessoas (mãe, pai, irmã e tios), houve negação da
dimensão do amor. O jovem foi rejeitado pelo pai desde a infância, por este último não aceitar
a gravidez da esposa. No depoimento dado, aparecem várias falas do pai de recusa ao filho
que foram explicitadas a Weliton, causando a este um sofrimento que, segundo o jovem, o
levou a um adoecimento psíquico. Como menciona Albornoz (2011, p. 132), “para a
afirmação da sua singularidade, cada indivíduo tenta pôr-se na consciência do outro, e o faz
de modo tão abusivo, lesivo e violento, que acaba por ameaçar a vida e a singularidade do
outro”, assim, o pai buscava afirmar, o tempo todo, a recusa pessoal em ter gerado mais um
filho, o que produzia sofrimento em Weliton. Devido ao não entendimento da rejeição do pai,
o jovem tendeu a responsabilizar a irmã, o que, por sua vez, gerou um distanciamento entre os
dois. Concomitante à rejeição do pai, a mãe tendeu a manter uma postura de distanciamento
do filho, a qual foi agravada quando ela tomou conhecimento da orientação sexual de
306

Weliton. Nesta circunstância, o jovem foi, no primeiro momento, colocado para fora de casa,
mas a mãe reconsiderou e o deixou ficar por lá. A convivência na casa da mãe juntamente
com familiares gerou ao jovem maus-tratos físicos por parte dos tios maternos que não
aceitaram o fato do jovem ser homossexual, como mencionou. Como aponta Albornoz
(2011),

o amor de si mesmo e a autoconfiança, possibilitados pela experiência do


amor do outro e da confiança no amor do outro, formando-se assim a base
concreta emotiva para a defesa e reivindicação de direitos, na rede do
reconhecimento jurídico, bem como as condições pessoais para a
participação no plano da rede de solidariedade e da estima social
(ALBORNOZ, 2011, p. 136).

Ou seja, sendo o amor, uma dimensão elementar do reconhecimento, ela interfere nas
outras dimensões. Assim, inicialmente, Weliton tendeu a não demonstrar uma autoconfiança,
pois era muito afetado, mas, posteriormente, assumiu uma postura de luta por reconhecimento
nas instâncias educativas e do trabalho, fato que ratifica a ponderação de Honneth (2003): a
experiência social do desrespeito pode gerar luta por reconhecimento.
A segunda dimensão diz respeito à esfera jurídico-moral, ou dimensão dos
direitos/respeito. Se historicamente existia uma valorização dos direitos individuais ligados à
noção de honra, passa-se a falar em respeito e dignidade (DAYRELL, 2014; ALVES, 2015).
A partir dessa esfera, Honneth (2003) se refere ao reconhecimento dos direitos. Para o autor,
direitos podem ser lidos como “as pretensões individuais com cuja satisfação social uma
pessoa pode contar de maneira legítima” (p. 216), tendo em vista que ela participa de uma
coletividade e tem igual valor na sua ordem institucional.
É esse reconhecimento jurídico intersubjetivo que possibilita a manifestação da
própria autonomia do indivíduo, pois só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos
como portadores de direitos, quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais
obrigações temos que ter em relação aos outros. Segundo Dayrell (2014), esse processo gera a
consciência de poder respeitar a si mesmo (autorrespeito), uma vez que merece o respeito de
todos/as os/as outros/as. Logo o autorrespeito é, para a relação jurídica, o que a autoconfiança
é para a relação afetiva (HONNETH, 2003). Salientamos que a “dimensão dos direitos parte
de uma fórmula básica: só se possui autorrespeito se se é respeitado, só se reconhecem os
deveres se se têm garantidos os direitos, constituindo-se uma via de mão dupla” (DAYRELL,
2014).
Por último, Honneth (2003) aponta a esfera da estima social, ou da solidariedade. Essa
dimensão é também essencial, pois possibilitaria a construção do sentimento de autoestima. O
307

reconhecimento da estima social possibilita o indivíduo se enxergar de maneira positiva. Para


tanto, é necessário relações sociais de estima simétrica entre indivíduos individualizados e
autônomos. Como afirma Dayrell (2014), por simetria se entende todo sujeito receber a
chance de experimentar a si mesmo, em suas próprias realizações e capacidades, “como
valioso para a sociedade, o que despertaria a tolerância e o interesse afetivo pela
particularidade da outra pessoa” (p. 10). Todavia, como afirma Aline Alves (2015), o
sentimento de autoestima “só é possível através da experiência da dedicação afetiva e do
reconhecimento jurídico” (p. 82). Logo, enfatizamos que a falta de reconhecimento, no
âmbito da esfera afetiva, provocava repercussões na maneira como o jovem Weliton se
reconhecia e construía seus projetos de vida.
Honneth (2003) aponta que a negação da esfera da estima social acontece a partir de
ofensas, degradação, racismo e injúrias, por exemplo. A ameaça à estima social pode
ocasionar perda da autoestima pessoal, ou seja, “a perda da possibilidade de se entender a si
mesmo como um ser estimado por suas propriedades e capacidades próprias” (DAYRELL,
2014, p. 09). É com este olhar que buscamos analisar as experiências de Weliton nas
trajetórias de trabalho e escolarização.

5.3 “Sem carteira eu não fico”: as experiências de trabalho

Weliton se inseriu na UFMG aos 16 anos, em 2012, em uma unidade administrativa da


universidade. Informou que começou a trabalhar para aprender e adquirir experiência
(NONATO, 2013). Ressaltou que suas expectativas foram superadas, pois aprendeu muito no
período em que esteve na CVB, especialmente incentivado pela chefia direta.

Quando eu entrei aqui [UFMG], a minha chefe falava: “você gosta de


estudar?” Eu: “não. Eu não aprendo nada mesmo”. Aí ela: “ah é? Você
acha isso bacana?” Eu: “não é bacana, mas eu não gosto”. Ela falava:
“não. Não pode ser assim” e, foi falando, foi falando. Aí, ela começou a
“trabalhar o meu psicológico”. Eu perguntava: “por que você está
querendo mexer com a minha cabeça?” Ela perguntava: “qual que é o seu
projeto de vida? O quê que você já passou? O quê que te atormenta?” Aí,
ela ia me perguntando, ia colocando umas coisas, que fazia encaixar uma
coisa com a outra. Aí, ela falava: “vamos fazer inglês? Você tem interesse
por inglês?” Falei assim: “não, não consigo aprender”. “Mas você vai
fazer inglês, você vai conseguir”. “Mas eu não tenho interesse”. Ela: “vai
fazer e eu não quero saber”. Ela perguntava: “sabe informática?” Eu:
“mais ou menos”. Ela: “vamos fazer também”. Aí, eu comecei no inglês, eu
fui pegando amor pelo inglês, informática, palestras, tudinho. Pude
participar do InterAgindo. Aprendi tanto e aprendi a gostar de aprender.
“Culpa” dela que, no início, eu achava “mandona”, pois ela sabia cada
passo meu, mas hoje eu agradeço [...], pois ela viu meu potencial. Sei que
não era assim com todos os Cruz e eu reclamava, mas eu aprendi muito.
308

A chefia do jovem teve um papel significativo para potencializar a experiência de


trabalho dele, atuando como um suporte (MARTUCCELLI, 2007). De um lado, proporcionou
um espaço de questionamentos e escuta para que ele pudesse fazer suas reflexões acerca de
sua trajetória. Weliton refletia sobre a sua relação com a chefia explicitando que era
privilegiado, pois o incentivo e a autorização para participar de diferentes processos
formativos não eram comuns a todos/as os/as jovens da CVB.
Outra questão que merece destaque era o incentivo e o encorajamento que a chefe
dava ao jovem, mesmo quando esse não reconhecia que possuía capacidades. O suporte da
chefia era mister para Weliton no que tangia ao reconhecimento intersubjetivo, a partir da
solidariedade, pois o jovem tinha uma baixa autoconfiança, causada pela falta de
reconhecimento afetivo no âmbito familiar. Assim, a partir do incentivo, o jovem se
reconhecia capaz de aprender, reforçando as colocações de Honneth (2003), ao explicitar que
“os indivíduos se constituem como pessoa unicamente porque, da perspectiva dos outros que
a aceitam ou encorajam, aprendem a referir a si mesmos como seres a quem cabe
determinadas propriedades e capacidades” (idem, p. 272).
A chefia ocupa(va) um lugar-chave na relação juventude e trabalho na UFMG
(NONATO, 2013), mas é necessário questionar sobre a responsabilidadeda instituição em
proporcionar um trabalho decente (BRASIL, 2010) para todos/as os/as jovens, isso porque a
preocupação com a orientação e oportunidades de formação para os/as jovens não poderia
depender do perfil de uma chefia “sensível”, mas, sim, ser uma preocupação institucional. O
jovem Breno, por exemplo, nos trouxe um cenário de trabalho e relação com chefia muito
discrepante da relação narrada por Weliton. Assim, no trabalho juvenil, é essencial que a
instituição reconheça as especificidades dos/as jovens trabalhadores/as e construa
espaços/tempos de trabalho que sejam formadores.
Importante enfatizar a construção social do gosto pelos estudos e pelo conhecimento.
O jovem “aprendeu a gostar de aprender”, pois, por meio do processo vivenciado, foi
percebendo que

estudar não é uma coisa ruim, mas aprendi isso aqui [UFMG]. Também,
você vê todo mundo estudando, né?! Acho que contagia a gente. Ter contato
com pessoas que estudam, com pessoas que falam para você estudar, parece
que te obriga a estudar também [risos]. Você não quer ser o diferente. Aí, eu
comecei a me empenhar mais, foi quando eu fui para o primeiro ano do
ensino médio. Minha chefe me dava livros. Comecei a ter interesse em ler,
porque eu odiava ler livro. Comecei a ler livro. Hoje em dia eu amo livro.
Então, tipo assim, fui aprendendo, fui, tipo assim, aprimorando tudo, os
meus conhecimentos, aquela vontade de estudar, aquela sede de estudar.
309

Paralelamente ao incentivo da chefia direta, a universidade, enquanto locus de


trabalho, funcionou como um espaço importante na identidade juvenil de Weliton, por ter
proporcionado a possibilidade de reflexão sobre projetos de vida, contatos com pessoas com
perspectivas e ideais diferentes, potencializando, assim, um desejo de estudos por parte do
jovem, que “não queria ser o diferente”. A construção dos desejos e dos projetos dialogava
com as possibilidades reais, e o trabalho poderia ser um limitador do tempo de estudos, mas,
no caso de Weliton, se configurou como um espaço/tempo potente de reflexão, pois se
alicerçava na sua dimensão educativa.
Na sua experiência como jovem trabalhador, podemos dizer que Weliton foi visto
como sujeito de direito e de demandas próprias. Weliton citou que sua chefe buscava escutá-
lo e ser sensível às dimensões da sua vida pessoal.

Minha chefe me alavancou aqui [UFMG] e na vida. Me fez ver várias


coisas. Eu era muito rancoroso e não tinha paciência. Eu não fazia nada,
pois tinha medo de não dar conta. Eu achava que ninguém gostava de mim.
Eu não conseguia me relacionar com as pessoas, pois fiquei muito
traumatizado com o relacionamento da minha mãe e pai. Então, ela
trabalhou muito isso comigo.

Ressaltamos como a falta de reconhecimento na esfera emotiva interferiu


negativamente nas vivências do jovem. Pois “só aquela ligação simbioticamente alimentada,
que surge da delimitação desejada reciprocamente, cria a medida da autoconfiança individual,
que pode tornar-se base indispensável para a participação autônoma na vida pública”
(ALBORNOZ, 2011, p. 137). Importante trazer que a postura da chefia extrapolava a
dimensão profissional, parecendo considerar que somos sujeitos múltiplos e compreender que
as vivências familiares trazem repercussão para as experiências profissionais e vice-versa, o
que reforça a ideia da chefia como suporte para que o jovem Weliton se reconhecesse e
percebesse suas capacidades. Tendemos a considerar que a postura da chefia de Weliton não
se pautava numa perspectiva de construção de “bem-estar” dos/as trabalhadores/as, como
aponta a sociologia do trabalho acerca das empresas, buscando mobilizar até mesmo a vida
fora do trabalho, visando um aumento da produção (LINHART, 2014). Não podemos negar
que as diferentes relações repercutiram no espaço de trabalho, mas parecia existir um
reconhecimento do trabalho juvenil como um espaço/tempo de aprendizagens e formação
humana.
Assim como para os/as outros/as jovens, o trabalho na UFMG foi elencado por
Weliton como uma experiência muito positiva, com aprendizados pessoais e profissionais,
mas
310

era ruim que não me ensinaram o serviço quando eu cheguei. Um absurdo


isso, aí, fui perguntando mesmo. Quando eles viram que eu mesmo pegava
as coisas, aí que deixaram, mesmo. Eu mudei muita coisa no meu setor.
Nunca ninguém organizou arquivo, aí, eu fiz isso, porque eu fui procurar um
documento e estava uma bagunça. Eu falei: “vou ter que mexer nisso?
Então, eu quero pelo menos dois dias na semana para eu arrumar esse
arquivo, porque quem vai trabalhar nele sou eu e eu não posso trabalhar no
meio de bagunça”. Esse foi o meu diferencial, e hoje quem entra lá tem que
arrumar o arquivo. Então, eu aprendi a ser ativo aqui, deu certo aqui, levei
para a vida e continuo levando; e eu sei que vou continuar levando, isso é
de mim, eu me descobri nisso.

Na narrativa, é possível perceber a ambiguidade entre a falta de ensino e a


aprendizagem. Se, de um lado, o jovem não foi ensinado sobre o trabalho a ser desenvolvido,
de outro, a ausência do ensino fez com que ele buscasse alternativas para aprender, ou seja,
aprendeu fazendo. Weliton “ia perguntando”, mudando os processos e se tornando cada vez
mais ativo no desenvolvimento do seu trabalho. “Minha chefe me dava liberdade e me
cobrava atitude. Eu ia mostrando serviço e eles começaram a me elogiar muito”. Assim, o
jovem foi construindo outras formas de trabalhos e novas regras no espaço laboral,
demonstrando um percurso de “individualização que consiste também na participação em
relações profissionais, no seio das instituições de formação e de trabalho” (DUBAR, 2009, p
263). Importante enfatizar que o jovem “se descobre nisso”, ou seja, consegue na sua
experiência de trabalho descobrir uma competência que passa a fazer parte da sua vida.
Percebemos que foi ocorrendo um deslocamento da postura do jovem, em razão do
reconhecimento das suas capacidades individuais na esfera da solidariedade, ou seja, o jovem
foi se sentindo valorizado por meio do reconhecimento das ações que desenvolvia no trabalho
e construindo autoestima e autoconfiança (Giovani SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008). Dessa
maneira, a atuação no trabalho aparecia como possibilidade de desenvolver “múltiplas
capacidades socializadoras (aptidões subjetivas, reflexividade, improviso, formas de
comunicação e argumentação) que desempenharam papel fundamental na sua construção
como indivíduo” (REIS, 2014, p. 128), ou, como apontam Martuccelli e Singly, no “trabalho
do indivíduo sobre si mesmo” (2012, p. 52). Cabe citar que a postura ativa do jovem poderia
ter gerado, também, exploração e intensificação do trabalho, como vimos ocorrer com a
jovem Rebeca.
É importante elucidar que a relação com a chefia também era interposta por conflitos,
como Weliton descreveu:

Minha chefe tinha preconceito em questão de cabelo. Fui avisar para ela
que faria luzes no cabelo. Eu falei assim: “eu estou querendo fazer umas
luzes, assim, umas mechinhas, umas coisas poucas”. Mentira, porque era
311

muito loiro [risos]. Ela “já olhando torto” e falou: “não. Eu não acho
“bacana” esse pessoal negro com o cabelo loiro”. Aí eu: “é preconceito?
Não estou entendendo, vou ler o meu contrato para ver se não pode pintar o
cabelo de loiro. Está no contrato?”, No dia que eu cheguei com o cabelo
loiro, ela falou: “Weliton o quê que é isso?” Eu não vou deixar você
entregar nada desse jeito”. Eu falei: “eu descolori a cabeça toda igual os
favelados fazem? Não. Não estou igual toddy, fiz mechas. Por que você não
vai deixar eu entregar documento? Você vai achar que eu sou bandido de
uniforme?” Ela falou: “Weliton, não é assim, mas você não vai entregar”.
Falei: “Uai querida, então, beleza, se for assim, eu não vou trabalhar, né?
Porque o meu serviço é entregar documento... Eu vou fazer o quê? Você vai
me deixar de braço cruzado? Não vai. Vai deixar eu sem trabalhar, por
causa do cabelo? Porque raspar eu não vou”. Aí, ela ficou com raiva uns 15
dias, mas deixou eu levar os documentos, mas falou que isso não era perfil
de trabalhador.

Existia uma tensão entre o perfil de trabalhador construído pela chefia com a negação
de rótulos por parte do jovem. Para ele, o fato de pintar o cabelo não interferia na sua função.
Porém, a postura da chefia se relacionava a uma preocupação com a aparência, algo que é
muito forte no setor de serviços, visto que, como afirma Soares (2012, p. 44), uma
característica fundamental do setor de serviço “é a interação entre o trabalhador e o indivíduo
para quem produz o serviço”. Logo, a visão das pessoas acerca do jovem, além do
preconceito, marcava a postura da chefe. Cabe lembrar que Weliton também construiu
determinados estereótipos (Erving GOFFMAN, 1988), pois se comparava com jovens
moradores/as de periferia que pintavam/pintam todo o cabelo, atribuindo a estes/as um juízo
de valor negativo.
É interessante pontuar que o jovem considerava que, para o trabalho na UFMG, não
era necessário ter um padrão, pois não tinha uma função específica ‒ “boy não tinha um
padrão, mal as pessoas conversavam com você”. Assim, apontava que não tinha sentido não
poder fazer com o seu corpo o que desejasse. Avaliou que, se trabalhasse na área de
enfermagem, teria que cumprir um padrão, pois era uma profissão que já possuía suas regras.
Ponderamos que o trabalho como mensageiro interno tendia a não ter uma identidade para o
jovem. Na visão dele, não era uma profissão o que desempenhava, por isso, não compactuava
com uma identidade corporal e nem regras consolidadas para tal. Ademais, a invisibilidade
também poderia ser um elemento da falta de identidade, tendo em vista que as pessoas não
conversavam com ele. Embora o jovem não tivesse compartilhado da visão da chefia e
mantivesse sua aparência como considerava correto, o ocorrido possibilitou uma reflexão das
regras e comportamentos exigidos no mundo do trabalho, o que era um aprendizado
importante.
312

O jovem Weliton foi desligado da UFMG no ano de 2014 e optou por descansar por
um tempo, pois

o período que eu trabalhei aqui [UFMG] eu ainda estava no ensino médio,


então, era bastante cansativo. Quando eu formei o ensino médio, eu saí
daqui, então, coincidiu de sair de tudo junto. Para mim, era muita coisa
para o pouco tempo. Eu só tinha o final de semana e eu não conseguia sair,
porque eu queria descansar. Então, eu falei: “não. Vou aproveitar que
agora eu ‘estou de boa’, enquanto durar o seguro, aí, vou sair, vou
descansar e vou curtir”. Saí daqui, peguei o meu seguro [desemprego] e
fiquei descansando e curtindo a vida. Não procurei emprego durante cinco
meses, pois sabia que, quando eu começasse a trabalhar novamente, eu não
iria parar. Fiquei sem trabalhar, por opção mesmo.

Para o jovem, a situação do desligamento foi um momento para vivenciar uma espécie
de moratória, com tempo definido, possibilitada tanto pela mãe quanto pelo próprio Estado,
via benefício do seguro desemprego que é garantido pela Constituição federal. Weliton não se
via como desempregado, pois, segundo ele, fez uma opção de não procurar trabalho. A rotina
cansativa de trabalhar e estudar impossibilitava que ele vivenciasse outros aspectos da
condição juvenil. Desta maneira, a finalização da educação básica, aliada ao desligamento do
emprego, proporcionou ao jovem tempos para sair e se divertir. Assim, podemos afirmar que
o direito ao seguro-desemprego também é um elemento que altera a experiência com o não
trabalho, pois tende a ser um marco para alguns/algumas jovens para voltarem ao trabalho.
Ademais, podemos dizer que o seguro-desemprego é um dos direitos que ter a carteira
assinada gera como expectativas para alguns/algumas jovens, ou seja, o desejo da carteira
assinada, para além de um símbolo, está atrelado aos direitos que a mesma garante
(CORROCHANO, 2008).
A retomada ao trabalho aconteceu cinco meses após a saída da UFMG e o jovem não
teve mais nenhum período de não trabalho. O trabalho foi em um escritório de contabilidade.
Weliton foi indicado pela agência de emprego vinculada à empresa na qual em fazia um curso
técnico de Administração. Ao contrário do que ocorreu com alguns/algumas jovens, esse
trabalho foi alcançado a partir de “mecanismos mercantis” (GUIMARÃES, 2009). Necessário
apontar que Weliton fazia o curso técnico de forma concomitante ao trabalho na UFMG.
Iniciou esse curso no ano de 2013 e tinha aula todos os sábados, de 8h às 17h. Assim, o jovem
fez um curso técnico, fez o estágio para cumprir a carga horária do curso e na sequência foi
contratado. “Contrataram em termos, porque não assinaram a minha carteira. Fiquei lá um
período de três meses e não teve contrato e nem teve carteira assinada. Eles falavam:
‘estamos esperando ter recurso para isso’ e nada”. O jovem afirmava que foi contratado para
a função de assistente administrativo, mas assumia outras funções:
313

E, aí, eu comecei a fazer serviços que não eram da minha área. Eu estava
responsável pela área administrativa do escritório de contabilidade. Só que
eu estava fazendo os mesmos trabalhos que eu fazia aqui [UFMG], como
mensageiro interno. Eu tinha que entregar e pegar documentos, tirar cópias,
atender telefone. Falei: “ou assina a minha carteira como mensageiro
interno, ou como assistente administrativo, que é o que me chamaram para
fazer, porque eu tenho que fazer o que me chamaram para fazer”. Claro que
eu não me importo de fazer outras coisas, mas “fugir demais” do que eu
estou ali para fazer já não é a minha função. Eu não fiz o curso à toa, queria
trabalhar na área, mas lá tinha administrador também e ele fazia tudo.

Evidenciamos na narrativa o desejo do jovem em articular seu curso à prática


profissional, o que, devido ao desvio de função, não foi possível. Podemos inferir também a
tensão entre profissionais de formação superior e de formação técnica dentroda mesma área e
da mesma empresa. Embora o jovem não nos fornecesse detalhes dessa relação, parecia haver
uma situação de desvalorização.
O jovem informou que buscava ser muito proativo na empresa, assim como havia
aprendido na UFMG e, ao contrário do que aconteceu no câmpus, buscava seguir um padrão
nas roupas e no estilo de cabelo, “porque lá é uma coisa mais séria. A gente tinha acesso aos
clientes. Por mais que eu esteja com uma roupa formal, eu sei que eles vão olhar o cabelo,
eles vão olhar tudo”. No depoimento, emergia a diferença do controle acerca das vestimentas
e da apresentação estética que acontecia no setor de serviços, especialmente no âmbito
privado. É interessante apontar como o trabalho vai formatando os corpos e tanto o dito
quanto o não dito tornam-se internalizados pelos/as trabalhadores/as que fazem parte de um
determinado espaço/tempo de trabalho. No caso de Weliton, consideramos, ainda, que o
jovem tinha uma capacidade de se adaptar ao contexto que estava inserido. Mesmo não
instruído a se vestir de determinada maneira, o jovem passou a usar certos tipos de roupas e
determinado estilo de cabelo. Essa experiência no trabalho ratificava as colocações acerca da
importância da aparência no setor de serviço, bem como contribuía para refletir que diferentes
relações sociais interseccionam o mundo do trabalho, como cita Soares (2011):

quando as trabalhadoras e os trabalhadores encontramos clientes, no setor de


serviços, esse “encontro” adiciona novas dimensões nos mundos do trabalho.
Esse encontro se torna um ponto de interseção de diferentes relações sociais:
de sexo/gênero, de raça, de etnia, de classe e de idade, adicionando outras
dimensões importantes e particulares no trabalho do setor de serviços
(SOARES, 2011, p. 96).

As colocações do autor reforçam a ideia do trabalho como uma relação social, sendo,
portanto, perpassado por outras relações (KERGOAT, 1987). Posto isso, tanto a maneira de
atender quando de ser atendido é perpassada pelas condições de raça, gênero, classe e
314

orientação sexual. Não obstante, mesmo seguindo os padrões, o jovem mencionou que sofria
preconceitos na empresa:

O meu chefe da contabilidade falou assim: “Weliton, eu preciso que você vá


para uma reunião e que você seja o mais formal possível, não fique assim
[gesto dobrando o pulso]”. Falei assim: “só porque eu sou gay não é que eu
não sou formal. Eu sei conversar normal”. Tem gente que acha que só
porque você é “assim ou assado” você não vai saber lidar nas situações.
Acho que eles não veem um administrador gay, talvez, por isso, não me
contrataram.

O depoimento corrobora o quanto as relações, neste caso, a relação de gênero,


perpassam as relações de trabalho. Retoma a discussão da heteronormatividade como padrão,
inclusive do perfil do/a trabalhador/a. Tal visão é também sustentada por uma concepção de
trabalho pautada no trabalho industrial, sobretudo masculino, marcado pela ausência das
relações de idade, gênero, raça (SOARES, 2011). O jovem suscitava um questionamento
acerca dos estereótipos dos profissionais, ou seja, quais perfis são para quais cargos,
refletindo que a sua não contratação poderia estar relacionada à sua orientação sexual. A
ponderação do jovem dialogava com as colocações de Selma Venco (2006) que afirma que
mulheres, homossexuais e transexuais são o segmento da população que sofre discriminação,
especialmente nos espaços de serviços, ou seja, “pessoas que não correspondem ao ideário
estético predominante na sociedade de consumo” (idem, p. 68).
Após ficar dois meses no local de trabalho, o jovem buscava outras inserções, mas não
conseguia. Afirmou que não poderia sair, pois precisava do salário para continuar o curso
técnico. Decorridos três meses, o jovem optou por sair, pois não queriam assinar a carteira de
trabalho e isso era essencial para ele, pois

o trabalhador, ele não é reconhecido como trabalhador, se ele não tiver a


carteira assinada. Para o governo, tem que ter carteira assinada, para
poder me resguardar de qualquer coisa, um acidente ou ter o seguro
[desemprego], qualquer coisa que seja do governo. Então, eu acho que o
padrão hoje do governo é carteira assinada e, para mim, se a pessoa não
assina sua carteira, é trabalho escravo. Ela pode te tratar de qualquer
forma, porque você não tem contrato. A carteira fala do que você está
trabalhando, não pode “fugir daquilo”. Se você não tem carteira assinada,
você não é ninguém. Você é trabalhador de verdade se você tem carteira
assinada, né? Quando vai procurar outro emprego, eles querem ver na sua
carteira o que já fez, não adianta contar.

Num contexto de transformações das relações de trabalho e cada vez menor proteção
do trabalho e do/a trabalhador/a, como discutimos, a precariedade do trabalho juvenil é ainda
mais intensa e o jovem Weliton explicitava a importância da carteira de trabalho. Ele
apontava três aspectos: primeiro, a relação com o Estado, ou seja, somente com a carteira se
315

tem os direitos de trabalhador/a resguardados, tais como, recebimento dos salários, condições
de trabalho mínimas, proteção caso sofra algum tipo de acidente, seguro-desemprego
(CORROCHANO, 2008); segundo, a relação com o/a empregador/a, já que, na visão do
jovem, a carteira garante que o/a trabalhador/a desenvolva as funções de acordo com a
contratação, não se submetendo, assim, a condições precárias; e, a terceira é a carteira como
memória, como meio de registro e comprovante das experiências realizadas, já que “contar
não adianta”. A carteira atua como mecanismo de segurança e comprovação.
Apontamos que o registro da carteira parecia se constituir como um suporte para o
jovem, tendo em vista que o registro possibilitava acesso ao direito, tal como o
reconhecimento do outro, pois o jovem citava que: “você não é trabalhador de verdade sem
carteira” e, especialmente, se “você não tem carteira assinada, você não é ninguém”. A
importância dada à carteira por ele nos remete ao conceito de “cidadania regulada”,
construído por Wanderley Santos (1979):

por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes


encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de
estratificação ocupacional, e que ademais, tal sistema de estratificação
ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos
todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em
qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei (SANTOS,
1979, p. 75).

Isso significa que o reconhecimento da cidadania dependia do reconhecimento formal


por parte do Estado da profissão exercida pelo indivíduo. Embora relacionada a outro
contexto histórico, tendemos a considerar que Weliton também vinculava “o trabalho de
verdade” e a possibilidade “de ser alguém” à chancela do Estado e, tão logo, das pessoas
com as quais ele convivia. A importância que o jovem via na carteira de trabalho não poderia
ser entendida como uma visão individual, pois existia uma construção social sobre quem
seria, de fato, trabalhador/a e uma representação social acerca da carteira de trabalho, como
símbolo do trabalho digno, o que acentuava a ideia de cidadania regulada. Assim, como
explicitava Feltran (2010) em discussão sobre a periferia e direitos, ser trabalhador/a evita ser
pensado/a como vagabundo/ae/ou bandido/a, e a partir da carteira – os direitos – que se
garante a dignidade individual.
A saída do local de trabalho devido à falta de registro na carteira representava a
percepção por parte do jovem da injustiça que estaria passando, o que é o mote da luta por
reconhecimento (HONNETH, 2003), neste caso, a busca por um trabalho com registro. A luta
por reconhecimento por parte do jovem Weliton se perfazia neste sentido na esfera jurídico-
316

moral, ou seja, na dimensão dos direitos. O desrespeito acontecia a partir da privação do


direito ao registro na carteira, considerado fundamental para o jovem, pois a carteira assinada
simbolizava que “se é alguém” com direitos, o que contribui para a “integridade social”
(HONNETH, 2003; SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008). Gisela Tartuce (2007) e Corrochano
(2008) também apontam a falta de reconhecimento e legitimidade do/a trabalhador/a quando
não se tem o registro da experiência na carteira de trabalho. Os/As jovens interlocutores/as de
Tartuce (2007), apesar de terem experiências anteriores de trabalho, não eram reconhecidos/as
e contratados/as pelos/as empregadores/as, devido à ausência de registro em carteira.
Após a saída do escritório de contabilidade, o jovem se inseriu em uma empresa de
telemarketing150.

Nem fiquei sem trabalho. Já entrei logo assim “de cara”, porque a minha
prima trabalhava no RH. Falei assim: “eu não quero ficar parado”. Aí ela:
“você sabe o que é telemarketing. Você quer?” Respondi: “querer, querer,
não. Sei que é “ralação”... Não dá para respirar, ne? Mas, vai ser difícil
arrumar outro lugar. Quero porque eu preciso estudar e tem que ser uma
coisa que vai conciliar”. Então, eu já saí de um para o outro, foi questão de
semana. Aí, eu queria trabalhar de segunda a sexta, só que não tinha esse,
aí, ela falou: “Weliton, tem um de segunda a sábado, não trabalhar feriados
e nem aos domingos e você pode ganhar uma comissão, pode tirar um por
fora”. Aí, eu falei: “Não. Beleza”. Porque eu não estava podendo escolher.

No diálogo contido no depoimento, a prima questionou o jovem sobre o conhecimento


acerca do trabalho de telemarketing sugerindo que se tratava de um espaço “peculiar” de
trabalho. A resposta do jovem demonstrava o quanto telemarketing não era um desejo e sim
uma necessidade, pois ao citar que “não dava para respirar”, Weliton parecia ter ciência que
se tratava de um processo de trabalho intenso, ratificando o lugar do telemarketing como “una
clara expresión de las formas contemporáneas de explotación de la fuerza de trabajo” (BONO;
LEITE, 2016, p. 27). Antunes e Ruy Braga (2009) afirmam ainda que

em termos práticos, é da confluência entre a terceirização e a precarização do


trabalho com um novo ciclo de negócios associado às tecnologias
informacionais e à mercadorização dos serviços sob o comando da
mundialização financeira que nascem os teleoperadores brasileiros
(ANTUNES; BRAGA, 2009, p.10).

A contribuição dos autores expõe o lugar do telemarketing dentro da lógica de

150
Os call center, conhecidos como Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), na escala global, têm uma
ampla capacidade de criação de emprego no setor de serviços (BONO; LEITE, 2016). Adriana Vieira (2005)
afirma que as centrais de teleatendimento foram criadas com a finalidade de executar a atividade
telemarketingdas empresas, sendo caracterizada por toda e qualquer atividade desenvolvida através do
sistema de telemática; que compreende telecomunicações e informática; e, múltiplas mídias, objetivando
ações padronizadas e contínuas de marketing (p. 14).
317

precariedade do trabalho e do/a trabalhador/a. O trabalho no setor tende a ser expressão


concreta da lógica “desumana e desumanizadora” do capital (István MÉSZÁROS, 2002).
Embora os/as trabalhadores/as tendam a trabalhar em tempo parcial, como é o caso de
Weliton que trabalhava seis horas por dia, de segunda a sábado, o trabalho caracteriza-se
“pela exploração intensiva da força de trabalho à disposição do capital, por meio de relações
de trabalho ‘flexíveis’, marcadas pela alta rotatividade, instabilidade no emprego, baixos
salários e precárias condições de trabalho” (Mônica CAVAIGNAC, 2011, p. 55). O trabalho
no setor de telemarketing possibilita afirmar que, embora a carteira possa ser vista como
possibilidade de trabalho decente, nem sempre o registro garante o exercício de um trabalho
de qualidade, como expressa Corrochano (2008). Assim, parece que a expectativa de Weliton
de ter acesso a direitos via carteira assinada não diz respeito a possibilidade de um trabalho
decente como pressupõe a ANTDJ.
Pochman (2007) aponta a tendência de jovens brasileiros/as, especialmente jovens
pobres, ingressarem mais cedo no mercado de trabalho, devido, entre outros fatores, à
necessidade de elevação de sua escolaridade, realidade comum a vários/as dos/as jovens
pesquisados/as. Sendo assim, ante à ausência de condições da família para manter os/as
jovens como estudantes e também à insuficiência de políticas por parte do Estado, eles/as
buscam financiar seus próprios estudos, combinando-os com a experiência de trabalho. O
telemarketing é um espaço de trabalho muito requerido pelos/as jovens tanto devido à
contratação de pessoas mesmo sem experiência quanto pela aparente possibilidade de
conciliação estudos/trabalhos, em razão da carga horária reduzida (CORROCHANO; Érica
NASCIMENTO, 2007). Além disso, como aponta Márcio Benevides (2010), no telemarketing
cabem todos os corpos que são comumente excluídos (jovens, homossexuais, negros/as,
mulheres, gordos/as), pois são “invisíveis” aos/às clientes. Seguindo essa tendência, Weliton
se inseriu no telemarketing tanto para não ficar desempregado quanto para conciliar os
horários de trabalho e estudos, bem como poder pagar o curso de técnico em Enfermagem que
estava fazendo, o que ratifica que o perfil dos/as trabalhadores/as do call center é constituído
por jovens estudantes (Daniel MOCELIN; Luís SILVA, 2008; BRAGA; Marco SANTANA,
2015).
Diante do exposto, consideramos que duas questões merecem destaque: a contratação
de jovens e a possibilidade de conciliação estudos e trabalho. Quanto à primeira, tendo em
vista a dinâmica do mercado de trabalho, especialmente do processo de terceirização, a
contratação de jovens é mais uma estratégia de manutenção e aumento da exploração e dos
lucros. Logo, não se trata de dar oportunidades a jovens, em sua maioria, sem experiência
318

prévia, mas, sim, de optar por um/a trabalhador/a que possa “produzir muito mais em menos
tempo”, por ter mais energia física e esquemas mentais mais flexíveis para enfrentar as
exigências do local de trabalho, estar disposto/a a correr riscos e, ainda, receber salário baixo.
Assim, a alta contratação de jovens para o telemarketing se refere à maior capacidade em
“assimilar o treinamento básico necessário [que, em sua maioria, acontece em um curto
período] [...] e, principalmente, no caso daqueles oriundos de famílias de baixa renda, de
suportar as pressões para o cumprimento de metas de atendimento” (CORROCHANO;
NASCIMENTO, 2007, p. 17). Ou seja, é necessário trabalhadores/as capazes de se adequar às
exigências e, como Sennet (2008) já apontava, para o mercado, “flexibilidade equivale à
juventude; rigidez, a idade” (idem, p. 110).
A segunda questão diz respeito à possibilidade de conciliação trabalho e estudos,
como veremos na discussão sobre a vivência do jovem no curso técnico. Mas, cabe salientar
que, embora não seja o caso do jovem Weliton, muitos jovens trabalhadores/as do
telemarketing tendem a trabalhar em dois turnos, ou trabalham em outro local também. O
trabalho em dois turnos e nos fins de semana é fomentado pela própria empresa que busca não
parar de lucrar e atender o “fetiche dos serviços 24 horas” (GIDDENS, 1991), o que, por sua
vez, tem repercussão na saúde dos/as trabalhadores/as151 e na limitação da vivência da
juventude. Tanto o trabalho em outro turno quanto em outro local é uma tentativa de cobrir a
lacuna dos baixos salários desse setor.
Mesmo com todas as nuances expostas, Weliton já estava como atendente há três
anos152, embora tenha afirmado que não pensava que conseguiria ficar por tanto tempo, como
relatou:

Imagina uma pessoa que não tem paciência e vai trabalhar com
telemarketing. Daí você já entende que está no lugar errado. No início, eu
passava tanta raiva que eu chorava todos os dias. Lá é um rio de lágrimas,
você não imagina. As meninas e a gente é choro o tempo todo. Agora eu
choro, mas é menos. É cobrança demais, cobrança de meta, do tempo que
você levanta, tempo de comer, cada segundo é controlado. Você é cem por

151
Corrochano e Nascimento (2007) citam que “o uso excessivo do computador e do telefone e o cumprimento
de dupla jornada ou de horas extras para complementar a renda, são as responsáveis pela grande incidência
de doenças psicossomáticas (estresse, depressão e síndrome do pânico) e outras relacionadas ao esforço
repetitivo (inflamações nos tendões, dores no pescoço e na coluna etc.), desencadeando uma alta rotatividade
de mão-de-obra no setor” (p. 18).
152
O tempo que Weliton está no telemarketing chama a atenção para as ponderações de Daniel Mocelin e Silva
(2008) ao analisarem o contexto de call center em Porto Alegre: enfatizam que os vínculos dos/as
operadores/as podem não são se caracterizar por contratos determinados ou temporários, ou seja, o caráter
temporal do telemarketing pode ter relação com os desligamentos por iniciativa dos/as trabalhadores/as ou
demissões. A partir da cena do Weliton, não podemos generalizar, mas consideramos importante enfatizar,
pois o jovem está há um tempo considerável no setor.
319

cento vigiado, mas eu vou dando “meus jeitos” [...].

O depoimento retratava o trabalho no telemarketing como um espaço penoso, repleto


de constrangimentos e assédio moral. Chorar todos os dias no espaço de trabalho e considerar
o espaço como “um rio de lágrimas” realçava as condições desumanas que fazem parte das
experiências dos/as trabalhadores/as, o que, por sua vez, retrata o processo de flexibilização
do trabalho. Venco (2006, p. 218), em suas análises, também encontrou expressões tais como
“corredor de choro” ou “banheiro é lugar de choro no telemarketing”, o que ratifica que não
era uma especificidade do jovem Weliton, mas das relações de trabalho encontradas nesse
espaço.
Outra questão importante que o depoimento evidenciava era a necessidade do
“trabalho emocional153” para exercer a função de operador de telemarketing. Embora o setor
seja considerado desqualificado ao/à operador/a, são exigidas determinadas qualificações154
que não são reconhecidas nem valorizadas do ponto de vista econômico. A capacidade de
desenvolver uma gestão dos sentimentos, como Weliton apontou acerca da paciência, é uma
qualificação necessária para esse trabalho. Diante das cobranças, estresse, rotinização dos
processos, cabia ao jovem o controle das emoções, o que nem sempre era possível, pois o
choro advinha da não gestão das emoções. É importante frisar que a contratação de
homossexuais para o telemarketing tem relação direta com as competências requeridas para
esse trabalho que, em sua maioria, são associadas ao gênero feminino, como sem fossem
“características naturais”, tais como a paciência e aflexibilidade para lidar com clientes, bem
como a docilidade no tom de voz (CORROCHANO; NASCIMENTO, 2007).
Outra qualificação requerida e invisível, como aponta Soares (1998), refere-se à
capacidade do/a operador/a lidar, ao mesmo tempo, com o software de trabalho, demanda
dos/as clientes e controle das falas da coordenação. Citamos, ainda, a capacidade dos/as
operadores/as terem que expressar ao telefone um sentimento de paciência, satisfação e
tranquilidade, mesmo que na realidade estejam com outros sentimentos, ou seja, o trabalho
emocional permite adequar os sentimentos à situação de trabalho. O depoimento ainda

153
Angelo Soares (2011, 2012) afirma que a dimensão emocional está muito presente no setor dos serviços,
mas é raramente considerada. Segundo o autor, as “emoções são corporalizadas, isto é, desencadeiam e se
traduzem em manifestações corporais” (SOARES, 2012, p. 48). Desta maneira, o trabalho exige
frequentemente uma gestão da expressão das emoções, ou seja, o trabalho emocional. “O trabalho emocional
pode ser definido como gestão dos sentimentos a fim de criar uma aparência facial e/ou corporal que é
observada publicamente” (SOARES, 2011, p. 96).
154
Qualificação entendida aqui como “todo o saber (in)consciente que um indivíduo possui para desempenhar
seu trabalho. Este saber é acumulado durante toda a vida, não somente através da educação formal, da
formação profissional, treinamentos, mas também através do processo de socialização vivido pelo indivíduo
(SOARES, 1998, p. 128).
320

suscitava pensar que as mulheres e os homossexuais poderiam chorar e os homens não, o que,
por sua vez, asseverava uma divisão sexual do trabalho emocional. A partir desta questão,
ressaltamos que o trabalho emocional da mulher tende a não ser considerado como
qualificação, por isso, não remunerado, pois, por vezes, a educação e a paciência, por
exemplo, são consideradas de “natureza feminina” (SOARES, 1998).
Outra questão trazida pelo jovem se refere ao controle do tempo e dos corpos dos/as
trabalhadores/as, o que é uma marca forte do trabalho no telemarketing (VENCO, 2006;
BONO; LEITE, 2016). Concordamos com Venco (2006) quando afirma que o software tem
um papel importante na sofisticação do processo de trabalho com bases tayloristas155, pois
informa com detalhes tudo que o/a operador/a faz, dita o ritmo de trabalho, pois as ligações
(no caso de ativo, como o jovem Weliton) são realizadas de maneira automática ao termino da
anterior e até o tempo de saída do Posto de Atendimento (PA) é calculado156. Cabe lembrar
que o tempo no telemarketing não é pautado no tempo que precisam para repassar as
informações e/ou demandas dos/as clientes, mas, sim, determinado na possibilidade de se
executar um número cada vez maior de ligações, o que aumenta os lucros, intensifica o
trabalho e reduz o tempo livre do/a trabalhador/a.
E, ressaltamos, ainda, a dimensão das metas que se refere ao número de ligações, bem
como de negociação aceita para o pagamento da dívida, no caso do jovem Weliton. As metas
são mais uma forma de pressão, pois não alcançar o estipulado tem como consequência
intimidação constante e até mesmo demissão, o que mais uma vez remete à lógica da
flexibilização. O assédio moral quanto ao cumprimento das metas é muito intenso,
especialmente com jovens por terem menor experiência no mercado (CORROCHANO;
NASCIMENTO, 2007). Como cita Cavaignac (2011):

Para as empresas, o que importa é que esses “invisíveis” [jovens, mulheres,


homossexuais, obesos, negros] sejam comprometidos com as metas por elas
estabelecidas, aceitando as condições de trabalho impostas, sem questioná-
las, tendo em vista seu temor de enfrentar o competitivo mercado dos

155
Concordamos com Venco (2006, p. 155) que “há certas constâncias tayloristas na organização do trabalho
em telemarketing – o fracionamento das tarefas, o controle do tempo e dos movimentos [...]”. Vieira (2005)
também afirma que o símbolo contemporâneo da extensão do taylorismo são as centrais de atendimento.
156
Lembro de uma experiência, dentre as várias que vivenciei, como jovem trabalhadora do telemarketing. Eu
tinha 3 minutos para ir ao banheiro. Registrava minha saída no sistema e o tempo começa a ser contato. O
que éramos obrigados/as a fazer. Trabalhava em uma baia localizada ao fundo da empresa e, assim, mais
longe do banheiro. Saia correndo para não ultrapassar o tempo. Um dia, fui ao banheiro correndo e estava
ocupado. Esperei para utilizar. Quando retornei ao posto de trabalho, me deparei com um “morcego”
batendo asas na tela no computador com os dizeres “morcegando”. Foi um enorme constrangimento, as
pessoas rindo e eu saí chorando. Para sair da situação, era necessário chamar o/a supervisor/a que colocaria a
senha de desbloqueio. A partir daí, bebia menos água para não ir ao banheiro.
321

“visíveis”, onde suas características, certamente, irão fazer diferença


(CAVAIGNAC, 2011, p. 65).

Neste cenário, inicialmente o jovem Weliton estaria mesmo no “local errado”, pois
como afirmou, não sabia lidar com pressão, tampouco silenciar-se diante das imposições que
eram colocadas a ele, como vimos o ocorrido com a chefia da UFMG. Contudo, com o passar
do tempo, segundo ele, começou a gostar da experiência do trabalho:

Hoje eu gosto muito, muito de trabalhar lá. Primeiro que meu estresse, eu
acho que eu soube controlar lá. Hoje eu respiro, pego e coloco no mute
[modo em que o cliente não ouve o atendente], espero o cliente terminar de
xingar, aí, eu acalmo. Ele pergunta: “você tá na linha?” Respondo: “eu
estou na linha, pode falar que estou escutando”. Então, por mais que seja
telemarketing, eu aprendi a ignorar a fala do cliente e ter paciência. Mas, a
parte de ser todo o dia a mesma coisa é desgastante e correria demais. Mas,
vendas seria pior, que é um “saco”, eu também falei que eu não queria,
porque não estou preparado para mentir. Não quero ser mentiroso, devido
ao trabalho. Então, minha prima me colocou na cobrança. Mas eu aprendi,
pois antes era “na lata” ‒ me estressou, “levou”.

A experiência de trabalho na empresa de telemarketing era citada pelo jovem como


um espaço de aprendizado, especialmente, do trabalho emocional quanto ao autocontrole.
Todavia, era um aprendizado, devido às condições, extenuante, pois era um espaço que gerava
desgaste, embora o jovem relativizasse o desgaste quando comparado à área de vendas.
Importante citar que o jovem trabalhava como ativo, ou seja, realizava ligações na área de
cobrança. Tendemos a considerar que Weliton, assim como muitos/as trabalhadores/as
juvenis, se submetia à precariedade no trabalho, por não ter oportunidade de escolha
(BENEVIDES, 2010; BRAGA; SANTANA, 2015) ao mesmo tempo em que “buscavam um
lugar ao sol”, como os/as jovens trabalhadores/as de restaurantes fast food que participaram
da pesquisa de Silva Arend e Antero Reis (2009). Logo, suportava a rotina desgastante e
corrida, pois como afirmava Venco (2006, p. 227), no telemarketing “[...] não há ‘dias de
pico’ para a velocidade – ela é uma constante, todos os dias são exatamente iguais e ao
mesmo tempo diferentes, pois os interlocutores são sempre os mesmos”. Não obstante, parece
que a possibilidade de escolher em qual área do telemarketing atuar, a partir da indicação da
prima, tendia a favorecer o gosto pelo trabalho, mesmo nas condições citadas. É importante
citar que Weliton tinha um perfil muito comunicativo, o que favorecia uma identificação com
o trabalho desenvolvido.

Eu sempre fui muito dinâmico. Se eu tenho a oportunidade de aprender, eu


quero aprender tudo, mesmo que não seja do meu cargo. Mesmo com um
ano de empresa, [se] eu achava que o procedimento estava errado, eu ia lá
na gerência. Todo mundo falava assim: “você é louco?” Tenho que
conhecer o gerente, aprendi isso lá no meu curso de Administração [risos].
322

Eu me destaquei. Então, tipo assim, lá eu sempre busquei conhecimento e


aprender muito. E hoje eu sei muita coisa. Eu preciso ser o diferente. Aí,
enquanto está todo mundo reclamando, eu sei que não vai adiantar e é o que
temos para hoje, então, eu vou tentar “arrasar” e vou mostrar que sou
capaz.

Assim como na UFMG, o jovem assumiu uma postura protagonista com relação ao
trabalho. A busca por aprendizados que ultrapassam sua função já fazia parte do perfil do
jovem. A postura do Weliton se relacionava também com a falta de auxílio para entender os
processos no trabalho. Ele explicitou que havia um treinamento inicial, mas que era somente
teoria, e “quando você começa a trabalhar que as dúvidas aparecem”. Assim, era necessário
esperar a boa vontade e a paciência do/a colega de trabalho para tirar suas dúvidas, ou
“aprender ‘quebrando a cara’”, como afirmou. Nesse quadro, Weliton assumiu a postura do
trabalhador ideal, pois fazia sua função e a todo momento procurava participar de todas as
outras atividades da empresa. O jovem desenvolvia estratégias para lidar com as condições
intensas de trabalho e, ao mesmo tempo, ser reconhecido naquele espaço. O jovem construiu
um percurso de individuação próprio na forma como lidava com o trabalho que se
configurava como um desafio constante que “o forja a partir do encaixe aos encargos
esperados em sua função” (REIS, 2014, p. 127). Há três anos no telemarketing, o jovem “se
virava” para bater as metas, como afirmou, e passou a ser reconhecido por suas chefias.
A partir do exposto, consideramos que a postura do jovem retratava novamente uma
busca por reconhecimento, neste caso, ligado à estima social, o que era alcançado. Mesmo em
condições degradantes, o jovem lutava para mostrar suas capacidades e “o bom desempenho
serve como afirmação individual” (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012, p. 48). É importante
dizer que, depois da experiência de trabalho na UFMG, a postura do jovem já era mais
autoconfiante. Tendemos a considerar que o reconhecimento intersubjetivo que teve na
relação com sua chefia (UFMG) contribuiu significativamente para a construção e o reforço
da sua autoconfiança. Ademais, a relação de desrespeito quanto à esfera do direito também
deu elementos para que o jovem questionasse a realidade. Ao mesmo tempo, apontamos que o
reconhecimento na esfera da solidariedade possibilitou ao jovem autoconhecimento das suas
potencialidades e se “ver reconhecido nelas, se aceitando e se tornando, através delas, um
sujeito singular, único” (DAYRELL, 2014, p. 25).
Todavia, cabe ressaltar que, mesmo sendo reconhecido no espaço de trabalho, o jovem
deixou explícito que não pretendia ficar na empresa por muito mais tempo. O trabalho era
visto de maneira positiva, mas não tinha sentido em si, e, sim, como possibilidade de estudar,
assim como para a maioria dos/as jovens entrevistados/as. A relação com o trabalho corrobora
323

as colocações de Mocelin e Silva (2008) ao afirmarem que as atividades no telemarketing


configuram-se como “empregos-trampolim sendo descartados quando se encontra algo
melhor” (p. 368), ou passageiro, se constituindo apenas como uma possibilidade viável para
retomar os estudos e não ficar sem trabalho. Consideramos, ainda, que enxergar o trabalho
como algo passageiro se relacionava ao momento da vida do jovem. Ele buscava se construir
a partir de uma profissão que não dialogava com o trabalho que desenvolvia naquele
momento e se via trabalhando, futuramente, na área que estudava (saúde), ou seja, o trabalho
atual se distanciava dos seus projetos de vida. Tendemos a ponderar que a expectativa do
jovem podia estar atuando como suporte para o jovem na construção de seus projetos de vida.

5.4 Curso técnico: símbolo de sucesso e aproximação com o ensino superior

A continuidade de estudos não era algo que Weliton “tinha traçado” enquanto projeto
de vida, embora ele já tivesse o sonho de se tornar médico. O jovem afirmava que sua
trajetória no final do ensino fundamental foi difícil e que estava desistindo de continuar
estudando, pois

não conseguia aprender nada. Pense em um cara “burro”. Eu era “burro


de matar com o pau”. Um cara “burro” e que não estudava, que não
escrevia nada, que só tinha caderno incompleto, que odiava aula. Eu só não
“matava aula”, porque a escola era na rua da minha casa e a minha mãe
falava assim: “você não quer, você não vai, mas ‘matar aula’, não”. Mas,
na verdade, ela me obrigava a ir. Eu não fazia nada, eu era um péssimo
aluno.

No depoimento do jovem, ficava patente a naturalização do fracasso associada


especialmente ao não cumprimento do “ofício de aluno” (ARROYO, 2000). Salientamos
novamente a repercussão da falta de reconhecimento na esfera emotiva como fator-chave para
a ausência de confiança em si mesmo, juntamente com o sentimento de inferioridade. Ir à
escola era considerado por ele uma obrigação a se cumprir, marcada especialmente pelo
controle da mãe. Porém, no final do ano, “corria atrás, pois, se ‘tomasse bomba’, demoraria
mais para sair da escola”.
Weliton mencionou que não gostava da escola, porque não aprendia nada, mas
também porque sofreu racismo “com a professora de Português, que não queria me dar aula,
porque eu era preto. Isso deu até polícia na escola. Eu já não tinha vontade de estudar e
ainda me acontece isso”. Na escola, o olhar sobre o negro pode valorizar a identidade, mas,
no caso de Weliton, atua como estigmatizante (GOMES, 2002). Podemos ver nesse fato a
324

denegação do reconhecimento na esfera do direito, o que implicava em uma perda do


autorrespeito, levando Weliton a querer abandonar a escola.
O jovem terminou o ensino fundamental e foi para uma escola de ensino médio no
bairro em que morava. Começou o ano e, segundo ele, continuava na postura de não fazer
nada, não copiar nada, e somente “zoava”, como disse. Cabe ressaltar a importância da escola
como espaço de socialização e sociabilidade, sendo a “zoação”157 uma forma própria de
sociabilidade. Como citam Paulo Nogueira e Sara Villas (2014, p. 24), “zoar seria, então, uma
forma específica de estar nos espaços escolares em que os alunos dão vazão a seus
interesses”. Alexandre Pereira (2010) menciona que “zoação” pode ser lida como uma forma
de rompimento com a normalidade e regularidades, que podem desestabilizar a dinâmica
escolar. Embora tais práticas sejam entendidas pela escola como indisciplina, buscam
questionar a escola somente como um espaço de “se sentar e aprender com o professor”
(Carlos BRANDÃO, 1986). Ou seja, se a “zoação” é possibilidade de interação, ela representa
também uma crítica ao ensino médio, bem como demonstra a desqualificação do ensino para
os/as jovens.
Diante da sua postura na escola, Weliton informou que, decorridos três meses, um dos
seus professores foi até a sua casa e disse à sua mãe que iria ‘dar bomba’ no jovem, pois ele
não queria estudar. Segundo Weliton, o professor falou: “Eu vou ‘dar bomba nele’, porque o
Weliton só conversa, não estuda, não faz nada na aula e, se perguntar alguma coisa para ele,
ele não sabe. Ele não vai ser capaz de ir para o [ensino] médio assim”. Weliton citou que não
aceitou a ida do professor na sua casa, pois considerou uma “vergonha” e resolveu que não
iria “tomar bomba”, pois “não aguentava mais” ficar na escola e ia mostrar que era capaz.
“Na escola eu não demonstrava interesse nenhum, chegava em casa, eu quase engolia o livro
que era para arrasar na prova”. O jovem começou a estudar todos os dias para provar para o
professor que não “tomaria bomba”. Segundo ele, passou a se empenhar para tirar boas notas
e afirmou que conseguiu ter o melhor rendimento durante seu processo de escolarização.
Podemos problematizar este contexto sob o olhar da Teoria do Reconhecimento. A
postura do professor foi citada como “vergonhosa” por Weliton que, por sua vez, em resposta
singular à atitude do docente, buscou mostrar o contrário. Reforçamos aqui a defesa que

157
Para Paulo Nogueira, “a zoação serve para “quebrar o clima” da sala de aula. Dar um outro sentido ao que se
passa no interior da escola, acrescentando-lhe novas dinâmicas, investindo em atuações não prescritas aos
papéis de aluno que não são, entretanto, de todo descartados. O que se engendra na sala de aula é uma
alternância significativa entre velhas e novas inserções que, além de não eliminar as já consagradas pela
dinâmica escolar, traz para essa uma tensão, pois “zoar” é por o clima da sala de aula em questão. É
modalizar o enquadre primário atribuindo-lhe outros sentidos aos modos de estar em sala e torná-la
significativa para os alunos e as alunas” (NOGUEIRA, 2006, p. 110).
325

Honneth faz aos sentimentos como chave de ação para a luta porreconhecimento. Assim, “se,
por um lado, o rebaixamento e a humilhação ameaçam identidades, por outro, eles estão na
própria base da constituição de lutas por reconhecimento” (ARAÚJO NETO, 2013, p. 57). O
próprio jovem salientou o quanto a ação do professor funcionou como um “cutucão”, ou seja,
um estímulo para retomar sua confiança e querer provar suas capacidades.
Em paralelo ao ensino médio e ao trabalho, o jovem iniciou o curso técnico em
Administração.

Fiz o curso técnico de Administração por fazer. Não vou falar que eu fiz
porque eu quis, fiz por inveja da minha irmã. A minha irmã formou neste
curso. Eu não tinha nenhum curso e ter algum curso é bom para o currículo.
Fui até o final, mesmo não gostando, mesmo sabendo que aquela não seria a
minha área, eu formei.

Sabemos que a construção de um projeto de vida não é um processo linear e


totalmente racional, pois o campo de possibilidades, especialmente nas camadas populares,
tende a “ditar a regra das escolhas”. Podemos dizer que o curso técnico realizado não foi
pautado em um projeto de escolarização, apontando para o desafio que significa para os/as
jovens a escolha dos percursos escolares.
Durante a realização deste curso, o jovem teve “várias pedras no caminho, eu paguei
meu curso todo. Teve momento que eu falei: ‘gente eu não vou conseguir pagar, vou deixar
de pagar tal coisa, ou não vou ajudar em casa para poder pagar o curso’. Eu pensei em
trancar”. O discurso socialmente construído de que cursos técnicos são importantes para o
currículo, base da teoria do capital humano, também fazia parte do imaginário do jovem
(NEVES, 2006; ALVES, 2007). Todavia, o diferencial do jovem é a conclusão do curso,
inclusive, com a realização do estágio, o que não aconteceu com Sérgio, por exemplo.
Articulado ao interesse de ter um curso técnico, Weliton mencionou que na sua

escola não teve aquela formatura de beca. Eu sempre achei lindo. Eu acho,
assim, que uma formatura significa sucesso. Você venceu naquilo que você
tanto lutou. Você está sendo prestigiado por uma coisa que você se esforçou
e eu não tive isso no meu ensino médio. No meu ensino médio que eu resolvi
engrenar, me dediquei, que eu realmente resolvi ser um bom estudante, não
tive formatura para mostrar que eu venci na vida. Quando eu era ruim na
escola, minha mãe falava. Eu fiz porque eu queria mostrar, pelo menos para
mim mesmo, que eu tinha a capacidade de passar por tudo e, no final,
vencer, de estar ali, sim, e ser prestigiado pelas pessoas.

A dimensão do reconhecimento intersubjetivo reapareceu. O jovem demandava o


tempo todo ser reconhecido, mas especialmente por pessoas que considerava significativas.
Como salienta Marín (2010, p. 145), “a construcción de la identidad de la persona se efectúa
326

mediante la proyección de la opinión que otros tienen sobre el sí mismo del sujeto, en la
medida en que le son significativamente importantes, a la hora de construir y reafirmar su
identidad”. Ele desejava participar de uma cerimônia de formatura como um rito de passagem
e expressão de “sucesso” e o curso técnico aparecia como tempo/espaço propício para esse
fim. Interessante apontar que Weliton queria também ser reconhecido pelo seu empenho no
ensino médio, pelo fato de ter “resolvido ser bom aluno”, pois ressaltou que quando era
“ruim” isso tinha visibilidade. O uso da beca se referia, então, à busca do reconhecimento da
solidariedade (ou estima social), pois se baseava em uma realização individual que, ao ser
exposta, é reconhecida no plano das relações intersubjetivas ou sociais (ALBORNOZ, 2011).
Com a saída do escritório de contabilidade e inserção na empresa de telemarketing, o
jovem percebeu que o curso o ajudou a conseguir um trabalho, mas que não serviria “para
mais nada”, pois não queria essa área. Assim, no ano de 2016, iniciou o curso de técnico em
Enfermagem, pois “esse, sim, é um curso que eu quero fazer, mas para chegar em outra coisa
que é a Medicina”, como narrou:

Aí ano passado [2016] eu peguei e falei assim: não, quer saber? A minha
vontade mesmo é ser médico cirurgião plástico, mas eu não estou preparado
para encarar uma Medicina agora, o que que eu vou fazer?” Enfermagem,
que é uma área da saúde. Ia fazer a faculdade mesmo, mas sem chance,
porque eu também não estava com condições, resolvi a fazer o [curso]
técnico. Falei: ”vou fazer o técnico, vou formar, me estabilizar na área,
trabalhar, talvez, fazer um concurso, ficar assim, fixo, me estabilizar em
questão financeira e também na prática para eu ter certeza de que eu quero
ser um cirurgião plástico, mas a área da saúde é certeza”. Aí eu vou ficar e
depois disso eu vou começar Medicina. Vou estudar, vou estudar “igual um
cachorro”, igual um “bobo”, mas eu vou estudar e vou atrás dos meus
objetivos para lá, que é fazer a Medicina, que é ser cirurgião plástico.

A falta de preparação citada por ele se relacionava à pouca bagagem que havia do
ensino médio, especialmente para tentar acessar o curso mais concorrido nas universidades
federais. Juntamente, a ausência de condições financeiras para se manter no curso de
Enfermagem em uma Instituição de Ensino Superior. O curso técnico seria para o jovem uma
“escada”, como disse, para depois acessar a faculdade e ter certeza dos seus desejos, o que
lemos como uma estratégia. Desta maneira, o curso técnico não era um obstáculo, mas um
recurso. Diante dessa estratégia e da postura do jovem, podemos dizer que ele se
responsabilizava individualmente tanto por seus sucessos quanto pelo seu fracasso,
especialmente ao explicitar que vai estudar igual “‘um cachorro’, igual um ‘bobo’ [...] e vou
atrás dos meus objetivos”.
327

Ao contrário do curso de técnico em Administração, o jovem afirmava que “se


encontrou” no curso de técnico em Enfermagem, pois já tinha consciência de que gostaria de
atuar na área da saúde. Ele enfatizou que a partir do ensino médio teve outra relação com os
estudos que passaram ser prioritários na sua vida. Além disso, afirmou que a área da saúde era
muito complexa e que precisava estudar cotidianamente, para isso, criava estratégias de
estudos, dentre elas fazia “musiquinhas para gravar as matérias”. É possível observar como
o perfil do jovem se alterou desde o ensino fundamental. O jovem, que não se enquadrava no
tipo ideal de aluno, passou a gostar de estudar e construiu metodologias de aprendizagem.
Estudar passou a fazer sentido para Weliton tanto devido à relação com sua chefia na UFMG
quanto à possibilidade de estudar o que tinha desejo, ao contrário do ensino médio e do curso
de técnico de Administração, em que ele estudava somente para ser aprovado e/ou ser
reconhecido.
Na pesquisa realizada em 2012, o jovem havia informado que trabalhar e estudar não
prejudicava o desempenho escolar (NONATO, 2013), porém, sua interpretação atual é que
atrapalhou muito e ainda atrapalha,

porque você fica muito cansado trabalhando e estudando. Alguma coisa fica
a desejar. Aí é o trabalho, porque meu foco é o estudo. É uma sobrecarga
muito grande. E Enfermagem é bem mais complexo, então, tipo assim, ela
requer mais esforço. Sexta-feira eu não tive aula e eu tinha uma prova,
então, o que acontece, eu tive que estudar o final de semana inteiro. Estudo
nas minhas pausas [do trabalho], eu não almocei, eu não tomei café, não fiz
lanche, não fiz nada, eu fiquei por conta do estudo. Realmente a gente não
vive direito só estuda, em termos assim, por isso, optei, às vezes, de não sair,
de ficar na minha, mesmo, de me fechar para poder estudar, pois eu fico
muito cansado. Aí eu virei uma pessoa super- preguiçosa em sair, quando eu
saio eu fico perguntando: “nossa, para que eu fui sair?” Porque realmente
eu fiquei preguiçoso, prefiro descansar.

A relação trabalho e estudos para o jovem não era uma conciliação fácil. O
depoimento do jovem confirmava que o trabalho no telemarketing não garantia uma
conciliação de qualidade entre trabalho e estudos, pois não era somente o tempo de trabalho
que se deve avaliar, mas também as condições de trabalho. Na relação com os estudos, o
jovem mudou seu discurso acerca da conciliação explicitada quando optava pelo trabalho no
telemarketing. Logo, a ideia de conciliação era, na verdade, uma “ilusão”, pois a
intensificação do trabalho gerava alto estresse e problemas de saúde. Weliton deixava claro
que não era possível um equilíbrio entre ambos e sua decisão era privilegiar os estudos. O
jovem se culpava por ter se tornado uma pessoa “preguiçosa”, assim como Letícia, quando,
na realidade, era a rotina que fazia com que tivesse outros hábitos. Trabalhar e estudar
328

limitava seu lazer e saída com os/as amigos/as.

Então, sair, assim, eu saio, não como antes, porque eu saía muito, mas é
bem de vez em quando, porque eu também fico cansado, pois trabalhar e
estudar é pesado. Chega final de semana e eu quero dormir e tenho que
cuidar da minha cachorra, e me arrumar porque eu não sou obrigado a
ficar igual a um lixo. E eu trabalho sábado. Aí, quase não tenho tempo para
sair, porque o final de semana eu prefiro descansar e estudar.

No depoimento, Weliton trazia os limites da vivência de outros aspectos da condição


juvenil. Preferir estudar aos fins de semana, na verdade, não era uma opção, mas, sim, uma
condição objetiva de falta de tempo e cansaço durante a semana. Diante da necessidade de
conciliação, era preciso que o jovem se privasse de sair com os/as amigos/as, em prol dos
estudos, que era o seu foco. Assim, o tempo livre e o lazer tendiam a se transformar em tempo
de estudos, o que representava, assim como vimos com Letícia, que o tempo livre não era um
tempo liberado, mas, sim, marcado por outras temporalidades, especialmente para estudos
(ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012).
O jovem ressaltou que conseguia se “ver como jovem quando se diverte, distrai, sai
com os/as amigos/as independente da sua vida corrida. Nos outros momentos, preciso ser
adulto”. A ponderação do jovem revelava que para ele a juventude estava associada à fruição
e à diversão, sem considerar que o trabalho e os estudos também façam parte da condição
juvenil. O depoimento reforçava também uma representação do mundo adulto que impunha
determinada seriedade e responsabilidade ao jovem e o que “escapava” a isso era visto de
maneira negativa. Talvez essa visão se relacionasse às dificuldades de conciliar outros
aspectos da condição juvenil, por exemplo, a sociabilidade, com a condição de estudante e
trabalhador, pois, segundo ele,

tenho amigos que não concordam de eu deixar de sair para estudar, eles
falam assim: “você já tem o seu horário de aula para isso, para estudar,
saiu dali, você não precisa estudar mais”. Como se fosse fácil, né? Você
está ali na sala de aula e está tudo na sua cabeça. E, depois que você sai,
como é que fica? Então, tipo assim, perdi muitas amizades, na verdade, é
igual a minha mãe fala: “era colegas, né? Porque amigo nunca foi”. Mas,
eu também entendo porque “direto” eu não posso sair, pois tenho muito
trabalho do curso.

Se, por um lado, ele compreende os questionamentos dos/as amigos/as, por outro lado,
Weliton expressava a tensão entre a relação com eles/as e sua vivência como jovem estudante
e trabalhador. Para ele, os/as amigos/as seriam aqueles/as que estariam ao seu lado, mas
acreditava que a falta de compreensão da sua situação de estudante se referia ao perfil de
329

amigos/as que tinha, pois nem todos/as estudavam e, por isso, não entendiam a lógica do
tempo de quem trabalhava e estuda.
Por último, com relação às amizades, o jovem afirmou: “as minhas amizades
reduziram bastante, em vista da época que eu saí daqui [UFMG]. As amizades estavam em
alta, porque eu não estava trabalhando nem estudando, então, tudo eu podia fazer”, o que,
por sua vez, era totalmente diferente da vivência de Breno. Ou seja, atribuía à falta de tempo
para a convivência com os/as amigos/as à redução de suas amizades. A diminuição das
amizades se articula “as escolhas” que Weliton fazia, ou seja, trabalhar e estudar, assim
precisava definir as prioridades para conseguir conciliar.

5.5 Ensino superior: (re)construindo as estratégias

Segundo Weliton, anteriormente à decisão de ser médico, ele já almejava se


profissionalizar na área da saúde – desde o ensino médio. A escolha pela Medicina se
relacionava à sua biografia, pois, segundo ele, devia-se aos sofrimentos que já havia passado
em hospitais tanto acompanhando sua avó quanto em atendimentos direcionados a ele próprio.
Contudo, consideramos que para Weliton o sonho de ser médico tendia a se articular também
a uma demanda de reconhecimento. Sabemos que as escolhas e as preferências por uma
carreira são produzidas socialmente (TARTUCE, 2010) e a profissão de médico é umas das
mais reconhecidas, o que contribui ainda mais para a escolha do jovem.
A busca de Weliton para se inserir no ensino superior se iniciou no ano de 2014,
quando fez Enem pela primeira vez e passou em Enfermagem em uma faculdade na cidade de
Januária. O jovem visualizou no Sistema de Seleção Unificada – Sisu – que, com a nota que
havia conseguido, não dava acesso no curso de Medicina e fez a opção de se inserir no curso
de Enfermagem. Percebemos que o desejo dá lugar ao possível, assim, a partir do Sisu, o
jovem fazia a sua “nova escolha”, “induzida pelas condições objetivas de aprovação”
(Claudio NOGUEIRA, NONATO, 2017). Essa adequação da nota ao curso possível pode ser
interpretada também como uma chance de inserção no ensino superior, e, no caso, mais uma
estratégia de acesso via curso mais próximo. Weliton citou também que teve dificuldades de
conseguir a documentação que foi solicitada, reforçando a importância do capital
informacional (SILVA, 2003, p. 128) acerca desse processo. Não conseguir a documentação
não é somente o caso de Weliton, mas de muitos/as jovens de camadas populares que não têm
familiaridade com os documentos exigidos muito menos com o modo de consegui-los. Essa
acaba sendo também uma etapa seletiva, pois o desconhecimento e o pouco tempo para
330

entrega eliminam muitas pessoas. A mudança de cidade também demandaria um suporte que
o jovem não teria, pois não tinha ninguém para mantê-lo em outra cidade. Weliton afirmou
que estava disposto a ir e buscar meios de se virar por lá, mas sua mãe pediu para que ele não
fizesse essa escolha. Assim, como no caso de Rebeca, vemos o papel das mães, mas, no caso
de Weliton, parecia que ele podia escolher. O jovem enfatizou que “abriu mão” da faculdade
pelo amor que tinha à sua mãe, mas

arrependi muito de não ter ido. Fazer faculdade é meu sonho. Quero muito e
hoje está ainda mais difícil passar. Se eu tivesse ido, hoje eu já seria
formado em Enfermagem. Eu tenho certeza que eu ia amar minha escolha, e
que eu ia estar feliz com que eu escolhi. Mas, eu me arrependo de não ter
ido, porque estava novo. A vida é feita de oportunidades, e hoje eu vejo que
infelizmente eu perdi uma oportunidade e querendo ou não a gente precisa
crescer, e eu não posso ficar preso na asa da minha mãe para o resto da
vida. Naquela época aconteceram várias coisas, teve problema com
documentação também, mas, talvez, se eu tivesse dado meu “jeitinho”, se eu
tivesse pensado no meu futuro, eu já estaria do lado dela formado. Eu não
estaria do jeito que eu estou, fazendo curso ainda, entendeu? Então,
querendo ou não, perdi tempo de estudo.

No depoimento, o jovem refletia sobre seu campo de possibilidades, considerando que


não tomou a decisão correta. Expressou que não estava satisfeito com sua realidade de
estudos, pois poderia já ter se formado. Parecia não se incomodar com o fato de que estaria
formado no curso de Enfermagem – e não no de Medicina, que ele declarava ser seu objetivo.
Em outro momento da entrevista, Weliton declarou que estava na “dúvida se realmente eu
vou seguir a Medicina ou se vou fazer Enfermagem”, pois tinha certeza que nasceu para ser
enfermeiro. Percebemos o quanto os desejos iam sendo reconstruídos tendo como base o
campo de possibilidades. O desejo pelo curso de Medicina certamente não se alterou para
Weliton, mas a faculdade de Enfermagem era amais palpável para ele.
No ano de 2015, o jovem fez novamente o Enem, pois havia encerrado seu curso de
técnico em Administração e queria continuar estudando. Sua nota não possibilitava entrada
em nenhum curso da área de saúde, assim, optou, tendo como base o Sisu e influência dos
familiares, mudar de área, como descreveu:

Eu sempre quis a área da saúde, sempre quis a área da saúde, mas você
cansa de esperar sua vez. Aí meus familiares e especialmente minha prima
falava assim: “ah, você tem cara de Publicidade, faz Publicidade, é a sua
cara. Aí eu falei assim: “aí gente, eu vou seguir as pessoas, eu vou fazer
Publicidade”. Me inscrevi na faculdade. Fiz os negócios “tudo direitinho”,
fiz o Enem na época e tal, ganhei bolsa de 70% na UNA [Centro
Universitário UNA]. Aí, eu fui fazer Publicidade. Fiz três períodos, não era
o que eu queria. Aí, eu fui e estudei, comecei a trabalhar no telemarketing
fazendo a Publicidade, só que, aí, eu cheguei no terceiro período e falei:
“gente, o que eu estou fazendo aqui? Não estou gostando”. Aí, saí.
331

Sabemos que esta não é a decisão de grande parte dos/as jovens que se inserem em
cursos superiores desconexos dos seus desejos, pois ter “qualquer graduação” já é algo que
não faz parte da realidade da maioria e tendem a continuar nos cursos, mesmo não gostando.
Na narrativa do jovem fica claro o contexto meritocrático em que vivia, pois, a falta de
expectativas fazia com que Weliton “fosse escolhido” por um curso que não tinha relação
alguma com seus desejos. A família atuava como incentivadora, pensando no perfil dinâmico
no jovem. Mas, especialmente por estar imersa em uma realidade de falta de oportunidades,
ter um membro da família no ensino superior, independente dos desejos, já seria um
diferencial. Ao mesmo tempo, deixa explícitos os desafios que significavam a escolha de um
percurso escolar.
O jovem afirmou também que iniciou num curso que não queria, pois desejava se
“formar, ser um cara bem rico e mostrar para o meu pai que ele não me ajudou em nada,
para ele ver o tanto que eu dei a volta por cima, que eu não precisei dele para nada”. Ou
seja, uma inserção para ter o reconhecimento do pai, mas, ao mesmo tempo, demonstrava o
quanto a ausência do pai repercutia ainda na vida do jovem.
Após a saída do curso de Publicidade, o jovem optou por fazer curso preparatório para
o Enem, pois continuava o seu desejo de ingressar no curso de Medicina. Afirmou que já
estava com uma boa relação com sua mãe, já tinha conversado, já tinha “preparado a minha
mãe: eu sei que, se realmente eu passasse, ela ia dar outro ‘piti’”, mas ele já tinha certeza do
que queria e afirmou que iria para qualquer lugar, se passasse.

Resolvi fazer cursinho. Fui para ter alguma chance de passar na faculdade,
pois com o que eu tinha do ensino médio não ia rolar, né?! A experiência foi
média, para o horrível, porque eles olham a gente com indiferença, pois são
pessoas que têm condições melhores. Quando eu entrei lá, eu não sabia de
nada. Então, muitas perguntas que eu fazia, eles já sabiam, então, eles
faziam chacota, “zuavam” e isso desmotiva um pouco a gente e deixa a
gente triste. Quando o pessoal achava ruim, eu falava: “Se você não tem
dúvidas, o problema é seu, se está achando ruim, sai da sala, quando eu
terminar, você volta”. Mas, assim, até eu acostumar, até eu pegar o ritmo,
até eu entender o jeito que eles eram, eu sofri bastante. Tinha dia que eu
falava: “gente, o que eu estou fazendo aqui?” Eu sofria indiferença em
tudo, na hora do lanche, por exemplo, eu levava alguma coisa para comer,
porque eu não ia ter dinheiro para gastar todo dia, aí, eu ficava na sala, aí,
eles vinham e falavam: “não vai na lanchonete comprar nada, não? Você
não tem dinheiro?”[...] eu ficava meio, assim, meio triste... Às vezes eu ia,
gastava dinheiro que eu não tinha, só para aparecer, então, foi bem puxado.

A partir do discurso de Weliton, percebemos os perfis heterogêneos que convivem


num cursinho preparatório. O jovem buscou o cursinho para sanar uma lacuna do ensino
médio, mas era vítima de “zuação”, pois a bagagem que tinha era discrepante dos/as demais
332

alunos/as, como vimos no caso de Letícia e veremos com a jovem Dayane. Outra questão
importante era a diferença econômica, pois o jovem escolheu frequentar um dos melhores
cursinhos preparatórios, o qual tinha uma taxa de mensalidade e matrícula acima do seu
padrão de vida. Assim, só conseguiu comprar todo o seu material, quando já estava na metade
do curso, em razão de estar juntando dinheiro, por isso, ficou “muito perdido”. Em virtude da
situação econômica, o jovem não dispunha de recursos para lanches, por exemplo, o que o
distanciava ainda mais dos/as outros/as alunos/as. Porém, mesmo assim, gastava dinheiro
“para aparecer”, como disse, o que remete novamente ao desejo do jovem por
reconhecimento. O contexto citado refletia, mais uma vez, desrespeito, neste caso, revestido
da exclusão e ofensas, ou seja, o não reconhecimento na esfera do direito e da estima social.
Weliton participou do cursinho durante o ano de 2016 e, com o término do curso,
resolveu doar os materiais que havia comprado, pois queria ajudar alguém. No dia que foi
levar os materiais para doação, foi roubado na porta do cursinho sob as vistas de todos.

Foi um roubo, assim, que eu não sei te explicar, porque eu fui o único da
turma que quis doar. Roubaram meus materiais, celular, documentos
pessoais, dinheiro e outras coisas. Então, quando eu vi aquilo, eu perdi as
esperanças de tudo. Tipo, eu não quero fazer Enem, eu não quero fazer
nada. Então, eu já estava bem focado em tudo, eu realmente estava disposto
a ir, eu ia tentar pela mesma faculdade de novo, mas só que, aí, eu não quis,
eu não tive cabeça para fazer o Enem.

Segundo o jovem, a violência sofrida fez com que ele desistisse de fazer o Enem três
dias antes da prova e optasse pelo curso técnico em Enfermagem, que iniciou no ano de 2017.
A desistência reforça as colocações de Honneth, ao afirmar que uma situação de desrespeito
“atua como freio social que pode levar a paralisia do indivíduo” (SOBOTTKA, 2015, p. 29).
Consideramos que, diante da sua falta de preparo e da necessidade do reconhecimento do
outro, Weliton justificava a desistência a partir do ato de violência, para, provavelmente, não
ter que responder por um possível “fracasso” no processo seletivo do Enem diante de
familiares e amigos/as.
Weliton afirmou que tentou bolsas em universidades particulares, sem ser via ProUni,
mas o máximo que conseguiu foi 50%, e, devido as suas condições econômicas não daria para
se manter na faculdade.
Nos anos de 2016 e 2017, o jovem não tentou o Enem e, como já vimos, informou que
ia terminar o curso Técnico em Enfermagem, para depois tentar se inserir no curso de
Medicina. Weliton considerava que o curso que escolheu era difícil, pois

para fazer a Medicina, tem que ter uma realidade que não é a minha. Com
tempo, porque é muito estudo, e uma boa situação financeira, pois quem é
333

estudante de Medicina tem que se dedicar. Eu não estou preparado pra isso,
provavelmente eu teria que me afastar do trabalho, pra eu poder me
dedicar, eu teria que viajar pra fazer alguns estudos, coisa que, que hoje eu
sei que eu não tenho isso, eu não tenho, toda essa... As oportunidades, né,
que eu também não tenho, e eu não vou tá preparado financeiramente pra
isso. Então, antes de tudo, eu queria estar na área da saúde. Vou fazer
Enfermagem, trabalho, me estabilizo e, depois, eu engreno na Medicina. Um
médico que se preze, o mínimo eu tenho que ter um bom conhecimento da
minha área. Então, nada melhor que começar lá debaixo. Ser um técnico de
Enfermagem, assim, quando eu chegar lá, eu vou ter conhecimento.

O jovem tinha consciência do seu campo de possibilidades, pois citava as condições


necessárias para ingressar num curso de Medicina e afirmava não estar no perfil. Diferentes
elementos contribuíam para que o jovem não se visse no perfil de estudante de Medicina,
especialmente: ensino médio precário e ausência de condições financeiras para poder parar de
trabalhar, ou pagar uma universidade particular. Entretanto, no seu depoimento, o jovem
naturalizava as desigualdades e considerava que “nada melhor que começar de baixo”, como
técnico, o que, na verdade, parece ser o caminho possível para ele.
A busca de Weliton pela inserção no ensino superior era marcada por (re)construções,
desde a sua primeira tentativa. No contexto, vimos que diferentes nuances repercutiam no seu
processo de busca, mas sua condição de jovem pobre era a principal. Cabe dizer ainda que o
jovem vivenciava o dilema entre o desejo e a realidade concreta e, por ter consciência desse
dilema, procurava construir estratégias para conseguir alcançar o seu desejo, tais como a
busca por um trabalho o qual pudesse conciliar com a formação tanto a conciliação dos
tempos quanto da área que desejava atuar.
A cena de Weliton retratava o quanto a socialização no âmbito familiar repercutia em
todas as outras experiências de socialização do jovem. O percurso de individuação do jovem
era marcado pela busca do reconhecimento nas três instâncias socializadoras, quais sejam:
família, trabalho e espaço de escolarização.
Na família, Weliton conseguia atravessar da linha da rejeição para o reconhecimento e,
posteriormente, assumir o lugar de centralidade quanto à gestão da casa e das relações
familiares. No processo de escolarização, construiu diferentes caminhos para a entrada no
ensino superior e foi reelaborando seu campo de possibilidades com os suportes que tinha
disponíveis. A partir do trabalho, o jovem passou a confiar mais em si mesmo, o que era “um
princípio para enfrentar a vida, uma habilidade, uma ferramenta, mais que um estado
cognitivo” (REIS, 2014, p. 153). Mesmo diante de trabalhos precários, o Weliton se
sustentava a partir da busca constante de reconhecimento, o que possibilitava se fabricar como
indivíduo (MARTUCCELLI, 2011).
334

6 CENA 6 – A jovem Dayane: quando se interseccionam classe, gênero e raça

Na última cena refletiremos sobre o percurso de individuação da jovem Dayane, tendo


em vista sua condição de gênero, pertencimento racial e sua classe. No contexto familiar a
jovem enfrentava situações que se perfaziam como desafios, especialmente de violações de
direitos. Mas, ao mesmo tempo, era também no espaço familiar que ela se sustentava
enquanto indivíduo. No trabalho a jovem singularizava-se a partir da construção de estratégias
diferentes de acesso e permanência no mercado de trabalho, vivenciando também os dilemas
cotidianos do espaço laboral, tais como os processos de precariedade do/no espaço de
trabalho. No que tange aos processos de escolarização, ela buscava construir seus projetos de
longevidade escolar consciente do seu campo de possibilidades, buscando acessar diferentes
suportes, mas ressaltando os desafios enfrentados nesse processo. De forma geral, a jovem
expunha uma reflexividade acerca de suas vivências como jovem, mulher, negra e pobre
diante de uma sociedade desigual, racista e sexista. Assim, mesmo numa sociedade que exclui
e discrimina, ela assumia seu trabalho de fabricar-se como indivíduo.

6.1 A infância e a adolescência roubadas

Eu... Eu não queria ser feminista.


Eu não deveria ser feminista
Em pleno século XXI, minha gente, feminismo não deveria nem
existir...
Calma, sociedade, não comece a sorrir.
É porque mulheres não tinham que precisar resistir tanto assim.

É até difícil de imaginar


Que em uma era tão tecnológica eu ainda tenha que implorar
Que por onde eu passar
Todos possam me respeita.
Eu detesto ser feminista
Mas... diante de uma sociedade tão egoísta
Eu não tenho opção
Porque ainda vemos mulheres sendo abusadas no busão.

Vemos relacionamentos abusivas se tornando coisa normal...


ou melhor "coisa de casal".
Ninguém liga pra mulher e pra sua dor.
Faz ela acreditar que tudo isso é amor.

Vemos a mídia a todo momento querendo nos empurrar o padrão.


E que não teremos a menor condição
De nunca chegaremos a sermos considerado ‘bunito’ pra toda
nação.

Passamos o dia escutando que as mulheres não estão se


respeitando...
335

Quando vão entender que no nosso corpo somos nós que


estamos no comando.

Percebemos que quando estamos na rua, à noite, sozinhas, e


observamos um cara se aproximar,
Já começamos a acelerar,
O coração disparar,
Começamos a rezar
"Que seja só um assalto, e que ele só leve o meu celular"

Ainda assim acha que é mimimi,


Conversa fiada?
Como já escutei muitas vezes...
Falta de vergonha na cara?
Vamos ser mais didáticas, então,
Vamos jogar estatística
Já que parece que o óbvio saiu de questão

O Brasil é o 5° país mais violento para mulheres do mundo.


A cada dia o feminicídio aumenta.
E com a mulher preta a estatística é ainda mais violenta.
Homicídio de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos.
A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada.
Em média 47,6 mil mulheres são estupradas, por ano, sendo
que nem 30% delas denunciam.
E em 70 % dos casos, a vítima era próxima dos seus agressores.
Três em cada cinco mulheres vão sofrer algum tipo de violência
em algum relacionamento.
Até 2030, podem morrer 500 mil mulheres, vítimas de violência
doméstica no mundo;
94% das mulheres já foram assediadas verbalmente, enquanto
77 % já foram assediada fisicamente.

E vocês acham que o feminismo é exagero?


O feminismo já é o desespero
Porque estamos em uma sociedade que eu ainda tenho que explicar
Que somos seres humanos e não algo que possa se descartar.
Então, não venha me pedir delicadeza
Pois tenha certeza
Que isso aqui não vai rolar
Foi-se a época de gentileza

Eu jogo dois pés no peito mesmo;


Passar por cima de qualquer tipo de sujeito
Derrubando esse seu preconceito
Afinal, confundir a violência do opressor
Com a reação do oprimido
Não faz o mínimo de sentido.

Mas hoje, vocês não conseguirão mais nos parar


Na luta de outras mulheres
Buscamos forças para o nosso caminhar.
E temos fé que tudo vai mudar
E que vamos desconstruir.
E que essa merda de patriarcado vai cair.
336

Só precisamos nos unir


Porque é tão lindo viver com a sua igual
Com a plena consciência que ela não é a sua rival.
Sensação de liberdade,
Total felicidade.

Hoje mulheres precisam ser feministas...


Mas tomara que, em algum dia, elas não precisem mais ser
E que finalmente, alcancemos o seu devido poder

E eu peço, pra qualquer Deus de qualquer religião


Que a próxima geração
Não enfrente um mundo tão sem noção.

Tawane Theodoro – “Eu não queria ser feminista”- Slam da Guilhermina158

Iniciamos a cena de Dayane com a poesia de Tawane Theodoro (sugerimos que


escutem a interpretação feita pela autora, pelo link citado em nota de rodapé), pois a jovem
cuja trajetória nos debruçamos agora apresentava a nós um contexto marcado por violações de
direitos, “simplesmente” pelo fato de ser mulher, negra e pobre. As violências citadas na
poesia de Tawane eram vividas pela jovem e por sua mãe, motivadas pela condição de serem
mulheres, sendo, assim, vítimas de violência, sexismo, machismo e etc. Dayane estava com
22 anos de idade quando participou da pesquisa, solteira, se autodeclarou parda, heterossexual
e ateia. Estava trabalhando como recepcionista em um laboratório. Ela era filha única. Morava
com sua mãe e não tinha contato com o pai há mais de 10 anos. A mãe de Dayane estudou até
a 4ª série do ensino fundamental e trabalhava como empregada doméstica. Dayane e a mãe
moravam na mesma casa, alugada há muito tempo, como ressaltou:

A gente mora lá há mais de 10 anos. A dona acolheu a gente, porque a


minha mãe era alcoólatra e eu tinha sete anos. A gente paga só 300 reais de
aluguel, porque a gente mora e cuida lá para a dona que mora em outra
cidade. Mas, assim, eu moro nos fundos, o esgoto na minha casa passa a céu
aberto no fundo de casa, lá em casa é o quê? Quatro cômodos, uma área,
duas áreas na verdade, e só.

A situação de moradia de Dayane se relacionava a todo um contexto de violações que


ela vivenciou ainda na infância. O local de moradia não foi uma escolha, como afirmou
Dayane, mas a única “porta que se abriu”. Como já citamos, a dimensão do território
(SANTOS, 2007) é muito importante, pois remete àquilo que nos pertence. Assim, podemos

158
Slam é uma competição em que poetas leem ou recitam um trabalho original. As performances são, em
seguida, julgadas por membros de uma comissão ou selecionados por uma comissão de jurados. Slam da
Guilhermina-final 2017 - Tawane Theodoro - Poesia - Eu não queria ser feminista. Acesso em: 4 de
setembro de 2018. Disponível em: https://youtu.be/PQIbbDKzehw
337

afirmar que morar no local descrito pela jovem interferia significativamente nas suas
vivências enquanto jovem, afinal, como ressalta o autor, o território é o espaço vivido. Maria
Alves e Igor Oliveira (2014) ressaltam a relevância do território para entendermos os modos
de ser dos/as jovens e os acessos que esses/as jovens têm quanto à escolarização e podemos,
aqui, incluir a dimensão do trabalho. O território vivido por Dayane representava mais uma
das formas de violações que ela vivência, pois tratava-se de um local precário, insalubre e
com poucas possibilidades de acesso à educação, saúde e bens culturais, como a jovem citou.
A jovem narrou um pouco das suas vivências da infância:

Então... Quando a minha mãe conheceu o meu pai, o meu pai era abusivo,
né? Agredia ela e tal. Aí, ela veio para BH, eles foram morar juntos e
acabou que a minha mãe engravidou. Ele era muito abusivo com ela, aí, ela
foi ficando. A gente passou fome demais. A gente morava na favela. A gente
morou lá de favor. A dona cedeu a casa para a gente morar a parede e
meia, mas assim, ela [a dona] tinha muito envolvimento com drogas, então,
era muita polícia. A minha mãe ficou com o meu pai uns quatro ou cinco
anos, mais ou menos, e aí, acabou que, um dia, como ela apanhava muito,
ela tomou a decisão de me deixar com ele e ir embora. Ainda bem que ela
decidiu assim, porque eu acho que, se ela tivesse ficado, ela não tinha
sobrevivido, porque foi condição, assim, bem trágica.

No relato de Dayane ficavam explícitas as diferentes violações de direitos que a jovem


sofreu e presenciou a mãe sofrer. A primeira delas se refere a agressões do pai à mãe. Além
disso, a precariedade da própria condição humana, em que ela declarou ter passado fome e,
posteriormente, a situação de moradia, em meio a um contexto de uso de drogas. Por último, a
violação do abandono, do qual Dayane faz uma leitura crítica, enfatizando que a mãe tomou a
decisão correta.
O abandono pela mãe, avaliado por Dayane como uma decisão acertada, alterou o
contexto de vida da jovem, naquela época, ainda criança, que passou a morar com o pai e a
avó paterna em outra localidade:

Ele simplesmente vendeu a casa, vendeu tudo que era nosso e, aí, a gente foi
morar em Montes Claros [MG] com a minha avó. Mas, assim, a minha avó
também era “bem ruinzinha”. Ela me batia, o meu pai também me batia. Ele
me humilhava, batia na minha cara, esfregava comida na minha cara. De
Montes Claros a gente foi para Uberlândia [MG] e a minha mãe ficou no
Jardim Leblon [BH] com as irmãs dela. A minha mãe não sabia onde que eu
estava e nem com quem eu estava, porque o meu pai, quando ligava para
ela, ele fazia muito aquele drama de: “ah, fala com a sua mãe. Sabia que
ela tem outra família?” Ele falava muito disso comigo, que ela tinha me
deixado, porque ela tinha assumido outra família. Eu fiquei com ele um ano.
E, aí, lá em Uberlândia, eu fui morar com ele em uma ocupação. Aí, eu
passava fome demais. A gente morava em um barraco de lona, não tinha
nada. A gente ficou lá por um tempo e, assim, ele me deixava muito nas
casas de outras pessoas que ele nem sabia quem era, e, nisso, eu tinha uns
338

seis, sete anos mais ou menos. Era uma bagunça. Não tinha horário para
nada. Então, assim, eu fiquei muito sujeita a condições vulneráveis, a certas
condições com homens e tal, de abuso sexual. Só sofrimento mesmo [respira
fundo e chora]. Um pai deixar a filha nessas condições é só tristeza, né?
Nem sei se é pai. Um traste.

No depoimento, Dayane trazia as diferentes violências que sofreu ao viver com o pai.
A jovem informou que, decorrido um ano que estava com o pai, a mãe dela fez contatos com
parentes dele, até descobrir onde a filha estava e foi buscá-la. Dayane lembrou que ficou
muito feliz e imaginou que sua mãe tinha uma casa, tudo organizado, mas, na verdade, a mãe
era alcoólatra e tinha outro parceiro abusivo. Afirmou que a mãe “ficou pelejando” muito
para conseguir terminar o relacionamento, pois o parceiro não aceitava. Diante do contexto de
alcoolismo, uma adolescente para cuidar e um parceiro abusivo, Dayane afirmou que as irmãs
da mãe não as acolheram, fazendo com que mãe e filha ficassem “vagando” de um lugar a
outro. Decorridos alguns meses, elas foram acolhidas pela dona da casa em que moram.
Desde então, a mãe de Dayane conseguiu largar o vício do álcool e iniciou em um trabalho
como empregada doméstica, no qual estava até a data da entrevista.
Dayane explicitou que, após conseguir se organizar, a mãe começou um novo
relacionamento e, mais uma vez, o parceiro era abusivo:

[...] aquelas condições, né, de agressão física, mesmo, de ameaça, tudo


aquilo, todo aquele contexto de abuso. De cinco até treze anos, eu assistindo
isso. Eu conversava com ela, mas eu não sabia como lidar também. Eu sabia
que ela queria sair, mas ele não deixava, ele não aceitava o término. E
assim, ele também tinha envolvimento com álcool e droga. A minha mãe já
tinha parado, né? Eu meio que tentava interferir, eu sabia que a minha mãe
não queria aquilo ali, só que ela não conseguia sair. Hoje eu consigo
perceber ainda mais os abusos e ver como é difícil ser mulher.

As violências vivenciadas pela mãe de Dayane enredavam grande parte do contexto de


vida da jovem, pois convivia com diferentes violações. Tentava ajudar a mãe, mas também
não sabia como reagir à situação. Após quatro anos, a mãe terminou o relacionamento com o
parceiro e não teve mais nenhum relacionamento.
As violências vivenciadas pela mãe de Dayane ocorriam como apontado no Atlas da
Violência (2018), que retrata que muitas mulheres, antes de serem vítimas de uma violência
fatal, vivenciam outros tipos de violência, tal como especificado na Lei Maria da Penha159

159
Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. “Cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código
Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências” (BRASIL, 2006).
339

(BRASIL, 2006). Ademais, os dados se inserem nos contextos encontrados na pesquisa


“Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil” (2017): 29% das mulheres
brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência, sendo 43% dos casos mais graves no
domicílio. A pesquisa evidenciou que apenas 11% dessas mulheres procuraram uma
Delegacia da Mulher. Vários fatores motivam a não procura de uma delegacia e, no caso da
mãe de Dayane, o medo era o principal deles.
Mesmo vivenciando uma realidade de violências, Dayane informou que, desde que
voltou a morar com a mãe, as duas têm mantido um relacionamento de cumplicidade:

[...] eu e a minha mãe, a gente sempre se deu bem. Minha relação com
minha mãe é tudo, porque ela é pai e mãe. Sempre conversamos sobre a
vida... Hoje eu meio que ajudo ela a resolver as coisas dela, porque desde
sempre minha mãe nunca se impôs, deixava tudo. Até comigo mesmo.

No depoimento, assim como para os/as outros/as jovens, vemos a centralidade da mãe
na vida de Dayane ‒ mesmo com a história de separação e violência que vivenciaram, não
houve ruptura do laço materno. Importante ressaltar a nova postura da filha diante da mãe,
pois, se antes não conseguia interferir e ajudá-la, o cenário se alterou e a jovem passou a
contribuir na resolução “das coisas da mãe”. Dayane mencionou que, embora morassem
sozinhas, elas cuidavam de um tio materno que morava no cômodo ao lado e que era
alcoólatra. Cabe ressaltar que, ao contrário da maioria dos/as outros/as jovens, que
vivenciavam uma ausência presente do pai, no caso de Dayane, a figura masculina era
totalmente ausente. Após a mãe buscá-la, ela não teve mais nenhum contato com o pai e
afirmou que rejeitaria qualquer possibilidade de contato.
Nesse contexto, a responsabilidade da casa, bem como da própria sobrevivência,
passou a ser da mãe de Dayane com a contribuição desta jovem, assim como vimos com o
jovem Weliton. Segundo Dayane, desde que ela teve seu primeiro emprego, a divisão das
contas da casa era realizada entre ela e a mãe:

Eu e minha mãe dividimos as contas, mas não é igual. Sobra dinheiro para
mim, a maior parte das coisas, por exemplo, aluguel, água e luz é minha
mãe quem paga. Eu ajudo com 100 reais. Minha mãe paga aluguel, mas lá
em casa o aluguel é baratinho e eu ajudo com 100 reais e com o meu ticket
de alimentação para minha mãe fazer as refeições. É pouco, mas sem minha
ajuda ficaria difícil. Mas, a maior parte fica para minha mãe, mesmo. Aí do
meu dinheiro, sobra uma parte para mim, eu também pago internet, porque
eu que faço o uso, e eu tenho gatos[animais de estimação], aí, eu tenho
gasto com eles.

Por meio da narrativa de Dayane, era possível evidenciar que o salário da jovem se
constituía como parte significativa para a gestão da casa. Mesmo não sendo uma divisão
340

igual, tratava-se de um valor que, se ausente, causaria impactos na organização financeira de


ambas. Dayane ressaltava que gostaria de ajudar com uma quantia maior, porém, afirmava
que o dinheiro que sobrava do seu salário era pouco, sendo insuficiente, por exemplo, para
pagar um cursinho, ou transporte para cursinho gratuito. Quanto à relação com familiares,
Dayane informou que não mantinha contato com nenhum parente por parte de pai e que não
se interessava em fazê-lo. Quanto aos familiares maternos, citou:

Tenho pouco contato com os parentes da família. Os da minha mãe, alguns


são daqui, e aí, a gente tem contato, mas, assim, tem pouco porque cada um
trabalha, tem sua vida. Eles vão na minha casa, só não convive, de vez em
quando, tem contato, é tranquilo, cada um na sua. P: A família encontra?
Ah não, isso, não. Não dá certo, não. Assim, eu e minha mãe sempre fomos
muito reservadas. Então, sei lá. O pessoal da minha família, a maioria é
evangélico, minha mãe vai à igreja evangélica, mas, pelas atitudes da minha
mãe, assim, eu não acho que ela é uma pessoa religiosa, não; minha mãe só
acredita em Deus, ela vai à igreja. Assim, os assuntos para mim não me
interessam entrar, porque esse “trem de religião” para mim não dá, eu não
acredito, né? Nada. Às vezes, vão umas tias lá para casa, conversar com
minha mãe, senta lá e conversa, não tem assunto que me cabe, aí, eu fico na
minha.

O pouco contato com os familiares, em princípio, podia estar relacionado, ao contexto


de violência que a mãe de Dayane e ela vivenciaram, sem nenhum apoio familiar, o que
justificava o distanciamento.
A jovem havia informado, em 2012, que seu primeiro emprego foi aos 14 anos,
ajudando a mãe como empregada doméstica (NONATO, 2013). Tal contexto evidenciava que
os laços fortes poderiam levar a inserções de baixa qualificação e precárias
(GRANOVETTER, 1974). Ademais, enfatizamos que se tratava de uma jovem de 14 anos,
que não poderia ter inserção no mercado de trabalho, excetuando-se na condição de aprendiz,
o que, neste caso, tendia a ser mascarado pela condição de “ajudante da mãe”. Posteriormente,
Dayane trabalhou em uma gráfica, fazendo acabamento. Aos 16 anos, atuou na UFMG como
jovem trabalhadora (2011). Após ser desligada da CVB, Dayane foi recontratada pela UFMG,
como estagiária em um laboratório da faculdade “V”, por um ano e meio. Em seguida, foi
recontratada como recepcionista de um departamento da mesma faculdade, via terceirização.
Permaneceu por lá por dez meses e foi demitida com a justificativa de reestruturação do
quadro de funcionários. Desde abril de 2017, atuava como recepcionista de um laboratório
particular de exames médicos.
Quanto ao processo de escolarização, a jovem fazia um curso técnico de Segurança do
Trabalho. Após o curso, não se inseriu em nenhum outro processo educativo. Salientou que,
341

desde 2014, alimentava o sonho de se inserir no ensino superior público, o que tentou por três
vezes, mas, até a realização da presente pesquisa, não havia logrado êxito.
A jovem compartilhou que o dilema cotidiano que enfrentava era o de ser jovem
mulher tanto pelo contexto de violação que viveu quanto pela forma machista na qual a
sociedade foi construída:

Nossa, ser mulher é tenso! Ainda mais jovem. É muito difícil. Mulher não
pode nada. Tem que é se preocupar em não engravidar. Você ainda pode ser
desrespeitada. Ser mulher é muito difícil, é muito injusto, pois você carrega
todo peso social e físico da gravidez. Socialmente é aceitável que o homem
tenha filhos e abandone, agora a gente [...].

Dayane trazia o contexto da tensão de ser mulher, ressaltando o contexto da gravidez e


das responsabilidades inerentes a ela. A expressão “carregar peso físico e social”, utilizada
por Dayane, refletia muito bem a realidade da gravidez na juventude, especialmente por
jovens mulheres, como vimos com a jovem Rebeca. Dayane ainda trazia em seu depoimento a
dimensão de que “a mulher não pode nada”, retratando o lugar que foi socialmente
construído para as mulheres; por vezes, um lugar de fragilidade, silenciamentos e
constrangimentos, como a jovem narrou:

E, os cuidados que a gente tem que ter na rua, que as pessoas acham no
direito, que, por ser homem, tem direito de “mexer”. O direito sobre seu
corpo não é do outro. O problema é que o pessoal sempre arruma uma
justificativa para dizer que a mulher que está errada. Assim, eu tenho spray
de pimenta que eu carrego comigo dentro da bolsa, mas eu sei que, se
alguém me atacar na rua, homem, que é a maior probabilidade, não tem
como eu reagir, porque eu não tenho força. Então, assim, você tem uma
preocupação de não andar sozinha, de vestir uma roupa e repensar se
aquela roupa que você quer sair não vai ser muito assediada. Se é um dia
que você quer colocar sua roupa curta lá e não interessa o motivo, você tem
que repensar se você está muito “a fim de tolerar assédio”. Então, é
horrível. Você ter que pensar na sua roupa todos os dias. Pensar no modo
que vai falar para não parecer que você está dando uma brecha para o cara
achar que você está “dando em cima dele” ou “dando mole para ele”. Tudo
que você tem que fazer é pensado, então, para mim, eu acho pesado,
bastante. Pronto, falei.

A jovem narrou um pouco do contexto vivenciado por muitas mulheres– o


cerceamento do direito de ir e vir e, especialmente, do direito sobre o próprio corpo. Embora
já tenhamos avanços no que se refere ao direito da mulher, ainda é necessário se preocupar
com o que vestir, pois aos homens é “dado o direito” de assediar mulheres e se justificar
culpabilizando-as. Dayane afirmou andar levando na bolsa um spray de pimenta, o que, quiçá,
lhe dê mais coragem para sair, mesmo sabendo que, num eventual ataque à sua integridade
física (o que inclui o/a assédio/ tentativa de estupro), talvez não teria forças para se defender.
342

Enfatizamos que o fato de ela ter que andar com um spray já denota uma realidade violenta e
opressora contra as mulheres. Comentou a possível consequência de uma casual escolha por
uma mulher de vestir uma roupa curta, o que poderia estar “chamando a atenção” e a
sujeitando ao assédio, ou seja, fazia uma representação da responsabilização da mulher, pois a
violação de direitos se justificaria pela roupa utilizada e não pelo ato em si. Tendemos a
considerar que as relações de poder que permeiam o gênero, como afirma Joan Scott (1995),
são a base para “ler” o corpo da mulher como um objeto que pode ser tocado e assediado. No
caso da jovem Dayane, consideramos que as violações eram ainda mais intensas, pois se
tratava de uma jovem, mulher e negra. Como afirmam Nilma Gomes e Shirley Miranda
(2014, p. 86), “o cenário de hierarquização que articula gênero e raça incide diretamente sobre
os corpos” e, articulado à idade, se interseccionam gênero, raça e idade.
Ainda com relação à dimensão de gênero, Dayane disse que via diferenças da sua
criação em relação a de seus primos que não tinham sido ensinados a “se virarem” sozinhos,
pois eram homens. Segundo ela: “isso, para mim, foi ótimo. Eu sei fazer quase tudo. Eu sei
me virar sozinha, faço muita coisa. Eu tenho consciência que você tem que se manter, que
você tem que se organizar na vida, que você tem que gerir seu dinheiro, essas coisas”. O
depoimento da jovem sublinhava a construção social do gênero, em que as famílias têm um
papel importante, mas tendem a reproduzir as mesmas lógicas de “internalidade feminina” e
externalidade masculina (HIRATA; KERGOAT, 2007), como já analisamos anteriormente na
cena da Rebeca.
É importante ressaltar que a jovem afirmou que seu posicionamento acerca das
relações de gênero se alterou significativamente, após sua inserção na Universidade como
jovem trabalhadora, pois conversava muito com os/as colegas de trabalho e também com
os/as discentes com as quais fez amizades, especialmente após sua entrada no Projeto
InterAgindo160. A jovem citou que os debates contribuíram para deslocar seu olhar sobre as
construções sociais e sobre “ser mulher” e “ser homem” na sociedade.
Por último, considerando-se as dimensões da feminilidade, Dayane mencionou que os
abusos sofridos pela mãe e as diferentes violações sofridas por ela, bem como a constituição
machista da sociedade, trouxeram impactos na maneira com que vivenciava sua afetividade:

[...] o tempo todo as pessoas falam que somos frágeis [mulheres] e


acabamos aceitando esse lugar, que se transforma em medo também. Hoje
tenho medo de ter relações abusivas. Tenho dificuldade de relacionar. A

160
Como já ressaltamos na introdução da tese, o projeto foi uma ação de extensão desenvolvida pelo Programa
Observatório da Juventude que possibilitou, dentre outras temáticas, um espaço de reflexão sobre as relações
de gênero na sociedade contemporânea.
343

princípio, sofri muito com isso, mas hoje eu vejo que eu sou uma pessoa
mais resistente, eu me superei, eu tenho um controle emocional maior,
porque eu estou acostumada com a perda e com a violência. Hoje eu acho
que tenho maturidade em cima do que eu já passei. Acho que sou mais
resistente hoje. Assim, mesmo sendo resistente, eu tenho dificuldade, como
eu não tive um modelo de referência do sexo masculino, de lidar... Então, eu
sei lá, eu acho que eu tenho um pouquinho de dificuldade de lidar, assim,
com homens, acho que eu tenho um pouquinho de medo também. Eu quero
ser dona de mim, não quero depender de ninguém, assim, precisar dos
outros, mas, assim, eu acho que para eu casar, sei lá, casar e, a partir daí
dividir minha vida financeira, eu acho muito difícil. Acho que prejudicou só
nisso, assim, eu acho que só tenho dificuldade com isso, mas, de resto, eu
acho que eu consegui superar bem e resistir. Acho que eu fiquei “fechada”,
mas, para mim, está sendo bom, ao mesmo tempo, eu estou me protegendo
de cair numa relação abusiva, mas não sei, eu acho que eu fiquei muito
“fechada” e acho que é normal, pelo contexto que eu vivi.

A dificuldade de se relacionar revelada por Dayane, mais que ser apreendida como um
problema da jovem, expunha o contexto de violação de direitos por que passou. O lugar de
fragilidade construído socialmente para as mulheres – o qual, por sua vez, tendia a ser
naturalizado por ela – e as violências que o pai a fez sofrer – o que reforçou a referência
negativa quanto à figura masculina – contribuíram para que Dayane tivesse medo de relações
abusivas. O desejo da jovem de ser “dona de si”, em contraponto a “ter um homem como
dono”, pode ser um reflexo dos relacionamentos violentos da mãe, mas, especialmente, uma
necessidade da jovem de romper com as hierarquias “valores, comportamento e papéis,
associados ao homem e a mulher” que são a base do sexismo (NOGUEIRA; D’ANDREA,
2014, p. 23). Lemos que o “fechamento” da jovem para relacionamentos amorosos foi uma
forma de proteção que a mesma encontrou. Sua trajetória, segundo ela, fez com que fosse
mais madura e que possuísse “maior controle emocional”, pois, segundo ela, teria se
acostumado a vivenciar perdas e violências. O contexto de desumanização vivenciado por
Dayane “desumanizava” a sua percepção acerca da violação – pois a jovem parecia considerar
“positivo” retrair-se, porque, assim, se “protegia” e avaliava, portanto, que “tornou-se
resistente e superou”. Tal postura demonstrava, ainda, que, mesmo num contexto social de
ampliação dos direitos das mulheres – com legislação de proteção –, ainda é necessário lutar e
(re)existir a um sistema sexista e machista. Perante o explicitado por Dayane sobre as
vivências como mulher pobre e negra, retomamos a poesia de Tawane Theodoro para
salientar que as diferentes violações contra as mulheres ainda são muito atuais e ser feminista
passa, de fato, a ser um “desespero” diante de um cenário tão complexo.
344

6.2 A UFMG como espaço de trabalho antes e depois da CVB e o desemprego

A jovem Dayane havia informado, em 2012, que começou a trabalhar para ser
independente. Ficou sabendo da CVB por uma vizinha que já trabalhava na UFMG. Sua mãe
a ajudou no processo de inserção, evidenciando o peso dos laços fortes (GRANOVETTER,
1974) e dos circuitos domésticos, como vimos em todas as cenas. A jovem trabalhava em uma
unidade acadêmica na recepção da pós-graduação. Após o desligamento, foi contratada como
estagiária do laboratório da mesma faculdade, devido ao fato de fazer curso Técnico em
Segurança do Trabalho. O horário de trabalho era de seis horas diárias, das 10h às 16h.
Segundo Dayane, no laboratório ela “digitava laudos, cadastrava exames, fazia envio
de notas fiscais de orientações de coletas”. As funções que desenvolvia não dialogavam com
o que aprendia no curso que fazia. O técnico em Segurança do Trabalho atua na elaboração,
orientação e coordenação da política de saúde e segurança do trabalho. A jovem, assim como
Sérgio, resolveu fazer o curso técnico, por acreditar que conseguiria se inserir mais facilmente
no mercado e por ter sido incentivada pelos/as colegas de seu setor, pois, assim, conseguiria
continuar na UFMG.
O estágio foi o meio possível para garantir a contratação da jovem, mas não contribuiu
para sua área de formação. Parece que a postura de Dayane frente ao mercado de trabalho foi
estratégica, mas, ao mesmo tempo, não refletida a longo prazo, pois o contrato era somente
por dois anos e ela não teria condições de praticar e experimentar a atuação na área do curso.
Ademais, como já enfatizamos, especialmente na cena de Sérgio, é importante chamar a
atenção para que a qualificação profissional não pode ser lida como sinônimo de ingresso no
mercado de trabalho161. Ou seja, a qualificação profissional é apenas um elemento para a
inserção e permanência no mercado de trabalho.
Decorrido um ano e meio, o contrato de estágio foi encerrado, pois o curso técnico
acabou. A jovem informou que, mesmo assim, continuou trabalhando na UFMG, porém,
como terceirizada. Conseguiu uma indicação por meio de um colega de trabalho, da época em
que ela estava como estagiária. Essa forma de inserção, assim como ocorreu com Caio,
Letícia e Rebeca, traduz a importância dos “circuitos profissionais” (GUIMARÃES, 2009)
para contribuir para o processo de inserção no mercado de trabalho. E, assim como Caio e
Letícia, a indicação de Dayanne se relacionava à dimensão do mérito. A função da jovem se
relacionava ao que ela fazia quando trabalhava na UFMG, via CVB, como vemos:

161
Cf. LEITE, 1997; ANTUNES, 1999; SEGNINI, 2000; ALVES, 2007; NEVES, 2006, ANTUNES;
POCHMANN, 2007; ARAGÃO, 2008.
345

E no “L” [local de trabalho], aí, eu já era recepcionista. Eu trabalhava no


caixa com dinheiro, isso em quatro setores, todos os dias, aí, eu trabalhava
com confirmação de agenda, telefone, como se fosse telemarketing. Ficava
em um lugar onde tinha triagem de amostra biológica. Aí, tudo isso, assim,
acabou que me desgastou muito esses 10 meses, esse eu já era terceirizada.

Assim, como aconteceu com Rebeca, a jovem passou a desenvolver diferentes


atividades ao mesmo tempo. Parece existir uma exigência pela “polivalência”, especialmente
quando falamos das jovens mulheres, o que, por sua vez, recoloca tanto a dimensão sexista
acerca dos papéis sociais quanto à faixa etária como elementos que contribuem para exigência
de executar múltiplas funções (CORROCHANO, 2008). Cabe citar que a jovem considerou
que o processo de terceirização contribuiu para gerar o desgaste:

O trabalho vai só piorar com essa história de terceirização. Lá no “L”, eu


ficava em quatro setores. Eu era, então, da “F”, e eu trabalhava em quatro
setores. Eu não tinha setor, né, praticamente. Aí, sábado, às vezes, eu
trabalhava de meio dia às 18h. Então, assim, é, eu ficava nesses quatro
setores e eu recebia um salário melhor do que eu recebo hoje, mas eu tinha
essa condição de trabalho. Aí, por exemplo, na recepção, já eram duas
recepcionistas de uma outra empresa, com outro salário e com uma carga
horária totalmente diferente. Lá, no ambiente de telefone, era uma outra
empresa, um outro salário e um outro horário totalmente diferente. E, aí,
quando você ia comparar as funções, eu via que eu estava no prejuízo e
sobrecarregada, sem setor e recebendo um salário que, para quatro
funções... Então, assim, mesmo estando dentro da universidade, como
assim? Era praticamente uma “zona”, gente. Não tem equipe de trabalho,
cada um com um salário, cada um de uma empresa. Esse negócio de
terceirização, o pessoal está achando ótimo, gente, não é. Não é ótimo.

Ao contrário de Letícia e Caio, que também eram terceirizados, a jovem trouxe à tona
outras dimensões do trabalho como terceirizada na UFMG. Questionou essa lógica, mesmo
dentro da universidade, o que destoava das vivências dos jovens supracitados e ratificava o
trabalho como relação social, sendo diferentes os modos de experienciar o trabalho, mesmo na
mesma instituição. Com relação à falta de equipe, parecia ser este um fator que podia
comprometer a socialização e a sociabilidade nos espaços de trabalho, pois cada funcionário
estaria submetido a uma regra e teria que responder a uma chefia diferente. Assim, as relações
interpessoais, os contatos, as afinidades e o trabalho em equipe poderiam ser limitados, e até
inexistentes, com processos de trabalho cada vez mais individualizados tanto do ponto de
vista do desenvolvimento das atividades quanto na organização institucional.
Tal contexto retrata a intensificação do trabalho sustentada pela gestão do medo, o que
é uma marca do processo de flexibilização. No caso de Dayane, parece que o processo de
terceirização apresentava impactos mais visíveis e intensos, pois revelavam as múltiplas
formas de precarização dos/as trabalhadores/as terceirizados/as, tais como: tipos de contratos,
346

diferença de remuneração para as mesmas funções, condições de trabalho e até mesmo perda
de identidade coletiva (DRUCK, 2011; SILVA, 2014).
As experiências de trabalho de Dayane na UFMG foram diversas no que tange ao tipo
de vínculo. A jovem trabalhou, via CVB, em seguida, como estagiária e, posteriormente,
como terceirizada e trazia sua visão acerca dos tipos de contratação:

Eu acho que é uma cobrança muito diferente. Quando eu era da CVB, era a
primeira experiência; não que eu não tivesse responsabilidade nem
cobrança naquele tempo, mas as pessoas chegavam assim: “primeiro
emprego dela, ela ainda está aprendendo, vamos cobrar menos”. Mas eu
acho que, assim, não sei se por ser universidade, ou por causa das pessoas,
o trabalho era uma forma não só de eu ganhar dinheiro, mas também de
desenvolver em todos os sentidos. Então, alguns erros que eu cometia, eu
era chamada atenção, mas tudo muito compreensivo e me falavam porque
eu errei e eu aprendi. Aí, depois disso, é: “foi você que fez isso, então vai
consertar”. Quando eu fui terceirizada, eu vi que o mundo era
completamente diferente, tipo assim, eu já esperava dificuldade, mas, mesmo
dentro de uma universidade, você ser terceirizada, você vê um peso muito
grande, né? E quando eu era da CVB e estagiária, às vezes, eu precisava
sair mais cedo, essas coisas; o pessoal ajudava e compreendia, depois disso,
ninguém não está nem aí. Eu acho que a cobrança mudou muito.

As diferenças citadas pela jovem se referem especialmente à dimensão educativa do


trabalho. Primeiro, na vivência via CVB, existia a compreensão por ser a primeira experiência
formal e, na visão da jovem, um cuidado com relação às cobranças e responsabilidades. Outro
aspecto era o tratamento dado ao erro, como algo que fazia parte do processo de
aprendizagem no trabalho, valorizado pela própria jovem, uma vez que a remuneração era
considerada importante, mas mais essencial era o desenvolvimento pessoal e profissional.
Ainda outro aspecto presente tanto da experiência da CVB quanto do estágio era a
flexibilidade quanto aos tempos do trabalho, o que era primordial, pois, em ambos os casos, a
jovem era estudante. Já na experiência como terceirizada, comentou o quanto a cobrança era
diferente, enfatizando os aspectos da responsabilização do sujeito diante do erro e a falta de
flexibilidade diante dos horários a cumprir. Podemos dizer que as mudanças com relação ao
trabalho não se relacionavam ao fato de Dayane ser jovem, mas, sim, ao tipo de vínculo que
ela estabeleceu em cada situação com a instituição. Estamos cientes de que a narrativa da
jovem, assim como foi para os/as outros/as jovens, se referia a um olhar para o passado, a
partir das suas vivências recentes, ou seja, seus depoimentos traziam a marca do tempo e sua
visão crítica dos fatos. Frisamos que na condição de jovem trabalhadora pela CVB, bem como
na condição de estagiária, existia, pelas chefias, uma preocupação de entender a jovem como
sujeito de direitos, o que deveria acontecer com todos/as os/as trabalhadores/as, especialmente
ao direito de aprender no processo de trabalho.
347

O percurso na UFMG foi avaliado pela jovem de maneira positiva, apesar dos
diferentes vínculos que trouxeram para Dayane distintas lógicas de trabalho:

[...] o tempo que eu passei aqui, esses quatro anos, né, de CVB, até
terceirizada, para mim, foram ótimos. Conheci muita coisa, conheci pessoas
que até hoje me dão conselhos e algumas são minhas amigas. Aprendi o que
é o mundo capitalista, o preconceito, a desigualdade... Nossa, tanta coisa.
Foi aí que eu comecei a traçar os projetos de área acadêmica, essas coisas,
foi mais ou menos isso. Foi o que me direcionou, porque quando eu estava
no ensino médio, eu sempre quis mudar de vida, ser alguém, sabe? Sei lá,
fazer um curso superior; e, aí, eu fui aprendendo como que eu ia fazendo e
tal. Você acha que no ensino médio, se eu soubesse, sei lá, acho que desde
sempre, se eu soubesse o que era um projeto de vida, o que sentar e escrever
sobre projeto, onde você pretende chegar daqui a cinco anos, o que você vai
fazer, como você vai fazer, nossa, me faria diferença demais. Então, assim, a
partir do ingresso na universidade e através do projeto InterAgindo, que eu
fui aprender a fazer um projeto de vida. Para mim, foi muito importante,
porque eu aprendi, compreendi o que é, como tem que ser feito, porque, às
vezes, a gente sonha, mas a gente não sabe como faz. Então, depois que eu
entrei na universidade, que eu fui tendo contato e, aí, eu aprendi a traçar
minha vida, não sei se eu aprendi exatamente, né?! Eu acho que sim, estou
traçando. Eu sei que não é assim, tintim por tintim, mas precisamos saber o
que queremos para pensar nas estratégias. Temos que pensar nas
possibilidades e saber que não é somente você sozinho que vai conseguir.
Vamos ver.

O sentido da socialização e da sociabilidade se fez presente na relação que a jovem


estabeleceu com as pessoas tanto do ponto de vista do diálogo quanto da amizade. O
conhecimento sobre “as coisas” se referia ao entendimento da realidade – tais como o modo
de funcionamento do capitalismo, as desigualdades e o preconceito. Chamamos a atenção
novamente para a participação da jovem no Projeto InterAgindo, para evidenciar a
importância de atividades formativas durante o tempo de trabalho, pois ele, na condição de
estágio e de menor aprendiz, é regido por leis que impõem a obrigatoriedade de processos
educativos, o que não era o caso dos/as jovens da CVB, pois não eram aprendizes.
Participar de um projeto na UFMG potencializou a experiência de trabalho da jovem.
Ela afirmou que no InterAgindo aprendeu a refletir sobre o seu projeto de vida e ressaltou o
quanto teria feito a diferença ter o discernimento sobre a importância desse projeto “desde o
ensino médio”, ou “desde sempre”. A jovem deixou claro que o projeto era algo mutável,
mas era necessário pensar sobre ele para construir estratégias. Além disso, salientou que não
se tratava somente de esforço pessoal, mas também do campo de possibilidades, ao contrário
do que foi ressaltado por Caio especialmente. É primordial questionarmos quais os
espaços/tempos os/as jovens têm para refletir sobre os seus projetos de vida. Se concordamos
que o trabalho também “faz” juventudes, como ficou evidenciado nas cenas aqui analisadas,
348

fica explícita a importância de espaços de discussão sobre os projetos de vida, também no


espaço de trabalho, especialmente em uma perspectiva de trabalho decente (BRASIL, 2006,
2011).
O trabalho na UFMG, segundo Dayane, proporcionou “repensar a vida a partir de
suas possibilidades”. A experiência marcou a trajetória de Dayane e trouxe implicações para
a maneira com que construía seus processos de escolarização e de trabalho.
No segundo semestre de 2015, após a demissão da UFMG, buscou outras inserções,
mas ficou desempregada:

Fiquei oito meses desempregada depois que fui terceirizada na UFMG.


Nossa, foi horrível, péssimo, porque, assim, a minha mãe, teve um tempo
que ela teve que pagar conta para mim. Eu me senti muito constrangida, não
queria aceitar. Sem dinheiro você fica meio sem conseguir dar
prosseguimento nos seus planos. Você precisa de dinheiro. Se você quiser
fazer um curso, qualquer coisa, assim, você não consegue dar
prosseguimento, porque você não tem de onde tirar seu dinheiro. Você não
tem como investir nos seus estudos, você não tem como investir em você,
porque tudo depende de dinheiro e naquele momento você não tem, então,
você fica estagnado. Ficar em casa é ruim, porque, assim, o tempo passa
devagar demais. Um mês passa muito devagar, muito, muito. No início você
ainda resolve um bocado de coisa. Você ainda se ocupa, mas depois que
acaba aquilo ali e, aí você vai vendo que as contas vão chegando e o
emprego não vem. Ficar à toa também é complicado. Acho que a gente fica
meio igual “barata tonta”. E, eu já procrastino muito, aí, foi só tempo
perdido mesmo. Aí é terrível.

No relato, Dayane demonstrou o quanto foi ruim passar pelo processo do desemprego.
O sentido da independência citado pela jovem desde o início do seu trabalho na UFMG foi o
fator que mais contribuiu para o seu constrangimento, pois não aceitava o fato de a mãe ter
que pagar suas contas. Mais do que ela não aceitar, pontuamos, também, a falta de condições
da mãe de contribuir com a jovem. Para Dayane, distintamente de todos os/as outros/as
jovens, seu desemprego tinha repercussões nas condições básicas de sobrevivência de sua mãe
e dela mesma. Concordamos com Guimarães (2008) que salienta:

[...] a centralidade do trabalho para os jovens não advém dominantemente do


seu significado ético (ainda que ele não deva ser todo descartado), mas
resulta da urgência como problema; ou seja, o sentido do trabalho seria antes
o de uma demanda a satisfazer do que valor a cultivar (GUIMARÃES, 2008,
p. 159).

Assim, para a jovem, a necessidade familiar se sobrepunha aos seus desejos, pois não
podia deixar de trabalhar “sob pena de padecerem por necessidades básicas para a
manutenção da vida” (SANTOS; GENTIL, 2016, p. 65).
349

Outra questão pontuada pela jovem se referia à falta de dinheiro como algo que
provocava estagnação, pois impossibilitava determinados acessos. Quanto à dimensão
temporal, a falta de ocupação gerava a sensação de um “tempo mais demorado”. A expressão
“barata tonta”, usada pela jovem, enfatizava a reflexão de Thin (2006) sobre o trabalho como
uma categoria importante no controle do tempo, dependendo do trabalho, formas de trabalho e
relações. Mas não podemos esquecer que o tempo de trabalho, como um tempo de rigidez e
controle (CARDOSO, 2007), tem sido significativamente alterado com o processo de
flexibilização do trabalho.
Desta maneira, diante da flexibilização, os tempos são mais intermitentes, ocorre a
intensificação do trabalho, a ampliação dos bancos de horas e do excesso de hora extras,
assim, a separação entre tempo de trabalho e de não trabalho tende a diminuir, como aponta a
autora supracitada, o que nem sempre contribui para organização temporal. Todavia, assim
como para Letícia e Sérgio, a experiência do desemprego foi para Dayane um momento de
sofrimento e de frustração. Uma característica comum aos/as jovens, com exceção de Breno,
foi o sofrimento pelo retorno à dependência financeira da mãe e/ou pai, após a saída da CVB.
O desemprego trazia sofrimento, mas o período mais tenso, segundo a jovem, foi o fim do
seguro desemprego. A jovem lembrou que recebeu quatro parcelas do seguro e que, nesse
período, investiu no primeiro cursinho pré-vestibular e nas despesas de casa. Porém, o tempo
do seguro acabou e ela continuou sem trabalho.
Após 8 meses de desemprego, a jovem conseguiu uma inserção numa empresa
privada. Trataremos com detalhe dessa inserção, pois Dayane estabeleceu um sentido muito
dissonante da sua experiência na UFMG, via CVB, estágio e terceirização para a nova
ocupação.

6.3 “Mas, eu só tenho 22 anos”: exigências do mercado de trabalho

A jovem Dayane, após sua demissão da UFMG e um período de desemprego, se


inseriu em uma empresa privada, como recepcionista, em um laboratório de exames clínicos.
Citou um pouco da sua rotina diária:

Ah, sim, então, eu só trabalho meio horário, né?! De 6h30 às 12h30. Do


meu serviço até em casa é 20 minutos de ônibus. Então, é muito perto. Eu
pego serviço muito cedo, mas eu trabalho muito perto de casa. Eu acordo às
5h30, saio de casa às 6 horas, 6h30 eu estou no trabalho.

No discurso sobre sua rotina, a jovem amenizou as dificuldades do trabalho no que se


referia à carga horária e ao deslocamento, embora tenha exposto que começava a trabalhar
350

muito cedo. Trabalhar meio horário e perto de casa eram fatores positivos, o que, por sua vez,
não diziam do trabalho de maneira geral. Quanto à rotina do trabalho, a jovem mencionou:

Eu sou recepcionista, mas tenho que vender exames. E eu tenho um acúmulo


de função, porque eu sou recepcionista, mas eu sou vendedora, mas eu só
recebo como recepcionista. Então, assim, eu sou recepcionista, mas eu
tenho que mexer com caixa. E eu já tive desconto do meu salário por causa
de caixa. Eu já paguei exame, porque eu errei e eu tive que arcar com o
custo do exame total. Então, assim, e aí você vê, o seu salário é um salário
só e você tem que desenvolver em mil funções. Eu tenho uma meta para
bater, eu tenho muita cobrança. Eu tenho um coordenador que fica “em
cima de mim” o tempo inteiro, e todo mundo me cobrando. Eu tenho umas
crises de ansiedade de vez em quando. Não aguento, trabalhar assim é ruim
demais.

Dayane executava, na verdade, duas funções, quais sejam, de recepcionista e de


vendedora, situação semelhante à sua experiência como terceirizada na UFMG. Outro
elemento era a cobrança acerca das metas, prática recorrente no capitalismo atual e que agrava
a condição precária do/a trabalhador/a, como já citamos. O risco da demissão passava a ser
cotidiano, pois não “bater meta” significava baixo rendimento, ou seja, o/a trabalhador/a “não
serve para o mercado”, como expressou a jovem. Dayane explicitou o seu descontentamento
com relação à lógica desse tipo de trabalho:

[...] você é um número, né?! Então, não importa quantas vezes eu fiquei
para solucionar um problema de um cliente, ou que eu fiquei para ajudar
meus colegas de trabalho, você é um número, ou você fez 65 mil [valor da
meta que tem que bater], ou você não fez, ou você vende muito, ou você não
vende. A forma que você faz e o meio que você faz não interessa. Você bate
meta, ou não bate. Para mim é horrível, porque eu acho que eu deveria ter
reconhecimento por algumas coisas que eu já fiz, sabe? Por exemplo, de
ajudar, de atender, de compreender o cliente e meus colegas de trabalho,
mas não tem. Nem sei se posso chamar de trabalho. Deveria ser legal, né?

Uma marca do sistema capitalista atual é lidar com a força de trabalho humana como
uma mercadoria como qualquer outra. Assim, como apontam Gaudêncio Frigotto e Maria
Ciavatta (2003)

No senso comum e dentro da vulgata neoliberal, hoje, trabalho e trabalhador


produtivos estão profundamente permeados pela ideia de que é aquele que
faz, produz mais rapidamente, tem qualidade ou é mais competente. O fulcro
central das visões apologéticas de produtividade e de trabalho produtivo
resulta na ideia de que cada trabalhador é socialmente remunerado ou
socialmente valorizado para manter-se empregado ou não, de acordo com
sua produtividade, vale dizer, de acordo com a sua efetiva contribuição para
a sociedade. Ou seja, o que o trabalhador ganha corresponde ao que
contribui, e o que cada um tem em termos de riqueza depende de seu mérito,
de seu esforço (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 50).
351

A contribuição dos autores/as reforça a expressão da jovem Dayane ao questionar que


somos somente um número. Assim, contribuir com um cliente, ajudar os/as colegas não
parecia importante, já que apenas a meta - e o lucro - eram o foco. A dimensão do
reconhecimento questionada por Dayane não era relevante, o essencial seria atingir o objetivo.
Ao final, a jovem refletiu se poderia chamar o local em que atuava de trabalho, pois a
referência que possuía estava distante das vivências que tinha ali, como mencionou:

Onde eu estou hoje, eu só tenho aquele caminho. Não tem muita gente se
importando com o que eu vou fazer, né, com o que eu falo. Por exemplo, na
universidade eu tinha professores com quem eu podia conversar, com quem
eu podia questionar a ordem das coisas, né? Preocupados com minha
formação. Mas, empresa privada é meio que você sentar lá e fazer o seu
serviço, ir embora e não questionar mais nada. E, assim, como eu sou muito
curiosa, sabe, eu sou muito questionadora das coisas. Assim... Então, assim,
você tem que ter muito cuidado com quem você fala e o que você fala, né? O
negócio em empresa privada é realmente isso, sentar lá, fazer o seu, fazer
dinheiro, enriquecer alguém e ir embora para a sua casa.

A principal referência laboral de Dayane tinha sido a UFMG, especialmente ligada à


dimensão do trabalho educativo, como exploramos. A jovem retomou a importância que via
em ser ouvida, poder questionar e ter com quem conversar, o que não acontecia na empresa
atual. Para Dayane, seu perfil questionador não se adequava à empresa. Expressou que o
trabalho que desenvolvia servia para enriquecer alguém, demostrando sua insatisfação com
essa lógica e modelo de sociedade. A narrativa da jovem notabilizava também os diferentes
sentidos do trabalho, pois – se para Breno o sentido se articulava à dimensão salarial; de
reconhecimento, como vimos em Weliton; ou mesmo como construção de si, como para
Rebeca –, além da necessidade, para Dayane o trabalho tinha sentido quando se relacionava à
aprendizagem e à troca de experiências. A jovem, em outra narrativa, trazia mais elementos
acerca do sentido do trabalho, reforçando a importância deste como um espaço formativo,
mas demonstrou que possuía também outras expectativas acerca do espaço laboral, como
narrou:

[...] onde eu trabalho, assim, eu acho que é meio alienante. E você não tem
nenhum outro desenvolvimento, nada que você possa se... sabe? Não sei,
parece que, sei lá, porque está todo mundo tão focado ali. Era diferente de
trabalhar aqui [UFMG]. Tinha pessoas com um nível de instrução maior
que o seu, então, você aprendia mais coisas. Mas lá, não, é todo mundo com
o ensino médio, eu também tenho, mas, assim, um pessoal pouco instruído,
então, é meio que alienante. Você faz aquilo ali da sua vida, sei lá, lá eu não
vejo caminho de ter nem uma promoção. Então, assim, às vezes, eu não fico
tão animada de investir numa carreira, sei lá, vou fazer um curso de gestão
financeira, algum curso na área de gestão, ou da área que o laboratório
atua, para conseguir uma promoção que não tem perspectiva. Então, você
fica ali; ou você pega aquele dinheiro do “trabalhinho” ali e investe em
352

alguma coisa para você mudar de cargo em outra empresa. Vou ficar lá por
um tempo, não é onde eu quero ficar por muito tempo, mas, enquanto eu não
arrumo outro, eu vou ficando. É alienante por conta disso, você não vê uma
perspectiva de mudança, então, aí, você vai ficando, aí, só tem aquilo ali
para você, e aí, para mim, é serviço repetitivo, né? Então, para mim fazer
aquilo ali, aquele serviço repetitivo, você faz “no automático” todo dia e
pronto, não tem mais nada a fazer não. E ainda tinha a questão de ser
terceirizada novamente. Trabalho lá, porque não tenho outro, é sem sentido,
sabe.

Contrariamente ao trabalho na UFMG, a jovem enfatizou dimensões do trabalho no


laboratório que poderiam ser interpretadas como deformadoras. O primeiro fator era a
dimensão da alienação no trabalho, caracterizada tanto pela impossibilidade do aprendizado
quanto pela repetição. Além disso, havia a dificuldade de se construir uma carreira e de se
desenvolver, invalidando tentativas de articular o curso superior ao trabalho que já
desenvolvia, o que parecia ser uma expectativa da jovem. A jovem recuperou novamente a
dimensão da terceirização, enfatizando que eram ainda mais expressivos os impactos. Isso
porque, na UFMG, ela era terceirizada, mas podia recorrer a uma chefia para solucionar
algum problema, enquanto no laboratório de exames, “ela é de todo mundo e não é de
ninguém”, pois não tinha a quem se reportar, não tinha referência de chefia e nem de setor.
Afirmou, ainda, que o número de terceirizados/as era maior, anulando a perspectiva de um
trabalho em equipe. Na cena de Caio e Letícia, ambos os jovens não mencionaram acerca da
terceirização; já Dayane trouxe mais problematizações sobre sua experiência como
terceirizada, como já citamos, mas diante de outra experiência de terceirização, parecia
corroborar que o processo na UFMG trazia outras nuances.
Para Dayane, o atual trabalho se configurava como algo passageiro, enquanto não
conseguia outra oportunidade de inserção. Como afirmam Jeolás e Lima (2002), muitos/as
jovens se veem obrigados/as a ter que aceitar um trabalho que não gostam, o que
consideramos ser o caso de Dayane que, mesmo com diferentes questões negativas acerca do
trabalho, sua condição familiar impunha a necessidade de se manter no trabalho, o qual
considerava alienante, até conseguir outra atividade.
No contexto explicitado, o trabalho para Dayane perdeu o sentido de direcionamento e
aprendizado:

Ultimamente trabalho para mim é uma forma de ganhar dinheiro. Você


vender seu tempo para ganhar um dinheiro suado e, às vezes, perder,
quando você vende seu tempo, você não tem ele mais [...]. Deveria ser
também um lugar onde você pudesse se desenvolver, mas, ultimamente, só
para ganhar dinheiro mesmo, pagar o que tem para pagar para alguém.
353

Os sentidos que a jovem estabeleceu com o último trabalho destoavam muito das
experiências como jovem trabalhadora (CVB), estagiária e terceirizada que teve na UFMG.
Ela afirmou que já buscou outras inserções, mas não conseguiu e, devido à necessidade, não
podia sair do trabalho. A dificuldade de encontrar novo trabalho poderia ter relação também
ao tipo de trabalho que era oferecido a ela e, devido a ter começado a trabalhar muito cedo,
tinha dificuldade diante de um campo de possibilidades mais restrito tanto do ponto de vista
das redes de contato quanto da formação que era também importante. A jovem afirmava que,
cada vez em que atuava, o trabalho era mais alienante, com poucas possibilidades de
crescimento pessoal e profissional, sem sentido, mas as exigências para a inserção eram cada
vez maiores:

Eu acho que hoje o maior desafio é construir uma carreira profissional.


Quando você pensa no mercado de trabalho, eu tenho só 22 anos, mas,
pelas exigências do mercado, já era para eu estar com uma graduação, uma
pós-graduação, dez anos de experiência e inglês fluente. Mas, eu só tenho só
22 anos! Agora que eu estou aprendendo um pouco a fazer escolhas
melhores, a tomar consciência de que uma escolha errada que eu faço pode
mudar minha vida inteira, então, assim, agora que eu estou aprendendo a
escolher e está complicado, então, eu acho que esse está sendo o maior
desafio, né. Desafio é tentar construir uma carreira, mas também no que é
importante para minha vida, não deixar se levar só por causa do dinheiro.
Eu acho que para a vida inteira, o desafio é fazer boas escolhas... É difícil.
E tenho planejado e pesquisado, assim, como vai ser, tentando ser assertiva,
conversando com quem já, com quem é mais velho, com quem já passou, que
já superou essa parte, essa indecisão de para onde eu vou, o que eu vou
fazer, ver com eles o que dá pra fazer, o que eu posso aproveitar e,
realmente, conversar pra eu ser assertiva na minhas escolhas, especialmente
com relação ao trabalho, pois influencia no restante.

No seu depoimento, Dayane elucidou as contradições do mercado de trabalho,


especialmente quando pensamos em jovens, pois, cada vez mais, as exigências de formação e
habilidades são maiores. “Saber fazer” não garante acesso aos espaços de trabalho, o diploma
é uma credencial exigida, mas tê-lo também não significa inserção. De mais a mais, a jovem
citou a dimensão da carreira, tendo o prazer também como possibilidade de escolha, o que se
coloca na contramão da lógica do mercado. O Brasil tem construído um mercado de trabalho
cada vez mais exigente, o que dificulta muito a inserção dos/as jovens que ainda não tiveram
condições de acumular os requisitos exigidos pelas empresas (Joaze COSTA, 2015).
A expressão citada pela jovem “mas só tenho 22 anos” demonstra as exigências de
qualificação do mercado de trabalho, que, por sua vez, não tem espaço para todos/as os/as
qualificados/as. Inferimos que o fato de a jovem não estar estudando contribui para que ela
tivesse uma perspectiva ainda mais negativa sobre o mundo do trabalho tanto devido à
354

realidade do mercado quanto por se sentir ainda mais aquém diante exigências dele.
Salientamos que o fato de ter somente 22 anos, como mencionado pela jovem, enfatizando
especialmente a insuficiência de suas qualificações, não poderia ser entendido de maneira
isolada, pois, diante do mercado de trabalho, ela poderia acumular requisitos e/ou credenciais
e, mesmo assim, ficar sem trabalho, pois, como já citamos, em praticamente todas as cenas,
diferentes fatores repercutiram na inserção no mercado de trabalho.
Chama a atenção a consciência que a jovem detinha acerca da importância de suas
escolhas. Afirmava que uma escolha errada, especialmente no campo do trabalho, poderia
trazer consequências para sua vida. Sua estratégia era conversar com os/as mais experientes,
para conseguir traçar melhor seus projetos. Mencionamos que as incertezas da jovem se
referiam a um contexto mais amplo de globalização marcada pelas desigualdades de
oportunidades, que são ainda mais fortes para mulheres jovens e pobres, como é caso da de
Dayane e também pela “fragilização dos vínculos institucionais” (CARRANO, 2009).
Vivenciamos um paradoxo de um mercado que impõe “um perfil para o jovem que envolve
características nunca antes exigidas” (Aline DORNELLES; Carlos REIS; Vanessa
PANOZZO, 2016, p. 87), mas, ao mesmo tempo, apresenta um mercado que não tem vaga
para todos/as associado a precariedade das condições de trabalho quando se alcança uma vaga
no mercado.

6.4 O sonho de acessar o ensino superior público: entre o desejável e o possível

A continuidade do processo de escolarização da jovem Dayane, após ensino médio, se


deu a partir do curso técnico em Segurança do Trabalho, com duração de um ano e meio. A
jovem fazia o curso à noite e trabalhava durante o dia.
Para ela, o curso significou uma forma de se manter no local de trabalho, pois
precisava estar estudando para estabelecer um contrato de estágio. Como vimos, a sua escolha
foi estratégica, levando em conta o preço, os horários e, principalmente, a possibilidade de
ampliar as alternativas de inserção futura no mercado de trabalho. Outro estímulo foi que
“sabia que não passaria na faculdade”, como citou, evidenciando a distância que percebia,
naquele momento, do ensino superior.
A jovem não finalizou o curso, segundo ela, porque não teve dinheiro e não atuou na
área cursada. Ela não sabia informar se conseguiria ou não ter acesso ao certificado.
Resumindo, foi um investimento de tempo e dinheiro que, ao final, foi desconsiderado do
ponto de vista pragmático, o que vem reforçar a ideia, já mencionada em outros momentos,
que, nas camadas populares, a inserção em processos educativos se desenvolve sem um
355

planejamento e, não raras vezes, por um processo sem sentido, pautado em um discurso
corrente de que os cursos e os diplomas são garantias de melhores inserções. Diante disso,
fica notória a importância de suportes que possibilitem espaços de reflexão acerca do campo
de possibilidades da jovem e contribuam para sua tomada de decisões.
Nesse contexto, a universidade aparecia como um sonho para Dayane e a distância que
ela via em relação a sua inserção na universidade foi minimizada com sua entrada na CVB,
como pontuou:

Fazer faculdade ainda está distante, mas era mais. Antes um pouco de
entrar no ensino médio e principalmente aqui [UFMG/CVB] eu nem sabia
como fazia, como funcionava entrar na universidade, eu sempre achei que
era pago. Então, quem ia fazer é quem teria dinheiro. Eu não sabia o que
era universidade pública, não conhecia universidade pública, não sabia
como funcionava, aí, assim, depois do ensino médio que eu comecei a ter
uma noção de como que funciona o negócio, como você faz para ingressar
na universidade, para você fazer um curso superior. O pessoal do trabalho
também explicava tudo...Parecia distante, porque eu não sabia como
funcionava, né? Achei que tinha que pagar e, aí, agora, eu ainda acho
distante, porque eu tenho uma educação básica defasada. Então, assim, eu
tenho que “correr atrás” do prejuízo agora, não está tão acessível, tem
muita coisa que eu tenho que voltar lá no básico. Agora eu tenho que correr
atrás do que eu não aprendi.... Ah, sim, então, eu sempre quis fazer
faculdade, né?! Não sei se é pior [risos]...Porque agora sei que preciso
passar é nessa pública [Universidade Pública] e não passo. Não posso
justificar que não tenho dinheiro para pagar, tem pública... Nossaaaaaa [faz
um gesto de ter que se esforçar e suar].

No depoimento de Dayane, ficava evidente a importância de se conhecerem os


caminhos de acesso a uma universidade que é um elemento fundamental do campo de
possibilidades. Corrochano (2013) lembra que as relações estabelecidas no trabalho e a
própria experiência de trabalho podem contribuir para a construção de algum projeto.
Consideramos que o local que ocupou na UFMG – recepção de pós-graduação – certamente
contribuiu para ter mais informações sobre a dinâmica da universidade pública, tendo em
vista que a lógica de organização da pós-graduação envolve diferentes nuances da instituição.
Ademais, a convivência com pessoas que faziam o ensino superior possibilitou o acesso a
informações. O trabalho na universidade contribuiu, ainda, para a escolha do curso superior,
pois ela sonhava em fazer Medicina Veterinária, principalmente pela experiência que
vivenciou. Outra dimensão era a de responsabilização, pois se referia ao ensino médio, no
qual reconhecia a sua defasagem a partir da educação básica, mas imputava para si o dever de
“correr atrás” e passar numa universidade pública, reforçando a lógica do mérito, como já
vimos em outras cenas.
356

É interessante apontar que, para Dayane, o trabalho não foi uma causa da defasagem
no aprendizado no ensino médio, mas, sim, a precariedade do próprio ensino. Desde o ano de
2012, a jovem havia informado que trabalhar e estudar era difícil, mas, na UFMG, era
possível conciliar as duas atividades.

Trabalhar e estudar? Dava para conciliar o ensino médio e o trabalho.


Inclusive tinha professores da Federal [UFMG] que me davam aula de
algumas coisas, assim, coisas básicas, né, mas tirando dúvidas, mesmo, e eu
conseguia fazer os meus trabalhos, [tarefas] para casa, essas coisas, eu
conseguia fazer tudo no serviço, então, para mim, foi ótimo, mas era muito
cansativo. É, para mim era super OK, porque eu podia estudar no trabalho,
tinha vez que era mais apertado, mas, assim, geralmente eu conseguia fazer
tudo à tarde, porque o ritmo de trabalho era mais tranquilo do que em
iniciativa privada, né. Então, eu conseguia fazer os meus trabalhos, tudo
tranquilo. Não tinha muita dificuldade não, só o cansaço, mesmo. Porque eu
trabalhava de 8h às 17h e pegava, e ia para casa e chegava em casa, e
pegava aula às 19h20, chegava em casa às 23h. Então, só esse ritmo, aí,
para mim, que era cansativo, mas, em geral, eu aprendi muita coisa.

É possível perceber mais uma vez a dimensão educativa do trabalho, agora,


relacionada aos estudos. A possibilidade de ter “aulas” com professores/as da UFMG e de ter
espaço para tirar dúvidas era algo singular na experiência da jovem. Além disso, ela
mencionava a possibilidade de poder estudar no horário em que tinha menos tarefas no
trabalho. Ratificava os achados da pesquisa anterior na qual a maioria dos jovens (95,7%)
afirmou que podia estudar no horário de trabalho (NONATO, 2013). Porém, como citou a
autora, se referia a um tempo de estudo na ausência de trabalho, ou seja, “trabalho é colocado
em primeiro lugar e se “sobrar” tempo é possível realizar atividades escolares” (idem, p. 185).
Por outro lado, a jovem mencionou o cansaço, que não era percebido por ela como
algo que atrapalhava os estudos. Essa dimensão é muitas vezes negligenciada pelos/as jovens
da CVB, que o naturalizam, esquecendo a falta de concentração, o desânimo e o sono que
gera, especialmente sendo a maioria deles/as estudantes do noturno.
Diante da consciência da precariedade do ensino médio cursado, Dayane optou por
fazer cursinho para tentar se inserir numa faculdade. No ano de 2015, ela iniciou a primeira
tentativa no cursinho.

Para tentar entrar na faculdade, fiz primeiro no Pré-Federal. Aí, eu fiz, eu


não dei conta. Na época, eu trabalhava, eu recebia melhor do que hoje e
dava para eu pagar o cursinho, sem pesar no meu orçamento, mas eu
trabalhava oito horas por dia, de nove às seis. Aí, o cursinho era de seis e
meia às dez e meia e eu trabalhava de segunda a sábado. Não dava tempo
de estudar e onde eu trabalhava também não tinha como estudar.
357

A inserção de Dayane no cursinho foi concomitante à sua atuação como terceirizada,


em que trabalhava em quatro setores. A jovem afirmou que “não deu conta de conciliar
trabalho e estudos” e no local de trabalho atual, já não conseguia mais estudar. Afirmou que
não deu continuidade ao cursinho, pois não conseguia ler as apostilas e ficava muito cansada,
com muitas tarefas a cumprir. Assim, como para Caio e Letícia, a rotina retrata um
sobretrabalho, como apontado por Mesquita (2010), pois as 44 horas semanais eram
ultrapassadas, considerando os estudos também um trabalho. Tanto o cansaço quanto a
ausência de tempo se assemelham aos achados de Cardoso (2007) acerca do tempo de estudo
de jovens trabalhadores/as na fábrica, ao mencionar que se tratava de um tempo “vivenciado
como ‘muito curto’, insuficiente para descansar e vivenciar todas as outras temporalidades
sociais” (p. 293). Neste contexto, a jovem fez a primeira tentativa do Enem para o curso
desejado e não passou.
No ano de 2016, Dayane se inseriu em outro cursinho, curso Pré-Enem na UFMG162.
Mesmo sendo gratuito, ela não conseguiu permanecer, pois foi no período em que ficou
desempregada e não tinha recursos para custear o seu deslocamento. A dificuldade de
deslocamento devido à falta de recursos também fez parte das vivências dos/as jovens
estudantes da USP, egressos de escolas pública, interlocutores/as de Tarábola (2015), o que
reforça que jovens de camadas populares precisam de apoios variados para o acesso a
determinados programas e projetos. A jovem avaliou sua experiência em ambos os cursinhos
explicitando:

[...] gente, eu não tinha tempo para estudar. Cursinho é para você revisar
três anos de ensino médio e eu chegava lá e não sabia. Eu estava atrasada,
não estava revisando, mas vendo aquela matéria a primeira vez. Dois
fatores, eu acho, que o que mais pesaram em geral foi o ritmo do cursinho,
muito acelerado. Porque, assim, Matemática eu estou tendo uma dificuldade
muito grande para acompanhar, porque Matemática é prática, e você tem
que saber o básico. Se você não sabe o básico, você não faz o resto. Você
não segue, e para mim eu tenho muita dificuldade porque o básico eu fui
rever umas aulas aí, quando eu fui ver eu não estava sabendo fazer nem as
operações básicas, o básico do básico eu estava com dificuldade. Então,
assim, esse lado da área de exatas, eu sinto que eu estou muito desfalcada.
As outras [matérias] eu ainda consigo desenvolver, mas exatas eu me sinto
muito prejudicada. E o outro era mesmo a falta de tempo para estudar.

Os fatores que a jovem mencionou acerca da sua inserção no cursinho têm relação
com o ensino médio e com o trabalho. O primeiro, sobre o ritmo do cursinho, o qual ela não
conseguia acompanhar, respalda a ideia que o tempo é uma construção subjetiva, pois o

162
O curso preparatório para o Enem se configura como um projeto de extensão da UFMG. O projeto é gratuito
organizado por alunos/as de algumas engenharias da UFMG e supervisionado por professores/as.
358

tempo do cursinho não se harmonizava ao tempo de aprendizagem dajovem (CARDOSO,


2007). Ter que frequentar um cursinho amplia a ideia de que aprendizagem na educação
básica apresenta uma lacuna que precisa ser preenchida, porém, parte-se do pressuposto de
que os conhecimentos básicos já teriam sido apreendidos, o que não era o caso da Dayane,
assim como não era o de Letícia. Outra questão era a relação com o trabalho, que
impossibilitava que Dayane tivesse tempo para estudar. Ambos os fatores perpassam a
dimensão do tempo – enquanto ritmo de aprendizagem e a falta dele gerada pelo trabalho.
Neste sentido, a construção subjetiva do tempo também dialoga com o campo de
possibilidades.
Após as experiências de estudar nos cursinhos e da avaliação que a jovem faz de suas
experiências no ano de 2016, ela, então, decidiu não fazer cursinho e tentar estudar em casa:

Aí, esse ano eu não fiz cursinho, porque eu não consigo acompanhar
cursinho, e financeiramente também pesou para mim, porque eu trabalho só
meio horário. Aí, assim, eu tenho que ajudar em casa, né, a minha mãe paga
aluguel, aí, meio que não sobra, não sobra mais. Aí, depois eu vou para
casa, e eu estou tentando estudar em casa, só que eu tenho muita dificuldade
com procrastinação. Eu procrastino demais. Mas, assim, aí, a partir de 13h
mais ou menos, eu já estou em casa e, aí, eu tento estudar. Eu preciso entrar
na universidade, mas saio do trabalho e durmo [risos]. Primeiro eu vejo
séries, eu estou tentando estudar, mas, assim, você estudar em casa é muito
difícil, sozinha é muito difícil.

Parece-nos que a falta de disciplina de Dayane para estudar teria relação com a sua
dificuldade de aprender determinadas matérias, o que desestimulava os estudos. Mas também
teria vínculo com o seu contexto familiar, pois, como a jovem expôs, em sua infância não
havia horário para nada, era tudo muito livre tanto na vivência com a mãe quanto com o pai.
As condições de vida da infância e da adolescência, bem como os limites dados, tendem a
repercutir diretamente nas vivências da juventude.
Dayane tinha o sonho de entrar numa universidade, mas mesmo tendo consciência do
seu projeto, não conseguia estabelecer para si uma disciplina. Cabe lembrar ainda que,
segundo a jovem, o trabalho não era mais a justificativa para o não estudo, pois ela trabalhava
seis horas no dia. Todavia, como já enfatizamos na cena de Weliton, o fato de trabalhar seis
horas não garante o tempo de estudos, pois, como salienta Cardoso (2007),

a sensação de que a vida é corrida está não apenas relacionado à quantidade


de tempo dedicado às atividades de trabalho, mas também à forma como as
atividades são desenvolvidas e às sensações que se prolongam para além e
aquém da jornada, pois estão impregnadas no corpo do trabalhador
(CARDOSO, 2007, p. 314).
359

As contribuições da autora são relevantes, pois Dayane já havia apontado o desgaste


tanto diante das suas funções quanto acerca das relações que desenvolvia no trabalho, ou seja,
consideramos que a procrastinação possuía relação também com o prolongamento das
sensações do espaço laboral. Desta forma, o trabalho parcial, dependendo da função, pode ser
uma ilusão que leva o sujeito a se culpabilizar pela falta de organização temporal, sem levar
em conta os fatores que interferem nessa dinâmica. Mas, ao mesmo tempo, diante do seu
campo de possibilidades, era a oportunidade concreta para ter tempo para estudar, como
vimos no caso do jovem Weliton.
Cabe mencionar que a jovem Dayane enfatizou que buscava fazer curso superior na
UFMG:

Eu quero estudar na UFMG... Ah, para mim, tem que ser aqui [UFMG]
porque, assim, como é só eu e a minha mãe, eu não tenho a possibilidade e
nem quero ir para outro estado, ir para outra cidade, cursar outra
faculdade. E ProUni eu não considero, porque, gente, eu tenho que entrar
em uma universidade pública, não é possível, entendeu? ProUni eu já
considerei, mas assim, eu sei que eu tenho potencial, eu não sou, eu estou é
desleixada, mas, se eu estudar, eu entro para uma universidade pública. É,
eu sei que eu tenho potencial, sabe?! Eu já fiz um cálculo de nota mais ou
menos, já sei, né, eu tenho um planejamento, eu tenho um plano, eu tenho
um planejamento. O que que eu vou fazer em uma universidade particular?
Tem uma universidade pública. Então, é aqui que eu tenho que estar. É ter
acesso ao que é direito meu, essa universidade é financiada com dinheiro
meu e de todo mundo e é uma universidade pública, então, é acesso ao que é
direito meu, o que o estado deveria garantir para todo mundo.

Embora veja a universidade como um direito, a jovem explicitou que depende de si


mesma para a sua inserção, pois, se estudasse, conseguiria passar, uma vez que seu problema
era “estar desleixada”. Outras dimensões, porém, compõem o desafio de sua inserção na
UFMG, especialmente a precariedade do ensino médio, que está associada a outros fatores,
tais como, baixa condição econômica para se manter somente estudando e a difícil conciliação
entre estudos e trabalho. Diante de suas condições objetivas, Dayane informou que não faria
mais o curso desejado (Medicina Veterinária), pois é um curso que “não estava dentro da sua
realidade”, como narrou:

Eu já pensei em muitas coisas [risos]. Então, depois que eu trabalhei na


escola de veterinária, sabe, eu já considerei fazer Medicina Veterinária, mas
só que não dá para mim, pois eu preciso trabalhar. O curso seria numa
universidade pública, mas você tem gastos demais com o curso. Como eu
iria pagar as contas? Eu conheço do curso, eu sei como é que é, você tem
muitos gastos e não dá para você trabalhar. Aí, assim, eu filtrei pelo que eu
gosto. Matemática ou na área de exatas, para mim, não, tenho muitas
dificuldades. Aí, para a área de saúde tinha Medicina ou Medicina
Veterinária que eu queria. Os dois cursos são diurnos, então, não. E Direito
tem noturno e é algo que eu gosto também. É o que dá para fazer. Se fosse
360

gosto, seria a Veterinária, mas eu não tenho condição de fazer isso, não. É,
mas assim, não que eu não goste de Direito, mas, aí, também, eu tive que ir
não só pelo que eu gosto. E eu tive também que avaliar a carreira, né? Eu
queria fazer o que eu gosto, mas dentro das condições eu vou fazer o que dá
e quem sabe lá na frente não dá... Eu também estou nova, eu tenho 22 anos,
é, então, assim, lá na frente que eu vou ver, às vezes, ainda dê para fazer,
vou optar pelo que dá para fazer e para mim, só de não estar estagnada, né?
Só de fazer um projeto e botar ele em curso, está bom, não é o que eu sonhei
não, mas vai dar para fazer.

No depoimento, Dayane deixou explícito o quanto o trabalho na UFMG influenciou


sua escolha. Todavia, por compreender a dinâmica do curso, bem como diante das suas
condições de vida, avaliou que não podia realizar seu desejo. É a dificuldade econômica, ou
seja, a sua condição de jovem pobre que era um impedimento para que a jovem já decidisse a
não tentar sua inserção, pois tinha consciência dos limites do seu campo de possibilidades.
Como aponta Zago (2006), além das políticas de inserção, é necessário pensar políticas de
permanência do sistema educacional, as quais já existem na UFMG, e a jovem tinha
conhecimento, mas informou que eram insuficientes para ela se manter lá. O caso de Dayane
não é isolado, pois muitos/as jovens enfrentam os mesmos desafios. O curso que ela
considerou “que dá para fazer” é o curso de Direito, pois a jovem afirmou que gostava e
estava disponível no período noturno, assim como para Breno, percebemos a conformação
dos sonhos às condições objetivas. Para a jovem, é melhor fazer o curso de Direito, mesmo
que não goste tanto, pois “não estaria estagnada”. A afirmação de Dayane corrobora a nossa
hipótese de que o mais importante do que o curso seria a instituição. A jovem fazia “uma
escolha” tendo como base a possibilidade de trabalhar, mas não levava em conta que se
tratasse de um dos cursos mais concorridos da universidade.
O sonho de inserção na universidade ainda era um projeto em construção, pois ela
mesmo afirmou que ainda não conseguiria ingressar no ano de 2017. Mencionou que para
passar no Enem “você tem que ter o conhecimento e tem que saber fazer prova, que são
coisas diferentes. Minha chance ainda é baixa. Eu sei da minha realidade e das pessoas que
vou concorrer nesse curso [Direito]”. A jovem tinha consciência das suas limitações,
especialmente relacionadas ao público que concorre para entrar nesse curso. Assim, nos
chamava a atenção a distância entre os desejos e a condições reais de alcance.
Dayane enfatizou que a sua não inserção na universidade se referia à junção de
diferentes fatores, como mencionou:

Quando eu olho para o contexto e vejo minhas possibilidades reais de tudo,


é triste. Eu vejo diferença demais. Porque, assim, acaba que no meu
contexto social, eu ainda me declaro parda, né. Porque eu não entendi muito
bem onde eu estou [quanto a sua cor/raça], mas assim, eu sou uma mulher
361

jovem, só tenho 22 anos e periférica e baixa renda. E pelo meu contexto


social, assim, das jovens que estudaram comigo, a maioria está grávida.
Então, assim, você romper essa barreira, eu sou pobre, periférica e sou
mulher. Então, eu estou sujeita a muita coisa, sabe? Então, assim, eu vejo
muita diferença, uma barreira muito grande para eu ter acesso à
universidade por todos esses contextos.

A jovem, embora em vários momentos tenha se responsabilizado sozinha pela sua


inserção no ensino superior, reconhecia que outras nuances compunham o cenário para sua
não inserção nesse nível de ensino. Aliado a sua condição de gênero, faixa etária e origem
social já citadas, a jovem apontou o seu pertencimento racial. Ou seja, existe a
interseccionalidade (CRENSHAW, 2002) de diferentes condições e todos os condicionantes
eram importantes, pois restringiam/restringem ou ampliavam/ampliam a possibilidade de
inserção no ensino superior.
Como já apontamos nas discussões sobre o ensino superior, a juventude negra e pobre
é a mais afetada “pelas barreiras educacionais” (OXFAM, 2017). O diagnóstico sobre
discrepância das trajetórias escolares de brancos/as e negros/as, em que estes últimos estão em
desvantagem existe há décadas (Fúlvia ROSEMBERG, 1991; Carlos HASENBALG; Nelson
SILVA, 1990). Quando analisamos a escolarização de negros/as e brancos/as, é possível
perceber que a escolaridade média tem aumentado, como vimos, contudo, a distância entre
essas duas categorias sociais ainda não foi rompida, permanecendo as desigualdades de acesso
quanto à raça163. Quanto ao gênero, Sandra Flontino (2016) menciona que temos vivenciado
um aumento da participação feminina no ensino superior, mas tal participação ocorre de
maneira segmentada, com diferenciações, conforme curso e áreas. Assim, podemos afirmar
que a biografia de Dayane composta pelas identidades de gênero – ser mulher –, de classe –
ser pobre – e de raça – ser negra –, se interseccionam e adensam ainda mais as barreiras de
acesso ao ensino superior.
Outra questão importante abordada pela jovem diz respeito à falta de referências que
havia em seu contexto. Dá o exemplo das amigas que estavam grávidas, o que poderia gerar
um distanciamento do ensino superior, embora com exceções, como vimos no caso de
Rebeca. Na família, também, Dayane afirmou não ter exemplos:

Na minha família não tenho com quem conversar sobre o meu projeto de
fazer ensino superior. Se eu soubesse desde sempre eu já ia me organizando,
mas quando descobri já estava no ensino médio. Aí, que fui começar a
pensar em cursinho, em ver se eu tinha como entrar... Para mim, é meio
isolante...Aí, é por isso que eu não converso tanto, porque, assim, os

163
Cf. Ricardo HENRIQUES, 2001; Danielle VALVERDE, 2011; GOMES; MIRANDA, 2014; OXFAM,
2017.
362

assuntos não batem com as ideias do pessoal. Mas, também, eu não culpo, o
pessoal da família da minha mãe é muito simples, não teve acesso à
educação e tal, então, assim, eu entendo que eles não compreendem, mas
para mim é ruim. E parece assim, os meus primos também, ninguém está
muito interessado, e, aí, para mim, eu converso, mas nada de sentar, assim,
bater papo, ter intimidade, conversar sobre projeto de vida, essas coisas,
nada. Converso.... Não ter ninguém para conversar sobre faculdade, para
mim é normal porque eles não sabem, né?! Eles não entendem.

A falta de diálogo na família sobre o ensino superior era algo presente na vivência de
Dayane e de outros/as jovens da pesquisa. Por um lado, é possível afirmar que, assim como
para alguns/algumas jovens, o projeto de “longevidade escolar” aparecia para a jovem de
maneira tardia. Anteriormente, dentre as características centrais de escolarização das famílias
de camadas populares, como afirma Viana (2000), tinha-se uma ausência de projeto a longo
prazo, marcada tanto pela imprevisibilidade quanto pela aleatoriedade. No cenário atual, com
a inserção de políticas de democratização do acesso, a possibilidade de sonhar com a
universidade e buscar projetar estratégias de inserções no ensino superior tendem a ser mais
palpáveis. Assim, embora Bréscia Nonato (2018, p. 59) evidencie um processo de
“democratização segregativa”, especialmente no ensino superior público, ressaltando que “a
abertura do Ensino Superior não se dá de forma igualitária para todas as áreas do
conhecimento e que há diferenças quanto à origem social, raça e gênero”, o perfil dos/as
ingressantes tem se alterado e a possibilidade de vislumbrar o ensino superior como
possibilidade tem adentrado as vivências de jovens de camadas populares, como a mesma
autora cita. Por outro lado, vale a pena enfatizar que, mesmo na ausência de práticas
familiares, pode acontecer longevidade (VIANA, 2000). Como aponta Zago (2003):

os desejos que apoiam esse projeto não surgem do acaso nem são isolados
das relações históricas e sociais dos sujeitos singulares, mas são construídos
no curso da vida a partir de sua primeira infância sob o efeito da coexistência
com outros, fixam-se progressivamente na forma que o curso de sua vida
determinar, no correr dos anos, ou, às vezes também de maneira brusca, após
uma experiência particularmente marcante (ZAGO, 2003, p. 37).

Para a jovem, a construção do projeto de escolarização era recente, a partir da


experiência de “descoberta do ensino superior” no ensino médio articulada ao
(re)conhecimento da universidade no espaço de trabalho. Desta forma, mesmo diante de
diferentes violações e da ausência de um projeto de vida, circunstâncias que atravessam sua
infância e sua adolescência, a jovem se refazia ratificando que experiências que ultrapassam a
esfera familiar podem mobilizar os sujeitos em torno de um projeto, como afirma Zago
363

(2003). Cabe lembrar que, mesmo desconhecendo os processos de inserção e a dinâmica da


educação superior, a jovem citou que tinha apoio da mãe:

A minha mãe, ela não entende muito, né? Eu explico para ela que quero
entrar em uma universidade e minha mãe me incentiva do jeito dela. Por
minha mãe não conhecer, eu sinto que ela ainda fica assim: “ah, um
concurso seria tão bom, né?!” O acesso seria mais rápido e uma graduação
é investimento a longo prazo. Eu não vou sair da universidade ganhando
bem ou concursada. A longo prazo que eu vou ter um retorno do que eu
investir para estudar por um tempo. Assim, eu tento explicar para ela, mas
eu sinto que ela não entende tanto, não vê como realmente uma garantia de
que isso vai mudar em alguma coisa. Mas, ela fica feliz por eu estar me
esforçando. Eu acho que, assim, tudo que eu faço, assim, relacionado a
estudos, eu, por mais que ela não compreenda, eu vejo que ela fica feliz,
então eu explico para ela mais ou menos de uma forma que ela entende. O
que eu falo ela apoia. Ela não intromete, mas o que eu falo ela apoia, que
nem eu estou falando tudo que ela me vê fazendo para chegar em algum
lugar, geralmente ela me dá apoio. Eu sei que ela torce muito por mim, de
qualquer forma. Sei lá... Acho que se já tivesse alguém na faculdade, eu
procrastinaria menos [risos].

Ao contrário dos/as jovens pesquisados/as que veem a educação como possibilidade


de mobilidade social, a mãe de Dayane parecia não confiar nessa estratégia e preferia que a
filha a conquistasse a partir do concurso público, por exemplo. Importante frisar que a mãe
apoiava o desejo da filha, mesmo sendo contrário às suas convicções. Mais uma vez fica claro
como o suporte é um fator-chave nas famílias de camadas populares ‒ como vimos em várias
das cenas.
A jovem mencionou que, para amenizar a ausência que sentia de poder conversar
sobre seus projetos de inserção na universidade com sua família, ela buscava conversar com
os/as antigos/as colegas de trabalho, com os/as atuais que já se formaram ou também estudam
e com os/as amigos que faziam faculdade. Segundo ela, eles/as ocupavam o lugar da sua
família nesse sentido. Assim, embora a família tivesse um papel primordial para construção
das trajetórias educacionais “os elos estabelecidos em outras esferas de sociabilidade
compensam os efeitos negativos da família” (BITTAR, 2015, p. 52), neste caso, entendido
como falta de possibilidade de dar suporte quanto ao ensino superior.
O sonho e o projeto de ingressar na universidade para Dayane estava entre o desejado
e o possível. A jovem desejava se inserir no ensino superior público, mas diante de suas
condições, escolheu um curso que não era o que ela gostaria de fazer. O curso parecia não ter
sentido em si mesmo, mas representava a possibilidade de se inserir. Pontuou ainda que
“sofreria cinco anos” no curso superior, mas teria novas possibilidades na vida. Como os/as
outros/as jovens, Dayane depositava no ensino superior a expectativa de uma vida melhor:
364

Eu ainda acredito que um dia minha vida vai ser melhor e o caminho que eu
vejo para ser melhor é através de ensino superior, para eu ter uma
profissão, né? Com um trabalho mais digno, menos explorador. Ser mais
informada como pessoa, como cidadã. Então, para mim, educação, ensino
superior é um caminho.

Ao contrário da mãe, Dayane considerava que o ensino superior era a garantia de um


futuro melhor, pois ela teria uma profissão - trabalhos menos precários, como também citado
por outros/as jovens (ARAGÃO, 2008). É interessante notar que, embora a jovem tivesse
consciência de suas possibilidades, tivesse contatos e conhecimento sobre a lógica do curso
que desejava, ainda assim precisa “optar” pelo curso possível, pois a realidade social, cultural
e econômica impunha a ela não escolher e “sim ser escolhida”. Tal questão realça como são
assimétricas as oportunidades, pois a ausência de condições econômicas da jovem
condicionava sua escolha. Mediante a um contexto em que a maioria das escolhas implica
dinheiro, temos um “modo de desigualdade social que se traduz em constrangimentos
objetivos na hora de fazer escolhas e tomar decisões [...]” (PAPPÁMIKAIL, 2013, p. 146).
Diante do seu contexto, ela explicitou um pouco do seu projeto de vida:

Eu quero outra vida, sabe... Sonho com isso, mesmo. Não ter condições é
complicado, mesmo. Tudo é mais difícil para quem é de baixa renda. Nada é
escolhido. Mas, é complicado “nadar... Nadar e não ver retorno”. O que eu
tenho pensando ultimamente é procurar outros significados para vida que
não seja dinheiro também, claro que eu quero trabalhar e ter condições. A
gente pensa muito nessas coisas, mas a gente tem que buscar outras formas
de dar significado para a vida. Nossa, gente, se for pensar, estudar e
trabalhar é muito chato, muito chato, você faz um querendo melhorar o
outro durante a vida toda. Mas, assim, eu tento procurar outros significados
para minha vida que não seja na base do dinheiro, sei lá, dança, arte, eu
acho muito interessante, dança ou fotografia e o que você vê mais
significado, a arte, eu acho muito bom, eu acho um caminho ótimo.

Dayane foi categórica ao dizer do seu desejo de ter outra vida, demonstrando sua
insatisfação com a vida que tem. O principal fator para o desejo de mudança se referia à sua
condição de jovem pobre. Porém, mesmo tentando tirar o dinheiro do foco, a jovem
mencionou que desejava comprar uma casa para a mãe, para que ela tivesse segurança em
morar em um imóvel próprio. Assim, como para os/as outros jovens, existia um desejo de
retribuição da família, especialmente à mãe. A busca pela inserção no ensino superior, diante
das diferentes narrativas da jovem, pode ser uma das estratégias que a jovem possuía para
“ter outra vida”, confiando à formação a mobilidade social. Cabe ressaltar que procurar
outros significados para vida é uma maneira também de não ficar somente submetida ao
tempo de trabalho e estudos que era socialmente imposto.
365

A singularidade do percurso de individuação da jovem Dayane no âmbito familiar, no


processo educativo e no trabalho era atravessada por seu lugar social e por seus
pertencimentos identitários. O fato de ser mulher expunha a jovem a uma série de violação de
direitos. A jovem, ao contrário dos/as outros/as interlocutores/as da pesquisa, não pôde optar
por não trabalhar, pois não tinha suportes que garantiriam um tempo de desemprego, pois ela
tendia a ser suporte para sua mãe. No campo do trabalho, as narrativas da jovem contribuíam
para enfatizar que estamos diante de um mercado de trabalho cada vez mais exigente
(ARAGÃO, 2008; JARDIM, 2009) com um discurso de empregabilidade que obrigava a
jovem a “correr atrás” de qualificação, mas sem nenhuma garantia. Ser jovem na busca por
emprego se colocava, então, como limite, pois “ela só tem 22 anos”, mas as exigências são
tanto de conhecimentos específicos (com credenciais de comprovação) quanto do campo das
competências pessoais, além de outros elementos que já pontuamos. Quanto ao processo de
escolarização e busca pela longevidade escolar, consideramos que as violações de direitos, a
precariedade do ensino médio e a ausência de suportes familiares interferiram na dificuldade
da jovem de acessar o ensino superior. Por fim, é mister analisar as experiências da jovem a
partir da interseccionalidade, pois seus múltiplos pertencimentos se entretecem na sua relação
com a família, trabalho e escolarização. Por esse contexto, tendemos a considerar a jovem um
“híper-indivíduo” (ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012), pois mesmo diante de tantos desafios
estruturais, ela buscava diferentes estratégias para sustentar-se no mundo, pois “enfrenta
diversas contingências de maneira profundamente pessoal [...] em um esforço sem término, já
que as inquietudes pessoais são móveis e os desafios estruturais se transformam” (REIS;
DAYRELL, 2018, p. 97) em meio à condição de Dayane: jovem mulher negra e pobre.
366

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas frouxas de bem querer


alinhavo palavras
sonhadoras
reflexivas
recordadas
ambíguas
amargas
antigas
ou novas

Caminha sem retas


o alinhavo
ora certo, ora incerto
trêmulo e feliz
labirinto
sem tempo
de trilhos
que volta
inquieto
ao ponto de origem

Compreenda-me assim
em tempo de alinhavo
pontos leves
e presentes
feito bailarino
beija-flor
Aperta-me assim
sem machucar os braços
em tempo de asas necessárias

E, se buscares outras palavras,


leva para elas
o jeito alinhavado de ser e analisar
que buscarei traçar
em linhas frouxas de bem querer
sem arremate
final

(Minhas conversas com) Vera Romariz (2011) – “Alinhavo”

Neste momento, buscaremos alinhavar os diferentes fios que compuseram este


“artesanato intelectual”. Para tanto, alinhavaremos palavras sonhadoras, reflexivas,
recordadas, ambíguas, amargas, antigas ou novas para dizer [brevemente] dos sentimentos e
dos achados da pesquisa. Com pontos leves, entrelaçaremos os achados à cena social
contemporânea. Alinhavos sem retas que voltam inquietos ao ponto de origem para trazermos
as possibilidades de aprofundamento teórico.
367

Escrever as considerações finais representou uma mistura de sentimentos para mim,


pois entender que não se tratava de um arremate final foi difícil. Confesso que, ao escrever, as
lágrimas foram inevitáveis. Por um lado, fiquei feliz, pois esta escrita representa a [parte de]
finalização de um processo intenso, mas, por outro, me veio imediatamente a saudade
antecipada de ser doutoranda. O gerúndio da palavra precisa ser lido de forma literal e
significativa. Para mim, ser doutoranda foi, de fato, uma ação em desenvolvimento marcada
por aprendizados intensos, por ser uma Pedagoga que se aventurou em estudar
sociologicamente os indivíduos; pela conciliação do trabalho e estudos – trabalho que alterou
completamente o meu percurso no doutorado –; por uma relação orientador/orientanda
paciente, cúmplice, amiga, alegre e enriquecedora. Diria que foram quatro anos de muito
trabalho, leituras, recomeços, de emoções (certamente mais fortes nos momentos finais), mas
especialmente de bonitezas!
A dificuldade de “colocar um ponto final” se deve ainda ao encontro com os/as
interlocutores/as da pesquisa. Vi-me alinhavada nas tramas e dramas de jovens que não
aceitavam palavras prontas de si. Jovens que se construíam cotidianamente, contrariando as
prescrições e rompendo paradigmas. Com exceção das vidas interrompidas, as vivências
dos/as jovens permanecem em curso, o que dificulta ainda mais o ponto final, mas aguça
muito o desejo de futuras pesquisas. Nesse sentido, encaro este momento como uma vírgula,
uma breve pausa que possibilitará outros tempos para o exercício da minha “imaginação
sociológica” que foi “intensamente” utilizada no doutorado.
De modo geral, procuramos evidenciar os percursos de individuação de jovens
enredados/as em processos de socialização no âmbito familiar, laboral e de escolarização.
Os/As jovens interlocutores/as da pesquisa faziam parte de um grupo que teve sua primeira
experiência de trabalho protegido na UFMG, via programa da Cruz Vermelha Brasileira.
Além disso, vivenciaram neste período a conciliação entre estudos e trabalho, visto que estar
estudando, preferencialmente no ensino médio, era uma condição para o trabalho. Se, por um
lado, o perfil geral dos/as jovens apontava para a vivência de condições objetivas muito
próximas, as narrativas nos levaram a tessituras e enredos de percursos de individuação muito
singulares, o que corrobora que os indivíduos, mesmo compartilhando posições sociais e
enfrentando desafios comuns, constroem modos de ser diversos (MARTUCCELLI, 2006).
Inicialmente apontamos que o mundo do trabalho tem se modificado
consideravelmente ao longo dos anos, devido tanto às mudanças nas configurações do
trabalho e do mercado de trabalho quanto às novas formas de ser e estar no mundo. Na
concretude da vida social, os indivíduos “são corpos” múltiplos com identidade, desejos,
368

afetos, tristezas, medos e lutas que se movem nos diferentes espaços/tempos de socialização.
O trabalho não pode ser mais lido como um conceito monolítico, pois é uma relação social
atravessada por várias outras relações, tais como de gênero, de raça, de classe e de idade. Os
indivíduos produzem o trabalho e são produzidos por ele. As diferentes formas de existir
podem ser compreendidas também levando em conta os processos de globalização e a
inserções das novas tecnologias de informação e comunicação, tendo em vista que estas
provocam alterações nas maneiras de vivenciar o tempo/espaço. O tempo do trabalho, por
exemplo, não se relaciona somente a um espaço físico e a uma carga horária específica, pois
as temporalidades são cada vez mais fluídas e dinâmicas. As Tic’s têm um papel significativo
nesse processo, mas temos o surgimento de outras formas de organização dos tempos laborais
(algumas marcadas pela precariedade) e o aparecimento de novas ocupações e profissões.
Nesse contexto, é preciso atentar que o processo de construção dos indivíduos se desenvolve a
partir das potencialidades, limites, contradições, continuidades e rupturas o que, por sua vez,
vai se conformando as novas urdiduras do social.
No mercado de trabalho brasileiro, principalmente a partir de 2004, e no âmbito
educacional, observamos modificações, tendo em vista o crescimento econômico, o que
possibilitou a construção de políticas voltadas para melhoria das condições de ocupação e dos
processos de escolarização. Assim, os/as jovens interlocutores/as estavam inseridos/as num
contexto de mercado com aumento de rendimentos, diminuição das taxas de desempregos, do
assalariamento e das taxas de formalização do emprego. Tal conjuntura era positiva para
eles/as, pois houve redução da ocupação dos/das jovens especialmente na faixa etária de 15 a
17, garantindo a estes/as a possibilidade de “somente estudar”, o que se articulou também ao
processo de massificação escolar, e, especialmente ampliação do ensino médio. Vinculada ao
crescimento econômico, especialmente devido à exigência por profissionais qualificados,
mas, inclusive, em razão da cobrança por “longevidade escolar”, podemos situar a ampliação
do ensino superior – tanto público quanto privado – e a construção de políticas de
democratização do acesso, as quais ampliam as possibilidades dos/as jovens de camadas
populares. Não obstante, especialmente a partir de 2014, aconteceu uma deterioração do
mercado de trabalho, com o agravante da aprovação de reformas e legislações que reforçaram
os processos de precariedade, significando, na verdade, o desmonte das mediações jurídicas,
políticas e institucionais. E, nesse cenário marcado pelas descontinuidades, incertezas e perda
de direitos que os/as jovens buscavam retornar ao mercado. Assim, as condições estruturais
do trabalho juvenil, tais como desemprego, trabalho precário, informalidades eram acirradas
pela conjunta.
369

A breve retomada desse contexto é pertinente, pois imersos/as nesse cenário de


mudanças e lidando com suas consequências os/as jovens construíram seus percursos de
individuação. O perfil desses/as jovens evidenciava o quanto as dimensões estruturais e
conjunturais da sociedade contemporânea repercutiam em sua condição de jovens, estudantes
e trabalhadores/as. O jeito alinhavado de ser e analisar as narrativas biográficas dos/as jovens
expressos em cenas sociológicas retratava como cada jovem lidava com tal contexto e
buscava respostas singulares para os desafios aos quais estavam expostos cotidianamente.
Os/As jovens narram suas experiências com intensidade e reflexividade, mostrando-se
artesãos/ãs de variadas formas de (re)existir.
Dentre os achados da tese, aparecem palavras recordadas do trabalho como jovem
trabalhador/a pela CVB na UFMG. A inserção de todos/as os/as jovens na UFMG teve como
suporte a família, especialmente a mãe, ou seja, os laços fortes. Esse dado corrobora que a
entrada no mercado de trabalho não seja um ato individual, especialmente quando é
necessário o aumento da renda para a manutenção da família. Assim, eles/as precisam
ingressar no mercado de trabalho concomitante ao processo de escolarização, pois dentre
outros sentidos, o trabalho é necessário para a sobrevivência. Embora saibamos que diferentes
nuances compõem a “suspensão do jogo social”, tais como faixa etária, gênero, raça,
chamamos a atenção aqui para a dimensão de classe que interseccionada as vivências de
jovens de camadas populares imersos/as no projeto econômico e político do neoliberalismo,
pois nem sempre podem fazer escolhas. Todavia, cabe lembrar, que mesmo numa sociedade
marcada por múltiplas desigualdades, a partir dos anos 2000, as possibilidades de escolha
estavam se alterando e as desigualdades diminuindo, especialmente na esfera educacional. Tal
questão retratava que as condições estruturais podem ser agravadas, minimizadas e
enfrentadas a depender das dinâmicas internas das nações e relações de poder dos/as atores
sociais (LETE; SALAS, 2014).
Neste sentido, o primeiro emprego se configurou para todos/as os/as jovens como uma
necessidade, como expressaram na época. Em alguns casos, a ausência de trabalho repercutia
diretamente nas condições de manutenção familiar e, em outros casos, com menos
intensidade. Em razão da dimensão da necessidade como uma questão objetiva, os/as jovens
expuseram o trabalho como espaço de busca por autonomia que se expressava no desejo da
independência financeira, com liberdade de usufruir os tempos de lazer e consumo, mas
também se sentirem responsáveis e valorizados/as como trabalhadores/as. Tais demandas
exprimiam características próprias desta fase da vida, na qual há uma tendência em
intensificar o desejo de autoafirmação e construção identitária e, ao mesmo tempo,
370

intensificar a afirmação, por meio de outros referenciais fora da família, como parte do
processo de individuação (SARTI, 2007).
A avaliação dos/as jovens acerca do trabalho na UFMG trazia à tona palavras
ambíguas. Por um lado, os/as jovens expunham características de um trabalho de qualidade,
de aprendizados, de socialização e sociabilidade. Praticamente todos/as eles/elas explicitavam
o desejo de voltar a trabalhar na UFMG. Ao contrário de muitos/as jovens que têm suas
primeiras experiências em ocupações marcadas pela precariedade, os/as nossos/as
interlocutores/as experimentam e “modulam sua experiência de primeira vez” (TARTUCE,
2010) num trabalho protegido, dentro de uma Universidade, o que repercute nas suas
maneiras de ler e se socializar nos espaços de trabalho atuais. Podemos dizer que esse fato se
constituiu como um suporte simbólico para os/as jovens.
Por outro lado, o trabalho juvenil nesse espaço apresentou insuficiências quanto às
dimensões formativas (NONATO, 2013) e, para muitos/as deles/as, pouco contribuiu para
uma nova inserção no mercado de trabalho. Neste sentido, eles/as nos apontaram uma
fragilidade dos programas de emprego juvenil que, na sua maioria, não propiciam espaços de
reflexão sobre o mundo do trabalho, muito menos a construção de uma rede de apoio/suporte
e acompanhamento posterior ao desligamento, o que poderia contribuir para a construção de
circuitos profissionais e laços fracos.
A busca por uma nova inserção ocorria para a maioria em meados de 2013, ou início
de 2014, quando o mercado de trabalho já dava sinais de crise. Nesse contexto, apresentamos
achados de um alinhavo ora certo, ora incerto, labirinto sem tempo no qual os/as jovens
enfrentaram os diferentes desafios, lançando mão dos suportes que detinham e (re)elaboraram
respostas singulares para o enfrentamento de um mercado marcado pela precariedade, com
altas taxas de desemprego, trabalhos desprotegidos, terceirização e flexibilização do trabalho,
entendida aqui como flexibilização dos direitos.
Após o desligamento da UFMG, praticamente todos/as os/as jovens empregados/as
conseguiram apoio para acessar o mercado de trabalho nas redes de laços fortes. A
centralidade das famílias dos/as jovens na busca por emprego revelava novamente a família
como um suporte significativo, mas, ao mesmo tempo, denunciava uma sociedade com
insuficiência de políticas públicas para inserção e permanência dos/as jovens no mercado de
trabalho, sobretudo, em um trabalho decente, o que, por sua vez, retratava que inúmeras
questões sociais não foram equacionadas mesmo depois do contexto de crescimento
econômico, especialmente entre os anos 2002 e 2013, deslocando a busca de soluções para o
âmbito privado.
371

Consideramos que este suporte da família se perfaz como algo ambíguo. É positivo,
pois potencializa a inserção de jovens que só podem contar com a família para conseguirem
retornar ao mercado de trabalho. Mas, pode ser lido também como um “suporte frágil”, pois
são redes fortes que conduzem a inserções precárias, de baixa qualificação, as quais as
famílias e, especialmente as mães têm acesso, pois relacionam-se aos contextos laborais que
elas estão inseridas. Ou seja, contribuem para um “ciclo de exclusão” (POCHMANN et al.,
2005). Não é sem razão que a inserção da maioria dos/as jovens ocorreu no setor de serviços,
em trabalhos considerados de baixo prestígio social.
Neste contexto, as experiências de trabalho dos/as jovens entrevistados/as foram as
mais variadas, bem como os sentidos atribuídos a essas experiências. Ao mesmo tempo, cada
um expressava uma determinada faceta do mercado de trabalho, compondo um mosaico que
caracterizava, de alguma forma, a realidade do trabalho para os/as jovens brasileiros/as.
Dayane, por exemplo, trazia à tona a realidade da terceirização que se acirrava na
conjuntura recente e atual e se intensificava para os/as jovens. Evidenciava a precariedade do
trabalho, seu caráter alienador, ao desenvolver atividades repetitivas, sem construção de
novos conhecimentos; também caracterizada pela ausência de trabalho coletivo no qual ela
tinha que se responsabilizar individualmente por atividades, sem poder contar com a ajuda
dos/as colegas de trabalho e a falta de sociabilidade no espaço de trabalho. Mesmo
insatisfeita, a jovem não podia sair do trabalho, pois este era a garantia da sobrevivência
familiar, construindo um sentido ao trabalho baseado na necessidade.
Já Caio e Letícia revelaram outra faceta da terceirização, isso porque o trabalho na
Universidade, mesmo como terceirizados, ofereceu condições muito melhores, diferente
daquela situação em que muitos/as de seus/suas amigos/as estão inseridos/as, relativizando a
realidade da precariedade. Um exemplo era a possibilidade e até mesmo o incentivo para
conciliarem o trabalho com os estudos, mesmo reconhecendo as dificuldades desta vivência.
Para ele/a, o trabalho possuía o sentido de garantir os estudos.
A experiência da jovem Rebeca apontava para os desafios enfrentados no mundo do
trabalho, interseccionado pela dimensão de gênero. Sua inserção como secretária revelava o
quanto o trabalho juvenil e especialmente aqueles exercidos por mulheres podem se
configurar como um espaço de intensificação e exploração do/no trabalho. Na vivência da
experiência da maternidade, externou o conflito de não se reconhecer no trabalho doméstico,
sublinhando a distância entre o que culturalmente se convencionou como o “lugar da mulher”
e seus desejos. Rebeca se construía como indivíduo questionando e reelaborando suas formas
de existência ante uma sociedade machista e sexista. Em contraposição ao trabalho doméstico
372

– que a jovem reconhecia como tal, mas não era reconhecida como trabalhadora –, ela
ressignificava-o e buscava o emprego, diferenciando-o do trabalho doméstico, como espaço
de construção de seus projetos de vida e de si mesma.
Outra faceta nos é apresentada pelo Breno, marcada por uma forma de
desengajamento que se expressava na recusa aos tempos de trabalho em detrimento às outras
temporalidades e também a um determinado tipo de trabalho. O sentido do trabalho para ele
estava na possibilidade do acesso à renda para se afirmar como consumidor. Compreendemos
o jovem como um sujeito único, singular, reflexivo que respondia às contradições sistêmicas
desengajando-se, ou seja, a maneira como ele vivia era uma solução possível, diante de uma
lógica capitalista de “trabalho sem fim”.
Já Weliton nos revelava a realidade do trabalho em telemarketing, setor visto como
uma “porta de entrada” para os/as jovens sem experiência de trabalhos anteriores.
Caracterizava-se também como espaço que absorvia os/as excluídos/as do mercado de
trabalho (jovens, homossexuais, negros/as, mulheres, gordos/as e etc.), na medida em que
eram “invisibilizados/as”. Para ele, o sentido do trabalho era dado pelo reconhecimento de si,
sendo o espaço privilegiado de construção de autoconfiança, apesar da consciência que tinha
da precariedade, dos constrangimentos e assédios vivenciados no telemarketing.
Essas diferentes formas de inserção dos/as jovens revelavam as novas/velhas facetas
da precariedade do trabalho e do/a jovem trabalhador/a, reflexo dos processos de
flexibilização que se intensificam. Expõe, ao mesmo tempo, maneiras singulares de (re)existir
por parte dos/as jovens. É possível entrever as demandas dos/as jovens, seja na forma que
lidam com o trabalho, seja pelos suportes que mobilizam para enfrentar os desafios no
mercado de trabalho. É muito significativo como eles/as enfrentavam a vulnerabilidade, os
assédios, a exploração e a instabilidade permanentes. Todos/as demonstram uma reflexividade
do quanto o trabalho era “um vir a ser”, pois nenhum/a deles/as possuía interesse em
continuar exercendo a função, que não era vista como uma profissão, o que parece sustentar
esses/as jovens em seus espaços de trabalho eram as expectativas, sonhos e projetos de um
outro trabalho, quase sempre articulado ao sonho do ensino superior; para uns/umas, mais
próximo, para outros/as, mais distante. Desta maneira, o trabalho era para maioria dos/as
empregados/as, um “trampolim” para alcançar a profissão projetada.
Outro aspecto que atravessava a experiência laboral da maioria deles/as era a
dimensão moral do trabalho. Os/as jovens se preocupavam muito com o “estatuto de
trabalhador/a” (CORROCHANO, 2008). Ser trabalhador/a, para eles/as, significava ser
visto/a como alguém digno/a, que “corre atrás”. A moral se revelava no âmbito do sofrimento,
373

“sendo, portanto, necessário sofrer” para se alcançar determinado fim. Alia-se, para outros/as,
a dimensão da obediência e respeito às hierarquias como elementos- chave na relação com o
trabalho; alguns/algumas ainda traziam a lógica da produtividade como uma postura de
trabalhador ideal. Tais questões indicavam a força da socialização no âmbito do trabalho,
muito influenciada pela experiência na esfera familiar. Mas, nem todos/as compartilhavam
dessa lógica, se recusando e tensionando-a, construindo outras formas de existir no trabalho.
As diferentes experiências de trabalho dos/as jovens reforçavam o trabalho como uma
relação social interseccionada por relações de gênero, raça, classe e idade. Evidenciamos o
quanto os/as jovens, devido a sua faixa etária, passavam por constrangimentos, assédios e
tendiam a ser silenciados/as. As narrativas das jovens mulheres revelavam situações de
exploração e “polivalência” menos expressivas para os jovens homens. Ademais, os tipos de
ocupação dos/as jovens também evidenciavam a estrutura generificada do mercado de
trabalho. Foi possível denotar também a dimensão racial, seja nas ocupações possíveis para
os/as “corpos negros/as”, seja nos estereótipos no cotidiano do trabalho acerca deste segmento
social, jovens negros/as. A presente pesquisa buscou olhar para as dimensões identitárias, mas
uma possibilidade de aprofundamento está em construir análises que desde o início tenham o
foco na interseccionalidade, pois tais dimensões especialmente interseccionam os percursos
de individuação juvenis.
Outra dimensão comum a praticamente todos/as os/as jovens pesquisados/as foi a
experiência do desemprego, para alguns/algumas, por um período mais longo, para outros/as,
mais curto. Para boa parte deles/as, o desemprego foi vivenciado como um momento de
sofrimento, preocupação e constrangimentos, como foram os contextos vivenciados por
Leticia e Dayane por exemplo. Para Rebeca, o sentimento mais forte foi o de desorganização
temporal e ausência de rotina, além do incômodo com a lógica da “internalidade feminina”.
Para Sérgio, o desemprego forçado possibilitou a ele um determinado tipo de moratória.
Breno se diferenciava, pois estava imerso na perspectiva do desengajamento e, embora
considerasse a vivência ruim, não buscava novas possibilidades de inserção.
As experiências de desemprego dos/as jovens reforçavam as colocações de
Corrochano (2008) de que existem diferentes maneiras de lidar com o desemprego, assim, a
experiência do desemprego deve ser compreendida como multidimensional, a qual pode se
alterar ao longo do tempo (BAJOIT; FRANSSEN, 1997). Destacamos que os/as jovens
lidavam com o desafio estrutural de ausência de emprego ampliado pela conjuntura de crise,
dando respostas singulares a essa experiência, o que, por sua vez, se relacionou à pluralidade
de suas posições nos espaços socializadores, às diferentes estratégias, mas também aos
374

suportes que detinham para vivenciar esse momento. No âmbito da pesquisa, identificamos
que uma das demandas de aprofundamento foi a necessidade de compreender melhor as
experiências do desemprego. Embora tenhamos trazido alguns elementos, não conseguimos
apreender toda a complexidade desta experiência que se anunciou nos depoimentos dos/as
jovens.
Quanto aos achados acerca dos percursos de escolarização, alinhavaremos palavras
amargas, reflexivas e sonhadoras para tentar traduzir como a relação com a escola do ensino
médio, especialmente, os cursos e o ensino superior compuseram os percursos de
individuação dos/as jovens.
Como vimos, praticamente todos/as os/as jovens, com exceção de Breno, concluíram a
educação básica no tempo considerado regular, sem descontinuidades. Tal realidade poderia
ser atribuída ao suporte que tinham das famílias, fato comum à maioria dos/as pesquisados/as,
às políticas de ampliação do ensino médio e ao discurso recorrente da escolarização, como
forma de mobilidade social, via alcance de um emprego melhor, articulado ao desejo de não
ser “igual aos familiares”. Porém, a conclusão do ensino médio era citada pela maioria dos/as
jovens com palavras amargas que denunciavam a precariedade desse nível de ensino.
Praticamente todos/as eles/as afirmaram que só perceberam o quanto o ensino médio foi ruim
diante das dificuldades enfrentadas nos cursinhos preparatórios e/ou no Enem. Foi comum a
crítica à falta de infraestrutura da escola, à ausência e à rotatividade excessiva de
professores/as e ao processo de ensino e de aprendizagem deficiente e distante da realidade,
além do fato de que a escola não levava em conta a realidade deles/as como trabalhadores/as,
muito menos jovens. Expressavam o que já analisamos sobre a expansão do ensino médio no
Brasil, marcada pela lógica do “mais com menos”, ou seja, se o ensino médio se abriu para as
camadas populares, mas não veio acompanhado de políticas e recursos para construir uma
escola de qualidade. Considerando que na sociedade brasileira a escola se converteu como um
fator central para o projeto de mobilidade social, o fato de ser oferecida para alguns/algumas
uma educação precária repercute diretamente tanto nas trajetórias escolares quantos nos
projetos de vida. Afinal, como diz Dubet (2003), qual o valor da credencial de uma escola
precária?
É importante reforçar que os/as jovens, ao mesmo tempo em que criticavam a escola a
qual tiveram acesso, se colocavam como responsáveis pelas deficiências escolares pessoais.
Expressavam, assim, uma lógica meritocrática que fazia parte da cultura escolar. Como nos
lembra Dubet (2004), a escola inserida numa sociedade que postula a igualdade entre todos/as
também se coloca como justa e igualitária. O mérito se configurava, então, como o único
375

modo de construir desigualdades justas. Essa lógica tendia a ser naturalizada, sendo assim,
aqueles/as que fracassavam não eram vistos/as como vítimas, mas como responsáveis pelos
seus fracassos, na medida em que a escola seria justa e garantiria a igualdades de todos/as.
Além do ensino médio, quatro dos/as jovens pesquisados/as realizaram cursos
técnicos. Chama a atenção a forma da escolha de tais cursos, sem levar em conta o desejo, as
habilidades individuais, não tendo ocorrido uma reflexão sobre as possibilidades de inserção
futura. A escolha do curso técnico constituiu-se como um desafio diante do qual os/as jovens
possuíam poucos suportes. Explicitava também o quanto a relação entre qualificação e
garantia de trabalho esteve presente nos discursos e nas ações dos/as jovens. Ou seja, retratava
o quanto a lógica da empregabilidade e da teoria do capital humano estava ainda presente,
impelindo especialmente os/as jovens de buscar qualificações para um mercado de trabalho
exigente, mas que não caberia todo mundo, inclusive os/as considerados/as qualificados/as.
As trajetórias escolares dos/as jovens expressam que a instituição escolar contribui
significativamente para mantê-los nas mesmas posições sociais de seus pais e mães, sendo
parte de um círculo vicioso de precariedades. Como nos lembra Dubet (2003):

as igualdades sociais comandam diretamente a entrada nas carreiras


escolares e os próprios processos escolares produzem essas desigualdades
que, por sua vez, reproduzem as desigualdades sociais. O sistema está
fechado. Abrindo-se, a escola não é mais “inocente”, nem é mais “neutra”;
está na sua “natureza” reproduzir as desigualdades sociais produzindo as
desigualdades escolares (DUBET, 2003, p. 34).

Nesse contexto, reforçamos que o sistema escolar fabrica uma “geração enganada”
(BOURDIEU, 2007), pois a escola e/ou a continuidade a partir de cursos técnicos, por
exemplo, não pode cumprir suas promessas de garantia de inserção no mercado de trabalho e
tão logo de mobilidade social. Sabemos que os vínculos entre formação e emprego são
complexos e se relacionam à situação do mercado, a aspectos demográficos e não seria
“possível acusar a escola de estar na origem do desemprego dos/as jovens. Mas isso também
não significa que a escola seja totalmente ‘inocente’ a respeito” (DUBET, 2004, p. 548).
Podemos constatar que a educação é um desafio para os/as jovens e a escola, especialmente
no ensino médio, tendendo a ser um suporte ilegítimo, uma “vez que pueden conspirar contra
el sostenimiento del individuo” (MARTUCCELLI, 2006, p. 39).
Os/as jovens traziam palavras reflexivas acerca de seus processos de escolarização e
salientavam os desafios para implementar os diferentes projetos de longevidade escolar.
Significa dizer que eles/as não se encontravam passivos/as diante dos desafios estruturais
postos pela realidade educacional. Nesse sentido, a “longevidade escolar” aparece nas
376

palavras sonhadoras de todos/as os/as jovens. Para alguns/algumas deles/as, o ensino


superior já era uma realidade. Para outros/as, entrar no ensino superior se configurava como
um projeto em construção, com ações concretas, como frequência a cursinhos e realização do
Enem. Para outros/as, ainda, era um sonho a ser alcançado, buscando saídas para as condições
estruturais precárias da educação básica. Para estes/as, o círculo vicioso de precariedades se
ampliava, manifestando-se em nuances específicas. Para além do lugar social e do
pertencimento racial que compunham as estatísticas dos grupos mais excluídos do ensino
superior, podemos citar a falta de uma cultura escolar longeva nas famílias. Constatamos que
a maioria dos/as jovens pesquisados/as apresentavam uma escolaridade superior aos pais e
parentes. Desta forma, as suas famílias não possuíam exemplos para estimular a continuidade
dos estudos, muito menos podiam contribuir para o direcionamento dos/as jovens, tendo em
vista que existia uma lacuna de capital cultural e informacional.
Esta realidade interferia também em outro desafio que era o das escolhas dos cursos
e/ou da própria faculdade. Faltava aos/as jovens suportes para suas escolhas que tendiam a ser
muitas vezes circunscritas pelas condições objetivas. O que percebemos, como bem
mencionou Dayane, era que o curso (ou a faculdade) desejado cedia lugar ao curso (ou
faculdade) possível, empurrando os/as jovens de camadas populares a carreiras mais modestas
e compatíveis com seu lugar social. É importante reiterar também o desafio que significava a
conciliação que faziam entre o trabalho e a escolarização, como ficou patente nas cenas
analisadas. Tais desafios nos convidam a refletir sobre os limites das políticas de
democratização do acesso ao ensino superior para os/as jovens pobres, na medida em que
demandam ações articuladas e ampliação do caráter inclusivo. Podemos afirmar que esses/as
jovens que requerem o seu lugar no ensino superior enfrentam tais desafios, lançam mão dos
suportes disponíveis e vão num caminho sem retas tecendo as possibilidades, sendo uma
dimensão a mais que compõe a sua construção como indivíduos.
Mesmo diante das barreiras e dificuldades de acesso, temos um número significativo
de 16 jovens, do conjunto daqueles pesquisados/as, que estavam cursando o ensino superior.
Eles/as expressavam a potencialidade, pertinência e a necessidade das políticas de
democratização do acesso a este nível de ensino. Mas, é importante salientar que destes/as,
treze estudavam em instituições privadas e apenas três em universidades públicas. Revelavam,
assim, outro limite das políticas que estimularam a expansão do ensino superior privado,
sobretudo por meio do ProUni, por exemplo, muito menor que a expansão nas universidades
públicas. A partir dos depoimentos de Caio e Leticia, dois jovens que, assim como Rebeca,
estavam na graduação, ficava evidente que, ao ingressarem no ensino superior, passaram a
377

enfrentar um novo desafio que era a permanência, o que evidenciava os mecanismos que
fazem com que os/as jovens sejam “excluídos do interior”. É/Era a dificuldade para conciliar
o trabalho e o estudo; é/era a crítica da jovem Rebeca ao “não lugar” que as jovens mães têm
no ensino superior; é/era o limite em acessar o que a universidade oferece de experiências
extraclasse tais como ações de extensão, estágios, seminários ou mesmo a construção de redes
sociais. É/Era o que Caio denunciou, se intitulando “disciplinário”, quando só conseguia fazer
as disciplinas do seu curso. A realidade desses/as jovens apontava para a necessidade de se
ampliarem as políticas de permanência, que no caso das instituições públicas, são
insuficientes. Podemos dizer que as trajetórias aqui descritas, patentes nas expressões nativas
“dar a cara a tapa” e “correria”, compõem/compunham os modos próprios de ser e se
constituir universitários.
De maneira panorâmica, os percursos e maneiras de enfrentar os processos de
escolarização nos levaram a pensar que eles/as são jovens “voando em gaiolas”. Estão
imersos/as em uma estrutura desigual de escolarização – as gaiolas – que, desde a educação
básica, parece se interessar em fabricá-los/as como qualificados/as desqualificados/as, ou seja,
há uma inclusão excludente. Vencem esse nível de ensino se debatendo nas gaiolas e
(re)existindo de outras formas a elas avistando que sairão das gaiolas com o diploma de
conclusão do ensino médio. As gaiolas tendiam a ter outras trancas, pois a conclusão desse
nível de ensino tende a ser insuficiente. Nas frestas os/as jovens almejavam os cursos técnicos
para romper a gaiola, mas ainda há trancas. Vislumbravam, então, o ensino superior para
saírem das gaiolas. Olhavam o caminho percorrido e viam que precisavam abrir as trancas
com mais cuidado, caso contrário, as portas tenderiam a se fechar. Recomeçavam buscando
aperta-se assim sem machucar os braços em tempo de asas necessárias. Refaziam-se e
construíam novas estratégias alinhavando com cuidado as linhas frouxas de bem querer. Eram
estas diferentes respostas aos desafios enfrentados que iam compondo os percursos de
individuação aqui apontados.
Dentre os achados desta pesquisa, trazemos o alinhavo de palavras amadas para
explicitarmos “o lugar” da família. A família se constituiu como um suporte significativo
aos/às jovens em meio ao enfrentamento dos desafios do trabalho e da escola. Nesse contexto,
era a figura da mãe que assumia a centralidade tanto devido às famílias serem monoparentais,
mas especialmente porque existia uma “ausência presente” dos pais. Estes não assumiam a
responsabilidade e o apoio com relação aos/às filhos/as. Assim, eram as mães que, nos limites
de cada uma, se faziam sustento, apoio, afeto e referência. De forma geral, evidenciamos o
quanto, nas camadas populares, mesmo com a ampliação das políticas sociais na primeira
378

década dos anos 2000, as famílias continuavam sujeitas à instabilidade e ainda se viam
responsabilizadas a garantir a reprodução de seus membros, não dispondo de quem as pudesse
“ajudar a se ajudar” (SARTI, 1999).
As famílias também se configuravam, na maioria dos casos, como um desafio a se
enfrentar. Neste sentido, enunciavam palavras ambíguas, pois era na esfera familiar que
surgiam as precariedades da vida, as dificuldades do sustento financeiro, a rejeição, as
posturas autoritárias, como no caso da Rebeca, com a proibição de deixá-la estudar em outra
cidade, as tensões por serem somente estudantes, no caso de Sérgio, e as violações de direitos,
como vimos com Dayane. Os/As jovens tinham as famílias como um “desafio cotidiano” que
precisa ser enfrentado.
Citamos, ainda, a dimensão temporal como um desafio a ser enfrentado pelos/as
jovens. O tempo assumia lugar significativo para as vivências juvenis, fosse a partir da “falta
de tempo”, fosse a partir da dificuldade de organização dos tempos, ou da recusa de alguns
tempos, ou mesmo do desejo de ter mais controle sobre suas temporalidades. O que
evidenciamos é que a maioria dos/as jovens vivenciava suas diferentes temporalidades
submetendo-as aos tempos de trabalho e/ou estudos, fazendo com que o tempo da vida fosse
praticamente dedicado a estudar e trabalhar. Era explícito a dimensão do “adiamento das
recompensas” como algo praticamente naturalizado. Breno erao único jovem que se afastava
dessa lógica, pois se recusava a vivenciar somente o tempo de trabalho e de estudos. Mas, no
cotidiano, os/as jovens iam descobrindo brechas e o tempo livre, ou o tempo do lazer se
inscreviam nos interstícios dessas duas atividades, mostrando-se muitas vezes como uma
forma de (re)existir às coerções temporais. A dimensão do tempo foi uma realidade que se
mostrou fortemente presente, a partir da análise que fizemos das cenas, não sendo possível
aprofundar seus múltiplos significados, perfazendo-se como um tema potente que demanda
aprofundamentos posteriores.
As diferentes experiências dos/as jovens no mundo do trabalho e também nos
processos de escolarização refletiam o quanto a condição juvenil tendia a ser circunscrita por
essas dimensões. Tal constatação reforça a importância da construção de políticas públicas
que reconheçam os/as jovens como sujeitos de direitos e de demandas. Retomamos aqui a
proposta da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude, que sintetiza os
diferentes aspectos que deveriam ser levados em conta quanto ao trabalho juvenil. Uma delas
é o reconhecimento do/a jovem em suas múltiplas facetas, quais sejam: estudante,
trabalhador/a, filho/a, mãe/ pai e etc. Significa dizer que um trabalho decente para os/as
jovens deve contemplar um arranjo no espaço/tempo de trabalho de tal forma que não
379

desconsidere essas diferentes esferas sociais. Outro aspecto que ressaltamos é a busca da
superação da dicotomia entre estudos e trabalho. As propostas se pautaram na qualidade da
educação, a fim de garantir mais e melhor educação, mas também no debate que o acesso ao
mercado de trabalho, por parte dos/as jovens, não pode se dar em espaço precários, mas com
inserções dignas.
Os/As interlocutores/as desta pesquisa revelaram que, mesmo sendo jovens, pobres,
estudantes de escolas públicas e, em sua maioria, negros/as, o que os/as levavam a enfrentar
desafios comuns; eles/as articulavam histórias de vidas diversas e ao mesmo tempo
singulares. O que eles/as tinham em comum, além das condições objetivas, era o desejo e a
busca constante por ser alguém na vida, como todos/as, de alguma forma, afirmaram.
Alguns/Algumas dispõem de mais suportes outros menos, mas todos/as tecem os alinhavos de
seus percursos de individuação, tendo como suporte essa expectativa. O trabalho e a
escolarização sem-fim eram para a maioria a possibilidade de ser um determinado alguém
que, ao haver reconhecimento e valorização, possa levar esse reconhecimento para suas
famílias, especialmente suas mães, retribuindo assim àqueles/as que sustentaram e sustentam
sua existência no mundo. Assim, podemos dizer que, mediante os desafios estruturais e
conjunturais, os/as jovens se construíam como “híper-indivíduos”, frente à “aventura
permanente de enfrentar os desafios”, dando respostas singulares aos desafios que enfrentam.
Eles/as construíam outros modos de (re)existir, portanto, a maneira como os/as jovens viviam
tornava-se para esses/as jovens uma solução biográfica das contradições sistêmicas
(ARAUJO; MARTUCCELLI, 2012).
Por último, salientamos que o exercício de pesquisa não tem fim. A construção do
artesanato intelectual se mostra como algo dinâmico, vivo e constante. Assim, tecemos nossa
arte “a partir de perguntas, buscando conhecer, identificar, compreender, analisar, examinar,
explicar (e tantos outros verbos) para, enfim, chegar às respostas. E, quando pensamos tê-las
encontrado, o que nos salta aos olhos são muitas outras perguntas” (Zulmira MEDEIROS,
2011, p. 182).
***
Avistamos tantas outras possibilidades de investigação diante das continuidades e
novos percursos dos/as jovens. Atualmente, Caio e Letícia continuam como trabalhadores/as
terceirizados e universitários, ambos se aproximando do final do curso. Sérgio se mantém na
tarefa árdua de concurseiro, segundo ele, quase passou no concurso do corpo de bombeiros.
Rebeca se mantém articulando trabalho doméstico, cuidados com a filha e estudos
universitários. Breno retornou ao mercado de trabalho como repositor em outro supermercado
380

e afirmou que vai se manter nesse trabalho. Weliton continua na empresa de telemarketing e
está finalizando o curso de Técnico em Enfermagem. Dayane continua no laboratório e
vivenciando a tão sonhada vida universitária na UFMG, ingressou no curso de Gestão de
Serviços de Saúde. Esses percursos de trabalho e educacionais nos remetem a novas
perguntas, como ressaltado por Medeiros (2011), reforçando que cada pesquisa não possui um
início e um fim em si mesma, mas seja um elo numa grande cadeia, respondendo ao que lhe
precede e buscando respostas no que está por vir.
381

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, Helena Wendel. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: ABRAMO, Helena
Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (orgs.): Retratos da juventude brasileira – Análise de uma
pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.

ABRAMO, Laís. Trabalho decente para a juventude. Brasília: IPEA, 2008.

ABRANTES, Pedro. A escola da vida – socialização e biografia(s) da classe trabalhadora. Lisboa:


Mundos Sociais, 2013.

______. Identidades juvenis e dinâmicas de escolaridade. Sociologia, problemas e práticas. Lisboa,


n. 41, p. 93-115, 2003.

AGENDA NACIONAL DE TRABALHO DECENTE PARA A JUVENTUDE. Brasília: MTE, SE,


2011.

AGUIAR, Jéssica Sapore de. Existo porque resisto: Práticas de re-existência de jovens mulheres
aprendizes frente às assimetrias de gênero. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação (UFMG), Belo Horizonte, 2017.

ALBORNOZ, Suzana. As esferas do reconhecimento: uma introdução a Axel Honneth. Cadernos de


Psicologia Social do Trabalho, vol. 14, n. 1, p. 127-143, 2011.

______. O que é trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

ALBRECHT, Pricila Anny; Tomachski; KRAWULSKI, Edite. Concurseiros e a busca por um


emprego estável: reflexões sobre os motivos de ingresso no serviço público. Caderno de Psicologia
Social do Trabalho, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 211-226, 2011.

ALMEIDA, Jorddana Rocha de. No fio da navalha: sentidos das experiências e projetos de futuro de
jovens em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade. Dissertação (Mestrado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação (UFMG), Belo Horizonte, 2017.

ALMEIDA, Rachel de Castro. Título universitário e aspirações. Plural, Revista do Programa de


Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.18.2, 2011, pp. 9-25, 2011.

ALMEIDA, Wilson Mesquita. Ampliação do acesso ao ensino superior privado lucrativo


brasileiro: um estudo sociológico com bolsistas do ProUni na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado).
São Paulo, 2012.

ALVES, Aline Neves Rodrigues. Juventude quilombola: projetos de vida, sonhos comunitários e
luta por reconhecimento. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade
de Educação, Belo Horizonte, 2015.

ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho (2a


ed.). Londrina, PR: Práxis. 2007.

______. O Novo (e Precário) Mundo do Trabalho: Reestruturação Produtiva e Crises do


Sindicalismo. São Paulo: Editorial Boitempo, 2000.

ALVES, Maria Zenaide. Ser alguém na vida Condição juvenil e projetos de vida de jovens
moradores de um município rural da microrregião de Governador Valadares-MG. Tese
(Doutorado) Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, 2013.
382

ALVES, Maria Zenaide; OLIVEIRA, Igor. Juventudes e territórios: o campo e a cidade. Observatório
da Juventude da UFMG. (Material didático para curso de Educação a Distância), 2014.

ANAU, Roberto Vital. Trabalho decente: conceito, histórico e propostas de ações. ReFAE – Revista
da Faculdade de Administração e Economia, v. 2, n. 2, p. 44-68, 2011.

ANDRADE, Paula Rosemberg; RIBEIRO, Circéa, Amalia. SILVA, Conceição Vieira. Mãe
adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Revista Brasileira de Enfermagem,
jan./fev. 59(1), p. 30-35, 2005.

ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho – Escritos de Marx e Engels. São Paulo: Editora
Expressão Popular, 2004.

_________. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo:
Boitempo, 2005.

______. O mundo precarizado do trabalho e seus significados. Cadernos de Psicologia Social do


Trabalho 2(1), 55-59, 1999.

______. Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do
trabalho? Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 405-419, jul./set. 2011.

ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (orgs.). Apresentação. In: Infoproletários – degradação real do
trabalho virtual. São Paulo: Editorial Boitempo, 2009.

ANTUNES, Ricardo; POCHMANN Marcio. O novo mundo do trabalho, o trabalho no novo mundo.
In: Jornal da Unicamp, Campinas, (Edição n. 354), 9 a 15 de abril de 2007.

ARAGÃO, Elizabeth Fiuza. Os sentidos do trabalho para os jovens universitários. O público e o


privado, n. 11, p. 109-121, Janeiro/Junho – 2008.

ARAUJO, Kathya; MARTUCCELLI, Danilo. Desafíos comunes: Retrato de La sociedad chilena y


sus individuos. Tomo 1. Santiago: LOM Ediciones, 2012.

______. Desafíos comunes: Retrato de La sociedad chilena y sus individuos. Tomo 2. Santiago: LOM
Ediciones, 2012.

______. La individuación y el trabajo de los individuos. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 36, n.
especial, p. 77-91, 2010.

______. La escuela y la cuestión del mérito: reflexiones desde la experiencia chilena. Educ. Pesqui,
São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1503-1518, dez., 2015.

ARAÚJO NETO, José Aldo Camurça de. A filosofia do reconhecimento: as contribuições de Axel
Honneth a essa categoria. Kínesis, n. 09 (Edição Especial), p. 52-69, jul.,2013.

AREND, Sílvia Maria. REIS, Antero Maximiliano Dias. Juventude e restaurante fast food: a dura face
do trabalho flexível. Katál. Florianópolis, v. 12, n. 12, p. 142-151, jul./dez, 2009.

ARROYO, Miguel G. O direito do trabalhador à educação. In: GOMEZ, Carlos Minayo; GRIGOTTO,
Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO, Miguel; NOSELLA, Paolo. Trabalho e Conhecimento:
Dilema na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1987.

ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Outros sujeitos, outras Pedagogia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.


383

______. Revendo os vínculos entre trabalho e educação: Elementos materiais da formação humana. In:
SILVA, Tomaz T. da. (Organizador) Trabalho, Educação e Prática Social. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1991.

ASSUSA, Alicia Beatriz Gutiérrez e Gonzalo. Cenas sociais e espaço de trabalho Homologias na vida
profissional de jovens de classes populares. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 28, n. 1,
abr., 2016.

BAJOIT, Guy; FRANSSEN, Abraham. O trabalho, a busca de sentido. Revista Brasileira de


Educação, Rio de Janeiro, n. 6, set./out./nov./dez.,1997.

BALTAR, Paulo Eduardo de Andradeet al. Trabalho no governo Lula: uma reflexão sobre a recente
experiência brasileira. Global Labour University Working Papers, n. 09, Maio, p. 01-42, 2010.

BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; PRONI, Marcelo Weishaupt. Sobre o regime de trabalho no
Brasil: rotatividade da mão-de-obra, emprego formal e estrutural salarial, Economia e Sociedade, p.
109-149, 1996.

BALTAR, Paulo, et al. Trabalho no Governo Lula: uma reflexão sobre a recente experiência
brasileira. Carta social do Trabalho. Campinas, Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho, n. 12, 2010.

______. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano no Brasil. Economia e


Sociedade n. 6, Campinas: IE/UNICAMP, p. 75-111, junho, 1996.

BALTAR, Paulo. Crescimento da economia e mercado de trabalho no brasil, Texto para discussão
2036. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: IPEA, 2016.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Educações 70 LDA, 2009.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. SILVA, Hamilton Harley de Carvalho; ALVES, Luciana.
Família, escola e território vulnerável. Cadernos Cenpec. São Paulo, v.7, n.1, p. 3-39, jan./jul., 2017.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BELLETATI, Valéria. Dificuldades de alunos ingressantes na universidade pública: indicadores para


reflexão sobre a docência universitária. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo, 2011.

BENEVIDES, Márcio Renato Teixeira. O trabalho “flexível” no call center: da oportunidade à


descartabilidade. In: Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina, Londrina, 2010.

BIAVASCHI, Magda Barros; TEIXEIRA, Marilane Oliveira. A terceirização e seu dinâmico processo
de regulamentação no Brasil: limites e possibilidades. Revista da ABET, v. 14, n. 1, p. 37-61, janeiro
a junho de 2015.

BITTAR, Mariana. Trajetórias educacionais de jovens residentes em um distrito da periferia de São


Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais - vol. 30 n. 89, p. 47-61, outubro, 2015.

BOGDAN, Robert. BILKEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria
e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

BOLIVAR, Antônio. De nobis ipsis silemus?: epistemología de la investigación biográfico-narrativa


en educación. Revista Electrónica de Investigación Educativa, Vol. 4, n.1, 2002.
384

BOLTANSKI, Lu, CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes,
2009.

BONO, Andrea Del; LEITE, Marcia. El impacto de la tercerización y la deslocalización em el trabajo


de telemarketing: uma comparación entre Argentina y Brasil. Cuadernos Del Cendes, Caracas, Ano
93, n. 93, p. 15-34, set-dez, 2016.

BOURDIEU, Pierre et al. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2001, p.693-732.

BOURDIEU, Pierre. A “juventude” é apenas uma palavra! Questões de sociologia. Rio de Janeiro:
Marco Zero, p. 112-121, 1983.

______. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.

______. A escola conservadora; as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria
Alice; CATANI, Afrânio Mendes (Org.). Pierre Bourdieu: Escritos de Educação. Petrópolis. Vozes,
2003 (5º edição) p.38-63.

______. O diploma e o cargo: relações entre o sistema de produção e o sistema de reprodução. In:
NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio Mendes (Org.). Pierre Bourdieu: Escritos de
Educação. Petrópolis. Vozes, 2011 (5º edição)

______. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio Mendes
(Org.). Pierre Bourdieu. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011.

______. Razões práticas sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.

BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, Pierre (org.).
A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 481-486.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON Jean-. Claude. Los herderos: los estudiantes y la cultura.
Editorial Labor, Barcelona, [1964] 2014.

BOUTINET, Jean-Claude. Antropologia do projeto. Porto Alegre: Artmed, 2002.

BRAGA, Mauro Mendes; PEIXOTO Maria do Carmo de Lacerda. Censo socioeconômico e étnico
dos estudantes de graduação da UFMG. Editora UFMG, 2006.

BRAGA, Mauro Mendes; PEIXOTO, Maria do Carmo de Lacerda; BOUTCHI, Tânia F. Tendências
da demanda pelo ensino superior: estudos de caso da UFMG. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 129-
152, jul. 2001.

BRAGA, Ruy. SANTANA, Marco Aurélio. Dinâmicas da ação coletiva no brasil contemporâneo:
encontros e desencontros entre o sindicalismo e a juventude trabalhadora. Caderno CRH, Salvador, v.
28, n. 75, p. 529-544, Set./Dez. 2015.

BRANDÃO, Carlos. R. A turma de trás. In: MORAIS, Regis (org.) Sala de aula: que espaço é este?
Campinas: Papirus, p. 105-22, 1986.

BRASIL, Lei complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho
doméstico; altera as Leis n. 8.212, de 24 de julho de 1991, n. 8.213, de 24 de julho de 1991, e nº
11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3º da Lei nº 8.009, de 29 de março de
1990, o art. 36 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e o
inciso VII do art. 12 da Lei n. 9.250, de 26 de dezembro 1995; e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, 02 Jun. 2015.
385

______. Lei do Estágio. nº 11.788 de 15 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes;
altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos
6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto
de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, 25 de set. 2008.

______. Lei nº 10.097 de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Diário Oficial da
União, Brasília, 19 de dezembro de 2000

______. Lei nº 5.542, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Oficial da União, Brasília, 1943.

______. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. DiárioOficial da União, Brasília, de 13 de julho de 1990.

______. Ministério da Educação. Portaria normativa nº 21, de 5 de novembro de 2012. Dispõe sobre o
Sistema de Seleção Unificada - Sisu. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, 06 nov. 2012.

______. Ministério do Trabalho e do Emprego. Agenda Nacional de Trabalho Decente para a


Juventude no Brasil, 2010.

______. Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude. Brasília: MTE, 2011.

______. Agenda Nacional de Trabalho Decente. Brasília: MTE, 2006.

______. Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 10
jan. 2003.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006.Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do


Brasil - UAB. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 8 de junho de
2006.

______. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007.Institui o Programa de Apoio a Planos de


Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União, Brasília,
25 abr. 2007.

______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de janeiro, 2001.

______. Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante
do Ensino Superior e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 2001.

______. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos -
PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a
Lei no 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, 14 jan. 2005.

______. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
386

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre
a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF,
Diário Oficial da União, 08 ago. 2006, seção 1, p. 1.

______. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012.Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e
nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, 29 de agosto, 2012.

______. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os
direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional
de Juventude - SINAJUVE. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
5 de agosto. 2013.

______. Lei nº 13.429/2017 de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de


janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras
providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
Diário Oficial da União [da] República Federativa do Gomes Brasília, 31 março, 2017.

______. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [...]
a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Seção 1.
Brasília, 14 jul. 2017, p. 1.

______. Ministério do Trabalho. Classificação Brasileira de Ocupações. Descrições. 4122: Contínuos.


Brasília, DF. 2017.

______. Ministério do Trabalho.Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Brasília, 2010.

BRENNER, Ana Karina. DAYRELL, Juarez. CARRANO, Paulo. Culturas do lazer e do tempo livre
dos jovens brasileiros. In: ABRAMO, Helena Wendel. BRANCO, Pedro Paulo Martoni. (orgs.).
Retratos da juventude Brasileira – Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 175-215.

BRITTO, Luiz Percival Leme et al. Conhecimento e Formação nas IES Periféricas perfil do aluno
“novo” da Educação Superior. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 13, n. 3, p. 777-791, nov. 2008.

BRUSCHINI, Cristina. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado?


Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 2, p. 331-353, jul./dez., 2006.

BUTLER. Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira
Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade.3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
p.151-172.

CADONÁ, Marco André; GÓES, César Hamilton. Juventude e trabalho: emprego e desemprego entre
jovens no município de Santa Cruz do Sul (RS). Barbarói, Santa Cruz do Sul, n. 39, p. 36-52, jul./dez.
2013.

CAMARANO, Ana Amélia(org.). Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição. Rio
de Janeiro: Ipea, 2006.

CAMARANO, Ana Amélia et al. Estão fazendo a transição os jovens que não estudam, não trabalham
e não procuram trabalho? In: CAMARANO, Ana Amélia. Transição para vida adulta ou vida
adulta em transição? Rio de Janeiro: IPEA, p. 259-290, 2006.

CAMARANO, Ana Amélia; MELLO, Juliana Leitão. Introdução. In: CAMARANO, Ana Amélia.
Transição para vida adulta ou vida adulta em transição? Rio de Janeiro: IPEA, p.13-38, 2006.
387

CAMARANO, Ana Amélia; KANSO Solange. O que estão fazendo os jovens quenão estudam, não
trabalham e não procuram trabalho? In: Mercado de trabalho – conjuntura e análises, Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), novembro, 2012, p 37-44. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_mercado_de_trabalho/121204_bmt53.pdf
Acesso em: julho de 2018.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.

CARDOSO, Adalberto. Juventude, trabalho e desenvolvimento: elementos para uma agenda de


investigação. Caderno CRH, Salvador, v. 26, n. 68, p. 293-314, Maio/Ago. 2013.

CARDOSO, Ana Claudia Moreira. Tempos de trabalho, tempos de não trabalho: vivências
cotidianas de trabalhadores. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

CARMO, Erinaldo Ferreira. et al. Políticas públicas de democratização do acesso ao ensino superior e
estrutura básica de formação no ensino médio regular. Revista Brasileira. Estudos. Pedagógicos.
(online), Brasília, v. 95, n. 240, p. 304-327, maio/ago. 2014.

CARNEIRO, Maria José. Juventude rural: projetos e valores. In: ABRAMO, Helena Wendel;
BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org’s.): Retratos da juventude brasileira – Análise de uma
pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. (Reimpressão 2008).

CARRANO, Paulo César Rodrigues. “Juventudes: as identidades são múltiplas”. Movimento: Revista
da Faculdade de Educação da UFF. RJ: DP&A Editora, n.1, maio, p. 11-27, 2000.

______. Jovens pobres: modos de vida, percursos urbanos e transições para a vida adulta. Revista
Universidade Rural. Série Ciências Humanas Ciências Humanas e Sociais em Revista, v. 30, p. 60-
68, 2008.

______. Educação de Jovens e Adultos e juventude: o desafio de compreender os sentidos da presença


dos jovens na escola de “segunda chance”. Revista de Educação de Jovens e Adultos, Belo
Horizonte, v. 1, n. 0, p. 55-67, ago. 2007.

______. Jovens, escolas e cidades: entre diversidades, desigualdades e desafios à convivência. In:
VIEIRA, Maria Manuel; RESENDE; José; NOGUEIRA, Maria Alice; DAYRELL, Juarez;
MARTINS, Alexandre; CALHA, António. (Org.) Composição Lopo Pizarro. Habitar a escola e as
suas margens: Geografias plurais em confronto. Portalegre, Portugal: Instituto Politécnico de
Portalegre; Escola Superior de Educação. Abril, 2013.p. 99 -109.

______. Jovens, escolas e cidades: entre diversidades, desigualdades e desafios à convivência. In:
Comunicação. II Colóquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educação, Porto Alegre, 2009.

CARRANO, Paulo Cesar; DAYRELL, Juarez Tarcísio. Jovens no Brasil: difíceis travessias de fim
de século e promessas de um outro mundo. S/D. 2008.

CARVALHO, Sandro Sacchet de. Uma visão geral sobre a reforma trabalhista. In: Mercado de
Trabalho: conjuntura e análise. IPEA, Ano 63, outubro, 2017.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci
D. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

______. A era da informação: A sociedade em rede. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTRO, Fabiana Rodrigues de Almeida. O declínio de produção capitalista e o desemprego entre os


trabalhadores cadastrados no SINE/PI, em Teresina. In: Jornada Internacional de Políticas
Públicas, Maranhão, 2011.
388

CATTANI, Antonio David. Taylorismo. In: Trabalho e tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis:
Vozes, Porto Alegre: Ed Universidade, 1997. p. 247-249

______. Teoria do Capital Humano. In: Trabalho e tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis: Vozes,
Porto Alegre: Ed Universidade, 1997. p. 35-39

CAVAIGNAC, Mônica Duarte. Precarização do trabalho e operadores de telemarketing.


Perspectivas, São Paulo, v. 39, p. 47-74, jan./jun. 2011.

CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência 2017. IPEA, Rio de Janeiro, 2017.

______. Atlas da Violência 2018. IPEA, Rio de Janeiro, 2018.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed,
2000.

CHAUI, Marilena. Conformismo e Resistência – aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1986.

COLBARI, Antonia. L. Ética do Trabalho: a Vida Familiar na Construção da Identidade


Profissional. São Paulo: Letras e Letras, da FCAA/UFES, 1995.

COMIN, Alvaro A; BARBOSA, Rogério Jerônimo. Trabalhar para estudar - sobre a pertinência da
noção de transição escola-trabalho no Brasil. Novos estudos n. 91, p. 75-95, novembro, 2011.

CORROCHANO, Maria Carla et al. Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as
políticas públicas. São Paulo: Ação Educativa, Instituto Ibi, 2008.

CORROCHANO, Maria Carla Jovens operários e operárias – experiência fabril e sentidos do trabalho.
Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 02, p. 425-450, jul./dez. 2004.

______. Jovens trabalhadores: expectativas de acesso ao Ensino Superior. Avaliação, Campinas;


Sorocaba, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 23-44, mar. 2013.

______. Jovens olhares sobre o trabalho. GT 9 – Trabalho e Educação. 25 REUNIÃO ANUAL,


Anped, set. out, 2002

______. Jovens olhares sobre o trabalho: um estudo dos jovens operários e operárias de São
Bernardo do Campo. 2001. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2001.

______. Jovens no Ensino Médio: qual o lugar o trabalho? In: DAYRELL, Juarez, CARRANO, Paulo;
MAIA, Carla Linhares (Orgs.). Juventude e Ensino Médio: Sujeitos e currículos em Diálogos. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 205-228

______. O processo de construção da Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude:


questões para o diálogo. In: Políticas públicas, juventude em pauta, 2010. Políticas públicas,
juventude em pauta. São Paulo: Ação Educativa, 2010.

______. O trabalho e sua ausência: narrativas de jovens do Programa Bolsa Trabalho no município
de São Paulo. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2008.

CORROCHANO, Maria Carla; ABRAMO; Laís Wendel. Juventude, educação e trabalho decente: a
construção de uma agenda. Linhas Críticas, Brasília, DF, v.22, n.47, p. 110-129, jan./abr. 2016.
389

CORROCHANO, Maria Carla; Helena Wendel ABRAMO; Laís Wendel ABRAMO. O trabalho
juvenil na agenda pública brasileira: avanços, tensões, limites. Revista Latinoamericana de Estudios
del Trabajo, p. 135-169, 2017.

CORROCHANO, Maria Carla; NAKANO, Marilena. Jovens e trabalho. In: O Estado da Arte sobre
a juventude na pós-graduação brasileira: Educação, Ciências Sociais e Serviço Social (1999-
2006). Belo Horizonte: Argvmentvm: 2009.

______. Jovens, mundo do trabalho e escola. Série Estado do Conhecimento, Brasília - DF, v. 7, p.
95-122, 2002.

CORROCHANO, Maria Carla; NASCIMENTO, Érica (Coords.). Juventude e Integração Sul-


Americana: caracterização de situações-tipo e organizações juvenis - Sindicato de trabalhadores em
telemarketing de São Paulo - Relatório das Situações-tipo Brasil, 2007.

CORSEUIL, Carlos Henrique L; FRANCA, Maíra A. P. Inserção dos jovens no mercado de trabalho
brasileiro: evolução e desigualdades no período 2006-2013; - Brasília: OIT, 2015.

______. Inserção digna e ativa no mundo do trabalho. Organização Internacional do Trabalho (OIT);
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília: OIT, 2015.

CORTI, Ana Paula; SOUZA, Raquel. Aproximando-se do conceito de juventude. In: CORTI Ana
Paula; SOUZA, Raquel. Diálogos com o mundo juvenil: subsídios para educadores. São Paulo:
Ação Educativa, 2004.

COSTA, Claúdia Borges; ARAÚJO, Nayara Cristina Carneiro de; ALVES, Miriam Fábia. O retorno
dos jovens à escola: a centralidade do trabalho. Revista Contemporânea de Educação. vol. 11. n. 21,
jan./jul., 2016.

COSTA, Fabiana de Souza. O PROUNI e seus egressos: uma articulação entre educação, trabalho e
juventude. Interfaces da Educ., Paranaíba, v.5, n.14, p.144-156, 2014.

COSTA, Joaze Bernardino. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização


política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, v.30, n.1, jan./abr.,
2015.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação


Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, n. 10, p. 171-188, 2002.

CRUZ VERMELHA BRASILEIRA. Filial do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais: 2009.
Disponível em: <http://cvbmg.org.br/>. Acesso em: 12/01/2017

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação escolar, a exclusão e seus destinatários. Educação em
Revista, Belo Horizonte, n. 48, p. 205-222, 2008.

CYRINO, Rafaela. Trabalho, temporalidades e representações sociais de gênero: uma análise de


articulação entre trabalho doméstico e assalariado. Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n. 21, p. 66-92,
jan./jun., 2009.

DALAROSA, Adair Angelo; SOUZA, Jaqueline Puquevis de. Orientações internacionais nas políticas
de educação e trabalho para a juventude no contexto brasileiro. Conjectura: Filos. Educ., Caxias do
Sul, v. 19, n. 2, p. 84-107, maio./ago. 2014.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo. Boitempo, 2016.
390

DAYRELL, Juarez et. al. A exclusão de jovens de 15 a 17 anos no ensino médio no Brasil: desafios e
perspectivas. Belo Horizonte: Observatório da Juventude da UFMG, 2014. Disponível em:
<http://observatoriodajuventude.ufmg.br/publication>. Acesso em: 5 abr. 2015.

DAYRELL, Juarez Tarcísio. (Org.). Múltiplos Olhares sobre a Educação e Cultura. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1996.

______. A escola faz as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação &
Sociedade, 2007.

______. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2005a.

______. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude em Belo Horizonte.
Tese (Doutorado). Universidade de São. São Paulo. 2001.

______. Apresentação. In: MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa
e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 07-18.

______. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 5/6, n.24,
p. 40-52, 2003.

______. Ser alguém na vida: juventude, escola e busca por reconhecimento. Estágio de pós-doutorado.
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2014 (Mimeo).

DAYRELL, Juarez Tarcísio; BARBOSA, Daniele de Souza. "Turma ou panelinha": a sociabilidade de


jovens alunos em uma escola pública. In: Leôncio Soares; Isabel de Oliveira e Silva. (Org.). Sujeitos
da Educação e processos de sociabilidade: os sentidos da experiência. 1ed. Belo Horizonte:
Autêntica, v. 1, p. 237-268, 2009.

DAYRELL, Juarez Tarcísio; JESUS, Rodrigo Ednilson de. Juventude, ensino médio e os processos de
exclusão escolar. Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 135, p.407-423, abr.-jun., 2016.

DAYRELL, Juarez Tarcísio; LEÃO, Geral; REIS, Juliana, Batista dos. Juventude, pobreza e ações
educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marília Pontes. Espaços públicos e tempos juvenis: Um estudo
de ações de poder público em cidades de região metropolitana brasileira. São Paulo: Global,
2007.

DAYRELL, Juarez Tarcísio; REIS, J. Juventude e escola: reflexões sobre o ensino da Sociologia no
ensino médio. In: PLANCHEREL, A.; OLIVEIRA, E. (Org.). Leituras sobre sociologia no ensino
médio. Maceió: UFAL, 2007.

DAYRELL, Juarez; JESUS, Rodrigo. A exclusão de jovens adolescentes de 15 a 17 anos no ensino


médio no Brasil: desafios e perspectivas. Relatório de Pesquisa. UNICEF/MEC, 2012. Disponível
em: <http://observatoriodajuventude.ufmg.br/publication/view/pesquisa-unicef-a-exclusao-de-jovens-
de-15-a-17-anos-no-ensino-medio-no-brasil/>. Acesso em 10/08/2017.

DAYRELL. Juarez. CARRANO, Paulo. Juventude e Ensino Médio: Quem é este aluno que chega a
escola. In: DAYRELL, Juarez. CARRANO, Paulo. MAIA, Carla Linhares. et. al. (orgs.) Juventude e
ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2014. p. 101–
133.

DEBERT, Guita Grin. A dissolução da vida adulta e a juventude como valor. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 34, p. 49-70, jul./dez. 2010.

______. As classificações etárias e a juventude como estilo de vida. In: Debert, Guita Grin. A
391

reinvenção da velhice. Ed USP. 2004

DEDECCA, Claudio Salvadori. A redução da desigualdade e seus desafios. Texto para discussão n.
2031. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2015.

______. Tempo, trabalho e gênero. In: COSTA, Ana A.; OLIVEIRA, Eleonora M. de; LIMA, Maria
Ednalva B. de; SOARES, Vera; (Org.). Reconfiguração das relações de gênero no trabalho. São
Paulo: CUT, 2004.p. 1-33.

DEDECCA, Claudio Salvadori; RIBEIRO, Camila Santos Matos de Freitas; ISHII, Fernando Hajime.
Gênero e jornada de trabalho: análise das relações entre mercado de trabalho e família. Trabalho,
Educação, Saúde. Rio de Janeiro, v.7, n.1, p.65-90, mar./jun., 2009.

DIAS SOBRINHO, José. Universidade e avaliação: entre a ética e o mercado. Florianópolis:


Insular, 2002.

DIAS, Acácia Batista; AQUINO, Estela M. Maternidade e Paternidade na Adolescência: algumas


constatações em três cidades do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22 (7), p. 1447-1458, jul,
2006.

DIAS, Ana Cristina Garcia. TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira. Gravidez na adolescência: um olhar
sobre um fenômeno complexo. Paideia v. 20, n. 45, p. 123-131, jan./abr., 2010.

DIAS, Deise de Souza. Jovem aluno trabalhador do ensino médio: a articulação entre trabalho e
educação. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação,
2000.

DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. A situação do


trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE, 2001. 354 p.

DORNELLES, Aline Espindola; REIS, Carlos Nelson dos; PANOZZO, Vanessa Maria. Juventude
latino-americana e mercado de trabalho: programas de capacitação e inserção. Revista Katál.,
Florianópolis, v.19, n.1, p.81-90, jan./jun.,2016.

DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios. Caderno CRH,
Salvador, v. 24, n. 01, p. 37-57, 2011.

DUBAR, Claude. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2009.

______. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.

______. El trabajo y las identidades profesionales y personales. Revista Latinoamericana de


Estudios del Trabajo, Los Polvorines, v.7, n.13, p.5-16, 2001a.

DUBET, François. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 29-45, julho, 2003.

______. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 539-555, set./dez. 2004.

______. Qual democratização do ensino superior? Cad. CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 255-266, Ago.
2015.

_______. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, São
Paulo, n. 5/6, p. 222-231, mai/dez. 1997.
392

______. Sociologia da experiência.Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

DUBET, François. MARTUCCELLI, Danilo. A socialização e a formação escolar. In: Lua Nova
Revista de Cultura e Política. n. 40/41. p. 241-266. 1997.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 4. ed. Tradução de Lourenço Filho. São Paulo:
Melhoramentos, 1955.

EHRENBERG, Alain O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa.


Ideias e letras, 2010.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa, Difel, 1992.

ENGUITA, Mariano Fernandez. As relações sociais da educação: A domesticação do trabalho. In:


SILVA, Tomaz Tadeu da. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 161-190.

FANFANI, Emílio. Culturas juvenis y cultura escolar. Documento apresentado no seminário Escola
Jovem: um novo olhar sobre o Ensino Médio. Brasília, 2000.

FARIA, Ivan; GERALDO, Moises. F.; SANTOS, Warley. F. “Rolezinho” e educação. Presença
Pedagógica, v. 20, p. 10-17, 2014.

FBSP. Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. São Paulo, março de 2017.

FEIJOÓ, María del Carmo. Los ni-ni: uma visíon mitológica de los jóvenes latino-americano.
Tendências em foco, n. 30, março, 2015.

FELTRAN, Gabriel de Santis. Periferias, direito e diferença: notas de uma etnografia urbana. Revista
de Antropologia, São Paulo, USP, v. 53 n. 2, 2010.

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Marly. Concurso público: “estudar, para quê?” Derecho y
Cambio Social. p. 1-7, 2015.

FERREIRA, Aline Gonçalves #CurrículoEmConexãoComAcibercultura: a sociabilidade ciborgue


e as juventudes no ensino médio. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Educação (UFMG), Belo Horizonte, 2017.

FERREIRA, Cândido Guerra. Texto para discussão n. 65 - O fordismo, sua crise e o caso brasileiro.
Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1993.

FERRETTI, Celso João. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da
educação. Estudos Avançados 32 (93), 2018.

FERRÉZ. O rolezinho foi só o primeiro aro Disponível:


https://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/02/bferrezb-o-rolezinho-foi-so-o-primeiro-ato.html.
2014b.

FERRÉZ. Tudo nosso, nada nosso. Disponível: https://jornalggn.com.br/noticia/ferrez-tudo-nosso-


nada-nosso. 2014a.

FESTI, Ricardo Colturato. A Instrumentalização da subjetividade no trabalho pelo capital. Educ. Soc.,
Campinas, v. 37, n. 136, p. 913-916, jul./set., 2016.

FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004

______. Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.


393

FLONTINO, Sandra Regina Dantas. Profissão para homem? A escolha feminina por cursos de
recrutamento majoritariamente masculino na UFMG. Dissertação (Mestrado). Universidade
Federal de Minas Gerais, Faculdade de educação, 2016.

FONSECA, Ana Lucia Barreto da. ARAÚJO. Neuraci Gonçalves. Maternidade precoce: uma das
consequências do abandono escolar e do desemprego. Rev. Bras. Crescimento. e Desenvolvimento.
Humano, São Paulo, 14(2), 2004.

FONSECA, Claudia. O anonimato e o texto antropológico: dilemas éticos e políticos da etnografia


‘em casa’. In: SCHUCH Patrice. VIEIRA, Miriam; PETERS. Experiências, dilemas e desafios do
fazer etnográfico contemporâneo, 2010, p. 205-227.

FRANZÓI, Naira. Da profissão como profissão de fé ao “mercado em constante mutação”:


trajetórias e profissionalização dos alunos do Plano Estadual de Qualificação do Rio Grande do Sul
(PEQ-RS). Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.

FREITAS, Tais Viudes. Entre o tempo da produção e o da reprodução social: a vida das
teleoperadoras. Dissertação (Mestrado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp,
Campinas/SP, 2010.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A relação da educação profissional e tecnológica com a universalização da


educação básica. Educação e Sociedade, Campinas, v.28, n.100, p.1129-1152, out. 2007.

______. Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teorias em conflito. In:


FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século.
Petrópolis: Vozes, 1998 (Reimpressão) 2001.p. 25-54.

______. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas. In:


NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo. Juventude e Sociedade – Trabalho, Educação e
Participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

______. Juventude, trabalho e educação: o presente e o futuro interditados ou em suspenso. In:


CIAVATTA, M.; TIRIBA, L. (Org.). Trabalho e educação de jovens e adultos. Brasília, DF: Liber
Livro; Editora UFF, 2011, p. 99-133.

FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Educar o trabalhador cidadão produtivo ou o ser


humano emancipado? Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 45-60, 2003.

FRÚGOLI, Heitor Junior. Sociabilidade Urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

______. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2005.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de


Janeiro: Zahar Editores, 1988.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais.
5º Edição. Rio de Janeiro: Record, 2001.
394

GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos
ou ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação. São Paulo, nº 21. Set/Out/Nov/Dez,
2002.

______. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve
discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº 10.639/03.
Brasília, MEC, Secretaria de Educação Continuada e Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39 -
62.

______. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões
étnicos de Belo Horizonte. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
USP. 2002a.

______. Educação e identidade negra. Aletria Revista de Estudos de Literatura, Belo Horizonte, n.
9, p. 38-47, 2002.

______. Movimento negro e educação: Ressignificando e politizando a raça. Educação e Sociedade,


Campinas, n. 120, p. 727-744, jul./set, 2012.

GOMES, Nilma Lino; DAYRELL, Juarez T. A juventude no Brasil. Mimeo. 2004.

GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, Shirley Aparecida de Gênero, raça e educação: indagações
advindas de um olhar sobre uma academia de modelos. Poiésis, Tubarão. v. 8, n. 13, p. 81 - 103,
jan/jun, 2014.

GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. Lisboa: Estampa, 1974.

GRANOVETTER, Mark. S. Getting a job. Cambridge: HUP, 1974.

GROHMANN, Márcia Zampieri; BATTISTELLA, Luciana Flores; LÜTZ, Carolina. A ética no


consumo: qual a percepção da juventude? Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y
Juventud, 10 (2), pp. 913-925, 2012.

GRUPO ASSESSOR. (Portaria n. 552 SESu/MEC, de 25/06/2007). Diretrizes gerais do Programa de


Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. Plano de
Desenvolvimento da Educação. Brasília: MEC – Secretaria de Educação Superior, 2007.

GUILLAND, Romilda; MONTEIRO, Janine Kieling Jovens e Desemprego: Estado da Arte. Revista
Psicologia: Organizações e Trabalho, 10, 2, jul./dez., p. 145-158, 2010.

GUIMARÃES, Antônio. S. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, 2003.

GUIMARÃES, Nadya Araujo. À procura de trabalho: Instituições do Mercado e Redes. Belo


Horizonte: Argvmentvm, 2009.

______. Caminhos cruzados: estratégias de empresas e trajetórias de trabalhadores. São Paulo: Ed.
34, 2004.

______. Desemprego e procura de trabalho – Alguns desafios. Revista Ciências do trabalho, n. 7,


abr., 2017.

______. O desemprego: desafio comum, formas variadas. Janus, 2008.

______. Por uma sociologia do desemprego. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol.
17, n. 50, p. 102-121, Outubro, 2002.
395

______. Trabalho: uma categoria chave no imaginário juvenil? In: ABRAMO, H. W; BRANCO, P. P.
M. Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo, São Paulo:
Instituto Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005, p. 175-214. (Reimpressão, 2008).

______. Trajetórias inseguras, autonomização incerta: os jovens e o trabalho em mercados sob


intensas transições ocupacionais. In: CAMARANO, Ana Amélia. Transição para vida adulta ou vida
adulta em transição? Rio de Janeiro: IPEA. 2006. p. 171-98.

GUIMARÃES, Nadya Araujo; MARTELETO, Leticia; BRITO, Murillo Marschner Alves. Trajetória
e transições. Os múltiplos e difíceis caminhos dos jovens brasileiros no mercado de trabalho. In: 13TH
Brasa International Congres Painel E-9. Rio de Janeiro. Os jovens e o mercado de trabalho no
Brasil, 2016.

GUTIÉRREZ, Alicia Beatriz; ASSUSA Gonzalo. Cenas sociais e espaço de trabalho Homologias na
vida profissional de jovens de classes populares. Tempo Social, Revista de sociologia da USP, v. 28,
n. 1, 2016.

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

HASENBALG, Carlos A.; SILVA, Nelson do Valle. Raça e oportunidades educacionais no Brasil.
Cadernos de Pesquisa, n. 73, p. 5-12, 1990.

HASENBALG, Carlos. A transição da escola ao mercado de trabalho. In: SILVA, N. V. Origens e


destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 147-172.

______. Introdução. In: HASENBALG, Carlos; SILVA, Nelson. Origens e destinos: desigualdades
sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003b, p. 147-72.

HEILBORN, Maria Luiza et al. Aproximações socioantropológicas sobre a gravidez na adolescência.


Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 17, p. 13-45, junho de 2002.

HEILBORN, Maria Luiza, CABRAL, Cristiane S. Parentalidade juvenil: transição condensada para a
vida adulta. In: CAMARANO, Ana A. Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição?
Brasília: IPEA, p. 225-255, 2006.

HEILBORN, Maria Luiza. Luiza. O traçado da vida: gênero e idade em dois bairros populares do Rio
de Janeiro. In: MADEIRA, F. R. (Org.). Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos; UNICEF, 1997. p. 295-341.

HIRATA, Helena. “Rapports sociaux de sexe et division du travail: contribution à la discussion sur le
concept de travail”. In: J. Bidet; J. Texier. (eds.). La crise du travail. Paris: Presses Universitaires de
France, 1994.

______. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo
Social, v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014.

______. Trabalho, gênero e dinâmicas internacionais. Revista da ABET, João Pessoa. v. 15, n. 1,
Jan/Jun, p. 9-21, 2016.

HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. A classe operária tem dois sexos. Estudos Feministas. Santa
Catarina, n.1, ano 2, p.93-100, 1994.

HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas Configurações da Divisão Sexual do Trabalho.


Cadernos de Pesquisa Fundação Carlos Chagas. São Paulo, v. 37, n. 132, p. 595-609, set./dez.
2007.
396

HONNETH, Axel. A luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo:
Editora 34, 2003.

______. Trabalho e reconhecimento Tentativa de uma redefinição. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p.


46-67, jan. /abr., 2008.

HOZ, Fabio José de La; QUEJADA, Raúl; YÁNEZ, Martha. El desempleo juvenil: problema de
efectos perpetuos. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 10, (1), p.427-
439, 2012.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD, 2016. Pesquisa nacional por amostra de
domicílios: síntese de indicadores 2015, Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro:
IBGE, 2016.

______. PNAD, 2017. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2016,
Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro: IBGE, 2017.

______. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira.
Estudos & Pesquisas: informações demográfica e socioeconômica – 37. - Rio de Janeiro: IBGE, 2017.

INEP - Instituto Nacional de e Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar 2017
– Notas estatísticas, Brasília, INEP, 2018.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. PNAD 2007. Primeiras Análises: Educação,
juventude, raça e cor. Volume 4, 2008. (Comunicado da presidência nº 12).

JARDIM, Fabiana Augusta Alves. Entre desalento e invenção: experiências de desenraizamento e


desemprego em São Paulo. 1ª. ed. São Paulo: Annablume, 2009. v. 1. 237p.

JEOLÁS, Leila Sollberger. LIMA, Maria Elena Melchiades de Souza. Juventude e trabalho: Entre
“fazer o que gosta” e “gostar do que faz”. Revista Mediações, Londrina, v.7, n.2, p. 35-62, jul./dez.,
2002.

JUNQUEIRA, Maria do Carmo Vieira. Processo de adaptação dos trabalhadores adolescentes na


UFMG: um estudo preliminar. Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, 2007.

KERGOAT, Danièle.Em defesa de uma sociologia das relações sociais. Da análise crítica das
categorias dominantes à elaboração de uma nova conceituação. In: A. Kartchevsky. (ed.). O sexo do
trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 79-93, 1987.

______. A propos des rapports sociaux de sexe. M, nº. 53, pp.16-19, 1992.

______. Dinâmicas e consubstancialidade das relações sociais. Novos Estudos, n. 86, março, p. 93-
103, 2010.

______. O cuidado e as imbricações das relações sociais. In: ABREU, Alice Rangel Paiva; HIRATA,
Helena; LOMBARDI, Maria Rosa. Gênero e Trabalho no Brasil e na França: perspectivas
interseccionais/organização. 1. ed. – São Paulo: Boitempo, 2016.p. 17-28.

KRAUSKOPF, Dina. Clase 10 (Fundamentos y desafios de las políticas públicas y programas de


juventud), Curso Juventud Educación y Trabajo, FLACSO, 2017.

KUENZER, Acácia. Z. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade


estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: Lombardi, J.C; Saviani, D;
Sanfelice, J.L. (Org.). Capitalismo, Trabalho e Educação. 1. ed. Campinas: Editora Autores
Associados, 2002, v. 1, p. 77-96.
397

LACHTIM, Sheila Aparecida Ferreira; SOARES, Cássia Baldini. Valores atribuídos ao trabalho e
expectativa de futuro: como os jovens se posicionam? Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v.9 n. 2 p.
277-293, jul./out.2011.

LAHIRE. Bernard. O homem plural – os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002.

______. Retratos sociológicos – disposições e variações individuais. Porto Alegre: Artmed, 2004.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2007.

LARANJEIRA, Denise Helena Pereira; IRIART, Mirela Figueiredo Santos; RODRIGUES, Milena
Santos. Problematizando as transições Juvenis na saída do Ensino Médio, Educação & Realidade,
Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 117-133, jan./mar. 2016.

LARANJEIRA, Sonia M. G. Fordismo e Pós-Fordismo. In: Trabalho e tecnologia: dicionário crítico.


Petrópolis: Vozes, Porto Alegre: Ed Universidade, 1997. p. 89-94

LEAL, Álida Angélica Alves. Desafios comuns, enfrentamentos singulares: narrativas de jovens
docentes iniciantes do Ensino Médio público. Tese (Doutorado). Belo Horizonte. Universidade
Federal de Minas Gerais, 2017.

LEÃO, Geraldo Magela Pereira. Experiências da desigualdade: os sentidos da escolarização


elaborados por jovens pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n. 1, p. 31-48, jan/abr. 2006.

______. A gestão da pobreza juvenil: uma análise de um programa federal de inclusão social para
jovens pobres.GT03 - Movimentos sociais, sujeitos e processos educativos. 27, REUNIÃOANUAL.
Anped. 2004.

______. Entre sonhos e projetos de jovens, a escola. In: DAYRELL, Juarez; STENGEL, Márcia;
MOREIRA, Maria Ignez Costa. Juventude Contemporânea, um mosaico de possibilidades. Editora
PUC Minas, 2011. p. 99-116.

LEÃO, Geraldo Pereira; ALMEIDA, Jorddana; NONATO, Symaira Poliana. Juventude(s), escola e
políticas públicas. Belo Horizonte: Observatório da Juventude da UFMG. (Material didático para
curso de Educação a Distância), 2014.

LEÃO, Geraldo Pereira; NONATO, Symaira Poliana. Juventude e Trabalho. (Material didático para
curso de Educação a Distância), Observatório da Juventude/UFMG, 2011.

LEÃO, Geraldo Pereira; NONATO, Symaira Poliana. Políticas públicas, juventude e desigualdades
sociais: uma discussão sobre o ProJovem Urbano em Belo Horizonte. Educação e Pesquisa, v. 38, n.
04, out./dez. 2012, p. 833-849.

LEÃO, Geraldo; DAYRELL, Juarez Tarcísio; REIS, Juliana Batista dos. Jovens olhares sobre a escola
do ensino médio. Cad. CEDES, Campinas, v. 31, n. 84. 2011.

LECCARDI, Carmen. Por um novo significado do futuro: mudança social, jovens e tempo. Tempo
Social. Volume 17, n. 2, novembro de 2005.

LEITE, Marcia de Paula. A sociologia do trabalho na América Latina: seus temas e problemas
(re)visitados. Sociologia e Antropologia, v. 2, n. 4, p. 103-127, 2012.

______. Qualificação, desemprego e empregabilidade. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.1, n.
1, p. 64-69, 1997.
398

______. Trabalho e Sociedade em transformação. Mudanças produtivas e atores sociais. 1º ed.


São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. 223p

______. A sociologia do trabalho na América Latina: seus temas e problemas (re) visitados.
Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 02, n. 04, p. 103-127, 2012.

______. Trabalho e sociedade em transformação. Sociologias, Porto Alegre, ano 1, n.4, p. 66-87,
jul./dez., 2000.

______. Inovações tecnológicas e relações de trabalho. A experiência brasileira à luz do quadro


internacional. In Castro N. A (org.). A máquina e o equilibrista- Inovações na indústria
automobilística brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.

LEITE, Marcia de Paula; SALAS, Carlos. Trabalho e desigualdade sob um novo modelo de
desenvolvimento. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 87-100, 2014.

LEITE, Marcia de Paula; SILVA, Sandra Roberta Alves; GUIMARÃES, Pilar Carvalho. O trabalho
na confecção em São Paulo: as novas formas da precariedade. Caderno CHR, Salvador, v. 30, n.79,
p. 51-68, jan/abr., 2017.

LEÓN, Oscar Dávila. Clase 5 (La educación y la nueva condición juvenil), Curso Juventud Educación
y Trabajo, FLACSO, edición 2017.

LETELIER, Maria Eugenia. Escolaridade e inserção no mercado de trabalho. Cadernos de Pesquisa,


n.107, p. 133-148, julho, 1999.

LIEDKE, Elida Rubini. Trabalho. In: CATTANI, Antonio David (org.). Trabalho e tecnologia:
dicionário crítico. Petrópolis: Vozes, Porto Alegre: Ed Universidade, 1997. p. 268-274.

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Trabalho e identidade: uma reflexão à luz do debate sobre a
centralidade do trabalho na sociedade contemporânea. Educação Tecnol., Belo Horizonte, v. 12, n. 3,
p. 05-09, set./dez. 2007.

LINHART, Danièle. Modernização e precarização da vida no trabalho. In: ANTUNES, Ricardo (org.).
Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo Editora, 2014, p. 45-54

LIPIETZ, A. Miragens e Milagres: Problemas de Industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo:


Nobel. 1988.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições,


Campinas, v. 19, n. 2, p. 17-23, ago., 2008.

______. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 16. ed.


Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.

MADEIRA, Felícia R. Os jovens e as mudanças estruturais na década de 70: questionando


pressupostos e sugerindo pistas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.58, p. 15-48, ago. 1986.

MANZANO, Marcelo; CALDEIRA, Christian Duarte. Dinâmica recente do mercado de trabalho


brasileiro ainda nos marcos da CLT. Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho.
Ministério Público do Trabalho. Unicamp, Campinas, 2018.

MARGULIS, Mario y URRESTI, Marcelo. La juventud es más que una palabra. In: Mario Margulis
(editor): La juventud es más que una palabra. Ensayos sobre cultura y juventud. Buenos Aires:
Editora Biblos, 1996.
399

MARÍN, Omar Catalán. Juventud y consumo: bases analíticas para uma problematización. Última
década, Cidpa Valparaíso, n. 32, p. 137-158, 2010.

MARQUES, Antonio Carlos Henriques. CEPÊDA, Vera Alves. Um perfil sobre a expansão do ensino
superior recente no Brasil: aspectos democráticos e inclusivos. Perspectiva, São Paulo, v. 42, p. 161-
192, jul./dez., 2012.

MARTUCCELLI, Danilo. La individuación como macrosociología de la sociedad singularista.


Persona e Sociedad / Universidad Alberto Hurtado, v. XXIV, n. 3, p. 9-29, 2010.

______. Lecciones de Sociologia del individuo. 2006. Disponível em: http://cisepa.pucp.edu.pe/wp-


content/uploads/2016/07/lecciones_sociolog%C3%ADa_martuccelli.pdf. Acesso em: 20 de março de
2015.

______. Gramáticas del individuo. Buenos Aires: Losada, 2007.

MARTUCCELLI, Danilo; SINGLY, F. Las sociologías del individuo. Santiago: LOM Ediciones,
2012.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

MATTOS, Fernando A. Mansor de. Trajetórias do emprego público no Brasil desde o início do século
XX. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.36, n1, p. 91-122, jun. 2015.

MATTOSO, Jorge. Eduardo. L. Trabalho sob fogo cruzado. São Paulo em Perspectiva, 8 (1),
jan./mar, p. 13-21, 1994.

MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS,
M.Sociologia e Antropologia. v. 2. São Paulo: EDUSP, 1974. p. 37-184.

MEC. Sistema de seleção Unificada. Disponível em <http://Sisu.mec.gov.br/> acesso em 20/07/2013

MEDEIROS, Marilia Salles Falci. Abordagem Histórica da Reestruturação Produtiva no


Brasil.Latitude, vol. 3, nº1, pp.55-75, 2009.

MEDEIROS, Zulmira. Letramento digital em contextos de autoria na internet. Tese (Doutorado).


Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

MELO, Hildete Pereira de, CONSIDERA, Claudio Monteiro, SABBATO, Alberto Di. Os afazeres
domésticos contam. Economia e Sociedade. Campinas, v.16, n.3 (31), p. 435-454, dez. 2001.

MELUCCI, Alberto. O jogo do Eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Ed. da
Unisinos, 2004. 184 p.

______. Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005.

MENDES, André de Carvalho Bandeira Mendes. O lazer dos jovens trabalhadores da Cruz
Vermelha Brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais: uma análise das compreensões,
vivências e relações sociais. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, 2013.

MENEZES FILHO, Naercio A.; CABANAS, Pedro, Henrique Fonseca; KOMATSU, Bruno
Kawaoka. A Condição “Nem-nem” entre os Jovens é Permanente? Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa. Policy Paper n. 7, agosto, 2013.
400

MENEZES FILHO, Naercio A.; LEE, Marcos Ki Hyung; KOMATSU, Bruno Kawaoka. Mudanças na
situação de estudo e trabalho dos jovens no Brasil. Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. Policy
Paper n. 8, agosto, 2013.

MESQUITA. Maria Cristina das Graças Dutra. O trabalhador estudante do ensino superior
noturno: possibilidades de acesso, permanência com sucesso e formação. Tese (Doutorado).
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2010.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Tradução de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São
Paulo: Boitempo, 2002.

MEYER, Dagmar Estermann. As mamas como constituintes da maternidade: uma história do passado?
Educação & Realidade, Porto Alegre, 25 (2), p. 117-133, jul./dez., 2000.

______. Gênero e Educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane. Felipe;
GOELLNER, Silvana Vilodre. (Org.) Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na
Educação. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 9-27.

MILLS, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

______. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ed
São Paulo: Hucitec, 2004.

______. Pesquisa social: teoria, método, criatividade. 18ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

MOCELIN, Daniel Gustavo. Do trabalho precário ao trabalho decente? A qualidade do emprego como
perspectiva analítica. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 42, n. 2, jul/dez, p. 47 – 62. 2011.

MOCELIN, Daniel Gustavo. SILVA, Luís Fernando Santos Corrêa da. O telemarketing e o perfil
sócio-ocupacional dos empregados em call centers. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387,
Maio/Ago. 2008.

MODESTO, Mônica Andrade. Estudante-trabalhador ou trabalhador-estudante? Nuances da relação


entre educação e trabalho na UFS. VI Colóquio Internacional – Educação e Contemporaneidade.
São Cristovão – SE/Brasil, 2012.

MONTALI, Lilian. Rearranjos familiares de inserção, precarização do trabalho e empobrecimento. In:


Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 14., Caxambu, set. 2004. Eventos Abep, 2004.
Disponível: em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_137.pdf
Acesso em: out., 2018.

MONTEIRO, Joana. Quem são os jovens nem-nem? Uma análise sobre os jovens que não estudam e
não participam do mercado de trabalho, Texto de Discussão n. 34, FGV/IBRE, 2013.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia.
Cadernos PENESB (Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira). UFF, Rio de
Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2004.

MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino O negro no Brasil hoje. São Paulo: Global, 2006.

______. Para entender o negro no Brasil de hoje: histórias, realidades, problemas e caminhos.
São Paulo: Ação Educativa, 2004.

NAÇÕES UNIDAS, Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 2015, 2015.


401

NAKANO, Marilena; ALMEIDA, Elmir. Reflexões acerca da busca de uma nova qualidade da
educação: relações entre juventude, educação e trabalho. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100,
Edição Especial, p. 1085-1104, out. 2007.

NERI, M. Motivos da evasão escolar. São Paulo: Instituto Unibanco, 2008. Mimeo.

NEVES, Tatiane. F. Ensaios sobre o desemprego: qualidades de um “novo” trabalhador? Imaginário


12(13): p. 123-141, 2006.

NIEROTKA, Rosileia Lucia; TREVISOL, Joviles Vitório. Os jovens das camadas populares na
universidade pública: acesso e permanência. Revista. Katál., Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 22-32,
jan./jun. 2016.

NOGUEIRA, Cláudio M. M.; NONATO, Bréscia F. Promessas e limites: o Sisu e sua implementação
na Universidade Federal de Minas Gerais. Sisu e política de reserva de vagas: igualdade de
oportunidades no acesso ao ensino superior público? GT 07. Sociologia da Educação. 38ºANPED,
2017

NOGUEIRA, Maria Alice. Relação família-escola: novo objeto na sociologia da educação. Paidéia
(Ribeirão Preto) [online]. 1998, vol.8, n.14-15, p.91-103.

______. A categoria “família” na pesquisa em sociologia da educação: notas preliminares sobre um


processo de desenvolvimento. Educação e Sociedade, Inter-legere (UFRN), v. 9, p. 156-166, 2011.

______. A construção da excelência escolar - um estudo de trajetórias feito com estudantes


universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: Maria Alice Nogueira; Nadir
Zago; Geraldo Gromanelli. (Org.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas
médias e populares. 4ed.Petrópolis: Vozes, v., p. 125-154, 2000.

______. A relação família-escola na contemporaneidade: fenômeno social/interrogações sociológicas.


Análise Social (Lisboa), Lisboa - Portugal, v. XL, n. 176, p. 563-578, 2005.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um


quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo soc.
[online], vol.19, n.1, pp.287-308, 2007.

NOGUEIRA, Paulo Henrique de Queiroz. Identidade juvenil e identidade discente: processos de


escolarização no terceiro ciclo da escola plural. Tese (Doutorado) Universidade de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2006.

NOGUEIRA, Paulo Henrique de Queiroz; D’ANDREA, Anna Claudia Eutrópio B. Juventudes,


sexualidades e relações de gênero. Observatório da Juventude da UFMG. (Material didático para
curso de Educação a Distância), 2014.

NONATO, Bréscia França. Lei de Cotas e Sisu: Análise dos processos de escolha dos cursos
superiores e do perfil dos estudantes da UFMG antes e após as mudanças na forma de acesso às
Instituições Federais. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de
Educação (UFMG), Belo Horizonte, 2018.

NONATO, Symaira Poliana. A condição juvenil dos jovens trabalhadores da Cruz Vermelha
Brasileira no campus Pampulha da UFMG. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação (UFMG), Belo Horizonte, 2013.

______. As repercussões de um projeto socioeducativo na trajetória de vida de jovens de


periferia de Belo Horizonte e região metropolitana. Monografia, Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação (UFMG), 2010.
402

NONATO, Symaira Poliana; DAYRELL, Juarez Tarcísio. Juventude, trabalho e escola: reflexões
sobre a condição juvenil. Trabalho & Educação, v. 27, n. 1, p. 101-118, 2018.

NOVAES, Regina. Juventude, percepções e comportamentos: a religião faz diferença? In: ABRAMO,
Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org’s.): Retratos da juventude brasileira –
Análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. (Reimpressão,
2008).

NOVAES, Regina. Os jovens de hoje: contextos, diferenças e trajetórias. In: ALMEIDA, Maria Isabel
Mendes de; EUGENIO, Fernanda (orgs). Culturas jovens – novos mapas do afeto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2006.

NUNES, Brasilmar Ferreira. Consumo e identidade no meio juvenil: considerações a partir de uma
área popular do Distrito Federal. Sociedade e Estado, Brasília, v. 22, n. 3, p. 647-678. set./dez. 2007.

OIT (Organização Internacional do Trabalho). Agenda Nacional de Trabalho Decente, Brasília, 2006.

______. Mulheres no trabalho. Tendências, Genebra, 2016.

______. Perspectivas Sociales y del empleo em el mundo Mujeres. Tendencias del empleo femenino,
2017.

______. Trabalho decente e juventude no Brasil. Brasília: Organização Internacional do Trabalho,


2009.

OIT/CEPAL/PNUD. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência


brasileira recente. Brasília, OIT, CEPAL, PNUD, 2008.

OLIVEIRA, Régia Cristina Jovens trabalhadores: representações sobre o trabalho na


contemporaneidade. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia
Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2001.

OXFAM (Brasil). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras, 2017.

PAIS, José Machado. A construção sociológica da juventude: alguns contributos. Análise Sociológica,
v. 25, n. 105-106, 1990.

______. Culturas Juvenis. Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003.

______. Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: Âmbar, 2001. 340p.

______. Jovens em mudança. Actas do congresso internacional growing up between centre and
periphery. Lisboa, 2-4 maio de 1996.

______. Vida cotidiana – enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003.

PAIVA, Vanilda. Sobre o conceito de “capital humano”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 113, p.
185-191, jul.2001.

PAIXÃO, MARCELO; CARVANO; Luiz (orgs.). Relatório Anual das Desigualdades Raciais no
Brasil; 2007-2008. Editora Garamond Ltda., 2008.

PAPPÁMIKAIL, Lia. O valor que o dinheiro tem: reequacionando a (in)dependência juvenil. In:
Adolescência e Autonomia Negociações familiares e construção de si. Lisboa: Imprensa de
Ciências Sociais, 2013. p. 145 – 197.
403

PERALVA, Angelina. O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de Educação, Rio de
Janeiro, n.6, set./out./nov./dez., p. 15-23, 1997.

PEREGRINO, Mônica. Juventude, trabalho e escola: elementos para análise de uma posição social
fecunda. Cad. Cedes. Campinas, v.3 1, n. 84, p.275-291, maio-ago, 2011.

______. Os estudos sobre jovens na interseção da escola com o mundo do trabalho. In: O Estado da
Arte sobre a juventude na pós-graduação brasileira: Educação, Ciências Sociais e Serviço Social
(1999-2006). Belo Horizonte: Argvmentvn: 2009.

PEREIRA, Alexandre Barbosa. “A maior zoeira”: experiências juvenis na periferia de São Paulo.
Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo 2010.

PEREIRA, Alexandre Barbosa. Os “rolezinhos” nos centros comerciais de São Paulo: juventude,
medo e preconceito. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 14 (1), p.
545-557, 2016.

PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-
livros na cidade de Lisboa. 1.ed. São Paulo, Companhia de Bolso, 2006.

PINTO, José Marcelino de Rezende. O acesso à educação superior no Brasil. Edu. Soc., Campinas,
vol. 25, n. 88, p. 727-756, Especial – Out, 2004.

POCHMANN, Márcio et al. Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2005.

POCHMANN, Márcio. A batalha pelo primeiro emprego: a situação atual do jovem e as


perspectivas no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publisher Brasil, 2000.

______. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa? Educação. Sociedade,
Campinas, vol. 25, n. 87, p. 383-399, maio/ago. 2004.

______. O Trabalho sob Fogo Cruzado. São Paulo: Editora Contexto, 1999.

POCHMANN, Márcio; FERREIRA, Eliza Bartolozzi. Escolarização de jovens e igualdade no


exercício do direito à educação no Brasil: embates do início do século XXI. Educ. Soc., Campinas, v.
37, n. 137, p.1241-1267, out. /dez., 2016.

PORTAL BRASIL. Censo 2010 mostra as características da população brasileira. 2012. Disponível
em: http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/07/censo-2010-mostra-as-diferencas-entre-
caracteristicas-gerais-da-populacao-brasileira

PORTES, Écio Antonio. Algumas dimensões culturais da trajetória de estudantes pobres no ensino
superior público: o caso da UFMG. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 87, p. 220-235,
2006.

QUADROS, Waldir José. Crise do Padrão de Desenvolvimento no Capitalismo Brasileiro. Texto


para Discussão n. 6, CESIT/UNICAMP, 1991, p. 1-13.

______. PNAD 2015 o retrocesso se explica. Texto para discussão n.286, Unicamp, IE, Campinas,
fev, 2017.

QUINTANA, Mario. Poesia completa. Rio De Janeiro, Editora Nova Aguilar: 2006.

QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um
toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
404

RAITZ, Tânia Regina. Jovens, trabalho e educação: processos identitários na contemporaneidade.


Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 1, p. 78-94, jan./jun., 2011.

REIS, Juliana Batista dos. DAYRELL, Juarez Tarcísio. Uma jovem mulher negra favelada:
singularidade compartilhada em narrativas biográficas. Debates em Educação, vol. 10, n. 20, 2018.

REIS, Juliana Batista dos. Transversalidade nos modos de socialização e individuação:


experiências juvenis em rede. Tese (Doutorado). Belo Horizonte. Universidade Federal de Minas
Gerais/Faculdade de Educação, 2014.

REIS, Maurício Cortez. Como as condições do mercado de trabalho influenciam as transições do


desemprego para o emprego? In: Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. – n.63, (2017). Brasília: Ipea: Ministério do Trabalho, 2017.

RIBEIRO, Maria de Fátima Queiroz. Os jovens pobres e a política social no Brasil: do trabalho
precoce ao trabalho protegido. Doutorado (Tese) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
2012.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Fronteira, 2001. p. 436.

ROSEMBERG, Fúlvia. Raça e educação inicial. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos
Chagas (77):25-34, mai 1991.

SAAVEDRA, Giovani Agostini; SOBOTTKA, Emil Albert. Introdução à teoria do reconhecimento de


Axel Honneth. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 9-18, jan./abr. 2008.

SALAS, Carlos. LEITE, Marcia de Paula. Ocupação e Desigualdade no Brasil. Novos desafios. In:
Congresso da ABET, Rio de Janeiro, 2017.

______. Trabalho e desigualdades sob um novo modelo de desenvolvimento. Tempo Social, revista
de sociologia da USP, v. 26, n. 1, 2014.

SALES, Shirlei Rezende. A ética e a estética da existência juvenil em duas lições curriculares do
ensino médio: jogos de verdade sobre a sexualidade e gravidez. In: MORGANO et al. Currículo
Internacionalização cosmopolitismo. – Desafios contemporâneos em contextos. Luso-Afro-
Brasileiros. Portugal: De Facto Editores, 2015. p. 133-143.

______. Algumas lições curriculares sobre a estética da existência juvenil: disputas discursivas em
torno de sexualidade e gravidez no ensino médio. In: MACEDO, Elizabeth Ranniery (orgs.).
Currículo, sexualidade e ação docente. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2017, p. 75-91.

SALVADORI, Mateus. Honneth, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos
sociais. Conjectura, v. 16, n. 1, jan./abr. 2011.

SANTANA, Munich; DIMENSTEIN, Magda. Trabalho doméstico de adolescentes e reprodução das


desiguais relações de gênero. Psico-USF, v. 10, n. 1, p. 93-102, jan./jun. 2005.

SANTOS, Anselmo Luis dos; GIMENEZ Denis Maracci. Inserção dos jovens no mercado de trabalho.
Estudos Avançados, São Paulo, 29 (85), 2015.

SANTOS, Gevanilda; SANTOS, Maria José P. e BORGES, Rosangela. A Juventude negra. In:
ABRAMO, Helena W. e BRANCO, Pedro P. M. (orgs.) Retratos da juventude brasileira: análises
de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
405

SANTOS, Graciele Marques; GENTIL, Heloisa Salles. Estudante de classe populares no curso de
Pedagogia da UNEMAT: acesso à educação superior. Revista Faculdade de Educação (Univ. do
Estado de Mato Grosso), v. 25, ano 14, n. 1, p.57-72, jan. /jun., 2016.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 14.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2007, 174p.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira.
Rio de Janeiro: Campus, 1979.

SARRIERA, Jorge. C. et al. Os (Des) Caminhos dos Jovens na sua Passagem da Escola ao Trabalho.
In. SARRIERA, Jorge Castellá (org). Psicologia Comunitária: Estudos Atuais, Porto Alegre: Sulina,
2000, pp.45-63.

SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo:
Cortez, 2003.

______. O jovem na família: o outro necessário. In: NOVAES, Regina; VANUUCHI. Juventude e
Sociedade – Trabalho, Educação, Cultura e Participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2004. (Reimpressão 2007).

SAVIANI. Trabalho e Educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista. Brasileira de


Educação. vol. 12 n. 34 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2007

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre,
v.20, n.2, p. 71 – 100, 1995.

SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Educação e trabalho uma relação tão necessária quanto
insuficiente. São Paulo Perspectiva, 14(2) 2000.

SENNET, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo


capitalismo. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, (2003) 2008.

______. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro – São Paulo: Record, 2003.

SETTON, Jacinto Maria da Graça; SPOSITO, Marília Pontes. Como os indivíduos se tornam
indivíduos? Entrevista com Danilo Martuccelli, Educ. Pesquisa., São Paulo, v.39, n.1, p. 247-267,
Jan./Mar.2013.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A escolha e o reconhecimento pela educação: o caso de Antônio.
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1405-1418, dez., 2015.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A particularidade do processo de socialização contemporâneo.


Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. n. 2, v. 17, p. 335-350, 2005.

______. As religiões como agentes da socialização. Cadernos CERU, série 2, v. 19, n. 2, dezembro
de 2008.

______. Marcel Mauss e Norbert Elias: notas para uma aproximação epistemológica. Educ. Soc.,
Campinas, v. 34, n. 122, mar. 2013.

______. Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle social. In: DAYRELL, Juarez;
MOREIRA, Maria Ignez Costa; STENGEL, Márcia (orgs). Juventudes contemporâneas: um
mosaico de possibilidades. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2011. p. 67-80.

SILVA, Enid Rocha Andrade; MACEDO, Debora M.B.; FIGUEIREDO, Marina, M.A. Conciliação
406

dos estudos, trabalho e via familiar na juventude brasileira. Organização Internacional do Trabalho
(OIT); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília: OIT, 2015.

SILVA FILHO, Luís Abel da; SILVA, Fábio José Ferreira da; QUEIROZ, Silvana Nunes de. Jovens
no mercado de trabalho formal brasileiro: uma análise quantitativa. Rev. Fac. Cienc. Econ., Vol.
XXIII (2), Diciembre, p. 21-34, 2015.

SILVA, Jailson de Souza. Porque uns e não outros? Caminhada de jovens pobres para a universidade.
Rio de Janeiro: Sete Lettras, 2003.

SILVA, Jose Humberto da. Juventude trabalhadora brasileira: percursos laborais, trabalhos
precários e futuros (in)certos. Tese (Doutorado) Campinas, São Paulo, 2012.

SILVA, Josué Pereira da. Sobre a relação entre trabalho e reconhecimento na teoria de Axel Honneth:
uma nota crítica. 34º. Encontro Anual da Anpocs, 2010.

SILVA, Mariléia Maria da. A inserção profissional dos jovens em tempos de inovação tecnológica e
organizacional. Revista Educação em Questão, 35(21), 74-97, 2009.

______. Geração à deriva: jovens nem nem e a surperfluidade da força de trabalho no capital-
imperialismo. Revista Educ. Públ. Cuiabá v. 25 n. 58 p. 119-136 jan./abr. 2016.

______. Inserção profissional de jovens: o circuito fechado da precarização. Trabalho & Educação,
Belo Horizonte, v.23, n.3, p. 177-194, set-dez, 2014.

SILVA, Marineide Maria. Na onda da flexibilidade: a experiência do desemprego vota pelo recorte
geracional e de qualificação profissional. In: SILVA, Mariléia Maria da; EVANGELISTA, Olinda;
QUARTIERO, Elisa Maria (orgs.). Jovens, trabalho e educação – A conexão subalterna de
formação para o capital. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012. p 143-176.

SILVA, Natalino Neves da. “Educação de Jovens e Adultos: alguns desafios em torno do direito à
educação”. Paidéia - Revista do Curso de Pedagogia da Universidade FUMEC, Belo Horizonte,
ano 6, n. 7, p. 61-72, jul./dez. 2009.

SILVA. Maria Mariléia. O trabalho para jovens diplomados no novo modelo de acumulação
capitalista. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 02, p. 405-424, jul./dez. 2004.

SIMÕES, Júlio Assis. CARRARA, Sérgio. O campo de estudos socioantropológicos sobre diversidade
sexual e de gênero no Brasil: ensaio sobre sujeitos, temas e abordagens. Cad. Pagu, n. 42, Jun 2014,
p.75-98.

SIMÕES; Cíntia Agostinho; BOTELHO, Luanda; MORAES, Pedro. Indicadores sobre idosos:
desafios diante do envelhecimento populacional. In: SIMÕES, André; ATHIAS, Leonardo;
BOTELHO, Luanda. (orgs.). Panorama nacional e internacional da produção de indicadores
sociais: grupos populacionais específicos e uso do tempo. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de
População e Indicadores Sociais, 2018.

SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. SP: Cia das Letras,
2012.

SINGER, Paul. A juventude como coorte: uma geração em tempos de crise social. In: SPOSITO,
Marília Pontes. Espaços públicos e tempos juvenis: Um estudo de ações de poder público em cidades
de região metropolitana brasileira. São Paulo: Global, 2007.

SIQUEIRA Liédjeet al. (2017) Geração nem nem e os efeitos das aposentadorias e pensões.
Planejamento e Políticas Públicas, n. 48, jan./jun. 2017.
407

SOARES, Angelo. Automação, (des)qualificação e emoção nos paraísos do consumo. Cadernos Pagu
(10), pp.113-146, 1998.

______. Tão longe, tão perto: o trabalho no setor de serviços. Revista Latino-americana de Estudos
do Trabalho. Ano 16, n. 26, p. 89-117, 2011.

______. As emoções do care. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo. Cuidado e
cuidadoras: as faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas, 2012. 44-59p

SOARES, Cristiane. A distribuição do tempo dedicado aos afazeres domésticos entre homens e
mulheres no âmbito da família. Gênero. Niterói, v.9, n.1, p.9-29, 2008.

SOBOTTKA, Emil Albert. Reconhecimento novas abordagens em teoria crítica. Annablume. São
Paulo. 144p, 2015b.

______. Desrespeito e luta por reconhecimento. Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 4, p. 686-702,
out./dez., 2015a.

SOEIRO, José; FERREIRA, Ricardo Sá; MINEIRO, João. Juventude, precariedade e desigualdades:
as classes contra o fim da história. Uma reflexão a partir do contexto europeu. Revista Angolana de
Sociologia, 10, p. 77-89, 2012.

SOUZA, Aparecida Neri De. A modernização do trabalho de professores: processos de precarização e


ataque ao trabalho. In: 36ª. Encontro Anual da ANPOCS- Águas de Lindóia, São Paulo, 2012.

______. Condições e organização do trabalho docente em universidades públicas. In: XI Seminario


internacional de la red Estrado - Movimientos Pedagógicos y Trabajo Docente en tiempos de
estandarización, 2016.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

SPOSITO, Marília Pontes (Coord.). Juventude e escolarização. Estado do conhecimento. São


Paulo. [Publicação eletrônica: www.acaoeducativa.org], 2003.

______. (coordenação). O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira:


Educação, Ciências e Serviço Social (1999-2006). Volume 1. Belo Horizonte: Argvmentvm: 2009.

______. Indagações sobre as relações entre juventude e a escola no Brasil: institucionalização


tradicional e novos significados. Revista de Estudios sobre Juventud, México, v. 9, n. jan./jul, p.
220-267, 2005.

______. Juventude e Educação: interações entre a educação escolar e a educação não-formal.


Educação e Realidade, n. 33, p. 83-98. Jul/dez, 2008.

______. Trabalhador-estudante: um perfil do aluno do curso superior noturno. São Paulo: Loyola,
1989.

______. Transversalidades no estudo sobre jovens no Brasil: educação, ação coletiva e cultura.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, 2010, p. 93-104.

______. Juventude e Educação: interações entre a educação escolar e a educação não-formal.


Educação & Realidade, Porto Alegre, 33(2), p.83-97, jul/dez, 2008.

______. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil.
In: ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro P. M. (Orgs.). Retratos da juventude brasileira:
análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 87-127
408

SPOSITO, Marília Pontes; CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventude e políticas públicas no
Brasil. Revista Brasileira de Educação. Campinas, n. 4, Set/Out/Nov/Dez, p. 16-39, 2003.

SPOSITO, Marília Pontes; SOUZA, Raquel. Desafios da reflexão sociológica para a análise do Ensino
Médio no Brasil. In: KRAWCZYK, Nora (org.). Sociologia do Ensino Médio – Crítica ao
economicismo na política educacional. São Paulo: Cortez, 2014.

SPOSITO, Marilia Pontes. TARÁBOLA, Felipe de Souza. Entre luzes e sombras: o passado imediato
e o futuro possível da pesquisa em juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de
Janeiro, v. 22, n. 71, 2017.

SPOSITO, Marília Pontes; GALVÃO, Izabel. A experiência e as percepções de jovens na vida escolar
na encruzilhada das aprendizagens: o conhecimento, a indisciplina, a violência. Perspectiva - Revista
do Centro de Ciências da Educação da UFSC, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 345-380, 2004.

SUXBERGER, Antonio. H. G. O tamanho dos nossos sonhos: política e democracia no espaço entre
nós e o contexto. In J. A. Dias, A. H. G. Suxberger, C. R. D. Garcia & R. R. Manente (Orgs.), O que
fazer depois de passar em um concurso público. Blumenau: Nova Letra, 2009, pp. 21-31

TARÁBOLA, Felipe de Souza. Aspirantes: Desafios de estudantes da USP egressos de escolas


públicas no contexto do novo tensionamento político-social brasileiro. Tese (Doutorado)
Universidade de São Paulo (UPS), São Paulo, 2015.

TARTUCE, Gisela Lobo Pereira. Jovens na transição escola-trabalho – Tensões e intenções. São
Paulo: Annablume, 2010.

TEIXEIRA, Inês Assunção. Por entre planos, fios e tempos: a pesquisa em sociologia da educação. In:
Nadir Zago, Marília Pinto de Carvalho e Rita Amélia Teixeira Vilela. (Org.). Itinerários de pesquisa:
perspectivas qualitativas em sociologia da educação. 2ed.Rio de Janeiro: Lamparina, 2011, v., p.
80-104.

______. Virtualidades e alcances da entrevista narrativa. In: Congresso Internacional sobre pesquisa
(Auto) Biográfica II, 2006, Salvador. Anais. Salvador: UNEB, 2006.

TELLES, Vera da Silva. A pobreza como condição de vida: família, trabalho e direitos entre as classes
trabalhadoras urbanas. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 37-45, abr./jun., 1990.

TELLES, Vera da Silva. CABANES, Robert. Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas e seus
territórios. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.

THIN, Daniel. Para uma análise das relações entre famílias populares e escola: confrontação entre
lógicas socializadoras. Revista Brasileira de Educação. Col.11, n. 32, p. 11-25, 2006.

TOMMASI, Maria Livia de. Jovens produtores culturais de favela. Linhas Críticas, Brasília, DF, v.
22, n. 47, p. 41-62, jan./abr. 2016.

______. Nem bandidos nem trabalhadores baratos: Trajetórias de jovens da periferia de Natal.
Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 5 – n. 1 - Jan/fev/mar 2012 - pp.
101-129.

VALE, Fernanda Feitosa; SALLES, Leila Maria Ferreira. Uma leitura sobre a violência no espaço
escolar: juventude em questão, s/d, 2007.

VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura – Notas para uma Antropologia da Sociedade


Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
409

______. Projeto e Metamorfose – Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003.

VENCO, Selma. Telemarketing nos Bancos: o emprego que desemprega. Dissertação (Mestrado)
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1999.

______. Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing. Tese (Doutorado)


Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2006.

VIANA, Maria José. Longevidade escolar em famílias de camadas populares – algumas condições de
possibilidade. In: NOGUEIRA, Maria Alice. ROMANELLI, Geraldo; NADIR, Zago (Orgs.). Família
e Escola – trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Editora Vozes,
2000, p. 45-60.

______. Longevidade escolar em famílias de camadas populares: algumas condições de


possibilidades. Belo Horizonte. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade
de Educação (UFMG), Belo Horizonte, 1998.

VIANA, Silvia. Jaula de vidro. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 60, p. 91-109,
abr. 2015.

VILELA, Rita Amélia (Orgs.). Itinerários de pesquisa. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

VILLAS, Sara; NOGUEIRA, Paulo Henrique de Queiroz. Juventude, indisciplina e regras escolares.
Observatório da Juventude da UFMG. (Material didático para curso de Educação a Distância),
2014.

VINUTO, Juliana. A amostragem em bolo de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto.


Temáticas, Campinas 22p, ago./dez. 203-220, 2014.

WESCHENFELDER, Viviane Inês; FABRIS, Elí Terezinha Henn. Alteridade na pesquisa em


educação: por uma ética do desconforto. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de
Janeiro, v. 15, n. 39, p. 115-135, 2018.

WICKERT, Luciana Fim. Desemprego e Juventude: Jovens em Busca do Primeiro Emprego.


Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), p. 258-269, 2006.

WIKIPEDIA. Facebook. Consulta em 07 fev. 2018.

ZAGO, Nadir. Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de


camadas populares camadas populares. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 32 maio/ago. 2006.

______. Relação escola-família – Elementos de reflexão sobre um objeto de estudo em construção.


Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v.12, n. 16, p. 11-25, 1994.

______. Um itinerário de pesquisa em sociologia da educação: temas e orientações de trabalhos sobre


escolarização nos meios populares. Revista Pedagógica, Chapecó, v.17, n.36, set./dez. 2015.

ZALUAR, Alba. O antropólogo e os pobres: introdução metodológica a afetiva. In: A máquina e


a revolta. São Paulo: Brasiliense, 1985.
411

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do Projeto: “Juventudes, trabalho e processos de escolarização: compreendendo os


processos de individuação de jovens ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha Brasileira (UFMG
- Câmpus Pampulha)”
Pesquisadores Responsáveis: Juarez Tarcísio Dayrell; Maria Carla Corrochano e Symaira
Poliana Nonato.
Telefone para contato: (31) 3409-3799.
Email: juareztd@gmail.com; carlacorrochano@gmail.com; sypoli@yahoo.com.br;

O Sr.(ª) está sendo convidado/a a participar da pesquisa “Juventudes, trabalho e


processos de escolarização: compreendendo os processos de individuação de jovens ex-
trabalhadores da Cruz Vermelha Brasileira (UFMG - Câmpus Pampulha)”, de
responsabilidade dos/as pesquisadores/as Juarez Tarcísio Dayrell; Maria Carla Corrochano e
Symaira Poliana Nonato.
A pesquisa pretende compreender, por meio dos entrecruzamentos entre trabalho e
escolarização, como tem se configurado os processos de individuação de jovens ex-
trabalhadores/as da Cruz Vermelha no câmpus Pampulha da UFMG, ou seja, busca entender a
realidade atual dos/as jovens, identificando quais espaços de trabalho e de escolarização tem
vivenciado, bem como as repercussões do trabalho realizado no campus Pampulha da UFMG
nas trajetórias de profissionalização, escolarização e construção de projetos de futuro. Para
tanto, a coleta de dados será feita inicialmente por meio de questionário e futuras entrevistas
(caso o/a jovem tenha interesse) que serão gravadas e transcritas. Essas entrevistas se
constituirão principalmente de relatos da sua história de vida, tendo como temas a sua história
familiar, o seu percurso na escola e a sua trajetória profissional. Os locais e horários das
entrevistas serão combinados com você, respeitando sua disponibilidade e preferência. Você
não terá nenhum custo com a pesquisa e não receberá remuneração por sua participação
É importante lembrar que todos os dados aqui coletados são confidenciais e que
aqueles que participarem espontaneamente das entrevistas, que serão gravadas em áudio, terão
suas identidades resguardadas e permanecerão no anonimato mesmo após a realização do
relatório final deste estudo. O resultado da pesquisa será divulgado em eventos e artigos. Será
resguardada a identificação de todos/as os/as participantes da pesquisa, sendo os questionários
412

registrados apenas por um código numérico. E a gravação das entrevistas (áudio) será mantida
em posse da equipe da pesquisa, resguardando também a identificação dos entrevistados.
Sua contribuição para essa pesquisa é voluntária e, caso você queira retirar este
consentimento, tem absoluta liberdade de fazê-lo a qualquer tempo. O estudo pode causar
constrangimento na aplicação dos questionários e realização das entrevistas, por trata-se uma
pesquisa qualitativa que busca compreender como tem se configurado os processos de
individuação de jovens ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha no câmpus Pampulha da
UFMG. Por isso as entrevistas e os questionários só serão realizados mediante ao seu
consentimento. Sua participação é de suma importância tanto para a qualidade dessa
investigação quanto para a sociedade de modo geral.

Quaisquer dúvidas, queixas ou sugestões devem ser encaminhadas aos pesquisadores


professor/a Juarez Tarcísio Dayrell; Maria Carla Corrochano e a doutoranda Symaira Poliana
Nonato, por meio do telefone ou do email acima indicados. No caso de dúvidas éticas deverá
ser consultado o COEP/UFMG - Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 – Unidade Administrativa II
– 2° andar – sala 2005 – Cep 31270-901 – BH – MG – Telefax (3) 3409-4592 – e-mail:
coep@prpq.ufmg.br.

Eu __________________________________________________, RG_________________,
declaro que fui consultado/a pelos responsáveis do projeto de pesquisa, Juarez Tarcísio
Dayrell, Maria Carla Corrochano e Symaira Poliana Nonato, e respondi positivamente à sua
demanda de realizar a coleta de dados de sua pesquisa por meio questionário e/ou entrevistas.
Declaro ainda que recebi uma via do presente Termo.

Assinatura participante: _______________________________________________________

Assinaturas pesquisadores: _________________;__________________;_________________

Belo Horizonte, _____ de _____________________de 2016.


413

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO

Pesquisa - Juventudes, trabalho e processos de escolarização: jovens ex-trabalhadores/as da


Cruz Vermelha Brasileira UFMG - Câmpus Pampulha

Olá,

No ano de 2012 foi realizada uma pesquisa na UFMG sobre a “Condição juvenil dos/as jovens
trabalhadores/as da Cruz Vermelha na UFMG”. Você me ajudou respondendo a um questionário, se
lembra?
Resolvi continuar a pesquisa e tentar conversar com alguns/algumas jovens que participaram da
pesquisa naquela época. O objetivo é saber como estão os/as jovens que trabalharam ou ainda
trabalham na UFMG decorridos 4 anos depois.
Esse questionário é o primeiro passo. Após todos/as os/as jovens (total de 149 jovens) que
participaram da pesquisa preencherem o questionário, vou analisar as respostas e escolher algumas
pessoas para a entrevista (quem se interessar!).
Você não terá nenhum custo com a pesquisa.
Gostaria de esclarecer que o uso do material coletado será destinado exclusivamente para a realização
desta pesquisa e que sua identidade ficará assegurada por meio do uso de um nome fictício.

CASO VOCÊ NÃO TENHA PARTICIPADO DA PESQUISA ANTERIOR, POR FAVOR, NÃO
RESPONDA A ESSE QUESTIONÁRIO.

Desde já agradeço.

Symaira Nonato

*Obrigatório

Identificação

Nome completo:*

1) Sexo:*
 Masculino
 Feminino

Gostaria de realizar comentário:

2) Idade (anos):*
 19
 20
 21
 22
 23
 24

2.1) Data de nascimento (dia/mês/ano):*

3) Estado civil:*
 Solteiro/a
414

 Casado/a
 União estável
 Divorciado/a
 Viúvo/a
 Outro

4) De acordo com as categorias de cor/raça do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),


você se declara:*
 Branco/a
 Pardo/a
 Preto/a
 Amarelo/a (de origem asiática)
 Indígena
 Não sei
 Não desejo declarar

5) Com quem você mora?*


 Com meus pais (pai e mãe)
 Com minha mãe
 Com meu pai
 Sozinho, mantido por mim
 Sozinho, mantido por pais/familiares
 Com outros familiares
 Cônjuge/Companheiro
 Com amigos (as), mantido por mim
 Com amigos (as), mantido por pais/familiares
 Outro

6) Você tem filho/filha?*


 Sim
 Não

6.1) Se SIM, quantos?


 1
 2
 3
 4 ou mais

7. Qual a renda mensal aproximada da sua família, incluindo todos os rendimentos de todos os
membros de sua família? (Lembrando que o salário mínimo é de R$ 937,00)
 Até um salário mínimo.
 De 1 e meio a 2 salários.
 De 2 e meio a 3 salários.
 De 3 e meio a 4 salários.
 4 e meio ou mais.

Sobre seus pais


8) Qual a escolaridade da sua mãe?*
 Nunca estudou
 Até a 4º série do Ensino Fundamental
 Ensino Fundamental incompleto
 Ensino Fundamental completo
415

 Ensino Médio incompleto


 Ensino Médio completo
 Ensino Superior incompleto
 Ensino Superior completo ou mais
 Não sei informar

8.1) Qual a escolaridade do seu pai?*


 Nunca estudou
 Até a 4º série do Ensino Fundamental
 Ensino Fundamental incompleto
 Ensino Fundamental completo
 Ensino Médio incompleto
 Ensino Médio completo
 Ensino Superior incompleto
 Ensino Superior completo ou mais
 Não sei informar

9) Qual a profissão/ocupação da sua mãe?*

9.1) Qual a profissão/ocupação do seu pai?*

Sobre sua trajetória de trabalho

10) Atualmente você trabalha?*


 Sim
 Não

10.1) Quantos empregos/trabalhos você já teve desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? *
 Nenhum
 1
 2
 3
 4
 5
 6 ou mais

10.2) Qual foi seu primeiro trabalho/emprego desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? (Se não
teve nenhum trabalho/emprego escreva apenas "Não tive")*

10.2.1) Quanto tempo você levou para encontrar seu primeiro trabalho depois que saiu da Cruz
Vermelha (UFMG)? Como encontrou seu primeiro trabalho (indicação, buscou sozinho, etc.)?

10.2.2) Quanto tempo (meses ou anos) você ficou no seu primeiro trabalho? Se já saiu, por que saiu?

10.2.3) Seu primeiro trabalho/emprego depois que saiu da Cruz Vermelha (UFMG) foi com carteira
assinada?
 Sim
 Não

10.3) Qual foi seu segundo trabalho/emprego desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? (Se não teve
segundo trabalho/emprego escreva apenas "Não tive").*

10.3.1) Quanto tempo você levou para encontrar seu segundo trabalho? Como encontrou seu segundo
416

trabalho (indicação, buscou sozinho, etc.)?

10.3.2) Quanto tempo (meses ou anos) você ficou no seu segundo trabalho? Se já saiu, por que saiu?

10.3.3) Seu segundo trabalho/emprego depois que saiu da Cruz Vermelha (UFMG) foi com carteira
assinada?
 Sim
 Não

10.4) Qual foi seu terceiro trabalho/emprego desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? (Se não teve
terceiro trabalho/emprego escreva apenas "Não tive").

10.4.1) Quanto tempo você levou para encontrar seu terceiro trabalho? Como encontrou seu terceiro
trabalho (indicação, buscou sozinho, etc.)?

10.4.2) Quanto tempo (meses ou anos) você ficou no seu terceiro trabalho? Se já saiu, por que saiu?

10.4.3) Seu terceiro trabalho/emprego depois que saiu da Cruz Vermelha (UFMG) foi com carteira
assinada?
 Sim
 Não

10.5) Qual foi seu quarto trabalho/emprego desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? (Se não teve
quarto trabalho/emprego escreva apenas "Não tive").*

10.6) Se teve mais de quatro trabalhos/empregos desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG) escreva
todos os outros. Tinham carteira assinada? Quanto tempo demorou para encontra-los? Como
encontrou? Tempo (meses ou anos) que ficou nesses trabalhos? Se já saiu, por que saiu? (Se não teve
escreva apenas "Não tive").

10.7) Se NÃO está trabalhando, há quanto tempo está desempregado?

10.8) Você fez/faz alguma coisa para ganhar dinheiro (que não falou nas perguntas sobre
trabalho/emprego) desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG)? Se sim, o que fez/faz? *

10.9) Se você NÃO está trabalhando e NÃO fez/faz alguma coisa para ganhar dinheiro, como se
mantém?

Sobre sua trajetória de estudos

11) Você concluiu o Ensino Médio?*


 Sim
 Não

11.1) Se SIM, em que ano concluiu o Ensino Médio?

11.2) Se SIM, em quanto tempo você cursou o Ensino Médio?


 3 anos (tempo regular)
 4 anos
 5 anos ou mais

12) Atualmente você está estudando?*


 Sim
 Não
417

12.1) Se SIM, onde e o que você está estudando?

12.2) Se está estudando escreva quando iniciou e quando terminou (se já tiver concluído). Observação:
Se estiver cursando curso superior (graduação) escreva qual período está cursando.

12.3 Se NÃO está estudando, pretende estudar? Se pretende, o que pretende fazer?

12.4) Desde que saiu da Cruz Vermelha (UFMG) você participou de algum curso, atividade? *
 Sim
 Não

12.4.1) Se SIM, qual curso/atividade? Onde foi realizado/a?

12.4.2) Se SIM, quanto tempo de duração do curso/atividade? Escreva quando iniciou e quando
terminou (se já tiver concluído).

Deixe aqui comentários e/ou observações

OBRIGADA por ter colaborado com a pesquisa!!!


Você estaria disposto/a a continuar participando desta pesquisa por meio de entrevista?*
 Sim
 Não

Se SIM, confirme seus dados. Telefones (fixo e celular):

Endereço de e-mail:
418

APÊNDICE C – POSTAGENS NO GRUPO DO FACEBOOK

Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (04/08/2016)

Cópia da tela de postagem no grupo do Facebook (24/07/2016)


419

Cópia da tela de postagem de meme no grupo do Facebook (25/08/2016)

Cópia da tela de postagem de meme no grupo do Facebook (01/09/2016)


420

Cópia da tela de postagem de meme no grupo do Facebook (26/09/2016)


421

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA NARRATIVA

Identificação inicial

Questão geradora: Gostaria que você contasse como está sua vida desde que saiu do trabalho
na Cruz Vermelha Brasileira, no câmpus Pampulha da UFMG.

Questões problematizadoras (caso necessário)

Fale da sua vida

-Como é o seu cotidiano? O que normalmente faz durante a semana? E aos finais de semana?

- Tem muitos/as amigos/as? Sai muito com eles/as? Ritmo do cotidiano: gosta?

Fale da sua família

- Você mora com seus pais? Se não, mora com quem? O que dizem sobre sua vida, suas
escolhas (de trabalho, de escolarização, etc.).

Sobre trabalho/emprego como está?

- Quais experiências de trabalho/emprego você já teve? Como você avalia a sua trajetória de
trabalho? Detalhes do emprego atual. O que tem significado para você tais ocupações: está
satisfeito/a? Está feliz?

Fale sobre seus estudos? O que tem feito?

- Você terminou o Ensino Médio? Se não, por quê? Se sim, continua estudando?

- Como você avalia a sua trajetória escolar? Detalhes da experiência escolar atual. O que
significa (ou significou) a escola para você?

- O que significou trabalhar e estudar ao mesmo tempo? (Se não fizer nenhuma referência à
relação escola e trabalho, perguntar).

Teria mais alguma coisa que você gostaria de dizer?

Você também pode gostar