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Rio Claro
2020
JÚLIA CRISTINA LIMA DE ARAÚJO
Rio Claro
2020
Araújo, Júlia Cristina Lima de
A663c CONCEPÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE : UM
OLHAR A PARTIR DO PROJETO ESCOLA SEM HOMOFOBIA
E DOCUMENTOS OFICIAIS DA EDUCAÇÃO / Júlia Cristina
Lima de Araújo. -- Rio Claro, 2020
73 p.
Inicio esse texto agradecendo aos meus pais que, da forma que puderam, me
ajudaram nesse período. Agradeço a paciência, por nunca duvidarem que eu concluiria
esse processo, mesmo com minhas dificuldades e no meu tempo. Obrigada pela vida e
pela oportunidade de ser filha de vocês. Agradeço a minha vó que foi uma base
fundamental para que eu me tornasse quem eu sou e pudesse traçar esse caminho.
Agradeço aos meus irmãos por serem minha fonte de inspiração e força para que eu não
desistisse. Lucas, você me inspira e me orgulha. Amo vocês com todo meu coração.
Agradeço as pessoas que pude conhecer através da universidade. Minhas amigas
de turma, parceiras dos trabalhos e da vida: Carols, vocês são inspiração e força para
mim. Amo vocês! Minhas companheiras de casa e vida: Cris, obrigada por me lembrar
que eu sou capaz não só dessa escrita, mas de tantas outras coisas da vida. Você esteve
comigo em todas as crises de desespero e foi essencial em todas as broncas, por me
puxar lá de baixo, enxugar minhas lágrimas e me ajudar tanto nesse processo. Bea,
obrigada por ouvir todos meus desabafos e compartilhar comigo os momentos de
aceitação de mim. Amo muito vocês.
Meu time Deliders Cheerleading, que foi a despedida mais difícil para esse ciclo
ser concluído. O esporte que me ensinou o que eu sou capaz com meu corpo e mente, a
superação de levantar a cada queda, a cuidar do outro; o esporte que foi muita terapia
nesses anos intensos de universidade e me proporcionou o mais importante: a família
que eu construí. Meus melhores amigos, não dividimos mais o tatame, mas ainda temos
a vida inteira como muito mais do que um time. Obrigada por me apoiarem tanto, eu amo
vocês!
Agradeço ao subprojeto PIBID pela experiência que me permitiu o primeiro contato
e reflexões com o tema do trabalho. Aprendi muito nesse período com os colegas no
espaço que construímos de compartilhar as experiências. À minha orientadora do
subprojeto e do TCC, Laura, você é incrível. Você me mudou como pessoa, aluna e
professora. Obrigada por me permitir e me ensinar a falar, ouvir e aprender tanto.
Finalizo agradecendo a mim mesma. Esse processo de começar a escrever foi
extremamente doloroso e sofrido. E ao longo dos estudos, esse processo foi se
associando a ansiedade, sensação de incapacidade dentro de mim. Por anos, coloquei
empecilhos para que eu não pudesse ser exposta como uma fraude de escritora, tentando
fugir dos julgamentos e ao mesmo tempo caindo num julgamento pessoal e externo de
não produzir. Demorei, infelizmente (ou não, respeitar meu processo e tempo também foi
um aprendizado) a desvincular a escrita com sofrimento, incapacidade. Já perdi a conta
das crises de ansiedade que foram desenvolvidas, pela sensação de sempre ter algo a
fazer, porém nunca conseguir concretizar. É desesperador. Mas eu consegui.
Depois de alguns meses escrevendo e muitos anos tentando escrever, o trabalho
saiu. Foi sendo construído aos poucos, sem pressa e desespero. Com cansaço, mas
muito orgulho do resultado. Nesse processo, pude entender que a dificuldade da escrita
ia além do medo acadêmico. O tema me atravessava, tocava o meu íntimo, ia além do
meu eu escritora. Desde o meu primeiro contato com gênero e sexualidade no PIBID, eu
tinha dificuldade de me entender. Eu precisei concluir primeiramente o fato de me aceitar.
Aceitar minha sexualidade, quem eu sou. Para poder ter certeza de que eu realmente
acredito no que eu estava escrevendo. Hoje, me sinto pronta para finalizar esse ciclo,
reconhecendo que as crises, medos, ansiedade que ele me trouxe, me provocou acima
de tudo, mais força e convicção de mim. Eu não teria escrito esse trabalho se fosse três
anos atrás. Hoje me sinto preparada para afirmar e defender o tema do que estudei.
Assim como no texto, eu só consegui construir esse sentimento, me alimentando um
pouquinho por dia. Aceitando que em certos dias, não ia produzir nada, só precisava
sentir e me acolher. E no dia seguinte, estava melhor, mais disposta. Esse trabalho me
ensinou a lição de não acelerar meus processos, acreditar em mim e no que eu sou.
Aceitar minha dor e medo, mas não me acostumar com eles. Eu sou capaz. Eu não
precisei de ninguém fazendo por mim, mas precisei de apoio e incentivo de quem eu amo.
Por fim, aceito que essa fase está finalizada e estou pronta para a próxima. Acho que
nunca nos sentimos completamente preparados porque nunca temos controle e noção
do que pode vir. Mas me abro às possibilidades. Olho com carinho para o que já passou,
mas não com apego para não sair de lá. Porque do outro lado, a vista é mais ampla, mais
bonita, mais clara.
RESUMO
INTRODUÇÃO
Lima e Salles (2014) explicam que uma vez que a escola se exclui da responsabi-
lidade de pensar no olhar da questão de gênero por outros ângulos, ela se torna uma
reprodutora de modelos antigos e excludentes e naturaliza (des)valores e uma lógica
sexista em uma sociedade machista, na qual ainda é norteada pela moral religiosa. Lima
e Salles (2014) oferecem a discussão definindo a sexualidade como construção social.
Portanto, a partir de fundamentos biológicos, estabeleceram-se padrões de comporta-
mento, e modos de ser homem e mulher, estreitando as possibilidades de ser e relacio-
nar-se como ser humano. Além disso, presenciou-se o fortalecimento de uma hierarquia
e desigualdade entre os sexos. Enquanto instrumento sociocultural, a religião controlou
os lugares que homens e mulheres devem ocupar na sociedade.
Mas como trabalhar essa temática na escola, em um Estado Laico, no qual ainda
recebe fortes influências religiosas (seja por políticas públicas, pelo corpo docente, ges-
tão da escola, família dos alunos)?
Uma das medidas mais conhecidas no Brasil foi a publicação dos PCNs (Parâme-
tros Curriculares Nacionais), do ano 1997, que apresenta uma abordagem do gênero que
coloca em debate o problema da relação de poder e submissão entre meninos e meninas,
respectivamente. Segundo Silva (2007), a publicação recebeu diversas críticas na esfera
acadêmica e escolar. O desconforto dos professores se refere às responsabilidades já
conferidas por eles, alegando ser uma tarefa prioritária da família. Essa atitude provavel-
mente era previsível, visto pela escassa capacitação na formação dos professores para
temas transversais.
p. 68). Com essa inclusão e alerta para o multiculturalismo, os professores devem perce-
ber a necessidade de lidar com as questões de identidade.
Concordo com Souza (2015), quando o autor explicita que o PIBID contribui com
o aprimoramento da formação docente dos bolsistas (futuros professores), ao ser um
espaço que acredita na relevância de investir nas discussões sobre diferentes temáticas
vinculadas à Educação, dentre elas o gênero e sexualidade. Nós, bolsistas do PIBID ti-
vemos a oportunidade de estar inseridos completamente no contexto escolar, compreen-
dendo a sua forma de atuação. Além da presença semanal com uma turma do Ensino
Fundamental, participávamos de horários de HTPI (Hora de Trabalho Pedagógico Indivi-
dual) com a professora titular, no qual planejávamos e discutíamos os projetos; também
participávamos dos HTPCs (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo) da escola, tivemos
oportunidade de compartilhar o nosso trabalho com toda a equipe pedagógica; além de
experenciar por completo a rotina escolar com os alunos.
O Projeto que não teve um nome oficial, pretendia alcançar diversos aspectos que
estão interligados a esse assunto no cenário escolar e os organizamos em tópicos.
Diferenciação de sexualidade e sexo;
Equidade de gênero;
Questões étnico-raciais;
Diversidades Religiosas;
Família.
assunto ainda considerado polêmico por tantos. Porém, ele foi o início de um encontro
meu com a Orientação Sexual na Pedagogia, dando inspiração para a produção do pre-
sente estudo. Essa experiência me levou a querer ampliar minha compreensão sobre a
temática e se dá como um eixo norteador para a minha docência.
Reconheço que esse momento de reflexão sobre o assunto foi um privilégio du-
rante a graduação, visto que não há na grade do curso uma disciplina obrigatória para
reflexão de gênero e sexualidade. No entanto, cursei uma disciplina optativa nomeada
“Orientação Sexual na Escola”, ministrada pela Profª Drª Célia Regina Rossi, na qual
também tínhamos um espaço para nos conscientizar e avaliar o cenário escolar enquanto
oportunidade e responsabilidade de propiciar discussões e desconstruções de temas so-
ciais (especificamente gênero e sexualidade).
Entendo que futuramente vou poder contribuir com espaços de reflexão abordando
a questão de gênero e sexualidade com meus alunos de forma desmistificadora e pro-
blematizadora. Acredito na responsabilidade da escola na construção de valores e atitu-
des nas relações com o próximo, nas quais devem prevalecer o respeito. Por isso, esse
estudo tem como objetivo compreender as concepções de gênero e sexualidade que cir-
culam no meio acadêmico e que estão vinculadas ao âmbito escolar a partir de Material
Didático desenhado no Projeto Escola Sem Homofobia (Caderno) e Documentos Oficiais
da Educação Nacional (Base Nacional Comum Curricular e Parâmetros Curriculares Na-
cionais), ressaltando a importância do assunto durante a escolarização da criança/ado-
lescente, fundamentando essa discussão com trabalhos publicados na Associação Naci-
onal de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no GT-23 (Grupo de Traba-
lho Gênero, Sexualidade e Educação) no período de 2013-2019.
12
1 DOCUMENTOS NACIONAIS
O documento que trata da Introdução do documento traz alguns dos objetivos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, como: oferecer ao professor reflexões e revisões
sobre o trabalho pedagógico; a preparação de um planejamento que possa realmente
orientar o trabalho na sala de aula; identificar e produzir novos trabalhos que possam
trazer um contexto significativo na aprendizagem, entre outros; Brasil (1997). Em suma,
o documento busca orientar e mostrar ao professor possibilidades de transformação no
trabalho educacional.
A orientação sexual foi tratada como assunto indispensável na vertente dos Temas
Transversais. O documento considera o papel e a postura do professor e da escola nesta
temática, além de propor referências necessárias para o desenvolvimento da discussão.
E apresenta, por meio de objetivos gerais, as capacidades requeridas para o aluno do
Ensino Fundamental.
Com isso, o âmbito escolar não pode exigir que seus alunos deixem do lado de
fora da escola, sua sexualidade. Assim como os demais agentes da educação não o
fazem. A sexualidade está intrínseca no ser humano, portanto, ela pode ser questionada
ou abordada a qualquer momento em uma sala de aula. O documento aponta que a
escola está, querendo ou não, sempre intervindo na sexualidade de seus alunos, mesmo
se for evitando esse assunto, ou proibindo-o, ela está transmitindo valores e conceitos
sobre o tema. (BRASIL, 1997).
Concepção do tema
1997, p. 81).
Isso não isenta a formação extraescolar que o aluno recebe, por exemplo na
família. Porém, cabe à escola, expandir os diversos pontos de vista e vertentes dos
assuntos existentes na sociedade para propiciar ao estudante reflexões e construir sua
própria referência: “O trabalho de Orientação Sexual na escola é entendido como
problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimentos e de
opções para que o aluno, ele próprio, escolha seu caminho” (BRASIL, 1997, p. 83).
A orientação sexual deve ser discorrida, assim como outras disciplinas, em coletivo
com a turma. Não de maneira individual e até invasiva a intimidade de cada um. Assim,
o aluno expor seus sentimentos, conclusões e vivências sobre o assunto é um direito de
escolha do próprio.
Postura do Educador
Relação Escola-Família
humana, prática social e temas transversais que eu entendo que poderiam se mostrar
favoráveis para um possível respaldo da Orientação Sexual na escola.
TÍTULO I
Da Educação
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social. [...]
TÍTULO II
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
TÍTULO V
Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino
CAPÍTULO II
DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Seção I
Das Disposições Gerais
Art. 26.
§ 7o A integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de
ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais de que
trata o caput
§ 9o Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as
formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos,
como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput
deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e
distribuição de material didático adequado. [...]
Seção III
Do Ensino Fundamental
Art. 32.
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (LDB,
Lei Nº 9.394/1996).
Foi apenas em 2015 que decorreu uma votação a Ação Direta de Inconstituciona-
lidade (ADI) visando à LBD, oferecida ao Supremo Tribunal Federal (STF), na qual de-
mandava-se estabelecer limites e parâmetros para o ER:
O STF deveria pedir ao Conselho Nacional de Educação
(CNE) a elaboração de normativa que previsse de forma de-
talhada limites negativos à relação entre religião e escola pú-
blica, entre eles, a retirada de símbolos religiosos e a proibição
de orações religiosas como parte da rotina escolar das esco-
las públicas, e que também fosse demandada ao conselho a
elaboração de protocolo nacional de registro e de procedimen-
tos relativos ao enfrentamento de casos de intolerância religi-
osa, racismo, homofobia, lesbofobia, transfobia, sexismo e de-
mais discriminações ocorridas em instituições públicas e pri-
vadas de ensino. (CUNHA, 2018, p. 899).
Ainda assim, seis votos foram contrários à ADI, ou seja, em apoio a legalidade
para o ER católico e de outras confissões na escola pública, contra cinco votos favoráveis
a tal.
A segunda e a terceira versões da BNCC, porém, não incluem mais o Ensino Re-
ligioso. À vista disso, evangélicos e católicos articularam protestos e reinvindicações não
só pelo retorno do ER, bem como a exclusão de qualquer menção a sexo e gênero na
Base. Em 2017, o Conselho Nacional de Educação apresentou o ER como área de co-
nhecimento, mas não concluíram o reposicionamento. Tendo como o primeiro objetivo
“Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e
filosóficos de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos”
(BRASIL, 2017) para o Ensino Fundamental, porém sem agregar a disciplina de filosofia
e sociologia, dando margem a interpretações incertas. (CUNHA, 2018).
Entendo a partir dessa discussão que é claro que a aliança cristã tem fortes in-
fluências na educação pública brasileira, além de desconsiderar o ensino de outras reli-
giões, como as afro-brasileiras e especialmente “não-religião”, interferindo no respaldo
legal para o professor ministrar disciplinas e até aulas sobre gênero e sexualidade.
Tendo em vista que o Brasil é o país que mais mata a população transexual no
mundo (BENEVIDES, 2020), a escola é um veículo de política pública para a tentativa de
rompimento com essa violência, através da educação empática, respeitosa e plural. Cabe
(não somente, mas também) a ela o papel social de explanar e desenvolver esse exercí-
cio de cidadania respeitando e manifestando a equidade em todas as classes sociais,
étnicas e diversidade sexual, sem discriminação, como propõe os PCNs além de discutir
a esfera individual (como o corpo, a própria sexualidade, nas relações com o outro) que
pode trazer vivências significativas para os nossos alunos, assunto que será mais apro-
fundado no terceiro capítulo.
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1 Atualmente a sigla se modificou para abranger novas orientações sexuais e identidades de gênero, se
tornando LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais ou Transgêneros, Queer, Intersexo, Asse-
xuais e + que acolhe todas as possibilidades de sexualidades).
2 Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/projeto-de-distribuir-nas-escolas-kits-con-
O Caderno Escola Sem Homofobia (2004) inicia com uma apresentação do projeto,
justificando causas e motivos para sua produção, considerando o Programa Brasil Sem
Homofobia (Conselho Nacional de Combate à Discriminação, 2004) um marco histórico
pela luta de direitos políticos e sociais e respeito à comunidade LGBTQIA+ com o
enfrentamento contra a homofobia. Nesse programa, há o componente V – “Direito à
Educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação por orientação
sexual” – citado no Caderno (2004), o qual apresenta possibilidades de apoio de cursos
de formação aos professores na área de sexualidade, constituição de equipes
multidisciplinares para avaliação dos materiais didáticos de modo a opor-se a conteúdos
discriminatórios por orientação sexual e produção de materiais educativos para
contemplar esse tema para os alunos e orientações para professores.
Deste modo, o governo federal afirma que a escola é participante ativa responsável
pela normalização ou, ainda, pela promoção da naturalização da homofobia, não apenas
nos materiais didáticos, mas nas interações ocorrentes na rotina de seus ambientes.
Considerando a homofobia como uma forma de desumanização do próximo, tal qual
como o racismo e o sexismo, atendando-se ao fato de que nos casos de racismo, a vítima
ao menos tem o apoio familiar, enquanto na maioria dos casos a vítima da homofobia
pode sofrer dessa discriminação até no próprio lar.
Portanto, o Projeto Escola Sem Homofobia tinha como objetivo contribuir para que
a escola se tornasse um espaço de acolhimento e respeito, favorável à garantia dos
direitos humanos independente de orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Na introdução do documento, o Caderno (2004) apresenta uma reflexão sobre a
transformação da informação para comunicação e conhecimento. Para isso, se faz
necessário que o conhecimento se insira na vida cotidiana de quem está a aprender,
relacionando-o com as práticas culturais, o modo de vida e o contexto para que faça
sentido e se torne possível a construção e reconstrução de uma diferente percepção da
realidade a partir do novo conhecimento. E é com esse fundamento que o Caderno se
elabora, incluindo não apenas informações sobre a homofobia e o respeito à diversidade
26
sexual, mas para que os alunos efetivamente abandonem qualquer discriminação sexual,
e desconstrução de qualquer estereótipo sobre orientações sexuais e identidades de
gênero, promovendo respeito às diferenças.
• Objetivo e metodologia
2.1.1 Capítulos
27
Essa divisão foi, por muito tempo, justificada cientificamente pela questão apenas
biológica. Acreditava-se que as combinações de cromossomos XX ou XY que produzem
os órgãos genitais e hormônios em diferentes proporções para cada sexo, também
influenciavam no comportamento específico de homens e mulheres e isso foi atribuído a
padrões de personalidades como algo “natural”. Assim foi construído um papel para
homens e mulheres determinando seu lugar na sociedade, assim como uma
hierarquização entre os gêneros.
O Caderno (2004) explica que hoje sabe-se que os papéis de gênero sofrem
mudanças conforme o passar do tempo, período, histórico e contexto político-social. Isso
28
• Diversidade Sexual
O Caderno (2004) desenvolve uma analogia quanto a gosto do paladar que são
diversos para cada pessoa. Uma preferência a um tipo de comida ou uma rejeição a outra.
A relação se faz com o desejo sexual humano que é amplo e diferente para cada um. É
30
claro que são âmbitos distinto, no entanto, o primeiro não gera sofre nenhuma
discriminação e pelo contrário, existe um ramo diverso para agradar todos os tipos de
paladar. Isso não é considerado nenhum déficit genético. A sexualidade foi por muito
tempo considerada como um fenômeno natural que ocorria entre os seres humanos, tal
como entre os animais: para reprodução. A partir da década de 1960, após a descoberta
da pílula anticoncepcional, houve uma revolução sexual, na qual ainda está adentrando
outros aspectos na sociedade, como o prazer feminino e o combate a assimetria de
gênero.
O movimento feminista que busca a igualdade de gênero em todos os âmbitos,
inclusive sexual, trouxe uma nova identidade sexual: a homossexualidade. E os
indivíduos que se reconheciam homossexual eram agredidos como doentes, perversos e
pecadores, principalmente os do sexo masculino que destoam do poder e papel de
“macho”. E ainda hoje prevalece essa pressão para que homens e mulheres ajam de
acordo com o esperado para seus papéis, senão facilmente pode-se presenciar diversas
formas de preconceito e discriminação.
Faz-se aqui uma confusão do senso comum quanto ao comportamento e desejo.
Designando que se a pessoa não se identifica com o desejo heterossexual, ela quer se
tornar alguém do sexo oposto. Por isso a importância de compreender a diferença entre
identidade de gênero e orientação sexual.
O Caderno (2004) ilustra identidade de gênero como a consciência de que uma
pessoa possuir genitais de um determinado sexo, não necessariamente se identificará
como pertencente a ele. A constituição do ser humano é formada a partir de seu interior
(o que sente) e exterior (cultura, linguagens, costumes, valores). Assim, “na relação
consigo mesmo e com aquilo que está a seu redor, o indivíduo vive um contínuo processo
de socialização, que se dá em duas direções: o de modelização e o de resistência”
(CADERNO..., 2004, p.26). No processo de modelização se dá vários exemplos já citados
que constituem as “caixas” determinadas para cada sexo. Em contrapartida, a resistência
visa a individuação de cada um e a constituição de singularidades específicas.
O que cada ser humano apresenta de si em relação aos demais e sente em seu
interior é a chamada identidade de gênero, seja na condição de homem ou mulher, ou
uma mescla de ambos, as possibilidades são diversas, sem interferência de seu sexo
31
biológico. É necessário, portanto, criticar a ideia de uma divisão dos sexos exclusiva e
imutável, além de fugir dos estereótipos de gênero (como meninos são competitivos,
agressivos e dominadores, enquanto meninas são delicadas, dóceis e cuidadoras). Como
já visto, essas características são culturais e reforçam as desigualdades de gênero. É
preciso romper a repressão das individualidades que não se sentem representadas por
essa cultura.
A luta e conquista feminista tem resultado em algumas mudanças que já são
perceptíveis, por exemplo, o questionamento da obrigatoriedade exclusiva da mulher a
fazer tarefas domésticas. Contudo, é indispensável nesse processo impedir a rigidez das
normas de gênero, também na atribuição de gays e lésbicas ao sexo oposto, visto que a
orientação sexual não é necessariamente relacionada a identidade de gênero.
A seguir é apresentada a definição de orientação sexual, que está relacionada com
a atração que as pessoas sentem umas pelas outras, tanto afetiva como sexualmente. O
Caderno (2004) estabelece as atrações que podem se manifestar entre heterossexuais
(pessoas do sexo oposto), homossexuais (pessoas do mesmo sexo), ou bissexuais
(pessoas que se atraem pelos dois sexos). E destaca a importância de compreender que
“não se trata nem de uma essência – de algo que já nasce com a gente –, nem de uma
opção – de uma escolha consciente e deliberada –” (CADERNO..., 2004, p. 28), mas de
uma característica, um atributo que compõe a individualidade e desejo do ser humano.
Portanto a palavra orientação não se refere a um ensinamento, seja dado pela família,
sociedade ou qualquer outro, por quem uma pessoa deve se sentir atraída.
Esse interesse pelo outro pode desenvolver múltiplas formas de afetos, contudo
também pode se referir apenas a um contato corporal. Com a influência da religião, a
cultura da sociedade atual idealiza “normas” para os relacionamentos se desenvolverem.
Como o conceito de que a interação sexual apenas pode ocorrer sob o amor, apenas
entre relações heterossexuais para que se cumpra o destino atribuído a ideia de uma
família supostamente superior: conhecer, apaixonar, casar e ter filhos. Aqueles que não
se encaixam nesse modelo sofrem uma repressão cultural, física, histórica, cultural e até
financeira. No entanto, proibição não torna o desejo ausente, apenas talvez reprimido.
A problemática se dá a tentativa de lidar com essa diversidade sexual na escola
ou na sociedade, como ensinar e aprender que as formas de sexualidade e de se
32
conhecimento pessoal. Por esse motivo, não é correto o termo “opção sexual”.
• Homofobia
Ao longo dos anos a comunidade LGBTQIA+ luta pelo direito de viver. A partir da
primeira Parada do Orgulho LGBT, no dia 28 de junho de 1970, o movimento despertou
e saiu de uma posição de espera pelo reconhecimento e se colocou à manifestação pela
luta dos direitos iguais. A ideia é sair do confinamento imposto pela sociedade,
aumentando a visibilidade do movimento.
Ainda hoje existem países em que, ter uma orientação sexual não hétero pode
resultar em prisão ou até a morte. No Brasil, ser homossexual não é considerado crime,
nem doença. Contudo o maior discurso enfrentado é que essa prática é um pecado
embora, de acordo com a Constituição (1988), o país seja laico.
• Preconceitos e estereótipos
37
A partir dessa ideia de “caminhada para nos tornar o que somos”, pensa-se na
ideia de um currículo que alcança e abrange para além dos conteúdos disciplinares
explícitos nos planejamentos. Trata-se do currículo oculto, o qual compreende que diante
da rotina no cotidiano escolar e nas interações pessoais em outros ambientes são
transmitidos valores e atitudes subliminarmente, de maneira implícita.
Em seguida, o caderno propõe a terceira dinâmica chamada “De olho na
linguagem”, cujo objetivo é debater o sexismo na linguagem. Para isso, faz-se a proposta
de convidar os alunos a observarem e analisar a linguagem de textos. É relevante
destacar que na Língua Portuguesa, as atribuições de adjetivos, por exemplo, caso haja
um homem e uma ou mais mulheres, a concordância é feita no masculino plural. A partir
disso, solicita-se para os alunos reescreverem alguns trechos evitando o uso genérico
das palavras no masculino, substituindo por exemplo, “os idosos” por “pessoas idosas” /
“os jovens” por “a juventude” / “os diretores” por “a diretoria ou direção”.
A partir dessas definições, o Caderno (2004) descreve uma analogia para melhorar
a compreensão da diversidade humana e a incoerência de permitir espaços e direitos
apenas a partir de uma característica. Por exemplo, supõe-se que só é permitido
frequentar alguns espaços da escola quando o aluno ou aluna possui olhos azuis. Outros
estudantes com olhos de outras cores são proibidos de usar os banheiros. Aqui, é
perceptível que essa é uma regra arbitrária e significa um abuso de poder.
O mesmo se dá com estudantes travestis, os quais têm dificuldade de frequentar
42
o banheiro que possam se sentir mais confortáveis. As pessoas do sexo masculino que
se veem como uma mulher, sua identidade deve ser acolhida, respeitada e garantida o
direito do acesso ao banheiro feminino. Dentre vários outros casos, não cabe a ninguém
além do próprio estudante, se reconhecer na própria identidade de gênero e utilizar dos
atributos para feminino ou masculino. Essa regra pode ser mudada a partir da concepção
que não há uma lei ou norma escolar para essa definição, portando faz-se de uma regra
facultativa.
Outra luta das pessoas transexuais e travestis apontada no Caderno (2004) é a
mudança civil do nome social. Pode parecer simples, mas ela significa o reconhecimento
oficial da identidade de gênero aderida. Há um empasse em algumas escolas para que
os professores chamem os nomes escolhidos que muitas vezes não aparecem na lista
oficial de chamada, por exemplo. Nesse momento, é importante a empatia com o(a)
aluno(a) que pode se sentir constrangido(a) ou envergonhado(a) por ser chamado todo
dia por um nome que não lhe representa. Para o professor, no entanto, poderia ser
apenas uma mudança simples (anotação do lado da própria chamada).
sentido. Depois dessa leitura, abrir a discussão questionando aos alunos qual deveria ser
a postura dos educadores nesses casos e o que significa quando você se opõe a algo,
mas não demonstra.
A dinâmica seguinte se chama “Situações concretas de homofobia e o que seria
possível fazer para superá-las”, tem o objetivo de refletir sobre as práticas pedagógicas
e suas possibilidades de transformação. A sugestão nessa dinâmica é que o professor
prepare algumas situações-problema de homofobia, por exemplo ‘nem todos não
heterossexuais encontram apoio em suas casas’, ou ‘a escola é um agente de
socialização que majoritariamente contribui para norma heterossexual’, ou ainda ‘as
minorias presentes na sexualidade normalmente não são abordadas na escola, excluindo
esses indivíduos’. A partir dessas situações, solicitar aos alunos que leiam e reflitam em
possibilidades de ações que a escola pode tomar para resolver esses problemas.
Nesse tópico o documento propõe um plano de ação com estratégias para que a
escola elabore um projeto político pedagógico emancipatório, afim de orientar as práticas
que objetivam o combate à homofobia. O plano de ação é descrito a partir de alguns
passos nos quais são utilizadas dinâmicas como metodologia.
A quarta dinâmica referente ao primeiro passo do plano de ação, denomina-se
“identificando problemas”. A partir dela, solicita-se ao professor que proponha a discussão
de como a homofobia se manifesta na escola, e a partir do debate com os estudantes,
preencham um quadro de identificação do problema e origem/processo desse problema.
O segundo passo para o plano de ação definido no Caderno (2004) é a definição
de metas e objetivos a partir da quinta dinâmica proposta. Em plenária, o professor pode
incentivar aos alunos que definam uma meta a ser alcançada através do projeto. Em
seguida, solicitar ao grupo que elaborem objetivos considerando que devem responder
aos problemas identificados; contribuir para o alcance da meta; definir prazos temporais
para o cumprimento.
Identificar pessoas que são beneficiadas a partir desse projeto é o terceiro passo
apresentado. Para tal, a dinâmica 6 “Refletindo sobre os/as beneficiários/as” tem o
objetivo de identificar o que se sabe e o que não se sabe sobre os conhecimentos,
práticas e atitudes em relação à homofobia a partir de um determinado grupo de
beneficiários (alunos, professores, família); conforme a plenária for respondendo essas
questões, o professor pode expô-las num quadro.
O quarto passo do plano de ação é identificar as atividades por objetivo e
beneficiários/as; o que é preciso fazer para que os objetivos sejam cumpridos. Na sétima
dinâmica, a plenária deve refletir sobre as atividades necessárias para cada grupo de
beneficiários. A proposta deve ser elaborada em conjunto.
Por fim, o quinto e último passo do plano de ação é realizado a partir da dinâmica
8 “elaboração do quadro lógico”, no qual os estudantes podem expor de maneira mais
organizada o resultado dos passos anteriores planejados: metas, objetivos, atividades e
grupos atingidos.
O Caderno (2004) é finalizado salientando que para que a escola tenha um ensino
de qualidade e respeito entre os integrantes de toda sua comunidade, é imprescindível
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3 PROBLEMATIZANDO A TEMÁTICA
Para tal, as autoras iniciam a discussão explanando sobre o contexto pelo qual
essa questão começou a ter espaço, a partir da metade do século XX. A educação passou
a ser questionada e reivindicada por indivíduos que estavam à margem da sociedade, tal
como indígenas, negros, mulheres, portadores de deficiências e não-heterossexuais e,
por conseguinte foram ganhando força política e representacional. À vista disso, esses
movimentos requeriam o direito de terem suas diferenças reconhecidas não como
estranhos e anormais, mas como uma forma de vida própria. Atualmente, existe uma
série de materiais, livros, programas e outros meios de comunicação que salientam a
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Tal como discutido no primeiro capítulo do presente trabalho, Guizzo e Felipe (2015)
pontuam a Constituição Federal (BRASIL, 1988) na qual em seu artigo 3º garante a
promoção do bem para todos, sem preconceitos, independente de origem, cor, sexo,
idade ou qualquer outra forma de discriminação. Além dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997) que embora tenham sofrido fortes críticas, se tornaram uma
forte base para educação nacional e contemplavam os temas transversais, nos quais
dedica aspectos relacionados ao gênero e sexualidade em seu conteúdo e os considera
fundamentais.
tinham seus direitos garantidos no que diz respeito ao gênero e sexualidade. Em 2003, a
Secretaria de Políticas para as Mulheres foi criada e em 2012 as Delegacias
Especializadas de Atendimento à mulher abrangeram todo o território nacional, além das
Varas de Violência Doméstica.
A autora relata que ficou satisfeita com o resultado dessa atividade, porém lamenta
que praticamente metade da turma não compareceu à escola nesse dia, devido à falta
de autorização dos pais para participarem dessa aula. Desse modo, Guizzo e Felipe
(2015) salientam que a família ainda é um grande dificultador nessa questão, a qual
parece não compreender que além da escola, os jovens têm acesso a outros meios de
educação como internet, jornais, televisão, que podem ainda não esclarecer e instruí-los
de maneira correta. Conforme Guizzo e Felipe (2015),
O autor salienta que nos últimos anos, o país enfrenta dificuldades governamentais
para o avanço da discussão de gênero e sexualidade no âmbito escolar. Nesse contexto,
determinados grupos detém o poder de estabelecer o que é válido para representação
de identidade e um padrão a ser seguido, decretando o outro como diferente, minoria, à
margem das decisões sociais. Em contrapartida, o multiculturalismo representa o
questionamento da reprodução de preconceitos e estereótipos, além de propiciar uma
valorização da diversidade cultural, e as implicações do papel da escola no
desenvolvimento da cidadania.
distorcidos do que seria essa orientação sexual, e defendem que a “educação moral”
deve ser instruída exclusivamente pelos pais. Esse movimento apresenta força e poder,
inclusive provocando uma exclusão de certos termos em documentos oficiais, como
“gênero”, “igualdade de gênero”, entre outros e a promoção de projetos de leis que
ameaçam a liberdade docente, restringindo discussões que possam estar em conflitos
com as convicções religiosas das famílias (MONTEIRO, 2017).
A cultura está presente na vida dos seres humanos desde seus primeiros
momentos, sendo que cada indivíduo pode produzir ou ser produzido por ela, tal como a
escola que pode reproduzi-la ou questioná-la e transformá-la através de seu currículo e
metodologia. Monteiro (2017) salienta que, todavia, a escola tem a atuação dominante
que prioriza o comum, normal e uniforme; as diferenças são silenciadas ou confrontadas.
À vista disso, o ambiente escolar se torna mais um espaço no qual é propagado
estereótipos, preconceitos, limitando certos padrões étnico-culturais. Para a ruptura
desse seguimento Monteiro (2017) argumenta que
O autor alerta que é incoerente, portanto, tornar como universal uma ideia que foi
construída socialmente em um determinado tempo e sociedade. A binaridade de gênero
foi um elemento criado a partir das diferenças biológicas dos sexos e a partir desse
conceito, as relações de poder foram constituídas e determinou-se uma hierarquização e
desigualdades entre um grupo e outro. Monteiro (2017) salienta a necessidade do
comprometimento da escola com a justiça social e representatividade para todos e todas,
interferindo nas relações de poder que vêm se disseminando exclusivamente a um
determinado grupo, e diminuindo as desigualdades sociais e de gênero, através de uma
abordagem na qual o multiculturalismo seja desenvolvido, não com o objetivo de dividir e
separar, porém de inter-relacionar diversas culturas e sujeitos no espaço educacional.
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Desse modo, o trabalho pontua que não existe uma forma única de ser e se
identificar como homem e mulher, visto que considera as complexidades e
individualidades de cada um, não apenas um mesmo padrão pré-determinado a partir do
sexo com o qual nasceram. A pluralidade de identidades e culturas não permite a restrição
de um tipo correto de ser e se portar; com isso a escola possui o papel político na
transformação identitária a partir de discussões, reflexões e questionamentos sobre
gênero e sexualidade, afim de
gênero na escola. Além disso, Gava (2019) pontua que o debate alcançou a política
brasileira, de modo que o candidato eleito à presidência no ano de 2018, teve sua
campanha baseada no discurso do combate a “ideologia de gênero”. Nesse cenário, a
Educação é entendida como uma área de disputa entre setores conservadores e
progressistas, visto que de um lado os discursos são baseados em preconceitos morais
e religiosos e ignoram marcos legais no país, e do outro, a instituição escolar é tratada
como parte de um projeto que visa valores como a laicidade e ideais democráticos.
A autora salienta que para a Igreja, um conceito que pode enfraquecer a instituição
tradicional de “família”, significa sua própria fragilização, à vista disso, diante do avanço
de ideais democráticos nos quais o indivíduo livre é considerado, a Igreja investe em seu
discurso na defesa de uma moralidade social e política. A estratégia utilizada pelo setor
conservador para a ruptura da democracia liberal, é um sistema institucional eficaz: o
medo; a produção de um pânico moral. Segundo Gava (2019)
sociais, de modo que o discurso da “ideologia de gênero” ganhou força para derrubar
direitos e políticas já consolidados, na área da saúde, educação e cidadania, como os
Direitos Humanos.
O trabalho considera que é possível que essas ações sejam mais frequentes,
reforçando a ideia da escola como um espaço de disputas. No entanto, é necessário
considerar o espaço que a discussão de gênero e sexualidade constrói como conceito
que pode contrapor esse processo construído desde 1990, como um caminho possível
de exploração da escola por seu papel potencializador de transformação social.
Os autores salientam, porém, que a existência dos livros não exime as lacunas
entre legalidade e realidade, tal como as interpretações possíveis de ambos os
documentos. Mesmo passados 28 anos da promulgação da Constituição (1988), o
Congresso Nacional ainda apresenta confusões no que diz respeito a abordagem ao
Estado Laico. Como ilustração, o texto relaciona dados estatísticos, nos quais evidenciam
a realidade de um número significativo de políticos que se nomeiam mais pela
religiosidade, do que pelo próprio partido, dadas mobilizações da bancada evangélica,
católica e familiar. Goettems, Schwengber e Wisniewski (2017) reiteram os
questionamentos dessas bancadas que defendem uma formação familiar padrão, pela
figura do pai (homem), mãe (mulher), e filhos, além de discursam abertamente contra o
casamento de pessoas do mesmo sexo, expõem preconceitos homofóbicos e outras
questões sociais, a partir da justificativa religiosa. As autoras chamam atenção para
Jovens e Adultos (PROEJA), que recebe o nome (fictício) de Leila. Essa aluna relata para
um colega de classe sobre a conversa que teve com sua filha de 9 anos de idade. Na
conversa, a mãe instrui a criança para caso receba o kit anti-homofobia (CADERNO...,
2004) na escola, deve rasgá-lo em mil pedaços, proibindo-a de manusear o material.
A aluna Leila em questão parece ter sido influenciada pelo discurso de políticos e
reagiu contra um material que não chegou a conhecer, talvez nem questionar. Goettems,
Schwengber e Wisniewski (2017) atenta que nos estudos escolares, Leila não
necessariamente mudará sua posição em relação às orientações sexuais diferentes da
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sua, porém poderá ter uma reflexão sobre o assunto e começar a olhar para o outro,
diferente, sem ter que julgá-lo a partir do preconceito.
Todavia, há no outro lado, a ideia de que esse reconhecimento possa ser uma
estratégia biopolítica de governo para um controle e processo de subjetivação dos corpos
62
Santos (2013) apresenta o contexto histórico, no qual até 1950, transexuais não
eram consideradas sujeitos, por isso, não havia definições, nem diferenciações. A
experiência transexual era considerada uma patologia, visto que a sociedade foi fundada
no conceito binário feminino e masculino e, concomitantemente, a escola era
compreendida como um empreendimento biopolítico, justaposta às redes de controle-
poder que constituíram as condições para que o dispositivo da sexualidade fosse
reconhecido como uma questão político-epistemológica.
Por fim, o artigo constata que a resistência dos corpos e identidades transexuais
operam uma perturbação ao agenciamento biopolítico, enquanto consequentemente
pode resultar na própria exclusão e rejeição desses sujeitos justamente por fugirem da
norma e controle. Como alternativa, Santos (2013) sugere um desafio à educação e à
escola moderna que consiste em buscar alternativas para legitimar esses corpos e pensar
a partir da diferença e da multiplicidade. Desse modo, a educação pode cumprir seu papel
de resistência ao controle, como ato político de liberdade.
desse espaço.
violência simbólica contra aqueles que não se encaixam nesse padrão. O afeto das
meninas se tornou um “problema” na medida que requeriam uma visibilidade e
pertencimento social, e foram recebidas com uma postura LGBTfóbica como recompensa:
“foi uma conversa para dizer que não tinham como continuar com esse temperamento [...]
evitar que tivessem problema, e que não viessem mais para a escola [...] (Professora,
grupo de discussão)” (VIANNA; CAVALEIRO, 2015, p. 8).
O trabalho “Diálogos sobre homofobia com jovens de Ensino Médio: uma pesquisa
com grupo focal” de Santos (2015) objetiva realizar uma breve análise das discussões
que ocorrem entre os jovens de uma escola pública de Ensino Médio, do Rio de Janeiro,
sobre a diversidade sexual. Para tal, Santos (2015) realizou uma dinâmica focal, na qual
dezesseis estudantes - que se inscreveram por escolha própria - responderam questões
por escrito; as questões foram propostas a partir de um dilema moral apresentado aos
participantes, no qual era descrito uma narração apresentada por duas partes de uma
mesma história.
Na segunda parte do dilema, Santos (2015) revela que os alunos divergiram das
opiniões sobre sexualidade. A priori, os estudantes tiveram certa dificuldade para iniciar
essa discussão, visto que não comentaram sobre a questão e enfatizaram a parte da cola
e da ameaça. Quando questionados sobre essa parte específica, a resposta de alguns
estudantes demonstrou uma negação da homossexualidade. Responderam que não
havia provas e caso acontecesse essa situação com eles, não falariam nada pois não
são gays.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por isso, o movimento que fiz nesse estudo se iniciou a partir de uma pesquisa
nos documentos oficiais da educação, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), LDB
e Base Nacional Comum Curricular. Os PCNs registraram um marco nos documentos
educacionais brasileiros, visto que desenvolveu volumes que tratam sobre temas
transversais, disponibilizando um documento exclusivo à orientação sexual. Todavia,
esse documento apresenta discussões com uma abordagem mais especificamente
biológica: na promoção de saúde dos jovens, prevenção de problemas graves (abuso
sexual, gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis), autoconhecimento e
respeito. Embora o documento busque abordar a questão da sexualidade como tema
inerente ao ser humano desde seu nascimento, não faz uma discussão muito específica
e não desenvolve muita criticidade no aspecto social, sobre orientações sexuais e
identidades de gênero. Contudo, o documento que foi publicado no ano de 1997 se
apresenta como um passo inicial para o desenvolvimento de estudos sobre o tema.
temática, que no fim foi designada com uma condição facultativa e propensa a diferentes
interpretações.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também não possui uma discussão
específica sobre gênero e sexualidade, mas são destacadas algumas competências
incluídas na disciplina de Ciências da Natureza que fazem menção aos Direitos Humanos,
como liberdade, respeito, posicionamento ético em relação ao outro, acolhimento e
valorização à diversidade humana. O documento também sofreu ataques de religiosos
que reivindicavam a inclusão do Ensino Religioso e exclusão de qualquer menção sobre
gênero e sexualidade.
Portanto, na dimensão legislativa, as leis não são tão claras no que diz respeito
especificamente a educação sexual. Contudo contribuem para o papel de assegurar
direitos já conquistados, como o reconhecimento do Estado Laico e os Direitos Humanos,
no qual todo e qualquer tipo de discriminação é vetado, inclusive a discriminação pelo
sexo e/ou orientação sexual. Além disso, apresentam grandes influências da bancada
evangélica e católica e evidenciam a continuidade desse embate entre a laicidade e
religiosidade.
REFERÊNCIAS
CADERNO Escola Sem Homofobia. Brasil: [s.n.], 2004. Disponível em: https://nova-es-
cola-producao.s3.amazonaws.com/bGjtqbyAxV88KSj5FGExAhHN-
jzPvYs2V8ZuQd3TMGj2hHeySJ6cuAr5ggvfw/escola-sem-homofobia-mec.pdf. Acesso
em: 24 ago. 2020.
CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa
de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania ho-
mossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf. Acesso em: 23
jun. 2020.
PICAZIO, Cláudio et al. Sexo secreto: temas polêmicos da sexualidade. São Paulo:
Summus, 1998.