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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Educação

Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Rio de Janeiro
2016
Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Linha de
Pesquisa: Infância, Juventude e Educação

Orientadora: Professora Doutora Rita Marisa Ribes Pereira

Rio de Janeiro
2016
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

F866 Freire, Joana Loureiro.


Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança! / Joana Loureiro
Freire. – 2016.
147 f.

Orientadora: Rita Marisa Ribes Pereira


Co-orientador: Mauro Guimarães
Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Educação.

1. Educação – Teses. 2. Redes Sociais Online – Teses. 3. Infância – Teses.


I. Pereira, Rita Marisa Ribes. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Educação. III. Título.

es CDU 37

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese, desde que citada a fonte.

___________________________________ _______________
Assinatura Data
Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Linha de
Pesquisa: Infância, Juventude e Educação

Aprovada em 15 de dezembro de 2016

Banca examinadora:

________________________________________
Profª Drª Rita Marisa Ribes Pereira (Orientadora)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________
Profª Drª Edméa Oliveira dos Santos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________
Profª Drª Maria Luiza Oswald
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________
Profª Drª Adriana Hoffmann Fernandes
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________
Profa Dra Fabiana de Amorim Marcello
Universidade do Estado do Rio Grande do Sul

Rio de Janeiro
2016
 
DEDICATÓRIA

Helena, meu doce de coco, amor da minha vida, você que nasceu no ano em que
ingressei nessa jornada de doutorado, a forma como você chegou a esse mundo mexeu tanto
comigo que cheguei a pensar ser incapaz de produzir uma tese. Foi essa experiência, que
marcou o dia de seu nascimento, que o fez ser o dia mais ambíguo da minha vida. Um dia em
que tristeza (por ter sido forçada a fazer uma cesárea sem nem entrar em trabalho de parto) e
alegria (por você ter você em meus braços, saudável e linda) foram vividas intensamente, que
me transformou por completo pela primeira vez. Tornar-me sua mãe, acolher, cuidar,
amamentar, foram momentos dos mais maravilhosos que já vivi. Agradeço imensamente por
tudo o que vivemos até agora e por tudo o que sei que ainda viveremos, agradeço por toda a
sua doçura e por todo amor e carinho que você distribui para todos nós.
Clarice, minha delicinha de bebê, quando eu acreditava que não podia amar tanto um
ser, quando estava começando a me entender como mãe, ganhando a segurança e toda a
certeza de que o amor que temos pelos filhos é tão grande que chega a doer, nesse momento
da minha vida, você chegou e mostrou que esse amor não se divide, ele se multiplica. Chegou
chegando, como dizem por aí, sem pedir licença, causando. O bebê que foi feito sem querer
querendo, sem planejamento, o exame positivo que veio com muita surpresa, mas com muita
vontade de aumentarmos a família, com muito desejo de termos mais um filho. E quando eu
achava que não poderia mais me transformar, que já era mãe, que não haveria mais surpresas
pelo caminho, a sua chegada a esse mundo, à nossa família, mostrou-me o contrário.
Obrigada, Lalice, Claricinha, minha gorduchinha, por toda essa alegria que você trouxe à
nossa família.
Minhas filhas, Helena e Clarice, dedico esta tese a vocês, pois são vocês que me
mostram, todos os dias, que eu tenho muito mais força do que imagino. Dizer que as amo não
é o suficiente, mas na falta de uma palavra que dê conta de todo o amor que sinto por vocês,
fico com essa frase: “Amo vocês até a Lua, ida e volta”.
AGRADECIMENTOS

É preciso que eu comece agradecendo uma pessoa que teve todos os motivos para não
querer me ver nem pintada de ouro, mas que sempre esteve pronta para acolher: RITINHA,
por muitas vezes eu pensei “Acho que Ritinha vai me matar e depois me mandar catar
coquinho na estrada”. (Exatamente nessa ordem!). Muito obrigada por entender todas as
coisas da vida (duas gestações, duas crianças para cuidar, volta ao trabalho) que foram
acontecendo ao longo desses quase quatro anos. Muito obrigada por confiar e acreditar que eu
conseguiria dar conta do recado. A sua confiança em mim, seu apoio, a sua orientação
maravilhosa fizeram com que eu conseguisse terminar esta tese. Depois de quase seis anos
sendo orientada por você, posso dizer com toda certeza: “Vou morrer de saudades!”.
Outra pessoa que está ao meu lado há muitos anos, já são 12 anos!, e que sempre
esteve pronto para segurar todas as barras durante os meus estudos (já passamos pela minha
graduação, especialização, mestrado e agora o doutorado): segurou a onda da grana, do
tempo, das minhas ausências, das minhas angustias, das minhas irritações e ansiedades,
segurou a onda com as meninas; Paulinho, meu GATINHO, você é o companheiro da vida,
está sempre pronto para caminhar junto, como eu já escrevi nos agradecimentos da minha
dissertação: espero que o nosso amor continue para sempre sendo “eterno enquanto dure”. Te
amo muito, meu primeiro amor da vida.
CIBA E CARLOS, mãe e pai, muito obrigada pela ajuda com as meninas, pelos dias
de folga para escrever (aquele sábado na pousada foi estratégico para a minha escrita!), pelos
momentos de descanso na casa de vocês. Foram fundamentais para que essa tese chegasse a
um ponto final. Tomaz, maninho, TOMTIM, saudades de conviver mais com você! Assim
que der vou te visitar na Bahia!
Ana Carolina, Carol, DINDOL, obrigada por ser essa amiga maravilhosa e mais ainda
por ser uma madrinha perfeita para Helena. Sempre disposta a ajudar, a me dar um tempo sem
filhas, e principalmente, por pedir para passear com Helena. Obrigada por amar tanto a minha
filha e por deixa-la amar muito você, obrigada por fazer Helena uma menina ainda mais feliz!
Ah, não posso deixar de agradecer a você e ao Dri por terem me cedido um dia inteiro de
concentração na casa de vocês.
ANA LUZ, a vida acadêmica e a maternidade nos uniram e rapidamente, as afinidades
mil nos tornaram ainda mais próximas. Em pouco tempo de convivência eu percebi que você
é uma daquelas pessoas que a gente não quer mais perder de vista. Obrigada por ter aceitado
ser madrinha da Clarice e por fazê-lo com tanto carinho e dedicação.
À banca: GAMBA JR - obrigada pelas considerações e leitura generosa na
qualificação; FABIANA DE AMORIM MARCELLO - mais uma vez obrigada pelas gentis
palavras na banca de qualificação. Ainda bem que conseguimos uma verba para você vir para
a banca final, pois não poder contar com a sua leitura nessa última fase do doutorado estava
me deixando muito triste; EDMÉA SANTOS – muito feliz por ter você lendo um trabalho
meu novamente; MARIA LUIZA OSWALD – que bom que terei o prazer de ter na minha
banca, você sempre arrasa; ADRIANA HOFFMANN – adorei dialogar com sua tese,
obrigada por ter aceitado o meu convite para a banca. Tenho certeza que a contribuição de
cada um de vocês será fundamental para esta tese.
Ao GPICC: obrigada por tudo e desculpem pela ausência. Gostaria de ter lido mais o
trabalho de cada um de vocês, gostaria de ter papeado mais, tomado mais chopp, mais café,
convivido mais com o grupo nesses quase quatro anos. Obrigada, Carol, João, Ivana, Nélia,
Núbia, Fernanda, Eunice, Tayane, Íza, Cris, Juliana, Cecília!
E por último, mas muito importante, não posso deixar de agradecer às crianças: JOÃO
e MANUELA, meus primos que eu amo muito, obrigada por estarem sempre tão disponíveis
e empolgados com a minha pesquisa; ISADORA, muito obrigada por ser essa menina gentil e
sempre disposta a me explicar tuuuudo; ISABELA, obrigada por sua participação no começo
da pesquisa; CAIO, fico muito orgulhosa de ter sido sua professora particular e perceber como
você se tornou esse menino gentil e um desenhista de primeira. A todos vocês: muito obrigada
por me ensinarem tanto nesses quase quatro anos!
No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha
imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e desver.
Manoel de Barros
RESUMO

FREIRE, Joana L. Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança! 2016. 147 f. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

Esta tese tem por principal objetivo investigar as produções infantis na internet,
buscando focar as possibilidades de autoria das crianças na cibercultura, seja através de blogs,
grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, perfis como produtoras de conteúdo
digital e coautoras de informação e conhecimento. Contextualizando a pesquisa, aponto a
chegada até o tema e dialogo com conceitos de infância, cibercultura, criação e autoria, e
também com dados oficiais de pesquisas que ajudam a mapear os usos da internet pelas
crianças no contexto brasileiro. Para apresentar as crianças e suas formas de autoria na web
2.0, foi preciso inovar na metodologia de pesquisa e passar a seguir online meus
interlocutores em suas redes na cibercultura. Da pesquisa de campo, foi possível perceber,
dentre outras coisas, que a fluidez característica da cibercultura também se destacava nas
formas de uso de meus interlocutores: as crianças criavam perfis em diversas redes sociais a
medida em que surgia uma novidade. Por isso, a metodologia de pesquisa foi baseada em
seguir as crianças nos percursos que construíam online: o objetivo era acompanha-las onde
estivessem, independente da interface ou do software social utilizado. Dentre as conclusões,
destaca-se a que nos mostra a possibilidade de horizontalidade permitida na cibercultura pelas
crianças em relação aos adultos. Com características de uma pesquisa longitudinal, foi
possível observar as crianças ao longo de quase quatro anos, observando seu desenvolvimento
e diferenças que podemos perceber em suas relações com e na cibercultura ao longo desse
período.

Palavras-chave: Infância Contemporânea. Cibercultura. Web 2.0. Autoria Infantil.


ABSTRACT

FREIRE, Joana L. Producing Communication in Cyberculture: Children’s Play! Rio de


Janeiro, 2016. Doctoral Dissertation in Education – Centre for Education and Humanities –
School of Education , Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

This dissertation main objective is to investigate content produced by children on the


internet, aiming to focus on children’s possibilities of authorship in cyberculture through
blogs, groups on Facebook, Youtube videos, profiles of digital content producers and co-
authors of information and knowledge. The research is contextualised by an overview of the
main theme and a dialogue with the concepts of childhood, cyberculture, creation and
authorship, and also with official research data that helps to map children’s internet usage in
the Brazilian context. In order to introduce the children and their forms of authorship in the
web 2.0, I developed an innovative research methodology that involved following the
children in their own cyberculture networks. The field research led to the realisation that,
among other things, cyberculture’s characteristic fluidity is also pervasive in my interlocutors’
ways of using the web: children created profiles in social media following the newest trends.
Thus, the research methodology was built around following the children in their own online
journeys. The aim was to follow them wherever they were, independently of their interface or
software of choice. Among the conclusions, we point out the possibility of horizontality in
cyberculture by the children in relation to adults. The characteristics of a longitudinal research
made it possible to observe children for almost four years, making note of their development
and the noticeable differences in their relationship with and within cyberculture throughout
this period.

Keywords: contemporary childhood, cyberculture, Web 2.0, child authorship


RESUMEN

FREIRE, Joana L. Producir comunicación en la ciber cultura: ¡cosa de niños!


Tesis de Doctorado en Educación - Centro de Educación y Humanidades –
Facultad de Educación de la Universidad del Estado de Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2016.

Esta tesis tiene por principal objetivo investigar las producciones


infantiles en Internet, buscando enfocar las posibilidades de autoría de los
niños en la cibercultura, ya sea a través de blogs, grupos de la red social
Facebook, videos en Youtube, perfiles como productoras de contenido digital
y coautoras de información y conocimiento. En el contexto de la investigación,
apunto la llegada al tema y diálogo con conceptos de infancia, cibercultura,
creación y autoría, y también con datos oficiales de investigaciones que
ayudan a mapear los usos de internet por los niños en el contexto brasileño.
Para presentar a los niños y sus formas de autoría en la web 2.0, fue
necesario innovar en la metodología de investigación y pasar a seguir online a
mis interlocutores en sus redes en la cibercultura. De la investigación de
campo, fue posible percibir, entre otras cosas, que la fluidez característica de
la cibercultura también se destacaba en las formas de uso de mis
interlocutores: los niños creaban perfiles en diversas redes sociales a medida
en que surgía una novedad. Por eso, la metodología de investigación se basó
en seguir a los niños en los recorridos digitales que construían: el objetivo era
acompañarlos donde estuvieran, independientemente de la interfaz o del
software social utilizado. Entre las conclusiones, se destaca la que nos
muestra la posibilidad de horizontalidad permitida en la cibercultura por los
niños en relación a los adultos. Con características de una investigación
longitudinal, fue posible observar a los niños a lo largo de casi cuatro años,
observando su desarrollo y diferencias que podemos percibir en sus
relaciones con y en la cibercultura a lo largo de ese período.

Palabras clave: Infancia Contemporánea. Cibercultura. Web 2.0. Autora


Infantil.
 
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Motivos para ir todos os dias à escola.......................................................... 18  


Imagem 2 - Meme gorduchinha....................................................................................... 18  
Imagem 3 - Gráfico de atividades realizadas na internet................................................. 26  
Imagem 4 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por atividade ..................... 27  
Imagem 5 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por equipamentos
utilizados para acessar a internet.................................................................. 28  
Imagem 6 - Proporção de crianças/adolescentes x equipamento que acesse a
internet.......................................................................................................... 29  
Imagem 7 - Primeira parte post Isadora "25 coisas sobre mim"...................................... 67  
Imagem 8 - Segunda parte post Isadora "25 coisas sobre mim"...................................... 67  
Imagem 9 - Página inicial perfil do João no Instagram em dezembro de 2014. ............. 88  
Imagem 10- Página inicial perfil do João no Instagram em agosto de 2016.................... 89  
Imagem 11 - perfil de João no Facebook. ......................................................................... 89  
Imagem 12 - Perfil de Manuela no Blogger. ..................................................................... 90  
Imagem 13 - Perfil de Manuela no Instagram em dezembro de 2014............................... 92  
Imagem 14 - Perfil de Manuela no Instagram em janeiro de 2015. .................................. 92  
Imagem 15 - Perfil de Manuela no Instagram em 03 de agosto de 2016. ......................... 93  
Imagem 16 - Perfil de Manuela no Instagram em 30 de agosto de 2016. ......................... 93  
Imagem 17 - Perfil Instagram dixxmanut.......................................................................... 94  
Imagem 18 – “sobre mim” do blog de Isadora................................................................... 96  
Imagem 19 - Quem sou eu da página inicial do blog. Julho de 2014................................ 97  
Imagem 20 - Perfil na página inicial do blog. Setembro de 2016. .................................... 97  
Imagem 21 - "Sobre" que aparece na página do blog no Facebook. ................................. 98  
Imagem 22 - Perfil Instagram Isadora julho de 2014. ....................................................... 98  
Imagem 23 - Perfil Isadora Instagram março de 2015. ..................................................... 99  
Imagem 24 - Perfil Isadora março de 2016. .................................................................... 100  
Imagem 25 - Perfil Instagram agosto de 2016................................................................. 100  
Imagem 26 - Perfil no Youtube ....................................................................................... 102  
Imagem 27- Perfil do Pinterest de Isadora. Setembro de 2016. ..................................... 102  
Imagem 28- Perfil no Facebook pessoal agosto 2016 .................................................... 103  
Imagem 29 – “Sobre” que aparece na página do blog no Facebook................................ 104  
Imagem 30 - Sobre do blog de Isabela ............................................................................ 104  
Imagem31 - Perfil pessoal Facebook. Agosto de 2016 .................................................. 104  
Imagem 32 - Perfil Instagram Isabela. Julho de 2014. .................................................... 105  
Imagem 33 - Perfil Isabela Instagram. Dezembro de 2014. ............................................ 105  
Imagem 34 - Perfil de Isabela no Instagram. Março de 2015.......................................... 106  
Imagem 35 - Perfil Isabela Instagram. Agosto de 2016 .................................................. 106  
Imagem 36 – “Sobre” Caio em seu blog. ......................................................................... 108  
Imagem 37 – Ausência de posts. ...................................................................................... 111  
Imagem 38 – Post pedindo desculpas pelo sumiço. ......................................................... 113  
Imagem 39 - Post de Manuela admitindo não ter ideias para postar. .............................. 114  
Imagem 40 – Linha evolutiva das mudanças tecnológicas de 2001 a 2010..................... 116  
Imagem 41 - Legenda de foto do Instagram de Manuela. ............................................... 120  
Imagem 42 - Post de Isabela sobre falta de ideias com resposta de uma leitora do
blog............................................................................................................. 123  
Imagem 43 – Primeiro post Manuela. .............................................................................. 125  
Imagem 44 - Exemplo de postagem feita por João no grupo Dona Feijão. .................... 127  
Imagem 45 - Página inicial canal do Youtube João, que foi alterada por ele para destacar
o assunto do canal. ..................................................................................... 128  
Imagem 46 - Post Antes e depois .................................................................................... 128  
Imagem 47 – Afiliações e parcerias blog Isadora ............................................................ 130  
Imagem 48 – As aparições do blog Gosto sem Culpa em jornais....................................133  
Imagem 49 – Blog Gosto Sem Culpa em livro didático. .................................................134  
Imagem 50 - Post Isadora sobre beleza ...........................................................................139  
Imagem 51 – Post com brincadeira. Dezembro de 2014..................................................140  
Imagem 52 - Manuela ensinando a fazer penteado: "É só vc colocar uma tiara enquanto
seu cabelo tá molhado que ele fica assim." Imagem de 2015 ....................140  
Imagem 53 - Manuela em passeio com as amigas. Agosto de 2016. ..............................141  
Imagem 54 – Primeiro post Caio......................................................................................142  
Imagem 55 – Canal do Youtube Caio. ............................................................................143  
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 14  
1 CONSTRUINDO O OBJETO DE PESQUISA: UM PRIMEIRO
LEVANTAMENTO.................................................................................................... 17  
1.1 Dries Planet ................................................................................................................. 17  
1.2 Coisas da Sinistra........................................................................................................ 19  
1.3 Monster, curiosidades, yoshis .................................................................................... 20  
1.4 My life, my place, my world...................................................................................... 20  
1.5 Videolog do Gutinho................................................................................................... 21  
2 INFÂNCIA E CIBERCULTURA ............................................................................. 23  
2.1 Infância, Cibercultura e as TICS .............................................................................. 23  
2.1.1 TIC Crianças 2009........................................................................................................ 24  
2.1.2 TIC Crianças 2010........................................................................................................ 24  
2.1.3 Tic kids online Brasil 2012........................................................................................... 25  
2.1.4 TIC Domicílios 2013 .................................................................................................... 26  
2.1.5 TIC kids online Brasil 2013.......................................................................................... 26  
2.1.6 Tic kids online Brasil 2015........................................................................................... 28  
2.3 Infância, Cibercultura, Imaginação e Criação......................................................... 41  
2.4 Infância, Cibercultura e Autoria............................................................................... 44  
2.5 Infância, Cibercultura e um encontro com Walter Benjamin................................ 47  
2.6 Infância, Cibercultura e a WEB 2.0.......................................................................... 53  
2.7 Infância e cibercultura: o limiar entre o público e o privado................................ 64  
3 EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA: QUANDO A PESQUISADORA
VIRA SEGUIDORA................................................................................................... 78  
3.1 Onde encontramos as produções infantis na internet? ........................................... 80  
3.1.1 Weblog ou Blog............................................................................................................. 80  
3.1.2 Instagram ...................................................................................................................... 81  
3.1.3 Facebook....................................................................................................................... 82  
3.1.4 Twitter........................................................................................................................... 83  
3.1.5 Tumblr .......................................................................................................................... 83  
3.1.6 We heart it.................................................................................................................... 84  
3.1.7 Youtube........................................................................................................................ 85  
3.1.8 Skoob ............................................................................................................................ 85  
3.1.9 Pinterest ........................................................................................................................ 85  
3.2 As crianças................................................................................................................... 86  
3.2.1 João ............................................................................................................................... 87  
3.2.2 Manuela ........................................................................................................................ 89  
3.2.3 Isadora........................................................................................................................... 95  
3.2.4 Isabela ......................................................................................................................... 103  
3.2.5 Caio............................................................................................................................. 107  
4 ENTÃO, O QUE PRODUZEM ESTAS CRIANÇAS? ......................................... 109  
4.1 As condições de produção/criação........................................................................... 110  
4.2 Fluidez........................................................................................................................ 115  
4.3 Criação e comunicação: eu e o outro ...................................................................... 119  
4.4 Estratégias para ser visto ......................................................................................... 127  
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 136  
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 146  
14

APRESENTAÇÃO

Esta tese apresenta o percurso realizado nesses quatro anos de pesquisa e tem por
principal objetivo investigar as produções infantis na internet, seja através de blogs, grupos da
rede social Facebook, vídeos no Youtube, perfis como produtoras de conteúdo digital e
coautoras de informação e conhecimento. Ou seja, buscou investigar a participação das
crianças como autoras na Web 2.0, entendendo as mesmas e suas maneiras de produzir
conteúdo online. Que contextos de produção de comunicação as crianças ocupam? Que
formas de narrativa são utilizadas pelas crianças nestes ambientes digitais? Quais os
principais temas abordados por elas? Como se dá o uso da técnica? Que ferramentas elas
utilizam? O que as crianças dizem de si nesses espaços?

Quando o fim é um novo começo

Toda pesquisa só tem começo depois do fim.


Marília Amorim

A pesquisa de doutorado buscou compreender melhor e tentar aprofundar o


conhecimento acerca da internet como lugar de criação e comunicação que se apresenta à
infância contemporânea. Impossível escrever sobre esta pesquisa sem relembrar a pesquisa de
mestrado já finalizada, pois foi durante a escrita da mesma que a questão central do doutorado
surgiu.
A pesquisa de mestrado concluída em 2012, teve por objetivo conhecer os usos que as
crianças faziam na internet. Descobriu-se que o grupo de interlocutores da pesquisa, acessava
a internet em busca dos jogos online. A metodologia de pesquisa adotada, envolveu vários
momentos em que observei e joguei online com as crianças. Partindo do conceito de ‘usos’ de
Michel de Certeau (1994) e do conceito de ‘interatividade’ de Miguel Lemos (2010) e Marco
Silva1 (2010), a pesquisa deparou-se com formas de interação usadas pelas crianças, que eram

                                                                                                                         
1
Para maior discussão sobre esses conceitos e sobre a pesquisa desenvolvida ler FREIRE, 2012.

 
15

diferentes das propostas pelos jogos acessados. Entretanto, naquele momento e com o grupo
investigado, observei que os usos que as crianças faziam da internet estava mais ligado a um
consumo de sites, geralmente feitos por adultos e voltados às crianças, do que propriamente
na produção efetiva de conteúdos de autoria das crianças. Dessa constatação, surge a seguinte
pergunta: As crianças têm espaço para marcar suas produções na internet? Há sites feitos por
crianças?
Ainda durante o desenvolvimento da dissertação de mestrado, recorri a Sarmento (on-
line, 2006) em seu relato das conclusões a que chegou em sua pesquisa “Os saberes das
crianças e as Interações na REDE”, onde ele afirma que a Internet ainda é território
produzido por adultos para crianças e raramente produzido pelas crianças, mesmo que
voltados para elas. Ao ler esta constatação de Sarmento priorizei pesquisar no site de busca
Google a expressão “sites produzidos por crianças” ou “sites feitos por crianças” e confirmei
a afirmação do autor: na primeira página dos resultados não havia quase nenhum site, apenas
listas de sites “para” ou “sobre” crianças. Procurando mais achei um fórum em que um
tópico2 de 2009 convidava os participantes a postarem links de sites que eles tivessem
produzido quando eram crianças. Muitos participantes postaram links de sites que dizem ter
produzido com 8 anos, mas nenhum deles continuava online.
Em 2012, ao pesquisar no Google “blog feito por crianças” e “blog de criança” foi
possível achar alguns exemplos de blogs que hipoteticamente eram elaborados por crianças.
Alguns deles estavam inativos, com postagens bem antigas3, mas alguns estavam bem
atualizados4.
Desta forma, ainda durante a escrita da dissertação foi se desenhando o tema de uma
futura pesquisa que assumi como projeto para o doutoramento. Desde então, passei a garimpar
blogs e demais formatos que fossem criados por crianças na internet.
Por isso, inicio esta tese com o capítulo intitulado “Construindo o objeto de pesquisa:
um primeiro levantamento”, onde apresento justamente as primeiras interfaces e softwares
sociais com os quais tive contato. O capítulo 2 “Infância e Cibercultura” apresenta os
conceitos e os autores com os quais dialoguei ao longo da escrita desta tese e é de suma
importância para o avançar das discussões propostas. No capítulo 3 “Em busca de uma
metodologia: quando a pesquisadora vira seguidora”, apresento a construção da metodologia

                                                                                                                         
2
http://www.teamfortress.com.br/forum/viewtopic.php?f=4&t=4454&view=next
3
http://cantinhodafantasia.zip.net/
4
http://coisasdemeninojoao.blogspot.com/

 
16

que foi adotada ao longo da pesquisa, bem como as interfaces e softwares sociais citados
pelas crianças e finalizo com uma apresentação de cada criança que participou da pesquisa,
trazendo seus perfis nas diversas redes sociais utilizadas por elas. O quarto e último capítulo,
denominado “Então, o que produzem estas crianças?”, procura apresentar o que seriam as
categorias de análise, que nesta tese não estão sendo assim nomeadas, já que o movimento de
categorizar algo que foi observado em rede pareceu-me incoerente. Por fim, apresento
algumas conclusões às quais se destacaram ao longo desses quase quatro anos de pesquisa,
assim como atualizo o máximo possível a produção de cada criança na cibercultura.

 
17

1 CONSTRUINDO O OBJETO DE PESQUISA: UM PRIMEIRO LEVANTAMENTO5

Como dito anteriormente, o primeiro movimento de pesquisa foi o de mapear blogs e


sites construídos por crianças para, a partir deles, definir critérios para a construção de uma
metodologia que fosse coerente com um tema ainda pouco explorado em relação à pesquisa
com crianças e com uma pluralidade de caminhos a seguir.
O primeiro critério utilizado nesta busca foi: ser feito por crianças. A primeira
aproximação com uma produção infantil online deu-se por acaso: João, que é meu primo e em
2012 tinha 10 anos, havia criado um perfil na Rede Social Facebook há pouco tempo e
compartilhou, com seu pai, o link do blog de um amigo, chamado Dries Planet. Foi a partir
dele que pude chegar a outros blogs feitos por crianças, pois é comum um blogueiro indicar
outros blogs. Desta forma, de um blog podemos chegar a outros e outros, sendo esse o
movimento feito até agora: descobrir novas produções e produtos infantis a partir das dicas
das próprias crianças.
Portanto, apresento os blogs com os quais tive contato no ano de 2012, que foram
muito importantes para a escrita do projeto de doutorado e também para a minha aproximação
com o tema de pesquisa. Foi observando esses blogs que eu comecei a delimitar meu campo,
a desenvolver minhas questões de interesse, a pesquisar autores para o diálogo na pesquisa,
enfim foi a partir do contato com esses blogs que eu pude começar a fazer minha pesquisa de
doutorado.

1.1 Dries Planet6

O criador do blog é Dries van Steen e mora em São Paulo. Seu blog existia desde
agosto de 2011 e havia, nessa época, postagens mensais que variam de 3 a 59, acumulando até
setembro de 2012 um total de 306 postagens. Além de reproduzir conteúdos voltados para
                                                                                                                         
5
Alguns dos blogs consultados já estão com os links inativos, como é o caso de “Dris Planet”, “Coisas da
Sinistra” e “Monster, curiosidades, yoshis”. Já os blogs My life, my place, my word”, “Monsterhighbmw” e
“Videolog do Gutinho” estão com links ativos, porém desatualizados e sem postagens desde 2012. (última
consulta em novembro de 2016).
6
http://driesplanet.blogspot.com.br/

 
18

diversão como vídeos e muitos memes7 disponíveis na internet, ele também produzia
conteúdo, e normalmente fazia questão de destacar esse fato, conforme vemos abaixo:

Motivos para ir todos os dias à escola (postado em 7/03/12)


A seguir, verá os motivos para ir à escola todos os dias, em um gráfico. Eu que fiz
em um programa do meu computador, ou seja, foi totalmente feito pelo criador deste
blog.

Imagem 1 - Motivos para ir todos os dias à escola

 
Imagem 2 - Meme gorduchinha

 
Legenda: Primeira postagem do mês de setembro, exemplo de postagem retirada de outros sites ou blogs.
Fonte: Blog do Dries.

O blog era bastante elaborado, com layout personalizado e muito dinâmico,


disponibilizava inclusive assinatura via RSS8; possuía 16 seguidores que não eram muito
                                                                                                                         
7
O termo meme de internet é usado para descrever um conceito que se espalha rapidamente pela rede. Pode se
referir a uma imagem, uma piada, enfim, um assunto qualquer que se destaca e é compartilhado por vários
usuários de redes sociais, blog etc. O termo é uma referência ao conceito de memes, parte de uma ampla teoria
de informações culturais criada por Richard Dawkins, em 1976, no seu livro The Selfish Gene. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Memes_de_Internet

 
19

atuantes na inclusão de comentários. Além da possibilidade de comentar, Dries


disponibilizava opções para avaliarmos os posts adicionados: Louco; Legal; + ou -; Sei Lá.
Havia também previsão do tempo, um relógio com a hora correta e dois “joguinhos”:
alimentando um peixinho (fish Dries Planet, uma espécie de aplicativo em que o visitante
pode alimentar um peixinho) e um mascote representado por um morcego com o qual o
usuário pode interagir, acordando-o ou alimentando-o com uma mosca.

1.2 Coisas da Sinistra9

As informações sobre a autora disponíveis no próprio blog são:

Oi pessoal! Aqui vai um pouco sobre mim: Adoro Monster High10, Cupcakes, fazer
Monster Highs e bichinos de de pelúcia :D Odeio rúcula >:(. Elas são malvadas...

“Sobre o blog”, ela relatava o seguinte:

Oi! Eu sempre via outros blogs na internet e, a algum tempo já tinha vontade de
criar um blog. Um dia perguntei para o meu pai se podia criar um blog e ele disse
que sim. Com a ajuda dele criei meu blog e, eu admito que eu adoro postar aqui! Até
mais!

Ela postava muito conteúdo de criação própria (jogos, enquetes, sugestões de leitura e
de outros blogs) e poucas reproduções da internet - alguns vídeos, imagens de animais que ela
considerasse “fofinhas”, memes etc. Iniciou as postagens em fevereiro de 2012 e tinha um
total de 60 postagens até agosto desse mesmo ano. A seguir uma amostra:

Dica de leitura (postado em 24/08/12)


Oi!
Hoje vim dar uma dica de leitura para você:
A série: Querido Diário Otário de Jim Benton. Até logo!

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
8
A tecnologia do RSS permite aos usuários da internet se inscreverem em sites que fornecem "feeds" RSS. Estes
são tipicamente sites que mudam ou atualizam o seu conteúdo regularmente. Para isso, são utilizados Feeds
RSS que recebem estas atualizações, desta maneira o utilizador pode permanecer informado de diversas
atualizações em diversos sites sem precisar visitá-los um a um. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/RSS
9
http://coisasdasinistra.blogspot.com.br/
10
http://play.monsterhigh.com/pt-br/index.html

 
20

O blog contava com comentários, principalmente de outras blogueiras que postavam


sobre assuntos semelhantes.

1.3 Monster, curiosidades, yoshis11

Blog encontrado por indicação do blog da Sinistra. Segue a descrição de seu perfil no
Blogger.

Sobre mim
Sexo - Feminino
Atividade - Aluno
Local - Gramado, RS, Brasil
Introdução - Sou inteligente, esperta, faço teatro, patinação e ... Estudo Posso ser
diferente, mas pelo menos sou eu mesma. Pessoas que não me conhecem, pensam
que sou louca, depois que me conhecem de verdade, falam que eu sou divertida.
Interesses - MONSTER HIGH, PC, MEMES, FACEBOOK.
Filmes favoritos - PERCY JACKSON, HARRY POTTER FILMES DA DISNEY E
DA UNIVERSAL!
Músicas favoritas - QUALQUER UMA Q NAUM SEJE FORRO, NEM
SERTANEJO
Livros favoritos - PERCY JCKSON, ETC ETC

1.4 My life, my place, my world12

Foi encontrado através de uma indicação no blog “Monster, curiosidades e yoshis”.


Sua criadora é a Spectra Vondergeist (Star) e não há mais informações sobre ela em seu perfil
do blogger.
Sei que não ando Postando
Oi gente sei que não posto mais há muito tempo mas é pq eu tava de castigo e tava
tendo prova e se eu ficar em recuperação eu fico de castigo de novo!!! =(
bem mas eu vim mostrar uma coisa muito fofinha da Robecca!!

Este tipo de postagem em que a escola é um motivo para a criança não atualizar seu
blog apareceu em alguns outros blogs, como vemos no exemplo abaixo:

SEGUNDA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2012

                                                                                                                         
11
: http://monstercurioidadesyoshis.blogspot.com.br/  
12
http://mylife-myplace-myworld.blogspot.com.br/

 
21

Importante!
Gente vou ficar tipo 2 dias sem postar pois tenho que estudar!me desculpa!!
Bjos!
Postado por Beca MW às 12:0413

Ainda sobre o blog “My life, my place, my word”, observei que era indicado por 3
blogueiras oficiais: a Spectra, a Luciana Justice e a Catty. Permitir postagens de outras
meninas-usuárias era uma característica comum a vários blogs produzidos por garotas.
Conforme podemos ver abaixo em uma postagem retirada do blog da Sinistra14:

Desculpa!+notícia
Oiii!!!
Bem...Vim pedir desculpa por não postar faz um tempo, tipo assim...10 dias! pois
estou em provas, então não sobra muito tempo.
Bem, vamos postar:
De acordo com os resultados da enquete, devo fazer o concurso de postadoras.
Então,farei.
Para participar basta prencer esta ficha de incrição:
Nome:
Gmail:
Tem um blog? Qual?:
Usa palavrões nas postagens?:
Posta coisas inadequadas?:
Faz assinaturas?:
Postará com frequência?:
Atenção:Vou escolher só uma postadora.Nenhuma postadora vai se tornar
adiministradora ou poderá mudar o desing do blog.A postadora terá que usar
assinatura nas postagens,se quiser poderá fazer a própria se não é só pedir no
primeiro post.
Até mais!
Postado por Sinistra às 16:51

Até o último acesso feito antes do blog ser desativado, apenas uma menina havia se
candidatado e respondido às questões, e a criadora do blog ainda não havia aprovado sua
solicitação.

1.5 Videolog do Gutinho15

Canal de um menino que postou 3 vídeos em 2012. Em seus vídeos aparece sempre
sentado à mesa e falando para a câmera. O primeiro é sobre quanto ganha um vloger (pessoa

                                                                                                                         
13
Monster High - http://monsterhighbmw.blogspot.com.br/  
14
http://coisasdasinistra.blogspot.com.br/2012/08/desculpanoticia.html  
15
http://www.youtube.com/user/vlogdogutinho?feature=plcp

 
22

que faz videolog); o segundo e o terceiro são sobre vídeos engraçados com animais. Os vídeos
são editados, apresentam efeitos e links e chegam a mais ou menos 1300 views. Seu último
vídeo é de abril de 2012.

Dados do Videolog
Atividade mais recente: 03/08/2012
Data de inscrição: 19/01/2012
Idade: 32
País: Brasil
Oi, eu sou o Gutinho. Seja bem vindo ao meu canal, onde eu sempre estarei
postando vídeos de vários assuntos.

Todos as produções infantis apresentadas acima, foram objeto de pesquisa de março a


setembro de 2012, durante a escrita do anteprojeto apresentado como requisito para a seleção
de doutorado na UERJ. Portanto, após esse primeiro momento em que a metodologia utilizada
foi a de procurar mapear onde as crianças estão, e após delimitar algumas que continuam
participando de interfaces e softwares sociais16, busquei aprofundar quais são as produções
infantis e em quais espaços. O fato de as crianças estarem em constante movimento faz com
que muitos blogs e perfis sejam criados e desativados ou abandonados após um período.
Tendo esse movimento fluído como marca do mundo digital e das produções infantis, a opção
de seguir as crianças na internet, tem se mostrado coerente, pois podemos seguir um perfil no
Facebook, no Twiter, no Instagram, assinar um blog ou canal no Youtube e receber
notificações de novas publicações por e-mail. Portanto, conforme será descrito mais a frente,
a metodologia que vem sendo utilizada é a de seguir as crianças e suas produções online.

                                                                                                                         
16
Os termos softwares sociais e interfaces são utilizados nesta tese de acordo com a definição trazida por Edméa
Santos: “Os softwares sociais são interfaces ou conjuntos de interfaces integradas que estruturam a
comunicação síncrona e assíncrona entre praticantes geograficamente dispersos. Interface é um termo que, na
informática e na cibercultura, ganha o sentido de dispositivo para encontro de duas ou mais faces em atitude
comunicacional, dialógica ou polifônica. A interface está para a cibercultura como espaço online de encontro e
de comunicação entre duas ou mais faces. Forma-se um hibrido entre objetos técnicos e seres humanos em
processos de comunicação e de construção de conhecimentos. Com isso, os praticantes se encontram não só
para compartilhar suas autorias, como também – e sobretudo – para criar vínculos sociais e afetivos pelas mais
diferentes razões objetivas e subjetivas” (2011, p.84). A autora afirma que comumente utilizamos o termo
‘rede social’ no lugar de ‘software social’, e que rede social é o que acontece em uma situação comunicacional.
Por isso, ela utiliza o termo ‘rede social da internet1. “O conceito de rede social na internet parte da ideia de
conectar praticantes com interesses comuns que interagem colaborativamente a partir da mediação sociotécnica
e de suas conexões” (2011, pp. -84-85).

 
23

2 INFÂNCIA E CIBERCULTURA

O conhecimento acumulado sobre crianças e infâncias pouco tem nos


ajudado a dialogar efetivamente com as crianças.
Rita Ribes Pereira

Este capítulo apresenta os conceitos de infância e cibercultura que se mostraram


interessantes para o diálogo e enriquecimento do trabalho de campo. É um capítulo longo por
abordar vários assuntos que perpassam os temas da infância e da cibercultura. Sendo assim,
no item 2.1 apresento alguns dados de pesquisas estatísticas produzidas pelo Centro de
Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC); no item 2.2,
apresento as discussões mais especificamente voltadas para a construção e delimitação de um
conceito de infância contemporânea; no item 2.3 há uma reflexão sobre a produção infantil na
internet em diálogo com Vygotsky em seu livro, “Imaginação e criação na Infância” (2009); o
item 2.4 nos motiva a refletir sobre a Infancia, a cibercultura e as possibilidades de autoria
através do diálogo com a autora Adriana Hoffmann Fernandes e de sua tese de doutorado; no
item 2.5 apresento as reflexões acarretadas pela leitura do livro “Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura” (2012) de Walter Benjamin, e suas
relações com a Infância e a Cibercultura; e por último, mas não menos importante, o item 2.6,
onde podemos aprofundar um pouco as questões mais específicas relacionadas à cibercultura
e seus conceitos.

2.1 Infância, Cibercultura e as TICS

Antes de entrarmos na discussão teórica sobre infância e cibercultura, acredito ser de


suma importância conhecer alguns dados estatísticos os quais poderão enriquecer ainda mais
o nosso conhecimento acerca da infância contemporânea e sua relação com a cibercultura.
Sendo assim, proponho direcionarmos nosso olhar para alguns dados apresentados nas

 
24

pesquisas estatísticas divulgadas pelo CETIC17. As pesquisas analisadas foram: TIC Crianças
2009, TIC Crianças 2010, TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012, TIC KIDS ONLINE BRASIL
2013, TIC Domicílios 2013 e TIC KIDS BRASIL ONLINE 201518. Destas pesquisas
estatísticas, destaco aqui apenas os dados que estão em diálogo com este estudo, já que essas
pesquisas estatísticas apresentam muitos dados não correlatos à questão abordada nesta tese.

2.1.1 TIC Crianças 2009

De abrangência nacional, foi a primeira realizada pelo CETIC, intentando medir a


posse e o uso das TICs por crianças entre 5 e 9 anos, utilizando como base o questionário da
TIC domicílios 2009, porém com o foco nas seguintes questões: Acesso às Tecnologias da
Informação e Comunicação (respondido pelos pais ou responsáveis); Uso do Computador
(respondido pela criança); Uso da Internet (respondido pela criança); Habilidades com o
computador/Internet (respondido pela criança); Acesso sem fio (respondido pela criança). As
entrevistas foram presenciais com a presença dos responsáveis e das crianças.
Desta pesquisa, destacamos o seguinte dado: apenas 2% das crianças afirmavam usar o
celular para acesso à internet.

2.1.2 TIC Crianças 2010

Com a mesma abrangência, metodologia e público alvo da pesquisa realizada em


2009, porém com o foco nas seguintes questões: Acesso às tecnologias de informação e
comunicação (respondido pelos pais e/ou responsáveis); Uso do computador (respondido pela
criança); Uso da Internet (respondido pela criança); Uso do e-mail (respondido pela criança);
                                                                                                                         
17
Com a missão de monitorar a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) – em particular, o
acesso e uso de computador, Internet e dispositivos móveis – foi criado em 2005 o Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br). O CETIC.br é um departamento do Núcleo de
Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), que implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor da
Internet do Brasil (CGI.br). Por meio do CETIC.br, o NIC.br e o CGI.br realizam sua atribuição de promover
pesquisas que contribuam para o desenvolvimento da Internet no país. http://www.cetic.br/pagina/saiba-mais-
sobre-o-cetic/92
18
As pesquisas citadas estão disponíveis em: http://www.cetic.br/publicacoes/indice/pesquisas/

 
25

Habilidades com o computador e a Internet (respondido pela criança); Acesso sem fio e uso
do celular (respondido pela criança); e apontando um perfil domiciliar.
Neste ano, o percentual de crianças que usava o celular para acesso à internet foi de
1%.

2.1.3 Tic kids online Brasil 2012

Realizada em parceria com pesquisadores da equipe EU Kids Online Network19.


Diferentemente das outras duas pesquisas anteriores (TIC Crianças 2009 e 2010), que
mapearam o uso das tecnologias da informação e da comunicação por crianças e jovens
brasileiros, essa nova pesquisa objetivou compreender os desafios gerados pelo uso das TICs,
mais especificamente o acesso à Internet, que foi constatado nas pesquisas anteriores.
Respondendo questões tais quais: “Como e onde crianças e adolescentes acessam a Internet?
Quais as implicações de tais usos? Qual a relação entre os diversos dispositivos de acesso,
como notebooks, tablets e celulares, e a privacidade de uso da Internet? Que estratégias de
mediação os pais e responsáveis utilizam para ajudar seus filhos a navegarem com segurança
na Internet?”, a TIC KIDS Online Brasil, pesquisa inédita no país, buscou “mapear as
oportunidades e riscos associados ao uso da Internet por jovens brasileiros de 9 a 16 anos de
idade” (p.22).
Um dos dados que se destacam e convidam ao diálogo é a constatação de que 21% das
crianças pesquisadas acessam a Internet pelo celular. Outro dado importante apresentado pela
TIC KIDS Online 2012 é referente aos usos que as crianças fazem da internet. Observando o
gráfico a seguir, aparecem, pela primeira vez, formas de uso que percebem a criança como
possível produtora de conteúdo na internet, conforme vemos nos itens: “Colocou (ou postou)
fotos, vídeos ou músicas”; “Colocou (ou postou) uma mensagem num site”; “Criou um
personagem, bicho de estimação ou avatar”; “Escreveu em um blog ou diário on-line”; “Usou
sites de compartilhamento de arquivos”.

                                                                                                                         
19
O projeto “EU Kids on line” vem sendo coordenado pelas Professoras Sonia Livingston e Leslie Haddon, da
London School of Economics and Political Science. Soma de 2006 até o momento pesquisa em 27 países
europeus tendo por objetivos básicos identificar e avaliar o uso de internet por crianças, comparar resultados no
contexto europeu e desenvolver recomendações para a elaboração de políticas de ação que promovam um uso
mais seguro da internet. Foi financiado pelo Programa Safer Internet da Comissão Européia. Para maiores
informações, ver: www.eukidsonline.net e http://ec.europa.eu/information_society/activities/sip/index_en.htm

 
26

Imagem 3 - Gráfico de atividades realizadas na internet.

 
Fonte: TIC KIDS ONLINE BRASIL, 2012.

2.1.4 TIC Domicílios 2013

Buscou mapear o acesso às tecnologias de informação e comunicação em domicílios


do território nacional. Apresenta um infográfico20 onde há os seguintes dados coletados com
crianças a partir de 10 anos: 75% dos usuários tinham entre 10 e 15 anos. 34% dos “usuários
de Internet postam textos, imagens ou vídeos que criou”. 16% das crianças dessa faixa etária
disseram que utilizam a internet para “Criar ou atualizar blogs, páginas na Internet ou
website”.

2.1.5 TIC kids online Brasil 2013

Com os mesmos objetivos, metodologia e abrangência da pesquisa realizada em 2012,


apresenta o gráfico da proporção de crianças/adolescentes distribuídos por atividades

                                                                                                                         
20
http://www.cetic.br/tics/usuarios/2013/total-brasil/C9/expandido

 
27

realizadas na internet, onde há opções que contemplam os espaços de criação online. Cabe
destacar que a opção “Escreveu em um blog ou diário on-line” teve uma queda de 1% em
relação à pesquisa do ano anterior, contrastando com o aumento de 16% no item
“Colocou/postou fotos, vídeos ou músicas em redes sociais”.

Imagem 4 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por atividade

 
Fonte: TIC KIDS ONLINE BRASIL 2013

O crescente uso de celulares do tipo smartphone, no Brasil, foi constatado em 2013,


segundo reportagem, de agosto de 2013, do portal G121: dos 5,3 milhões de celulares
vendidos, 53% eram smartphones. A pesquisa TIC KIDS Online 2013, acrescenta que 53%
dos entrevistados disseram acessar a internet pelo celular, contra 21% da pesquisa realizada
em 2012. “Já o acesso à Internet por meio dos tablets cresceu de 2%, em 2012, para 16% em
2013”.
                                                                                                                         
21
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/08/venda-de-smartphone-supera-de-celular-tradicional-pela-1-
vez-no-brasil.html

 
28

Imagem 5 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por equipamentos utilizados para


acessar a internet.

 
Fonte: TIC KIDS ONLINE BRASIL 2013

Outro dado importante é o aumento do número de crianças presentes nas redes sociais:
“a pesquisa revela que 79% dos usuários de Internet, entre 9 e 17 anos, possuem perfil em
redes sociais – um crescimento de 9 pontos percentuais em relação a 2012”.

2.1.6 Tic kids online Brasil 2015

Realizada entre novembro de 2015 e junho de 2016, a recente pesquisa ainda não tem
um relatório completo publicado, mas já é possível acessar alguns dados disponíveis no site
do Cetic, em um documento chamado “Apresentação dos principais resultados TIC KIDS
ONLINE BRASIL 2015”22. Embora tenha uma parte da pesquisa inteiramente voltada para
questões relacionadas à intolerância e ao discurso de ódio na rede, essa pesquisa apresenta
questões interessantes que consideram a criança e sua efetiva participação na internet,
utilizando expressões que se aproximam das utilizadas pelas crianças nas redes sociais.

                                                                                                                         
22
http://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2015_coletiva_de_imprensa.pdf

 
29

Um gráfico que se destaca é o que apresenta o uso de celulares como forma de acesso
à internet, onde podemos ver que esse acesso pulou de 21% em 2012 para 85% em 2015.

Imagem 6 - Proporção de crianças/adolescentes x equipamento que acesse a internet.

 
Fonte: TIC KIDS ONLINE BRASIL 2015.

Um dado interessante e que nos ajuda nas reflexões propostas por esta tese é o que
constata que 87% das crianças possuem perfil em uma rede social e, ainda mais, os gráficos
que mostram o percentual de crianças com perfis em cada rede social, a saber: 79%
declararam possuir perfil no Facebook, 71% no WhatsApp, 37% no Instagram, 27% no
Snapchat e 20% no Twiter.
Entretanto, de todos os gráficos, o mais interessante para nós, é o que apresenta o que
as crianças responderam à seguinte questão: “Postou na internet um texto, imagem ou vídeo
que você mesmo fez?” em que apenas 37% das crianças responderam sim, contra 63% de não
como resposta. Ou seja, apesar de a autoria na internet estar cada vez mais facilitada e de
termos algumas crianças que postam coisas na internet, essas ainda não são a maioria. Mas,
além disso, cabe destacar que o tipo de pergunta utilizada pelos pesquisadores do TIC KIDS
BRASIL, demonstra que essa realidade existe e surpreende de forma positiva o fato de uma

 
30

pesquisa mais voltada à segurança das crianças, trazer a possibilidade de autoria em suas
questões.
A pesquisa TIC KIDS Online, em seu relatório de 2012, reconhece que esse acesso
para usos mais voltados à produção de conteúdos pelas crianças está em ascensão e merece
destaque.

Ainda que, como já exposto, as atividades mais voltadas à produção de conteúdos


por parte de crianças e adolescentes não estejam entre as mais citadas, são atividades
levadas a cabo com frequência entre aqueles que a realizam: 85% postaram
mensagens em um site pelo menos uma vez por semana e 67% postaram vídeos,
fotos ou músicas pelo menos uma vez por semana. Os dados coletados pela pesquisa
TIC Kids Online Brasil não permitem identificar qual o perfil socioeconômico desse
usuário mais proativo em termos de geração de novos conteúdos, devido ao tamanho
restrito da amostra de entrevistados. Os dados sobre a frequência, contudo, já
indicam que esse público está atento às oportunidades de expressão e comunicação
possibilitadas pelo uso da Internet (TIC KIDS Online, 2012, p.138).

2.2 Infância, cibercultura e a contemporaneidade

Pensar em conceitos de infância pressupõe compreendermos que nós, adultos,


tendemos a construir concepções culturais para as crianças de forma que nos ajude a entendê-
las melhor, sendo esse recurso também uma forma de preservação de nossa própria infância.
Entender a infância como categoria abarca duas formas: uma que envolve o discurso sobre
ela, que é produzido por adultos e dirigido para adultos, e outra que engloba o discurso sobre
ela, também produzido pelos adultos, mas voltado para as crianças (BUCKINGHAM, 2007).
O discurso que determina o papel da infância e das crianças, facilita nosso entendimento sobre
elas e faz com que passemos a encarar nossa própria infância de outra forma. Ao mesmo
tempo, para pesquisarmos a infância, precisamos olhar para a criança que fomos. O outro
sempre estará presente ao falarmos de infância por que a nossa história de quando éramos
crianças é contada pelo outro. É através do outro que eu reativo a minha memória (JOBIM E
SOUZA, PEREIRA, 1998).
Não podemos esquecer que “a maior parte das crianças do mundo de hoje não vive de
acordo com a ‘nossa’ concepção de infância e [...] que nenhuma descrição de crianças – e
consequentemente nenhuma invocação da ideia de infância – pode ser neutra”
(BUCKINGAM, 2007, p. 25). Por isso, às vezes, é tentador querer que o conceito de infância
caiba em um modelo de infância semelhante ao vivido por nós – ou o que queremos acreditar

 
31

que foi. Perceber que a infância que vivemos não se assemelha à infância que observamos nas
crianças hoje em dia, do nosso lugar de adultos, pode nos levar a criticar a infância
contemporânea. Tentando fugir desse ideal de infância, temos que tentar entender a infância
contemporânea que parece ser tão diferente da vivida por nós, que abarca muitas crianças que
vivem em diferentes condições, mas que continuam sendo crianças e vivendo a infância.
Estamos vivendo um “processo de reinstitucionalização da infância”, ou seja, as crianças
ocupam outro lugar social (SARMENTO, online [2012]).
Em minha dissertação de mestrado, recorri ao termo ‘Nativos Digitais’ para enquadrar
as crianças com as quais eu dialogava e até a mim mesma, compreendendo esse a partir do
que foi dito por Marc Prensky “para caracterizar as gerações nascidas nas últimas décadas do
século XX em que se deu o início e a rápida difusão das tecnologias digitais” (FREIRE, 2012,
p.13). Revendo esse conceito, entre tantos outros (geração X, Y, net, F5), concluo que ao
nomear a infância contemporânea, querendo que ela caiba em um determinado conceito,
estamos deixando de “conhecer as crianças por elas mesmas” (MACEDO, 2014, p. 21). A
cada momento surgem novas formas de nomear a infância contemporânea pelo simples fato
de as crianças estarem na/em rede (MACEDO; PEREIRA, 2012). Portanto, para nós, o
importante é pesquisar a infância contemporânea como ela se apresenta e em suas relações
com a tecnologia. Não acreditamos que nomear esse movimento/momento, seja determinante
para a análise.
Afinal quem são as crianças de hoje? Como nomear os que pertencem à chamada
infância que já nascem na cibercultura? O que é infância? O que é cibercultura? Onde a
infância e a cibercultura se encontram? Elas se encontram na vida, nas experiências
cotidianas. A infância, e as crianças, estão imersas na cibercultura assim como a nossa
sociedade. Fernandes (2009) apresenta uma importante consideração sobre o contexto atual,
em relação às crianças, o qual

exige que as transformações vividas pelas crianças não sejam interpretadas como
questões individuais, mas como questões maiores, culturais, que estão modificando
seus modos de viver, de ser, e que trazem mudanças também relativas tanto a sua
aprendizagem, como a sua produção cultural. (2009, p.15)

Ou seja, cabe a nós pesquisadores da infância, compreendermos que as produções


culturais das crianças na internet são um retrato dessa nova forma de produção cultural,
aprendizagem e nos modos de viver e ser criança. Compreender esse papel das crianças na
nossa sociedade, essa interação das crianças com a cibercultura, sem tentar nomear,

 
32

pedagogizar ou categorizar essa relação é viável quando entendemos que a infância é um


momento de múltiplas possibilidades e que partindo de um olhar alteritário é possível
enxergar essas crianças como “um legítimo outro” (MATURANA, 1998, p. 22). Esse olhar
alteritário, lançado à infância contemporânea em suas nuances acontece quando
compreendemos que a criança não é um “objeto a ser conhecido”, mas sim “um sujeito que
dispõe de um saber que deve ser reconhecido e legitimado”. (JOBIM E SOUZA, CASTRO,
1997, p. 83).
Para abranger a infância contemporânea, também é preciso compreender que as
crianças são “participantes, atores sociais, com suas próprias experiências e interpretações do
mundo” (BORBA, 2005, p. 82). Esta visão nos leva ao entendimento de que as crianças,
enquanto atores sociais são produtoras de cultura.
A Sociologia da Infância considera que as crianças são atores sociais e a infância é
uma categoria social; propondo que estes dois conceitos sejam analisados em separado, já que
a infância vai existir enquanto categoria social independente dos sujeitos que dela fazem
parte. E sugere considerarmos “a infância como categoria social do tipo geracional,
socialmente construída e dependente da categoria geracional constituída pelos adultos”
(SARMENTO, 2008, p. 22). De acordo com a Sociologia da Infância, essa dependência gerou
uma relação legitimada e reconhecida em que os adultos têm o poder de controle sobre as
crianças. A infância pode ser considerada homogênea, já que os adultos e até as crianças a
entendem como uma experiência específica da vida, e deve ser entendida como heterogênea já
que dentro dessa fase existem vários tipos de infância que serão determinadas pelo contexto e
por outras categorias sociais (classes sociais, gênero, etnia etc.), como nos traz Sarmento
(2008, p. 23), “a condição social da infância é simultaneamente homogênea, enquanto
categoria social, por relação com as outras categorias geracionais, e heterogênea, por ser
cruzada pelas outras categorias sociais”.
Uma análise sociológica da infância, segundo Sarmento, citando Prout e James (1990)
e Qvortrup (2001) (2008, pp. 23-24) considera como paradigmas, dentre outros, entender a
infância como

uma construção social, [...] sendo distinta da imaturidade biológica, não é uma
forma natural nem universal de grupos humanos, mas aparece como uma
componente estrutural e específica de muitas sociedades; a infância não é uma fase
transitiva, mas uma categoria social permanente [...] e uma [...] análise comparativa
e multicultural revela uma variedade de infâncias, mais do que um fenômeno
singular e universal.

 
33

As autoras Solange Jobim e Souza e Rita Ribes Pereira, no artigo Infância,


Conhecimento e Contemporaneidade (1998), já citado no início dessa reflexão sobre infância,
apontam questões interessantes para pensarmos a concepção de infância contemporânea.
Partindo da obervação em relação à produção do conhecimento sobre a infância entendendo
que esta é demarcada pela relação com o outro, as autoras nos lembram que quem diz o que é
ser criança é o adulto e esse dizer é alterado de acordo com os ideais e expectativas de cada
época. “o modo como nos relacionamos com a infância é revelador das formas de controle da
história” (p.30) As autoras discorrem sobre o desenvolvimento do conceito de infância ao
longo da história recente, no que, em uma interpretação do artigo, podemos nomear de fases
da concepção de infância. Começando com o que podemos chamar de “não-lugar da criança”,
fase em que a criança é inserida no mundo dos adultos, após lutar pela sobrevivência, com a
entrada de políticas médico-higienistas que buscam diminuir as taxas de mortalidade infantil.
Em seguida, teríamos a fase da “criança como ser imperfeito”, onde há uma valorização da
criança pelo iluminismo, porém destacando o seu lado imperfeito que deve ser educado para
que se torne um homem dotado de linguagem, futuro cidadão responsável. Desta forma, esse
olhar da ciência sobre a infância, não visava conhece-la em suas peculiaridades, mas sim,
nega-la, tendo por objetivo fazer a criança crescer e vencer as imperfeições que a afastavam
da fase adulta. Por último, teríamos a “criança e suas fases do desenvolvimento” em que a
infância medida e analisada a partir das fases de desenvolvimento que trazem critérios de
normalidade. A ciência passou a explicar para os pais como agir em relação a seus filhos,
retirando a autoridade dos mesmos. Surgiram os especialistas em educação e cuidado de
crianças (psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, psicomotricista, pediatra, profissionais
da mídia etc.).
Fugindo desse conceito evolucionista da história, desse pensamento da vida em linha
reta, as autoras recorrem à Benjamin, a fim compreender que a criança é posta no lugar de
quem precisa trilhar seu caminho evolucionista, precisa crescer, caminhar em direção ao
futuro. A criança é “forçada” a abandonar suas ruínas do passado recente para atingir os
objetivos que a levarão para o futuro. Assim, munem-se dos conceitos de origem e ruína,
origem sendo o que está implicado no passado e no futuro e ruína como não apenas o fim,
mas também o vir-a-ser, algo que permanece em construção.
As fases da vida (infância, idade adulta e velhice) não podem ser entendidas apenas
como um processo linear, já que são “categorias sociais, históricas e culturais, que
recompõem permanentemente a experiência vivida” (JOBIM E SOUZA; PEREIRA, 1998, p.
28)

 
34

Acredito que as crianças de hoje são como as de ontem e estabelecem suas relações
com o que existe na cultura. Estamos no século XXI e atualmente, a cultura existe, também,
de forma cibernética. Não há porque nomear. São crianças que vivem e convivem com a
cibercultura, que nascem imersos nela e, por isso, as achamos tão diferentes de nós, que não
nascemos imersas nessa cibercultura. As crianças que se tornarem pensadoras acadêmicas
daqui há quarenta anos e que estudarem sobre infância dificilmente terão esse estranhamento,
pois ele pertence à nós. Conforme relatei em minha dissertação, ao ver meus primos pequenos
lidando muito bem com os sites, fiquei surpresa, e o estranhamento causado em mim,
despertou o desejo de pesquisar sobre o assunto, de conhecer melhor o que fazia aquelas
crianças navegarem na internet.

No ano de 2005, meus primos, nascidos na Espanha, João (com 3 anos à época) e
Manuela (com 1 ano), vieram morar em São Paulo. A partir daí, comecei a conviver
com eles de forma mais constante. Em uma das minhas primeiras visitas à casa
deles, ainda em 2005, percebi o fascínio deles por jogos on-line, o que acabou
gerando em mim muita vontade em descobrir mais sobre o assunto (FREIRE, 2012,
pp-15-16).

Ver crianças tão pequenas e com tamanha desenvoltura ao lidar com o computador e
navegando em sites com bastante propriedade foi estranho para mim que tive contato com
computadores com mais idade (9 anos). Então, esse lugar de estranhamento é nosso, mas
precisamos “admitir que o que particulariza a criança em relação ao adulto é a sua condição
de nascer e crescer em rede” (MACEDO, 2014, p.49).
Desta forma, pensar a infância contemporânea, requer que pensemos a cibercultura,
pois a sociedade contemporânea, está mergulhada na cibercultura. A infância está na
sociedade, faz parte desta, não é um organismo isolado que se desenvolve à margem da
sociedade e que, quando pronta, ou seja, quando as crianças crescem, passa a fazer parte da
sociedade. Cabe ressaltar o entendimento de que apesar dessa total imersão da sociedade na
cibercultura, há ainda muita exclusão social em vários níveis, inclusive, a exclusão do mundo
digital e cibernético. Mas, aqui nesta tese, olhamos para a infância e para as crianças que têm
o acesso à internet.
Sim, elas já sabem manusear um tablet e um celular desde pequenas e elas sabem que
um celular pode ser utilizado para diversas coisas além de falar com alguém: sorriem para
foto, pegam nossos aparelhos e tiram fotos ou pedem para tirarmos, acessam jogos e sites.
Elas sabem isso porque estão convivendo conosco que fazemos tudo isso. Então porque nos
espantamos? Porque continuamos pesquisando? Qual o sentido de uma pesquisa que se

 
35

propõe a investigar uma utilização que pode ser considerada banal, mas, que ao mesmo tempo
carrega tantas questões: é apropriado crianças estarem na internet? Quais são os riscos
envolvidos? O que a sociedade pode fazer para ajudar as crianças a utilizarem a internet de
forma segura e produtiva? Essas questões, tão comuns em diversos trabalhos acadêmicos
sobre infância e cibercultura, não serão respondidas nesta tese, pois a proposta desta tese é a
de compreender as formas de criação, produção e comunicação que as crianças usam na
internet.
Acreditamos que para compreender a infância contemporânea, precisamos descobrir o
discurso das crianças sobre a infância: o que elas falam de si? Que produções escolhem
mostrar para os outros? Que referências utilizam para suas produções online? Que imagens
atribuem a si mesmas? O que consomem no mundo da internet? Buscar no discurso, nas
narrativas infantis e produções online, as respostas para estas perguntas, parece ser promissor
para nos mostrar o que as crianças vivem em suas infâncias na contemporaneidade.
Testar as diversas funções exercidas por adultos faz parte do desenvolvimento infantil:
brincar de arrumar a casa, brincar de fazer comida, brincar de loja, de ser mãe e pai... Sim,
algumas crianças já entendem que fazer um blog pode dar dinheiro e realmente utilizam essas
interfaces com alguma intenção de futuro. Mas, isso ainda choca? Isso é tão diferente do que
uma criança que dança ballet e sonha em ser bailarina profissional, por exemplo?
Isadora23 e as meninas que são Youtubers mirins realmente parecem querer fazer
daquilo uma profissão, ou fazer com que aquilo seja o início de uma profissão. Como
podemos ver nesta fala da Isadora:

Joana – Isadora, porque você quis fazer esse blog assim? Como é que foi a história
dele?
Isadora - Ah, porque eu via vários na Internet e eu ficava: ah, eu queria fazer isso,
deve ser legal, ah, eu gostaria de fazer isso, ah eu queria fazer isso que pode mudar a
minha vida. Aí eu fui e criei o blog.
Joana – E como você acha assim, que pode mudar a sua vida?
Isadora - Ué, no futuro eu posso conseguir mais visualizações aí eu posso ganhar
uma grana.
Joana – Como assim?
Isadora - Por que existe um sistema no google que se chama Google Adsense24 que
você coloca o número da conta aí eles botam anúncios no seu site e você ganha um
dinheiro com isso.

                                                                                                                         
23
Isadora participou da pesquisa. Apresento as crianças com as quais conversei a partir da página 88.
24
http://www.lucrei.com/o-que-e-o-google-adsense-aprenda-e-de-os-seus-primeiros-passos-tutorial/
https://support.google.com/adsense/answer/65065?hl=pt-BR

 
36

Casos de blogueiras que publicaram livros após lançarem seus trabalhos na internet
são cada vez mais comuns. Bruna Vieira, blogueira do “Depois dos 15”25 e autora de vários
livros, sendo o primeiro deles, chamado “Depois dos Quinze: quando tudo começou a mudar”
(2012, Editora Gutenberg), uma compilação de suas crônicas publicadas em seu blog, é uma
das referências da menina Isadora26, já que faz parte da sua lista de indicações de blogs em
seu próprio blog.
 
Joana – Você acha que esse blog é uma inspiração para você (Depois dos 15)?
Isadora – Acho, essa blogueira já fez 3 livros que ela escreveu e é um blog muito
legal.
Joana – É, e você acha, assim, que é um sonho seu, você gostaria de viver o que ela
viveu?
Isadora – Não porque ela teve uma desilusão amorosa e ela criou o blog para superar
isso.
Joana – Então você não gostaria de viver uma desilusão amorosa, mas, assim, essa
questão do blog dela, do sucesso...
Isadora – Eu tentei escrever um livro, só que eu não consegui porque eu não sabia o
que fazer, mas quando eu crescer eu com certeza vou criar uns livros bem legais.

Além de Bruna Vieira, a autora Isabela Freitas, que também começou publicando em
um blog27, e após publicar seu livro “Não se apega, não” (Intrínseca Editora, 2014) que
rapidamente atingiu 230 mil cópias vendidas, é um exemplo de uma carreira que começou na
internet e se expandiu. Ambas foram destaque na Bienal de 201528 e participaram de bate-
papos com os leitores.
O que quero dizer com isso? Que devemos exaltar toda a publicação na internet feita
por crianças? Que devemos transformar essa ferramenta em um conteúdo escolar para que
elas aprendam a lidar com ela de forma correta? Não, apenas quero que passemos a
compreender que as crianças publicarão conteúdo na internet porque isso faz parte do nosso
mundo, da nossa sociedade e as crianças vivem nela. Por isso, esse estudo, na contramão de
muitos estudos atuais que abordam a questão da criança e da internet, não vai falar sobre os
riscos, sobre a segurança, sobre a desenvoltura infantil frente as tecnologias... Esse estudo
pretende abordar questões observadas na relação das crianças com a cibercultura, mais
especificamente utilizando redes sociais ou plataformas que possibilitam a publicação de

                                                                                                                         
25
http://www.depoisdosquinze.com/
26
A partir deste momento, trago alguns diálogos com os sujeitos da pesquisa, a saber: Isabela, Isadora, Manuela,
João e Caio. No item 3.2 “As crianças”, apresento cada uma delas com mais detalhes.
27
http://isabelafreitas.com.br/
28
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/blogueiras-isabela-freitas-e-bruna-vieira-sao-atracoes-da-
bienal-do-rio.html

 
37

conteúdo e imagens. Quem são essas crianças? São um retrato da infância contemporânea. De
uma parte dela. Porque nem todas as crianças, apesar da divulgada facilidade dessa faixa
etária em lidar com as tecnologias, utilizam essas plataformas de forma constante e dedicada.
Muitas usam esporadicamente, como mais uma forma de entretenimento, como mais uma
brincadeira e mais uma maneira de experimentar, reproduzir e recriar o que veem adultos
fazerem. Além de não esquecermos das crianças que não tem acesso às tecnologias, que estão
à margem dessa sociedade embora estejam também imersas na cibercultura, mas sem ter
acesso às ferramentas que possibilitam a sua utilização.
Já está estabelecida, no campo dos estudos da infância,

[...] a compreensão de que a criança nasce inserida numa cultura e que a criança a
ressignifica e recria com os instrumentos que essa mesma cultura lhe permite. Em
suas brincadeiras, suas demandas e seus modos de agir, mais do que imitar o mundo
social supostamente já instituído, as crianças formulam a sua crítica, o afetam e o
recriam. (PEREIRA, 2014, p. 132).  

Ao ampliarmos essa discussão sobre a transformação da cultura pela criança, olhando


para a cibercultura, temos que concordar com Rita Ribes Pereira quando ela alega que

[...] nos estudos sobre cibercultura, por seu turno, tornou-se matéria corrente a
compreensão de que as tecnologias digitais engendram profundas transformações
nos modos de produção e de circulação da cultura (PEREIRA, 2014, p. 133).

Outro termo que surge atrelado à nomeação da infância contemporânea como geração
net, x, y etc, é o de cibercultura infantil, que estaria relacionada à criação e recriação da
cultura infantil feita pelas crianças que navegam na internet. Os autores estudados29,
argumentam que as crianças estão inseridas na cibercultura e por isso tem à sua disposição
possibilidades de criar, conectar, participar, interagir, fazendo uma separação entre
cibercultura e cibercultura infantil. Mas, acredito que as crianças estão inseridas na
cibercultura que é uma só, pois até os jogos, que poderiam ser encarados como algo mais
lúdico e pertencente ao mundo das crianças, são usados por adultos também. Não podemos
criar um nicho da cibercultura que só é usado pelas crianças, pois esse pensamento cartesiano
apenas ajuda a ampliar o fosso geracional tão propagado em relação aos usos das tecnologias
por crianças e adultos, quando na verdade, até as formas de consumo são muito parecidas. É
claro que as crianças possuem produtos específicos voltados para elas, mas com Macedo

                                                                                                                         
29
Mayra Fernanda Ferreira, Edvaldo Souza Couto, José Américo Santos Menezes, Danuta Leão, Ana Flávia de
Luna Camboim e Francisco Menezes Martins.

 
38

(2014) podemos afirmar que muitas coisas produzidas para as crianças no mundo virtual são
produtos ofertados tanto para elas quanto para adultos. Ainda de acordo com Macedo, foi
constatada uma maior aptidão das crianças em relação aos adultos na utilização das
tecnologias causando o fosso geracional, em que as crianças eram vistas como usuárias mais
habilidosas do que os adultos. Atualmente, os adultos também já têm maior domínio sobre as
tecnologias e, por isso, há uma redução desse fosso criado quando se constatou uma maior
aptidão das crianças para mexerem nos aparatos (MACEDO, 2014).

Pensando de modo crítico, entretanto, as tecnologias digitais podem ajudar a colocar


em discussão a posição social que as crianças ocupam em relação aos adultos,
oferecendo outras perspectivas para a compreensão dos processos cognitivos. A
criança, tão marcada pelo seu suposto não-saber, pode experimentar ser também
aquela que ensina. O adulto, libertando-se do lugar cristalizado do ensinar, pode
permitir-se aprender com a criança – aprender a entregar-se ao jogo, a ver o
desconhecido não apenas como medo, mas como possibilidade (PEREIRA, 2010, p.
10).

Cabe destacar que Macedo ao afirmar em sua tese, intitulada “Você tem face?” Sobre
Crianças e Redes Sociais Online , defendida em 2014, que as crianças estão para além da
ingenuidade e do risco propagado, nos permite ir adiante à discussão que nos propomos, pois
a autora já explicou que as crianças não vivem apenas os riscos da internet, que elas não estão
tão desprotegidas quanto dizem algumas pesquisas. Portanto, não é mais necessário que
abordemos esse assunto, pois já sabemos que as crianças não estão apenas envoltas em riscos
ao navegarem na internet e podemos tentar compreender como elas se relacionam com a
internet de forma criativa, o que produzem online, suas formas de autoria e narrativas.  
Um bom exemplo da separação entre o que seria cibercultura e o que seria cibercultura
infantil pode ser visto em Couto (2013) quando ele afirma que “a cibercultura é marcada pela
convergência midiática e a cibercultura infantil pelo hibridismo de práticas e descobertas
lúdicas” (COUTO, 2013, p. 908). Ainda dialogando com Macedo (2014) podemos ampliar
essa afirmação, pois a autora nos mostra que a convergência das mídias também chega a
utilização infantil quando traz que muitas das coisas mostradas nos perfis das crianças, tem a
ver com a televisão, novelas, filmes, personagens.
Aprofundando a definição de cibercultura infantil, seguimos trazendo Couto que
aponta que esta

significa o mundo das crianças conectadas, seus hábitos, ideias e comportamentos


como sujeitos que produzem e compartilham informações na rede. [...]. A
cibercultura infantil, participativa, [...] diz que a criança é produtora e difusora de

 
39

informações e valores, que cria e divulga suas invenções, que é agente ativo e
propulsor de cultura (COUTO, 2013, p. 901).

Percebemos em Couto um discurso bastante comum nos estudos que abordam a


infância e a cibercultura: o discurso que valoriza as possibilidades surgidas com o uso das
tecnologias pelas crianças.

A cultura digital está a favor das crianças, o que possibilita e potencializa as


condições intelectuais para que possam participar da mídia digital e se
reconhecerem, cada vez mais, como autoras nesse ambiente. As crianças conectadas
são pioneiras na sociedade do imaginário tecnológico digital, pois tem a impressão
de estar criando seu próprio terreno de aventuras, de poder inventar alguma coisa e
se diferenciar das gerações anteriores, sem ter que se justificar. Talvez seja neste
ponto que reside a grandeza e os principais valores da cibercultura infantil:
liberdade, participação, colaboração, entretenimento e inovação (COUTO, 2013, p.
904).

Conforme já foi dito, esta tese não pretende enaltecer ou repudiar a relação das
crianças com a cibercultura e, consequentemente, com as tecnologias. Entretanto, não
podemos nos furtar à seguinte reflexão: às crianças sempre coube o papel de criadoras, de
imaginativas, de mostrar suas produções para os adultos da família. Basta lembrarmos dos
desenhos, pinturas, brincadeiras, apresentações de música ou teatro. A infância é vista como a
idade em que o ser humano é mais inventivo e criativo. Desta forma, não podemos relacionar
todo o potencial criativo das crianças apenas com a cibercultura, haja visto que esse potencial
sempre existiu e sempre foi mostrado, mesmo que em escalas menores, mais familiares. Ou
seja, a diferença entre uma criança que fazia um desenho e este era colado na parede da sua
casa para ser mostrado para a família e amigos e de uma criança que coloca seus desenhos em
um blog (como é o caso do Caio, interlocutor dessa pesquisa), é a possibilidade de aumentar a
visualização desses desenhos. Entretanto, sabemos que a tecnologia também possibilita novas
formas de interação, de criação e de exposição das crianças. É uma relação bastante tênue
entre entender as facilidades possibilitadas pelo uso das tecnologias e a valorização destas
mesmas tecnologias, principalmente no que diz respeito ao manejo pelas crianças que
normalmente são vistas como mais incapazes do que os adultos. Perceber que as crianças
conseguem manipular e criar utilizando as ferramentas disponíveis e, muitas vezes,
conseguem dar conta delas de forma ainda mais aprofundada que muitos adultos, viabiliza o
discurso que enaltece essa relação entre a criança e a cibercultura: “em velocidades crescentes
os experimentos, as criações e os imaginários infantis se ampliaram e, provavelmente, ficaram
mais ricos e fecundos” (COUTO, 2013, p. 910).

 
40

Entretanto, o próprio autor apresenta um contraponto interessante à essa


supervalorização da relação da criança com a cibercultura ao afirmar que:

as crianças brincavam com a areia da praia, jogavam bola, participavam de batalhas,


arrumavam casinhas e enfeitavam bonecas. Na cibercultura infantil continuam com
todas essas brincadeiras, agora integradas ou vivenciadas por meio de telas. É
preciso destacar e enfatizar essa condição recente dos modos de brincar. As telas não
são em si a brincadeira, são os meios pelos quais as conexões e as brincadeiras
acontecem (COUTO, 2013, p. 910).

Completando sua afirmação, Couto traz uma interessante argumentação sobre a


relação das crianças com a cibercultura ao defender que as tecnologias não decretam a morte
da infância, que as crianças continuam brincando, criando, imaginando e que a diferença é
que agora existem mais meios com os quais as crianças podem explorar suas potencialidades.

Não faz sentido dizer que a infância acabou, ou que as crianças não sabem mais
brincar, que ficam isoladas e presas em casa, que só sabem ver e estar no mundo por
intermédio de suas telas preferidas. É preciso compreender o teor das mixagens, dos
hibridismos que marcam a vida contemporânea. Esses hibridismos atualizam os
modos de ser, brincar e viver de muitas e diferentes maneiras. Embora milhares de
crianças estejam cada vez mais conectadas, parece que elas seguem usando também
estratégias culturais tradicionalmente associadas à infância, digamos, tradicional, e
hibridizando todas elas (COUTO, 2013, p. 910).

A constatação de que existe um termo utilizado para nomear a participação das


crianças na cibercultura, trouxe o seguinte pensamento: apenas a criança busca a diversão, a
conexão, a criação e a interação ao utilizar a web? Os textos propagam uma separação entre o
que é para crianças e o que é para adultos, mas não podemos esquecer que os responsáveis por
determinar o que é para as crianças são os adultos e não as próprias crianças.
Aliás, cabe ressaltar que de acordo com várias pesquisas, as crianças possuem um
interesse muito maior pelo que não foi elaborado para elas do que por algo que foi pensado
como de uso exclusivo para as crianças. Portanto, concordamos com Pereira (2014) em sua
afirmação de que:

O que está em jogo é a construção de um outro lugar social a partir do qual se torne
possível dialogar com as crianças relativizando a hierarquia cristalizada pela
modernidade. No que se refere à pesquisa esse questionamento é decisivo, pois ele
coloca em xeque o paradoxo vivido pelo pesquisador, que é adulto, de ser ao mesmo
tempo aquele que deseja melhor conhecer as práticas infantis (por isso as pesquisas)
e, também aquele que, com sua ciência, assume a autoridade de legitima-las ou não
(PEREIRA, 2014, online).

 
41

2.3 Infância, Cibercultura, Imaginação e Criação

Pensar em produções infantis online, requer pensarmos sobre a criação das crianças e
para isso, recorremos ao diálogo com Vygotsky e seu livro “Imaginação e criação na infância”
de 2009. O autor analisa a imaginação em sua relação com a atividade criadora do homem e
para isso irá desenvolver conceitos como criação, imaginação, reprodução, realidade,
relacionando a criação com a educação artística e escolar. Para nós, nesta tese, o mais
importante é uma análise dos capítulos iniciais do livro, onde Vygotsky discorre de forma
mais filosófica sobre os temas, sem relacioná-los com a prática escolar ou artística.
Ao abordar a criação e a imaginação, o autor começa argumentando que, comumente,
chamamos atividade criadora aquela em que se cria algo novo, entretanto, ele irá desenvolver
melhor essa teoria, provando que nem sempre é assim. Para isso, o autor traz duas atividades
criadoras principais:
1ª) Reconstituidora ou reprodutiva: reprodução literal do que vejo ou do que assimilei
e elaborei antes. Ou seja, é uma criação que se dá com base em algo vivenciado, visto ou
pensado anteriormente. Esta atividade está mais ligada à memória.
Um ótimo exemplo deste tipo de atividade criadora, pode ser retirado da conversa com
Caio, em que estamos vendo os desenhos que ele colocou em seu blog:

Caio – O gato de duas cabeças, dragão; ah, esses aí são de dois filmes que eu
misturei.
Joana – Ah, você que inventou esse?
Caio – É.
Joana – Você não copiou de lugar nenhum, né? Tem uns desenhos que você copia e
uns que você inventa?
Caio – Ah, alguns eu desenho que eu conheço.

2ª) Combinatória ou criadora: esta atividade seria a de imaginarmos algo que não
vivemos, ou seja, esta atividade está mais atrelada à imaginação, precisa da imaginação para
existir. Quando imaginamos uma situação não vivenciada, nos colocando naquele lugar,
conseguimos formar uma imagem na nossa mente. É quando podemos “esboçar um quadro do
futuro ou do passado” (VYGOTSKY, 2009, p.13) mesmo sem ter vivido, sem ter sentido o
que achamos que irá acontecer nesse quadro criado. A imaginação é peça fundamental para a
criação e não pode ser vista apenas como o não real, como não tendo significado prático. Ao
imaginar o homem consegue criar. “Na verdade, a imaginação, base de toda atividade

 
42

criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também
possível a criação artística, a científica e técnica.” (VYGOTSKY, 2009, p. 14).
Vygotsky pretende ressaltar que todos podemos criar, que a criação não é para alguns
gênios talentosos, mas que ela também está no cotidiano:

a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas,
mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo,
mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho, se comparado às criações dos
gênios” (VYGOTSKY, 2009, p. 16).

Voltando à questão da reprodução, que é muito comum entre as produções infantis


online, cabe destacar que ao reproduzir algo que já viu, a criança está criando algo novo por
que os elementos da experiência anterior nunca se reproduzem. Acontece “[...] uma
reelaboração criativa de impressões vivenciadas”, afinal “[...] o ímpeto da criança para criar é
a imaginação em atividade” (VYGOTSKY, 2009, p.17). Portanto, ao criarem produções
parecidas com as existentes, as crianças estão criando uma nova produção, afinal a reprodução
existe como possibilidade de criação por que a combinação de elementos que já são
conhecidos representa algo novo. “[...] É essa capacidade de fazer uma construção de
elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que constitui a base da criação”
(VYGOTSKY, 2009, p.17).
Entrando na discussão sobre imaginação e realidade, o autor apresenta formas de
relacionar esses dois termos. Segundo ele, a imaginação sempre será construída com
elementos retirados da realidade e da experiência anterior da pessoa. Se precisamos da
experiência anterior e de elementos reais vividos, podemos concluir que quanto maior for a
experiência social da criança, maior será sua capacidade criadora. Entretanto, também é
possível imaginar o que não foi vivido ou visto, tendo por base o relato do outro.
Segundo o autor, o “círculo completo da atividade criativa da imaginação” (p. 30)
engloba elementos retirados da realidade que são elaborados e transformados em imaginação
e retornam à realidade como nova força ativa que a modifica (a realidade é modificada por
esse novo elemento).
O sentimento e o pensamento movem a criação humana, não podemos criar sem
desejo. Por isso, as crianças mudam o blog, abandonam, recomeçam, mudam o tema, a cada
novo desejo de criar algo que pode ter vindo de novas experiências. Isadora com o canal do
Youtube Experimentex, por exemplo, diz que a ideia surgiu após uma ida ao bairro da
Liberdade (SP) onde conheceu doces japoneses. Os vídeos mostram Isadora ensinando a fazer

 
43

os doces, que apesar de estarem prontos, ainda tem que passar por algum tipo de
processamento, como colocar de molho na água.

Joana – E aí, esse Experimentex é muito legal. De onde surgiu isso?


Isadora – É, quando eu fui na Liberdade, não na primeira vez, porque eu já fui várias
vezes. Mas, quando eu fui em São Paulo uma vez eu encontrei doces japoneses e eu
queria retratar esse momento porque é muito diferente. Daí eu fiz e mandei o vídeo.

Vygotsky, falando sobre o mecanismo da imaginação criativa, aborda os fatores


psicológicos que favorecem a criação:
1º) Necessidade de adaptação ao meio, com o surgimento de novos desafios; sem
desejo de mudança não há criação.
2º) O desejo é importante, mas sozinho não quer dizer nada, a criação não acontece
apenas por que desejamos.
3º) Dos interesses surgirão as imagens que serão as molas propulsoras do desejo para a
efetiva criação.
Ou seja, quando temos um desafio, um desejo de mudança, imaginamos a partir dos
nossos interesses, como faremos essa criação. Entretanto, Vygotsky não deixa de mencionar o
meio externo como fator que influencia a criação. “Qualquer inventor, mesmo um gênio, é
sempre um fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação surge de necessidades que foram
criadas antes dele e, igualmente, apoia-se em possibilidades que existem além dele”.
(VYGOTSKY, 2009, p. 42). Portanto, o outro sempre está na nossa criação. Nós criamos em
relação, para o outro. E o que as interfaces e softwares sociais ajudam a fazer é ampliar os
meios de divulgação da criação feita. Estes usos destas plataformas como meio de divulgação
de trabalhos, criações etc. é uma forma comum na nossa sociedade contemporânea. Quase
todas as produções audiovisuais podem e vão circular nos meios digitais disponíveis.
E essa circulação favorece o que Caio viveu ao achar seu próprio blog como resultado
de pesquisa no google, conforme conta sua mãe.

Raquel - E aí o blog é do Google, é, um dia ele tava vendo imagens de dinossauro no


‘Google Images’ e ele achou um desenho dele, que por causa do blog entrou na
busca. Nossa, ele ficou muito feliz, todo bobo.
 

 
44

2.4 Infância, Cibercultura e Autoria

Uma tese que se apresenta de extrema relevância para o diálogo é intitulada “Infância
e cultura: o que narram as crianças na contemporaneidade?” defendida por Adriana Hoffmann
Fernandes em 2009. A autora investigou a produção de narrativas da infância contemporânea,
dialogando com crianças de 7 a 11 anos, utilizando três escolas e um blog para lócus da
pesquisa. Com enfoque na contação e criação de histórias pelas crianças, a autora destaca a
criação e a preferência do uso de imagens ou de narrativas orais pelos sujeitos participantes de
sua pesquisa.
Apesar de ter como um dos enfoques a escola, Adriana Hoffmann Fernandes traz
argumentações que colocam a criança em uma perspectiva histórica e cultural,
compreendendo a infância em sua completude e não apenas no que se refere ao âmbito
escolar. Por isso, essa tese se desvela de suma importância para o diálogo, pois possibilita
saber como pensam as crianças contemporâneas entendendo-as como partes integrantes da
sociedade e produtoras de cultura, já que precisamos compreender a infância contemporânea
que está imersa na cultura existente e que é capaz de produzir cultura. Desta forma, mesmo
sem abordar o assunto sobre a utilização da internet na escola, acreditamos que captar o que a
infância contemporânea produz online ajude a escola a entender melhor as crianças que lá
estão e que, mesmo sem poderem acessar a internet livremente, estão online, conectadas.
Fernandes investigou “que narrativas constituem a infância contemporânea” (2009,
pp.12-13), seu foco foi a produção de narrativas pelas crianças, como constroem e como se
relacionam com a narrativa hoje. Partindo do pressuposto de que a criança está inserida em
um mundo midiático, com maior ou menor intensidade dependendo de seu contexto
socioeconômico, a autora quer compreender como a escola e os educadores podem se
relacionar com as produções de narrativas pelas crianças sem se prenderem apenas aos
“padrões formais da cultura letrada” (2009, p.15).
Fernandes esclarece, em diálogo com Amaro e Moreira (2001), que “o significado
mais inclusivo de ‘narrativa’ refere-se a qualquer apresentação escrita ou oral” (2009, p. 12),
frisando que vai buscar as histórias (escritas, orais ou de outras formas) produzidas pelas
crianças de diferentes formas (escrita, desenho etc.) compreendendo a produção de histórias
como a produção de narrativas. Sendo assim, a autora quer entender como as crianças
produziam narrativas na época do estudo realizado.

 
45

Esse foco nos aproxima, até porque podemos compreender que as crianças continuam
produzindo narrativas em diferentes meios e podemos compreender essas narrativas como
formas de autorias. Afinal, o que é um vídeo de um Youtuber mirim além de uma narrativa,
de uma forma autoral de se colocar na internet? Os posts dos blogs também são histórias e
muitas vezes contam experiências vividas pelas crianças; as fotografias do Instagram também
podem ser consideradas formas de narrativa afinal também registram momentos importantes
vividos pelas crianças. Sem esquecermos que a maioria das fotos vêm com legendas ou
comentários que contam/descrevem/narram o momento vivido.
Portanto, temos de concordar com Fernandes quando a autora traz a seguinte questão:
“não seria provável supor que as crianças estejam recriando suas narrativas, tanto no conteúdo
como na forma?” (2009, p. 15). Sim, e esta tese que apresento aqui comprova isso. A
utilização dos blogs, redes sociais e Youtube, ajudam as crianças a criarem novas formas e
conteúdos para suas narrativas.
O diálogo com a tese de Fernandes continua e nos auxilia a ampliar a discussão sobre
cultura, indo para além da cibercultura, nos auxiliando a aprofundar as discussões sobre a
cultura de pares das crianças. A autora começa o diálogo com o autor Eric Hobsbaum e sua
análise sobre a “revolução cultural” (grifo da autora), destacando que o texto do autor é de
suma importância para pensarmos “como a criança se relaciona contemporaneamente com o
conhecimento e com a cultura” (p.17). A autora destaca que a sociedade ocidental sofreu
muitas mudanças, principalmente nas formas de vida familiar com a mudança da família
nuclear, com o aumento de divórcios, de pessoas morando sozinhas, de mulheres que criam
seus filhos sozinhas e de mulheres que são chefes de família. Tudo isso somado ao
surgimento da cultura juvenil trouxe uma grande transformação na relação entre as gerações.
Fernandes em dialogo com Santaella (2006), apresenta a cultura como algo mutável e
que se desloca entre as eras: “cultura oral, escrita, impressa, massiva, das mídias e
cibercultura convivem simultaneamente num processo cumulativo em que cada nova
formação vai se integrando às formações anteriores e modificando-as, provocando reajustes e
refuncionalizações” (p. 21).
Ainda Fernandes, conclui que todas essas mudanças sociais e culturais vivenciadas por
nossa sociedade, trazem uma nova forma de ser criança, com novas experiências infantis que
acarretam transformações nas relações entre as gerações.

Precisamos pensar que a relação cada vez maior das crianças com as produções da
atualidade pode também modificar seus modos de produção cultural [... investigar
como a criança se relaciona e produz suas narrativas hoje, acreditando que, diante

 
46

das revoluções da cultura, também podem estar ocorrendo revoluções nas produções
culturais da infância (2009, p.27).

Como entendo a cultura não como algo pronto, acabado, mas pelo viés do cultural
como produção coletiva dos homens, sempre em processo, no qual cada sujeito
produz cultura na sua relação com os demais em sociedade, também entendo que a
forma como a criança lida com o conhecimento é cultural, sendo essa criança uma
produtora de cultura (2009, p.44).

Minha investigação mostra que as crianças estão buscando outros lugares para contar
histórias, já que elas trazem formas de narrar que são diferentes das de antigamente,
entretanto, também contam sobre experiências vividas por elas. A mídia é uma das fontes
dessa mudança e as minhas crianças são um exemplo disso: elas narram nos vídeos, nas
legendas e comentários das fotos, com as próprias fotos, gifs, montagens e nos blogs. A
gravação de um vídeo no Youtube onde, por exemplo, Isadora mostra como fazer doces
japoneses, não pode ser considerada uma forma de narrativa? De acordo com Fernandes, o
narrar se modifica historicamente e cada nova forma de narrar traz consigo novos desafios de
acordo com os recursos utilizados para o contar (p.181).
As formas de narrativas das crianças com as quais conversei, caminham mais para o
contar experiências vividas: elas tiram fotos dos lugares em que estiveram, gravam vídeos
contando como foi uma viagem, retratam momentos vividos com amigos e familiares. “Dessa
maneira, ao contarem algo, parece que nem sempre interessa trazer detalhes do que viveram
nos lugares. Vale mais contar que foram a vários lugares do que contar a experiência vivida”
(p.203). Os aplicativos de fotos, as redes sociais, foram criadas para isso mesmo: um modo de
contar onde se esteve, mas sem trazer muitos detalhes. As legendas, quando existem,
apresentam poucas informações. As crianças que utilizam as redes sociais, assim como a
maioria da população em geral, parecem acreditar no ditado que diz que “uma imagem vale
mais do que mil palavras”.
No Instagram, por exemplo, as imagens são postas na timeline, são publicadas para
todos os amigos. Mas, as crianças que não tem WhatsApp, utilizam o direct para conversar.
As imagens vão para o público, mas as palavras para o privado. Elas separam as conversas
pessoais das postagens públicas.
A autora apresenta ainda, dois fatos muito interessantes: a obrigatoriedade da
postagem no blog e o cumprimento do prazo para essa postagem pelas crianças. Ou seja: as
crianças tinham o compromisso de enviar textos para os editores postarem no blog e elas
cumpriam esse compromisso o que, no caso da pesquisa de Fernandes, possibilitou uma
produção mais constante do que a realizada nas oficinas. A autora compreendeu que essa

 
47

obrigatoriedade da escrita para o blog não era um problema para as crianças já que elas
saberiam que seriam lidas e comentadas, legitimando a escrita de forma significativa. No
blog, “escreve-se para ser lido” (p. 211).
Com as crianças que participaram da minha pesquisa, pude perceber que a falta de
interação dos leitores dos blogs (ou a falta de leitores), fez com que muitas delas
abandonassem seus blogs. A autora também percebeu isso em sua pesquisa, já que as crianças
que tinham blogs pessoais os desativaram por falta de leitores. “É talvez por essa falta do
olhar do outro que as crianças blogueiras que tinham blogs pessoais, optaram por interrompê-
los” (p.213).
A escrita semanal, ao mesmo tempo em que trazia o compromisso, também trazia
dificuldades: para buscar um tema, para ter tempo para escrever etc. As mesmas dificuldades
que percebi em minha pesquisa, mas com a diferença de que a publicação no blog de um
jornal era um compromisso muito importante para as crianças.

Isso me levou a pensar que a participação das crianças no Bloguinho pelo período de
3 meses só ocorreu devido a essa obrigatoriedade da postagem semanal. No
momento em que a escrita se torna opcional fica bem mais difícil manter uma
constância na sua produção (p. 216).

Qual a diferença, para as crianças, de publicar no blog de um jornal e em seus próprios


blogs? Será que o fato de o blog ser famoso fez diferença? Afinal, se perceber sendo lido e
comentado é realmente importante para as crianças. Se seus blogs pessoais fossem tão
visitados elas teriam uma produção maior? Ou apenas a obrigação faz a produção aumentar?

2.5 Infância, Cibercultura e um encontro com Walter Benjamin

Benjamin e seus escritos publicados em a “Magia e técnica, arte e política: ensaios


sobre a literatura e história da cultura” (2012), em que ele propõe conceitos para a teoria da
arte que poderão revolucionar a política artística num contexto fascista, enriquece as reflexões
desta tese em vários momentos e por isso, é um dos autores apresentados agora e que poderão
surgir ao longo do texto. Iniciando com sua escrita sobre Reprodutibilidade técnica, em que
Benjamin, destaca que a xilogravura, na Idade Média, e a litografia, no século XIX,
permitiram a reprodução da obra de arte. Porém, a litografia permitiu além da reprodução em

 
48

massa, a produção diária de novas produções artísticas. “Dessa forma, as artes gráficas
adquiriram os meios de ilustrar a vida cotidiana” (2012, p.181). Benjamin, destaca que a
litografia logo foi ultrapassada pela fotografia:

Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das
responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho.
Como o olho apreende mais depressa que a mão desenha, o processo de reprodução
das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível
que a fala (2012, p.181).

O autor acrescenta que a reprodução do som também fez muita diferença nos
processos artísticos e acabou conquistando um lugar próprio na arte com a junção entre
reprodução de imagem e som (cinema).
No item denominado Autenticidade, Benjamin discorre sobre uma obra de arte
original e sua possível reprodução. Quando reproduzimos uma obra de arte, por maior
perfeição que exista nessa reprodução, há a ausência do “aqui e agora”. “O aqui e agora do
original constitui o conteúdo da sua autenticidade”. Benjamin fala das artes mesmo, dos
quadros, das esculturas etc. Apenas o original está incluído em um contexto.
Benjamin continua afirmando que uma reprodução manual é considerada falsificação,
mas que uma reprodução técnica como a fotografia, mantém a sua autonomia pois mostra
coisas diferentes ao que é possível o olhar do homem perceber, possibilitando uma variedade
de olhares que lhe conferem autenticidade. Outra característica da reprodução técnica é a
possibilidade de transpor essa obra para lugares inimagináveis. Ele dá como exemplo o som
que pode ter sido tocado em um show e que vai para dentro de nossas casas, havendo uma
transposição da música. Ao manter a autonomia, ela enfrenta a autenticidade. Para Benjamin,
essas características desvalorizam o aqui e agora, ou seja, afetam sua autenticidade.

A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela


tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho
histórico. Como este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do
homem através da reprodução, também o testemunho se perde. Sem dúvida, só esse
testemunho desaparece, mas o que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu
peso tradicional (2012, p.182).

Segundo ele, ao ser reproduzida de forma técnica, a obra de arte perde sua aura, pois
retira a tradição do objeto que foi reproduzido, já que ao mesmo tempo em que amplia a
oferta, atingindo cada vez mais pessoas, a reprodutibilidade técnica destrói a aura da arte, a
sua autenticidade. Isso, a longo prazo, nos faz chegar no que estamos agora “a liquidação do
valor tradicional de patrimônio da cultura” (BENJAMIN, 2012, p.183). Dessa forma, a cultura
 
49

deixa de ser algo que habita nas ou que emana apenas das classes sociais mais ricas e passa a
ser valorizada em todas as classes sociais e em todas as suas formas de expressão. Hoje em
dia, a cultura é conhecida como algo que se depreende do contexto da vida que está no
cotidiano. Não há os clássicos apenas, não há mais uma valoração da cultura, o que é
excelente já que todas as classes sociais foram “autorizadas” a produzir cultura, ou seja,
houve um reconhecimento da cultura de todas as classes, inclusive, da cultura produzida por
crianças.
Continuando a reflexão com Benjamin, cabe trazer uma relação feita durante a leitura
do item “Destruição da aura”, em que o autor afirma que “no interior de grandes períodos
históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo
que seu modo de existência” (BENJAMIN, 2012, p.183). Podemos trocar a expressão
‘coletividades humanas’ por ‘infância’: no interior de grandes períodos históricos, a forma de
percepção da infância se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. Ou seja, a
mudança na forma de percepção da infância se modifica ao mesmo tempo em que a própria
infância se modifica. Impossível falar em morte da infância ao ler esta frase. Impossível
desprezar a cultura infantil atual, que envolve sim as tecnologias e a internet, em detrimento
de um resgate da infância que vivemos. Aliás, dada a minha idade e minha história de vida,
minha infância já foi permeada pela tecnologia e pela internet30. E Benjamin continua: “o
modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas
condicionado naturalmente, mas também historicamente” (2012, p.183). Trocando os termos
novamente, teremos: o modo pelo qual se organiza a infância, o meio em que ela se dá, não é
apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. O que confirma que infância
é conceito histórico, ou seja, que se modifica ao longo da história.
Benjamin afirma que aura “é uma teia singular, composta de elementos espaciais e
temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (2012,
p.184). Ou seja, a aura, segundo Benjamin, seria aquele momento único em que
experenciamos algo de forma plena. Ele dá como exemplo: “observar, em repouso, numa
tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra
sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho” (BENJAMIN, 2012,
p.184). Benjamin acredita que a aura está em declínio por duas razões: a necessidade de
proximidade que as pessoas têm em relação aos objetos e a reprodução. Podemos
compreender que a aura se perde no momento em que sentimos a necessidade de ter uma

                                                                                                                         
30
Para maiores detalhes, ler FREIRE, 2012.

 
50

fotografia da montanha ao invés de nos concentrarmos em viver a aura daquele momento. A


necessidade de ter, ao invés de vivenciar, a concepção de que apenas tendo algo seremos
felizes, a necessidade de registrar em imagens a experiência vivida como se fosse uma
premissa para termos efetivamente vivenciado aquele momento. Essas são características
muito visíveis na nossa sociedade que vive as redes sociais.
Benjamin traz os filmes para falar que a técnica da produção de um filme está
diretamente relacionada a sua reprodutibilidade técnica. Além de ser mais fácil a sua
reprodução, ela se torna obrigatória por que a produção é muito onerosa. “A difusão se torna
obrigatória, porque a produção de um filme é tão cara que um consumidor, que poderia, por
exemplo, pagar um quadro, não pode mais pagar um filme. O filme é uma criação da
coletividade” (BENJAMIN, 2012, p.186). Por isso o Youtube é tão revolucionário: ele é a
possibilidade de uma pessoa fazer um filme caseiro, de baixo ou nenhum custo, e exibi-lo
para milhões de pessoas de forma barata também. Por “não” ter custos de produção, ele não
precisa ser vendido para a massa.
Outro tema desenvolvido por Benjamin e que muito nos interessa nesta tese foi
chamado por ele de ‘Valor de eternidade’. “Os gregos foram obrigados, pelo estágio de sua
técnica, a produzir valores eternos na arte” (BENJAMIN, 2012, p.189). Por não terem a
possibilidades de reprodução em massa, apenas no molde e na cunhagem isso era possível, os
gregos precisavam construir arte para a eternidade.
Em nosso tempo, com toda a reprodução disponível, continuamos buscando dar valor
de eternidade às nossas produções? As crianças, almejando maior visibilidade, mais curtidas,
mais corações, não estão em busca dessa valoração? Podemos relacionar o valor de eternidade
com a efemeridade das produções realizadas agora? Segundo Benjamin, não dá para
pensarmos nisso, principalmente se pensarmos nos filmes, pois por serem montados quadro a
quadro, atingem a perfeição. As partes são escolhidas para chegarmos a um todo perfeito. Já a
escultura, obra de arte eternizada pelos gregos, é feita a partir de um grande bloco que vai
sendo entalhado, formando obras de arte imperfeitas. “Para os gregos, [...] a mais alta das
artes era a menos perfectível, a escultura” (BENJAMIN, 2012, p.190). Entretanto, Benjamin
viveu em um século que não contava com nem um centésimo da tecnologia que contamos.
Fazer um filme, por exemplo, pode ser tarefa das mais simples, tanto que existem os filmes
chamados caseiros que não exigem superproduções. Portanto, acredito que mudamos o nosso
valor de eternidade: uma arte não precisa ser a mais perfeita para atingir um valor de
eternidade, basta que seja a mais curtida, compartilhada, comentada.

 
51

Assim, entramos em mais um conceito trabalhado por Benjamin em toda essa


discussão: o intérprete cinematográfico. Nele, o autor, afirma que após ver-se refletido no
espelho, o homem pode ver sua imagem refletida para milhares, para a massa. E o interprete
sabe disso, tem consciência de que sua imagem será projetada para a massa, o ator sabe que é
a massa quem vai controlá-lo já que essa massa possui muita autoridade. Conforme vemos
com os Youtubers: a massa diz quem vai continuar filmando, pois ao não ter likes e curtidas o
Youtuber pode vir a desistir do canal. Cada vídeo também é medido por likes e visualizações.
A quantidade de likes diz para onde o Youtuber deve seguir. Ou seja, o intérprete daquele
vídeo, pode chegar a atingir o valor de eternidade. Ainda de acordo com o autor, o cinema, a
serviço do capital, estimula o culto ao estrelato. Acredito que a Youtuber Julia Silva seja um
grande exemplo disso: seu canal é muito conhecido e ela possui vários vídeos em que mostra
os produtos que “ganhou” direto de fornecedores.
Benjamin também traz uma citação, sem dizer uma fonte específica, que nos ajuda
muito a observar os Youtubers e seu sucesso: “Desde muito, os observadores especializados
reconheceram que quase sempre os maiores efeitos são alcançados quando os atores
representam o menos possível” (BENJAMIN, 2012, p.196). Não são os Youtubers atores que
representam vídeos de si mesmos? Não importa mais a bela aparência: ser real também é
muito importante. “O ator cinematográfico típico só representa a si mesmo” (BENJAMIN,
2012, p.197). Os Youtubers também são assim: em sua maioria, eles só representam a si
mesmos.
Outra relação importante feita por Benjamin falando do ator de cinema e que se
encaixa perfeitamente no estudo dos Youtubers: “O astro do cinema impressiona seu público
sobretudo porque parece abrir a todos, a partir do seu exemplo, a possibilidade de “fazer
cinema”. A ideia de se fazer reproduzir pela câmara exerce uma enorme atração sobre o
homem moderno” (BENJAMIN, 2012, p.197). O Youtube permitiu de forma muito fácil, essa
possibilidade de fazer cinema. Qualquer pessoa com uma câmera na mão pode fazer um vídeo
e publicar no Youtube. O próprio significado de Youtube é um exemplo do quanto essa
enorme atração entre o homem e a câmara é real.
No item ‘Exposição perante a massa’ Benjamin afirma que o cinema transforma o
modo de os atores e também os políticos se mostrarem. A internet e o Youtube também tem
essa característica: o objetivo de um Youtuber é ser visto, de um blogueiro é ser lido. Quanto
mais se mostrar, mais facilmente se vende e mais se ganha. Mostrar-se para vender-se e ter
sucesso.

 
52

Já o desenvolvimento do conceito chamado de ‘Exigência de ser filmado’ Benjamin


discorre sobre a possibilidade de qualquer um ser filmado. Para isso, ele traz a questão da
leitura e da escrita, contando que com a grande ampliação da imprensa “um número crescente
de leitores começou a escrever, a princípio esporadicamente” (BENJAMIN, 2012, p.199). O
autor, como sempre visionário, continua afirmando que “com isso a diferença essencial entre
autor e público está a ponto de desaparecer. Ela se transforma numa diferença funcional e
contingente. A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num escritor” (BENJAMIN,
2012, p.199). Exatamente como vivemos intensamente com a web 2.0. Ele também conta que
o cinema russo já contava com pessoas que se autorrepresentavam, principalmente no
processo de trabalho, ou seja, falando algo que elas dominavam. Os Youtubers fazem
exatamente isso: existem muitos canais de especialistas que falam sobre seus processos de
trabalho. Sendo assim, temos canais de culinária, comida, aulas, maternidade, tutoriais
diversos etc. Benjamin conta que o cinema europeu excluía essas produções em função do
capital. Com o Youtube, as produções são as mais diversas, pois não dependem
exclusivamente do capital. Existem formas de se alavancar um vídeo, pagando para que ele
apareça nos primeiros resultados de uma busca, mas também é possível publicar um vídeo
sem pagar nada por isso. Tudo depende do objetivo de quem publica o mesmo.
Finalizando os conceitos apresentados por Benjamin, trazemos ‘O autor como
produtor’ em que Benjamin, em uma conferência pronunciada no Instituto para o estudo do
Facismo em Paris, em 1934, se propõe a analisar a autonomia do autor. Ele traz conceitos
como politicamente correto e qualidade literária para abordar a luta de classes e as formas de
resistência dentro das relações de produção literária. Para o nosso debate nessa tese, cabe nos
atermos à seguinte afirmação feita por Benjamin: para estudarmos a relação do autor como
produtor, é necessário recorrermos à imprensa. Ele traz o jornal soviético como exemplo de
um veículo que possibilita ao leitor que se torne autor, diminuindo a distinção entre esses dois
termos. O jornal, em suas seções de cartas dos leitores, possibilita que estes se tornem autores.
Esse também foi um movimento feito pelos veículos de comunicação na web: ao ler uma
matéria e poder comentar, você está se tornando autor daquela matéria também.
“E esse aparelho é tanto melhor quanto mais conduz consumidores à esfera da
produção, ou seja, quanto maior for sua capacidade de transformar em colaboradores os
leitores ou expectadores” (BENJAMIN, 2012, p.141-142). Os colaboradores, leitores ou
expectadores, estão produzindo a favor do sistema sem perceber? Sim, todo esse modo de
produção atual, está mais orientado para manter o sistema capitalista: tudo gera em torno do

 
53

consumo. A maioria dos blogs que começam a fazer sucesso entre crianças e adolescentes
está, via de regra, ligado ao consumo, seja de jogos, moda ou viagens.
Benjamin alega que é bom que o consumidor alce à esfera de produtor, mas ressalta
que nem sempre isso é feito de forma reflexiva e a mudar a ordem estabelecida. “Talvez tenha
chamado vossa atenção o fato de que as observações que estou a ponto de concluir imponham
ao escritor apenas uma única exigência, que é a reflexão: refletir sobre sua posição no
processo produtivo” (BENJAMIN, 2012, p.144). É claro que não podemos exigir isso das
crianças, mas também, não podemos deixar de pensar que elas acabam chegando a muitas
reflexões: o post da Isadora (página 144) sobre a importância da beleza interior é um
exemplo. A fala da Manuela sobre as fotos mais sensuais tiradas por meninas do 9º ano da sua
escola também (página 96). Ou seja, não podemos acreditar que as crianças estão produzindo
na internet sem pensar sobre suas produções.

2.6 Infância, Cibercultura e a WEB 2.0

Mas, o que entendemos por cibercultura? Com o auxílio de Santos (2011, p. 77),
temos a seguinte descrição: “A cibercultura é a cultura contemporânea estruturada pelo uso
das tecnologias digitais em rede nas esferas do ciberespaço e das cidades”. Ou seja, a
definição da autora atualiza a dos primeiros estudos que definiam cibercultura como a cultura
do ciberespaço, sendo este, um espaço informacional que

se constitui e é constituído pelas tecnologias digitais em rede que é para nosso tempo
um dos mais importantes artefatos técnico-culturais, pois ampliam e potencializam a
nossa capacidade de memória, armazenamento, processamento de informações e
conhecimentos, e, sobretudo, de comunicação (p. 77).

Cabe destacar que essa comunicação é “caracterizada pela liberação do polo da


emissão, pela reconfiguração das mídias e pela conectividade generalizada” (p.77). Ainda em
diálogo com Edméa Santos, aprendemos por que não devemos mais definir a cibercultura
apenas como a cultura da internet, já que

com o avanço tecnológico, mais especificamente por conta da mobilidade dos


dispositivos e da internet, das mídias locativas, das tecnologias via satélite, que
conectam o ciberespaço com as cidades e estas com o ciberespaço, não podemos
mais entender a cibercultura apenas como a cultura da internet. Por outro lado, é

 
54

preciso reconhecer os avanços da internet e como essa rede mundial de


computadores vem interagindo com diversos espaçostempos cotidianos (p. 83).

Outro destaque importante trazido por Santos é a afirmação de que a nossa sociedade
vive um momento de expansão das tecnologias digitais que permite que transformemos as
formas de produção e socialização dos saberes. Elas nos possibilitam produzir, acessar,
transmitir informações sem, necessariamente, precisar de um suporte físico fixo facilitando
assim os processos de transmissão, circulação, armazenamento e também de significação das
informações, conhecimentos e saberes. Em síntese, esse processo de digitalização se
caracteriza tecnicamente pela convergência da computação (informática e suas aplicações), da
comunicação (transmissão e recepção de dados) e dos conteúdos (textos, sons, imagens,
gráficos). (SANTOS, 2002).
Desta digitalização e do crescimento do acesso à Internet, possibilitado pela transição
do Computador utilizado nas grandes empresas, passando pelo Computador Pessoal (PC) e
chegando ao Computador Conectado (CC) a partir da década de 90 evidenciam-se as novas
formas de comunicação e de estruturação das atividades humanas. “A influência das
tecnologias digitais em rede vem afetando os cotidianos em suas mais plurais dimensões”, ou
seja, o tempo é real e o espaço é o não espaço, dificilmente estamos isolados.

As tecnologias digitais surgiram, então, como a infraestrutura do ciberespaço, novo


espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas
também novo mercado da informação e do conhecimento (LÉVY, 1999, p. 32).

Do livro de ficção científica de William Gibson (Neuromante, 1984), surge o termo


ciberespaço, sendo prontamente utilizado pelos usuários e criadores de redes digitais.
Segundo Lévy, ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de
computadores e das memórias dos computadores” (1999, p. 92). Esse conceito, entretanto,
como a própria realidade cultural em que estamos inseridos, tende a se alterar constantemente.
De acordo com Lemos, é com o surgimento do ciberespaço que a possiblidade da circulação
livre da mensagem acontece, já que não há mais apenas um centro de edição dessa mensagem
e ela pode ser distribuída de “forma transversal e vertical, aleatória e associativa” (LEMOS,
2010, pp. 79-80). Esta comunicação possibilitada pelo ciberespaço pode acontecer das
seguintes formas: “um-um, um-todos e todos-todos em troca simultânea (comunicação
síncrona) ou não (comunicação assíncrona)” (SANTOS, 2002, p. 115, grifo meu).  É o desejo
de conexão da sociedade que permite a popularização do ciberespaço na cultura
contemporânea, possibilitando a existência da chamada cibercultura.

 
55

Segundo Lemos (2003), definir cibercultura é um problema, já que

o termo está recheado de sentidos mas podemos compreender a cibercultura como a


forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e
as novas tecnologias de base microeletrônica que surgiram com a convergência das
telecomunicações com a informática na década de 70 (p.11).

Entretanto, o próprio autor nos apresenta a seguinte definição de cibercultura como o


“produto da digitalização dos media, do advento de um fluxo de mensagens planetário,
multimodal e bidirecional, em que o receptor torna-se também, um emissor potencial”
(LEMOS, 2010, p. 259). Desta forma, o poder de emissão do usuário está cada vez mais
presente na internet, principalmente por conta da transformação do conceito que rege a web,
que a princípio cabia na definição de Lévy em 1999, onde o autor explica que ela “é uma
função da Internet que junta, em um único e imenso hipertexto31 ou hiperdocumento
(compreendendo imagens e sons), todos os documentos e hipertextos que a alimentam”
(LÉVY, 1999, p. 27). E que em 2005 ganha uma nova definição cunhada por  Tim O’ Reilly
em que ele coloca a expressão Web 2.0 em destaque com a publicação do artigo “O que é Web
2.0?”. Em seu texto O’ Reilly traz um mapa com algumas das principais características que o
novo conceito de Web apresenta. Algumas delas são: Confie nos seus usuários; O Beta
perpétuo; Software melhor quanto mais as pessoas o utilizam; Experiência rica do usuário;
“Hackeabilidade”; O direito de Remixar: “Alguns direitos reservados”; Comportamento do
usuário não predeterminado; Descentralização Radical. Ainda conforme O’Reilly (2006), a
Web 2.0 deve “facilitar o autosserviço do consumidor” (p. 7); ser quase que uma transposição
do PC (computador pessoal) on-line, permitindo que o usuário gerencie arquivos pessoais e
conteúdos na Web e possuir sistemas que são projetados para serem hackeados ou remixados,
ou seja, sistemas que permitem a alteração pelos usuários. Uma expressão que caracteriza a
Web 2.0 é “alguns direitos reservados”, utilizada pelo Creative Commons para opor-se ao
sempre utilizado “todos os direitos reservados”. Estas características ressaltam o destaque que
o usuário adquire com a Web 2.0 já que para além de buscar informações, ele poderá
contribuir com informações.
Santos (2010), explica as diferenças entre a Web em sua primeira fase, conhecida
como Web 1.0 e em sua segunda fase, a Web 2.0. A autora nos mostra que em sua primeira
fase a Internet não era um lugar de fácil acesso para a produção e compartilhamento de
                                                                                                                         
31
Hipertexto é um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares
ligados por links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para
todas as categorias de signos (imagens, animações, sons etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que
caracteriza o hipertexto.

 
56

informações, sendo necessário para isso, conhecer linguagens como HTML32. Já com a Web
2.0, começaram a aparecer sites que possibilitam essa inserção dos conteúdos sem a
necessidade do conhecimento de linguagens específicas, pois têm o acesso aberto, com
conteúdos dinâmicos criados pelos usuários, oferecem conteúdo livre para cópia e utilizam
tecnologias já existentes. A Web 2.0 pode ser exemplificada se pensarmos em sites
colaborativos onde o usuário participa do conteúdo, tais como: Facebook, Orkut, blogs, sites
de notícias que possibilitem ao leitor colocar seus comentários, Wikipedia etc. A autora
afirma que com a Web 2.0 “passamos a ter conteúdos criados, publicados e editados pelos
próprios praticantes da rede” (2011, p. 84).
A importância desse conceito está na possibilidade de ampliação do polo de emissão:
não há mais apenas um emissor, agora todos podem participar e colocar conteúdo na internet.
Seguimos com Santos:

Atualmente, a cibercultura vem se caracterizando pela emergência da Web 2.0 com


seus softwares e redes sociais mediadas pelas interfaces digitais em rede, pela
mobilidade e convergência de mídias, dos computadores e dispositivos portáteis e da
telefonia móvel. (SANTOS, 2011, online).

A partir dessa descrição da web 2.0, podemos perceber que o usuário ganha uma nova
forma de navegar na internet: além de buscar informações, ele pode se tornar propagador de
informações. A liberação do polo de emissão de conteúdos é um dos pilares desta tese, pois é
esta liberação que possibilita às crianças (e aos adultos também) a autoria na internet. Ou seja,
ele pode interagir, comunicar-se, expressar-se, criar conteúdos e divulga-los. Essa
possibilidade de interação pelo usuário é um tema bastante discutido nos estudos que
envolvem a cibercultura. Esta interatividade foi possibilitada pela evolução das interfaces e
dos media digitais, pois é nessas interfaces que a interatividade por acontecer. (LEMOS,
2010, online [2010]). Santos nos lembra que a liberação do polo de emissão não foi sempre
uma realidade:
Só as agências de notícias e grandes indústrias culturais gozavam da possibilidade
de emitir e difundir informações e conhecimentos. Com a expansão das mídias
digitais em rede (ciberespaço) e das mídias móveis, temos a possibilidade não só de
produzir como também de fazer circular informações para além do desktop (Santos,
2011, p. 91)

Ainda de acordo com Lemos, contando sobre a evolução das interfaces e o


consequente aumento das possibilidades de interação, em 1963 “houve o impulso para uma
                                                                                                                         
32
Abreviação para a expressão inglesa HyperText Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de
Hipertexto.

 
57

interatividade gráfica onde o usuário podia desenhar no monitor, através de uma caneta (pen
light)” (LEMOS, on-line[2012]). O desenvolvimento da realidade virtual, transformando o
computador “numa ferramenta universal de manipulação cognitiva graças à interatividade e à
simulação” (LEMOS, on-line[2012]) também favoreceu o desenvolvimento da interatividade.
Situa o surgimento do teclado e do monitor, na era dos microcomputadores nos anos 60, como
possibilitadores de “uma interação mais dinâmica com os computadores e uma visualização
mais confortável das informações” (LEMOS, on-line[2012]). A partir do surgimento da
microinformática, a massificação dos computadores cresce vertiginosamente: os jogos
eletrônicos e a manipulação virtual dos ícones e janelas da tela através do mouse permite que
a interface gráfica ganhe uma agilidade e facilidade no manuseio. Sendo assim, “a simulação
dos objetos e tarefas é fundamental” (LEMOS, on-line[2012]) nesta fase evolutiva do
computador e da interatividade. Com essa história da evolução do computador trazida por
Lemos (2010, online [2012]), percebemos que a interatividade possibilitada hoje nem sempre
existiu.  
A fim de continuar a consideração sobre a interatividade, recorro à Silva (2010b, 2004,
2010) que afirma que a interatividade é um mais comunicacional, permite coautoria,
cocriação do usuário em relação ao produto, além de permitir a modificação dos conteúdos.

O termo significa a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida


como cocriação da mensagem. [...] A mensagem só toma todo o seu significado sob
a intervenção do receptor que se torna, de certa maneira, criador (SILVA, 2004, pp.
4-5).

Ainda de acordo com Silva, a interatividade é a “possibilidade libertadora da autoria


do usuário sobre sua ação de conhecer” (2010b, p. 45). Este autor destaca três características
que fundamentam a interatividade, a partir dos seguintes binômios: a) bidirecionalidade-
hibridação que é a comunicação feita a partir do consenso de que não se pode mais separar o
emissor e o receptor. Baseia-se na troca entre estes polos, onde cada um assume o papel do
outro, não havendo mais distinções, ou seja, considerando que há emissor e receptor e agindo
de forma a possibilitar uma comunicação onde “todo emissor é potencialmente um receptor e
todo receptor é potencialmente um emissor” (p. 8); b) participação-intervenção permite que o
usuário participe do processo de produção; e c) potencialidade-permutabilidade é a liberdade
de navegação sem pontos fixos de saída ou chegada, ou seja, a possibilidade do usuário em
decidir o que acontece no monitor, não precisando seguir uma sequência, podendo de forma
aleatória, clicar em qualquer ponto, não havendo pontos intermediários. Segundo ele, um dos
marcos dessa interatividade é a “liberdade diante das informações armazenadas” (2004, p. 9).
 
58

Com potencialidade ele quer dizer que há potencial por causa da enorme quantidade de
informações instantâneas e com permutabilidade ele traz a liberdade que temos ao combiná-
las.

Diante desse equipamento é o usuário quem decide o que vai acontecer no monitor.
Ele tem diante de si uma tecnologia capaz de produzir uma narrativa também
potencial e permutativa, uma tecnologia capaz de produzir narrativas possíveis.
Dependendo do que ele fizer acontecer, novos eventos ou combinações podem ser
desencadeados. Então ele mesmo não sabe o que vai acontecer. Depende da conexão
que fizer a cada momento. Depende do acaso. (SILVA, 2004, p. 9).

Silva afirma que a imagem digital requer uma nova dimensão comunicacional “aquilo
que define o digital como peculiar disposição comunicacional é precisamente a condição de
hipertexto essencialmente interativo” (2010b, p. 83). Sendo assim, defende que para além de
compreendermos a interatividade temos que entender que é necessário haver uma nova forma
de comunicação, aquela que permite a participação-intervenção do interlocutor e não entender
a comunicação como aquela que transmite. Para exemplificar, Silva (2004, p. 85) apresenta a
comunicação em duas modalidades: a unidirecional e a interativa. Na comunicação
unidirecional, a mensagem é “fechada, imutável, linear, sequencial”; o emissor é um
“contador de histórias narrador que atrai o receptor (de maneira mais ou menos sedutora e/ou
por imposição) para o seu universo mental, seu imaginário, sua récita”; o receptor é um
“assimilador passivo”. Na comunicação interativa, a mensagem é “modificável, em mutação,
na medida em que responde às solicitações daquele que a manipula”; o emissor é um “
‘designer de software’, constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a
explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios a explorar; ele
não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intricado (labirinto) de territórios abertos a
navegações e dispostos a interferências, a modificações” e o receptor é o “ ‘usuário’,
manipula a mensagem como coautor, cocriador, verdadeiro conceptor”.
A interatividade faz parte dos fundamentos da cibercultura, a saber: interatividade,
hipertexto, simulação, convergência, mobilidade e ubiquidade. Edmea nos lembra, que esses
termos existem antes do surgimento das tecnologias digitais, mas que é com elas que eles
ganham destaque. A interatividade existe quando há comunicação, pois esse é um conceito da
área comunicacional que existe com ou sem mediação digital, conforme vimos na explicação
acima apresentada por um comunicador (Marco Silva). O que as interfaces possibilitam é a
interatividade entre sujeitos da comunicação que estão geograficamente dispersos.

 
59

Os produtos culturais que emergem da autoria e da comunicação interativa são em


potência hipertextos, isto é, textos que se conectam a outros textos através da
polifonia dos sentidos e significados que são criados nos contextos online e off line.
(Santos, 2011, p.88).

Ainda Edméa nos diz que o hipertexto é um produto cultural fruto da autoria e da
comunicação interativa. O hipertexto é fundamental para a autoria e interatividade já que,
segundo Santos e Silva (2009, p. 127)

A disponibilidade do diálogo com vários autores/leitores permite acesso e


negociação de sentidos, ressignificando a noção de autoria. [... O fim no hipertexto é
sempre um novo começo caleidoscópico, no qual podemos, simultaneamente, ler
vários textos (janelas mixadas), cortar, colar e criar intertextos.

Ou seja, é o hipertexto quem possibilita que o indivíduo se relacione de outra forma


com a informação, indo para além do consumo, da passividade, e assumindo o lugar de
“sujeito operativo, participativo e criativo” (Silva e Santos, 2009, p.130). Edméa Santos
(2011, p. 89), define autoria na cibercultura como uma

obra aberta, plástica, móvel e em constante virtualização, ou seja, simulação.


Simular é virtualizar, questionar, inventar, criar e testar hipóteses. Com a
possibilidade da interatividade e do hipertexto, o sujeito pode simular coletivamente,
em colaboração com os demais sujeitos geograficamente dispersos no ciberespaço e
nas cidades. (2011, p.89).

Ao possibilitar a interatividade para o usuário, o ciberespaço proporcionou o


surgimento de um outro tipo de leitor, o chamado “leitor imersivo”. Este conceito, cunhado
por Santaella (2004), é de fundamental importância para os estudos da cibercultura e faz-se
necessário dar-nos a conhece-lo um pouco mais.
Entretanto, primeiro precisamos entender que a palavra leitor utilizada pela autora,
transcende ao seu uso habitual: para além de um leitor de “letras”, de palavras, devemos
pensar em um leitor de imagens, do cinema e da TV, ou seja, um leitor para além daquele que
lê livros: [...] “visto que as habilidades perceptivas e cognitivas que eles desenvolvem nos
ajudam a compreender o perfil do leitor que navega pelas infovias do ciberespaço, povoadas
de imagens, sinais, mapas, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e sons” (SANTAELLA, 2004,
pp. 16-17).
A autora justifica essa nova forma de entendimento do que seja um leitor, trazendo as
modificações que a leitura vem sofrendo há décadas para além do ciberespaço. O ciberespaço
proporciona mais uma forma de leitura e, consequentemente, outros tipos de leitores. Essa
modificação é ainda mais clara se pensarmos no próprio livro infantil que, muitas vezes, conta
 
60

com imagens, facas (imagens que saltam do livro), sons, texturas etc. Ou seja, não foi o
ciberespaço que modificou a leitura que, neste momento, se apresenta de diversas formas em
diversas plataformas.
Pretendendo compreender melhor esse processo de mudança nas formas de leitura, a
autora classifica o leitor em três tipos (SANTAELLA, 2004, p.19):
• Contemplativo: é o leitor da era do livro impresso e da imagem expositiva e
fixa.
• Movente: é o leitor do mundo em movimento, mundo que não para, dinâmico,
complexo, heterogêneo.
• Imersivo: é o leitor que aparece no mundo imaterial, virtual.

Sendo o tema dessa tese de doutorado relacionado à cibercultura, não há a necessidade


de aprofundarmos os três tipos de leitor descritos por Santaella (2004), entretanto, cabe uma
contemplação mais detalhada acerca do leitor imersivo que surge com o ciberespaço.
O leitor imersivo é aquele que aparece com a digitalização da informação e que vai
conectar-se entre os nós e os nexos ao navegar pela tela, num roteiro multilinear. Dentre as
especificidades do leitor imersivo estão a interatividade e as transformações sensórias, um
agir física e mentalmente: “não há mais tempo para contemplação” (SANTAELLA, 2004, p.
181). O leitor imersivo é aquele que navega com todos os seus sentidos, não utiliza apenas a
leitura das palavras escritas, mas também as imagens, as tentativas e erros. Desta definição de
leitor imersivo, Santaella (2004), apresenta os estilos de navegação que o acompanham: o
errante, o detetive e o previdente. Ela descreve cada modo de navegar da seguinte maneira:

O errante é aquele que navega utilizando o ponteiro magnético do seu instinto para
advinhar. (...) Enfrenta a sua tarefa como quem brinca, explorando aleatoriamente o
campo de possiblidades aberto pela trama hipermediática com o desprendimento que
é típico daqueles que não temem o risco de errar (...) não traz consigo o suporte da
memória, pois navega como quem percorre territórios ainda desconhecidos e, por
isso mesmo, surpreendentes.
O detetive é aquele munido de uma memória operativa aguçada movimenta-se no
campo. (...) Suas estratégias de busca são acionadas mediante avanços, erros e
autocorreções. Seu percurso caracteriza-se, portanto, como um processo auto
organizativo próprio daquele que aprende com a experiência.
O previdente (...) é aquele que, tendo já passado pelo processo de aprendizagem,
adquiriu tal familiaridade com os processo informacionais (...) que é capaz de
antecipar as consequências de cada uma de suas escolhas. (SANTAELLA, 2004, pp.
178-179)

Entretanto, Santaella (2004) alerta que, em sua pesquisa, ela constatou que mesmo os
internautas mais experientes podem apresentar um estilo errante de navegação.

 
61

Portanto, agora que já destacamos o que consideramos importante no conceito de


infância contemporânea e de cibercultura, cabe argumentar com Pereira (2013) sobre a
relação entre a infância e a cibercultura. Compreender que as crianças ocupam uma posição
de horizontalidade em relação aos adultos quando falamos de produções online é fundamental
para seguirmos em frente. Como se dá essa horizontalidade? A possibilidade de produzir e de
divulgar conteúdo facilitada/viabilizada pela internet é real e efetiva: o domínio das
ferramentas que possibilitam essa inserção de conteúdos é muito mais disponível do que se
pensarmos em um programa de televisão ou de rádio, por exemplo. Ou em um jornal ou livro.
As ferramentas disponíveis na internet, possibilitam que, com uma câmera, celular, tablet,
com uma ideia, sabendo escrever ou desenhar, a criança possa produzir online. Assim, como
veremos a frente, as crianças interlocutoras da pesquisa produzem vídeos para o canal do
Youtube, vídeos em que aparecem falando sobre determinado assunto, cantando ou jogando e
explicando como vencer determinada fase do jogo, postam fotos ou vídeos curtos em redes
sociais, constroem blogs com seus desenhos ou com temas que sejam de seu interesse onde
escrevem textos sobre determinado assunto, selecionam imagens para ilustrar esses textos.
Desta forma, a parte técnica, possibilitada com a Web 2.0, facilita a produção e veiculação
dessas produções. Afinal, sabemos que as crianças há muito tempo desenham, jogam ou
escrevem livros e histórias, mas agora, elas podem dar visibilidade a essas produções de uma
forma mais abrangente.

O que está em jogo, sim, parece ser o exercício de se fazer uma avaliação das
possibilidades de produção horizontalizada de conhecimento, onde adultos e
crianças possam, em semelhantes condições de autoria, compartilhar e disputar
sentidos à experiência social. Isto implica a construção de uma ética que reconheça a
criança não como um vir-a-ser a quem se olha tomando distância, mas como um ser
que é em plenitude e desse lugar que ocupa age e interpreta o mundo social em que
está inserido. Uma ética que reconheça a legitimidade da narrativa infantil, assim
como da produção de uma narrativa que não se dá a posteriori, mas que se produz
“enquanto” vivemos. (PEREIRA, 2014, p. 152).

Com o objetivo de ponderar sobre “o lugar social que as crianças ocupam na


cibercultura” (PEREIRA, 2014, p. 140) e compreendendo que “a cibercultura recoloca em
pauta a indagação ‘o que é a infância?’”, continuamos o diálogo com Pereira (2014) em seu
artigo em que ela escreve um texto filosófico que nos ajude a pensar na interlocução entre
infância e cibercultura, considerando infância como “experiência que é própria das crianças e
que constitui os adultos em forma de memória” (2014, p. 131). Pereira segue destacando que
pensar a infância de forma articulada, evidencia uma dificuldade ou dúvida racional
decorrente da impossibilidade objetiva de obtermos resposta ao refletirmos sobre a

 
62

experiência da infância contemporânea. Pois, pensar algo contemporâneo sempre é um


desafio ainda maior quando a partir da cibercultura percebemos que a criança ocupa um lugar
de autoria “numa perspectiva de construção coletiva da cultura” (PEREIRA, 2014, p. 133), ou
seja, a criança, com a web 2.0 passa a produzir de forma colaborativa a comunicação, saindo
do lugar de quem apenas acessa as informações disponíveis. Nunca é demais repetir que esse
novo papel possibilitado pela web 2.0 é também utilizado pelos adultos, já que é uma
possibilidade disponível a qualquer usuário da internet.
A partir dessa possibilidade de autoria pelos usuários, crianças e adultos, Pereira
indaga: “qual é o lugar que a criança efetivamente ocupa nessa suposta coletivização da
produção e da circulação da cultura contemporânea?” (PEREIRA, 2014, p. 134). Questão
muito importante para esta tese que pretende apresentar crianças que produzem e fazem
circular cultura, principalmente entre outras crianças. As Youtubers mirins são um ótimo
exemplo dessa circulação da cultura de pares. Em 2015, conversando com Luana, 10 anos,
filha de amigos, foi possível descobrir vários Youtubers mirins, aliás foi possível descobrir
que existe essa classificação dentro dos canais do Youtube. Os canais que Luana indicou
foram: Bel para meninas33; Manuela Antelo34; Julia Silva35; Duda Monster High36. Durante a
navegação nos perfis indicados por Luana, foi possível ter contato com alguns outros. São
eles: 234janine37; Carol Caelo38; Canal da Lulu39; Fã Clube JuliaSilva40 (feito por uma fã,
conforme descrito em sobre: “Oi gente,meu nome eh Suelen Alves,e sou uma grande fã da
Julia por iso fiz este Fã Clube. Inscrevam-se”. Já conta com 8.164 inscritos); Carol Santina41
e Giovanna e Thais42 Algumas destas crianças tem blog e perfis no Instagram e no Facebook.
Uma das youtubers mirins, a Júlia Silva, está em propagandas do canal infantil Discovery

                                                                                                                         
33
https://www.youtube.com/channel/UCIyBJyajKYaG-iPc78M2geg
34
https://www.youtube.com/user/veveantelo/about
35
https://www.youtube.com/user/paulaloma29
36
https://www.youtube.com/channel/UCl7IyrcHJvI13IqpzH-cMHg
37
https://www.youtube.com/channel/UCz4DvqOhYI-kK7ddFuXHMyQ
38
https://www.youtube.com/channel/UCUB7MsIrQ9ddXY3AHLXo22g
39
https://www.youtube.com/channel/UCgdDy-fpitMcI39TEfxDl0g
40
https://www.youtube.com/channel/UCgVBnS4SEw92qXSWdONb1kA
41
https://www.youtube.com/user/carolsantinaoficial
42
https://www.youtube.com/channel/UCjhfn2uak0lGlkM2oY72Dag

 
63

Kids e em outros lugares da mídia. Ou seja, essas crianças estão se fazendo conhecer e
colocando em circulação suas produções.
Portanto, esta tese se propõe a ampliar a percepção que temos da criança em sua
relação com a cibercultura, fugindo da falta de diálogo entre os campos de estudo da infância
e da cibercultura, conforme destaca Pereira.

O que se percebe é que, a despeito de toda produção acadêmica que se acumula nos
diferentes campos disciplinares dedicados aos estudos da infância e da cibercultura,
quando trazidos de maneira relacional, esses campos de estudo pouco dialogam: a
criança que, em tese, é o sujeito ativo que ressignifica e recria a cultura em que está
inserida, parece não ocupar o mesmo lugar social do sujeito colaborativo ou
interator que experimenta na cibercultura novos modos de autoria, subjetivação e de
sociabilidade (PEREIRA, 2014, p. 134).

Após fazer um levantamento amplo sobre infância e cibercultura, Pereira (2014)


conclui que existem duas tendências discursivas que estão presentes de forma mais enfática
no que se refere aos estudos sobre o assunto. A primeira se refere a um lugar de “expertise” da
criança em relação ao uso dos aparatos. Entretanto, importante ressaltar que “a experiência
infantil de comunicação no contexto da cibercultura parece permanecer um terreno intocável”
(PEREIRA, 2014, p. 140). A segunda tem a ver com os riscos e em como preparar as crianças
para enfrentarem esses riscos. Pereira destaca que a temática da segurança ganha muito
espaço, inclusive mercadológico, já que estando a criança colocada em um lugar natural de
recepção, mesmo considerando sua capacidade de contemplação ativa e de ressignificação, e
o adulto em um lugar natural de produção e apresentação dessa cultura para a criança; quando
a cibercultura e a perspectiva da imersão possibilita que essa relação seja horizontalizada sem
haver mais o lugar do adulto como única fonte de produção da cultura, surgem os discursos
que apontam para os perigos, os riscos e a fragilidade infantil que estão em jogo quando a
criança passa a ter o domínio sobre essas ferramentas de produção de cultura e de
comunicação (PEREIRA, 2014).
Pereira alega ainda que apesar da cibercultura possibilitar a horizontalidade na
produção e na socialização da cultura, por olharmos a infância a partir da perspectiva da visão
moderna de infância, ainda não conseguimos reconhecer a experiência infantil de forma
horizontal na relação com a cibercultura. Não nos permitimos perceber a criança que ocupa
esse lugar de produção da cultura. Macedo (2013), assim como Pereira, aborda uma questão
muito importante para a tese que aqui se desenvolve: a possibilidade de uma relação
horizontal possibilitada pela ocupação dos mesmos ambientes informacionais e

 
64

comunicacionais. “Seja adulto ou criança, há, em potência, uma horizontalidade das vozes e
das relações; uma espécie de democratização do espaço” (MACEDO, 2014, p.55).
Ainda de acordo com Pereira (2014), o adulto, ao olhar para a infância como algo que
não lhe pertence mais, produz um conhecimento que não se dirige às crianças. Estamos
sempre olhando o que supomos faltar nas crianças e não aquilo que a criança é, tem ou faz. A
cibercultura, se pensarmos nas possibilidades de produção e comunicação, permite que a
criança dialogue por ela mesma com a cultura, sem ter como meio de interação a escola ou os
programas culturais organizados por adultos.

2.7 Infância e cibercultura: o limiar entre o público e o privado

Viver numa casa de vidro é uma virtude revolucionária por


excelência. Também isso é embriaguez, um exibicionismo moral, que
nos é extremamente necessário.
Walter Benjamin

Trazendo uma discussão sobre blogs, canais no Youtube, vídeos virais, fotologs etc.,
feitos por adultos, Sibília, defende que a formação da subjetividade do ser humano, que é uma
construção social e histórica, passa por uma transformação. O que era feito de dentro para
fora, de forma silenciosa, em reclusão, passa a ser feito de fora para dentro. Sendo assim,
passamos de uma subjetividade interdirigida para uma subjetividade alterdirigida. A formação
da subjetividade que se dava na introspecção, na solidão, agora se dá na extrospecção. Essa
nossa formação da subjetividade, contribui para a perda da diferença entre público e privado,
ou melhor, é uma consequência dessa perda, ou dizendo melhor ainda: é um ciclo. Quanto
menos diferenciamos o público do privado, mais utilizamos a subjetividade alterdirigida, o
que nos faz diferenciar ainda menos o público do privado e assim sucessivamente. O homem
passou do público para o privado e agora estamos vivendo uma volta a esse público:
passamos do ser, para o ter e agora estamos no aparecer. Sendo assim, precisamos de uma
subjetividade visível: é preciso mostrar-se para existir.

[...] há um deslocamento em direção à intimidade: uma curiosidade crescente por


aqueles âmbitos da existência que costumavam ser catalogados de maneira
inequívoca como privados. (SIBÍLIA, 2009, p.34).

 
65

Esse anseio em retratar o real da vida comum, dilui ainda mais as fronteiras entre
público e privado e contribui para o aumento das narrativas na primeira pessoa do singular.
Assim, esse eu que se mostra tem

uma ânsia por inventar realidades que pareçam ficções. Espetacularizar o eu consiste
precisamente nisso: transformar nossas personalidades e vidas (já nem tão) privadas
em realidades ficcionalizadas com recursos midiáticos. (SIBÍLIA, 2009, p.197).

Ainda sobre a formação das subjetividades, a autora continua:

Tudo indica que estaria se deslocando, portanto, o eixo em torno do qual as


subjetividades se constroem. Abandonando o espaço interior dos abismos da alma
ou dos sombrios conflitos psíquicos, o eu passa a se estruturar em torno do corpo.
Ou, mais precisamente, da imagem visível do q cada um é. (SIBÍLIA, 2009, p. 111)

A autora destaca ainda a mudança na relação autor-criação: antes o que importava era
a obra e agora o que importa é o autor da obra. Saímos de um lugar em que o apreciado era a
criação para um lugar em que o apreciado é a criatura. O que parece bem lógico se pensarmos
nessa mudança de lugar em que a formação da subjetividade está acontecendo. A partir do
momento em que o que importa é o que sou e não o que faço, a obra de autor perde a
importância e destaca-se a sua vida privada, a sua personalidade. O que vende, o que dá
lucros, e a autora traz inúmeros exemplos que destacam isso, não é apenas a obra, mas sim a
autenticidade que envolve a vida do criador dessa obra. E quanto mais autêntico, mais valioso
será esse autor-narrador-personagem. Os blogs, fotologs e videologs são lugares que
enaltecem a figura do autor, possibilitando essa mudança de perspectiva da função-autor,
onde o que mais importa não é a obra e sim a vida dele.
Sibília afirma que os equipamentos tecnológicos podem, aparentemente, nos salvar da
angustia da perda da memória que está ameaçada por conta da vertigem contemporânea (de
informações, de conteúdos etc.), e ao perdermos a memória, perdemos aquilo que somos.
Sendo assim, os fotologs permitem que a memória fique salva e as fotos diárias do cotidiano
com legendas, são o melhor meio de exibir a intimidade, de forma rápida e autêntica. "[...] os
relatos de si tendem a ser cada vez mais instantâneos, presentes, breves e explícitos".
(SIBÍLIA, 2009, p. 137).
A autora defende que a principal obra que produzem os autores-narradores dos novos
gêneros confessionais da internet é o personagem chamado eu, ou seja, "o que se cria e recria
incessantemente nesses espaços interativos é a própria personalidade" (p. 233), portanto, a

 
66

Web 2.0 com suas novas formas de expressão e comunicação, possibilita as ferramentas para a
“criação de si” (SIBÍLIA, 2009, p.233).
Podemos afirmar que as crianças também estão utilizando essas ferramentas em busca
de uma criação de si mesmas, de suas subjetividades? Voltando à discussão trazida por Sibília
sobre autor-personagem, podemos compreender a potência de uma selfie43? O que são os
vídeos do youtube em que as Youtubers mirins contam 50 coisas sobre elas? As crianças estão
criando a si mesmo na internet? Existe uma busca por uma formação da subjetividade por
parte delas? Todos estamos tentando mostrar o que pensamos ao usarmos as Redes Sociais.
Esta forma de utilização tem sido uma das principais: posts ou fotos em que as pessoas
compartilham ideias, experiências, pensamentos, ideais, sentimentos. Talvez a grande
diferença, potência, do mundo digital ou das relações nas Redes Sociais é que a relação de
alteridade, o ser para o outro, o se ver no outro, ganha grandes proporções. Mais do que
nunca, temos que pensar e avaliar o que vamos dizer, pois as palavras escritas, além de
dificultarem a entonação e excluírem as expressões corporais (o uso de smiles etc. ajuda a
diminuir esse enrijecimento da palavra escrita na internet), ficarão ali escritas e vão dizer
muito sobre quem as escreveu. Da mesma forma que quando escrevemos um artigo, não
podemos mensurar o que o leitor vai compreender dessa escrita, isso acontece no mundo
virtual, entretanto, nas Redes Sociais e blogs, a nossa “cara está a tapa”, ou seja, é possível
que o leitor interaja com o autor.
Acreditamos que a produção de narrativas online já seja uma forma de criação de si
pelas crianças. É uma forma de criação que utiliza a web para compartilhar suas criações
pessoais ao mesmo tempo em que se mostram/se relacionam com o mundo e vão criando sua
subjetividade. É onde elas podem dizer: eu sou assim, afirmar-se, eu gosto disso,
autoconhecimento. “Eu tenho tédio”, “Eu não tenho tempo” são formas de se relacionar com
o mundo, de construir subjetividades. Essas formas de participação destacadas, o tédio, o
reclamar da falta de tempo, fazem parte das regras atuais do jogo: mostrar-se como alguém
comum, tornar-se visível na internet mostrando o cotidiano, transformando a realidade em
entretenimento.
Um exemplo interessante é um post de Isadora chamado “25 coisas sobre mim” em
que ela enumera 25 coisas sobre ela, tais como: “1- amooo estudar, e minhas matérias
favoritas são ciências, história e português :); 2- amo todos os tipos de frutas, todas
                                                                                                                         
43
Selfie — junção do substantivo self (em inglês "eu", "a própria pessoa") e o sufixo ie — ou selfy 1 é um tipo
de fotografia de autorretrato, normalmente tomada com uma câmera fotográfica de mão ou celular com
câmera. Foi considerada a palavra internacional do ano de 2013 pelo Oxford English Dictionary. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Selfie

 
67

mesmo...; 3- esse fato é bem estranho, mas é verdade: eu tenho muita aflição de tecido
rasgando, me arrepio inteiraa *-*”. Ao fazer essa lista, selecionando e refletindo sobre o que
colocar nela, Isadora o faz pensando no outro. E, ao mesmo tempo, é um momento de
encontro consigo mesma, de reflexão de sua subjetividade, de constituição de sua identidade.

Imagem 7 - Primeira parte post Isadora "25 coisas sobre mim".

 
Fonte: http://gostosemculpa.blogspot.com.br/

Imagem 8 - Segunda parte post Isadora "25 coisas sobre mim".

 
Fonte: http://gostosemculpa.blogspot.com.br/

Rosa Maria Bueno Fischer, ao dialogar com Hannah Arendt, apresenta as seguintes
questões que nos instigam quando nos deparamos com esse tipo de post em que a intimidade é
compartilhada: “Que é feito de nossos sentimentos, num tempo em que eles ‘precisam’ tão

 
68

avidamente ser plenamente falados e expostos? Que encanto extraordinário tem a esfera
pública midiática, a ponto de por ela nos desfazermos de nossa intimidade?” (2002, p. 4).
Seguindo essa linha de pensamento despertada por Sibília (2009) e corroborada por
Fischer, torna-se imprescindível irmos aos escritos de Hannah Arendt, em seu livro “A
condição humana”, mais especificamente no capítulo II: “As esferas pública e privada”.
Embora seus escritos não sejam contemporâneos da cibercultura, a autora “nos oferece uma
belíssima reflexão sobre a urgente necessidade de pensar de outras formas o político, seja em
nossas vidas cotidianas, seja em práticas mais amplas e diferenciadas da vida pública”
(Fischer, 2002, p.2). O objetivo do diálogo com essa autora é o de olharmos para as produções
infantis na internet compreendendo que elas fazem parte de um movimento amplo da
sociedade e que tem como norte a pergunta: o que é público e o que é privado nesse momento
em que vivemos como sociedade mediada pelas tecnologias digitais? Conforme já vimos ao
dialogarmos com Sibília (2009), o show do eu e a sociedade do espetáculo trazem consigo
toda a vivência da sociedade desde a separação entre público e privado. Portanto, com o
intuito de aprofundar o debate apresentado nesta tese, percebemos que o difícil diálogo com
Hannah Arendt, ou melhor dizendo, com um pouco de sua produção, será de extrema
importância para demarcarmos as experiências infantis online na sociedade contemporânea.
A autora inicia o capítulo defendendo que a vida humana existe porque o homem age
sobre o mundo. De acordo com ela, mesmo “o eremita em meio à natureza selvagem”
(ARENDT, 2007, p.31) só existe em relação aos outros seres humanos. Ela defende que o
homem que trabalha, que age sobre o mundo, que fabrica coisas, só existe porque vivemos em
sociedade, ou seja, a atividade humana está condicionada ao fato de os homens viverem
juntos. “Nem um animal, nem deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da
constante presença de outros” (ARENDT, 2007, p.31).
Arendt, mapeando e definindo o conceito de política, dialoga com Aristóteles e a
expressão “zoon politikon44” que, segundo a autora, foi equivocadamente traduzida como
“animal socialis” - “o homem é, por natureza político, isto é, social”. De acordo com Arendt,
a concepção grega de política havia sido esquecida.

                                                                                                                         
44
Zoon politikon é uma expressão utilizada pelo filósofo grego Aristóteles para descrever a natureza do homem
– um animal racional que fala e pensa (zoon logikon) – em sua interação necessária na Cidade - Estado (pólis).
Ou seja, a pólis, o estar junto, nos obriga a agir/interagir. Aristóteles desenvolve a clássica divisão das formas
de governo – monarquia, aristocracia e república – conforme se refiram ao governo de um só, de um pequeno
grupo ou do povo. Acredita que o povo precisa ser educado para formar o bom cidadão e o bom governante,
não considerando que qualquer pessoa tenha a capacidade de governar, sendo assim, acaba por excluir os
artesãos e comerciantes das artes políticas. Site consultado: https://sites.google.com/site/professor
diegoobonito/temas-de-filosofia---concepcoes-de-politica

 
69

Arendt diz que a palavra ‘social’ é de origem romana “sem qualquer equivalente na
língua ou pensamentos gregos (...) o uso latino da palavra societas significava a aliança entre
pessoas para um fim específico” (ARENDT, 2007, p.32). A definição de social, de sociedade,
começa a adquirir contorno quando surge o conceito de “uma sociedade da espécie humana”,
se transformando em “condição humana fundamental” (ARENDT, 2007, p.33). Ainda
segundo a autora, Platão e Aristóteles entendiam o fato de o homem precisar de outro homem
para viver, mas creditavam essa necessidade à uma característica animal, necessidades da vida
biológica, que são as mesmas para o animal humano e para outros animais. O pensamento
grego entendia que “a capacidade humana de organização política” (ARENDT, 2007, p.33) é
diferente da capacidade natural do homem de viver com outro homem constituindo uma
família e habitando uma casa.
A pólis permitiu que a ênfase mudasse da ação para o discurso como meio de
persuasão. Desta forma, “o ser político, o viver numa pólis, significava que tudo era decidido
mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência” (ARENDT, 2007, p.35).
Os gregos entendiam que havia uma diferença entre a vida familiar e a vida política: a vida no
lar era cercada pela violência, pelas ordens, e a vida política era cercada pelo discurso, pela
persuasão.
Hannah Arendt termina sua argumentação sobre o porquê é um equívoco chamar o
homem político de homem social, lembrando que a definição latina de zoon politikon é
animal rationale (um ser vivo dotado de fala) e que na verdade, Aristóteles defendia que a
grande capacidade humana é a contemplação, sendo essa irredutível a palavras.
A confusão gerada pela avaliação errônea das esferas política e social, agravou-se com
a concepção moderna de sociedade: “a distinção entre uma esfera de vida privada e uma
esfera de vida pública corresponde à existência das esferas da família e da política como
entidades diferentes e separadas, pelo menos desde o surgimento da antiga cidade-estado”
(ARENDT, 2007, p.37). A esfera social, como a conhecemos, surgiu na era moderna e não
corresponde à esfera privada e nem à pública, pois é no estado nacional que ela encontra sua
forma política. Sendo assim, a sociedade é, ou deveria ser, como uma esfera privada
aumentada, ou seja, a reunião das famílias economicamente ativas, cria um grupo grande que,
ao se organizar politicamente, pode ser chamada de nação.
Entretanto, para os gregos, eram considerados domésticos todos os assuntos
relacionados à sobrevivência da espécie. O que acontecia no lar, não era político e não podia
ser controlado por ninguém além do chefe de família.

 
70

O lar e a família foram perdendo a santidade, quando algumas regras se expandiram e


passaram a “cuidar” do que acontecia dentro da casa. Ao mesmo tempo, o sentimento de
propriedade passou a ocupar um lugar intocável. Isso aconteceu por que era a propriedade que
legitimava a participação do homem nos negócios do mundo, era preciso ter um lugar seu, que
lhe pertencesse para poder alcançar a esfera política. O entendimento era de que na esfera
familiar havia a necessidade premente de vida que fazia com que os homens ficassem juntos.
Era essa premência, que engloba as necessidades fisiológicas do homem (comer, dormir e
procriar principalmente) que unia os homens em uma vida familiar.
Com a queda do Império Romano, a Igreja faz o papel do Estado, dando cidadania às
pessoas fora da esfera privada. Sair das trevas do cotidiano para o sagrado da Igreja,
favoreceu a transposição do privado para o público. Mas, foi o feudalismo que efetivamente
assumiu o que a esfera pública havia sido na antiguidade, ao absorver “todas as atividades
para a esfera do lar e, consequentemente, a própria existência de uma esfera pública”
(ARENDT, 2007, p.43). Público e privado se juntaram no feudo, ou seja, antes de o privado ir
para o público, foi este último quem ocupou um espaço destinado anteriormente apenas ao
privado. Afinal, o homem, o chefe de família, era soberano em seu lar, não precisava seguir
regras externas dentro de sua própria casa, já que as leis e a justiça só existiam na esfera
pública. Esse chefe de família “embora pudesse exercer um domínio mais ameno ou mais
severo, não conhecia leis nem justiça fora da esfera pública” (ARENDT, 2007, p.44). Já o
senhor feudal, continuava soberano, mas a justiça já havia ingressado em seu lar, ou pelo
menos alguma forma de justiça, sendo assim, ele tinha o poder de “administrar justiça dentro
dos limites de seu domínio” (ARENDT, 2007, p.44). Assim, podemos concluir que a
sociedade passa a existir quando os interesses privados assumem importância pública.
A nossa definição de privado começa nos últimos períodos da civilização romana. Ser
privado, antigamente, não era considerado algo bom, pois “significava literalmente um estado
no qual o indivíduo se privava de alguma coisa, até mesmo das mais altas e mais humanas
capacidades do homem” (ARENDT, 2007, p. 48). Para ser um humano integralmente, era
necessário viver a esfera pública, pois quem vivia exclusivamente o privado, como os
escravos e os bárbaros, não era considerado integralmente humano.
A palavra privatividade não é vista por nós como algo ruim por causa do enorme
enriquecimento da esfera privada no moderno individualismo. Nesse contexto, Rousseau,
surge como o primeiro explorador da intimidade. Para ele o íntimo e o social eram formas
subjetivas da existência humana. Com esse destaque da vida emocional, subjetiva e íntima,
emergem as artes pessoais como a música e a poesia, artes que expressam sentimentos

 
71

individuais e declinam as artes públicas como a arquitetura. O social e o íntimo começam a


caminhar juntos.
O social é tão importante hoje em dia, que o privado e a intimidade perdem
importância. Viver em sociedade, em tempos conectados, de Redes Sociais etc., é expor a
nossa privatividade para a sociedade e não mais escondê-la no âmbito familiar, individual. E,
podemos ir além, ao afirmar que, não possuir uma conta em alguma Rede Social é como não
existir socialmente.

O fato histórico decisivo é que a privatividade moderna, em sua função mais


relevante – proteger aquilo que é íntimo – foi descoberta não como o oposto da
esfera política, mas da esfera social, com a qual, portanto, tem laços ainda mais
estreitos e autênticos (ARENDT, 2007, p.48).

O surgimento do conceito de sociedade faz emergir as normas, o comportamento


esperado ao invés da ação espontânea ou reação inusitada. Da compreensão de uma grande
sociedade até o equacionamento em relação à posição social, que faz com que surjam as
comunidades, as classes, que vigoram até hoje, e finalmente, com a sociedade de massas que
fez com que a esfera do social atingisse “o ponto em que abrange e controla igualmente e com
igual força, todos os membros de uma determinada comunidade” (ARENDT, 2007, p.50).
Irrompe o sentimento moderno de igualdade: a distinção e diferença reduzem-se a
questões da vida privada do indivíduo, pois na sociedade há o comportamento que rege as
formas de relação humanas.
O surgimento da sociedade na era moderna possibilitou substituir a ação pelo
comportamento e o governo pessoal pela burocracia. Das ciências econômicas, com a
estatística que era utilizada para as reflexões sobre a sociedade e os seres humanos, a
sociedade passa a ser analisada, medida e estudada pelas “ciências do comportamento”, as
ciências sociais.
A esfera social cresceu e intensificou-se, passando a englobar as esferas do político, do
privado e da intimidade, esta última uma esfera mais recente. Com a percepção de que a
privatividade não era algo interessante, pois essa remetia apenas à sobrevivência do ser
humano, a sociedade rapidamente se organizou em torno do trabalho como única forma de
subsistência. Por isso, “a sociedade é a forma na qual o fato da dependência mutua em prol da
subsistência, e de nada mais, adquire importância pública, e na qual as atividades que dizem
respeito à mera sobrevivência são admitidas em praça pública” (ARENDT, 2007, p.56). Ou
seja, o trabalho, antes restrito à esfera privada, alcançou a esfera pública. Desta forma, ele

 
72

deixou de ser algo que servia apenas à sobrevivência e ganhou destaque ao deixar de controlar
apenas questões vitais. O labor, o trabalho, ganhou a alçada pública e além de se modificar,
transformou o mundo. Arendt traz a evolução da palavra labor: de algo que era
insuportavelmente doloroso para o ponto em que pode-se falar em excelência no trabalho. A
excelência

sempre foi reservada à esfera pública, onde uma pessoa podia sobressair-se e
distinguir-se das demais. Toda atividade realizada em público pode atingir uma
excelência jamais igualada na intimidade; para a excelência, por definição, há
sempre a necessidade de presença de outros, e essa presença requer um público
formal, constituído pelos pares do indivíduo; não pode ser a presença fortuita e
familiar de seus iguais ou inferiores (ARENDT, 2007, p.58).

Mostrar as produções na internet aumenta o nível de excelência das crianças? Isso


difere as produções feitas em casa ou na escola e que são mostradas apenas nesse ambientes,
para os amigos, familiares e professores, das produções feitas e divulgadas online?
Afinal, a esfera pública é o lugar onde há a divulgação, onde nos mostramos, onde
tudo “pode ser visto e ouvido por todos” (ARENDT, 2007, p.59). A aparência, o que aparece
para os outros e para nós mesmos, ou seja, o que vem a público e é visto e ouvido pelos
outros, constitui a realidade. É o que mostramos em público que se torna real. Os sentimentos,
esse são guardados no íntimo e só se tornam realidade quando externalizados, de forma
adequada à aparição pública.
Quando é necessário externalizar, tornar público, um sentimento ou algo que
queremos tirar do campo íntimo, privado, é necessário refletir, colocar de forma que apareça
para o outro. Essa reflexão é transformadora: ao colocar coisas privadas para o público,
garantimos que somos reais.

Toda vez que falamos de coisas que só podem ser experimentadas na privatividade
ou na intimidade, trazemo-las para uma esfera na qual assumirão uma espécie de
realidade que, a despeito de sua intensidade, elas jamais poderiam ter tido antes. A
presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a
realidade do mundo e de nós mesmos (ARENDT, 2007, p. 60).

Arendt ressalta que o “irrelevante pode ter um encanto tão extraordinário e relevante”
(ARENDT, 2007, p.60). Ela traz o exemplo dos franceses e seu encantamento com as
pequenas coisas, com o cotidiano, dizendo que esse encantamento com o que seria irrelevante
para a esfera pública, não torna o mundo privado em público, mas sim caracteriza uma
regressão à esfera privada.

 
73

O encantamento com o privado, com as histórias cotidianas, com os sentimentos e


histórias pessoais, continua. E, além de continuar, ele se tornou público: quanto mais for
divulgado e aparecer, melhor. A falta de encantamento com a esfera pública é driblada com as
histórias individuais nesta esfera. Então é assim que, uma matéria de jornal, por exemplo, vai
falar de um assunto que seja de importância e relevância pública, como o transporte coletivo,
falando também com um usuário deste transporte e até, como visto em reportagem de 2016 na
televisão, acompanhando este usuário em sua rotina diária ao utilizar esse meio de transporte.
A história de uma pessoa ganha representatividade para mostrar a história de muitas pessoas.
[...] “de tal modo que passamos a crer que o ‘bom’ é centrar nossa atenção na vida intimista,
de tal forma que passamos a localizar a experiência humana basicamente naquilo que estiver
mais próximo das circunstancias imediatas da vida (Senett, 2001 p. 412, apud Fischer, 2002,
p. 80).
Hannah Arendt, que defende que o público tem dois sentidos correlatos, mas com
diferenças entre si, alega que o primeiro sentido é o descrito acima: o público como aparência,
como o que aparece de nós para o outro e para nós mesmos e do outro para nós. O segundo
sentido dado por ela é que público “significa o próprio mundo”, destacando que esse mundo
“é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (ARENDT, 2007, p.62).
Ela destaca que esse mundo ao qual se refere, não é o mundo orgânico, mas sim o mundo dos
homens que convivem juntos. Defende ainda que os homens precisam de um mundo comum
que os mantenha unidos e separados ao mesmo tempo. A sociedade de massas parece ter
perdido essa força que unia e separava as pessoas. Entretanto, Arendt destaca que a filosofia
cristã buscou reunir as pessoas em um mundo comum, criando um vínculo entre os homens
através da caridade.
O mundo comum, que para o Cristianismo acontecia através da caridade que salvaria a
alma de um homem, sendo essa salvação individual de interesse de todos, é o que existe para
além de nós: já existe quando nascemos e continuará existindo quando morrermos. Essa é a
ligação comum entre todos os homens: o nascimento e a morte, a breve existência nesse
mundo. Entretanto, esse mundo comum só existe e sobrevive por causa da presença pública,
do caráter público da esfera pública.
De acordo com Arendt foi a ascensão da sociedade à esfera pública na era moderna,
que determinou o vício pela vaidade, entendida como um desejo individual de imortalidade.
Dialogando com Adam Smith, a autora alega que a admiração pública e a recompensa
monetária têm o mesmo valor para os homens.

 
74

[...] admiração pública e a recompensa monetária têm a mesma natureza e podem


substituir uma à outra. A admiração pública é também algo a ser usado e consumido;
e o status, como diríamos hoje, satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz
outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma
como o alimento é consumido pela fome (ARENDT, 2007, p. 66. grifo da autora).

Quando a admiração pública ganha esse destaque, a realidade não está mais na
presença pública de outros, como era no início desse convívio em sociedade, mas sim em
maior ou menor urgência das necessidades individuais. E as necessidades individuais não
ajudam a formar um mundo comum por conta de sua própria futilidade.
Essa afirmação de Hannah nos ajuda a ponderar sobre os chamados “15 minutos de
fama”, e também sobre a fluidez dos assuntos na internet. As pessoas, mais preocupadas com
sua vaidade, com sua necessidade de admiração pública, querem a fama a qualquer preço.
Assim, uma pessoa que hoje é famosa, amanhã poderá ser esquecida pela mídia, trocada por
outra pessoa famosa. No caso de crianças como a youtuber Julia Silva, o que acontecerá
quando ela não for mais interessante para a mídia e para seu público? Conseguirá ela se
reinventar para continuar sendo famosa? As crianças também procuram o status ao
publicarem fotos no Instagram, por exemplo. Isadora e Manuela disseram que utilizaram
como critério para apagar fotos as que tinham menos curtidas.
Arendt afirma que a futilidade dessa busca pela admiração pública é tão grande que o
recebimento de dinheiro passa a ser mais importante:

A admiração pública, consumida diariamente em doses cada vez maiores, é ao


contrário, tão fútil que a recompensa monetária, uma das coisas mais fúteis que
existem, pode tornar-se mais objetiva e mais real (ARENDT, 2007, p.66).

Apesar da objetividade do dinheiro que satisfaz as necessidades, cabe destacar que a


realidade da esfera pública não é nada objetiva ou objetificável, pois ela é composta por
diversos indivíduos que ocupam diferentes lugares. Ao olharmos um objeto do mundo, por
exemplo, o olhamos de um determinado lugar, que nos faz perceber esse objeto de forma
diferente de outras pessoas. Ou seja, o que vemos do mundo depende do lugar que ocupamos
nesse mundo. Saber que vemos o mesmo que uma multidão de pessoas, mesmo que saibamos
que cada olhar será diferente, nos ajuda a tornar o mundo real e fidedigno. Por isso, o mundo
familiar não pode substituir uma multidão de espectadores, pois é com os muitos olhares que
nós damos realidade ao que vemos.
Com essa argumentação podemos pensar sobre as redes sociais. Cada vez mais, as
pessoas tendem a se isolar entre os que pensam como elas: na Rede Social Facebook,

 
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podemos excluir “amigos” que pensam muito diferente de nós, podemos nos unir a um grupo
que tenha as mesmas convicções políticas e filosóficas de vida, podemos nos unir a pessoas
por temas de interesse (trabalho, maternidade, lazeres). Enfim, cada vez mais, as pessoas
parecem se unir em pequenas comunidades dentro de um enorme mundo virtual.
Viver uma vida privada, conforme já foi dito, significa

ser privado da realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros [...] a
privação da privatividade reside na ausência de outros; para estes o homem privado
não se dá a conhecer, e portanto é como se não existisse (ARENDT, 2007, p.68).

A vida no lar e na família ganhou o caráter de esfera privada graças aos romanos, que
com grande senso político, jamais renunciaram ao privado privilegiando o público, pois
compreendiam que as duas esferas em questão, só poderiam perdurar enquanto coexistissem.
Arendt alega que a decadência da esfera pública começa com sua transformação em uma
“esfera muito restrita de governo” (ARENDT, 2007, p.70). Ainda segundo a autora, a esfera
privada também entra em ameaça de término já que ambas apenas existem em relação e não
de forma isolada. E é principalmente ao observarmos a questão da propriedade privada que
podemos compreender ainda mais a conexão existente entre público e privado.
A propriedade privada significava que o indivíduo possuía seu lugar no mundo o que
automaticamente lhe garantia um lugar no corpo político, pois o homem chefiava uma família
que pertencia à esfera pública, afinal, ter uma propriedade, era ter cidadania e estar protegido
pela lei. A propriedade privada também era importante para a cidade e são os limites entre as
casas que compõem uma cidade, que delimitam uma propriedade privada. As leis que
legislavam sobre a propriedade e sobre a cidade-estado eram determinadas a partir do muro
que unia as casas e as separava do resto do mundo. Era esse muro que as constituía num
espaço político.
O surgimento do social coincide com a mudança da preocupação com a propriedade
privada, que passa de individual a pública, pois os proprietários procuravam a proteção da
esfera pública para o acúmulo de ainda mais riqueza. Assim, a riqueza sai do mundo privado e
vai para o capital, atingindo o mundo compartilhado por todos. Entretanto, não é a riqueza em
si que ganha o mundo comum, mas o processo de obtenção de capital, de acumulação.
Portanto, a riqueza nunca foi comum, sempre foi da esfera privada. O que se tornou comum
foi o governo que foi “nomeado para proteger uns dos outros os proprietários privados na luta
competitiva por mais riqueza” (ARENDT, 2007, p.79). A única coisa comum para as pessoas
nesse conceito moderno de governo, são seus interesses privados.

 
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Segundo Arendt, a contradição entre público e privado acabou no início da era


moderna, pois as esferas pública e privada foram extintas e sumiram totalmente na esfera
social. Ou seja, a esfera pública virou função da esfera privada e esta se tornou a única
preocupação comum. “Encarada deste ponto de vista, a moderna descoberta da intimidade
parece constituir uma fuga do mundo exterior como um todo para a subjetividade interior do
indivíduo, subjetividade esta que antes fora abrigada e protegida pela esfera privada”
(ARENDT, 2007, p.79).
A esfera privada, ao se tornar social, transforma a propriedade imóvel em propriedade
móvel fazendo com que a distinção entre propriedade e riqueza se desvalorize, pois tudo que é
palpável ou consumível passa a ser objeto de consumo. A diferenciação entre propriedade e
riqueza sai do uso privado e determinado por sua localização e vai para a esfera social onde
adquire característica constantemente mutável, tendo como único denominador comum o
dinheiro, que mesmo assim, só pode fixar essa mudança constante de forma temporária. Com
essa mudança ocorrida, o conceito de propriedade se transforma também: sai de um lugar
fixo, localizável no mundo e adquirido pelo homem e passa a ter no próprio homem sua
origem, no corpo e na força desse homem, passando a ser a “força de trabalho”.

Assim, a propriedade moderna perdeu seu caráter mundano e passou a situar-se na


própria pessoa, isto é, naquilo que o indivíduo somente podia perder juntamente com
a vida [...] a única propriedade em que podemos confiar é o nosso talento e a nossa
força de trabalho (ARENDT, 2007, p. 80).

Este situar-se na própria pessoa traz consigo algumas questões: é daí que surge a
necessidade do ser humano em aparecer, em exibir-se? A selfie é um reflexo dessa perda do
caráter mundano da propriedade moderna? O que produzimos de mais valioso somos nós
mesmos? E, por isso, Isadora afirma que seu perfil tem de ter muitas informações sobre ela?
Arendt continua discorrendo sobre a propriedade privada ter sido engolida pelo social.
Ela alega que a intimidade não dá conta de substituir a propriedade privada, pois essa traz dois
pontos fundamentais que não acontecem na intimidade: o primeiro é que as nossas
necessidades particulares, que fazem parte das nossas posses particulares, são muito mais
importantes para nós do que qualquer outra coisa do mundo comum. Primeiro precisamos dar
conta de termos a nossa riqueza para depois nos preocuparmos com o mundo comum. E
quando há muita riqueza que não é necessário lutarmos pelas nossas posses, a necessidade
some e a vida perde o sentido. Ou seja, precisamos da necessidade para termos o impulso de
vida. Quando todas as necessidades estão satisfeitas, a liberdade não aparece, o que surge é a

 
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apatia. A liberdade por estar na necessidade. O homem precisa de um objetivo para querer
fazer algo.
Talvez essa seja a grande questão das crianças que não continuam com seus blogs etc.:
elas não têm uma motivação maior, uma necessidade por trás da ação. As que têm isso,
mantem os blogs.
Arendt continua explicando sobre a importância da propriedade privada destacando
que é nela que a pessoa consegue o refúgio contra o mundo público comum: “[...] não só
contra tudo o que nele ocorre, mas também contra a sua própria publicidade, contra o fato de
ser visto e ouvido. Uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros,
torna-se como diríamos superficial” (ARENDT, 2007, p. 81). As redes sociais podem nos
fazer viver constantemente em público, podem nos tirar a privacidade da propriedade privada.
“O único modo eficaz de garantir a sombra do que deve ser escondido contra a luz da
publicidade é a propriedade privada – um lugar só nosso, no qual podemos nos esconder”
(ARENDT, 2007, p.81). Com o mundo conectado, nem em nossas casas estamos escondidos.
Estamos sempre online, expostos, podemos nos expor sem parar. A divisão entre as esferas
pública e privada é determinada pelo que deve ou não ser exibido, o que deve ou não ser
ocultado. Essa divisão continua mesmo nesse mundo digital onde podemos estar
permanentemente expostos.

 
78

3 EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA: QUANDO A PESQUISADORA VIRA


SEGUIDORA

Atenção para escutar, o que você quer saber de verdade.


Marisa Monte

Ao iniciar a pesquisa algumas decisões têm de ser tomadas pelo pesquisador. Uma das
decisões que se fizeram necessárias surgiu da seguinte pergunta: a pesquisa será feita em
interlocução direta com as crianças ou apenas a partir da observação das suas produções na
internet? Marília Amorim em um brilhante texto chamado “O detetive e o pesquisador”
(1997), relaciona tipos de detetives retirados da literatura policial ao ato de pesquisar.
Passeando pelos autores e seus detetives, Amorim conclui que o melhor detetive é
apresentado por Raymond Chandler. O que faz desse detetive o melhor, no caso o que mais o
aproxima ao papel do pesquisador em Ciências Humanas é o fato de que para ele o outro, o
investigado ou suspeito, é a parte mais importante e ele se deixa afetar e ser afetado por essa
relação com o outro. Portanto, partimos da compreensão de que esta pesquisa só poderia
acontecer na relação com o outro, em diálogo, já que de acordo com Bakhtin (1986) é através
da palavra que podemos ter o “modo mais puro e sensível de relação social” (1986, p. 36).
Ainda segundo o autor, “o material privilegiado da comunicação na vida cotidiana é a
palavra” (BAKHTIN, 1986, p.37), ou seja, “a palavra está presente em todos os atos de
compreensão e em todos os atos de interpretação” (BAKHTIN, 1986, p. 38). Portanto, para
irmos em busca do que realmente queremos saber, é necessário conversar com as crianças. E
podemos dizer ainda também que ao aproximar a pesquisa, o pesquisador do detetive,
Amorim nos faz compreender ainda mais a importância em relatarmos minuciosamente o
percurso vivido. Olhar para o percurso vivido e tentar transmiti-lo, contá-lo ao leitor, de forma
a dar a “conhecer os procedimentos que permitiram a elucidação do mistério” (AMORIM,
1997, p.127), é procurar o que não se sabe.
Continuando a relação entre um pesquisador e um detetive, chegamos a metodologia
utilizada nesta pesquisa: ao decidir seguir as crianças pela Internet me aproximo do método de
investigação do mesmo que, a fim de elucidar os mistérios de uma investigação, segue as
pistas e as pessoas envolvidas no caso. Portanto, compreendendo que a melhor forma de

 
79

descobrirmos o que queremos saber e de encontrarmos até o que não pensamos encontrar,
optei por seguir as crianças em suas navegações online ao invés de prender-me a uma
plataforma específica.
Desta forma, podemos dizer que a pesquisa desenvolvida apresenta algumas formas de
interação: uma que se dá no fluxo que é próprio da internet, possibilitada por ferramentas
técnicas disponibilizadas em cada site (analisar o site, interagir através de comentários etc.);
outra forma é face a face, intentando na convivência uma maior profundidade do que a
encontrada online; e por último, conversas online possibilitadas por aplicativos ou chats.
Acreditamos ainda que os desvios levam ao que se quer saber de verdade, ou seja, ao
decidir seguir as crianças através de suas produções, sem prender-se a um tipo específico
como o blog, por exemplo, é possível encontrar, em um tortuoso caminho de vai-e-vem,
tecendo novas redes no encontro com as crianças, algumas respostas e novas perguntas.
Reconstruir o percurso feito é o que permite refletir sobre ele, já que ao seguir as crianças, foi
possível tecer novas redes, que levam a outras crianças e a outras interfaces e formas de
criação de narrativas online.
Após constatar que as crianças estavam criando blogs etc., conforme já foi relatado no
item “Construindo o objeto de pesquisa: um primeiro levantamento” (página 15), iniciei a
procura por blogs que tivessem sido elaborados por crianças. A partir do perfil de João na
Rede Social Facebook, cheguei a dois outros blogs (Coisas da Sinistra e Dries Planet) e ao
grupo Dona Feijão criado por João. Dos blogs, fui ampliando o leque, pois as crianças
costumam indicar blogs de seus amigos. Conforme já foi dito, alguns foram abandonados,
entretanto, outros foram surgindo: a partir do momento em que se conhece um blog ou uma
criança que utiliza a internet para suas produções, entra-se no movimento da rede, onde um
conecta o outro, onde de um ponto pode-se ir a outro e depois voltar ao primeiro. Assim,
novos possíveis interlocutores passaram a fazer parte desta teia, desta rede. Nem todos os
interlocutores foram “descobertos” desta forma, mas a ideia era de após sua entrada na
pesquisa, passasse a “seguir” as crianças ainda mais: se uma das crianças não utiliza mais o
blog, mas não deixa de postar fotos no Instagram, é a partir deste aplicativo que a pesquisa
retirará seus elementos para análise.
Outra forma utilizada para buscar interlocutores foi interagir com as crianças a partir
de suas produções online. Assim, a partir do e-mail cadastrado no blog, de um comentário em
uma foto no Instagram ou mensagem in box no perfil do Facebook, por exemplo, fiz uma
tentativa de contato com algumas crianças. Mas, não obtive resposta desta maneira e por isso,

 
80

foi necessário partir para a procura a partir de amigos e familiares e, destas relações, surgiram
os atuais interlocutores da pesquisa.
Os sujeitos da pesquisa também tiveram uma participação fluída. Nesse sentido, a
metodologia adotada se aproxima da própria lógica dos sujeitos e do objeto estudados. Ao
mesmo tempo, é preciso estar atenta para que esse grupo não inviabilize a pontualidade de um
estudo mais preciso, afinal essa é uma das armadilhas da Web: sempre há algo novo para ver,
o que não se mostra compatível com a necessidade de aprofundar a reflexão em uma pesquisa.
A partir dessa busca e de indicações feitas por crianças e por colegas do grupo de
pesquisa, cheguei a 5 crianças com as quais busquei conversar em encontros presenciais, além
de analisar o material produzido e iniciar uma aproximação de forma online. Antes de
apresentar as crianças, é importante conhecermos um pouco dos softwares sociais que elas
utilizam, pois eles serão citados nas conversas transcritas apresentadas abaixo.

3.1 Onde encontramos as produções infantis na internet?

Para uma melhor visualização do que encontramos em campo, trazemos, em primeiro


lugar, a descrição dos softwares sociais ocupados pelas crianças na internet e depois a
apresentação de cada criança, a descrição de como cheguei a elas e a descrição de seus perfis
que estão online.
A opção de fazer essa “apresentação” aqui, e não como um glossário no início do
trabalho, deve-se ao fato de que foi a partir da interlocução com as crianças que estes se
tornaram presentes. Isto é, só estão aqui mencionados os espaços efetivamente ocupados pelas
crianças que participaram da pesquisa, lembrando que essa relação é uma via de mão dupla: o
acesso a esses espaços conduz à interlocução com outras crianças e a interlocução com outras
crianças conduz a novos espaços.

3.1.1 Weblog ou Blog

O termo weblog, usado pela primeira vez por Jorn Barger, em 1998, referia-se a um
conjunto de sites que juntavam e divulgavam links interessantes da web (web + log = arquivo
web). Entretanto, os weblogs eram escassos e, apenas em 1999, com o surgimento de
 
81

ferramentas de publicação e manutenção de sites (como o Blogger que em 2004 foi comprado
pelo Google) que não exigiam o conhecimento da linguagem HTML foi que os blogs
começaram a ser adotados, “além disso, a posterior agregação da ferramenta de comentários
aos blogs também foi fundamental para a popularização do sistema” (RECUERO, AMARAL
E MONTARDO, 2008, p. 2). A compra da ferramenta Blogger pelo Google e a escolha da
palavra “weblog” como a palavra do ano pelo Merriam-Webster`s Dictionnary em 2004,
também facilitaram esse crescimento no uso (RECUERO, AMARAL E MONTARDO, 2008).
Um blog, enquanto forma de expressão na internet, pode ser entendido como um
diário pessoal onde há a escrita de si e a estruturação da própria vida como um diálogo
(SIBILIA, 2008). Inserido no âmbito da Web 2.0, onde todos os usuários podem se tornar
emissores de conhecimento, devido à facilidade de inserção de conteúdos possibilitada por
essa nova forma de navegação na internet, os blogs se tornaram uma das interfaces de fácil
publicação de escrita. De acordo com Di Luccio e Nocolaci-da-Costa:

Os principais recursos utilizados nos blogs são os posts, textos que podem ser
alterados, apagados, atualizados, etc. com a frequência que o autor desejar. Os posts
podem incluir links para outras páginas da web ou para outros blogs. Novos posts
são acrescentados no topo da página. Abaixo ou acima do post, podemos encontrar a
data e a hora de sua publicação. Dessa forma, os leitores podem acompanhar o blog
lendo as publicações em ordem cronologicamente inversa. Outro recurso quase
sempre presente nos blogs é a caixa de diálogos, por meio da qual os leitores podem
enviar seus comentários para o escritor (2010, p. 136)

Schittine (2004 apud Hoffmann, 2009, p. 158) aponta que o escrito íntimo franqueava
a muitas pessoas a oportunidade de escrever, porque, aparentemente, não demandava a
qualidade exigida na ficção que era exigida quando se escreve para o outro. O falar de si
mesmo era uma prática não só de escritores famosos, mas de anônimos. Schittine aponta que,
mesmo que no diário íntimo tradicional o trabalho do diarista fosse solitário, a folha de papel
funcionava como um interlocutor, ainda que silencioso. É nela que o diarista colocava ou não
a coragem de falar o que tem pensado e feito apenas em segredo.

3.1.2 Instagram45

                                                                                                                         
45
https://instagram.com/

 
82

O Instagram é uma Rede Social para compartilhamento de fotos e pequenos vídeos. O


usuário pode seguir pessoas e ser seguido, isso significa que ele poderá ver as fotos
publicadas por quem ele segue e seus seguidores terão acesso às suas fotos. Há a opção de
comentar as fotos ou de dar coração para dizer que gostou. Também há a opção de publicar
uma foto ou vídeo para todos os seus seguidores verem ou mandar apenas para quem o
usuário desejar (Direct). Ao publicar uma foto, não é possível nomeá-la, sendo necessário
usar a forma de comentários para tal objetivo. É possível publicar instantaneamente uma foto
no Instagram e no Facebook. Há perfis de pessoas que postam conteúdos informativos ou
piadas, como por exemplo: “mamaecriaebrinca” que apresenta imagens e textos com dicas de
atividades para bebês e crianças e o perfil “failclips” que apresenta pequenos vídeos com
cenas que não deram muito certo, aquele vídeo que não sai como esperado.
A descrição fornecida na página inicial do Instagram é:

Capture e compartilhe momentos do mundo. O Instagram é uma maneira rápida, atraente e


divertida de compartilhar sua vida com amigos e familiares. Faça uma foto ou vídeo,
escolha um filtro para mudar sua aparência e publique no Instagram – é assim fácil. Você
pode até compartilhar com o Facebook, Twitter, Tumblr e outros. É uma nova maneira de
ver o mundo. Ah é, mencionamos que é de graça?

3.1.3 Facebook46

Rede Social criada em 2004, onde os usuários podem adicionar amigos, trocar
mensagens, publicar fotos, textos, curtir e comentar fotos e textos de amigos, criar grupos,
criar páginas de serviço ou empresa, jogar online. Enfim, há muitas possibilidades nesta
plataforma. Como exemplo de usos possíveis do Facebook, há o grupo criado por João e as
páginas perfis dos blogs para divulgação, criadas por Isadora e Isabela47. A opção de criar um
grupo, pode ter as seguintes configurações: aberto, fechado ou secreto. Ao criar uma página,
ela pode ser curtida e indicada para outros amigos curtirem. A descrição que se encontra
disponível na página “sobre” do Facebook é:

A missão do Facebook é dar às pessoas o poder de compartilhar informações e fazer do


mundo um lugar mais aberto e conectado.

                                                                                                                         
46
https://www.facebook.com/
47
Apresentarei as produções de cada criança mais a frente.

 
83

Milhões de pessoas usam o Facebook para compartilhar um número ilimitado de fotos,


links, vídeos e conhecer mais as pessoas com quem você se relaciona.

3.1.4 Twitter48

Criado em 2006, é uma Rede Social, considerada um microblog, onde é possível


postar mensagens de até 140 caracteres. O usuário pode ser seguido e poderá seguir outros
usuários o que possibilita que ele veja as publicações de quem segue, podendo retwitar o que
foi dito por quem ele segue ou ter sua publicação retwitada. É utilizado por empresas,
principalmente as que vinculam matérias jornalísticas. Também é muito usado para
divulgação de outras interfaces como sites, blogs etc. Segundo a descrição da própria página
do Twitter:
 
Bem-vindo ao Twitter. Conecte-se com seus amigos — e outras pessoas fascinantes.
Receba atualizações sobre coisas que lhe interessam no momento em que elas acontecem e
veja eventos acontecerem, em tempo real, de todos os ângulos.

3.1.5 Tumblr49

Criado em 2007 e comprado pelo Yahoo50 em 2013. É uma plataforma onde é possível
a publicação de textos, imagens, vídeos, links, citações, arquivos de áudio etc. É uma
plataforma que, a princípio, faz uma mistura de blog com Rede Social. Para trocas de
mensagens, é necessário que o usuário publique um chat e as postagens de textos podem ser
reblogadas, ou seja, compartilhadas na sua dashboard (como se fosse a timeline do Facebook).
A pronúncia seria “tâmbler”. Segue descrição do próprio site:

O Tumblr é tão fácil de usar que é difícil de explicar. Nós fizemos com que o processo de
criar um blog seja muito, mas muito fácil. Histórias, fotos, GIFs, séries de TV, links, piadas
sem graça, piadas inteligentes, músicas do Spotify, arquivos mp3, vídeos, moda, arte, papo-

                                                                                                                         
48
https://twitter.com/
49
https://www.tumblr.com/
50
https://br.yahoo.com/

 
84

cabeça, etc. O Tumblr é composto por 213 million blogs diferentes, cheios das coisas mais
incríveis que você pode imaginar.
O Tumblr é feito de blogs. Acontece que, quando se facilita o processo para que as pessoas
criem coisas interessantes, é exatamente isso o que elas fazem. Todos aqueles blogs
incríveis que os seus amigos te enviam são todos blogs do Tumblr. Nós ajudaremos você a
encontrar e a seguir blogs como esses e também vamos ajudar outras pessoas a encontrarem
e seguirem o seu blog.
Você já sabe como isso funciona. Depois que você começar a seguir um blog, todos os
posts desse blog irão aparecer no seu Painel, como esperado. Reblogue, adicione
comentários, faça o que você quiser. Outras pessoas farão o mesmo com os seus posts. É
assim que você irá conhecer pessoas aqui.
Sério, você pode colocar qualquer coisa aqui.
Sete tipos de posts só para começar (texto, foto, citação, link, chat, áudio e vídeo). O seu
cérebro pode cuidar do resto. Use-o da forma que quiser!
Tudo bem! Na verdade, não é tão difícil de explicar.
Nós mentimos. Mas agora você entende essa coisa aqui. Portanto, vem com a gente!
Ou leve o Tumblr sempre com você (mostrando que tem aplicativo para o celular também).

3.1.6 We heart it51

Uma espécie de biblioteca pessoal de imagens, onde o usuário pode dar corações para
as imagens que gostou, seguir coleções de fotos por temas de interesse, descriminar quais
imagens quer ver marcando por tags (food, vintage, retro, por exemplo), seguir outros
usuários e publicar fotos a partir de urls ou de seu arquivo pessoal. Segundo a descrição do
próprio site:

Descubra inspiração e imagens que você ama todos os dias! #Happiness


We Heart It é o lugar para encontrar lindas imagens de tudo que você ama, inspirado por
milhões de pessoas pelo mundo!
Salve uma coleção de citações, veja imagens que combinam com seu humor, encontre
imagens para uma colagem de arte moda, e receba novidades através de imagens das
últimas tendências!
Principais funcionalidades:
♥ Veja imagens de alta qualidade, gifs e vídeos em uma variedade de estilos coloridos,
vivos, artísticos, vintage, e preto e branco.
♥ Busque e encontre exatamente o que está procurando, seja fashion ou tendências de
cortes de cabelo, ou um gato hipster de óculos!
♥ Salve suas imagens favoritas na sua galeria do We Heart It, telefone, ou fundo de tela.
♥ Compartilhe as mais novas imagens com seus amigos no Tumblr, Facebook ou Twitter.
♥ Agrupe suas imagens em "sets", como vestidos que você quer, lugares para viajar,
decoração para casa e quarto, idéias de tatuagens, e o que mais você quiser.
♥ Siga as pessoas que definem tendências e junte-se à nossa comunidade de pessoas dos
Estados Unidos, Brasil, Noruega e dezenas de outros países. Continue Hearteando no We
Heart It!

                                                                                                                         
51
http://weheartit.com/

 
85

3.1.7 Youtube52

Permite que seus usuários vejam e coloquem vídeos online. Criado em 2005 e
comprado pelo Google, conta com milhões de usuários no mundo todo e é uma das principais
ferramentas utilizadas por quem quer compartilhar vídeos caseiros e até profissionais. Ao se
cadastrar no google, o usuário adquire automaticamente um canal no Youtube. Com isso, é
possível curtir ou comentar um vídeo, se inscrever em canais de outros usuários, postar vídeos
(que podem ser públicos ou privados) e compartilhar suas ideias no item discussão. Na sessão
sobre do site, encontra-se a seguinte descrição:

Fundado em fevereiro de 2005, o YouTube é onde bilhões de pessoas descobrem e


compartilham vídeos originais e os assistem. O YouTube oferece um fórum para as pessoas
se conectarem, informarem e inspirarem outras pessoas por todo o mundo e atua como uma
plataforma de distribuição para criadores de conteúdo original e para grandes e pequenos
anunciantes.

3.1.8 Skoob53

Se auto intitula a maior rede social para leitores do Brasil. A ideia é que o usuário
possa marcar os livros que leu, os que quer ler, os que parou pela metade, fazer trocas com
outros usuários, seguir editoras e escritores, ter amigos com os mesmos gostos de leitura e
fazer comentários sobre os livros que leu. Segue descrição do próprio site:

Somos a maior rede social para leitores do Brasil. Funcionamos como uma estante virtual,
onde você pode não só colocar os livros que já leu, como aqueles que ainda deseja ler. Tudo
de forma organizada para que você não se perca durante as leituras. E você ainda tem a
vantagem de poder compartilhar suas opiniões com seus amigos, fazer trocas de livros,
participar de sorteios, ganhar cortesias e muito mais.

3.1.9 Pinterest54

É uma interface que tem como foco as imagens que podem ser separadas por temas de
interesse. Por exemplo: um usuário que quer viajar para a Islândia, pode fazer buscas e

                                                                                                                         
52
https://www.youtube.com/
53
http://www.skoob.com.br/
54
https://br.pinterest.com/

 
86

separar as imagens desse lugar; ou separar imagens de festas com um tema específico, por
exemplo. Cada imagem leva a um link, portanto, ao salvar as imagens de um país que se
pretenda conhecer, por exemplo, estamos salvando informações sobre esse país. As imagens
são chamadas de pins e você pode ver e salvar pins que seus amigos já salvaram. Também é
possível conversar inbox com outros usuários do Pinterest.
Em sua página na internet, encontramos o seguinte:

Pinterest - O catálogo mundial de ideias. Encontre e guarde receitas, dicas para a


criação de filhos, estilo e outras ideias para experimentar”.
Tudo sobre o Pinterest
Antes de mais nada: o que é o Pinterest?
O Pinterest é uma ferramenta visual de favoritos, que ajuda você a descobrir e salvar
ideias criativas.

Há um vídeo, em inglês (traduzido livremente por mim) em que podemos ter maior
conhecimento do que é o Pinterest:

Imagine se a internet tivesse apenas coisas que você ama. Então, todas as coisas
boas enterradas no duplo w estariam esperando por você. Bem, isso é o Pinterest:
um lugar para as coisas boas. Coisas que você quer descobrir e salvar para depois. E
tudo começa com um pin. Um pin é um marcador de páginas visual. Quando você
clica num Pin, ele te leva direto para o site de onde veio para que você possa
aprender mais. Você pode achar Pins de outras pessoas diretamente no Pinterest,
mas qualquer coisa na internet pode se tornar um Pin também. Um pin pode ser:
uma sobremesa deliciosa, sua próxima aventura, um projeto DIY (Do It Yourself –
Faça você mesma) ou amor à primeira vista. Quando for a hora de seus Pins
ganharem um lugar, você pode salvá-los nas pastas, que irão ajudá-lo a guardar seus
Pins por temas ou tópicos. Então, faça Pin, à vontade e de graça! Todo dia é uma
nova chance de trazer Pins para a sua vida!

3.2 As crianças55

Neste momento, busco apresentar cada criança individualmente, para que possamos
conhecer melhor cada uma, auxiliando na reflexão sobre as relações delas com a internet. Para
isso, trago algumas informações básicas sobre elas, mas também os seus perfis online, ou seja,
os perfis cadastrados nas plataformas descritas acima, e alguns diálogos sobre os mesmos.
Afinal, o que dizem as crianças de si mesmas em seus perfis? Buscar a resposta a essa
pergunta, nos dirá muito sobre a infância na cibercultura.

                                                                                                                         
55
Data do último acesso aos perfis das crianças: agosto de 2016. As imagens expostas nesta qualificação foram
retiradas da internet e seu uso foi autorizado pelas crianças

 
87

A interlocução de pesquisa, online e presencial, incluiu 5 crianças, a saber: Caio, os


irmãos João e Manuela e as irmãs Isadora e Isabela. Todas as crianças são de classe média e
estudam em escolas particulares. Os primeiros com quem conversei foram João e Manuela
que são meus primos. Nascidos na Espanha, moram em São Paulo há +/- 10 anos. As irmãs
Isadora e Isabela são cariocas e atualmente moram em Garça, SP. Cheguei à elas através do
filho de uma integrante do grupo, pois eles estudavam na mesma escola. Caio nasceu e mora
no Rio de Janeiro. Meu primeiro contato com ele foi como sua professora particular quando
ele cursava a alfabetização.
A metodologia de pesquisa utilizada contou com 4 conversas presenciais e algumas
online, além da observação dos softwares sociais e das interfaces utilizados pelas crianças.
Para melhor visualização estrutural, separo as conversas por data:

2013
Conversa com João e Manuela em 31/05/2013.

2014
Conversa presencial com as irmãs Isabela e Isadora em 12/03/2014;
Conversa com Isadora via Skype em 02/08/2014
Conversa com os irmãos João e Manuela em 05/03/2014
Conversa com Caio e sua mãe Raquel em 09/05/2014

2016
Conversa com Manuela por Direct do Instagram em 25 e 26 de fevereiro de 2016.
Conversa com Isadora por WhatsApp56 em 25 e 26 de fevereiro de 2016.

Conforme podemos perceber na relação acima, conversei com Isabela e Caio apenas
uma vez e com João, Manuela e Isadora mais vezes. Quando fazemos uma pesquisa que
utiliza entrevistas individuais ou em grupo, nos deparamos com crianças que falam muito e
com crianças que falam pouco. Na pesquisa realizada por mim aconteceu o mesmo: algumas
crianças foram mais expressivas que as outras durante as entrevistas e com suas produções
online também. Desta forma surgiu a necessidade de conversar novamente com algumas após
a transcrição do primeiro encontro ou após acompanhar algumas postagens interessantes em
seus softwares sociais.

3.2.1 João

                                                                                                                         
56
Aplicativo para troca de mensagens via celular e web. https://www.whatsapp.com/?l=pt_br

 
88

Em nossa primeira conversa, que aconteceu em São Paulo em maio de 2013, ele tinha
11 anos57. Já teve alguns blogs dos quais não lembra o nome. No dia 15/02/2012, criou um
grupo fechado no site de Rede Social Facebook, chamado Dona Feijão, e acrescentou todos os
contatos do seu perfil do Facebook. Foi nesse momento que presenciei pela primeira vez uma
participação de João na internet e passei a segui-lo após pedir autorização à ele e sua mãe,
minha tia. Foi nesse grupo que, a partir de links trazidos por João, tive contato com dois blogs
que foram apresentados no Capítulo 1. O grupo ficou com 91 membros no total. A última
postagem no grupo não é dele, mas de outro integrante.
João possui um canal no Youtube chamado Malditovsky Plays58, onde postou 29
vídeos que gravava enquanto jogava Minecraft59. Sua última postagem é de 2 anos atrás.
Possui um perfil no Instagram, onde postou um último vídeo em 23 de maio de 2015,
que mostra seu pai (segundo João) fazendo camarão em uma frigideira. Nos perfis do
Instagran (um de 2014 e outro de 2016), podemos perceber que ele fez alterações na descrição
de seu perfil, modificando o texto que se encontra logo abaixo do seu nome. João também
passou a seguir mais pessoas e a ter mais seguidores.

Imagem 9 - Página inicial perfil do João no Instagram em dezembro


de 2014.

 
Fonte: Instagram

                                                                                                                         
57
João nasceu em fevereiro de 2002 e em novembro de 2016 está com 14 anos.
58
https://www.youtube.com/channel/UC7CbTD4sKe7at80b1ip1ZuQ
59
https://minecraft.net/pt-br/

 
89

Imagem 10- Página inicial perfil do João no


Instagram em agosto de 2016.

 
Fonte: Instagram

Imagem 11 - perfil de João no Facebook.

 
Legenda: Não tem foto de capa. A foto do perfil é a mesma desde
que ele criou o perfil.
Fonte: Facebook

3.2.2 Manuela

 
90

Em nossa primeira conversa, que aconteceu em São Paulo em maio de 2013, ela tinha
60
9 anos . Conforme já foi dito, Manuela e João são irmãos e meus primos. Eu havia
conversado com sua mãe sobre o meu interesse em conversar com João e aproveitei um
feriadão para visitá-los. Ao chegar lá fiquei sabendo que Manuela havia criado um blog há
poucos dias e por isso decidi entrevistá-la também.
Manuela tem um blog chamado M@nulândia61, um blog chamado Eco Looks62 (criado
em maio de 2014 e conta com 2 postagens) e outro chamado Troços da Manu63, sem nenhuma
postagem. Ela também possui perfil no Instagram.
Em 2013, conversamos sobre o seu perfil enquanto acessávamos seu blog. Manuela
coloca uma foto, a informação se é menina ou menino e os nomes dos outros blogs que ela
tem (provavelmente essa é uma atualização automática do blogger). Não há mais nenhuma
informação sobre ela em seu perfil do blogger.

Joana – Posso olhar o seu perfil? Clica lá para ver.


Manu – Sim, mas não tem muita coisa. Só a minha foto e se eu sou menina ou
menino.
Joana – Você acha tranquilo botar foto? Eu quase nunca vejo colocar foto.
Manu – Minha mãe deixou eu colocar foto.
Joana – Sua mãe deixou, né? Tá. Aí tá botando que você é menina, né?
Manu – Na verdade eu nem toquei aqui. Eu nunca toco aqui.
Joana – Nunca pensou em escrever aí, né?
Manu – É.
Joana – Ah, aqui tá que você está desde 2007.
Manu – 2007?
Joana – É por que você fez com o e-mail da sua mãe, né?
Manu – É.
Joana – Ah, então é por isso. Ah, 60 visualizações do perfil já.
Manu – 60? Que bom. Queria que fosse 2007 visualizações do perfil já.
Joana – Mas, tem que escrever mais coisas sobre você, não?
Manu – Minha mãe disse que não é bom.

Imagem 12 - Perfil de Manuela no Blogger.

                                                                                                                         
60
Manuela nasceu em 10 de setembro de 2004 e em novembro de 2016, está com 12 anos.
61
http://manulandi.blogspot.com.br/
62
http://ecolooksroupas.blogspot.com.br/
63
http://pucataca.blogspot.com.br/

 
91

 
Legenda: Perfil que aparece quando clicamos em seu perfil no blog Manulandi.
Fonte: http://manulandi.blogspot.com.br

Ela usa o Instagram de forma ativa e seu perfil está cheio de fotos dela e de suas
amigas. Cabe destacar que Manuela utiliza o celular de sua mãe para acessar o Instagram, ou
seja, sua mãe tem acesso às suas conversas e postagens nesse aplicativo. Ela fez modificações
em seu perfil, trocando o nome de “Manumaluca” para “Manutfreire” e depois para
“Manuh.freire”. No primeiro perfil, ela possuía 180 publicações e apagou muitas, ficando
com 24 publicações e por fim 8 publicações no perfil mais recente (última visualização em
setembro 2016). Entretanto, no novo perfil, Manu conta com mais seguidores e segue mais
pessoas.
Em fevereiro de 2016, nós conversamos, sobre essa mudança em seu perfil, pelo
Messenger do Instagram que se chama Direct:

Joana - Manu, deixa eu te perguntar: você fez um novo perfil do Instagram?


Manu - Kkkk não eu só fico mudando o meu nome que nem louca mas se você ver
um outro com a minha foto deve ser o meu insta de desenho
Joana - Mas, quando muda o nome as fotos antigas somem? Qual é o seu insta de
desenho? Quero seguir
Manu - O insta eh @pequena_grande_artista. Elas n somem. Eu deletei algumas.
Joana - Manu, como você decidiu qual foto iria deletar?
Manu - ah e eu deletei assim: eu pensei q só ficaria com as fotos q eu tirei num
momento especial, e as selfies sem sentido eu deletei, também uso o critério das
curtidas, se uma foto ganha muitas curtidas eu n deleto.

Um pouco após essa minha conversa com Manuela, em que ela citou o perfil de
desenhos, fui procura-lo para poder seguir e não achei. Por isso, tentei conversar com ela
sobre isso em 30 de agosto de 2016:

 
92

Joana – Deixa eu te perguntar uma coisa. Vc apagou o seu perfil de desenhos?

No dia 06 de setembro, ela ainda não havia me respondido. Tentei novamente:

Joana – Não tô achando. Vc vai me ignorar? Magoei! Rsrs.


Manu – É que eu vi a mensagem antes dela... eu tia Cris. Aí ela não deve ter visto.
Sorry (quem respondeu foi a minha tia, mãe da Manu).

Então Manu “entra” na conversa:

Manuela – agora sou eu. sim e nao, eu n apaguei, mas eu troquei o “objetivo”. Antes
eu postava desenhos e agora se chama @dixxmanut, eh um insta modinha onde a gnt
posta foto zoadas ou piadinhas.
Joana – Obrigadaaaa! Eu vi q algumas de suas amigas tb tem esse outro perfil com
dixx. Esse dixx significa algo? Foram vcs quem inventaram ou é uma moda mais
geral?
Manu – É uma moda mais geral então eu não sei o que o dixx significa (perdoa a
minha falta de acentos, é um caso grave de preguiça)

Imagem 13 - Perfil de Manuela no


Instagram em dezembro de 2014

Imagem 14 - Perfil de Manuela no


Instagram em janeiro de 2015.

 
93

Imagem 135 - Perfil de Manuela no Instagram em 03 de


agosto de 2016.

Imagem 146 - Perfil de Manuela no Instagram


em 30 de agosto de 2016.

 
94

 
Fonte: Instagram.
Imagem 157 - Perfil Instagram dixxmanut

 
Fonte: Instagram.

Os perfis de Manuela nos mostram uma mudança clara em suas postagens ao longo
dos anos. Podemos começar observando a quantidade de postagens, seguidores e seguidos;
depois podemos partir para o nome que ela dá ao seu perfil e o nome e a descrição que utiliza;

 
95

e podemos terminar nas fotos. Acredito que olhando esses itens, podemos observar seu
crescimento e desenvolvimento físico, mas, principalmente, a sua transição entre a infância e
a pré-adolescência. Em nossa última conversa, por Direct do Instagram, abordei o assunto
com ela:

Joana - você começou a fazer seu blog ainda criança. Mas você foi crescendo. O que
você acha que mudou? E o que você acha de criança produzir coisas na internet?
Manuela - Depende da idade, se fosse da idade q eu tinha, ela seria tão inocente que
não aconteceria nada pq ela n falaria nada sobre ela, na minha idade a gnt já gosta de
se exibir mais e eh difícil tomar cuidado para n se expor demais ou dar informações
pessoais, eu acho perigoso, mas só para minha idade e adolescentes
Joana - Entao, o q vc acha q mudou é q antes vc era mais inocente e hj vc se exibe
mais?
Manuela - Quando vc poe desse jeito até parece q eu sou uma ... brincadeira! Mas
acho q sim. Só n tanto pq eu sei o q estou fazendo
Joana - Explica melhor essa frase: "eu sei o q estou fazendo", por favor?
Manuela - Oi jo!! Voltei. O q quis dizer eh q eu tenho noção do perigo que eu corro
até oq minha mae faz questão de me lembrar to da hora
Joana - E vc acha q tem amigas q sao muito exibidas e nao tem nocao do q estao
fazendo?
Manuela - não. mas as meninas do nono ano são. Olha. (E me mostra duas fotos de
duas meninas diferentes q postaram fotos sensuais - uma mostrando a barriga e outra
o decote com os seios bem evidentes).
Na fala de Manu sobre a mudança dos perfis, cabe destacar sua explicação sobre como
filtrou as fotos que ficariam e as que deletaria: as curtidas contam bastante na hora de escolher
qual foto será mantida. Essa questão das curtidas será analisada no item denominado “Criação
e comunicação: eu e o outro” a partir da página 119.

3.2.3 Isadora

Cheguei a Isadora através de uma indicação do grupo de pesquisa e nossa primeira


conversa aconteceu em sua casa no Rio de Janeiro (depois ela se mudou para Garça e
conversamos via Skype ou WhatsApp) e ela tinha 10 anos64 e possuía um blog65, criado em
2012 quando tinha 8 anos, um canal no Youtube66 e muitos perfis: no Instagram67, no

                                                                                                                         
64
Isadora nasceu em 07 de novembro de 2003 e em novembro de 2016 Isadora está com 13 anos.
65
http://www.gostosemculpa.blogspot.com.br/
66
https://www.youtube.com/channel/UCQeGkSrVS1RhSgYiQ5cjjNw
67
http://instagram.com/isadorasantosg3223

 
96

Facebook68, no Shopcliq69 (aparentemente, este site foi desativado), no Skoob70, no Twiter71,


no Tumblr72, no Weheartit73 e no Pinterest74.   Isadora começou criando o blog chamado
“Gosto sem culpa” e, com a criação deste, automaticamente o Youtube criou o seu canal, em
seguida ela criou a conta no Instagram, a página do blog no Facebook (segundo ela, para
divulgação) e por último a conta no Twiter (também com a intenção de divulgar o blog).
Isadora conta que as postagens do Instagram são redirecionadas para o Facebook e o Twiter
também.
Seu perfil no blog é bastante detalhado, conforme podemos observar a seguir:
Joana – Ah, esqueci de perguntar pra você do seu perfil.
Isadora – Que perfil?
Joana – Do blog. Você bota foto...?
Isadora – Foto, meu nome, idade, do que eu falo no blog. Aí tem uma abinha lá que
é “Sobre mim”, aí eu escrevi um pouco mais e assim vai.
Joana – E você acha que é importante ter isso?
Isadora – É porque você faz um blog que não tem a sua foto, não tem o seu nome,
não tem a sua idade, fica um blog estranho, né? Você não sabe qual é o nome da
pessoa, qual é a idade da pessoa, você não sabe do que que ela fala. Tem que
escrever...
Joana – Tem que escrever no blog, né? E no Instagram, tem sua foto também?
Isadora – Tem foto, aí eu escrevo lá que eu sou é, que eu tenho um blog, e aí, tem a
minha idade e a minha foto.

Imagem 18 – “sobre mim” do blog de Isadora.

 
Fonte: http://gostosemculpa.blogspot.com.br/

                                                                                                                         
68
https://www.facebook.com/GostoSemCulpaByIsadora
69
http://shopcliq.com.br/isadora.guimaraes.54
70
http://www.skoob.com.br/usuario/1520521
71
https://twitter.com/GscIsadora
72
http://isaguima.tumblr.com/
73
http://weheartit.com/isadora_guimaraes_54
74
https://br.pinterest.com/isaguima/

 
97

Imagem 19 - Quem sou eu da página inicial do blog. Julho de 2014.

Imagem 20 - Perfil na página inicial do blog. Setembro de 2016.

 
Fonte: http://gostosemculpa.blogspot.com.br/

Analisando esses três perfis coletados no blog de Isadora ao longo desses anos,
podemos perceber algumas mudanças em seus interesses e até em sua escrita. Acho
importante destacarmos o fato de ela apresentar seus outros perfis em outros softwares sociais

 
98

e principalmente destacar a mudança no que ela apresenta como interesse: em seu perfil de 10
anos, aparecerem várias coisas como interesse e no de 12 anos, ela cita apenas a fotografia e o
gostar de saber sobre as coisas.
Isadora possui um perfil pessoal no Facebook e costuma responder os posts feitos por
amigos e parentes, mas raramente posta alguma coisa. Ela utiliza o perfil do blog no Facebook
sempre que coloca novos posts.

Imagem 21 - "Sobre" que aparece na página do blog no Facebook.

 
Fonte: Facebook.
Fez uma alteração recente (em 2016) no se perfil do Instagram. Em nossa conversa por
WhatsApp perguntei porque ela havia feito essa modificação.

Joana - Te perguntei se você trocou de Insta porque eu tinha um perfil seu (uma
foto) que tinha muitas publicações
Isadora - Ah, e é que eu apaguei elas
Joana - E o seu nome era _doraisa. Perguntei pq minha prima fez isso tb. Mudou o
nome
Isadora - Sim
Joana - Do perfil do Insta. E eu achei q as fotos sumissem depois de fazermos isso
Isadora - Não, você tem a opção de apagar e de mudar o nome separados
Joana - Ah, entendi. E posso perguntar por que você quis mudar o nome?
Isadora - Então, eu enjoo muito fácil das coisas aí eu mudei porque também estava
muito longo quando eu ainda era @isadorasantosg3223
Joana - E mais uma coisa que fiquei pensando: como você decidiu quais fotos
apagar no Insta?
Isadora - Selecionando as que eu mais gostava e que eu menos gostava.

Imagem 22 - Perfil Instagram Isadora julho de 2014.

 
99

 
Legenda: Acessado pelo computador e não pelo aplicativo do celular.

Imagem 23 - Perfil Isadora Instagram março de 2015.

 
100

Imagem 24 - Perfil Isadora março de 2016.

Imagem 25 - Perfil Instagram agosto de 2016.

 
101

 
Fonte: Instagram.

Analisando as mudanças nos perfis de Isadora, além da mudança física visível pelas
fotos, podemos perceber algumas mudanças de atitudes, como, por exemplo na forma como
ela utiliza o espaço para a escrita do seu nome: o primeiro perfil do Instagram utiliza o nome
quase que completo e com um número; no segundo perfil, utiliza o primeiro nome em letras
minúsculas e com a imagem de um ursinho; o terceiro perfil apresenta seu primeiro nome em
letras maiúsculas; e o último perfil apresenta seu nome e sobrenome (opta pelo Guimarães) e
o símbolo de seu signo, o que já pode demarcar uma busca pelo autoconhecimento, em um
movimento mais adolescente. O número de fotos diminuiu e o de seguidores e seguidos
aumentou. Em nossa última conversa, por Whats App, eu perguntei sobre esse crescimento:

Joana - vc começou a fazer seu blog ainda criança. Mas vc foi crescendo. O que
você acha que mudou? E o que vc acha de criança produzir coisas na internet?
Isadora Guimaraes - Eu acho que eu evolui, eu não sou mais aquela menina que ama
moda, maquiagem, sapatos, roupas... Agora eu mudei em relação aos meus gostos,
hobbies e interesses, agora eu gosto de livros, música, dança, arte, e outras coisas. E
isso também tem muito a ver com a minha relação comigo mesma. Eu ainda gosto
de maquiagem, mas não naquele nível. E eu usava muito, agora não, só pra sair. E é
isso.
Joana - E o que vc acha de criança produzir coisas na internet?
Isadora - Acho muito legal, tanto que eu comecei assim, mas, não pode interferir
nos estudos. Mas eu acho demais!

 
102

Imagem 2616 - Perfil no Youtube

 
Fonte: Youtube.

Imagem 17- Perfil do Pinterest de Isadora. Setembro de 2016.

 
Fonte: Pinterest.

 
103

Imagem 28- Perfil no Facebook pessoal agosto 2016

 
Fonte: Facebook.

3.2.4 Isabela

Conversei com Isabela, que é irmã de Isadora, uma única vez mesmo dia em que
conversei com sua irmã, 12 de março de 2014 e Isabela tinha 8 anos (faria 9 no mês
seguinte)75. Cheguei à sua casa com o intuito de conversar com ela e com a Isadora, pois já
sabia que ela havia criado um blog. O primeiro blog de Isabela se chamava “E aí, tá na
moda?”, mas ela o apagou no primeiro dia. Depois fez o blog “Pensando na Maquiagem” que
tem a última postagem em julho de 2015, onde ela convida para visitarmos seu blog novo,
mas não há nome nem link para o mesmo. Após essa nossa primeira conversa, tentei falar
com Isabela via Messenger do Facebook, mas não obtive resposta. Continuei observando seus
perfis e não senti necessidade de falar novamente com ela. Isabela criou uma página no
Facebook (Pensando na Maquiagem by Isabela) com o intuito de divulgar o blog. E, ao
apresentar-se nessa página, chama a atenção o fato de Isabela citar o blog da irmã, conforme
vemos na imagem abaixo.

                                                                                                                         
75
Isabela nasceu em 13 de abril de 2005e em novembro de 2016 Isabela está com 11 anos.

 
104

Imagem 29 – “Sobre” que aparece na página do blog no


Facebook.

 
Fonte: Facebook.

Sabendo que Isabela afirma só ter criado o blog porque estava com inveja da irmã,
conforme vemos no diálogo a seguir, podemos concluir que quando Isabela traz o blog da
irmã na descrição do perfil do Facebook criado para seu blog, é como se ela buscasse
legitimidade para o mesmo, como se ter uma irmã que faz um blog a autorizasse a ter um
também.
Isabela possui perfil pessoal no Facebook, canal no Youtube, conta no Instagram e no
Pinterest. De todos, o que ela mais utiliza é o Instagram. Abaixo, apresento as imagens de
perfis disponíveis nas plataformas utilizadas por Isabela

Imagem 30 - Sobre do blog de Isabela

Imagem31 - Perfil pessoal Facebook. Agosto de 2016

 
Fonte: Facebook.

 
105

Imagem 32 - Perfil Instagram Isabela. Julho de 2014.

 
Fonte: Instagram.

Imagem 33 - Perfil Isabela Instagram. Dezembro de 2014.

 
106

Imagem 34 - Perfil de Isabela no Instagram. Março de 2015.

Imagem 35 - Perfil Isabela Instagram. Agosto de 2016

 
Fonte: Instagram.

 
107

Analisando as mudanças no perfil do Instagram de Isabela, podemos perceber uma


mudança física, que demonstra seu crescimento, E assim como Manu e Isadora, chama a
atenção alguns detalhes: o texto de apresentação do Instagram que fica abaixo do nome, por
exemplo, passa por transformações interessantes: no primeiro perfil, ela escreve um texto
cheio de figuras fofinhas que a ajudam a se descrever. O segundo e o terceiro perfis, trazem
dois textos e o quarto perfil traz apenas uma palavra: “Pessoa”. Também há um aumento
significativo de publicações. Ao contrário de Manu e Isadora, Isabela manteve todas as suas
fotos em seu perfil, mesmo tendo feito alterações nele.

3.2.5 Caio

Conforme já foi dito, Caio foi meu aluno particular e eu soube de seu blog por sua mãe
que postou o link do primeiro post do blog em seu Facebook, em maio de 2012. Quando
conversamos sobre seu blog pela primeira vez, em maio de 2014, Caio tinha 12 anos76, tendo
criado seu blog em maio de 2012, com 10 anos. Seu blog se chama “Animais Selvagens77” e
foi criado para que ele colocasse seus desenhos online. Fizemos apenas uma entrevista em que
conversamos enquanto observávamos seu blog. Por conta das questões que envolvem a
produção de Caio78, senti necessidade de conversar com sua mãe também, o que fiz nesse
mesmo dia. Após essa nossa conversa de maio de 2014, fui observando o blog de Caio e nesse
período, não senti necessidade de marcar uma nova conversa com ele. Caio não possui perfil
no Facebook, nem em nenhuma outra rede social. Abaixo, apresento imagem do “sobre” de
seu blog, onde vemos que há as informações básicas solicitadas pelo blogger no momento do
cadastro e uma foto que, segundo Caio, foi escolhida por sua mãe.

Joana – Vamos ver aqui, ó, o seu perfil? Vê o que que tem? Tem uma foto sua.
Quem escolheu essa foto, foi você ou sua mãe?
Caio – Foi minha mãe.

                                                                                                                         
76
Caio nasceu em 22 de julho de 2002 e em novembro de 2016 está com 14 anos.
77
http://caio-animaisselvagens.blogspot.com.br/
78
Caio está atualmente no 5º ano do Ensino Fundamental78 e é considerado um aluno especial, mas sem um
diagnóstico definido, sendo atendido por uma fonoaudióloga, uma psicóloga e frequentando um curso de
desenho. É através dos desenhos que Caio se expressa melhor desde pequeno e, por isso, essa arte sempre foi
incentivada pela família e escola.

 
108

Imagem 36 – “Sobre” Caio em seu blog.

 
Fonte: Blogger.

 
109

4 ENTÃO, O QUE PRODUZEM ESTAS CRIANÇAS?

Não há trabalho de campo que não vise ao encontro com o outro, que
não busque um interlocutor.
Marília Amorim

Uma tese deve contar com categorias que são muito importantes pois apresentam toda
a relação que o pesquisador fez com o campo. São as categorias que mostram ao leitor o que
foi feito com o trabalho de campo. Apesar de buscar entrelaçar o campo à teoria sempre que
possível, são as categorias que possibilitam ao leitor aproximar-se do material encontrado
pelo pesquisador. A partir do momento em que a transcrição termina, o pesquisador inicia um
trabalho de filtragem e categorização. As categorias podem preexistir na cabeça do
pesquisador, mas, normalmente, se modificam ao longo do trabalho, ganhando novos
contornos. As categorias que fariam parte do trabalho, em seu início, normalmente, surgem da
primeira aproximação do pesquisador com o tema, de suas hipóteses. Porém, as categorias são
definidas apenas quando nos debruçamos, esmiuçamos o material colhido em campo. Esse
trabalho de categorizar os achados de campo pode, além de ser bastante penoso e complexo,
não dar conta do que foi vivido em campo: como categorizar uma pesquisa feita com dados
encontrados na internet, ou seja, uma pesquisa que viveu a complexidade dos nós, do
emaranhado? Como separar o que parece estar entranhado, unido, conectado? Como separar,
de forma linear, as falas e situações observadas se cada uma parece se referir à outra? Com
essas indagações em mente, e consciente de que a pesquisa que fiz está cheia de nós, de links
e hipertextos, que imagens e falas se remetem umas às outras constantemente, por isso,
estamos nomeando de itens os achados sobre os quais me debrucei mais atentamente.
Buscando organizar um pouco esses achados, separei os seguintes temas para uma análise
mais minuciosa: “As condições de produção/criação”; “Fluidez”; “Criação e comunicação: eu
e o outro” e “Estratégias para ser visto”.
Todos os itens foram elencados a partir da análise do material de campo, das
conversas com as crianças e da observação de seus blogs etc.

 
110

4.1 As condições de produção/criação

O que leva as crianças a produzirem blogs, a criarem perfis nas Redes Sociais, a
publicarem vídeos? Nesse item pretendo, com a ajuda das crianças, entender o que as coloca
nesse lugar de produção e de publicação de conteúdo online. Também busco entender o que
as motiva ou desmotiva em suas publicações. Então podemos começar com a resposta de
algumas crianças a uma pergunta que foi feita a todos eles: o que motivou cada um a produzir
e publicar online?
Isadora ao ser perguntada sobre por que criou o blog, respondeu:

Isadora – Por que eu via vários na internet e eu ficava: ah, eu queria fazer isso, deve
ser legal, ah, eu gostaria de fazer isso, ah eu queria fazer isso que pode mudar a
minha vida. Aí eu fui e criei o blog.
Joana – E porque você escolheu o tema da maquiagem?
Isadora – Na verdade eu não falo só de maquiagem, eu falo de moda, beleza, de...
Joana – E porque foram esses temas de beleza, moda, maquiagem?
Isadora – É porque era o tema que eu mais gostava de ler. E aí eu também gosto de
escrever e eu também gosto de pesquisar sobre eles. Daí eu escrevi um blog.

Já Manuela, respondeu à essa pergunta com a seguinte afirmação:

Joana – Porque que você fez o blog?


Manu – Ah, porque eu gosto de tipo, mostrar as coisas que eu gosto.

Uma das condições que apareceram em campo está relacionado ao tempo. De acordo
com o que foi esquadrinhado, as postagens das crianças costumam estar condicionadas ao
tempo que sobra após as obrigações escolares. Percebe-se que as crianças não têm tempo para
fazer o que gostariam, sem o intuito de dizer se é bom ou ruim elas estarem na Internet, mas
efetivamente, as crianças não podem fazer o que realmente gostariam por conta da escola, das
tarefas educativas. Em posts de vários blogs, é possível encontrar essa explicação do porquê
as crianças não estarem postando como gostariam, ou do porquê abandonarem seus blogs etc.

 
111

Imagem 37 – Ausência de posts.

 
Fonte: Facebook.

Tanto nas conversas que tive com as crianças quanto nas observações das postagens
feitas nos blogs a escola frequentemente aparece como a “culpada” pela falta de tempo da
criança. Um exemplo é a postagem do blog “My life, my place, my word”, em que a blogueira
justifica a ausência de posts contando que estava de castigo e em época de provas e que se
ficasse de recuperação, ficaria de castigo novamente (página 20). Ou seja, a escola que
geralmente não permite o acesso livre à internet pelas crianças, é a mesma que, dentro de
casa, ou nas horas livres, impossibilita a produção online das crianças pela demanda de
tempo. Não queremos dizer, com isso, que a escola é necessariamente a vilã dessa relação,
apenas queremos refletir sobre essa questão apontada pelas crianças. Outro exemplo
interessante que aponta a escola como culpada pela dificuldade em publicar nos blogs,
aparece na fala de Manuela quando perguntada sobre a quantidade de vezes em que faz
postagens em seu blog. Ela afirma que não posta muito:

Manu - Assim, como eu não tenho muito tempo, eu só posto quando eu tipo, eu não
posto muito, em um dia eu encho, eu coloco um montão de coisas e daí eu fico sem
postar porque já tá com um montão de coisas.
Joana – Mas, porque que você acha que não tem tempo assim?
Manu – Ah, porque eu sempre chego tarde da escola...

 
112

Manuela lê um post em que ela relaciona as postagens com a falta de tempo. Ela
acredita que seu blog não está legal por conta da sua falta de tempo e deixa isso claro para os
seus leitores.
Manu – Como vocês sabem meu blog tem várias postagens bobas isso acontece porque eu não
tenho tempo para postagens. Assinado Manuela. Eu admito, meu blog está superchato. Isso
porque eu não tenho tempo para postar coisas legais. E uma carinha triste.

Cabe destacar, que nesse post, Manu justifica a falta de posts mais elaborados
relacionando à sua falta de tempo, afinal, posts mais elaborados exigem maior dedicação da
blogueira.
Já Isadora, ao ser perguntada sobre a proibição de usar o computador durante a
semana, informação que já havia sido dada por ela em outro ponto da nossa conversa, traz a
seguinte declaração:

Joana – A questão da postagem, só pode acontecer no final de semana por causa dos
compromissos que vocês têm da escola etc.? Daí, você acha que isso atrapalha,
assim, o seu blog?
Isadora – Não. Porque aí no fim de semana eu faço um post ou sábado ou domingo.
Sexta eu entro só de noite. Mas, não atrapalha nada, já tô acostumada também.
Desde que eu entrei na escola minha mãe não deixa eu entrar no computador quando
tava na escola. Então eu já tô acostumada.
Joana – Você nem sente falta de não poder durante a semana?
Isadora – E faz 7 anos que eu entrei em todas as minhas escolas, então faz tempo
que eu estou nas escolas.

A escola impede mesmo a produção ou serve de desculpa para quando as crianças não
querem mais fazer algo? Será que há falta de tempo ou de interesse? Acredito que há as duas
coisas já que cada criança lida com suas produções de forma diferenciada. Caio e Isadora, esta
já fez posts justificando a falta de posts por causa da escola, mantém seus blogs ativos. Talvez
eles postem com menos frequência do que gostariam, mas a questão é que não os
abandonaram como as outras crianças. Então, provavelmente, a escola atrapalhe a produção
dos blogs, mas não impossibilita totalmente.

 
113

Imagem 38 – Post pedindo desculpas pelo sumiço.

 
Fonte: Blog gostosemculpa.blogspot.com.br

A questão da falta de tempo para se dedicar às redes sociais, tema recorrente durante
as conversas com os interlocutores já que muitas criam os blogs, fotologs, videologs e logo
param de atualizar as postagens, e o consequente abandono das mesmas, pode ser debatida
com Sibília quando a autora traz dados de 2003 que comprovam o grande abandono dos
blogs, considerando como abandono a falta de atualização nos últimos dois meses.

[...] pois na febril atualidade não há mais tempo para nada. Se não há tempo para ler,
nem para escrever ou sequer para praticar a mais modesta introspecção, então por
que haveria tempo disponível para manter um blog? Mesmo obedecendo a lógica da
brevidade e do instante, essa atividade não deixa de exigir constância e perseverança
para continuar a existir, com todas as demandas de uma, é tarefa a moda antiga.
(SIBÍLIA, 2009, p.138)

Isadora, que utiliza o blog com maior dedicação, costuma elaborar e anotar suas ideias
durante a semana em um caderninho. Esta foi a forma que ela encontrou de publicar novos
posts. “A gente se organiza num caderninho que a gente escreve o que a gente quer fazer, o
que a gente quer gravar e é bem mais simples. A gente mesmo que tem as ideias. Tipo ou às

 
114

vezes a gente copia uma pessoa que fez um post e eu quero fazer parecido e eu escrevo no
caderninho”. Entretanto, de acordo com as postagens sobre escola e sobre a falta de tempo e
de ideias para postar, podemos perceber que a maioria das crianças não têm tempo de ócio
para colocar a imaginação criativa em funcionamento. A pressão da vida cotidiana, corrida e
cheia de compromissos escolares e extracurriculares, as faz perder o fio da meada da
imaginação criativa que é necessária para as formas de criação, seja em um blog ou em um
canal no Youtube. Tanto que as crianças que fazem dos seus espaços um lugar quase que de
trabalho, dedicando tempo para seus projetos, conseguem publicar mais. Caso, por exemplo,
da Youtuber Mirim Julia Silva, que faz disso, além de passatempo, uma fonte de renda.
A seguir, apresento um post de Manuela em que ela deixa claro a sua falta de ideias
sobre o que postar.

Imagem 39 - Post de Manuela admitindo não ter ideias para postar.

 
Fonte: manulandi.blogspot.com.br

Com esses achados podemos corroborar o grande interesse demonstrado pelas crianças
pelo aplicativo Instagram: a partir de smartphones, a criança tira uma foto, escreve uma
legenda e pode postar imediatamente.
Entretanto, cabe destacar que a autora afirma que o número de novos blogs ainda é
maior do que o de abandonos, creditando os novos à possibilidade existente em que se
abandone uma tarefa que tenha se tornado cansativa demais, pois sempre há a possibilidade de
criar um novo perfil, um novo blog, de reinventar-se.

Assim, seguindo o prático esquema do faça você mesmo, é possível deletar com
total rapidez e facilidade tudo aquilo - e todo aquele - que não mereça ficar no
desvão da memória. Neste sentido, as ferramentas digitais prometem ser bem mais
eficazes do que o antigo método analógico da "página virada" e da lenta ruminação
intestinal. (SIBÍLIA, 2009, p.139)

 
115

Esse movimento, que estamos chamando de fluidez, mostrou-se importante e


necessário aprofundar em uma categoria.
4.2 Fluidez

Ficamos pobres. Abandonamos, uma a uma, todas as peças do


patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um
centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do
‘atual’.
Walter Benjamin

As observações que demarcam a fluidez envolvem o abandono das produções, sejam


blogs ou perfis em redes sociais, bem como a criação de novas produções que representem
novos interesses. A substituição de softwares sociais ou interfaces por outros mais novos
também chama a atenção. Fluidez, segundo o dicionário Michaelis Online, vem de fluência
(qualidade ou natureza daquilo que flui) e em sua definição física é a propriedade que um
líquido tem de escoar nas canalizações; inverso da viscosidade absoluta de um líquido;
fluididade. Porém, a definição que melhor se encaixa no que pretendemos trazer nessa
categoria vem da palavra fluir: perder a força, a intensidade; desfazer-se, diluir-se,
enfraquecer-se.
Essa mudança constante também é uma característica possibilitada pela própria
tecnologia: a facilidade em trocar de interface de acordo com interesses ou em ingressar em
uma nova rede social da internet é comum às crianças. Podemos afirmar que vivemos em um
mundo onde tudo pode e deve ser trocado com maior facilidade e em um curto espaço de
tempo. Um smartphone tem modificações em seu aparelho e sistema que nos faz desejar ter
um aparelho mais “moderno”. Vivemos um tempo em que o que importa é a nova geração de
aparelhos que ganham nomes com números para sabermos mais facilmente qual foi o último a
ser fabricado. Os aplicativos são atualizados constantemente e se o aparelho não acompanhar
as atualizações, não conseguimos fazer com que uma nova versão desse aplicativo funcione
corretamente no aparelho. Queremos ou somos impulsionados a consumir as novidades
tecnológicas diariamente. Estar desatualizado do que está acontecendo de novo pode ser um
problema social muito grande dependendo da nossa profissão ou, inclusive, da nossa faixa
etária. Quase todos os interlocutores desta pesquisa fizeram essa multiplicação de perfis e

 
116

acessos às redes sociais da internet. Do blog, para uma conta no Twiter, um perfil no
Facebook, depois um no Instagram etc. e a cada novo perfil criado, segue-se o abandono do
antigo, ou pelo menos, uma maior valorização do novo em detrimento do antigo. Apesar de já
ter dito que não pretendo enquadrar as crianças dentro de um conceito, conforme já discutido
no capítulo “Infância e Cibercultura” (página 22), não posso deixar de mencionar uma
reportagem79 do Jornal O Globo de 2013, em que há uma classificação que nos ajuda a
contemplar a categoria aqui chamada de Fluidez: a chamada geração F5. Essa geração inclui
as crianças que nasceram entre 2001 e 2007 e que “acompanharam o estouro da banda larga e
das redes sociais e o surgimento dos dispositivos móveis”.

Imagem 40 – Linha evolutiva das mudanças tecnológicas de 2001 a 2010.

 
Fonte: Jornal o Globo.

De acordo com a linha evolutiva apresentada acima, podemos concluir que as crianças
participantes da pesquisa desenvolvida nesta tese, nasceram e estão crescendo em rede, e
ainda mais, vivenciam transformações tecnológicas de forma muito rápida. A novidade chega
ao mercado cada vez mais rápido, a atualização é constante. Inclusive, o nome geração F5
vem da função desta tecla, já que é ela que atualiza o navegador da internet no computador.
Ainda de acordo com a reportagem, a Geração F5 é caracterizada por 5 “Fs”: full time, estão
sempre conectadas; feed, são estimuladas por diversas fontes de conteúdo; filtro, selecionam o
que é relevante; foco, se aprofundam nos temas de interesse; e flexibilidade, capacidade de
transitar com facilidade entre os assuntos”. Portanto, as crianças participantes desta pesquisa,
tendo nascido entre 2002 e 2005, estariam, teoricamente, dentro do que podemos chamar de
Geração F5. E, apesar de não querer utilizar estas nomeações, acredito que essa característica
de viver em atualização, caiba muito bem na discussão que estou nomeando de Fluidez,
afinal, as crianças com as quais conversei, demonstraram estar sempre em busca de
novidades, e mais ainda, buscando novos interesses quando o antigo já não satisfaz mais. São
crianças que vivem em atualização constante, mas que ao mesmo tempo se dedicam full time

                                                                                                                         
79
A tecla do momento: crianças da geração ‘F5’. Jornal o Globo (versão impressa), 2ª edição, 14 de julho de
2013, Caderno Economia, Digital & Mídia. 30.

 
117

ao que está no centro do interesse do momento. Então, uma criança pode decidir criar um blog
para falar mais de um assunto sobre o qual ela se interessa (caso de Isadora) e também pode
abandonar um grupo recém-criado, como, por exemplo, o grupo Dona Feijão, criado por João
em 15 de fevereiro de 2012, que teve muitas postagens feitas por ele no primeiro mês e logo
suas postagens foram diminuindo, sendo a última de 10/11/2012. Depois disso, outros
usuários fizeram postagens esporádicas e a última foi em 08/05/2014. Perguntado sobre
porque não postava mais nada no grupo e se tinha abandonado o mesmo, João respondeu: “É.
É que ficou chato assim, ai, botando coisa, vendo o que as pessoas fizeram. Ficou chato”.
Em relação ao seu canal do Youtube, o Malditoviskis Plays Plays Jogos, João explicou
que foi criado automaticamente quando ele criou um e-mail do google e passou a ser usado
em 2012, mas não há postagens de novos vídeos desde dezembro de 2013. João explica
porque parou de postar: “Aí meu headset (fone com microfone) ficava quebrando, ele tá
quebrado, aí eu parei de postar vídeos”.
Sua página pessoal do Facebook e seu perfil do Instagram, também possuem
pouquíssimas publicações. Em 5/11/2014, João compartilhou um link no Facebook, após isso,
ele foi marcado em fotos e foi parabenizado por seu aniversário em fevereiro de 2015. Mas,
não colocou mais nenhum post. Seu Instagram também tem um último vídeo postado em
maio de 2015 e conta com um total de 18 publicações. Ou seja, João tem poucas publicações
de um modo geral e a vista de qualquer empecilho ou desânimo, ele abandona seus perfis.

Joana – Então você não entra mais no Facebook?


João – Não.
Joana – Porque?
João – Por que eu enjoei
Joana – Mas, e o grupo lá, aquele?
João – Dona Feijão? Ficou.
Joana – Deixou pra lá? Cansou dele?
Joao – É. É que ficou chato assim, ai, botando coisa, vendo o que as pessoas
fizeram. Ficou chato.
Joana – E qual é o nome do seu canal no youtube que eu procurei e não consegui
achar.
João – Eu acho que eu vou deletar ele, mas é, é que eu tentei mudar o nome só que
deu errado. É malditovisks plays play jogos.

Joana – Mas, o grupo Dona Feijão tá abandonado, né? E o seu Facebook?


João – É. Também, tentei desativar e não consegui. Eu tinha o meu Facebook pra
jogar Red Crucible

Manuela, também já não posta há muito tempo em seus blogs. O Blog Manulandia
conta com 17 postagens, sendo a mais recente de outubro de 2013. O Blog Ecolooks possui 2
postagens e no blog Troços da Manu não há nenhum post. Segundo Manuela explica, houve

 
118

uma migração para o Instagram, tendo criado seu perfil no final de 2013, e um abandono dos
blogs criados por ela. Ela afirma que “A gente fica mais no Instagram”.
Mas, mesmo o Instagram, aplicativo ao qual as crianças têm sido mais fiéis, sofre com
a fluidez que se caracteriza na já comentada mudança de perfil (ver página 88 onde apresento
as crianças) e também na criação de novos perfis, como no caso de Manuela que criou um
perfil para colocar seus desenhos (@pequena_grande_artista) e que depois o transformou em
um perfil Dixx conforme descrito na página 93.
A fluidez também é determinada pelo fluxo das crianças entre os
aplicativos/plataformas. a necessidade de estar onde os amigos estão. Ou seja, as crianças vão
seguindo o fluxo das outras crianças: a criação de um blog, faz com que outras crianças
queiram criar um blog, a criação de um grupo, a ida para o Instagram, Snapchat etc. A cultura
de pares deles se mostra nessas migrações, nessa fluidez. As crianças querem conhecer o que
outras crianças estão usando, conforme podemos ver nas falas abaixo:

Joana – Mas, e porque você fez esse grupo (refiro-me ao grupo do Facebook, Dona
Feijão)?
João – Porque eu fiz esse grupo... (silêncio). Eu tenho uma amiga que tava fazendo
um monte de grupo. Aí eu achei legal fazer um grupo, aí eu fiz.

Joana – E porque você quis fazer (um perfil no Instagram)?


Manu – Porque eu tava muito por fora das novidades. Ficava todo mundo falando:
ah, você viu aquele vídeo, ah, Manu, você viu aquele vídeo no Instagram? Daí eu, eu
não tenho Instagram, eu não tenho Instagram. Daí eu fiquei com vontade de ter pra
ver o que era de tão legal no Instagram e era bem legal.

Joana – E você Isabela, porque você quis fazer o Instagram?


Isabela – Porque todo mundo tinha e eu queria ter também.
Joana – E o blog, você fez porquê?
Isabela – Porque a Isadora tinha.
Isadora – Todas as minhas amigas, quando eu criei, e a Isabela criou, todas, todas
mesmo, todas, eu tenho várias amigas por causa da escola, várias na escola, todas
criaram!

Joana – E aquele negócio que eu nunca sei falar o nome Tumbrl?


João – Ah, sei. Tumbrl. Não sei o que é nunca usei. Coisa de velho.
Joana – Frequente agora é o Instagram?
João – E Snapchat.
Joana – Snapchat e Instagram estão bombando?
João – E o Vine também.

Joana – Você quer ter Facebook?


Manu – Pra mim é a mesma coisa que Instagram, mas sim, eu quero.
Joana – Suas amigas têm Facebook?
Manu – Não. Pra mim assim, Instagram é pros amigos e Facebook é até pra falar
com a família mesmo. Porque ninguém da minha classe tem Face, né? Todo mundo
tá no Instagram!
Joana – Instagram é o que tá bombando?
Manu – Nossa, o Instagram tá muito bombando!

 
119

Joana – Suas amigas têm blog?


Manu –Assim, quando eu fiz o blog todo mundo começou a me copiar.
Joana –Você foi a primeira da sala a fazer?
Manu –É, mas a aluna nova, uma menina que entrou, ela já tinha blog. E a minha
amiga ela copiou totalmente o nome do meu blog. O meu é Manulandia e o dela é
Sofiland.

Esta afirmação de que o Instagram é o preferido pelas crianças, é correlata à


informação que apresentamos na página 22, no gráfico que mostra o aumento de postagens
em Redes Sociais e a diminuição do uso do blog.

Joana – E porque você parou de fazer o seu blog mesmo.


Manu – Porque quando o Instagram começou a tipo bombar, todo mundo ficou mais
no Instagram. Ninguém queria blog, tipo, é que blog a gente faz tipo, ah, vem ver
meu blog tem um monte de coisa legal blá, blá, blá, mas aí depois a gente fica tipo,
ah, tenho que postar, ai que droga!
Joana – Vira uma obrigação?
Manu – É. No Instagram é mais legal, tipo, ah eu quero postar isso, ai que legal.
Mas, às vezes você fica tipo, ai não se eu não postar alguma coisa eu vou perder
meus seguidores!
Joana – Eu acho que o Instagram é mais prático, né?
Manu – É porque no Instagram não precisa postar tudo aquilo, né? Porque no
Instagram, as pessoas te seguem não pelas suas fotos. Elas te seguem porque você é
amigo delas. Tipo a minha melhor amiga, finge que ela não posta nada, finge que ela
só posta foto do pé dela, eu vou seguir ela porque ela é minha amiga.

Porém, cabe destacar que não podemos relacionar o “abandono” ou a escassez de


postagens apenas com a falta de tempo e a fluidez já analisadas até agora: a falta de interação
com o outro é também um fator que pode desmotivar a publicação das produções infantis e,
portanto, também foi separada em uma categoria que tratamos a seguir.

4.3 Criação e comunicação: eu e o outro

A palavra se dirige.
Mikhail Bakhtin

No item anterior, “Fluidez”, já percebemos como o importante papel da amizade, de


estar com outras crianças, participando da cultura de pares, faz com que as crianças estejam
em determinadas Redes Sociais e/ou usem determinados aplicativos em detrimento de outros.
Continuando essa linha de pensamento, onde o outro tem papel determinante, esta categoria
 
120

apresenta a importância das relações que reverberam para o online. Partindo do pressuposto
que é na relação com o outro que eu me reconheço, que é o olhar do outro que me dá
contornos, acreditamos que as crianças buscam essa interação online, tanto quanto os adultos
o fazem. E é a partir das Redes Sociais e dos blogs que as produções infantis online ganham
visibilidade para o outro e que a interação é possível através de comentários, likes, curtidas,
corações etc. Mas, qual é a real importância desse outro para as crianças? Até onde vai o
desejo delas em serem vistas, comentadas, curtidas, lidas? Até que ponto o outro motiva ou
desmotiva as produções infantis online? Para ampliar essas discussões, apresento conversas e
publicações das crianças onde elas mostram o quão importante é a relação com o outro.
Conforme podemos ver no comentário de Manuela a uma imagem que ela mesma publicou no
Instagram:

Imagem 41 - Legenda de foto do Instagram de Manuela.

 
Fonte: Instagram.

A imagem80 mostra Manuela com um bebê no colo e ela coloca a seguinte legenda
“Poxa... ninguém vai comentar nada...”. Quando ela posta uma imagem, além dos corações
que recebe, ela espera por comentários. Sobre a questão dos comentários, reportagem do dia
04/12/2014, veiculada no portal de notícias G1, com o título “Em busca de popularidade,
jovens 'negociam' elogios no Instagram”, confirma essa necessidade que parece estar posta na
sociedade contemporânea: ser visto, curtido, comentado. De acordo com a reportagem, os
jovens estão trocando “curtidas e comentários”: se um usuário curtir minha foto, eu curtirei a
foto dele em troca.
Conversando com Manuela, pergunto sobre o porquê ela faz postagens no Instagram
ela menciona a questão dos seguidores, corroborando que tê-los em grande quantidade é
muito importante.

                                                                                                                         
80
Apesar de termos autorização para uso das imagens, pensamos que elas só devem ser usadas quando forem
essencialmente importantes. Neste caso o foco está na legenda, portanto, a imagem foi suprimida para
preservar as crianças envolvidas.

 
121

Joana - É, sabe o que eu queria saber? Porque eu quero entender porque as crianças
gostam de postar coisas, de criar coisas na internet, entendeu?
Manu – É pra todo mundo... Você me deixa em cada fria! É pra, ah, tem gente que
gosta de tipo mostrar como é, ah, o que eu gosto de fazer, gosto de jogar Minecraft,
tem gente que gosta de fazer vídeo no Youtube por diversão, é por diversão assim.
Joana – Você faz por que? Por diversão?
Manu – Sim, eu faço por diversão. E pras pessoas me seguirem. Porque no
Instagram tem uma certa competição pra ganhar seguidores.
Joana – Ah, e como é que a gente ganha seguidores?
Manu – Postando coisa legal?
Joana – Então por isso que tem que pensar no que postar, né? Ver o que é que vai
postar?
Manu – É.
Joana – Entendi. E todos os seus amigos te seguem da sala?
Manu – Ah, deixa eu pensar. Todos que estão (no Instagram), sim.

A questão dos comentários, da necessidade de saber que alguém viu e comentou o que
foi feito por ela é recorrente e surgiu também em conversas com outros interlocutores da
pesquisa e pode ser compreendida com o auxílio de Sibília (2009, online81):

Por isso, apesar da ênfase nas novas práticas presentes na Web 2.0, eu tendo a
afirmar que se trata de um fenômeno bem mais amplo: usamos essas ferramentas
para responder às demandas de um novo tipo de sociedade, um universo cada vez
mais distante daquela cultura oitocentista que incitava a escrever diários
verdadeiramente “íntimos”.
Uma das principais manifestações dessa virada é um crescente desejo de ser visto,
uma vontade de se construir como um eu visível, como um personagem que os
outros podem ver e, graças a esse olhar reconfortante, confirmam a existência de
quem se exibe.

Outra criança que demonstra essa necessidade de interação com o outro de forma clara
é Isadora. Em nossa primeira conversa ela conta que há visualizações de seu blog que veem
do mundo todo: “Tem visualizações da Rússia. Tenho quase mil visualizações dos Estados
Unidos”. Para destacar a importância que as visualizações têm para Isadora, destaco diálogo
ocorrido em nossa segunda conversa, ocorrida via Skype. Finalizando a conversa com ela,
falo:

Joana - Então tá Isadora, eu acho que por enquanto é isso. Por que eu já tinha, eu
achei que a gente fosse ver o blog juntas, mas como eu consegui ver isso ontem...
Deixa eu dar uma entrada aqui pra ver se ainda tem alguma coisa e aí eu já te libero.
Isadora – Já que você não lembrou mais alguma pergunta pra fazer, eu tenho uma
pergunta que você possa fazer e eu responder. Posso dar uma ideia?
Joana – Claro!
Isadora – Sobre quantos seguidores e quantas visualizações seu tenho.
Joana – Ah, me conta!
Isadora – No youtube eu tenho, deixa eu ver, no youtube, um pouco menos de 3 mil
visualizações ao todo.
                                                                                                                         
81
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2361&secao=283

 
122

Joana – Nossa!
Isadora – No blog, eu tenho um pouco mais de 10 mil visualizações.
Joana – Um pouco mais de 10 mil visualizações?
Isadora – É. E no Instagram eu tenho mais de 200 seguidores.
Joana – Caramba, Isadora, tudo isso?
Isadora – É eu acho que é muito... E no Facebook eu tenho, é o que eu tenho menos
curtidas. Tenho quase 30 curtidas.
Joana – Ah, mas é bom também, né? Eu acho que é bom sim, quer dizer, eu não
entendo muito, mas o que importa é que o blog tem bastante visualização e o
youtube também, né? E as pessoas assinam o seu canal do blog?
Isadora – Sim, eu tenho alguns seguidores, acho que 14 seguidores no Google e no
Instagram eu tenho quase 200 inscritos. No Youtube eu tenho quase 30 inscritos.

E, quando perguntada sobre os comentários, explica: “Eu tenho poucos comentários.


Acho que eu tenho uns 10 comentários no blog todo. É porque eu acho que meu blog está
com problema nos comentários porque as pessoas só conseguem comentar se elas têm uma
conta no Blogger”. Clicando em seus posts, achei 2 comentários de pessoas conhecidas de
Isadora e que comentaram num post em que ela dava uma receita de um doce. Ela agradeceu
os dois. Outra criança que destaca a importância de ser visto ou comentado é Caio. Na
verdade, sua mãe relata que:

Raquel – Quando alguém comenta ele fica, no início ele pedia toda hora pra eu
olhar, todo dia se tinha algum comentário, né? Aí depois ele parou de pedir, mas
quando alguém comenta ele fica deslumbrado.

Sobre a importância de falar com/para o outro Fernandes (2009) traz uma afirmação
muito importante:
Os significados que surgem na relação com o Outro são formações dinâmicas e
evoluem ao longo da história dos povos e também ao longo do desenvolvimento da
criança; o que mostra que as línguas e seus usos não são estáticos mas produções
históricas. A fala não é uma produção do indivíduo mas um evento que é resultado
de uma interação social. É esse caráter de interação que faz da fala lugar de
produção de sentidos, veiculando significados socialmente instituídos ao longo da
história, que permitem a emergência de múltiplos sentidos em função da realidade
pessoal dos interlocutores e das condições concretas em que ocorre tal interlocução.
Dessa maneira percebemos que, quando escolhem a escrita, esta faz mais sentido
quando se vai “escrever com o outro” e “escrever para o outro” ( p. 98 – grifos da
autora).

Ainda sobre essa relação com o outro, sobre a escrita para o outro, mais uma vez
Fernandes (2009), aponta dois momentos de suas crianças: durante a escrita em sala de aula,
as crianças não queriam nem pensar em colocar suas histórias na Internet (além da vergonha,
alegavam medo de ter suas histórias copiadas por MSN, por exemplo). Quando a autora
entrevista as crianças que participaram do bloguinho, a percepção foi outra: as crianças
queriam ser vistas. Tendo percebido a mesma coisa, a vontade das crianças em serem vistas

 
123

ou em terem seus blogs vistos, fico com a pergunta: por que a história produzida em sala de
aula não pode ser partilhada pela internet, mas a narrativa que se direciona para isso sim?
Quais são as diferenças entre produzir para a Internet e para a escola? A que tipo de
julgamentos as crianças estão se expondo na escola e na internet?
A autora também percebeu a importância que o outro assume para as crianças que
escrevem um blog.
As crianças demonstram ter entendido bem a lógica da escrita no blog em que
escrevem para vários “outros”. As crianças autoras dos posts sabem que serão lidas
por várias e diferentes pessoas, e que algumas dessas pessoas farão comentários a
respeito de seu post. Escrever para muitos leitores pode também trazer essa
dimensão diferencial da busca de assuntos que agradem a uma maioria, ou a
compreensão do que buscam as pessoas que lêem um blog (FERNANDES, 2009, p.
203).

Mas, afinal, qual é a importância dos comentários? O que podemos pensar após
comprovarmos essa necessidade que as crianças têm em ter comentários? O reconhecimento
do que é uma criação se dá no social, na relação com o outro. A publicação existe para atingir
o outro, para comunicar, sensibilizar e modificar o outro. Quando a criança faz uma
publicação, ela quer afetar o outro e busca se ver nesse outro, se reconhecer e se transformar.
Desta forma, nos chama a atenção posts como esse que foi retirado do blog da Isabela.

Imagem 42 - Post de Isabela sobre falta de ideias com resposta de uma leitora do blog.

 
124

 
Fonte: Blog pensandonamaquiagem.blogspot.com.br
Em diálogo com Vygotsky, o autor debate sobre os suplícios da criação, destacando
que criar é difícil e que nem sempre coincide com as possibilidades de criação. Eles sabem da
necessidade de produzir para não ficar “out”, mas não sabem o que e nem como farão
conforme ilustrado na imagem anterior. Mesmo sem ter ideias do que postar, é preciso postar,
tornar público a sua produção ou a falta dela, pois o reconhecimento de que é uma criação se
dará no social, no contato com o outro.
Neste sentido, é preciso que o outro nos veja para que nós existamos e para o outro nos
ver, precisamos nos mostrar. Sibília (2009) defende que os blogs e fotologs ajudam nessa
formação da subjetividade alterdirigida, pois eles facilitam a escrita de si, o mostrar-se ao
outro, proporcionam a opção de transformarmos a nossa própria vida em relato, facilitando a
espetacularização da vida cotidiana.

Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes espaços da web 2.0 são
interessantes, nem que seja porque se apresentam como cenários bem adequados
para montar um espetáculo cada vez mais estridente: o show do eu. (SIBÍLIA, 2009,
p. 27. Grifo da autora).
 
O que são os comentários para as crianças? Segundo Sibília, pensando em blogueiros
adultos, os comentários significam o apoio do público para com "eles, os sujeitos criadores, e
não suas obras entendidas como objetos criados". (p. 236). Pensando nas falas das crianças,

 
125

também podemos perceber essa grande necessidade de ser querido, de ser curtido, de ser
notado, de se fazer presente nessa grande rede, é o que vai ajudando a formar a subjetividade
das crianças que utilizam as redes sociais:

[...] Uma subjetividade que deseja ser amada e apreciada, que busca
desesperadamente a aprovação alheia, e para tanto procura tecer contatos e relações
intimas com os outros. [...] o que se é deve ser visto - e cada um é aquilo que mostra
de si. (SIBÍLIA, 2009, p. 235 grifos da autora).

Este cenário, em que o que importa é a aprovação do outro, proporciona uma


enxurrada de publicações parecidas, de blogs com o mesmo assunto, de canais do Youtube
onde o que importa é contar sobre o personagem “eu”. Segundo a autora, esse show do
mesmo, é proposital,

[...] pois se trata de um tipo de eu que se constrói na visibilidade – tanto na


exposição de sua vida supostamente privada como de sua personalidade – e que se
propõe como um estilo bem cotado ou uma atitude a ser imitada, a fim de se
aproximar do atraente campo magnético das celebridades. (SIBÍLIA, 2009, p. 249).
Esta afirmação de Sibília nos ajuda a compreender a existência de posts como o de
Isadora em que cita 25 coisas sobre ela (conforme imagens das páginas 67 e 68). Há alguns
meses, surgiram muitos vídeos no Youtube com a seguinte proposta: o Youtuber deveria dizer
50 coisas sobre ele. Esses vídeos fizeram muito sucesso e viralizaram82 durante alguns meses,
mais uma vez contribuindo para a compreensão da importância de haver essa exposição do
personagem “eu”.
Manuela, ao criar seu blog, nos mostra a participação e o envolvimento do outro desde
a ideia de fazer um blog até a efetivação da parte prática que envolve a realização de um blog.
Seu blog, M@nulândia, criado em outubro de 2012 foi feito com a ajuda do irmão, utilizando
a conta de e-mail da mãe que tem acesso a seu blog. Conforme já foi dito na página 109,
Manuela disse ter feito o blog para “mostrar as coisas que eu gosto”. Seu primeiro post foi:

Imagem 43 – Primeiro post Manuela.

                                                                                                                         
82
Viralizar, se tornar viral, significa, se espalhar de forma muito rápida, como um vírus, na internet.

 
126

 
Fonte: Blog manulandi.blogspot.com.br

Nesta publicação, Manuela escreve diretamente para o leitor do blog com dois
pedidos: para ser compartilhada e para ser compreendida sobre sua falta de habilidade na
tarefa de colocar um blog online, já que esse é seu primeiro blog. Desta forma, fica claro,
mais uma vez, a importância do outro nessa relação das crianças com as produções online.
Já Caio, ao ser questionado sobre quem comenta os desenhos de seu blog, não soube
responder. Fomos ao blog para descobrir e, quem mais comentava era o pai dele.

Joana – Seu papai sempre comenta, né?


Caio – É.
Joana – E seus amigos da escola, sabem que você tem um blog?
Caio – Acho que alguns sabem, mas eu acho que eles não comentam.
Joana – Mas, você sabe se eles veem os desenhos que você coloca?
Caio – Ah, eu acho que não.
Joana – Você ía gostar se os seus amigos entrassem no seu blog?
Caio – Ah, sim.

Joana – E assim, vocês acham que tem alguma relação, que vocês conseguem
estabelecer alguma relação com quem lê o blog, com quem curte a página no
Facebook, com quem segue no Instagram. Como é que é, vocês conhecem as
pessoas do lado de fora, da vida real também?
Isadora – Às vezes a gente recebe visualizações de pessoas que são famosas, que são
blogueiras e aí a gente, eu já recebi um comentário de uma menina que ela é
blogueira, e elas escreveu lá que gosta muito dos meus vídeos e eu escrevi: “Ah, eu
também gosto muito dos seus, beijos!” É uma relação mais longe, porque ela mora
em São Paulo, mas posso dizer que a gente tem uma pequena relaçãozinha.
Joana – E as suas amigas da escola? Elas interagem com o seu blog, como é que é?
Isadora – Uma amiga minha a Gabriela, e uma outra que é a Elisa, elas fizeram
vídeo comigo, aí é isso, elas já fizeram vídeo comigo e aí às vezes elas vem aqui em
casa e a gente grava vídeo.
Joana – Mas, elas comentam no seu blog, não?
Isadora – Não... Ah, a Elisa comenta e eu não lembro se a Gabriela comenta ou não,
mas a Elisa já comentou no meu blog.

 
127

4.4 Estratégias para ser visto

Este item pretende analisar como se dá o usa das técnicas oferecidas na internet pelas
crianças e quais as formas de divulgação que elas utilizam para suas produções. Que tipo de
postagens são feitas pelas crianças e que demonstram a forma de utilização dos recursos
disponíveis para postagem por elas? Pretendemos apresentar as explicações, dúvidas e
dificuldades das crianças para suas produções online, para lidar com as ferramentas
disponíveis. Quais recursos disponíveis pelas plataformas são utilizados pelas crianças? Que
postagens mostram o domínio da técnica? Quais postagens nos mostram o contrário? Quais
crianças se destacam no uso dessas técnicas? Quais crianças não querem nem saber como
utilizar as técnicas? Essas são as perguntas que ajudam a pensar nas formas de produção
utilizadas pelas crianças.
João, com seu grupo no Facebook, chamado Dona Feijão, realizou postagens entre
fotos engraçadas, links para vídeos no Youtube e utilizou bastante um recurso disponibilizado
por esta rede social, onde podemos fazer uma pergunta e colocar opções de respostas,
conforme vemos abaixo:

Imagem 44 - Exemplo de postagem feita por João no grupo Dona Feijão.

 
Fonte: Facebook.

 
128

Imagem 45 - Página inicial canal do Youtube João, que foi alterada por
ele para destacar o assunto do canal.

 
Fonte: Youtube.

Manuela, com seu blog, costumava postar muitas coisas diferentes: vídeos,
mensagens, piadas, imagens, músicas. Quando perguntei o que ela posta no blog, Manuela
respondeu:

Manu – Fotos, tipo, eu termino um jogo daí tem alguma foto, tem um jogo de
beleza, é um exemplo, daí quando termina, aparece a pessoa como era antes, aparece
a menininha como era antes e como ela ficou. Daí eu tiro uma foto disso e posto no
meu blog. E eu também, tipo, faço umas dicas de como pentear o cabelo da boneca,
posto uma piada, umas músicas.

Imagem 46 - Post Antes e depois

 
Fonte: manulandi.blogspot.com.br

 
129

Joana – E você fez sozinha?


Manu – Fiz, mas o meu irmão me ajudou a fazer.
Joana – Aí seu irmão te ajudou a fazer as coisas que você não conseguia, é isso?
Manu –É, tipo, colocar meu nome. Fazer a conta do blog.

Joana – Fala, porque você não quer postar os vídeos?


Isabela – Porque, deixa eu ver, ah, sei lá, no começo a Isadora pode até me ajudar,
mas depois eu vou ter que aprender a editar, vou ter que aprender...

É muito divulgada a facilidade e a desenvoltura das crianças ao lidarem com as


tecnologias, mas Caio não demonstra interesse em aprender a lidar com as ferramentas que
envolvem a publicação de um blog, conforme observamos no diálogo abaixo:

Joana – E alguém te ajudou a fazer o blog?


Caio – Ah, eu acho que foi minha mãe.
Joana – E hoje para botar as coisas lá, alguém te ajuda ou é você que bota?
Caio – É a minha mãe que bota.
Joana – Ah, e como é que você coloca os desenhos aí? Que você faz no papel, que
não é no computador? É sua mãe que coloca, né? Como é que ela coloca você sabe?
Caio – É, ela coloca na impressora e aí depois vai no paint ou sei lá e aí ela coloca
no blog.
Joana –Ah, tá. E você não tem nem noção de como é que coloca aí no blog, né?
Caio – Ah, eu sei que também tem que colocar o nome.
Joana – Mas, você já tentou botar você?
Caio – Eu? Não.

Ou seja, no caso de Caio, ele é o autor dos desenhos, mas quem administra o seu blog
é sua mãe. Segundo ela, Caio demonstra preguiça em conhecer e apropriar-se das ferramentas
necessárias para a utilização do blog.

Joana – Você escreve pra ele o nome (do desenho)?


Raquel – Escrevo porque ele pede, mas é por preguiça. Mas, ele consegue usar o
teclado, mas como ele usa devagar, ele pede pra eu escrever pra ele. Mas, assim, eu
só escrevo o que ele pede. O texto, tudo o que ele pede pra eu escrever.
Joana – E botar também lá, também é mais complicado, né?
Raquel – É, porque eu tenho que escanear e fazer as coisas que ele ainda não
domina. [...]

Isadora, com seu blog, tem um movimento de domínio total sobre a técnica: ela criou
o blog sozinha, sem a ajuda de adultos, e ainda ajudou várias amigas a criarem blogs também.
Todo o conteúdo é publicado por ela que demonstra entender perfeitamente as ferramentas
necessárias para o funcionamento ideal do blog: ela publica fotos, links, textos, grava, edita e
publica vídeos.
Uma das ferramentas disponíveis nas plataformas de publicação online, são as que
envolvem o lucro. Isadora, consciente dessa possibilidade, utilizou o recurso de Afiliações e
Parcerias em que ela colocava a propaganda de duas lojas que vendiam maquiagem e

 
130

dependendo do número de acessos que fossem feitos através de seu blog, poderia vir a ganhar
algum dinheiro ou produto.

Imagem 47 – Afiliações e parcerias blog Isadora

 
Fonte: gostosemculpa.blogspot.com.br

Isadora retirou o item Afiliações e Parcerias de seu blog por que, segundo ela, “não
estavam dando certo, aí achei melhor tirar”. Ainda neste contexto de lucrar algo com o blog,
Isadora nos conta sobre o Google adsense.

Isadora - Por que existe um sistema no google que se chama Google Adsense83 que
você coloca o número da conta aí eles botam anúncios no seu site e você ganha um
dinheiro com isso.
Joana – Mmm. E botam que tipo de anúncio?
Isadora – Tipo anúncio de loja, de geladeira, dessas coisas que tem em qualquer site.
Joana – E é você que decide qual anúncio ou são eles?
Isadora – Não, são eles. Mas, eu não tenho ainda.
Joana – Não tem nenhum anúncio ainda?
Isadora – É, quando eu for maior eu vou colocar.
Joana – Como assim? Você vai colocar o que? Esse google Adsense? E porque você
ainda não coloca?
Isadora – Ah, por que, o meu pai ele fala que é perigoso colocar o número da conta,
né?
Joana – Ah, vai ter que ser uma conta corrente? Entendi. É verdade. Aí ninguém
quer colocar ainda?
Isadora – É, mais aí quando eu for maior eu vou colocar.

Uma matéria recente, de outubro de 2016, publicada no jornal online Público,


intitulada “Google perdoa dívida de 100 mil euros a criança de 12 anos”84, conta a história de
um menino de 12 anos, que muito se aproxima dos meus interlocutores, e principalmente, de
Isadora: sonhando tornar-se uma estrela do Youtube e enriquecer com os vídeos que postava

                                                                                                                         
83
http://www.lucrei.com/o-que-e-o-google-adsense-aprenda-e-de-os-seus-primeiros-passos-tutorial/
https://support.google.com/adsense/answer/65065?hl=pt-BR
84
https://www.publico.pt/tecnologia/noticia/ele-so-queria-ser-uma-estrela-do-youtube-e-agora-deve-100-mil-
euros-a-google-1746150

 
131

em seu canal e a publicidade que associava aos mesmos, José Javier, contraiu uma dívida
enorme com o Google, pois ao invés de anúncios pagos pelo Google, José contratou o Google
para inserir anúncios em seus vídeos. O que mais nos aproxima desta reportagem é o seguinte
parágrafo: “José Javier é um rapaz de 12 anos que, como muitos de sua idade, se maravilha
com as notícias sobre seus ídolos youtubers: facturam milhares de euros diariamente,
acumulam milhões de visualizações e seguidores, tornam-se estrelas da televisão e da música.
Tudo com a maior das facilidades”. Ou seja, há esse pensamento de que ter um blog ajudará
as crianças a terem sucesso, ganharem dinheiro e tudo de modo fácil, descomplicado e rápido.
A propagada facilidade em colocar um blog ou canal do Youtube online e ganhar
dinheiro com eles, pode esbarrar em dificuldades menos onerosas, mas que ainda assim, se
mostram de difícil solução como vemos nos exemplos abordados a seguir: o blog e o canal de
Youtube de Isabela. Ela conta que quem a ajudou a criar seu primeiro blog foi sua irmã,
Isadora, e que a sua dificuldade em lidar com a técnica, a fez desistir do primeiro blog que ela
criou: “É, mas, eu fiz, mas eu ficava chamando ela pra me ajudar por que eu não tava
sabendo muito. E aí, na verdade, eu fiz primeiro um blog que se chamava “E aí, tá na
moda?”. E eu não postava nada nele, nada mesmo. E aí um dia, no mesmo dia que eu criei,
eu quis apagar por que eu não sabia mexer a Isadora não queria me ajudar, tá. E aí eu fiz um
blog e agora eu tô usando ele”.
Ela não usa o canal do Youtube, pois nunca consegue escolher um vídeo para colocar.
Segundo Isadora conta: “Mas, é, o canal no Youtube dela (Isabela), não tem nenhum vídeo
por que a gente já gravou tipo um monte, só que eu falei Isabela, vou começar a editar o
vídeo, qual vídeo que você quer? Ela: não quero que edite esse vídeo, não vou postar esse
vídeo, não quero, não quero, não quero. Mas, Isabela você fala que vai postar o seu primeiro
vídeo. Todo vídeo ela fala: então gente, esse é meu primeiro vídeo, e ela não posta!”.
Segundo Isabela, ela não posta nenhum vídeo em seu canal por que não quer aprender a
editar: “No começo a Isadora pode até me ajudar, mas depois eu vou ter que aprender a
editar, vou ter que aprender...”. Ou seja, é necessário um investimento para o qual Isabela
ainda não está preparada. Fernandes (2009), nos ajuda a expandir essa linha de raciocínio
quando apresenta a dificuldade de seus interlocutores em lidar com a escrita, seja no caderno
ou no computador, ressaltando que a dificuldade não depende do suporte “o investimento que
a escrita demanda trazendo com cada suporte desafios específicos. Cada suporte ou
tecnologia vem com o seu ‘calo’ junto, ou seja, as dificuldades próprias deste...” (p. 155 –
grifo da autora).

 
132

Joana – O layout, como é que é para fazer o layout, muito difícil?


Isadora – O layout eu tentei fazer uma vez, mas é muito difícil porque você tem que
usar aquele negócio que se chama HTML e eu não sei usar isso. Minha mãe, ela é
designer gráfico, mas eu não sei se ela consegue, a gente tá tentando.
Joana – Mas, tem layout no seu blog, né?
Isadora – Tem. O layout do meu blog é o layout do google. O google sugere alguns
de graça e você pode personalizar eles pela cor, pela letra do título.
Joana – Ah, então aí fica fácil de fazer, né?
Isadora – Sim.

Mas, e as formas de divulgação? O que queremos dizer com isso? Quais formas as
crianças encontram para divulgar seus blogs ou outras produções que fazem na internet?
Quais as estratégias criadas pelas crianças para que seus blogs etc. ficassem mais conhecidos?
Uma das estratégias interessantes utilizadas pelas crianças é a utilização de uma plataforma
para divulgação de outra. Isabela e Isadora, por exemplo, criaram páginas no Facebook com
os mesmos nomes de seus blogs como forma de divulgar os mesmos. Em suas páginas, elas
apresentam o blog e trazem os links para as postagens. Sempre que postam novas coisas no
blog, há um post no Facebook para avisar. Outras estratégias adotadas para a divulgação do
blog foram a tentativa de fazer cartões de visita e a distribuição de papeizinhos com o
endereço do blog dentro de sala de aula, conforme veremos nos exemplos abaixo.

Joana – E como é que você faz para divulgar o blog?


Isadora – Pelo Facebook, pelo Instagram, pelo Twiter. É, eu queria criar cartões de
visita, minha mãe tava tentando fazer. Quase todo mundo que eu conheço conhece o
meu blog, então todo mundo vai falando e vai conhecendo.
Joana –E você também divulga na página do Facebook, no Instagram você também
divulga igual sua irmã não?
Isabela – Divulgo, só que eu só botei uma foto sobre ele, aí tem a parte que você
escreve se você gosta ou, no seu perfil assim. Aí você, tipo, você pode escrever, ah,
oi meu nome é sei lá quem e eu gosto muito de moda e de maquiagem e adoro ver
decoração e lálala.

Joana - Você já está estudando aí, já tá na escola?


Isadora – Já. Todo mundo já conhece o meu blog porque lá tem projetor de internet,
de imagem, e aí a professora colocou o meu blog lá no primeiro dia de aula. Maior
sorte!
Joana – Que legal! Ela botou pra todo mundo ver, é, na sala? E você ficou com
vergonha?
Isadora – Mais ou menos... Ela colocou uns vídeos que eu não achei que tava legal e
uma hora do vídeo eu virei a câmera de cabeça pra baixo sem querer, e aí eu fiquei
assim.
Joana – Risos. Ai que engraçado! E todo mundo gostou, vc acha?
Isadora – Sim. Uma amiga que eu tenho já, ela falou que visitou meu blog inteiro!
Joana – Que legal, né, Isadora? Nossa, que gente receptiva, né? Que bom! Muito
legal!

Manuela - Eu já distribui papelzinho com o nome do meu blog pra minha classe,
mas...
Joana –Ah, é? Você distribuiu papelzinho com o nome do seu blog?
Manu –É mas, ninguém nunca entra mesmo.

 
133

Joana –Porque você acha que ninguém entra?


Manu –Ah, não sei porque nunca entram... Vai ver tem mais blogs mais legais ou o
meu tá chato.

Joana –E twitter, você usa?


João – Eu tinha criado um pro meu canal, mas nunca peguei eu só usava aquilo pra
anunciar se eu postei um vídeo novo porque fazia isso automaticamente.

Joana – E ter seguidor no Instagram é importante, né?


Isadora – Eu coloco no meu Instagram embaixo ... Blogger, daí coloco embaixo
www.gostosemculpa.blogspot.com.br e o pessoal entra bastante e eu acho
que eu tenho quase 10 mil visualizações no blog.

Isadora conta que já apareceu em dois jornais: “Eu já apareci no jornal Estadão85 e
também no jornal de tablet de Belo Horizonte que se chama O tempo”. Em seu blog, Isadora
fez um post com imagens das duas aparições.

Imagem 48 – As aparições do blog Gosto sem Culpa em jornais.

   
Fonte: gostosemculpa.blogspot.com.br

                                                                                                                         
85
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,blogs-feitos-por-criancas-se-espalham-pela-web-imp-,955395

 
134

Conforme relatado nas páginas 133 e 134, Isadora tem planos de ganhar dinheiro com
seu blog, através das propagandas do Google. Porém, para isso, ela precisa ter muitas
visualizações, sendo essa uma de suas preocupações.
Em julho de 2015 a mãe de Isadora me mandou uma mensagem inbox pelo Facebook
para contar que Isadora teria um post seu publicado em um livro didático de português com
distribuição nacional. Segue a mensagem:

Oi Joana, tudo bem? Quanto tempo! Como estão suas crianças? Quando nasce seu
bebê? Passando para contar que Isadora foi convidada a ilustrar com um post do seu
blog um livro didático de língua portuguesa de distribuição nacional. Ficou super
feliz. Ainda mais que será sua primeira remuneração rs. Está radiante. Bjs

Procurei Isadora pelo Messenger do Instagram e perguntei para ela qual seria o post,
mas ela disse que não sabia e que eu deveria perguntar a sua mãe, o que eu fiz e ela
prontamente me mandou um arquivo em .pdf com a página do livro.

Imagem 49 – Blog Gosto Sem Culpa em livro didático.

 
135

 
136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na introdução desta tese, mais especificamente na página 14, apresento uma pesquisa
que fiz no Google, em 2012, utilizando as expressões “blog feito por crianças” e “blog de
criança” refiz essa mesma pesquisa em novembro de 2016 e é bem interessante perceber o
aumento no número de blogs categorizados como feitos por crianças. Não posso deixar de
comentar a emoção que senti ao encontrar a matéria do Estadão86 em que Isadora e seu blog
aparecem. Por mais que eu já soubesse dessa reportagem, ela foi citada na página 138, a
sensação que tive ao me deparar com ela nessa busca foi de ter, com a minha pesquisa,
participado de uma mudança muito grande em relação à participação das crianças na internet,
houve uma mudança na forma como a sociedade lida com essa produção infantil. Essa
comparação nos resultados deixa claro que se passou a ter a percepção da internet como lugar
de autoria infantil. Sendo assim, pude testemunhar, com minhas pesquisas de mestrado e de
doutorado, o surgimento e o crescimento de uma nova experiência das crianças com a internet
e o quanto a quantidade de reportagens e textos acadêmicos que atualmente abordam o
assunto, mostra que esta relação das crianças com a Web 2.0 está consolidada.
Precisamos compreender que as crianças sabem/querem/podem se relacionar com a
internet de forma produtiva/autoral/criativa; precisamos lembrar que as crianças não são tão
ingênuas quanto pensamos como nos ajuda a perceber Macedo (2014). Não são apenas os
riscos que envolvem essa relação, que é muito maior, não é única, em linha reta, em via única,
ela forma um emaranhado, uma teia. As facilidades proporcionadas pela Web 2.0 permitem
que as crianças ocupem esse lugar de forma horizontal em relação aos adultos, como
produtoras de conteúdo para a internet, ou seja, conforme discutido na página 62, podemos
perceber que a web 2.0 possibilita o exercício da horizontalidade na relação entre adultos e
crianças. Entretanto, não podemos esquecer que as crianças, mesmo tendo essa possibilidade
permitida pela internet, continuam tuteladas. Essa tutela, que muitas vezes é necessária,
aparece bastante nas perguntas selecionadas por pesquisas estatísticas e no discurso de
proteção, atenção e cuidado destinado às relações das crianças com a internet. Essa tutela
também fica clara ao percebermos que muitos resultados que aparecem no Google
envolvendo as palavras crianças e internet, estão relacionados às formas de proteção e
educação.
                                                                                                                         
86
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,blogs-feitos-por-criancas-se-espalham-pela-web-imp-,955395

 
137

Entretanto, sempre é bom lembrar que nem tudo o que é produzido pelas crianças na
internet pode entrar no âmbito da autoria, pois temos que ponderar se um vídeo tutorial, de
maquiagem ou de um jogo, entra no quesito autoria, já que, aquele vídeo feito por aquela
criança pode ser único, mas a ideia, o tipo de roteiro, o tema, tudo o que envolve o vídeo,
pode ser feito a partir da inspiração de outros tutoriais que existem no Youtube. Conforme já
discutido no capítulo 2, item 2.3, a questão da criação e da reprodução, nesta tese, é pensada
em diáologo com Vygotsky. Desta forma, podemos afirmar que o vídeo tutorial, ou qualquer
outro tipo de publicação que se torna viral, como por exemplo, o post “25 coisas sobre mim”
ou o vídeo “50 coisas sobre mim”, entram no que Vygotsky chama de criação reprodutiva, ou
seja, ela é uma criação que surge de coisas que já vimos. Portanto, acredito que a autoria
existe, mas na forma de unicidade pela criança que postou o tutorial e não no ineditismo da
postagem. Ou seja, aquela criança fazendo aquele vídeo específico, confere uma criação
única, mas o tipo de vídeo está no âmbito da reprodução. Mas, de qualquer forma, fica a
questão: até onde vai a autoria na internet? Qual o limiar entre autoria e reprodução? São
questões que perpassam esse trabalho para as quais ainda não encontramos repostas.
E quais foram as mudanças entre as crianças que participaram da minha pesquisa?
Afinal, a pesquisa realizada no doutorado, mostrou-se longitudinal, ou seja, acompanhou o
desenvolvimento das criançass. Que diferenças podemos perceber entre os primeiros posts, de
2013 de quando estavam começando a postar e os últimos posts analisados? Para além das
diferenças percebidas nos perfis (conforme descrito a partir da página 91), há algumas
postagens bastante simbólicas.
Um bom exemplo é a fala de Isadora sobre o porquê da escolha do nome de seu blog
“Gosto sem culpa”:

Joana – Por que você escolheu esse nome para o blog?


Isadora – Ah, por que eu pensava assim que criança gostar de maquiagem, seria uma
coisa... tipo alguém podia falar tipo assim: ah, não ela gosta de maquiagem, ela não
tem idade pra fazer isso. Aí eu pensei assim: gosto sem culpa por que não é minha
culpa que eu tenho esse gosto por maquiagem.

Revisitando seus primeiros posts, de 2012, destacando que seu primeiro post é com
dicas de livros, temos “dicas de roupas para o verão 1 e 2”, “Look do dia”, o anúncio de
parceria com uma loja de venda online (o link da loja não está mais ativo) e um post que
promete virar uma série de dicas de Youtubers legais. Em 2013, Isadora posta várias vezes
sobre culinária, maquiagem, decoração e faz algumas resenhas de produtos e publica vídeos.
Em 2014, Isadora segue postando sobre tendências da moda, fazendo análise de produtos,

 
138

postando vídeos no seu canal e dando sua opinião sobre vários assuntos ligados à moda,
livros, etc. Entretanto, seu último post de 2014, chama muito a atenção, pois nele Isadora
apresenta uma música que fala sobre a beleza sem maquiagem, (conforme podemos ver a
seguir) onde defende que beleza não é tudo, que cada um é belo do jeito que é. Após esse
post, que é muito forte e reflexivo, Isadora ficou sete meses sem postar. Este post chama a
atenção, pois em um blog que se propõe a falar de maquiagem e que, em sua origem, era
bastante voltado para isso, a autora coloca um post em que afirma que a maquiagem não é tão
importante assim. Podemos compreender, ao ler este post, que Isadora teve uma mudança de
interesse ou uma mudança de compreensão do mundo. Quando perguntei sobre o post, por
que ela quis colocar esse assunto no blog, obtive a seguinte resposta: “Porque hoje em dia as
pessoas se importam muito com o que está fora da gente, e queria abrir a mente das pessoas
sobre esse assunto”.
Percebi nesse post um divisor de águas: a sensação que temos ao observar seu blog
após esta postagem é a de que Isadora mudou. Em primeiro lugar ela ficou de setembro de
2014 até maio de 2015 sem postar nada. Depois fez um post pedindo desculpas (09 de maio
de 2015), um com imagens retiradas do Pinterest sobre comidas fofas (29 de maio de 2015),
um em que ela fala sobre sua paixão por Harry Potter (em 5 de julho de 2015) e por último,
em 19 de outubro de 2015, o post, já citado aqui na página 70, “25 coisas sobre mim”. Sem
pretender psicologizar a análise de suas postagens, podemos perceber que ao reconhecer a
beleza para além da maquiagem, Isadora parece ter perdido o encanto sobre o mundo da
maquiagem, tanto que na sua lista de 25 coisas sobre ela, em nenhum momento aparece o
gosto por maquiagem.

 
139

Imagem 50 - Post Isadora sobre beleza

 
Fonte: Blog gostosemculpa.blogspot.com.br

Outra criança que demonstra uma mudança bastante visível é Manuela, que ao ser
perguntada sobre o que postava no Instagram, respondeu:

Manu - O que eu posto no Instagram, são, por exemplo, piadas que eu tiro da
internet, sabe aquelas piadas com memes? Então. Eu posto fotos de mim, tipo
quando eu tô com tédio eu tiro uma foto de mim com olho fechado deitada na cama
e posto tédio, tédio, tédio. Eu posto foto de desenhos meus. Eu posto fotos de
quando eu mando cartões pras minhas amigas.

 
140

Podemos verificar algumas mudanças apenas analisando seu perfil e as alterações que
Manu fez no mesmo. Entretanto, quero destacar aqui, três postagens que evidenciam as
mudanças de Manuela e seus reflexos nas redes sociais.
Imagem 51 – Post com brincadeira. Dezembro de
2014.

 
 
Imagem 52 - Manuela ensinando a fazer penteado: "É
só vc colocar uma tiara enquanto seu cabelo tá
molhado que ele fica assim." Imagem de 2015

 
141

Imagem 53 - Manuela em passeio com as amigas.


Agosto de 2016.

 
Fonte: Instagram.

A partir de 2016, a maioria das postagens de Manuela em seu Instagram gira em torno
dos amigos: fotos em momentos com eles ou como forma de dar os parabéns a algum deles.
Esse tipo de postagem é bastante comum entre Manuela e seus amigos: Manu publica uma
foto com o amigo aniversariante e escreve um texto que descreve o amigo e as experiências
singulares que caracterizam a história da amizade entre eles. Sabemos que a entrada na
adolescência faz com que as crianças comecem a curtir muito mais a companhia dos amigos,
a andar em grupos, portanto, analisando as fotos postadas por Manuela em seu Instagram, essa
mudança é bem visível.
Enquanto escrevia essa conclusão, perguntei à Manuela e à Isadora87 quais eram as
interfaces e softwares sociais que elas estavam usando com mais frequência, neste momento,
novembro de 2016. Isadora, em conversa por WhatsApp, me disse que está usando as
seguintes interfaces e softwares sociais: WhatsApp, Facebook, Tumblr, Skoob e Pinterest.
Interessante perceber que Isadora não destacou nenhum site diferente dos que ela já acessava.
                                                                                                                         
87
João e Isabela não me responderam. A mãe de Caio disse que ele mantém o blog e o canal do Youtube e tem
jogado com amigos que fez online e que isso o fez até ler um livro sobre Minecraft.

 
142

Manuela, em conversa por Direct do Instagram, me disse que utiliza o Instagram, o


Musical.ly88, o Snapchat89, o Instasize90 e o Afterlight91. Ou seja, Manuela cita novidades
como o Musical.ly, que é um aplicativo em que podemos “dublar” uma música; o Instasize
(que é um aplicativo para o Instagram) e o Afterlight que são aplicativos para o tratamento de
fotos. Mas nenhuma das duas cita uma nova rede social. Também podemos perceber, nas falas
das duas, as diferenças de cada uma ao utilizar os softwares e interfaces disponíveis: enquanto
Manuela tende a um uso mais voltado para a publicação de fotos, Isadora demonstra gostar
mais de instefarce que disponibilizem conteúdos. A que se deve essa diferença entre as duas?
Teria Isadora uma relação mais amadurecida com a internet em razão de seu blog, de seus
anseios para o futuro como escritora famosa?
Caio, que tem o blog onde publica seus desenhos também passou por uma
transformação ao longo desses quase quatro anos em que acompanho suas publicações. Desde
o seu primeiro post, publicado em maio de 2012, feito em grafite, passando por uma história
criada e desenhada por ele em programa específico de computador até o lançamento de um
canal no youtube, Zilla Craft, em que ele cria animações em Stopmotion com bonecos do jogo
Minecraft.

Imagem 54 – Primeiro post Caio.

 
                                                                                                                         
88
http://musical.ly/ Exemplos de vídeos feitos com o aplicativo:
https://www.youtube.com/watch?v=q3UmiR2Bg4Q
89
https://www.snapchat.com/l/pt-br/
90
http://instasize.br.uptodown.com/android
91
http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/afterlight.html

 
143

Fonte: http://caio-animaisselvagens.blogspot.com.br/
 
Imagem 55 – Canal do Youtube Caio.

 
Fonte: Youtube

Cabe destacar que das crianças participantes da pesquisa Caio e Isadora são os únicos
que ainda mantém seus blogs. O que os diferencia em suas relações com seus blogs? Isadora é
uma criança que sempre afirma que quer ganhar dinheiro com seu blog ou que quer ser uma
escritora famosa e começar com um blog seria uma estratégia para alcançar esse sucesso. Caio
utiliza seus desenhos como forma de expressão de seus sentimentos, ele se relaciona com o
mundo através deles. Acredito que para os dois, o blog seja algo mais profundo e por isso
tenha ido para além da curiosidade inicial e ultrapassado a barreira do cansaço que pode
envolver a produção e manutenção de um blog.
Pereira, em artigo chamado “O menino, os barcos e o mundo” (2010), defende que as
crianças lidam com a técnica de forma lúdica, na forma de jogo. “Para as crianças, os aparatos
técnicos são brinquedos e a relação que estabelecem com eles é de jogo.” (PEREIRA, 2010,
p.7). Em minha pesquisa de mestrado, percebi que as crianças tendem a desistir de um jogo
que esteja muito difícil. Seguindo essa linha de racícionio, podemos concluir que algumas
crianças da pesquisa de doutorado desistem de seus blogs por não darem conta de lidar com a
tecnologia, ou seja, quando o “jogo” fica difícil, eles desistem, como podemos perceber na
fala de Isabela em que ela conta que desistiu do primeiro blog que criou por não saber mexer
(p. 133 e 134). Percebi que nem sempre as crianças estão disponíveis para aprender a utilizar

 
144

um recurso e que às vezes a vontade de ter um blog ou de publicar um vídeo no Youtube pode
esbarrar na dificuldade em lidar com a técnica. Por isso, alguns aplicativos que tem o seu uso
mais facilitado, como o Instagram, podem fazer mais sucesso entre essas crianças.
Isadora demonstra lidar de forma diferenciada com a tecnologia: a relação dela com o
blog se assemelha a uma relação de trabalho. Aparentemente, Isadora chegou à técnica de
forma lúdica, mas percebeu o potencial e investiu nele. A importância que Isadora dá ao
manejo correto da técnica pode ser percebida no diálogo que apresento na página 135, onde
ela conta que a professora da escola nova divulgou seu blog, mas que colocou um vídeo em
que ela aparecia de cabeça para baixo o que a deixou com vergonha pelo fato de o vídeo não
estar perfeito.
Compreender que as publicações das crianças estão diretamente ligadas aos seus
interesses é uma das primeiras coisas que se destaca em minha tese. É preciso gostar, ter
interesse por um assunto para querer se aprofundar nele e isso, para algumas crianças, pode
ser traduzido na publicação de um blog ou de imagens sobre esse intresse. Cabe destacar que
os temas de interesse mudam ao longo do desenvolvimento de uma criança e isso também se
reflete nas suas publicações online.
Seguindo esse raciocínio da horizontalidade, cabe destacar que a participação das
crianças de forma autoral fortalece e coloca em evidência a importância que a cultura de pares
assume para as crianças: estar onde outras crianças estão, compartilhar com, ser visto e
comentado por outras crianças é muito significativo para elas.
Para finalizar essas conclusões destaco dois assuntos que costumam apareceer quando
pensamos em crianças e tecnologias: a escola e o abandono de outras formas de leitura/escrita.
Sobre a escola, apesar de as crianças colocarem nas tarefas escolares a culpa pelo
sumiço dos posts em seus blogs, convém destacar a fala de Isadora em que ela explica como
faz para continuar pensando no que irá postar mesmo durante a semana quando não pode
acessar a internet (esta fala está na página 115); também é bom destacar que das crianças que
continuam com seus blogs, mesmo que as postagens diminuam ou até parem totalmente em
aguns períodos, normalmente, há postagens anuais, ou seja, a criança acaba dedicando algum
tempo ao blog. Portanto, percebi, conforme já foi dito, que a falta de interesse ou o
surgimento de um novo interesse é o que mais pode causar o abandono de um software social.
E sobre o uso das tecnologias digitais em detrimento de outras formas de tecnologia e
de interação com a cultura (ler livros, escrever em papel, escutar música, assistir televisão,
brincar), existem vários exemplos que mostram que essas formas todas podem continuar
existindo, interagindo e se complementando. Alguns exemplos são: Manuela e sua forma de

 
145

divulgar o blog através da distribuição de papeis com o nome do blog em sua sala de aula
(página 138); Isadora em seus vários posts com dicas de leitura; alguns canais do youtube em
que as crianças filmam as brincadeiras com as bonecas; os aplicativos em que é possível fazer
um vídeoclipe de sua música preferida; e por fim, Isadora com seu caderno onde anota as
ideias que tem para o blog ao longo da semana.
Por último, mas não menos importante, gostaria de dizer que muito me surpreendeu
constatar que as crianças têm a possibildade de autoria na internet e acredito que cabe a nós,
adultos, educadores, pais, percebermos a potência que as crianças possuem em sua relação
com a internet, encontrando um discurso que vá para além da segurança no que se refere à
essa relação, porém, compreendendo que reconhecermos essa potência da autoria na internet
não desvaloriza as outras formas autorais e de expressão cultural que acontecem quando a
criança utiliza outros recursos que não digitais. Afinal, a potência autoral da criança existe na
vida: desde os pequenos tesouros encontrados pela rua até a criação de um canal do youtube,
em tudo a criança pode ver possibilidades de criação autoral.

 
146

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