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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
AUTORA: ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e


modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914 – 1945)

NATAL – 2007
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos

Rodrigues, Andréa Gabriel F.


Educar para o lar, educar para a vida : cultura escolar e modernidade
educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945) / Andréa Gabriel F.
Rodrigues. – Natal, 2007.
306 f. : il.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva.


Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
Graduação em Educação.

1. Educação - Tese. 2. História da educação - Tese. 3. Cultura escolar -


Tese. 4. Escola Doméstica - Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 37.035 (043.2)


1

ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade


educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945)

Tese de doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, sob orientação da profª Drª.
Marlúcia Menezes de Paiva.

NATAL – 2007
2

ANDRÉA GABRIEL FRANCELINO RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade


educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945).

Tese de doutorado aprovada como requisito


parcial para obtenção do título de Doutor em
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, pela comissão formada pelos
(as) seguintes professores (as):

Aprovada em: ____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________
Prª. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

__________________________________________________
Prª Dra.Maria Inês Sucupira Stamatto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

__________________________________________________
Pro Dr. Jorge Carvalho do Nascimento
Universidade Federal de Sergipe - UFS

__________________________________________________
Pro Dr. Antônio Carlos Ferreira Pinheiro
Universidade Federal da Paraíba – UFPb

__________________________________________________
Pro Dr. Antônio Basílio Thomaz Novaes de Menezes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________
Prª Dra Maria Arisnete Câmara de Morais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________
Prª Dra Maria Lindací Gomes da Silva
Universidade Estadual da Paraíba - UEPb
3

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho


A Deus, pela paz interior,
A minha querida Mãe Hilda (in memória),
A Carlos Antônio,
Aos meus filhos Juliana e Carlos Henrique.
4

AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho, recebi contribuições diversas de muitas


pessoas que, direta ou indiretamente, participaram da construção da tese. Não poderia deixar
de explicitar o nome dessas pessoas e instituições, porque reconheço a importância que cada
uma representou, como também a importância de um trabalho de pesquisa que contabiliza a
somatória de muitas contribuições e ajudas envolvidas, desde os mais próximos (familiares,
amigos etc.) até os mais distantes como funcionários ligados aos locais de pesquisa.
Destaco inicialmente o valioso apoio afetivo do meu esposo, Carlos Antônio,
que soube compreender as minhas faltas em diversos momentos e assumiu com muita
paciência e dedicação os papéis de pai e mãe durante as muitas ausências minhas no lar e em
alguns momentos de lazer.
Aos meus filhos, Carlos Henrique e Juliana, por suportarem as minhas
ausências enquanto mãe, para que eu pudesse cumprir determinadas etapas da pesquisa. As
minhas secretárias Neide e Neire, por me ajudarem nos cuidados diários com meus filhos.
A minha mãe (in memória), a quem devo gratidão eterna pelo incentivo nos
estudos e por me estimular desde cedo a conhecer e a gostar do universo da leitura.
A minha irmã, Adriana Gabriel, pelo grande incentivo aos estudos.
A Marlúcia Paiva, pelas valiosas contribuições na orientação da tese, pela
amizade e profissionalismo desempenhado durante todo o percurso da construção da tese e
durante os mais de dez anos que estudamos juntas.
Ao grupo de estudo da Base de Pesquisa Educação e Práticas Culturais do
PPGEd, da UFRN, particularmente às colegas Neide Sobral, Keila Cruz, Otêmia Porpino,
Salete Queiroz, Márcia de Sá, Nivaldete Ferreira, Maria Lindací, Ana Zélia e aos colegas José
Mateus e Lusival Barcelos, pessoas com as quais convivi durante alguns anos, discutindo,
pesquisando, vivenciando experiências que foram momentos valiosos de trocas culturais e que
contribuíram para a construção do conhecimento.
Agradeço também à Universidade Estadual da Paraíba/RN, instituição que me
liberou integralmente das atividades da docência durante o período de um ano e meio, quando
eu ainda fazia parte do seu quadro de funcionários, para a realização do Curso de Doutorado.
Essa liberação foi muito importante, porque durante aquele período, pude me dedicar
5

efetivamente às atividades de pesquisa. Com especial atenção, agradeço às professoras da


UEPb, Cleonice Agra do Ó e Valniza, pela amizade conquistada e incentivo para que eu desse
continuidade aos estudos.
Ao Centro Federal de Educação Tecnológica do RN – CEFET, instituição onde
atualmente exerço a função de docente, pela redução da minha carga horária de trabalho para
que eu pudesse concluir a fase final da tese (parte escrita). Particularmente, aos colegas de
trabalho Dante Henrique, Maria Daguia (Nina), Malco Geisiel, Gerson Gomes e Eulália
Raquel, pelo apoio afetivo nos momentos de incertezas e dificuldades.
À Escola Doméstica de Natal, instituição em que realizei vasta parte da coleta
de dados durante os três anos da pesquisa, especialmente à diretora Sra. Noilde Ramalho
Pessoa que me recebeu com muita educação e considerou desde os nossos primeiros contatos
a importância da pesquisa que me propus a realizar. A Noilde Ramalho, agradeço pela
paciência em me atender insistentemente nos muitos momentos de dúvida, nas etapas em que
era necessário saber da existência de um documento, requisitando alguma fonte histórica que
estava sob sua responsabilidade. Às funcionárias desta instituição, o meu agradecimento, às
professoras Margarida Morgantine, Ell Marinho, Sônia Araújo, Dione e ao professor
Alexandre Marinho.
Ao grupo de algumas das ex-alunas da Escola Doméstica que foram
entrevistadas por mim. Pela disponibilidade com que me receberem em seus lares,
despendendo tempo e dividindo comigo fotografias de época e recordações diversas sobre o
período em que estudaram na Instituição. A todas elas agradeço pelos valiosos diálogos
estabelecidos e por me receberem com carinho e atenção nos momentos em que me foi
necessário entender o cotidiano e as práticas vividas na escola, cotidiano este que foi tão bem
relatado. A vocês: Margarida Morgantine, Neide Galvão, Ell Marinho, Tereza Fonseca e
Eulália Barros, o meu agradecimento especial.
Ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, local onde
realizei parte da pesquisa de dados. À funcionária Antonieta, ao diretor do Instituto, Sr. Enélio
Petrovich, por alguns diálogos estabelecidos durante a pesquisa e que muito me ajudaram a
localizar algumas fontes.
Ao corpo docente do PPGEd da UFRN, pelos saberes transmitidos e
construídos junto aos discentes, particularmente às professoras Marta Araújo, Rosanália de Sá
Leitão, Maria Aparecida Queiroz, Magna França, Inês Stamatto, Rosália de Fátima. Aos
funcionários do Programa em Pós-Graduação em Educação: Milton, Radir, Letsandra, Jeane,
Raquel, pelo excelente atendimento. Às funcionárias do Departamento de Educação dessa
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instituição: Laíse, Gleide e Graça. À bibliotecária Albanita, pela revisão das normas técnicas
do trabalho.
A Greycimar Silva dos Santos, pela paciente leitura e revisão gramatical do
texto escrito.
Sem o apoio dessas pessoas e das instituições citadas, tão importantes para a
trajetória de construção da tese, seria difícil realizar um trabalho dessa natureza, porque o
próprio ato de pesquisar envolve pessoas, objetos e instituições. A pesquisa não se dá no
vazio da objetividade; é fruto de emoções, pensamentos, sofrimentos e alegrias, desânimos,
desafios e conquistas, exigindo de quem a pratica um mergulho num universo atordoante e
prazeroso de grandes aprendizagens.
7

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até


ontem e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em
cinzas efêmera:
Todos os dias reconstruo minhas edificações,
em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com


paciência dos alicerces às torres, sabendo que
é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam,


donos de risos e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual
deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no


entanto, claro, minha verdade, sem troca, sem
equivalência nem desengano permanente
constante, obrigatória, livre:
Enquanto aprendemos, desaprendo e torno a
aprender. (Cecília Meireles)
8

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Classificação dos sócios da LERN, 1911..................................................... 60

QUADRO 2 – Cronograma dos presidentes da LERN, 1914 .............................................. 79

QUADRO 3 – Quadro de matrícula das alunas da ED, 1914-1964 ....................................135

QUADRO 4 – Demonstrativo de horários da ED, 1927 ......................................................141

QUADRO 5 – Percentual de alunas diplomadas pela Escola Doméstica de Natal:


de 1919 a 1945 .............................................................................................146

QUADRO 6 – Quadro demonstrativo de distribuição de matérias do Curso


Doméstico, 1919 ..........................................................................................155

QUADRO 7 – Demonstrativo das matérias do Curso Doméstico da ED, 1927 ..................158

QUADRO 8 – Lista de enxoval das alunas da ED, 1927.....................................................242


9

LISTA DE FOTOS

FOTO 1 – Registro fotográfico de Henrique Castriciano de Souza .................................. 48

FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de


culinária, 1918.................................................................................................. 111

FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1919 ............ 116

FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica


de Natal, 1925 .................................................................................................. 118

FOTO 5 – Fotografia da primeira turma de discente da Escola Doméstica de


Natal e o professor Clodoaldo de Góes, 1928.................................................. 134

FOTO 6 – Alunas internas da ED em momento de descontração extra sala de


aula, 1945 ......................................................................................................... 145

FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática


sobre culinária, 1927 ........................................................................................ 166

FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de


Puericultura, 1948 ............................................................................................ 169

FOTO 9 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de


Puericultura, 1926 ............................................................................................ 171

FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica


Suéca, 1929 ...................................................................................................... 187

FOTO 11 – Alunas da Escola na sala-laboratório de Puericultura, 1926............................ 193

FOTO 12 – Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição


escolar, 1926..................................................................................................... 195

FOTO 13 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem,


1927.................................................................................................................. 196

FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927 ................. 197

FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de


roupas, 1927 ..................................................................................................... 202

FOTO 16 – Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar,


1924 ................................................................................................................. 204
10

FOTO 17 – Registro fotográfico da turma de formandas da ED no ano 1931? .................. 224

FOTO 18 – Primeiro Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, 1928........................ 230

FOTO 19 – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945...................................... 237

FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da ED, ao centro destaque para o


professor Clodoaldo de Góes, 1928 ................................................................. 239

FOTO 21 – Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola


Doméstica de Natal, 1919 ................................................................................ 246

FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914 ........... 249

FOTO 23 – Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre


culinária, 1927.................................................................................................. 252

FOTO 24 – Fachada principal da ED de Natal, 1939.......................................................... 255

FOTO 25 – Dormitório das alunas da ED, 1919 ................................................................ 257

FOTO 26 – Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de


aprendizado prático, 1930 ................................................................................ 258

FOTO 27 – Momento de aula prática de Anatomia desenvolvida pelo prof.


Varela Santiago, 1927 ..................................................................................... 259

FOTO 28 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o


professor Meira e Sá, 1914............................................................................... 260

FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula


de jardinagem, 1926 ......................................................................................... 262

FOTO 30 – Gabinete da diretoria da ED, 1914 .................................................................. 272


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado................................................... 14
A acepção sobre os documentos e os arquivos ................................................................... 18
A construção da pesquisa ................................................................................................... 39

1 ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL: UM PROJETO MODERNIZADOR


1.1 O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do RN e o seu idealizador, Henrique
Castriciano..................................................................................................................... 47
1.2 A inauguração da Escola Doméstica de Natal ............................................................. 83

2 IDÉIAS INSPIRADORAS DE UM NOVO MODELO ESCOLAR


2.1. O modelo Escolar Suíço ............................................................................................... 95
2.2. Os princípios filosóficos da Escola Doméstica ............................................................108

3 DOCENTES E DISCENTES: CONSTRUTORES DE UMA NOVA


CULTURA ESCOLAR
3.1. As primeiras diretoras e professoras ............................................................................118
3.2. O corpo discente ..........................................................................................................134

4 PRÁTICAS NO COTIDIANO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL

4.1. O saber e o fazer no currículo escolar ..........................................................................150


4.2. Algumas práticas de leituras ........................................................................................208
4.3. A ordem, a disciplina, a vigilância ...............................................................................222
4.4. Modelando o corpo: a vestimenta escolar ...................................................................233
4.5. Espaço, tempo e cultura escolar ..................................................................................249

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................274

REFERÊNCIAS ................................................................................................................283

ANEXOS ............................................................................................................................303
12

RESUMO

A pesquisa apresenta um novo olhar para a instituição escolar Escola Doméstica de Natal,
tentando dar conta da multiplicidade dos atores e práticas envolvidas na escola que melhor
definiam e explicavam os fenômenos daquela realidade educativa e das relações com o tempo
e lugar em que estava inserida. Neste sentido, os conceitos de memória e cultura escolar
foram fundamentais para a compreensão dessas práticas, porque contribuíram para fazermos
uma leitura histórico-cultural do conjunto de aspectos institucionalizados na escola, como o
seu currículo, finalidades, modos de ensinar e aprender, condutas, normas, enfim, o que
caracterizavam a sua organização e práticas cotidianas. Sendo a Escola Doméstica de Natal
uma instituição pioneira no modelo de ensino voltado para a educação feminina no Brasil,
priorizamos reconhecê-la e circunscrevê-la na sua indelével contribuição à História da
Educação norte-rio-grandense. Concebida por um modelo de organização escolar europeu
para a educação feminina, a Escola Doméstica de Natal foi inaugurada em 1914, tendo como
seu criador, o intelectual norte-rio-grandense Henrique Castriciano de Souza. Sua
singularidade, divergindo das escolas femininas existentes no RN e no país naquele momento,
advinha do modelo escolar adotado, que enfatizava a formação de uma mulher voltada para
atender aos anseios modernos despontados com o advento da República. Esse ideário exigia,
por parte da escola, a formação de um modelo de mulher em seus aspectos moral, físico,
cultural e intelectual moldados nos ideais da ordem e do progresso. Essa seria uma nova
forma de educação escolar que poderia favorecer a modernização dos velhos métodos de
ensino, provocando o surgimento de modelos que implicariam numa nova organização
pedagógica nas escolas existentes no Estado e conduziriam a cidade a novos e elevados
patamares de cultura e civilidade. Estava presente, também a representação de que, com essa
formação, a escola contribuiria para que a mulher atuasse na sociedade de forma mais ativa,
social e ajustável ao meio. As palavras ordem, novo, civilidade, moderno e progresso
circulavam e se entrecruzavam com valores arcaicos ainda arraigados e permanentes na visão
da vida e na idéia de mundo de então. Assim, percebia-se a Escola Doméstica como
instituição modelo, específica em sua função, que iria trazer para a cidade e, particularmente
para o Estado do RN, idéias de civilidade, ordem e progresso.

Palavras-chave: Educação História da Educação. Cultura Escolar. Escola Doméstica,


Modelo escolar.
13

RÉSUMÉ

La recherche propose un nouveau regard sur l’Institution Scolaire École Doméstica de Natal,
en essayant de tenir compte de la multiplicité des auteurs et des pratiques développées à
l’école qui définissaient le mieux et expliquaient les phénomènes de cette réalité éducative et
des rapports avec le temps et le lieu où elle s’insérait. Pour ce faire, les concepts de mémoire
et culture scolaire ont été fondamentaux pour la compréhension de ces pratiques, parce qu’ils
ont contribué à notre lecture historique-culturelle de l’ensemble d’aspects institutionnalisés à
l’école, comme son curriculum, ses finalités, ses façons d’enseigner et d’apprendre, ses règles
de conduite, ses normes, enfin, ce qui caractérisait son organisation et ses pratiques
quotidiennes. C’était l’École Doméstica de Natal l’institution pionnière dans le modèle
d’éducation féminine au Brésil, nous le reconnaissons en priorité et nous visons à le
circonscrire à son indélébile contribution à l’Histoire de l’Éducation de Rio Grande do Norte.
Conçue par un modèle d’organisation scolaire européen pour l’éducation féminine, l’École
Doméstica de Natal a été inaugurée en 1914, en ayant comme créateur l’intelectuel de Rio
Grande do Norte Henrique Castriciano de Souza. Sa singularité, s’opposant aux écoles
féminines existantes au Rio Grande do Norte et au Brésil en ce temps-là, était dû au modèle
scolaire adopté, qui appuyait sur la formation d’une femme préparée à répondre aux
aspirations modernes surgissant avec l’avènement de la République. Ce contexte exigeait de
l’école la formation d’un modèle de femme dans les aspects moral, physique, culturel et
intelectuel modelés sur les idéaux de l’ordre et du progrès. Ce serait une nouvelle méthode
d’éducation scolaire qui pourrait favoriser la modernisation des anciennes méthodes
d’enseignement, provoquant le surgissement de modèles qui impliqueraient une nouvelle
organisation pédagogique aux écoles de l`État et conduiraient la ville à de nouveaux et hauts
paliers de culture et civilité. Avec cela, l’école contribuerait à ce que la femme joue un rôle
dans la société d’une manière plus active, sociale et mieux adaptée. Les mots ordre, nouveau,
civilité, moderne et progrès se répandaient et s’entrecroisaient avec des valeurs archaïques
toujours permanentes et enracinées dans la vision de vie et l’idée de monde d’alors. Ainsi, on
voyait que l’École Doméstica était une institution modèle, spécifique dans sa fonction, qui
apporterait à la ville et, particulièrement au Rio Grande do Norte, des idées de civilité, ordre
et progrès.

Mots-clés: Éducation. Histoire de l’Éducation. Culture Scolaire. École Doméstica. Modèle


Scolaire.
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INTRODUÇÃO

Todos nós, inevitavelmente, escrevemos a história de nosso próprio tempo


quando olhamos o passado e, em alguma medida, empreendemos as batalhas
de hoje no figurino do período. Mas, aqueles que escrevem somente a
história do seu próprio tempo não podem entender o passado e aquilo que
veio dele, podem até mesmo falsificar o passado e o presente, mesmo sem a
intenção de o fazer. (ERIC HOBSBAWM).

O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado

As relações temporais entre passado e presente são importantes para


compreendermos os acontecimentos e neles as experiências que se entrecruzam na história.
Relações que vão do tempo vivido, no qual estamos mergulhados, a um tempo que já passou,
mas que mantêm ligações e aproximações com o presente. O exercício de ir e vir parece à
primeira vista atordoante, no entanto, para o historiador/pesquisador é condição ímpar, é
salutar a percepção de tempo histórico e os acontecimentos nele ocorridos. Como lembra
Hobsbawm (1996), os que escrevem apenas a história do seu tempo, limitam-se a ela, sem
entender os elos que se estabelecem de um passado que parece fugidio aos nossos olhos e o
que dele ficou e permanece diante das lentes de um olhar mais meticuloso.
Diante dessas inquietações, decorreu o surgimento do nosso objeto de estudo, a
Escola Doméstica de Natal, fruto de germinações históricas, de manuseios documentais,
debates, reflexões. Nas primeiras tentativas de aproximações com o objeto, alguns diálogos
foram estabelecidos: primeiro em conversas informais ou planejadas (com professoras,
ex.funcionárias que atuaram no estabelecimento de ensino), depois através da leitura de
materiais de pesquisa coletados. Esses diálogos contribuíram para definir algumas situações-
problema, delimitações e focos do nosso estudo.
Os levantamentos feitos indicavam que a Escola Doméstica de Natal foi para o
Rio Grande do Norte um marco importante por ser uma instituição educativa destinada ao
ensino voltado para as mulheres. Pioneira na América Latina na sua forma de organização
escolar e curricular, o que a diferenciava das demais instituições existentes no país, marcou
uma época, enquanto modelo escolar. O conceito de modelo escolar tratado neste estudo está
15

relacionado à noção de organização pedagógica de uma instituição escolar, com regras


específicas que pode passar a impor racionalmente a forma de seu funcionamento a outras
escolas no referente ao currículo, metodologias de ensino, administração e funcionamento,
dentre outros aspectos.
O entendimento de modelo escolar envolve muitos estudos realizados sobre a
história das instituições escolares, a exemplo da pesquisa de Souza (1998) utilizada para
configurar o modelo de organização do ensino, modalidade de escola primária - o Grupo
Escolar - que foi implantado pela primeira vez no Brasil em 1894, em São Paulo. Nesse
estudo, o Grupo Escolar é tomado para evidenciar que:

Tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais


racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de
crianças, portanto, uma escola adequada à escolarização em massa e à
necessidade da universalização da educação popular. Ao implantá-lo,
políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam modernizar a
educação e elevar o país ao patamar dos países mais desenvolvidos.
(SOUZA, 1998, p. 20).

No presente estudo, o conceito de modelo escolar foi usado para delinear a


organização pedagógica da Escola Doméstica de Natal, percebida como criação de um grupo
de intelectuais norte-rio-grandenses preocupados em criar um padrão de instituição voltada
especificamente para a formação de uma mulher culta e civilizada que a República almejava;
isso acontecia numa conjuntura histórica, sinalizada por um período de remodelação da
educação no Brasil e também no Rio Grande do Norte, quando intelectuais lançavam
tentativas reformistas priorizando o campo educacional como modalidade cultural importante
para a modernização do Estado e do país.
Esses primeiros diálogos com o objeto eleito, na verdade, já se configuravam
na investigação, ao que chamamos de primeiras aproximações com o objeto, posto que o
entendimento de pesquisar ultrapassa etapas de coleta e análise dos dados, indo além,
iniciando com as escolhas, seleções do objeto, definições, delimitações do corpus teórico,
problematizações iniciais, até consolidar-se nas etapas seguintes, quando o contato mais
efetivo com o objeto dar-se-á numa construção permanente, planejada a priori, mas não
definitiva, fechada, em consonância com a idéia de Bogdan & Biklen (1994, p. 249), quando
estes dizem que:
16

Uma pesquisa qualitativa é, sobretudo, uma construção teórico-


metodológica, um processo no qual nada é definitivo, porém passível de
modificações, mesmo no instante em que põe o ponto final no seu relatório
ali está começando uma nova pesquisa sua ou de outrem.

Não deve haver preocupações somente com os dados evidentes, mas a tentativa
de aprofundar a complexidade dos acontecimentos em sua essência, nas suas relações e
interdependências, para ir tecendo o conhecimento sobre o objeto de estudo situado num
tempo. Também sentimos necessidade de operar cortes seletivos no universo da pesquisa, de
definir o quê e como pesquisar, porque o contato inicial com um universo diversificado de
fontes documentais exige do pesquisador, separações, delimitações e definições a partir dos
objetivos da pesquisa. O recorte do objeto dá-se, portanto, como função necessária.
Indagações sobre as pretensões, as possibilidades, limites e contribuições do
estudo e outras situações e questionamentos foram aflorando a partir de então. A organização
de um plano de investigação, de fato, passou a auxiliar e iluminar os passos, sinalizando para
a bibliografia existente sobre a temática da Escola Doméstica de Natal, o universo a ser
pesquisado, o aporte teórico-metodológico a seguir, o levantamento dos espaços para
pesquisar, posto que toda pesquisa histórica, além de um tempo específico, inscreve-se em
algum lugar na sociedade, articula-se com um lugar de produção sócio-econômico, político e
cultural, enraíza-se em uma particularidade. (LE GOFF ; NORA, 1979).
É em função desse lugar social e desse meio de elaboração que alguns
questionamentos se formulam, que se definem e apuram os métodos e esboçam-se riscos e
uma trajetória (CERTEAU, 2002). Afinal, para Nora (1981, p. 13):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há


memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas, porque essas operações não são naturais.

Apresenta também essa proposição o significado de reconhecer que nesses


lugares pesquisados, ao fazermos história, temos o contato com as fontes, sendo necessário
perceber como estas se organizam e em função de que e quem, definindo os momentos e
espaços onde se realiza a pesquisa. Certeau (2002) ainda chama a atenção para entendermos a
articulação da história com um lugar social e histórico, tomando isto como condição ímpar
17

para uma análise da sociedade, posto que não exista análise que não seja totalmente
dependente de situações criadas por relações sociais ou analíticas.

Levar a serio o seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição
para que alguma coisa possa ser dita sem ser nem legendária (ou
‘edificante’), nem a-tópica (sem pertinência). Sendo a denegação da
particularidade do lugar o próprio princípio do discurso ideológico, ela
exclui toda teoria. Bem mais do que isto, instalando o discurso em um não-
lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte, quer dizer, proíbe-a
de ser a história. (CERTEAU, 2002, p. 77).

Nora (1981) ao falar desses lugares, também chama a atenção para o sentido de
que eles devem ser percebidos como lugares portadores de memória em disputa de grupos, a
determinar o que deve ser resguardado ou não; a memória é tida nesse contexto, como um
instrumento de buscas e disputas de grupos sociais. Nesse raciocínio, Burke (1992, p.80)
também se atém ao estudo da memória enquanto campo de disputas, pois para ele, “a
produção de esquecimentos se efetiva no confronto entre memórias em disputas, entre grupos
que constroem versões opostas, destruindo fatos relevantes para seus opositores”.
Nesse raciocínio, assim como Nora (1981), Burke (1992), Le Goff (1996) e
Certeau (2002), também compreendemos que toda pesquisa histórica se articula como um
lugar de produção sócio-econômica, político e cultural e está submetida a imposições, ligada a
privilégios, enraizada, portanto, em particularidade, sendo que em função desse lugar se
instauram os métodos, os interesses, organiza-se a busca pelas fontes e elabora-se a proposta
de pesquisa.
A história sendo relativa a um lugar e a um tempo também depende, para ser
construída, de técnicas de produção e uso de técnicas apropriadas e cada sociedade, no seu
contexto, faz uso de acordo com os instrumentos disponíveis que são usados por sua vez por
portadores de interesses individuais e grupais. Ao tecer algumas reflexões nesse sentido,
destacamos algumas limitações impostas a nossa trajetória de pesquisa, com as quais nos
deparamos no decorrer da investigação, como por exemplo, o uso dos espaços-arquivos da
Escola Doméstica de Natal.
Uma dessas limitações refere-se às restrições no manuseio de alguns
documentos de época que versam sobre as práticas da Escola, posto a condição que nos foi
colocada no manuseio e registro de algumas fotos de época, pois, por serem alguns
18

documentos bastante antigos, nos foi negado o registro fotográfico de algumas imagens.
Outro aspecto a destacar diz respeito a algumas restrições de entrada e saída do Memorial
(local que acondiciona os documentos da Escola Doméstica de Natal), tendo em vista que a
visita e consulta a esse espaço deveria sempre ser acompanhada pela direção da instituição, o
que significou uma limitação ao nosso tempo de trabalho.

A acepção sobre os documentos e os arquivos

No tocante ainda ao estudo documental, tivemos algumas dificuldades no


percurso da pesquisa em relação ao acesso às fontes históricas, pois alguns documentos
procurados no Memorial da Escola não foram localizados nos arquivos pesquisados, a
exemplo da Planta Arquitetônica do prédio Escolar onde a instituição funcionou nas suas
origens, no bairro da Ribeira. Isso limitou a nossa análise na parte que havíamos proposto,
inicialmente estudar, pois a idéia inicial era detalhar os lugares ocupados pela ED a partir da
proposta arquitetônica detalhando a divisão dos espaços e suas respectivas construções enfim,
desnudar a parte física da escola.
Por serem as fontes pesquisadas, em sua maioria, localizadas no interior da
própria instituição pesquisada, houve alguns empecilhos para nos aproximarmos delas. A
inexistência de um repertório de fontes organizadas inicialmente também dificultou o acesso.
Posteriormente, foi inaugurado na Escola Doméstica de Natal (no ano de 2005) um Memorial
da escola, contendo em seu interior uma ordenação de documentos diversos de época que
versam sobre a trajetória da instituição, o que proporcionou melhor visualização das fontes de
pesquisa: fotografias, vestimentas, objetos matérias de época, livros, textos, etc,
demonstrando uma regularidade na história da instituição, tendo em vista conter o memorial
uma ordenação cronológica da trajetória institucional, destacando o quadro de objetos e
pessoas que foram os marcos de vida da instituição proporcionando aos olhos de quem a
visita uma História linear, pronta para ser lida e apreciada.
Apesar dessas limitações tentamos, dentro do possível, preencher essas lacunas
existentes e muito recorrentes nas pesquisas, quando lançamos propostas de garimpar e
analisar alguns documentos que ficam, com o passar do tempo reservados às instituições
privadas. A busca por outros caminhos e fontes que fornecessem novas pistas e informações
que melhor preenchessem os espaços questionados durante a sua investigação terminou sendo
19

a via mais importante diante das adversidades surgidas, ocasionando também novos
aprendizados: como pesquisar e redimensionar a metodologia de trabalho.
Pensando nessa perspectiva, entendemos que uma trajetória de pesquisa deve
realmente, como sugere Certeau (2002), considerar os lugares em que se inserem as fontes
como espaços construídos historicamente, de acordo com os interesses individuais e grupais
de cada época, priorizando também os lugares de memória que são marcados por conteúdos
múltiplos e são, ao mesmo tempo, material, simbólico e funcional. Configuradas neste
sentido, é preciso pensá-las, a história e a memória, enquanto plurais, construídas e
interpretadas sob diversos ângulos num determinado espaço de tempo.
Assinalamos nesse primeiro momento uma grande e importante preocupação
essencial ao historiador, como nos lembra Le Goff (1996), a do tempo que não é linear, mas
múltiplo, permeado por rupturas e nele, a idéia de situar o objeto no tempo e reconhecer as
diversidades desse tempo, quais as complexidades para uma instituição escolar como a Escola
Doméstica de Natal e como ela foi capaz de se estruturar nesse determinado tempo em que se
inscreveu.
Reencontramos no levantamento bibliográfico e no diálogo entre os textos que
versam sobre a Escola Doméstica de Natal e/ou por onde ela fala, não apenas nomes de
pesquisadores, mas também, resultados de pesquisa e pistas onde localizar novos documentos.
Fizemos deste momento uma aprendizagem: a de que é possível empreendermos olhares
diversos para o mesmo objeto e dele apreendermos várias interpretações, cada uma com a sua
singularidade, nenhuma maior ou melhor que a outra, mas diferentes em interpretações. Neste
sentido, a busca neste estudo foi manter a análise e a interpretação mais próxima possível das
experiências ocorridas, e o que parecia supor um passado acabado, transmudava-se e emergia
nos textos e nos documentos escritos, impulsionando mergulhar num novo conjunto de
indagações, de deslindamentos.
Mergulhar no universo da pesquisa sobre a Escola Doméstica de Natal,
significou também no campo da História da Educação um esforço de conjugar a análise da
singularidade de uma instituição educacional da cidade do Natal e o estabelecimento de suas
relações com as determinações mais conjunturais do Estado, Brasil e de outros países,
transpondo a esfera local, mas sem limitar-se somente a uma análise macroestrutural,
buscando-se alguns elementos que conferiam à identidade da instituição um sentido único no
cenário social do qual fez parte.
O nosso propósito foi apresentar a escola à luz das fontes documentais,
sabendo que a seleção e interpretação dessas fontes são feitas pelo historiador. Esses dois
20

momentos, seleção e interpretação, são condições ímpares para que o passado seja analisado
de forma significativa e contextualizado. Ao que lembra Carr (2002, p. 25),

A história exige a seleção e ordenação de fatos sobre o passado à luz de


algum princípio ou norma de objetividade aceito pelo historiador, que
necessariamente inclui elementos de interpretação. Sem isso, o passado se
dissolve em uma confusão de inumeráveis incidentes isolados e
insignificantes, e a história não pode ser escrita de modo algum.

O historiador Carr (2002, p. 26) expõe que história significa muito mais do que
a simples coleta e narração das experiências vividas; história é interpretação; a “história é o
que o historiador faz”, constituindo-se num contínuo processo de interação e diálogo entre
presente e passado.
Ao estabelecer os diálogos entre passado e presente, observamos que a
presença do documento, como objeto que é, exprime idéias, valores, crenças, interesses de
quem o escreveu e o resguardou, pois concordamos com as palavras de Le Goff (1996, p. 9-
10) ao dizer que o documento “[...] não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que
exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro.” Assim, ao pensar em
interpretar o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, onde o corpus documental maior
encontra-se nos arquivos da própria instituição, tivemos o cuidado de fazer a leitura
meticulosa desse corpus com um olhar mais atento, afoito e questionador sobre as
informações nele descritas, posto que os espaços que servem como locais da pesquisa
(arquivos) e os documentos neles pesquisados devem ser vistos sob diversos aspectos, críticos
e reflexivos, uma vez sabendo que os documentos não são neutros, inócuos, na expressão de
Le Goff (1996, p. 547-548):

[...] é antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente, da


história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas
sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as
quais continuou a ser manipulado, ainda pelo silêncio. O documento é uma
coisa que fica, que dura, o testemunho, o ensinamento (para evocar a
etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados
desmistificando-lhes o seu significado aparente.

Da escrita do autor, apreendemos que a leitura do documento não deve se dar


21

com idéias preconcebidas nem com ingenuidade, posto que o documento não é neutro, mas
impregnado de valores sociais, culturais, políticos, merecendo, por isso, maior atenção por
parte de quem o manuseia e dele tenta abstrair a essência dos acontecimentos. Esse olhar
ampliou também a abordagem teórico-metodológica, fazendo aproximar a História de outros
campos do conhecimento como a Sociologia, Geografia, Economia e principalmente a
Antropologia, numa abordagem mais global de interpretação, contemplando uma leitura
voltada para os documentos como testemunhos de história e histórias.
Essa postura metodológica no trato com os documentos sintetiza um método
oposto ao que propõe a corrente positivista, pois esta corrente cria um modelo de
conhecimento da realidade que limita a visão de documento ao material escrito, oficial, assim
como limita a interpretação dos fatos. No que se refere à interpretação dos acontecimentos, a
corrente positivista propõe que “[...] o cientista social deve pôr de lado sistematicamente todas
as prenoções antes de começar a estudar a realidade social. Essas prenoções seriam ‘viseiras’
que impediriam de ver o que realmente estaria se passando.” (LOWY, 1985, p. 42). Nessa
perspectiva teórica, temos que considerar que essa receita clássica da vertente positivista é
utópica e inviável, impossível de ser aplicada aos estudos que pretendam desvendar a história
problematizando-a, conhecendo-a nas múltiplas interfaces e nuances das realidades distintas.
É difícil considerar as proposições apontadas pelo sociólogo Durkheim
(considerado um precursor do positivismo) ao defender que “[...] o sociólogo deve rodear de
todas as precauções possíveis contra sugestões irracionais. Opor a essas paixões irracionais
acalma a imparcialidade científica, o sangue-frio.” (DURKHEIM apud LOWY, 1985, p. 42).
Acreditamos que é inviável pesquisar sem trazer para o corpus da nossa análise os desejos e
as paixões, os interesses, a nossa percepção de vida e de mundo. A subjetividade é uma
realidade presente desde os primeiros momentos em que realizamos as escolhas, delimitamos
o objeto da pesquisa e o percurso da mesma. Como seria essa escolha pensada com o
pressuposto da objetividade? Mera ilusão do pesquisador!
Assim como é difícil pensar na pesquisa segundo os postulados positivistas, é
questionável também os locais que abrigam e resguardam os documentos que servem de
suporte à memória. A disposição dos documentos em determinados espaços sofrem seleções
por parte de pessoas e instituições que definem a sua importância ou não em ser resguardado e
servir de legado histórico.
As palavras escritas por Le Goff (1996), na sua obra ‘ História e Memória ’,
ecoava em nossas lembranças, nos diversos momentos da realização do levantamento e
análise das fontes. Nesses momentos, pensávamos sobre as suas afirmações que dizem:
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De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado,


mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento
temporal do mundo e da humanidade, que pelos que se dedicam à ciência do
passado e do tempo que passa, os historiadores. (LE GOFF, 1996, p. 535).

Portanto, refletíamos sobre suas palavras escritas e as trazíamos para o nosso


plano de investigação, reconhecendo que os documentos que versam sobre os acontecimentos
da Escola Doméstica de Natal são produtos de escolhas, seleções, de acordo com os interesses
da instituição e/ou de pessoas em fazer memorar o que consideravam relevante, o que deveria
ser lembrado, lido e perpetuado pelas gerações dos que passaram e permanecem na história
dessa instituição pioneira na educação da mulher no Brasil, nos moldes Suíço e Escolanovista.
O historiador Veyne (1995) também conclama a reflexão sobre a ótica imposta
pelas fontes documentais, devendo ser este aspecto o centro da reflexão sobre o conhecimento
histórico, onde perguntas devem ser levantadas, as problemáticas colocadas, para que não
falte uma atitude mais crítica por parte do pesquisador em relação ao material analisado.
Os suportes materiais existentes que auxiliaram na pesquisa, clareando o
objeto de estudo, dando vida à sua existência, foram diversos. Seu corpus foi composto de
correspondências, livros, ofícios, relatórios, fotografias, jornais, revistas, textos
mimeografados, considerando que as fontes retratam uma época, práticas, momentos,
imaginários; são, portanto, prenúncios que permitem a leitura de novas investigações sobre a
Escola Doméstica de Natal. Os autores Carr (2002) e Le Goff (1996) chamam a atenção para
a correlação documento/construção histórica, ao lembrar ao pesquisador/historiador que as
informações contidas nos documentos não lhes chegam de forma pura, descontextualizada,
pois são sempre refratadas através da mente do registrador. Assim alguns registros
importantes encontrados nos documentos precisam ser processados pelo historiador antes de
serem usados, necessitando trabalhar o material pesquisado para decifrá-lo. Neste raciocínio,
os documentos são essenciais ao trabalho de reconstituição histórica, sabendo que eles, por si
só, não constituem a história; são fragmentos que precisam ser interpretados, atribuindo-lhes
vida e significado.
Na leitura das experiências históricas sobre a instituição escolar feminina que
estudamos, buscamos as indicações de Certeau (2002, p. 81) quando adverte que o
historiador, no seu oficio:
23

Longe de aceitar os ‘dados’, ele os constitui. O material é criado por ações


combinadas, que o recortam no universo do uso, que vão procurá-lo também
fora das fronteiras do uso, e que o destinam a um reemprego coerente. É o
vestígio dos atos que modificam uma ordem recebida e uma visão social.
Instauradora de signos, nem apenas nem primordialmente, o efeito de um
olhar. É necessário aí uma operação técnica.

Portanto as condições de produção e arquivamento dos documentos


pesquisados foram consideradas, no sentido de analisar as possíveis tentativas de se legar um
testemunho à posteridade. Concordamos com a afirmação de Le Goff (1996) que lembra ao
historiador/pesquisador o fato acima referido e que:

Quer se trate de documentos conscientes ou inconscientes (traços deixados


pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à
posteridade), as condições de produção do documento devem ser
minuciosamente estudadas. [ ] Nenhum documento é inocente. Deve ser
analisado. Todo o documento é um monumento que deve ser des-
estruturado. O historiador não deve ser apenas capaz de discernir o que é
‘falso’, avaliar a credibilidade do documento, mas também desmistificá-lo.
(LE GOFF, 1996, p. 110).

As maneiras de pensar as particularidades e realidades diversas de


determinadas épocas através das fontes documentais devem incidir no questionamento dos
vestígios deixados como testemunhos de um tempo. Neste sentido, a busca do pesquisador
deve ser mais analítica que a primeira leitura desses vestígios, concordando com as palavras
de Bloch (2001, p. 83) ao destacar que:

A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos


não surgem, aqui, ou ali, por efeito de [não se sabe] qual misterioso decreto
dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em
tal solo, deriva de causas humanas que longe de terem apenas o alcance de
exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do
passado, pois o que se encontra posto em jogo é nada menos do que a
passagem da lembrança através de gerações.

As palavras de March Bloch nos fez pensar, ao pesquisarmos as práticas da


Escola Doméstica de Natal, sobre a existência do Memorial dessa instituição, espaço que
24

aloca os documentos de época sobre o percurso histórico da Escola. Visualizamos esse local
como um espaço que tem por finalidade perpetuar uma memória e as fontes que lá se
encontram cumprem uma certa cronologia de idéias, imprimindo uma memória gloriosa sobre
a trajetória da instituição.
Na nossa pesquisa, fizemos uso da iconografia, tomando-a como fonte
documental e, nesse sentido, a leitura realizada das imagens como documentos possibilitou
retratar uma época, através de sua leitura simbólica. As fotografias não figuraram no trabalho
como meras ilustrações e apoio ao texto escrito. Trazê-las para o corpo da nossa pesquisa
representou para nós desvendar possíveis significados circunscritos e materializados no
imaginário das (os) professoras (es) e alunas da escola Doméstica de Natal.
Uma grande dificuldade e obstáculo ao uso da fotografia é o seu acesso.
Muitas delas podem ser utilizadas como fontes para a história da educação, porém, em sua
maioria, pertencem a arquivos particulares. No caso específico da nossa pesquisa, as fotos
pesquisadas e trazidas para o corpo do nosso trabalho pertencem ao acervo particular da
Escola Doméstica de Natal. Houve também certa dificuldade para identificar as fotos;
algumas continham em seu corpo a data em que foram registradas, outras não tinham a data
definida; as com data registrada nos possibilitou fazermos aproximações do período a partir
de alguns elementos que levassem à compreensão daquela época, através da observação da
vestimenta, dos costumes espelhados nos penteados, corte de cabelo, calçado, gestos, modos
de se comportar, etc. Esse procedimento foi importante afinal, como nos lembra Miguel
(1993, p. 124):

A fotografia tomada como documento histórico precisa ser decodificada e


apreendida em sua conotação. É preciso romper com as pesquisas que se
orientam a partir da ‘teoria do espelho’, isto é, aquelas que encaram a
fotografia como reflexo da realidade e tentam compreende-la através de suas
proposições evidentes. Considerando a fotografia como um corpo de signos
e todo signo como constituinte ideológico, a questão do sentido que o
permeia somente pode ser formulada a partir do estudo das relações dos
signos com aqueles que os emitem. A fotografia é sempre uma mensagem
situada, produzida por alguém e com endereço determinado.

Assim como na leitura do texto escrito, houve uma leitura interpretativa das
fotografias, através das quais surgiram possibilidades de identificá-las no contexto,
considerando: as condições de produção da imagem, a sua inserção social, o autor da foto, os
25

sujeitos nela inseridos, as suas vinculações institucionais e as formas como ela foi
resguardada.
Os registros fotográficos presentes no Memorial da Escola Doméstica de Natal
foram resultantes de uma organização da instituição com a finalidade de estabelecer certa
cronologia para os melhores momentos vividos pela escola, formulando, através dessa
periodicidade, a sistematização de acontecimentos memoráveis. Grande parte do acervo
fotográfico foi doado por pessoas (ex-alunas, ex-professoras, funcionárias...) que passaram
pela instituição e outra parte do acervo é fruto de registros já existentes no próprio
estabelecimento educacional. Em cada momento histórico, os pesquisadores e a sociedade
criam suas condições de interpretação do real e esta realidade é apreendida e registrada de
diversas formas.
Entendemos que as imagens corporificam concepções culturais coletivas. Elas
podem retratar o imaginário de uma época e não o real como tal, porque elas produzem
diversas representações da realidade. Nesta compreensão, surge a necessidade de realizar os
entrecruzamentos com o texto escrito e com outras imagens de época.
Nas primeiras décadas do século XX, historiadores como March Bloch, Lucien
Fevre, Lê Goff, dentre outros, buscaram interpretar o documento para além do texto escrito,
enfatizando a idéia de que o homem poderia fazer história a partir de diversos vestígios
humanos: fotografias, objetos, testemunhos orais, etc. Esse pensamento materializado e
publicado em diversos artigos defendidos por esses pesquisadores contribuiu
significativamente para o entendimento da palavra documento para além do registro escrito e
oficial significando o alargamento dos registros históricos, o que de fato acreditamos ter
enriquecido o campo dos estudos históricos.
Na prática da pesquisa, buscar nas fontes os acontecimentos, explícitos ou não,
sobre a Escola Doméstica de Natal e o que contribuiu para as autoridades políticas,
educacionais e intelectuais criá-la, tornou-se vivo, dinâmico e presente ao olhar do hoje. Isto é
uma busca do passado feita, não com propósito e intuito de explicitar o presente, e sim no
sentido singular ao que Bloch (2001) defende sobre o conhecimento do passado. Nas suas
palavras:

O conhecimento do passado reavivado pelas tintas do presente, num


exercício vigoroso de comparação que tem claro e preciso o pressuposto de
que a ignorância do passado não se limita prejudicar o conhecimento
presente. Vai além, compromete, no presente a própria ação. (BLOCH,
2001, p. 2).
26

A História, nesse contexto, pôde ser percebida não como ciência do passado,
uma vez que tal idéia é contestada pelo autor, mas como ciência dos homens no tempo, o
passado que atrai homens pela busca das raízes e identidades e o presente que se constitui no
lugar da prática do historiador. Assim na visão de Motta (1998), a História (como ciência)
comporta uma operação intelectual quando, ao criticar as fontes, reconstruindo-as à luz de
uma teoria, realiza uma interpretação do passado, onde o que importa não é somente a noção
de um consenso, mas também a de conflito.
Não tivemos, pois, a intenção de eleger a história para justificar as práticas
educativas da Escola Doméstica de Natal, recuando a um período histórico distante e
objetivando evidenciar que o presente, no qual estamos mergulhados, tem a sua justificativa
devido aos acontecimentos do passado. Não buscamos uma história invertida, fragmentada,
nem a glorificação de um passado, mas sim a compreensão entre os elos que se estabelecem
entre passado, memória, presente e o conhecimento histórico, para desvelar o nosso objeto de
estudo (a história da Escola Doméstica de Natal, seu modelo escolar, saberes, práticas
escolares, sua pedagogia), através de um passado construído pela memória.
O caminho de investigação que percorremos desencontra-se com a tarefa
atribuída ao historiador menos atento, na expressão de Certeau (2002), com os ‘não ditos na
História’, pois para esse autor, vários motivos, dentre eles pessoais e grupais, suscitam a não
revelação dos acontecimentos na história e assim alguns acontecimentos passam a ser
registrados e outros legados. Inversamente aos ‘não ditos’, a tentativa na nossa pesquisa tem
sido a de vasculhar os pedaços deixados, contidos nas memórias documentais e nas falas de
alguns depoentes, sujeitos que atuaram na instituição pesquisada tentando explicitar as
nuanças implícitas em registros históricos; memórias diversas, plurais, que são fontes
históricas, cuja compreensão simboliza conhecimento de nossa identidade enquanto sujeito
histórico, ativo, crítico e empreendedor de suas histórias, percebendo os elos entre o tempo
presente e o passado. Expressa o sentido que Ferro (1989, p.100-101) atribui à tarefa do
historiador: “Dotar um grupo, uma nação de sua memória, restituí-la - esta é de fato uma das
funções do historiador. A segunda é sem dúvida, contribuir para a inteligibilidade do passado,
dos vínculos entre o passado e o presente.”
A memória emerge como elemento mediador das lembranças sob o efeito de
uma série de pensamentos individuais e coletivos, com unidade e multiplicidade que o tempo
muitas vezes, contribui para apagar e o historiador envida esforços de reavivar as tintas desse
passado, destacando que as lembranças fazem parte das memórias dos sujeitos e não são
27

lineares, posto que:

A sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-


se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os
diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses
meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto. (HALBWACHS, 1990,
p. 51).

Um dos primeiros pesquisadores da memória enquanto fenômeno social,


Halbwachs (1990), chamou a atenção nos seus estudos para percebê-la enquanto objeto
coletivo e social, construído, portanto, sujeita a flutuações e mutações constantes. Adepto
também dessa lógica, Pollak (1992) sinaliza para a importância de compreendermos uma das
características da memória, que é ser seletiva, porque nem tudo fica gravado e registrado nas
nossas memórias e por ser objeto social é considerada elemento de disputa política, onde é
possível a existência de conflitos para determinar os acontecimentos e datas que devem
permanecer memoráveis numa sociedade. Evidenciando a idéia, também defendida por
Halbwachs (1990), que a memória é um fenômeno construído por sujeitos que são sociais,
temos a necessidade de a articularmos em três elementos-chave: os acontecimentos, o
personagem e o lugar.
Compreendemos, pois, essas relações da história e da memória contidas num
passado que se entrelaça com o presente e o futuro, mantendo relações afastadas e próximas
de forma dinâmica, permeadas de entrecruzamentos que caminham em sentidos variados, e
não de forma unívoca e singular como uma reta. Bosi (1998) que estudou sobre as memórias
presentes nos grupos como identidade de pertença (onde um grupo se identifica no próprio
grupo) e também o conhecimento do sujeito em relação a si próprio, considera que:

Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o


que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Aturada reflexão
pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é diamante bruto
que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da
localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa
acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas
uma reaparição. (BOSI, 1998, p. 81).
28

Eis um aspecto da memória para o qual Bosi (1998) nos chama a atenção, nos
seus escritos sobre “memória e sociedade”: a importância que deveríamos atribuir ao passado,
assim como aferimos ao presente. Concordamos com a autora que a memória como função
social deve ser buscada, pois a capacidade de compreender e relacionar as vivências passadas
com as atuais é um exercício de reconhecimento e pertence ao hoje, constituindo elemento
importante para a construção da identidade coletiva e do sujeito individual.
Na busca por um passado distante e ao mesmo tempo presente na nossa
história local, as fontes mapeadas que deram suporte à investigação, além dos arquivos da
Escola Doméstica de Natal, já referenciados, foram buscadas no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte e no jornal A República.
A idéia presente no momento da seleção e estudo desses espaços foi a de que
“[...] mapear fontes é preparar o terreno para uma crítica vigorosa que constitua novos
problemas, novos objetos e novas abordagens.” (LE GOFF; NORA, 1979, p. 18). Então,
mesmo com a existência de alguns estudos já realizados sobre a Escola Doméstica de Natal, a
nossa proposta se debruça no desvelar da instituição escolar, buscando elementos de análise
além dos estudos existentes, a exemplo de Pinheiro (1996) que dedicou sua análise às idéias
do intelectual potiguar Henrique Castriciano, sua visão de educação, política, e cultura,
abordando de forma breve a criação da instituição Escola Doméstica. Nesse estudo
dissertativo de Pinheiro (1996), o foco central foi o personagem Henrique Castriciano de
Souza. Na pesquisa realizada por Barros (2000), a trajetória histórica da Escola Doméstica é
evidenciada, destacando-a quanto aos seus moldes de administração, organização e
funcionamento. Esse estudo não se centrou na cultura escolar da instituição, mas trouxe no
seu corpus pontos relevantes para conhecermos a evolução histórica da instituição, algumas
de suas práticas educativas, a composição do quadro das primeiras docentes e diretoras enfim,
sua estruturação no decorrer dos anos.
Temos ainda a destacar a dissertação de mestrado de Albuquerque (1981) que
priorizou a trajetória de Castriciano na política e na educação, apresentando uma breve
incursão das Escolas Domésticas no Rio Grande do Norte e no mundo. Muito embora sem
deter-se em uma análise mais profunda da Escola Doméstica de Natal, o autor deixou algumas
contribuições de pesquisa, principalmente quando se refere à documentação levantada.
Acreditamos que a História é uma ciência interpretativa que nunca repete os
fatos, portanto marcada por continuidades, descontinuidades, rupturas e não linearidades,
havendo igualmente para quem a constrói uma relatividade do olhar para os acontecimentos e
os relatos que deles possam surgir, no sentido que Veyne (1995) denomina de
29

“individualização do olhar”; pois, é isto que torna singular a cada historiador a sua riqueza de
idéias e percepções das nuanças perante as experiências e acontecimentos mais gerais. Pela
característica de ser dialética, a História e sua escrita não merecem ser apenas explicitadas
mediante leis universais, apuradas indutivamente através de generalizações como ocorreu
principalmente nos primórdios do século XIX, com o positivismo de Augusto Comte,
engessando a História numa masmorra de vidro, purificando-a das influências subjetivas do
ser humano e provando ser a melhor via de conhecimento da verdade absoluta dos fatos como
se fosse possível separar o objeto do indivíduo. Esses tempos passaram, mas ainda persistem
nos dias atuais, pois nos legou marcas e influências significativas nos modos de construção
dos objetos de estudos e das formas diversas de se fazer pesquisa.
A percepção que sustentou o nosso estudo sobre o que vem a ser História foi
um dos pilares e nos moveu no sentido de buscarmos um olhar diferente para os documentos e
para a Escola Doméstica de Natal, não nos moldes como foi analisada até então por alguns
estudiosos, mas penetrando em no seu interior, tentando evidenciar que existe uma cultura
escolar (ou várias culturas na escola) e que esta se manifestou sob diversas formas: na
organização do tempo escolar, na estruturação dos conteúdos escolares, nos regimentos de
controle das formas de se comportar no interior da escola, na composição do quadro docente
enfim, a cultura escolar está presente na história de vida da escola e de como se materializa
nos objetos e pessoas que dela fizeram parte. Entender essa matriz de pensamento conduziu a
uma análise da instituição escolar para além da sua estrutura material e de funcionamento;
implicou perceber a escola como espaço, na mesma linha de raciocínio atribuída por Frago
(1994) que delineia a instituição escolar imbricada numa rede de relações sociais,
considerando-a numa sociologia das organizações e antropologia de práticas cotidianas.
Neste sentido, a escola materializa eixos e idéias, mente e corpo, objetos e
condutas, modos de pensar, decidir e fazer, ritos, hábitos, simbologias. Ver a escola como
espaço significa reconhecer que o espaço habitado não é neutro, é uma construção social, é
condição de quem o habita e nele convive. O espaço, portanto, comunica e varia em cada
cultura.
No primeiro momento da nossa pesquisa, o mapeamento que realizamos dos
estudos já existentes sobre a Escola Doméstica de Natal nos proporcionou uma nova
abordagem, novos questionamentos e saberes, bem como um levantamento acerca dos
documentos que versam sobre a trajetória da referida escola. A teoria que nos fundamentou
foi percebida não como produtora da verdade, mas indispensável para estabelecer relações
reflexivas com atividades concretas, criando-se uma teia de significados. A relação
30

teoria/empiria é formulada em dois planos: o histórico-social, onde a teoria depende da prática


à medida que a define e é o seu fundamento, o avanço do conhecimento e o plano das
operações práticas, onde a teoria pode questionar e problematizar a prática, estabelecendo
correspondências, diálogos construtivos entre ambas. Isto se torna importante para a
compreensão da nossa pesquisa por ser um exercício de antecipação e articulação, onde as
relações dialéticas entre ambas se entrelaçam no decorrer do trabalho com as fontes, com os
documentos, proporcionando maior visibilidade à construção de uma história menos
fragmentada e mais interpretativa.
Diante da dimensão do aparato documental, na imbricação dos registros a
caminho da construção de significados, a tentativa de garantir a forte presença no texto do
nosso objeto, a Escola Doméstica de Natal e suas ações educativas foi uma finalidade a
perseguir. A preocupação primeira foi manter o objeto no texto, de modo que mostrasse
independência e existência próprias, oferecendo caracteres de autonomia (STAROBINSKI,
1995).
Tentamos perseguir no decorrer da pesquisa a seguinte proposição: a de que a
Escola Doméstica de Natal, desde suas origens, apresentou objetivos para a formação da
mulher de acordo com os propósitos republicanos e de uma pedagogia que era moderna na
época por isso a defesa da instituição por um ensino ativo e moderno, uma educação pautada
nos valores cívicos, civilizados, condizentes com os valores da nova organização social que se
estabelecia com o advento republicano despontado no início do século XX, que priorizava a
ordem e o progresso. (NAGLE, 2001). Junto com o discurso da identidade nacional, era
também apregoado o discurso da modernização da sociedade brasileira, segundo Horta
(1994), como uma forma de atendimento às exigências da vida moderna. Nos ideais dos
intelectuais que fundaram a Escola Doméstica de Natal, ela representaria esses anseios
republicanos, de trazer para a cidade do Natal ares de progresso e modernidade.
As fontes diversificadas nos cruzamentos realizados subsidiaram a construção
do objeto de estudo sobre a Escola Doméstica de Natal, auxiliando a clareá-lo ao emergi-lo do
universo dos arquivos, mas também o depoimento dos sujeitos que atuaram na instituição
Escola Doméstica como diretoras, funcionárias (os) do estabelecimento, professoras (es),
constituindo um corpus no universo da investigação. O depoimento oral, portanto, contribuiu
não como puro preenchimento deixado pelo vazio documental, mas como articulador do
diálogo com outras fontes iconográficas e também para identificação e análise de narrativas
não reveladas pela subjetividade dos documentos escritos.
Debruçamos particular atenção aos desvios das narrativas dos depoentes, o que
31

nos foi possível por termos feito o entrecruzamento de fontes orais, escritas e também pelo
fato de realçarmos, na nossa análise, que os referentes abstraídos das memórias advêm de
indivíduos possuidores de olhares e discursos diferenciados e o que faz com que eles norteiem
sua percepção do mundo que o rodeia. No caso das falas orais, a memória individual de cada
depoente só teve sentido em função de sua inscrição no conjunto social das demais memórias,
permitindo o conhecimento do fenômeno social, pois: “[...] quando se valoriza, na fala contida
da narrativa gravada, o conjunto de conteúdos ditos como fator decisivo para as análises, as
questões afeitas à memória despontam com caminhos indicativos dos exames sociais.”
(MEIHY, 2002, p. 42).
O passado contido nessas memórias, que são impregnadas de idéias reporta a
um tempo social, cultural, histórico, a um passado que não deve ser compreendido como uma
coleção de conhecimentos isolados, um reservatório estático de memórias, concordando com
a afirmativa de Bruner (1997) ao lembrar que “uma história é sempre a história de alguém ou
algo e como tal, requer uma análise detalhada e contextual.” Neste sentido, Veyne (1995, p.
27) também aponta idéias que complementam as de Bruner, quando afirma que “os fatos não
existem isoladamente, mas têm ligações objetivas; ligações, laços objetivos, nas suas
atribuições e importância”.
Nessa análise contextual, o testemunho oral foi tomado como portador de
sentido, representando papel importante no processo de reconstituição histórica da memória,
possibilitando trazer à tona traços fugidios, às vezes, não registrados nos documentos escritos,
assim como as vivências e vestígios indispensáveis à apreensão do objeto de estudo em seus
diversos ângulos. Apresentamos como exemplo as palavras expressas por alguns sujeitos que
lecionaram na Escola Doméstica de Natal, que contribuíram para o enriquecimento do texto,
clareando aspectos ainda não suficientemente esclarecidos através da análise dos documentos
escritos, favorecendo a melhor percepção do nosso objeto de estudo.
É relevante destacar a leitura que Halbwachs (1990) tece sobre o indivíduo
tomado como testemunha de um tempo, de uma memória, tendo como fio condutor em sua
análise a memória coletiva repercutindo na memória individual de forma dinâmica e
interativa. Bosi (1998) tomando esse raciocínio de Halbwachs escreveu sobre a memória de
idosos e nesse estudo observou que:

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivências


familiares, escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus
membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo.
32

Vivendo no interior de um grupo, sofre vicissitudes da evolução de seus


membros e depende de sua interação. (BOSI, 1998, p. 408).

Constatou também a autora que “por muito que deva à memória coletiva, é o
indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode
reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”.
(BOSI, 1998, p.408).
A memória individual, onde os indivíduos recordam no sentido literal, ganha
sentido quando inserida num coletivo que é construído por grupos sociais. O individual,
portanto, compõe o corpus da memória coletiva (HALBWACHS, 1990) porque cada membro
da sociedade define-se no intergrupal, nas suas relações com os outros e para que a memória
individual se auxilie interligue-se com a do outro, não é necessário que haja ponto total de
concordância no grupo ao qual o sujeito está inserido, realçando que:

Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento


do passado para se obter uma lembrança. Ë necessário que esta reconstrução
se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no
nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente
desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e
continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente assim podemos
compreender que uma lembrança possa ser ao mesmo tempo conhecida e
reconstruída. (HALBWACHS, 1990, p. 34).

Muito embora não tenhamos especificamente trabalhado com a história oral,


pois a nossa pesquisa foi principalmente documental, optamos por ouvir algumas pessoas que
fizeram e fazem parte da história da Escola Doméstica de Natal. Nesse sentido, consideram-se
os sujeitos individuais ouvidos durante as entrevistas realizadas, porque as atitudes de
reconstrução individual da memória de cada sujeito que atuou na ED operaram-se também de
práticas compartilhadas a partir de uma cultura escolar grupal que se estabeleceu na escola,
comungada, portanto, por diversos agentes.
Na busca pelas memórias da Escola, a leitura de algumas obras escritas por
um sujeito individual, Henrique Castriciano, contribuiu para a compreensão do seu
pensamento e este influiu diretamente na criação do Projeto Escola Doméstica num dado
contexto da cidade do Natal nas primeiras décadas do século XX, palco de transformações
econômicas, culturais e sociais, no cenário local, com desdobramentos no cotidiano e nos
33

anseios dos seus moradores, revelando um novo perfil para a cidade, marcada pela busca do
progresso material e espiritual.
Lançamos a tentativa de propiciar uma abordagem epistemológica e
metodológica que tentasse distanciar e também aproximar, quando necessário, a relação
objeto/sujeito.
O uso de técnicas complementares às análises documentais, a aplicação da
entrevista semi-estruturada e uma reflexão sobre os dados em toda a sua riqueza nos fez
apropriar-se da idéia de que: “A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo
seja exatamente examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem um potencial para
constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do
nosso objeto de estudo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).
Algumas poucas entrevistas estruturadas parcialmente possibilitaram um
diálogo com sujeitos que vivenciaram e compartilharam de perto as idéias pedagógicas da
Escola Doméstica de Natal. As informações apreendidas serviram para a análise dos dados.
Atentamos para o que Burke (1992) nos diz sobre a expressão amnésia social que se
consubstancia na seleção, por parte do indivíduo, no processo de construção de memórias,
implicando em escolhas entre os acontecimentos do passado e o que grupos consideram que
devem ser lembrados/rememorados, sob pena de ameaçar a unidade do grupo, questionando a
sua identidade, colocando em foco o interesse comum.
Perceber as regras, os motivos que suscitaram a supressão e exclusão de dados
nesses diálogos foram difíceis para que se operasse uma reconstituição de memórias, trazendo
acontecimentos, projetos renegados e/ou esquecidos, tendo presente nessa operação a
articulação com as fontes escritas para tecer comparações das escolhas e opções. Segundo
Burke (1992, p. 88):

Para questionar a memória é preciso então, reconstruir uma gama variável de


interpretações da evidência que se pretenda estudar. Somente assim fazendo,
torna-se possível a aproximação com a realidade então vivida, fugindo do
perigo de um juízo moral que se antecipe ao resgate da evidência,
contaminando a própria investigação.

As entrevistas foram fontes importantes na nossa pesquisa. Classificaram-se


em exploratórias e ilustrativas. As primeiras enquadraram a pesquisa de acordo com os
interesses do pesquisador e as ilustrativas funcionaram como uma oportunidade para a busca
34

de pistas e/ou informações historiográficas que suscitaram novas entrevistas e a formulação


de novas problemáticas. Para conseguir localizar as pessoas entrevistadas, recorremos ao
diálogo anterior com professoras e direção atual da Escola Doméstica de Natal, bem como à
leitura de alguns artigos publicados em jornal local que se referiam a depoimentos dados por
ex-alunas da escola. A partir dessas pistas, procuramos, em conversas informais com
funcionárias da ED, identificar as residências dessas pessoas para fazermos um primeiro
contato. Através dessas aproximações, pudemos entrevistar algumas dessas ex-alunas (não foi
possível entrevistar algumas ex-alunas devido a problemas de mudança de endereço,
situações de doença ou outros motivos).
O diálogo inicial com determinados sujeitos, aparentemente desnecessários,
funcionou como elo para localizar outros depoentes e novas fontes precisas para a efetivação
da pesquisa.
Na tentativa de entender as formas de representações sobre o universo
cotidiano das práticas educativas da Escola Doméstica de Natal, o foco das entrevistas semi-
estruturadas com as ex-alunas da instituição escolar incidiu na preocupação em perceber o
cotidiano escolar dessas alunas, seus costumes, valores. Nesse momento, a entrevista foi
revestida de uma singularidade que exigiu do pesquisador habilidade para agir, para que os
seus objetivos fossem alcançados. Nesses encontros, a forma de comunicação (não
influenciando nas respostas das entrevistadas), a maneira de estabelecer os diálogos e
interações com as informações recebidas das entrevistadas e o ponto de encerramento do
diálogo foram etapas cuidadosas e bem articuladas, administradas corretamente para que
houvesse sucesso e não implicações negativas durante a entrevista e/ou bloco de entrevistas.
A forma de assegurar posteriormente uma possível análise mais cautelosa das
falas dos entrevistados foi disponibilizada a partir da gravação eletrônica de alguns
depoimentos. Essa gravação ocorreu com a autorização expressa da (o) entrevistada (o),
esclarecendo-se a forma de divulgação dos dados, bem como atendo-se à questão ética, ou
seja, não comprometendo a integridade e identidade do sujeito e as informações por ele
cedidas.
Em nossa pesquisa, a entrevista consistiu numa conversa intencional entre a
pesquisadora e o sujeito entrevistado (a), apoiando-se na visão de Haguette (2000) quando diz
que a entrevista pode ser definida como um processo de interação social, de captação de
informações, que pode ocorrer entre duas ou mais pessoas, dependendo dos propósitos do
pesquisador. No diálogo com o outro, a palavra do sujeito entrevistado vai sendo tomada
enquanto ato concreto, mediada por discursos que relatam histórias de vida, de experiências,
35

temporalidades diferenciadas como ato que expressa uma cultura de vida.


Segundo Brandão (2002, p. 40):

[...] a entrevista é trabalho, reclamando uma tenção permanente do


pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o intensamente à escuta do que é
dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, os
encantamentos, as indecisões, contradições, as expressões e gestos.

Tivemos o cuidado de organizar um roteiro de entrevista não constando de


uma listagem de perguntas a serem feitas, mas sim de pontos e tópicos relevantes
correlacionados à problemática da pesquisa, e o cuidado de informar ao sujeito o objetivo da
entrevista, garantindo qual informação obtida seria posta no trabalho, não pondo em foco a
ética profissional, mas respeitando-a.
Do material gravado durante a entrevista o importante não foi a pura
transcrição das falas dos sujeitos, mas os pontos mais relevantes extraídos nos diálogos.
Assim as frases recorrentes (que se repetiam com freqüência) dos discursos funcionavam
como indícios para a identificação ou não de consensos e conexões de sentido, assim como as
contradições nos discursos, as falas implícitas, as coerências nas respostas e outros aspectos
apontavam para outras interpretações.
Entrevistar, portanto, significou estabelecer situações de troca, onde
entrevistador e entrevistado se envolvem através de conversas sobre determinado tema objeto
da pesquisa. Esse envolvimento tentou romper com as distâncias, permitindo um verdadeiro
diálogo, uma conversação dinâmica, descontraída, mas que apresentou um fio condutor a ser
perseguido, remetendo a uma construção do tema.
As entrevistas possibilitaram um diálogo com os sujeitos que vivenciaram e
compartilharam de perto as idéias pedagógicas da Escola Doméstica de Natal; as informações
apreendidas serviram para a análise dos dados.
Nas entrevistas realizadas, bem como na coleta e análise documental, tentamos
compreender a história da Escola a partir de uma operação histórica, no dizer de Certeau
(2002), a história inserida numa relação entre um lugar onde o acontecimento ocorreu, os
procedimentos de análise usados para a construção dessa história, a estruturação de um texto,
de uma literatura. Na construção histórica dos acontecimentos, lançamos tentativas de
apreendê-los numa teia de relações, afinal “[...] os fatos existem nas tramas da História, nas
36

suas ligações, laços objetivos, nas suas atribuições e importância e não isoladamente.”
(VEYNE, 1995). Para apreendê-los, convém considerá-los numa rede de significados, com
atenção vigilante, flexibilidade de espírito e habilidade para exercer a arte da narração dos
acontecimentos, a arte do dizer nas idas e vindas da história. (CERTEAU, 2002).
Na presente pesquisa, apesar da realização de algumas entrevistas com pessoas
que atuaram profissionalmente na Escola Doméstica de Natal, priorizamos a análise
documental, por isso a tese apresenta uma tessitura de pesquisa histórica que destaca
particularmente o documento escrito. A opção por esse tipo de análise se deu por uma escolha
teórico-metodológica de trabalhar principalmente a fonte escrita, apesar de privilegiar também
o registro visual, especificamente as fotografias de época, tidas, na nossa acepção, como
documentos que muito tem a nos dizer.
Mas como dissemos anteriormente, foi possível enriquecermos o material
coletado entrelaçando algumas falas de sujeitos que vivenciaram, em tempos distintos, as
práticas da instituição escolar com as “vozes” das fontes documentais.
Na busca das fontes, aferimos a instituição Escola Doméstica de Natal, como
portadora de elementos culturais que merecem, pela relevância histórica, ser pesquisados, pela
riqueza de práticas incorporadas, por exemplo: sua história (atores, aspectos de organização
escolar, cotidiano, rituais, cultura, significado para a sociedade da época, espaço físico e
arquitetônico, uso do tempo, atividades físicas e intelectuais, seleção de conteúdos, clientela,
corpo docente e discente, legislação, normas escolares, gestão escolar, funcionários...).
Abordamos esses aspectos quando da sua instauração em 1914, suas práticas e
desenvolvimento em suas dimensões culturais, não reduzindo o pensamento e a ação
educativa da instituição à perspectiva técnica de administração, gestão e eficácia de
funcionamento.
Ao nos debruçarmos para entender a história da Escola Doméstica e seu
processo de escolarização vivenciado no país, trouxemos à discussão a concepção educacional
feminina, os fluxos de representações, bem como a intencionalidade dos processos de
formação da mulher numa interpretação baseada na especificidade e singularidade da cidade
do Natal, compreendendo que esse processo de formação da mulher mantinha contornos e
relações com os acontecimentos mais globais que ocorriam no país e no exterior.
Penetrar na história da Escola Doméstica de Natal significou mergulhar no seu
universo de cultura escolar. Esse conceito, o de cultura escolar, tornou-se o cerne da nossa
análise pelo fato de buscarmos na história da instituição escolar (no caso específico do nosso
objeto, a Escola Doméstica, o seu modelo escolar que envolveu suas práticas escolares, sua
37

pedagogia, os saberes ensinados, sua história e suas práticas educativas, como já afirmado
anteriormente) um olhar diferenciador para ela, penetrando no seu universo de práticas
escolares, como produto e produtora de práticas culturais, tomando-a como produto histórico
das práticas dos sujeitos no seu tempo. Isso significou ir além do que faziam e ainda fazem
alguns pesquisadores, que ao historiar uma instituição escolar limitam-se a elencar as medidas
de regulamentação e implemento institucional que a regiam, supondo a substancialidade
atemporal enquanto locus institucional. Importa, pois, nessa ótica, registrar na historiografia
medidas regulamentares sem traçar relações das práticas com a comunidade envolvente,
conferindo à mesma um sentido histórico limitado e uma identidade própria.
Numa nova interpretação sobre a história das instituições escolares, mergulhar
na interioridade da instituição a ser investigada foi uma tentativa de dar conta da
multiplicidade de atores e práticas escolares enquanto práticas culturais envolvidas e que
melhor definiam e explicavam os fenômenos e a realidade educativa da escola e das relações
que ela estabeleceu com o contexto no qual está inserida historicamente.
O conceito de cultura escolar utilizado nesta pesquisa para auxiliar a
construção do nosso objeto de estudo é definido por Julia (2001, p. 9) como sendo “[...] um
conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação
desses comportamentos.”
A cultura de uma escola não pode ser estudada sem precisarmos a análise das
relações entre a cultura urbana, o tempo social, o contexto que envolve os sujeitos, as relações
pessoais que acontecem, enfim, as ações conflituosas ou pacíficas que ela mantém no seu
tempo, como também as mudanças que ocorrem para além dos muros da escola, que ocorrem
na sociedade, detendo-se então às particularidades e às generalidades.
A cultura escolar é tomada como conceito por outros autores, a exemplo de
Faria Filho (2001), Souza (2002), Nunes (1996), Julia (2001), Vinão Frago (2000). Este
último considera a escola na medida em que é uma instituição e, por esse fato, possui cultura,
ou culturas escolares. Isto exige a compreensão de sua sociologia da organização e a
antropologia de suas prática cotidianas. Neste sentido, Frago (2001, p. 68) percebe a cultura
escolar “cuanto conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizan a la escuela como
organización, posee varias modalidades o niveles.”
Ao referir-se ao conjunto de aspectos institucionalizados da escola, o autor
ainda evidencia no universo da vida escolar as:
38

[...] prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos - la historia


cotidiana del hacer escolar - objetos materiales - función, uso, distribución
en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación,
desaparición ...-, y modos de pensar, así como significados e ideas
compartidas. (FRAGO, 2001, p. 68-69).

Portanto, a noção de cultura escolar permitiu ampliar o olhar sobre o objeto,


potencializando seus limites de análise, de observação, além da sua dimensão física e técnica,
de funcionamento para complexidades científica e humana, tornando-se ímpar a necessidade
de uma análise contextual social, política, cultural. De fato, compreender as práticas
educativas calcadas pela Escola Doméstica de Natal, possibilitou penetrar no universo de sua
cultura escolar, implicou reconhecer a dimensão das ações que a instituição educativa
incorporou nas suas ações cotidianas. Ao termo prática, neste estudo, atribuímos aos modos
de agir, ao processo pelo qual historicamente é produzido um sentido e diferencialmente
construída uma significação. As práticas são, na acepção de Chartier (1990), plurais,
complexas, constroem significados e representações. Esse conceito, muito usado por esse
historiador francês, ajudou-nos a compreender as dimensões das ações da Escola Doméstica
de Natal e dos agentes que a constituíram historicamente.
A noção de Cultura Escolar nos permitiu também considerar a escola enquanto
local que contém arsenal de fontes e informações historiográficas que apontam para a
formulação de interpretações sobre ela própria e a história da educação. Especificamente, a
história das instituições escolares permite uma análise historiográfica, dando um sentido mais
amplo e abrangente aos espaços destinados à educação escolar e importância às
singularidades e particularidades de cada instituição, trazendo à discussão as práticas dos
diversos atores envolvidos no processo educativo, bem como as ações que se passavam no
interior da escola, como também a pedagogia adotada pela Escola e sua pluralidade de
práticas educativas.
Nesse sentido, o presente estudo insere a preocupação em construir
interpretações a respeito da instituição Escola Doméstica de Natal, destacando os elementos
que conferem à mesma um sentido histórico no contexto social de sua época, buscando uma
historiografia que explique melhor a realidade educativa brasileira e norte-rio-grandense. Com
base nesse referencial que muda o ângulo do olhar histórico para a cultura da escola,
destacamos a reflexão abaixo, que reafirma essas idéias:
39

Como se pode perceber, historiar uma instituição educativa, tomada na sua


pluridimensionalidade, não significa laudatoriamente descrevê-la, mas
explicá-la e integrá-la em uma realidade mais ampla, que é o seu próprio
sistema educativo. Nesse mesmo sentido, implica-la no processo de evolução
de sua comunidade ou região é evidentemente sistematizar e re(escrever) seu
ciclo de vida em um quadro mais amplo, no qual são inseridas as mudanças
que ocorrem em âmbito local, sem perder de vista a singularidade e as
perspectivas maiores. (OLIVEIRA; GATTI JÚNIOR, 2002, p. 74).

A ponte de análise entre a singularidade local (no nosso caso específico, a


particularidade contextual da cidade do Natal) e a totalidade do contexto mais amplo do início
do século XX foi condição ímpar para historiar uma instituição local e sua cultura escolar e
nela compreendermos as suas especificidades e generalidades numa relação dialética entre a
escola e sua comunidade cultural, escolar e pedagógica, numa tentativa de dar à leitura desses
aspectos uma pluralidade de sentidos considerando épocas, contextos e espaços diferentes.
O conceito de cultura escolar considerado nesse estudo, contribuiu para a
análise que nos propomos a fazer, estudando a escola como espaço, que não é neutro, mas
transmite valores, idéias, simbologias, discursos, culturas que são materializadas nas
finalidades da escola, nas normas de funcionamento, no papel desempenhado pelos discentes
e docentes da Escola Doméstica de Natal, bem como nos conteúdos priorizados e ensinados,
enfim, nas práticas escolares trabalhadas no interior da escola. Isso possibilitou traçar retratos
da época, de formas de educação concretizadas em práticas e processos desenvolvidos ao
longo do tempo, reunindo fragmentos e migalhas - pedaços dotados de sentido que permitiram
perceber as interligações entre transformações e inovações pedagógicas, bem como modelos
de organização que refletiam uma época ou diversos contextos históricos: uma forma escolar
própria, singular como era a Escola Doméstica no seu tempo.

A construção da pesquisa

A construção da pesquisa foi sendo ajustada às necessidades que foram


surgindo, como uma colcha de retalhos que gradativamente unificou-se conforme a variedade
de tecidos, formando um todo, onde vislumbramos um novo colorido, uma beleza, quando
juntávamos os pedaços que estavam próximos e dispersos, fazendo reviver acontecimentos
minuciosos e adormecidos, reveladores de uma história, compreendendo também, que o
40

processo de construção e interpretação sobre o passado e os elos que se estabelecem com o


presente faz-se no diálogo entre os indícios e as fontes que conseguimos agrupar para
corroborar nossas assertivas e concepções. As idéias e problematizações levantadas sintetizam
as nossas interpretações sobre o que fazemos com esse passado contido na diversidade das
fontes.
O objetivo de esclarecer o contexto de escolhas da pesquisadora e do objeto
pesquisado (Escola Doméstica de Natal, sua cultura escolar que envolve a pedagogia e os
saberes), foi adentrar na crença de que os lugares ocupados nas relações sociais marcam
nossas percepções, escolhas, desejos, movendo as intenções, sentidos e ações enfim, o que
dizemos e o que fazemos, o que significamos, a nossa cosmovisão.
Desta forma, para que melhor fosse evidenciado o nosso objeto de estudo num
corpus de trabalho escrito, optamos pela organização da tese em cinco partes, acompanhada
da apresentação, conclusões e referências. No decorrer dessa construção, perseguimos a tese
de que a Escola Doméstica de Natal apresentou desde suas origens uma cultura escolar
pautada nos princípios da Escola Nova, buscando formar mulheres ativas, sociáveis e
civilizadas. Essa formação não se reduzia à preparação de boas donas de casa e educadoras do
lar, mas construía valores morais, cristãos, baseada em princípios disciplinadores e de respeito
ao outro, além de saberes respaldados nos conhecimentos da ciência, da Pedagogia Nova e da
formação cívica.
Para a realização dessa análise, optamos por um recorte temporal da temática
que se debruça de 1914 a 1945. Esse recorte, não escolhido ao acaso, denota a preocupação de
estudar a Escola Doméstica de Natal nos seus primeiros anos de surgimento, pois suas
primeiras sementes se encontram em 1914 para germinar o modelo escolar proposto. O
contexto que se estende até o ano de 1945 marca historicamente a cidade do Natal/RN por ser
o lugar palco de transformações sociais, econômicas e políticas decorrentes da Segunda
Grande Guerra Mundial.
Após 1945, iremos encontrar algumas transformações consubstanciais no
modelo curricular da Escola Doméstica de Natal que ocorrem devido a uma nova adaptação
da escola às mudanças na legislação de ensino, introduzindo, por exemplo, em 23 de
dezembro de 1954, através da Portaria Ministerial n° 983, aos portadores de diploma ou
certificado de conclusão do Curso Doméstico, a permissão de matrícula na primeira série dos
cursos técnicos comerciais, industriais e agrícolas existentes.
Um acordo firmado entre a ED e a UFRN incluiu a ED, como órgão
complementar, no ensino da UFRN, em 20 de junho de 1954. Isso significou dizer que a
41

UFRN, através do reitor na época Onofre Lopes da Silva, passou a auxiliar a Escola
Doméstica no que fosse preciso, quanto aos recursos humanos especificamente, cedendo, por
exemplo, professores universitários para lecionarem na escola.
Em 23 de dezembro de 1960, pela Lei n.°2.803, o governo do Estado do Rio
Grande do Norte equipara as diplomadas pela Escola Doméstica de Natal, quando no
exercício do Magistério Estadual, às diplomadas pela Escola Normal de Natal e Mossoró com
os mesmos direitos e vantagens. Naquele momento, essa equiparação viria não só validar o
currículo da Escola Doméstica de Natal, como também ampliar o quadro de docentes no
Estado. Somente a partir de 1962, segundo portaria publicada no Diário Oficial da União, o
Ministro da Educação reconheceu e validou os cursos da escola, permitindo às educandas
diplomadas o ingresso no ensino superior.
Naquele momento, a partir da década de 60, um grande quadro panorâmico de
mudanças na legislação de ensino do Rio Grande do Norte afetou a organização interna da
Escola Doméstica. Esse fato nos fez perceber que a escola estava diante de uma nova
organização escolar e caso desejássemos estudá-la a partir dos anos subseqüentes, teríamos
que extrapolar determinada época, objeto da pesquisa, o que fugiria aos nossos objetivos de
estudo neste trabalho. Para a delimitação da pesquisa, passamos a estudar a escola inserida
numa configuração diferenciada do seu modelo escolar até meados da década de 40 do século
XX.
Quanto à conjuntura social, econômica e cultural da cidade do Natal (espaço
físico onde a escola se situava), com a chegada dos americanos à cidade, ocorreram diversas
mudanças no ritmo de vida, nos costumes, nos hábitos da população, mudanças essas que
afloraram no contexto dos anos 40, com a forte influência da cultura americana, como já
denotaram alguns estudos realizados sobre esse efervescente período da história de Natal. Não
podemos deixar de reconhecer que a conjuntura afetou, direta ou indiretamente, a cultura
escolar das instituições de ensino e por assim dizer “[...] a cultura escolar não pode ser
estudada sem o exame das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período
de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas (cultura religiosa,
cultura política ou cultura popular).” (JULIA, 2001, p. 9).
Na década de 40 do século XX, especificamente no ano de 1946, a Escola
Doméstica recebeu a doação de um terreno pelo governo do Estado para a construção e
instalação de sua nova sede em outro bairro da cidade, não mais a Ribeira, mas o bairro
denominado Tirol - bairros próximos. Nos anos subseqüentes à década de 40, a Escola
vivenciará mudanças significativas na sua legislação educacional, que incidirão no currículo e
42

na condução dos saberes a serem transmitidos. A nova legislação impulsionará alterações


adaptadas às novas exigências legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
fazendo com que a escola se equipare com os Cursos da Escola Normal de Natal, ofertando
um diploma às alunas, contendo os pré-requisitos básicos para que estas pudessem ingressar
no ensino superior ou mesmo lecionar nas instituições de ensino.
Com base nesse entendimento de sistematização das idéias e da organização da
tese, realizamos a seguinte estruturação: na primeira parte do trabalho, nos detivemos em uma
análise histórica das origens da Escola Doméstica de Natal, trazendo para o contexto de
discussões o idealizador da instituição, Henrique Castriciano. Procuramos destacar nesta parte
as idéias/ideais desse intelectual no seu tempo, sobre sociedade, instrução e educação
feminina. Entender seu pensamento significou revelar os motivos que suscitaram a fundação
do modelo de Escola Doméstica de Natal. Ainda na primeira parte, traçamos o histórico de
outra entidade criada por Castriciano e outros intelectuais, a Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte. Foi necessário evidenciá-la neste momento inicial do trabalho para que o leitor
compreenda o fato histórico que levou à fundação da Escola, ou seja, a criação da Liga de
Ensino que se deu antes da fundação da Escola Doméstica de Natal; foi a partir da Liga que
surgiu a semente germinadora da instituição criada três anos depois.
No segundo momento do trabalho, adentramos no estudo das idéias teóricas
que elencamos como inspiradoras da escola, quais sejam, o modelo europeu de educação
feminina, calcado nas idéias da Escola Nova e o Positivismo de August Comte.
A terceira parte focalizou os sujeitos que atuaram mais diretamente nas
práticas escolares da Escola Doméstica de Natal - os discentes e docentes - onde se tentou
evidenciar quais eram esses sujeitos, de onde vinham e a que grupos econômicos pertenciam,
a formação educacional recebida, etc. Esses aspectos foram relevantes para compreendermos
as ações por eles articuladas no interior da Escola.
Na quarta parte analisamos as práticas escolares no cotidiano da Escola, com
ênfase para as práticas do currículo, sua estruturação, o referencial teórico que embasou essas
práticas, etc. Analisarmos também as normas da escola e a aplicação dessas segundo o
Regimento Escolar interno do estabelecimento de ensino foi fundamental para entendermos as
diversas formas de agir, de movimentar-se das professoras, diretoras e alunas a partir de uma
cultura escolar construída e nessa análise sobre o movimentar do corpo dentro da Escola,
optamos por trabalhar o conceito de disciplina escolar aferido por Michel de Foucault (1997).
A compreensão sobre o significado da disciplina nos fez pensar sobre as
diversas formas de organização do tempo na escola, sua estruturação física e distribuição
43

espacial, formas das discentes e docentes se vestirem e se comportarem. Ainda na quarta parte
da tese, optamos por fazer essa análise, o que possibilitou perceber, de forma mais visível, a
cultura escolar como elemento materializado na cultura do corpo e dos seus movimentos.
Nesse sentido, alguns documentos de época da ED foram instrumentos importantes para o
estudo, a exemplo do Regimento Geral e Interno da Escola pois nele encontramos alguns
ditames sobre as normas disciplinares a serem postas em prática por alunas, diretoras,
professoras. Esse documento da época nos deu uma visibilidade da hierarquia dessas normas,
no sentido de identificar o sujeito que obedecia e o sujeito que ordenava.
A parte destinada às considerações finais foi o momento relevante da tese para
tecer algumas reflexões sobre o papel desempenhado pela Escola Doméstica na história da
Educação norte-rio-grandense, assim como a retomada de pontos importantes abordados no
decorrer do trabalho.
Traçamos e percorremos, portanto, caminhos com a finalidade de compreender
a Escola Doméstica de Natal (modelos, práticas, pedagogia) e os acontecimentos que
marcaram a sua história. Para ilustrar essa idéia, as palavras de Veyne (1995, p. 74) sintetizam
a nossa postura, ao afirmar que “Não são os acontecimentos na sua própria individualidade
que interessa ao historiador, importa compreendê-los para neles encontrar espécies de
generalidades e especificidades.”
Como a instituição se articulou com as generalidades e especificidades sócio-
históricas do seu tempo, essa articulação se constituiu também, uma das preocupações do
nosso estudo como uma forma de evidenciar que, as idéias pedagógicas que circularam e
foram apropriadas no contexto brasileiro no início do século XX aconteceram de forma
diferenciada e não linear, muito embora tendo ocorrido em tempos idênticos, mas em espaços
distintos.
Assim quando falamos da divulgação dos princípios da Pedagogia Nova no
Brasil, não nos prendemos a algumas amarras historiográficas existentes que muito tem
engessado a História e a história do pensamento pedagógico, afirmando que esses princípios
pedagógicos se deram uniformemente na região Sudeste e que o Nordeste, por sua vez, seria a
região a receber a influência dessa primeira, por se destacar nas suas inovações pedagógicas e
na produção de idéias. Muito mais do que pensar em imposições e sobreposições de idéias,
buscou-se compreender como se deu a sua circulação. O sentido utilizado por Ginsburg
(1987) ao que denomina de ‘circularidade de idéias’ foi importante para essa apreensão. O
autor remete a essa terminologia para entender que existindo uma variedade de cultura entre
locais e grupos sociais distintos, há várias formas de haver influências recíprocas entre essas
44

culturas, no sentido de que uma cultura influencia a outra, bem como os elementos
encontrados em uma realidade e que podem surgir em outra. Entendemos que alguns ideários
da Escola Nova tiveram como pólos centrais dessa discussão os Estados Unidos e a Europa.
No Brasil, essa circulação de idéias ocorreu de formas diversificadas; as apropriações desses
ideários aguçaram a curiosidade de vários intelectuais que passaram a estabelecer diálogos
com grupos mais próximos e a assumir reformas através de criação de entidades e
associações, como é o caso da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte que conseguiu agregar
diversas personalidades locais numa mesma associação em prol de uma nova estruturação da
educação norte-rio-grandense em 1911.
Essa questão instigante apontada por Ginsburg, a da ‘circularidade de idéias’,
levou-nos a pensar até que ponto uma realidade cultural influencia outros espaços, ou melhor,
em que aspecto nós podemos afirmar que as idéias pedagógicas que circularam no sudeste do
Brasil e na Europa nos primeiros anos do século XX imperaram como modelo nas demais
localidades do país.
Compreendemos que no Brasil do início do século XX houve uma
circularidade de idéias onde cada realidade local absorveu e produziu seus ideários de
educação e sociedade, ao mesmo tempo em que essas particularidades mantiveram influência
outras localidades. Nesse sentido, podemos dizer que as reformas educacionais que ocorreram
no âmbito local contribuíram para que outras regiões se apropriassem de novas práticas,
modificassem ou não sua realidade, numa relação de complementaridade, reciprocidade e não
de polaridade. Como exemplo, tivemos nas primeiras décadas do século XX algumas
reformas educacionais em nível local que simbolizaram prenúncios de reformas nacionais a
exemplo das Reformas empreendidas por Sampário Dória (SP, 1920), Lourenço Filho
(1922/23, Ce), José Augusto (RN, 1925/28), dentre outras.
Ao tentar evidenciar no nosso estudo que esse fato foi uma realidade nacional,
não estamos primando para exaltar esta ou aquela história local e regional; ao contrário,
estamos tentando buscar uma produção histórica baseada nas complexidades, nas
singularidades e também nas diversidades decorrentes das práticas culturais, além de evitar
cair nos abismos e vácuos provocados pela premissa Positivista que não se atinha às grandes
problematizações da história, pois se fechava numa masmorra de vidro e distanciava-se dos
acontecimentos, amarrando-se cada vez mais a uma história objetiva, árida e avessa a
interpretações diversas.
Portanto, além da compreensão das singularidades que é importante para
entendermos a história e a cultura locais, atentamos para o fato de que a história é dinâmica,
45

sempre em construção, sendo assim. passível de ser vista por diferentes ângulos. Neste
sentido, os pesquisadores que vierem traçar uma investigação sobre a Escola Doméstica de
Natal, possivelmente descobrirão novas problemáticas e farão novas abordagens. A partir dos
vestígios documentais terão visões diferentes das que o presente estudo focalizou e encontrou
como resultados da pesquisa. Isto significa muito mais do que a versatilidade do olhar, mas a
própria dinâmica da história e do conhecimento que está sempre em movimento no tempo.
46

CAPÍTULO 1

Escola Doméstica de Natal: um projeto


modernizador
47

1.1. O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do Rio Grande do Norte e o seu idealizador,
Henrique Castriciano de Souza.

O objetivo central deste capítulo é analisar sobre as origens da Escola


Doméstica de Natal, situando-o no tempo. A apreensão dessa visão histórica requereu uma
leitura minuciosa sobre a entidade criadora da Escola, a Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte (LERN) e Henrique Castriciano de Souza, idealizador da instituição e organizador da
entidade. Falar, portanto, da LERN e de Henrique Castriciano nesse primeiro momento do
trabalho, faz-se necessário porque é através desse intelectual, de suas idéias e ideais, que a
Escola Doméstica de Natal será gestada e irá emergir no cenário educacional do RN.
Henrique Castriciano, natural do município de Macaíba/RN (1871-1947), filho
de tradicional elite agrária, foi renomado intelectual, poeta, escritor e político. Destacou-se
como grande colunista em jornais da época e personagem atuante na política potiguar,
exercendo os cargos de Secretário Administrativo (1900-1910), Procurador Geral do Estado
(1908-1914), Vice-governador do Estado do Rio Grande do Norte (1915-1923). Foi, no
entanto, na cadeira de Secretário Administrativo do governo Alberto Maranhão (1908-1913)
que Castriciano conseguiu maior apoio político e econômico para a realização dos seus
projetos no campo da educação.
48

FOTO 1 – Henrique Castriciano de Souza, 1915.


Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal.

Para melhor compreendermos os ideais de Henrique Castriciano sobre


sociedade, instrução e educação feminina foi preciso seguir suas pegadas, sua trajetória e
fontes de inspiração que resultaram na fundação em Natal/RN da Escola Doméstica de Natal,
marco mais importante de sua vida.
Nos documentos pesquisados, encontramos inicialmente vestígios de uma
viagem realizada em 1909 por Henrique Castriciano à Europa. Duas informações emergem
desses documentos, em relação aos prováveis motivos dessa viagem: a primeira, diz respeito a
um tratamento de saúde que teria ido fazer na Europa; a segunda informa que o Governador
do Estado do RN, na época, Alberto Maranhão, o teria enviado para estudar o modelo de
ensino das escolas Suíças e trazer, quando do seu retorno, sugestões que contribuíssem para a
organização pedagógica das nossas escolas.
Ambas as informações apresentaram inicialmente significados coerentes para o
nosso estudo. Entrecruzamos esses dados com o depoimento do atual diretor da Liga de
49

Ensino do Rio Grande do Norte, o Sr. Manuel de Brito, que, em entrevista concedida,
confirmou que a viagem fora custeada pelo governador do Estado, pela amizade à pessoa do
intelectual e educador Henrique Castriciano, concedendo-lhe a oportunidade para realizar o
tratamento de pneumonia que vinha lhe comprometendo a saúde há algum tempo, desde que
aproveitasse a ocasião para conhecer a estrutura organizativa e o funcionamento do ensino
Europeu. (BRITO, 2004).
No Rio Grande do Norte era comum a existência dessas viagens financiadas
pelo Governo local, a exemplo da viagem feita pelo político, educador e jurista potiguar
Nestor dos Santos Lima a São Paulo em 1909, com a finalidade de conhecer os métodos
pedagógicos empregados pelas instituições de ensino e, ao retornar, trazer algumas
contribuições para o aperfeiçoamento da pedagogia aplicada nas escolas da cidade.
A existência do Decreto de n° 234 de 1909, publicado pelo Estado do Rio
Grande do Norte, também contribuiu para reforçar esse ideário, uma vez que anunciava uma
premiação ao professor que se destacasse na cátedra e essa recompensa, na maioria das vezes,
era dada em forma de viagens. Posterior ao Decreto de n° 234, outros surgiram, enfatizando o
anterior, ou seja, concedendo recompensas ao docente que apresentasse compromisso e
seriedade no cargo ocupado. Através do Decreto n° 239, de 15 de dez. de 1910, que tratava da
Organização do Ensino Público no Rio Grande do Norte (Título II, que versava sobre a
Instrução Primária e o Capítulo VI que versava sobre Registro Profissional), em seu art. 43,
especificava:

Art. 43 - Ao que se distinguir pela sua competência e dedicação a juízo do


Conselho da Instrucção, além das preferências legais em concurso de títulos,
poderá o Governo conceder as seguintes recompensas;
Viagem fora do Estado para observar e relatar os progressos do ensino;
a) Premio Pestalozzi, consistente em medalha de ouro como effigie do
celebre reformador;
b) Premio Froebel, consistindo em medalha de prata com a effigie do notável
pedagogo.
(RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p.125).

Em 1911, outro Decreto publicado foi o de n.°261, de 28 dez. de 1911, que


firmou normas para a organização do ensino público no Rio Grande do Norte. Em seu Título
II, retomou a prerrogativa apresentada no decreto anterior. A Lei n°. 359, de 22 de dez. de
1913, que também ditou normas sobre a estruturação do ensino público no Estado, no seu
Título II, relativo à instrução primária, na parte destinada ao Registro Profissional,
50

estabeleceu:

Art. 41. Ao professor que se distinguir pela sua competência e dedicação, a


juízo do Conselho de Instrução, além das preferências legaes em concurso de
títulos, poderá o governo conceder as seguintes recompensas: a) viagem fora
do Estado para observar e relatar os progressos de ensino. (RIO GRANDE
DO NORTE, 1913, p.96).

Como percebemos, o contexto legal do período favorecia a participação de


professores em viagens fora do Estado para conhecer outras realidades sobre os modelos
pedagógicos empregados em outras instituições de ensino. Apesar de conhecedor da realidade
local, foi em viagem realizada a Suíça que Castriciano de Souza apreciou melhor os hábitos e
cultura daquele povo. Ele deixou expressa suas descobertas através de um relato de viagem
escrito, onde evidenciou perplexidade diante da atuação e dinamismo das mulheres suíças em
diversas atividades profissionais. Também lhe chamou a atenção os modos de se vestir e
comportar simples, mas elegante das senhoras e senhoritas francesas, que se diferenciava das
mulheres brasileiras e dos nossos costumes.

Testemunha da ordem, da simplicidade, da alegria nada ruidosa dessa


republica inimitável, o que no momento me chamava a atenção e me
despertava a irrequieta curiosidade não era a calma actividade do povo em
geral, mas a robustez e tranqüilidade segurança das mulheres, todas
evidentemente preocupadas com alguma tarefa seria. Mais tarde,
consultando ligeiro trabalho econômico, encontrei a explicação de tudo em
poucos algarismos. A felicidade tão lembrada sempre, do povo Suisso está
na educação das mulheres. (SOUZA, 1911, p. 9-10).

Lembrou também, no seu relato de viagem, que na Suíça não havia sexo
frágil1, pois nas escolas femininas trabalhavam-se os aspectos: educacional, mental, físico,
cultural e moral contribuindo para formação de uma mulher mais ativa e atuante na sociedade.
A instituição escolar, portanto, seria a responsável para atingir essa finalidade e do governo
provinha a iniciativa para esse projeto educativo, lamentando não existir no Brasil igual
preocupação educativa.

1 Expressão usada para definir a submissão da mulher ao sexo oposto, bem como a fragilidade feminina diante
algumas ações consideradas próprias ao universo masculino.
51

Certamente, Henrique Castriciano esquecera de retratar que na época, no Brasil


e particularmente no Estado do Rio Grande do Norte, precisávamos muito mais de
investimentos precisos em projetos de revitalização das escolas públicas, uma vez que a
população, em sua maioria, carecia de escolas que funcionassem com melhores condições,
pois aqui predominava o imperativo de instituições particulares, principalmente sob a égide da
Igreja Católica, em que poucos indivíduos apresentavam condições financeiras de freqüentá-
la. Como exemplo das instituições particulares no RN tínhamos o Colégio Imaculada
Conceição, primeiro educandário feminino na capital, em 19022; o Colégio Diocesano Santo
Antônio (1903), Sagrado Coração de Maria (1912), Colégio Nossa Senhora das Vitórias
(1922), Colégio Santa Terezinha (1925).
Paralelo às instituições privadas, funcionava ainda na cidade do Natal a única
escola secundária do Estado, o Atheneu norte-rio-grandense, a Escola de Educandos e
Artífices (Escola do Comércio), com a finalidade de preparação de jovens para o mercado de
trabalho, onde era oferecida a formação profissional diversificada: carpinteiros, sapateiro,
alfaiate, etc. A Escola Doméstica não se espelhava nessa realidade: nem era uma escola
considerada profissionalizante, nem tampouco uma instituição mista; sua especialidade era a
formação feminina.
Apesar da proliferação de escolas particulares nesse contexto do início do
século XX, há de considerarmos que as instituições fundadas na época por iniciativa de
particulares contribuíram, de certa forma, para a ampliação do universo escolar da cidade do
Natal e do Estado do Rio Grande do Norte no período. Na realidade, vivíamos no Estado e no
Brasil um processo de descaso com o ensino público, fato evidenciado nos estudos de Araújo
(1979) com o denominado ‘ cria e extingue ’, expressão usada para afirmar o descaso das
autoridades públicas do RN em relação às reformas de instrução pública da época,
caracterizadas como frágeis e volúveis às decisões do governo.
Ainda em relação a esse período, Cascudo (1965) nos chama a atenção para o
fato de ser comum o uso de residências dos professores como forma de suprir a falta de
escolas na cidade, iniciativa essa, que partia dos próprios docentes diante da carência em que
se encontrava o sistema educacional do Estado, mas, era uma prática adotada como alternativa
para suprir as necessidades encontradas diante do quadro educacional real do Estado e do
país.
Nas suas leituras escritas e de mundo, Henrique Castriciano, assim como

2 A única escola existente na cidade de Natal que atendia em sistema de internato para mulheres.
52

outros intelectuais brasileiros, envolveu-se pelas idéias de alguns teóricos e escritores


franceses, como Vitor Hugo, Balzac, Renan e Michelet. Castriciano foi influenciado, em suas
leituras pela idéias do Evolucionismo de Herbert Spencer, pelas obras de Jean-Jacques
Rousseau, de Michel de Montaigne e outros, ou seja, autores que representavam, para aquele
contexto, a modernidade que envolvia os estudos na área das ciências humanas. Por ser
adepto de Saint Simon, Henrique Castriciano acreditava na hierarquização da sociedade e em
Augusto Comte buscava a explicação para a desordem social, tida como elemento negativo,
demoníaco, propulsor da desorganização social e anti-progressista. Ainda no posivismo de
Comte tentava compreender e exaltar o comportamento feminino. Numa visão mais
pragmatista, as leituras de John Dewey e numa linha mais ativista o teórico Jean Jacques
Rousseau. (CASCUDO, 1965). Em Dewey e Comte, nós iremos encontrar as maiores marcas
na escola que criou em 1914 e no modelo pedagógico adotado.
As idéias pedagógicas e a visão de mundo que perpassavam no cenário
americano e europeu circulavam fortemente no debate dos intelectuais brasileiros nas
primeiras décadas do período republicano. Essa realidade materializava-se em projetos,
debates políticos, legislações e produções arquitetônicas das cidades evidenciando com isso o
discurso apropriador desses ideários.
O movimento Escolanovista ocorrido no Brasil nas primeiras décadas do
século XX tinha a idéia de transformar a velha pedagogia baseada em métodos intuitivos em
uma nova ciência da educação.

A idéia era precisamente transmitir aos educadores brasileiros as novas


descobertas em pedagogia, que deveriam ser solidamente apoiadas nos
conhecimentos da psicologia e da sociologia – as novas ciências que vinham
revolucionar o tratamento tradicionalmente dado aos fenômenos humanos
pelo pensamento filosófico, especulativo. Era preciso basear as decisões
sobre métodos e processos educativos em conhecimentos científicos,
positivos, estabelecidos mediante procedimentos empiricamente verificáveis.
(CAMPOS; ASSIS apud LOURENÇO FILHO, 2002, p. 19).

Essa tendência em revisar os meios de educar substituindo normas intuitivas


por outras de maior validade técnica na organização escolar tinha como base a idéia de que os
métodos de ensino intuitivos eram desprovidos de maior senso crítico, onde o indivíduo agia
impelido pela emoção, pelo desejo, dominado por elementos mais de ordem afetiva que
objetiva, sendo necessário o uso da técnica, de práticas conscientes refletidas com base na
53

ciência moderna.
Cascudo (1965) afirmava que na biblioteca particular de Henrique Castriciano
existiam livros que em Natal não encontraríamos em livraria alguma, principalmente os
escritos dos autores franceses. Ainda no testemunho de Cascudo, Castriciano sentia prazer em
comentar as obras selecionadas de sua biblioteca particular, bem como em disponibilizá-las
aos amigos, comentando e mantendo atualizado o leitor na cidade, através do relato de suas
viagens, dos estudos feitos, dos projetos desejados para as mudanças na cidade.
Podemos levantar a hipótese que a visão de Castriciano sobre educação escolar
e sobre a técnica como elementos possibilitadores da modernização do Estado advinha de sua
leitura de mundo materializada nos autores a que teve acesso, não se limitando às leituras que
circulavam no Brasil (muito embora saibamos que, em sua grande maioria, as leituras que
transitavam no Brasil advinham de outros países), mas ampliando sua visão através do contato
com outras pessoas e das vivenciadas em diversas viagens realizadas ao exterior,
principalmente para tratamento de saúde. O fato de ter uma visão ampla dos conhecimentos,
ser um leitor informado dos acontecimentos internacionais, nos leva a pensar se Castriciano,
apropriou-se das idéias da Pedagogia Nova a partir de suas leituras e viagens antes mesmo em
que estas chegassem ao Brasil de forma mais acentuada nas décadas de 20 e 30 do século XX.
O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por grandes
transformações econômicas e sociais na Europa Ocidental com o desenvolvimento do
capitalismo. Essas mudanças refletiam-se controle da natalidade, no desenvolvimento da
indústria, na massificação crescente da escolarização e difusão de idéias pedagógicas.
(HOBSBAWM, 2001). Aquele continente era considerado por muitos intelectuais, a exemplo
de Henrique Castriciano, como o lugar berço da civilização de onde advinha o modelo de
nação e educação ideal para alcançar a tão almejada modernidade social, econômica e cultural
no Brasil.
O ideário de que o progresso do conhecimento seria a causa do crescimento
inspirava progressistas e nacionalistas, de concepções políticas distintas, a buscaram reformas
e projetos voltados principalmente para o setor educacional.
Ao retornar da viagem à Europa, Castriciano imbuído desse ideário, resolveu
conjuntamente com outros intelectuais norte-rio-grandenses fundar inicialmente uma
associação denominada Liga de Ensino do Rio Grande do Norte. Convenceu amigos e, entre
estes o Governador Alberto Maranhão, a aderir ao seu projeto educativo. Através da Liga de
Ensino do Rio Grande do Norte é que criou a Escola Doméstica de Natal. Portanto, falar da
Liga de Ensino significa inseri-la nos ideais dos seus fundadores, os mesmos da Escola
54

Doméstica de Natal (ED); significa também considerá-la como concretização de um projeto


social e pedagógico dos intelectuais que a criaram (Henrique Castriciano de Souza, Francisco
de S. Meira e Sá, José Augusto Bezerra de Medeiros, Romualdo Galvão, Felipe Guerra,
Ferreira Chaves, Manoel Dantas, João Juvenal Pedrosa Tinôco3, dentre outros) como uma
medida prática para o grupo de reformadores objetivar os seus propósitos, ganhar força
política junto à autoridade política local e inserir-se nos projetos republicanos. Podemos
afirmar também que esse grupo de intelectuais participou com muita relevância do
Movimento Renovador da Educação não só no RN, mas também no Brasil.
Para que possamos compreender as bases instauradoras da Escola Doméstica,
convém mergulharmos um pouco mais nas origens da Liga; somente por essa trilha
poderemos nos aproximar do nosso objeto de estudo e do seu entendimento. Fundada em 23
de julho de 1911, a Liga surgiu da necessidade de intelectuais e políticos norte-rio-
grandenses, como já citado anteriormente, criarem uma entidade que congregasse os seus
ideais e reunisse esforços em função da concretização dos seus propósitos sociais e
republicanos. Neste sentido, propunham, através de um Estatuto próprio, nos artigos I e II,
suas finalidades:

Art. I - É fundada em Natal, capital do Rio Grande do Norte, uma associação


denominada ‘Liga do Ensino’, visando, em geral, auxiliar os poderes
públicos em tudo quanto disser respeito á instrução e educação do povo, e,
em particular, fundar escolas para a instrução e educação da mulher.
Art. II - Para atingir o fim a que se propõe, a Liga fundará escolas maternais,
primarias, secundarias e profissionais, estabelecerá bibliotecas e
cooperativas em todo o território do Estado e promoverá a criação de Ligas
Regionais, promovendo igualmente festas cívicas, conferencias, congressos,
excursões escolares, exposições e publicações de livros e revistas. (LIGA
DE ENSINO DO RN, 1911a, p. 1).

Manifestavam a necessidade de renovar o ensino potiguar que consideravam


arcaico, ultrapassado em seus métodos de ensino, quando no Brasil eram fundadas, em várias
cidades, Ligas e/ou entidades congregadoras de idéias, na sua maioria, de cunho nacionalista,
cívica e embrionariamente partidária. Provavelmente, tinham funções específicas, mas com

3
Francisco de S. Meira e Sá (secretário e ajudantes de ordens do governo, foi governador do Estado em duas
gestões administrativas, assumiu a segunda presidência da LERN), Felipe Guerra (desembargador do Estado e
presidente da LERN no ano 1935), Ferreira Chaves (Desembargador e ex. governador do Estado), Romualdo
Galvão (coronel do exército , presidente do congresso e inspetor do tesouro), Manoel Dantas (diretor geral da
instrução do RN e redator-chefe do jornal oficial).
55

ideais voltados para o desenvolvimento da nação, a exemplo da Liga de defesa nacional


fundada em setembro de 1916 e a Liga Nacionalista, em 1917, em São Paulo, tendo por
finalidade a erradicação do analfabetismo e defesa da soberania nacional. Essas entidades
congregavam ideais que tentavam reforçar a necessidade do sentimento patriótico, a crença e
a esperança no desenvolvimento e no progresso da nação, lançando sementes construir um
país de organização nacionalista. (NAGLE, 2001).
Segundo Nagle (2001, p. 80):

O nacionalismo, no período, não foi fenômeno adstrito a determinados


grupos ou associações. De um modo geral, não se tratava apenas de uma
atitude contra valores, instituições e grupos estrangeiros, mas de uma
tentativa de afirmação das peculiaridades e interesses derivados de um
conhecimento mais amplo da própria realidade nacional.

O que nos chamou a atenção é que a Liga de Ensino do RN antecedeu à


formação das diversas Ligas no Brasil; ela apresentou peculiaridade em relação às demais
existentes no Brasil; era na sua singularidade o que poderíamos conceituar de um projeto
republicano ambicioso, audaz e inovador para o campo educacional, porque previa reformas
no ensino a partir das bases, do maternal ao ensino secundário. Observamos através dos
estudos que a concentração de esforços por parte da Liga ficou circunscrita ao ensino
secundário na instância privada a exemplo da única escola que conseguiu fundar, a Escola
Doméstica de Natal.
A fundação da Liga de Ensino do RN - LERN ocorreu em um contexto
nacional modelado pela propaganda e retórica do Civismo, um movimento educacional,
representado por associações congregadoras de homens de elite, esclarecidos e bem
intencionados, devotados à causa social e principalmente educacional. Nessa conjuntura de
efervescência voltada para a defesa da nacionalidade, discursos são incorporados às Ligas e
proferindo a ausência no país de uma educação mais científica, moderna e democrática,
tomando-se como espelho os países mais avançados econômica e socialmente, sem perder de
vista os parâmetros da tradição e costume local.
As idéias debatidas pelos intelectuais da Liga de Ensino do RN antecedem
algumas importantes associações do Brasil, como a Associação Brasileira de Educação -
ABE, criada em outubro de 1924 que enfatizou também um novo tipo de fator determinante à
constituição do povo brasileiro: a Educação. Essa associação configurou-se no cenário
56

brasileiro como elemento necessário não somente à mobilidade e ascensão social para as
classes populares, mas como garantia de regeneração do povo brasileiro nos seus costumes,
no âmbito de um projeto de sociedade que correlacionava mudança social a transformações no
campo educacional, privilegiando a educação como instrumento de conformação dos
indivíduos a uma sociedade almejada.
Sabendo que, ao final da escravatura em 1889, na sociedade brasileira,
circulava, por pequenos grupos de intelectuais, o discurso da necessidade de homens e
mulheres serem mais ativos, participantes e atuantes nos acontecimentos sociais e,
particularmente nesse contexto, emergia um novo estereótipo de mulher doméstica, moderna,
para gerenciar o espaço doméstico, preparar os filhos para a sociedade e o trabalho. O
pensamento educacional de alguns educadores no Brasil, no início do século XX, era articular
as propostas surgidas para a educação com as transformações de ordem econômica e social
ocorridas no período, absorvendo o surto nacionalista então presente nas discussões. Grande
parte da intelectualidade, naquele momento, propunha formas renovadas de educação ou
modelos que eliminassem o analfabetismo reinante, buscando formas de atuação e conteúdos
modernos para a escola que deveria ser mais ativa e tornar o sujeito mais participante desse
processo de mudanças.
Nos primeiros anos do século XX, parte da intelectualidade brasileira propôs
reformas para a construção de uma nação moderna, onde as pretensões de ser “moderno”
passam a ser um tema nacional, o que ocasionou a revisão dos métodos pedagógicos e das
finalidades sociais da educação. Nessa perspectiva de transposição para a modernidade
capitalista, a força motriz também ira encontrar-se na concepção de cultura pragmática,
moderna. Afinal, como bem lembra Monarcha (1989, p. 19):

[...] o tema da Escola Nova, procurou mobilizar política e ideologicamente a


sociedade em torno de uma mesma questão; a superação do atraso nacional e
o ingresso no moderno. À pedagogia cabia gerar uma nova forma de
sociabilidade, compatível com os ideais da racionalidade e produtividade.

Num contexto marcado pela presença do universo agrário, rural e oligárquico,


intelectuais brasileiros de tendências humanistas e modernas, que se destacavam através de
proposições de reformas por mudanças na educação, passam a compor a vanguarda
pedagógica comprometida com valores universais de nação, ciência, razão e progresso.
57

As reformas do início do século XX tentavam dar respostas também às


transformações ocasionadas com o desenvolvimento do Capitalismo, cujas conseqüências
provocaram o crescimento das fábricas e crescimento esse que também exigia modificações
em outros setores, adequando-os ao contexto econômico, solicitando, com isso, mudanças no
campo educacional, como nos apresenta Carvalho:

[...] incorporando novos métodos, técnicas e modelos educacionais, tomando


a fábrica como paradigma da escola e da sociedade. Tratava-se, neste caso,
de programar, em moldes mais adequados às exigências de uma sociedade
nova, de forma industrial, mecanismos de controle social. (CARVALHO,
1998a, p. 27).

A autora ainda evidencia que, nesse período, a ciência, a técnica e o progresso


acomodavam-se a uma nova forma de organização calcada na racionalidade dos métodos
produtivos e práticos trazidos pelo gradativo desenvolvimento da fábrica, impondo e
materializando no meio social forma de convivências harmoniosas. Na construção dos
espaços físicos e na arquitetura das cidades, os preceitos de higiene (associados à eugenia) e
saúde buscavam redefinir a fisionomia da cidade através de propostas de disciplinarização e
racionalização que incitavam também, nas instituições escolares da época, mudanças na
pedagogia adotada.
Sob o prisma de medidas utilizadas para a constituição de um meio social que
favorecesse o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos indivíduos, para a formação de
corpos saudáveis e mentes disciplinadas, a educação assentava-se nesses moldes.

Saúde, moral e trabalho, eram os três pilares principais em que assentava a


convicção a respeito da importância da educação. Isso significou a ênfase na
‘qualidade’ da educação ministrada em detrimento de projetos de difusão de
um tipo de escola que se limitasse apenas a instruir. (CARVALHO, 1998a,
p. 148).

Desta forma, a instituição escolar deveria ser moldada pelos pilares do


desenvolvimento, passando a valorizar os atributos morais e higienizadores como
instrumentos de formação de novos hábitos e erradicação de vícios que viessem a prejudicar a
ordem estabelecida.
58

A escola tradicional sofreu várias críticas pelos intelectuais que compunham a


Liga de Ensino do RN, principalmente no que dizia respeito à pedagogia e aos métodos de
ensino preconizados como repetitivos e não conciliadores com as atividades práticas do dia-a-
dia do sujeito. Essas críticas não eram exclusivas desses intelectuais, mas de outros
intelectuais brasileiros que integravam o Movimento Renovador da Educação.
Para esses intelectuais da LERN imbuídos do ideário renovador da educação
escolar que aflorava nas primeiras décadas do século XX, seria necessária a formação de um
sujeito, particularmente um sujeito feminino, para ser o signatário da sociedade advinda do
sistema capitalista e da forma republicana de governo que se organizava. O objetivo era a
formação de uma mulher que através do aprendizado doméstico e de outros saberes baseados
na ciência, pudesse dar contribuições para a solidificação dos laços familiares, no sentido de
formação educacional de sua prole e consolidação da instituição familiar. Através da
orientação educacional aos filhos, estaria a mulher contribuindo para a construção de uma
nação forte e viril, em que o Brasil estava se transformando; para que isso se concretizasse, o
sexo feminino precisaria apropriar-se de princípios pedagógicos que se afastassem da
transmissão autoritária e repetitiva de conhecimentos e ensinamentos, aproximando-se assim,
dos processos menos rígidos e mais criativos de aprendizagens, não se isolando dos
conhecimentos da vida comum.
Na visão de Rocha (2000, p. 56):

A escola foi representada pelos intelectuais que vivenciaram as


transformações pelas quais passou a sociedade brasileira, entre o final do
século XIX e as décadas iniciais do século XX, como um importante meio
de difusão de um modo de vida considerado civilizado. Influenciados pelos
ideais iluministas em relação ao poder redentor da educação e movidos por
inabalável crença no dogma da ciência, coube a esses intelectuais, entretanto,
configurar a escola com base em novos padrões, que a distinguissem dos
precários e insalubres casebres em que o mestre-escola ensinava as primeiras
letras, dos modos de ensinar característicos do que, na sua concepção,
consubstanciava a ‘velha pedagogia ignorante’ e, por outro lado, das
miseráveis condições em que se aglomerava a grande parte da população.

Para a autora, era desejo de muitos intelectuais que vivenciaram esse período,
constituir a escola como signo de civilização e progresso, dotando a instituição escolar de
vários princípios pedagógicos capazes de formar um novo cidadão para uma nova República.
Nessa conjuntura de mudanças sociais, econômicas e culturais é que a LERN
59

se insere, apropriando-se e criando novos ideais de sociedade espelhados na figura da mulher


republicana, nacionalista, civilizada, moldada numa nova consciência de ordem e progresso
da nação, em consonância com as idéias positivistas, como as de Lindolfo Xavier (apud
CARVALHO, 1998a, p. 339-340) que representando, na época, a Associação Brasileira de
Educação, afirmava:

Desejo colocar a mulher em seu pedestal de educadora familiar. Aí é que ela


é grande. Aí é que ela estará no seu altar. Desde que ela saia deste terreno,
falha a sua missão. Se a mulher abandonasse o lar para participar das
atividades políticas estaria pondo em risco a república. Seria concebível sua
participação política - como rainha, evidentemente, numa monarquia. Sendo
a República, contudo, ‘o regime do progresso conciliado com a ordem para
evitar e corrigir os excessos retrógrados ou revolucionários’, e sendo o
progresso fruto da Ordem e devendo a Ordem repousar sobre a Família -
‘sede do amor’, não era admissível afastar a mulher do Lar - A família, dizia
Xavier, ‘prepara para a Pátria; esta generaliza-se na Humanidade.

Na segunda década do século XX, alguns debates realizados pelo grupo da


ABE fomentaram discussões cujas opiniões eram divergentes, onde alguns se pronunciavam
favoráveis ao ensino feminino, tomando-se como referência o lar, a moral e os preceitos
intelectuais; outros consideravam esse aspecto uma regressão aos métodos voltados para a
educação da mulher. A exemplo de Lindolfo Xavier, os intelectuais da LERN imbuídos desse
ideário de mulher e sociedade propunham ao Estado e à sociedade mudanças na organização
curricular, particularmente no que dizia respeito ao ensino feminino na cidade do Natal, que
serviriam de modelo para outras instituições escolares.
Neste sentido, a LERN criou uma instituição escolar que consolidou uma
cultura escolar além do seu tempo. Um tempo em que:

Intervir na escola é, pois, intervir no próprio processo de construção da


nação. Ao se regenerar a alma e o coração da escola, estar-se-ia regenerando
a alma e o coração dos indivíduos e por extensão a própria alma e o coração
da nação. Verifica-se assim, a positivação da organização escolar levada aos
extremos, concorrendo para afirmar uma crença no caráter messiânico e
redentor da escola (GONDRA, 1997, p. 92).

Para efetivar os seus propósitos iniciais, a LERN tinha em sua estrutura um


60

cargo de diretor, sendo o seu primeiro diretor o Sr. Francisco de Meira e Sá. A Liga era
confiada a um conselho administrativo composto de nove membros, eleitos anualmente por
uma assembléia geral que era responsável por designar o presidente e o vice. O conselho
administrativo (em reunião) ficaria na incumbência de selecionar um secretário, um tesoureiro
e um bibliotecário, dentre os membros existentes na Liga. De um modo geral, por ser uma
entidade aberta ao público, a Liga abria espaço para sócios regionais, em nível local (pessoas
idôneas da cidade do Natal) ou para outros municípios que mediante contribuição mensal,
passariam a associar-se à entidade.
Conforme seu Estatuto, os participantes sócios eram incentivados à promoção
e “[...] a criação de escolas particulares, quer primárias, quer profissionais, organizando festas
civicas, excursões escolares e conferencias populares”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1911b,
p. 111). Na categoria dos sócios previstos para atuar como co-partícipes das atividades da
Liga, há de se distinguir as classificações existentes: os sócios remidos, beneméritos, os
correspondentes, os escolares e os regionais. Os sócios de quaisquer categorias teriam
preferência para a ocupação de empregos e matrícula de filhos (as) nos estabelecimentos de
ensino pertencentes à Liga. Organizamos uma tabela a seguir que demonstra como deveria ser
a participação desses sujeitos no processo de organização e plano de ação da Liga de Ensino
do RN.

QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO
DO RIO GRANDE DO NORTE
. Contribuía mensalmente, tinha direito exclusivo de tomar
parte da Assembléia Geral e de ser eleito para os cargos da
Liga;
. Assistia às sessões do Conselho Administrativo sem direito ao
SÓCIO EFETIVO voto;
. Tinha direito de propor ao Conselho por escrito qualquer
pessoa idônea para fazer parte da Liga;
. Caso esse sócio fixasse residência fora do Estado, podia, a seu
requerimento, passar para a classe de sócio correspondente.
. Pagava uma contribuição de uma só vez, ficando isento de
SÓCIO REMIDO
qualquer taxa futura.
. Era todo aquele pertencente ou não à Liga, tendo feito
SÓCIO BENEMÉRITO doações em bens ou em dinheiro, nunca inferiores a um valor
estipulado pela Liga.
61

Continua...
QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO
DO RIO GRANDE DO NORTE
. Residiam em outro Estado e pelos serviços prestados ao
SÓCIO ensino a Liga os distinguia com esse título. Esse tipo de sócio
CORRESPONDENTE era isento de qualquer contribuição, não podendo, entretanto,
tomar parte nas resoluções da Liga.
. Podia ser qualquer estudante de ambos os sexos, residentes
em Natal ou nos municípios onde iam sendo fundadas Ligas
regionais. O estudante era indicado pelo seu aproveitamento
e mediante proposta dos professores ou diretores do
SÓCIO ESCOLAR
estabelecimento onde estudavam. Esse sócio era isento de
contribuição e não tinha direito de voto na Assembléia Geral,
porém, auxiliaria a Liga no seu trabalho de propaganda,
podendo fazer parte de qualquer comissão.
. Eram assim denominados os que faziam parte das Ligas
fundadas nos municípios, os quais poderiam freqüentar as
SÓCIO REGIONAL
sessões, conferências e estabelecimentos da Liga, sem direito
de voto.

FONTE: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. Estatutos. Natal, Typografia do


Instituto, 1911b, p. 115 -118. (Adaptação da autora).

Através dos valores financeiros arrecadados dos sócios e com o apoio logístico
do governo, principalmente o estadual, a Liga de Ensino pôde caminhar com o seu projeto
educativo de longo alcance social. Os documentos que pesquisamos assinalavam a existência
das diversas categorias de sócios, como evidencia a tabela anterior, no entanto ao cruzarmos
esses dados com o depoimento de alguns sujeitos entrevistados, obtivemos a informação que
ter sócio-representante da Liga em diversas localidades do RN, expandindo assim o seu raio
de ação, foi mera idealização, não chegando a efetivar-se na prática como gostariam os
intelectuais que compunham a entidade.
Na realidade, segundo nos afirmou (através de informação verbal) o atual
presidente da LERN, o Sr. Manuel de Brito, desde as suas origens até à atualidade, a LERN
teve como quadro de sócio apenas os sócios efetivos, beneméritos, sócios-fundadores e sócios
honorários. Essas modalidades tiveram existência efetiva e funcionaram como estimuladores
da atuação da Liga no RN, tendo em vista serem os sócios, em sua maioria, ex-governadores,
deputados, bispos, alguns professores de renome, enfim, pessoas influentes na sociedade e
que poderiam através de amizades e laços políticos conseguirem apoio ao Projeto da Liga de
Ensino.
62

Para tornar consistente o seu projeto educacional, a Liga propôs como


estratégia de ação a criação de escolas domésticas baseadas num modelo Suíço de educação
para mulheres. Propunham, portanto, os intelectuais que a compunham, como estratégia de
superação do atraso educacional do Estado do RN, a formação da mulher baseada numa
preparação intelectual, moral e familiar. Os ideais dos intelectuais que compunham a Liga de
Ensino configuravam-se na formação de uma nova mulher educada, civilizada, com uma
sólida formação familiar e doméstica. Para tanto, educar a mulher significava assegurar uma
harmonia primeiramente familiar e social, posto que um dos seus lemas baseava-se na idéia
que “[...] é da mulher que depende a família e esta, é a nação em miniatura.” (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1911b, p. 1).
Evidenciamos nesses conclames da Liga de Ensino a forte marca da filosofia
Positivista, pois ‘educação’ e ‘família’ eram palavras de ordem e progresso para os
intelectuais que representavam a LERN. Educação da mulher era exemplo de estabilidade
social, a própria ordem tão necessária à condição do progresso, à prosperidade social, também
anunciada por intelectuais positivistas do final do século XIX. Comte, precursor do
Positivismo, defendia no seu tempo a ordem como elemento coadjuvante do progresso de uma
nação e, ao exaltar o papel da mulher na sociedade fazia colocando-a na posição de mãe e
esposa, cujos modelos influenciariam a regeneração social da humanidade. Na atribuição
desses papéis, defendia Comte (1983, p. 80) que poderia a mulher exercer uma eficaz ação
educativa na sociedade, como assinala a afirmação abaixo:

É pela educação doméstica que aprendemos a ordenar os nossos sentimentos,


os nossos instintos egoistas. É pela família que se faz a ligação entre a
existência pessoal e social. Enfim, o verdadeiro caráter da educação moral
depende da submissão do indivíduo à sociedade.

Para esse sociólogo, era pela afeição familiar que o homem superaria a sua
personalidade primitiva, tornando-se social. No que tange aos sexos masculino e feminino,
este último deveria permanecer submisso ao primeiro, o que significaria seguir a própria lei da
natureza, o destino normal de não concorrer com o homem nas posições social e econômica,
sob o pretexto de igualdade e liberdade, mas sim, concentrar-se na vida doméstica. Assim, no
seu tempo, expressava-se sobre a mulher e o progresso:
63

O verdadeiro progresso da humanidade consiste, ao contrário, excluir cada


vez mais as mulheres de qualquer autoridade e de qualquer trabalho, e em
concentrá-las na vida doméstica. É por essa razão, que sustentadas pelo
homem, elas não devem possuir vida econômica própria (COMTE, 1983, p.
92).

O pensamento desse autor se volta para o sexo feminino como elemento


influente para a moral social e para manter o equilíbrio e a harmonia da sociedade. Através da
moral social, seria possível alcançar uma regeneração da humanidade, abolindo a desordem
existente. Esse intelectual, ao destacar a mulher nos papéis de mãe e esposa, argumentava que
ocupando essas funções, o sexo feminino exerceria eficaz e valiosa ação educativa,
contribuindo para a regeneração social.
Exaltava ainda o papel educativo que a mulher poderia desempenhar na
sociedade do século XIX, apropriando-se de um modelo exemplar de mãe e educadora que,
dessa forma, contribuiria para a para transmissão dos seus conhecimentos a sua prole,
conduzindo à harmonia familiar. Através da família, o indivíduo superaria sua personalidade
primitiva, tornando-se um Ser social. A educação moral, portanto, seria garantida inicialmente
no espaço doméstico, na família, através da mulher.
No Brasil, o período republicano teve em seu ápice um ideal de mulher
republicana sob a inspiração Positivista (doutrina que pretendeu criar uma religião laica, que
elegia a Ciência como o centro de sua análise e que também fundou o culto à mulher,
proclamando a supremacia do amor). Nesse contexto, o trunfo da doutrina Comtiana parecia
ser inevitável numa sociedade marcada fortemente pelo patriarcado, pela figura ideal de
mulher perfeita, imaculada, santa, sofredora, assim representada simbolicamente. Essas
representações surgem e deixam fortes influências na mulher quando das suas posições
ocupadas na sociedade. Acreditamos também, pelas evidências apresentadas nos documentos
sobre a Liga de Ensino, que o grupo que a formava estava impregnado dessas idéias e,
portanto suas estratégias de ação eram direcionadas para tais finalidades.
Em relação à educação da mulher, percebemos nos depoimentos dos
integrantes da LERN, através dos documentos da época, o receio da existência de um ensino
feminino que colocasse a mulher em condições de igualdade com o homem no pensar e no
fazer; esse receio se justificativa porque poderia transformar-se numa afronta masculina em
praça pública, pois em vez de ensinar a mulher a dominar o sexo masculino com carinho e
atenção doméstica, contribuiria para ameaçar e, consequentemente, destruir laços familiares e
também a harmonia social. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a).
64

Procuravam então expressar os perigos que esta provável igualdade traria para
a sociedade, não apenas do ponto de vista moral, mas principalmente social, pois a tentativa
de conciliação das atividades domésticas com atividades exercidas fora do espaço privado,
bem como o esforço intelectual por parte da mulher em atividades muito intelectuais
ocasionaria prejuízo mental a si e às pessoas ao seu redor. Assim afirmava o fundador da
Escola Doméstica de Natal sobre esse assunto:

[...] possuindo menos força de reserva para concorrer ao despendio


considerável que o trabalho cerebral, levado além de certos limites exige e
sendo enorme a quantidade de energia que despende com as crises e os
trabalhos da maternidade, a mulher não pode entregar se a grandes esforços
entellectuaes sob pena de atrophiar-se, atrophiando os seres a que
physiologicamente está presa. (SOUZA, 1911, p. 28)

O lar, o espaço doméstico, a família apresentava-se para esses intelectuais com


uma feição tradicional de santuário, de templo, de pedra angular e assim, como toda
instituição, desapareceria caso lhes fossem tirados os atributos principais: a mulher, a dona de
casa, vigilante para mantê-lo sempre em funcionamento. O jornal A República manifestava
por isso em aclames:

Caminhar para frente - é a divisa dos povos que amam a liberdade. O que se
faz é preciso, pois, marchar para adiante, melhorando o presente, para
assegurar um futuro melhor e mais digno. Isso obtém-se educando o nosso
povo, e fazendo assentar essa educação em base segura, qual a educação da
mulher, pois que ella é o suporte da família, como a família é o suporte,
sustentáculo da nação. (A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914, p. 1).

A educação da mulher apresentava-se como preocupação máxima desses


intelectuais de vanguarda, à procura de mobilização política e ideológica da sociedade em
torno dessa discussão, pois esta seria uma forma de superação do atraso cultural e ingresso no
mundo moderno e civilizado.
É possível compreendermos melhor as representações entendidas na acepção
de Chartier (1990) enquanto geradoras de práticas culturais. No caso das representações
construídas pela LERN em torno do papel a ser desempenhado pela mulher, inserimos o
65

nosso olhar para o contexto social dos séculos XIX e XX, pois o contexto é que nos remete a
um quadro de interpretações que varia segundo situações sociais e percepções de mundo.
Tendo em vista que os fenômenos sociais e culturais (materializados em ações, objetos,
expressões, em relações e em contextos sociais estruturados) podem ser compreendidos a
partir do estudo da sua contextualização e de seus significados, o pesquisador inglês
Thompson (1995, p. 165) considera que:

[...] o estudo dos fenômenos culturais pode ser pensado como o estudo do
mundo sócio-histórico constituído como um campo de significados. Pode ser
pensado como o estudo das maneiras como expressões significativas de
vários tipos são produzidas, construídas e recebidas por indivíduos situados
em um conjunto sócio-histórico.

Isto significa penetrar em universos diversos, compreendendo os atores sociais


que nele circulam ou circularam; significa descobrir contextos dentro de outros contextos
maiores, que é a sociedade, mantendo a austeridade, o poder de olhar para trás, o passado,
colocando-se no lugar do outro onde o fato aconteceu. Neste sentido, a leitura do período
compreendido entre esses séculos nos faz compreender o papel atribuído à mulher na
sociedade burguesa: o de ser mãe, esposa, mas também trabalhadora, a que manteria a casa
organizada, bem administrada; tarefa que não necessitava demonstrar inteligência e
conhecimento, ao que afirma Hobsbawm (2001, p. 331-332):

[...] Era requisitada para exercer também uma dominação; não tanto sobre as
crianças, cujo senhor era ainda o ‘pater familiar’, mas sobre os criados, cuja
presença distinguia os burgueses dos que lhes eram socialmente inferiores.
Definia-se uma ‘lady’ pelo fato de ser alguém que não trabalhava, mas que
ordenava a outras pessoas que o fizessem, sua superioridade estando
estabelecida por essa relação.

Tais hábitos fizeram parte das práticas cotidianas de algumas mulheres que
vivenciaram essa época, construindo-se assim representações diversas nas formas de pensar e
agir para a mulher na sociedade. “Preparadas para governar o seu pequeno meio, na casa, e
para servir também à Nação, o grande império dêsses pequeninos reinos, está sem dúvida, na
formação exemplar da família”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 23). Era esse um dos
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discursos proferidos pela LERN em relação ao papel da mulher na sociedade, onde sua
contribuição social dar-se-ia inicialmente pela via familiar.
Lembramos que a questão do submisso papel social destinado à mulher não é
específico do século XX, pois vem historicamente definido no decorrer dos períodos
históricos, desde a colônia. Esse papel estava explícito nos hábitos que afloraram no Brasil
quando à mulher era delegado importante papel familiar de mãe e esposa, cabendo ao seu
cônjugue a função de provedor familiar. Neste sentido, ao homem cabia uma identidade
pública, à mulher uma identidade doméstica.
Não temos a intenção de conferir um caráter imutável e histórico ao papel da
mulher, assentando este em explicações biológicas, de submissão e obediência, tornando
permanente a idéia das relações de dominação entre os sexos, como uma dimensão imutável e
natural no decorrer da nossa história, mas sim de tornar evidente que, no contexto histórico-
social situado - Brasil/nordeste- as relações estabelecidas de acordo com os valores culturais
entre homem/mulher adquirem significados quando inseridas numa submissão social e
histórica, de construção de significados, numa configuração de relações sociais pautadas em
origens escravocrata e patriarcalista.
A compreensão do século XIX (século anterior à data de fundação da Liga de
Ensino e da Escola Doméstica de Natal) é importante para o entendimento dos costumes,
valores e crenças em torno do universo feminino, ao estabelecermos relações com o século
XX e o que ele herdou e para tecermos relações temporais entre ambos, percebemos que o
século XIX foi uma época em que homens e mulheres impulsionaram e deram forma ao
século XX. O século XIX foi a chamada ‘Era dos Impérios’, tomando emprestado a expressão
do historiador Hobsbawn (2001), ao analisar as transformações políticas, econômicas, sociais
e culturais do século XIX e ao considerar que foi uma das épocas mais significativas na
formação do pensamento moderno. O passado também apresenta significações próprias,
estabelece formas diferenciadas e elos com o presente. “Afinal, a História não é como uma
linha de ônibus em que todos – passageiros motorista e cobrador - são substituídos quando
chega ao ponto final.” (HOBSBAWM, 2001, p. 19).
As continuidades e descontinuidades existem na História e não há como negá-
las, por isso a necessidade de conhecermos e nos reportarmos ao século XIX, período que
antecede o surgimento da Escola Doméstica de Natal, para estabelecermos relações temporais
de mudanças, permanências e rupturas.
O período anterior à instauração da República no Brasil amplia o campo de
ação das mulheres na sociedade (isso acontece principalmente em países desenvolvidos como
67

Inglaterra, França e Estados Unidos) e isso decorre dos movimentos feministas espalhados
pelo mundo. A procura por atividades não domésticas foi incentivada por movimentos
operários e socialistas da época, o que contribuiu para um maior grau de emancipação, ainda
que lento, e para buscar a concretização de ideais de escolha, de liberdade. As ocupações no
setor terciário aumentam e em países como a Inglaterra e Estados Unidos, as mulheres,
(diante do surgimento de recursos tecnológicos, como o ferro a vapor, máquina de lavar,
aspirador de pó que surgem nos anos 40 do século XX) conseguem racionalizar o trabalho e,
com isso, conciliar atividades domésticas com a profissão fora do lar. Outras abdicam do
casamento para optar por uma carreira dita masculina. Os movimentos feministas começam a
expandir-se pelo mundo e a participação das mulheres nas ocupações sociais, apesar de pouco
significativa comparada ao sexo masculino, já demonstrava sinais positivos.
No Brasil, como nos lembra Albuquerque Junior (2003, p. 93):

[...] a República, em suas primeiras décadas, é também marcada pela


emergência da participação política da mulher, não apenas aquela
participação tradicional das mulheres, que se resumia aos bastidores das
tramas políticas encetadas por seus maridos e parentes masculinos, quando
não de seus amantes, mas uma participação pública, em que a própria mulher
e sua situação social passa a ser a causa em nome da qual se luta.

Hobsbawm (2001) apresenta alguns dados da França e da Inglaterra relevantes


para compreendermos algumas dessas mudanças, como por exemplo, o número crescente de
mulheres que se matriculavam em escolas secundárias no período e a notável expansão de
instituições educativas direcionadas para a educação feminina, o que representava mudanças
de posições e aspirações das mulheres.
Particularmente, no âmbito nacional, os anos 20 do século XX assistiram a um
processo de mudança decorrente da crise na economia agro-exportadora centrada na cultura
do café, crise que atinge o poder oligárquico então dominante no Rio Grande do Norte, Estado
de economia pouco diversificada centrada no cultivo do algodão e do sal, onde predominava
inicialmente em seu cenário um equilíbrio entre as várias facções e famílias oligárquicas, a
exemplo das famílias Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Augusto Tavares de Lyra.
(LINDOSO, 1989). Esses grupos de poder estiveram, em sua maioria, à frente, direta ou
indiretamente, da política local, conseguindo através de acordos amigáveis a execução de seus
projetos. Reconhecermos que, por ser o fundador da Liga de Ensino do RN, Henrique
68

Castriciano pertencente a um grupo oligárquico do RN teve facilidade para concretizar o seu


projeto de criação da escola para mulheres em Natal. Essa idéia foi reforçada pelo poder local
e pela cultura de uma modernidade científica que dava os seus primeiros sinais de forma
intensa na vida urbana que se configurava nos períodos de 1910 e 1920. Segundo Araújo
(1995a, p. 27):

[...] a Natal dos anos 20 era um misto de província atrasada e ‘deslumbrada’


e/ou assustada diante das novidades que se apresentavam na realidade. O
choque do passado com o presente, e do universo civilizado com um
universo quase primitivo, era relativizado, pois os seus elementos, de alguma
forma, se acomodavam.

Diante essa realidade social, as aspirações dos intelectuais da LERN pareciam


provocar expectativas na cidade de um novo modelo escolar, onde o novo configurava-se no
desejado, no permitido, contrastando com as escolas então existentes, caminhando para
compor o quadro da modernidade e civilidade da cidade do Natal. Esses intelectuais e
reformadores mantinham o discurso sobre a educação escolar como necessidade e
possibilidade de mudança, tomando-se, para isso, iniciativas de pensar e propor caminhos
para a escolarização. Assim recaía sobre a escola a responsabilidade de ser o espaço onde,
provavelmente, concretizar-se-iam os projetos de reforma social.
Naquele momento, a vinculação escola/mudança, escola/reforma educacional e
reforma social era evidente para os integrantes da Liga de Ensino. Quando nos referimos às
mudanças que poderiam ser viabilizadas através da instituição escolar, enfatizamos que,
naquele momento histórico, a educação escolar era percebida enquanto instrumento de
mudança que iria proporcionar avanços significativos na sociedade.
Compreendemos que transformações no setor educacional de um país
provocam mudanças nos costumes, na cultura, na economia, nos comportamentos e atitudes
da população. No entanto, a forma como os intelectuais da Liga de Ensino do RN (como
também de outros Estado) idealizavam a educação no sentido de pensar que ela seria a via de
investimento imediato, a fórmula mágica para resolver os problemas sociais e econômicos de
Estado e, num contexto mais amplo, da nação, era um exacerbado poder atribuído à educação
escolar.
Carneiro Leão, um dos adeptos do escolanovismo no Brasil, com atuação em
Pernambuco, também aferia importância à educação como elemento relevante para as
69

mudanças no país e defendia uma educação menos livresca e que preparasse o povo para a
vida, ao dizer:

No Brasil, tanto o ensino secundário como o superior têm tido apenas um


fim: fornecer um diploma de doutor. O secundário é mesmo chamado de
preparatório, que dizer, a ponte de passagem ás escolas superiores –
formadoras impenitentes de encyclopedistas rethoricos, livrescos e não raro
falhos na vida. O esforço do reformador tem de ser , pois, fazel-os voltarem
para a realidade, isto é, promoverem a preparação systematica do povo para
o triumpho na luta pela vida. (CARNEIRO LEÃO, 1923, p. 38).

Além desse argumento favorável a uma educação preparatória para a vida, o


reformador atribuía importância ao fato de termos uma vinculação entre os cursos primário e
profissional, do secundário ao superior, estabelecendo-se assim uma relação próxima entre os
níveis de ensino e uma educação que fosse condizente com as realidades sociais e econômicas
da nação, contribuindo para a formação de uma identidade nacional de ensino. Na sua visão
“só com esse critério poderemos transformar a nossa instrucçao secundaria, de uma cultura
livresca, empírica e avelhentada, numa preparação mental consentânea com as necessidades
da nossa civilisação.” (CARNEIRO LEÃO, 1923, p. 39).
A educação feminina passou a ser percebida, nesse contexto, como forte
investimento e fator de rápidas alterações nos hábitos e costumes dos indivíduos, provocando
assim acelerado desenvolvimento social, novas formas de convivência e sociabilidade,
gerando, com isso, o motor que faltava para compor o quadro do desenvolvimento da
modernidade e civilidade científicas.
Educação era instrumento de mudança. A educação familiar dada através da
escola deveria ser tratada não como problema individual, mas, nacional, de ordem pública e
privada. Caberia à escola um papel de relevância, tomando a educação escolar como elemento
construtivo e encaminhador do processo de desenvolvimento em curso na sociedade. Os
discursos proferidos no Brasil no início do século XX eram impregnados de representações da
educação como um problema nacional. Analisando esse período, percebemos a existência de
algumas associações que se manifestavam favoravelmente a esse caráter atribuído à educação,
a exemplo da ABE que trouxe, nas suas proposições, a educação como a alavanca para
impulsionar a prosperidade da nação e para a constituição do povo brasileiro.
70

Como máquina persuasiva, o discurso cívico da ABE opera


maniqueisticamente, produzindo imagens de realidade brasileira que
opositivamente se interqualificam. O presente é reiteradamente condenado e
lastimado, sendo caracterizado de modo a fundamentar temores de
catástrofes iminentes, que atingiriam o país se a campanha educacional não
obtivesse os resultados desejados. O futuro é insistentemente aludido como
dependente de uma política educacional.: futuro de glórias ou de pesadelos,
na dependência da ação condutora de uma elite que direciona, pela
educação, a transformação do país. Na oposição construída por imagens de
um país presente lastimado e condenado e de um país desejado, país de
prosperidade, é que se constitui a importância da educação como espécie de
chave mágica que viabilizaria a passagem do pesadelo para o sonho.Romper
com a sociedade presente, transformá-la em passado, superá-la são
operações que se constroem no discurso. As referências à obra educacional
determinam-na como reiterada operação de apagamento do presente e
promessa de um futuro grandioso. (CARVALHO apud LORENZO;
COSTA, 1997, p. 120-121).

As palavras da autora citada nos revelam o quanto era delegado à educação o


papel relevante no desenvolvimento do país e o papel exercido pela Associação Brasileira de
Educação ao defender a consolidação de um sistema educacional mais unificado, que
produzisse efeitos morais e cívicos e vitalizasse o povo, livrando-o das mazelas advindas da
ignorância, sendo, portanto, a ausência da educação um mal que provocaria a degeneração da
nação. O descontentamento com República recém-chegada fez com que as pessoas
depositassem as suas esperanças em outras perspectivas de vida e de progresso e a educação
consubstanciaria numa das promessas de um futuro melhor.
Quanto à educação feminina, historicamente, com a divisão de papéis sexuais
na sociedade, para a mulher foi delegada a atuação especificamente no âmbito familiar,
reservando-se ao homem o espaço público na política, na vida social. As mulheres ficaram,
em sua grande maioria, relegadas ao espaço privado, familiar, doméstico, o que também não
deixava de representar um papel importante diante da dimensão central dos valores
domésticos na sociedade do início do século XX, na medida em que ela controlava e
administrava a esfera doméstica, os gastos do mês, exercendo poder decisivo sobre os valores
e a educação familiar. Com o advento de uma maior liberação da educação familiar para a
esfera institucional, a escola adquire a responsabilidade de assumir maior compromisso na
formação educacional do indivíduo.

A escola recebe a incubência de ensinar os filhos a respeitar as obrigações do


tempo e do espaço, as regras que permitem viver em comum e encontrar a
71

relação justa e adequada com os demais. E essa socialização não diz respeito
apenas aos anos da adolescência: toda a escolarização concorre para ela.
(PROSTE, 1992, p. 82).

Os discursos da época defendiam primeiro a educação da mulher, sendo essa


educação passada de geração a geração, através da educação dos filhos. Eis a idéia presente
nos discursos, por exemplo, de Henrique Castriciano de Souza, citando e concordando com
uma frase de um historiador e político francês, Tocqueville: “[...] quando se educa um
homem, educa-se um individuo; quando, porém, da-se a educação de uma família:
dificilmente uma mulher que sabe ler deixa os filhos na ignorância, como fariam muitos
homens nas mesmas condições.” (SOUZA, 1911, p. 13).
E mais adiante, após citar Tocqueville, faz a seguinte colocação:

E se assim é a mulher brasileira, se é intelligente, honesta e trabalhadora,


porque não educal a convenientemente, afim de que em breve se possa dizer
della o que Tocqueville disse das americanas do norte? Nação que começa,
temos graves defeitos de caracter, a vontade inconsequente dos povos sem
disciplina; e tais defeitos não podem ser eliminados por meio de reformas
constitucionaes, do ensino secundario e superior ou por meio de mudanças
de regimen eleitoral. Temos de começar do principio, isto é, pela familia, de
onde sae para a escola e para a vida, o homem de amanhã, Á mulher cabe a
tarefa principal nessa nova educação, mas como poderá ella concorrer
efficazmente para o fim desejado sem a necessaria cultura?
É pensando nisso, encarando em seu conjuncto a vida social do Brasil,
estudando o individuo e a collectividade de, que se reunem os fundadores da
Liga, que dispostos a empregar a energia que forem capases para que se
inicie no Estado uma campanha que forçosamente, cedo ou tarde, ha de
conquistar a sympathia nacional. (SOUZA, 1911, p. 20-21).

Apregoando o poder da educação como forte elemento para o desenvolvimento


da nação, assim como a ABE apontava, Henrique Castriciano advertia para essa preocupação
com um diferencial que se voltava para a educação feminina. O fim desejado para a mulher ao
qual se referia nas suas palavras, dizia respeito à função que a mulher poderia desempenhar na
sociedade estando de posse de uma formação moral e educacional bem consolidada.
Estimulando o instinto materno, educando moral e intelectualmente as mulheres, no sentido
de evidenciar através dessa educação os seus direitos e deveres e o seu potencial de atuação
na sociedade através da família, estaríamos, segundo Souza (1911, p. 21) “[...] concorrendo
assim para a civilisação gradual do paiz.”
72

Essa era uma visão positivista do que viria a ser a educação e a formação
intelectual da mulher, aonde a ordem das coisas bem ajustadas conduziria a uma ordem do
social, a harmonia e organização dos sujeitos nos papéis a serem desempenhados na
sociedade. Educação, nesse contexto, não era sinônimo de mudança de mentalidade, de
consciência crítica, mas de reprodução, na expressão de Bourdieu (1996) ‘a inculcação de
habitus a serem apropriados’.
Importante também é nos reportarmos à conjuntura do século XX no Brasil
(onde se insere o nosso objeto de estudo) - uma sociedade ainda dominada pelas oligarquias
rurais, pelo patriarcado avassalador com um ensino de cunho fortemente religioso. Esse
contexto nos oferece informações para compreendermos os espaços ocupados pela Escola
Doméstica, sua simbologia para a sociedade potiguar, os métodos de ensino propostos, o
ideário de Educação Nova, considerando também e concordando com as idéias apontadas por
Monarcha (2001, p. 191) quando diz que:

[...] as condições da sociedade brasileira, dominada pelas oligarquias rurais,


não exigiam uma educação universal, mas, voltada para as elites - objetivos
de formar os quadros burocráticos e formar profissionais liberais e tendo
grande parte da população excluída da educação.

No caso específico da Escola Doméstica de Natal, o atendimento do alunado


voltava-se para uma pequena parcela da população que tinha condições de custear uma escola
privada, ou seja, uma pequena elite da região. Mediante as ações e reações das mulheres e dos
movimentos feministas que cresciam na sociedade, com o advento da Republica, alguns
republicanos positivistas e conservadores percebiam esses movimentos como ameaçadores às
concretização de um projeto modernizador, onde a representação de mulher republicana ideal,
pura, imaculada, surgia e era enfatizada. Eis uma notícia instigante, divulgada nos jornais de
época por um anônimo, que decerto, despertou atenção de algumas feministas e exaltou os
espíritos dos intelectuais que formavam a Liga de Ensino do RN:

As mulheres sofrem muito mais que os homens e adoecem muito mais


facilmente do que elles. O organismo da mulher é muito mais delicado,
muito mais vibril e mais sensível do que os dos homens. Algumas mulheres
são tão sensíveis, os seus nervos são tão delicados, que basta às vezes a
leitura de um Romance comovente, um aborrecimento ou uma notícia
73

inesperada, para que certos choros aconteçam. (COMO AS mulheres


sofrem, 1935, p. 4).

Aparecem no texto acima argumentos de que a mulher era sexo frágil, sensível,
induzindo a pensar que o sexo feminino necessita, pela sua natureza, pela sua composição
física, de uma proteção masculina, de um domínio másculo. Também na leitura seguinte,
percebemos o reconhecimento do homem tomado enquanto figura patriarcal do chefe de
família e da mulher como figura submissa economicamente, daí a necessidade de prepará-la
para enfrentar as dificuldades econômicas e saber lidar com as adversidades da vida social. É
o que destaca com mais evidência as falas dos intelectuais da LERN no relatório abaixo:

São conhecidas as aptidões intellectuaes e moraes da mulher brazileira.


sempre inclinada ao trabalho e á virtude. Observando essas qualidades de
ação e o equilíbrio, a que devemos beneficios de toda ordem, notadamente a
conservação do patrimonio moral transmitido de familia a família com o
carinho que faz honra ás nossas patricias, resolvemos fundar a Liga do
Ensino, cujo fim principal é preparal-as para as difficuldades da existencia,
dando-lhes cuidadosa educação theorica e pratica, de modo a serem
efficazmente aproveitadas as referidas aptidões, no caso de lhes faltar o
amparo do chefe de familia. E’commum ver-se no Brazil inteiro o
espectaculo acabrunhado da penuria em que se dissolve a familia cujo
director desappareceu, se tal familia ficou sómente composta de senhoras.
Sem profissão, sem experiencia, sobretudo sem a energia que só apropriada
educação consegue formar, como poderão essas moças, a quem falta o pão
logo que se finda o dono da casa, enfrentar corajosamente as difficuldades
do dia d’amanhã? (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914c, p. 2.)

A educação teórica e a prática garantiriam para a mulher, na visão desses


intelectuais, vivenciar possíveis situações de dificuldades na vida, conseguindo superar
prováveis problemas econômicos e de relações sociais, uma vez que, tendo posse de
conhecimentos aplicáveis à sua realidade de vida poderia ela aperfeiçoar esses saberes e usá-
los em seu benefício na ausência por exemplo do marido, tido como o patriarca da família.
Para os representantes da Liga de Ensino, essas afirmativas e argumentos eram
tomados como justificativa da necessidade de o governo e a população olharem com
preocupação e atenção a educação da mulher. O sexo feminino, para esses intelectuais, era
digno de veneração, até superior ao homem, mas na bondade, no amor, na devoção, em seus
sentimentos, uma visão bastante conservadora e positivista de perceber a mulher e sua posição
74

na sociedade.
Nessa perspectiva, a mulher deveria receber uma educação escolar baseada nos
seus dotes naturais e a instituição escolar deveria funcionar como um segundo lar, a extensão
do espaço privado. Em relação aos saberes teóricos e práticos que a aluna deveria receber
durante o período de formação escolar, esboçaremos essa questão com mais detalhes no
capítulo da tese que trata sobre o Currículo Escolar.
A Liga de Ensino apresentava, entre os seus membros, fortes argumentos de
que a escola deveria ser a extensão da casa e da família; assim expressavam os seus
representantes perante a imprensa potiguar: “Uma Escola Doméstica é uma casa de família.
Daí nossa orientação no sentido do estabelecimento manter o aspecto material e moral de um
lar completamente feliz.” (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 6). Essa orientação obedecia
certamente aos cuidados e preceitos da época, aos valores em que seu idealizador, Henrique
Castriciano de Souza, pensava ser o ideal de sociedade e de educação feminina, tendo o
primado de zelar pelos valores morais, cívicos, característicos de alguns costumes:

As leis do viver direito, de pensar direito, de julgar direito - devem ser


inculcadas tão cuidadosamente como as leis de physica e chimica. Cremos
que esta é a parte mais importante da educação, principalmente da educação
do lar, e assim, a Escola presta mais atenção a esse facto do que ao proprio
exercício mental, usado sobre tudo como um dos meios de fortificar o
caracter e de alargar os horizontes moraes da vida. É o espirito de ser util no
mais elevado sentido da palavra, à Familia, à patria, e á Humanidade que
deve impulsinar na Escola Brasileira as futuras mães de familias. (SOUZA,
1927, p. 6).

Podemos perceber, nos discursos dos representantes da Liga de Ensino, uma


atenção mais centrada na educação e na escola, mas convém destacar que a formação escolar
dispensada à mulher, de acordo com os ideais da LERN, no nosso entendimento, não se
limitava ao aspecto profissionalizante, muito embora saibamos que o surgimento da indústria
em determinado período, modificou as relações de trabalho, emergindo assim, novas
preocupações com o fazer, com a eficiência, o uso da técnica, com um novo sujeito para
instaurar a nova sociedade industrial e moderna, o que levava ao surgimento de uma nova
mulher, com nos como nos lembra Albuquerque Junior (2003, p. 128):
75

A própria educação feminina deveria se tornar mais prática, voltada para as


atividades que eram destinadas a seu sexo, ou seja, era preciso educar as
moças para serem boas donas de casa, saberem bem administrar a economia
doméstica, terem preparo para exercer a tarefa fundamental para a sociedade
que seria a preparação dos futuros cidadãos, trabalhadores e dirigentes do
país. Na atmosfera artificial e mundana trazida pelas cidades, já não dava
para esperar apenas da educação dada no interior da família a necessária
preparação da mulher para ‘dotar a pátria de filhos robustos e fortes.

De acordo com essas preocupações da época, a Liga de Ensino exaltou o papel


da instituição escolar como espaço onde deveria ocorrer essa formação e somente a escola
poderia dar a continuidade à missão de formar mulheres que deveriam saber muito mais do
que rezar e ler romances. Para atender aos fins visados pelo ideário de educação feminina
voltados para os ensinamentos cívicos, morais e práticos ao seu dia-a-dia, a mulher deveria se
tornar coadjuvante na missão de soerguer a República, preparando os filhos, futuros
administradores da nação, como nos lembra Albuquerque Júnior (2003, p. 129):

Elas não seriam mais sem ideal, ignorantes e supersticiosas, seriam


progressistas, sem esquecer que cozinhar o jantar do marido é uma de suas
obrigações. Embora modernas e educadas, elas não deveriam se esquecer
dos afazeres do lar, podendo serem as mais extremosas mães, as mais
carinhosas irmãs e as esposas mais dedicadas do mundo. A mulher devia ter
uma boa educação para o seu trabalho, que era o doméstico.

A Liga de Ensino manifestou, sobremaneira, preocupação em encaminhar


soluções que pudessem proporcionar à mulher a conciliação das suas novas formas de atuação
na sociedade que despontava, mantendo-a no tradicional papel de dona de casa e mãe de
família, mas, dentro de uma nova ótica, em que a mulher seria formada para assumir esses
papéis, educada para tanto, modernizada com base em novas técnicas e ensinamentos que
conduziriam a um novo fazer, agora em novos moldes civilizados para atuar no espaço
privado.
Todas essas certezas conduziriam a LERN a lançar como dispositivo de
mudança no campo da educação norte-rio-grandense a fórmula adotada: a educação da mulher
bem formada, que ajudaria a harmonizar os impasses sociais que despontavam com a
sociedade industrial, capitalista, como os desajustes nos laços familiares, sendo a educação da
prole, pela mulher, fundamental naquele momento. A fundação de escolas domésticas era
76

necessária para a LERN para amenizar os impasses daquela realidade conjuntural e à mulher
caberia cumprir o papel de fortalecer os saberes cívico, morais, que conduziriam, segundo a
filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e mulher educada.
A instituição escolar, neste contexto, cumpriria o papel de fortalecer os saberes
necessários a uma boa administração do lar e solidificar comportamentos morais, cívicos, que
segundo a filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e de mulher civilizada. A partir
dessas representações construídas sobre mulher e sociedade, a Liga de Ensino estabeleceu
uma série de dispositivos e convicções que seriam capazes, de acordo com a sua filosofia, de
organizar as instituições escolares e de modelar a prática educativa das escolas, a princípio do
RN; pautadas pelas finalidades abaixo:

O fim da Liga de Ensino, convém acentuar desde já, não é pregar a


emancipação da mulher nem encaminhal-a para a solução do que se
convencionou appelidar feminismo, consistente na aquisição de certos
direitos políticos. Bem longe disso. O principal objectivo da Liga pode ser
resumido em quatro palavras - aperfeiçoar a educação domestica. É uma
tarefa urgente, porque o problema não é tão simples como parecera á
primeira vista. Para medir seu valor basta lembrar que se trata do futuro da
familia de todos, da formação do caracter de nossos filhos, do
desenvolvimento racional da saúde, da intelligencia, da vontade do
pequeninos seres de hoje, mas cidadàos dámanhã, responsaveis pelos
destinos da patria. Uma escola domestica, á semelhança dos qua a
previdencia dos povos cultos desde muito vem fundando em larga escola,
nos grandes e pequenos nucleos; em que, ao lado do indispensável ensino
theorico, sejam ministrados seguros conhecimentos praticos que habilitem a
mulher a velar criteriosamente pela educação physica, intellectual e moral
dos filhos, orientando o espirito della de modo a poder viver por si, no caso
de faltar o apoio dos que lhe servem de arrimo; uma escola assim, representa
por certo o início de promissora phase social, porque é da mulher que
depende a felicidade da familia e esta é a nação em miniatura. O principal
objetivo da Liga é este, mas, á medida que a confiança geral for
consolidando seu prestígio, ella tomará a iniciativa de outros
emprehendimentos, visando sempre auxiliar os poderes públicos na tarefa do
remodelamento da educação e da instrução. (SOUZA, 1911, p. 109-110).

Mais uma vez, as palavras proferidas pelo idealizador da Escola Doméstica de


Natal nos convidam a pensar a escola enquanto instituição que a partir das suas finalidades de
formação feminina daria um significativo respaldo social ao formar mulheres capazes de dar
ao seio familiar grandes contribuições em termos educacionais, gerando futuramente homens
e mulheres munidos de uma boa moral, com formação cívica, física e intelectual, seguidores
do novo regime político despontado.
77

Pensar nessa relação escola e sociedade, bem como as contribuições que uma
pode fornecer a outra, é reconhecer os elos sempre visíveis e existentes na história das
instituições escolares, qual seja: essas instituições, historicamente, vêm absorvendo os
discursos que perpassam a sociedade, como também a capacidade de proferir e recriar os seus.
Nesse sentido, essa construção possibilita um contínuo movimento que interliga escola e
movimento social, numa dinâmica dialética de construção e reconstrução de idéias, o que
Saviani (2003) denomina de movimento histórico crítico da pedagogia, capaz de absorver e
reagir perante os fundamentos das transformações que se processam no decorrer da existência
e ação humanas, num contínuo processo de renovação e reestruturação das formas de
sistematizar o conhecimento.
Quando afirmamos que os dispositivos criados pela LERN seriam capazes de
organizar e/ou mudar a organização curricular, isto é, a estrutura pedagógica das instituições
escolares femininas do RN e mesmo, a sua cultura escolar, é porque esses dispositivos
(materializados nas regras, nos preceitos, declarações...) ficaram restritos ao Projeto da Escola
Doméstica de Natal, não chegando a expandir-se para outras instituições de ensino na cidade e
no Estado.
A finalidade de educar a mulher, para esses intelectuais, era posto como um
problema sério que a nação deveria enfrentar, uma missão que se traduziria numa ação mais
prolongada e futura, envolvendo finalidades a longo prazo, tendo em vista que, para eles, ao
educar o sexo feminino, estaríamos comprometendo positivamente a educação das crianças e
consequentemente os destinos da nação. Mediante uma estratégia dessa natureza, de longa
duração, a LERN, para manter-se em funcionamento, necessitaria angariar recursos
financeiros e, para tanto, foi criado um meio de arrecadação de dinheiro. Essa arrecadação
ficou a cargo de um Conselho Administrativo da Liga, que também passou a ser o responsável
direto pela administração, depósito e movimentação das quantias precisas e os excedentes
para as despesas. O fundo social, como ficou denominado, compunha-se da seguinte
contabilidade:

a) das joias e mensalidades de particulares e associações;


b) das subvenções da União, do Estado e dos Municipios;
c) das cotas e contribuições das Ligas regionais.
(LIGA DE ENSINO DO RN, 1911a, p. 124).

Nesses dados dos Estatutos da LERN, encontramos uma informação


78

importante, contida no item b, as subvenções do governo, evidenciando, com isso, que houve
a atenção e colaboração dos órgãos públicos no projeto da Liga de Ensino.
A Liga surgiu num período de intensa ampliação dos serviços públicos na
educação e reformulação dos planos e métodos de ensino, em que se declarava a necessidade
de reformular os métodos pedagógicos existentes destinados à formação da mulher com a
justificativa de que perante as exigências da modernidade que afloravam com o capitalismo,
havia urgência em redefinir os estatutos da pedagogia para a nova sociedade que despontava
no início do século XX. Para os intelectuais da LERN, isto significava entender a sociedade
dentro de um programa de reconstrução social, de formação de um novo ideal de mulher,
supervalorizando os aspectos teóricos, metodológicos, onde “[...] o ideal de homem culto era
suplantado pelo ideal de homem prático: o homem novo.” (MONARCHA, 1989, p. 15).
Nessa efervescência de idéias e ideais, o primeiro presidente da LERN, Meira e Sá (1914, p.
10) afirmou nos seus discursos que “[...] trabalhando pela educação dos filhos, cumprindo o
nobre dever de pugnar pelo desenvolvimento intellectual e moral dos seus, cada cidadão
(principalmente a mulher) irá igualmente concorrendo para a prosperidade da Republica.”
Nesse contexto, a LERN configurou-se, nos cenários local e perante o contexto
mais geral como entidade formada por intelectuais de vanguarda que apresentavam
necessidades de introduzir modelos locais e nacionais, práticos e eficientes no ensino, de
acordo com a concepção filosófica de mundo, de mulher e sociedade que explicitavam ser a
melhor via. Ao enfatizar primordialmente a base familiar como a pirâmide para o sucesso e o
progresso de uma sociedade e uma educação feminina com formação intelectual e física bem
conduzida às luzes da ciência e da pedagogia, a LERN estava lançando um ideário que
considerava, se materializado nas políticas de educação, um coadjuvante no progresso da
comunidade e da nação.
Chamava a atenção também a idéia de ‘remodelação’ do ensino via educação
doméstica, com instrução baseada também num programa educacional que vislumbrasse a
educação da mulher na sua formação física e intelectual. O feminino é constantemente
associado nos discursos da Liga de Ensino à posição horizontal na sociedade e o homem
representaria a verticalidade, uma ordem hierárquica que não deveria ser ameaçada.

Para ser grande esse povo só falta educal-lo convenientemente, disciplinar-


lhe energias nativas, fortalecer-lhe o carater, educar-lhe a vontade, esclarece
lo no cumprimento do Dever e no culto do Direito, que são os dois polos de
toda a vida social a começar da família. (MEIRA E SÁ, 1914, p. 15).
79

Como proposta para o RN, a LERN pretendeu reorganizar o ensino potiguar


com base em programas, currículos, métodos de ensino, tendo como instrumento nessa
empreitada a fundação de diversas escolas domésticas, a exemplo das que existiam na Europa,
particularmente o modelo Suíço de ensino feminino. Nessa missão, como sua coadjuvante na
atuação pelo interior do Estado do RN, a Liga promoveria, pelos meios ao seu alcance, a
criação de Ligas Regionais, o que significou expandir o seu raio de ação no RN, pois uma vez
instaladas e incorporadas à Liga em Natal, as Ligas Regionais deveriam fornecer informações
sobre a produção e população do município em que funcionariam, especialmente sobre a
população escolar. Isto facilitaria, com certeza, à Liga atuar com mais eficiência, confirmar as
necessidades dos municípios da existência de escolas, acompanhar o desenvolvimento
populacional das cidades e o seu crescimento econômico, o que não ocorreu, mas sim de
forma idealizada, como já evidenciado anteriormente.
Os presidentes da LERN mantiveram no decorrer dos anos de administração a
filosofia da associação nos mesmos patamares em que foi criada em 1911. Segundo
informações obtidas nos documentos legais dessa entidade, o projeto de expansão e
modelação das instituições educativas no Estado do RN foi um objetivo a perseguir
historicamente. Henrique Castriciano foi o precursor desse projeto, seguido de outros
intelectuais que, durante a sua gestão, compunham a parte administrativa e mantinham forte
influência política no Estado.

QUADRO 2
CRONOLOGIA DOS PRESIDENTES DA LERN:
PRESIDENTES PERÍODO
Henrique Castriciano de Souza 1911 a 1918
Francisco de S. Meira e Sá 1919 a 1928
Manoel Dantas 1929 a 1938
Felipe Guerra 1939 a 1948
Juvenal Lamartine 1949 a 1958
Varela Santiago 1959 a 1968
Aldo Fernandes 1969 a 1978
Onofre Lopes 1979 a 1988
Osório Dantas 1989 a 1998

FONTE: Adaptação do documento: LIGA DE ENSINO DO RN. Boletim cinqüentenário da Escola


Doméstica de Natal. Natal: URN, 1914-1964a.
80

Quando os intelectuais formadores da LERN uniram-se em defesa da


construção de escolas-modelo de educação feminina, seu ideário estava impregnado dos
valores escola/progresso e escola/modernização. Isto significa que no contexto onde atuavam,
o primado econômico somente teria os seus patamares de desenvolvimento caso caminhasse
lado a lado com a educação.
A Liga apresentou mentalidades que centradas na educação, escola e família
lançariam dispositivos de mudanças que seriam capazes de elevar os patamares culturais do
Estado e da nação. Um dos significados atribuídos à escola era que esta devia ser a extensão
da casa e da família. Uma escola em que:

No estabelecimento as educandas compreendem, por exemplo, a


responsabilidade de manter a casa na mais perfeita ordem, cuidam
especialmente do dormitório, limpam os móveis, concertam as roupas, etc.
Na vida diária da Escola existem sempre cortesia, bondade e respeito mútuo.
Baseiam-se as boas maneiras sobre uma boa moral. (LIGA DE ENSINO DO
RN, 1927a, p. 6).

As boas maneiras, segundo a filosofia da Escola estariam relacionadas às ações


e atitudes civilizadas, regradas pelo uso dos preceitos da higiene do corpo e da mente,
voltados para os modos de vestir e se comportar, para a prática da cortesia, do bom caráter,
referenciais esses que deveriam ser obtidos durante as aulas da Escola e praticados no
decorrer do curso, contribuindo para formar uma personalidade ajustada às necessidades da
vida moderna, havendo, portanto, atenção com a mulher no que se refere ao aprendizado, às
convicções, às atitudes, destacando a importância do autoconhecimento, dos deveres e
responsabilidade consigo e com o outro, do civismo à pátria, da conduta moral e
comportamentos que conduziriam a um tipo de escola diferente das existentes no Estado do
RN. A partir desse ideário apresentavam-se, afirmando:

A nossa Liga é nada mais, nada menos, que uma grande sociedade composta
de todos os elemento progressistas do Estado, tendo por ideal supremo e
unico a creação, nos differentes municipios, dessas Escolas Domesticas que
são o segredo da felicidade daquella Suissa, hoje invejada por todas as
nações do Orbe, devido as suas instituições maravilhosas e, sobretudo á
belezza moral e á capacidade de seus habitantes, em todos ramos da
actividade humana. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 1).
81

A força motriz de mudança de reestruturação educacional apoiou-se na


concepção de cultura pragmática, moderna, o aprender a aprender, aprender fazendo, típicas
da Pedagogia Nova e dos modelos suíços de escolas para mulheres. A educação para um
programa de reconstrução social e regeneração moral seria assim pautada nos valores éticos,
morais e cívicos, que seriam trabalhados pela Escola Doméstica de Natal. A modernização
proveniente também do avanço do desenvolvimento social e econômico surgia como uma
tarefa de intelectuais comprometidos (no caso específico do nosso estudo, de intelectuais
humanistas e modernos que compunham a Liga de Ensino do RN) com a vanguarda
pedagógica, com valores universais de ciência, progresso, nação; num contexto marcado pela
presença do universo agrário, rural e oligárquico composto por grupos de políticos,
fazendeiros e intelectuais que entram em crise perante um universo feminino que parecia
aproximar-se mais da participação na vida social e política. Assim, ocorreram preocupações
por parte dos grupos de intelectuais e representantes das elites em relação ao lugar que a
mulher iria ocupar na sociedade, quando da transição do século XIX para o XX.
Nesse contexto de mudanças e preocupações com a inclusão de novas
demandas sociais é que a educação do sexo feminino apareceu como uma prioridade, questão
de possível quebra das hierarquias de gênero, redefinindo novos discursos sobre as hierarquias
de sexo, entre as ocupações sociais do homem e da mulher, sem solapar a ordem social. As
mudanças trazidas, inclusive para a organização da família, pareciam solapar os lugares
tradicionalmente reservados para homens e mulheres na sociedade. A emergência do
incipiente, mas já presente movimento feminista e as mudanças de comportamento atribuídas
às mulheres por causa da vida urbana e pelo mundo que se modernizava, pareciam ameaçar a
dominação masculina, particularmente para aqueles que teriam sido educados numa ordem
patriarcal tradicional e conservadora.
O contexto educacional em que as idéias da Escola Nova perpassaram no país,
privilegiando o Ser em suas singularidades e diferenças, encontrou adeptos que procuraram
mobilizar política e ideologicamente a sociedade em torno de uma mesma questão: a
superação do atraso nacional e o ingresso numa sociedade moderna. À pedagogia cabia gerar
nesse contexto uma nova forma de racionalidade e produtividade. (MONARCHA, 1989, p.
19).
Passando a educação a ser percebida enquanto instrumento de reconstrução
social e estabilidade política e para superação do atraso cultural do RN,a e numa perspectiva
mais ampla do Brasil, a Liga de Ensino propõe que a educação fosse instrumento coadjuvante
na reconstrução social, porque isto traria garantias de continuidade de valores, de formação
82

desta para os seus futuros filhos. Para Albuquerque Júnior (2003, p. 130):

A estratégia para concretizar esses anseios seria dar às mulheres não o


mesmo ensino que os homens, mas um ensino específico voltado para
reforçar o papel tradicional da mulher de ser mãe e dona de casa, prepará-la
melhor para servir ao seu futuro marido e a futura família e não prepará-la
para deles se afastar.

Além de preparar uma boa dona de casa, a Escola se propôs a formar a mulher
considerada o espelho e o modelo ideal feminino, regrada numa formação alçada nos valores
virtuosos, cívicos e socioculturais consubstanciada num modelo ideal de mulher despontada
com os anseios da nova república. Na visão de Araújo (1997, p. 139):

O remodelamento da cidade e da educação escolar levou por parte das


vanguardas dirigentes reformadoras, a preocupação em fundar uma ‘Escola
Doméstica’ destinada à educação da mulher visando à sua integração na vida
cotidiana moderna. [ ] foi a primeira Escola Doméstica, em seu gênero, no
Brasil e na América Latina, nos moldes da chamada pedagogia moderna,
preconizadora de processos de ensino em que se aprende, fazendo.

Dessa forma, os reformadores da educação em colaboração com a escola


idealizaram garantir o tão almejado progresso sociocultural e econômico da cidade e da
nação, um sonho de alguns republicanos e conservadores, a exemplo dos que se integraram à
Liga de Ensino do RN.
Veremos na próxima parte da tese como a Liga de Ensino irá concretizar o seu
projeto social e educativo através da inauguração da primeira instituição com modelo Suíço
de formação, inaugurada em setembro de 1914. Foi a partir da criação dessa entidade
denominada Liga de Ensino que a Escola Doméstica de Natal foi gestada; daí decorrerem as
nossas intenções neste primeiro capítulo: garantir na leitura sobre a Liga a compreensão das
bases instauradoras da Escola objeto de estudo, os ideais que a circundaram, os anseios dos
seus idealizadores, não sendo possível dissociar Escola Doméstica e Liga de Ensino, ambas se
complementam e se confluem.
83

1.2. A inauguração da Escola Doméstica de Natal

Século XX, ano de 1914, inauguração em Natal da primeira escola para o sexo
feminino baseada em modelo europeu, em sua singularidade destinada a formar um novo tipo
de mulher civilizada para uma nova sociedade que despontava com os primeiros indícios de
desenvolvimento social e econômico. Era esperada com expectativa e orgulho por alguns que
compunham as autoridades públicas do Estado do RN e intelectuais progressistas.
A fundação da escola tornou-se a concretização, como afirmamos no capítulo
anterior, de um projeto social e educativo de Henrique Castriciano de Souza e da Associação
LERN; afinal “[...] a escola é uma criação de indivíduos que vivem em sociedade, mas esta
criação não é mais do que uma resposta a certas necessidades, a certas condições que
favorecem esta “invenção.” (PETITAT, 1994, p. 198). Por ser uma criação humana, a escola
obedece em cada contexto histórico a determinações sociais, econômicas e culturais; isto
significa dizer que espaço e tempo são imprescindíveis para a análise das condições que
favorecem a criação de uma instituição educativa.
Petitat (1994, p.187) ao destacar alguns elementos importantes que
contribuíram para o surgimento de uma cultura escolar moderna na Alemanha indica que:

O surgimento de uma cultura escolar ‘moderna’ - centrada nas línguas vivas,


nas literaturas nacionais, nas ciências e nas técnicas – é sem dúvida a
revolução mais importante que atingiu o ensino desde o século XVIII. Esta
modernização ocorre em meio a conflitos que representam mais do que
simples adaptações às novas exigências trazidas pela industrialização. Estes
conflitos vêm acrescentar as suas próprias; eles realizam uma assimilação da
nova realidade; contribuem para produzir, selecionar e estruturar novas
categorias sócio-culturais.

Neste estudo, consideramos a criação da instituição escolar e particularmente


da Escola Doméstica de Natal não somente como decorrente das exigências trazidas pelo setor
econômico, uma vez que no Brasil e particularmente no Rio Grande do Norte, no período de
criação da escola, era incipiente, em desenvolvimento, não podendo por si só, responder aos
novos anseios dos intelectuais da Liga de Ensino do RN e da sociedade de uma forma geral.
84

As adaptações da escola a novos pressupostos pedagógicos, a novas teorias, sobre concepções


do que vinha a ser ensinar e aprender consideradas modernas contribui sim, significadamente
para estruturar novas categorias socioculturais, passando a dar respostas a novas necessidades
às quais a escola deveria se moldar, formando uma nova geração de indivíduos mais ativos
socialmente.
Desde o seu funcionamento inicial, a Escola Doméstica de Natal não se propôs
a ser uma escola popular, ao contrário, o que mais a caracterizou foi seu caráter seletivo e
elitista, o rigor no número de vagas, a exigência de um valor mensal a ser pago que
provavelmente afastavam do seu corpo discente as mulheres que economicamente não eram
dotadas de melhores recursos financeiros.
O acontecimento de abertura da primeira escola na cidade voltada para novos
métodos pedagógicos, de modelo Suíço das Escolas Domésticas de Ménagère4, que se
diferenciavam dos então existentes, interessava a intelectuais norte-rio-grandense por ser uma
nova organização de educação escolar distinta das demais que poderia propiciar, na visão
desses intelectuais, “a modernização dos velhos métodos caquéticos e ultrapassados da
cidade, fruto de uma educação defeituosa, uma educação de latinos, prejudicada por uma
herança do trabalho escravo, servil.” (SOUZA, 1911, p. 24). Isto provocando o surgimento de
um modelo que serviria como exemplo para uma nova organização pedagógica nas escolas
existentes e conduziria a cidade a novos patamares mais elevados de cultura e civilidade.
Estava presente também a representação de que a escola contribuiria predominantemente para
a formação educacional da mulher para que esta atuasse na sociedade de forma mais ativa,
social e ajustável ao meio.
Efervescentemente, a imprensa local divulgava a data prevista para o
funcionamento da escola. No dia anterior à sua inauguração, o Jornal A República5 insistia em
lembrar à sociedade potiguar o dia, local e hora do acontecimento e anunciava que a comissão
promotora do evento (os representantes da Liga de Ensino do RN) contava com a presença de
todos os convidados ao ato de inauguração. (A LIGA DE ENSINO DO RN, 1914).

4
Escola modelar voltada especificamente para a educação doméstica feminina, localizada no Cantão Suíço, a
qual Henrique Castriciano de Souza conheceu em viagem realizada em 1909 e ao retornar ao Brasil resolveu
fundar uma escola nesse nesses moldes de ensino, onde teoria e prática eram aspectos priorizados na formação
dos saberes para o lar.
5
O jornal A República foi fundado em 1889, para servir como veículo divulgador dos anseios republicanos no
Estado do RN, por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, chefe político norte-rio-grandense ligado a grupos
oligárquicos no Estado.
85

Como havia sido planejado pelo seu idealizador, no dia 11 de setembro de


1914, às 13h, foi inaugurada a Escola Doméstica de Natal que passou a funcionar no prédio
de n.° 281, próximo à Praça Augusto Severo, situada no bairro da Ribeira. O lugar territorial
ocupado pela Escola Doméstica de Natal proporcionava relacionar a instituição à dinâmica da
cidade, no movimento escola-espaço. Afinal,

Não apenas o espaço-escola, mas também sua localização, a disposição dele


na trama urbana dos povoados e cidades, tem de ser examinada como um
elemento curricular. A produção do espaço escolar no tecido de um espaço
urbano determinado pode gerar uma imagem da escola como centro de
urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e
excrescente. (ESCOLANO, 2001, p. 28).

Nesse raciocínio, percebemos que o local de funcionamento da Escola não foi


escolhido por acaso; era um local situado num ponto de grande rotatividade de mercadorias,
com escoamento de produtos, numa movimentação de compra e venda, com circulação de
pessoas, entre elas pequenos comerciantes; por isso era chamado por alguns norte-rio-
grandenses como o berço da cidade. Era nessa configuração social que a Escola Doméstica
de Natal poderia imprimir ares da modernidade, situando-se no ponto de dinamismo e
crescimento social de Natal.
Localizavam-se na Ribeira, durante esse período, o Teatro Carlos Gomes (atual
Teatro Alberto Maranhão), O Grande Hotel, o Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do
Norte - BANDERN (atual prédio do PROCON Estadual), a primeira hospedaria de Natal, o
primeiro Grupo Escolar tido como escola modelo (o Augusto Severo, fundado em 1908), a
Escola Normal de Natal (1908), o Colégio Ateneu Norte-rio-grandense e demais
estabelecimentos que contribuíam para o enobrecimento cultural e econômico do bairro, como
por exemplo, os únicos cinemas existentes na cidade, o Café Chile (local muito freqüentado
na cidade), entre outros.
Como recorda Cascudo (1999, p. 155), em relação à localização do bairro
Ribeira no início do século XX: “A Ribeira conservou os grandes hotéis da época, as casas
comerciais, armarinhos, alfaiates, farmácias, clubes de danças, o primeiro cinematógrafo da
cidade, o Politeama, inaugurado a oito de dezembro de 1911 e que resistiu vinte anos.” Na
Ribeira foram instalados o Palácio do Governo, o Quartel do Batalhão de Segurança Militar e
outros edifícios que marcaram a fisionomia do bairro, configurando-o num lugar requisitado,
86

visitado e movimentado por pessoas e comércios, como a Casa Reis (movimentada loja de
calçados, localizada na rua Dr. Barata), a Relojoaria Italiana, lojas de vendas de máquinas
diversas, a loja de banheiras Jajaz (representante de produtos importados para banho, na rua
Tavares de Lyra), a Alfaiataria Paris (na rua Frei Miguelinho), lojas de irrigações, máquinas
de lavar roupa, lojas de café, de bebidas geladas e demais atividades de comércio existentes
que davam dinamismo ao local.
O prédio originalmente construído para o funcionamento da escola foi de
doação do governo do Estado do RN. Em entrevista com o atual presidente da Liga de Ensino,
obtivemos a seguinte informação:

O prédio da Ribeira já era próprio, originalmente construído para essa


finalidade - como não tínhamos recursos financeiros, o grupo (da LERN), se
valeu do prestígio político - do Conselho Diretor formado por sete
integrantes, para conseguir o prédio próprio pelo governo do Estado,
representado pela pessoa do governador Alberto Maranhão. Como o
primeiro presidente da Liga de Ensino foi Meira e Sá, ex. governador do
Estado do RN e Senador da República, pessoa muito influente na política,
tornou-se mais fácil conseguir essa concretização de Henrique Castriciano.
(BRITO, 2004).

Para a doação do prédio firmou-se o acordo entre a Liga de Ensino e o governo


do Estado; numa das cláusulas do acordo constava que se a escola viesse a passar por um
processo de dissolução do empreendimento, o seu patrimônio se reverteria a favor do governo
do Estado, voltando os recursos investidos, portanto, aos cofres do governo. (LIGA DE
ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1911a).
Esse acordo muito nos chamou a atenção porque nesse caso específico, estava
evidente a parceria público/privado. Enquanto a rede pública de ensino do RN passava por um
processo de busca por expansão e melhoria no ensino, o Estado doava um prédio para uma
escola privada. Temos como exemplo, a Escola Normal de Natal que começou em 1908
funcionando anexa ao Atheneu Norte-rio-grandense, sem prédio próprio; depois, em 1910, foi
transferido para o Grupo Escolar Augusto Severo, permanecendo vinte e sete anos neste lugar
(ainda sem prédio próprio para o seu funcionamento) e em 1937 mudou-se para o Grupo
Escolar Antônio de Souza, num antigo edifício que pertencia à Associação dos Professores do
RN (APRN), em precárias condições de exercer suas atividades.
O acontecimento demonstra, mais uma vez, na nossa história educacional, o
87

descaso com ensino público no Estado do RN, porquanto a Escola Normal de Natal somente
conseguiu um prédio próprio em 1950; passando por dificuldades de organização, de recursos,
pela falta de um lugar próprio para funcionar, em suma, pela falta de recursos destinados ao
seu funcionamento, assim como as demais escolas públicas existentes.
Na década de 50 do século XX, o presidente do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – INEP, o educador Anísio Spínola Teixeira, manifestou sua impressão sobre a
Escola Doméstica de Natal, ao visitá-la em 11 de março de 1954, afirmando que:

Visto afinal a Escola Doméstica de Natal, sobre que ouço falar desde que
comecei a me entender em educação. Instituição que tem já 40 anos,
provando, durante esse período, duas coisas: 1) que instituição educativa
pode ter finalidade pública e privada, tanto no Brasil quanto na Inglaterra; 2)
que instituições educativas podem resistir ao uniformismo das escolas
oficiais brasileiras, manter programa autônomo e original ... sobreviver. Que
digo? Triunfar e apresentar o espetáculo que aqui assisto, entre surpreso e
comovido, de uma escola que pode emparelhar com o que de melhor exista
nos paises de melhor e mais alta tradição educacional. (TEIXEIRA, 1920, p.
35).

As palavras registradas pelo educador brasileiro Anísio Teixeira, naquele


tempo, refletia dois aspectos importantes: o primeiro dizia respeito à visão que tinha na época
sobre o ensino privado. Mesmo sendo um dos grandes defensores do ensino público e gratuito
no Brasil, deixou transparecer, a partir das suas palavras escritas, ao visitar a Escola
Doméstica de Natal, que mesmo pertencendo ao quadro das instituições privadas, poderia
prestar serviços públicos à população, ou seja, ter uma finalidade pública, como bem
especificou no seu registro. Outro aspecto diz respeito ao deslumbramento apresentado ao
visitar a Escola Doméstica de Natal e saber que nela aplicava-se um modelo curricular
diferenciado das escolas brasileiras voltadas para a educação feminina, com um programa de
ensino original, rompendo no seu tempo, com o uniformismo tradicional das demais
instituições de ensino.
Compreendemos que as medidas tomadas pelo governo do Estado do RN em
relação ao seu ensino privado, desde o início da fundação da ED era tendenciosa porque trazia
embutida uma política de incentivo ao ensino particular, ampliando, sem dúvida, o campo de
atuação dessas instituições que, de certa forma, absorvia, mesmo de forma minoritária, uma
demanda que até então era de responsabilidade do Estado. Essa atitude do Governo Estadual
demonstrava a confiança depositada no trabalho educativo desenvolvido pelas instituições
88

privadas.
A Escola Doméstica não foi a única instituição a receber ajuda financeira
Estadual, o ensino particular subvencionado pelo Estado mantinha algumas escolas e ginásios
no início do século XX com auxílio dos cofres públicos. (CASCUDO, 1999).
Numa cidade ainda provinciana como Natal que estava caminhando em passos
lentos para um processo de crescimento urbano e em vias de modernização diante das
condições conjunturais do país e do mundo, era necessário mais investimento no ensino
público e nas condições de saúde e habitação da cidade. O cenário de Natal ainda apresentava
precariedade; sua iluminação era à base de lampiões, o que aconteceu por longos períodos,
somente vindo a conhecer instalações elétricas a partir de 1905. Na gestão governamental de
Alberto Maranhão (por este ter conseguido empréstimo financeiro da França através de uma
firma responsável pela execução do empreendimento, a Vale Miranda & Domingos Barros) é
que a cidade passou a ser ajustada a novas reformas desde a instalação de luz elétrica em ruas
e residências aos bondes elétricos, abastecimento de água, saneamento, transporte, calçamento
e outros melhoramentos.
Novas idéias circulavam no Brasil e no Rio Grande do Norte e no Brasil, como
o nacionalismo, o tenentismo e inquietações de diversas ordens sociais, evidenciando
mudanças (e perspectivas de mudanças) no setor social, expressando também transformações
na vida urbana, o crescimento - ainda que lento - do comércio, das ruas, da cidade, criando
novos padrões de comportamentos e novas perspectivas de vida, de construção de um novo
sistema de valores de civilidade urbano-industrial.
As representações do que a Escola Doméstica de Natal simbolizaria para a
sociedade potiguar eram diversas. As palavras de ordem: novo, civilidade, moderno e
progresso circulavam e se entrecruzavam com valores ainda arraigados e permanentes na
sociedade. E assim percebia-se a escola como instituição modelo, específica em sua função,
que iria trazer para a cidade, e particularmente para o RN, idéias de civilidade e progresso tão
almejadas para os que ali viviam.
O início do século XX marcou um período de grande mobilidade social em
defesa da modernização das cidades no Brasil, de acordo com as especificidades e ritmos de
cada uma e esse processo gradativo de modernização, principalmente nos espaços urbanos,
possibilitariam a criação de projetos que incorporassem a modernidade à estrutura
educacional, cabendo a diversos intelectuais a discussão sobre o tema, a criação de reformas
no campo educacional e de novas representações conforme o contexto vigente.
Em Natal, diante de um contexto permeado por mudanças no setor educacional
89

(com a Reforma Pinto de Abreu6, a Reforma de Ensino de 19167) e com o aparecimento de


sistemas modernos como a luz elétrica, o bonde, saneamento, transporte, cinema, teatro,
automóvel, foi criada a Escola Doméstica de Natal.
Assim a composição dessa instituição, sua estrutura física, os conteúdos
privilegiados e ministrados, os valores morais e sociais ressaltados, a estruturação do corpo
docente, a organização e a administração iriam confluir para um modelo de escola tão
esperado ansiosamente por almas famintas pelo novo, pelo progresso, pelo moderno. No
nosso entendimento, podemos questionar o que consubstanciava esse novo modelo escolar.
Entendemos que os modelos pedagógicos correspondem a pressupostos teóricos considerados
válidos em cada contexto histórico, trazendo um discurso inovador, formatado por diversos
dispositivos materiais e pedagógicos que compõem e formam a instituição de ensino. Nesse
sentido, pensar no modelo pedagógico vislumbrado pela Escola Doméstica de Natal é pensar
na sua proposta de educação e nos discursos que a compõem.
Compreendemos que ao ensejar e/ou enunciar uma educação moderna estavam
implícitos uma proposta e um discurso de poder estabelecidos entre o que seria uma educação
tradicional (trazendo à tona as ambigüidades entre o antigo e o novo) e uma educação baseada
em novos métodos de ensino voltados para a formação de um sujeito participativo e mais
atuante no social. O conceito de moderno incorporado na escola significava a ultrapassagem
de uma educação considerada arcaica, tradicional que enfatizava a repetição e a memorização
dos acontecimentos pela busca de uma educação renovada em suas bases de organização
pedagógica, principalmente nos seus métodos de ensino.
A passagem para uma pedagogia moderna vislumbrava-se junto às mudanças
sociais e econômicas advindas do desenvolvimento capitalista, na tentativa de ir
consolidando-se gradativamente nas atitudes dos indivíduos, nos seus hábitos e costumes. O
jogo dialético que se estabelece entre antigo/moderno nasce do sentimento de ruptura com o
passado, como assinala Le Goff (1996, p. 172), ao dizer que “se por um lado, o termo
moderno assinala a tomada de consciência de uma ruptura com o passado, por outro, não está
carregado de tantos sentidos como os seus semelhantes ‘ novo ’ e ‘ progresso ’. Novo para o
autor, implica um nascimento, um começo”.

6
Reforma criada em 1908, que imprimiu nova orientação pedagógica ao ensino potiguar ao estabelecer o uso,
ainda que introdutório, dos princípios do método intuitivo na educação.
7
Reforma que representava os anseios dos renovadores escolanovista do Estado (José Augusto Medeiros, Nestor
dos Santos Lima, Henrique Castriciano de Souza e outros) por reformulações na organização do ensino nos
níveis primário, secundário e profissional (o desenvolvimento das faculdades de observação, emprego nas
escolas primárias do método intuitivo, o estímulo a construção de prédios escolares segundo os preceitos da
higiene, conforto, localização adequada...)
90

A tentativa de romper com métodos tradicionais de ensino aplicados à


educação das mulheres ensejou na Liga de Ensino, e particularmente em Henrique Castriciano
de Souza, a necessidade de fundar uma Escola Doméstica que trouxesse em seus fundamentos
ruptura com os modelos de escola existentes no Estado. Acreditamos que, naquele momento,
a fundação da Escola Doméstica de Natal representou mudança diante dos modelos
curriculares de ensino das poucas escolas femininas existentes, consolidando uma mudança,
enriquecimento e ampliação do que já estava estabelecido.
No prédio onde aconteceu a inauguração da Escola, a euforia era visível. A
banda de música do Batalhão de Segurança do Estado do RN já se encontrava presente num
dos corredores da escola para entoar o hino após o sinal concedido de inauguração do
estabelecimento. Ela incorporava alegria, aplausos.
Setembro fora um mês de euforia em Natal. A cidade assistira na semana
anterior à inauguração da Escola Doméstica de Natal, às comemorações relativas à
Proclamação da República e a inauguração da Praça Sete de Setembro (localizada no centro
da cidade). Nessa solenidade, a banda de música do Batalhão de Segurança do Estado tocou
na praça, conseguindo aglomerar em torno do evento em média oito mil pessoas que
aguardavam a solenidade anunciada, contando com a participação da Companhia Isolada de
Caçadores em passeio nos arredores das principais ruas da cidade, como o bairro de Cidade
Alta e Ribeira, contornando para a Praça Sete de Setembro, conseguindo agrupar, por onde
passava, pessoas de diversas faixas etárias diante o desfilar dos soldados.
Algumas instituições escolares que se situavam na cidade também participaram
da manifestação, por exemplo a Escola Normal de Natal (que funcionava anexa ao Grupo
Augusto Severo) e o Grupo Escolar Augusto Severo, onde cerca de trezentos alunos entoavam
o hino nacional. O curso isolado masculino do Professor Luís Antônio Soares apresentava o
corpo de alunos praticando ginástica sueca, acompanhados pelo instrumental musical de
piano. O Colégio Diocesano Santo Antônio realizava um círculo de palestras, privilegiando
como temática a Independência do Brasil.
Por todos esses acontecimentos, no mês em que foi inaugurada a Escola
Doméstica de Natal a exacerbação de festividades e rituais alusivos à pátria, à nação, ao
Estado criava um clima de euforia, enaltecia o espírito patriota, o culto ao civismo, às
tradições, à independência, numa tentativa de cultuar a nossa alma patriótica. (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1914c).
A Escola Doméstica de Natal não fugia a tais rituais festivos. A presença de
autoridades políticas, a previsão de hasteamento da bandeira nacional durante o ato de
91

inauguração da escola, o canto do hino nacional, a banda de música fazendo apresentação,


todos esses momentos simbolizavam a tradição cívica manifestada pelas instituições de
ensino.
Os ideais republicanos traziam como ponto para debate nesse período a
valorização política da ação educacional e essa proposta se consubstanciaria na construção de
novos mundos e novos homens, depositando na ação educativa uma notável gama de
expectativas. Nas décadas que antecederam o período republicano no Brasil, configurava-se o
debate em prol da formação do Estado/nação e, nesse projeto, a primazia pelos valores de
justiça, fraternidade e igualdade (na perspectiva laica nesse ideário republicano) opondo-se
frontalmente aos princípios de restauração política e religiosa. A ampla divulgação e
circulação (propaganda) de material de conteúdo moral e cívico-patriótico contribuiriam
incisivamente sobre o imaginário social para a instituição simbólica da nação-estado.
Historicamente, a partir da ênfase na formação dos Estados Nacionais foi-se
entendendo que a escolarização da população era uma estratégia fecunda e apropriada para a
formação do homem novo e de novas estruturas. Lembra Carvalho (1993) que a máxima
atribuída ao processo escolar que teria como pano de fundo a tarefa de engendrar a formação
do homem novo, a formação das almas, tendo, portanto, a educação escolar, uma ação
incisiva sobre o imaginário social para a instituição simbólica da nação, considerando-se a
quase nula participação popular na implantação da República no Brasil.
Portanto, não era de estranhar a participação/representação efetiva de
autoridades políticas numa instituição como a Escola Doméstica de Natal, num período da
história em que uma das metas, pelo menos em tese, do governo republicano no Brasil era de
propor mudanças, reformas de ensino, novos métodos e teorias educacionais em prol de uma
organização da educação nacional, assim como não era de admirar, a representação relevante
de uma parte da elite intelectual do RN envolvida nesse projeto. A problemática educacional
ganhou progressiva centralidade política nesses discursos como uma das metas mais
importantes. Não se tratava apenas de educar o povo de uma forma geral, mas de estabelecer
novas diretrizes pedagógicas para educar a mulher, contribuindo esta para procriação de
gerações sadias (moral e intelectualmente), para a construção da cidadania e consolidação da
nação republicana.
Após a inauguração da Escola, semanas foram dedicadas ao recebimento de
matrículas. A escola passou a receber alunas classificando-as em três categorias: as internas,
as semi-internas e as externas, tendo como pré-requisito a idade de onze anos.
Caracterizavam-se como internas as alunas que vinham do interior do Estado e na escola
92

permaneciam durante o período de aulas, podendo receber visita de familiares nos finais de
semana ou durante o período de férias. A categoria semi-interna era composta por alunas que
estudavam na instituição em horário integral, manhã e tarde e retornavam para as suas
residências no período da noite. A terceira categoria, as externas, era formada pelas alunas
que freqüentavam a escola em apenas um turno de aula.
Desde o início do seu funcionamento, a Escola Doméstica de Natal
apresentava-se à sociedade como uma instituição de fins não lucrativos, apesar da cobrança de
uma mensalidade, que era iniciada com o pagamento de uma jóia de entrada para assegurar a
matrícula e um adiantamento das despesas da Escola com a aluna.
Pelo motivo de ter a Liga de Ensino do RN como entidade mantenedora, na
Escola Doméstica, o discurso que predominava era que a instituição pretendia auxiliar o
governo na expansão do ensino público e por isso as mensalidades cobradas ao seu corpo
discente apenas serviam como forma de contribuição para a escola manter em dia as suas
despesas diárias. Esse mesmo discurso é ainda, nos dias atuais, sustentado pela direção da
Liga de Ensino e da Escola Doméstica. Segundo Brito (2004), a Escola Doméstica nunca
apresentou finalidades lucrativas em relação aos serviços oferecidos à sociedade norte-rio-
grandense, colocando-se, ao contrário, como uma Escola a serviço da comunidade, não
podendo, por isso classificar-se totalmente como instituição educativa privada, com fins
lucrativos, e sim, uma espécie de autarquia e pelo fato de assim o ser, merece atenção das
autoridades públicas responsáveis pela organização do ensino no Estado.
Com base nesse entendimento, analisamos a representação de que desde a
inauguração da Escola Doméstica de Natal, o governo estadual do RN apoiou o seu Projeto de
funcionamento na cidade, partindo da estrutura física, pois foi concedido um prédio para o seu
funcionamento, bem como subsídios para pagamento das professoras (vindas de outros
países) e demais custos da Escola.
De acordo com a Lei de n.° 405, de 29 de novembro de 1916, que reorganizou
o ensino primário, secundário e profissional do Estado do RN, o ensino privado poderia ser
ministrado livre da fiscalização quanto aos métodos e regime didático no Estado, ficando
sujeito à fiscalização oficial no que dizia respeito aos preceitos de higiene, a moralidade e a
nacionalização do ensino, mas, o que nos chamou atenção é o seu Art. 214 que trata da
subvenção financeira do Estado em relação às instituições privadas, quando diz: “O Estado
poderá subvencionar pecuniariamente as escolas primarias particulares, situadas nos povoados
ou fazendas, que reunirem as seguintes condições: a) matricula nunca inferior a trinta
93

alumnos; e b) frequencia minima de vinte alumnos”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p.


1).
Apesar de essa lei ter surgido quatro anos após a fundação da Escola
Doméstica de Natal, no primeiro ano de funcionamento da escola, esta passou a receber, como
já citamos anteriormente, subvenções financeiras do governo do Estado, o que denota os
vínculos muito próximos dos seus fundadores aos poderes públicos local. Outro aspecto a
destacar é que a Lei n.° 405 de 1916, destacava como pré-requisito um percentual mínimo de
alunos matriculados na instituição de ensino para que esta recebesse subsídio financeiro. No
entanto, a ED de Natal não atendia a esse critério e mesmo assim, era beneficiada pela Lei no
Estado do RN.
A legislação do período tomava como maior fonte de exigência para o
funcionamento das instituições privadas os critérios e preceitos de: higiene do local, aspecto
moral, ensino da língua nacional (assim como o estudo da História e da Geografia), bem como
o fato de o estabelecimento estar sempre disponível às fiscalizações da inspeção pública de
ensino. Assim o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, muito embora sendo europeu,
sofreu algumas modificações no seu currículo e estrutura, mudanças essas necessárias ao seu
possível funcionamento. No próximo item, veremos com mais detalhes as idéias inspiradoras
que deram origem a esse modelo escolar de educação para mulheres em Natal.
94

CAPÍTULO 2

Idéias inspiradoras de um novo modelo


escolar
95

Os seus fundadores, observando certas falhas de cultura e de methodo no lar


brasileiro, determinadas por motivos que não podem ser longamente
esplanados neste prospecto, resolveram lançar as bases de um ensino novo
entre nós, tendo por modelo as Écoles Menagéres da Suissa, da Allemanha e
da Belgica. (LIGA DE ENSINO DO RN).

2.1 – Modelo Escolar Suíço

A citação em epígrafe acima reflete a insatisfação na época por parte dos


intelectuais que compunham a Liga de Ensino, em relação ao ensino no Rio Grande do Norte
e particularmente o destinado ao sexo feminino. Essa insatisfação gerou inquietudes e buscas
pela remodelação pedagógica das escolas para mulheres.
Para melhor compreendermos o modelo implantado da Escola Doméstica em
Natal, convém apreendermos a sua ascendência que se encontra na implantação da Ècole
Normal pour la formation d’Institutrices d’Ecoles Ménagère de Friburgo, Cantão Suíço. Foi
deste modelo de organização escolar que a essência da Escola Doméstica de Natal formou o
seu substrato e a sua forma, adequando-se, em alguns dos seus aspectos (estrutura física,
currículo, etc.), à realidade local.
A idéia concebida de educar a mulher para o lar esteve associada às mudanças
de crescimento populacional e urbano que o continente europeu atravessou no final do século
XIX, sendo fruto também de movimentos que reivindicavam melhorias nas condições
sanitárias e higiênicas para a população, numa conjuntura social e econômica pautada pelo
crescimento acirrado e desordenado das cidades européias, com a industrialização e o advento
do capitalismo.
Essas mudanças ocorridas passaram a afetar tanto a família burguesa quanto o
proletariado na sua qualidade de vida. Com o crescente número de desempregados,
aumentando os índices de exclusão econômica, a degradação da qualidade de vida, dentre
outras mazelas, surgiam fatores que provocavam descontentamentos por parte da população,
estimulando o surgimento de movimentos sociais que aclamavam por um modelo de
sociedade ajustada harmonicamente em consonância com as mudanças da época. Isto requeria
a imposição de modelos de comportamentos, de moralização nos costumes de vida urbana da
maioria da população.
96

Pregando o recolhimento às satisfações privadas, os custódios da virtude


doméstica reconheciam implicitamente a devastação que o capitalismo
promovera em todas as formas de vida coletiva, ao mesmo tempo em que
desencorajavam os esforços para reparar este estrago, ao descrevê-los como
o preço que se deveria pagar pelo desenvolvimento material e moral
(LASCH, 1991, p. 217).

A família burguesa emergente precisava moldar-se a uma nova moral de vida,


que incluiria novos costumes, em obediências aos padrões da ordem econômica vigente.
Nesse contexto, movimentos sociais em prol da educação doméstica da mulher seriam
necessários para pautá-la aos princípios de uma moral e ética emergentes nas sociedades
européias. Desta forma, procurar-se-ia propiciar, através da educação feminina, harmonia
familiar, sendo esta agente de transmissão das normas morais e de comportamento social,
primeiramente no universo familiar para depois plantar frutos, tendo em vista uma harmonia
social. Então, como nos lembra Amaral (2002, p. 20):

Caberia à mulher a ‘ nobre missão ’de cuidar de todos os afazeres


domésticos de modo a propiciar o conforto e o equilíbrio psicológico
familiar. À mulher, esposa e mãe, ficaria a responsabilidade de educar os
filhos e lhes transmitir as normas morais de comportamento social.

À mulher era atribuído papel relevante na manutenção da ordem, na moral dos


costumes e na preservação dos laços familiares que representaram ideais circulantes na
família burguesa do século XIX, como forma de manter a sua estabilidade.
O movimento higienista do século XIX também trouxe em seu bojo a ênfase à
economia doméstica, a valorização e bem-estar das famílias proletariadas, através de
programas assistencialistas na área de saúde, habitação, higiene, vestuário, trabalhos com
menores de idade, etc. Neste sentido, a instituição escolar funcionaria como objeto
coadjuvante aliada nesse projeto, com estruturas e funções definidas, na tentativa de
desenvolver práticas voltadas para o bem estar da família, o que atingia a educação
notadamente feminina. Sua política para a família estaria presente na fundamentação das
práticas de economia doméstica, nos ensinamentos que contribuíssem para formar mulheres
para atuar principalmente no âmbito familiar.
Entre espaços públicos e domésticos houve uma oposição, segundo os
discursos dos higienistas, pois essas esferas deveriam ser percebidas separadamente para
97

homens e mulheres. A estas últimas era atribuída a tarefa de ensinar a humanidade a formar
novos cidadãos comprometidos com o novo Regime político e social, que poderia ser
exercitada nos papéis de mãe e professora. A emancipação feminina traria desajustes no
matrimônio:

O discurso higiênico moderno reforçava essa associação, afirmando que o


lugar da mulher era no lar e sua função prioritária o cuidado de filhos e
filhas. Na família ideal, a mulher não deveria trabalhar fora. A guarda da
prole e sua educação seriam atividades naturais da mulher, que passaria todo
o seu tempo amando e brincando com os filhos e filhas (VIDAL;
CARVALHO, 2001, p. 215).

No século XX, expandem-se os cursos de Educação Doméstica na Europa,


com finalidades de reafirmar o papel a ser desempenhado pelo sexo feminino na família e na
sociedade. A preocupação com a qualificação profissional para o mercado de trabalho
também é elemento que se reafirma, nesse contexto devido, à expansão do comércio e
principalmente das indústrias agrícolas. (AMARAL, 2002).
A Escola Normal para formação de mulheres de Friburgo - Suíça conhecida
por Henrique Castriciano de Souza em sua viagem realizada em 1909 mantinha em sua
composição curricular os conhecimentos a serem estudados e preconizados como relevantes
para adaptação às mudanças que a sociedade capitalista européia atravessava. A estrutura
espacial da escola (que ele descreveu como sendo simples, asseada, bem organizada e
dividida nos moldes de: gabinete, salas de jantar, sala de costura, recinto de aula, dormitório,
sala da diretoria, laboratório de química e física, museu escolar, salas para seções de lavagem
e engomado, copa, cozinha, jardim, galinheiro, pomar, sala de medicina e higiene, sala de
puericultura e outros ambientes) de aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre o universo tido
como próprio do feminino.
Ficou encantado, Henrique Castriciano, com essa organização escolar. Os
preceitos de higiene trabalhados no ambiente, os modos de falar educado das discentes e das
docentes, bem trajadas e limpas, tranqüilas e atenciosas. Também lhe chamou a atenção o
ambiente da escola tido como harmônico e sereno:

Ao penetrar a Escola Normal Ménagère de Friburgo senti logo o encanto, o


98

bem estar que dá a Suíssa, em que, não raro, a decoração vegetal imprime
uma nota pacificante de bucolismo, dando ao espírito do hospede um como
aviso de tranqulidade, de trabalho silencioso, de ternura forte. (SOUZA,
1911, p. 29).

Fora o espaço físico, a estrutura curricular e o funcionamento da Escola Suíça


transparecendo com ares de tranqüilidade, cultura e ciência aos que se dispusessem a visitá-la
que despertou no intelectual Castriciano de Souza a atenção e o desejo de divulgá-la. Não
havia interesse em copiar um modelo de sistematização de estudos sobre educação doméstica,
a exemplo dos que já existiam no RN e no Brasil, mas uma instituição diferente das demais
existentes, na sua especificidade para a formação da mulher, espelhando-se da mulher Suíça.
Tratava-se para Castriciano, portanto, de fazer algumas apropriações daquele
modelo escolar. Apropriações no sentido atribuído por Chartier (1990, p. 26), quando
expressa que “A apropriação, tal como a entendemos, tem por objetivo uma história social das
interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais que são sociais,
institucionais, culturais e inscritas nas práticas específicas que as produzem.”
Em nossa percepção, o modelo Suíço de escola para mulheres muito diferia da
nossa realidade educacional, uma vez que o Estado do Rio Grande do Norte, nos inícios do
século XX, atravessava graves problemas com o número baixo de escolas, falta de maior
estrutura física para seu funcionamento, escassos recursos humanos e materiais e, como já
evidenciado anteriormente, falta de prédios escolares. Diante essa realidade, é possível
questionar a possibilidade de criar uma escola do porte físico e estrutural da Escola Doméstica
Suíça que exigia uma excelente estrutura física para o seu funcionamento, bem como,
recursos humanos e materiais diversos quando, na realidade, não tínhamos sequer docentes
melhor qualificadas para ensinar nas instituições públicas.
Acreditamos que pensar numa instituição nos moldes da conhecida por
Castriciano, na Suíça, era não priorizar o que a realidade imediata do contexto econômico e
educacional do Rio Grande do Norte apresentava e exigia: a expansão de escolas que
atendessem à demanda dos estudantes (composta na sua maioria por grupos menos
favorecidos economicamente) e que não teriam condições financeiras de custear as
mensalidades impostas pela Escola Doméstica de Natal, apesar desta declarar-se como uma
escola não particular, e sim uma entidade mantida pela Liga de Ensino do RN, portanto, sem
fins lucrativos.
Apesar de Henrique Castriciano ter deixado, em alguns dos seus escritos,
99

enunciados que incluía a preocupação pela educação popular, pela valorização do artesanato
local, etc., ao pensar na fundação da Escola Doméstica de Natal o fez tecendo comparação
injusta entre a Suíça com o Brasil porque eram contextos de desenvolvimento cultural e
econômico bem diferentes. Enquanto a primeira apresentava-se como lugar de primeiro
mundo, desenvolvido, berço da civilização, portanto, próspera nos seus processos educativos,
o segundo ainda alimentava o desejo de vir a ser moderno, de alcançar patamares da
modernidade econômica, política, cultural e social. Modernidade essa proclamada na época
por vários países, como um fio redentor da própria identidade nacional nos moldes de uma
cultura civilizada. (BERMAN, 1986.).
Para Berman (1986, p. 15), “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que
promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas
em redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos e tudo
o que somos.”
Ainda na visão desse autor, o conjunto de transformações que ocorrem nos
lugares que ocupamos, nos ritmos de vida, no processo de organização social, industrial e
econômica, nos meios de comunicação, no crescimento urbano bem como os processos
sociais que vão dar vida a essas mudanças mantendo-as num contínuo estado de vir a ser,
configura-se com o termo modernização.
Nos anseios de Henrique Castriciano não éramos modernos, precisávamos
urgentemente de uma reforma social pela via educacional. Castriciano deixa evidente a
necessidade de mudança no discurso proferido durante uma conferência intitulada ‘Educação
da mulher no Brasil, realizada em Natal, em julho de 1911, onde relatava alguns aspectos de
sua recente viagem realizada a Suíça; tecendo comparações entre a educação do Brasil e a
Européia.

Temos alguma instrucção, mas quase não temos educação; e sem esta é
impossível tornar um grande povo. Dahi, o doloroso contraste observado
entre nós, não somente entre o litoral apparentemente civilisado e o sertão
inculto, mas entre a sala e a cosinha; nos grandes centros, entre o habito
exterior e as condições materiaes do individuo.(SOUZA, 1911, p. 22)

Para Castriciano de Souza, poderíamos vir a ser civilizados e modernos e, para


tanto, as mudanças nos nossos modelos de escolas femininas deveriam ser feitas tomando
como exemplo o modelo escolar da Escola Doméstica da Suíça. Não seria a ocasião, na sua
100

perspectiva, de aproveitar os modelos de escolas que tínhamos na época e aperfeiçoá-los, mas


sim, de superar os existentes numa tentativa de remodelação escolar. Essa ruptura para
Castriciano e os demais representantes da Liga de Ensino do RN passaria por uma
remodelação das escolas do Estado do RN, através de uma política de reestruturação dos
espaços físicos, dos recursos humanos e materiais e surgiria como o caminho viável para uma
mudança no setor educacional, numa atitude de entusiasmo com o futuro, com o vir a ser e um
distanciamento e indiferença com o presente.
Lembramos também que a euforia por mudanças na reformulação do currículo
educacional das escolas não era característico apenas do grupo que compunha a Liga de
Ensino do RN, pois na busca por novas perspectivas de mudanças no setor educacional e
social, alguns intelectuais no final do século XIX e início do século XX, a exemplo do
potiguar Nestor dos Santos Lima, valiam-se do espelho que para eles refletisse melhor uma
nação organizada, modernizada e ajustada a nova ordem capitalista, a exemplo da Europa, ou
ainda particularmente alguns Estados do sul e sudeste do Brasil e as transformações no setor
educacional penetravam nesse universo imaginário como elemento central para as possíveis
rupturas com o que estava dado no presente como forma de orientar um discurso fundante em
prol de uma nova visão moderna da pedagogia. A afirmativa de Kropf (1996, p. 203) nos
chama a atenção para esse fato, quando diz:

Em busca de novos argumentos intelectuais capazes de dar forma à sua


identidade e orientar o seu discurso em prol da reforma modernizadora, a
elite intelectual do final do século XIX recorria às teorias européias então em
voga, absorvendo-as como instrumental para a construção de sua própria
visão de mundo.

A influência das correntes européia e americana no Brasil ocorreu via teóricos


que marcaram fortemente com suas idéias, a filosofia da educação de um tempo, a exemplo de
Rousseau, Froebel, Claraparède, Locke, Comte e outros. Essas influências eram
materializadas no ideário de alguns intelectuais brasileiros e nas reformas por eles ensejadas;
a exemplo das conhecidas Reformas: Sampaio Dória (1920, São Paulo), Anísio Teixeira
(1924, Bahia), Fernando de Azevedo (1928, Distrito Federal), Lourenço Filho (1923-1924,
Ceará), Antônio Carneiro Leão (1922-1926, Distrito Federal e Pernambuco) e com Joaquim
Ferreira Chaves (1914-1920), no governo José Augusto (1924 a 1928), Nestor Lima (1925-
1928), no Rio Grande do Norte. Essas, dentre outras reformas que ocorreram no período,
101

foram relevantes porque passaram a dinamizar o processo educacional do país, reorganizando


o ensino sob novos patamares que, embora adstritas aos Estados que a implantaram, no seu
conjunto, integraram um movimento mais global de renovação educacional no século XX.
A escritora norte-rio-grandense Ângela Marialva, através de uma publicação
intitulada ‘A mulher brasileira’, numa revista local denominada Via Láctea8, manifestou nesse
período a necessidade de renovação educacional da educação feminina no Rio Grande a partir
da implantação de um modelo educacional Europeu. Nos seus escritos, apresentou admiração
pelo modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, bem como a necessidade de haver uma
expansão desse modelo para a educação do Estado, ao afirmar:

Ao governo compete propagar no Brazil a creação de escolas domesticas que


tantos resultados têm dado no estrangeiro, onde se conta muitas dellas; como
a de Goteborg na Suécia, a de Abildso, perto de Christiania, a da Rússia
creada desde 1871, a da Allemanha desde 1873, a da Inglaterra, Londres –
onde se estabeleceu uma escola normal de cosinha, na Irlandia, na Suissa,
onde as primeiras escolas foram as de Buchs e Lenzbrugo e datam de 1889;
na França, na Bélgica, nos Estados Unidos da América do Norte e até
mesmo no Canadá existem com admiráveis resultados. E oxalá que os outros
Estados do Brazil imitem o gesto louvável do nosso Governador fundando
Escolas como esta que temos em Natal, a primeira e única do nosso paiz.
(MARIALVA, 2003, p. 88).

O empirismo pedagógico e a perspectiva de implantação de uma educação


escolar nova sob a influência das pedagogia americana e européia influenciaram no
movimento de renovação do ensino no Brasil e particularmente no Rio Grande do Norte.
Buscava-se no Brasil um modelo de escola nova para uma sociedade que se desejava
representativa e democrática, que se caracterizasse como mantenedora dos valores humanos,
mas também formadora de cidadãos conscientes de suas responsabilidades e direitos perante o
social; uma escola agilizadora do processo de desenvolvimento social do país. (CUNHA,
1986).
Na visão de Cunha (1986), esse modelo escolar materializaria suas práticas
considerando a mudança social advinda da mudança educacional, ou seja, a reconstrução

8
Revista fundada em 1914, sob a organização e direção das Irmãs Carolina e Palmyra Wanderley, com a
colaboração de Anilda Vieira, Estelita Melo, Estela Gonçalves, Maria Penha e Joanita Gurgel. Em 1915, a mesma
revista, publicou um artigo tecendo árduas críticas à Escola Doméstica de Natal, apelidando as alunas que a
freqüentavam de cozinheiras.
102

social pela reconstrução educacional, fato tomado como um dos pontos nevrálgicos dos
signatários da educação nova: os Pioneiros da Escola Nova no Brasil em 1932.
A mudança na educação escolar visando à formação de um homem novo, ou
melhor, de uma nova mulher ativa, participativa, onde a educação não se fechasse na cultura
da palavra e do pensamento, e sim numa formação de um sujeito participativo nas atividades
do mundo tornou-se uma das grandes buscas de alguns teóricos dos séculos XVII e XVIII, a
exemplo de Francis Bacon, John Locke, Jean Jacques Rousseau. As reformas no pensar sobre
a educação e a instrução ensejadas num contexto de transformações no social e econômico
buscam uma cultura de formação não mais limitada a uma versão de currículo antimundana,
literária, ornamental, mas sim, a formação de um indivíduo inserido na organização de
comunidade, um cidadão ativo, consciente dos seus direitos e deveres enquanto sujeito social,
mas sem perder os elos e costumes da nação e a possível prosperidade desta. O modelo
escolar da Escola Doméstica da Suíça trazia, aos olhos e mente dos seus fundadores essa
preocupação principalmente sobre a finalidade de a escola voltar-se para o mundo vivido,
para um currículo prático, composto de atividades complementares aos conceitos teóricos
sobre a vida e o universo feminino.
Voltando o olhar para esse contexto é que podemos compreender o significado
que a Escola Doméstica de Natal apresentava, tornando-se central nos discursos de muitos
intelectuais e políticos da época, no sentido de ser relevante para a formação de valores
coletivos (quais sejam, os morais, intelectuais, culturais) e conhecimentos práticos; uma
formação voltada para o social e útil para a sociedade, de acordo com um modelo produtivo
que despontava com o crescimento industrial, nas fábricas e no mercado, exigindo da escola
uma cultura de formação que passasse a privilegiar a pedagogia e seus elos com os objetivos
políticos e culturais da sociedade vigente.
Naquele momento, era necessário atualizar a escola (de preferência em
consonância com a nova ordem de idéias que circulavam) para uma sociedade que tentava
moldar-se como produtiva, aberta a inovações, transformada com o advento da República e
mudanças nos setores econômico e industrial que, desde o século XVIII, difundiu-se em parte
da Europa (embora com ritmos e intensidades diferentes) ativando um processo de redefinição
dos objetivos e dos instrumentos da pedagogia.
Tanto a prática quanto a teoria sofreram, naquele contexto, transformações,
colocando em discussão o repensar sobre novos protagonistas (criança, deficiente, mulher...),
tentando, portanto, renovar as instituições escolares e outras instâncias sociais a começar pela
família e pela fábrica. As renovações educativas e pedagógicas articularam-se de modo
103

constante no curso do século XX, propiciando pesquisas e novas buscas no campo da


instrução e à escola foram atribuídas transformações não só no seu aspecto organizativo e
institucional, mas e, principalmente, nos aspectos ligados aos ideais formativos e aos
objetivos culturais. (CAMBI, 1999).
A cultura escolar preconizada pela Escola Doméstica de Natal apropriou, de
certa forma, o ativismo circulante do período onde a ação e o dinamismo, a manipulação, a
aprendizagem em contato com o ambiente externo, as atividades não restritas exclusivamente
aos conhecimentos intelectuais, o respeito à manipulação, à atividade prática eram buscas
constantes, transpondo para o universo da escola algumas práticas associadas à vida. Segundo
Cambi (1999, p. 515) “Para tal fim, a escola deve tornar-se ‘ um pequeno mundo real,
prático’, e coligar sistematicamente a ‘ inteligência ‘ e a energia, a vontade, a força física, a
habilidade manual, a agilidade.”
Quando nos referimos à cultura da escola, envolvemos a compreensão dos
diversos elementos que se integram e fazem parte da vida de uma instituição educativa, desde
os sujeitos que nela atuam aos objetos materiais e simbólicos por eles produzidos,
construídos, manipulados e que fazem funcionar as engrenagens da escola. Essa cultura
escolar sofre transformações conforme as mudanças necessárias à própria instituição para se
adaptar ao novo mundo, bem como de acordo aquelas decorrentes da conjuntura histórica,
fazendo assim alterar significativamente as formas de pensar e agir dos sujeitos, sejam os
alunos, os docentes, os funcionários. A cultura escolar, portanto, manifesta, reage e se
autotransforma conforme necessidades.
No Rio Grande do Norte, o fundador da Escola Doméstica reconhecia essas
mudanças e exigências do mundo e a necessidade de repensar a escola sob novos moldes
diante do papel social desempenhado até então, nos início do século XX. Nessa mudança
elegeu a figura da mulher e a sua formação como necessária a ser repensada, pois considerava
superficial o ensino a ela atribuído nas escolas até então existentes, quanto aos ensinamentos
voltados para as finalidades da vida cotidiana. Assim expressava no seu tempo:

A educação feminina desde alguns annos vem soffrendo em quasi todos os


paizes da Europa e nos Estados Unidos seria modificação theorica e pratica.
Já não basta ás familias ricas o ensino ministrado commumente nos
collegios, constante do estudo superficial de humunidades e tendo por
accrescimo a aprendizagem sem profundesa de utilidade na existencia
cotidiana; e, relativamente ás classes pobres, a vida intensa dos grandes
centros industriaes e comerciaes collocan as mulheres em tal situaçào que o
ensino menagére se impoz, visto como fáltam ás empregadas laser e
104

estimulo para os serviços domesticos. (SOUZA, 1911, p 1).

Dos reclames por ele proferidos, admitia que, na França, houve progressos e
melhorias no sistema de ensino ao se implantar a criação de Liceus Secundários Femininos
em quase todo o território nacional. Estes passaram a privilegiar mudanças nos métodos e
programas de ensino voltados especificamente para a formação da mulher, tomando como
primazia uma instrução teórica e mais em harmonia com os interesses imediatos que a vida
doméstica impunha (como o uso metódico dos trabalhos domésticos). Ainda em defesa pela
implantação dessa organização escolar no Rio Grande do Norte e no Brasil, argumentava a
importância de se trabalhar nas instituições escolares a Economia Doméstica como ciência,
pois segundo a sua natureza e composição necessitaria ser apreendida via estudo científico.
O conhecimento reconhecido como ciência era um aspecto bastante destacado
nesse início do século XX, afinal a influência positivista do século XIX havia deixado grandes
marcas no Brasil, inclusive nas formas de se pensar e organizar os conhecimentos a serem
transmitidos nas instituições escolares. Dentre as diversas premissas dessa filosofia de
conhecimento estava a preocupação em empreender qualquer análise da sociedade quando
feita com verdadeiro espírito e rigor científico, de forma objetiva e isenta de metas
preconcebidas, elementos próprios das ciências em geral. Surgia uma nova concepção de
ciência, fundada na objetividade dos fenômenos, na valorização excessiva da ciência como
única via confiável para compreendermos os objetos, seguindo a resumida fórmula ‘saber para
prever’, a fim de prover’.
Nesse contexto, a filosofia positivista de Augusto Comte passou a influenciar
fortemente as formas de se pensar o conhecimento e sua socialização. Henrique Castriciano
de Souza reconhecia essa compreensão como necessária para entendermos os diversos
aspectos da existência humana, daí a sua proposta de ensino onde fosse pensada a mulher
apropriando-se de conhecimentos práticos, mas precisamente associados a uma compreensão
científica desses saberes. A fundamentação científica para ele era ímpar nos estudos
realizados nas escolas para educação feminina. Para ele:

Os múltiplos aspectos da exitencia humana assumem o caracter positivo da


epoca: a sciencia invadiu todos os dominios, afugentando o empirismo dos
seculos passados e dando lugar á lucida comprehensão dos phenomenos que
nos cercam. Assim sendo, a mulher, aquem estão confiados os misteres mais
delicados do governo da casa, desde os cuidados ás creanças á hygiene
105

alimetar de toda familia, não pode continuar na ignorancia dos alludidos


phenomenos. Dest’arte, se faz necessaria uma transformação radical no
ensino que lhe é facultado entre os latinos, principalmente entre nós, que lhe
imbuimos o espirito de idéas romanticas e a guiamos segundo os falsos
principios de uma educação que não raro a torna um ser frivolo, mal
adivinhando o immenso papel que lhe cabe na formação da patria. (SOUZA,
1911, p. 2).

Nas palavras proferidas por Henrique Castriciano de Souza (1927) na busca


por uma reformulação curricular das escolas para mulheres, percebemos dois enfoques
teóricos fortemente presentes: o Positivismo de Comte e o ativismo e Pragmatismo9 defendido
pelo norte americano Jonh Dewey; a ciência positiva como produtora do progresso em
contínua evolução, sendo elemento fundante para a compreensão dos fenômenos. A busca por
uma cientificidade aos fenômenos estudados foi colocada numa tentativa de primar pela
racionalidade e eficácia dos resultados.
A ciência e a técnica, segundo esse referencial, deveriam ser exaltadas, onde
os saberes experimentais ganhariam cada vez mais terreno na concepção de conhecimento
científico. A pedagogia, nesse contexto, caracterizava-se pela elaboração de perfis diversos de
educação escolar, familiar e social no ideário de formação do homem. A esta última, caberia a
conformar o indivíduo segundo necessidades e modelos expressamente sociais e funcionais
para o equilíbrio de uma determinada sociedade. (CAMBI, 1999).
Assim a educação escolar da Escola Doméstica de Natal funcionaria também
como um dos meios de propiciar à mulher a apropriação do conhecimento da ciência
doméstica, sendo este foco a ser abordado a partir de princípios científicos válidos enquanto
conhecimento, valorizando as interfaces teóricas e práticas das fases de apropriação,
experimentação, manipulação dos objetos, o que seria indispensável nos processos de ensino e
aprendizagem para um melhor rendimento e compreensão dos conteúdos estudados.
Conformar a mulher às normas e valores coletivos (como comportar-se bem,
saber expressar-se diante os outros, vestir-se com discrição e elegância) além de ser um
instrumento para perpetuar uma geração de tradições e saberes (pedagógicos e culturais) pela
mulher apreendidos e repassados no seio familiar e social (próprios do novo modelo político e
ideológico vigente e incorporado na preparação do homem, para a participação e

9
Vertente teórica que teve forte influência no Brasil a partir da divulgação dos ideais de John Dewey, norte-
americano, que defendia a atividade como elemento importante no processo de ensino e aprendizagem. A
atividade assumia papel relevante para que os sujeitos aprendessem fazendo, vivenciando situações próximas à
sua experiência de vida.
106

produtividade social). Manter a ordem e caminhar em direção ao progresso tornara-se uma


dimensão indissociável e necessária naquele momento para a Liga de Ensino do RN. A
reforma pela base educacional da mulher garantiria a harmonia social e econômica iniciada no
pequeno lar de cada uma, transpondo essa organização para grandes contribuições da
sociedade como um todo, caminhando para um progresso da nação.
O uso nas escolas de métodos intuitivos10 em oposição aos empíricos
enfatizaria as aprendizagens significativas, baseadas na construção das experiências dos
indivíduos, com princípios calcados na Pedagogia Nova. Então a educação nesse cenário
passava a ser defendida como processo de reconstrução e organização da experiência. A esse
respeito, segundo Valdemarin (1998, p. 80):

[...] com a adoção do método de ensino intuitivo, pretende-se educar a


criança a partir de novos padrões intelectuais, que têm sua origem numa
nova concepção sobre o conhecimento, que postula a origem das idéias nos
sentidos humanos e que, aplicada ao ensino, pretende formar indivíduos que
usem menos a memória e mais a razão e que valorizem a observação e o
julgamento próprios como meios de construção do conhecimento e da
implementação das atividades produtivas.

Nesse raciocínio, pensar os processos educativos trabalhados nas escolas seria


pensar a educação centrada na experiência, como intercâmbio ativo entre sujeito e natureza,
indivíduo e mundo, valorizando o fazer e as atividades práticas, pois o sujeito do
conhecimento passa a ser tomado como sujeito de ação, portanto, o conhecimento deveria ser
instrumento para a ação e não para a contemplação, favorecendo as interações entre o
indivíduo e a vida. A Escola Doméstica de Natal, no seu modelo escolar apropriou
preocupações com o ensino que valorizasse as atividades práticas (através de diversas
disciplinas sobre Economia Doméstica) particularmente o fazer nas ações domésticas à luz da
ciência.
No Brasil, evidenciamos preocupações com o ensino doméstico desde o
Império, onde as cadeiras de ensino privilegiavam as atividades práticas que envolviam

10
O Método intuitivo valorizava a intuição como fundamento de todo conhecimento, isto é, a compreensão de
que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação, partindo-se do conhecido para o
desconhecido. Surgido na Alemanha no final do século XVIII pela iniciativa principalmente de Basedow e
Pestalozzi, difundiu-se amplamente pela Europa na segunda metade do século XIX, quando o movimento de
renovação pedagógica entrou em sua fase ativa. Foi tributário das ideais dos pedagogos Rousseau, Bacon,
Rabelais, Comenius, Froebel, dentre outros e no Brasil teve forte influência no pensamento educacional e nos
métodos de ensino das escolas.
107

trabalhos manuais com o uso de agulhas (bordados, costuras, corte, serviços domésticos...) e
eram associados somente ao universo particular da mulher, no âmbito doméstico. De um
modo geral, as instituições que mais apresentavam essas preocupações eram as de
responsabilidade de ordens religiosas, sendo os preceitos morais e religiosos incluídos nessa
formação da mulher. Tomemos como exemplo o Rio de Janeiro que, em 1876, nas escolas
normais, tinha em seu currículo cadeiras de ensino que versavam sobre os trabalhos manuais
da mulher, higiene, prática de ensino e economia doméstica. (ALMEIDA, 2000).
A Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo localizada em
Petrópolis/RJ, era “[...] destinada à educação das moças desamparadas, onde elas são
educadas para o serviço doméstico ou para tornarem-se instrutoras [diga-se, professoras do
ensino primário - grifo nosso], quando rebelam aptidão especial para isto.” (ALMEIDA,
2000, p. 265). Era finalidade dessa escola ajudar às mulheres que estavam vivenciando
situações de miséria econômica e por vícios. A preocupação maior era com o assistencialismo
ao desamparo e proteção às mulheres desprotegidas. Não era, portanto, similar ao modelo
escolar que o intelectual Henrique Castriciano procurava para se espelhar na fundação em
Natal da Escola Doméstica.
No Rio Grande do Norte, durante o Império, submetidas ao método Lancaster
e sob a vigência da Lei 15 de outubro de 1827, as mestras ensinavam nas Escolas de Primeiras
Letras os conhecimentos sobre economia doméstica. Instituía a lei, no seu artigo 12, a
seguinte prerrogativa:

Art. 12 - As mestras, além do declarado no art. 6. com exclusão das noções


de geometria e limitando a instrucção da arithmetica só as suas quatro
operações, ensinarão tambem as prendas que servem á economia domestica;
e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas, mulheres, que
sendo brazileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais
conhecimentos nos exames feitos na fórma do art. 7. (RIO GRANDE DO
NORTE, 1827)

Muito embora a lei não se referisse a uma escola doméstica, mas às aulas
daquelas escolas sobre o referido assunto, podemos dizer que, naquele momento, já se
consignava a preocupação com a formação feminina para os afazeres do lar, o que denotava
nesse período a preocupação em evidenciar o que seria próprio do universo masculino e do
feminino.
108

2.2. Os princípios filosóficos da Escola

Falar da filosofia educacional da Escola Doméstica remete-nos aos princípios


educativos incorporados à cultura escolar dessa instituição em momentos históricos distintos,
bem como as suas finalidades sociais, porque educar para essa instituição de ensino
significava muito mais do que a mera transmissão de saberes pedagógicos; envolvia uma
formação intelectual, moral e física, formação que colocou a escola na posição primordial de
instância social, sendo, portanto, uma das suas finalidades educativas a preparação da mulher
para atuar socialmente, de acordo com os preceitos morais e culturais da época; uma formação
do Ser para a vida com base nas exigências materiais e morais. As atividades pedagógicas
trabalhadas no interior da escola eram incorporadas ao dia a dia da instituição com finalidades
educativas, consideradas de utilidade real para o sujeito do conhecimento (indivíduo) e para a
coletividade social.
Num primeiro momento, a partir do surgimento da Escola Doméstica de Natal
até aproximadamente as três primeiras décadas do século XX, podemos destacar nessa
filosofia educacional da Escola dois princípios básicos: o primeiro diz respeito à educação que
visava à preparação para a vida não dissociada, portanto, da realidade, das necessidades
sociais, proporcionando o ensinamento de saberes para serem usados na vida prática das
educandas. Nesse princípio, vislumbramos um fio condutor da filosofia pragmatista de Jonh
Dewey, onde o saber e o fazer caminham lado a lado, onde a sensibilidade, a ação e o
pensamento fundem-se e os processos de assimilação dos saberes emergem como processos
ativos, no domínio teoria/prática.
O educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) no século XVIII já
defendia a proposição da utilização ativa dos sentidos em substituição ao decorar da palavra.
Os processos de ensino e a aprendizagem deveriam proceder do conhecido para o
desconhecido, do simples para o composto, da síntese para a análise, obedecendo à ordem da
natureza do desenvolvimento humano. Pestalozzi enfatizou para tanto, a importância da
escola por ser a instituição que proporcionasse aos alunos a aprendizagem de habilidades
manuais como costurar, tecer, cozinhar, ou seja, a sua defesa primou por um ensino prático e
experimental, realçando o afeto como elemento educador.
Pestalozzi afirmava nesse tempo que a mãe de família era o tipo verdadeiro de
109

educadora primária, a quem competia, com afeto, esclarecer e cultivar a inteligência dos
filhos, de modo que a escola fosse apenas a continuadora da obra materna.
De igual forma, Friedrich Fröbel (1782-1852) deu ênfase às atividades no
sentido de atribuir a elas um significado lúdico e pedagógico. Na visão pragmatista de John
Dewey, o currículo escolar deveria ter como referência básica a preparação do indivíduo para
a vida e, nessa visão, caberia à instituição escolar elaborar atividades que levassem os aluno à
manipulação, experimentação, vivencias. Essas atividades deveriam soar em consonância
direta com a realidade de vida dos sujeitos, com seu universo particular para que pudessem
adquirir significados na sua vida.
Henrique Castriciano de Souza defendia a adoção na educação das crianças o
uso dos princípios pedagógicos de Fröebel, pois os considerava mais adequados à formação
de valores e hábitos na infância. Segundo ele “Com o regimen de Froebel, a criança é
submetida mais cedo á disciplina, aprendendo suavemente a obedecer sem vileza, adquirindo
hábitos de ordem, de asseio, de methodo.” (SOUZA, 1911, p. 47).
Além dessas proposições, a pedagogia de Froebel proporcionava, na visão de
Souza (1911), o respeito ao ritmo de aprendizado das crianças, o espírito infantil, dando
ênfase a aulas de desenho, canto, exercícios físicos, dentre outras atividades que, segundo ele,
seriam ideais para a mulher conhecer e repassar esses ensinamentos aos seus futuros filhos.
O pragmatismo apregoado por John Dewey também defendia a importância
nas escolas dos trabalhos manuais, pois, através do exercício, o indivíduo colocaria em prática
os órgãos do sentido, treinaria as habilidades de coordenação motora, etc. Nessa perspectiva,
os trabalhos manuais funcionariam como parte necessária ao desenvolvimento da inteligência
que estimularia intelecto, corpo, habilidades, etc., uma vez que a educação deveria estimular
as funções ativas do organismo humano. As matérias do currículo, por exemplo, deveriam ser
desenvolvidas mantendo conexão com o mundo real, com temas correlacionados à vida dos
alunos, proporcionando-lhes a capacidade de interagir com os outros, viver em sociedade,
participar do jogo social.
Elias (1994) ao tecer alguns estudos sobre a visão pragmática de conhecimento
de Dewey enfatizou que:

Segundo Dewey, o fato de tornar atividades domésticas como referência para


o desenvolvimento do currículo não significava que o propósito da escola
fosse ensinar a cozinhar, costurar ou construir, deixando de lado o
desenvolvimento de habilidades como ler, escrever e contar. A idéia era que
110

estas habilidades emergissem gradualmente das atividades que integravam o


currículo. (ELIAS, 1994, p. 90).

É importante evidenciar que essa visão apresentada por Dewey em


determinado momento histórico buscou provocar algumas rupturas com as formas tradicionais
de conceber o conhecimento e, nesse sentido, trouxe à discussão o conceito de atividade como
expressão máxima e forma de caminho para o sujeito do conhecimento chegar aos conceitos
nas diversas áreas de estudo. O escolanovismo teve como fundamento a concepção
humanística da moderna filosofia da educação, cuja inspiração principal foi a corrente do
pragmatismo. Nessa perspectiva, o ensino passou a ser visto como processo de pesquisa que
deveria privilegiar a obtenção do conhecimento em detrimento da transmissão.
Os diversos pensadores que destacamos anteriormente, próprios do século
XVIII como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e
Friedrich Froebel (1782-1852) e outros relevantes, contribuíram para assinalar uma nova fase
da história da pedagogia e de uma nova escola. Suas idéias ultrapassaram o século XVIII e
influenciaram as diversas concepções de sujeito, aprendizagem e conhecimento dos
educadores dos séculos seguintes. O final do século XIX, por exemplo, foi palco de
discussões sobre o campo educacional, principalmente na realidade americana onde as idéias
sobre educação e conhecimento estavam em estado de ebulição, ativadas pelas correntes
teóricas que acreditavam na necessidade de mais liberdade para a criança investigar,
conhecer, interrogar, experimentar e interagir com o meio. A Europa também foi grande palco
dessas discussões, representando no contexto mundial lugar de relevante desenvolvimento
pedagógico.
Os princípios pedagógicos que circularam na Europa e nos Estados Unidos
penetraram fortemente na realidade brasileira, de forma que alguns educadores começaram a
pensar nas possibilidades de adaptar a nova pedagogia às situações de ensino e aprendizagem
local. Teremos nas primeiras décadas do século XX algumas referências de discussão nesse
sentido por educadores no Brasil como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Carneiro Leão
e mais particularmente no Rio Grande do Norte os intelectuais Nestor dos Santos Lima, José
Augusto de Medeiros, Henrique Castriciano de Souza e outros.
Por ser considerado o modelo ideal da nova pedagogia, a Escola Doméstica de
Natal integrou no seu trabalho pedagógico a atividade como elemento importante na
formação das educandas, partindo do pressuposto que ela, por si só não era suficiente;
111

precisaria haver uma relação íntima entre o aprendizado teórico e o manual.

O estudo, mesmo elementar, das mathematicas e das Sciencias naturaes


dispõe o espírito para as realidades da existência, desvendando-lhes
horisontes novos, em que a alma se encontra com o mundo exterior,
aprendendo facilmente a ama-lo. E esse amor é a vida nova, a extincção de
preconceitos quanto à actividade familiar, o trabalho manual acompanhando
o raciocínio, a imaginação disciplinada, conduzindo à realidade bem fazeja e
não à inércia dissolvente. (SOUZA, 1911, p. 27).

O saber fazer passou a importar mais do que a contemplação do mundo e esse


fazer estava presente nos métodos de ensino da Escola Doméstica ao colocar a mulher em
situações de contato direto com os saberes práticos, como por exemplo: aprender a fazer e
cultivar uma horta, organizar uma casa, ter noções de puericultura (cuidar de crianças),
aprender a costurar, a cozinhar, dentre outras atividades incorporadas ao currículo e que
seriam formas de oferecer às alunas oportunidade de manipular, experimentar, expressar seus
potenciais e vivenciar situações relacionadas ao cotidiano da mulher.

FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de culinária, 1918.
Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal. Natal, RN.
112

A foto em destaque retrata um dos momentos de atividades práticas


vivenciados pelas alunas, uma aula de culinária onde, após receberem ensinamentos
sobre o uso dos alimentos, o valor nutritivo e seus benefícios, partiam para uma aula
prática acompanhadas sob a orientação de uma docente. O princípio do aprender a
fazer era uma filosofia de ensino considerada na metodologia de trabalho da escola.
O outro princípio, totalmente relacionado com o anterior, converge para a
funcionalidade da educação na sociedade, sendo a mesma, segundo os ideais da Escola
Doméstica, sinônimo de civilidade e instrumento de modernidade e reconstrução social, ou
seja, ao propor a paz, a moral, os bons costumes, a harmonia social através da educação,
prevalecia a formação do caráter, dos valores nacionais.
Mais importante ainda era a redefinição da finalidade da pedagogia enquanto
programa de reconstrução social, supervalorizando os aspectos técnicos e metodológicos. No
que seja “o ideal de homem culto era suplantado pelo ideal de homem prático: o homem
novo.” (MONARCHA, 1989, p. 15). Isso era visto como signo de uma educação para uma
civilização em mudança, que era lema de reformadores em educação no Brasil como
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, entre outros.
Na Escola Doméstica, podemos dizer que o ideal de mulher deveria ser
suplantado pelo ideal de mulher prática, civilizada, com uma formação voltada para sua vida,
para o seu dia-a-dia nos espaços privado e social. Nesse momento, a ED priorizou como
princípio educacional o fazer numa outra dimensão apresentada nas décadas anteriores, ou
seja, aproximadamente na década de 20, e mais enfaticamente nos anos 40 do século XX, o
fazer proposto traz uma característica de racionalidade da ação. Isso significou para o
currículo a introdução de atividades educativas escolares baseadas na eficiência e na eficácia
dos resultados das práticas domésticas ensinadas.
Nesse contexto, a filosofia de formação feminina trouxe embutido o referencial
de mulher equilibrada financeiramente, econômica no uso dos recursos do lar, organizada em
suas tarefas domésticas.
As anotações de aula contidas no caderno da aluna Lamartine no ano de 1920
já indicavam essa preocupação da escola, ao destacar:

Da organização e boa administração de uma família, é que depende o


progresso e o futuro de uma nação. Neste assumpto, como em muitos outros
113

não pode de nenhum modo ser dispensada a collaboração da mulher. A


mulher econômica cumpre administrar prudentemente os deveres dos seus,
evitar disperdicios, gastos excessivos, inúteis, etc.” (LAMARTINE, 1925).

Como evidenciamos anteriormente, o saber e o fazer cumpriram duas


exigências básicas: proporcionar uma aproximação do teórico com a vida prática e incutir na
ação o princípio da organização social e do trabalho, que seria nessa perspectiva uma espécie
de introdução da mulher à vida social.
Também destacamos na filosofia da Escola dois princípios básicos: o primeiro
remete ao significado da palavra educar, tomada enquanto processo contínuo de preparação
para a vida, não dissociada, portanto, da realidade e das necessidades sociais, capaz de
proporcionar ensinamentos e saberes para serem de utilidade prática no dia-a-dia das
educandas. Para tanto, a escola também precisaria ser um pequeno meio social com vida
própria, daí a preocupação que tinha em proporcionar às alunas oportunidades para sentirem,
processarem, buscarem dominar situações e expressarem potenciais através das oficinas como
as de horticultura, culinária, costura que na sua essência suscitava o exercício mental e físico.
Esses princípios materializavam-se na organização da estrutura curricular que absorvia
obviamente a filosofia da instituição. A construção do currículo escolar foi gerada para
cumprir, portanto, tais finalidades, atendendo aos preceitos da pedagogia nova.
Outro princípio bastante presente na Escola Doméstica de Natal refere-se às
formas de se pensar sobre o papel da mulher na sociedade. Muito embora tenhamos percebido
a preocupação, dentro das finalidades de ensino explicitadas pela instituição, de preparar a
mulher para agir segundo as adversidades da vida, para atuar socialmente de forma ativa e
participativa, ainda assim a função da mulher diante do social aparece de forma restrita,
atrelada à convivência do espaço doméstico e submissa ao sexo masculino.
Na nossa percepção, isso se deu mediante os valores culturais construídos
socialmente e historicamente no decorrer dos anos, assim como pela grande influência da
corrente filosófica positivista no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Os
teóricos adeptos do Positivismo defendiam a posição da mulher na sociedade como sendo
submissa ao homem, devendo ela reservar-se às tarefas próprias do universo feminino: tarefas
do lar, como costurar, cozer, cozinhar, bordar, etc., visão que marcou fortemente a imagem da
mulher no início da República, no Brasil.
O Positivismo como corrente de pensamento originou-se do desejo do homem
em dominar o saber com conhecimentos confiáveis e práticos. Trouxe à discussão a idéia de
114

ciência exata, buscando medir o feito da realidade. O valor do conhecimento produzido


repousaria essencialmente sobre o procedimento experimental e a quantificação da
observação. Todo conhecimento, portanto, tendo origem na realidade subjetiva (crenças,
valores, etc.) seria considerado suspeito. Nessa perspectiva filosófica, a sociedade deveria ser
regulada por leis invariáveis que independem da vontade humana, significando dizer que
essas mesmas leis seriam objetivas, do mesmo tipo das leis naturais, no sentido atribuído por
Lowy (1985, p. 36) ao discutir sobre o positivismo:

A pressuposição fundamental do positivismo é de que essas leis que regulam


o funcionamento da vida social, econômica e política, são do mesmo tipo
que as leis naturais e, portanto, o que reina na sociedade é uma harmonia
semelhante à da natureza, uma espécie de harmonia natural.

Nessa preposição, Augusto Comte afirmava o fato de a mulher ser submissa


como uma condição natural, resultante de leis naturais que são invariáveis e independem dos
contextos diferenciados. O positivismo também influenciou incisivamente o campo das
ciências, apresentado uma concepção sobre conhecimento que deveria ultrapassar o campo da
intuição e avançar para o mundo da objetividade dos fenômenos. Apresentou, para tanto,
como características centrais a objetividade, a experimentação, a validade, as leis e previsão.
Na objetividade, tudo que é subjetivo é abolido, dando sentido a um controle sobre o sujeito,
para isso, os procedimentos usados para conhecer o fenômeno deve ser o da precisão, tudo
que controle a ação do sujeito sobre o objeto. A experimentação seria a ênfase na observação
dos fenômenos estudados, pois ela conduz o sujeito a suas causas e conseqüências, que é a
hipótese. O teste dos fatos e a experimentação é que poderiam demonstrar a sua precisão. A
validade do conhecimento seria fundamental, pois ele precisa ter precisão. A experimentação
deveria ser rigorosamente controlada; concluir a validade dos resultados é generalizá-los,
torná-los universal.
As leis e a previsão eram fundamentais nessa filosofia, pois o conhecimento
Positivo era determinista. Conhecer as leis permitiria ao homem prever os comportamentos
sociais e geri-los cientificamente.
Historicamente, a corrente de pensamento positivista esteve ligada à expressão
lógica, apresentando desconfiança contra a filosofia e qualquer ciência que conduzisse a uma
especulação. Dessa forma, desinteressou-se pela problematização do sujeito e o objeto e
115

agarrou-se às condições lógicas do enunciado.


Esse modelo ligado às ciências exatas e naturais depositou confiança na
objetividade e na neutralidade dos fenômenos, tendo como modelo fundamental a lógica
matemática, exata e supra-histórica. Nessa lógica, segundo Demo (1987, p. 103):

A finalidade da ciência é estabelecer a verdade, compreendida como algo


factível e definitivo. Embora não insista muito em evidências empíricas,
preocupa-se mais com a tessitura lógica da linguagem científica, que procura
evidenciar-se em transparência explicativa e no seu fluxo dedutível sem
contradições.

Podemos aferir que a corrente Positivista no Brasil marcou incisivamente as


diversas formas de se pensar a educação e a ciência. As diversas instituições escolares no país
não se abstiveram dessa influência; os colégios militares foram exemplos típicos da
penetração desse ideário assim como outras instituições escolares públicas e privadas. A
Escola Doméstica de Natal, através do seu currículo de ensino, foi uma das portadoras dessas
idéias em determinado tempo, a começar pelo ideário de educação feminina do precursor da
Escola, Henrique Castriciano de Souza, como já evidenciado no início deste estudo.
116

FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, ao centro em pé, em
destaque vestido de branco, o Ministro das Relações Exteriores Oliveira Lima.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1919.
117

CAPÍTULO 3

Docentes e discentes: construtores de


uma nova cultura escolar
118

3.1. As primeiras diretoras e professoras

FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1925.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

O caráter singular do modelo escolar da Escola Doméstica de Natal,


condizente com as finalidades de ensino propostas, também se evidenciava no seu corpo
docente, pois este foi composto inicialmente por professoras vindas de outros países com a
finalidade de pôr em prática o modelo curricular idealizado, com a justificativa de que, na
cidade de Natal, não havia ainda professoras com as devidas qualidades exigidas pela ED que
pudessem atuar no seu quadro funcional e implantar a estrutura curricular proposta no modelo
de Escolas Domésticas da Suíça, porquanto só existir em funcionamento na época a Escola
Normal de Natal para formação do quadro de Magistério e os seus métodos de ensino
apregoados não serem suficientes e condizentes com a formação exigida pela ED de Natal.
119

De acordo com filosofia da ED, para exercer a função de docência deveria a


LERN proceder a uma contratação de professoras formadas em instituições de ensino
principalmente européias, acreditando-se, com isso, que essas professoras trariam no seu
currículo mais conhecimentos sobre os novos métodos de ensino da pedagogia em discussão
e, consequentemente, mais experiência profissional.
Dentre as qualidades especificadas estavam: ter o domínio da escrita e da fala
em mais de uma língua, ter um prévio conhecimento do Programa traçado pela ED e sobre a
educação e instrução femininas, experiência de sala de aula e algumas recomendações sobre a
sua prática pedagógica e vida social. Observando a foto destacada no início deste capítulo,
que é riquíssima em detalhes, destacamos as formas de sentar, vestir, olhar e apresentar-se
socialmente pelo (a) professor(a), onde se sobressaia a origem social desse profissional, sua
seriedade e discrição. A imagem nos reporta a um tempo em que o (a) professor(a) era uma
pessoa bastante respeitada pela sociedade e exigida em seus comportamentos, pois ensinar
naquele tempo, início do século XX, no Brasil, significava além de ter o domínio dos
conteúdos a serem lecionados, também comportar-se segundo os critérios de moralidade e
respeitabilidade social perante os outros indivíduos.
A maneira de se vestir de uma professora ou professor desse período e a sua
reputação a zelar, eram indicativos importantes para se conseguir um emprego. Esse
profissional terminava assumindo, desta maneira, um caráter assexuado e distante de uma
realidade pessoal. A imagem séria e impessoal registrada na foto anterior materializava-se
com a ajuda da indumentária. Essa forma de vestir-se, discreta, sem muitos adereços
contribuía para o docente ou discente manter uma postura austera, séria, respeitável, sóbria,
obedecendo a um estilo modesto. Essa representatividade de ser professor, em que este
deveria ser intelectualizado, reservado e pouco afeito aos modismos, parte da representação
de mulher professora construída historicamente e tão difundida socialmente no período.
A expressão repassada na fotografia exibida, a qual está sendo analisada neste
trabalho, imprime, a nosso ver, ares de intelectualidade, mas também, de imperiosidade no
comportamento. Acreditamos que essa imperiosidade nas formas de postar-se socialmente,
deveria servir de exemplo às discentes que viessem estudar na Escola Doméstica de Natal.
Nas primeiras décadas do século XX, tínhamos um quadro docente no Rio
Grande do Norte onde, em média 67%, eram do sexo feminino, atuando no interior do Estado,
sendo 33% do sexo masculino, o que denotava explicitamente que a predominância do quadro
profissional era composta por mulheres. Sobre essa realidade Souza, Valdemarin e Almeida
(1998, p. 109) consideram que:
120

O discurso ideológico que se seguia a essa demanda construiu uma série de


argumentos que alocavam às mulheres um melhor desempenho profissional
na educação, derivado do fato da docência estar ligada às idéias de
domesticidade e maternidade. Essa ideologia teve o poder de reforçar os
estereótipos e a segregação social a que as mulheres estiveram submetidas
socialmente ao longo das décadas.

Nesse entendimento, cuidar de crianças e educar eram missões específicas do


universo feminino, por isso o magistério revelava-se como lugar de excelência para a maioria
das mulheres. Em Natal, a maioria das discentes eram formadas pela Escola Normal de Natal.
Apesar da existência de um quadro bastante significativo no Estado em termos de percentual
de profissionais do sexo feminino atuando no magistério, a Escola Doméstica de Natal tinha
os seus critérios particulares de exigência para contratação do quadro docente e administrativo
da instituição, tanto que era composto por homens e mulheres.
A administração Escolar, na primeira década de fundação da ED, foi exercida
por professoras estrangeiras, mediante um contrato realizado entre governo do Estado do RN
e Escola Doméstica de Natal, intermediada pelo Ministério das Relações Exteriores do
Estado. As professoras Suíças Hélene Bondoc e Jeanne Negulesco, ambas diplomadas pela
Escola de Friburgo, fizeram parte da direção da ED de Natal durante o período de 1918.
Posteriormente, exerceram o cargo as docentes Eleonora James (norte-americana), até o ano
de 1922, e dando continuidade, a Alemã Alexandra Von Schimnielpfeig que permaneceu na
direção do estabelecimento durante um ano, o de 1923. Edwigs Schüller, de origem brasileira
e de pais alemães (sendo a Alemanha o lugar onde morava à época) foi contratada para
exercer o mandato no período de 1924. A irlandesa Isabel Baird assumiu durante o ano de
1925 e a francesa Júlia Severive foi a última estrangeira a assumir o cargo de direção da ED
de Natal no ano de 1926.
No que se refere à parte administrativa e pedagógica da Escola esta sempre
esteve sob a responsabilidade e critério de seleção da Liga de Ensino do RN que buscou,
desde o início de fundação da ED, manter uma rigorosa seleção dos seus funcionários, bem
como, a iniciativa de manter intacto o plano educacional traçado inicialmente. Este plano
envolvia uma cultura de formação geral e uma parte específica que se destinava a formar
conhecedoras dos saberes domésticos.
A seguir destacamos numa ordem cronológica as fotos das primeiras docentes
que lecionaram na Escola Doméstica de Natal:
121

Helene Bondoc
De nacionalidade Romênia
Professora diplomada pela Escola de
Menagère, Suíça
Atuou como diretora no período de 1914
a 1918

Mlle Jenne Negulesco


De nacionalidade Suíça
Diplomada pela Escola de Friburgo/
Suíça
Atuou como diretora da Escola Doméstica
de Natal entre os anos 1914 -1918.
122

Sra. Leonora James


De nacionalidade Norte-americana.
Exerceu o cargo de diretora da Escola
Superior do Estado da Virgínia e da
Carolina do Norte
Atuou como professora e diretora da
escola no período de 1919 a 1922. Regeu
as cadeiras de Química, Pedagogia,
Álgebra e Caligrafia.

Isabel Baird
Natural da Dinamarca
Diretora no ano 1925 (faleceu nesse
mesmo ano)
123

Sra. Julie Serivé


De nacionalidade Francesa
Atuou como diretora em 1926. Foi a última
estrangeira a assumir a direção da Escola
Doméstica de Natal.

Caetana de Brito Guerra


Brasileira, natural de Caraúbas/RN.
Diplomada pela Escola Doméstica de
Natal, com curso de aperfeiçoamento na
Bélgica..
Atuou como diretora de 1930 a 1935
124

Alix Ramalho Pessoa,


Brasileira, natural da Paraíba.
Diplomada pela Escola Doméstica de
Natal, com curso de aperfeiçoamento na
Bélgica.
Sua atuação como diretora ocorreu no
período de 1935 a março de 1944

Amélia Bezerra Filha, mais conhecida


como Melissinha
Brasileira, natural de Natal/RN
Diplomada pela Faculdade de Filosofia
do Rio de Janeiro.
Atuou como diretora de abril a
novembro de 1944
125

Sra. Noilde Ramalho Pessoa


Brasileira, natural de Nova Cruz/RN
Diplomada pela Escola Doméstica de
Natal
Atuou como diretora desde 1945 e até
os dias atuais encontra-se na direção
da Escola.

Conforme o quadro apresentado das docentes, compunha o corpo


administrativo e docente, inicialmente, as professoras advindas de países como a França,
Irlanda, Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, dentre outras localidades, especificamente com a
missão de engendrar e organizar o ensino doméstico em Natal na Escola Doméstica de Natal,
tomando como base a formação educacional para as mulheres da Suíça (especificamente o
modelo de Escola Ménagère) quanto aos hábitos culturais, normas de civilidade e condutas,
com o objetivo de adaptá-las à cultura brasileira e norte-rio-grandense.
Essa característica muito nos chamou a atenção na nossa pesquisa porque
evidenciava dois grandes aspectos: o primeiro que primava pela preocupação da Liga de
Ensino em assegurar, quase plenamente, a implantação do modelo curricular suíço a partir de
professoras que apresentassem em seu currículo profissional, o conhecimento do plano de
estudo traçado e da cultura dos países ditos desenvolvidos na época. Mesmo sem apresentar o
domínio da língua portuguesa, algumas professoras estrangeiras foram contratadas sem
dificuldade; esse não foi um empecilho. O segundo aspecto refere-se em garantir que um
pequeno grupo seletivo se dispusesse a conhecer de perto o Plano de estudo traçado pela
LERN, o que significava, na nossa percepção, uma espécie de poder daquela minoria que iria
executar o Programa de Estudos idealizado. Com isso, consideravam-se as recém diplomadas
pela Escola Normal de Natal como dispensáveis ao quadro administrativo e docente da ED,
126

pois a elas não caberia inserir-se numa cultura escolar tão diferenciada da sua formação
cultural e mesmo pedagógica.
Além do que havia sido traçado pela LERN no referido Regimento Escolar, no
que se referia às normas e ao cumprimento dessas, as docentes e diretoras da escola, mesmo
as advindas de culturas diferentes da do Brasil e particularmente da cidade de Natal, teriam
que fazer novas apropriações da realidade local.
Evidenciamos também que nesse primeiro grupo de diretoras e professoras da
ED de Natal havia pessoas que na Escola, passaram a ser consideradas as precursoras e
construtoras da cultura escolar, tendo inicialmente como base teórica a fundamentação nos
preceitos da Pedagogia Nova e das novas formas de perceber o ensino e a aprendizagem,
dispondo a formação feminina em novos patamares de elevação cultural que se sobressairia
diante de uma formação restrita às primeiras noções de matemática e língua portuguesa, para
uma formação mais integral e geral da mulher.
Dialogamos com as fontes documentais durante a análise dos dados levantados
para identificar quais foram os principais motivos que ocasionavam o afastamento de algumas
docentes e diretoras da ED de Natal, pois algumas, como demonstrado no quadro citado
anteriormente, permaneceram durante pouco tempo, seja na administração do estabelecimento
ou mesmo lecionando, como foi caso da professora Amélia Bezerra Filha, que apenas
permaneceu na direção da escola por um período de sete meses porque decidiu contrair
matrimônio. Dentre os vários motivos evidenciavam-se nas rescisões contratuais as
dificuldades de adaptação às condições climáticas da cidade de Natal, problemas de
estabelecimento de comunicação com as alunas da Escola em língua portuguesa, permanência
por longo período distante dos entes familiares, casamento, etc.
Obviamente, eram motivos previsíveis de acontecer, tendo em vista que as
professoras quando eram contratadas pela LERN tinham que manter uma vida austera, pacata,
restrita ao universo escolar, onde tinham que trabalhar e morar, não podendo sequer receber
visitas que não fossem permitidas pelo estabelecimento do ensino e solicitadas com
antecedência. Algumas das professoras, por exemplo, explicitaram o desejo de reencontrar os
familiares, retornando ao seu país de origem.
Dentre os critérios particulares da Liga de Ensino do RN para seleção das (os)
primeiras(os) professoras(es) a compor o quadro da docência da escola, havia a exigência de
se ter uma boa formação intelectual e moral, ter uma boa índole social baseada nos bons
costumes. A expressão bons costumes consubstanciava-se na expectativa do indivíduo já ter
adquirido nos seus hábitos rotineiros bons comportamentos aceitos socialmente: saber vestir-
127

se e expressar-se adequadamente de acordo com as ocasiões, ser sociável, educado e ter


autocontrole de suas ações pessoais.

O corpo docente, escolhido não somente por causa do preparo, mas também
por causa da influencia moral e social, que possa exercer sobre o corpo
discente, une-se à grande família” e promove, de quando em quando festas
intimas, divertimentos, passeios, concertos e recepções, com o fim de alegrar
as alumnas, instruindo-as e dando-lhes bastante pratica na vida social; não
sendo, porem, permitido bailes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1927b, p .6-7).

Percebemos que uma das exigências na época para a cátedra era ter uma boa
índole moral e social. O que caracterizava a formação docente era uma formação pedagógica
acompanhada de uma boa reputação perante o social, estabelecendo-se, com isso, alguns
critérios sobre a atuação docente e sobre os saberes necessários à profissão.
Vejamos que, naquele momento histórico estávamos diante de um quadro
esboçando a representatividade do que se entendia por um bom professor: boa índole,
formação de valores morais e espirituais, conhecimento intelectual aflorado, boa
representatividade perante a sociedade enfim, critérios que ultrapassavam como mero pré-
requisito o domínio dos saberes específicos ao ato de ensinar. Nesse sentido, para a
contratação do quadro docente inicial, a Liga de Ensino do RN necessitaria dispor de recursos
financeiros para custear a vinda e a estada dessas docentes advindas principalmente da
Europa, fato que seria inviável caso não tivesse ocorrido uma cooperação do Governo do
Estado do Rio Grande do Norte, no sentido de providenciar recursos financeiros em prol da
contratação das professoras. Encontramos na nossa pesquisa, alguns registros das relações
ocorridas entre a Liga de Ensino e o Governador do Estado na época, representado pela
pessoa de Alberto Maranhão, político local, representante de grupos oligárquicos no Estado.
Segundo a Liga de Ensino do RN foi:

Graças aos bons ofícios do então Ministro dos Negócios Exteriores, o Dr.
Lauro Muller e do diplomata representante do Brasil, na Suíça, o Dr. Raul do
Rio Branco, e com o patrocínio do Governo do Estado, foram contratadas,
por 4 anos, professoras renomadas que organizaram a Escola Doméstica de
Natal, nos moldes da École Ménagère de Friburgo, na Suíssa. (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 13)
128

Reconhecemos que a contratação pelo governo do Estado das primeiras


docentes para lecionarem na Escola Doméstica de Natal ocorreu também, devido às relações
políticas que Henrique Castriciano de Souza e os demais intelectuais que compunham a
LERN mantiveram com o governador Alberto Maranhão, uma vez que, ao ocupar o cargo de
Secretário administrativo do Governador na época, Castriciano conseguiu estabelecer
influentes ligações com as autoridades locais.
Esse ato do governador local de contratar docentes de outros países (custeando
todas as despesas, incluindo a estada na Escola Doméstica de Natal e os seus respectivos
salários) para lecionarem numa instituição de ensino particular, contradizia profundamente
com a realidade precária em que se encontravam as escolas públicas da cidade de Natal, uma
vez que (como já anunciado anteriormente) as condições estruturais da maioria das
instituições de ensino existentes na cidade, bem como a ausência de um melhor investimento
no quadro docente (em termos de trabalho e remuneração salarial) convocavam seriamente as
autoridades públicas a um olhar mais atencioso e cuidadoso com a educação pública.
Muito embora não seja esse o objeto de análise neste estudo, não poderíamos
deixar de destacar os nossos reclames ao descuido permanente das autoridades públicas com a
educação destinada particularmente aos grupos menos favorecidos economicamente naquele
momento. A Escola Doméstica, nesse contexto, mesmo não sendo uma instituição pública de
ensino, recebeu altos investimentos de ordem pública para funcionar. Para essa modelo dec
escola, a maioria dos natalenses não dispunha de recursos econômicos para freqüentá-la, pois
era uma escola destinada às camadas mais privilegiadas da população, logo uma instituição
destinada a uma pequena parcela da elite potiguar.
Mesmo contradizendo com a uma realidade evidentemente carente de mais
atenção para as instituições públicas de ensino no Rio Grande do Norte, foram realizadas as
devidas contratações pelo Governo local e pela LERN para que a Escola Doméstica de Natal
pudesse iniciar a sua programação de funcionamento e as professoras advindas do exterior,
pagas pelo governo local, viessem com a finalidade de repassar os ensinamentos aprendidos
na Escola de Menáger da Suíça e atuar na direção e no corpo docente na ED de Natal.
É importante também evidenciar nesta pesquisa que no ano de 1959, a partir de
um Acordo firmado entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN (que tinha
como reitor o Sr. Onofre Lopes da Silva) e o governo do Estado do RN ocorreu a inclusão da
Escola Doméstica de Natal como órgão complementar da UFRN, o que significava firmar
mais uma vez a parceria entre a iniciativa privada a pública, uma vez que esse Acordo
possibilitou à universidade disponibilizar alguns professores do seu corpo docente para
129

lecionar gratuitamente na ED de Natal, apesar da instituição cobrar mensalidades a seu corpo


discente, caracterizando-se, portanto, como uma escola privada. Esse acontecimento foi
noticiado e registrado oficialmente no jornal da cidade e nos documentos oficiais da Escola,
pelas quais a LERN ficou reconhecida como uma entidade prestadora de serviço público à
população potiguar, cabendo então receber quando possível auxílio financeiro do poder
público.
Em consonância com os dispositivos legais vigentes na legislação de ensino do Rio
Grande do Norte, através do Decreto n.° 239 de 15 de dezembro de 1910, em seu Título VI
que tratava das Disposições Comuns aos Estabelecimentos de Ensino Particular, temos:

Art. 159. O Governo subvencionará, pela maneira mais conveniente e dentro


das forças do orçamento, os institutos e escolas particulares que, pelo seu
destino e organização pedagógica merecerem o favor público, a juízo do
Conselho de Instrucção.
Art. 160. Os estabelecimentos subvencionados pelo Estado ficarão sujeitos á
fiscalização immediata da Directoria Geral que, pelos seus propostos, visará
ao Regulamento ou Estatutos adaptados.
Art. 161. O Governo do Estado privará de subvenção qualquer
estabelecimento que infringir os respectivos Regulamentos ou Estatutos ou
que recusar-se ás modificações pelo progresso pedagógico, mediante
proposta do Director Geral. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 140).

A Escola Doméstica de Natal obedecia às exigências legais no que concernia


ao seu Estatuto de Ensino interno, aos preceitos pedagógicos, às normas de higiene, à
contratação de funcionários, por isso não houve nenhum critério negativo que impedisse a
subvenção financeira do poder público para a instituição da ED. Como evidenciamos
anteriormente, as contratações foram feitas com ajuda do Senhor Ministro Lauro Muller,
responsável pelas relações com o exterior, que conseguiu viabilizar o contato com o
consulado de outros países. A relação que Henrique Castriciano manteve politicamente com o
ministro facilitou naquele tempo as rápidas contratações das professoras, não havendo
entraves, nem dificuldades de espécie alguma no momento das negociações.
Dessa forma, a última estrangeira a ocupar o cargo de diretora da instituição
foi a professora Julie Serivé de nacionalidade francesa que se manteve na função durante o
ano de 1926. A partir do ano seguinte as diplomadas brasileiras passam a compor a diretoria
de ensino da Escola Doméstica de Natal, iniciando pela diplomada pela Escola Normal de
Natal Maria Emiliana Silva que se propôs a dar continuidade aos trabalhos das suas
130

antecessoras, permanecendo no cargo no período de 1927 a 1930, seguida pela professora


Caetana de Brito Guerra (atuou de 1930 a 1935), diplomada pela Escola Doméstica de Natal,
com Curso de aperfeiçoamento na Bélgica. Segundo documentação levantada “Sua atuação
foi deveras notável, não só pela capacidade intelectual que revelou, como pelo tino
administrativo manifestado durante a fase aguda do período revolucionário, quando muitas
foram às dificuldades de ordem econômica e financeira a enfrentar e vencer.” (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 13). Dessa fase em diante, a Escola Doméstica de Natal
somente contratou professoras brasileiras para ocupar o cargo de diretoria da escola.
A partir de 1927 o corpo diretor passou a ser composto por mulheres
brasileiras diplomadas pela ED de Natal e o instigante nessas primeiras contratações é o fato
de considerar como um dos pré-requisitos centrais a categoria das ex-alunas para ocupar esses
cargos; uma tradição, por certo, que perdurou por muitas décadas na história da ED de Natal.
O que poderia ser considerado um aspecto secundário, pouco significativo - o
caso da contratação pela LERN de ex-alunas da ED para lecionarem na própria instituição em
que passaram anos compondo o quadro discente - ao contrário, contribuía para perpetuar, ou
mesmo, garantir a continuidade das práticas educativas, de forma que a cultura escolar
apropriada fosse também a repassada pelo mesmo sujeito, a ex-aluna que assumiria no futuro
a posição de docente.
Nessa perspectiva, a ex-diplomada pela Escola, a aluna Maria Emiliana Silva
foi uma das primeiras ex-discentes a ser convocada para assumir o cargo de direção no ano de
1927, ocupando-o durante o período de três anos, seguida da ex-aluna Caetana de Brito
Guerra que tinha no seu currículo um Curso de aperfeiçoamento sobre Educação Doméstica
feito na Bélgica, exercendo o cargo de 1930 a 1935.
Também tendo estudado na Bélgica durante alguns anos, a ex-aluna Alix
Ramalho Pessoa foi contratada durante o período de 1935 a março de 1944. Segundo
Medeiros (2001, p. 174), esta última era e “Dotada de grande capacidade intelectual e
administrativa, prestou à Escola, durante nove longos anos, assinalados serviços domésticos.”
Posteriormente, de abril a novembro de 1944, assumiu o cargo, a ex-diplomada pela ED e
também diploma pela Faculdade de Filosofia do RJ, a Sra. Amélia Bezerra Filha. Por fim,
exaltamos a figura da professora Noilde Pessoa Ramalho, também ex-aluna da escola que
assumiu a direção do estabelecimento em março de 1945 até os dias atuais.
Tentamos compreender o que mudou na cultura escolar da Escola Doméstica
de Natal com a saída das estrangeiras do quadro administrativo e a entrada das diretoras
brasileiras. Pela análise realizada nos documentos escritos, não foi possível compreender essa
131

mudança, no entanto, a entrevista com uma ex-aluna e professora do estabelecimento suscitou


alguns aspectos que ajudaram nesse entendimento. Uma das grandes mudanças apontadas
pela entrevistada foi o fato de as diretoras brasileiras, por serem típicas da região e do país, de
adaptarem-se melhor à filosofia da escola e fazer maior estruturação do currículo e de sua
prática com a cultura local, assim como a exacerbação dos hábitos e costumes da cultura
regional: na culinária, nas formas de comunicação, linguagem, gestos, etc., com as discentes.
(MORGANTINE, 2003.)
Uma grande ênfase dada pelas estrangeiras, particularmente a da primeira
gestão administrativa da escola, foi no que se referia a arte musical. “Em 1919, Miss Leora
James assume a direção da Escola Doméstica. Dotada de senso administrativo e liderança,
consolidou o Programa da Escola, acrescentando aulas de música, canto e educação física”,
recorda a ex-aluna da ED e autora do livro ‘Uma escola suíça nos trópicos’, Eulália Barros
(2000, p. 130). Além da parte musical, o cardápio criado pelas diretoras estrangeira, refletia os
seus hábitos alimentícios, bem como a sua cultura local.
Observemos o cardápio, prescrito nas aulas de culinária na ED, pelas
professoras da época:

CARDÁPIO DE 1916:
Cahier n. 1
Aluna: Clara Soares (9-12-1916)

Soupes aux oignon et au fromage


Viande et quiabo au sauce
Rotis du porc et pommes de terre rissolés
Fonte: Barros, 2000, 135.

CARDÁPIO DE 1936
17-03-1936
Aluna: Aliete Galvão

Sopa Salvina
Pastéis folhados com presunto
Salada Macarrão
Bolo de amêndoas e nozes
(BARROS, 2000, p. 183).
132

O cardápio do ano 1916 foi ensinado por uma professora de nacionalidade


estrangeira, já o de 1936 por uma brasileira. Percebemos que o cardápio já não era mais
escrito em francês. A professora Berthilde Guerra, professora da matéria de Culinária o
traduzia para a língua portuguesa. Na época da guerra, as receitas culinárias da ED
adaptaram-se à realidade local, acrescentando-se alimentos mais acessíveis e práticos.
No período em que a predominância das professoras francesas era uma
realidade na escola, a influência de sua cultura ocorria nos cardápios (todos escritos em língua
francesa) e na forma de se vestir das pessoas que compunham a escola. Em 1922: segundo
Barros (2000, p. 133):

Nesse ano a Diretora da Escola, Miss James, solicita à Liga do Ensino a


contratação de duas professoras inglesas. Miss Helen Gearing para se incubir
da Ordem Doméstica e Lavanderia e Miss Henrietta Davis para reger as
cadeiras de Francês, Inglês e Cultura Física e Jogos. Da frança veio a Mlle.
Lucille Groper para dirigir as aulas de Costura. Nesse período, a escola tinha
nove professoras estrangeiras em seu corpo docente. Entende-se, assim, a
influência francesa no vestir das moças da Escola. Sempre o “dernier cri” da
moda.

Além da influência nos costumes diários da escola, as funcionárias


estrangeiras, segundo depoimento da ex-aluna Eulália Barros (2006), conseguiram imprimir
um diferencial diante das brasileiras, pois:

Apresentavam uma mentalidade diferente das brasileiras, além de costumes


alimentares e de comportamento divergentes da nossa realidade. Isso
refletia-se em algumas práticas da escola, a exemplo da não imposição em
nenhum momento, de um único credo religioso, apesar delas serem adeptas
ao protestantismo, das idas freqüentes com as alunas à feira livre, ao
mercado, quando os costumes da época estranhavam essa prática. Mas, isso
não queria dizer que a questão disciplinar fosse algo irrelevante para essas
primeiras diretoras estrangeiras. Ao contrário, a rigidez na ordem e
disciplina sempre foi uma constância.

Analisando as entrevistas das ex. alunas da escola, quando questionadas sobre


as primeiras docentes e diretoras, destaca-se o reconhecimento da disciplina comportamental
aplicada diariamente na ED, mas outros dispositivos pedagógicos agiam no fazer diário da
133

escola, de forma que praticamente não havia resistência às normas do regimento interno,
principalmente por parte das alunas internas. As docentes conseguiam (com algumas
exceções) conquistar o grupo de alunas de forma a tornar o ambiente escolar um espaço
familiar, onde sentiam-se à vontade na convivência diária. As memórias trazidas à tona pelas
ex-alunas focalizam os bons momentos vividos com as colegas de turma, bem como, a cordial
convivência com a diretora da época e que, apesar das regras disciplinares do
estabelecimento, a escola ainda se destacava por não ser tão severa em termos de castigos e
formas de tratar as discentes, como outras existentes na cidade.
Observa-se nas práticas da Escola Doméstica de Natal uma quantidade maior
do quadro de docentes do sexo feminino contrastando com o reduzido número de professores
do sexo masculino. É instigante que a feminização do Magistério vinha crescendo desde o
final do Império, quando as virtudes femininas eram reconhecidas como mais propícias e
desejáveis às atividades educacionais. Abria-se um mercado de trabalho promissor para as
mulheres e menos atrativo para os homens. Outra característica a destacar é a formação das
docentes, que passou a ser um dos critérios fundamentais para o ingresso na carreira do
Magistério: ter boa índole, boa moral, bons costumes, ser de boa família, ter bom status
social, como já abordamos anteriormente.
Os professores, nesse contexto, foram considerados, a nosso ver, os principais
agentes que colocaram em prática os dispositivos pedagógicos da instituição à qual estavam
vinculados, aplicando as normas pedagógicas, seguindo os rituais da escola (como os de
encerramentos do ano letivo), aplicando os instrumentos de avaliação, realizando algumas
práticas de disciplinarização, punições, premiações enfim, faziam parte da complexidade da
educação escolarizada e de suas respectivas ações educativas e disciplinadoras.
Mediante as ações dos (as) docentes e das diretoras da Escola Doméstica de
Natal, temos do outro lado as discentes da Escola que singularizam nesse universo de práticas
escolares as pessoas que se apropriavam dessas práticas, mas que também agiam diante delas,
manifestando-se através de suas idéias e cosmovisão. Podemos dizer que professoras e alunas
não mantinham relações polarizadas, totalmente opostas, no sentido em que estamos buscando
compreender a cultura escolar como a vida da escola. Alunas e professoras mantinham
distanciamentos, mas também proximidades de idéias a partir dos diversos momentos em que,
juntas, compactuavam com algumas práticas culturais trabalhadas no interior da Escola
Doméstica de Natal.
134

3.2. As alunas

FOTO 5 - Fotografia da primeira turma de discente da Escola Doméstica de Natal e o professor


Clodoaldo de Góes, 1928.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Um corpo discente exclusivamente feminino compunha o alunado da Escola


Doméstica de Natal. A instituição dedicou suas práticas educativas ao universo feminino
desde a sua origem, funcionando em regime de internato e externato, onde a maioria das
alunas matriculadas provinha da cidade do Natal e de localidades próximas, mas também de
Estados como Paraíba, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Pará. Observa-se, também, a presença
de alunas vindas de municípios pertencentes ao Estado do Rio Grande do Norte, como Caicó,
Macaíba, Lajes e dentre outros, como evidencia o quadro de matrícula das discentes no
135

período de 1915 a 1964, destacado a seguir, demonstrando a diversidade de origens:

QUADRO 3
DEMONSTRATIVO MATRÍCULA DA ALUNAS
QUADRO DE MATRÍCULA DE ALUNAS PERÍODO: 1915 À 1964
ADVINDAS DE DIFERENTES ESTADOS
DO BRASIL
Alagoas: 08 Pernambuco: 50
Pará: 07 Sergipe: 17
Maranhão: 07 Guanabara: 01
Piauí: 18 Território do Acre: 01
Ceará: 26 Paraíba: 55
Rio Grande do Norte: 1.915 Alagoas: 02
TOTAL GERAL: 2.105

FONTE: Adaptado do Boletim comemorativo do cinqüentenário da Escola Doméstica de Natal.


(1914-1964). Natal: URN, Imprensa Universitária, 1964.

Grande parte do corpo discente pertencia a grupos sociais mais elevados


economicamente. A nosso ver, a Escola Doméstica de Natal passou a ser considerada a
formadora das elites culturais femininas da cidade do Natal, determinando que suas
freqüentadoras fossem educadas dentro do estilo social das camadas mais privilegiadas
economicamente, imprimindo às alunas novos hábitos de civilidade e urbanismo, condizentes
com padrões da sociedade emergente no país, já solidificada em algumas sociedades
modernas.
No século XIX, era uma prática comum às famílias das classes senhoriais
rurais serem as responsáveis pela educação dos filhos, fosse através do contrato de
preceptores ou enviando os filhos para estudar em colégios internos para meninos ou meninas.
Essa prática persistiu no início do século XX, tornando-se comum no Brasil as famílias mais
tradicionais enviarem as suas filhas e filhos para estudar em colégios que funcionassem com o
sistema de internato, pois essa realidade garantiria (nos seus valores e costumes culturais
conservados tradicionalmente de geração a geração) uma formação mais rigorosa
intelectualmente, com base em sólidos valores morais e virtuosos à sua prole, bem como
continuidade dos estudos em lugares que oferecessem melhores condições estruturais.
Em entrevista, a ex-aluna, Neide Galvão Pereira que estudou na instituição na
década de 40 do século XX, lembra com saudades os tempos onde era interna, na primeira
136

sede da Escola Doméstica, situada na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira. Ouvimos a
explicação sobre dois grandes motivos que impulsionaram os seus pais a matricularem-na, ela
e mais duas irmãs, no internato da ED. Um deles foi a necessidade de enviar as suas três filhas
para a capital do Estado com a finalidade de prosseguir os estudos, uma vez que, na época,
todas residiam na cidade de Currais Novos/RN, local que dispunha de apenas um grupo
escolar denominado Capitão Mor Galvão, que não oferecia condições para suas filhas
cursarem níveis mais adiantados de estudos. Outro motivo que suscitou essa escolha foi o fato
de seus familiares já terem ouvido falar da boa qualidade de ensino ofertado pela ED, do
compromisso e da disciplina empregada pela educação das mulheres, assim como
informações sobre conteúdos priorizados no currículo escolar do referido estabelecimento.
Por esses motivos, os seus pais decidiram enviar três de suas filhas para estudarem na ED.
(PEREIRA, 2006).
A aluna recorda com carinho os tempos vividos na escola, a turma que
estudava, as (os) docentes que lecionavam, trazendo no seu imaginário a escola em vida nas
suas práticas cotidianas.

O internato da escola funcionava com muita organização, tinha hora para


tudo, de levantar, dormir, fazer as refeições, muita disciplina. Quando
acordávamos tínhamos obrigações a fazer, cada aluna arrumava sua cama,
seus pertences que não poderiam ficar espalhados. Agente aprendia a se
disciplinar no dia a dia e tinha a professora que nos acompanhava
diariamente, supervisionando as nossas açõesquartos do internato eram
compostos de seis camas, não tinham banheiro, só camas. O banheiro
localizado num corredor, próximo aos quartos, A diretora dormia próximo às
alunas. No lugar havia muita disciplina e organização em tudo. A profa. do
curso de Ordem Doméstica era a responsável pela inspeção dos quartos e
pela ordem no recinto. Quando o presidente da LERN, à época o prof. e
médico Varela Santiago passava no corredor da escola as alunas, em respeito
a sua pessoa levantavam-se e cumprimentavam-no. A escola, apesar de
muito rígida na disciplina do internato ajudou a me tornar organizada, a
aprender a cuidar de muita coisa da vida. Todo mundo conhecia uma aluna
que estudava na Escola Doméstica de Natal pela sua forma de se apresentar,
de vestir, de se comportar em público, pela educação. Ao pouco que estudei
agradeço a ED pelo que sou, pois aprendi a cuidar dos meus filhos, a aplicar
injeção, a fazer pratos da culinária, tudo isso me ajudou no meu dia a dia, na
família. Meus pais gostavam muito da ED porque era uma escola que
disciplinava mesmo, educava as filhas e só consentiam a saída da aluna da
escola com a autorização dos pais, mediante um termo assinado pelos
mesmos, caso isso não ocorresse, a direção do estabelecimento não permitia
em hipótese alguma a saída da aluna. (PEREIRA, 2006).
137

O depoimento da aluna externa afeto, carinho e admiração do período


vivenciado como aluna interna na ED. Destaca grandes momentos vividos com o grupo de
alunas internas, vislumbrando um modelo de internato onde a rigidez e a disciplina eram
dispositivos empregados no dia-a-dia da escola, mas que trazia em seu teor rotineiro uma
certa direção nas ações das alunas sem causar constrangimentos, temores e ressentimentos. A
vida numa escola interna, que poderia ser para a aluna um grande dissabor, devido à ausência
da família no convívio diário, é ressaltada com um dos momentos vivenciados no passado que
possibilitou aprendizados válidos e aplicados a sua vida fora da Escola.
Esse destaque positivo da vida interna na Escola fica evidente na fala da ex-
aluna Eulália Barros, lembrando que os quartos onde as alunas dormiam eram compostos por
seis ou oito camas, continha um armário que não dispunha de porta e ficava aberto
constantemente, com os objetos pessoais de cada aluna visível e acessível a sua proprietária.
Essa idéia criada pelas professoras suíças seria na sua visão, uma forma de ensinar que os
objetos pertencentes às discentes deviam estar sempre visíveis, pela sua forma de
organização, ao olhar da professora de Ordem Doméstica e, ao mesmo tempo, ensinar às
discentes a serem organizadas, zelosas e disciplinadas com os seus pertences, de forma a usar
apenas o que era específico de cada uma. A aluna destaca que os aprendizados adquiridos na
escola foram muito válidos na sua vida, pois nunca precisou de uma enfermeira, de babá para
cuidar dos seus filhos, sentia-se muito preparada para lidar com várias situações cotidianas,
fruto dos conhecimentos adquiridos na instituição, da qual só saiu para casar-se.
Maria Eunice de Araújo Sá, em entrevista concedida também ressalta os bons
momentos vividos durante o período de seu internato na ED de 1944 a 1945. Recorda que era
um sistema de internato em que as discentes tinham que apresentar muita organização no seu
dia a dia. “Era um internato que as alunas tinham liberdade de brincar, ir ao recreio. Destaca
que os quartos do internato eram compostos de seis camas, não dispunham de banheiro, pois
esse último era localizado num corredor, próximo aos quartos, A diretora dormia próximo às
alunas, num quarto individual. No lugar havia muita disciplina e organização em tudo. A
professora do curso de Ordem Doméstica era a responsável pela inspeção dos quartos e pela
ordem no recinto. Nas recordações de Maria Eunice Sá:

Meus pais gostavam muito da ED porque era uma escola que disciplinava
mesmo, educava as filhas e só consentiam a saída da aluna da escola com a
autorização dos pais, mediante um termo assinado pelos mesmos, caso isso
não ocorresse a direção não liberava as saídas. (ARAÚJO SÁ, 2006).
138

Essas lembranças da ex-aluna advinda de família residente na cidade de São


Paulo do Potengi, interior do Estado do RN, ressaltam que quis desde cedo estudar na ED
para preparar-se para um futuro casamento, porque ouvira falar que essa instituição, de fato,
garantiria conhecimentos teóricos e práticos necessários a uma futura dona de casa, tanto que
estudou apenas um ano na escola, abandonando a vida estudantil para contrair matrimônio. A
rigidez na educação dos seus pais, segundo os seus depoimentos, também possibilitou essa
escolha como a melhor via para garantir, sem muitas preocupações, a educação de suas filhas.
A ex-aluna ainda ressaltou que a época em que estudava na instituição coincidiu com o
período da II Grande Guerra Mundial e, por ter sido considerada cenário estratégico da ação
dos militares, sofreu algumas modificações nos costumes e hábitos da população, como as
formas de lazer, de vestir, de falar,...
Lembra também, que na época, foi proibido soltar fogos de artifício em Natal
(devido aos treinamentos constantes dos militares) e que as alunas internas da ED muito
temiam os black-out que ocorriam constantemente na cidade.

Havia simulações sobre possíveis falta de energia na cidade, onde a sirene


tocava acenando para um toque de recolhida das pessoas. Isso fazia parte do
treinamento dos militares e Quando isso acontecia a ex. aluna recorda que na
ED as discentes ficavam assustadas e algumas tinham que ser acalmadas
pela diretora, muitas delas ficavam apavoradas com o acontecimento da
guerra e caiam em pranto durante a noite. (ARAÚJO SÁ, 2006).

Nessas recordações da vida estudantil ressaltou que:

Durante o período do internato saia para ambientes reservados, onde não


houvesse muita presença do sexo masculino. A diretora na época, Sra.
Noilde Ramalho era muito energética, rigorosa e disciplinada no
funcionamento da escola, nos levava para fazer um lanche em lugares bem
aceitos pela sociedade, eram passeios para a gente conhecer melhor a cidade
e aprender a não freqüentar um restaurante sozinha, porque essa atitude não
era bem vista pela sociedade”, estudávamos perto do teatro Carlos Gomes e
não podíamos ir, mas agradeço a escola pelo que aprendi. (ARAÚJO SÁ,
2006).

A ex-estudante da escola destaca com muito fervor o tempo de aprendizado, ao


139

afirmar que: “aprendi a estudar melhor, de forma mais organizada, onde tive aprendizados
para a vida, que levo comigo até os dias atuais”.
O fato de a Escola Doméstica ter sido desde os primórdios uma instituição que
não pregava uma única religião, ao contrário, abria as portas para que famílias de religiões
diferentes buscassem para as suas filhas uma educação sem pregação de um único credo,
também foi um dos motivos de muitas escolhas de pais de família; é o que lembra Francisca
Nolasco Fernandes, mais conhecida como Dona Chicuta11:

Não havia, pois, muito o que escolher, pelos pais, que, residindo no interior,
ou mesmo na cidade, quisessem mandar suas filhas, internas, para um
educandário modelo. Era adotado, então, um critério interessante. A maioria
dos católicos, os mais fervorosos, preferiam o Colégio da Conceição. Os
tíbios, os protestantes e os católicos, ou ateus escolhiam ou aceitava, a
Escola Doméstica, se pudessem faze-lo. (FERNANDES, 1973, p. 17)

Mais adiante, em suas memórias, destaca a opção dos seus pais para que
estudasse na Escola Doméstica de Natal:

Mas como, e para onde mandá-la, se não tinha parentes, nem amigos, nem
conhecidos na Capital? Ele não procurava apenas uma boa escola, mas
também um lugar para onde mandasse a filha, quase criança e com ela não
tivesse preocupações, que naquele tempo, filhas haviam de ser bem
guardadas. Mas, ele, indiferente às críticas, como não gostava de qualquer
religião, escolheu a Escola Doméstica. Segundo as informações contidas no
‘Prospecto’, relativas ao internato naquela casa, as alunas ou pais,
escolheriam livremente a religião que quisessem adotar. E a sua
recomendação expressa foi que nenhuma religião seria imposta àquela filha
enfezadinha e mal acanhada. Nem Católica Apostólica romana, nem
Protestante de qualquer seita, pois a esses últimos tinha ele verdadeiro
horror, a ponto de dizer, naturalmente por pilhéria, que, se ao morrer, fosse
para o céu com Francisquinho ensinando a Bíblia, preferiria o inferno.
Francisquinho era um vizinho protestante que, temendo ver perder-se a alma
impenitente de meu pai, propunha-se a tarefa de salvá-la do fogo eterno,
através da leitura da Bíblia, acompanhando cada versículo da competente e
prolixa explicação. (FERNANDES, 1973, p. 62).

11
Aluna laureada da Escola Doméstica de Natal, diplomada na turma de 1929, que atuou no corpo docente
durante trinta e cinco anos. No seu vasto currículo consta de ter sido professora da Escola Normal de Natal e a
primeira mulher a exercer o cargo de diretora dessa mesma escola. Publicou em 1973 um belíssimo livro de
memórias, onde recorda os tempos vividos como docente e discente nas instituições mencionadas.
140

Essas recordações da vida estudantil externadas pelas ex-alunas da ED


desenharam um pouco as vivências da escola na época e a cultura escolar do internato. Os
depoimentos confirmam a necessidade das famílias em encaminhares suas filhas para serem
educadas em escolas internas por acreditarem serem as mais confiáveis em termos de
formação do caráter, dos valores e costumes condizentes com a formação exigida ao sexo
feminino (masculino) na sociedade: uma mulher educada, disciplinada e bem prendada, afinal
afastar as mulheres de uma possível promiscuidade, do vício e dos chamados maus costumes
que incidiam na vulgarização dos novos valores trazidos com a modernidade aflorada no
século XX, era também uma das metas das famílias de classe média que tinham condições
financeiras de custear os estudos dos seus filhos; era uma forma de resguardá-las e preservá-
las de uma vida mundana.
Nos embalos da nova República, o país navegava entre o arcaico e o novo,
entre a persistência do provincianismo e a sofreguidão da modernidade. O sociólogo Gilberto
Freire (1959) registrou algumas dessas possíveis mudanças de hábitos (ao se referir algumas
práticas antes não experimentadas no cotidiano do brasileiro) que marcavam esse momento de
transição, como a substituição da latrina de barril pelo water closed, o desaparecimento das
escarradeiras usadas nas salas de visita, o começo do telefone e do telégrafo, o aparador, a
emulsão de scott, as regatas e os meetings, o surgimento de clubes elegantes e esportivos, a
substituição das botinas por sapatos, desenvolvimento do volley-ball e do basket-ball, foot-
ball, substituição do entrudo pelo carnaval com serpentina, confete, uso dos pijamas em vez
das camisas de dormir, a valsa, (FREIRE, 1962). Dentre essas diversas mudanças encontra-se
a redefinição do papel da mulher, pois diante do declínio do patriarcado como instituição
dominante, surgiram novos valores urbano-industriais que incidiram numa valorização de
estilo de vida regrada numa maior participação do indivíduo na sociedade e o usufruto de
novos bens culturais e tecnológicos que primavam por mudanças nos costumes e hábitos
rotineiros dos indivíduos. Passaram a ser exaltados também a consagração dos novos
princípios republicanos (liberdade de culto, separação Estado – Igreja), que, no geral, eram
mudanças que vislumbravam grandes redefinições macro-estruturais no quadro social e
cultural do país daquele tempo. Na visão de Ferreira (1993, p. 315):

Entre os anos 20 e 30, a nossa modernidade cheirava a gasolina, brilhava à


luz elétrica, tinha a cor cinzenta da fumaça industrial e seu emblema eram as
altas chaminés das fábricas. Num país rural, doentio e sonolento, a
modernidade emergente apontava para novos tempos e novos hábitos,
141

mudanças rápidas, estilo de vida mais cosmopolita, apreciador da riqueza e


do progresso. Progresso que para muitos, entre artistas, urbanistas e
sanitaristas, empresários e assalariados, militares e intelectuais – à direita e à
esquerda – passava pela intervenção decisiva do Estado, como agente
dinamizador das reformas econômicas e sociais.

Nesse contexto, ganharam destaque no país às instituições de ensino religioso,


as chamadas Ordens religiosas que congregavam sob sua direção, padres e freiras. A Escola
Doméstica de Natal, apesar de sua administração não ser presidida por religiosos (as), nem
tampouco pelo Estado, mas, por intelectuais, poetas, políticos, através da LERN, apresentou
alguns pré-requisitos de formação que a tornou depositária da confiança de pais de família
que matricularam as suas filhas no sistema de internato.
Quando matriculada na instituição, a aluna deveria adaptar-se a um estilo de
vida ritmado pela disciplina e obediência. A vida das alunas internas no interior da escola
tinha um ritmo marcado pelos dias e pelas sinetas de horários de acordar, assistir aula, fazer
refeições, receber visitas, orar, dormir. O tempo das alunas era meticulosamente medido e
racionalizado, dividido entre o tempo de despertar, de estudar, de cumprir tarefas e o tempo
de recolher-se aos seus aposentos.
A Escola dispôs de um Regulamento próprio (o qual abordaremos no capítulo
IV) elaborado pela Liga de Ensino do RN e nele estavam prescritas as normas internas de
organização e funcionamento da instituição, bem como as condições de admissão das alunas.
O Regimento Interno, além de conter normas e regras a seguir por parte das alunas,
professoras e diretora, trazia no seu corpus uma rígida orientação sobre o uso racional do
tempo escolar, de forma que não houvesse desperdício de tempo ou ociosidade entre um
horário e outro, como evidencia o quadro de horário a seguir:

QUADRO 4
DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL
DE SEGUNDA À SEXTA SÁBADO DOMINGO
ATIVIDADES
6h - Acordar 6h – Acordar 6h - Acordar
6h30minh – Serviço doméstico 6h30min – Arrumação dos 7h – Arrumação dos
armários, etc, no dormitório dormitórios
7h – Cultura física 7h30minh - Café 8h – Café
7h30min – Café 8h – Limpeza geral dos 10h30min – Estudo
dormitórios
142

Continua...
QUADRO 4
DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL
8h às 11h – Aulas 10h – Concerto de roupa 11h30minh – Descanso
11h – Almoço 11h – Almoço 12h – Almoço
12h – Chamada 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio
12h10min às 15h50min– Aulas 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio
15h50min às 16h30min – 16h Descanso 16h30min – Recreio
Descanso
16h30min – Jantar 16h30min – Jantar 18h30min – Ceia
17h – Recreio 17h – Recreio 20: 30 - Silêncio
18h30min às 20h - Estudo 18h30min – Estudo ou seção
recreativa
20h - Silêncio 20h – Ceia
20h40min - Silêncio

Adaptado do documento: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. Plano geral de


ensino. Quadro de horários. Natal: Typ. e Pap. A. Leite, 1927b, p. 7-25.

Ao fazer uma leitura do quadro mencionado, no que se refere à distribuição


dos horários das atividades das alunas no decorrer da semana, percebemos que houve uma
grande preocupação da ED em manter as alunas ocupadas em alguma prática no decorrer do
dia, de forma que a ociosidade não fosse uma constância. Toda a prática escolar era
organizada conforme uma racionalizada organização, de forma que de uma atividade para a
outra houvesse pequenos intervalos intercalados para o mínimo de descanso e lazer. Como
demonstrado no quadro de horários, nos finais de semana, a aluna teria uma agenda menos
rígida, preferencialmente aos domingos, principalmente para os casos das internas, para que
pudessem receber visita de familiares ou pessoas conhecidas, com a expressa autorização dos
responsáveis pela aluna.
Um dos dados destacados no Regimento Interno da Escola sobre a distribuição
das matrículas das alunas era o item que tratava sobre uma subdivisão de duas categorias: as
classificadas do grupo A - internas e B - semi-internas, (matriculadas a partir de onze anos de
idade) e ainda o chamado ‘Grupo C’ - alunas externas.
As alunas internas constituíam-se por aquelas que, em sua maioria, eram
oriundas do interior do Estado do Rio Grande do Norte e de outros Estados. Esse era um pré-
requisito necessário para que a instituição matriculasse a discente em Regime de internato,
não admitindo à aluna que residisse na cidade de Natal fazer parte desse grupo. Na categoria ‘
B ’ estavam as semi-internas, fazendo parte desse grupo as que se distribuíam em período
143

integral de estudo, não dormindo no estabelecimento por motivo de residirem em Natal.


Ainda as alunas do grupo ‘ C ’, as denominadas externas, as que freqüentavam o ambiente
escolar por um turno de aula, sendo manhã ou tarde.
No Brasil, o Censo de 1920 contabilizava uma população estimada em 30
milhões de habitantes, dentre os quais apenas 10% residiam no meio urbano. Desejos e
utopias eram criados no imaginário popular em torno da cidade e do campo sendo as cidades
os celeiros do desenvolvimento e o campo ainda marcado pelo desenvolvimento tardio. Não
há também como negar que, nesse período, muitos municípios não dispunham de escolas de
nível secundário, onde a população pudesse dar continuidade aos estudos; além disso,
algumas cidades brasileiras apresentavam condições estruturais (escola, hospitais, lojas
comerciais) mais avançadas do que o meio rural, apesar de ainda carecerem de necessidades
básicas como saneamento, serviços públicos de higiene, transporte, segurança, iluminação.
Os familiares das alunas da Escola Doméstica de Natal que optassem pelo
sistema de internato na Escola teriam que aguardar que sua filha tivesse necessariamente a
idade mínima de 11 para seguir uma rotina estabelecida pelo Regimento Interno Escolar, a
parte do Regimento sobre o internato especifica algumas recomendações que firmavam
determinados comportamentos, como por exemplo:

Para passar a noite fora do Estabelecimento, é preciso ter consentimento dos


pais, por escrito. Qualquer concessão, além dos privilégios acima
mencionados, somente será feita, como prêmio, à aluna que o merecer. O
Regulamento interno não permite às alunas, sobre pretexto algum, receber
visitas de pessoas estranhas, visita-las em suas casas, nem ter
correspondência com pessoa alguma, fora da recomendação familiar. É
proibido o uso do fumo e de bebidas alcoólicas, sob pena de severa punição.
As alunas da Escola terão saída conforme as médias de comportamento e
aproveitamento. Sairão para as casas dos seus pais ou correspondentes.
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 37).

Todas as discentes tinham que se adaptar a uma rotina escolar permeada por
muito rigor na disciplina, no comportamento, conduta, incluindo os horários rigorosos de
estudo, horários de acordar e dormir e de recebimento de visitas no local e no caso específico
das internas: os horários de refeição, de entrada e saída e permanência na escola. A vigilância,
a formação de hábitos disciplinares e de valores morais eram nesse contexto ações a seguir
para serem postas em prática na convivência com os outros, seja na relação aluna/aluna,
aluna/direção, aluna/funcionários, devendo haver, no ambiente escolar, práticas afetivas
144

amigáveis, de cooperação, de entendimentos e não de desavenças. Assim a cultura escolar, ou


seja, a vida da escola seria cada vez mais aperfeiçoada por uma harmonia interna,
representada por uma pequena família composta dos que lá conviviam diariamente.
Na entrevista da ex-aluna, Sra. Neide Galvão, ela lembra com carinho os
momentos vividos com a turma desses anos. Recorda alguns raros momentos em que a turma
saía da escola para breves passeios, sempre acompanhada da diretora ou professora. Segundo
ela, os passeios sem a presença dos familiares eram bastante limitados; aos domingos, durante
o dia geralmente assistiam à missa no Colégio Salesiano São José (instituição privada
localizada próximo à ED); às vezes passeavam nas ruas da Cidade Alta (tomavam café no
Grande Ponto, local muito visitado pelos natalenses) e os eventos dos quais geralmente
participavam eram restritos às solenidades da própria instituição.
Na imagem a seguir, destacamos a ex-aluna Neide Galvão (primeira do lado
esquerdo para a direita) ao lado de mais quatro alunas de turma. Observamos os detalhes do
vestido, de comprimento longo, uso de sandálias e sapatos fechados, uma exigência que
atendia aos modismos de época e ao rigor nos modos de se vestir apregoados pela escola. A
época da II Guerra Mundial afastou a extravagância dos estilos da moda para pensar-se em
criar modelos segundo o regulamento da economia dos tecidos. Essa era uma marca presente
nos momentos de criação das coleções de moda no mundo, concentrando-se mais na
tendência em estilos de roupa mais baratos e acessíveis à população. As roupas de uma peça
só, como, por exemplo, os vestidos, caíram nos modismos da época no cotidiano feminino,
fundindo numa só relação a funcionalidade, feminilidade, economia e praticidade. (MENDES,
DE LA HAYE, 2003).
O uso de vestidos chamadas popularmente de ‘roupas de uma peça só’ era uma
rotina das discentes da ED. Modelos simples, sem muitos detalhes, em cores suaves, faziam
parte das vestimentas privilegiadas tanto em momentos de algumas solenidades quanto nas
saídas (acompanhada pela professora) de lazer.
145

FOTO 6 - Alunas internas da ED em momento de descontração extra sala de aula, 1945.


FONTE: Acervo particular da ex. aluna da Escola Doméstica de Natal, Sra. Neide Galvão.

As alunas deveriam assimilar na cultura escolar a ordem moral e social


reinante no estabelecimento de ensino, transmitida pelas docentes e demais funcionárias, bem
como passar por aprendizagens de ver, observar, experimentar, como forma de aprender
conhecimentos úteis para praticá-los no seu dia-a-dia na vida fora da escola. As alunas, por
sua vez, deveriam perceber a escola como um organismo vivo, capaz de refletir o seu meio.
Desde suas origens, a Escola Doméstica de Natal não apresentou inicialmente
grande número de alunas matriculadas e diplomadas. Uma das suas características era o
pequeno número das que passavam anualmente pela instituição. Esse reduzido número
146

somente sofreu um acréscimo significativo a partir da década de 50 do século XX, onde as


turmas discentes passaram a ser compostas por um número estável de vinte ou mais alunas.
Antes desse período, tínhamos uma quantidade variável mais reduzida de alunas, como
destacamos a seguir:

QUADRO 5
REFERENTE AO PERCENTUAL DE ALUNAS DIPLOMADAS PELA ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL: DE 1919 A 1945
ANO Número de alunas ANO Número de alunas
1919 05 1933 04
1920 ---- 1934 03
1921 02 1935 02
1922 02 1936 07
1923 02 1937 04
1924 ---- 1938 10
1925 06 1939 06
1926 03 1940 06
1927 04 1941 08
1928 06 1942 21
1929 03 1943 11
1930 10 1944 05
1931 08 1945 04
1932 10 ---- ----

Adaptado do documento: ESCOLA DOMÉTICA DE NATAL. Boletim comemorativo do


cinqüentenário da Escola Doméstica de Natal (1914-1964). URN. Imprensa Universitária, 1964.

Podemos inferir que esse baixo índice poderia refletir duas situações distintas: a) a não
aceitação do modelo escolar pelos natalenses; b) os elevados gastos com a matrícula,
mensalidades e custos adicionais como a compra de fardamento e enxoval da aluna (exigência
para a permanência desta na escola), subtraindo dos pais uma quantia generosa para custeio
dos estudos.
O não despertar, ainda, da sociedade para o mundo feminino e sua educação
fazia com que muitas famílias achassem que as mulheres não precisavam estudar muito, as
primeiras letras já seriam suficiente para sua formação. Medeiros (1926-1932, p. 73-74), a esse
respeito, considerava que à mulher deveriam ser delegadas tarefas delicada, que permitissem a
ela desempenhar o papel maternal, buscando sua emancipação sem prejudicar os seus deveres
domésticos e maternos.
147

A missão da mulher, no lar, tendo a consciência voltada para a realização


perfeita dos três títulos que fazem a sua superioridade: mãe, esposa e filha,
títulos sublimes que asseguram a serenidade dos seus atos, a singeleza das
suas ações e o cumprimento do seu mandato na sociedade. (MEDEIROS,
1926-1932, p. 73-74).

Acreditamos que o fato de a ED ter anualmente baixo número de alunas


matriculadas tem como causa a segunda situação apontada: alto custo com a educação, pois
esta é mais condizente com a realidade econômica apresentada no período por muitas famílias
natalenses; a educação da ED exigia altos custos dispensados pelas famílias para manter a
filha numa escola considerada de classe média alta da sociedade.
O enxoval que era exigido dos familiares das discentes tratava-se, na verdade,
do material pessoal de cada aluna, de forma que todas que desejassem permanecer no sistema
de internato levassem para a escola peças de roupas padronizadas, obedecendo às exigências
de vestimenta daquele estabelecimento de ensino.
Quanto ao valor cobrado mensalmente aos pais ou respectivos responsáveis
pelas alunas, a Escola, nos seus discursos, não se colocava como entidade privada e o valor
solicitado mensalmente às alunas era tido como considerável, tendo em vista as altas despesas
pela permanência da discente na instituição. O discurso proferido era de ser uma instituição de
caráter não privado, não pertencente, portanto, a uma única pessoa em particular, mas ligada à
entidade Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, uma entidade que existia para dar
assistência ao poder público.
Podemos questionar em que aspecto esse discurso apregoado pela ED e pela
Liga de Ensino do RN estava relacionado com a filosofia da Escola e com o seu corpo
discente e docente. A primeira situação que destacamos condiz com a idéia de que a partir do
momento em que a ED não admitia ser uma escola particular, ela própria tentava justificar a
cobrança das mensalidades com base nas despesas escolares (pagamento de funcionários,
despesas para manutenção da higiene, energia, água, reformas necessárias na escola, dentre
outras).
O segundo aspecto a destacar é que, de posse desse discurso, a instituição
poderia sem muitos entraves conseguir subsídios financeiros para pagar as suas despesas e
expandir a sua estrutura física, contando com a colaboração do governo local e depois do
federal, fato já evidenciado anteriormente nesta pesquisa.
Como forma de evidenciar o caráter de utilidade pública, a LERN também
passou a distribuir bolsas de estudos às alunas que se encontrassem nas seguintes situações:
148

estudassem em escolas públicas da Rede de ensino do RN e obtivessem boas notas


anualmente e pertencessem a uma família que não tivesse em condições financeiras de custear
os estudos. Esta seria contemplada com uma bolsa integral de estudos no período de um ano
para estudar na Escola Doméstica de Natal. Nesse sentido, a LERN em seus documentos
registrava: “A Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, no interesse de propiciar o estudo à
jovens vindas de famílias numerosas, cuja situação financeira não lhes permite freqüentar
colégios, concede anualmente Bolsas de Estudos.” (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL,
1914-1964, p. 36).
Essa iniciativa, na nossa análise, simbolizou firmar o papel de utilidade pública
que tanto a LERN como a ED desejavam imprimir às suas atividades frente aos órgãos
públicos para, com isso, garantir apoio político e financeiro aos seus projetos educativos.
Apesar dessa atitude, houve pouco beneficiamento às alunas advindas da Rede Pública de
Ensino do Estado do RN; no geral, o quadro discente formado era composto pela elite norte-
rio-grandense e cidades próximas, advindas das famílias de donos de terras e que dispunham
do valor mensal exigido pela Escola.
De uma forma geral, as alunas que estudaram na ED eram oriundas de grupos
sócio-econômicos privilegiados que faziam parte de uma pequena elite do Estado. Essas
alunas se moldaram bem ao modelo curricular proposto pela escola e como não houve
grandes disparidades econômicas entre valores apregoados pela escola e realidade de vida do
alunado, podemos afirmar que a adaptação escolar foi rápida, sem muitos entraves.
Às alunas foram apresentadas as propostas educativas que, na visão da Liga de
Ensino do RN, eram consideradas válidas para a realidade daquele tempo, consolidando a
Escola como um importante meio de difusão cultural e intelectual em função de um modo de
vida considerado mais civilizado. O corpo discente, nesse contexto, contribuiu não somente
para reproduzir uma cultura escolar construída pela ED, como também construí-la e legitimá-
la.
149

CAPÍTULO 4

Práticas no Cotidiano da Escola


150

4.1. O saber e o fazer no currículo da Escola Doméstica de Natal

[...] O currículo é considerado um artefato social e cultural. Isso significa


que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de
sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento
inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O
currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões
sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais
e sociais particulares. (ANTÔNIO F. B. MOREIRA; TOMAZ TADEU
SILVA).

Falar em currículo escolar implica compreendê-lo a partir da sua constituição


social e histórica, reconhecendo que o conhecimento organizado em forma curricular e
transmitido nas instituições educativas apresenta finalidades explícitas, ou não, dentro de um
contexto lógico de construção de significados, a partir de interesses individuais e grupais,
apresentando, por isso, uma história de proposições e valores.
Numa perspectiva crítica sobre o significado do currículo, reconhecemos a não
neutralidade da ciência, dos saberes e das atitudes de quem aprende e de quem ensina;
acreditamos também que o engendramento de um novo saber pedagógico alimenta na sua
base e fundamento os objetivos e finalidades a curto e/ou longo prazo. Nesse sentido,
qualquer discurso sobre currículo, e numa perspectiva mais ampla também cultura escolar,
deve considerar o projeto social que se quer construir, visto não ser o currículo um elemento
neutro, mas impregnado de valores sociais e culturais. No caso específico da Escola
Doméstica, nosso objeto de estudo, estamos nos reportando a uma instituição educativa criada
no início do século XX, logo, não podendo esquecer que:

No seu percurso histórico, uma instituição educativa como totalidade a ser


construída, sistematicamente compõe sua própria identidade. Nessa
composição, ela produz sua cultura escolar, que vai desde a história do fazer
escolar, práticas e condutas, até os conteúdos, inserido num contexto
histórico que realiza os fins do ensino e produz pessoas. (OLIVEIRA &
GATTI JUNIOR, 2002, p. 75).
151

Uma cultura escolar que envolve o fazer escolar, o que ensinar e como
transmitir, o que deve ser aprendido, objetivo e fins a atingir implica compreender o currículo
normativo da escola e quais disciplinas escolares são privilegiadas, como também as
prioridades para a formação do indivíduo, diante das mudanças exigidas a partir das
transformações sociais, econômicas e políticas do século XX.
Diante da modernidade que se configurava no país nesse início de século e das
mudanças impostas na educação escolar, os modelos educativos passaram a reforçar a
aprendizagem como um processo formal e construtor de novas práticas educativas e virtudes
no indivíduo. Os modelos educativos especificavam nas instituições escolares, por exemplo,
as diversas formas de organização das classes escolares, da arquitetura escolar, das
disposições da rotina, dos horários e também dos conhecimentos a serem ensinados e
materializados no currículo da escola.
Nessa linha de raciocínio, para analisar o currículo da Escola Doméstica de
Natal foi necessário compreender o significado de disciplinas e cursos escolares, uma vez que
o saber transmitido na escola estruturou-se sob a forma de cursos trabalhados em sala de aula.
É importante destacar que, no contexto do início do século XX, o conceito de disciplina ainda
não era difundido; as instituições escolares utilizavam a denominação ‘cursos ou matérias’
para especificar o que, na atualidade, classificamos como disciplinas do currículo escolar.
Os saberes escolares, sob a forma de disciplinas, tiveram como núcleo
principal o currículo escolar definido pela instituição. O conceito sobre saber escolar
defendido por Chervel (1990) é o que mais se identifica com a nossa análise, por isso optamos
por usar esse referencial. Na visão desse autor, saberes escolares são definidos como sendo:

[...] entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa


certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de
uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não
parecem dever a nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história.
(CHERVEL, 1990, p. 180).

Perceber o saber escolar dessa forma implicou reconhecer que as disciplinas


escolares são como criações contextuais e originais do sistema escolar, produtos históricos e
instrumentos de trabalho da instituição segundo seus interesses, convicções e idéias. O saber,
portanto, que a disciplina ordena no currículo sobrepõe-se à necessidade de apenas repassar o
saber científico, passando a ser instrumento de trabalho pedagógico necessário ao
152

atendimento da filosofia de trabalho da instituição, dos seus anseios e do seu projeto


pedagógico. Isso explica porque algumas escolas, historicamente, optaram por ensinar alguns
saberes e não outros, o porquê de determinados privilégios de conhecimento em detrimento de
outros considerados válidos para formação dos sujeitos. A organização e disposição dos
saberes construídos sofrem mudanças históricas conforme as necessidade sociais e culturais,
incorporando novas experiências que passam a definir novos perfis de formação humana.
Nesse raciocínio, percebemos que o modelo curricular da ED, apesar de ter
sido espelhado numa realidade da Suíça, ao ser transposto para a realidade natalense, passou
por algumas adaptações reajustáveis à realidade local, como por exemplo, a necessidade de
enfatizar conteúdos que iriam ajudar na orientação das mulheres que residiam em zonas rurais
e, por isso, segundo os anseios dos intelectuais da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, a
Escola Doméstica precisaria orientar essas alunas, para que pudessem conhecer e vivenciar de
uma forma mais adequada algumas situações diárias consideradas difíceis para algumas
mulheres que não tinham conhecimento sobre agricultura, pecuária, leiteria, avicultura, etc. e
os aprendizados que primavam pelos estudos de medicina do lar, higiene, puericultura,
leiteria, lavagem, engomado, cozinha, costura, confecção, agricultura foram criados também
com a finalidade de aprimorar os saberes teóricos e práticos indispensáveis às mulheres que
moravam no campo ou nas cidades do interior. Eis a seguir uma passagem da ED
pronunciando-se sobre essa preocupação:

Como adeante se verá, o instituto abre novos horizontes á sociedade


brasileira, orientando a mulher sobretudo para a vida campestre, onde ella
tem uma grande missão a cumprir junto ás populações com justiça
considerada as melhores fontes de reserva do paiz. So esse aspecto, nada
deixa a desejar o nosso estabelecimento. Além da cultura geral necessária, as
alumnas apprendem theorica e praticamente a tornar agradável e sã a vida do
campo, espalhando em torno de si e no município em que residir toda sorte
de benefiicios. Para isso, creámos as aulas de medicina do lar, inclusive
hygiene e puericultura; a de leiteria; a de cosinha; a de costura e confecções;
a de agricultura; a de creação de animaes domésticos; a de lavagem e
engommado. Assim aparelhada, a moça residente nas fasendas e nas cidades
do interior não tardará a ser uma verdadeira providencia, proporcionando
saúde e conforto á família e á collectividade e podendo concorrer de modo o
mais efficaz, em falta de medico ou como auxiliar deste, para o êxito da
campanha iniciada em prol do saneamento do centro do Brasil pelos Drs.
Miguel Pereira, Afranio Peixoto, Moncorvo Filho, Belisario Penna e outros.
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1919, p. 5).
153

Tendo em vista a finalidade do programa curricular, tentando atender aos


interesses das famílias advindas do interior do Estado, principalmente as que vinham para
matricular suas filhas no grupo das alunas internas que residiam em fazendas, engenhos e
sítios, a Escola Doméstica de Natal passou a desenvolver estudos que contemplavam os
ensinamentos sobre agricultura, leiteria, criação, bem como as matérias que aglutinavam
aprendizados na área de saúde, a exemplo da matéria denominada Medicina Prática que
contemplava os ensinamentos sobre: primeiros socorros, aplicação de vacinas, verificação de
temperatura, contusão, feridas, envenenamento, convulsão, dentre outros conhecimentos. Na
visão dos intelectuais da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, esses conhecimentos iriam
ajudar às alunas residentes em locais afastados da cidade a lidar com a vida rural, a melhor
conhecer a sua realidade e nela atuar satisfatoriamente, auxiliando seus familiares. A
preocupação com a saúde, o saneamento e as normas de higiene deveriam ser absorvidas pela
população brasileira, não somente nos grandes centros urbanos como também nas zonas mais
periféricas próximas às cidades. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE,
1927a).

A escola tem especial cuidado na execução desta parte do programma geral.


Quem conhece a influencia, nem sempre benéfica, á falta de cultura, das
senhoras brasileiras abastadas nos engenhos, fazendas e villarejos, sabe
quanto esta influencia, se bem orientada, poderá representar de utilidade para
a communhão rural. Nunca è demais repetir: a solução do problema do
saneamento dos campos, entre nos, depende em grande parte da educação da
mulher. Com a instrucção recebida em nosso estabelecimento, sabendo o
bastante para socorrer os doentes nos casos de urgência e naquelles em que
se faz necessário longo tratamento, a elite feminina das populações do
interior será dentro em pouco um elemento preciosissimo como auxiliar
intelligente dos clínicos, especialmente nos logarejos mais afastados dos
centros urbanos, onde raras vezes o profissional chega a tempo e onde, se
isso acontece, é commum ver prejudicados os seus esforços á falta de
enfermeiras capazes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE,
1927a, p.24).

A escola, com essa preocupação, conseguiu, no nosso entendimento,


aproximar os saberes do currículo com as necessidades e interesses das discentes, o que
representava um grande avanço pedagógico nas formas de ensinar e aprender, onde o
conhecimento não era considerado como algo alheio, distante da realidade de vida das alunas,
sujeitos heterogêneos e, portanto, de realidades distintas e de interesses diversificados.
Nos primeiros anos de fundação da ED foi criado um Curso Preparatório a ser
154

dado durante dois anos, pois segundo as fontes pesquisadas, esse curso surgiu da constatação
de que as alunas que ingressavam na escola, a partir dos onze anos de idade, ainda não
estavam preparadas o suficiente, em termos de conhecimentos, para cursar o programa
traçado pela escola. Devido à essa carência, o curso preparatório tinha em sua estrutura
curricular algumas matérias que iriam ajudar às discentes a adquirem algumas noções básicas
sobre a língua materna e estrangeira e ainda sobre história, geografia, etc., mantendo a
seguinte estruturação:

CURSO PREPARATÓRIO
PRIMEIRO ANO SEGUNDO ANO
Arithmetica Arithmetica
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Calligraphia Calligraphia
Leitura Leitura
Historia do Rio Grande do Norte Historia do Rio Grande do Norte
Geografia e Chorographia Geografia e Chorographia
Francez ou InglesI Francez ou InglesI

Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Prospecto da Escola Doméstica de Natal. Rio de


Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1919.
(Acervo particular da Escola Doméstica de Natal)

Segundo o documento supra citado, o denominado Curso Doméstico, pela sua


seqüência obrigatória, era para ser cursado pelas discentes no período de quatro anos, logo
após ter passado pelos dois anos do Curso Preparatório. Ao estudar as matérias do Curso
Doméstico, a aluna dedicar-se-ia a estudos teóricos e práticos que contemplavam os seguintes
conteúdos:
155

QUADRO 6
DEMONSTRATIVO DE DISTRIBUIÇÃO DE MATÉRIAS DO
CURSO DOMÉSTICO
PRIMEIRO ANNO SEGUNDO ANNO
Arithmetica Álgebra
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Calligraphia Calligraphia
Cosinha Cosinha
Historia do Brazil Historia Universal
Geografia Agricultura
Francez ou Inglez Leiteria
Frances ou Inglez
Anatomia e Physiologia
TERCEIRO ANNO: QUARTO ANNO:
Álgebra Contabilidade
Portuguez Portuguez
Cultura Physica Cultura Physica
Costura Costura
Musica Musica
Criação Educação Social
Jardinagem Cosinha artística
Francez ou Inglez Methodologia
Hygiene Economia da Casa
Lavagem Francez ou Inglez
Puericultura e Medicina Pratica
Chimica alimentar

Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Prospecto da Escola Doméstica de Natal. Rio de


Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1919. (Acervo particular da Escola Doméstica de Natal).

Essa estrutura curricular vigorou até meados da década de 20, do século XX,
pois um documento datado de 1922 da Liga de Ensino do RN revelou algumas alterações da
estrutura curricular original, tendo em vista terem sido acrescentadas algumas matérias antes
não privilegiadas nos ensinamentos da escola, a exemplo do primeiro ano do Curso
Preparatório que passou a contemplar a matéria de Desenho e no segundo ano Cozinha
Teórica e Prática. O Curso Doméstico passou a incorporar no primeiro ano de estudos as
matérias Higiene e Desenho, no segundo ano Desenho e Medicina Prática e no terceiro ano
Agricultura, Medicina Prática, Desenho, Lavagem e Engomado. A matéria Higiene passou a
156

ser estudada no primeiro ano do Curso Doméstico. A importância atribuída aos conteúdos
dessa matéria fez com que ela, mesmo sendo ensinada nos anos posteriores, fosse também
requisitada nos momentos iniciais do currículo, funcionando como pré-requisito essencial
para as demais matérias.
Apesar de os documentos não revelarem o motivo dessa alteração da estrutura
curricular, acreditamos que ela não ocorreu ao acaso. As matérias de caráter mais pragmático
estavam inclusas nos primeiros anos de estudo, o que, na nossa percepção, deu-se pelo fato de
proporcionar nos primeiros momentos de aprendizado das alunas, a vivência prática das
unidades de estudo. Ao mesmo tempo em que, por exemplo, a discente cursava as matérias de
Anatomia e Fisiologia no segundo ano do Curso Doméstico, aprendia também a Medicina
Prática que lhe daria suporte para associar teoria e empiria.
Fontes pesquisadas apontam para grandes mudanças no currículo da ED na
década de 20. O Plano Geral de Ensino da instituição datado de 1922 cita, por exemplo, a
criação dos chamados Cursos Anexos nesse período. Esses, segundo as informações contidas
nesta fonte, complementariam as matérias até então existentes no Curso Doméstico de quatro
anos. A direção da escola, nos anos de 1919 a 1922, esteve sob a responsabilidade da norte-
americana Leora James, lembrada pelo espírito empreendedor e cultural. É importante
destacar que o surgimento dos cursos anexos, em nossa compreensão, contribuiu para ampliar
e estimular a parte cultural e artística da escola.
As mudanças na Escola Doméstica de Natal ocorriam independentes das
reformas educacionais no Brasil. Os documentos revelam que a instituição parecia ter total
independência na sua estruturação curricular e nos saberes específicos a serem ensinados.
Em 1927, houve a especificação dos cursos anexos registrados no Plano de
Ensino, onde ressaltava-se que:

No intuito de satisfazer o pendor das moças brasileiras e o constante reclamo


das mães de família, resolvemos crar Cursos Annexos para o cultivo das
matérias de pianno, violino, violoncelo, desenho, pintura, bem como um
curso commercial. Não obstante a finalidade da Escola ser o estudo
domestico, julgamos de alta conveniência attender a taes reclamos, dado o
papel educativo desses cursos. O desenho, o solfejo e o canto são matérias
obrigatórias ás alumnas das categorias a e b, mas as que se desejarem
aprofundar nas matérias acima alludidas creamos esta secção, na qual se fará
um curso inteno de 5 annos em cada matéria, denominada de categoria c.
(LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 24-25).
157

Os Cursos anexos deveriam funcionar segundo o mesmo regulamento já


existente da escola, com exceção dos cursos de piano, violino e violoncelo que deveriam estar
de acordo com o programa do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, sob a direção,
na época, do maestro Thomaz Babini. A partir desse incentivo ao estudo da música, na década
de 20 do século XX, surgiu a orquestra musical da ED composta pelas próprias alunas da
instituição, sob a coordenação dos professores:
Maestro Luigi Maria Smido (Conservatório Real de Leipzig);
Maestro Thomaz Babini (Conservatório de Bologna, Itália);
Adeline Leitão (Collegio Cardoso – Rio de Janeiro, Brasil);
Doralice Barros (Diplomada pela primeira turma concluinte da ED de Natal,
em 1919).

No ano de 1927, encontramos uma nova alteração na estrutura curricular da


ED. Dessa vez, o curso sofreu uma redução da carga horária: antes a aluna passava seis anos
estudando e nesse período cursava dois anos de Curso Preparatório e quatro de Doméstico; o
documento de 1927 da LERN informa que a Escola Doméstica passou a mencionar a duração
de cinco anos de curso completo, sendo abolidos os dois anos introdutórios ao Curso
Doméstico, o chamado Preparatório. Os dois anos que deveriam ser cursados anteriormente
foram incorporados ao curso completo de cinco anos, de forma que as matérias deveriam ser
trabalhadas num período mais curto de ensino.
Com essa nova organização, percebemos uma ampliação do currículo nas
disciplinas específicas da formação doméstica, com o surgimento de algumas matérias como
Direito Usual que tinha como objetivo orientar sobre os princípios gerais que norteavam as
leis do período colonial, a formação da monarquia, da república, os direitos dos cidadãos, a
Constituição da República, o Código Civil (principalmente no que se referia à família, ao
casamento, às relações de parentesco, propriedade, contratos, inventários, testamento). Outra
mudança foi a ênfase na separação das matérias de ensino: foram agrupadas em matérias de
caráter mais técnico e matérias de preparo intelectual. “O curso completo é de 5 annos, sendo
um destinado quase exclusivamente ao preparo intellectual, e 4 á continuação do mesmo
preparo e aos estudos de caracter technico.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1927a, p. 7).
A matéria intitulada Costura prevalecia no currículo, mas com a seguinte
denominação: Costura Teórica e Prática. Essa pequena alteração, no nosso entendimento,
pareceu ser uma forma de a instituição assegurar essa relação de teoria e prática para o
158

professor que fosse lecionar a matéria indicada. Francês e inglês passaram a compor o último
ano do curso, mas como matérias facultativas. Educação social e Pedagogia deveriam ser
estudadas no quinto ano doméstico; elas também vêm a somar-se como novidade no
currículo. Cozinha teórica e prática deveria ser dada no quarto ano e no quinto a matéria
Cozinha Artística.
Ao cursar a matéria de Pedagogia, a discente passaria a estudar sobre educação
e suas fases, os princípios pedagógicos gerais, os fatores que interferem nos problemas da
educação do aluno, educação moral, instintos, formação de hábitos e alguns princípios da
Psicologia referentes à mente, cérebro, percepção, memória, impulso, sistema nervoso,
fenômenos mentais e outros saberes que tinham por finalidade inserir as mulheres no
conhecimento humano sobre aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento humano.
(LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a). Esses saberes foram distribuídos na seguinte
estruturação:

QUADRO 7
DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO
1º ANNO 3º ANNO
Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica
Português Português
Francês Francês ou Inglês
Arithmetica Historia Universal
Geografia Anatomia e Physiologia
Musica Jardinagem e Criação
Desenho Leitaria
Calligraphia Cultura Physica
Cultura Physica Musica
Costura theorica e pratica Desenho
Costura theorica e pratica
2º ANNO 4º ANNO
Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica
Português Português
Francês ou Inglês Francês ou Inglês
Arithmetica Jardinagem e Criação
Corographia Lavanderia
Musica Hygiene
Desenho Musica
Historia do Brasil Desenho
Cultura Physica Cultura Physica
Costura theorica e pratica Costura theorica e pratica
5º ANNO
Cozinha artisica
159

Continua...
QUADRO 7
DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO

Português
Francês ou Inglês (facultativo)
Direito Usual
Educação social
Pedagogia
Medicina pratica. Puericultura
Musica
Desenho
Cultura Physica
Costura e confecções

FONTE: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. A Escola Doméstica de Natal. Natal: Typ. & pap.
A. Leite, 1927a.

Com a denominada Revolução de 1930, tivemos, em matéria de educação,


algumas modificações no ensino impostas pela legislação nacional. Uma delas foi a criação
do primeiro Ministério Nacional da Educação e Cultura, em 1931, na administração de
Francisco Campos, responsável também pela instituição de alguns decretos-leis que
objetivavam alterar a estrutura do ensino primário e secundário no país. Esses decretos,
instituídos entre os anos 1931-1932, trouxeram mudanças significativas para o campo
educacional, alterando a duração, carga horária e estruturação dos cursos, enfatizando o
caráter elitista e enciclopédico do ensino secundário, ao propor para esse nível de ensino um
caráter terminal, impossibilitando as camadas mais carentes da população de continuar os
estudos.
Essa nova realidade educacional que não preparava o aluno do ensino
secundário para o curso superior também foi evidenciada no currículo da ED, já que a
discente, ao concluir os estudos na instituição, recebia o diploma de educadora do lar, diploma
esse que não lhe abria possibilidades de ingressar no ensino superior.Essa possibilidade só foi
pensada e concretizada na década de 60 pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, após a
promulgação da LDB/1961.
Percebemos então que as maiores mudanças somente foram vislumbradas na
década de 60, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em
1962, com o advento da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, foi feita a subdivisão
do Curso Doméstico na ED quando passou a ser: o Curso Doméstico de Nível Colegial e o
160

Curso Doméstico de nível Ginasial Técnico. Sob influência da LDB ele passou a ter a
seguinte finalidade:

Este segundo ciclo, para as que concluírem o primeiro ciclo ou o ginasial,


compreende as matérias obrigatórias do segundo ciclo secundário, ou o curso
colegial, segundo a lei vigente, acrescidas das matérias comuns no Curso
Doméstico tradicional. As concluintes receberão o certificado de ‘Dona de
Casa’, ou seja, de Educação para o Lar, equivalente ao Colégio Técnico, que
habilita também para o ingresso nas Escolas Superiores. Terminado o
segundo ciclo, as alunas que desejarem seguir a carreira do Magistério,
deverão cursar a quarta série, composta de disciplinas especializadas, para
que possam registrar o seu Diploma no Ministério da Educação e Cultura”.
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 41).

Através dessas modificações na legislação do ensino, às alunas diplomadas foi


possibilitado dar continuidade aos estudos ou ainda seguir a carreira do Magistério, o que
propiciou grandes progressos para a escola. Nesse sentido, a Escola Doméstica de Natal,
através dos representantes legais da Liga de Ensino do RN, pronunciou-se:

Observando integralmente a orientação tradicional do ensino da mulher, a


Escola instituiu a atualização do preparo de suas alunas, reformulando o
currículo em bases mais amplas e de melhor sentido prático, visando não
somente os misteres do lar, mas, também, do magistério e do ingresso nas
escolas de ensino superior. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-
1964, p. 20).

O curso ofertado pela ED antes da LDB de 1961 permitia à aluna diplomada o


direito de receber o certificado de Educadora Doméstica, mas essa teria que estudar mais dois
anos para poder prestar exames para o curso superior. Na verdade, o curso tinha, em certa
medida, um caráter terminal, de acordo com o que propunha a Reforma Francisco Campos. O
fato de o ensino secundário nas escolas não prepararem para o ingresso no ensino superior
ocorreu em todo o país a partir da influência de outras reformas educacionais, como por
exemplo, a Reforma Rivadávia Corrêa mais caracterizada como a oficialização de decretos
numa tentativa de reformar aspectos relativos ao ensino.
Nela, segundo Vieira e Freitas, (2003, p. 78):
161

A orientação positivista é retomada [...] mediante a aprovação da Lei


Orgânica do Ensino Superior e do Ensino Fundamental na República
(Decreto n. 8.659, de 05 de abril de 1911) e o Regulamento do Colégio
Pedro II (Decreto n. 8.660, de 5 de abril de 1911). A iniciativa defendia a
desoficialização do ensino e de sua freqüência através da criação de
institutos; a abolição dos diplomas, que cederiam lugar para certificados de
assistência e aproveitamento; a realização dos exames de admissão pelas
próprias Faculdades sob a justificativa de que o ensino secundário não
poderia voltar-se para o ingresso no ensino superior.

Essa reforma ocorrida durante o governo Marechal Hermes da Fonseca (1910-


1914) representou retrocesso e fracasso na educação, por facultar liberdade total de autonomia
às instituições de ensino e suprimir o caráter oficial do ensino.
As especificações de cada matéria, o que deveria ser ensinado por cada docente
eram detalhadas na grade curricular (ver anexo n. 1) para que fosse cumprido um programa
oficial estabelecido pela Liga de Ensino do RN, de forma a garantir uma certa homogeneidade
dos conteúdos a serem ensinados.
A nota de aprovação nos exames realizados em sala de aula era média 6 e para
as que não obtivessem resultados satisfatórios durante o ano letivo , havia uma pontuação de
acordo com o comportamento, o que iria definir a sua continuidade ou repetição de ano letivo.

As alumnas que nos exames annuaes não obtiverem resultados


satisfactorios em duas matérias mas obtiverem a media de
comportamento acima de 8, serão submettidas a novo exame no
começo do anno seguinte. Si, porem, forem reprovadas em mais de
duas matérias, e a media de comportamento for abaixo de 8, deverão
repetir o anno. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1922, p. 7).

Entende-se que o comportamento escolar especificado no Regimento Interno


da instituição tinha grande importância na vida escolar. Sua importância se equiparava aos
conteúdos ensinados, tanto que, no momento de decidir pela aprovação ou reprovação da
discente, o comportamento disciplinar era considerado relevante a ponto de justificar a
oportunidade de estudos ou não.
Como podemos perceber, considerar as finalidades educativas da Escola
Doméstica de Natal transpõe as fronteiras dos conteúdos transmitidos especificamente em sala
de aula, norteados por um modelo escolar, envolvendo também, a cultura escolar da
162

instituição que compreendia: a rotina escolar diária, as formas de se comportar dos docentes e
discentes, os rituais festivos, as atividades de sociabilidade, seus objetivos, dentre outros
propósitos.
Nos objetivos da ED, destacamos a finalidade da formação intelectual, moral e
física na mulher, pela qual a Escola Doméstica de Natal acreditava contribuir para a educação
e o engrandecimento da nação envolvendo também a família, como Henrique Castriciano de
Souza, em palestra proferida ao público natalense no início do século XX esclarecia: “[...]
queremos approximar a escola da familia, de accordo com a melhor pedagogia
contemporanea, e fazer da mulher educada na simplicidade, no trabalho intellectual e manual
bem orientado, um elemento destinado a melhorar a nação do futuro.” (SOUZA, 1911, p.21).
Os saberes instituídos pela Escola Doméstica de Natal compreendia uma
aprimorada educação social, moral, física e intelectual, segundo as finalidades da instituição.
Foi com base nos fins a que se propunha a Escola que o currículo foi construído, voltado para
uma formação de uma cultura geral, onde as discentes deveriam aprender os saberes numa
ordem dialógica: teoria/prática.
Diante do modelo escolar especificado cabia à diretoria: [...] “dirigir e
fiscalizar o ensino, para que todas as matérias tenham por base o principio do methodo
intuitivo, despertando a attenção e disciplinando a vontade, no sentido da ordem, economia,
da hygiene, do asseio, dos cuidados, arranjos e deveres domésticos.” (ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 4).
Os saberes escolares elencados pela Escola Doméstica de Natal situavam-se
num quadro educacional de valorização da moral, da cultura física, da higiene e da pedagogia.
Deveria tal modelo curricular ser ensinado na escola, tendo como base a corrente da
Pedagogia Nova que se baseava, na época, no método Intuitivo de ensino, numa visão
pragmática, onde os saberes transmitidos deveriam ter associação direta com a vida das
alunas. Os princípios da Pedagogia Nova, como diz Cambi (2004, p, 347), deveriam primar
por “[...] uma escola onde considere sua utilidade para o aluno de uma referência precisa à sua
experiência concreta.” Os princípios acima citados foram pressupostos firmados por
(Pressuposto) Jean Jacques Rousseau no século XVIII e retomado pelo Ativismo do século
XX, ligado a comportamentos pragmáticos. No Brasil, a Reforma Benjamin Constant (1890)
já destacava a ênfase aos métodos intuitivos, propondo para estudos a disciplina Elementos de
Economia Doméstica a ser implantada nos currículos oficiais das escolas.
Encontramos as proposições das idéias da Pedagogia Nova no currículo da
Escola Doméstica de Natal nos anos iniciais de sua fundação, na estruturação de diversas
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disciplinas de ordem teórica e prática que tinham em vista o fazer das alunas com base nos
seus interesses e necessidades. Como exemplo, destacamos o seguinte indicativo:

Para as disciplinas de ordem técnica, a seleção também é feita com rigor,


pois cada curso ministrado na Escola Doméstica é uma combinação diferente
de princípios fundamentais de economia doméstica. Cada um é baseado nas
necessidades, interesses e capacidades das estudantes matriculadas. A
professora, portanto, com o seu conhecimento e métodos de ensino, deve
achar em primeiro lugar quais são os interesses e necessidades das jovens a
seu cargo. Para o fazer tem de conhecer seu ambiente – seus lares e a
comunidade. Então estará habilitada a traçar um plano do que irá ensinar.
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 29).

Fazendo uma leitura do encaminhamento dado à organização dos conteúdos de


ensino e o repasse destes na escola, percebemos que a professora que lecionava na ED recebia
orientação de considerar, em primeiro lugar, os interesses e necessidades das alunas. Muito
embora o currículo já tivesse sido estruturado inicialmente, o referencial que o norteava
baseava-se numa matriz de pensamento menos tradicional de ensino e mais numa concepção
onde o ensinar e aprender caminhava de forma mais horizontal, menos hierarquizada, mais
estimulante e condizente com a vida cotidiana das discentes, priorizando o fazer. O ensino
seria realizado pelas lições de coisas, maneira como foi divulgado o método ntuitivo. Uma
orientação pedagógica que implicava estudar mais o concreto do que o teórico e o abstrato; as
faculdades mentais deveriam ser provocadas a um desenvolvimento gradual e harmonioso. A
aluna era estimulada a observar objetos e fatos; o conhecimento, em vez de ser transmitido
pelo professor, emergia da relação concreta estabelecida entre aluna/objetos ou fatos.
O caráter científico, prático e singular do currículo da Escola Doméstica
consubstanciava-se numa das justificativas também lançadas pela instituição ao criar o seu
modelo escolar próprio, o qual tido como um diferencial das outras escolas femininas na
cidade do Natal, ao propor um ensino que abria possibilidades de as discentes utilizarem os
conhecimentos adquiridos na escola em sua vida pessoal, social e principalmente familiar.
No ano de 1960, tivemos no currículo escolar da ED algumas mudanças
significativas que atingiram as finalidades da instituição. Em decorrência da lei n°. 2.803, o
governo do Estado do Rio Grande do Norte equiparou as diplomadas pela Escola Doméstica,
quando no exercício do magistério estadual, às diplomadas pela Escola Normal de Natal e
Mossoró com os mesmos direitos e vantagens. Dois anos depois dessa lei, em 23 de maio de
164

1962, ocorreu a revalidação do Curso Doméstico de Nível Ginasial e a criação do Curso


Doméstico de Nível Colegial.
A estrutura curricular da ED de Natal parecia de certa forma, nas primeiras
décadas de fundação do estabelecimento, firmar-se independente das reformas de ensino. A
Reforma de ensino Francisco Campos ocorreu dezessete anos após a fundação da escola, no
entanto esta manteve-se no decorrer dos anos com poucas alterações em na sua grade
curricular original.
Com o advento do Estado Novo em 1937, foi criada no Brasil uma nova
Constituição Federal imposta pelas forças ditatoriais. Em seu art. 15, Título IX, a União
deveria fixar as bases e determinar a estrutura da educação nacional, traçando as diretrizes que
deveriam primar pela formação física, intelectual e moral da infância e da juventude,
apontando para uma tendência de caráter nacionalista no país verificada nos campos
econômico e político e no setor educacional. O ensino pré-vocacional e profissional deveria
ser dever do Estado e se destinar aos grupos menos favorecidos economicamente. A política
do Estado Novo esteve nesse contexto, voltada para preocupações com o ensino profissional,
objeto de reformas encaminhadas pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, conhecidas
como Leis Orgânicas do Ensino que vigoraram até à aprovação da LDB de 1961.
As Leis Orgânicas de Ensino (Reforma Gustavo Capanema) foram decretos
que abrangeram a organização dos ensinos primário, secundário e técnico-industrial no país;
acentuava-se a idéia de educar o sujeito para assumir um papel social dentro da nação, onde a
disciplina Educação Moral e Cívica seria responsável por incutir nos alunos a formação de
base patriótica e disciplinar, onde o modelo humanista clássico de formação se sobressaía ante
uma formação de base científica. A reforma evidenciava uma realidade já proposta
anteriormente pela Reforma Francisco Campos: a falta de flexibilidade do ensino
profissionalizante e o do ensino secundário, pois ao concluir o ensino técnico profissional, o
aluno somente poderia dar continuidade aos estudos no ramo profissional correspondente, não
aproveitando o tempo de estudo realizado para engajar-se em outro curso. O currículo da
Escola Doméstica apresentava algo parecido com as duas reformas: a Francisco Campos e a
de Gustavo Capanema, pois tinha um caráter de formação terminal que dificultava o ingresso
no curso superior, bem como em outro ramo de ensino.
O currículo proposto pela ED de Natal não sofreu alterações específicas diante
dessa nova estruturação das Leis Orgânicas de Ensino; o que percebemos, no entanto, foi a
forte evidência da escola em trabalhar na perspectiva da formação disciplinar, moral e
intelectual; evidentemente isso não ocorreu de forma gratuita e descontextualizada com o
165

momento histórico que gradativamente ia considerando a educação como um problema de


ordem nacional e nessa empreitada caberia às instituições escolares um papel relevante.
Disciplinas como Educação Física também ganhou destaque nessa conjuntura, como forma de
aperfeiçoar a formação viril, robusta e ativa dos indivíduos. Isso, com certeza, contribuiu
significativamente para provocar mudanças nos elementos que faziam parte da ambiência
escolar, ou melhor, alterava o conteúdo da escolarização.
É possível afirmar que a implantação de uma estrutura curricular como a da
Escola Doméstica de Natal fazia parte de um projeto de difusão, no país, de um pensamento
voltado para a conquista de uma nova pedagogia marcada pela defesa de um ensino prático,
racional e, também, por uma ciência da educação considerada nova, moderna.
Com base nos dados analisados sobre as práticas educativas da Escola
Doméstica de Natal, percebemos que o referencial teórico que norteava o currículo escolar foi
escolhido como uma maneira de firmar a renovação dos métodos de ensino, isto é, diante da
estrutura curricular das demais escolas da cidade de Natal, o modelo escolar apresentado pela
Escola Doméstica pretendia primar por uma matriz de pensamento que ultrapassasse as
perspectivas de ensino existentes em outras escolas da cidade que se voltavam para a
formação feminina centrada mais no ensino prático das prendas do lar e, quando muito,
algumas noções de Aritmética, Língua Portuguesa e Geografia.
A relação teoria/prática era bem enfatizada nas práticas de ensino da Escola
que tinha por finalidade garantir à mulher uma formação geral, com o conhecimento das
normas de etiqueta, educação, bons hábitos e comportamentos, conforme os costumes que
circulavam na moda européia e as regras de comportamento tidas como válidas. O
aperfeiçoamento do saber doméstico e o gerenciamento racional das despesas do dia-a-dia
(valores de uma boa formação moral, intelectual e física) eram elementos que, para os
idealizadores dessa escola, iriam conferir o que de melhor uma instituição escolar poderia
garantir de formação ao seu corpo discente.
A Escola Doméstica de Natal, nessa perspectiva, optou por oferecer um vasto
programa curricular correlacionando teoria e prática, valorizando a ciência como pressuposto
básico dos ensinamentos. Essas preocupações em garantir uma cientificidade aos
conhecimentos transmitidos às discentes ficam evidentes no momento de proposição da
estrutura curricular, onde cabia às alunas receberem aulas teóricas em sala de aula sempre
correlacionadas às aulas práticas realizadas em laboratórios da Escola e em espaços abertos,
ao ar livre, como forma de vivenciar a prática, estimular os sentidos e aguçar a experiência.
Neste sentido, a Liga de ensino do RN pronunciava-se:
166

O ensino e nisto consiste a sua maior virtude – será mais pratico do que
theorico. Sem grandes canceiras e sempre sob a direção das mestras, para
quem não são uma vergonha o trabalho manual e os misteres que a nossa
defeituosa educação de latinos, prejudicados pelo trabalho escravo costuma
considerar deprimentes, as discípulas irão aprendendo, por meio de
applicações e continuadas aulas teóricas e práticas, tudo quanto estiver
indicado no referido programma educativo. (LIGA DE ENSINO DO RN,
1927a, p. 20).

Como exemplo desses ensinamentos da escola, temos as aulas de culinária


realizadas em sala de aula; depois as alunas eram encaminhadas a um laboratório de estudo
para analisar e manipular cientificamente os alimentos e dele conhecer seus princípios ativos,
elementos de composição, como é demonstrado na foto a seguir:

FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática sobre culinária, 1927.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Na imagem destacada, fica evidente além da preocupação em correlacionar nas


167

disciplinas do currículo a teoria e a prática, a importância em destacar nessas aulas, por


exemplo, a higiene como elemento central, no momento de exercer a manipulação dos
alimentos ou de outros objetos. O incentivo do uso da touca, do avental e, às vezes, da luva
descartável garantiria as normas de higiene na hora de manipulação dos objetos de cozinha
pelas alunas.
Outro aspecto importante a destacar diz respeito à organização do espaço a ser
usado para exercer a arte culinária, pois segundo orientações dadas pela Escola Doméstica, o
espaço da cozinha, para seguir as normas de higiene, deveria ter nas suas paredes azulejos
limpos e de tom menos escuro possível para dar uma sensação de claridade e limpeza ao local.
Deveria ainda ser a cozinha um espaço de realizações, proporcionando à mulher momentos de
prazer ao exercer a culinária. “A Escola foi pioneira em fazer e recomendar a substituição das
cozinhas cobertas de fuligem por cozinhas claras e azulejadas.” (LIMA, 1998, p. 7).
Henrique Castriciano de Souza também teceu severas críticas às formas como
eram estruturadas as cozinhas das residências nesse período. Ao fazer isso, deixava claro em
suas colocações que a ausência dos princípios higiênicos nesse recinto era um dos motivos
que ocasionava a repulsa da mulher pelo uso da cozinha. Assim manifestava-se ao dizer:

A cozinha, o logar em que é solicitada a cada momento a presença da dona


da casa, é a cousa mais anti-hygienica do mundo: quente, mal arejada, sem
utensílios de fácil asseio e, para cumulo, como o terrível fogão de chapa
espirrando fumaça, como dizem que o diabo espirra enxofre pelo nariz. Ao
lado, a cozinheira malcreada, enxugando, ao menor descuido da dona da
casa, o suor na toalha destinada a limpar os pratos ou a accendendo o
cachimbo ordinário. Este é um dos motivos porque as senhoras odeiam a
cozinha. Esta, porem, deve e pode ser cousa differente. (SOUZA, 1911, p.
41).

Essas representações de Souza sobre a cozinha do seu tempo foi motivo de


grandes preocupações da Escola Doméstica de Natal, particularmente no que diz respeito às
normas de higiene. Eram idéias à frente do seu tempo, tendo em vista que no Brasil as
cozinhas mantinham ainda os costumes do uso do fogão à lenha ou a carvão, bem como a
ausência de normas higiênicas, como água encanada, gás etc. A utilização de pias, panelas de
alumínio reluzentes, mulheres de avental, com luvas, bem penteadas e trajadas faziam parte
do imaginário de algumas poucas mulheres brasileiras, particularmente as das camadas mais
privilegiadas da sociedade como ressalta as autoras Maluf e Mott (1998, p. 412).
168

Era justamente essa ausência de normas higiênicas nas cozinhas brasileiras que
a Escola Doméstica de Natal queria combater a partir das orientações dadas às alunas,
contidas nas proposições do currículo escolar, evitando que as mulheres tomassem a atividade
doméstica como um trabalho exaustivo que provocasse grande desgaste físico, além de
demorado e sujo, em que a cozinha fosse percebida apenas como mais um apêndice da casa
onde tudo poderia ser realizado: banhar crianças, passar roupa, servir de dormitório às
empregadas etc. Essa função da cozinha fazia parte de um contexto em que “Poucas casas
conheciam a função, divisão e restrição de espaço, modernidades preconizadas e prescritas
não só por higienístas, engenheiros e construtores, como pelas posturas municipais.”
(MALUF; MOTT, 1998, p. 413-414).
Outros dois exemplos que podem ilustrar as proposições da Escola sobre a
junção teoria/prática encontram-se nas aulas de Anatomia, Fisiologia e Puericultura. Na
primeira, as discentes, após estudos teóricos, eram conduzidas a um laboratório de Anatomia
para analisar, sob orientação de um docente, a estrutura de composição do corpo humano:
células, tecidos, órgãos, sistema e aparelhos digestivo e respiratório, formação óssea,
articulações, músculos, sistema vascular, sistema nervoso, sistema linfático, aparelhos
sensorial, digestivo, noções sobre nutrição, etc. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1927a, p. 22). No segundo exemplo, temos as aulas de Puericultura, momentos onde
as alunas recebiam conhecimentos teóricos e práticos sobre a criança: alimentação infantil,
doenças na infância, higiene infantil, vacinação, aleitamento materno , etapas de crescimento
das crianças, desenvolvimento físico e mental, educação física para crianças, formação moral
e intelectual para cursar a matéria de Puericultura, as discentes teriam que apresentar como
pré-requisitos já terem estudado as matérias de Enfermagem, Higiene, Nutrição e Medicina
que seriam, na concepção curricular, as bases teóricas para a Pediatria.
A imagem de uma ex-aluna da ED no ano de 1948, durante uma aula de
puericultura, refletia um dos momentos de expectativa das discentes, que era pôr em prática
os conhecimentos estudados durante as aulas de Puericultura, pois a discente deveria
vivenciar durante uma semana as práticas referentes aos cuidados de saúde, higiene e nutrição
de uma criança. A seguir a foto onde a aluna recorda um dos momentos dessas aulas, onde ela
ficava responsável por um bebê, aprendendo a cuidar dele no seu dia a dia, desde o banho à
troca de fraldas, incluindo alimentação. Os bebês, em geral, advinham de famílias carentes e
permaneciam na instituição durante certo período para ser cuidado pelas alunas durante as
aulas práticas de Puericultura. Cada criança ficava sob a responsabilidade de uma discente
que era acompanhada pelo professor da matéria para avaliação de seu desempenho.
169

FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de Puericultura, 1948.
Fonte: Acervo particular da ex. aluna da Escola Doméstica de Natal, Sra. Neide Galvão.

Na sua origem, a Escola Doméstica de Natal não dispunha de um local


específico para as aulas de Puericultura. Em 1919, Varella Santiago, médico atuante da cidade
de Natal e professor da ED, fundou o Instituto de Puericultura anexo à Escola. O espaço-
laboratório das aulas de Puericultura, como comprova o Plano Geral de Ensino da Liga de
Ensino do RN, foi criado com base em algumas finalidades explícitas:

Em relação á puericultura, para attingir racionalmente os nossos fins,


obtivemos um prédio ao lado da Escola, edificado e mobiliado de accordo
com os preceitos da hygiene moderna e nelle installamos uma creche, onde
170

as alumnas do 5º Anno Domestico, guiadas por uma enfermeira diplomada


especialmente contractada para este mister, acompanham a evolução physio-
phychica das creanças internadas nesta secção, a partir de dois até cinco
annos de idade. Assim as alumnas, após as lições theoricas, instruem-se
praticamente junto às creanças seguindo-lhes dia a dia, como ficou dito, a
evolução physio-psychica, e apprendendo o que de mais importante a
sciencia ha ventilado nos últimos tempos sobre este assumpto.( LIGA DE
ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a, p. 24. )

Esse espaço criado possibilitou ampliar os estudos sobre a criança,


estabelecendo uma relação muito importante entre os estudos teóricos e a experiência prática,
seguindo o modelo escolar da instituição. O laboratório de puericultura também funcionou
como um campo de estágio para as alunas, pois era nele que as alunas, durante o período de
estágio (que geralmente ocorria numa semana, sob a direção e orientação de uma enfermeira e
do professor Varela Santiago), cuidavam das crianças internadas: dando banho, preparando
diariamente as refeições, organizando os dormitórios, passeando ao ar livre enfim, assumindo
o papel de mãe de família. Era esse espaço o lugar escolhido para aperfeiçoar os
conhecimentos de Puericultura e aflorar a descoberta do mundo materno, conhecimentos
moldados nos preceitos de um mundo mais moderno. O registro fotográfico a seguir evidencia
um desses momentos:
171

FOTO 9 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de Puericultura, 1926.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Nos exemplos abordados anteriormente, percebemos os propósitos da Escola


Doméstica de Natal em primar por um ensino teórico e prático, considerar também os saberes
pedagógicos repassados às alunas, respaldados no conhecimento científico e garantir a
apreensão de normas higiênicas a partir desses saberes, contendo em seu currículo escolar
princípios Higienistas e Positivistas. Compreendemos esses propósitos como resultante de
vários fatores, dentre eles a necessidade de dar cientificidade à Pedagogia, conferindo uma
pedagogia moderna com base em valores culturais da educação européia e de atribuir à
instituição escolar o papel de formadora de valores de uma educação tida como avançada e
moderna para a época. Como resultado dessa valorização, estaria a Escola contribuindo para
formar uma cidadã ativa para atuar na vida, ao transmitir alguns conhecimentos de utilidade
prática e necessária a sua inserção familiar e social, no espaço, portanto, privado e público.
Nesse sentido, uma aluna da Escola Doméstica na época expressava-se:
172

Para este fim temos a nossa Escola Doméstica, organizada sob methodos
modernos e aperfeiçoados, provida de todos os requisitos próprios, de um
estabelecimento modelar. Neste educandário, as alumnas recebem a
educação condigna que as habilitam para a vida laboriosa e útil, disciplinada
e honesta, de que a família tem mister. (LAMARTINE, 1925, p.22)

Embora no Brasil, a difusão de uma matriz de pensamento Escolanovista tenha


ocorrido de forma mais madura e acentuada nas décadas de 1920 e 1930, defendemos a
proposição nesta pesquisa que, no Estado do RN, esse ideário escolanovista é lançado, ainda
que de forma tímida, no início da primeira década do século XX. Observamos durante a
pesquisa que o grupo de intelectuais formadores da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte
defendia a criação de Escolas Domésticas para mulheres a partir de uma matriz de
pensamento que privilegiava na estrutura curricular e no modelo de ensino/aprendizagem
princípios da Pedagogia Nova. Embora não fosse utilizado o termo Escola Nova, seus
princípios estavam presentes na prática e na teoria da Escola Doméstica de Natal.
Como pressuposto de uma Escola Ativa, a Escola Doméstica de Natal deveria:
enfatizar os princípios da atividade como condição física e mental para ser exercitada em
todos os momentos pedagógicos; dar oportunidade para que as alunas sentissem,
processassem e buscassem vivenciar novas situações de ensino e aprendizagem na escola;
provocar o enriquecimento da cultura física e moral; organizar trabalhos que envolvessem as
atividades manuais, com fins educativos e de utilidade individual e coletiva, muito mais do
que profissional; despertar o gosto por trabalhos livres para desenvolver e despertar o espírito
inventivo, estímulo ao culto da decência, da obediência, da boa etiqueta, da urbanidade, da
delicadeza; trabalhar a cultura do corpo através de ginástica ou jogos esportivos; promover na
escola um ambiente arejado, atrativo, onde a organização e a higiene fossem elementos
significativamente considerados, onde o agir e o pensar, formular idéias e operar, fossem
indissociáveis.
Nesse sentido, a Escola agia de acordo com o ideário da Pedagogia Nova,
como bem exemplifica a fala de Lourenço Filho, um dos seus principais divulgadores no
Brasil. “O modelo ideal da nova pedagogia começa por integrar aprender/fazer. Sensibilidade,
ação e pensamento devem fundir-se. A aprendizagem surge de um processo ativo, resulta de
impulsões naturais, carregadas de teor emotivo.” (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 152).
Henrique Castriciano de Souza afirmava ser importante a existência em Natal
de uma instituição educativa que tivesse como propósito educar para o lar e educar para a vida
173

como um processo ativo escola/vida. Quando expressava o desejo de uma educação para a
vida, queria firmar o propósito de a escola ser voltada para as necessidades e interesses do
indivíduo, para que este pudesse fazer uso dos conhecimentos adquiridos, utilizando-os na sua
vida prática. Particularmente esse ideário era voltado para a formação da mulher e, nesse
raciocínio, argumentava sobre as instituições escolares até então existentes antes da fundação
da ED de Natal:

Não temos a escola para a vida; e ao sahir do collegio com algumas noções
de grammatica, de trabalhos delicados de agulha (de prendas, segundo os
appellidam) e rapidos conhecimentos da lingua francesa, de musica e de
desenho, a moça não tem aptidão physica nem energia para cuidar com
vantagem dos irmãos pequenos, para auxiliar os seus na direcçao do lar e, o
que é peior, para reagir contra as surpresas do destino, mantendo-se por si,
com iniciativas e coragem, se lhe vierem dias tormentosos. (SOUZA, 1911,
p. 32-33).

A idéia concebida de educar a mulher para o lar e para a vida, com base numa
sólida educação doméstica, não surge com Henrique Castriciano a partir da fundação da
Escola Doméstica de Natal, mas na Europa, na Suíça, com a Escola de Ménager, como já
afirmamos anteriormente no capítulo II, ao tratarmos do modelo escolar da ED que se
construiu sob forte influência de correntes do pensamento ativista. A finalidade de educar a
mulher com base em uma educação doméstica fundamentada nos preceitos da ciência esteve
aliada a correntes ideológicas e movimentos feministas emergentes na Europa no século XIX.
A partir de estudos realizados sobre as perspectivas de educação feminina no Brasil, nas
primeiras décadas do século XX, Amaral (2002, p. 21) constatou que:

Havia aqueles que defendiam o direito da mulher exercer uma profissão no


mercado de trabalho e aqueles que acreditavam que a função feminina nas
atividades domésticas manteria o lar em perfeita ordem e seria uma forma
muito importante de contribuir para o progresso econômico do país. A
instrução feminina, portanto, passou a ser reivindicada tanto para capacitar a
mulher para o mercado de trabalho quanto para desenvolver bem as
atividades domésticas.

No caso particular da Escola Doméstica de Natal, a fundamentação do seu


174

ideário pedagógico respaldava-se nos preceitos dos que defendiam que manter o lar em
perfeita ordem seria uma importante forma de contribuir para o desenvolvimento econômico
do país, tendo em vista que a organização e a ordem social iniciar-se-iam nas casas, nas
particularidades das famílias, na educação dada aos filhos, na racionalização dos gastos
pessoais de cada família, o que permitiria pensar numa sociedade mais organizada e
equilibrada social e economicamente.
O ideário sobre a educação feminina no Brasil, e mesmo na Europa, não
ocorreu de forma harmônica; houve divergência nas posições assumidas por grupos
considerados progressivas e conservadores em algumas localidades do continente europeu,
gerando discussões entre esses grupos. O desenvolvimento industrial e urbano ocorrido no
início do século XX abriu espaço para o acesso das mulheres a uma maior escolaridade,
fazendo surgir novas profissões no mercado de trabalho. A busca das mulheres por um espaço
de atuação mais efetiva no âmbito público foi uma realidade constante que muito contribuiu
para a garantia de algumas conquistas sociais, como o direito ao voto, a participação em
cargos públicos, antes confiados apenas ao sexo masculino, dentre muitas reivindicações que
se foram concretizando historicamente.
Esse aspecto da História é importante porque significa o avanço das
reivindicações femininas, entretanto temos que considerar que, apesar dessas novas
conquistas, as mulheres ainda se deparam com inúmeras dificuldades com relação aos espaços
públicos a serem ocupados. De um lado, havia a vertente mais conservadora que não aprovava
uma possível emancipação feminina, a exemplo da Igreja Católica, pois:

A igreja católica via na crescente emancipação feminina a desestruturação


das bases do casamento sadio. O discurso higiênico moderno reforçava essa
associação, afirmando que o lugar da mulher era no lar e sua função
prioritária o cuidado de filhos e filhas. Na família ideal, a mulher não deveria
trabalhar fora. A guarda da prole e sua educação seriam atividades naturais
da mulher, que passaria todo o seu tempo amando e brincando com os filhos
e filhas. (VIDAL; CARVALHO, 2001, p. 215).

Por outro lado, no Brasil, as ofertas de emprego disponíveis no campo social


geralmente funcionavam como uma extensão dos trabalhos realizados no lar: engomadeiras,
operárias da indústria têxtil, de confecções e alimentos, telefonistas, enfermeiras, professoras.
Essas profissões, quando exercidas pela mulher, eram percebidas pela sociedade como uma
175

forma de ajuda financeira ao marido nas despesas do lar, jamais enquanto realização pessoal e
profissional, tendo ainda que obter do cônjuge a expressa aprovação para exercer a atividade
fora de casa.
A busca por conquistas no mercado de trabalho principalmente se o trabalho
garantia direitos trabalhistas, não foi tarefa fácil para a mulher naquele momento histórico,
considerando ainda que lhe era exigido que antes de se dedicar ao trabalho remunerado ela
fosse boa dona de casa.
A utilização dos novos bens de consumo por algumas famílias, como ferro
elétrico, fogão a gás, vem acompanhada de exigências higiênicas preconizadas por novas
medidas difundidas pelo Movimento Higienista do início do século XX. Há uma crescente
exigência sobre a mulher com relação à maternidade, devendo ela ter atenção não somente
com relação à saúde, mas com os aspectos educacionais e morais. Nesse contexto de
mudanças e exigências ao sexo feminino, à mulher ficou delegada a tarefa de ser a educadora
do lar e, para tanto, necessitaria adquirir o domínio da ciência doméstica, domínio esse que
ultrapassaria o mero conhecimento dos afazeres do lar; era preciso também conhecer um
pouco sobre Ciência, Higiene, Química e Física, Geografia, Artes. Assim:

Havia, portanto, muito trabalho ainda para ser feito. Daí a necessidade
de ter método, organizar bem as atividades e se realizar no dia-a-dia,
aproveitar o tempo e, mais do que isso, fazer uma “administração
científica” das tarefas a se desempenhar, para que as coisas não
fossem feitas de atropelo, evidenciando-se, assim, o tão temido mau
humor, imagem freqüentemente associada ao ‘anjo do lar’. (MALUF;
MOTT, 1998: p. 406).

A dona de casa deveria saber economizar, gerenciar o dinheiro das despesas e


do orçamento familiar, por isso o conhecimento da ciência aplicada aos saberes domésticos
tornava-se o casamento perfeito para formar novos hábitos nas mulheres como, por exemplo,
administrar melhor e racionalmente o espaço doméstico.
Naquele momento, manifestava-se o desejo de europeização e de
modernização, inspirado nos modelos de sociabilidade européia e de buscas por novos ritmos
temporais, prometidos pela República recém-chegada. (NOVAIS, 1998). Nesse contexto,
cabia à Pedagogia gerar uma nova forma de racionalidade, com métodos apropriados,
respaldados pelas normas disciplinares e moralização de costumes, pautados pelos valores da
176

higiene como saber a ser transmitido.

Na perspectiva da vida privada, o advento da República viria proclamar,


inicialmente, uma atitude de repúdio difuso à vida rotineira e aos arcaísmos,
que seriam a própria negação do progresso, como forma de os indivíduos
desamarrarem-se dos modos provincianos e das sociabilidades causadas pela
sociedade escravista. (SALIBA, 1998, p. 289).

Do período do surgimento da Escola até o início do ano 1940, evidenciamos


preocupações mais voltadas para uma educação baseada fortemente no Movimento
Renovador da Educação: Ativismo - estímulos em proporcionar atividades com base nos
interesses das alunas, ênfase no fazer da atividade, entre outras características. Na década de
40 do século XX, essas finalidades pedagógicas ainda se faziam presentes, no entanto,
encontramos elementos novos nas ações do currículo, por exemplo, uma excessiva
necessidade de conferir às atividades pedagógicas um caráter mais racionalizador. Isso
significava assentar alguns princípios na metodologia de ensino, antes não empregados e
experimentados pela Escola.
É lembrado que a formação técnico-profissional no Brasil acentuara-se com a
promulgação das Leis Orgânicas do Ensino ocorridas na década de 40. Os níveis de ensino: o
agrícola, o industrial e o comercial sofreram novas reformulações que espelhavam a
necessidade de qualificação de mão-de-obra do indivíduo para atuar no mercado de trabalho e
essa realidade manifestava-se na formulação de um currículo nacional com matérias pensadas
para esse fim, apesar de o ensino secundário conservar a sua tradição de preparar as elites
brasileiras para engajar no curso superior.
Nesse mesmo período, a idéia de dar às atividades pedagógicas da Escola
Doméstica de Natal um caráter mais racionalizador (apesar de, naquele momento, ainda não
ser colocada a finalidade de preparação para o trabalho) surgiu com mais sustentação teórica e
prática no currículo da Escola, desta vez acompanhada de recomendações dos princípios
defendidos pelo economista norte-americano Frederich Winshow Taylor (1856-1915) que
plasmou as bases fundamentais da organização científica do trabalho, conhecido
mundialmente como Taylorismo. Segundo a tese defendida por Taylor, o trabalho organizado
cientificamente resultaria um aumento considerável na produção e esse princípio servia de
fundamento para a organização e gerenciamento da casa pela mulher.
Uma das formas de aplicar as premissas propostas pelo Taylorismo encontra-se
177

em alguns cadernos de alunas do quinto ano do Curso da Escola Doméstica de Natal (a partir
do ano de 1945) que continham registros com exemplificações da aplicabilidade dos passos
defendidos por Taylor ao trabalho nas atividades domésticas. Um dos exemplos é dado com
base na tarefa de lavar louças, uma das atividades tida, na época, como particular ao universo
feminino e percebida como muito exaustiva, demandando, portanto, tempo prolongado.
Segundo esses registros, com o uso de um método adequado, era possível tornar essa tarefa
menos cansativa, reduzindo os gastos e racionalizando o tempo na cozinha. Para tanto, era
recomendado à aluna, seguir os princípios que destacaremos abaixo:

a) Desenvolver em cada elemento do trabalho operário um método científico


que substitua métodos empiricos;
b) Especializar, formar e conduzir o operário ensinando-lhes o melhor
processo de trabalhar;
c) Acompanhar cada operário para assegurar de que o trabalho está sendo
feito conforme regras estabelecidas;
d) Subdividir equitativamente a responsabilidade e a tarefa entre a direção e
o operário encarregando-se aquela de tudo que ultrapasse a competência
deste.
(SALES, 1949).

Como seria então essa ciência da organização do trabalho aplicada às


atividades domésticas? Prever, organizar, dirigir, coordenar e controlar eram elementos que
deveriam ser incorporados às instruções dadas à mulher, para que pudesse aprender a gerir
com eficácia o seu lar. Primeiro, ela precisaria fazer um levantamento prévio do trabalho
doméstico a ser exercido, tendo uma idéia precisa do objetivo a ser perseguido. Na etapa de
organização, ela centralizaria sua ação no estudo dos instrumentos a serem usados nessa
tarefa, de modo que percebesse a forma mais adequada de desenvolvê-lo. Por fim, efetuaria o
trabalho, adequando os meios e o método selecionado; verificaria os resultados obtidos,
comparando a qualidade do resultado com o tempo empregado e o dinheiro gasto.
Essas etapas, quando bem aplicadas à atividade doméstica, funcionariam,
segundo a filosofia da Escola, como propulsoras de um bom desempenho da dona de casa,
minimizando suas ações no dia-a-dia da organização e administração do lar.
A figura representada abaixo, abstraída do caderno da aluna Terezinha Dantas
Sales (1949) da Escola Doméstica na época, destaca processualmente as etapas dessa
aplicação. Vejamos:
178

O método aplicado corretamente na execução da lavagem de roupa, por


exemplo, basear-se-ia nas etapas de planejamento, organização sistemática da ação a ser
executada, na criação das condições e na efetivação da atividade.
A metodologia e as técnicas, nesse contexto, seriam primordiais para o bom
desempenho da dona de casa, percebidas então como instrumentos que, ao serem bem
empregados, garantiriam o sucesso da ação da mulher durante os afazeres domésticos. O
exemplo destacado a seguir evidencia como seriam postos em prática os princípios tayloristas
numa atividade do dia -a -dia da mulher, como uma simples lavagem de louça. Vejamos esse
exemplo retirado de um caderno de uma ex-aluna da Escola Doméstica de Natal, em meados
da década de 1940. O método aplicado produziria o seguinte resultado:

1. Armário de guardar louça (lugar reservado para colocar a louça lavada e


limpa).
2. Calçados ou mesa da pia para escorrer os pratos (objeto a ser usado para
pôr a louça limpa)
3. Pia (local reservado à louça suja e onde seria realizada a tarefa)
4. Bandeja de servir-móvel (objeto para transportar a louça de um lugar para
o outro).
(SALES, 1949, p?).

Compreendendo a sistematização dos passos apontados acima, veremos que as


179

etapas a serem seguidas para exercer uma simples tarefa de lavar louça teriam que vir
acompanhadas de passos ordenados, num método de ação, onde a pessoa que o utilizaria
deveria seguir rigorosamente, para não dizer tecnicamente, uma ordenação onde a análise da
tarefa a ser realizada, a preparação do ambiente, dos objetos e a compreensão sobre o que iria
executar deveriam ser objeto de apropriação antes da execução da atividade. O que poderia
parecer evidente na observação de uma dona de casa ganhava, nessa visão, uma técnica de
regulagem dos movimentos ordenados e planejados, a princípio, por quem fosse executá-la.
As regras estabelecidas sobre a técnica aplicada seguiam a seguinte ordenação:

Primeira regra: a análise – demonstrar com a lavagem de louça.


Segunda regra: a preparação do trabalho – todo trabalho deve ser preparado
intelectualmente antes de ser executado materialmente.
Terceira regra: o trabalho por série: todos os trabalhos da mesma categoria
serão agrupados por séries para serem executados imediatamente, uns depois
dos outros, sem pausas nem mudanças de utensílios. (ex: como a lavagem de
ouças).
Quarta regra: o trabalho deve avançar em linha reta da direita para a
esquerda no espaço retrocedendo sem idas e vindas.
Quinta regra: tudo em seu lugar e ao alcance da mão. Colocar no devido
lugar todo o utensílio que vai usar no trabalho.
Sexta regra: simplificação do trabalho. É uma regra de bom senso apenas.
(Ex: usar louça que vai ao forno para servir na mesa, escaldar a louça e pôr o
escorredor para enxugar, etc.). (SALES, 1949, p?).

Como no exemplo anterior, esses procedimentos ordenados eram apresentados


às alunas do quinto ano do Curso da Escola Doméstica de Natal, no ano de 1949. As alunas
eram orientadas sobre a possibilidade de pôr esses procedimentos em prática, pois esses
passos seriam importantes para evitar a fadiga e a insuficiência do rendimento humano no
trabalho, bem como para racionalizar a atividade humana, banindo, com isso, os excessivos
gastos de tempo e dinheiro que uma mulher poderia ter no seu lar.
Vejamos que a produção taylorista baseia-se na existência do trabalho
parcelado e na fragmentação das funções, na separação entre elaboração e execução do
processo de trabalho, e em outras dimensões. Segundo Antunes (1995), esse tipo de processo
de trabalho predominou na grande indústria ao longo deste século, primando pela produção
em massa e pela separação pensar/fazer.
Ao fazermos a leitura dos cadernos de estudo, escritos pelas ex-alunas da
Escola Doméstica de Natal, deparamo-nos com algumas indagações que buscamos
180

compreender melhor a partir do entrecruzamento da leitura das anotações nos cadernos de


exercícios das discentes que estudaram na primeira turma da Escola e as que vieram a estudar
nos anos subseqüentes.
Encontramos alguns registros sobre os princípios do Taylorismo nas anotações
das alunas sobre o processo de racionalização do trabalho; eles eram evidenciados como uma
forma de a mulher conseguir transpor para os afazeres do lar uma racionalização das
atividades, economizando tempo e dinheiro, conseguindo assim superar os grandes encargos
atribuídos ao trabalho doméstico, onde ela teria que dispor de muitas horas do seu tempo
realizando atividades rotineiras.

Economizar, economizar, economizar... Essa é a recomendação feita às


esposas em praticamente todos os números da Revista Feminina, no decorrer
de duas décadas. As boas donas de casa deveriam, portanto, saber gerenciar
o dinheiro das despesas, não pedi-lo com freqüência, ser comedida em suas
exigências, contendo-se com a renda de que dispunham. Deveriam produzir
em casa, com as próprias mãos, tudo aquilo que fosse possível, evitando ao
máximo tudo e qualquer peso excessivo ao bolso do marido. (MALUF;
MOTT, 1998, p. 417).

Segundo Maluf e Mott (1998), o controle do tempo, a economia doméstica na


contenção das despesas e a excessiva preocupação em ocupar a mulher com trabalhos
manuais (até mesmo para ajudar na racionalização dos gastos) foram preocupações que
fizeram parte do imaginário feminino no início do século XX. Compreendemos que isso não
significava afirmar que toda mulher estivesse realizada plenamente no papel a ela imposto
socialmente e no seu âmbito familiar, mas é importante ressaltar que essa era uma realidade
da maioria das mulheres brasileiras, com exceção de algumas que se rebelaram,
posicionaram-se à frente do seu tempo, a exemplo das escritoras feministas norte-rio-
grandenses Júlia Lopes de Almeida, Nisia Floresta, Auta de Souza, dentre outras grandes
mulheres que se destacaram na nossa história.
A contenção do tempo nas atividades domésticas também era justificada, além
do fator econômico, pela necessidade de a mulher dispor de mais horas do seu dia para outras
necessidades que apareciam no âmbito familiar, como a educação de sua prole, tendo em vista
ser a ela concebida este encargo, o que a deixava sobrecarregada, pois além dos afazeres do
lar tinha que acompanhar a instrução dos filhos. Vejamos que grandes encargos eram
delegados à mulher nessa época:
181

A sua principal missão porém é preparar os seus filhos que serão os homens
e mulheres do amanhã”. Nesse sentido, esperava-se que as mulheres
dominassem um pouco de diferentes assuntos: [ ] as ciências naturais, a
higiene, a física, a astronomia, a matemática, a geografia, as artes, a
indústria, tudo, representa uma necessidade real! A mestra deve ser a Mãe, e
é preciso que a mulher tenha uma soma grande de conhecimentos, para não
perder uma interrogação do filho. (MALUF; MOTT, 1998, p. 406-407).

A quantidade excessiva de atividades domésticas que demandavam tempo e


organização, além de outras responsabilidades incluídas no dia-a-dia da mulher eram uma
pauta em discussão nos ensinamentos recebidos pelas alunas do terceiro ano da Escola
Doméstica de Natal, através das aulas sobre ‘Ordem Doméstica’. Essas atividades domésticas
deveriam ser realizadas no menor tempo possível, tendo como elemento central em suas
discussões a higiene pedagógica, com noções a serem ensinadas e aprendidas, sendo eficazes
instrumentos preventivos de possíveis doenças.
A moralização dos costumes, a higienização escolar e a estruturação dos
modos de organizar o tempo e o espaço nas instituições escolares emergiam no quadro social
e educacional como referência nos anos 1920 e 1930, para a construção de um sistema
nacional de ensino. (MATE, 2002).
Na visão de Herschmann (1994, p.23) a:

[...] modernização foi um termo usado na época, para designar os projetos de


mudança social que ocorreram. Discurso que pautou reformas e projetos
locais, responsáveis pela formulação e institucionalização de projetos
pedagógicos com legislação específica, estruturação administrativa,
implantação de métodos e programas, reorganização funcional dos
professores, etc.

Podemos afirmar ainda que os subsídios teóricos e práticos das experiências


educacionais do período passaram a significar modernizações pedagógicas, reforçando e
fundamentando, também, propostas curriculares e modelos de ensino, a exemplo da Escola
Doméstica de Natal.
No Estado do Rio Grande do Norte, a Reforma de ensino instituída pela Lei n.° 405 de
29 de novembro de 1916 - previa a reforma do ensino público em todo o Estado nos níveis
primário, secundário e profissional) apresentava preocupações preeminentes com a
fiscalização (principalmente em escolas privadas) da higiene escolar, do estudo obrigatório da
182

língua nacional e da organização da grade curricular; essa grade curricular deveria privilegiar
a língua nacional e o culto à nação/nacionalidade. É o que diz o seu Título I, artigos 1.° e 2 .°
, sobre a nova divisão e organização do Ensino:

Art. 1.° o ensino público, leigo leigo em todos os seus graus, divide-se em
primario, secundário e profissional.
Art. 2 .° O ensino privado é inteiramente livre quanto aos metodos e
regimen didactico, ficando somente sujeito á fiscalisação do Governo no que
se referir á hygiene, á moralidade e ao conjuncto das materias ensinadas,
dentre as quaes terá sempre o primeiro logar a lingua nacional. (RIO
GRANDE DO NORTE, 1916, p. 38).

No modelo curricular contido nos programas de estudo (modelo organizado


pela diretoria de ensino da Escola Doméstica de Natal, em respeito à Lei n.° 405 de 1916,
representado e aprovado pelo presidente do Conselho Diretor da Liga de Ensino do RN, em
27 de agosto de 1927) encontramos, entre outras, as matérias de Higiene e Medicina Prática,
Cultura Física, Curso de formação social e Ordem Doméstica que, no seu conjunto,
privilegiavam a tríade formação intelectual e física, moral e higiênica destinada à preparação
do corpo, da mente e do espaço físico habitado.
Estimulava-se a prática esportiva como prática saudável, apta ao
fortalecimento do corpo, formando uma civilização sã para bem atuar na construção social do
país. Através do incentivo do trabalho de coordenação motora, cultivando o espírito
integrativo nas atividades de basquete ball, ginástica sueca e tênis, preferencialmente os jogos
de movimento, a Escola Doméstica contribuía para atingir essa finalidade maior. Vejamos
uma das justificativas da Escola neste sentido:

Não se poderá, absolutamente, admitir uma civilisação ou educação generosa


sem que nella palpite superioridade da saúde e do humor. Eis a razão por que
a nossa tão admirada Escola Doméstica, com o seu bem elaborado
programma para a educação de boas donas de casa, teria, naturalmente,
incompleto o seu curso, se nella não contemplasse também como uma das
partes essenciaes, a educação physica. (PEREIRA, 1925, p. 32)

Uma vez que o processo de escolarização envolve os corpos dos sujeitos, a


prática do esporte na Escola se propunha a modelar os comportamentos das alunas para o
183

cultivo de hábitos saudáveis de vida, da prática esportiva, criando hábitos e condutas, tendo
em vista um corpo belo, saudável e ativo. Um controle que, na visão de Foucault (1997), não
deixa de ser social, mas que se inicia pelo corpo do indivíduo através de uma ação minuciosa
e silenciosa.
Nos estudos realizados por Boschilia (2004), encontramos alguns resultados de
pesquisa que se identificam com a nossa análise e com a visão defendida por Foucault (1997)
sobre a disciplinarização do corpo. Na pesquisa feita pela autora sobre um colégio masculino,
o Colégio Marista, no início do século XX, fica evidente como os ritos são utilizados pela
instituição escolar como um dispositivo pedagógico para a conformação de comportamentos e
constituição do modelo pedagógico a ser aplicado no estabelecimento de ensino, destacando,
entre esses ritos, os exercícios físicos. Enfatiza ainda que:

[...] com a modernidade, o processo de dominação efetivado pela instituição


escolar ocorria a partir de duas modalidades distintas de tecnologias de
poder: a ‘disciplina” e a “biopolítica. Enquanto a disciplina intervinha mais
diretamente nos espaços, utilizando recursos externos ao indivíduo, a
biopolítica se caracterizava pelo uso de técnicas que exerciam o poder por
meio de dispositivos que agiam diretamente sobre a conduta dos indivíduos
(BOSCHILIA, 2004, p. 132).

Conclui a autora que, com o advento da modernidade, a instituição escolar, de


uma forma geral, necessitava acionar outros dispositivos de controle, onde seria negada a
força, a ação coercitiva através da violência. Neste sentido, outros dispositivos passariam a ser
acionados no quadro geral da escola, a partir de suas ações pedagógicas, considerando que
“para dar sentido a essas ações, a escola necessitava acionar outros mecanismos capazes não
só de legitimar suas práticas e auxiliar na uniformização e na melhoria da gestão do território,
mas, sobretudo, de promover a internalização das regras apreendidas.” (BOSCHILIA, 2004,
p. 133).
Em concordância com as idéias apresentadas por Boschila (2004),
consideramos que a Escola Doméstica de Natal também fez uso de diversos dispositivos
pedagógicos para auxiliar na construção do seu modelo escolar, sendo o esporte praticado
pelas alunas um dos meios utilizados para promover a apreensão de regras de obediência, o
domínio sobre o próprio corpo (autocontrole das vontades), a disciplina, hábitos saudáveis
(não fumar, não beber, adquirir bons hábitos alimentares...). Também percebemos as práticas
184

esportivas como o momento de socialização entre alunas/alunas e professoras/alunas,


contribuindo para a cooperação e o trabalho em equipe.
Evitar a instalação de vícios e maus hábitos de postura, assegurando a saúde e
evitando possíveis enfermidades ao corpo era uma das finalidades básicas da educação física
na escola, com o intuito maior de contribuir para a construção do país, como especificado na
frase a seguir de uma ex-aluna da ED, na qual expressava sua visão de mundo sobre esse
aspecto: “O Brasil deve, pois, ao lado do patriotismo e heroísmo de seus filhos cultivar-lhes a
força physica, para que possam elles, da melhor forma possível, desempenhar o seu papel de
alta monta na vida nacional, que nos é tão cara.” (PEREIRA, 1925, p. 30).
A Ginástica que se difundiu nesse período teve forte cunho militarista, pois
reforçava a idéia de um corpo viril, forte, um corpo constituído de partes nas quais deveria ser
prestada a máxima atenção, de forma que as ações desse corpo fossem sempre eficazes. A
necessidade do corpo reto e rígido é incorporada pelos preceitos da Ciência Positiva que se
expandiu no século XIX. No século seguinte, surgia a necessidade de controlar os excessos
dos corpos funâmbulos, viciados, com maus hábitos de postura e prevenir doenças, mazelas,
como também evitar a ociosidade. A ginástica, por possuir um caráter ordenativo,
disciplinador e metódico, inseriu-se bem nessa realidade da ED e, particularmente nas escolas
brasileiras públicas e privadas. Destaca Foucault (1997, p. 146) que:

[...] a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a


exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo
através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso que o poder exerceu
sobre o corpo das crianças, dos soldados sobre o corpo sadio.

No interior das escolas, o higienismo, através de diversas modalidades


esportivas, manifestava-se pelo ordenamento do espaço e do tempo para agir, bem como pelo
controle dos movimentos dos corpos, conferindo a tudo uma dimensão utilitarista no sentido
de evitar o corpo parado e imperfeito. Seria fundamental que o indivíduo aprendesse a olhar,
admirar e domesticar o seu próprio corpo desde cedo, aprendendo a ter consciência de si,
percebendo que a mente é superior e controla o corpo.
Para tanto, escolher o tipo de modalidade esportiva a ser empregada no
currículo, os movimentos a serem trabalhados era tarefa meticulosa e exigia cuidados na
seleção, a exemplo da opção pela prática da ginástica Sueca.
185

O método de Ginástica Sueca foi trazido para compor o currículo da Escola


Doméstica de Natal, tomando como base o modelo Suíço (Ménagère); esse modelo teve como
precursor Per Henrik que lançou na Suécia no ano 1812 um plano de reforma da educação
física, onde propunha exercícios de ordenação corporal, compostos de movimentos repetitivos
e seqüenciados de marcha e de modelação do corpo, muito próximos, em alguns movimentos,
da ginástica aplicada às corporações militares.
Como lembrava os escritos de um dos livros presentes na biblioteca da ED:

Ao contrário da antiga pretensão do athletismo, o que se quer presentemente


da gymnastica, de accôrdo com o methodo Sueco, é o desenvolvimento dos
tecidos orgânicos e seu vigor, a fim de levantar o nível da saúde geral,
preparar os organismos pela vida e melhorar progressivamente a raça.
(MAGALHÃES, 1908, p. 209)

Mais adiante, o autor destaca a relevância em entender a prática da ginástica


Sueca como importante instrumento para a formação humana, deixando escapar,
implicitamente nas suas palavras, a necessidade de eleger essa modalidade esportiva no
currículo das escolas brasileiras.

Accrescente-se ser proverbial a cultura da gymnastica – em todas as classes


sociaes – na Suecia, que possue methodo original de executal-a, hoje
adaptado pelos paizes verdadeiramente civilizados. Desde algum tempo
preocupa-me a pouca conta em que temos a gymnastica, nós que precisamos
fortalecer nossos corpos e preparal-os para resitir á acção do nosso clima e a
outras causas deprimentes. (MAGALHÃES, 1908, p. 139-140).

A Escola Doméstica de Natal optou por esse tipo de ginástica no seu currículo
escolar, com a finalidade de proporcionar à mulher a construção de um corpo delicado e ao
mesmo tempo forte e esbelto, com a justificativa de que:

A ginnastica Sueca offerece vantagens á educação physica, porque tem base


physiologica. É superior ás gynnasticas franceza e allemã, e, por seu valor e
superioridade scientifica, é a que deve ser, de preferência, usada. Ella merece
primazia, porque desenvolve symetricamente tanto os músculos superiores
como inferiores. Contribue extremamente para desenvolver a funcção
186

respiratória, amplia harmonicamente o corpo, tornando-o airoso, alto e


esbelto, demonstrando a experiência o contrario em outras gymnasticas, que
fazem as pessoas baixas e largas e de menor resistência physica. (PEREIRA,
1925, p. 31).

Vejamos mais uma vez a ênfase atribuída à modalidade esportiva para a


formação de mulheres ativas, saudáveis, vigorosas, com braços fortes e corpos resistentes,
dando margem ao surgimento de uma nova nação mais viril, forte e bela, elevada em sua
bravura e ação. Destacamos abaixo o registro fotográfico de um desses momentos
privilegiados no currículo, a aula de ginástica sueca, ao ar livre, que reunia discentes de
turmas variadas. Segundo depoimento de uma ex-aluna da escola, o fardamento usado nessa
ocasião esportiva era um short de cor azul marinho e blusa branca, como exibido na imagem a
seguir. Recorda também que o comprimento dessa vestimenta deveria ser abaixo do joelho,
mas o modelo do short concentrava elástico nas pernas, permitindo a alguma aluna subi-lo
acima do joelho, fato que não ensejava muitas reclamações por parte da professora de
educação física. Com esse depoimento, a ex-aluna quis especificar que o traje de educação
física obedecia aos preceitos dos costumes da época, com roupas geralmente usadas abaixo do
joelho, mas algumas discentes contrariavam esses costumes, por se sentirem mais à vontade
quando das práticas esportivas ao ar livre. (MORGANTINE, 2005).
187

FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Os exercícios ao ar livre surgem como formas de sair das salas fechadas em


busca de ar e luz. Sob forte influência do Naturalismo, o espaço escolar refletiu as inovações
pedagógicas, passando a expressar, em sua institucionalização material, as novas teorias
pedagógicas baseadas em uma nova compreensão de homem e de mundo e que introduziam,
por exemplo, a utilização didática do espaço natural, por ser um meio para desenvolver o
espírito, a ordenação, a moral, as virtudes. Nesse raciocino, são importantes as observações de
Escolano (2001) ao ver o espaço escolar como objeto a ser analisado enquanto constructo
cultural que expressa,reflete determinadas idéias e discursos, não sendo, portanto neutro e
apático às transformações que ocorrem no mundo. Ainda na visão de Escolano (2001, p. 32):

A localização da escola é por si mesma uma variável decisiva do programa


cultural e pedagógico comportado pelo espaço e pela arquitetura escolares. A
proximidade à natureza e à vida postulada pelos institucionistas favorece,
188

entre outras ações e estímulos, o jogo em liberdade, o ensino ativo, a


utilização didática do entorno, a contemplação natural e estética da
paisagem, a expansão do espírito e dos sentimentos, o desenvolvimento
moral.

Os espaços escolares, na visão do autor, transmitem idéias, valores, estão


dotados de significados, transmitem conteúdos e valores do currículo, impondo também suas
próprias leis como organizações disciplinares. Nessa dimensão assumida pelo espaço escolar,
Veiga-Neto (2003) também chama a atenção para que compreendamos o currículo nessa
mesma relação apontada por Escolano (2001), no que diz respeito às ressignificações que o
espaço (e também o tempo) pode assumir, pois considera que o currículo não deve ser
entendido e problematizado numa dimensão reduzida à epistemologia tradicional, mas deve
ser entendido como um artefato escolar, cuja invenção guarda uma relação imanente com as
ressignificações do espaço e do tempo que aconteceram na passagem do mundo medieval para
a modernidade.
O currículo, para Veiga-Neto, imprime uma ordem geométrica de organização
do espaço escolar e de distribuição dos saberes ao longo do tempo. No espaço escolar, ele
funciona como um dispositivo pedagógico que reorganiza os locais a serem usados e os
objetos nele presentes, de forma a atender os modernos preceitos pedagógicos desenvolvidos
historicamente. Em termos temporais, o currículo é o responsável pelo estabelecimento das
rotinas, do ritmo de vida cotidiano da escola, etc. (VEIGA-NETO, 2003, p. 167).
Além da Ginástica Sueca, a Escola Doméstica de Natal também dispunha de
outras duas modalidades esportivas, como o volley ball e o basquet ball. Para termos idéia do
avanço representado pela Escola quanto ao currículo, é importante destacar que no Estado do
RN a modalidade de basquet ball foi implantada pela primeira vez pela Escola Doméstica de
Natal, na década de 20 do século XX, fato que nem se ouvia falar nas demais escolas
existentes. Na nossa pesquisa, localizamos um registro fotográfico da primeira turma de
alunas praticando esse esporte, no entanto, devido aos cuidados da direção da escola com a
conservação do registro, não foi possível trazê-lo para o corpo do nosso trabalho, ficando
apenas no nosso imaginário a representação da primeira turma do Estado do RN a praticar o
basquet ball, trajadas, comportadamente com blusa de gola e manga brancas, acompanhada de
short cujo tamanho era um pouco acima do joelho, sem grandes decotes, de acordo com os
valores da época e da escola, onde a sutileza, a elegância e a discrição, na hora de a aluna se
apresentar com os trajes específicos de cada atividade escolar, eram regras a seguir.
189

O esporte na escola era elemento recomendado a todas as alunas como fator


educativo-disciplinar, importante para exercer força física e mental e distrair o espírito do
indivíduo, contribuindo para propiciar o bem-estar corporal e mental. Gondra (2003), ao
estudar a relação que se estabeleceu historicamente entre escola/medicina/ higiene, ou seja,
discurso médico e educação escolar, considerou que essa é uma relação estabelecida pelos
higienistas quando abordam a questão do corpo, pois:

A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da ginástica, é uma


preocupação que ocupa lugar privilegiado na agenda médica fazendo com
que, ao tratar da educação escolar, também inclua esse tema como um dos
aspectos a ser observado no rol de recomendações por eles estabelecidas, de
modo a produzir um colégio, aluno, alunas, professores e mestras
higienizados. (GONDRA, 2003, p. 534).

Tendo em vista que o período republicano propagou no Brasil a educação para


a formação do cidadão, entendida essa formação no sentido de preparação integral do homem,
o tripé educação física, intelectual e, sobretudo, moral e cívica, passou a ser mais valorizado.
A idéia de cidadania desse período estava alicerçada na condição de preparação do povo para
a participação política (daí a ênfase na formação moral e cívica) e referia-se, portanto, ao ideal
de civilização, a um ideal de cidadania também alicerçados no projeto ideológico da
integração social e disciplinarização do povo.
Nesse contexto, algumas matérias como Educação Moral e Cívica e Educação
Física que primavam pela estética do caráter e da boa formação cívica, ganhavam destaque.
Essas matérias tiveram também desdobramentos peculiares em outras práticas escolares,
tendo em vista suas finalidades higiênicas, moralizadoras e nacionalistas. Exemplo disso pode
ser atribuído às comemorações cívicas, nas celebrações internas da escola (particularmente as
de fim de ano), nas datas comemorativas e exposições escolares, onde esses valores tornavam-
se mais exacerbados e evidentes no currículo e na cultura da escola.
Na Escola Doméstica de Natal, essa realidade era evidente, passando o esporte,
por exemplo, a assegurar a cultura do corpo através dos jogos, da ginástica praticada ao ar
livre, objetivando tornar o corpo feminino mais flexível, ágil e ativo (dentre outras
finalidades). A cultura do corpo ganhava espaço nas instituições escolares do Brasil e por ser
uma das finalidades motivadoras da formação estética, a Escola Doméstica tornou-a
obrigatória no currículo.
190

O Curso de Cultura Física presente no currículo da Escola Doméstica tinha


como finalidade:

[...] dar agilidade, resistência e vigor ao corpo, cuidando especialmente da


‘gymnastica orthopedica’. A cultura física obrigatória é ministrada durante o
período escolar completo [...] As sessões de Educação Física, as competições
esportivas e as excursões, são dirigidas sob a forma eminentemente
educacional procurando contribuir, ao máximo, para atingir os fins
almejados pela educação moderna. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE
DO NORTE, 1927a, p. 14 ).

Tomamos também como outro exemplo de dispositivo regulador do corpo, o


Curso de Hygiene, que tinha como conteúdos básicos para as discentes que cursavam o quarto
ano de estudo:

[...] Considerações hygienicas sobre as substancias alimentares. Alimentos


usados. Bebidas. Preparação, conservação e digestibilidade dos alimentos.
Alimentação segundo ás edades, ás profissões e aos climas. Regimens
dieteticos. Asseio corporal. Vestuario. Exercicios physicos. Habitação
privada. (Cubagem, ventillação e causas que viciam o ar das habitações).
Installações sanitarias. Como deve ser feito o asseio domestico. Como
devem ser os dormitorios dos doentes. Meios de combater e evitar a
propagação em fámilia das molestias infectocontagiosas communs. infecções
dos animaes domesticos transmissiveis ao homem. Insectos vehiculadores de
molestias. Noçòes de prophylaxia do paludismo, febre amarella, tuberculose,
lepra, verminoses em geral e especialmente ancylostomose. (LIGA DE
ENSINO DO RN, 1927a. p. 22-23).

Esses conteúdos compunham em seu conjunto um quadro geral da organização


de normas disciplinares sobre a higiene, fosse ela aplicada diretamente no tratamento e
cuidados com o corpo e com o meio social ou no manuseio e ingestão de alimentos. Essa
escolha do currículo correspondia à influência plausível, no Brasil, do Movimento Higienista,
onde se percebe a capacidade de a medicina intervir no domínio pedagógico, introduzindo no
âmbito escolar medidas profiláticas e preventivas de doenças, buscando na ciência a
explicação para a proliferação dessas doenças e também para sua prevenção e controle.
Desta forma, havia a perspectiva de a escola ser um lugar que poderia
contribuir para a construção de uma nação livre da proliferação de doenças e possíveis perigos
191

do mundo moderno (vícios, prostituição, etc.), cabendo-lhe organizar no seu espaço escolar e
nos conteúdos do currículo as normas e regras relativas ao mobiliário, aos exercícios físicos,
às construções, à ventilação e iluminação dos espaços ocupados pelos alunos e professores;
requeria, para tanto, a visitação constante de um médico para verificação das condições de
funcionamento das instituições de ensino. No dizer de Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):

[...] a intervenção médica estende-se a espaços e dimensões educativas que,


nos séculos anteriores, não constituíam objeto de especial atenção. Se a
intervenção se limitasse à problemática das condições sanitárias propiciadas
pelas escolas, diríamos que, na essência a higiene apenas tinha alargado o
seu espaço de influência. No entanto, [...] a medicalização traduziu-se
também pela vontade de estender a influência/controle do saber médico às
condições e aos processos da aprendizagem.

A intervenção médica ultrapassava, portanto os espaços físicos das escolas,


intervindo diretamente nos conteúdos escolares e nas formas de aprender. A Escola
Doméstica de Natal não estava fora dessas influências; ao contrário, passa a ser uma das
colaboradoras dessa campanha empreendida por médicos, engenheiros e educadores no limiar
do século XX.
Tomemos ainda como exemplo do currículo da Escola Doméstica de Natal as
matérias de Medicina Prática e Puericultura que privilegiavam em conjunto uma base sólida
de formação preventiva e de tratamento contra eventuais doenças e acidentes pessoais.
Destacamos nos conteúdos de Medicina Prática: verificação da temperatura do corpo,
contagem das pulsações e dos movimentos respiratórios, socorros médico-cirúrgicos de
urgência, aplicação de aparelho ortopédico em casos de fratura, contusões, dentre outros. Das
noções de Puericultura, destacamos: os primeiros cuidados com os recém-nascidos, maneiras
de vestir, aleitamento natural, desenvolvimento físico e mental, alimentação da criança,
educação física, intelectual e moral da criança, etc. (para ver organização detalhada da
estrutura curricular, ler anexo 1).
A matéria do currículo denominada caligrafia previa o trabalho da escrita com
o objetivo de inserir nessa prática algumas prescrições higiênicas, ao definir:

O movimento muscular é dirigido de modo a eliminar por completo a rigidez


da mão e evitar qualquer posição ante-hygienica. A alumna passa a escrever
192

não somente legivelmente, mas com rapidez e facilidade, podendo em pouco


tempo trabalhar muito sem fatigar-se. (LIGA DE ENSINO DO RIO
GRANDE DO NORTE, 1927a, p. 14).

Como podemos perceber, a influência higienista atingia os mínimos detalhes


do cotidiano escolar nos primeiros anos do século XX, inserindo-se na instituição escolar,
provocando mudanças significativas nas formas de organização curricular e nos espaços
físicos das escolas, até mesmo estabelecendo posturas físicas consideradas válidas para a
prática da escrita em cada aluna. Segundo Almeida (2004, p. 107):

[...] a reivindicação higienista, ao abranger tanto as condições físicas como o


processo de ensino, procurava também legitimar a intervenção médica o
campo pedagógico, que devia incidir tanto sobre os indivíduos como sobre a
organização escolar e os processos que o ensino devia seguir.

Os saberes transmitidos às alunas contidos nos programas de estudo da Escola


Doméstica sinalizavam para o aprendizado do referencial teórico associado ao prático, relação
essencial, pois incutia nas alunas a compreensão e o porquê de estar realizando de
determinada forma uma atividade. Na fotografia destacada, exemplificamos mais uma vez
essa relação.
193

FOTO 11 – Alunas da Escola na Sala-laboratório de Puericultura, 1926.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Pela imagem, constatamos um dos momentos onde as alunas punham em


prática a aula que recebia sobre os conteúdos de puericultura, sendo para tanto avaliadas por
uma professora do curso numa sala semelhante a da foto.
Quanto ao momento de avaliação, essa ocorria através de exames escritos,
pois as discentes eram submetidas a acompanhamentos orais e práticos, como destacamos
anteriormente. Após estudos teóricos sobre Puericultura, punham em prática esses saberes na
própria escola, cuidando de crianças de diversas faixas etárias, representando o papel de mãe.
Dentre os critérios apresentados para essa parte avaliativa, destacavam-se: a confiança pessoal
na atividade realizada, o domínio do conteúdo aplicado, a atitude positiva perante as situações
apresentadas e a prática de normas higiênicas no trato com as crianças.
Essa parte do curso acompanhada de perto pelo professor da matéria
específica que atribuía notas pelo desempenho da aluna, tecendo observações para que essa
mantivesse um ótimo resultado no decorrer do curso, singularizava práticas educativas
distintas para mulheres na cidade do Natal.
194

Em alguns documentos que destacam informações sobre a trajetória da


educação no Rio Grande do Norte, percebemos a preocupação excessiva com a existência da
inspeção médico-hospitalar, tanto nas instituições públicas de ensino, quanto nas particulares,
sendo a ‘ higiene escolar ’ expressão de ordenamento usada em várias reformas e discursos
educacionais da época, a exemplo dos discursos proferidos por Nestor dos Santos Lima, na
época diretor da Escola Normal de Natal e um dos intelectuais que mais lutou, juntamente
com Henrique Castriciano, pelo desenvolvimento e organização da educação no Estado.
Chamamos a atenção para o artigo intitulado ‘ Higiene escolar’: inspeção médico-hospitalar
publicado pela Revista Pedagogium, no ano de 1920, expondo preocupações com a higiene do
aluno em seus hábitos e costumes para um melhor rendimento escolar. Transcrevemos abaixo
um pequeno excerto:

A inspeção escolar é um cordario da exigência imperiosa da instrução,


fazendo desapparecer a velha dualidade do corpo e do espírito e affirmando
o principio de juvenal – a mentalidade sadia em corpo e são. Firma-se em
que a escola deve obedecer aos preceitos sanitários, desde a situação ate o
methodo pedagógico instituído; que as escolas são, se proporcione a
conservação de sua saúde e que lhe absorvem as moléstias que sacrificam a
sua vitalidade (A. L., 1922, p. 26).

O modelo curricular especificado pela Escola Doméstica de Natal incorporava


estas proposições higienistas, objetivando valorizar conteúdos que confluíam para um campo
de formação de uma pedagogia para a saúde.
Quanto à ênfase na organização de trabalhos manuais, percebemos que visava
não a um fim profissional e sim educativo, apresentando associação teoria/prática,
ensinamentos/vida prática, utilidade real para a mulher e para a coletividade, ajudando-a na
administração do seu lar e na educação dos filhos. Exemplo típico dessa afirmação encontra-
se nas propostas em sala de aula e fora dela quando as alunas desenvolviam atividades que
requeriam habilidade, firmeza manual e senso de observação, como a cultura do solo (contato
com a natureza, através do cultivo de pomares,). A fotografia a seguir demonstra tal
afirmação:
195

FOTO 12 - Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição escolar, 1926.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A imagem registrada revela um dos momentos privilegiados na escola: o da


atividade realizada ao ar livre que fazia parte do currículo escolar com o objetivo de propiciar
às discentes o exercício de aprendizados teóricos e práticos. As práticas da jardinagem e
cultivo de hortas passaram a ser indispensáveis nesses aprendizados principalmente quando
foi observado pelas primeiras docentes da Escola Doméstica de Natal que na cidade não havia
a prática do cultivo de hortas nas residências e nem exacerbado o hábito do consumo variado
de verduras e legumes na alimentação diária das pessoas. Como nos lembra a ex-aluna Barros
(2000, p. 121), “com a constatação dessa, ‘tremenda carência’, foram plantados canteiros de
legumes no terreno da Escola para o consumo diário das alunas.”
A introdução desse novo hábito alimentar foi gradativamente reduzindo a ida
das alunas e professoras à feira livre, tendo em vista que teriam, com essa prática, garantida a
produção de alguns alimentos na horta da própria escola, a partir da colaboração do grupo de
discentes. Destacamos na imagem a seguir os detalhes da roupa, do penteado, do cabelo, a
elegância da postura com que as alunas desenvolviam a atividade ao ar livre e, apesar do
196

contato com os elementos da natureza (água, areia, adubo...), a turma apresentava-se para essa
tarefa com a tradicional veste de cor branca.

FOTO 13 - Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem, 1927.


Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

As práticas curriculares incluíam a realização de observações e experimentos


científicos no laboratório da escola (com a orientação dos docentes), manuseando alimentos
(leites, carnes...). Essas práticas tinham a finalidade de aplicar a ciência aos ensinamentos
sobre saberes da arte doméstica. Eram também uma forma de demonstrar que os
conhecimentos sobre atividades domésticas podiam ser estudados cientificamente, não sendo
reduzidos apenas ao fazer pelo fazer, ou seja, a atividade pela atividade, sem o conhecimento
do porquê fazer. Neste sentido, os espaços reservados aos laboratórios (laboratórios de
química, de física, de manipulação de laticínios, etc.) simbolizavam no contexto da cultura
escolar da Escola Doméstica de Natal o lugar que dava cientificidade aos saberes
organizadores do currículo da instituição e uma formação diferenciada das demais instituições
femininas existentes na cidade.
197

FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A aprendizagem que envolvia interação da mulher com as atividades físicas,


experimentais, significava reação a um tipo de ensino intelectualista, verbalista, teórico e
apresentava-se em uma total concordância com os métodos de ensino que priorizassem a
relação saber/fazer. A introdução de trabalhos manuais no currículo da escola, portanto, não
era ocasional. Esses ensinamentos eram sugeridos como atividade a ser executada pelo aluno,
assim como o pragmatismo de Jonh Dewey que primava pelo homem como ser ativo, que
age, que toma o conhecimento como instrumento de ação, pois “Ao invés de tomar o
pensamento como um elemento próprio para a contemplação, ele o via principalmente como
um instrumento desenvolvido para resolver problemas, procurar o que falta, modificar a
realidade”. (MOREIRA, 2002, p. 18).
Os conteúdos em função de sua utilidade e significado para a vida das alunas
eram um propósito a se perseguir na ED de Natal.
No século XX, os educadores adeptos da Pedagogia Nova indicavam como
mais propício um ensino ativo e funcional, onde o aluno realizaria o aprendizado sob o olhar
198

do professor. Esse aprendizado tinha como centro o sujeito na construção do conhecimento,


fazendo-o agir e experimentar as situações didático-pedagógicas importantes no processo de
ensino e aprendizagem. Henrique Castriciano, o idealizador da Escola Doméstica de Natal,
defendia alguns desses princípios e considerava viável a sua utilização como modelo
pedagógico para as escolas femininas fundadas na capital e no RN. Para Vidal (2000, p. 515),
com relação ao movimento da Escola Nova:

[...] nesse movimento, mais do que atualizar os princípios e as práticas


educativas do fim do século XIX, a escola nova promoveu nos anos 20,
rupturas nos saberes e fazeres escolares. Não constituiu um novo ‘modelo
escolar’, mas produziu novas ‘formas’ e alterou a ‘cultura escolar’.

É importante ressaltar como esse projeto renovador da educação surgido no


início do período republicano interagiu com diferentes culturas e regiões do país. A sua
dimensão, como pudemos perceber, não foi a mesma para todos os Estados do Brasil e nem
poderia ter sido, porque a própria realidade da cultura e do desenvolvimento econômico de
cada um impunha e exigia uma proporção diferente. Vislumbramos numa análise macro do
país que o discurso pautado na necessidade e possibilidade de entrada do país no mundo da
modernidade necessitava no início do século XX de medidas emergentes com mudanças em
vários setores (social, econômico, político) assim como no setor educacional onde se buscava
a unificação de um sistema nacional de ensino, tentando romper com a fragmentação das
reformas e do sistema de ensino.
Então ao analisar a composição curricular da Escola Doméstica de Natal,
verificamos finalidades educativas intencionais voltadas para uma formação que se pretendia
diferente das demais escolas existentes na cidade do Natal, no sentido de formalizar um
modelo curricular próprio, característico da instituição. O conceito de modelo nesse contexto,
reporta ao que é dado como ideal por alguma instância de poder, num dado momento
histórico, implicando a compreensão da distância dada entre o ideal e o real.
Naquela escola, os conteúdos trabalhados contemplavam um modelo de ensino
onde as regras de civilidade, etiqueta e cortesia e o seu cumprimento faziam parte da estrutura
curricular. O modelo escolar da Escola Doméstica fora criado para coibir manifestações
inadequadas à moralidade da época, bem como para estabelecer padrões de alimentação,
regras de estudo e comportamentos, controle do tempo, porém, simultaneamente introduziu-se
199

uma série de medidas higiênicas para produzir alunas saudáveis, decentes, honestas,
respeitáveis diante da sociedade, tendo como base a proposição que:

[...] a escola vela pelas alunas, procurando por meio da orientação


educacional, reintegra-las nos padrões de conduta socializada [...] o cultivo
da vida espiritual e de várias atividades sociais e recreativas, imprescindíveis
à formação de personalidades atraentes, prestimosas, honestas, leais e fortes,
são praticados neste meio familiar. A escola tem como objetivo tornar as
alunas pessoas disciplinadas e responsáveis, através do exercício, do
raciocínio, levando-as a pensar e pesar as razões – pró e contra – na
resolução de seus problemas individuais e da comunidade escolar.
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p.22).

Para tanto, a escola deveria educar segundo os preceitos oriundos da ciência


moderna, a exemplo das práticas desportivas que priorizavam como necessárias a educação do
corpo e da estética “As sessões de Educação Física, as competições esportivas e as excursões,
são dirigidas sob a forma eminentemente educacional procurando contribuir, ao máximo, para
atingir os fins almejados pela educação moderna.” - (Escola Doméstica de Natal, 1964. p.14).
A ginástica sueca era apresentada no currículo da Escola como modalidade esportiva que
primava pela estética, pela formação corporal saudável e perfeita, para manter o corpo e a
mente saudáveis e formar pessoas civilizadas.
Na acepção de Veiga (2001, p. 407):

Trazendo para o contexto republicano brasileiro, o despertar para a


civilidade não se faria apenas com a abertura de escolas, mas com uma
educação estética que envolvesse habilidades manuais, a educação das
mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os cantos, a dança,
presentes no cotidiano das salas de aula, nas festas escolares, nas festas da
cidade, bem como no estilo neoclássico das grandes edificações, da escola e
da cidade.

A educação estética, nesse contexto, esteve associada historicamente ao


conceito de civilidade. Esse ideal perseguido durante as primeiras décadas no país e
principalmente nesse período, tratava-se de um projeto político e sociocultural de grande
alcance em prol da construção de uma nação brasileira. Portanto, a idéia de cidadania, nesse
período, conduzia à preparação do povo para a participação política (daí a ênfase na formação
200

moral e cívica), referia-se, pois, ao ideal de civilização associado ao belo, ao estético,


despertando para um novo tipo de civilização. Com relação a essa idéia de cidadania,
Azevedo (1976, p. 151) aponta, como indicativo de grandes transformações sociais e
culturais, o contexto pós-primeira Guerra Mundial ao afirmar que:

A guerra de 1914, com todo o seu cortejo de suas devastações e


conseqüências tremendas, havia também contribuído poderosamente para
elevar ao primeiro plano das preocupações sociais e políticas as reformas
educacionais com que se sonhava forjar uma humanidade nova e em que
concentravam as últimas esperanças de uma vida melhor da restauração da
paz pela escola e da formação de um novo espírito, mais ajustado às
condições e necessidade de um novo tipo de civilização. (AZEVEDO, 1976,
p. 151).

O ideal de cidadania estava alicerçado no projeto ideológico de integração


social e disciplinarização do povo como já evidenciamos anteriormente e, mais uma vez,
enfatizamos o currículo onde os valores cívicos e morais eram exacerbados com maior
visibilidade, evidenciando que “o currículo não é um elemento transcendente e atemporal –
ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da
sociedade e da educação”. (MOREIRA; SILVA, 2000, p. 7-8).
O currículo da Escola Doméstica de Natal, por não ser um elemento atemporal,
prestava-se ao empenho de construção de uma ordem moral e social, sob as exigências de
formação da época. Ao contemplar no currículo a disciplina de Educação Moral, observamos
que ela servia a esses propósitos de formação, assim como a disciplina Educação Moral e
Cívica servia para enfatizar a noção de patriotismo. Portanto, não podemos deixar de
considerar na nossa análise a relação intrínseca existente entre currículo e sociedade.
Outro destaque dado pelo currículo da Escola eram os exames finais de curso
que se tornavam grandes rituais festivos, pois além da participação dos familiares e pessoas
íntimas da família, eram convidadas autoridades políticas e a imprensa local. Nos jornais e
folhetins da cidade eram publicadas notícias daquela comemoração, além dos nomes das
alunas concluintes com os respectivos resultados dos exames escritos (esses exames
constavam de uma dissertação sobre determinado assunto estudado, onde a aluna se expunha
publicamente à leitura, geralmente realizada no teatro da cidade, o Carlos Gomes, atual
Alberto Maranhão). Daremos um realce no próximo capítulo para a análise dos registros
escritos pelas alunas da Escola Doméstica de Natal.
201

Ao considerarmos a cultura escolar como um conjunto de normas e práticas


produzidas historicamente por agentes (sujeitos e/ou grupos) determinados, com finalidades
específicas, evidenciamos também que ela sendo reveladora das práticas culturais urbanas é,
ao mesmo tempo, por elas produzida. Neste sentido, podemos considerar que as finalidades de
um currículo escolar ficavam sujeitas à definição dos saberes a serem ensinados, às condutas a
serem modificadas e a todo um processo, não só de transmissão de saberes, mas
principalmente de modificações do habitus pedagógico.
A Escola Doméstica de Natal manteve a preocupação em adaptar a sua
proposta de ensino à realidade local ao privilegiar na sua estrutura curricular determinados
saberes necessários à realidade das discentes que habitavam em áreas afastadas dos centros
urbanos, que advinham do interior do Estado e de outras localidades, como evidenciamos
anteriormente. O currículo escolar, nesse entremeio, contribuía relevantemente para firmar
uma característica muito própria da Pedagogia Nova que era a aproximação dos
conhecimentos aos interesses do aluno e da sua realidade de vida e ênfase na atividade.
Em relação ao caráter prático que as aulas assumiam em alguns momentos, a
seguir, destacamos mais um registro fotográfico que demonstra a importância dada ao
Ativismo em uma aula sobre a lavagem de roupa:
202

FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de roupas, 1927.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Nas aulas que versavam sobre os temas de lavagem e engomado de roupas, a


Escola Doméstica de Natal, através do seu corpo docente, apresentava preocupações em
advertir às alunas sobre algumas normas de higiene preconizadas na época, tentando combater
habituais costumes praticados no Brasil como o de se lavar roupa ao livre, em rios e lagoas,
pois essa prática era contrária aos preceitos higiênicos, uma vez que a mulher, ao realizá-lo,
poderia expor-se a doenças, ao contato com águas contaminadas etc.
As orientações dadas pela Escola Doméstica sobre as normas de higiene
aplicadas na lavagem e engomado de roupas e as preocupações que as donas de casa deveriam
ter com o serviço de lavagem de roupa feito particularmente por lavadeiras contratadas foram
grandes fatores que contribuíram significativamente, segundo nossa compreensão, para que o
currículo dessa escola levasse a aluna a aprender algumas técnicas de lavagem e engomado de
roupas, de forma que conseguisse praticá-las com racionalidade e eficiência, sem grandes
gastos e obedecendo aos preceitos de higiene. Racionalidade, eficiência e eficácia nas ações
203

diárias da mulher deveriam funcionar como elementos imprescindíveis na formação não


apenas de boas donas de casa mas também de mulheres preparadas para atuar diante de
quaisquer imprevistos, conseguindo assim manter-se sozinha, agir com decisão
principalmente na falta do marido que era tido como o provedor familiar.
A compreensão que perpassa na leitura da Escola Doméstica e dos seus saberes
privilegiados é no sentido de apreendê-la na sua dimensão histórico-cultural, primordialmente
por ser uma instituição social cujo currículo e práticas educativas estavam inseridos num
universo histórico e social, penetrando, pois, no espaço pedagógico de atuação da escola que
englobava o seu sentido de ser, suas finalidades educativas contidas nos programas de ensino,
nos conteúdos transmitidos. Isto nos faz perceber o universo de práticas educativas na medida
em que são operadoras de culturas que trabalham com a cultura escolar como sendo
transposição didática, materializada nos livros escolares, nos livros textos, nas fontes de
leitura.
O contexto da época demarcava alguns saberes a serem estudados pelas
discentes da Escola Doméstica. O curso denominado ‘ Higiene’ arrolava os estudos sobre: as
condições higiênicas das substâncias alimentares, asseio corporal, instalações sanitárias,
asseio doméstico, meios de combater e evitar a propagação de moléstias na família, noções de
profilaxia de doenças infecto-contagiosas, animais veiculadores de doenças, etc. (LIGA DE
ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a). Destacamos a seguir um registro
fotográfico de um desses momentos privilegiados pela Escola, onde eram incluídas nas
práticas educativas as aulas práticas sobre a higiene do lar.
204

FOTO 16 - Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar, 1924.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Mulheres bem preparadas e conscientes de sua responsabilidade perante o


ambiente familiar e social, que prestassem a devida atenção à educação, à higiene e a outros
problemas sociais, esses eram alguns dos objetivos dos ensinamentos transmitidos pela escola
às alunas com relação a sua formação educacional.
A dona de casa bem preparada nesse momento histórico consideraria a casa
como espaço de produção e racionalização dos gastos, assim como ocorria na indústria. No
contexto do século XX, continuam as preocupações sociais em preparar a mulher para exercer
funções próximas às desenvolvidas em casa como bordadeira, costureira, parteira e também,
professora. Quanto à organização de trabalhos manuais na ED, percebemos que havia a
preocupação não em atender um fim profissional, mas sim educativo, no sentido de os saberes
ensinados terem uma utilidade prática na vida de cada aluna que estudasse na escola.
A discente da ED também era avaliada nas aulas de caráter prático pelo
desempenho apresentado e, para tanto, eram criadas situações onde a aluna poderia expressar
205

concretamente os seus aprendizados. Eram realizadas, por exemplo, pela ED algumas


recepções a autoridades locais e, nesses momentos, um grupo de alunas era selecionado, sob a
orientação das professoras, para prepararem a recepção, desde a parte ornamental da escola
até o serviço de cozinha. Além dessas situações, essa realidade era vivenciada continuamente,
pois as alunas não dispunham de funcionárias para fazerem a faxina dos dormitórios e outros
cômodos, nem de cozinheiras que fizessem o alimento diariamente. Esses eram preparados
pelas próprias alunas de forma revezada, com a justificativa de que na escola dever-se-ia
aprender no viver diário, num processo contínuo de teoria e prática.
Os conteúdos, portanto eram pensados em função de sua utilidade e significado
para a vida das alunas e da sociedade. Mudados os fins da escola, foram alterados também os
programas e métodos. Não se tratava somente de dar espaço para novos domínios de campos
teóricos ou renovar a hierarquia dos saberes curriculares, mas de repensar a cultura escolar,
buscando-se um núcleo central em torno do qual se fizesse gerar todo o saber escolar.
Para cumprir esses propósitos, a escola reservava um lugar no currículo
destinado à prática da jardinagem, agricultura, cultivo do solo, recreação, exercícios físicos e
essa prática decorria das propostas implantadas por alguns pedagogos que defendiam um
ensino mais ativo, que fosse uma atividade mais agradável.
A Pedagogia do século XX foi submetida a novos princípios do Ativismo. Os
currículos escolares foram modificados nesse período dando espaço ao ‘ fazer’ e ao ‘
trabalho’, relegando o intelectualismo e o formalismo tradicionais. Segundo Cambi (2004, p.
396):

Tratou-se, sobretudo, de abrir espaço nas escolas para o trabalho, ora


entendido como trabalho pedagógico (feito em classe, capaz de valorizar a
habilidade manual do estudante, destinado a reunificar o pensamento e o
fazer, não-produtivo), ora como trabalho produtivo tout court, para ser
exercido em locais específicos (oficinas) ligados à escola e capazes de
introduzir nela uma fase que não é mera bricolagem, ma um trabalho real.

A ênfase na conjugação do saber e do fazer desembocou em novas exigências


para a formação cultural para o trabalho produtivo em fábrica que segundo Cambi (2004),
propiciou uma revisão dos currículos e programas de ensino num movimento mundial
conhecido no século XX como modelo de Escolas Novas ou Escolas Ativas que enfatizava a
reintegração entre pensamento e ação.
206

Reconhecemos que a Escola Doméstica de Natal veiculou idéias e métodos de


ensino à frente do seu tempo, formando novas gerações de mulheres, dotando-as de modernas
orientações: no tratamento com as crianças (através das aulas de puericultura), educação
social (visão de sociedade e de mundo), de higiene (orientando sobre os métodos preventivos
de saúde e condições sanitárias corporais), de ordem doméstica (os cuidados com o trato do
ambiente doméstico, etc.), modificando hábitos e costumes. Compreendemos que a
apropriação desses saberes pelas alunas garantiria à Escola a satisfação de uma missão
cumprida no que se referia ao papel social que a instituição escolar deveria desempenhar na
sociedade, formando gerações que iriam reproduzir esses conhecimentos adquiridos; no caso
específico da mulher, a reprodução dos conhecimentos para sua prole.
O ensino da Escola Doméstica de Natal foi importante para civilizar as filhas
das elites norte-rio-grandenses, contribuindo para a formação educacional da mulher. Suas
finalidades educativas transpunham os ensejos de formar apenas boas donas de casa, passando
a se preocupar também com a posição social que era delegada à mulher e que a ela caberia
ocupar na sociedade. Este aspecto ficou evidente na leitura de vários documentos da época,
quando são firmadas algumas proposições, a exemplo da afirmação citada por um dos
intelectuais da Liga de Ensino do RN, ao dizer que: “Dentro da grandeza de sua finalidade,
com os seus cursos de maior utilidade pratica, está ella preparando moças que, amanhã,
saberão cumprir, sciente e efficientemente, as suas nobres funcções domesticas e sociaes.”
(SANTIAGO, 1925, p. 17).
A representação construída historicamente sobre o espaço reservado à mulher
no meio social trouxe para o interior da escola, e particularmente para a ED, o engendramento
de um novo saber pedagógico proposto para uma nova concepção de mulher, com a finalidade
de formar uma cidadã moderna e civilizada. A Escola Doméstica espelhou-se num modelo
europeu de educação feminina movido pela disciplinarização do corpo através de regras,
valores, normas disciplinares, condizentes com uma filosofia de trabalho que valorizava a
tripla formação: física, moral e intelectual.
Para atender a esses fins, o currículo beneficiava os conhecimentos sobre a
Educação Moral compreendendo os estudos sobre ‘moral social’, onde as discentes
estudavam os preceitos de justiça e caridade, temáticas que versavam sobre: o sentido das
obras beneficentes em prol de pessoas carentes economicamente, colaborações nas obras de
educação popular, de beneficência, de assistência pública e privada, além dos estudos sobre a
Pátria, o Estado e Cidadania como:
207

As leis do viver direito, de pensar direito, de julgar direito devem ser


inculcadas tão cuidadosamente como as leis de physica e chimica. Cremos
que esta é a parte mais importante da educação, principalmente da educação
no lar, e assim, a Escola presta mais attenção a esse facto do que ao próprio
exercício mental, usado sobre tudo como um dos meios de fortificar o
caracter e de alargar os horizontes moraes da vida. É o espírito de ser útil no
mais elevado sentido da palavra, à Família, à Pátria, e á Humanidade que
deve impulsionar na Escola brasileira as futuras mães de famílias. Para tanto,
porém, se faz necessário a qualquer pessoa exacta compreensão dos seus
deveres, mesmo os de apparencia mesquinha, ás vezes de grande
importância sobre o ponto de vista educacional. (LIGA DE ENSINO DO
RN, 1927a, p. 6).

Nesse contexto de produção e apropriação de saberes, os conteúdos escolares


cumpriam papel relevante na formação feminina, contribuindo para incutir determinados
valores culturais, sociais e políticos.
Em nossa análise, portanto, entendemos que a finalidade explícita no Currículo
da Escola Doméstica de Natal não se reduziu apenas a formar boas donas de casa,
conhecedoras da ciência doméstica. Acreditamos que o embate preparação para o mercado de
trabalho que exigiu racionalização da mão-de-obra, indivíduos eficientes e ativos, transpôs-se
para o âmbito escolar e também familiar, onde era cobrado das mulheres um melhor
desempenho nas atividades domésticas e estas deveriam aprender a administrar o seu lar,
racionalizar os recursos econômicos da casa e educar os seus próprios filhos.
Assim podemos considerar algumas situações que caracterizamos como sendo:
o primeiro momento histórico da ED que se reporta às suas origens e vai até as primeiras três
décadas do século XX, onde temos um modelo de escola preocupado em evidenciar, nas suas
práticas educativas, as relações entre o conhecimento teórico e a experiência prática. Nesse
sentido, as atividades do currículo tinham essa finalidade, onde os métodos ativos eram
realidades vividas nas práticas escolares pelas discentes e docentes. O segundo momento
surgiu aproximadamente na década de 40 quando a ED passou a trabalhar os conceitos de
eficiência, eficácia e racionalização nas suas práticas escolares de sala de aula, enfatizando
esses conceitos como essenciais à formação da mulher.
Percebemos nesse segundo momento da ED de Natal que no início das
atividades pedagógicas do currículo havia a preocupação com uma formação intelectual,
moral e física das alunas. Essa formação era respaldada em princípios higienistas, como
observado nos registros escritos das alunas que realizavam estudos sobre ‘significado da
higiene’, asseio corporal’, ‘higiene infantil’, dentre outros temas associados à preocupação do
208

Movimento Higienista no Brasil, no início do século XX.


Uma segunda preocupação concentrou-se em aplicar aos ensinamentos
repassados pela escola a idéia de racionalização do trabalho aplicada às atividades domésticas.
Assim como os conteúdos de ensino passaram a ser considerados peças centrais nessa
formação do corpus exclusivamente feminino, o quadro docente selecionado desde os
primórdios da fundação da escola foi elemento fundamental e responsável por essa
transmissão de saberes, sendo o mesmo escolhido de forma muito criteriosa pela Liga de
Ensino do Rio Grande do Norte. Esse é um aspecto importante a ser analisado num dos
próximos capítulos da nossa pesquisa. Os livros didáticos por serem portadores de saberes e
de cultura também funcionaram como importantes meios de difusão da cultura escolar,
relevantes para os processos de ensino e aprendizagem. A análise de alguns impressos
reservados para leitura na biblioteca da Escola e de registros escritos de suas ex-alunas
permitiu que nos apropriássemos do repertório de saberes privilegiado por essa instituição de
ensino.

4.2. Algumas práticas de leitura

Nesta parte do trabalho, buscamos analisar especificamente as práticas de


leitura realizadas no universo da sala de aula da Escola Doméstica de Natal e investigar
alguns suportes escritos que fundamentavam essas práticas. Ao fazer isto, estaremos
mostrando alguns caminhos que norteavam essas práticas de leitura, uma vez que os materiais
pedagógicos analisados estão sendo percebidos no estudo como suporte material de ensino e
aprendizagem e também como objeto cultural construído no universo da Escola.
Daremos destaque para alguns manuais didáticos que se encontram no acervo
da biblioteca Auta de Souza, espaço de leitura da Escola, por apresentarem importante papel
na construção da cultura escolar e compreensão dos modelos escolares. Uma vez que o
modelo pedagógico é cultural, contextual, produzido socialmente, torna-se necessário analisar
a sua materialidade. Nesse sentido, o manual didático expõe modos de pensar, agir e sentir, e
por fazer parte do universo da cultura escolar torna-se instrumento de análise importante para
compreender práticas escolares no interior dessas instituições.
O livro faz parte e é instrumento da prática institucional escolar. A concepção
educativa veiculada nos manuais didáticos estaria permeando a proposta de formação dos
209

sujeitos escolares por ser o livro o portador de idéias privilegiadas nos conteúdos do currículo
escolar. Desvendar os livros requer uma compreensão mais acurada do lugar que ocupa nas
práticas de leitura das discentes e docentes da Escola
Neste capítulo, analisaremos também alguns textos produzidos pelas alunas da
Escola Doméstica de Natal, textos esses que eram apresentados como pré-requisito para obter
o certificado de conclusão do Curso. Semelhantes às monografias atuais, os textos versavam
sobre os conteúdos trabalhados no decorrer do Curso.
Destacaremos neste estudo alguns desses textos a que tivemos acesso durante a
investigação, esclarecendo ao leitor que a opção de análise dos textos e livros não passou por
um crivo de seleção rigorosa; ela foi delimitada pelo acesso a esses textos e livros.
Ao conhecer esses materiais escritos, percebemos que eles traziam em sua
tessitura e composição um teor mais objetivo e direcionado aos fins a que a escola se
propunha ao transmitir os saberes da educação doméstica, Quanto a fontes de leitura,
destacamos o ‘Manual de civilidade e etiqueta’ editado em 1908 que serviu como cartilha a
ser adotada pela Escola para orientar as mulheres sobre as melhores normas de
comportamento; O manual intitulado ‘Higiene Alimentar’ é uma verdadeira lição sobre os
valores higiênicos na economia doméstica; o livro denominado ‘Os quatros livros da mulher:
o livro da dona de casa, editado no ano 1917. Esses três impressos funcionaram como
dispositivos importantes na organização da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal e na
conformação do modelo educativo proposto no contexto do início do século XX.
Os três manuais em análise nos fornecem elementos relevantes sobre a
formação da mulher. Eram prescritos às discentes que freqüentavam a instituição de ensino,
reafirmando os saberes transmitidos e as metodologias empregadas. Sabemos que os livros,
por si sós, não dizem tudo sobre o que a escola ensinava e o porquê de ensinar este ou aquele
conteúdo, no entanto deixavam evidente algumas informações que imprimiam ao conjunto
das práticas escolares o projeto pedagógico da escola.
O primeiro em destaque, o ‘Manual de civilidade e etiqueta: regras
indispensáveis para se freqüentar a boa sociedade’, da autora Beatriz Nazareth (1908), contém
uma listagem detalhada de passos a serem seguidos pela mulher para que pudesse comportar-
se com fineza e elegância perante os outros e adquirisse bons hábitos condizentes com uma
pessoa moderna e culta. Esse manual também se preocupava em informar como a mulher
poderia administrar de forma eficaz e racional uma casa e qual papel deveria desempenhar
uma boa dona de casa. Ao fazer colocações:
210

Seja qual for a posição e a situação d’uma senhora, tem o dever e a


obrigação de se occupar da sua casa. A ociosidade é a mãe de todos os
vícios, diz a sabedoria das nações, a ociosidade póde ser causa de desgraças
na vida d’uma mulher, e denota, além d’isso, uma péssima educação.
(NAZARETH, 1908, p. 198).

Trazia, portanto, um teor de reprovação a inércia do corpo, reprovando a falta


de disposição da mulher para a atividade e para o trabalho doméstico. Complacente com as
idéias da nova ordem que se instalara com a República, tendo em vista a formação de um
sujeito novo, moderno, ativo e atuante na sociedade, nessa configuração social, o livro
didático era produtor e produto das relações sociais, transmitindo, absorvendo os discursos
produzidos sobre os aprendizados que melhor iriam definir os perfis de formação naquele
momento, sendo, portanto uma voz silenciosa portadora de vários discursos.
Na dinâmica sociocultural do período, o livro didático especificava no seu
corpus saberes sobre como melhor instrumentalizar a mulher para a maternidade e para as
atividades do lar, fundamentado esta num saber/fazer respaldado nos valores técnico-
científicos que deveriam ser adquiridos através de uma educação que ultrapassava os
conhecimentos adquiridos em casa, no âmbito familiar, para ser adquirido no processo de
escolarização, valorizando os princípios da moral, da higiene, da cultura e da racionalidade.
No manual didático intitulado ‘Higiene Alimentar’, do autor Eduardo
Magalhães, de 1908, com estrutura dividida em vários capítulos há uma concentração na
abordagem dos preceitos da higiene no trato com o corpo e os alimentos, onde o autor elenca
vários argumentos sobre a necessidade do cultivo de exercícios físicos para a manutenção da
estética e da saúde corporal, bem como a indispensável alimentação preparada com base em
preceitos de higiene , elemento fundamental para a formação de um indivíduo forte, robusto e
ativo. No capítulo primeiro, denominado ‘Alimentação e progresso’ fica prescrita a relação
higiene alimentar/alimentação/formação humana voltada para a idéia de crescimento da nação
em direção a um possível progresso social e econômico, tendo como objetivo a formação do
bem-estar físico do homem, no que diz:

Sólida base do edifício social, factor essencial da prosperidade nacional,


esphera da producção phisica ou da intellectual, a alimentação deve primar
entre os principaes cuidados do poder administrativo, para que ella seja
quanto possível sufficiente e em todo o caso – sã, salubre”. Não sendo o
regimen alimentar adequado às circunstancias, a saber – não correspondendo
às necessidades orgânicas, aos gastos incessantes, resultantes do
211

funcionamento, em ordem a reparal-os convenientemente, nenhum povo


evitará a degeneração, além de expor-se a humilhantes punições ou bem
merecida derrota. (MAGALHÃES, 1908, p. 3).

Estão evidentes nessa passagem preocupações em sustentar um discurso que


associa bons hábitos alimentares à preparação de corpos saudáveis e prósperos a atuar de
forma mais dinâmica socialmente, contribuindo para edificar a nação. O capítulo décimo
quinto traz também uma discussão sobre educação e higiene. Nesse momento, foi focalizada a
importância de uma boa alimentação feita de forma higiênica necessária para o indivíduo
conseguir modificar maus hábitos, corrigir defeitos, dando ao organismo melhor direção e
condições de funcionamento. Neste sentido, destaca a importância dos exercícios corporais
como impulsionadores do vigor físico, da sabedoria, da saúde corporal e mental ao considerar:

Os dous grandes esteios de um povo, em todo o mundo, são o vigor physico


e a alimentação. O vigor physico se adquire por meios adequados, pelo
exercício e principalmente pela gymnastica. A má hygiene, pois, faz do
forte-fraco; a boa hygiene faz do fraco-forte. (MAGALHÃES, 1908, p. 14)

Percebemos o teor ideológico proveniente do movimento higienista que o


manual traz ao induzir hábitos e valores considerados válidos na formação de um sujeito
amplo, integral. Ideológico aqui define o conjunto de proposição de idéias que passam a ser
enfatizadas como sendo notáveis, imprescindíveis, únicas, possíveis de serem repassadas e
absorvidas por outros sujeitos. É dessa forma que entendemos que esses conhecimentos eram
delineados nas práticas de leitura realizadas pelas alunas e professoras, numa tentativa de
valorizar o cabedal de conhecimentos que deveriam ser apropriados e absorvidos como úteis
para a vida.
Em consonância com os escritos didáticos, o material de leitura produzido
pelas alunas da Escola Doméstica de Natal refletia algumas apropriações e representações
sobre o ideário do movimento higienista em relação às temáticas sobre a mulher, saúde,
higiene, alimentação, esporte e outros temas. Essa análise nos fez pensar o que Chartier
(1990, p. 24) ressalta sobre as práticas de leitura que são sempre criadoras de usos ou de
representações, ao afirmar que:
212

No ponto de articulação entre o mundo do texto e o mundo do sujeito


coloca-se necessariamente uma teoria de leitura capaz de compreender a
apropriação dos discursos, isto é, a maneira com estes afectam o leitor e o
conduzem a uma norma de compreensão de si próprio e do mundo.

A leitora nesse universo de práticas de leitura, não passa a ser percebida como
ser abstrato, daí a necessidade de considerar o ato de ler e as apropriações como atos
históricos e socialmente variáveis que incidem sobre ações concretas. Ainda considera
Chartier (1990, p. 26) que a leitura:

[...] requer que qualquer processo de construção de sentido, logo de


interpretação, seja encarado como estando situado no cruzamento entre, por
um lado, leitores dotados de competências específicas, identificados pelas
suas posições e disposições, caracterizados pela sua prática de ler, e, por
outro lado, textos cujo significado se encontra sempre dependente dos
dispositivos discursivos e formais.

No caso específico das práticas de leituras realizadas pelas discentes da ED,


tivemos que considerar que elas ocorreram no contexto de uma cultura escolar específica que
definia os livros e materiais escritos a serem lidos; além disso, esses materiais eram
impregnados de percepções sobre várias temáticas, dentre elas: educação, saúde, sociedade,
mulher, etc. que deveriam ser repassadas dentro de uma formação cultural então circunscrita
no currículo e nas finalidades da escola.
Fizemos uma leitura dos escritos das alunas, onde destacamos os títulos das
estudantes Jacyra Barbalho denominado A mulher brasileira, o de lnah Pereira sobre Cultura
physica feminina’, os de Alda Azevedo sobre Culinária, o Maria de Lourdes Lamartine com
o nome de O lar ideal e por fim, o de Dolores Couto intitulado A puericultura.
O primeiro texto analisado intitulado A mulher brasileira, de autoria de Jacyra
Barbalho, traz no seu conjunto uma breve abordagem histórica sobre o papel da mulher
desempenhado socialmente no decorrer dos anos e alguns problemas referentes à educação
feminina. Para proceder a essa abordagem, a autora destacou alguns clássicos da literatura que
retratam o papel feminino em contextos históricos diferentes. Muito bem fundamento
teoricamente, esse texto nos transmite uma visão contextual de religião, literatura, política e
sociedade. Nysia Floresta, Auta de Souza, Júlia Lopes, Ana Nery, Maria Quitéria de Jesus e
Clara Camarão são algumas das mulheres citadas no texto, para enfatizar o papel
213

historicamente atuante da mulher na sociedade brasileira.


O que chama a atenção nesses escritos é o destaque feito pela aluna ao
reconhecimento da capacidade de a mulher abrir-se para novas perspectivas de vida e
conquistas no meio social e ainda a necessidade do sexo feminino dividir-se entre o
desempenho social e o materno, ao afirmar em artigo publicado em 1925 e reeditado em uma
revista da Escola Doméstica de Natal em 1998:

Faz-se mister que muitas moças abandonem o errôneo pensamento de


considerar cousa pouco digna os trabalhos domésticos. Devem, as caras
patrícias, cultivar, pois, as letras sem esquecer, porém, da útil educação
doméstica. À mulher cumpre, evidentemente, dirigir e zelar a sua mansão, o
lar comprehende o seu domínio. (BARBALHO, 1998, p. 24).

Ficava evidente que a idéia de educação feminina objetivada pela aluna


voltava-se para uma visão de mundo em consonância com os ideários de formação feminina
da Escola Doméstica de Natal, ao considerar a prática doméstica como uma arte feminina. A
opinião pessoal da estudante explicitada nos seus escritos, fora do ambiente escolar, retomava
alguns princípios filosóficos da instituição de ensino, o que denotava que a cultura escolar
transmitida no interior da Escola instaurava práticas e discursos compartilhados. A Escola
elaborou um discurso interpretativo sobre mulher e sociedade expresso no currículo e esses
saberes se expressavam na fala dos sujeitos que eram submetidos às representações e
apropriações de idéias diversas em sala de aula e fora dela.
Os ideais de educação objetivados pela aluna citada, embora apresentasse a
mulher com destaque nas artes, na política, na vida social, reforçava também a tese da mulher
para o lar. Diz: “Mas, dignos embora de admiração esses caminhos brilhantemente trilhados
afastam-na um tanto de seu verdadeiro destino, daquelle que lhe foi reservado pela
Providência – o lar.” (BARBALHO, 1925, p. 24). Essas idéias cristalizavam-se na dinâmica
sociocultural brasileira da época, com valores ainda arraigados socialmente, onde a mulher,
desde cedo, era solicitada pela família a participar dos aprendizados domésticos e dele se
ocupar durante boa parte da sua vida inicialmente como filha e depois nos papéis de esposa e
mãe. Consagrava-se, pois, um padrão de mulher a ser seguido, atribuindo-lhe a função de
alicerce da família e da nação, atuando como reguladora das relações familiares e sociais.
O texto da aluna lnah Pereira, que versava sobre Cultura physica feminina,
traz inicialmente uma visão histórica da prática da Educação Física no mundo, apontando o
214

povo grego como os precursores do esporte e do culto à beleza física. A Grécia é apontada
como o lugar reconhecido mundialmente por seu povo belo e forte.
Segundo a aluna, sob o prisma de uma análise fundada nos princípios
científicos e higienistas, alguns esportes são mais aconselhados para o sexo masculino do que
para o feminino e ainda existem aqueles que não são indicados para ambos os sexos, a
exemplo do futebol, pois:

Comquanto apreciado apaixonadamente em todo o Brasil, constituindo um


divertimento favorito em grande parte das populações citadinas, não é esse
ramo de esporte aconselhado pelos princípios scientificos. Apesar de
infallivelmente praticado ao ar livre, gozando dessa propriedade importante,
não deve o foot-ball ser aconselhado para os meninos e nem para os rapazes
até vinte anos, por exigir movimentos extenuantes. Em alguns casos traz a
dilatação dos músculos e em outros a paralisação da corrente circulatória do
sangue que determina a morte. (PEREIRA, 1925, p. 32).

Observamos, pela opinião da aluna, que havia um teor conservador e


preconceituoso sobre o esporte ao expor a sua visão sobre a prática esportiva. Afirmava
também que, além do futebol, o ciclismo é considerado uma modalidade esportiva que não
deveria ser praticada, tendo em vista proporcionar reações físicas apenas nos membros
inferiores do indivíduo. No entanto, o basquetebol por não proporcionar fadiga muscular e ser
interessante em sua modalidade de uso era apropriado para as mulheres, tendo em vista
adaptarem-se bem à fisiologia feminina.
Em Natal, no início do século XX, foram fundados na cidade dois espaços
reservados à prática esportiva: o Centro Náutico Potengy inaugurado em 03 de outubro de
1915, por iniciativa de Annibal Leite Ribeiro, capitão da Marinha Militar e no mês de
novembro do ano seguinte, sob a direção de Frederico Holder, foi inaugurado o Sport Club de
Natal, uma agremiação esportiva. Nesse período, a modalidade futebol teve a sua prática
bastante difundida na cidade de Natal e em todos esses clubes.
No currículo da Escola doméstica, o futebol não foi difundido, mas o foram o
basquetebol e a ginástica sueca. Possivelmente pela influência da educação européia que a
escola recebia, algumas modalidades esportivas foram privilegiadas no currículo. Assim como
o basquetebol, a ginástica sueca também era indicada como prática esportiva para as
mulheres, pois segundo os preceitos da aluna, essa modalidade proporcionava o
desenvolvimento saudável dos músculos, pelos movimentos simétricos proporcionados aos
215

membros superiores e inferiores, contribuindo para o bom desenvolvimento respiratório,


tornando o corpo alto e esbelto, ao contrário de outras práticas esportivas que apresentavam
menor resistência e harmonia com o corpo.
Esse reconhecimento da prática esportiva esboçado nas palavras da aluna
sinalizava os saberes transmitidos pela Escola às representações advindas das práticas
curriculares trabalhadas, o que denota, evidentemente, que práticas e representações mantêm
relações mútuas, complexas, num movimento de entrelaçamento. Os conteúdos trabalhados
no interior da Escola Doméstica concretizavam-se naquele momento, nas apropriações das
alunas que, por sua vez, manifestavam-se em seus discursos sobre as diversas temáticas
estudas: higiene, sexualidade, cultura, sociedade ou outro assunto.
A aluna, numa visão geral, reconhece que “A educação physica é necessária
desde os tempos de criança até á velhice, pois se fosse praticada por todos, em todas as fases
de vida, o mundo seria fatalmente mais alegre e menos decadente.” (PEREIRA, 1925, p. 32).
Essa visão se entremeava com os princípios higienistas sobre educação e saúde, como já
explicitado anteriormente, que buscava explicação, com base em princípios moralizantes, no
empenho de construção de uma nova ordem social que tinha como interlocução o corpo do
sujeito e sua ação, para formar a nova geração de indivíduos que deveriam atuar socialmente.
Nesse sentido, a intervenção médica expressava-se como um conjunto de recomendações para
fins de constituição física de um corpo mais modelado, higienizado, sã e forte, robusto, com
boa moral e sabedoria.
Conclui o texto considerando que o professor de Educação Física deve ter
como pré-requisito o domínio do conhecimento sobre anatomia e higiene e estudar
individualmente cada aluno para poder adaptar, com raciocínio lógico e cautela, os
movimentos individuais de cada um, de acordo com as suas necessidade. Naquele momento,
já estavam prescritas algumas exigências para a formação do professor, na visão da aluna,
lançando-se assim, alguns critérios básicos de domínio de saberes teóricos aplicáveis à prática
docente.
Por fim, destaca uma frase do educador brasileiro, Fernando de Azevedo ao
dizer: “o paiz que não tem educação physica está morto”. (PEREIRA, 1925, p. 32). Finaliza o
texto com algumas reflexões sobre o bem-estar provocado pelos exercícios físicos,
considerando que “Os exercícios, tanto na infância como na adolescência, requerem cuidados
higiênicos muito sérios para poder haver expansão rígida e franca de todos os órgãos do
corpo.” (PEREIRA, 1925, p. 32). Diz ainda ser necessária para o crescimento da nação
brasileira a prática esportiva como instrumento bastante cultivado pelo povo, para que
216

possamos adquirir vitalidade e vigor físico, para que possamos trabalhar e construir a nação.
Os escritos da aluna nos permitem compreender visões ideológicas de mundo
que tomam como base os ideais de nação, higiene, progresso e desenvolvimento e que
vigorariam em todo o país. Nesse sentido, as visões sobre patriotismo, higienismo, perpassam
evidentemente por esses enunciados.
O texto abaixo a ser analisado (da aluna Alda Azevedo sobre ‘Culinária’) é
interessante porque relaciona alimentação às normas de higiene e ao bem-estar social. Ao
tratar da primeira relação, alimentação/higiene, a discente inicia suas colocações explicando
que nos períodos que antecedem a República a mulher não costumava ter cuidados higiênicos
necessários ao espaço da cozinha, sendo este lugar reservado a práticas anti-higiênicas quando
do manuseio dos alimentos. Destaca algumas palavras de Fernando de Azevedo, um dos
líderes do movimento escolanovista, para ilustrar o seu pensamento, ao citar que:

O nosso bem estar physico não está subordinado somente á boa alimentação,
depende também do asseio da cozinha e seus utensílios. A cozinha
representa papel importantíssimo no saúde de um povo. Assim sendo, é
necessário que não sejam desconhecidos alguns preceitos de hygiene
alimentar. A dona de casa deve ser muito asseiada e a mesma deve exigir de
seus empregados. Ella não deverá consentir que a cozinheira e copeira
enxuguem as mãos no avental, cuspam no chão, cocem a cabeça, etc.
(AZEVEDO apud PEREIRA, 1925, p. 27, 29).

Nessa perspectiva, o espaço reservado à cozinha deveria, portanto, satisfazer às


boas normas de higiene e apresentar-se como um lugar agradável, fresco, bem limpo e
iluminado. Do contrário, seria um espaço impróprio para uso, anti-higiênico e favorável ao
desenvolvimento de parasitas e germes. Mais uma vez, os preceitos higienístas surgem nos
escritos da aluna da Escola Doméstica, ilustrando evidentemente que os acontecimentos
sociais penetravam no universo escolar de forma significativa, influenciando nas
representações e nas práticas de suas alunas.
Dando continuidade ao seu discurso, a aluna destaca que diante da
modernização das cidades, há necessidade de a educação feminina ser renovada conforme os
novos valores aflorados de civilidade, higiene e educação. Citando o autor Azevedo, propõe
que a mulher reveja o seu papel social, tendo em vista que:
217

A educação moderna vem exigindo da mulher conhecimentos technicos de


artes domesticas e é mister que ella esteja apta para desempenhar os
encargos que essa missão lhe destina, afim de que possa, de um modo
preciso, minorar o soffrer dos que lhe são caros e, indiretamente, o da
collectividade. (AZEVEDO apud PEREIRA, 1925, p. 27).

Com base em alguns preceitos científicos, a aluna classificava a distribuição


dos alimentos no organismo humano conforme as necessidades individuais de cada um, bem
como de acordo com a idade, profissão e estado de saúde, dando como exemplo a
classificação dos que exercem atividades intelectuais e atividades físicas. Os que exercem
atividades intelectuais deveriam ter alimentação sadia e pouco tóxica, restrita a frutas,
legumes, carne, leite, etc. Os que se dedicam aos trabalhos físicos poderiam alimentar-se com
substâncias mais reforçadas, tendo em vista que pelo excessivo esforço físico, os excessos
calóricos da alimentação seriam eliminados mais facilmente.
A pessoa responsável por essa administração alimentar numa casa seria a
mulher, pois esta, de posse de conhecimentos sobre a arte culinária e respaldada pelos
preceitos científicos e higiênicos, seria a mais adequada para manter o lar bem ordenado,
saudável e harmonioso. “A distribuição apropriada dos alimentos, de conformidade com as
funcções sociais do individuo, compete á dona de casa, pois não é uma cozinheira ignorante
que sabe reconhecer e comprehender essas necessidades.” (AZEVEDO apud PEREIRA,
1925, p. 27).
A formação de corpos fortes e robustos, para agir em conformidade com o
novo regime republicano, exigia alguns cuidados com a alimentação, por isso a justificativa
pertinente da aluna sobre o estudo da culinária, que seria fundamental para a formação das
alunas da Escola Doméstica de Natal de forma que elas pudessem disseminar esses saberes da
melhor forma em seus lares, contribuindo para formar homens ativos e saudáveis. O estudo
dessa temática, culinária, respaldava-se, portanto, em princípios higienistas e
racionalizadores, tão vigentes na época, como já explicitado anteriormente.
Um importante aspecto a destacar condiz com os hábitos culturais alimentares
praticados pela população natalense no início do século XX. Cascudo (1980) chama a atenção
para esse aspecto naquele período. Quando o coentro e o cheiro-verde (também conhecido
como cebolinha) eram as verduras mais cultivadas na cozinha natalense, a Escola Doméstica
de Natal propunha o uso de outras hortaliças e legumes mais diversificados como o chuchu,
batatinha, repolho, abobrinha e outros, assim como o cultivo de hortas caseiras, compra de
hortaliças em feiras livres, práticas estranhas aos hábitos rotineiros da cidade de Natal,
218

provocando nas alunas a prática de novos costumes evidenciando, com isso, o caráter
inovador do currículo da Escola Doméstica de Natal naquele tempo. Era questionada pelas
docentes estrangeiras da ED a falta de hábitos alimentares num sentido mais diversificado de
verduras e legumes pelo natalense. Nesse sentido, podemos considerar que a Escola
Doméstica de Natal, através do seu currículo, traçou grandes contribuições às alunas que a
freqüentavam e conseqüentemente as suas respectivas famílias, no repensar de uma culinária
diversificada e adaptada à realidade local.
1915 foi um ano marcado por uma grande seca no nordeste do país,
especialmente no Estado do Rio Grande do Norte. Nesse período, Natal foi palco de muita
miséria e fome, pois muitas pessoas famintas abrigaram-se na cidade, ocupando locais
públicos como a praça Padre João Maria. As primeiras docentes que lecionavam na ED,
recém chegadas da Suíça, ficaram perplexas diante desse quadro, questionando como um país
de tão grande dimensão como o Brasil poderia abrigar a fome e a miséria, sugerindo o cultivo
de hortas caseiras como uma das necessidades básicas nas moradias.
Nesse período, em Natal, a população não havia adquirido com freqüência o
costume do cultivo de hortas caseiras. A compra dos alimentos era feita em feiras livres; não
havia geladeiras para a conservação dos produtos perecíveis, sendo uma prática cotidiana da
população à ida constante, quase diária, à feira. Esses fatores foram, na verdade, um dos
propulsores a se considerar nas práticas de leituras das alunas sobre a culinária, considerando
ainda a realidade local e as possíveis formas de mudança nos hábitos alimentares da
população, tornando-se, nesse sentido, para a Escola, uma prática de intervenção nos hábitos e
costumes reais da sociedade natalense daquele momento histórico.
Analisando os escritos da aluna Maria de Lourdes Lamartine intitulado ‘O lar
ideal’, percebemos alguns pré-requisitos essenciais para a construção de uma residência e os
critérios para mantê-la um ambiente saudável e adequado à moradia. Notavelmente, assim
como os demais textos antes analisados, este destaca algumas noções básicas de higiene
aplicadas nas residências, ao afirmar que:

A fim de que a habitação assegure o conforto é necessário antes de tudo ser


architetada de accordo com os dispositivos estabelecidos pela hygiene, isto
é, receber ar, luz em abundancia, ser bem localizada, preservada das
humidades do solo, defendida das contaminações, impurezas, etc.
(LAMARTINE, 1925, p. 4).
219

Ao considerar esses aspectos quanto aos cuidados com a residência, a aluna


destacava a importância do papel feminino na organização do lar e, nesse sentido, apelava
para a sensibilidade da mulher no que diz respeito ao zelo e limpeza de uma casa, ao bom
gosto na escolha do mobiliário, na ordem e manutenção da harmonia desse espaço.
O asseio despendido pela mulher ao espaço doméstico, particularmente a
cozinha, não era tratado, nessa visão, como uma questão de gosto ou luxo, mas de uma
necessidade imperiosa e necessária para a manutenção da saúde familiar, do bem-estar
corporal. Também era recomendado pela aluna da ED que as pessoas convocadas para
trabalhar em casas de família na função de empregadas domésticas passassem por exames de
saúde, a fim de diagnosticar o seu estado físico, ao considerar a autora que: “Outrossim, o que
todas as donas de casa devem exigir, é que as suas empregadas sejam examinadas na
Repartiçào de Hygiene do Estado, afim de que possam com as suas cartas de sanidade, provar
que não soffrem de moléstias infecto-contagiosas.” (LAMARTINE, 1925, p. 5)
Constatamos que as noções apregoadas pelos movimentos higienistas da época
chegavam, de fato, a influenciar o currículo da Escola Doméstica de Natal e as práticas
cotidianas da Escola, refletidas estas no pensar e no fazer cotidiano das alunas, o que significa
pensar que a cultura escolar incorporada nessa instituição absorvia as discussões em voga na
sociedade e as exigências legais propostas às diversas instituições educativas do período para
o seu efetivo funcionamento.
Percebemos que a leitura realizada pelas discentes refletia-se nas suas diversas
representações de mundo, nas concepções de mulher e sociedade, o que tornava a discente
uma das defensoras dos ideais de educação feminina apregoados pela ED e pela Liga de
Ensino do RN. Ao estudar sobre a higiene das moradias, a aluna Lamartine (1925), por
exemplo, em consonância com os estudos realizados anteriormente em sala de aula sobre
higiene e habitação, concordava especificamente nos seus escritos que:

A hygiene de uma moradia é uma questão importantíssima a considerar, que


naturalmente reclama a attenção deu’a dona de casa. Uma habitação
destituída de hygiene, privada de ar, luz e esgotto, circumdada de montões
de lixo, águas estaguadas, pocilgas, etc. torna-se um foco de micróbios. Uma
dona de casa que tenha um conhecimento de hygiene, certamente adoptará
de bom grado os preceitos hygienicos recommendaveis, evitando grande
numero de doenças que reinam tão commumente em nosso meio,
determinadas quase sempre pelos defeitos do regimen alimentar, pela falta
de asseio domestico, pelas poeiras baciliferas e os insectos que parasitam
aqui e acolá, os quaes olhamos indifferentemente e dondem resulta serias
conseqüências. (LAMARTINE, 1925, p. 4).
220

Como percebemos, a compreensão sobre higiene fez parte dos escritos das
diversas alunas da ED quando tratavam de abordar sobre as moradias, a culinária e ainda a
educação feminina. Encontramos também tais indicações numa matéria escrita publicada pelo
professor responsável pela disciplina Higiene do lar, o médico e professor Varela Santiago.
(SANTIAGO, 1925). Nesse texto, o professor fez uma breve exposição sobre a importância
da higiene para o bem-estar tanto pessoal, quanto familiar, independentemente da classe
social a que pertencessem as pessoas. As palavras do professor convidavam as discentes a
refletir sobre a necessidade de a mulher brasileira receber uma formação teórica e prática
sobre higiene e puericultura. Segundo ele, esses dois aspectos, higiene e puericultura, sendo
bem trabalhados pela escola, evitariam graves mazelas sociais, por exemplo, a erradicação do
elevado surto de mortalidade infantil, doenças graves na infância e irregularidades orgânicas
nas pessoas, devido aos maus hábitos alimentares, enfatizando ainda que:

A falta de hygiene alimentar dos adultos e das crianças é um factor que tem
ocorrido poderosamente para manter sempre elevado o obtuario geral por
toda a parte. Os especialistas em moléstias de crianças são accordes em dizer
que a maior causa da mortalidade infantil é a ignorância das mães. E se a
mortalidade infantil constitue hoje um problema de interesse do mundo
inteiro é mais que lógico que a solução dele esteja em grande parte affecta á
educação hygienica da mulher. As nossas mães de famílias são dotadas das
mais elevadas qualidades moraes, mas a sua educação sanitária é muito falha
e deixa quase tudo a desejar. (SANTIAGO, 1925, p. 15).

Fazendo uma leitura das idéias explicitadas pelo médico e professor da Escola
Doméstica de Natal, percebemos que os problemas sociais, como a mortalidade infantil (tão
bem enfatizada) e a falta de melhores condições higiênicas da população são atribuídas a
situações particulares, sem considerar fatores de ordem sócio-econômica e política que
poderiam ser abordados. Desta forma, esses problemas recaiam sobre as responsabilidades
individuais e locais, a exemplo da mulher que sendo bem orientada, poderia mudar o quadro
macro-estrutural da cidade de Natal no início do século XX.
No texto, o professor da ED indicava o conceito de higiene como sendo uma
temática imprescindível nas discussões sobre outros temas como puericultura, vestimenta,
alimentação e outros. É o que, na atualidade, poderíamos classificar como um tema
transversal, o que emergia nas diversas discussões e disciplinas do currículo da Escola
Doméstica de Natal, como foco a ser abordado, tomando novas dimensões em níveis
221

diferentes de discussões. Nesse sentido, ao estudar sobre a educação feminina deveria a


mulher se apropriar dos conhecimentos sobre as normas higiênicas aplicadas no dia- a -dia da
organização do lar. À mulher, nesta visão, caberia a responsabilidade em assumir o papel de
aplicadora das normas de limpeza e asseio pessoal na família, contribuindo assim para um
bem-estar pessoal e social.
Sobre esse assunto, a autora Almeida (1998, p. 119) tece algumas críticas
bastante significativas ao dizer que:

Encarregou-se de manter a mulher no espaço doméstico e impor-lhe regras


de conduta que regulavam seu comportamento em limites estreitos. A
educação positiva fez dela um anjo de bondade, [...] a educação higiênica
revelou uma mulher contida e cerimoniosa [...] a ela, as ocupações
domésticas, desta vez orientada pelo uso da inteligência e atendendo aos
preceitos higiênicos.

Nessa visão, é apontada a ideologia veiculada pelo higienismo do início do


século XX ao destacar que esse movimento esteve em conjugação com o ideal positivista do
período, influenciando a formação feminina e veiculando uma ideologia sobre as melhores
formas de comportamentos e costumes a serem seguidos.
As práticas de leitura e escrita das alunas eram acompanhadas por uma
ordenação didática e disciplinar. Tentaremos no próximo capítulo destacar como essa
organização disciplinar agia no cotidiano da Escola, nas manifestações culturais e
pedagógicas e como ela contribuía para moldar comportamentos e movimentos dos corpos
das alunas e professoras no sentido de fabricar sujeitos obedientes e educados.
Percebendo a cultura escolar como a vida da escola materializada nas suas
práticas cotidianas e estabelecendo relações entre essa realidade, podemos afirmar que as
alunas dessa instituição, ao terem que escrever um texto no final do Curso (que denominavam
de Monografia de Curso) e submetê-lo a uma apreciação de leitura pelos docentes da própria
Escola, estavam sendo, naquele momento, avaliadas segundo os preceitos teóricos exigidos
para cada aluna, conforme a cultura escolar imposta e trabalhada no interior da instituição.
Ainda podemos dizer que esse momento simbolizava para a Escola avaliar se os saberes
trabalhados nas suas práticas cotidianas estavam realmente educando e civilizando as
mulheres dentro de uma nova ordem social que primava por uma nova visão de mundo e de
valores culturais.
222

A produção dos artigos escritos pelas alunas denunciava a preocupação da


Escola em verificar aprendizagens, apropriações diversas, divulgar resultados sobre as
representações das alunas com relação aos diversos conceitos de mulher, educação e saúde,
lembrando ainda que esses momentos eram caracterizados por grandes eventos ao público,
onde os trabalhos das alunas eram publicadas no jornal da cidade A República, além de serem
apresentadas verbalmente, geralmente no teatro da cidade, na época o Carlos Gomes, diante
de autoridades públicas, familiares e convidados.

4.3. A ordem, a disciplina e a vigilância

Falar da disciplina escolar que perpassou os espaços da Escola Doméstica de


Natal no período que se estende do seu início de funcionamento, ano de 1914, até à década de
40 do século XX, significou considerar o contexto cultural em que essas práticas ocorreram.
Implica também especificar os procedimentos de vigilância, acompanhamento e orientação
acionados nos dispositivos da Escola pela direção e inspeção escolar que produziam no dia-a-
dia a uniformização do sistema de ensino que a propagação do modelo escolar pretendia
assegurar.
O conceito de disciplina utilizado nesta análise situa-se na compreensão do que
nos fala Foucault (1997), revelada na leitura do sujeito em movimento, nas formas de
condução de controle do seu corpo, das ações, dos gestos, dos comportamentos. Nessa
compreensão, a disciplina, mais do que moldar os comportamentos humanos, fabrica corpos
submissos, numa submissão em que é dispensada a violência física, pois ela age através do
controle ideológico do corpo, no uso de dispositivos repetitivos silenciosos. No caso
específico de uma instituição escolar, essa violência, que é uma violência simbólica dá-se
através do estabelecimento de regras, condutas, normas, ordenações rotineiras, nos horários
em que os indivíduos estão cumprindo um Estatuto interno que controla os sujeitos no que
fazem e no como fazem as ações diárias.
Ao transpor o conceito de disciplina para a nossa análise, evidenciamos o
efeito dos diversos dispositivos usados na Escola Doméstica de Natal para manter em
funcionamento a ordem e a organização rigorosa das classes, dos espaços ocupados no
interior da escola por docentes, pelas alunas e funcionárias (os). O regulamento interno da
instituição, o olhar meticuloso e centrado da diretora, da professora, da inspeção escolar, o
223

controle disciplinar nas formas de comportamento, nas formas de se vestir, na utilização dos
métodos de ensino, nos dão o quadro geral da escola no controle dos sujeitos, uma vez que “a
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta
as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos) de obediência.” (FOCAULT, 1997, p. 119).
Consideramos primeiramente a idéia que Foucault atribui aos espaços
ocupados pela disciplina, ao que denomina de ‘artes das distribuições’, no que concerne ao
fato de a disciplina proceder à distribuição dos indivíduos no espaço e localizações
determinadas. Ao mesmo tempo em que se refere ao espaço ocupado pelos sujeitos, indica
que estes ocupam o lugar de acordo com as distribuições prescritas pela instituição, num
espaço controlável, medido, proporcionando um espaço analítico. Neste sentido, a aluna da
Escola Doméstica era sujeito observado pela professora, assim como a professora era
submetida ao olhar meticuloso da direção, bem como a direção pela inspeção escolar, num
jogo mútuo em que:

Importa estabelecer as presenças e ausências, saber onde e como encontrar


os indivíduos, instaurar comunicações úteis, interromper as outras, poder a
cada instante vigiar comportamentos de cada um, aprecia-lo, sancioná-lo,
medir as qualidades ou méritos. Procedimentos, portanto, para conhecer,
dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico. (FOUCAULT,
1997, p. 123).

O silêncio, a ordem e a disciplina na Escola Doméstica de Natal faziam parte


da rotina escolar, funcionando como principais dispositivos de organização interna da
instituição. A disciplina aplicava-se a todas as manifestações culturais e pedagógicas da
Escola, assim como nas formas das alunas, funcionárias e professoras se comportarem,
falarem, vestirem, se alimentarem, nas diversas práticas que ocorriam internamente no
estabelecimento. Como ainda diz Foucault (1997, p. 119) essa anatomia política se
desenvolve como:

[...] uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens


diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se
imitam, apóiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de
aplicação entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um
método geral. Encontramo-los em funcionamento nos colégios, muito cedo;
mais tarde nas escolas primárias.
224

O disciplinamento do corpo era mantido através de uma multiplicidade de


práticas, que envolviam desde o controle da vestimenta a ser usada pelos docentes e discentes,
até à forma de apresentação perante outras pessoas. A aluna, por exemplo, deveria apresentar
elegância, discrição e sutileza na forma de sentar-se, o que é percebido na foto a seguir, onde
a postura das mãos sobre o colo, o jeito recatado de sentar das alunas, as pernas em posição
paralela demonstravam recato, timidez, docilidade, em suma, controle do corpo.
Percebemos um disciplinamento na forma de sentar-se, na postura do corpo, o
que evidenciava o cuidado que a escola tinha ao instruir as alunas nas melhores formas de se
comportar, vestir, sentar-se, dentre outras práticas do dia-a-dia.

FOTO 17 – Registro fotográfico da turma de formandas da ED no ano 1931?


Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

O primeiro documento que destacamos e que esboçava detalhadamente os


comportamentos a seguir na Escola foi o Regimento Interno. Este, que data da fundação da
instituição, era elemento importante para a compreensão dos ditames criados para ordenar o
espaço e a cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. O Regimento Interno, documento
225

Legal criado pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, continha no seu corpus as normas
gerais de funcionamento da Escola quanto aos critérios de comportamentos, das discentes,
tanto internas como as semi-internas, na parte intitulada ‘Regimento Interno das Alunas,
cuidados indispensáveis’. Continha ainda as disposições gerais sobre a matrícula,
mensalidades, despesa da escola, reserva de matrículas, pagamentos de mensalidades e ainda
uma parte importante dedicada às funções incumbidas à direção da escola e o papel do corpo
docente. Especificava ainda este documento, que “a disciplina mantida é firme e severa,
quando as circunstâncias assim o obrigarem, porém quase sempre mantida de modo brando e
de acordo com os processos da educação moderna.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE
DO NORTE, 1914b, p. 34).
Obedecendo aos preceitos da Nova Pedagogia, teria a Escola Doméstica,
através do seu Regimento Interno, que abolir qualquer castigo corporal, abrindo perspectivas
às incorporações de admoestações mais amenas, em concordância também com a legislação
estadual que firmava como propósito o cumprimento, nos estabelecimentos de ensino do
Estado do Rio Grande do Norte de algumas exigências legais. Assim, o Decreto de n. 239 de
15 de Dezembro de 1910, do governo do Estado, através do Título VI que tratava das
Disposições Comuns, item terceiro, intitulado ‘Da Disciplina Escolar’, já especificava:

Art. 145. São prohibidos os castigos corporaes: a base da disciplina é a


affeição recíproca dos mestres e discípulos.
Art. 146. Como meios e accessorios, os professores poderão empregar
moderadamente prêmios e penas estatuidas no Regimento Interno.
Art. 148. Compete ao Director Geral organizar o Regimento Interno das
escolas, horários da classe, programmas de ensino e instrucções para sua
perfeita execução, sujeitando-as à approvação do Governo do Estado, que os
mandará vigorar. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 138).

Portanto, em conformação com as exigências legais, o Regimento criado pela


Liga de Ensino do RN destacava passagens explicitando o que poderia ser empregado ou não,
a exemplo das práticas disciplinares a serem postas em ação e os métodos de ensino
preconizados. Neste sentido, diante de alguns critérios a serem socializados, o Regimento
teria que passar pelo crivo dos pais das alunas, tendo estes que, após a leitura, concordar
plenamente com as normas da instituição. Por isso, esse documento precisava ser lido
obrigatoriamente pelos responsáveis das docentes e ainda ser assinado no ato da matrícula.
Isto teria que ser uma prática corriqueira, como forma de assegurar o
226

consentimento e aceitação das normas aplicadas. Consideramos essa atitude como ato
importante naquele momento, porque resguardava a instituição de quaisquer eventualidades
de discordância futura quanto aos dispositivos normatizadores aplicados. Era também, na
nossa percepção, além da forma escrita de aprovação das normas internas pelos pais das
alunas em submissão aos condicionamentos de funcionamento postos e para serem cumpridos
rigorosamente no dia-a-dia da Escola.
Uma vez matriculada a aluna e assinada a declaração de aceitação das normas
internas, subtendia-se que a discente passaria a uma condição de conformidade quanto aos
ônus e obrigações inerentes à condição de funcionamento escolar, passando a observar e
obedecer fielmente aos preceitos regimentais, mesmo sem haver uma aceitação pessoal de sua
parte. Assim, decorrendo qualquer atividade exercida pela aluna na Escola, fosse ela
individual ou coletiva, passaria a ser praticada mediante a expressa permissão da direção
escolar. Era a direção a responsável pelo acompanhamento diário da aluna, de forma
meticulosa ordenava os passos a serem seguidos, bem como as atividades exercidas pelas
docentes.
Foucault (1997), ao estudar sobre a ação da disciplina, lembrou que o domínio
disciplinar implica que o sujeito conheça os dispositivos de poder mais apropriados para
garantir o seu uso e o seu domínio sobre o outro de forma que garanta uma submissão
satisfatória, determinada.

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o


desarticula e o recompõe. Um ‘anatomia política’, que é também igualmente
uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como se pode ter
domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que
se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a
rapidez e a eficácia que se determina. (FOUCAULT, 1997, p. 119).

O Regimento Interno apresentou uma parte dedicada exclusivamente aos


docentes; destacá-la é importante porque o maior contato dos docentes com as normas e
práticas se dava através do controle direto pela diretora em sala de aula ou no pátio.
Concordando com a idéia apontada por Julia (2001, p. 10-11) de que “normas e práticas não
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são
chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos
encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais
227

professores”. Entendemos que os docentes seguiam uma hierarquia interna para cumprir as
determinações superiores, seguida primeiramente pela Diretoria da Liga de Ensino do Rio
Grande do Norte, acompanhada da Direção Escolar, devendo, pois, “observar as instrucções e
recommendações da Diretora, quanto à política interna e auxilia-la na manutenção da ordem
disciplinar.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1914b, p. 28).
Os professores teriam que se moldar a uma hierarquia interna da instituição,
seguindo determinados deveres a serem cumpridos como, por exemplo, dar aulas nos dias e
horários estabelecidos e exercer fiscalização imediata sobre suas alunas, apresentar-se diante
da diretoria sempre que deixasse de dar aulas, expondo-lhe os motivos das faltas, cumprir as
instruções que lhes fossem transmitidas pelo presidente e secretário da Liga de Ensino, dar
exemplo de cortesia e moralidade em seus atos e comportamentos diante da disciplina
denominada Ordem Doméstica.
Além de residir na escola, as professoras não podiam sair dela sem a prévia
autorização, recebendo visitas em dias e horários determinados pela Direção. Havendo casos
de desobediência às deliberações da Diretoria, caberia a essa a responsabilidade de comunicar
o fato ao presidente do Conselho da Liga de Ensino para que fossem tomadas providências
imediatas. É o que destaca o regulamento interno da instituição:

As professoras deverão habitar na Escola, de onde não sahirão sem


auctorisação da directora, a quem indicarão sempre os logares para onde se
derigem. As visitas de seu conhecimento só poderão ser recebidas nos dias
de ferias e em horas determinadas. Os casos de desobediência ás
deliberações da directora devem ser immediatamente communicadas pela
mesma ao Conselho Admnistrativo ou ao respectivo presidente.”. (ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 5).

As professoras não dispunham de autonomia nas suas práticas cotidianas. Era


perceptível que o controle disciplinar não incidia apenas sobre as alunas, mas também sobre
as docentes, o que significava haver uma ordenação superior maior da diretoria em relação a
alunas e professoras. Esse acompanhamento explicitava-se no documento interno, o
Regimento, onde o controle disciplinar fazia-se jazer para que a escola funcionasse numa
hierarquia de ordem e mando.
Vejamos que as regras de civilidade, etiqueta, cortesia e o seu cumprimento
dessas regras e normas eram exigências severas no cotidiano escolar da ED. As formas de
228

controlar o tempo de acordar e de dormir, e de controlar a si próprio, bem como manter a


fiscalização contínua dos dormitórios, obedecer aos preceitos da higiene e outras atribuições
exigidas ao corpo docente traziam à cena uma cultura escolar como o conjunto de normas que
definia os conhecimentos e as condutas a serem apreendidas, assim como o conjunto de
práticas que permitiriam a transmissão dos conhecimentos e a incorporação dos
comportamentos segundo as finalidades da escola. As normas e as práticas coordenadas
variavam segundo as finalidades da instituição: formar mulheres de boas condutas morais
aceitas socialmente, de acordo com os preceitos culturais do período, mulheres educadas,
virtuosas, civilizadas que deveriam banir da escola quaisquer atitudes viciosas, de imoralidade
e ignorância em função de um disciplinamento dos corpos para atender a finalidades de
socialização.
A ordem disciplinar interna prevista para ser posta em prática pelas alunas,
previa o cumprimento de horários de entrada e saída na escola e em sala de aula, pois isso era
uma regra severa a seguir. Atitudes de zelo pelos objetos materiais da escola e objetos
pessoais deveriam ser procedimentos previstos pelas alunas e professoras. A discente que
deteriorasse objetos materiais da instituição deveria receber, segundo o regulamento interno,
uma punição, ou mesmo efetuar o pagamento ou substituição desses objetos.
A freqüência escolar pela aluna na Escola também era acompanhada pela
professora e pela direção. A advertência quanto à participação da estudante nas atividades
internas deveria ser uma constante e o Regulamento Interno primava por esse
acompanhamento, de forma que a chegada da aluna na escola deveria ser no horário
estabelecido e alguns atrasos na chegada deveriam ser considerados e computados no final
como uma falta diária. Leiamos a seguir o que dizia o Regulamento Interno:

Exige-se a assistência a todos os atos escolares e fica entendido que


nenhuma estudante se ausentará, durante o período de trabalho, salvo em
caso de fôrça maior. Em casos de doença, que forcem a ausência de mais de
um dia, a família da estudante deverá avisar a Secretaria, dentro de 24 horas.
No cálculo de freqüência, 4 chegadas com atraso equivalem a 1 ausência.
(LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1914b, p. 36).

Nesse caso, a disciplina incidia no viver diário da aluna, desde a sua chegada
na escola ao horário de saída. Ainda segundo o Regulamento Interno Escolar era proibido
falar ao telefone, sem prévia autorização, circular nos corredores fora dos horários de aulas,
229

entrar nas dependências da escola (como a cozinha, direção, secretaria...) sem a prévia
licença, conversar nas classes, deixar livros e trabalhos de costuras em lugares diferentes,
receber visitas não autorizadas, recados e encomendas sem o prévio consentimento da
direção, etc. A Escola Doméstica de Natal especificava sobre a disciplina:

A disciplina escolar comporta as seguintes penas, applicadas conforme a


gravidade das faltas: admoestação, reprehensão, notas más, privação parcial
de recreio, suspensão atè 15 dias e eliminação. Estas penas serão impostas
pela Directora, podendo qualquer professor applicar as três primeiras.
Haverá recurso obrigatório para a Liga de Ensino das penas e suspensão e
eliminação, as quaes sò serão applicadas em casos de extremos e quando as
penas anteriores tiverem sido ineficazes. Nenhuma outra punição é
permitida, ainda, quando reclamada ou autorizada pelos pais ou
representantes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE,
1927b, p. 30).

Com a reordenação do espaço escolar e a disciplinarização, vem a idéia de


banir tudo o que fosse fragmentário, heterogêneo e contraditório à ordem estabelecida. Dessa
forma, as práticas normatizadoras aplicadas às alunas deveriam imprimir ideais civilizatórios
de ordem e disciplina, disciplinamento esse que não pairava nos regulamentos escritos, mas,
penetrava no interior da Escola gerando na organização do espaço pedagógico e nas normas
que o fazia funcionar, o movimento de corpos submissos, obedientes e caracterizados pela
cultura escolar imposta. Vejamos mais um registro fotográfico, desta vez uma ampliação da
foto destacada anteriormente, a de n.° 5. Sob um novo ângulo, podemos visualizar melhor a
postura das alunas e perceber a evidencia de uma postura disciplinada materializada na forma
de sentar e vestir das discentes.
230

FOTO 18 – Primeiro Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, 1928.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

O penteado das alunas, por exemplo, evidenciado na imagem anterior, deveria


estar relacionado à modéstia, cortado acima do ombro, sem uso de grandes adereços, com o
intuito de repassar a imagem de asseio, ordem e simplicidade. O modelamento do corpo,
portanto, revestia-se de cuidados na hora de vestir e também de movimentar-se na instituição,
o que minuciosamente incutia nas alunas modelos de valores, linguagem corporal e
manifestações verbais, próprios da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal.
A idéia de criar indivíduos docilizados e modelados, aptos a uma vida em
sociedade, numa sociedade disciplinar se constrói, na visão de Foucault (1997), através de
prisões, fábricas, hospitais, mas também de escolas. À educação é atribuído papel primordial
na formação dos indivíduos, pela sua capacidade de disciplina-los através da introjeção de
hábitos, pela vigilância sobre as condutas. Essa prática passa a funcionar na escola como uma
mão invisível que gradativamente se articula com outras práticas pedagógicas do currículo da
instituição, passando a ser incorporada civilizadamente, moderadamente. Para o que Foucault
231

chama a atenção, para os efeitos de poder de quem a produz, criando mecanismos de controle
na escola que passam a ser incorporados diariamente através de diversos dispositivos
implícitos e materializados em regras e ainda:

A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que


toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de
seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir do seu próprio
excesso, pode ficar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado,
que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente.
(FOUCAULT, 1997, p. 143).

Por ser objeto meticuloso e cuidadoso, o exercício disciplinar exigia de quem o


exercia na Escola Doméstica, alguns recursos como os atos de observar, controlar, regular e
punir, estabelecendo assim na rotina pedagógica uma política de movimento. Um estudo
importante sobre o disciplinamento dos sujeitos é o apresentado por Rocha (2000) porque
analisa a disciplina do ponto de vista escolar, social e que foi muito enfatizada,
principalmente entre o final do século XIX e início do século XX, como uma necessidade de
se firmar a ordenação social. A escola, nesse contexto, assumiu um papel relevante nessa
construção social, segundo alguns intelectuais do período. O autor ao fazer esses
apontamentos, destaca que:

Constituir a escola como signo da civilização e do progresso. Organiza-la


como espaço da ordem e da disciplina, pela prescrição de uma nova
economia do corpo e dos gestos, de formas racionais de empregar o tempo,
ocupar o espaço e gerir o trabalho pedagógico. Dotar a instituição escolar de
uma organização calcada nos ideais de racionalidade e previsibilidade,
configurá-la como espaço, que, em tudo, se diferenciasse do espaço
doméstico. Consubstanciá-la, enfim como instituição disciplinar. Eis alguns
dos intentos a que se lançaram os intelectuais do período. (ROCHA, 2000, p.
56).

A citação apontada por Rocha (2000) torna-se relevante para percebermos que
a disciplina é historicamente construída e com o desenvolvimento da modernidade passou a
ser mais presente como parte de um projeto de moralização dos costumes e regeneração da
população, sendo configurada como uma realidade que deveria estar mais presente em
232

algumas instituições, a exemplo da escola. Portanto, num período em que o ideário de


progresso e modernização prevalecia nas representações sociais construídas acerca do aluno,
professor, escola e disciplina, a escolarização passou a ser enfaticamente considerada como
uma via privilegiada para a consecução desses objetivos exacerbados no período republicano.
Não podemos esquecer que o movimento da escola ocorre no interior do movimento da
cidade, isto significa constituir um discurso interpretativo acerca da escola como totalidade
organizada em sintonia com os acontecimentos que perpassam na sociedade e com as
diferentes instâncias do sistema educativo.
No que dizia respeito ao disciplinamento das alunas internas, este era mais
rigoroso porque a permanência da discente na escola requeria uma convivência cordial
contínua entre direção, docentes e alunas. Essa convivência, para que fosse harmônica,
carecia de um rigor no cumprimento das determinações explicitadas no Regimento Interno,
tendo a aluna a obrigação de, por exemplo, tratar com educação os mestres, colegas, não
exercer qualquer ação sem consentimento da diretora, não descer dos dormitórios antes do
toque da campanha, somente receber visitas em horários preestabelecidos pela escola, não
falar com pessoas estranhas, somente mediante o aval dos responsáveis, não usar qualquer
tipo de bebida alcoólica, fumo, sob pena de punição severa, não usar jóias caras, obedecer ao
uso constante dos uniformes, estando essas práticas em conformidade com as finalidades
maiores da Escola:

O cultivo da vida espiritual e de várias atividades sociais e recreativas,


imprescindíveis à formação de personalidades atraentes, prestimosas,
honestas, leais e fortes, são praticadas neste meio familiar. A escola tem
como objetivo tornar as suas alunas pessoas disciplinadas e responsáveis,
através do exercício do raciocínio, levando-as a pensar e pesar razões – pró e
contra – na resolução de seus problemas individuais e da comunidade
escolar. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 22).

O disciplinamento era, portanto, tematizado nas práticas da Escola e também


nas discussões teóricas (perpassadas nos estudos em sala de aula) ao propor que se debatesse
sobre a importância dos exercícios físicos para uma melhoria do disciplinamento do corpo,
nos discursos que versavam sobre a correção e prevenção de acidentes, doenças, e no
amoldamento dos comportamentos nas aulas sobre civismo. O civismo também era uma
prática estimulada nacionalmente; incorporava valores, normas, hábitos, emblemas e mitos
233

voltados para o engrandecimento da pátria para formar um modelo disciplinador obediente às


normas hierárquicas escolares calcadas no funcionamento do novo governo republicano que
apregoava a ordem e progresso como necessários ao crescimento nacional; daí a relação
disciplina e escola tornarem-se tão significativas nesse contexto.
Assim a Escola tecia uma produção discursiva capaz de corrigir, prevenir,
moldar e disciplinar. Essa estruturação que tentava em todos os momentos disciplinar e
corrigir hábitos e atitudes materializou-se também nas formas de organização do tempo na
escola.

4.4. Modelando corpos: a vestimenta escolar

As escolas também são “celeiros” de memórias, espaços nos quais se tece


parte da memória social. As reminiscências desse espaço são possíveis pela
estrutura das suas rotinas e sua continuidade no tempo. A importância dessa
instituição, mesmo quando apontamos a sua crise na construção das
subjetividades do mundo contemporâneo, reside no fato de representar,
durante a infância e a adolescência, para além da sua finalidade específica,
um território de lenta aprendizagem do mundo exterior. Os códigos desse
universo transparecem na definição de um espaço que lhe é próprio, no uso
do tempo, nas regras disciplinares, nas vestimentas específicas e numa
totalidade de objetos. (CLARICE NUNES).

A citação em epígrafe nos convida a tecer algumas reflexões sobre o papel


social atribuído à instituição escolar, percebida enquanto locus cultural, construída ao longo
dos tempos, que resguarda, por parte de quem a freqüentou, lembranças, memórias diversas
que são fontes importantes para refletirmos sobre as suas práticas escolares em diversos
momentos históricos. A autora nos chama a atenção para o universo escolar que é composto
de inúmeros códigos que se entrelaçam com o mundo exterior, proporcionando assim
representações e compreensões diversas de acordo com o tempo e espaço vividos. No que
remete ao espaço específico escolar, este é dotado de significados espelhados nas formas
singulares de organizar as práticas que funcionam no interior escolar, especificadas na rotina
da escola, nas ações curriculares, no tempo escolar, e também nas formas de vestir e
disciplinar o corpo, favorecendo diversas aprendizagens a partir do uso desses objetos.
Essa reflexão é importante na medida em que conduz a pensar a escola como
lugar que fala, que comunica, que não silencia, na mesma direção apontada por Frago (2001,
234

p. 64) ao especificar que:

[...] o espaço jamais é neutro; em vez disso, ele carrega em sua configuração
como território e lugar, signos, símbolos e vestígios da condição e das
relações sociais de e entre aqueles que o habitam. O espaço comunica;
mostra, a quem sabe ler, o emprego que o ser humano faz dele mesmo. Um
emprego que varia em cada cultura; que é um produto cultural específico,
que diz respeito não só às relações interpessoais – distâncias, território
pessoal, contatos, comunicação, conflitos de poder -, mas também a liturgia
e ritos sociais, à simbologia das disposições dos objetos e dos corpos –
localização e posturas -, à sua hierarquia e relações.

Essa discussão apontada por Frago (2001) é relevante para a nossa análise na
medida em que considera fulcral no seu estudo sobre instituição escolar, a cultura entendida
como construção humana, portanto não estável no tempo e espaço e dotada de significados
que refletem as transformações da sociedade. Então, neste sentido, pensar sobre a escola,
segundo esse autor, é pensar nas relações antropológicas que a escola estabelece com entre o
seu tempo e lugar.
Ao elegermos o estudo da Vestimenta Escolar neste capítulo, estamos também
refletindo sobre o papel simbólico desenhado pela instituição de ensino Escola Doméstica de
Natal no seu tempo para ser apropriado pelos que a freqüentavam. A vestimenta, no universo
das práticas da Escola, está sendo apontada como objeto dotado de valores culturais, sociais e
valores de representações.
Por ser dotada de valores sociais, históricos, culturais, as roupas refletem os
costumes de cada época, simbolizando hierarquias, lugares a freqüentar, comportamentos a
seguir. Neste sentido, o uniforme escolar usado pelas discentes correspondia ao modelo de
aluna a formar e seguia alguns costumes da época delineados nos modismos da Europa e nos
valores virtuosos de como uma senhorita de família tradicional deveria vestir o seu corpo. Por
isso, os decotes longos, o uso de adereços que serviriam de enfeites às roupas era descartado
no uso diário da aluna, ganhando espaço a roupa simples, sutil, de cor discreta, sem muitos
detalhes que ajudaria a compor o quadro de formação educacional esboçada no currículo.
Essas medidas conformavam a jovem formanda a um perfil traçado no início do século XX:
formação de uma boa esposa, com qualidades e condutas de rigorosa moralidade. Sobre esse
perfil, a justificativa abaixo:
235

O perfil traçado para a esposa conveniente contava ainda com indefiníveis


qualidades, tais como simplicidade, justiça, modéstia e humor. Seu antípoda
ameaçador era a moça dos tempos modernos, “esbagachada”, cheia de
liberdades, “de saia curta e colante, de braços e aos beijos com os homens,
com os decotes a baixarem de nível e as saias a subirem de audácia”, exposta
à análise dos sentidos masculinos, perfumadas com exagero, pintadas como
palhetas, estucadas a gessso e postas na vida como a figura disparate de uma
paisagem cubista. (MALUF; MOTTA, 1998, p. 390).

As mudanças advindas do mundo moderno no Brasil eram expressas nos


modismos, no surgimento de novos costumes, no uso de aparelhos importados
eletrodomésticos, artigos higiênicos, acessórios de uso pessoal enfim, uma multiplicidade de
objetos que mudaram substancialmente o cotidiano e o ritmo de vida das pessoas,
configurando um novo viver e novas formas de se vestir e se comportar. Essas transformações
que surgiram no Brasil em patamares iniciais de urbanização e desenvolvimento das cidades
convivem com costumes tradicionais ainda arraigados, mantendo o ritmo de relações
tradicionais e modernas, novos costumes passam a ser apropriados em detrimento do
tradicional, do ainda existente. Nessa conjuntura de mudanças, conter os excessos da mulher,
tanto no consumo desses novos bens materiais, como nos seus usos, era um discurso que
perpassava a mentalidade masculina e tradicional da época, como forma de apaziguar a
libertinagem, a desonra e possíveis condutas desviadas da normalidade dos preceitos morais
apregoados nesse tempo.
Os modos de se vestir da mulher deveriam se identificar com os princípios
higienistas, procurando assegurar o limite entre a vaidade e a libertinagem de algumas
mulheres tidas como de conduta duvidosa por freqüentarem, sozinhas, lugares públicos como
o teatro, o cinema, o café da cidade, dentre outros. Expunha-se, dessa forma, a mulher aos
rigores das tradições dos costumes na sua forma de viver, de se comportar e vestir.
A questão da influência da higiene nas escolas brasileiras no início do século
XX é apontada por vários pesquisadores. É reconhecida a penetração das normas disciplinares
nas diversas instituições de ensino públicas e privadas, tendo a escola um lugar reservado para
a agenda médica e sendo esse tema um dos pilares que irá sustentar os discursos em prol de
uma educação nova e moderna, encontrando respaldo também na legislação de ensino em
vigor desse período.
Quanto aos costumes e modo de se vestir nas primeiras décadas do século XX
na cidade do Natal, predominavam ainda o uso dos espartilhos, das meias de seda, dos
calçados fechados, botas de cano e saias longas, modismos presentes no século anterior, mas
236

que se mantém como tradição e costume. Em relação ao uso dos chapéus, só eram usados
eventualmente, em ocasiões especiais como solenidades sociais, cívicas, matrimoniais (com
exceção das missas), dando lugar ao chale ou mantilha de renda com cores que variavam
segundo os critérios da idade: clara para as mais jovens e escuras para as de idade mais
avançada.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a vestimenta sofreu algumas
modificações em decorrência das transformações na economia. As vestes mais usadas
passaram a ser as mais práticas e econômicas, respeitando a recessão econômica que era uma
realidade em diversos países do mundo. Simplicidade e praticidade passaram a ser uma
exigência nas roupas usadas pelas alunas da Escola Doméstica de Natal e isso era garantido
no cotidiano, porque durante as aulas de costura, as discentes, sob a orientação de professora,
tinham também a praticidade de confeccionar o seu próprio traje. Observamos um detalhe
interessante nas vestimentas das alunas da ED: o uso corriqueiro das meias acompanhadas de
sandálias abertas, costume assumido na vida diária. Questionamos se seria esse uso resultante
da higiene dos pés ou seria por causa do calor provocado pelo uso de meias e sapatos
fechados. Fica questionamentos para pesquisas posteriores.
237

FOTO 19 – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945.


Acervo partícula da ex-aluna da escola, Sra. Neide Galvão.

No Brasil do início do século XX perdurou, na moda feminina o uso de rendas,


bordados, ênfase a roupas com abas, saias em camadas e drapeados. Uso de chapéu com abas,
de pequeno e médio porte, empoleirados nos penteados que prevaleciam na época. Os decotes
dos vestidos continuavam discretos, pequenos, geralmente em formato de V, em favor da
modéstia, prática que se manteve durante algumas décadas. “A moda é uma indicação de
identidade individual, grupal e sexual. Além disso, sua fluidez reflete as mudanças da matriz
social. Assim, no início do século XX, a moda revelava a estratificação e o protocolo social
rigidamente definidos [...] ”. (MENDES, DE LA HAYE, 2003, p. 19).
Vista como uma indicação de identidade, a roupa usada pelo corpo discente e
238

docente da Escola Doméstica de Natal incorporava a filosofia da escola nos seus aspectos
morais, intelectuais e acadêmicos, pois deveria imprimir uma certa ordem estabelecida que
primava por banir atos tidos como impróprios ao ambiente escolar (roupas decotadas e curtas,
modelos extravagantes, uso de adereços e jóias caras, etc.).
Em relação às práticas de lazer proporcionadas pela cidade do Natal nesse
período, podemos dizer que era um lugar de movimento tranqüilo, onde as pessoas tinham o
costume de sentar nas calçadas para dialogar durante as quentes noites natalense, de assistir
aos espetáculos e saraus no teatro da cidade, o Carlos Gomes, de ouvir as serenatas durante o
período de lua cheia enfim, costumes que vislumbravam uma cidade pacata e aconchegante.
As práticas de lazer, nessa época, foram dinamizadas com a inauguração de três centros
esportivos: o Sport Club de Natal, o Centro Náutico Potengi e o América Foot-Ball Club que
surgem como associações para fomentar a vida esportiva local.
Nessa compreensão do contexto cultural do início do século XX, situamos o
fardamento escolar como elemento cultural que refletia os valores da época e tomando-o para
além dos modismos, passava a seguir particularmente a singularidade prescrita no modelo
escolar da instituição de ensino. Vejamos também que essas particularidades nas formas de se
vestir estavam prescritas no Regimento Interno Escolar, que ditava as normas que iam além
da indumentária para cobrir os corpos, mas também os movimentos desses corpos. A seguir,
registramos o modelo do fardamento escolar usado pelas discentes durante as aulas diárias,
tendo em cada ocasião de apresentação, uma vestimenta específica.
239

FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, ao centro destaque para o
professor Clodoaldo de Góes, secretário da LERN e professor das disciplinas História Universal e do
Brasil, 1928.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal

Na foto acima, observa-se o uso de sapato fechado, denotando que algumas


ocasiões, principalmente naquelas solenidades em que as docentes se apresentariam, exigia
um tipo de roupa e calçado específicos. O registro fotográfico também é característico de um
período anterior a II Guerra Mundial, o que também pode ser considerado um dos indícios de
que, nesse tempo, ainda não havia a excessiva preocupação com a recessão econômica, fato
evidenciado na década de 40.
A roupa diária usada pelas discentes da Escola Doméstica de Natal era
constituída de um vestido longo, de comprimento no joelho, de cor branca. Como a escola
optou por não uniformizar um modelo de fardamento escolar com o logotipo da instituição,
mantinha algumas regras gerais que especificavam a cor e os detalhes das roupas a serem
usadas pela alunas, como demonstra a imagem anterior, onde as alunas parecem estar vestidas
com um mesmo modelo de vestido. Como modelo constitutivo de referência à filosofia da
240

instituição, a vestimenta nesse contexto, tinha o poder de sintetizar a escola, representá-la na


sua sutileza, elegância e discrição e as regras para vestir-se deveriam seguir as orientações
abaixo:

Attendendo a que essa ou aquela moda não se adapta bem a todas as moças,
a directoria resolveu que estas, de accordo com a professora de costura,
escolham o modelo conveniente, devendo, porém, usarem sempre a côr
branca. Há uniformes especiaies para os diversos exercícios de educação
physica, os quaes, bem como os de uso commum, são confeccionados pelas
alumnas, sob a fiscalisação da professora. A confecção obedece
invariavelmente ás regras da economia e da simplicidade, que não excluem a
elegância. Quer nas festas da Escola, que nos passeios, ás alumnas trajarão
invariavelmente uniformes de côr branca. (LIGA DE ENSINO DO RN,
1927a, p. 9).

É possível que a cor e o modelo do uniforme escolar da Escola Doméstica de


Natal tenham sido encolhidos conforme a justificativa acima mencionada, tendo em vista, no
momento da confecção, os critérios de economia e simplicidade. Mas, também acreditamos
que a opção pelo fardamento escolar considerou a idéia de Henrique Castriciano de Souza por
uma indumentária que transmitisse ares de higiene, sutileza, limpeza, serenidade.
Um artigo de revista publicado pela ED no ano de 1925 e reeditado em 1998
convida o (a) leitor (a) a refletir sobre as cores da moda e os tipos de roupas mais
convenientes a serem usadas, conforme as condições regionais e pessoais. Dá informações
importantes sobre a opção da cor branca no uniforme das alunas da Escola Doméstica de
Natal ao citar que:

Devemos, antes de seguir uma moda, ver se ella realmente nos convem,
tomando em consideração clima, hygiene, idade, physico, etc. Nessa época
de verão, que atravessamos, é aconselhável, o uso de cores claras. O preto, o
roxo, o azul marinho, em geral as cores escuras absorvem o calor duas vezes
mais que aquellas. Mesmo a mocidade risonha e folgazã como é, não se
adapta bem sob a austeridade de uma veste escura. O roseo, o azul, o branco
são as cores que devem acompanhar os sorrisos da juventude. Eis porque o
branco foi escolhido para cor de uniforme da nossa Escola. Uniforme
simples e hygienico. Os vestidos de passeio, claros, de cambraia, de linho,
bordado com rendas estão muito em voga. Para mocinhas ficam bem, melhor
que as sedas. Estas deveriam figurar, somente, nas jovens em occasião de
festas a noite. (GEORGET, 1925, p. 5).
241

Outro fato noticiado pela autora é de que no início do século XX, em Paris e
Londres, o fascínio pela cor roxa era latente na moda local, sendo viável na nossa cidade a
adaptação desta cor nas vestimentas femininas, como por exemplo, os tons rosa e lilás, que
eram mais aprazíveis ao clima da cidade do Natal.
Como podemos perceber Henrique Castriciano, ao optar por uma vestimenta
escolar de tom claro, não a escolheu por acaso; vários motivos podem ter influenciado
diretamente nessa escolha. No momento em que a discente realizasse a sua matrícula na
escola, teria que trazer consigo alguns objetos pessoais e dentre esses, peças de roupas
brancas que iriam compor as suas vestes diárias.
Segundo as observações de Mendes e De la Haye (2003, p 44) “[...] um dos
desenvolvimentos mais notáveis em 1914 foi a mudança das estreitas saias-funil para modelos
largos, em forma de sino, alguns com camadas sobrepostas, plissados ou pregas.” Essa nova
silhueta tornava as anáguas elaboradas novamente essenciais e as lojas ofereciam uma série de
modelos, cheios de babados, alguns divididos, com pernas largas. Em 1916, as bainhas
haviam subido duas ou três polegadas acima do tornozelo, elevando a altura dos calçados.
Ainda segundo as autoras, no período pós-guerra, no mundo, novas exigências surgiram em
relação aos modos de vestir das pessoas, afetando também os grupos mais favorecidos
economicamente, pois com a escassez de empregados, as vestimentas que exigiam
procedimentos elaborados para lavar, passar e vestir logo deixaram de ser usadas e os
modelos começaram a sofrer algumas modificações com o intuito de se acomodar à nova
ordem econômica, adaptando-se à escassez de recursos provenientes da guerra e a estilos de
vida mais modestos.
As roupas consideradas fáceis de usar também passaram a ser as mais
procuradas Geralmente a blusa sem abotoamento era prática e estava na moda para ser usada
com uma saia ou um conjunto. Era uma peça de vestuário muito procurada pelas mulheres,
pelo fato de ser colocada pela cabeça e não ter nenhum tipo de fecho, facilitando as ações do
cotidiano. A blusa usada antes, fora da saia, ao invés de enfiada nela, chegava pouco abaixo
dos quadris e, às vezes, tinha gola de marinheiro, um cinto ou uma faixa. A blusa sem
abotoamento era geralmente feita de algodão ou seda e tornou-se um elemento importante na
moda da década de 1920, assim como o uso de cardigãs de tricô, casacos e xales. (MENDES,
DE LA HAYE, 2003).
A ED não seguia todas essas regra de modismos, mais aderia a roupas leves e
práticas, como era o caso das vestes de uma peça só. A Escola deixava a aluna à vontade para
optar por esse tipo de vestimenta em algumas ocasiões de uso diário.
242

A Escola Doméstica de Natal, ao optar pelas vestes com roupas práticas e de


cor branca para as alunas, aconselhava através do Plano de Curso que as alunas ao se
matricularem na ED adquirissem obrigatoriamente um enxoval pessoal. Iss era, na nossa
compreensão, uma das formas de disciplinar o tipo e o modelo de roupa a ser usada por cada
aluna. A seguir, destacamos os objetos solicitados aos pais e respectivos responsáveis pelas
discentes:

QUADRO 8
LISTA DE ENXOVAL DAS ALUNAS DA ED
ENXOVAL
QUANTIDADE PEÇAS
02 Colchas brancas, para cama de solteiro
06 Lençóis
04 Fronhas brancas simples
06 Toalhas de rosto
03 Toalhas de banho
01 Guarda-chuva
02 Copos, sendo um de metal
01 Colher de chá
02 Sacos para roupa usada
01 Porta guardanapo
06 Vestidos brancos simples para uso diário
06 Pares de meias brancas para uso diário
01 Par de sapatos com saltos baixos para uso diário
01 Par de sapatos de tênis para jogos e ginástica
01 Par de sapatos finos para festas
02 Vestidos brancos laváveis (uniformes)
Roupa branca suficiente
02 Pentes, sendo um fino e um grosso
5m Morim branco para aventais e toucas de cosinha.
Sabonetes, escovas de dentes, pasta, alfinetes, tesourinhas, dedal, agulha,
linha, fita métrica, etc.

Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Plano geral de ensino. Natal, Typ. e Pap. A. Leite,
1927. p. 9. (Adaptação).

No que se referia especificamente às alunas internas sobre a opção do enxoval,


estas deveriam obedecer a algumas regras específicas para a sua seleção como por exemplo,
não escolher roupas finas e objetos de valor, tendo em vista a escola não se responsabilizar
pelas perdas desses. Havia também uma recomendação particular que dizia que toda a roupa
243

deveria ser marcada com uma numeração cedida pela escola. Essa era uma das formas, a
nosso ver, de a Escola controlar a circulação e a organização da vestimenta que era usada
diariamente pelas estudantes internas, bem como evitar a propagação de modismos nas cores
e nos estilos a serem usados. Sob o prisma da influência do movimento higienista e de
preceitos moralizantes, Nestor Lima, na época, indicava algumas orientações a seguir na
escolha da vestimenta diária da mulher:

[...] é norma sediça da hygiene, e, pois, de educação physica, a necessidade


de preservar o organismo das intempéries por meio do vestuário; em
segundo lugar, porque um preceito da educação moral exige o resguardo ao
pudor individual através do traje. Partindo destas duas verdades ao alcance
de qualquer espírito, não seria muito difficil admitir que toda vestimenta que
não proteger sufficientemente o corpo das irregularidades do meio
athmospherico ou não o resguardar contra a curiosidade malsã dos olhares
alheios não preenche o seu duplo fim hygienico e moral. (LIMA, 1921, p.
15).

A Escola Doméstica de Natal aconselhava, por exemplo, que nas roupas usadas
pelas alunas, tanto nas recepções, como no viver diário da escola, não houvesse extravagância
nos detalhes e nos acessórios, não sendo permitido às aluna, o uso de jóias e vestidos caros.
Propõe, pois, através da vestimenta da aluna, a racionalização da roupa, a higiene no seu uso,
a simplicidade no modo de se vestir e para além do uso interno da escola, ao cruzar os portões
do estabelecimento de ensino “As alumnas devem trajar com simplicidade, sendo obrigatório
o uso do uniforme fora da Escola.” (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 29).
Os códigos do universo escolar transpareciam na organização das vestimentas
específicas, fossem as usadas durante a prática esportiva ou em ocasiões de eventos internos
da Escola, ou ainda a utilizada no dia-a-dia da sala de aula, como nos lembra Nunes (2003, p.
17) “Nas escolas, as vestimentas específicas funcionam para seus usuários como exigências
de construção de novos papéis.” E o papel a ser desempenhado pelas discentes na Escola
Doméstica de Natal era a de mulheres disciplinadas, bem comportadas, vestidas com
simplicidade e elegância, mantendo-se sempre limpas e organizadas. Esses valores
apregoados constantemente na rotina escolar deveriam transpor os muros da instituição,
funcionando como habitus a serem apropriados, com base em uma pedagogia que primava
pelas normas higiênicas e disciplinares que deveriam ser praticadas socialmente.
244

A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da ginástica é uma


preocupação que ocupa lugar privilegiado na agenda médica fazendo com
que, ao tratar da educação escolar, também inclua esse tema como um dos
aspectos a ser observado no rol de recomendações por eles estabelecidas, de
modo a produzir um colégio, alunos, alunas, professores e mestras
higienizados. (GONDRA, 2001, p. 534).

O livro intitulado ‘Os quatro livros da mulher: o livro da dona de casa’ (escrito
por Paulo Combes, publicado no ano de 1917 e utilizado como fonte de consulta na biblioteca
da Escola Doméstica de Natal) muito enfatizava, no seu conteúdo, algumas recomendações
quanto ao uso de determinadas vestimentas específicas para as mulheres. Nele, o autor sugeria
à mulher reconhecer que era preciso dar ao vestuário ares de higiene e de elegância e não de
aspecto luxuoso, ou seja, o vestuário além de cumprir o papel de adorno, era preciso ter
higiene na conservação e uso das roupas. Nesse sentido citava:

[...] os meus princípios que ofereço às meditações das donas-de-casa: a


higiene nos vestuários é indispensável; a galanteria nos vestuários é útil ou
agradável; o luxo nos vestuários é inútil e prejudicial. Prefiram, pois, em
todas as peças do vestuário, às grandes aparências a qualidade, a utilidade, a
comodidade, e a verdadeira estética. Olhem de preferência para a solidez, a
duração, a facilidade de conservar, de lavar, de concertar. Não comprem
nada que prejudique qualquer dos dois fins justos: a higiene e o adorno
estético e, acima de tudo, nunca sacrifiquem vestuários cômodos e de bom
gosto e tornados excêntricos é ridículo, só com o pretexto de andar à moda.
(COMBES, 1917, p. 164-165).

Nas palavras do autor, percebemos que foram feitas algumas chamadas para os
critérios de compra e uso do vestuário feminino, destacando-se entre esses pré-requisitos a
estética, a limpeza, o zelo, a modéstia e a praticidade. Em outro momento do livro, importante
indicação sobre o vestuário é novamente retomada, dessa vez, a preocupação do autor recai
incisivamente no caráter higiênico das peças de roupa, proporcionando bem-estar e saúde às
mulheres que as vestem.

Mantendo esse caracter higiênico, poderá a dona-de-casa evitar aos seus e a


si própria grandes e pequenas doenças, indisposições, um simples mal-estar
a que todos estão sujeitos, mais ou menos, quando se não respeita a higiene.
Nunca se deve sacrificar a higiene e a comodidade ao luxo e ao enfeite. Deve
245

saber zelar o cumprimento de todas as regras higiênicas que tiver dado,


explicando a razão delas – e mantendo-as com todo o rigor. Se assim
proceder, póde estar certa de que os seus hão de ter sempre saúde, vigor,
bom humor, e portanto, felicidade. (COMBES, 1917, p. 167-168).

Nesse contexto, as indicações sobre o uso da vestimenta escolar ajudaram a


forjar hábitos, uma vez que tomamos o uniforme escolar como objeto revestido de poder
diferenciador, fascínio e forma modeladora de condutas; funcionando como distintivo que
qualificava quem o usava, na mesma perspectiva que confirma que os “Lugares, roupas e
objetos só ganham plenamente sentidos a partir das relações sociais que se travam no
cotidiano, o que pressupõe levar em conta o enquadramento social (político e histórico) do
comportamento humano e de seus valores.” (NUNES, 2003, p. 19).
No sentido de qualificar quem o usava, o professor figurado no universo da
cultura escolar da Escola Doméstica não se vestia de acordo com sua vontade e gosto. Na
verdade, vestia-se de acordo com os costumes da época que eram bem mais disciplinadores,
rígidos. Em geral, apresentava-se para lecionar, no caso da figura masculina, geralmente bem
trajada, de terno e gravata, o que era um dos costumes da época como forma de representar
uma moralidade que deveria estar visível na sua aparência física, como também na sua
mobilidade do corpo. Essa também era uma exigência legal para o provimento de algumas
disciplinas de ensino quando efetivada a seleção de professores para lecionar nas escolas
públicas e particulares do Estado do Rio Grande do Norte, exigindo-se do professor a
moralidade em seus atos que poderia ser expressa nas formas de se comportar e acreditamos,
de se vestir. A Lei n.° 405 de 29 de novembro de 1916, que organizou o ensino primário,
secundário e profissional no Estado do RN, em seu Artigo primeiro do Capítulo V, Título 7,
especificava dentre os vários direitos e deveres do professor o de “dar exemplo de cortezia e
moralidade em seus actos, tanto na escola como fora della.” (RIO GRANDE DO NORTE,
1916, p. 91).
No caso específico das docentes e diretora da Escola Doméstica, essas
geralmente mantinham os critérios elencados na legislação local, bem como seguiam os
costumes do período quanto ao uso de decotes comportados, cumprimento da roupa abaixo do
joelho, uso de chapéu, poucos adereços, o não uso de maquiagens ou o não excesso delas
enfim, abolindo quaisquer objetos que pudessem mascarar exemplos de moralidade e abrisse
espaço para questionar a conduta pessoal, como evidencia a fotografia a seguir, do primeiro
corpo docente da Escola Doméstica de Natal:
246

FOTO 21 - Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola Doméstica de Natal, 1919.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Observemos os detalhes especificados nas vestes dos professores e professoras,


evidenciando que para lecionar na Escola Doméstica o (a) docente não poderia se vestir com
qualquer peça do seu vestuário, tendo em vista que era esperado dele ou dela uma
apresentação física que refletisse uma personalidade forte, moral e intelectual. A imagem em
destaque, rica em detalhes, revela, a nosso ver, os costumes da época expressos, por exemplo,
nas formas de se vestir, calçar, de sentar, nos reportando a um tempo em que ser professor
significava muito mais do que possuir o domínio do saber pedagógico e específico, vagando
para outras simbologias e representações expressas nas condutas pessoais e nas relações
estabelecidas entre indivíduo e sociedade.
Hobsbawm (2001), ao analisar o papel da mulher inglesa no início do século
XX, destaca em relação às modas femininas que:
247

[...] ainda que a moda feminina não expressasse dramaticamente a


emancipação até uma época posterior à Primeira Guerra Mundial, o
desaparecimento das armaduras de tecidos e barbatanas que encerravam o
corpo feminino em público já era antecipado pelas roupas soltas e flutuantes,
popularizadas no final do período, pelas vogas do esteticismo intelectual da
década de 1880, do art-nouveau e da alta costura pré-1914. (HOBSBAWM,
2001, p. 288).

Tecendo uma breve comparação com os dados apontados pelo autor e os


costumes apropriados e aflorados particularmente no Brasil no período pós-Primeira Guerra
Mundial, veremos que muito dos modismos do estrangeiro penetraram na nossa cultura,
refletindo na nossa cultura do corpo. Isso é latente no Brasil desde o período colonial, quando
tivemos influência de mudanças dos nossos costumes com o afloramento de novos valores
culturais trazidos com os portugueses. Portanto, é evidente que essa difusão não se deu apenas
nesse período apontado, afinal, fomos um país colonizado por outro do continente europeu e a
latente contribuição da cultura e dos modismos, principalmente europeus, ficaram expressos
no nosso estilo de vida porque em alguns aspectos nos deixamos influenciar por esses valores
que estiveram historicamente à frente do Brasil em termos de desenvolvimento econômico e o
cultural.
Como a Escola Doméstica foi espelhada num modelo de educação Suíça, em
muito o seu quadro pedagógico refletiu esse estilo, como também as primeiras docentes a
lecionar trazendo, na sua bagagem cultural, a influência do seu estilo de vida, seja da
Alemanha, da Bélgica, dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra.
Entendemos, portanto, que a vestimenta historicamente serviu como objeto
cultural e hierarquizador, classificando quem o usava, distinguindo a diretora, o professor e a
aluna no universo da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. Destacamos também que
a vestimenta escolar, seja a das (os) professoras (es) ou das alunas, estava inserida num
quadro esboçado do currículo escolar expresso nas finalidades da Escola, por isso, fazer parte,
por exemplo, do quadro docente não era realidade de qualquer professora que acabara de se
formar na Escola Normal de Natal; alguns critérios eram esboçados para além da formação
pedagógica específica; com também compor o universo do alunado não era realidade de
qualquer mulher que se dispusesse a estudar na Escola Doméstica.
Esse referencial apontado demarcava, portanto, quem estudava, quem
lecionava e como deveria se mover e se vestir esses sujeitos nos espaços da Escola,
disciplinando o corpo, na perspectiva apontada por Foucault (1997), de submeter o indivíduo
248

a uma modelagem silenciosa, minuciosa que age como se fosse uma mão invisível, tornando
cada vez mais contornos definidos do que se quer formar, modelando comportamentos,
formando sujeitos delineados por uma cultura própria. No caso específico do fardamento
escolar da Escola Doméstica de Natal, ele funcionou como símbolo da instituição e requereu
de Henrique Castriciano de Souza algumas definições sobre o seu modelo que diferiu do
clássico fardamento escolar nas cores azul e branco.

Henrique bateu-se contra o fardamento, o uniforme escolar, enfeitadinho e


vistoso. Decidiu-se pelo avental ou traje externo todo branco, com linha
simples de botões, meias, sapatos, gorros, brancos. Houve resistência, mas a
Escola Doméstica, quando passeava com as suas alunas ou comparecia às
festividades, causava impressão nova, uma graça visual distinta,
movimentada e sugestiva, tão diversa dos indumentos ordinários, escuros e
convencionais. A farda da Escola Doméstica, por não ser tipicamente farda,
é a mais original e atraente. Graças a Deus, tem sido mantida. (CASCUDO,
1965, p. 137).

Originalidade e singularidade seriam uma das marcas representativas do


currículo da Escola, que se esboçariam, por exemplo, no modelo do fardamento escolar. Este
era feito de tecido de linho branco, mudando para fustão e posteriormente para o terbrim,
evidenciando nessas mudanças as adaptações ao clima, à vida moderna, que passou a exigir
um tipo de roupa que não demandasse muito tempo para ser organizada (o linho branco, ao
contrário, tecido escolhido inicialmente exigia da mulher o uso do ferro e goma, mais
cuidados e trabalho).
Percebemos, portanto, que a vestimenta escolar, tanto a do docente quanto da
discente, trazia espelhada, no seu modelo, diversas simbologias expressas na rotina escolar,
em cada momento específico da aluna se apresentar, seja na atividade de Educação física, na
sala de aula, nas festividades, quanto no momento do professor dar aula e/ou participar das
solenidades de formatura. A vestimenta, nessas situações diversas, era um dispositivo de
distinção que ia se firmando no interior da Escola enquanto um distensor de saberes e poderes
com base na cultura escolar construída. O uniforme escolar pode ser considerado, portanto,
naquele contexto em que foi usado, como símbolo de disciplinarização, sutileza e tradição na
Escola Doméstica de Natal.
249

4.5. Espaço, tempo e cultura escolar.

FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Na parte anterior do trabalho, mostramos como a vestimenta assumiu


simbologias culturais diferenciadas no contexto da escola, manifestando nas alunas a
disciplinarização dos corpos, sutileza e tradição. Nesta parte do trabalho, tivemos a intenção
de analisar a organização da arquitetura da Escola considerada como objeto que ultrapassa a
simples materialização de um modelo de prédio escolar, percebendo-a nos seus detalhes,
adentrando no seu significado e na sua organização temporal. Isso representou muito mais que
perceber o prédio escolar na sua exterioridade e simbologia na cidade; significou apreendê-lo
como monumento histórico vinculado à base material e cultural da instituição escolar,
significou reconhecer o espaço como lugar, na perspectiva apontada por Escolano & Frago
250

(2001), de perceber o espaço como objeto significante, que muito tem a dizer, que não é
neutro e sim impregnado de simbologias e intenções, conforme os agentes que o produz e dele
faz uso. Segundo Escolano (2001, p. 45):

[...] a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou


seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela
seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola e
suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico
do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a
decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos
que a criança internaliza e aprende.

Essa percepção nos fez apreender a escola como um lugar que apresenta uma
dimensão espacial educativa, que dispõe de uma realidade social e material, com uma cultura
específica. Assim percebendo-a, pudemos enxergar à sua micropolítica de organização
interna, não apenas para enumerar os objetos nela presentes, mas para entender como eles se
integravam no todo da escola, compondo esquemas explicativos, dando sentido a sua
realidade de existência.
Além do enfoque atribuído por Escolano e Frago (2001), a abordagem
realizada por Michel Foucault (2001) sobre a organização e distribuição do espaço físico em
alguns estabelecimentos como escolas, hospitais, conventos, prisões, dentre outros, torna-se
relevante para a nossa análise sobre a Escola Doméstica de Natal. Foucault apresenta, por
exemplo, o que chama a arte das distribuições, referindo-se à forma de distribuição dos
indivíduos nos espaços físicos, conforme o amoldamento de comportamento e atitude que se
deseja para esses sujeitos, seja através da disciplina, da vigilância contínua, criando com isso
espaços úteis de acordo com os objetivos de quem os estabeleceu e os distribuiu. Ainda
segundo esse autor:

A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições


disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre
e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer
não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas
também de criar um espaço útil. (FOUCAULT, 1997, p. 123).
251

A própria disposição das salas de aulas organizada por classes, em cadeiras


enfileiradas, nos faz pensar na presença do professor à frente da turma, mantendo um controle
rígido sobre a ordem e da disciplina, mas também na hierarquia, onde alunos ficam de um
lado – dos que obedecem, e o professor permanece do outro – dos que detêm o poder.
Na Escola Doméstica, algumas salas de aulas eram organizadas dessa forma
hierarquizada, apesar dos preceitos da Escola Nova.
Na imagem a seguir, encontramos o uso diferenciado do espaço da sala de
aula, onde cada discente ocupava um espaço em semicírculo, de forma que todas as demais
visualizassem o professor e o grupo, podendo manipular objetos durante os momentos de
aula, sob a fiscalização da (o) docente.
As aulas que funcionavam ao ar livre também eram momentos onde as alunas
tinham a oportunidade de explorar melhor o espaço físico, não existindo uma disposição
rígida de lugares. A seguir, destacamos um registro fotográfico de um dos momentos de aula
prática realizada em locais que fugiam à organização tradicional das salas de aula e onde o
trabalho coletivo era uma técnica bastante usada.
252

FOTO 23 - Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre culinária, 1927.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Refletir sobre essa questão nos fez pensar nas relações que se estabeleceram
entre currículo escolar e espaço, cultura escolar e lugar. Compreendendo a cultura escolar
como elemento produtor de novos sentimentos, comportamentos e valores nos sujeitos
atuantes da Escola, os espaços criados e ocupados também se inserem nessas preocupações no
interior escolar, no sentido de auxiliar essa ação dos sujeitos na instituição. Afinal a
arquitetura institui determinados valores que devem ser assimilados, como nos lembra
Escolano (2001, p. 26):

A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de


discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de
ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e
motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos,
culturais e também ideológicos.
253

Falar da arquitetura escolar que revestiu a Escola Doméstica de Natal nos faz
pensar na materialidade física da escola, nos seus espaços ocupados que à primeira vista,
pareciam ser pouco significativos, mas que muito têm a comunicar e ser analisado como um
construto cultural, passando a mediar o nosso olhar para uma forma silenciosa de ensino que
perpassava a escola, através de diversos dispositivos de organização interna do
estabelecimento: organização das salas de aula, espaço do aluno, da direção, do professor, etc.
Uma análise importante feita por Veiga Neto (2002, p. 164) nos chamou
atenção por estabelecer relações entre currículo e modernidade, espaço e tempo na escola:

O currículo funcionou como a máquina principal dessa grande maquinaria


que foi a escola na fabricação da modernidade. Foi por intermédio dessa
invenção dos quinhentos que a escola se organizou e atuou, inventando
novas formas de vida que romperam com os sentidos e usos medievais do
espaço e do tempo. Foi com o currículo que ela assumiu uma posição ímpar
na instauração de novas práticas temporais. E, talvez o mais importante: foi
pelo currículo que a escola contribuiu decisivamente para a crescente
abstração do tempo e do espaço e para o estabelecimento de novas
articulações entre ambos. Isso foi tão decisivo na medida em que tanto a
escola fez do currículo o seu eixo central quanto ela própria tomou a si a
tarefa de educar setores cada vez mais amplos e numerosos da sociedade.

Nessa perspectiva, compreendemos que a espacialização organiza


silenciosamente os gestos, os movimentos de quem o ocupa o espaço, respondendo a critérios
de diversos dispositivos pedagógicos: currículos, regimentos, teorias pedagógicas, etc. É com
base nessa compreensão que analisamos o prédio escolar da ED, percebendo que o espaço
apresenta uma dimensão simbólica, uma intencionalidade que é projetada através de sua
distribuição. O objeto arquitetônico, portanto, pode conotar um significante em termos de
comunicação, uma vez que estamos tratando a arquitetura como uma forma de comunicação
visual.
Outro aspecto a considerar inicialmente é afirmar que as construções física e
simbólica da cidade afetam as mudanças que ocorrem na escola e, com isso, as escolas não se
abstêm das transformações externas e dos condicionantes sócio-econômicos da sociedade. As
construções dos prédios escolares do Império até os primeiros anos da República,
historicamente, obedeceram a alguns determinantes, sejam eles de ordem econômica, cultural
ou social. As primeiras edificações dos estabelecimentos de ensino no Brasil sofreram forte
influência da arquitetura européia. Esse período, segundo Sales (2000, p. 50), “[...] é marcado
254

por uma produção eclética e pela experimentação. São típicos dessa fase os edifícios em dois
pavimentos, caracterizados por apresentar suas fachadas ornamentos alegóricos e por se
destacar pela imponência dos prédios.”
No caso específico da Escola Doméstica de Natal, percebemos que foi
construída tendo como ideário um grupo de intelectuais que pretendiam para Natal uma escola
diferente e moderna, portanto, para a sua construção tinha que se pensar em num modelo de
estrutura física que vislumbrasse os anseios e o projeto de quem a idealizava.
A imagem da fachada principal da Escola Doméstica de Natal com traços
neoclássicos, visualizada na época em que fora fundada, nos transmite ares de poder e
pujança, com típica arquitetura ensejada pelos republicanos no Brasil que almejavam
construir no cenário nacional estruturas arquitetônicas com ares de modernidade e progresso,
exemplos materializados na construção dos primeiros grupos escolares.
Visualizada por dentro, encontramos subdivisões que demarcavam o território
de cada sujeito que lá transitava: diretora, professoras, alunas, familiares, funcionários. O
prédio escolar chamava a atenção pela sua magnitude, o que despertou olhares de alguns
intelectuais da cidade que viam na construção da Escola Doméstica de Natal uma obra
grandiosa e moderna, de linhas arquitetônicas admiráveis.

Diante daquele edifício de linhas arquitetônicas modernas, mas duna beleza


sóbria, diante daquelas duas colunas alvas, que ornam a sua entrada;
adornadas de lianas e trepadeiras, tem-se, de momento, a impressão de
deslocamento para um desses grandes centros estrangeiros, onde tudo se
reúne e combina dentro dos primores da nova pedagogia. (A ESCOLA
DOMÉSTICA DE NATAL, 1925, p. 5).

O prédio da Escola Doméstica de Natal foi arquitetado por João Thomé


Saboya para ter um pavimento único, caracterizado por uma fachada bastante discreta, sem
muitos detalhes chamativos, mas que dispunha de grande imponência. Anos após a sua
inauguração, a instituição sentiu necessidade de ampliar as acomodações, de forma que
houvesse espaço para as aulas de Puericultura e espaço que servisse como laboratório. Esse
objetivo foi concretizado em 1919, com já citamos em capítulo anterior, a partir dos anseios
do professor da ED e médico da cidade, Varela Santiago, que o denominou de Instituto de
Puericultura. A imagem a seguir está marcada com uma seta do lado esquerdo, indicando a
ampliação do pavimento que funcionou como Instituto de Puericultura, o que demonstra que a
255

arquitetura responde a necessidades culturais, sociais, econômicas e educacionais e que a


arquitetura escolar também era parte do currículo e dos saberes do plano didático.

FOTO 24 – Faixada principal da Escola Doméstica de Natal, 1939.


Acervo particular da Escola Doméstica de Natal/RN.

Analisar a forma como era distribuído o espaço na Escola Doméstica nos fez
indagar inicialmente o significado da organização desse espaço físico em uma instituição
escolar, no sentido de atribuir a ele significados, representações, intenções, finalidades. Isso
significa pensar no espaço como elemento vivo que tem algo a nos dizer, não sendo, portanto,
elemento neutro, mas considerando-o inserido num contexto de interpretações.
Nesse entendimento, o espaço é tido como testemunho de um tempo que se
reveste de simbologias, conforme os interesses específicos de cada contexto. O conceito de
espaço como realidade metaforicamente viva significa uma ruptura com a lógica formal
presente no empirismo positivista que veicula uma concepção do real como totalidade
universal. Sendo assim, a visão de espaço perde sentido interpretativo porque se reveste de
noções morfológicas, de análise descritiva dos elementos que compõem o espaço, de vertentes
256

fisiológicas fundadas na biologia que naturaliza os elementos presentes em determinado


espaço, descrevendo-os na sua paisagem e forma, atentando apenas para o seu funcionamento.
O espaço, assim compreendido, deixa, a nosso ver, de ser refletido como um artefato social,
dotado de significado, o que lhe é peculiar, pois é fruto da ação humana, organizado pela
relação entre os lugares e os sujeitos sociais. O espaço é construção social. A ação humana e a
idéia de movimento e dinamicidade dos sujeitos e dos objetos são indicadores que nos fazem
atribuir significados aos conceitos de espaço e tempo e particularmente sobre a arquitetura
escolar, tidos como elementos vivos e complexos.
Para uma análise mais completa sobre a arquitetura da Escola Doméstica de
Natal, tentamos localizar inicialmente a Planta Arquitetônica que continha detalhadamente a
projeção da estrutura física da Escola. Conhecendo-a, teríamos uma visibilidade melhor da
distribuição espacial do local: disposição das salas de aula, local reservado à direção escolar,
sala de professores, pátio, etc. No entanto, esse documento não foi localizado nos arquivos,
nem indicado pela direção atual da Escola sobre a sua provável existência nos dias atuais para
que pudesse ser analisado. Indagamos sobre as possibilidades de encontrá-lo no arquivo
particular da instituição, mas infelizmente não houve receptividade a essa indagação.
No entanto, consideramos o espaço uma parte importante que tem muito a nos
dizer sobre a cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. Buscamos analisar outras fontes
que nos permitissem ter uma visibilidade da disposição espacial da instituição e percebemos
que o currículo, por exemplo, foi um dos instrumentos relevantes para essa compreensão,
assim como algumas fotos de época.
Os espaços reservados às alunas internas, os chamados dormitórios, por
exemplo, eram locais, por exemplo, que deveriam ter a funcionalidade para descanso como
também o lugar onde as professoras observariam diariamente as formas de organização,
higienização e disciplina empregadas pelas alunas, por isso esses lugares precisavam estar
sempre sob a supervisão das professoras e diretora, ter divisão espacial inteligente, que
permitisse a entrada e saída das funcionárias e alunas diariamente sem maiores
constrangimentos.
257

FOTO 25 - Dormitório das alunas da Escola Doméstica de Natal, 1919.


Acervo particular da Escola

Para atender ao modelo curricular, a Escola dispôs de espaços e salas de aula


de Puericultura, engomado, lavagem, culinária, laticínio, costura, etc. Essas salas eram
organizadas de várias formas e havia ainda as salas organizadas em filas, onde o(a)
professor(a) dispunha de um local reservado em frente da turma (apesar da perspectiva de
uma pedagogia nova, os referenciais da pedagogia tradicional ainda deixavam marcas que
sinalizavam para sua influência naquele lugar.).
258

FOTO 26 - Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de aprendizado prático, 1930.
Acervo da Escola Doméstica de Natal.

Observamos que a sala de aula reservada aos aprendizados de costura


conservava no seu ordenamento físico cadeiras enfileiradas que muito nos lembra a
disposição das salas tradicionais de ensino no Brasil (um legado que persiste historicamente
até os dias atuais), bem como vislumbra rapidamente a organização do trabalho numa fábrica
onde cada pessoa desenvolve uma atividade particular, muito embora todas as pessoas estejam
reunidas num mesmo espaço geográfico. Essa sala de aula, criada em homenagem a um dos
fundadores da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte e presidente dessa entidade no período
de 1919 a 1928, distinguia-se de algumas outras salas de aula que tinham na sua estruturação
a mesa do professor ao centro para que as alunas observassem, ao redor do docente, a aula
desenvolvida.
259

FOTO 28 - Momento de aula prática de Anotomia desenvolvida pelo professor Varela Santiago.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1914.

O registro fotográfico destacado revela que o corpo docente da Escola


Doméstica de Natal apresentava, em algumas situações didático-pedagógicas, aulas
diversificadas, onde o professor mantinha mais aproximação do corpo discente através de uma
acomodação do espaço físico que reservava essa possibilidade de contato com os outros, bem
como a observação das discentes numa posição que melhor visualizasse o experimento
realizado.
A imagem destacada evidencia que a escola ao eleger o uso do laboratório em
algumas aulas, possibilitava ao professor dispor do espaço e explorá-lo de uma forma
diferenciada, postando-se ao centro da sala para fazer algumas demonstrações de como
realizar uma atividade prática perante as alunas.
A imagem seguinte também ressalta o contato maior entre discente e docente.
Muito embora, estarem reunidos professor e alunas num mesmo espaço não signifique
necessariamente uma relação mais dialógica do que numa situação de cadeiras enfileiradas
260

(onde professor e alunas mantinham distanciamentos físico maiores), supomos que a própria
escolha na ordenação em círculo já predispõe certa aproximação entre docente e discentes, o
que, para o contexto da época, início do século XX, é considerado um grande avanço
pedagógico na tentativa de romper com alguns preceitos pedagógicos que apregoavam a
necessidade de manter estruturas hierárquicas separadas na sala de aula.

FOTO 29 - Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o professor Meira e Sá,
1914.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Ao estudarmos os espaços que compõem uma instituição escolar nessa


perspectiva, logo percebemos, por exemplo, a persistência de algumas invariantes
arquitetônicas de estruturas construídas que demarcaram modelos de formalizações que
corresponderam a determinados postulados tidos como válidos para cada realidade histórica.
261

Podemos citar o exemplo do movimento higienista que contribuiu para definir formas de
distribuição e ocupação dos espaços físicos das escolas desse período.
A ocupação e distribuição do tempo na escola também foi pauta de discussão
pelos médicos higienistas do século XX, uma vez que a interferência desses não se limitou
apenas às instituições de saúde, mas também às instituições de ensino. As indicações dos
médicos eram no sentido de mostrar, por exemplo, as melhores formas de se usar espaço e
tempo sem que houvesse desperdício das horas e minutos no espaço físico escolar. Eram
orientações quanto à ocupação dos lugares nas salas de aula, a distribuição de alunos por sala,
o usos dos métodos de ensino, orientações sobre higiene, ventilação, iluminação e disposição
do espaço físico. Para Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):

[...] a medicalização traduziu-se também pela vontade de estender a


influência/controle do saber médico às condições e aos processos da
aprendizagem. Ele sentia-se capacitado a dar orientações sobre a distribuição
do tempo, o tipo e a seqüência das atividades escolares, o método a seguir no
ensino.

Na Escola Doméstica de Natal, percebemos uma forte influência desse


movimento. Tomamos como realidade as formas de as docentes e discentes se apresentarem
nos espaços da escola durante as aulas, bem como a disposição das salas de aula. As salas
quando foram construídas tiveram que atender aos preceitos de higiene, sendo bem ventiladas,
iluminadas, enfileiradas e espaçosas. Essa foi uma das exigências postas para que o espaço
escolar não fosse o causador de doenças como a miopia, doenças respiratórias, exaustão nas
alunas provocadas pelo calor excessivo, etc. Os pré-requisitos considerados naquele contexto
ultrapassavam as meras orientações dos arquitetos, relevando também as observações
médicas.
O saber médico passou a interferir significativamente na elaboração da
estrutura curricular. As formas de se pensar os espaços da escola (como as aulas iriam ser
desenvolvidas) foi ponto de muita reflexão pela ED, uma vez que a mesma se propôs a ter um
modelo curricular onde as alunas tivessem aulas ao ar livre, em contato com a natureza. Nesse
sentido, foram criados na instituição alguns espaços para cumprir a tais exigências. Os lugares
ocupados para as aulas de ginástica e cultivo de hortas eram exemplos dessas preocupações. A
seguir destacamos um registro do espaço usado pelas alunas da Escola:
262

FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula de jardinagem, 1926.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A imagem destacada exibe uma aula em que as discentes eram postas em


contato com a natureza, em espaço arejado, expostas ao sol e ao vento. Essa escolha vinha
incutida de um ideário de educação e pedagogia que tinha como referente teórico o
Pragmatismo e a Pedagogia Nova. Nesse sentido, a metodologia empregada teria que
possibilitar à aluna explorar o ambiente, manipular os objetos e sentir a escola como parte
integrante da sua vida. Em consonância com a metodologia de ensino o lugar explorado
também teria que obedecer aos preceitos pedagógicos, a aula de jardinagem não poderia
funcionar, por exemplo, em ambientes fechados, do tipo laboratório, sem a exposição aos
elementos da natureza. Deveria, pois responder a padrões culturais e pedagógicos que as
alunas da Escola deveriam internalizar no decorrer do curso. Nesse sentido, o espaço cumpriu
um papel importante, muito mais do que ilustrativo e ornamental, funcionando, no dizer de
Escolano (2001), como um programa invisível e silencioso. Ainda segundo esse autor:
263

A arquitetura escolar, além de ser um programa invisível e silencioso que


cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser
instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em
que se dá a educação formal e constitui um referente pragmático que é
utilizado como realidade ou como símbolo em diversos aspectos do
desenvolvimento curricular. (ESCOLANO, 2001, p. 47).

Por incorporar uma simbologia de significados no interior da escola, o espaço


físico deveria seguir algumas determinações conforme a finalidade escolar. A ordenação
interna da Escola Doméstica, por exemplo, tinha no seu interior um espaço ordenado,
demarcando as especificidades de ocupação e circulação de cada sujeito: lugar da direção,
sala de professores e sala para alunos, ambiente para estudo, sala para fazer refeições, lugar
para descansar, espaço para lazer, ambiente para receber visitas, etc.
Além dessa ordenação espacial, o tempo regulado e ocupado passou a ser uma
das características da instituição escolar ED no que dizia respeito à manutenção da ordem e do
cumprimento das regras internas do estabelecimento. Apesar de a escola propor em vários
momentos de suas práticas educativas as aulas ativas, evocadas como prazerosas, ao ar livre, é
importante lembrar que ela, também apresentou grandes preocupações em regular o tempo e o
espaço usados pelas alunas, docentes e demais funcionários do estabelecimento.
Em nossa percepção, isso fez parte primeiramente da manutenção da ordem
interna da instituição, mas também do controle disciplinar que se desejou manter sobre todos
os agentes que atuaram no interior do estabelecimento. Assim como destacamos
anteriormente que esse acompanhamento disciplinar deu-se nas práticas de sala de aula, nas
atividades do currículo e nas formas de vestir-se e postar-se dos sujeitos, a regulagem do
tempo também esteve incluso no espaço, de forma que contribuiu para manter o espaço
escolar organizado, regulado e controlado, prevendo-se os horários de início de cada atividade
e o seu término.
Para Frago (1994, p. 68), “Esta conciencia ‘omnipresente del tiempo’ , de um
tiempo siempre regulado y ocupado, es no uma característica auxiliar de la institución
escolar.” Na visão do autor, o controle do tempo, em qualquer instituição educativa, passa a
ser uma prática rotineira e contínua, tendo em vista que as escolas tentam em sua maioria,
manter uma organização interna que possibilite visualizar em sua totalidade os movimentos e
as atividades realizadas. Assim os sujeitos que se inserem e perpetuam essas práticas não
sentem diretamente a ação do controle do tempo que passa a ser uma espécie de ‘mão
264

invisível’, agindo cotidianamente, inserindo-se nas normas escolares a serem seguidas.


Segmentar o tempo escolar passou a ser uma importante tarefa de ordenação
interna da Escola Doméstica principalmente na segunda década do século XX, pois a
racionalização do tempo das alunas remeteu a processos de organização e legitimação de
saberes, processos de organização dos espaços e dos materiais relativos ao ensino e à
aprendizagem. Essa organização sistemática do tempo escolar e do horário a cumprir, seguida
de uma hierarquização e cumprimento de funções acabou por resultar em uma
disciplinarização dos corpos que eram conduzidos à obediência, ao cumprimento de normas
escolares e horários estabelecidos, como já evidenciado anteriormente nessa pesquisa. Para
Foucault (1997):

O horário é uma velha herança. As comunidades monásticas haviam sem


dúvida sugerido seu modelo estrito. Ele se difundiria rapidamente. Seus três
grandes processos – estabelecer as censuras, obrigar as ocupações
determinadas, regulamentar os ciclos de repetição – muito cedo foram
encontrados nos colégios, nas oficinas, nos hospitais.

O relógio como medidor do tempo, nesse contexto, tornou-se um importante


instrumento para mecanizar os acontecimentos, marcando o ritmo da ação, ordenando as
atividades, computando as horas, minutos e segundos, funcionando como um símbolo
organizador do movimento diário das pessoas. Na comunidade escolar, controlando os
momentos de entrada e saída das alunas nas aulas, mantendo uma ordem temporal dentro da
instituição de ensino. Ainda no dizer de Foucault (1997), o tempo, assim como o espaço, não
é uma propriedade natural dos indivíduos, mas sim uma ordem que tem de se aprendida, uma
forma cultural que deve ser experimentada e, dependendo do contexto, ele pode variar nas
suas formas de distribuição e uso.
O tempo assim experimentado pela Escola Doméstica de Natal passou a ser
caracterizado pelo ritmo acelerado do tempo ordenado pelo Regimento Interno, onde não
deveria haver desperdício de minutos, segundos e horas; todo ele deveria ser aproveitado da
melhor forma possível, dentro de um espaço estabelecido e programado.
A pesquisa realizada por Oliveira (1995) que analisa o Programa de Economia
Doméstica e Puericultura da Escola Profissional Feminina de São Paulo, no ano de 1929,
apontou alguns resultados importantes para refletirmos na nossa análise. Um deles é que essa
escola, criada para atender alunas pertencentes à classe operária, na faixa etária maior de doze
265

anos de idade e portadoras de diploma do curso primário, nos moldes de uma escola-oficina,
passou a formar mulheres tomando como base o ideário das novas exigências sociais e
econômicas, considerando a racionalização da atividade assim como ocorria no trabalho
produtivo. Nesse sentido percebeu a autora que:

Na conjuntura em que o ideário da racionalização vinha ocupando cada vez


mais espaços na sociedade, as mesmas vozes que clamavam pela erradicação
da rotina, do ‘empirismo grosseiro’, tanto na administração pública como no
setor privado, esboçaram um novo modelo de mulher e de dona de casa,
contrapondo-se a perfis vigentes. O aprendizado de mãe de família e de dona
de casa, que transcorria no meio familiar, onde as meninas, geralmente desde
cedo, eram chamadas a participar das tarefas domésticas ao lado das mães,
pautou-se pela incorporação de um saber-fazer doméstico construído nas
vivências comunitárias. Porém, sob a ótica do discurso técnico-
racionalizador em expansão, caberia à Escola e não mais à família, a
preparação da dona de casa competente de forma científica e racional. ‘A
perfeita dona de casa seria aquela que dominasse um saber fazer doméstico
fundamentado nos processos científicos do trabalho, cujo instrumental seria
divulgado por um determinado tipo de escolarização. (OLIVEIRA, 1995, p.
49-50).

O resultado de pesquisa apontado por Oliveira (1995) evidenciou a influência


das formas de organização do tempo na fábrica sobre o tempo da escola. Embora
consideremos que escola e fábrica são espaços distintos, com objetivos e realidades
diferenciadas, reconhecemos também que no início do século XX um dos princípios
educativos a fundamentar a escola e a atividade humana era, além do princípio do trabalho
produtivo, a formação do indivíduo para uma atividade racional, apoiada na ciência. Nesse
contexto, buscou-se formar uma humanidade nova, com espírito mais ajustado às condições e
necessidade de um novo tipo de civilização que se desejava emergir no cenário nacional.
O sistema escolar deveria, portanto, ajustar-se às exigências dessa nova
sociedade que dava ares de franco desenvolvimento industrial em algumas cidades do país,
contribuindo para formar indivíduos democráticos e participantes. Uma nova escola deveria
emergir sendo identificada com os valores da nova sociedade urbano-industrial e como
elemento de renovação e democratização social. Essas novas exigências sociais e econômicas
criaram um clima de ansiedade em prol do bem-estar social e da prosperidade nacional e é
nessa conjuntura que emergiram novas discussões sobre a idéia de reconstrução social pela
reconstrução educacional. A escola assumiu uma grandeza relevante no papel de formadora
266

de futuros homens e mulheres construtores da nova nação brasileira.


Nessa discussão é que apontamos a estruturação do tempo como uma das
esferas necessárias para esse tipo de organização social, pois ele contribuiria para disciplinar e
ajustar a vida dos indivíduos à nova ordem vivida. Os perigos da influência dos modos de
organização do tempo da mesma forma como ocorriam nas fábricas, sobre as instituições de
ensino, eram visíveis nessa realidade. Na visão de Carvalho (1998a, p. 153), a necessidade de
valorizar novas formas de organização racional do espaço e do tempo na escola era uma
realidade visível e plausível à instauração de uma nova pedagogia. Nesse sentido, afirma a
autora que:

A organização racional do trabalho traduziu-se, em alguns casos, na


valorização dos métodos da chamada ‘pedagogia moderna’ enquanto
possibilidade de realização, no meio escolar, das novas máximas
organizadoras do trabalho industrial. A idéia de que aqueles métodos
permitiriam conseguir melhores resultados com menos esforços, à
semelhança dessas máximas, parece ter determinado o crivo principal de
valorização das inovações pedagógicas: sua maior eficiência
comparativamente à chamada pedagogia tradicional. (CARVALHO,
1998a, p. 153).

Portanto a sineta, o relógio colocado na parede da escola, acompanhado do


controle da execução das atividades produziam na rotina escolar diversas representações sobre
a distribuição do tempo no cotidiano da escola e fora dela, sobretudo a ordenação do espaço
vivido e das práticas experimentadas na vida de cada uma das alunas, enfatizando, por
exemplo, que a aluna deveria ser organizada, racionalizando as suas atividades na escola e no
seu lar.
O objeto tempo, segundo os ensinamentos da Escola, deveria ser apreendido
como algo controlável e administrável e nesse sentido, seria um aspecto positivo que serviria
para trazer benefícios à vida humana e particularmente à prática da atividade doméstica desde
que bem administrado na rotina das alunas, evidenciando, portanto, que o tempo é algo
construído, experimentado e planejado racionalmente.
Esse era, na nossa percepção, um dos dispositivos de disciplinarização
aplicado ao estabelecimento que incluía a cobrança às alunas de uma disciplina que
ultrapassava o âmbito interno da escola, ou seja, um comportamento social, pois se
internamente as formas de se comportar, vestir e falar eram acompanhadas rotineiramente
267

pelas(os) professoras(es) e diretoria da instituição, externamente aos muros da escola, esse


comportamento também era solicitado às alunas, de forma que as professoras da ED sentiam-
se à vontade para repreender as alunas em lugares externos ao espaço escolar.
Para concretizar os seus objetivos, a ED dispunha de algumas normas internas
do estabelecimento que prescreviam horários para acordar, realizar tarefas até o momento de a
aluna recolher-se para dormir. Em nossa percepção, essas normas materializavam um
programa integrado com indicação de ritmos e obrigações que mediavam os gestos e os
comportamentos. (ver quadro de horários da ED, no cap. 3).
No caso específico da Escola Doméstica de Natal, ao tentar expor a aluna à
compreensão da regularidade estabelecida, implicou a aprendizagem da exatidão, da aplicação
e da regularidade do tempo que, segundo Foucault (1997), são virtudes fundamentais do
tempo disciplinar.
O controle do tempo também foi materializado nos conteúdos ensinados pelas
professoras da Escola Doméstica, onde era demonstrado à aluna que ela poderia realizar
atividades domésticas sem desperdiçar muitas horas do seu tempo numa casa. Um dos
exemplos evidenciados encontra-se registrado no Caderno de estudo da ex-aluna Terezinha
Dantas (1946) que escreveu nas suas anotações sobre a temática ‘Organização do trabalho e
educação familiar’ apontando a necessidade de estudar as condições estruturais propícias ao
desenvolvimento de uma atividade doméstica.
A fadiga e a insuficiência no rendimento do trabalho, segundo os registros da
ex-aluna, provinha muitas vezes de equipamentos não adequados à prática de uma atividade.
Desse modo, a aluna deixa evidente a importância da psicotécnica (termo referenciado no
caderno de estudo da aluna da ED) como o estudo da fisiologia do trabalho, essencial para a
compreensão das influências que o ambiente ou os meios de trabalho propiciam ao indivíduo,
para que sejam feitas as devidas correções e avaliações conforme as situações negativas
constatadas.
Ainda em suas anotações levantou algumas situações tidas como inadequadas
ao bom uso do tempo pelo indivíduo, como exemplo, a ausência de um planejamento para as
tarefas a serem executadas no dia-a-dia, apontando as possíveis correções que poderiam ser
feitas para evitar situações negativas. Dentre as correções, a necessidade de fazermos um
planejamento, detalhando as etapas a serem postas em prática, como forma de evitar
imprevistos e dispêndio de tempo.
No caso específico dos ensinamentos sobre Economia Doméstica, a ex-aluna
da ED apontou as condições propícias à realização de uma atividade doméstica para que a
268

mulher pudesse apresentar bom desempenho perante o trabalho a ser exercido no seu lar.
Nessas condições, o planejamento foi destacado como ponto central para a seleção da
atividade doméstica a ser desenvolvida para a preparação do espaço e dos instrumentos a
serem usados na atividade, para a previsão do tempo usado e, portanto, na execução e
avaliação dos resultados. (DANTAS, 1946).
É importante destacar que o modelo arquitetônico escolar da Escola Doméstica
de Natal não foi pioneiro no Estado. A fundação dos grupos escolares no Brasil e
particularmente no Rio Grande do Norte, antecedeu à construção da ED. Esses grupos
demonstravam, portanto, fortes evidências da preocupação em se propor, no país, modelos de
arquitetura e organização escolares modernas e higiênicas, que fugissem das construções até
então vigentes das cidades.
Evidenciamos, portanto, que as formas de organizar o espaço na ED estavam
em consonância com as discussões sobre a modernidade e os preceitos pedagógicos mais
avançados. Modernidade é apontada nesse estudo como o caminho para se pensar os
processos de desenvolvimento econômico, social, político e cultural de uma nação. Essas
diversas formas deveriam se materializar nas idéias culturais que circulavam na sociedade,
modificando hábitos e costumes das pessoas em função de valores civilizados, em prol da
construção de um homem novo e de uma nova civilização. Como nos lembra Veiga (2001, p.
410):

Dentre as inúmeras interferências nas cidades em fins do século XIX e início


do XX, estiveram, sem dúvida, as edificações dos prédios escolares. A
experiência francesa e os esforços para evitar uma possível degenerescência
dos homens regenerados pela revolução põem ênfase na necessidade povoar
as cidades com novos monumentos e estátuas, além de escolas.

A arquitetura nesse período cumpriu um importante papel para atender a vários


propósitos dos engenheiros, médicos e também dos educadores. Em Natal, ao construir o
prédio da ED, os seus idealizadores pensaram em edificar uma escola onde os valores de
modernidade estivessem presentes nas práticas do currículo. Naquele momento, investir num
sistema de ensino modelar, significava organizar uma estrutura física erigida como signo do
progresso que a República instaurara. Pretendia-se erigir muito mais do que novas carteiras,
quadros ou salas de aula; almejava-se construir na Escola Doméstica de Natal um estado de
espírito moderno, modificando o habitus pedagógico, os costumes rotineiros da mulher ao
269

exercer as suas atividades domésticas em casa, incutindo valores, como por exemplo:
administrar o lar de forma racional e higiênica. O próprio espaço da casa deveria sofrer
modificações, dando margem a novos preceitos higienístas e às poucas inovações
tecnológicas difundidas no Brasil.
Algumas mudanças ocorridas na cidade do Natal como o alargamento das ruas,
a construção de avenidas, surgimento de bondes elétricos, estradas de ferro, surgimento de
confeitarias, desenvolvimento da aviação tentavam sanar as contradições de uma cidade em
desenvolvimento que coexistiam com foco de insalubridade, vadiagem, prostituição,
criminalidade. As instituições escolares também manifestavam essas preocupações, a ED era
uma delas.
A escola passou a ser palco da difusão das normas higiênicas, conscientizando
sobre o perigo em se contrair as mazelas do mundo antigo. A proliferação de doenças e
surgimento de outras justificavam a emergência de medidas saneadoras e de projeções de
prédios escolares higiênicos, como uma solução para parte dos problemas urbanos. Moral,
higiene e estética deveriam estar presentes na estrutura arquitetônica da ED, presidindo no seu
interior de sua estrutura física uma boa organização dos espaços de circulação, com
ventilação, iluminação, limpeza do aparelhamento sanitário, correntes de ar e áreas
arborizadas para aulas ao ar livre, idéia de simbolizar o locus como expressão do moderno.
O prédio escolar foi escolhido intencionalmente, tendo por objetivo
proporcionar, a partir da organização do espaço interno, um clima familiar próximo ao
vivenciado nos lares, criando novos sentimentos, comportamentos diante da escola ou fora
dela. “O pensamento do Dr. Henrique e também das professoras suíças era que a Escola fosse
uma grade casa de família. Suas salas amplas e claras, seus jardins, seu pomar, sua horta, sua
sala de refeições, sua grande cozinha, suas portas sempre abertas davam a sensação de uma
grande casa, de um lar.” (BARROS, 2000, p. 90). Além dessa perspectiva, o ambiente deveria
imprimir ares de beleza, sutilidade, onde a ordem, o asseio e a higiene eram condições
essenciais para o seu funcionamento.
O prédio da ED destacou-se na Natal da época, cidade pequena e pacata e,
nessa realidade, a arquitetura escolar expôs, portanto, finalidades e objetivos a perseguir,
corporificando necessidades a seguir, significando a quebra, ruptura com um passado e
inserção num mundo citadino e refinado, criando novos códigos de
refinamento/confinamento, espaços de apropriação e de sociabilidade. Ordenar o uso do
espaço do prédio escolar também era regra presente, disciplinando as discentes e docentes
para usá-lo conforme os propósitos da escola.
270

Escolha das condições físicas do lugar em que deveria funcionar o prédio


escolar, condições topográficas, climáticas, sanitárias, de ventilação, de salubridade, de
aglomeração urbana, todos esses critérios são relevantes quando se percebe que:

[...] o prédio escolar é uma das manifestações da cultura de uma sociedade,


um signo portador de mensagens e, sobretudo, capaz de orientar os sistemas
de classificação de escolas que os indivíduos utilizam para julgar as
instituições de ensino. Assim sendo, necessário se faz que se conheçam
alguns códigos utilizados em arquitetura como forma de ilustrar a existência
de uma linguagem arquitetônica, bem como mostrar que esta tem sido,
muitas vezes, intencionalmente utilizada pelos arquitetos para atender
finalidades diversas. (SALES, 2000, p. 36).

A arquitetura escolar, particularmente a da Escola Doméstica, como elemento


que, em dado tempo, integra-se ao cenário de uma cultura escolar vigente pode ser tomada
como referência a já citada Lei n.° 405, de 1916, do Estado do RN, onde destacamos o artigo
n.° 204, do título IX, na parte que trata da higiene escolar, especificando:

Art. n.° 204. A inspecção medico-sanitaria das escolas e estabelecimentos


de ensino será feita pela inspectoria de Hygiene do Estado e seus delegados,
tanto na capital, como nas localidades do interior, comprehendendo os
estabelecimentos publicos e particulares e tendo por fim:
a) A indicação das medidas hygienicas e administrativas quanto á situação e
construcção dos edificios escolares.
b) A escolha, de accordo com a directoria geral da instrucção publica, do
mobiliario escolar, das posições e attitudes escolares, bem como a
disposição dos materiais de estudo, das horas de aula, dos recreios e
exercicios physicos. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 97).

A Escola Doméstica de Natal não se eximiu diante de tais exigências. A


importância da higiene física no provimento mobiliário racionalmente higiênico, bem
iluminado, ventilado foram aspectos relevados, numa tentativa de prevenir o ambiente escolar
contra prováveis acidentes graves, reorganizando racionalmente as práticas escolares (nos
horários de funcionamento, inspeção, programas de ensino...), confluindo para o atendimento
de novas formas de regulação social típicas do mundo capitalista em crescimento, do
despontar de um processo de industrialização que exigia um novo modelo de formação do
indivíduo e de organização social, cultural e econômica.
271

É preciso entender também que são os códigos peculiares a cada edificação


que irão indicar e orientar o sujeito ao uso que deve ser feito do espaço arquitetado. Tomemos
o exemplo apontado por Sales (2000, p, 44) ao considerar:

Os indivíduos percebem, pela forma arquitetônica, as diferenças entre uma


igreja e uma escola. Nesse caso, a função codificou a forma, gerando signos
arquitetônicos característicos a cada uma destas edificações. Todavia,
percebem-se, também, diferenças entre edificações que desempenham
funções semelhantes. A exemplo das escolas. Nesse caso, não é a função que
as diferencia, e sim os códigos peculiares a cada tipo de edificação escolar
que orientam a sociedade a distinguir, por exemplo, um prédio de uma
escola pública de uma escola particular.

Visualizando a Escola Doméstica de Natal no seu interior, percebemos que


existiam alguns espaços que eram caracterizados e ornamentados conforme os sujeitos que
deveriam freqüentá-los. O gabinete da direção, por exemplo, era composto por um espaço
discreto, sem muitos móveis, contendo alguns objetos como livros que davam ao espaço
ocupado ares de simplicidade, ordem, disciplina, conhecimento e intelectualidade.
272

FOTO 30 – Gabinete da diretoria da Escola Doméstica de Natal, 1914.


Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Compreendemos que os códigos peculiares a cada edificação é que orientam o


sujeito quanto ao uso que deve ser feito do espaço arquitetado e tomemos como exemplo a
sala da diretoria, onde as discentes sabiam que deveriam entrar nela quando fossem
solicitadas, com a devida permissão da diretora; assim como o pátio, os corredores e os
laboratórios que deveriam ser ocupados quando a sineta da escola ou a (o) professora (o)
indicassem o momento adequado para o seu uso.
Nesse sentido, também concordamos com Sales (2000) em considerar que os
indivíduos assimilam as diferenças entre um espaço e outro, apropriando-se de alguns signos
arquitetônicos que os faz entender suas funções singulares, ou seja, o papel que cada um
ocupa em situações diferenciadas.
Com base nesse entendimento apontado por Sales (2000), queremos esclarecer
que os idealizadores da Escola Doméstica de Natal pensaram numa instituição que obedecesse
a certos preceitos de educação moderna, de racionalidade e de estética. Os espaços deveriam
273

adequar-se a esses princípios, por isso a importância em organizar as salas com boa
iluminação, ar puro, asseadas, amplas, condizentes com as novas tendências pedagógicas, de
forma a inspirar nas alunas o gosto pelas atividades ao ar livre, pela natureza, a contemplação
natural e estética da paisagem e gosto pelo ensino ativo, seguindo-se também as orientações
da legislação em vigor na época, a lei n.° 405 de 1916, no seu capítulo III, art. 9, que
especifica:

Art. 9. Os estabelecimentos de ensino serão creados pelo governo do Estado,


que lhes determinará a natureza, no acto de creação, e funccionarão em
prédios especialmente construídos, ou adaptados, obedecendo ás regras
communs da hygiene das habitações e dotados de material escolar e
pedagógico que for necessário (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 40) .

Os prédios escolares deveriam, portanto, apresentar solidez e sobriedade, bem


como, no geral, serem construídos próximos às zonas centrais das cidades, destacando-se
ainda a busca pela racionalidade e funcionalidade nas suas edificações para comungar com os
padrões higiênicos do período.
Os espaços arquitetados da Escola Doméstica de Natal, portanto, perseguiram
essas idéias e, nesse sentido, a escola conseguia, na sua materialidade, expressar valores e
simbologias que tinham significados disciplinadores e educativos para quem a freqüentava. O
prédio escolar tido pois, como monumento histórico vinculado à base material da instituição
escolar, muito tem a dizer sobre a história da escola, transformando-se em
documento/monumento que deixa marcas de um tempo.
274

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na construção deste trabalho, algumas inquietações e desafios foram surgindo.


Pesquisar sobre a Escola Doméstica de Natal não foi tarefa fácil principalmente devido à
grande dificuldade que tivemos em localizar alguns documentos que considerávamos
importante para a reconstituição das práticas cotidianas da instituição pesquisada.
Sabemos da utopia em se chegar a uma possível verdade absoluta dos
acontecimentos, mas, na postura de pesquisadora, priorizamos no trabalho a busca constante
da aproximação dos acontecimentos, por isso entrelaçamos durante a construção da pesquisa a
análise de documentos oficiais, registros fotográficos de acervos particulares e o depoimento
de algumas pessoas que estudaram na Escola Doméstica de Natal. Esse entrelaçamento
possibilitou um maior entrecruzamento de informações, bem como uma maior aproximação
com a realidade vivida. Ao final da pesquisa, tínhamos um desenho da escola que nos ajudou
a compreender a instituição no seu tempo, na sua singularidade, na sua história.
Tentar compreender a cultura escolar da ED implicou, desde os primeiros
momentos da investigação, dar um mergulho no interior da escola, conhecendo-a por dentro.
Sabíamos desde o início que essa busca seria um grande desafio, pois requeria não apenas
descrever o que os documentos oficiais tinham a nos dizer, mas também nos levava a penetrar
em outros universos de leitura, como cadernos de ex-alunas, anotações de aula e também o
diálogo com ex-alunas, ex-professoras enfim, esmiuçar as possibilidades de informação que
desenhassem os contornos da escola no seu cotidiano.
Assolou-nos algumas dúvidas quando trouxemos para o corpo do trabalho
registros, a exemplo dos fotográficos, pois nem todos apresentavam visibilidade ideal em
termos de cor e preservação de imagem para compor um trabalho acadêmico. No entanto, os
trouxemos para o corpo do texto escrito com algumas ressalvas, pois diante da dificuldade em
conseguirmos algumas imagens da época, o pouco a que tivemos acesso foi utilizado com a
finalidade de esclarecer alguns acontecimentos da escola e evidenciá-los através de uma
imagem concreta.
Outra inquietação conjugada à anterior diz respeito aos locais onde as fontes
encontram-se resguardadas. Em sua maioria as fontes estão arquivadas na própria instituição
pesquisada que sempre primou por deixar um legado histórico testemunho de grandes
275

acontecimentos considerados importantes a serem memorados. Essa realidade nos fez pensar,
desde os primeiros momentos da pesquisa, em dedicar minucioso cuidado na seleção e
interpretação dos documentos históricos disponíveis na escola pesquisada, para não mergulhar
em incoerências com os propósitos definidos anteriormente quando elegemos os objetivos de
pesquisa. Neste sentido, uma grande dificuldade que permeou a tese foi entrelaçar as
informações contidas em fontes diversificadas (fotografias, depoimentos, documentos
escritos...) para conseguirmos aproximações que mais consideramos coerentes com os
acontecimentos da época vivenciados pela Escola Doméstica de Natal.
Por não percebermos os arquivos enquanto espaços neutros, mas lugares
impregnados de sentido e de interesses particulares, temos a compreensão que cada instituição
determina os documentos que deve guardar, assim como seus interesses determinam o que
deve ser levado a público como memória, em dado momento histórico. Sendo assim, tivemos
bastante cuidado na seleção e análise dos documentos do acervo da Escola.
Ainda consideramos que não bastou apenas se limitar à análise crítica das
fontes; houve necessidade de percebê-las mais essencialmente como produção sistemática da
memória. Colocar em prática o ofício do pesquisador, o de vasculhar os arquivos, separar,
delimitar, buscar, analisar as fontes, foi um ato árduo, difícil durante a pesquisa. Comparação
aproximada pode ser feita ao ofício do tecelão que tece panos, utiliza teares, que precisa
inicialmente separar o material a ser usado, os fios, as cores e regularmente aproximá-los,
urdindo, preparando, engendrando, até compor, lindos tecidos, formando um todo composto
de vários fios que se entrelaçam e unem-se durante a sua produção.
Nos fios que se entrelaçavam e se uniam, encontramos e reencontramos o
objeto de estudo, sabendo que é inconcebível uma produção histórica totalmente fechada com
verdades absolutas, afinal não se pretendeu criar novos dogmas a respeito do que foi e
representou a instituição que investigamos, a Escola Doméstica de Natal. Também não
percebemos a escola como objeto predeterminado, fabricado, pronto e acabado, por sua
função e sua finalidade particular. Não tivemos essa visão com relação à instituição, por isso a
persistência em buscá-la além das ‘verdades’ já ditas sobre sua história, penetrando no seu
universo de práticas ainda possíveis de serem desvendadas quando vistas sob outros aspectos
de sua trajetória.
Nossa tese não se limitou à narração e análise sobre a ED apenas com relação
aos fatos notáveis ocorridos na instituição, pois acreditamos que apreendíamos mais sobre o
objeto se percebêssemos seus percalços, anseios e perturbações.
Na escrita da tese, destacamos o cenário histórico do Brasil e da cidade do
276

Natal, do início até meados do século XX, como lugares que passavam por transformações
significativas no seu desenvolvimento econômico, social e educacional. Constatamos que
essas mudanças ocorreram nos diversos Estados do país de forma diferenciada, fracionada,
sem seguir um modelo único de estruturação e ordenamento, mas conforme as peculiaridades
locais de cada Estado ou cidade. Particularmente, no âmbito educacional, tentamos no
decorrer do nosso trabalho destacar que essas mudanças processaram-se conforme o ritmo
sócio-econômico e cultural de cada localidade, não havendo um único modelo de
organização, mas sim em vários: essas mudanças que acompanharam também os movimentos
de ordenamento e desenvolvimento de outras cidades do país e do mundo.
Consideramos importante ressaltar como o projeto renovador da educação
interagiu com diferentes culturas e regiões do país. A sua dimensão, como pudemos perceber,
não foi a mesma para todos os Estados do Brasil e nem poderia ter sido porque a própria
realidade cultural e econômica de cada um impunha e exigia uma proporção diferente. O que
vislumbramos numa análise macro é que, no início do século XX, o discurso pautado na
necessidade e possibilidade de entrada do país no mundo da modernidade solicitava medidas
emergentes que provocassem mudanças em vários setores: social, econômico, político, e
dentre esses o setor educacional, buscando a unificação e modernização do sistema nacional
de ensino, tentando romper com a fragmentação das reformas educacionais.
Essa compreensão surgiu quando analisamos os acontecimentos históricos e os
vislumbramos como processos não lineares e estáveis, não repetitivos e estanques, não
similares e isolados, mas sim plurais, dinâmicos, instáveis, complexos e diferenciados. Essa
dinâmica do olhar nos proporcionou estudar os acontecimentos como construções
entremeadas de idas e vindas, onde as rupturas que ocorreram no decorrer do tempo e espaço
apresentaram peculiaridades locais e específicas, dependendo de sua organização e dos
sujeitos que nele atuaram e atuam através de ações e idéias, posto que a história, sendo
dinâmica, é constituída de diversidades nas formas de pensar e fazer continuamente.
Refletir sobre essas questões teóricas nos fez pensar na Escola Doméstica
como uma singularidade própria da cidade do Natal, mas também como um fruto de
referências culturais mais gerais da época, tanto da cidade, como do país e do mundo. Nesse
sentido, no contexto da singularidade da cidade do Natal/RN (local ainda pouco expressivo
em termos de desenvolvimento econômico e social, no início do século XX) nos deparamos
com uma realidade educacional que apesar de não estar isolada dos acontecimentos mais
globais do país, apresentou algumas especificidades típicas do seu dinamismo e dos sujeitos
que nela se moviam. Podemos destacar como exemplo as idéias que circularam e foram
277

debatidas por alguns intelectuais da cidade, particularmente os formadores da Liga de Ensino


do Rio Grande do Norte (LERN). Foram idéias que contribuíram para a criação de uma
instituição educativa como a Escola Doméstica, enquanto lócus difusor de pensamentos
considerados avançados para o seu tempo, fazendo parte de sua proposta de modelo
curricular, especificamente no que dizia respeito à educação feminina.
Esse projeto educacional criado pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte,
abrangente e pretensioso, não vingou, pois foi pensado para ser posto em prática não só em
Natal como também em outras cidades do país. Compreendemos que isso aconteceu por
vários motivos, dentre os quais a ausência de recursos financeiros para que a LERN pudesse
operacionalizar projeto de expansão de escolas femininas semelhantes ao da Escola
Doméstica de Natal. A tentativa de unificar e remodelar as escolas de educação feminina do
Estado do Rio Grande do Norte exigia vastos recursos financeiros para a estruturação da parte
física e de recursos humanos. Esses maiores investimentos seriam difíceis de serem
operacionalizados numa realidade educacional como a do Brasil no início do século XX,
quando tínhamos uma carência de escolas públicas, assim como um elevado percentual de
analfabetos que mais precisavam de instituições públicas de ensino para democratizar o saber
do que a expansão de escolas privadas.
Em nossa análise, um dos motivos que ocasionou o insucesso desse
empreendimento foi o fato de a mudança ensejar uma realidade escolar e econômica não
existente no período, ou seja, a remodelação das escolas femininas com base no modelo da
Escola Doméstica supunha a existência de escolas com recursos físicos e humanos preparados
para lidar com o currículo de modelo suíço, bem como um consistente aparato estrutural por
parte do governo para o financiamento dessas escolas. A condição real do funcionamento das
escolas, na época, na cidade do Natal, exigia a intervenção do governo do RN mais no sentido
de expansão do sistema educacional, pela própria carência de escolas públicas no período, do
que a criação de novos modelos de ensino. Esse foi um dos problemas não considerado nos
discursos da LERN e, particularmente nas propostas de Henrique Castriciano de Souza para a
educação norte-rio-grandense.
O conceito de cultura escolar que utilizamos como um dos pilares teóricos da
pesquisa possibilitou refletir sobre os múltiplos saberes e dispositivos que presidiram a
constituição de uma cultura escolar moderna na Escola Doméstica de Natal, a exemplo da
produção de um currículo para divulgar modos de vida civilizados na escola, divulgar noções
de higiene, proporcionar padrões de eficiência e racionalidade elaborada pelos médicos
higienistas através de práticas disciplinadoras aplicadas aos modos de vestir, alimentar,
278

comportar e agir das docentes e discentes.


A tese central discutida nesta pesquisa buscou evidenciar que a estrutura
curricular da Escola Doméstica de Natal e a efetivação de suas práticas educativas, no cenário
de modernidade das primeiras décadas do século XX, buscaram um ideário de educação nova
que transpusesse a realidade educacional vigente na cidade e em grande parte do país, no
sentido de pôr em prática saberes ainda não vivenciados pelos sujeitos, particularmente o
feminino (uma vez que a escola era prioritariamente voltada para a formação da mulher),
conforme as instituições escolares existentes.
Nesse sentido, perseguimos a idéia que a Escola Doméstica de Natal criada
com base num modelo escolar existente na Europa, ao ser trazida para a cidade do Natal,
inovou com o seu modelo escolar e práticas educativas, trazendo à discussão alguns conceitos
trabalhados pelas docentes da Escola no âmbito de um projeto de modernidade, como os que
tratavam das relações teoria e prática, escola e vida, conhecimento e ciência, saberes
domésticos e racionalidade, higiene e educação, intelectualidade e moralidade, evidenciando-
os como partes complementares que deveriam ser tratadas de forma associada.
Além das discussões teóricas proporcionadas ao seu corpo discente e docente,
a Escola também trouxe inovações práticas ao propor uma nova forma de organização do
espaço doméstico principalmente no local onde se realizava a arte culinária: a cozinha.
Ressaltamos a importância dessa prática num momento em que a mulher natalense ainda não
estudava em cursos públicos, isto é, fora do lar, ou ainda não tinha uma prática que
enfatizasse a visão higiênica necessária a esse espaço da casa.
O currículo da Escola Doméstica trouxe no seu corpus algumas orientações
teóricas e práticas sobre normas higiênicas que deveriam ser aplicadas a esse cômodo:
cozinha. Uma dessas normas era o uso de azulejos claros para manter um padrão de limpeza e
claridade nesse ambiente. Fez-se presente a recomendação do uso de fogão a gás para primar
por um ambiente limpo e sem resíduos de fumaça ( dentre outros costumes) e também o uso
de determinados utensílios próprios da cozinha que, na visão da escola, seriam úteis para
preservar um padrão de conservação e usufruto dos alimentos de uma forma mais correta e
asseada.
Outra inovação que identificamos no decorrer da investigação foi a
incorporação pela Escola Doméstica da prática do basquetebol nas atividades esportivas,
quando em Natal e no Estado do Rio Grande do Norte não havia notícia de nenhuma escola
que contemplasse o uso dessa modalidade esportiva. A Escola Doméstica, portanto, foi
pioneira nessa modalidade de esporte, demonstrando naquele momento como o currículo de
279

ensino adotado diferenciava-se dos demais existentes na cidade e trazia no seu corpus uma
simbologia de modernidade.
Afora outros aspectos mencionados no corpo do trabalho, nossa atenção foi
despertada para a finalidade maior da escola: a formação educacional da mulher de forma
mais global, entrelaçando teoria e prática.
Enquanto algumas escolas do Rio Grande do Norte (desde o período anterior à
primeira República até o seu início) indicavam para o sexo feminino o estudo das prendas do
lar e alguns elementos de Aritmética, Língua Portuguesa e noções, ainda elementares e
introdutórias ao estudo das ciências naturais e humanas, a Escola Doméstica propunha desde
sua criação em 1914 através do seu currículo estudos no campo da ciência com base num
aprofundamento teórico sobre importantes temas como a infância, a culinária, os alimentos, a
medicina, a higiene, a maternidade, dentre outros discutidos num referencial que primava por
não separar a teoria da prática.
Reconhecemos também que a questão disciplinar na formação da mulher foi
um dos elementos importantes adotado no Regimento Escolar, pois a disciplina no dia- a- dia
das práticas escolares foi estabelecida por padrões de comportamentos que deveriam ser
aceitáveis no interior da instituição e, socialmente, fora dela. A ênfase na disciplina das
mulheres condizia com os padrões de comportamento estabelecidos nas finalidades da LERN
que desejava abolir quaisquer manifestações que contradissessem o padrão feminino de
comportamento, de acordo com os preceitos morais e virtuosos da sociedade e ainda preparar
essa mulher, de forma que ela se diferenciasse, socialmente, nas suas ações, nos gestos e falas,
na sua postura, educação, valores culturais. A ED precisou privilegiar determinados
dispositivos e saberes no currículo escolar (a exemplo das aulas sobre etiqueta, cultura física
) que se conformassem com o modelo de educação feminina desejada.
Isso indicava que a Escola Doméstica de Natal primou historicamente pela
formação do ser, onde pensar e agir estivessem relacionados, no sentido de moldar atitudes,
palavras e gestos, consubstanciados numa forma específica de formação da mulher, onde não
bastava à discente apenas dominar o campo do saber teórico de alguns conhecimentos, mas
também o saber moral, cívico, acompanhado da prática das virtudes e dos hábitos
disciplinares.
A escola exerceu papel fundamental na disciplinarização dos corpos tanto das
discentes quanto das docentes, sob o manto de uma educação valorativa dos princípios
moralizantes, impondo, através de um modelo de organização escolar particular e por
intermédio dos seus diversos agentes, normas, costumes, crenças, valores vivenciados no
280

cotidiano das práticas educativas, construindo uma cultura escolar própria.


A Escola Doméstica tentou explicitar através de suas práticas educativas que,
para ser mãe e uma boa dona de casa era preciso muito mais do que adquirir o domínio
prático de algumas atividades domésticas como costurar, cozinhar, lavar e passar roupa, etc.
Para exercer esse papel, a mulher necessitaria enveredar para outros campos de estudo; era
preciso dominar os saberes teóricos fundamentalmente. Era preciso estudar a ciência do lar, o
que significava para a mulher se aprofundar em conhecimentos sobre a Psicologia, a
Culinária, a Economia, dentre outros campos de estudo que dariam maior racionalidade às
suas práticas e nesse sentido, a Pedagogia ganhou um novo status, não só moralizante, mas
também de formação educacional, contribuindo para formar mulheres disciplinadas,
educadas, respeitosas e ativas administradoras do lar.
O entendimento presente em nossa análise sobre as práticas educativas da
Escola Doméstica de Natal é que o objetivo da Escola não foi apenas formar boas donas de
casa, mas, de uma forma geral, formar mulheres para um novo mundo moderno que se
descortinava. A preparação para o mercado de trabalho que exigia racionalização da mão-de-
obra, indivíduos eficientes e ativos, transpõe-se para o âmbito escolar e também familiar
onde, no segundo caso, é cobrado das mulheres um melhor empenho nas atividades do lar,
devendo, pois, aprender a administrar o seu lar, racionalizar os recursos econômicos da casa e
educar seus próprios filhos para esse novo mundo que trazia consigo princípios valorativos
próprios do modo de produção capitalista.
Esse modelo escolar ainda apresentou algumas renovações no seu currículo
atendendo às novas situações surgidas com as mudanças ocorridas no trabalho, com o
progressivo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Essa influência do trabalho na
educação pode ser presenciada particularmente na década de 40 do século XX, onde a escola
passou a enfatizar o ensinamento de alguns conteúdos que versavam sobre prendas
domésticas, correlacionando saber/fazer aos instrumentos de trabalho e de produção, sob os
slogans da eficiência e eficácia nas atividades domésticas da mulher, ou seja, organizar e
planejar melhor os afazeres para ter um rendimento mais satisfatório no dia- a- dia.
Além dessa perspectiva do trabalho, a preparação da mulher pela ED exigiu
historicamente algumas adaptações, fruto de necessidades sociais, econômicas e culturais,
como, por exemplo, a ênfase em algumas matérias sobre agricultura, leiteria, criação, com a
finalidade de atender à realidade de alunas que vinham de fazendas, engenhos e sítios
localizados no interior dos Estados e certamente deveriam conhecer a parte específica do
programa com conteúdos orientadores relacionados à vida do campo para que, ao retornar aos
281

seus lares, pudessem aplicar melhor os conhecimentos adquiridos, conforme a sua experiência
diária com alguns costumes rurais.
Desta forma, a formação da mulher exigiu um modelo de ensino pautado em
saberes pedagógicos e sociais espelhados nas Escolas Domésticas já existentes na Bélgica,
Estados Unidos, na Europa, principalmente na Suíça, voltado para um tipo de mulher
civilizada, educada, prendada e administradora dos recursos domésticos, mas a ED de Natal
foi além dessa perspectiva inicial, buscando atender à realidade local do meio rural que exigia
a adaptação de um currículo diferenciado para atender às particularidades das alunas que
vinham do interior do Estado.
Podemos aferir dessas situações históricas apresentadas pela ED que os
preceitos da chamada Pedagogia Nova já se faziam presentes no cenário norte-rio-grandense,
no modelo dessa escola, ainda que de forma não tão evidente como ocorrerá posteriormente,
particularmente na década de 20 do século XX, quando esse ideário foi fartamente divulgado
no Brasil. O Estado do Rio Grande do Norte foi apontado como palco de grandes discussões
teóricas mobilizadas por intelectuais locais, a exemplo de Henrique Castriciano de Souza,
Nestor dos Santos Lima, José Augusto de Medeiros, José Meira e Sá. e criação de projetos
educacionais inovadores que contribuíram significativamente para a compreensão de uma
nova pedagogia, mais ajustável à realidade daquele momento.
Acreditamos que a formação feminina posta em prática pela Escola Doméstica
de Natal, avançada pedagogicamente para o período no que se referia aos conteúdos de ensino
priorizados, apresentou-se numa perspectiva diferenciada em relação a algumas atribuições ao
papel feminino no seio familiar. A exacerbação dessa posição, a de educadora do lar (apesar
de corresponder a alguns costumes do período, onde a mulher deveria inserir-se em categorias
de comportamento próprias do universo feminino: afazeres do lar, cuidar dos filhos), para
Henrique Castriciano de Souza e os demais integrantes da Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte refletia um ideário de mulher para quem se abriam novas perspectivas de atuação social
e no seio familiar. Certamente, essas novas perspectivas não iriam desmistificar alguns tabus
já estabelecidos historicamente em relação ao universo feminino, mas apontaria novos
horizontes para o feminino, incutido agora do domínio teórico e prático das suas ações.
Portanto essa representação sobre o espaço social reservado à mulher trouxe
particularmente para a Escola Doméstica o engendramento de um novo saber pedagógico
proposto para uma nova concepção de mulher e, apesar de estar respaldado em visões
tradicionais do fazer feminino, tinha por objetivo formar uma mulher moderna, espelhada
num modelo europeu de educação feminina, movido pela disciplinarização do corpo, através
282

de regras, valores, normas disciplinares, condizentes com a sua filosofia de trabalho que
valorizava a tríade formação: física, moral e intelectual.
Outra grande influência no currículo da ED foi o discurso higienista do início
do século XX que penetrou incisivamente (mas, de uma forma geral) nas condições de
funcionamento da escola brasileira, intervindo diretamente no domínio pedagógico, com base
em uma pedagogia científica, assentada na fundamentação do saber médico e impondo-se
como saber necessário às condições de uma nação civilizada.
É possível perceber essas manifestações no currículo da Escola Doméstica, ao
incorporar nos saberes escolares as racionalizações preventivas, visando disciplinar a atuação
das mulheres nos âmbito escolar e social. Esses saberes seriam necessários para servir como
base à formação da mulher culta, educada. Desenvolveu-se uma modernização da abordagem
assentada numa racionalidade empirista e racionalista na escola: no controle do tempo, do
espaço escolar e nas normas de comportamento perante os objetos e sujeitos escolares.
Pensar a mulher formada pelos preceitos pedagógicos difundidos pela Escola
Doméstica foi pensar numa mulher moldada por uma educação que priorizou o conhecimento
científico em consonância com a vida prática do dia- a -dia dessa mulher, uma realidade de
vida de mulheres que advinham de grupos sociais mais privilegiados economicamente.
Esses resultados de pesquisa evidentemente conduzem a novas buscas que
podem ser posteriormente questionadas, problematizadas e investigadas por outros
pesquisadores. As apropriações feitas pelas mulheres dos saberes transmitidos pela Escola
com certeza é um outro campo de estudo sobre currículo e práticas de leitura que poderá ser
mais bem detalhado em pesquisas posteriores, bem como as representações das discentes
sobre os conteúdos apropriados e os seus usos.
A Escola Doméstica nos deixou um grande legado histórico relativo ao papel
social de instituição voltada para a educação feminina no Estado do Rio Grande do Norte.
Com certeza, o seu modelo curricular e a cultura escolar construídos naquele determinado
momento histórico possibilitaram abrir novos horizontes à educação feminina não só no
Estado, mas também em outras regiões do Brasil.
283

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setembro de 2003).
303

ANEXOS
304

ANEXO – A

ESTRUTURA CURRICULAR DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914.


305

ANEXO – B

REGIMENTO INTERNO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914.


306

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