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NATAL – 2007
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
NATAL – 2007
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BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________
Prª. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
__________________________________________________
Prª Dra.Maria Inês Sucupira Stamatto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
__________________________________________________
Pro Dr. Jorge Carvalho do Nascimento
Universidade Federal de Sergipe - UFS
__________________________________________________
Pro Dr. Antônio Carlos Ferreira Pinheiro
Universidade Federal da Paraíba – UFPb
__________________________________________________
Pro Dr. Antônio Basílio Thomaz Novaes de Menezes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
___________________________________________________
Prª Dra Maria Arisnete Câmara de Morais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
___________________________________________________
Prª Dra Maria Lindací Gomes da Silva
Universidade Estadual da Paraíba - UEPb
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DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
instituição: Laíse, Gleide e Graça. À bibliotecária Albanita, pela revisão das normas técnicas
do trabalho.
A Greycimar Silva dos Santos, pela paciente leitura e revisão gramatical do
texto escrito.
Sem o apoio dessas pessoas e das instituições citadas, tão importantes para a
trajetória de construção da tese, seria difícil realizar um trabalho dessa natureza, porque o
próprio ato de pesquisar envolve pessoas, objetos e instituições. A pesquisa não se dá no
vazio da objetividade; é fruto de emoções, pensamentos, sofrimentos e alegrias, desânimos,
desafios e conquistas, exigindo de quem a pratica um mergulho num universo atordoante e
prazeroso de grandes aprendizagens.
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LISTA DE QUADROS
LISTA DE FOTOS
FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1919 ............ 116
FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927 ................. 197
FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914 ........... 249
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado................................................... 14
A acepção sobre os documentos e os arquivos ................................................................... 18
A construção da pesquisa ................................................................................................... 39
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................274
REFERÊNCIAS ................................................................................................................283
ANEXOS ............................................................................................................................303
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RESUMO
A pesquisa apresenta um novo olhar para a instituição escolar Escola Doméstica de Natal,
tentando dar conta da multiplicidade dos atores e práticas envolvidas na escola que melhor
definiam e explicavam os fenômenos daquela realidade educativa e das relações com o tempo
e lugar em que estava inserida. Neste sentido, os conceitos de memória e cultura escolar
foram fundamentais para a compreensão dessas práticas, porque contribuíram para fazermos
uma leitura histórico-cultural do conjunto de aspectos institucionalizados na escola, como o
seu currículo, finalidades, modos de ensinar e aprender, condutas, normas, enfim, o que
caracterizavam a sua organização e práticas cotidianas. Sendo a Escola Doméstica de Natal
uma instituição pioneira no modelo de ensino voltado para a educação feminina no Brasil,
priorizamos reconhecê-la e circunscrevê-la na sua indelével contribuição à História da
Educação norte-rio-grandense. Concebida por um modelo de organização escolar europeu
para a educação feminina, a Escola Doméstica de Natal foi inaugurada em 1914, tendo como
seu criador, o intelectual norte-rio-grandense Henrique Castriciano de Souza. Sua
singularidade, divergindo das escolas femininas existentes no RN e no país naquele momento,
advinha do modelo escolar adotado, que enfatizava a formação de uma mulher voltada para
atender aos anseios modernos despontados com o advento da República. Esse ideário exigia,
por parte da escola, a formação de um modelo de mulher em seus aspectos moral, físico,
cultural e intelectual moldados nos ideais da ordem e do progresso. Essa seria uma nova
forma de educação escolar que poderia favorecer a modernização dos velhos métodos de
ensino, provocando o surgimento de modelos que implicariam numa nova organização
pedagógica nas escolas existentes no Estado e conduziriam a cidade a novos e elevados
patamares de cultura e civilidade. Estava presente, também a representação de que, com essa
formação, a escola contribuiria para que a mulher atuasse na sociedade de forma mais ativa,
social e ajustável ao meio. As palavras ordem, novo, civilidade, moderno e progresso
circulavam e se entrecruzavam com valores arcaicos ainda arraigados e permanentes na visão
da vida e na idéia de mundo de então. Assim, percebia-se a Escola Doméstica como
instituição modelo, específica em sua função, que iria trazer para a cidade e, particularmente
para o Estado do RN, idéias de civilidade, ordem e progresso.
RÉSUMÉ
La recherche propose un nouveau regard sur l’Institution Scolaire École Doméstica de Natal,
en essayant de tenir compte de la multiplicité des auteurs et des pratiques développées à
l’école qui définissaient le mieux et expliquaient les phénomènes de cette réalité éducative et
des rapports avec le temps et le lieu où elle s’insérait. Pour ce faire, les concepts de mémoire
et culture scolaire ont été fondamentaux pour la compréhension de ces pratiques, parce qu’ils
ont contribué à notre lecture historique-culturelle de l’ensemble d’aspects institutionnalisés à
l’école, comme son curriculum, ses finalités, ses façons d’enseigner et d’apprendre, ses règles
de conduite, ses normes, enfin, ce qui caractérisait son organisation et ses pratiques
quotidiennes. C’était l’École Doméstica de Natal l’institution pionnière dans le modèle
d’éducation féminine au Brésil, nous le reconnaissons en priorité et nous visons à le
circonscrire à son indélébile contribution à l’Histoire de l’Éducation de Rio Grande do Norte.
Conçue par un modèle d’organisation scolaire européen pour l’éducation féminine, l’École
Doméstica de Natal a été inaugurée en 1914, en ayant comme créateur l’intelectuel de Rio
Grande do Norte Henrique Castriciano de Souza. Sa singularité, s’opposant aux écoles
féminines existantes au Rio Grande do Norte et au Brésil en ce temps-là, était dû au modèle
scolaire adopté, qui appuyait sur la formation d’une femme préparée à répondre aux
aspirations modernes surgissant avec l’avènement de la République. Ce contexte exigeait de
l’école la formation d’un modèle de femme dans les aspects moral, physique, culturel et
intelectuel modelés sur les idéaux de l’ordre et du progrès. Ce serait une nouvelle méthode
d’éducation scolaire qui pourrait favoriser la modernisation des anciennes méthodes
d’enseignement, provoquant le surgissement de modèles qui impliqueraient une nouvelle
organisation pédagogique aux écoles de l`État et conduiraient la ville à de nouveaux et hauts
paliers de culture et civilité. Avec cela, l’école contribuerait à ce que la femme joue un rôle
dans la société d’une manière plus active, sociale et mieux adaptée. Les mots ordre, nouveau,
civilité, moderne et progrès se répandaient et s’entrecroisaient avec des valeurs archaïques
toujours permanentes et enracinées dans la vision de vie et l’idée de monde d’alors. Ainsi, on
voyait que l’École Doméstica était une institution modèle, spécifique dans sa fonction, qui
apporterait à la ville et, particulièrement au Rio Grande do Norte, des idées de civilité, ordre
et progrès.
INTRODUÇÃO
Não deve haver preocupações somente com os dados evidentes, mas a tentativa
de aprofundar a complexidade dos acontecimentos em sua essência, nas suas relações e
interdependências, para ir tecendo o conhecimento sobre o objeto de estudo situado num
tempo. Também sentimos necessidade de operar cortes seletivos no universo da pesquisa, de
definir o quê e como pesquisar, porque o contato inicial com um universo diversificado de
fontes documentais exige do pesquisador, separações, delimitações e definições a partir dos
objetivos da pesquisa. O recorte do objeto dá-se, portanto, como função necessária.
Indagações sobre as pretensões, as possibilidades, limites e contribuições do
estudo e outras situações e questionamentos foram aflorando a partir de então. A organização
de um plano de investigação, de fato, passou a auxiliar e iluminar os passos, sinalizando para
a bibliografia existente sobre a temática da Escola Doméstica de Natal, o universo a ser
pesquisado, o aporte teórico-metodológico a seguir, o levantamento dos espaços para
pesquisar, posto que toda pesquisa histórica, além de um tempo específico, inscreve-se em
algum lugar na sociedade, articula-se com um lugar de produção sócio-econômico, político e
cultural, enraíza-se em uma particularidade. (LE GOFF ; NORA, 1979).
É em função desse lugar social e desse meio de elaboração que alguns
questionamentos se formulam, que se definem e apuram os métodos e esboçam-se riscos e
uma trajetória (CERTEAU, 2002). Afinal, para Nora (1981, p. 13):
para uma análise da sociedade, posto que não exista análise que não seja totalmente
dependente de situações criadas por relações sociais ou analíticas.
Levar a serio o seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição
para que alguma coisa possa ser dita sem ser nem legendária (ou
‘edificante’), nem a-tópica (sem pertinência). Sendo a denegação da
particularidade do lugar o próprio princípio do discurso ideológico, ela
exclui toda teoria. Bem mais do que isto, instalando o discurso em um não-
lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte, quer dizer, proíbe-a
de ser a história. (CERTEAU, 2002, p. 77).
Nora (1981) ao falar desses lugares, também chama a atenção para o sentido de
que eles devem ser percebidos como lugares portadores de memória em disputa de grupos, a
determinar o que deve ser resguardado ou não; a memória é tida nesse contexto, como um
instrumento de buscas e disputas de grupos sociais. Nesse raciocínio, Burke (1992, p.80)
também se atém ao estudo da memória enquanto campo de disputas, pois para ele, “a
produção de esquecimentos se efetiva no confronto entre memórias em disputas, entre grupos
que constroem versões opostas, destruindo fatos relevantes para seus opositores”.
Nesse raciocínio, assim como Nora (1981), Burke (1992), Le Goff (1996) e
Certeau (2002), também compreendemos que toda pesquisa histórica se articula como um
lugar de produção sócio-econômica, político e cultural e está submetida a imposições, ligada a
privilégios, enraizada, portanto, em particularidade, sendo que em função desse lugar se
instauram os métodos, os interesses, organiza-se a busca pelas fontes e elabora-se a proposta
de pesquisa.
A história sendo relativa a um lugar e a um tempo também depende, para ser
construída, de técnicas de produção e uso de técnicas apropriadas e cada sociedade, no seu
contexto, faz uso de acordo com os instrumentos disponíveis que são usados por sua vez por
portadores de interesses individuais e grupais. Ao tecer algumas reflexões nesse sentido,
destacamos algumas limitações impostas a nossa trajetória de pesquisa, com as quais nos
deparamos no decorrer da investigação, como por exemplo, o uso dos espaços-arquivos da
Escola Doméstica de Natal.
Uma dessas limitações refere-se às restrições no manuseio de alguns
documentos de época que versam sobre as práticas da Escola, posto a condição que nos foi
colocada no manuseio e registro de algumas fotos de época, pois, por serem alguns
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documentos bastante antigos, nos foi negado o registro fotográfico de algumas imagens.
Outro aspecto a destacar diz respeito a algumas restrições de entrada e saída do Memorial
(local que acondiciona os documentos da Escola Doméstica de Natal), tendo em vista que a
visita e consulta a esse espaço deveria sempre ser acompanhada pela direção da instituição, o
que significou uma limitação ao nosso tempo de trabalho.
a via mais importante diante das adversidades surgidas, ocasionando também novos
aprendizados: como pesquisar e redimensionar a metodologia de trabalho.
Pensando nessa perspectiva, entendemos que uma trajetória de pesquisa deve
realmente, como sugere Certeau (2002), considerar os lugares em que se inserem as fontes
como espaços construídos historicamente, de acordo com os interesses individuais e grupais
de cada época, priorizando também os lugares de memória que são marcados por conteúdos
múltiplos e são, ao mesmo tempo, material, simbólico e funcional. Configuradas neste
sentido, é preciso pensá-las, a história e a memória, enquanto plurais, construídas e
interpretadas sob diversos ângulos num determinado espaço de tempo.
Assinalamos nesse primeiro momento uma grande e importante preocupação
essencial ao historiador, como nos lembra Le Goff (1996), a do tempo que não é linear, mas
múltiplo, permeado por rupturas e nele, a idéia de situar o objeto no tempo e reconhecer as
diversidades desse tempo, quais as complexidades para uma instituição escolar como a Escola
Doméstica de Natal e como ela foi capaz de se estruturar nesse determinado tempo em que se
inscreveu.
Reencontramos no levantamento bibliográfico e no diálogo entre os textos que
versam sobre a Escola Doméstica de Natal e/ou por onde ela fala, não apenas nomes de
pesquisadores, mas também, resultados de pesquisa e pistas onde localizar novos documentos.
Fizemos deste momento uma aprendizagem: a de que é possível empreendermos olhares
diversos para o mesmo objeto e dele apreendermos várias interpretações, cada uma com a sua
singularidade, nenhuma maior ou melhor que a outra, mas diferentes em interpretações. Neste
sentido, a busca neste estudo foi manter a análise e a interpretação mais próxima possível das
experiências ocorridas, e o que parecia supor um passado acabado, transmudava-se e emergia
nos textos e nos documentos escritos, impulsionando mergulhar num novo conjunto de
indagações, de deslindamentos.
Mergulhar no universo da pesquisa sobre a Escola Doméstica de Natal,
significou também no campo da História da Educação um esforço de conjugar a análise da
singularidade de uma instituição educacional da cidade do Natal e o estabelecimento de suas
relações com as determinações mais conjunturais do Estado, Brasil e de outros países,
transpondo a esfera local, mas sem limitar-se somente a uma análise macroestrutural,
buscando-se alguns elementos que conferiam à identidade da instituição um sentido único no
cenário social do qual fez parte.
O nosso propósito foi apresentar a escola à luz das fontes documentais,
sabendo que a seleção e interpretação dessas fontes são feitas pelo historiador. Esses dois
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momentos, seleção e interpretação, são condições ímpares para que o passado seja analisado
de forma significativa e contextualizado. Ao que lembra Carr (2002, p. 25),
O historiador Carr (2002, p. 26) expõe que história significa muito mais do que
a simples coleta e narração das experiências vividas; história é interpretação; a “história é o
que o historiador faz”, constituindo-se num contínuo processo de interação e diálogo entre
presente e passado.
Ao estabelecer os diálogos entre passado e presente, observamos que a
presença do documento, como objeto que é, exprime idéias, valores, crenças, interesses de
quem o escreveu e o resguardou, pois concordamos com as palavras de Le Goff (1996, p. 9-
10) ao dizer que o documento “[...] não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que
exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro.” Assim, ao pensar em
interpretar o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, onde o corpus documental maior
encontra-se nos arquivos da própria instituição, tivemos o cuidado de fazer a leitura
meticulosa desse corpus com um olhar mais atento, afoito e questionador sobre as
informações nele descritas, posto que os espaços que servem como locais da pesquisa
(arquivos) e os documentos neles pesquisados devem ser vistos sob diversos aspectos, críticos
e reflexivos, uma vez sabendo que os documentos não são neutros, inócuos, na expressão de
Le Goff (1996, p. 547-548):
com idéias preconcebidas nem com ingenuidade, posto que o documento não é neutro, mas
impregnado de valores sociais, culturais, políticos, merecendo, por isso, maior atenção por
parte de quem o manuseia e dele tenta abstrair a essência dos acontecimentos. Esse olhar
ampliou também a abordagem teórico-metodológica, fazendo aproximar a História de outros
campos do conhecimento como a Sociologia, Geografia, Economia e principalmente a
Antropologia, numa abordagem mais global de interpretação, contemplando uma leitura
voltada para os documentos como testemunhos de história e histórias.
Essa postura metodológica no trato com os documentos sintetiza um método
oposto ao que propõe a corrente positivista, pois esta corrente cria um modelo de
conhecimento da realidade que limita a visão de documento ao material escrito, oficial, assim
como limita a interpretação dos fatos. No que se refere à interpretação dos acontecimentos, a
corrente positivista propõe que “[...] o cientista social deve pôr de lado sistematicamente todas
as prenoções antes de começar a estudar a realidade social. Essas prenoções seriam ‘viseiras’
que impediriam de ver o que realmente estaria se passando.” (LOWY, 1985, p. 42). Nessa
perspectiva teórica, temos que considerar que essa receita clássica da vertente positivista é
utópica e inviável, impossível de ser aplicada aos estudos que pretendam desvendar a história
problematizando-a, conhecendo-a nas múltiplas interfaces e nuances das realidades distintas.
É difícil considerar as proposições apontadas pelo sociólogo Durkheim
(considerado um precursor do positivismo) ao defender que “[...] o sociólogo deve rodear de
todas as precauções possíveis contra sugestões irracionais. Opor a essas paixões irracionais
acalma a imparcialidade científica, o sangue-frio.” (DURKHEIM apud LOWY, 1985, p. 42).
Acreditamos que é inviável pesquisar sem trazer para o corpus da nossa análise os desejos e
as paixões, os interesses, a nossa percepção de vida e de mundo. A subjetividade é uma
realidade presente desde os primeiros momentos em que realizamos as escolhas, delimitamos
o objeto da pesquisa e o percurso da mesma. Como seria essa escolha pensada com o
pressuposto da objetividade? Mera ilusão do pesquisador!
Assim como é difícil pensar na pesquisa segundo os postulados positivistas, é
questionável também os locais que abrigam e resguardam os documentos que servem de
suporte à memória. A disposição dos documentos em determinados espaços sofrem seleções
por parte de pessoas e instituições que definem a sua importância ou não em ser resguardado e
servir de legado histórico.
As palavras escritas por Le Goff (1996), na sua obra ‘ História e Memória ’,
ecoava em nossas lembranças, nos diversos momentos da realização do levantamento e
análise das fontes. Nesses momentos, pensávamos sobre as suas afirmações que dizem:
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aloca os documentos de época sobre o percurso histórico da Escola. Visualizamos esse local
como um espaço que tem por finalidade perpetuar uma memória e as fontes que lá se
encontram cumprem uma certa cronologia de idéias, imprimindo uma memória gloriosa sobre
a trajetória da instituição.
Na nossa pesquisa, fizemos uso da iconografia, tomando-a como fonte
documental e, nesse sentido, a leitura realizada das imagens como documentos possibilitou
retratar uma época, através de sua leitura simbólica. As fotografias não figuraram no trabalho
como meras ilustrações e apoio ao texto escrito. Trazê-las para o corpo da nossa pesquisa
representou para nós desvendar possíveis significados circunscritos e materializados no
imaginário das (os) professoras (es) e alunas da escola Doméstica de Natal.
Uma grande dificuldade e obstáculo ao uso da fotografia é o seu acesso.
Muitas delas podem ser utilizadas como fontes para a história da educação, porém, em sua
maioria, pertencem a arquivos particulares. No caso específico da nossa pesquisa, as fotos
pesquisadas e trazidas para o corpo do nosso trabalho pertencem ao acervo particular da
Escola Doméstica de Natal. Houve também certa dificuldade para identificar as fotos;
algumas continham em seu corpo a data em que foram registradas, outras não tinham a data
definida; as com data registrada nos possibilitou fazermos aproximações do período a partir
de alguns elementos que levassem à compreensão daquela época, através da observação da
vestimenta, dos costumes espelhados nos penteados, corte de cabelo, calçado, gestos, modos
de se comportar, etc. Esse procedimento foi importante afinal, como nos lembra Miguel
(1993, p. 124):
Assim como na leitura do texto escrito, houve uma leitura interpretativa das
fotografias, através das quais surgiram possibilidades de identificá-las no contexto,
considerando: as condições de produção da imagem, a sua inserção social, o autor da foto, os
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sujeitos nela inseridos, as suas vinculações institucionais e as formas como ela foi
resguardada.
Os registros fotográficos presentes no Memorial da Escola Doméstica de Natal
foram resultantes de uma organização da instituição com a finalidade de estabelecer certa
cronologia para os melhores momentos vividos pela escola, formulando, através dessa
periodicidade, a sistematização de acontecimentos memoráveis. Grande parte do acervo
fotográfico foi doado por pessoas (ex-alunas, ex-professoras, funcionárias...) que passaram
pela instituição e outra parte do acervo é fruto de registros já existentes no próprio
estabelecimento educacional. Em cada momento histórico, os pesquisadores e a sociedade
criam suas condições de interpretação do real e esta realidade é apreendida e registrada de
diversas formas.
Entendemos que as imagens corporificam concepções culturais coletivas. Elas
podem retratar o imaginário de uma época e não o real como tal, porque elas produzem
diversas representações da realidade. Nesta compreensão, surge a necessidade de realizar os
entrecruzamentos com o texto escrito e com outras imagens de época.
Nas primeiras décadas do século XX, historiadores como March Bloch, Lucien
Fevre, Lê Goff, dentre outros, buscaram interpretar o documento para além do texto escrito,
enfatizando a idéia de que o homem poderia fazer história a partir de diversos vestígios
humanos: fotografias, objetos, testemunhos orais, etc. Esse pensamento materializado e
publicado em diversos artigos defendidos por esses pesquisadores contribuiu
significativamente para o entendimento da palavra documento para além do registro escrito e
oficial significando o alargamento dos registros históricos, o que de fato acreditamos ter
enriquecido o campo dos estudos históricos.
Na prática da pesquisa, buscar nas fontes os acontecimentos, explícitos ou não,
sobre a Escola Doméstica de Natal e o que contribuiu para as autoridades políticas,
educacionais e intelectuais criá-la, tornou-se vivo, dinâmico e presente ao olhar do hoje. Isto é
uma busca do passado feita, não com propósito e intuito de explicitar o presente, e sim no
sentido singular ao que Bloch (2001) defende sobre o conhecimento do passado. Nas suas
palavras:
A História, nesse contexto, pôde ser percebida não como ciência do passado,
uma vez que tal idéia é contestada pelo autor, mas como ciência dos homens no tempo, o
passado que atrai homens pela busca das raízes e identidades e o presente que se constitui no
lugar da prática do historiador. Assim na visão de Motta (1998), a História (como ciência)
comporta uma operação intelectual quando, ao criticar as fontes, reconstruindo-as à luz de
uma teoria, realiza uma interpretação do passado, onde o que importa não é somente a noção
de um consenso, mas também a de conflito.
Não tivemos, pois, a intenção de eleger a história para justificar as práticas
educativas da Escola Doméstica de Natal, recuando a um período histórico distante e
objetivando evidenciar que o presente, no qual estamos mergulhados, tem a sua justificativa
devido aos acontecimentos do passado. Não buscamos uma história invertida, fragmentada,
nem a glorificação de um passado, mas sim a compreensão entre os elos que se estabelecem
entre passado, memória, presente e o conhecimento histórico, para desvelar o nosso objeto de
estudo (a história da Escola Doméstica de Natal, seu modelo escolar, saberes, práticas
escolares, sua pedagogia), através de um passado construído pela memória.
O caminho de investigação que percorremos desencontra-se com a tarefa
atribuída ao historiador menos atento, na expressão de Certeau (2002), com os ‘não ditos na
História’, pois para esse autor, vários motivos, dentre eles pessoais e grupais, suscitam a não
revelação dos acontecimentos na história e assim alguns acontecimentos passam a ser
registrados e outros legados. Inversamente aos ‘não ditos’, a tentativa na nossa pesquisa tem
sido a de vasculhar os pedaços deixados, contidos nas memórias documentais e nas falas de
alguns depoentes, sujeitos que atuaram na instituição pesquisada tentando explicitar as
nuanças implícitas em registros históricos; memórias diversas, plurais, que são fontes
históricas, cuja compreensão simboliza conhecimento de nossa identidade enquanto sujeito
histórico, ativo, crítico e empreendedor de suas histórias, percebendo os elos entre o tempo
presente e o passado. Expressa o sentido que Ferro (1989, p.100-101) atribui à tarefa do
historiador: “Dotar um grupo, uma nação de sua memória, restituí-la - esta é de fato uma das
funções do historiador. A segunda é sem dúvida, contribuir para a inteligibilidade do passado,
dos vínculos entre o passado e o presente.”
A memória emerge como elemento mediador das lembranças sob o efeito de
uma série de pensamentos individuais e coletivos, com unidade e multiplicidade que o tempo
muitas vezes, contribui para apagar e o historiador envida esforços de reavivar as tintas desse
passado, destacando que as lembranças fazem parte das memórias dos sujeitos e não são
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Eis um aspecto da memória para o qual Bosi (1998) nos chama a atenção, nos
seus escritos sobre “memória e sociedade”: a importância que deveríamos atribuir ao passado,
assim como aferimos ao presente. Concordamos com a autora que a memória como função
social deve ser buscada, pois a capacidade de compreender e relacionar as vivências passadas
com as atuais é um exercício de reconhecimento e pertence ao hoje, constituindo elemento
importante para a construção da identidade coletiva e do sujeito individual.
Na busca por um passado distante e ao mesmo tempo presente na nossa
história local, as fontes mapeadas que deram suporte à investigação, além dos arquivos da
Escola Doméstica de Natal, já referenciados, foram buscadas no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte e no jornal A República.
A idéia presente no momento da seleção e estudo desses espaços foi a de que
“[...] mapear fontes é preparar o terreno para uma crítica vigorosa que constitua novos
problemas, novos objetos e novas abordagens.” (LE GOFF; NORA, 1979, p. 18). Então,
mesmo com a existência de alguns estudos já realizados sobre a Escola Doméstica de Natal, a
nossa proposta se debruça no desvelar da instituição escolar, buscando elementos de análise
além dos estudos existentes, a exemplo de Pinheiro (1996) que dedicou sua análise às idéias
do intelectual potiguar Henrique Castriciano, sua visão de educação, política, e cultura,
abordando de forma breve a criação da instituição Escola Doméstica. Nesse estudo
dissertativo de Pinheiro (1996), o foco central foi o personagem Henrique Castriciano de
Souza. Na pesquisa realizada por Barros (2000), a trajetória histórica da Escola Doméstica é
evidenciada, destacando-a quanto aos seus moldes de administração, organização e
funcionamento. Esse estudo não se centrou na cultura escolar da instituição, mas trouxe no
seu corpus pontos relevantes para conhecermos a evolução histórica da instituição, algumas
de suas práticas educativas, a composição do quadro das primeiras docentes e diretoras enfim,
sua estruturação no decorrer dos anos.
Temos ainda a destacar a dissertação de mestrado de Albuquerque (1981) que
priorizou a trajetória de Castriciano na política e na educação, apresentando uma breve
incursão das Escolas Domésticas no Rio Grande do Norte e no mundo. Muito embora sem
deter-se em uma análise mais profunda da Escola Doméstica de Natal, o autor deixou algumas
contribuições de pesquisa, principalmente quando se refere à documentação levantada.
Acreditamos que a História é uma ciência interpretativa que nunca repete os
fatos, portanto marcada por continuidades, descontinuidades, rupturas e não linearidades,
havendo igualmente para quem a constrói uma relatividade do olhar para os acontecimentos e
os relatos que deles possam surgir, no sentido que Veyne (1995) denomina de
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“individualização do olhar”; pois, é isto que torna singular a cada historiador a sua riqueza de
idéias e percepções das nuanças perante as experiências e acontecimentos mais gerais. Pela
característica de ser dialética, a História e sua escrita não merecem ser apenas explicitadas
mediante leis universais, apuradas indutivamente através de generalizações como ocorreu
principalmente nos primórdios do século XIX, com o positivismo de Augusto Comte,
engessando a História numa masmorra de vidro, purificando-a das influências subjetivas do
ser humano e provando ser a melhor via de conhecimento da verdade absoluta dos fatos como
se fosse possível separar o objeto do indivíduo. Esses tempos passaram, mas ainda persistem
nos dias atuais, pois nos legou marcas e influências significativas nos modos de construção
dos objetos de estudos e das formas diversas de se fazer pesquisa.
A percepção que sustentou o nosso estudo sobre o que vem a ser História foi
um dos pilares e nos moveu no sentido de buscarmos um olhar diferente para os documentos e
para a Escola Doméstica de Natal, não nos moldes como foi analisada até então por alguns
estudiosos, mas penetrando em no seu interior, tentando evidenciar que existe uma cultura
escolar (ou várias culturas na escola) e que esta se manifestou sob diversas formas: na
organização do tempo escolar, na estruturação dos conteúdos escolares, nos regimentos de
controle das formas de se comportar no interior da escola, na composição do quadro docente
enfim, a cultura escolar está presente na história de vida da escola e de como se materializa
nos objetos e pessoas que dela fizeram parte. Entender essa matriz de pensamento conduziu a
uma análise da instituição escolar para além da sua estrutura material e de funcionamento;
implicou perceber a escola como espaço, na mesma linha de raciocínio atribuída por Frago
(1994) que delineia a instituição escolar imbricada numa rede de relações sociais,
considerando-a numa sociologia das organizações e antropologia de práticas cotidianas.
Neste sentido, a escola materializa eixos e idéias, mente e corpo, objetos e
condutas, modos de pensar, decidir e fazer, ritos, hábitos, simbologias. Ver a escola como
espaço significa reconhecer que o espaço habitado não é neutro, é uma construção social, é
condição de quem o habita e nele convive. O espaço, portanto, comunica e varia em cada
cultura.
No primeiro momento da nossa pesquisa, o mapeamento que realizamos dos
estudos já existentes sobre a Escola Doméstica de Natal nos proporcionou uma nova
abordagem, novos questionamentos e saberes, bem como um levantamento acerca dos
documentos que versam sobre a trajetória da referida escola. A teoria que nos fundamentou
foi percebida não como produtora da verdade, mas indispensável para estabelecer relações
reflexivas com atividades concretas, criando-se uma teia de significados. A relação
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nos foi possível por termos feito o entrecruzamento de fontes orais, escritas e também pelo
fato de realçarmos, na nossa análise, que os referentes abstraídos das memórias advêm de
indivíduos possuidores de olhares e discursos diferenciados e o que faz com que eles norteiem
sua percepção do mundo que o rodeia. No caso das falas orais, a memória individual de cada
depoente só teve sentido em função de sua inscrição no conjunto social das demais memórias,
permitindo o conhecimento do fenômeno social, pois: “[...] quando se valoriza, na fala contida
da narrativa gravada, o conjunto de conteúdos ditos como fator decisivo para as análises, as
questões afeitas à memória despontam com caminhos indicativos dos exames sociais.”
(MEIHY, 2002, p. 42).
O passado contido nessas memórias, que são impregnadas de idéias reporta a
um tempo social, cultural, histórico, a um passado que não deve ser compreendido como uma
coleção de conhecimentos isolados, um reservatório estático de memórias, concordando com
a afirmativa de Bruner (1997) ao lembrar que “uma história é sempre a história de alguém ou
algo e como tal, requer uma análise detalhada e contextual.” Neste sentido, Veyne (1995, p.
27) também aponta idéias que complementam as de Bruner, quando afirma que “os fatos não
existem isoladamente, mas têm ligações objetivas; ligações, laços objetivos, nas suas
atribuições e importância”.
Nessa análise contextual, o testemunho oral foi tomado como portador de
sentido, representando papel importante no processo de reconstituição histórica da memória,
possibilitando trazer à tona traços fugidios, às vezes, não registrados nos documentos escritos,
assim como as vivências e vestígios indispensáveis à apreensão do objeto de estudo em seus
diversos ângulos. Apresentamos como exemplo as palavras expressas por alguns sujeitos que
lecionaram na Escola Doméstica de Natal, que contribuíram para o enriquecimento do texto,
clareando aspectos ainda não suficientemente esclarecidos através da análise dos documentos
escritos, favorecendo a melhor percepção do nosso objeto de estudo.
É relevante destacar a leitura que Halbwachs (1990) tece sobre o indivíduo
tomado como testemunha de um tempo, de uma memória, tendo como fio condutor em sua
análise a memória coletiva repercutindo na memória individual de forma dinâmica e
interativa. Bosi (1998) tomando esse raciocínio de Halbwachs escreveu sobre a memória de
idosos e nesse estudo observou que:
Constatou também a autora que “por muito que deva à memória coletiva, é o
indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode
reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”.
(BOSI, 1998, p.408).
A memória individual, onde os indivíduos recordam no sentido literal, ganha
sentido quando inserida num coletivo que é construído por grupos sociais. O individual,
portanto, compõe o corpus da memória coletiva (HALBWACHS, 1990) porque cada membro
da sociedade define-se no intergrupal, nas suas relações com os outros e para que a memória
individual se auxilie interligue-se com a do outro, não é necessário que haja ponto total de
concordância no grupo ao qual o sujeito está inserido, realçando que:
anseios dos seus moradores, revelando um novo perfil para a cidade, marcada pela busca do
progresso material e espiritual.
Lançamos a tentativa de propiciar uma abordagem epistemológica e
metodológica que tentasse distanciar e também aproximar, quando necessário, a relação
objeto/sujeito.
O uso de técnicas complementares às análises documentais, a aplicação da
entrevista semi-estruturada e uma reflexão sobre os dados em toda a sua riqueza nos fez
apropriar-se da idéia de que: “A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo
seja exatamente examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem um potencial para
constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do
nosso objeto de estudo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).
Algumas poucas entrevistas estruturadas parcialmente possibilitaram um
diálogo com sujeitos que vivenciaram e compartilharam de perto as idéias pedagógicas da
Escola Doméstica de Natal. As informações apreendidas serviram para a análise dos dados.
Atentamos para o que Burke (1992) nos diz sobre a expressão amnésia social que se
consubstancia na seleção, por parte do indivíduo, no processo de construção de memórias,
implicando em escolhas entre os acontecimentos do passado e o que grupos consideram que
devem ser lembrados/rememorados, sob pena de ameaçar a unidade do grupo, questionando a
sua identidade, colocando em foco o interesse comum.
Perceber as regras, os motivos que suscitaram a supressão e exclusão de dados
nesses diálogos foram difíceis para que se operasse uma reconstituição de memórias, trazendo
acontecimentos, projetos renegados e/ou esquecidos, tendo presente nessa operação a
articulação com as fontes escritas para tecer comparações das escolhas e opções. Segundo
Burke (1992, p. 88):
suas ligações, laços objetivos, nas suas atribuições e importância e não isoladamente.”
(VEYNE, 1995). Para apreendê-los, convém considerá-los numa rede de significados, com
atenção vigilante, flexibilidade de espírito e habilidade para exercer a arte da narração dos
acontecimentos, a arte do dizer nas idas e vindas da história. (CERTEAU, 2002).
Na presente pesquisa, apesar da realização de algumas entrevistas com pessoas
que atuaram profissionalmente na Escola Doméstica de Natal, priorizamos a análise
documental, por isso a tese apresenta uma tessitura de pesquisa histórica que destaca
particularmente o documento escrito. A opção por esse tipo de análise se deu por uma escolha
teórico-metodológica de trabalhar principalmente a fonte escrita, apesar de privilegiar também
o registro visual, especificamente as fotografias de época, tidas, na nossa acepção, como
documentos que muito tem a nos dizer.
Mas como dissemos anteriormente, foi possível enriquecermos o material
coletado entrelaçando algumas falas de sujeitos que vivenciaram, em tempos distintos, as
práticas da instituição escolar com as “vozes” das fontes documentais.
Na busca das fontes, aferimos a instituição Escola Doméstica de Natal, como
portadora de elementos culturais que merecem, pela relevância histórica, ser pesquisados, pela
riqueza de práticas incorporadas, por exemplo: sua história (atores, aspectos de organização
escolar, cotidiano, rituais, cultura, significado para a sociedade da época, espaço físico e
arquitetônico, uso do tempo, atividades físicas e intelectuais, seleção de conteúdos, clientela,
corpo docente e discente, legislação, normas escolares, gestão escolar, funcionários...).
Abordamos esses aspectos quando da sua instauração em 1914, suas práticas e
desenvolvimento em suas dimensões culturais, não reduzindo o pensamento e a ação
educativa da instituição à perspectiva técnica de administração, gestão e eficácia de
funcionamento.
Ao nos debruçarmos para entender a história da Escola Doméstica e seu
processo de escolarização vivenciado no país, trouxemos à discussão a concepção educacional
feminina, os fluxos de representações, bem como a intencionalidade dos processos de
formação da mulher numa interpretação baseada na especificidade e singularidade da cidade
do Natal, compreendendo que esse processo de formação da mulher mantinha contornos e
relações com os acontecimentos mais globais que ocorriam no país e no exterior.
Penetrar na história da Escola Doméstica de Natal significou mergulhar no seu
universo de cultura escolar. Esse conceito, o de cultura escolar, tornou-se o cerne da nossa
análise pelo fato de buscarmos na história da instituição escolar (no caso específico do nosso
objeto, a Escola Doméstica, o seu modelo escolar que envolveu suas práticas escolares, sua
37
pedagogia, os saberes ensinados, sua história e suas práticas educativas, como já afirmado
anteriormente) um olhar diferenciador para ela, penetrando no seu universo de práticas
escolares, como produto e produtora de práticas culturais, tomando-a como produto histórico
das práticas dos sujeitos no seu tempo. Isso significou ir além do que faziam e ainda fazem
alguns pesquisadores, que ao historiar uma instituição escolar limitam-se a elencar as medidas
de regulamentação e implemento institucional que a regiam, supondo a substancialidade
atemporal enquanto locus institucional. Importa, pois, nessa ótica, registrar na historiografia
medidas regulamentares sem traçar relações das práticas com a comunidade envolvente,
conferindo à mesma um sentido histórico limitado e uma identidade própria.
Numa nova interpretação sobre a história das instituições escolares, mergulhar
na interioridade da instituição a ser investigada foi uma tentativa de dar conta da
multiplicidade de atores e práticas escolares enquanto práticas culturais envolvidas e que
melhor definiam e explicavam os fenômenos e a realidade educativa da escola e das relações
que ela estabeleceu com o contexto no qual está inserida historicamente.
O conceito de cultura escolar utilizado nesta pesquisa para auxiliar a
construção do nosso objeto de estudo é definido por Julia (2001, p. 9) como sendo “[...] um
conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação
desses comportamentos.”
A cultura de uma escola não pode ser estudada sem precisarmos a análise das
relações entre a cultura urbana, o tempo social, o contexto que envolve os sujeitos, as relações
pessoais que acontecem, enfim, as ações conflituosas ou pacíficas que ela mantém no seu
tempo, como também as mudanças que ocorrem para além dos muros da escola, que ocorrem
na sociedade, detendo-se então às particularidades e às generalidades.
A cultura escolar é tomada como conceito por outros autores, a exemplo de
Faria Filho (2001), Souza (2002), Nunes (1996), Julia (2001), Vinão Frago (2000). Este
último considera a escola na medida em que é uma instituição e, por esse fato, possui cultura,
ou culturas escolares. Isto exige a compreensão de sua sociologia da organização e a
antropologia de suas prática cotidianas. Neste sentido, Frago (2001, p. 68) percebe a cultura
escolar “cuanto conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizan a la escuela como
organización, posee varias modalidades o niveles.”
Ao referir-se ao conjunto de aspectos institucionalizados da escola, o autor
ainda evidencia no universo da vida escolar as:
38
A construção da pesquisa
UFRN, através do reitor na época Onofre Lopes da Silva, passou a auxiliar a Escola
Doméstica no que fosse preciso, quanto aos recursos humanos especificamente, cedendo, por
exemplo, professores universitários para lecionarem na escola.
Em 23 de dezembro de 1960, pela Lei n.°2.803, o governo do Estado do Rio
Grande do Norte equipara as diplomadas pela Escola Doméstica de Natal, quando no
exercício do Magistério Estadual, às diplomadas pela Escola Normal de Natal e Mossoró com
os mesmos direitos e vantagens. Naquele momento, essa equiparação viria não só validar o
currículo da Escola Doméstica de Natal, como também ampliar o quadro de docentes no
Estado. Somente a partir de 1962, segundo portaria publicada no Diário Oficial da União, o
Ministro da Educação reconheceu e validou os cursos da escola, permitindo às educandas
diplomadas o ingresso no ensino superior.
Naquele momento, a partir da década de 60, um grande quadro panorâmico de
mudanças na legislação de ensino do Rio Grande do Norte afetou a organização interna da
Escola Doméstica. Esse fato nos fez perceber que a escola estava diante de uma nova
organização escolar e caso desejássemos estudá-la a partir dos anos subseqüentes, teríamos
que extrapolar determinada época, objeto da pesquisa, o que fugiria aos nossos objetivos de
estudo neste trabalho. Para a delimitação da pesquisa, passamos a estudar a escola inserida
numa configuração diferenciada do seu modelo escolar até meados da década de 40 do século
XX.
Quanto à conjuntura social, econômica e cultural da cidade do Natal (espaço
físico onde a escola se situava), com a chegada dos americanos à cidade, ocorreram diversas
mudanças no ritmo de vida, nos costumes, nos hábitos da população, mudanças essas que
afloraram no contexto dos anos 40, com a forte influência da cultura americana, como já
denotaram alguns estudos realizados sobre esse efervescente período da história de Natal. Não
podemos deixar de reconhecer que a conjuntura afetou, direta ou indiretamente, a cultura
escolar das instituições de ensino e por assim dizer “[...] a cultura escolar não pode ser
estudada sem o exame das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período
de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas (cultura religiosa,
cultura política ou cultura popular).” (JULIA, 2001, p. 9).
Na década de 40 do século XX, especificamente no ano de 1946, a Escola
Doméstica recebeu a doação de um terreno pelo governo do Estado para a construção e
instalação de sua nova sede em outro bairro da cidade, não mais a Ribeira, mas o bairro
denominado Tirol - bairros próximos. Nos anos subseqüentes à década de 40, a Escola
vivenciará mudanças significativas na sua legislação educacional, que incidirão no currículo e
42
espacial, formas das discentes e docentes se vestirem e se comportarem. Ainda na quarta parte
da tese, optamos por fazer essa análise, o que possibilitou perceber, de forma mais visível, a
cultura escolar como elemento materializado na cultura do corpo e dos seus movimentos.
Nesse sentido, alguns documentos de época da ED foram instrumentos importantes para o
estudo, a exemplo do Regimento Geral e Interno da Escola pois nele encontramos alguns
ditames sobre as normas disciplinares a serem postas em prática por alunas, diretoras,
professoras. Esse documento da época nos deu uma visibilidade da hierarquia dessas normas,
no sentido de identificar o sujeito que obedecia e o sujeito que ordenava.
A parte destinada às considerações finais foi o momento relevante da tese para
tecer algumas reflexões sobre o papel desempenhado pela Escola Doméstica na história da
Educação norte-rio-grandense, assim como a retomada de pontos importantes abordados no
decorrer do trabalho.
Traçamos e percorremos, portanto, caminhos com a finalidade de compreender
a Escola Doméstica de Natal (modelos, práticas, pedagogia) e os acontecimentos que
marcaram a sua história. Para ilustrar essa idéia, as palavras de Veyne (1995, p. 74) sintetizam
a nossa postura, ao afirmar que “Não são os acontecimentos na sua própria individualidade
que interessa ao historiador, importa compreendê-los para neles encontrar espécies de
generalidades e especificidades.”
Como a instituição se articulou com as generalidades e especificidades sócio-
históricas do seu tempo, essa articulação se constituiu também, uma das preocupações do
nosso estudo como uma forma de evidenciar que, as idéias pedagógicas que circularam e
foram apropriadas no contexto brasileiro no início do século XX aconteceram de forma
diferenciada e não linear, muito embora tendo ocorrido em tempos idênticos, mas em espaços
distintos.
Assim quando falamos da divulgação dos princípios da Pedagogia Nova no
Brasil, não nos prendemos a algumas amarras historiográficas existentes que muito tem
engessado a História e a história do pensamento pedagógico, afirmando que esses princípios
pedagógicos se deram uniformemente na região Sudeste e que o Nordeste, por sua vez, seria a
região a receber a influência dessa primeira, por se destacar nas suas inovações pedagógicas e
na produção de idéias. Muito mais do que pensar em imposições e sobreposições de idéias,
buscou-se compreender como se deu a sua circulação. O sentido utilizado por Ginsburg
(1987) ao que denomina de ‘circularidade de idéias’ foi importante para essa apreensão. O
autor remete a essa terminologia para entender que existindo uma variedade de cultura entre
locais e grupos sociais distintos, há várias formas de haver influências recíprocas entre essas
44
culturas, no sentido de que uma cultura influencia a outra, bem como os elementos
encontrados em uma realidade e que podem surgir em outra. Entendemos que alguns ideários
da Escola Nova tiveram como pólos centrais dessa discussão os Estados Unidos e a Europa.
No Brasil, essa circulação de idéias ocorreu de formas diversificadas; as apropriações desses
ideários aguçaram a curiosidade de vários intelectuais que passaram a estabelecer diálogos
com grupos mais próximos e a assumir reformas através de criação de entidades e
associações, como é o caso da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte que conseguiu agregar
diversas personalidades locais numa mesma associação em prol de uma nova estruturação da
educação norte-rio-grandense em 1911.
Essa questão instigante apontada por Ginsburg, a da ‘circularidade de idéias’,
levou-nos a pensar até que ponto uma realidade cultural influencia outros espaços, ou melhor,
em que aspecto nós podemos afirmar que as idéias pedagógicas que circularam no sudeste do
Brasil e na Europa nos primeiros anos do século XX imperaram como modelo nas demais
localidades do país.
Compreendemos que no Brasil do início do século XX houve uma
circularidade de idéias onde cada realidade local absorveu e produziu seus ideários de
educação e sociedade, ao mesmo tempo em que essas particularidades mantiveram influência
outras localidades. Nesse sentido, podemos dizer que as reformas educacionais que ocorreram
no âmbito local contribuíram para que outras regiões se apropriassem de novas práticas,
modificassem ou não sua realidade, numa relação de complementaridade, reciprocidade e não
de polaridade. Como exemplo, tivemos nas primeiras décadas do século XX algumas
reformas educacionais em nível local que simbolizaram prenúncios de reformas nacionais a
exemplo das Reformas empreendidas por Sampário Dória (SP, 1920), Lourenço Filho
(1922/23, Ce), José Augusto (RN, 1925/28), dentre outras.
Ao tentar evidenciar no nosso estudo que esse fato foi uma realidade nacional,
não estamos primando para exaltar esta ou aquela história local e regional; ao contrário,
estamos tentando buscar uma produção histórica baseada nas complexidades, nas
singularidades e também nas diversidades decorrentes das práticas culturais, além de evitar
cair nos abismos e vácuos provocados pela premissa Positivista que não se atinha às grandes
problematizações da história, pois se fechava numa masmorra de vidro e distanciava-se dos
acontecimentos, amarrando-se cada vez mais a uma história objetiva, árida e avessa a
interpretações diversas.
Portanto, além da compreensão das singularidades que é importante para
entendermos a história e a cultura locais, atentamos para o fato de que a história é dinâmica,
45
sempre em construção, sendo assim. passível de ser vista por diferentes ângulos. Neste
sentido, os pesquisadores que vierem traçar uma investigação sobre a Escola Doméstica de
Natal, possivelmente descobrirão novas problemáticas e farão novas abordagens. A partir dos
vestígios documentais terão visões diferentes das que o presente estudo focalizou e encontrou
como resultados da pesquisa. Isto significa muito mais do que a versatilidade do olhar, mas a
própria dinâmica da história e do conhecimento que está sempre em movimento no tempo.
46
CAPÍTULO 1
1.1. O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do Rio Grande do Norte e o seu idealizador,
Henrique Castriciano de Souza.
Ensino do Rio Grande do Norte, o Sr. Manuel de Brito, que, em entrevista concedida,
confirmou que a viagem fora custeada pelo governador do Estado, pela amizade à pessoa do
intelectual e educador Henrique Castriciano, concedendo-lhe a oportunidade para realizar o
tratamento de pneumonia que vinha lhe comprometendo a saúde há algum tempo, desde que
aproveitasse a ocasião para conhecer a estrutura organizativa e o funcionamento do ensino
Europeu. (BRITO, 2004).
No Rio Grande do Norte era comum a existência dessas viagens financiadas
pelo Governo local, a exemplo da viagem feita pelo político, educador e jurista potiguar
Nestor dos Santos Lima a São Paulo em 1909, com a finalidade de conhecer os métodos
pedagógicos empregados pelas instituições de ensino e, ao retornar, trazer algumas
contribuições para o aperfeiçoamento da pedagogia aplicada nas escolas da cidade.
A existência do Decreto de n° 234 de 1909, publicado pelo Estado do Rio
Grande do Norte, também contribuiu para reforçar esse ideário, uma vez que anunciava uma
premiação ao professor que se destacasse na cátedra e essa recompensa, na maioria das vezes,
era dada em forma de viagens. Posterior ao Decreto de n° 234, outros surgiram, enfatizando o
anterior, ou seja, concedendo recompensas ao docente que apresentasse compromisso e
seriedade no cargo ocupado. Através do Decreto n° 239, de 15 de dez. de 1910, que tratava da
Organização do Ensino Público no Rio Grande do Norte (Título II, que versava sobre a
Instrução Primária e o Capítulo VI que versava sobre Registro Profissional), em seu art. 43,
especificava:
estabeleceu:
Lembrou também, no seu relato de viagem, que na Suíça não havia sexo
frágil1, pois nas escolas femininas trabalhavam-se os aspectos: educacional, mental, físico,
cultural e moral contribuindo para formação de uma mulher mais ativa e atuante na sociedade.
A instituição escolar, portanto, seria a responsável para atingir essa finalidade e do governo
provinha a iniciativa para esse projeto educativo, lamentando não existir no Brasil igual
preocupação educativa.
1 Expressão usada para definir a submissão da mulher ao sexo oposto, bem como a fragilidade feminina diante
algumas ações consideradas próprias ao universo masculino.
51
2 A única escola existente na cidade de Natal que atendia em sistema de internato para mulheres.
52
ciência moderna.
Cascudo (1965) afirmava que na biblioteca particular de Henrique Castriciano
existiam livros que em Natal não encontraríamos em livraria alguma, principalmente os
escritos dos autores franceses. Ainda no testemunho de Cascudo, Castriciano sentia prazer em
comentar as obras selecionadas de sua biblioteca particular, bem como em disponibilizá-las
aos amigos, comentando e mantendo atualizado o leitor na cidade, através do relato de suas
viagens, dos estudos feitos, dos projetos desejados para as mudanças na cidade.
Podemos levantar a hipótese que a visão de Castriciano sobre educação escolar
e sobre a técnica como elementos possibilitadores da modernização do Estado advinha de sua
leitura de mundo materializada nos autores a que teve acesso, não se limitando às leituras que
circulavam no Brasil (muito embora saibamos que, em sua grande maioria, as leituras que
transitavam no Brasil advinham de outros países), mas ampliando sua visão através do contato
com outras pessoas e das vivenciadas em diversas viagens realizadas ao exterior,
principalmente para tratamento de saúde. O fato de ter uma visão ampla dos conhecimentos,
ser um leitor informado dos acontecimentos internacionais, nos leva a pensar se Castriciano,
apropriou-se das idéias da Pedagogia Nova a partir de suas leituras e viagens antes mesmo em
que estas chegassem ao Brasil de forma mais acentuada nas décadas de 20 e 30 do século XX.
O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por grandes
transformações econômicas e sociais na Europa Ocidental com o desenvolvimento do
capitalismo. Essas mudanças refletiam-se controle da natalidade, no desenvolvimento da
indústria, na massificação crescente da escolarização e difusão de idéias pedagógicas.
(HOBSBAWM, 2001). Aquele continente era considerado por muitos intelectuais, a exemplo
de Henrique Castriciano, como o lugar berço da civilização de onde advinha o modelo de
nação e educação ideal para alcançar a tão almejada modernidade social, econômica e cultural
no Brasil.
O ideário de que o progresso do conhecimento seria a causa do crescimento
inspirava progressistas e nacionalistas, de concepções políticas distintas, a buscaram reformas
e projetos voltados principalmente para o setor educacional.
Ao retornar da viagem à Europa, Castriciano imbuído desse ideário, resolveu
conjuntamente com outros intelectuais norte-rio-grandenses fundar inicialmente uma
associação denominada Liga de Ensino do Rio Grande do Norte. Convenceu amigos e, entre
estes o Governador Alberto Maranhão, a aderir ao seu projeto educativo. Através da Liga de
Ensino do Rio Grande do Norte é que criou a Escola Doméstica de Natal. Portanto, falar da
Liga de Ensino significa inseri-la nos ideais dos seus fundadores, os mesmos da Escola
54
3
Francisco de S. Meira e Sá (secretário e ajudantes de ordens do governo, foi governador do Estado em duas
gestões administrativas, assumiu a segunda presidência da LERN), Felipe Guerra (desembargador do Estado e
presidente da LERN no ano 1935), Ferreira Chaves (Desembargador e ex. governador do Estado), Romualdo
Galvão (coronel do exército , presidente do congresso e inspetor do tesouro), Manoel Dantas (diretor geral da
instrução do RN e redator-chefe do jornal oficial).
55
brasileiro como elemento necessário não somente à mobilidade e ascensão social para as
classes populares, mas como garantia de regeneração do povo brasileiro nos seus costumes,
no âmbito de um projeto de sociedade que correlacionava mudança social a transformações no
campo educacional, privilegiando a educação como instrumento de conformação dos
indivíduos a uma sociedade almejada.
Sabendo que, ao final da escravatura em 1889, na sociedade brasileira,
circulava, por pequenos grupos de intelectuais, o discurso da necessidade de homens e
mulheres serem mais ativos, participantes e atuantes nos acontecimentos sociais e,
particularmente nesse contexto, emergia um novo estereótipo de mulher doméstica, moderna,
para gerenciar o espaço doméstico, preparar os filhos para a sociedade e o trabalho. O
pensamento educacional de alguns educadores no Brasil, no início do século XX, era articular
as propostas surgidas para a educação com as transformações de ordem econômica e social
ocorridas no período, absorvendo o surto nacionalista então presente nas discussões. Grande
parte da intelectualidade, naquele momento, propunha formas renovadas de educação ou
modelos que eliminassem o analfabetismo reinante, buscando formas de atuação e conteúdos
modernos para a escola que deveria ser mais ativa e tornar o sujeito mais participante desse
processo de mudanças.
Nos primeiros anos do século XX, parte da intelectualidade brasileira propôs
reformas para a construção de uma nação moderna, onde as pretensões de ser “moderno”
passam a ser um tema nacional, o que ocasionou a revisão dos métodos pedagógicos e das
finalidades sociais da educação. Nessa perspectiva de transposição para a modernidade
capitalista, a força motriz também ira encontrar-se na concepção de cultura pragmática,
moderna. Afinal, como bem lembra Monarcha (1989, p. 19):
Para a autora, era desejo de muitos intelectuais que vivenciaram esse período,
constituir a escola como signo de civilização e progresso, dotando a instituição escolar de
vários princípios pedagógicos capazes de formar um novo cidadão para uma nova República.
Nessa conjuntura de mudanças sociais, econômicas e culturais é que a LERN
59
cargo de diretor, sendo o seu primeiro diretor o Sr. Francisco de Meira e Sá. A Liga era
confiada a um conselho administrativo composto de nove membros, eleitos anualmente por
uma assembléia geral que era responsável por designar o presidente e o vice. O conselho
administrativo (em reunião) ficaria na incumbência de selecionar um secretário, um tesoureiro
e um bibliotecário, dentre os membros existentes na Liga. De um modo geral, por ser uma
entidade aberta ao público, a Liga abria espaço para sócios regionais, em nível local (pessoas
idôneas da cidade do Natal) ou para outros municípios que mediante contribuição mensal,
passariam a associar-se à entidade.
Conforme seu Estatuto, os participantes sócios eram incentivados à promoção
e “[...] a criação de escolas particulares, quer primárias, quer profissionais, organizando festas
civicas, excursões escolares e conferencias populares”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1911b,
p. 111). Na categoria dos sócios previstos para atuar como co-partícipes das atividades da
Liga, há de se distinguir as classificações existentes: os sócios remidos, beneméritos, os
correspondentes, os escolares e os regionais. Os sócios de quaisquer categorias teriam
preferência para a ocupação de empregos e matrícula de filhos (as) nos estabelecimentos de
ensino pertencentes à Liga. Organizamos uma tabela a seguir que demonstra como deveria ser
a participação desses sujeitos no processo de organização e plano de ação da Liga de Ensino
do RN.
QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO
DO RIO GRANDE DO NORTE
. Contribuía mensalmente, tinha direito exclusivo de tomar
parte da Assembléia Geral e de ser eleito para os cargos da
Liga;
. Assistia às sessões do Conselho Administrativo sem direito ao
SÓCIO EFETIVO voto;
. Tinha direito de propor ao Conselho por escrito qualquer
pessoa idônea para fazer parte da Liga;
. Caso esse sócio fixasse residência fora do Estado, podia, a seu
requerimento, passar para a classe de sócio correspondente.
. Pagava uma contribuição de uma só vez, ficando isento de
SÓCIO REMIDO
qualquer taxa futura.
. Era todo aquele pertencente ou não à Liga, tendo feito
SÓCIO BENEMÉRITO doações em bens ou em dinheiro, nunca inferiores a um valor
estipulado pela Liga.
61
Continua...
QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO
DO RIO GRANDE DO NORTE
. Residiam em outro Estado e pelos serviços prestados ao
SÓCIO ensino a Liga os distinguia com esse título. Esse tipo de sócio
CORRESPONDENTE era isento de qualquer contribuição, não podendo, entretanto,
tomar parte nas resoluções da Liga.
. Podia ser qualquer estudante de ambos os sexos, residentes
em Natal ou nos municípios onde iam sendo fundadas Ligas
regionais. O estudante era indicado pelo seu aproveitamento
e mediante proposta dos professores ou diretores do
SÓCIO ESCOLAR
estabelecimento onde estudavam. Esse sócio era isento de
contribuição e não tinha direito de voto na Assembléia Geral,
porém, auxiliaria a Liga no seu trabalho de propaganda,
podendo fazer parte de qualquer comissão.
. Eram assim denominados os que faziam parte das Ligas
fundadas nos municípios, os quais poderiam freqüentar as
SÓCIO REGIONAL
sessões, conferências e estabelecimentos da Liga, sem direito
de voto.
Através dos valores financeiros arrecadados dos sócios e com o apoio logístico
do governo, principalmente o estadual, a Liga de Ensino pôde caminhar com o seu projeto
educativo de longo alcance social. Os documentos que pesquisamos assinalavam a existência
das diversas categorias de sócios, como evidencia a tabela anterior, no entanto ao cruzarmos
esses dados com o depoimento de alguns sujeitos entrevistados, obtivemos a informação que
ter sócio-representante da Liga em diversas localidades do RN, expandindo assim o seu raio
de ação, foi mera idealização, não chegando a efetivar-se na prática como gostariam os
intelectuais que compunham a entidade.
Na realidade, segundo nos afirmou (através de informação verbal) o atual
presidente da LERN, o Sr. Manuel de Brito, desde as suas origens até à atualidade, a LERN
teve como quadro de sócio apenas os sócios efetivos, beneméritos, sócios-fundadores e sócios
honorários. Essas modalidades tiveram existência efetiva e funcionaram como estimuladores
da atuação da Liga no RN, tendo em vista serem os sócios, em sua maioria, ex-governadores,
deputados, bispos, alguns professores de renome, enfim, pessoas influentes na sociedade e
que poderiam através de amizades e laços políticos conseguirem apoio ao Projeto da Liga de
Ensino.
62
Para esse sociólogo, era pela afeição familiar que o homem superaria a sua
personalidade primitiva, tornando-se social. No que tange aos sexos masculino e feminino,
este último deveria permanecer submisso ao primeiro, o que significaria seguir a própria lei da
natureza, o destino normal de não concorrer com o homem nas posições social e econômica,
sob o pretexto de igualdade e liberdade, mas sim, concentrar-se na vida doméstica. Assim, no
seu tempo, expressava-se sobre a mulher e o progresso:
63
Procuravam então expressar os perigos que esta provável igualdade traria para
a sociedade, não apenas do ponto de vista moral, mas principalmente social, pois a tentativa
de conciliação das atividades domésticas com atividades exercidas fora do espaço privado,
bem como o esforço intelectual por parte da mulher em atividades muito intelectuais
ocasionaria prejuízo mental a si e às pessoas ao seu redor. Assim afirmava o fundador da
Escola Doméstica de Natal sobre esse assunto:
Caminhar para frente - é a divisa dos povos que amam a liberdade. O que se
faz é preciso, pois, marchar para adiante, melhorando o presente, para
assegurar um futuro melhor e mais digno. Isso obtém-se educando o nosso
povo, e fazendo assentar essa educação em base segura, qual a educação da
mulher, pois que ella é o suporte da família, como a família é o suporte,
sustentáculo da nação. (A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914, p. 1).
nosso olhar para o contexto social dos séculos XIX e XX, pois o contexto é que nos remete a
um quadro de interpretações que varia segundo situações sociais e percepções de mundo.
Tendo em vista que os fenômenos sociais e culturais (materializados em ações, objetos,
expressões, em relações e em contextos sociais estruturados) podem ser compreendidos a
partir do estudo da sua contextualização e de seus significados, o pesquisador inglês
Thompson (1995, p. 165) considera que:
[...] o estudo dos fenômenos culturais pode ser pensado como o estudo do
mundo sócio-histórico constituído como um campo de significados. Pode ser
pensado como o estudo das maneiras como expressões significativas de
vários tipos são produzidas, construídas e recebidas por indivíduos situados
em um conjunto sócio-histórico.
[...] Era requisitada para exercer também uma dominação; não tanto sobre as
crianças, cujo senhor era ainda o ‘pater familiar’, mas sobre os criados, cuja
presença distinguia os burgueses dos que lhes eram socialmente inferiores.
Definia-se uma ‘lady’ pelo fato de ser alguém que não trabalhava, mas que
ordenava a outras pessoas que o fizessem, sua superioridade estando
estabelecida por essa relação.
Tais hábitos fizeram parte das práticas cotidianas de algumas mulheres que
vivenciaram essa época, construindo-se assim representações diversas nas formas de pensar e
agir para a mulher na sociedade. “Preparadas para governar o seu pequeno meio, na casa, e
para servir também à Nação, o grande império dêsses pequeninos reinos, está sem dúvida, na
formação exemplar da família”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 23). Era esse um dos
66
discursos proferidos pela LERN em relação ao papel da mulher na sociedade, onde sua
contribuição social dar-se-ia inicialmente pela via familiar.
Lembramos que a questão do submisso papel social destinado à mulher não é
específico do século XX, pois vem historicamente definido no decorrer dos períodos
históricos, desde a colônia. Esse papel estava explícito nos hábitos que afloraram no Brasil
quando à mulher era delegado importante papel familiar de mãe e esposa, cabendo ao seu
cônjugue a função de provedor familiar. Neste sentido, ao homem cabia uma identidade
pública, à mulher uma identidade doméstica.
Não temos a intenção de conferir um caráter imutável e histórico ao papel da
mulher, assentando este em explicações biológicas, de submissão e obediência, tornando
permanente a idéia das relações de dominação entre os sexos, como uma dimensão imutável e
natural no decorrer da nossa história, mas sim de tornar evidente que, no contexto histórico-
social situado - Brasil/nordeste- as relações estabelecidas de acordo com os valores culturais
entre homem/mulher adquirem significados quando inseridas numa submissão social e
histórica, de construção de significados, numa configuração de relações sociais pautadas em
origens escravocrata e patriarcalista.
A compreensão do século XIX (século anterior à data de fundação da Liga de
Ensino e da Escola Doméstica de Natal) é importante para o entendimento dos costumes,
valores e crenças em torno do universo feminino, ao estabelecermos relações com o século
XX e o que ele herdou e para tecermos relações temporais entre ambos, percebemos que o
século XIX foi uma época em que homens e mulheres impulsionaram e deram forma ao
século XX. O século XIX foi a chamada ‘Era dos Impérios’, tomando emprestado a expressão
do historiador Hobsbawn (2001), ao analisar as transformações políticas, econômicas, sociais
e culturais do século XIX e ao considerar que foi uma das épocas mais significativas na
formação do pensamento moderno. O passado também apresenta significações próprias,
estabelece formas diferenciadas e elos com o presente. “Afinal, a História não é como uma
linha de ônibus em que todos – passageiros motorista e cobrador - são substituídos quando
chega ao ponto final.” (HOBSBAWM, 2001, p. 19).
As continuidades e descontinuidades existem na História e não há como negá-
las, por isso a necessidade de conhecermos e nos reportarmos ao século XIX, período que
antecede o surgimento da Escola Doméstica de Natal, para estabelecermos relações temporais
de mudanças, permanências e rupturas.
O período anterior à instauração da República no Brasil amplia o campo de
ação das mulheres na sociedade (isso acontece principalmente em países desenvolvidos como
67
Inglaterra, França e Estados Unidos) e isso decorre dos movimentos feministas espalhados
pelo mundo. A procura por atividades não domésticas foi incentivada por movimentos
operários e socialistas da época, o que contribuiu para um maior grau de emancipação, ainda
que lento, e para buscar a concretização de ideais de escolha, de liberdade. As ocupações no
setor terciário aumentam e em países como a Inglaterra e Estados Unidos, as mulheres,
(diante do surgimento de recursos tecnológicos, como o ferro a vapor, máquina de lavar,
aspirador de pó que surgem nos anos 40 do século XX) conseguem racionalizar o trabalho e,
com isso, conciliar atividades domésticas com a profissão fora do lar. Outras abdicam do
casamento para optar por uma carreira dita masculina. Os movimentos feministas começam a
expandir-se pelo mundo e a participação das mulheres nas ocupações sociais, apesar de pouco
significativa comparada ao sexo masculino, já demonstrava sinais positivos.
No Brasil, como nos lembra Albuquerque Junior (2003, p. 93):
mudanças no país e defendia uma educação menos livresca e que preparasse o povo para a
vida, ao dizer:
relação justa e adequada com os demais. E essa socialização não diz respeito
apenas aos anos da adolescência: toda a escolarização concorre para ela.
(PROSTE, 1992, p. 82).
Essa era uma visão positivista do que viria a ser a educação e a formação
intelectual da mulher, aonde a ordem das coisas bem ajustadas conduziria a uma ordem do
social, a harmonia e organização dos sujeitos nos papéis a serem desempenhados na
sociedade. Educação, nesse contexto, não era sinônimo de mudança de mentalidade, de
consciência crítica, mas de reprodução, na expressão de Bourdieu (1996) ‘a inculcação de
habitus a serem apropriados’.
Importante também é nos reportarmos à conjuntura do século XX no Brasil
(onde se insere o nosso objeto de estudo) - uma sociedade ainda dominada pelas oligarquias
rurais, pelo patriarcado avassalador com um ensino de cunho fortemente religioso. Esse
contexto nos oferece informações para compreendermos os espaços ocupados pela Escola
Doméstica, sua simbologia para a sociedade potiguar, os métodos de ensino propostos, o
ideário de Educação Nova, considerando também e concordando com as idéias apontadas por
Monarcha (2001, p. 191) quando diz que:
Aparecem no texto acima argumentos de que a mulher era sexo frágil, sensível,
induzindo a pensar que o sexo feminino necessita, pela sua natureza, pela sua composição
física, de uma proteção masculina, de um domínio másculo. Também na leitura seguinte,
percebemos o reconhecimento do homem tomado enquanto figura patriarcal do chefe de
família e da mulher como figura submissa economicamente, daí a necessidade de prepará-la
para enfrentar as dificuldades econômicas e saber lidar com as adversidades da vida social. É
o que destaca com mais evidência as falas dos intelectuais da LERN no relatório abaixo:
na sociedade.
Nessa perspectiva, a mulher deveria receber uma educação escolar baseada nos
seus dotes naturais e a instituição escolar deveria funcionar como um segundo lar, a extensão
do espaço privado. Em relação aos saberes teóricos e práticos que a aluna deveria receber
durante o período de formação escolar, esboçaremos essa questão com mais detalhes no
capítulo da tese que trata sobre o Currículo Escolar.
A Liga de Ensino apresentava, entre os seus membros, fortes argumentos de
que a escola deveria ser a extensão da casa e da família; assim expressavam os seus
representantes perante a imprensa potiguar: “Uma Escola Doméstica é uma casa de família.
Daí nossa orientação no sentido do estabelecimento manter o aspecto material e moral de um
lar completamente feliz.” (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 6). Essa orientação obedecia
certamente aos cuidados e preceitos da época, aos valores em que seu idealizador, Henrique
Castriciano de Souza, pensava ser o ideal de sociedade e de educação feminina, tendo o
primado de zelar pelos valores morais, cívicos, característicos de alguns costumes:
necessária para a LERN para amenizar os impasses daquela realidade conjuntural e à mulher
caberia cumprir o papel de fortalecer os saberes cívico, morais, que conduziriam, segundo a
filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e mulher educada.
A instituição escolar, neste contexto, cumpriria o papel de fortalecer os saberes
necessários a uma boa administração do lar e solidificar comportamentos morais, cívicos, que
segundo a filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e de mulher civilizada. A partir
dessas representações construídas sobre mulher e sociedade, a Liga de Ensino estabeleceu
uma série de dispositivos e convicções que seriam capazes, de acordo com a sua filosofia, de
organizar as instituições escolares e de modelar a prática educativa das escolas, a princípio do
RN; pautadas pelas finalidades abaixo:
Pensar nessa relação escola e sociedade, bem como as contribuições que uma
pode fornecer a outra, é reconhecer os elos sempre visíveis e existentes na história das
instituições escolares, qual seja: essas instituições, historicamente, vêm absorvendo os
discursos que perpassam a sociedade, como também a capacidade de proferir e recriar os seus.
Nesse sentido, essa construção possibilita um contínuo movimento que interliga escola e
movimento social, numa dinâmica dialética de construção e reconstrução de idéias, o que
Saviani (2003) denomina de movimento histórico crítico da pedagogia, capaz de absorver e
reagir perante os fundamentos das transformações que se processam no decorrer da existência
e ação humanas, num contínuo processo de renovação e reestruturação das formas de
sistematizar o conhecimento.
Quando afirmamos que os dispositivos criados pela LERN seriam capazes de
organizar e/ou mudar a organização curricular, isto é, a estrutura pedagógica das instituições
escolares femininas do RN e mesmo, a sua cultura escolar, é porque esses dispositivos
(materializados nas regras, nos preceitos, declarações...) ficaram restritos ao Projeto da Escola
Doméstica de Natal, não chegando a expandir-se para outras instituições de ensino na cidade e
no Estado.
A finalidade de educar a mulher, para esses intelectuais, era posto como um
problema sério que a nação deveria enfrentar, uma missão que se traduziria numa ação mais
prolongada e futura, envolvendo finalidades a longo prazo, tendo em vista que, para eles, ao
educar o sexo feminino, estaríamos comprometendo positivamente a educação das crianças e
consequentemente os destinos da nação. Mediante uma estratégia dessa natureza, de longa
duração, a LERN, para manter-se em funcionamento, necessitaria angariar recursos
financeiros e, para tanto, foi criado um meio de arrecadação de dinheiro. Essa arrecadação
ficou a cargo de um Conselho Administrativo da Liga, que também passou a ser o responsável
direto pela administração, depósito e movimentação das quantias precisas e os excedentes
para as despesas. O fundo social, como ficou denominado, compunha-se da seguinte
contabilidade:
importante, contida no item b, as subvenções do governo, evidenciando, com isso, que houve
a atenção e colaboração dos órgãos públicos no projeto da Liga de Ensino.
A Liga surgiu num período de intensa ampliação dos serviços públicos na
educação e reformulação dos planos e métodos de ensino, em que se declarava a necessidade
de reformular os métodos pedagógicos existentes destinados à formação da mulher com a
justificativa de que perante as exigências da modernidade que afloravam com o capitalismo,
havia urgência em redefinir os estatutos da pedagogia para a nova sociedade que despontava
no início do século XX. Para os intelectuais da LERN, isto significava entender a sociedade
dentro de um programa de reconstrução social, de formação de um novo ideal de mulher,
supervalorizando os aspectos teóricos, metodológicos, onde “[...] o ideal de homem culto era
suplantado pelo ideal de homem prático: o homem novo.” (MONARCHA, 1989, p. 15).
Nessa efervescência de idéias e ideais, o primeiro presidente da LERN, Meira e Sá (1914, p.
10) afirmou nos seus discursos que “[...] trabalhando pela educação dos filhos, cumprindo o
nobre dever de pugnar pelo desenvolvimento intellectual e moral dos seus, cada cidadão
(principalmente a mulher) irá igualmente concorrendo para a prosperidade da Republica.”
Nesse contexto, a LERN configurou-se, nos cenários local e perante o contexto
mais geral como entidade formada por intelectuais de vanguarda que apresentavam
necessidades de introduzir modelos locais e nacionais, práticos e eficientes no ensino, de
acordo com a concepção filosófica de mundo, de mulher e sociedade que explicitavam ser a
melhor via. Ao enfatizar primordialmente a base familiar como a pirâmide para o sucesso e o
progresso de uma sociedade e uma educação feminina com formação intelectual e física bem
conduzida às luzes da ciência e da pedagogia, a LERN estava lançando um ideário que
considerava, se materializado nas políticas de educação, um coadjuvante no progresso da
comunidade e da nação.
Chamava a atenção também a idéia de ‘remodelação’ do ensino via educação
doméstica, com instrução baseada também num programa educacional que vislumbrasse a
educação da mulher na sua formação física e intelectual. O feminino é constantemente
associado nos discursos da Liga de Ensino à posição horizontal na sociedade e o homem
representaria a verticalidade, uma ordem hierárquica que não deveria ser ameaçada.
QUADRO 2
CRONOLOGIA DOS PRESIDENTES DA LERN:
PRESIDENTES PERÍODO
Henrique Castriciano de Souza 1911 a 1918
Francisco de S. Meira e Sá 1919 a 1928
Manoel Dantas 1929 a 1938
Felipe Guerra 1939 a 1948
Juvenal Lamartine 1949 a 1958
Varela Santiago 1959 a 1968
Aldo Fernandes 1969 a 1978
Onofre Lopes 1979 a 1988
Osório Dantas 1989 a 1998
A nossa Liga é nada mais, nada menos, que uma grande sociedade composta
de todos os elemento progressistas do Estado, tendo por ideal supremo e
unico a creação, nos differentes municipios, dessas Escolas Domesticas que
são o segredo da felicidade daquella Suissa, hoje invejada por todas as
nações do Orbe, devido as suas instituições maravilhosas e, sobretudo á
belezza moral e á capacidade de seus habitantes, em todos ramos da
actividade humana. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 1).
81
desta para os seus futuros filhos. Para Albuquerque Júnior (2003, p. 130):
Além de preparar uma boa dona de casa, a Escola se propôs a formar a mulher
considerada o espelho e o modelo ideal feminino, regrada numa formação alçada nos valores
virtuosos, cívicos e socioculturais consubstanciada num modelo ideal de mulher despontada
com os anseios da nova república. Na visão de Araújo (1997, p. 139):
Século XX, ano de 1914, inauguração em Natal da primeira escola para o sexo
feminino baseada em modelo europeu, em sua singularidade destinada a formar um novo tipo
de mulher civilizada para uma nova sociedade que despontava com os primeiros indícios de
desenvolvimento social e econômico. Era esperada com expectativa e orgulho por alguns que
compunham as autoridades públicas do Estado do RN e intelectuais progressistas.
A fundação da escola tornou-se a concretização, como afirmamos no capítulo
anterior, de um projeto social e educativo de Henrique Castriciano de Souza e da Associação
LERN; afinal “[...] a escola é uma criação de indivíduos que vivem em sociedade, mas esta
criação não é mais do que uma resposta a certas necessidades, a certas condições que
favorecem esta “invenção.” (PETITAT, 1994, p. 198). Por ser uma criação humana, a escola
obedece em cada contexto histórico a determinações sociais, econômicas e culturais; isto
significa dizer que espaço e tempo são imprescindíveis para a análise das condições que
favorecem a criação de uma instituição educativa.
Petitat (1994, p.187) ao destacar alguns elementos importantes que
contribuíram para o surgimento de uma cultura escolar moderna na Alemanha indica que:
4
Escola modelar voltada especificamente para a educação doméstica feminina, localizada no Cantão Suíço, a
qual Henrique Castriciano de Souza conheceu em viagem realizada em 1909 e ao retornar ao Brasil resolveu
fundar uma escola nesse nesses moldes de ensino, onde teoria e prática eram aspectos priorizados na formação
dos saberes para o lar.
5
O jornal A República foi fundado em 1889, para servir como veículo divulgador dos anseios republicanos no
Estado do RN, por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, chefe político norte-rio-grandense ligado a grupos
oligárquicos no Estado.
85
visitado e movimentado por pessoas e comércios, como a Casa Reis (movimentada loja de
calçados, localizada na rua Dr. Barata), a Relojoaria Italiana, lojas de vendas de máquinas
diversas, a loja de banheiras Jajaz (representante de produtos importados para banho, na rua
Tavares de Lyra), a Alfaiataria Paris (na rua Frei Miguelinho), lojas de irrigações, máquinas
de lavar roupa, lojas de café, de bebidas geladas e demais atividades de comércio existentes
que davam dinamismo ao local.
O prédio originalmente construído para o funcionamento da escola foi de
doação do governo do Estado do RN. Em entrevista com o atual presidente da Liga de Ensino,
obtivemos a seguinte informação:
descaso com ensino público no Estado do RN, porquanto a Escola Normal de Natal somente
conseguiu um prédio próprio em 1950; passando por dificuldades de organização, de recursos,
pela falta de um lugar próprio para funcionar, em suma, pela falta de recursos destinados ao
seu funcionamento, assim como as demais escolas públicas existentes.
Na década de 50 do século XX, o presidente do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – INEP, o educador Anísio Spínola Teixeira, manifestou sua impressão sobre a
Escola Doméstica de Natal, ao visitá-la em 11 de março de 1954, afirmando que:
Visto afinal a Escola Doméstica de Natal, sobre que ouço falar desde que
comecei a me entender em educação. Instituição que tem já 40 anos,
provando, durante esse período, duas coisas: 1) que instituição educativa
pode ter finalidade pública e privada, tanto no Brasil quanto na Inglaterra; 2)
que instituições educativas podem resistir ao uniformismo das escolas
oficiais brasileiras, manter programa autônomo e original ... sobreviver. Que
digo? Triunfar e apresentar o espetáculo que aqui assisto, entre surpreso e
comovido, de uma escola que pode emparelhar com o que de melhor exista
nos paises de melhor e mais alta tradição educacional. (TEIXEIRA, 1920, p.
35).
privadas.
A Escola Doméstica não foi a única instituição a receber ajuda financeira
Estadual, o ensino particular subvencionado pelo Estado mantinha algumas escolas e ginásios
no início do século XX com auxílio dos cofres públicos. (CASCUDO, 1999).
Numa cidade ainda provinciana como Natal que estava caminhando em passos
lentos para um processo de crescimento urbano e em vias de modernização diante das
condições conjunturais do país e do mundo, era necessário mais investimento no ensino
público e nas condições de saúde e habitação da cidade. O cenário de Natal ainda apresentava
precariedade; sua iluminação era à base de lampiões, o que aconteceu por longos períodos,
somente vindo a conhecer instalações elétricas a partir de 1905. Na gestão governamental de
Alberto Maranhão (por este ter conseguido empréstimo financeiro da França através de uma
firma responsável pela execução do empreendimento, a Vale Miranda & Domingos Barros) é
que a cidade passou a ser ajustada a novas reformas desde a instalação de luz elétrica em ruas
e residências aos bondes elétricos, abastecimento de água, saneamento, transporte, calçamento
e outros melhoramentos.
Novas idéias circulavam no Brasil e no Rio Grande do Norte e no Brasil, como
o nacionalismo, o tenentismo e inquietações de diversas ordens sociais, evidenciando
mudanças (e perspectivas de mudanças) no setor social, expressando também transformações
na vida urbana, o crescimento - ainda que lento - do comércio, das ruas, da cidade, criando
novos padrões de comportamentos e novas perspectivas de vida, de construção de um novo
sistema de valores de civilidade urbano-industrial.
As representações do que a Escola Doméstica de Natal simbolizaria para a
sociedade potiguar eram diversas. As palavras de ordem: novo, civilidade, moderno e
progresso circulavam e se entrecruzavam com valores ainda arraigados e permanentes na
sociedade. E assim percebia-se a escola como instituição modelo, específica em sua função,
que iria trazer para a cidade, e particularmente para o RN, idéias de civilidade e progresso tão
almejadas para os que ali viviam.
O início do século XX marcou um período de grande mobilidade social em
defesa da modernização das cidades no Brasil, de acordo com as especificidades e ritmos de
cada uma e esse processo gradativo de modernização, principalmente nos espaços urbanos,
possibilitariam a criação de projetos que incorporassem a modernidade à estrutura
educacional, cabendo a diversos intelectuais a discussão sobre o tema, a criação de reformas
no campo educacional e de novas representações conforme o contexto vigente.
Em Natal, diante de um contexto permeado por mudanças no setor educacional
89
6
Reforma criada em 1908, que imprimiu nova orientação pedagógica ao ensino potiguar ao estabelecer o uso,
ainda que introdutório, dos princípios do método intuitivo na educação.
7
Reforma que representava os anseios dos renovadores escolanovista do Estado (José Augusto Medeiros, Nestor
dos Santos Lima, Henrique Castriciano de Souza e outros) por reformulações na organização do ensino nos
níveis primário, secundário e profissional (o desenvolvimento das faculdades de observação, emprego nas
escolas primárias do método intuitivo, o estímulo a construção de prédios escolares segundo os preceitos da
higiene, conforto, localização adequada...)
90
permaneciam durante o período de aulas, podendo receber visita de familiares nos finais de
semana ou durante o período de férias. A categoria semi-interna era composta por alunas que
estudavam na instituição em horário integral, manhã e tarde e retornavam para as suas
residências no período da noite. A terceira categoria, as externas, era formada pelas alunas
que freqüentavam a escola em apenas um turno de aula.
Desde o início do seu funcionamento, a Escola Doméstica de Natal
apresentava-se à sociedade como uma instituição de fins não lucrativos, apesar da cobrança de
uma mensalidade, que era iniciada com o pagamento de uma jóia de entrada para assegurar a
matrícula e um adiantamento das despesas da Escola com a aluna.
Pelo motivo de ter a Liga de Ensino do RN como entidade mantenedora, na
Escola Doméstica, o discurso que predominava era que a instituição pretendia auxiliar o
governo na expansão do ensino público e por isso as mensalidades cobradas ao seu corpo
discente apenas serviam como forma de contribuição para a escola manter em dia as suas
despesas diárias. Esse mesmo discurso é ainda, nos dias atuais, sustentado pela direção da
Liga de Ensino e da Escola Doméstica. Segundo Brito (2004), a Escola Doméstica nunca
apresentou finalidades lucrativas em relação aos serviços oferecidos à sociedade norte-rio-
grandense, colocando-se, ao contrário, como uma Escola a serviço da comunidade, não
podendo, por isso classificar-se totalmente como instituição educativa privada, com fins
lucrativos, e sim, uma espécie de autarquia e pelo fato de assim o ser, merece atenção das
autoridades públicas responsáveis pela organização do ensino no Estado.
Com base nesse entendimento, analisamos a representação de que desde a
inauguração da Escola Doméstica de Natal, o governo estadual do RN apoiou o seu Projeto de
funcionamento na cidade, partindo da estrutura física, pois foi concedido um prédio para o seu
funcionamento, bem como subsídios para pagamento das professoras (vindas de outros
países) e demais custos da Escola.
De acordo com a Lei de n.° 405, de 29 de novembro de 1916, que reorganizou
o ensino primário, secundário e profissional do Estado do RN, o ensino privado poderia ser
ministrado livre da fiscalização quanto aos métodos e regime didático no Estado, ficando
sujeito à fiscalização oficial no que dizia respeito aos preceitos de higiene, a moralidade e a
nacionalização do ensino, mas, o que nos chamou atenção é o seu Art. 214 que trata da
subvenção financeira do Estado em relação às instituições privadas, quando diz: “O Estado
poderá subvencionar pecuniariamente as escolas primarias particulares, situadas nos povoados
ou fazendas, que reunirem as seguintes condições: a) matricula nunca inferior a trinta
93
CAPÍTULO 2
homens e mulheres. A estas últimas era atribuída a tarefa de ensinar a humanidade a formar
novos cidadãos comprometidos com o novo Regime político e social, que poderia ser
exercitada nos papéis de mãe e professora. A emancipação feminina traria desajustes no
matrimônio:
bem estar que dá a Suíssa, em que, não raro, a decoração vegetal imprime
uma nota pacificante de bucolismo, dando ao espírito do hospede um como
aviso de tranqulidade, de trabalho silencioso, de ternura forte. (SOUZA,
1911, p. 29).
enunciados que incluía a preocupação pela educação popular, pela valorização do artesanato
local, etc., ao pensar na fundação da Escola Doméstica de Natal o fez tecendo comparação
injusta entre a Suíça com o Brasil porque eram contextos de desenvolvimento cultural e
econômico bem diferentes. Enquanto a primeira apresentava-se como lugar de primeiro
mundo, desenvolvido, berço da civilização, portanto, próspera nos seus processos educativos,
o segundo ainda alimentava o desejo de vir a ser moderno, de alcançar patamares da
modernidade econômica, política, cultural e social. Modernidade essa proclamada na época
por vários países, como um fio redentor da própria identidade nacional nos moldes de uma
cultura civilizada. (BERMAN, 1986.).
Para Berman (1986, p. 15), “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que
promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas
em redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos e tudo
o que somos.”
Ainda na visão desse autor, o conjunto de transformações que ocorrem nos
lugares que ocupamos, nos ritmos de vida, no processo de organização social, industrial e
econômica, nos meios de comunicação, no crescimento urbano bem como os processos
sociais que vão dar vida a essas mudanças mantendo-as num contínuo estado de vir a ser,
configura-se com o termo modernização.
Nos anseios de Henrique Castriciano não éramos modernos, precisávamos
urgentemente de uma reforma social pela via educacional. Castriciano deixa evidente a
necessidade de mudança no discurso proferido durante uma conferência intitulada ‘Educação
da mulher no Brasil, realizada em Natal, em julho de 1911, onde relatava alguns aspectos de
sua recente viagem realizada a Suíça; tecendo comparações entre a educação do Brasil e a
Européia.
Temos alguma instrucção, mas quase não temos educação; e sem esta é
impossível tornar um grande povo. Dahi, o doloroso contraste observado
entre nós, não somente entre o litoral apparentemente civilisado e o sertão
inculto, mas entre a sala e a cosinha; nos grandes centros, entre o habito
exterior e as condições materiaes do individuo.(SOUZA, 1911, p. 22)
8
Revista fundada em 1914, sob a organização e direção das Irmãs Carolina e Palmyra Wanderley, com a
colaboração de Anilda Vieira, Estelita Melo, Estela Gonçalves, Maria Penha e Joanita Gurgel. Em 1915, a mesma
revista, publicou um artigo tecendo árduas críticas à Escola Doméstica de Natal, apelidando as alunas que a
freqüentavam de cozinheiras.
102
social pela reconstrução educacional, fato tomado como um dos pontos nevrálgicos dos
signatários da educação nova: os Pioneiros da Escola Nova no Brasil em 1932.
A mudança na educação escolar visando à formação de um homem novo, ou
melhor, de uma nova mulher ativa, participativa, onde a educação não se fechasse na cultura
da palavra e do pensamento, e sim numa formação de um sujeito participativo nas atividades
do mundo tornou-se uma das grandes buscas de alguns teóricos dos séculos XVII e XVIII, a
exemplo de Francis Bacon, John Locke, Jean Jacques Rousseau. As reformas no pensar sobre
a educação e a instrução ensejadas num contexto de transformações no social e econômico
buscam uma cultura de formação não mais limitada a uma versão de currículo antimundana,
literária, ornamental, mas sim, a formação de um indivíduo inserido na organização de
comunidade, um cidadão ativo, consciente dos seus direitos e deveres enquanto sujeito social,
mas sem perder os elos e costumes da nação e a possível prosperidade desta. O modelo
escolar da Escola Doméstica da Suíça trazia, aos olhos e mente dos seus fundadores essa
preocupação principalmente sobre a finalidade de a escola voltar-se para o mundo vivido,
para um currículo prático, composto de atividades complementares aos conceitos teóricos
sobre a vida e o universo feminino.
Voltando o olhar para esse contexto é que podemos compreender o significado
que a Escola Doméstica de Natal apresentava, tornando-se central nos discursos de muitos
intelectuais e políticos da época, no sentido de ser relevante para a formação de valores
coletivos (quais sejam, os morais, intelectuais, culturais) e conhecimentos práticos; uma
formação voltada para o social e útil para a sociedade, de acordo com um modelo produtivo
que despontava com o crescimento industrial, nas fábricas e no mercado, exigindo da escola
uma cultura de formação que passasse a privilegiar a pedagogia e seus elos com os objetivos
políticos e culturais da sociedade vigente.
Naquele momento, era necessário atualizar a escola (de preferência em
consonância com a nova ordem de idéias que circulavam) para uma sociedade que tentava
moldar-se como produtiva, aberta a inovações, transformada com o advento da República e
mudanças nos setores econômico e industrial que, desde o século XVIII, difundiu-se em parte
da Europa (embora com ritmos e intensidades diferentes) ativando um processo de redefinição
dos objetivos e dos instrumentos da pedagogia.
Tanto a prática quanto a teoria sofreram, naquele contexto, transformações,
colocando em discussão o repensar sobre novos protagonistas (criança, deficiente, mulher...),
tentando, portanto, renovar as instituições escolares e outras instâncias sociais a começar pela
família e pela fábrica. As renovações educativas e pedagógicas articularam-se de modo
103
Dos reclames por ele proferidos, admitia que, na França, houve progressos e
melhorias no sistema de ensino ao se implantar a criação de Liceus Secundários Femininos
em quase todo o território nacional. Estes passaram a privilegiar mudanças nos métodos e
programas de ensino voltados especificamente para a formação da mulher, tomando como
primazia uma instrução teórica e mais em harmonia com os interesses imediatos que a vida
doméstica impunha (como o uso metódico dos trabalhos domésticos). Ainda em defesa pela
implantação dessa organização escolar no Rio Grande do Norte e no Brasil, argumentava a
importância de se trabalhar nas instituições escolares a Economia Doméstica como ciência,
pois segundo a sua natureza e composição necessitaria ser apreendida via estudo científico.
O conhecimento reconhecido como ciência era um aspecto bastante destacado
nesse início do século XX, afinal a influência positivista do século XIX havia deixado grandes
marcas no Brasil, inclusive nas formas de se pensar e organizar os conhecimentos a serem
transmitidos nas instituições escolares. Dentre as diversas premissas dessa filosofia de
conhecimento estava a preocupação em empreender qualquer análise da sociedade quando
feita com verdadeiro espírito e rigor científico, de forma objetiva e isenta de metas
preconcebidas, elementos próprios das ciências em geral. Surgia uma nova concepção de
ciência, fundada na objetividade dos fenômenos, na valorização excessiva da ciência como
única via confiável para compreendermos os objetos, seguindo a resumida fórmula ‘saber para
prever’, a fim de prover’.
Nesse contexto, a filosofia positivista de Augusto Comte passou a influenciar
fortemente as formas de se pensar o conhecimento e sua socialização. Henrique Castriciano
de Souza reconhecia essa compreensão como necessária para entendermos os diversos
aspectos da existência humana, daí a sua proposta de ensino onde fosse pensada a mulher
apropriando-se de conhecimentos práticos, mas precisamente associados a uma compreensão
científica desses saberes. A fundamentação científica para ele era ímpar nos estudos
realizados nas escolas para educação feminina. Para ele:
9
Vertente teórica que teve forte influência no Brasil a partir da divulgação dos ideais de John Dewey, norte-
americano, que defendia a atividade como elemento importante no processo de ensino e aprendizagem. A
atividade assumia papel relevante para que os sujeitos aprendessem fazendo, vivenciando situações próximas à
sua experiência de vida.
106
10
O Método intuitivo valorizava a intuição como fundamento de todo conhecimento, isto é, a compreensão de
que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação, partindo-se do conhecido para o
desconhecido. Surgido na Alemanha no final do século XVIII pela iniciativa principalmente de Basedow e
Pestalozzi, difundiu-se amplamente pela Europa na segunda metade do século XIX, quando o movimento de
renovação pedagógica entrou em sua fase ativa. Foi tributário das ideais dos pedagogos Rousseau, Bacon,
Rabelais, Comenius, Froebel, dentre outros e no Brasil teve forte influência no pensamento educacional e nos
métodos de ensino das escolas.
107
trabalhos manuais com o uso de agulhas (bordados, costuras, corte, serviços domésticos...) e
eram associados somente ao universo particular da mulher, no âmbito doméstico. De um
modo geral, as instituições que mais apresentavam essas preocupações eram as de
responsabilidade de ordens religiosas, sendo os preceitos morais e religiosos incluídos nessa
formação da mulher. Tomemos como exemplo o Rio de Janeiro que, em 1876, nas escolas
normais, tinha em seu currículo cadeiras de ensino que versavam sobre os trabalhos manuais
da mulher, higiene, prática de ensino e economia doméstica. (ALMEIDA, 2000).
A Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo localizada em
Petrópolis/RJ, era “[...] destinada à educação das moças desamparadas, onde elas são
educadas para o serviço doméstico ou para tornarem-se instrutoras [diga-se, professoras do
ensino primário - grifo nosso], quando rebelam aptidão especial para isto.” (ALMEIDA,
2000, p. 265). Era finalidade dessa escola ajudar às mulheres que estavam vivenciando
situações de miséria econômica e por vícios. A preocupação maior era com o assistencialismo
ao desamparo e proteção às mulheres desprotegidas. Não era, portanto, similar ao modelo
escolar que o intelectual Henrique Castriciano procurava para se espelhar na fundação em
Natal da Escola Doméstica.
No Rio Grande do Norte, durante o Império, submetidas ao método Lancaster
e sob a vigência da Lei 15 de outubro de 1827, as mestras ensinavam nas Escolas de Primeiras
Letras os conhecimentos sobre economia doméstica. Instituía a lei, no seu artigo 12, a
seguinte prerrogativa:
Muito embora a lei não se referisse a uma escola doméstica, mas às aulas
daquelas escolas sobre o referido assunto, podemos dizer que, naquele momento, já se
consignava a preocupação com a formação feminina para os afazeres do lar, o que denotava
nesse período a preocupação em evidenciar o que seria próprio do universo masculino e do
feminino.
108
educadora primária, a quem competia, com afeto, esclarecer e cultivar a inteligência dos
filhos, de modo que a escola fosse apenas a continuadora da obra materna.
De igual forma, Friedrich Fröbel (1782-1852) deu ênfase às atividades no
sentido de atribuir a elas um significado lúdico e pedagógico. Na visão pragmatista de John
Dewey, o currículo escolar deveria ter como referência básica a preparação do indivíduo para
a vida e, nessa visão, caberia à instituição escolar elaborar atividades que levassem os aluno à
manipulação, experimentação, vivencias. Essas atividades deveriam soar em consonância
direta com a realidade de vida dos sujeitos, com seu universo particular para que pudessem
adquirir significados na sua vida.
Henrique Castriciano de Souza defendia a adoção na educação das crianças o
uso dos princípios pedagógicos de Fröebel, pois os considerava mais adequados à formação
de valores e hábitos na infância. Segundo ele “Com o regimen de Froebel, a criança é
submetida mais cedo á disciplina, aprendendo suavemente a obedecer sem vileza, adquirindo
hábitos de ordem, de asseio, de methodo.” (SOUZA, 1911, p. 47).
Além dessas proposições, a pedagogia de Froebel proporcionava, na visão de
Souza (1911), o respeito ao ritmo de aprendizado das crianças, o espírito infantil, dando
ênfase a aulas de desenho, canto, exercícios físicos, dentre outras atividades que, segundo ele,
seriam ideais para a mulher conhecer e repassar esses ensinamentos aos seus futuros filhos.
O pragmatismo apregoado por John Dewey também defendia a importância
nas escolas dos trabalhos manuais, pois, através do exercício, o indivíduo colocaria em prática
os órgãos do sentido, treinaria as habilidades de coordenação motora, etc. Nessa perspectiva,
os trabalhos manuais funcionariam como parte necessária ao desenvolvimento da inteligência
que estimularia intelecto, corpo, habilidades, etc., uma vez que a educação deveria estimular
as funções ativas do organismo humano. As matérias do currículo, por exemplo, deveriam ser
desenvolvidas mantendo conexão com o mundo real, com temas correlacionados à vida dos
alunos, proporcionando-lhes a capacidade de interagir com os outros, viver em sociedade,
participar do jogo social.
Elias (1994) ao tecer alguns estudos sobre a visão pragmática de conhecimento
de Dewey enfatizou que:
FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de culinária, 1918.
Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal. Natal, RN.
112
FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, ao centro em pé, em
destaque vestido de branco, o Ministro das Relações Exteriores Oliveira Lima.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1919.
117
CAPÍTULO 3
FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1925.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
Helene Bondoc
De nacionalidade Romênia
Professora diplomada pela Escola de
Menagère, Suíça
Atuou como diretora no período de 1914
a 1918
Isabel Baird
Natural da Dinamarca
Diretora no ano 1925 (faleceu nesse
mesmo ano)
123
pois a elas não caberia inserir-se numa cultura escolar tão diferenciada da sua formação
cultural e mesmo pedagógica.
Além do que havia sido traçado pela LERN no referido Regimento Escolar, no
que se referia às normas e ao cumprimento dessas, as docentes e diretoras da escola, mesmo
as advindas de culturas diferentes da do Brasil e particularmente da cidade de Natal, teriam
que fazer novas apropriações da realidade local.
Evidenciamos também que nesse primeiro grupo de diretoras e professoras da
ED de Natal havia pessoas que na Escola, passaram a ser consideradas as precursoras e
construtoras da cultura escolar, tendo inicialmente como base teórica a fundamentação nos
preceitos da Pedagogia Nova e das novas formas de perceber o ensino e a aprendizagem,
dispondo a formação feminina em novos patamares de elevação cultural que se sobressairia
diante de uma formação restrita às primeiras noções de matemática e língua portuguesa, para
uma formação mais integral e geral da mulher.
Dialogamos com as fontes documentais durante a análise dos dados levantados
para identificar quais foram os principais motivos que ocasionavam o afastamento de algumas
docentes e diretoras da ED de Natal, pois algumas, como demonstrado no quadro citado
anteriormente, permaneceram durante pouco tempo, seja na administração do estabelecimento
ou mesmo lecionando, como foi caso da professora Amélia Bezerra Filha, que apenas
permaneceu na direção da escola por um período de sete meses porque decidiu contrair
matrimônio. Dentre os vários motivos evidenciavam-se nas rescisões contratuais as
dificuldades de adaptação às condições climáticas da cidade de Natal, problemas de
estabelecimento de comunicação com as alunas da Escola em língua portuguesa, permanência
por longo período distante dos entes familiares, casamento, etc.
Obviamente, eram motivos previsíveis de acontecer, tendo em vista que as
professoras quando eram contratadas pela LERN tinham que manter uma vida austera, pacata,
restrita ao universo escolar, onde tinham que trabalhar e morar, não podendo sequer receber
visitas que não fossem permitidas pelo estabelecimento do ensino e solicitadas com
antecedência. Algumas das professoras, por exemplo, explicitaram o desejo de reencontrar os
familiares, retornando ao seu país de origem.
Dentre os critérios particulares da Liga de Ensino do RN para seleção das (os)
primeiras(os) professoras(es) a compor o quadro da docência da escola, havia a exigência de
se ter uma boa formação intelectual e moral, ter uma boa índole social baseada nos bons
costumes. A expressão bons costumes consubstanciava-se na expectativa do indivíduo já ter
adquirido nos seus hábitos rotineiros bons comportamentos aceitos socialmente: saber vestir-
127
O corpo docente, escolhido não somente por causa do preparo, mas também
por causa da influencia moral e social, que possa exercer sobre o corpo
discente, une-se à grande família” e promove, de quando em quando festas
intimas, divertimentos, passeios, concertos e recepções, com o fim de alegrar
as alumnas, instruindo-as e dando-lhes bastante pratica na vida social; não
sendo, porem, permitido bailes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1927b, p .6-7).
Percebemos que uma das exigências na época para a cátedra era ter uma boa
índole moral e social. O que caracterizava a formação docente era uma formação pedagógica
acompanhada de uma boa reputação perante o social, estabelecendo-se, com isso, alguns
critérios sobre a atuação docente e sobre os saberes necessários à profissão.
Vejamos que, naquele momento histórico estávamos diante de um quadro
esboçando a representatividade do que se entendia por um bom professor: boa índole,
formação de valores morais e espirituais, conhecimento intelectual aflorado, boa
representatividade perante a sociedade enfim, critérios que ultrapassavam como mero pré-
requisito o domínio dos saberes específicos ao ato de ensinar. Nesse sentido, para a
contratação do quadro docente inicial, a Liga de Ensino do RN necessitaria dispor de recursos
financeiros para custear a vinda e a estada dessas docentes advindas principalmente da
Europa, fato que seria inviável caso não tivesse ocorrido uma cooperação do Governo do
Estado do Rio Grande do Norte, no sentido de providenciar recursos financeiros em prol da
contratação das professoras. Encontramos na nossa pesquisa, alguns registros das relações
ocorridas entre a Liga de Ensino e o Governador do Estado na época, representado pela
pessoa de Alberto Maranhão, político local, representante de grupos oligárquicos no Estado.
Segundo a Liga de Ensino do RN foi:
Graças aos bons ofícios do então Ministro dos Negócios Exteriores, o Dr.
Lauro Muller e do diplomata representante do Brasil, na Suíça, o Dr. Raul do
Rio Branco, e com o patrocínio do Governo do Estado, foram contratadas,
por 4 anos, professoras renomadas que organizaram a Escola Doméstica de
Natal, nos moldes da École Ménagère de Friburgo, na Suíssa. (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 13)
128
CARDÁPIO DE 1916:
Cahier n. 1
Aluna: Clara Soares (9-12-1916)
CARDÁPIO DE 1936
17-03-1936
Aluna: Aliete Galvão
Sopa Salvina
Pastéis folhados com presunto
Salada Macarrão
Bolo de amêndoas e nozes
(BARROS, 2000, p. 183).
132
escola, de forma que praticamente não havia resistência às normas do regimento interno,
principalmente por parte das alunas internas. As docentes conseguiam (com algumas
exceções) conquistar o grupo de alunas de forma a tornar o ambiente escolar um espaço
familiar, onde sentiam-se à vontade na convivência diária. As memórias trazidas à tona pelas
ex-alunas focalizam os bons momentos vividos com as colegas de turma, bem como, a cordial
convivência com a diretora da época e que, apesar das regras disciplinares do
estabelecimento, a escola ainda se destacava por não ser tão severa em termos de castigos e
formas de tratar as discentes, como outras existentes na cidade.
Observa-se nas práticas da Escola Doméstica de Natal uma quantidade maior
do quadro de docentes do sexo feminino contrastando com o reduzido número de professores
do sexo masculino. É instigante que a feminização do Magistério vinha crescendo desde o
final do Império, quando as virtudes femininas eram reconhecidas como mais propícias e
desejáveis às atividades educacionais. Abria-se um mercado de trabalho promissor para as
mulheres e menos atrativo para os homens. Outra característica a destacar é a formação das
docentes, que passou a ser um dos critérios fundamentais para o ingresso na carreira do
Magistério: ter boa índole, boa moral, bons costumes, ser de boa família, ter bom status
social, como já abordamos anteriormente.
Os professores, nesse contexto, foram considerados, a nosso ver, os principais
agentes que colocaram em prática os dispositivos pedagógicos da instituição à qual estavam
vinculados, aplicando as normas pedagógicas, seguindo os rituais da escola (como os de
encerramentos do ano letivo), aplicando os instrumentos de avaliação, realizando algumas
práticas de disciplinarização, punições, premiações enfim, faziam parte da complexidade da
educação escolarizada e de suas respectivas ações educativas e disciplinadoras.
Mediante as ações dos (as) docentes e das diretoras da Escola Doméstica de
Natal, temos do outro lado as discentes da Escola que singularizam nesse universo de práticas
escolares as pessoas que se apropriavam dessas práticas, mas que também agiam diante delas,
manifestando-se através de suas idéias e cosmovisão. Podemos dizer que professoras e alunas
não mantinham relações polarizadas, totalmente opostas, no sentido em que estamos buscando
compreender a cultura escolar como a vida da escola. Alunas e professoras mantinham
distanciamentos, mas também proximidades de idéias a partir dos diversos momentos em que,
juntas, compactuavam com algumas práticas culturais trabalhadas no interior da Escola
Doméstica de Natal.
134
3.2. As alunas
QUADRO 3
DEMONSTRATIVO MATRÍCULA DA ALUNAS
QUADRO DE MATRÍCULA DE ALUNAS PERÍODO: 1915 À 1964
ADVINDAS DE DIFERENTES ESTADOS
DO BRASIL
Alagoas: 08 Pernambuco: 50
Pará: 07 Sergipe: 17
Maranhão: 07 Guanabara: 01
Piauí: 18 Território do Acre: 01
Ceará: 26 Paraíba: 55
Rio Grande do Norte: 1.915 Alagoas: 02
TOTAL GERAL: 2.105
sede da Escola Doméstica, situada na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira. Ouvimos a
explicação sobre dois grandes motivos que impulsionaram os seus pais a matricularem-na, ela
e mais duas irmãs, no internato da ED. Um deles foi a necessidade de enviar as suas três filhas
para a capital do Estado com a finalidade de prosseguir os estudos, uma vez que, na época,
todas residiam na cidade de Currais Novos/RN, local que dispunha de apenas um grupo
escolar denominado Capitão Mor Galvão, que não oferecia condições para suas filhas
cursarem níveis mais adiantados de estudos. Outro motivo que suscitou essa escolha foi o fato
de seus familiares já terem ouvido falar da boa qualidade de ensino ofertado pela ED, do
compromisso e da disciplina empregada pela educação das mulheres, assim como
informações sobre conteúdos priorizados no currículo escolar do referido estabelecimento.
Por esses motivos, os seus pais decidiram enviar três de suas filhas para estudarem na ED.
(PEREIRA, 2006).
A aluna recorda com carinho os tempos vividos na escola, a turma que
estudava, as (os) docentes que lecionavam, trazendo no seu imaginário a escola em vida nas
suas práticas cotidianas.
Meus pais gostavam muito da ED porque era uma escola que disciplinava
mesmo, educava as filhas e só consentiam a saída da aluna da escola com a
autorização dos pais, mediante um termo assinado pelos mesmos, caso isso
não ocorresse a direção não liberava as saídas. (ARAÚJO SÁ, 2006).
138
afirmar que: “aprendi a estudar melhor, de forma mais organizada, onde tive aprendizados
para a vida, que levo comigo até os dias atuais”.
O fato de a Escola Doméstica ter sido desde os primórdios uma instituição que
não pregava uma única religião, ao contrário, abria as portas para que famílias de religiões
diferentes buscassem para as suas filhas uma educação sem pregação de um único credo,
também foi um dos motivos de muitas escolhas de pais de família; é o que lembra Francisca
Nolasco Fernandes, mais conhecida como Dona Chicuta11:
Não havia, pois, muito o que escolher, pelos pais, que, residindo no interior,
ou mesmo na cidade, quisessem mandar suas filhas, internas, para um
educandário modelo. Era adotado, então, um critério interessante. A maioria
dos católicos, os mais fervorosos, preferiam o Colégio da Conceição. Os
tíbios, os protestantes e os católicos, ou ateus escolhiam ou aceitava, a
Escola Doméstica, se pudessem faze-lo. (FERNANDES, 1973, p. 17)
Mais adiante, em suas memórias, destaca a opção dos seus pais para que
estudasse na Escola Doméstica de Natal:
Mas como, e para onde mandá-la, se não tinha parentes, nem amigos, nem
conhecidos na Capital? Ele não procurava apenas uma boa escola, mas
também um lugar para onde mandasse a filha, quase criança e com ela não
tivesse preocupações, que naquele tempo, filhas haviam de ser bem
guardadas. Mas, ele, indiferente às críticas, como não gostava de qualquer
religião, escolheu a Escola Doméstica. Segundo as informações contidas no
‘Prospecto’, relativas ao internato naquela casa, as alunas ou pais,
escolheriam livremente a religião que quisessem adotar. E a sua
recomendação expressa foi que nenhuma religião seria imposta àquela filha
enfezadinha e mal acanhada. Nem Católica Apostólica romana, nem
Protestante de qualquer seita, pois a esses últimos tinha ele verdadeiro
horror, a ponto de dizer, naturalmente por pilhéria, que, se ao morrer, fosse
para o céu com Francisquinho ensinando a Bíblia, preferiria o inferno.
Francisquinho era um vizinho protestante que, temendo ver perder-se a alma
impenitente de meu pai, propunha-se a tarefa de salvá-la do fogo eterno,
através da leitura da Bíblia, acompanhando cada versículo da competente e
prolixa explicação. (FERNANDES, 1973, p. 62).
11
Aluna laureada da Escola Doméstica de Natal, diplomada na turma de 1929, que atuou no corpo docente
durante trinta e cinco anos. No seu vasto currículo consta de ter sido professora da Escola Normal de Natal e a
primeira mulher a exercer o cargo de diretora dessa mesma escola. Publicou em 1973 um belíssimo livro de
memórias, onde recorda os tempos vividos como docente e discente nas instituições mencionadas.
140
QUADRO 4
DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL
DE SEGUNDA À SEXTA SÁBADO DOMINGO
ATIVIDADES
6h - Acordar 6h – Acordar 6h - Acordar
6h30minh – Serviço doméstico 6h30min – Arrumação dos 7h – Arrumação dos
armários, etc, no dormitório dormitórios
7h – Cultura física 7h30minh - Café 8h – Café
7h30min – Café 8h – Limpeza geral dos 10h30min – Estudo
dormitórios
142
Continua...
QUADRO 4
DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL
8h às 11h – Aulas 10h – Concerto de roupa 11h30minh – Descanso
11h – Almoço 11h – Almoço 12h – Almoço
12h – Chamada 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio
12h10min às 15h50min– Aulas 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio
15h50min às 16h30min – 16h Descanso 16h30min – Recreio
Descanso
16h30min – Jantar 16h30min – Jantar 18h30min – Ceia
17h – Recreio 17h – Recreio 20: 30 - Silêncio
18h30min às 20h - Estudo 18h30min – Estudo ou seção
recreativa
20h - Silêncio 20h – Ceia
20h40min - Silêncio
Todas as discentes tinham que se adaptar a uma rotina escolar permeada por
muito rigor na disciplina, no comportamento, conduta, incluindo os horários rigorosos de
estudo, horários de acordar e dormir e de recebimento de visitas no local e no caso específico
das internas: os horários de refeição, de entrada e saída e permanência na escola. A vigilância,
a formação de hábitos disciplinares e de valores morais eram nesse contexto ações a seguir
para serem postas em prática na convivência com os outros, seja na relação aluna/aluna,
aluna/direção, aluna/funcionários, devendo haver, no ambiente escolar, práticas afetivas
144
QUADRO 5
REFERENTE AO PERCENTUAL DE ALUNAS DIPLOMADAS PELA ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL: DE 1919 A 1945
ANO Número de alunas ANO Número de alunas
1919 05 1933 04
1920 ---- 1934 03
1921 02 1935 02
1922 02 1936 07
1923 02 1937 04
1924 ---- 1938 10
1925 06 1939 06
1926 03 1940 06
1927 04 1941 08
1928 06 1942 21
1929 03 1943 11
1930 10 1944 05
1931 08 1945 04
1932 10 ---- ----
Podemos inferir que esse baixo índice poderia refletir duas situações distintas: a) a não
aceitação do modelo escolar pelos natalenses; b) os elevados gastos com a matrícula,
mensalidades e custos adicionais como a compra de fardamento e enxoval da aluna (exigência
para a permanência desta na escola), subtraindo dos pais uma quantia generosa para custeio
dos estudos.
O não despertar, ainda, da sociedade para o mundo feminino e sua educação
fazia com que muitas famílias achassem que as mulheres não precisavam estudar muito, as
primeiras letras já seriam suficiente para sua formação. Medeiros (1926-1932, p. 73-74), a esse
respeito, considerava que à mulher deveriam ser delegadas tarefas delicada, que permitissem a
ela desempenhar o papel maternal, buscando sua emancipação sem prejudicar os seus deveres
domésticos e maternos.
147
CAPÍTULO 4
Uma cultura escolar que envolve o fazer escolar, o que ensinar e como
transmitir, o que deve ser aprendido, objetivo e fins a atingir implica compreender o currículo
normativo da escola e quais disciplinas escolares são privilegiadas, como também as
prioridades para a formação do indivíduo, diante das mudanças exigidas a partir das
transformações sociais, econômicas e políticas do século XX.
Diante da modernidade que se configurava no país nesse início de século e das
mudanças impostas na educação escolar, os modelos educativos passaram a reforçar a
aprendizagem como um processo formal e construtor de novas práticas educativas e virtudes
no indivíduo. Os modelos educativos especificavam nas instituições escolares, por exemplo,
as diversas formas de organização das classes escolares, da arquitetura escolar, das
disposições da rotina, dos horários e também dos conhecimentos a serem ensinados e
materializados no currículo da escola.
Nessa linha de raciocínio, para analisar o currículo da Escola Doméstica de
Natal foi necessário compreender o significado de disciplinas e cursos escolares, uma vez que
o saber transmitido na escola estruturou-se sob a forma de cursos trabalhados em sala de aula.
É importante destacar que, no contexto do início do século XX, o conceito de disciplina ainda
não era difundido; as instituições escolares utilizavam a denominação ‘cursos ou matérias’
para especificar o que, na atualidade, classificamos como disciplinas do currículo escolar.
Os saberes escolares, sob a forma de disciplinas, tiveram como núcleo
principal o currículo escolar definido pela instituição. O conceito sobre saber escolar
defendido por Chervel (1990) é o que mais se identifica com a nossa análise, por isso optamos
por usar esse referencial. Na visão desse autor, saberes escolares são definidos como sendo:
dado durante dois anos, pois segundo as fontes pesquisadas, esse curso surgiu da constatação
de que as alunas que ingressavam na escola, a partir dos onze anos de idade, ainda não
estavam preparadas o suficiente, em termos de conhecimentos, para cursar o programa
traçado pela escola. Devido à essa carência, o curso preparatório tinha em sua estrutura
curricular algumas matérias que iriam ajudar às discentes a adquirem algumas noções básicas
sobre a língua materna e estrangeira e ainda sobre história, geografia, etc., mantendo a
seguinte estruturação:
CURSO PREPARATÓRIO
PRIMEIRO ANO SEGUNDO ANO
Arithmetica Arithmetica
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Calligraphia Calligraphia
Leitura Leitura
Historia do Rio Grande do Norte Historia do Rio Grande do Norte
Geografia e Chorographia Geografia e Chorographia
Francez ou InglesI Francez ou InglesI
QUADRO 6
DEMONSTRATIVO DE DISTRIBUIÇÃO DE MATÉRIAS DO
CURSO DOMÉSTICO
PRIMEIRO ANNO SEGUNDO ANNO
Arithmetica Álgebra
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Calligraphia Calligraphia
Cosinha Cosinha
Historia do Brazil Historia Universal
Geografia Agricultura
Francez ou Inglez Leiteria
Frances ou Inglez
Anatomia e Physiologia
TERCEIRO ANNO: QUARTO ANNO:
Álgebra Contabilidade
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Criação Educação Social
Jardinagem Cosinha artística
Francez ou Inglez Methodologia
Hygiene Economia da Casa
Lavagem Francez ou Inglez
Puericultura e Medicina Pratica
Chimica alimentar
Essa estrutura curricular vigorou até meados da década de 20, do século XX,
pois um documento datado de 1922 da Liga de Ensino do RN revelou algumas alterações da
estrutura curricular original, tendo em vista terem sido acrescentadas algumas matérias antes
não privilegiadas nos ensinamentos da escola, a exemplo do primeiro ano do Curso
Preparatório que passou a contemplar a matéria de Desenho e no segundo ano Cozinha
Teórica e Prática. O Curso Doméstico passou a incorporar no primeiro ano de estudos as
matérias Higiene e Desenho, no segundo ano Desenho e Medicina Prática e no terceiro ano
Agricultura, Medicina Prática, Desenho, Lavagem e Engomado. A matéria Higiene passou a
156
ser estudada no primeiro ano do Curso Doméstico. A importância atribuída aos conteúdos
dessa matéria fez com que ela, mesmo sendo ensinada nos anos posteriores, fosse também
requisitada nos momentos iniciais do currículo, funcionando como pré-requisito essencial
para as demais matérias.
Apesar de os documentos não revelarem o motivo dessa alteração da estrutura
curricular, acreditamos que ela não ocorreu ao acaso. As matérias de caráter mais pragmático
estavam inclusas nos primeiros anos de estudo, o que, na nossa percepção, deu-se pelo fato de
proporcionar nos primeiros momentos de aprendizado das alunas, a vivência prática das
unidades de estudo. Ao mesmo tempo em que, por exemplo, a discente cursava as matérias de
Anatomia e Fisiologia no segundo ano do Curso Doméstico, aprendia também a Medicina
Prática que lhe daria suporte para associar teoria e empiria.
Fontes pesquisadas apontam para grandes mudanças no currículo da ED na
década de 20. O Plano Geral de Ensino da instituição datado de 1922 cita, por exemplo, a
criação dos chamados Cursos Anexos nesse período. Esses, segundo as informações contidas
nesta fonte, complementariam as matérias até então existentes no Curso Doméstico de quatro
anos. A direção da escola, nos anos de 1919 a 1922, esteve sob a responsabilidade da norte-
americana Leora James, lembrada pelo espírito empreendedor e cultural. É importante
destacar que o surgimento dos cursos anexos, em nossa compreensão, contribuiu para ampliar
e estimular a parte cultural e artística da escola.
As mudanças na Escola Doméstica de Natal ocorriam independentes das
reformas educacionais no Brasil. Os documentos revelam que a instituição parecia ter total
independência na sua estruturação curricular e nos saberes específicos a serem ensinados.
Em 1927, houve a especificação dos cursos anexos registrados no Plano de
Ensino, onde ressaltava-se que:
professor que fosse lecionar a matéria indicada. Francês e inglês passaram a compor o último
ano do curso, mas como matérias facultativas. Educação social e Pedagogia deveriam ser
estudadas no quinto ano doméstico; elas também vêm a somar-se como novidade no
currículo. Cozinha teórica e prática deveria ser dada no quarto ano e no quinto a matéria
Cozinha Artística.
Ao cursar a matéria de Pedagogia, a discente passaria a estudar sobre educação
e suas fases, os princípios pedagógicos gerais, os fatores que interferem nos problemas da
educação do aluno, educação moral, instintos, formação de hábitos e alguns princípios da
Psicologia referentes à mente, cérebro, percepção, memória, impulso, sistema nervoso,
fenômenos mentais e outros saberes que tinham por finalidade inserir as mulheres no
conhecimento humano sobre aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento humano.
(LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a). Esses saberes foram distribuídos na seguinte
estruturação:
QUADRO 7
DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO
1º ANNO 3º ANNO
Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica
Português Português
Francês Francês ou Inglês
Arithmetica Historia Universal
Geografia Anatomia e Physiologia
Musica Jardinagem e Criação
Desenho Leitaria
Calligraphia Cultura Physica
Cultura Physica Musica
Costura theorica e pratica Desenho
Costura theorica e pratica
2º ANNO 4º ANNO
Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica
Português Português
Francês ou Inglês Francês ou Inglês
Arithmetica Jardinagem e Criação
Corographia Lavanderia
Musica Hygiene
Desenho Musica
Historia do Brasil Desenho
Cultura Physica Cultura Physica
Costura theorica e pratica Costura theorica e pratica
5º ANNO
Cozinha artisica
159
Continua...
QUADRO 7
DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO
Português
Francês ou Inglês (facultativo)
Direito Usual
Educação social
Pedagogia
Medicina pratica. Puericultura
Musica
Desenho
Cultura Physica
Costura e confecções
FONTE: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. A Escola Doméstica de Natal. Natal: Typ. & pap.
A. Leite, 1927a.
Curso Doméstico de nível Ginasial Técnico. Sob influência da LDB ele passou a ter a
seguinte finalidade:
instituição que compreendia: a rotina escolar diária, as formas de se comportar dos docentes e
discentes, os rituais festivos, as atividades de sociabilidade, seus objetivos, dentre outros
propósitos.
Nos objetivos da ED, destacamos a finalidade da formação intelectual, moral e
física na mulher, pela qual a Escola Doméstica de Natal acreditava contribuir para a educação
e o engrandecimento da nação envolvendo também a família, como Henrique Castriciano de
Souza, em palestra proferida ao público natalense no início do século XX esclarecia: “[...]
queremos approximar a escola da familia, de accordo com a melhor pedagogia
contemporanea, e fazer da mulher educada na simplicidade, no trabalho intellectual e manual
bem orientado, um elemento destinado a melhorar a nação do futuro.” (SOUZA, 1911, p.21).
Os saberes instituídos pela Escola Doméstica de Natal compreendia uma
aprimorada educação social, moral, física e intelectual, segundo as finalidades da instituição.
Foi com base nos fins a que se propunha a Escola que o currículo foi construído, voltado para
uma formação de uma cultura geral, onde as discentes deveriam aprender os saberes numa
ordem dialógica: teoria/prática.
Diante do modelo escolar especificado cabia à diretoria: [...] “dirigir e
fiscalizar o ensino, para que todas as matérias tenham por base o principio do methodo
intuitivo, despertando a attenção e disciplinando a vontade, no sentido da ordem, economia,
da hygiene, do asseio, dos cuidados, arranjos e deveres domésticos.” (ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 4).
Os saberes escolares elencados pela Escola Doméstica de Natal situavam-se
num quadro educacional de valorização da moral, da cultura física, da higiene e da pedagogia.
Deveria tal modelo curricular ser ensinado na escola, tendo como base a corrente da
Pedagogia Nova que se baseava, na época, no método Intuitivo de ensino, numa visão
pragmática, onde os saberes transmitidos deveriam ter associação direta com a vida das
alunas. Os princípios da Pedagogia Nova, como diz Cambi (2004, p, 347), deveriam primar
por “[...] uma escola onde considere sua utilidade para o aluno de uma referência precisa à sua
experiência concreta.” Os princípios acima citados foram pressupostos firmados por
(Pressuposto) Jean Jacques Rousseau no século XVIII e retomado pelo Ativismo do século
XX, ligado a comportamentos pragmáticos. No Brasil, a Reforma Benjamin Constant (1890)
já destacava a ênfase aos métodos intuitivos, propondo para estudos a disciplina Elementos de
Economia Doméstica a ser implantada nos currículos oficiais das escolas.
Encontramos as proposições das idéias da Pedagogia Nova no currículo da
Escola Doméstica de Natal nos anos iniciais de sua fundação, na estruturação de diversas
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disciplinas de ordem teórica e prática que tinham em vista o fazer das alunas com base nos
seus interesses e necessidades. Como exemplo, destacamos o seguinte indicativo:
O ensino e nisto consiste a sua maior virtude – será mais pratico do que
theorico. Sem grandes canceiras e sempre sob a direção das mestras, para
quem não são uma vergonha o trabalho manual e os misteres que a nossa
defeituosa educação de latinos, prejudicados pelo trabalho escravo costuma
considerar deprimentes, as discípulas irão aprendendo, por meio de
applicações e continuadas aulas teóricas e práticas, tudo quanto estiver
indicado no referido programma educativo. (LIGA DE ENSINO DO RN,
1927a, p. 20).
FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática sobre culinária, 1927.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
Era justamente essa ausência de normas higiênicas nas cozinhas brasileiras que
a Escola Doméstica de Natal queria combater a partir das orientações dadas às alunas,
contidas nas proposições do currículo escolar, evitando que as mulheres tomassem a atividade
doméstica como um trabalho exaustivo que provocasse grande desgaste físico, além de
demorado e sujo, em que a cozinha fosse percebida apenas como mais um apêndice da casa
onde tudo poderia ser realizado: banhar crianças, passar roupa, servir de dormitório às
empregadas etc. Essa função da cozinha fazia parte de um contexto em que “Poucas casas
conheciam a função, divisão e restrição de espaço, modernidades preconizadas e prescritas
não só por higienístas, engenheiros e construtores, como pelas posturas municipais.”
(MALUF; MOTT, 1998, p. 413-414).
Outros dois exemplos que podem ilustrar as proposições da Escola sobre a
junção teoria/prática encontram-se nas aulas de Anatomia, Fisiologia e Puericultura. Na
primeira, as discentes, após estudos teóricos, eram conduzidas a um laboratório de Anatomia
para analisar, sob orientação de um docente, a estrutura de composição do corpo humano:
células, tecidos, órgãos, sistema e aparelhos digestivo e respiratório, formação óssea,
articulações, músculos, sistema vascular, sistema nervoso, sistema linfático, aparelhos
sensorial, digestivo, noções sobre nutrição, etc. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1927a, p. 22). No segundo exemplo, temos as aulas de Puericultura, momentos onde
as alunas recebiam conhecimentos teóricos e práticos sobre a criança: alimentação infantil,
doenças na infância, higiene infantil, vacinação, aleitamento materno , etapas de crescimento
das crianças, desenvolvimento físico e mental, educação física para crianças, formação moral
e intelectual para cursar a matéria de Puericultura, as discentes teriam que apresentar como
pré-requisitos já terem estudado as matérias de Enfermagem, Higiene, Nutrição e Medicina
que seriam, na concepção curricular, as bases teóricas para a Pediatria.
A imagem de uma ex-aluna da ED no ano de 1948, durante uma aula de
puericultura, refletia um dos momentos de expectativa das discentes, que era pôr em prática
os conhecimentos estudados durante as aulas de Puericultura, pois a discente deveria
vivenciar durante uma semana as práticas referentes aos cuidados de saúde, higiene e nutrição
de uma criança. A seguir a foto onde a aluna recorda um dos momentos dessas aulas, onde ela
ficava responsável por um bebê, aprendendo a cuidar dele no seu dia a dia, desde o banho à
troca de fraldas, incluindo alimentação. Os bebês, em geral, advinham de famílias carentes e
permaneciam na instituição durante certo período para ser cuidado pelas alunas durante as
aulas práticas de Puericultura. Cada criança ficava sob a responsabilidade de uma discente
que era acompanhada pelo professor da matéria para avaliação de seu desempenho.
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FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de Puericultura, 1948.
Fonte: Acervo particular da ex. aluna da Escola Doméstica de Natal, Sra. Neide Galvão.
Para este fim temos a nossa Escola Doméstica, organizada sob methodos
modernos e aperfeiçoados, provida de todos os requisitos próprios, de um
estabelecimento modelar. Neste educandário, as alumnas recebem a
educação condigna que as habilitam para a vida laboriosa e útil, disciplinada
e honesta, de que a família tem mister. (LAMARTINE, 1925, p.22)
como um processo ativo escola/vida. Quando expressava o desejo de uma educação para a
vida, queria firmar o propósito de a escola ser voltada para as necessidades e interesses do
indivíduo, para que este pudesse fazer uso dos conhecimentos adquiridos, utilizando-os na sua
vida prática. Particularmente esse ideário era voltado para a formação da mulher e, nesse
raciocínio, argumentava sobre as instituições escolares até então existentes antes da fundação
da ED de Natal:
Não temos a escola para a vida; e ao sahir do collegio com algumas noções
de grammatica, de trabalhos delicados de agulha (de prendas, segundo os
appellidam) e rapidos conhecimentos da lingua francesa, de musica e de
desenho, a moça não tem aptidão physica nem energia para cuidar com
vantagem dos irmãos pequenos, para auxiliar os seus na direcçao do lar e, o
que é peior, para reagir contra as surpresas do destino, mantendo-se por si,
com iniciativas e coragem, se lhe vierem dias tormentosos. (SOUZA, 1911,
p. 32-33).
A idéia concebida de educar a mulher para o lar e para a vida, com base numa
sólida educação doméstica, não surge com Henrique Castriciano a partir da fundação da
Escola Doméstica de Natal, mas na Europa, na Suíça, com a Escola de Ménager, como já
afirmamos anteriormente no capítulo II, ao tratarmos do modelo escolar da ED que se
construiu sob forte influência de correntes do pensamento ativista. A finalidade de educar a
mulher com base em uma educação doméstica fundamentada nos preceitos da ciência esteve
aliada a correntes ideológicas e movimentos feministas emergentes na Europa no século XIX.
A partir de estudos realizados sobre as perspectivas de educação feminina no Brasil, nas
primeiras décadas do século XX, Amaral (2002, p. 21) constatou que:
ideário pedagógico respaldava-se nos preceitos dos que defendiam que manter o lar em
perfeita ordem seria uma importante forma de contribuir para o desenvolvimento econômico
do país, tendo em vista que a organização e a ordem social iniciar-se-iam nas casas, nas
particularidades das famílias, na educação dada aos filhos, na racionalização dos gastos
pessoais de cada família, o que permitiria pensar numa sociedade mais organizada e
equilibrada social e economicamente.
O ideário sobre a educação feminina no Brasil, e mesmo na Europa, não
ocorreu de forma harmônica; houve divergência nas posições assumidas por grupos
considerados progressivas e conservadores em algumas localidades do continente europeu,
gerando discussões entre esses grupos. O desenvolvimento industrial e urbano ocorrido no
início do século XX abriu espaço para o acesso das mulheres a uma maior escolaridade,
fazendo surgir novas profissões no mercado de trabalho. A busca das mulheres por um espaço
de atuação mais efetiva no âmbito público foi uma realidade constante que muito contribuiu
para a garantia de algumas conquistas sociais, como o direito ao voto, a participação em
cargos públicos, antes confiados apenas ao sexo masculino, dentre muitas reivindicações que
se foram concretizando historicamente.
Esse aspecto da História é importante porque significa o avanço das
reivindicações femininas, entretanto temos que considerar que, apesar dessas novas
conquistas, as mulheres ainda se deparam com inúmeras dificuldades com relação aos espaços
públicos a serem ocupados. De um lado, havia a vertente mais conservadora que não aprovava
uma possível emancipação feminina, a exemplo da Igreja Católica, pois:
forma de ajuda financeira ao marido nas despesas do lar, jamais enquanto realização pessoal e
profissional, tendo ainda que obter do cônjuge a expressa aprovação para exercer a atividade
fora de casa.
A busca por conquistas no mercado de trabalho principalmente se o trabalho
garantia direitos trabalhistas, não foi tarefa fácil para a mulher naquele momento histórico,
considerando ainda que lhe era exigido que antes de se dedicar ao trabalho remunerado ela
fosse boa dona de casa.
A utilização dos novos bens de consumo por algumas famílias, como ferro
elétrico, fogão a gás, vem acompanhada de exigências higiênicas preconizadas por novas
medidas difundidas pelo Movimento Higienista do início do século XX. Há uma crescente
exigência sobre a mulher com relação à maternidade, devendo ela ter atenção não somente
com relação à saúde, mas com os aspectos educacionais e morais. Nesse contexto de
mudanças e exigências ao sexo feminino, à mulher ficou delegada a tarefa de ser a educadora
do lar e, para tanto, necessitaria adquirir o domínio da ciência doméstica, domínio esse que
ultrapassaria o mero conhecimento dos afazeres do lar; era preciso também conhecer um
pouco sobre Ciência, Higiene, Química e Física, Geografia, Artes. Assim:
Havia, portanto, muito trabalho ainda para ser feito. Daí a necessidade
de ter método, organizar bem as atividades e se realizar no dia-a-dia,
aproveitar o tempo e, mais do que isso, fazer uma “administração
científica” das tarefas a se desempenhar, para que as coisas não
fossem feitas de atropelo, evidenciando-se, assim, o tão temido mau
humor, imagem freqüentemente associada ao ‘anjo do lar’. (MALUF;
MOTT, 1998: p. 406).
em alguns cadernos de alunas do quinto ano do Curso da Escola Doméstica de Natal (a partir
do ano de 1945) que continham registros com exemplificações da aplicabilidade dos passos
defendidos por Taylor ao trabalho nas atividades domésticas. Um dos exemplos é dado com
base na tarefa de lavar louças, uma das atividades tida, na época, como particular ao universo
feminino e percebida como muito exaustiva, demandando, portanto, tempo prolongado.
Segundo esses registros, com o uso de um método adequado, era possível tornar essa tarefa
menos cansativa, reduzindo os gastos e racionalizando o tempo na cozinha. Para tanto, era
recomendado à aluna, seguir os princípios que destacaremos abaixo:
etapas a serem seguidas para exercer uma simples tarefa de lavar louça teriam que vir
acompanhadas de passos ordenados, num método de ação, onde a pessoa que o utilizaria
deveria seguir rigorosamente, para não dizer tecnicamente, uma ordenação onde a análise da
tarefa a ser realizada, a preparação do ambiente, dos objetos e a compreensão sobre o que iria
executar deveriam ser objeto de apropriação antes da execução da atividade. O que poderia
parecer evidente na observação de uma dona de casa ganhava, nessa visão, uma técnica de
regulagem dos movimentos ordenados e planejados, a princípio, por quem fosse executá-la.
As regras estabelecidas sobre a técnica aplicada seguiam a seguinte ordenação:
A sua principal missão porém é preparar os seus filhos que serão os homens
e mulheres do amanhã”. Nesse sentido, esperava-se que as mulheres
dominassem um pouco de diferentes assuntos: [ ] as ciências naturais, a
higiene, a física, a astronomia, a matemática, a geografia, as artes, a
indústria, tudo, representa uma necessidade real! A mestra deve ser a Mãe, e
é preciso que a mulher tenha uma soma grande de conhecimentos, para não
perder uma interrogação do filho. (MALUF; MOTT, 1998, p. 406-407).
língua nacional e da organização da grade curricular; essa grade curricular deveria privilegiar
a língua nacional e o culto à nação/nacionalidade. É o que diz o seu Título I, artigos 1.° e 2 .°
, sobre a nova divisão e organização do Ensino:
Art. 1.° o ensino público, leigo leigo em todos os seus graus, divide-se em
primario, secundário e profissional.
Art. 2 .° O ensino privado é inteiramente livre quanto aos metodos e
regimen didactico, ficando somente sujeito á fiscalisação do Governo no que
se referir á hygiene, á moralidade e ao conjuncto das materias ensinadas,
dentre as quaes terá sempre o primeiro logar a lingua nacional. (RIO
GRANDE DO NORTE, 1916, p. 38).
cultivo de hábitos saudáveis de vida, da prática esportiva, criando hábitos e condutas, tendo
em vista um corpo belo, saudável e ativo. Um controle que, na visão de Foucault (1997), não
deixa de ser social, mas que se inicia pelo corpo do indivíduo através de uma ação minuciosa
e silenciosa.
Nos estudos realizados por Boschilia (2004), encontramos alguns resultados de
pesquisa que se identificam com a nossa análise e com a visão defendida por Foucault (1997)
sobre a disciplinarização do corpo. Na pesquisa feita pela autora sobre um colégio masculino,
o Colégio Marista, no início do século XX, fica evidente como os ritos são utilizados pela
instituição escolar como um dispositivo pedagógico para a conformação de comportamentos e
constituição do modelo pedagógico a ser aplicado no estabelecimento de ensino, destacando,
entre esses ritos, os exercícios físicos. Enfatiza ainda que:
A Escola Doméstica de Natal optou por esse tipo de ginástica no seu currículo
escolar, com a finalidade de proporcionar à mulher a construção de um corpo delicado e ao
mesmo tempo forte e esbelto, com a justificativa de que:
FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
do mundo moderno (vícios, prostituição, etc.), cabendo-lhe organizar no seu espaço escolar e
nos conteúdos do currículo as normas e regras relativas ao mobiliário, aos exercícios físicos,
às construções, à ventilação e iluminação dos espaços ocupados pelos alunos e professores;
requeria, para tanto, a visitação constante de um médico para verificação das condições de
funcionamento das instituições de ensino. No dizer de Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):
contato com os elementos da natureza (água, areia, adubo...), a turma apresentava-se para essa
tarefa com a tradicional veste de cor branca.
uma série de medidas higiênicas para produzir alunas saudáveis, decentes, honestas,
respeitáveis diante da sociedade, tendo como base a proposição que:
FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de roupas, 1927.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
FOTO 16 - Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar, 1924.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
sujeitos escolares por ser o livro o portador de idéias privilegiadas nos conteúdos do currículo
escolar. Desvendar os livros requer uma compreensão mais acurada do lugar que ocupa nas
práticas de leitura das discentes e docentes da Escola
Neste capítulo, analisaremos também alguns textos produzidos pelas alunas da
Escola Doméstica de Natal, textos esses que eram apresentados como pré-requisito para obter
o certificado de conclusão do Curso. Semelhantes às monografias atuais, os textos versavam
sobre os conteúdos trabalhados no decorrer do Curso.
Destacaremos neste estudo alguns desses textos a que tivemos acesso durante a
investigação, esclarecendo ao leitor que a opção de análise dos textos e livros não passou por
um crivo de seleção rigorosa; ela foi delimitada pelo acesso a esses textos e livros.
Ao conhecer esses materiais escritos, percebemos que eles traziam em sua
tessitura e composição um teor mais objetivo e direcionado aos fins a que a escola se
propunha ao transmitir os saberes da educação doméstica, Quanto a fontes de leitura,
destacamos o ‘Manual de civilidade e etiqueta’ editado em 1908 que serviu como cartilha a
ser adotada pela Escola para orientar as mulheres sobre as melhores normas de
comportamento; O manual intitulado ‘Higiene Alimentar’ é uma verdadeira lição sobre os
valores higiênicos na economia doméstica; o livro denominado ‘Os quatros livros da mulher:
o livro da dona de casa, editado no ano 1917. Esses três impressos funcionaram como
dispositivos importantes na organização da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal e na
conformação do modelo educativo proposto no contexto do início do século XX.
Os três manuais em análise nos fornecem elementos relevantes sobre a
formação da mulher. Eram prescritos às discentes que freqüentavam a instituição de ensino,
reafirmando os saberes transmitidos e as metodologias empregadas. Sabemos que os livros,
por si sós, não dizem tudo sobre o que a escola ensinava e o porquê de ensinar este ou aquele
conteúdo, no entanto deixavam evidente algumas informações que imprimiam ao conjunto
das práticas escolares o projeto pedagógico da escola.
O primeiro em destaque, o ‘Manual de civilidade e etiqueta: regras
indispensáveis para se freqüentar a boa sociedade’, da autora Beatriz Nazareth (1908), contém
uma listagem detalhada de passos a serem seguidos pela mulher para que pudesse comportar-
se com fineza e elegância perante os outros e adquirisse bons hábitos condizentes com uma
pessoa moderna e culta. Esse manual também se preocupava em informar como a mulher
poderia administrar de forma eficaz e racional uma casa e qual papel deveria desempenhar
uma boa dona de casa. Ao fazer colocações:
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A leitora nesse universo de práticas de leitura, não passa a ser percebida como
ser abstrato, daí a necessidade de considerar o ato de ler e as apropriações como atos
históricos e socialmente variáveis que incidem sobre ações concretas. Ainda considera
Chartier (1990, p. 26) que a leitura:
povo grego como os precursores do esporte e do culto à beleza física. A Grécia é apontada
como o lugar reconhecido mundialmente por seu povo belo e forte.
Segundo a aluna, sob o prisma de uma análise fundada nos princípios
científicos e higienistas, alguns esportes são mais aconselhados para o sexo masculino do que
para o feminino e ainda existem aqueles que não são indicados para ambos os sexos, a
exemplo do futebol, pois:
possamos adquirir vitalidade e vigor físico, para que possamos trabalhar e construir a nação.
Os escritos da aluna nos permitem compreender visões ideológicas de mundo
que tomam como base os ideais de nação, higiene, progresso e desenvolvimento e que
vigorariam em todo o país. Nesse sentido, as visões sobre patriotismo, higienismo, perpassam
evidentemente por esses enunciados.
O texto abaixo a ser analisado (da aluna Alda Azevedo sobre ‘Culinária’) é
interessante porque relaciona alimentação às normas de higiene e ao bem-estar social. Ao
tratar da primeira relação, alimentação/higiene, a discente inicia suas colocações explicando
que nos períodos que antecedem a República a mulher não costumava ter cuidados higiênicos
necessários ao espaço da cozinha, sendo este lugar reservado a práticas anti-higiênicas quando
do manuseio dos alimentos. Destaca algumas palavras de Fernando de Azevedo, um dos
líderes do movimento escolanovista, para ilustrar o seu pensamento, ao citar que:
O nosso bem estar physico não está subordinado somente á boa alimentação,
depende também do asseio da cozinha e seus utensílios. A cozinha
representa papel importantíssimo no saúde de um povo. Assim sendo, é
necessário que não sejam desconhecidos alguns preceitos de hygiene
alimentar. A dona de casa deve ser muito asseiada e a mesma deve exigir de
seus empregados. Ella não deverá consentir que a cozinheira e copeira
enxuguem as mãos no avental, cuspam no chão, cocem a cabeça, etc.
(AZEVEDO apud PEREIRA, 1925, p. 27, 29).
provocando nas alunas a prática de novos costumes evidenciando, com isso, o caráter
inovador do currículo da Escola Doméstica de Natal naquele tempo. Era questionada pelas
docentes estrangeiras da ED a falta de hábitos alimentares num sentido mais diversificado de
verduras e legumes pelo natalense. Nesse sentido, podemos considerar que a Escola
Doméstica de Natal, através do seu currículo, traçou grandes contribuições às alunas que a
freqüentavam e conseqüentemente as suas respectivas famílias, no repensar de uma culinária
diversificada e adaptada à realidade local.
1915 foi um ano marcado por uma grande seca no nordeste do país,
especialmente no Estado do Rio Grande do Norte. Nesse período, Natal foi palco de muita
miséria e fome, pois muitas pessoas famintas abrigaram-se na cidade, ocupando locais
públicos como a praça Padre João Maria. As primeiras docentes que lecionavam na ED,
recém chegadas da Suíça, ficaram perplexas diante desse quadro, questionando como um país
de tão grande dimensão como o Brasil poderia abrigar a fome e a miséria, sugerindo o cultivo
de hortas caseiras como uma das necessidades básicas nas moradias.
Nesse período, em Natal, a população não havia adquirido com freqüência o
costume do cultivo de hortas caseiras. A compra dos alimentos era feita em feiras livres; não
havia geladeiras para a conservação dos produtos perecíveis, sendo uma prática cotidiana da
população à ida constante, quase diária, à feira. Esses fatores foram, na verdade, um dos
propulsores a se considerar nas práticas de leituras das alunas sobre a culinária, considerando
ainda a realidade local e as possíveis formas de mudança nos hábitos alimentares da
população, tornando-se, nesse sentido, para a Escola, uma prática de intervenção nos hábitos e
costumes reais da sociedade natalense daquele momento histórico.
Analisando os escritos da aluna Maria de Lourdes Lamartine intitulado ‘O lar
ideal’, percebemos alguns pré-requisitos essenciais para a construção de uma residência e os
critérios para mantê-la um ambiente saudável e adequado à moradia. Notavelmente, assim
como os demais textos antes analisados, este destaca algumas noções básicas de higiene
aplicadas nas residências, ao afirmar que:
Como percebemos, a compreensão sobre higiene fez parte dos escritos das
diversas alunas da ED quando tratavam de abordar sobre as moradias, a culinária e ainda a
educação feminina. Encontramos também tais indicações numa matéria escrita publicada pelo
professor responsável pela disciplina Higiene do lar, o médico e professor Varela Santiago.
(SANTIAGO, 1925). Nesse texto, o professor fez uma breve exposição sobre a importância
da higiene para o bem-estar tanto pessoal, quanto familiar, independentemente da classe
social a que pertencessem as pessoas. As palavras do professor convidavam as discentes a
refletir sobre a necessidade de a mulher brasileira receber uma formação teórica e prática
sobre higiene e puericultura. Segundo ele, esses dois aspectos, higiene e puericultura, sendo
bem trabalhados pela escola, evitariam graves mazelas sociais, por exemplo, a erradicação do
elevado surto de mortalidade infantil, doenças graves na infância e irregularidades orgânicas
nas pessoas, devido aos maus hábitos alimentares, enfatizando ainda que:
A falta de hygiene alimentar dos adultos e das crianças é um factor que tem
ocorrido poderosamente para manter sempre elevado o obtuario geral por
toda a parte. Os especialistas em moléstias de crianças são accordes em dizer
que a maior causa da mortalidade infantil é a ignorância das mães. E se a
mortalidade infantil constitue hoje um problema de interesse do mundo
inteiro é mais que lógico que a solução dele esteja em grande parte affecta á
educação hygienica da mulher. As nossas mães de famílias são dotadas das
mais elevadas qualidades moraes, mas a sua educação sanitária é muito falha
e deixa quase tudo a desejar. (SANTIAGO, 1925, p. 15).
Fazendo uma leitura das idéias explicitadas pelo médico e professor da Escola
Doméstica de Natal, percebemos que os problemas sociais, como a mortalidade infantil (tão
bem enfatizada) e a falta de melhores condições higiênicas da população são atribuídas a
situações particulares, sem considerar fatores de ordem sócio-econômica e política que
poderiam ser abordados. Desta forma, esses problemas recaiam sobre as responsabilidades
individuais e locais, a exemplo da mulher que sendo bem orientada, poderia mudar o quadro
macro-estrutural da cidade de Natal no início do século XX.
No texto, o professor da ED indicava o conceito de higiene como sendo uma
temática imprescindível nas discussões sobre outros temas como puericultura, vestimenta,
alimentação e outros. É o que, na atualidade, poderíamos classificar como um tema
transversal, o que emergia nas diversas discussões e disciplinas do currículo da Escola
Doméstica de Natal, como foco a ser abordado, tomando novas dimensões em níveis
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controle disciplinar nas formas de comportamento, nas formas de se vestir, na utilização dos
métodos de ensino, nos dão o quadro geral da escola no controle dos sujeitos, uma vez que “a
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta
as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos) de obediência.” (FOCAULT, 1997, p. 119).
Consideramos primeiramente a idéia que Foucault atribui aos espaços
ocupados pela disciplina, ao que denomina de ‘artes das distribuições’, no que concerne ao
fato de a disciplina proceder à distribuição dos indivíduos no espaço e localizações
determinadas. Ao mesmo tempo em que se refere ao espaço ocupado pelos sujeitos, indica
que estes ocupam o lugar de acordo com as distribuições prescritas pela instituição, num
espaço controlável, medido, proporcionando um espaço analítico. Neste sentido, a aluna da
Escola Doméstica era sujeito observado pela professora, assim como a professora era
submetida ao olhar meticuloso da direção, bem como a direção pela inspeção escolar, num
jogo mútuo em que:
Legal criado pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, continha no seu corpus as normas
gerais de funcionamento da Escola quanto aos critérios de comportamentos, das discentes,
tanto internas como as semi-internas, na parte intitulada ‘Regimento Interno das Alunas,
cuidados indispensáveis’. Continha ainda as disposições gerais sobre a matrícula,
mensalidades, despesa da escola, reserva de matrículas, pagamentos de mensalidades e ainda
uma parte importante dedicada às funções incumbidas à direção da escola e o papel do corpo
docente. Especificava ainda este documento, que “a disciplina mantida é firme e severa,
quando as circunstâncias assim o obrigarem, porém quase sempre mantida de modo brando e
de acordo com os processos da educação moderna.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE
DO NORTE, 1914b, p. 34).
Obedecendo aos preceitos da Nova Pedagogia, teria a Escola Doméstica,
através do seu Regimento Interno, que abolir qualquer castigo corporal, abrindo perspectivas
às incorporações de admoestações mais amenas, em concordância também com a legislação
estadual que firmava como propósito o cumprimento, nos estabelecimentos de ensino do
Estado do Rio Grande do Norte de algumas exigências legais. Assim, o Decreto de n. 239 de
15 de Dezembro de 1910, do governo do Estado, através do Título VI que tratava das
Disposições Comuns, item terceiro, intitulado ‘Da Disciplina Escolar’, já especificava:
consentimento e aceitação das normas aplicadas. Consideramos essa atitude como ato
importante naquele momento, porque resguardava a instituição de quaisquer eventualidades
de discordância futura quanto aos dispositivos normatizadores aplicados. Era também, na
nossa percepção, além da forma escrita de aprovação das normas internas pelos pais das
alunas em submissão aos condicionamentos de funcionamento postos e para serem cumpridos
rigorosamente no dia-a-dia da Escola.
Uma vez matriculada a aluna e assinada a declaração de aceitação das normas
internas, subtendia-se que a discente passaria a uma condição de conformidade quanto aos
ônus e obrigações inerentes à condição de funcionamento escolar, passando a observar e
obedecer fielmente aos preceitos regimentais, mesmo sem haver uma aceitação pessoal de sua
parte. Assim, decorrendo qualquer atividade exercida pela aluna na Escola, fosse ela
individual ou coletiva, passaria a ser praticada mediante a expressa permissão da direção
escolar. Era a direção a responsável pelo acompanhamento diário da aluna, de forma
meticulosa ordenava os passos a serem seguidos, bem como as atividades exercidas pelas
docentes.
Foucault (1997), ao estudar sobre a ação da disciplina, lembrou que o domínio
disciplinar implica que o sujeito conheça os dispositivos de poder mais apropriados para
garantir o seu uso e o seu domínio sobre o outro de forma que garanta uma submissão
satisfatória, determinada.
professores”. Entendemos que os docentes seguiam uma hierarquia interna para cumprir as
determinações superiores, seguida primeiramente pela Diretoria da Liga de Ensino do Rio
Grande do Norte, acompanhada da Direção Escolar, devendo, pois, “observar as instrucções e
recommendações da Diretora, quanto à política interna e auxilia-la na manutenção da ordem
disciplinar.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1914b, p. 28).
Os professores teriam que se moldar a uma hierarquia interna da instituição,
seguindo determinados deveres a serem cumpridos como, por exemplo, dar aulas nos dias e
horários estabelecidos e exercer fiscalização imediata sobre suas alunas, apresentar-se diante
da diretoria sempre que deixasse de dar aulas, expondo-lhe os motivos das faltas, cumprir as
instruções que lhes fossem transmitidas pelo presidente e secretário da Liga de Ensino, dar
exemplo de cortesia e moralidade em seus atos e comportamentos diante da disciplina
denominada Ordem Doméstica.
Além de residir na escola, as professoras não podiam sair dela sem a prévia
autorização, recebendo visitas em dias e horários determinados pela Direção. Havendo casos
de desobediência às deliberações da Diretoria, caberia a essa a responsabilidade de comunicar
o fato ao presidente do Conselho da Liga de Ensino para que fossem tomadas providências
imediatas. É o que destaca o regulamento interno da instituição:
Nesse caso, a disciplina incidia no viver diário da aluna, desde a sua chegada
na escola ao horário de saída. Ainda segundo o Regulamento Interno Escolar era proibido
falar ao telefone, sem prévia autorização, circular nos corredores fora dos horários de aulas,
229
entrar nas dependências da escola (como a cozinha, direção, secretaria...) sem a prévia
licença, conversar nas classes, deixar livros e trabalhos de costuras em lugares diferentes,
receber visitas não autorizadas, recados e encomendas sem o prévio consentimento da
direção, etc. A Escola Doméstica de Natal especificava sobre a disciplina:
chama a atenção, para os efeitos de poder de quem a produz, criando mecanismos de controle
na escola que passam a ser incorporados diariamente através de diversos dispositivos
implícitos e materializados em regras e ainda:
A citação apontada por Rocha (2000) torna-se relevante para percebermos que
a disciplina é historicamente construída e com o desenvolvimento da modernidade passou a
ser mais presente como parte de um projeto de moralização dos costumes e regeneração da
população, sendo configurada como uma realidade que deveria estar mais presente em
232
[...] o espaço jamais é neutro; em vez disso, ele carrega em sua configuração
como território e lugar, signos, símbolos e vestígios da condição e das
relações sociais de e entre aqueles que o habitam. O espaço comunica;
mostra, a quem sabe ler, o emprego que o ser humano faz dele mesmo. Um
emprego que varia em cada cultura; que é um produto cultural específico,
que diz respeito não só às relações interpessoais – distâncias, território
pessoal, contatos, comunicação, conflitos de poder -, mas também a liturgia
e ritos sociais, à simbologia das disposições dos objetos e dos corpos –
localização e posturas -, à sua hierarquia e relações.
Essa discussão apontada por Frago (2001) é relevante para a nossa análise na
medida em que considera fulcral no seu estudo sobre instituição escolar, a cultura entendida
como construção humana, portanto não estável no tempo e espaço e dotada de significados
que refletem as transformações da sociedade. Então, neste sentido, pensar sobre a escola,
segundo esse autor, é pensar nas relações antropológicas que a escola estabelece com entre o
seu tempo e lugar.
Ao elegermos o estudo da Vestimenta Escolar neste capítulo, estamos também
refletindo sobre o papel simbólico desenhado pela instituição de ensino Escola Doméstica de
Natal no seu tempo para ser apropriado pelos que a freqüentavam. A vestimenta, no universo
das práticas da Escola, está sendo apontada como objeto dotado de valores culturais, sociais e
valores de representações.
Por ser dotada de valores sociais, históricos, culturais, as roupas refletem os
costumes de cada época, simbolizando hierarquias, lugares a freqüentar, comportamentos a
seguir. Neste sentido, o uniforme escolar usado pelas discentes correspondia ao modelo de
aluna a formar e seguia alguns costumes da época delineados nos modismos da Europa e nos
valores virtuosos de como uma senhorita de família tradicional deveria vestir o seu corpo. Por
isso, os decotes longos, o uso de adereços que serviriam de enfeites às roupas era descartado
no uso diário da aluna, ganhando espaço a roupa simples, sutil, de cor discreta, sem muitos
detalhes que ajudaria a compor o quadro de formação educacional esboçada no currículo.
Essas medidas conformavam a jovem formanda a um perfil traçado no início do século XX:
formação de uma boa esposa, com qualidades e condutas de rigorosa moralidade. Sobre esse
perfil, a justificativa abaixo:
235
que se mantém como tradição e costume. Em relação ao uso dos chapéus, só eram usados
eventualmente, em ocasiões especiais como solenidades sociais, cívicas, matrimoniais (com
exceção das missas), dando lugar ao chale ou mantilha de renda com cores que variavam
segundo os critérios da idade: clara para as mais jovens e escuras para as de idade mais
avançada.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a vestimenta sofreu algumas
modificações em decorrência das transformações na economia. As vestes mais usadas
passaram a ser as mais práticas e econômicas, respeitando a recessão econômica que era uma
realidade em diversos países do mundo. Simplicidade e praticidade passaram a ser uma
exigência nas roupas usadas pelas alunas da Escola Doméstica de Natal e isso era garantido
no cotidiano, porque durante as aulas de costura, as discentes, sob a orientação de professora,
tinham também a praticidade de confeccionar o seu próprio traje. Observamos um detalhe
interessante nas vestimentas das alunas da ED: o uso corriqueiro das meias acompanhadas de
sandálias abertas, costume assumido na vida diária. Questionamos se seria esse uso resultante
da higiene dos pés ou seria por causa do calor provocado pelo uso de meias e sapatos
fechados. Fica questionamentos para pesquisas posteriores.
237
docente da Escola Doméstica de Natal incorporava a filosofia da escola nos seus aspectos
morais, intelectuais e acadêmicos, pois deveria imprimir uma certa ordem estabelecida que
primava por banir atos tidos como impróprios ao ambiente escolar (roupas decotadas e curtas,
modelos extravagantes, uso de adereços e jóias caras, etc.).
Em relação às práticas de lazer proporcionadas pela cidade do Natal nesse
período, podemos dizer que era um lugar de movimento tranqüilo, onde as pessoas tinham o
costume de sentar nas calçadas para dialogar durante as quentes noites natalense, de assistir
aos espetáculos e saraus no teatro da cidade, o Carlos Gomes, de ouvir as serenatas durante o
período de lua cheia enfim, costumes que vislumbravam uma cidade pacata e aconchegante.
As práticas de lazer, nessa época, foram dinamizadas com a inauguração de três centros
esportivos: o Sport Club de Natal, o Centro Náutico Potengi e o América Foot-Ball Club que
surgem como associações para fomentar a vida esportiva local.
Nessa compreensão do contexto cultural do início do século XX, situamos o
fardamento escolar como elemento cultural que refletia os valores da época e tomando-o para
além dos modismos, passava a seguir particularmente a singularidade prescrita no modelo
escolar da instituição de ensino. Vejamos também que essas particularidades nas formas de se
vestir estavam prescritas no Regimento Interno Escolar, que ditava as normas que iam além
da indumentária para cobrir os corpos, mas também os movimentos desses corpos. A seguir,
registramos o modelo do fardamento escolar usado pelas discentes durante as aulas diárias,
tendo em cada ocasião de apresentação, uma vestimenta específica.
239
FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, ao centro destaque para o
professor Clodoaldo de Góes, secretário da LERN e professor das disciplinas História Universal e do
Brasil, 1928.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal
Attendendo a que essa ou aquela moda não se adapta bem a todas as moças,
a directoria resolveu que estas, de accordo com a professora de costura,
escolham o modelo conveniente, devendo, porém, usarem sempre a côr
branca. Há uniformes especiaies para os diversos exercícios de educação
physica, os quaes, bem como os de uso commum, são confeccionados pelas
alumnas, sob a fiscalisação da professora. A confecção obedece
invariavelmente ás regras da economia e da simplicidade, que não excluem a
elegância. Quer nas festas da Escola, que nos passeios, ás alumnas trajarão
invariavelmente uniformes de côr branca. (LIGA DE ENSINO DO RN,
1927a, p. 9).
Devemos, antes de seguir uma moda, ver se ella realmente nos convem,
tomando em consideração clima, hygiene, idade, physico, etc. Nessa época
de verão, que atravessamos, é aconselhável, o uso de cores claras. O preto, o
roxo, o azul marinho, em geral as cores escuras absorvem o calor duas vezes
mais que aquellas. Mesmo a mocidade risonha e folgazã como é, não se
adapta bem sob a austeridade de uma veste escura. O roseo, o azul, o branco
são as cores que devem acompanhar os sorrisos da juventude. Eis porque o
branco foi escolhido para cor de uniforme da nossa Escola. Uniforme
simples e hygienico. Os vestidos de passeio, claros, de cambraia, de linho,
bordado com rendas estão muito em voga. Para mocinhas ficam bem, melhor
que as sedas. Estas deveriam figurar, somente, nas jovens em occasião de
festas a noite. (GEORGET, 1925, p. 5).
241
Outro fato noticiado pela autora é de que no início do século XX, em Paris e
Londres, o fascínio pela cor roxa era latente na moda local, sendo viável na nossa cidade a
adaptação desta cor nas vestimentas femininas, como por exemplo, os tons rosa e lilás, que
eram mais aprazíveis ao clima da cidade do Natal.
Como podemos perceber Henrique Castriciano, ao optar por uma vestimenta
escolar de tom claro, não a escolheu por acaso; vários motivos podem ter influenciado
diretamente nessa escolha. No momento em que a discente realizasse a sua matrícula na
escola, teria que trazer consigo alguns objetos pessoais e dentre esses, peças de roupas
brancas que iriam compor as suas vestes diárias.
Segundo as observações de Mendes e De la Haye (2003, p 44) “[...] um dos
desenvolvimentos mais notáveis em 1914 foi a mudança das estreitas saias-funil para modelos
largos, em forma de sino, alguns com camadas sobrepostas, plissados ou pregas.” Essa nova
silhueta tornava as anáguas elaboradas novamente essenciais e as lojas ofereciam uma série de
modelos, cheios de babados, alguns divididos, com pernas largas. Em 1916, as bainhas
haviam subido duas ou três polegadas acima do tornozelo, elevando a altura dos calçados.
Ainda segundo as autoras, no período pós-guerra, no mundo, novas exigências surgiram em
relação aos modos de vestir das pessoas, afetando também os grupos mais favorecidos
economicamente, pois com a escassez de empregados, as vestimentas que exigiam
procedimentos elaborados para lavar, passar e vestir logo deixaram de ser usadas e os
modelos começaram a sofrer algumas modificações com o intuito de se acomodar à nova
ordem econômica, adaptando-se à escassez de recursos provenientes da guerra e a estilos de
vida mais modestos.
As roupas consideradas fáceis de usar também passaram a ser as mais
procuradas Geralmente a blusa sem abotoamento era prática e estava na moda para ser usada
com uma saia ou um conjunto. Era uma peça de vestuário muito procurada pelas mulheres,
pelo fato de ser colocada pela cabeça e não ter nenhum tipo de fecho, facilitando as ações do
cotidiano. A blusa usada antes, fora da saia, ao invés de enfiada nela, chegava pouco abaixo
dos quadris e, às vezes, tinha gola de marinheiro, um cinto ou uma faixa. A blusa sem
abotoamento era geralmente feita de algodão ou seda e tornou-se um elemento importante na
moda da década de 1920, assim como o uso de cardigãs de tricô, casacos e xales. (MENDES,
DE LA HAYE, 2003).
A ED não seguia todas essas regra de modismos, mais aderia a roupas leves e
práticas, como era o caso das vestes de uma peça só. A Escola deixava a aluna à vontade para
optar por esse tipo de vestimenta em algumas ocasiões de uso diário.
242
QUADRO 8
LISTA DE ENXOVAL DAS ALUNAS DA ED
ENXOVAL
QUANTIDADE PEÇAS
02 Colchas brancas, para cama de solteiro
06 Lençóis
04 Fronhas brancas simples
06 Toalhas de rosto
03 Toalhas de banho
01 Guarda-chuva
02 Copos, sendo um de metal
01 Colher de chá
02 Sacos para roupa usada
01 Porta guardanapo
06 Vestidos brancos simples para uso diário
06 Pares de meias brancas para uso diário
01 Par de sapatos com saltos baixos para uso diário
01 Par de sapatos de tênis para jogos e ginástica
01 Par de sapatos finos para festas
02 Vestidos brancos laváveis (uniformes)
Roupa branca suficiente
02 Pentes, sendo um fino e um grosso
5m Morim branco para aventais e toucas de cosinha.
Sabonetes, escovas de dentes, pasta, alfinetes, tesourinhas, dedal, agulha,
linha, fita métrica, etc.
Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Plano geral de ensino. Natal, Typ. e Pap. A. Leite,
1927. p. 9. (Adaptação).
deveria ser marcada com uma numeração cedida pela escola. Essa era uma das formas, a
nosso ver, de a Escola controlar a circulação e a organização da vestimenta que era usada
diariamente pelas estudantes internas, bem como evitar a propagação de modismos nas cores
e nos estilos a serem usados. Sob o prisma da influência do movimento higienista e de
preceitos moralizantes, Nestor Lima, na época, indicava algumas orientações a seguir na
escolha da vestimenta diária da mulher:
A Escola Doméstica de Natal aconselhava, por exemplo, que nas roupas usadas
pelas alunas, tanto nas recepções, como no viver diário da escola, não houvesse extravagância
nos detalhes e nos acessórios, não sendo permitido às aluna, o uso de jóias e vestidos caros.
Propõe, pois, através da vestimenta da aluna, a racionalização da roupa, a higiene no seu uso,
a simplicidade no modo de se vestir e para além do uso interno da escola, ao cruzar os portões
do estabelecimento de ensino “As alumnas devem trajar com simplicidade, sendo obrigatório
o uso do uniforme fora da Escola.” (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 29).
Os códigos do universo escolar transpareciam na organização das vestimentas
específicas, fossem as usadas durante a prática esportiva ou em ocasiões de eventos internos
da Escola, ou ainda a utilizada no dia-a-dia da sala de aula, como nos lembra Nunes (2003, p.
17) “Nas escolas, as vestimentas específicas funcionam para seus usuários como exigências
de construção de novos papéis.” E o papel a ser desempenhado pelas discentes na Escola
Doméstica de Natal era a de mulheres disciplinadas, bem comportadas, vestidas com
simplicidade e elegância, mantendo-se sempre limpas e organizadas. Esses valores
apregoados constantemente na rotina escolar deveriam transpor os muros da instituição,
funcionando como habitus a serem apropriados, com base em uma pedagogia que primava
pelas normas higiênicas e disciplinares que deveriam ser praticadas socialmente.
244
O livro intitulado ‘Os quatro livros da mulher: o livro da dona de casa’ (escrito
por Paulo Combes, publicado no ano de 1917 e utilizado como fonte de consulta na biblioteca
da Escola Doméstica de Natal) muito enfatizava, no seu conteúdo, algumas recomendações
quanto ao uso de determinadas vestimentas específicas para as mulheres. Nele, o autor sugeria
à mulher reconhecer que era preciso dar ao vestuário ares de higiene e de elegância e não de
aspecto luxuoso, ou seja, o vestuário além de cumprir o papel de adorno, era preciso ter
higiene na conservação e uso das roupas. Nesse sentido citava:
Nas palavras do autor, percebemos que foram feitas algumas chamadas para os
critérios de compra e uso do vestuário feminino, destacando-se entre esses pré-requisitos a
estética, a limpeza, o zelo, a modéstia e a praticidade. Em outro momento do livro, importante
indicação sobre o vestuário é novamente retomada, dessa vez, a preocupação do autor recai
incisivamente no caráter higiênico das peças de roupa, proporcionando bem-estar e saúde às
mulheres que as vestem.
FOTO 21 - Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola Doméstica de Natal, 1919.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
a uma modelagem silenciosa, minuciosa que age como se fosse uma mão invisível, tornando
cada vez mais contornos definidos do que se quer formar, modelando comportamentos,
formando sujeitos delineados por uma cultura própria. No caso específico do fardamento
escolar da Escola Doméstica de Natal, ele funcionou como símbolo da instituição e requereu
de Henrique Castriciano de Souza algumas definições sobre o seu modelo que diferiu do
clássico fardamento escolar nas cores azul e branco.
(2001), de perceber o espaço como objeto significante, que muito tem a dizer, que não é
neutro e sim impregnado de simbologias e intenções, conforme os agentes que o produz e dele
faz uso. Segundo Escolano (2001, p. 45):
Essa percepção nos fez apreender a escola como um lugar que apresenta uma
dimensão espacial educativa, que dispõe de uma realidade social e material, com uma cultura
específica. Assim percebendo-a, pudemos enxergar à sua micropolítica de organização
interna, não apenas para enumerar os objetos nela presentes, mas para entender como eles se
integravam no todo da escola, compondo esquemas explicativos, dando sentido a sua
realidade de existência.
Além do enfoque atribuído por Escolano e Frago (2001), a abordagem
realizada por Michel Foucault (2001) sobre a organização e distribuição do espaço físico em
alguns estabelecimentos como escolas, hospitais, conventos, prisões, dentre outros, torna-se
relevante para a nossa análise sobre a Escola Doméstica de Natal. Foucault apresenta, por
exemplo, o que chama a arte das distribuições, referindo-se à forma de distribuição dos
indivíduos nos espaços físicos, conforme o amoldamento de comportamento e atitude que se
deseja para esses sujeitos, seja através da disciplina, da vigilância contínua, criando com isso
espaços úteis de acordo com os objetivos de quem os estabeleceu e os distribuiu. Ainda
segundo esse autor:
FOTO 23 - Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre culinária, 1927.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.
Refletir sobre essa questão nos fez pensar nas relações que se estabeleceram
entre currículo escolar e espaço, cultura escolar e lugar. Compreendendo a cultura escolar
como elemento produtor de novos sentimentos, comportamentos e valores nos sujeitos
atuantes da Escola, os espaços criados e ocupados também se inserem nessas preocupações no
interior escolar, no sentido de auxiliar essa ação dos sujeitos na instituição. Afinal a
arquitetura institui determinados valores que devem ser assimilados, como nos lembra
Escolano (2001, p. 26):
Falar da arquitetura escolar que revestiu a Escola Doméstica de Natal nos faz
pensar na materialidade física da escola, nos seus espaços ocupados que à primeira vista,
pareciam ser pouco significativos, mas que muito têm a comunicar e ser analisado como um
construto cultural, passando a mediar o nosso olhar para uma forma silenciosa de ensino que
perpassava a escola, através de diversos dispositivos de organização interna do
estabelecimento: organização das salas de aula, espaço do aluno, da direção, do professor, etc.
Uma análise importante feita por Veiga Neto (2002, p. 164) nos chamou
atenção por estabelecer relações entre currículo e modernidade, espaço e tempo na escola:
por uma produção eclética e pela experimentação. São típicos dessa fase os edifícios em dois
pavimentos, caracterizados por apresentar suas fachadas ornamentos alegóricos e por se
destacar pela imponência dos prédios.”
No caso específico da Escola Doméstica de Natal, percebemos que foi
construída tendo como ideário um grupo de intelectuais que pretendiam para Natal uma escola
diferente e moderna, portanto, para a sua construção tinha que se pensar em num modelo de
estrutura física que vislumbrasse os anseios e o projeto de quem a idealizava.
A imagem da fachada principal da Escola Doméstica de Natal com traços
neoclássicos, visualizada na época em que fora fundada, nos transmite ares de poder e
pujança, com típica arquitetura ensejada pelos republicanos no Brasil que almejavam
construir no cenário nacional estruturas arquitetônicas com ares de modernidade e progresso,
exemplos materializados na construção dos primeiros grupos escolares.
Visualizada por dentro, encontramos subdivisões que demarcavam o território
de cada sujeito que lá transitava: diretora, professoras, alunas, familiares, funcionários. O
prédio escolar chamava a atenção pela sua magnitude, o que despertou olhares de alguns
intelectuais da cidade que viam na construção da Escola Doméstica de Natal uma obra
grandiosa e moderna, de linhas arquitetônicas admiráveis.
Analisar a forma como era distribuído o espaço na Escola Doméstica nos fez
indagar inicialmente o significado da organização desse espaço físico em uma instituição
escolar, no sentido de atribuir a ele significados, representações, intenções, finalidades. Isso
significa pensar no espaço como elemento vivo que tem algo a nos dizer, não sendo, portanto,
elemento neutro, mas considerando-o inserido num contexto de interpretações.
Nesse entendimento, o espaço é tido como testemunho de um tempo que se
reveste de simbologias, conforme os interesses específicos de cada contexto. O conceito de
espaço como realidade metaforicamente viva significa uma ruptura com a lógica formal
presente no empirismo positivista que veicula uma concepção do real como totalidade
universal. Sendo assim, a visão de espaço perde sentido interpretativo porque se reveste de
noções morfológicas, de análise descritiva dos elementos que compõem o espaço, de vertentes
256
FOTO 26 - Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de aprendizado prático, 1930.
Acervo da Escola Doméstica de Natal.
FOTO 28 - Momento de aula prática de Anotomia desenvolvida pelo professor Varela Santiago.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1914.
(onde professor e alunas mantinham distanciamentos físico maiores), supomos que a própria
escolha na ordenação em círculo já predispõe certa aproximação entre docente e discentes, o
que, para o contexto da época, início do século XX, é considerado um grande avanço
pedagógico na tentativa de romper com alguns preceitos pedagógicos que apregoavam a
necessidade de manter estruturas hierárquicas separadas na sala de aula.
FOTO 29 - Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o professor Meira e Sá,
1914.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.
Podemos citar o exemplo do movimento higienista que contribuiu para definir formas de
distribuição e ocupação dos espaços físicos das escolas desse período.
A ocupação e distribuição do tempo na escola também foi pauta de discussão
pelos médicos higienistas do século XX, uma vez que a interferência desses não se limitou
apenas às instituições de saúde, mas também às instituições de ensino. As indicações dos
médicos eram no sentido de mostrar, por exemplo, as melhores formas de se usar espaço e
tempo sem que houvesse desperdício das horas e minutos no espaço físico escolar. Eram
orientações quanto à ocupação dos lugares nas salas de aula, a distribuição de alunos por sala,
o usos dos métodos de ensino, orientações sobre higiene, ventilação, iluminação e disposição
do espaço físico. Para Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):
FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula de jardinagem, 1926.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
anos de idade e portadoras de diploma do curso primário, nos moldes de uma escola-oficina,
passou a formar mulheres tomando como base o ideário das novas exigências sociais e
econômicas, considerando a racionalização da atividade assim como ocorria no trabalho
produtivo. Nesse sentido percebeu a autora que:
mulher pudesse apresentar bom desempenho perante o trabalho a ser exercido no seu lar.
Nessas condições, o planejamento foi destacado como ponto central para a seleção da
atividade doméstica a ser desenvolvida para a preparação do espaço e dos instrumentos a
serem usados na atividade, para a previsão do tempo usado e, portanto, na execução e
avaliação dos resultados. (DANTAS, 1946).
É importante destacar que o modelo arquitetônico escolar da Escola Doméstica
de Natal não foi pioneiro no Estado. A fundação dos grupos escolares no Brasil e
particularmente no Rio Grande do Norte, antecedeu à construção da ED. Esses grupos
demonstravam, portanto, fortes evidências da preocupação em se propor, no país, modelos de
arquitetura e organização escolares modernas e higiênicas, que fugissem das construções até
então vigentes das cidades.
Evidenciamos, portanto, que as formas de organizar o espaço na ED estavam
em consonância com as discussões sobre a modernidade e os preceitos pedagógicos mais
avançados. Modernidade é apontada nesse estudo como o caminho para se pensar os
processos de desenvolvimento econômico, social, político e cultural de uma nação. Essas
diversas formas deveriam se materializar nas idéias culturais que circulavam na sociedade,
modificando hábitos e costumes das pessoas em função de valores civilizados, em prol da
construção de um homem novo e de uma nova civilização. Como nos lembra Veiga (2001, p.
410):
exercer as suas atividades domésticas em casa, incutindo valores, como por exemplo:
administrar o lar de forma racional e higiênica. O próprio espaço da casa deveria sofrer
modificações, dando margem a novos preceitos higienístas e às poucas inovações
tecnológicas difundidas no Brasil.
Algumas mudanças ocorridas na cidade do Natal como o alargamento das ruas,
a construção de avenidas, surgimento de bondes elétricos, estradas de ferro, surgimento de
confeitarias, desenvolvimento da aviação tentavam sanar as contradições de uma cidade em
desenvolvimento que coexistiam com foco de insalubridade, vadiagem, prostituição,
criminalidade. As instituições escolares também manifestavam essas preocupações, a ED era
uma delas.
A escola passou a ser palco da difusão das normas higiênicas, conscientizando
sobre o perigo em se contrair as mazelas do mundo antigo. A proliferação de doenças e
surgimento de outras justificavam a emergência de medidas saneadoras e de projeções de
prédios escolares higiênicos, como uma solução para parte dos problemas urbanos. Moral,
higiene e estética deveriam estar presentes na estrutura arquitetônica da ED, presidindo no seu
interior de sua estrutura física uma boa organização dos espaços de circulação, com
ventilação, iluminação, limpeza do aparelhamento sanitário, correntes de ar e áreas
arborizadas para aulas ao ar livre, idéia de simbolizar o locus como expressão do moderno.
O prédio escolar foi escolhido intencionalmente, tendo por objetivo
proporcionar, a partir da organização do espaço interno, um clima familiar próximo ao
vivenciado nos lares, criando novos sentimentos, comportamentos diante da escola ou fora
dela. “O pensamento do Dr. Henrique e também das professoras suíças era que a Escola fosse
uma grade casa de família. Suas salas amplas e claras, seus jardins, seu pomar, sua horta, sua
sala de refeições, sua grande cozinha, suas portas sempre abertas davam a sensação de uma
grande casa, de um lar.” (BARROS, 2000, p. 90). Além dessa perspectiva, o ambiente deveria
imprimir ares de beleza, sutilidade, onde a ordem, o asseio e a higiene eram condições
essenciais para o seu funcionamento.
O prédio da ED destacou-se na Natal da época, cidade pequena e pacata e,
nessa realidade, a arquitetura escolar expôs, portanto, finalidades e objetivos a perseguir,
corporificando necessidades a seguir, significando a quebra, ruptura com um passado e
inserção num mundo citadino e refinado, criando novos códigos de
refinamento/confinamento, espaços de apropriação e de sociabilidade. Ordenar o uso do
espaço do prédio escolar também era regra presente, disciplinando as discentes e docentes
para usá-lo conforme os propósitos da escola.
270
adequar-se a esses princípios, por isso a importância em organizar as salas com boa
iluminação, ar puro, asseadas, amplas, condizentes com as novas tendências pedagógicas, de
forma a inspirar nas alunas o gosto pelas atividades ao ar livre, pela natureza, a contemplação
natural e estética da paisagem e gosto pelo ensino ativo, seguindo-se também as orientações
da legislação em vigor na época, a lei n.° 405 de 1916, no seu capítulo III, art. 9, que
especifica:
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
acontecimentos considerados importantes a serem memorados. Essa realidade nos fez pensar,
desde os primeiros momentos da pesquisa, em dedicar minucioso cuidado na seleção e
interpretação dos documentos históricos disponíveis na escola pesquisada, para não mergulhar
em incoerências com os propósitos definidos anteriormente quando elegemos os objetivos de
pesquisa. Neste sentido, uma grande dificuldade que permeou a tese foi entrelaçar as
informações contidas em fontes diversificadas (fotografias, depoimentos, documentos
escritos...) para conseguirmos aproximações que mais consideramos coerentes com os
acontecimentos da época vivenciados pela Escola Doméstica de Natal.
Por não percebermos os arquivos enquanto espaços neutros, mas lugares
impregnados de sentido e de interesses particulares, temos a compreensão que cada instituição
determina os documentos que deve guardar, assim como seus interesses determinam o que
deve ser levado a público como memória, em dado momento histórico. Sendo assim, tivemos
bastante cuidado na seleção e análise dos documentos do acervo da Escola.
Ainda consideramos que não bastou apenas se limitar à análise crítica das
fontes; houve necessidade de percebê-las mais essencialmente como produção sistemática da
memória. Colocar em prática o ofício do pesquisador, o de vasculhar os arquivos, separar,
delimitar, buscar, analisar as fontes, foi um ato árduo, difícil durante a pesquisa. Comparação
aproximada pode ser feita ao ofício do tecelão que tece panos, utiliza teares, que precisa
inicialmente separar o material a ser usado, os fios, as cores e regularmente aproximá-los,
urdindo, preparando, engendrando, até compor, lindos tecidos, formando um todo composto
de vários fios que se entrelaçam e unem-se durante a sua produção.
Nos fios que se entrelaçavam e se uniam, encontramos e reencontramos o
objeto de estudo, sabendo que é inconcebível uma produção histórica totalmente fechada com
verdades absolutas, afinal não se pretendeu criar novos dogmas a respeito do que foi e
representou a instituição que investigamos, a Escola Doméstica de Natal. Também não
percebemos a escola como objeto predeterminado, fabricado, pronto e acabado, por sua
função e sua finalidade particular. Não tivemos essa visão com relação à instituição, por isso a
persistência em buscá-la além das ‘verdades’ já ditas sobre sua história, penetrando no seu
universo de práticas ainda possíveis de serem desvendadas quando vistas sob outros aspectos
de sua trajetória.
Nossa tese não se limitou à narração e análise sobre a ED apenas com relação
aos fatos notáveis ocorridos na instituição, pois acreditamos que apreendíamos mais sobre o
objeto se percebêssemos seus percalços, anseios e perturbações.
Na escrita da tese, destacamos o cenário histórico do Brasil e da cidade do
276
Natal, do início até meados do século XX, como lugares que passavam por transformações
significativas no seu desenvolvimento econômico, social e educacional. Constatamos que
essas mudanças ocorreram nos diversos Estados do país de forma diferenciada, fracionada,
sem seguir um modelo único de estruturação e ordenamento, mas conforme as peculiaridades
locais de cada Estado ou cidade. Particularmente, no âmbito educacional, tentamos no
decorrer do nosso trabalho destacar que essas mudanças processaram-se conforme o ritmo
sócio-econômico e cultural de cada localidade, não havendo um único modelo de
organização, mas sim em vários: essas mudanças que acompanharam também os movimentos
de ordenamento e desenvolvimento de outras cidades do país e do mundo.
Consideramos importante ressaltar como o projeto renovador da educação
interagiu com diferentes culturas e regiões do país. A sua dimensão, como pudemos perceber,
não foi a mesma para todos os Estados do Brasil e nem poderia ter sido porque a própria
realidade cultural e econômica de cada um impunha e exigia uma proporção diferente. O que
vislumbramos numa análise macro é que, no início do século XX, o discurso pautado na
necessidade e possibilidade de entrada do país no mundo da modernidade solicitava medidas
emergentes que provocassem mudanças em vários setores: social, econômico, político, e
dentre esses o setor educacional, buscando a unificação e modernização do sistema nacional
de ensino, tentando romper com a fragmentação das reformas educacionais.
Essa compreensão surgiu quando analisamos os acontecimentos históricos e os
vislumbramos como processos não lineares e estáveis, não repetitivos e estanques, não
similares e isolados, mas sim plurais, dinâmicos, instáveis, complexos e diferenciados. Essa
dinâmica do olhar nos proporcionou estudar os acontecimentos como construções
entremeadas de idas e vindas, onde as rupturas que ocorreram no decorrer do tempo e espaço
apresentaram peculiaridades locais e específicas, dependendo de sua organização e dos
sujeitos que nele atuaram e atuam através de ações e idéias, posto que a história, sendo
dinâmica, é constituída de diversidades nas formas de pensar e fazer continuamente.
Refletir sobre essas questões teóricas nos fez pensar na Escola Doméstica
como uma singularidade própria da cidade do Natal, mas também como um fruto de
referências culturais mais gerais da época, tanto da cidade, como do país e do mundo. Nesse
sentido, no contexto da singularidade da cidade do Natal/RN (local ainda pouco expressivo
em termos de desenvolvimento econômico e social, no início do século XX) nos deparamos
com uma realidade educacional que apesar de não estar isolada dos acontecimentos mais
globais do país, apresentou algumas especificidades típicas do seu dinamismo e dos sujeitos
que nela se moviam. Podemos destacar como exemplo as idéias que circularam e foram
277
ensino adotado diferenciava-se dos demais existentes na cidade e trazia no seu corpus uma
simbologia de modernidade.
Afora outros aspectos mencionados no corpo do trabalho, nossa atenção foi
despertada para a finalidade maior da escola: a formação educacional da mulher de forma
mais global, entrelaçando teoria e prática.
Enquanto algumas escolas do Rio Grande do Norte (desde o período anterior à
primeira República até o seu início) indicavam para o sexo feminino o estudo das prendas do
lar e alguns elementos de Aritmética, Língua Portuguesa e noções, ainda elementares e
introdutórias ao estudo das ciências naturais e humanas, a Escola Doméstica propunha desde
sua criação em 1914 através do seu currículo estudos no campo da ciência com base num
aprofundamento teórico sobre importantes temas como a infância, a culinária, os alimentos, a
medicina, a higiene, a maternidade, dentre outros discutidos num referencial que primava por
não separar a teoria da prática.
Reconhecemos também que a questão disciplinar na formação da mulher foi
um dos elementos importantes adotado no Regimento Escolar, pois a disciplina no dia- a- dia
das práticas escolares foi estabelecida por padrões de comportamentos que deveriam ser
aceitáveis no interior da instituição e, socialmente, fora dela. A ênfase na disciplina das
mulheres condizia com os padrões de comportamento estabelecidos nas finalidades da LERN
que desejava abolir quaisquer manifestações que contradissessem o padrão feminino de
comportamento, de acordo com os preceitos morais e virtuosos da sociedade e ainda preparar
essa mulher, de forma que ela se diferenciasse, socialmente, nas suas ações, nos gestos e falas,
na sua postura, educação, valores culturais. A ED precisou privilegiar determinados
dispositivos e saberes no currículo escolar (a exemplo das aulas sobre etiqueta, cultura física
) que se conformassem com o modelo de educação feminina desejada.
Isso indicava que a Escola Doméstica de Natal primou historicamente pela
formação do ser, onde pensar e agir estivessem relacionados, no sentido de moldar atitudes,
palavras e gestos, consubstanciados numa forma específica de formação da mulher, onde não
bastava à discente apenas dominar o campo do saber teórico de alguns conhecimentos, mas
também o saber moral, cívico, acompanhado da prática das virtudes e dos hábitos
disciplinares.
A escola exerceu papel fundamental na disciplinarização dos corpos tanto das
discentes quanto das docentes, sob o manto de uma educação valorativa dos princípios
moralizantes, impondo, através de um modelo de organização escolar particular e por
intermédio dos seus diversos agentes, normas, costumes, crenças, valores vivenciados no
280
seus lares, pudessem aplicar melhor os conhecimentos adquiridos, conforme a sua experiência
diária com alguns costumes rurais.
Desta forma, a formação da mulher exigiu um modelo de ensino pautado em
saberes pedagógicos e sociais espelhados nas Escolas Domésticas já existentes na Bélgica,
Estados Unidos, na Europa, principalmente na Suíça, voltado para um tipo de mulher
civilizada, educada, prendada e administradora dos recursos domésticos, mas a ED de Natal
foi além dessa perspectiva inicial, buscando atender à realidade local do meio rural que exigia
a adaptação de um currículo diferenciado para atender às particularidades das alunas que
vinham do interior do Estado.
Podemos aferir dessas situações históricas apresentadas pela ED que os
preceitos da chamada Pedagogia Nova já se faziam presentes no cenário norte-rio-grandense,
no modelo dessa escola, ainda que de forma não tão evidente como ocorrerá posteriormente,
particularmente na década de 20 do século XX, quando esse ideário foi fartamente divulgado
no Brasil. O Estado do Rio Grande do Norte foi apontado como palco de grandes discussões
teóricas mobilizadas por intelectuais locais, a exemplo de Henrique Castriciano de Souza,
Nestor dos Santos Lima, José Augusto de Medeiros, José Meira e Sá. e criação de projetos
educacionais inovadores que contribuíram significativamente para a compreensão de uma
nova pedagogia, mais ajustável à realidade daquele momento.
Acreditamos que a formação feminina posta em prática pela Escola Doméstica
de Natal, avançada pedagogicamente para o período no que se referia aos conteúdos de ensino
priorizados, apresentou-se numa perspectiva diferenciada em relação a algumas atribuições ao
papel feminino no seio familiar. A exacerbação dessa posição, a de educadora do lar (apesar
de corresponder a alguns costumes do período, onde a mulher deveria inserir-se em categorias
de comportamento próprias do universo feminino: afazeres do lar, cuidar dos filhos), para
Henrique Castriciano de Souza e os demais integrantes da Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte refletia um ideário de mulher para quem se abriam novas perspectivas de atuação social
e no seio familiar. Certamente, essas novas perspectivas não iriam desmistificar alguns tabus
já estabelecidos historicamente em relação ao universo feminino, mas apontaria novos
horizontes para o feminino, incutido agora do domínio teórico e prático das suas ações.
Portanto essa representação sobre o espaço social reservado à mulher trouxe
particularmente para a Escola Doméstica o engendramento de um novo saber pedagógico
proposto para uma nova concepção de mulher e, apesar de estar respaldado em visões
tradicionais do fazer feminino, tinha por objetivo formar uma mulher moderna, espelhada
num modelo europeu de educação feminina, movido pela disciplinarização do corpo, através
282
de regras, valores, normas disciplinares, condizentes com a sua filosofia de trabalho que
valorizava a tríade formação: física, moral e intelectual.
Outra grande influência no currículo da ED foi o discurso higienista do início
do século XX que penetrou incisivamente (mas, de uma forma geral) nas condições de
funcionamento da escola brasileira, intervindo diretamente no domínio pedagógico, com base
em uma pedagogia científica, assentada na fundamentação do saber médico e impondo-se
como saber necessário às condições de uma nação civilizada.
É possível perceber essas manifestações no currículo da Escola Doméstica, ao
incorporar nos saberes escolares as racionalizações preventivas, visando disciplinar a atuação
das mulheres nos âmbito escolar e social. Esses saberes seriam necessários para servir como
base à formação da mulher culta, educada. Desenvolveu-se uma modernização da abordagem
assentada numa racionalidade empirista e racionalista na escola: no controle do tempo, do
espaço escolar e nas normas de comportamento perante os objetos e sujeitos escolares.
Pensar a mulher formada pelos preceitos pedagógicos difundidos pela Escola
Doméstica foi pensar numa mulher moldada por uma educação que priorizou o conhecimento
científico em consonância com a vida prática do dia- a -dia dessa mulher, uma realidade de
vida de mulheres que advinham de grupos sociais mais privilegiados economicamente.
Esses resultados de pesquisa evidentemente conduzem a novas buscas que
podem ser posteriormente questionadas, problematizadas e investigadas por outros
pesquisadores. As apropriações feitas pelas mulheres dos saberes transmitidos pela Escola
com certeza é um outro campo de estudo sobre currículo e práticas de leitura que poderá ser
mais bem detalhado em pesquisas posteriores, bem como as representações das discentes
sobre os conteúdos apropriados e os seus usos.
A Escola Doméstica nos deixou um grande legado histórico relativo ao papel
social de instituição voltada para a educação feminina no Estado do Rio Grande do Norte.
Com certeza, o seu modelo curricular e a cultura escolar construídos naquele determinado
momento histórico possibilitaram abrir novos horizontes à educação feminina não só no
Estado, mas também em outras regiões do Brasil.
283
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ENTREVISTAS
ARAÚJO SÁ, Maria Eunice de. Sobre o internato da Escola Doméstica de Natal.
(Entrevista concedida a Andréa Gabriel F. Rodrigues em 12 jul. de 2006.)
ANEXOS
304
ANEXO – A
ANEXO – B