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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA
LINHA DE PESQUISA: LETRAMENTO E CONTEMPORANEIDADE

MARIA LAURA DA SILVA

LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE DE PRÁTICAS


DESENVOLVIDAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL HOSPITALAR E DOMICILIAR

NATAL
2021
MARIA LAURA DA SILVA

LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE DE PRÁTICAS


DESENVOLVIDAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL HOSPITALAR E DOMICILIAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Estudos da Linguagem.

Área de concentração: Linguística Aplicada.


Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz.

NATAL
2021
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Silva, Maria Laura da.


Letramento profissional do professor: uma análise de práticas
desenvolvidas no atendimento educacional hospitalar e domiciliar
/ Maria Laura da Silva. - Natal, 2021.
116f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021.
Orientador: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz.

1. Linguística Aplicada - Dissertação. 2. Letramento Laboral


Docente - Dissertação. 3. Atendimento Educacional Hospitalar e
Domiciliar - Dissertação. I. Paz, Ana Maria de Oliveira. II.
Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710


BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz (UFRN)


Orientadora

Profa. Dra. Gianka Salustiano Bezerril Bastos Gomes (UFRN)


Examinadora Interna

Prof. Dra. Nádia Maria Silveira Costa de Melo (UERN)


Examinadora Externa
DEDICATÓRIA

Aos professores (as) que atuam no


Atendimento Educacional Hospitalar e
Domiciliar, e se dedicam para fazer o melhor
em prol da educação.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela força e pelo amor inexplicável que Ele exerce
sobre mim. Que o meu propósito seja servir ao próximo conforme a sua vontade.
À minha mãe Lucimar, que sempre foi a minha fortaleza e contribuiu significativamente
para que eu trilhasse o caminho do bem. Mesmo diante das dificuldades, fez o melhor que pôde
para me fazer feliz. A minha vitória é sua.
À minha vó Sofia (in memoriam), pelo exemplo de honestidade, partilha e afeto. Sinto
muito a sua falta, gratidão por tanto amor dedicado a mim.
Ao meu pai Manoel e aos meus irmãos Alexandre e Leandro, pelo carinho e apoio.
Ao meu companheiro Wanderson, pela cumplicidade, paciência e atenção. Também
estendo meus agradecimentos a toda sua família, principalmente a minha sogra Salete e a minha
cunhada Wanessa.
Ao meu amigo Roque Chianca, pela partilha das angústias e alegrias, pela leitura
atenciosa deste trabalho, por sua amizade que é muito valiosa para mim.
À minha vó Severina e à toda minha família: primos, primas, tios, tias, afilhada e
sobrinhos. Agradeço à torcida, por vibrarem com as minhas conquistas.
À minha orientadora, a Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz, a quem tenho muita
estima, desde a graduação me inspira a percorrer caminhos frutíferos na academia. Sou grata
aos ensinamentos, à paciência e à confiança dedicada a mim.
Às professoras da classe hospitalar, a contribuição de vocês foi primordial para o
desenvolvimento dessa dissertação.
Ao meu amigo Glênio (in memoriam), que repentinamente foi morar em outro plano,
mas deixou o seu exemplo de generosidade. Gratidão por ter me acolhido quando mais precisei.
À Jardiene, pelas nossas longas conversas sempre regadas de muito humor e incentivo.
Sua contribuição foi fundamental para minha chegada até aqui.
A todos do grupo Letramento Laboral, em especial à Aparecida Costa, Lindneide
Medeiros, Klébia Costa e Carlos Henrique.
À Nuna, amiga que a pós-graduação me deu. As suas palavras de conforto e motivação
ecoaram no meu coração e contribuíram para a realização desse trabalho.
Aos colegas de curso Alcione, Carolina e Gisely, vocês contribuíram muito com a
partilha de conhecimentos e com a amizade construída nesse percurso.
Ao Prof. Dr. Márcio Sales Santigo, pela oportunidade de ser aluna da iniciação científica
ainda na graduação, o que me possibilitou aprender e traçar caminhos para chegar até aqui.
À Profa. Dra. Maria do Socorro Oliveira, por ter me recebido como aluna especial e ter
compartilhado conhecimentos valiosos sobre os estudos de letramentos.
À Profa. Dra. Glícia Tinoco e ao seu grupo de estudo, pelo acolhimento e pelos
conhecimentos partilhados.
A todos os professores do PPgEL, pela grande contribuição na minha formação.
A todos os professores da graduação, ao antigo CERES, sempre será lembrado com
muito amor.
À secretaria do PPgEL, em especial a João Gabriel, que muitas vezes me ajudou,
mostrando-se receptivo sempre que precisei.
À Profa. Dra. Josilete Azevedo, por ter sido um grande exemplo de profissional durante
todo o meu percurso acadêmico e pelas contribuições feitas na qualificação desta dissertação.
À Profa. Dra. Nádia Maria Silveira, pelo cuidado direcionado a este trabalho, trazendo
observações na banca de qualificação que resultou no aprimoramento deste trabalho.
À Profa. Dra. Gianka Salustiano, pela disponibilidade em participar da banca de defesa
e, consequentemente, suas ricas contribuições.
À todas as minhas amigas que torceram por mim, em especial, Wilma, Kathiene, Paulla,
Milana, Aline Ângelo, Waniely, Aline Medeiros, Jailhane, Jária, Samantha e a minha querida
cunhada, Cibele.
À CAPES, o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento
001.
Enfim, agradeço a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para a
concretização desse trabalho.

Muito obrigada!
“Desistir... eu já pensei seriamente nisso, mas
nunca me levei realmente a sério; é que tem
mais chão nos meus olhos do que o cansaço
nas minhas pernas, mais esperança nos meus
passos, do que tristeza nos meus ombros, mais
estrada no meu coração do que medo na
minha cabeça”

(Cora Coralina)
RESUMO

As práticas de letramentos são movidas pela leitura e pela escrita e atendem a diferentes
propósitos sociais. Na ambiência da classe hospitalar, essas práticas perfazem o trabalho dos
professores com a finalidade de contribuir com as demandas escolares da criança e do
adolescente em internamento hospitalar. Nesse sentido, o estudo dessas práticas possibilita dar
inteligibilidade à constituição das atividades profissionais do professor em espaços não formais
de educação. Sendo assim, o principal objetivo deste trabalho consiste em analisar as práticas
de letramentos profissionais de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar
e Domiciliar, especificamente, em um hospital público na cidade do Natal/RN.
Metodologicamente, a investigação situa-se no âmbito da Linguística Aplicada (MOITA
LOPES, 2006; KLEIMAN, 2019), assume perspectiva de natureza qualitativa interpretativista
(MOITA LOPES,1994; BOGDAN; BIKLEN 1994; MOREIRA; CALEFFE 2006;
CHIZZOTTI, 2005), com viés etnográfico (ANDRÉ, 1995; SILVA; SILVA, 2016).
Teoricamente, esta pesquisa ancora-se nos Estudos de Letramentos (HEART, 1982; STREET,
1984, BARTON, 2000; BAYNHAM, 1995; KLEIMAN, 1995, 2005; ROJO, 2009), inclusive,
no Letramento Laboral (PAZ, 2008), nos estudos de Saúde e Psicologia (OLIVEIRA; MAIA,
2012) Escolarização Hospitalar (RODRIGUES, 2012; BEHRENS, 2014; CASTRO, 2014), e
na concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN/VOLOSHINOV ([1929] 2016; ALVES,
2016; FREIRE, 2016). A investigação foi efetuada a partir das categorias elencadas por
Hamilton (2000), que compreendem: participantes, ambiente/domínio, artefatos e atividades.
As análises apontam para a ocorrência de várias práticas de letramento profissional que o
docente atuante no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar realiza, dentre elas se
encontram a consulta ao censo, entrevista com os acompanhantes, correspondência à escola de
origem, acolhida do aluno, atendimentos nos leitos, atendimento na sala, registro do aluno e
planejamento. A Sua efetivação visa contribuir com os letramentos dos alunos-pacientes,
sobretudo o letramento escolar, levando em consideração aspectos referentes ao ambiente
hospitalar, à patologia do educando, o contexto social no qual ele está inserido, à escola de
origem, dentre outros fatores.

Palavras-chave: Linguística Aplicada; Letramento Laboral Docente; Atendimento Educacional


Hospitalar e Domiciliar.
ABSTRACT

Literacy practices are driven by reading and writing and serve different social purposes. In the
atmosphere of the hospital class, these practices make up the work of teachers with the aim of
contributing to the school demands of children and adolescents in hospital. In this sense, the
study of these practices makes it possible to give intelligibility to the constitution of the teacher's
professional activities in non-formal educational spaces. Therefore, the main objective of this
work is to analyze the professional literacy practices of teachers who work in Hospital and
Home Educational Care, specifically, in a public hospital in the city of Natal/RN.
Methodologically, the investigation lies within the scope of Applied Linguistics (MOITA
LOPES, 2006; KLEIMAN, 2019), takes a qualitative interpretive perspective (MOITA LOPES,
1994; BOGDAN; BIKLEN 1994; MOREIRA; CALEFFE 2006; CHIZZOTTI, 2005), with an
ethnographic bias (ANDRÉ, 1995; SILVA; SILVA, 2016).Theoretically, this research is
anchored in the Literacy Studies (HEART, 1982; STREET, 1984, BARTON, 2000;
BAYNHAM, 1995; KLEIMAN, 1995, 2005; ROJO, 2009), including, in Labor Literacy (PAZ,
2008), in Health and Psychology studies (OLIVEIRA; MAIA, 2012), Hospital Schooling
(RODRIGUES, 2012; BEHRENS, 2014; CASTRO, 2014), and in the dialogical conception of
language (BAKHTIN/VOLOSHINOV ([1929] 2016; ALVES, 2016; FREIRE, 2016). The
investigation was carried out from the categories listed by Hamilton (2000), which comprise:
participants, environment/domain, artifacts and activities. The analyzes point to the occurrence
of several practices of professional literacy that the teacher working in the Hospital and Home
Educational Service performs, among them are consultation of the census, interview with
companions, correspondence with the school of origin, reception of the student, assistance in
beds, room service, student registration and planning. Its implementation aims to contribute to
the literacy of student-patients, especially school literacy, taking into account aspects related to
the hospital environment, the pathology of the student, the social context in which he is inserted,
the school of origin, among other factors.

Keywords: Applied Linguistics; Teacher Labor Literacy; Hospital and Home Educational Care.
LISTA DE SIGLAS

BNCC - Base Nacional Comum Curricular


CEP/UFRN - Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
CNE/CEB – Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica
CEE/CEB/RN- Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica/ Rio Grande do
Norte
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
COVID-19 - Corona Vírus Disease 2019
EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
GELT - Grupo Estudos de Letramentos e Trabalho
HUOL - Hospital Universitário Onofre Lopes
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LA – Linguística Aplicada
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
NAEHD - Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar
Nº - Número
PNEE - Política Nacional de Educação Especial
PPgEL/UFRN - Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
PEE/RN – Plano Estadual de Educação
RN – Rio Grande do Norte
SEEC/RN - Secretaria de Estado de Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte
SUESP - Subcoordenadoria de Educação Especial
SUS – Sistema Único de Saúde
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UTI - Unidade de Terapia Intensiva
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação dos primeiros passos da pesquisa......................................................21


Figura 2: Imagem da fachada do Hospital Universitário Onofre Lopes...................................28
Figura 3: Imagem interna da brinquedoteca..............................................................................30
Figura 4: Parte inicial do mural.................................................................................................31
Figura 5: Parte final do mural....................................................................................................31
Figura 6: Atividade realizada nas dependências do setor pediátrico.........................................32
Figura 7: Representação dos instrumentais de pesquisa............................................................33
Figura 8: Representação dos participantes da classe hospitalar................................................61
Figura 9: Aula na brinquedoteca com vista para frente da sala................................................66
Figura 10: Aula na brinquedoteca com vista para o interior sala..............................................67
Figura 11: Atendimento no leito...............................................................................................69
Figura 12: Apresentação de atividades desenvolvidas pelas professoras.................................71
Figura 13: Relatório parte 1......................................................................................................74
Figura 14: Relatório parte 2......................................................................................................75
Figura 15: Relatório parte 3......................................................................................................76
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Normas de transcrições adotadas.............................................................................36


Quadro 2: Corpus da pesquisa..................................................................................................38
Quadro 3: Elementos constitutivos de eventos e práticas de letramento..................................39
Quadro 4: Desenvolvimento, crises e hospitalização................................................................51
Quadro 5: Práticas de letramentos e propósito social.............................................................................84
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 13
2 OS CAMINHOS DA PESQUISA................................................................................. 18
2.1 PRIMEIROS PASSOS DA PESQUISA ....................................................................... 18
2.2 A INSERÇÃO DA PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGUÍSTICA APLICADA ...... 22
2.3 NATUREZA DA PESQUISA ........................................................................................ 24
2.4 OBJETO DE PESQUISA ............................................................................................... 26
2.5 O CENÁRIO DA PESQUISA ........................................................................................ 27
2.6 AS PARTICIPANTES ................................................................................................... 32
2.7 INSTRUMENTAIS DE PESQUISA ............................................................................ 32
2.7.1 Observação participante .............................................................................................. 34
2.7.2 Notas de campo ............................................................................................................. 35
2.7.3 Entrevistas semiestruturadas ...................................................................................... 35
2.7.4 Gravação e transcrição de áudios ............................................................................... 36
2.7.5 Fotografias..................................................................................................................... 37
2.8 O CORPUS DA PESQUISA .......................................................................................... 38
2.9 CATEGORIAS DE ANÁLISE ...................................................................................... 39
3. APORTES TEÓRICOS DA PESQUISA .................................................................... 40
3.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DA LINGUAGEM ......................................................... 40
3.1.1 Os gêneros do discurso.........................................................................................................42

3.2 ESTUDOS DE LETRAMENTOS ................................................................................. 42


3.3 LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR DA CLASSE HOSPITALAR . 45
3.4 AFINAL, O QUE É A CLASSE HOSPITALAR?......................................................... 47
3.5 LETRAMENTO E SAÚDE: A ESCOLA NO CONTEXTO HOSPITALAR .............. 50
4 LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE DE
PRÁTICAS DESENVOLVIDAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
HOSPITALAR E DOMICIAR ............................................................................................. 55
4.1 O TRABALHO DO PROFESSOR DA CLASSE HOSPITALAR ................................ 55
4.2 PARTICIPANTES ......................................................................................................... 57
4.2.1 Letramentos necessários à atuação do professor da classe hospitalar .................... 62
4.3 AMBIENTE E DOMÍNIO ............................................................................................. 64
4.4 ARTEFATOS ................................................................................................................. 72
4.5 ATIVIDADES ................................................................................................................ 79
4.6 ALGUMAS DISCUSSÕES A RESPEITO DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTOS .. 84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 88
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 91
13

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O período de internamento hospitalar, levando em consideração a gravidade patológica


do paciente, pode impor um tempo prolongado de isolamento, fazendo com que esse paciente
se distancie das suas atividades cotidianas básicas. Nesse período de recuperação da saúde, o
afastamento das práticas de leitura e escrita pode implicar na perda de conteúdos importantes
para a formação do indivíduo, principalmente, para crianças e adolescentes.
Em 1994, foi publicado pelo Ministério da Educação (MEC), um documento
denominado “Política Nacional de Educação Especial” (PNEE) que define a classe hospitalar
como um “Ambiente hospitalar que possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens
internados que necessitam de educação especial e que estejam em tratamento hospitalar.”
(BRASIL, 1994, p. 20). Além desse documento, vários outros estabelecem o direito da criança
e do adolescente à escolarização, a exemplo da Constituição da República Federativa do Brasil,
no artigo 205, o qual dispõe sobre a educação como direito de todos e dever do Estado e da
família.
Dessa forma, ao se tratar da criança e do adolescente no período de internação
hospitalar, as atividades educacionais implementadas nesse ambiente tendem a viabilizar a
integração e reintegração dos pacientes nas atividades escolares, contribuindo com os
letramentos desses indivíduos, bem como para a diminuição das desigualdades sociais.
No Rio Grande do Norte (RN), interessa-nos o trabalho que vem sendo realizado na
cidade do Natal/RN, na unidade pediátrica do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL),
denominado de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar. Esse atendimento é
implementado pela Secretaria de Estado de Educação e da Cultura do RN (SEEC/RN),
desenvolvido pela Subcoordenadoria de Educação Especial (SUESP), vinculado ao Núcleo de
Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar (NAEHD).
O principal objetivo do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar consiste em
dispor de classes hospitalares e domiciliares para auxiliar crianças e adolescentes no
desenvolvimento das atividades escolares em períodos de internamento, contribuindo assim
para a minimização da repetência e da evasão escolar durante o período de afastamento social
devido à condição de saúde dos alunos-pacientes.
Nesse sentido, as classes hospitalares buscam minimizar o impacto provocado pela
ausência do aluno-paciente à escola regular, ao lhe oportunizar esta vivência na sala hospitalar,
com profissionais capacitados para o desenvolvimento das atividades escolares da educação
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básica. Diante disso, há uma ressignificação no trabalho do professor e no comportamento do


aluno, pois os docentes precisam adaptar suas práticas e seu fazer pedagógico às necessidades
dos pacientes e do cenário de atuação, e as crianças e os adolescentes, por sua vez, carecem, em
virtude do processo de adoecimento, de retomar as suas atividades habituais de estudo durante
o internamento.
Posto isso, torna-se necessário compreender como os docentes que atuam no ambiente
hospitalar pediátrico desenvolvem suas atividades, tendo vista que os eventos e práticas de
letramentos são executados em ambiente divergente do habitual, necessitando de readequações,
de procedimentos diferenciados da parte desses profissionais para atender às especificidades
escolares dos alunos e do lócus em que atuam.
O nosso interesse por estudar essa questão advém da época em que atuamos em projetos
de extensão na brinquedoteca hospitalar de um hospital público no interior do Estado, no
período de aproximadamente dois anos. Nesses projetos, implementamos diferentes atividades
lúdicas para crianças e adolescentes em internamento hospitalar, por meio de projetos que
interligavam a universidade e o hospital. Nesse espaço de tempo, foi possível perceber a
importância das práticas de letramentos nesse ambiente e a necessidade de estudá-las em
pesquisa.
Somando-se a esse fato, podemos também mencionar o nosso primeiro contato na
graduação em Letras com os gêneros acadêmicos, durante as aulas da disciplina de Produção
de Textos III. À época, a professora regente, focalizou na elaboração de projetos de pesquisa,
dando-nos a oportunidade de produzir o referido gênero e proporcionando-nos a possibilidade
de darmos os primeiros passos no tocante à geração de dados. Nesse sentido, por já estar
vinculada ao contexto hospitalar, por meio do projeto de extensão proposto, a nossa primeira
iniciativa foi direcionar o nosso estudo aos letramentos desenvolvidos na brinquedoteca
hospitalar. Posteriormente, houve uma aguçada curiosidade de nossa parte em compreender
como os profissionais da educação, especificamente os professores, exerciam o seu trabalho no
ambiente hospitalar.
Em razão disso, ao ingressarmos no curso de mestrado, nosso intento foi pesquisar como
os profissionais da educação trabalham de forma efetiva no espaço hospitalar, observando como
ocorre o letramento escolar nesse ambiente, levando em consideração que, de acordo com a
Cartilha dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados, promulgada em 1995 pelo
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), através da
resolução nº 41, toda criança e adolescente hospitalizados possuem o direito de participar de
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programas que proporcionem educação para a saúde e acompanhamento do currículo escolar,


e também direito à recreação.
Diante desse interesse, a priori, os nossos objetivos buscavam compreender como as
aulas do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar poderiam impactar a vida dos
educandos hospitalizados, a partir do nosso contato com esses participantes. Na prática,
entretanto, não foi possível concretizar esse intento, haja vista que a ocorrência da pandemia
por COVID-19 e, consequentemente, o longo período de afastamento social inviabilizaram a
realização da investigação nessa perspectiva.
Assim sendo, tivemos de redefinir nossos objetivos e questões iniciais de pesquisa,
modificando, também, os procedimentos metodológicos a serem adotados com vistas a atender
às demandas do momento. Antes da pandemia, havíamos pensado em realizar a observação das
aulas ministradas, com o intuito de perceber in loco as rotinas e o desenvolvimento das práticas
e eventos de letramentos vivenciados pelos alunos-pacientes no referido atendimento, inclusive,
a atuação dos professores.
Com a chegada da pandemia, em março de 2020, em pouco tempo o vírus se expandiu
e elevou os índices de contaminação no Brasil. Nesse sentido, foi declarado o distanciamento
social e, com efeito, o fechamento das escolas e demais instituições, cujas práticas presenciais
poderiam ampliar ainda mais os altos índices de contágio. Dessa forma, o Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar também foi suspenso. No entanto, antes disso,
conseguimos realizar duas visitas ao HUOL, as quais foram de considerável relevância para a
nossa compreensão acerca da dinâmica do ambiente e, consequentemente, para uma melhor
compreensão dos dados da pesquisa.
Nos meses posteriores, o vírus continuou avançando, possibilitando que somente as
atividades essenciais fossem realizadas, impossibilitando a execução de quaisquer pesquisas
que demandasse contato físico entre participantes, por razão da contaminação. Por
consequência, muitas atividades começaram a ser desenvolvidas de forma emergencialmente
remota (síncrona/assíncrona), ou seja, por meio da utilização das mídias digitais conectadas à
internet. Diante disso, tivemos de lançar mão de videoconferências para dar andamento à
investigação, mais precisamente, para realizar entrevistas com os participantes: os professores
do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar.
Esse período de isolamento social nos possibilitou pensar várias questões sobre a
importância do atendimento educacional nas classes hospitalares, em especial, com relação à
atuação do professor nesse ambiente. Com isso, procuramos compreender como esses
profissionais atuam nas classes hospitalares, considerando a importância desse atendimento
16

para os alunos-pacientes, inter-relacionando aos Estudos de Letramentos, com vista às práticas


de letramentos desenvolvidas pelos docentes ao atuarem nas classes hospitalares.
Diante do exposto, elegemos como ponto de partida as seguintes questões:
a) Como se desenvolve o trabalho dos professores que atuam no Atendimento Educacional
Hospitalar e Domiciliar do HUOL?
b) Quais letramentos são necessários à realização desse trabalho docente?
c) Em que domínio ocorre as práticas de letramentos desse atendimento?
d) Quais as práticas de letramentos desenvolvidas por esses docentes no ambiente
profissional?
A partir dessas indagações, estabelecemos como objetivo geral analisar as práticas de
letramentos profissionais de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e
Domiciliar com base nas categorias de Hamilton (2000), que compreendem: participantes,
ambiente/domínio, artefatos e atividades.
Para tanto, estabelecemos os seguintes objetivos específicos:
 Caracterizar os professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e
Domiciliar;
 Mapear os letramentos necessários à atuação desses profissionais;
 Descrever o domínio em que se insere o atendimento educacional hospitalar;
 Identificar as práticas de letramentos dos professores em atuação no referido
atendimento.
A relevância deste estudo consiste nas suas contribuições às discussões acadêmicas
acerca do trabalho docente, especialmente, daqueles desenvolvidos no Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar. Outro ponto pertinente está relacionado à visibilidade do
trabalho realizado na referida classe hospitalar, com foco nas práticas de letramentos inerentes
à atuação do professor no referido atendimento.
A realização do presente trabalho encontra-se ancorada metodologicamente nos
trabalhos de Gil (2008), Bodgdan e Biklen (1994), Moreira e Caleffe (2006), Chizzotti (2005)
e Gressler (2003), seguindo em uma perspectiva de investigação de natureza qualitativa
interpretativista (MOITA LOPES, 1994). Em face de seus aspectos inter/transdisciplinaridade,
situa-se no âmbito da Linguística Aplicada ancorando-se nos conceitos de Moita Lopes (2006)
e Kleiman (2019).
Teoricamente, fundamentamo-nos na concepção dialógica da linguagem:
Bakhtin/Voloshinov ([1929] 2016), Alves (2016), Freire (2016); nos Estudos de Letramentos:
Kleiman (1995), Freire (1983), Heath, (1982), Street (1984), Oliveira, Tinoco e Santos (2014),
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Rojo (2009), Baynham (1995), Barton (2000) e Hamilton (2000); incluindo o Letramento
Laboral: Paz (2008); na Psicologia e Saúde: Oliveira e Maia (2012); e, na Escolarização
Hospitalar: Rodrigues (2012), Behrens (2014), Castro (2014), Santos e Souza (2014) e Luckesi
(2000).
Em termos composicionais, esta dissertação organiza-se em cinco seções, sendo a
primeira, essa ora apresentada, a qual contempla as considerações iniciais, incluindo o contexto
inicial da pesquisa, as indagações, os objetivos e a sua relevância.
Na segunda seção, elencamos os caminhos da pesquisa sendo eles: os primeiros passos
da pesquisa, a inserção da pesquisa no âmbito da Linguística Aplicada, a natureza da pesquisa,
o objeto de pesquisa, o cenário, as participantes, os instrumentais de pesquisa, o corpus da
pesquisa e as categorias de análises.
Na terceira seção, tratamos dos aportes teóricos, objetivando discutir a concepção
dialógica da linguagem, os gêneros do discurso, os estudos de letramentos, o letramento
profissional do professor da classe hospitalar, o que é a classe hospitalar, e letramento e saúde:
a escola no contexto hospitalar.
Na quarta seção, trazemos as análises a partir das discussões sobre o trabalho do
professor da classe hospitalar, focalizando em: participantes, ambiente e domínio, artefatos,
participantes, letramentos necessários à atuação do professor da classe hospitalar, e algumas
discussões a respeito das práticas de letramentos.
Por último, temos as considerações finais, que se constitui pela retomada dos nossos
objetivos a fim de perceber se foi possível responder às questões estabelecidas. Além disso,
apresentamos as nossas considerações acerca das práticas de letramentos desenvolvidas pelas
professoras da classe hospitalar, com o intuito de observar a importância delas como prática
social.
Diante do exposto, pretendemos destacar neste trabalho a importância das práticas de
letramentos para o fazer profissional do professor, o qual estabelece uma reflexão sobre o seu
próprio modo de fazer, e com isso permite-nos observar os elementos que constituem esses
modos, sendo eles designados para além da formação acadêmica desses profissionais.
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2 OS CAMINHOS DA PESQUISA

Nesta seção, apresentamos o percurso metodológico trilhado na construção da


investigação proposta. Para tanto, destacamos os seguintes pontos: os primeiros passos da
pesquisa; a sua inserção no âmbito da Linguística Aplicada; a natureza da pesquisa; o objeto de
estudo; o cenário da investigação; as participantes; os instrumentais de geração de dados e o
corpus da pesquisa.

2.1 PRIMEIROS PASSOS DA PESQUISA

Esta investigação teve início em 2019, período inicial de nossa inserção no Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), a nível de mestrado, na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A duração do curso consistia em dois anos, mas
houve prorrogação por não ser possível gerar os dados no tempo previsto no cronograma
submetido ao Programa, haja vista que a pandemia ocasionada pela doença COVID-191
contribuiu para o atraso na pesquisa.
No primeiro ano do Curso, foram possíveis estabelecer etapas importantes para o
desenvolvimento da pesquisa. Vale ressaltar que nesse período, geralmente, cumpre-se as
disciplinas oferecidas pelo programa, de acordo com a linha de pesquisa de cada
discente/pesquisador.
Como forma de programação inicial para prosseguimento à investigação, estabelecemos
quatro etapas principais para o direcionamento da pesquisa, sendo elas: estabelecimento de
contato com as profissionais participantes da pesquisa, levantamento de pesquisas sobre a
temática proposta, submissão do projeto ao Comitê de Ética (CEP/UFRN/HUOL), e
participação em eventos relativos à classe hospitalar e aos Estudos de Letramentos.
Antes mesmo de fazermos parte do programa de pós-graduação, foi de extrema
importância saber se as professoras que trabalham na classe hospitalar do HUOL estariam
dispostas a participar da pesquisa, bem como se seria possível realizar pesquisa naquele
ambiente. Nesse sentido, após visitas e havendo respostas positivas da parte delas, o projeto foi
iniciado. Sendo assim, o primeiro passo, logo após a nossa aprovação na seleção do programa,

1
Conforme o Ministério da Saúde, A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-
CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com
a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser
assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20% dos casos detectados requer
atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem
necessitar de suporte ventilatório.
19

diz respeito à reunião com essas profissionais, na oportunidade levamos a documentação a ser
assinada, quanto à autorização delas em participar espontaneamente da investigação e, com
efeito, apresentamos os nossos objetivos e as peculiaridades de nossa pesquisa.
O segundo passo diz respeito ao levantamento de pesquisas relacionada à temática
proposta no que tange os aspectos dos Estudos de Letramentos e o trabalho do professor da
classe hospitalar. Para tanto, reunimos o maior número de estudos voltados ao fazer profissional
do professor da classe hospitalar, a exemplo da pesquisa realizada por Rodrigues (2012),
pesquisadora e professora de cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Sua pesquisa resultou no livro “classes hospitalares: o espaço pedagógico nas
unidades de saúde”. No livro são elencados tópicos imprescindíveis para nossa investigação,
tais como os capítulos: “a formação do pedagogo e licenciados de outros cursos para atuação
na classe hospitalar”, “aspectos legais e históricos dos processos de escolarização em hospitais”,
“práticas pedagógicas diferenciadas”, dentre outros.
Embora a temática seja importante, encontramos poucos trabalhos vinculados aos
Estudos de Letramentos. Ao digitarmos no Google Acadêmico o título: “letramento profissional
do professor da classe hospitalar”, os trabalhos que mais correspondem ao tema são os trabalhos
intitulados: “caminhos para o letramento na educação hospitalar”, “reflexões sobre a formação
do docente da classe hospitalar do hospital infantil Nossa Senhora da Glória de Vitória (ES)”.
Ademais, há outros trabalhos que discutem a formação do professor, embora não seja explorado
no âmbito dos Estudos de Letramentos.
Nesse sentido, lançamos mão das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos
Letramento e Trabalho (GELT), idealizado e liderado pela professora doutora Ana Maria de
Oliveira Paz, tendo por objetivo suscitar leituras e reflexões sobre as práticas de escrita
observadas em ambientes de trabalho e na formação para o trabalho. Em relação às pesquisas
já realizadas no GELT, destacamos aqui a tese de doutoramento da referida professora
“registros de ordens de ocorrências: uma prática de letramento no trabalho da enfermagem
hospitalar”, de Paz (2008); a dissertação de Medeiros (2016) intitulada “letramento e trabalho:
um estudo sobre práticas de letramento de profissionais da saúde no curso de formação para
maternidade”; a tese de Costa (2019) “letramentos na construção civil: um estudo sobre as
leituras e as escritas dos técnicos de segurança no trabalho”; e, a tese de Costa (2020) que tem
como título “o gênero questionário de pesquisa do (no) IBGE: produção, usos e implicações”.
Concomitantemente, na terceira etapa, por se tratar de uma pesquisa envolvendo pessoas
e o ambiente hospitalar, foi necessário preencher todos os documentos exigidos pelo
20

CEP/UFRN2, bem como a documentação exigida pelo HUOL. Posteriormente, após alguns
ajustes e reenvio de documentos, o projeto foi aprovado pelo CEP/UFRN.
Nesse sentido, alguns documentos foram necessários, tais como: o Termo de
Confidencialidade, Termo de Autorização de Gravação de Voz e Registro de Imagens, Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, Carta de Anuência, Declaração de Compromisso Ético
de Não início da Pesquisa, Folha de identificação do pesquisador, Projeto de pesquisa na
íntegra, Cronograma detalhado, dentre outros.
No entanto, ressaltamos que a pesquisa in loco só foi iniciada após a aprovação3 dos
referidos documentos em ambas instituições, haja vista que o regimento do hospital também
exige que o pesquisador apresente toda a documentação ao comitê de ética específico do
HUOL. Sendo assim, mesmo sendo aprovado pelo CEP/UFRN, tivemos de esperar também a
aprovação do referido hospital.
Na quarta etapa, a fim de maior aprofundamento sobre o trabalho na classe hospitalar,
participamos de um evento oferecido pela UFRN, no setor de Educação. No evento foram
discutidos os seguintes temas: “experiências com narrativas, memórias e escritas de si:
perspectiva de formação coletiva para classes hospitalares e domiciliares do RN”, “pesquisa no
contexto da classe hospitalar e domiciliar: reflexões no âmbito da graduação e pós-graduação”,
“o cuidado às crianças e adolescentes com doenças crônicas”, e “crianças, escola, hospital e
autobiografismo: o desenho infantil e as narrativas de si”. Os ministrantes do evento foram
professores (as) universitários (as) que desenvolvem pesquisas sobre classes hospitalares e
domiciliares, discentes da iniciação científica, e também professores (as) que atuam diretamente
nesses ambientes.
Além disso, participamos dos eventos no âmbito dos Estudos de Letramentos, como por
exemplo o curso de extensão: “letramento e trabalho: uma panorâmica de pesquisas situadas no
domínio do fazer laboral/profissional”, promovido pelo Departamento de Educação, do
Campus Avançado prefeito “Walter de Sá Leitão”, da Universidade Estadual do Rio Grande do
Norte (UERN). Esse evento foi ministrado por docentes pesquisadores da temática em questão.

2
Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. De acordo com as suas diretrizes,
“O CEP é um órgão deliberativo, consultivo e educativo, constituído na UFRN como um colegiado interdisciplinar,
independente e de relevância pública. O objetivo do CEP é avaliar os protocolos de pesquisa envolvendo seres
humanos, enfatizando o respeito pela dignidade humana e a proteção dos indivíduos participantes de pesquisas. O
trabalho dos membros do CEP, inclusive o coordenador, é voluntário e independente, procurando defender os
interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade, contribuindo para o desenvolvimento da
pesquisa nas Instituições vinculadas dentro de padrões éticos”.
3
A documentação pode ser verificada através dos pareceres de números: 3.898.038 e 3.746.321, no site da
Plataforma Brasil.
21

Essas ações foram fundamentais para firmar o caminho metodológico do presente


trabalho. Embora alguns fatores imprevisíveis contribuíram para o atraso do processo de
geração de dados, foi possível redefinir o nosso cronograma, de acordo com a disponibilidade
das participantes e a flexibilidade do Programa.
Na figura a seguir, temos a representação dos primeiros passos da pesquisa.
Figura 1 - Representação dos primeiros passos da pesquisa

Fonte: Silva (2021)


22

2.2 A INSERÇÃO DA PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGUÍSTICA APLICADA

O trabalho do pesquisador não é uma tarefa fácil, requer, antes de tudo, um delineamento
das estratégias e métodos a serem executados a fim de melhor alcançar o seu objeto de estudo,
com a competência de dar margem ao conhecimento científico. “O que torna, porém, o
conhecimento científico distinto dos demais é que ele tem como característica fundamental a
sua verificabilidade” (GIL, 2008, p. 8). Sendo assim, procuramos lançar mão de estratégias e
instrumentais capazes de garantir a cientificidade da investigação proposta.
Esta pesquisa, situada nos Estudos da Linguagem, na ótica dos Estudos de Letramentos,
centra foco nas práticas de letramentos profissionais de professores que atuam no Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar, com vista a dar inteligibilidade ao fazer profissional
desses docentes, observando as práticas de leitura e escrita necessárias às atividades específicas
da classe hospitalar.
Diferente da escola, no ambiente hospitalar é exigido um conjunto de regras que são
fundamentais para o atendimento das demandas relacionadas ao período de adoecimento do
indivíduo, com o propósito de garantir a sua integridade em prol da saúde. Nesse contexto, os
profissionais da educação que atuam nesse ambiente, tendem a lidar com horários estabelecidos
mediante as circunstâncias do paciente, a partir de cronogramas adaptados, planejamentos
específicos, aulas direcionadas a crianças em diferentes idades, atendimentos individualizados,
dentre outros aspectos.
Dessa maneira, a pesquisa nesse ambiente exige a compreensão de questões que
transformam o ambiente hospitalar em um espaço também favorável às práticas escolares.
Considerando esse contexto e suas especificidades, assim como as questões de linguagem que
nele ocorrem é que situamos o nosso trabalho no campo da Linguística Aplicada (LA).

Se quisermos saber sobre linguagem e vida social nos dias de hoje, é preciso
sair do campo da linguagem propriamente dito: ler sociologia, geografia,
história, antropologia, psicologia cultural e social etc. A chamada “virada
discursiva” tem possibilitado a pesquisadores de vários outros campos estudar
a linguagem com intravisões muito reveladoras para nós. Parece essencial que
a LA se aproxime de áreas que focalizam o social, o político e a história.
(MOITA LOPES, 2006, p. 96).

Para dar conta do que se propõe, a LA dialoga com as ciências sociais e humanas. Nesse
sentido, possui caráter inter/transdisciplinar por perpassar por diversas áreas do conhecimento,
com intuito de trazer luz às questões de linguagem sobre as quais centra foco. Assim, a LA
busca problematizar ou vislumbrar questões, trazendo à tona reflexões importantes para a
23

sociedade. O cerne dessas questões está voltado para o uso da linguagem em situações reais,
situadas e que abarquem/abordem as práticas sociais dos sujeitos, principalmente, aqueles que
estão às margens. Sobre isso, Kleiman (2013, p.53) discute que

A LA, graças ao seu foco na produção das realidades sociais pela prática
discursiva, está em posição ideal para visibilizar e entender as resistências (ou
ainda as reexistências) desses grupos que, a partir da periferia, produzem
novos saberes num processo de transformação do global pelo local.

Ao direcionarmos o nosso objeto de estudo para o âmbito da LA, isto é, as práticas de


letramentos decorrentes da atuação do professor no ambiente hospitalar, percebemos que,
quando a escola adentra um ambiente que naturalmente não é seu, ela, de alguma maneira,
transgride o ponto de vista de pertencimento, posto que a escola regular já possui um lócus
situado socialmente, uma identidade própria como qualquer outra instituição também possui.
Sendo assim, a LA, em face de seu interesse em compreender como se desenvolvem as ações
de linguagem, independente do lugar onde essas ações ocorrem, favorece o estudo das práticas
de letramento dos professores em um contexto diferente do qual elas normalmente acontecem,
ou seja, no espaço hospitalar tomado como ambiente escolar.
Em vista disso, de acordo com a perspectiva de Kleiman (2013), o estudo situado e
partindo de ambientes menos privilegiados, que nesse contexto são os professores que atuam
em um hospital público na capital do RN, possibilita a compreensão da relevância da atuação
desses profissionais, tendo em vista que o acesso à linguagem representa para os pacientes a
possibilidade de integração à escola, de forma a garantir os letramentos necessários para que
esses sujeitos possam prosseguir em sua trajetória de estudo e, consequentemente, saber agir
frente às demandas sociais.
Coadunando-se com o que se propõe a LA, os Estudos de Letramento objetivam o
estudo situado de práticas, contemplando temáticas importantes para a compreensão e resolução
de problemáticas sociais, em contextos específicos. Ao direcionarmos o nosso estudo para o
letramento laboral/profissional, preocupamo-nos com a investigação do uso da leitura e da
escrita no ambiente de trabalho, vislumbrando, desse modo, um domínio especifico a ser
explorado pelo campo da LA, sobre isso Medeiros (2016, p. 21) assevera que

Tal preocupação impulsiona as pesquisas na área de letramento laboral, haja


vista que para dar conta das novas demandas do mercado de trabalho, nas
quais as pessoas precisam cada vez mais lidar com múltiplos empregos e
tarefas, as situações sociocomunicativas são múltiplas também e merecem a
atenção das pesquisas em LA.
24

Com isso, além de ampliar os trabalhos na área de LA, este trabalho pode contribuir
com os estudos de letramento laboral/profissional, trazendo uma temática relevante para o
contexto social, uma vez que, o trabalho dos professores em classes hospitalares devem ter mais
visibilidade, pois o adoecimento é um fenômeno comum, do qual a sociedade não está isenta.

2.3 NATUREZA DA PESQUISA

A pesquisa interpretativista propõe a amplificação de um determinado tema, por meio


da descrição de fatos e impressões sobre um dado objeto de estudo, sem que haja
necessariamente o interesse de expressar numericamente os dados, dando preferência ao
processo de interpretação de dizeres e ações reveladas pelos participantes em detrimento aos
resultados. Por esse motivo, este trabalho decorre de pesquisa que adota a abordagem
qualitativa interpretativista.

Na posição interpretativista, não é possível ignorar a visão dos participantes


do mundo social caso se pretenda investigá-lo, já que é esta que o determina:
o mundo social é tomado como existindo na dependência do homem. Tais
seriam, então, as concepções ontológicas sobre a natureza do mundo social,
em que se baseiam as duas tradições de pesquisa. (MOITA LOPES, 1994,
p.331)

Desse modo, a pesquisa qualitativa interpretativista se distancia do viés positivista, pois


não objetiva desenvolver análise que engendre resultados baseados apenas em bases
quantitativas. Ao contrário disso, privilegia-se o teor subjetivo advindo do que os participantes
expressam por meio de seus dizeres, levando em conta as experiências do trabalho cotidiano no
espaço hospitalar, e as representações ao discorrer sobre suas práticas profissionais.
Nesse prisma, a abordagem qualitativa atende a questões importantes para nossa
investigação, pois tem seu foco nos aspectos elencados por Bogdan e Biklen (1994, p. 49):

A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado


com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma
pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do
nosso objeto de estudo. O investigador coloca constantemente questões como:
por que é que estas carteiras estão arrumadas desta maneira? Por que é que
algumas salas estão decoradas com gravuras e outras não? Por que é que
determinados professores se vestem de maneira diferente dos outros? Há
alguma razão para que determinadas actividades ocorram em determinado
local? [...]
25

Assim, é possível considerar o contexto hospitalar sob o ponto de vista dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, trazendo para nossa abordagem reflexões subjetivas, as quais são
indispensáveis à compreensão e à construção de respostas para os nossos questionamentos.
Além disso, na abordagem de pesquisa qualitativa, é viável que, durante o processo
investigativo, surjam novas indagações ou problemas passíveis de serem integrados à pesquisa,
de modo que não seja necessário o estabelecimento de uma análise pautada no rigor numérico,
tampouco em testagens.
Embora a maior parte da geração de dados tenha ocorrido a partir de interações remotas,
em razão do isolamento social ocasionado pela pandemia de COVID-19, consideramos que a
nossa pesquisa contempla um viés de caráter etnográfico, haja vista que a pesquisadora se
dispôs a todo momento, no período que lhe foi possível, participar de eventos que tematizaram
a classe hospitalar, bem como realizar visitas ao local onde se desenvolviam as atividades da
classe hospitalar, procurando manter contato com as professoras participantes, de modo a
construir vínculos com as referidas profissionais, e, assim, melhor conhecer o trabalho
desenvolvido na classe hospitalar.
A pesquisa etnográfica ocorre a partir da imersão do pesquisador no cenário
investigativo. Em sua abordagem, o pesquisador considera os aspectos culturais de
determinados grupos, observando como ocorre as relações entre os sujeitos e o ambiente. A
pesquisa etnográfica possui as seguintes características:

1) é sem igual, pois enfoca o comportamento social no cenário natural; 2)


confia em dados qualitativos, normalmente em forma de descrições narrativas
feitas por um observador participante no grupo que está sendo estudado; 3) a
sua perspectiva é holística – observações e intervenções são feitas no contexto
da totalidade das interações humanas; 4) pode iniciar com hipóteses, embora
não seja necessário, dependendo do propósito do estudo. As hipóteses e
perguntas de pesquisa podem emergir assim que os dados forem coletados; e
5) o procedimento e análise de dados envolvem a contextualização, em que os
resultados da pesquisa são interpretados com referência ao grupo, cenário ou
evento em particular que estiver sendo observado (MOREIRA; CALEFFE,
2006, p. 85)

Por esse viés, a pesquisa etnográfica possui certa flexibilidade, pois permite que durante
a geração de dados o pesquisador possa ampliar a sua visão sobre o objeto de estudo,
considerando que, ao interpretar os dados, seja possível perceber lacunas que durante o desenho
da pesquisa não foi possível de serem observadas, dessa forma, há possibilidade de reformular
questões de pesquisa.
26

O letramento de vertente etnográfica visa à compreensão para o contexto em que as


atividades de letramento ocorrem, focando nos detalhes, na singularidade das relações, sem que
haja um olhar condicionado; ou seja, é necessário despir-se de qualquer preconceito em relação
ao objeto de estudo.

A etnografia não só se configura como um conjunto de instrumentos que


dialoga com outros perfis de pesquisa qualitativa, mas, principalmente, se
apresenta como um conjunto de princípios que viabiliza o desenvolvimento
de estudos que visam dar a conhecer, em profundidade, uma determinada
realidade ou fenômeno social e cultural da vida cotidiana. Por essa razão, os
princípios da pesquisa etnográfica têm sido utilizados em estudos cujos
objetivos não são, em última instância, a pura descrição de uma cultura ou
realidade social, mas também, em estudos que precisam compreender os
mecanismos sociais e culturais em que se enquadram determinados
fenômenos ou contextos (SILVA; SILVA, 2016, p. 229).

Em vista disso, o viés etnográfico é imprescindível para que possamos depreender como
o letramento profissional ocorre no ambiente pediátrico hospitalar. Embora não seja o nosso
único princípio investigativo, sem ele seria difícil descrever o local de pesquisa, como também
reconhecer os participantes.
Dessa maneira, destacamos nesta pesquisa três momentos principais: a) o primeiro diz
respeito às etapas mencionadas nos primeiros passos da pesquisa; b) o segundo momento
compreende às visitas ao local da pesquisa: dois dias de inserção dentro do contexto da classe
hospitalar; c) o terceiro refere-se às participações em atividades remotas: com entrevistas dadas
pelas professoras participantes da pesquisa, tendo-se realizado a comunicação através da
ferramenta Google Meet, bem como a utilização do aplicativo WhatsApp.

2.4 OBJETO DE PESQUISA

Nosso objeto de pesquisa são as práticas de letramentos docentes que ocorrem no


ambiente pediátrico hospitalar, por meio do trabalho realizado na classe hospitalar do HUOL.
A escolha desse objeto justifica-se pelo interesse de conhecer o fazer profissional de professores
nesse ambiente, observando os componentes e recursos utilizados nas interações, os quais
intencionam o ensino-aprendizagem dos alunos-pacientes.
Sendo assim, deve-se considerar que não se trata de uma sala de aula comum, mas um
espaço adequado às necessidades da criança e do adolescente em tratamento de saúde. Diante
disso, as práticas de letramentos desenvolvidas pelos profissionais da classe hospitalar tendem
a compreender às demandas daquele ambiente. As práticas de letramentos decorrem de um
27

conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um


determinado objetivo numa determinada situação, associadas aos saberes, às
tecnologias e às competências necessárias para a sua realização. Exemplos de
práticas de letramento: assistir a aulas, enviar cartas, escrever diários
(KLEIMAN, 2005, p.12)

Nessa perspectiva, as práticas desenvolvidas pelos profissionais do referido


atendimento condizem com o cumprimento das tarefas cotidianas do trabalho na classe
hospitalar, essas tarefas são mediadas pelos textos escritos que atendem a funções específicas.
Desse modo, analisar as práticas de letramentos para o trabalho desses profissionais implica
reconhecer o propósito social de cada uma dessas práticas.
Além do que, o estudo dessas práticas contribui para a compreensão das principais
diferenças entre as atividades desenvolvidas na escola regular e as realizadas dentro do domínio
hospitalar.

2.5 O CENÁRIO DA PESQUISA

O lócus de nossa investigação foi a brinquedoteca do Hospital Universitário Onofre


Lopes, localizado na capital do Estado, o qual faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS),
como define a Lei Orgânica da Saúde (8080/90)4. É na brinquedoteca desse hospital que ocorre
o Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar. Por estar situada dentro de um hospital-
escola, faz-se necessário retomar aqui um pouco da história dessa instituição.

4
LEI Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
28

Figura 2 - Imagem da fachada do Hospital Universitário Onofre Lopes

Fonte: https://ufrn.br/imprensa/noticias/34368/huol-suspendera-consultas-exames-e-procedimentos-
ambulatoriais-eletivos-a-partir-desta-segunda-23. Acesso em: 10 de nov. 2020.

Inaugurado em 12 de setembro de 1909, a então antiga casa de veraneio foi transformada


no Hospital de Caridade “Juvino Barreto”, nomeada pelo governador Alberto Frederico de
Albuquerque Maranhão. Sua criação foi motivada para atender a assistência à saúde do Estado
(CARLOS, 2005).
Durante sua existência, o hospital passou por processos de mudanças física e
organizacional. Naquela época, a cidade do Natal não possuía uma economia estabilizada, e a
população enfrentava condições precárias, pois existia apenas uma fábrica de tecelagem, que
movimentava a economia da cidade e oferecia subsídios para a manutenção do hospital, por
esse motivo, o proprietário foi homenageado com o nome do hospital.
Posteriormente, o hospital foi renomeado mais duas vezes, até ser conhecido pela sua
atual denominação. Em 1935 foi nomeado de Hospital “Miguel Couto”, médico influente que
realizou pesquisas na área da saúde pública. E, em 1960, devido à federalização da universidade
e a incorporação da Faculdade de Medicina, foi chamado de Hospital das Clínicas da UFRN,
nesse momento, o hospital passou a ser hospital-escola, por abranger o tripé que compreende
ensino, pesquisa e extensão.
Somente em 1984, em homenagem ao primeiro reitor da UFRN, passou a ser
denominado de Hospital Universitário “Onofre Lopes”. Atualmente, em acordo realizado entre
a UFRN e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a administração passou a
29

ser realizada por essa empresa. A principal missão do hospital é “promover de forma integrada
o ensino, a pesquisa, a extensão e a assistência, no âmbito das ciências da saúde e correlatas,
com qualidade, ética e sustentabilidade”. Essas informações e muitas outras podem ser
encontradas no sítio eletrônico do referido hospital.
Em relação às instalações5 físicas, o hospital conta com área física de 31.569,45 m², 242
leitos de internação, sendo 19 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 84 consultórios
ambulatoriais, 12 salas de cirurgias, sendo 7 no centro cirúrgico, 2 na oftalmologia e 3 na
pequena cirurgia, 2 auditórios, constituído por um prédio de 4 andares que reúne todos os
serviços de imagem e de métodos gráficos, com tecnologia avançada.
A brinquedoteca está localizada em uma sala no setor pediátrico do hospital, no qual
existem 10 quartos, 30 leitos, 01 isolamento e 05 leitos de UTI. A brinquedoteca é o cenário
onde a classe hospitalar também funciona. Esse ambiente contém um quadro, uma mesinha
acoplada e cadeiras, uma mesa alta com cadeiras, uma televisão, algumas prateleiras com livros,
jogos e brinquedos, dois computadores e um armário.
Conforme Oliveira e Maia (2013, p.19)

Apontada como recurso psicológico eficaz por vários autores, recentemente o


espaço Brinquedoteca foi alvo de um projeto de lei, a saber a Lei nº 11.104,
sancionada pelo presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 21
de março de 2005, exigindo dos hospitais pediátricos a presença de
Brinquedotecas, ou seja, de um espaço provido de brinquedos e jogos
educativos, destinados a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar.

Sendo assim, a brinquedoteca é tida como um espaço interativo aberto aos pacientes do
setor pediátrico, que contribui com a rotina desses pacientes trazendo a possibilidade de
atividades lúdicas desenvolvidas pelos profissionais da saúde, e aos professores atuantes da
classe hospitalar.

5
Essas informações podem ser encontradas detalhadamente no endereço eletrônico do hospital:
https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn
30

Figura 3 - Imagem interna da brinquedoteca

Fonte: Acervo das professoras participantes da pesquisa.

Na imagem acima, podemos perceber a visão da parte interna da brinquedoteca. Na


oportunidade, alunos-pacientes e acompanhantes participam de evento organizado pelas
professoras participantes da pesquisa e a equipe hospitalar.
A brinquedoteca é um espaço multifuncional, pois além de atender às atividades
desenvolvidas por psicólogos, nutricionistas, médicos, dentistas, dentre outros, também é o
lugar onde a maioria das aulas do atendimento educacional é realizada, ou seja, é lá que se
localizada a classe hospitalar, ou como os próprios alunos-pacientes a denominam: a
“escolinha”.
No corredor que antecede a esse espaço, existe um mural com imagens e informações
sobre a história da classe hospitalar organizado pelas próprias professoras que atuam nesse
local, relatando o seu surgimento, as leis e as diretrizes que regem o atendimento especializado,
entre outras especificidades. Nas imagens a seguir, podemos observar como o mural está
organizado.
31

Figura 4 - Parte inicial do mural

Fonte: Silva (2020).

Figura 5 - Parte final do mural

Fonte: Silva (2020).

Vale salientar que esse mural explicita para pessoas leigas a importância do trabalho
das classes hospitalares, uma vez que é possível identificar uma linha do tempo que contempla
desde o seu surgimento da primeira classe hospitalar até os dias atuais. Além disso, faz alusão
ao seu funcionamento em todo o Brasil e no próprio HUOL, fazendo menção aos direitos que
as crianças e os adolescentes dispõem na utilização desse serviço.
32

Em outros espaços da pediatria também são realizadas algumas atividades direcionadas


aos alunos-pacientes. Podemos observar, na imagem abaixo, uma atividade envolvendo o uso
de cartazes afixados nas paredes do setor pediátrico.

Figura 6 – Atividade realizada nas dependências do setor pediátrico

Fonte: Acervo das professoras.

2.6 AS PARTICIPANTES

Participam da pesquisa apenas duas professoras que, no momento, estão vinculadas ao


atendimento em questão. Por motivo de preservação da identidade dessas participantes, como
previsto no comitê de ética, utilizamos nomes fictícios para denominá-las no decorrer deste
trabalho.
A professora mais antiga do atendimento no HUOL será chamada de professora Alice,
e a outra será denominada de professora Ana. Esses nomes são inspirados em dois hospitais
públicos de referência para o estado do RN, o Hospital “Maria Alice Fernandes”, situado na
Zona Norte de Natal, e o Hospital Universitário “Ana Bezerra”, localizado na cidade de Santa
Cruz, no interior do mesmo Estado. Durante a análise de dados faremos uma melhor
caracterização de cada uma das profissionais participantes da investigação.

2.7 INSTRUMENTAIS DE PESQUISA


33

A escolha dos instrumentais de pesquisa é de extrema importância à investigação, pois


somente por meio deles é possível a implementação da geração de dados. Para Chizzotti
(2005, p. 89),

Os instrumentos de coleta de dados são: a observação participante, a entrevista


individual e coletiva, “o teatro da espontaneidade”, o jogo dos papéis, a
história de vida autobiográfica ou etnobiográfica, as projeções de situações de
vida, análise de conteúdo ou qualquer outro que capte as representações
subjetivas dos participantes, favoreça a intervenção dos agentes em sua
realidade ou organize a ação coletiva para transformar as condições
problemáticas.

Nesse sentido, a pesquisa ora apresentada teve como instrumentos: a observação


participante, as notas de campo, as entrevistas semiestruturadas, a gravação e transcrição de
áudios. O infográfico abaixo representa esses instrumentais. Logo a seguir, trataremos de cada
um deles.

Figura 7 - Representação dos instrumentais de pesquisa

Fonte: Silva (2021).


34

2.7.1 Observação participante

Durante o processo de observação participante foi esclarecido às professoras quais os


objetivos da pesquisa, porque “a melhor estratégia ainda é ser um observador revelado”
(MOREIRA; CALEFFE, 2006, p. 202). Apesar de correr o risco da mudança comportamental
dos participantes, essa estratégia foi escolhida como mais pertinente, haja vista corroborar com
a ética, proporcionando lucidez a quem participa.
Na observação participante, podemos lançar mão da observação minuciosa, não sendo
obrigatória a nossa participação por meio de atividades. Nesse caso, o pesquisador possui
autonomia em se integrar ao ambiente, compreendendo o processo e sempre que necessário,
questionando as suas dúvidas. Além disso, contamos com o uso de entrevistas semiestruturadas,
notas de campo, fotografias e gravação de áudio e vídeo.
A observação participante foi favorável pois “é muito mais difícil para as pessoas que
estão sendo observadas mentir ou tentar enganar o pesquisador. O pesquisador está no local
testemunhando o comportamento real ao invés de confiar apenas nos relatos das pessoas a
respeito de suas vidas.” (MOREIRA; CALEFFE, 2006, p. 204).
Antes de observar o local de realização das aulas, participamos de um evento ofertado
pela UFRN, intitulado “IV Seminário Regional Sobre Atendimento Educacional Hospitalar e
V Fórum Sobre Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar do RN”. Nesse evento,
pudemos acompanhar discussões de temas referentes ao fazer pedagógico na classe hospitalar.
Sendo assim, tivemos duas oportunidades de integrar o local onde ocorrem as aulas, isto
é, no interior do Hospital. No primeiro encontro o objetivo principal foi conhecer o ambiente,
como se dá a rotina dos participantes, quais os instrumentos utilizados para a realização do
trabalho das participantes, quais profissionais estavam envolvidos nas práticas desenvolvidas
por elas, entre outras coisas. No segundo encontro, foi possível observar como são realizadas
as aulas, no contexto específico da situação.
Em meio à pandemia vivenciada nesse período não ocorreram as visitas planejadas,
entretanto além das duas aulas observadas no hospital, ainda participamos de uma aula remota,
em que uma das professoras do atendimento recebeu o convite para esclarecer dúvidas sobre o
atendimento da classe hospitalar. Essa aula foi direcionada aos alunos da graduação em
Pedagogia, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), com o objetivo de
eles conhecerem como ocorrem as aulas no ambiente hospitalar. Nesse sentido, a professora
estendeu o convite para que pudéssemos compreender melhor o referido atendimento. Essa
35

oportunidade proporcionou relevantes contribuições para nossa pesquisa, uma vez que várias
questões postas na discussão eram de interesse da nossa investigação.

2.7.2 Notas de campo

Nas notas de campo ocorrem as anotações referentes às observações do ambiente,


pessoas, atividades, conversas, entrevistas etc. Durante todo o processo de geração de dados da
pesquisa fizemos uso desse instrumental, pois embora o gravador de som também seja eficiente,
as notas de campo são eficazes para que possamos anotar pontos importantes, que por vezes,
tornam-se extensos e cansativos durante a gravação.

As notas de campo consistem em dois tipos de materiais. O primeiro é


descritivo, em que a preocupação é a de captar uma imagem por palavras do
local, pessoas acções e conversas observadas. O outro é reflexivo – a parte que
apreende mais o ponto de vista do observador, as suas ideias e preocupações
(BODGAN, R.; BIKLEN, 1994, p. 152)

Nesse sentido, por meio das notas de campo, conseguimos anotar informações mais
significativas no decorrer dos acontecimentos concretos. Posteriormente, conseguimos refletir
sobre aspectos importantes da nossa investigação atinentes ao ambiente e aos participantes.

2.7.3 Entrevistas semiestruturadas

O nosso principal instrumento para geração de dados foram as entrevistas


semiestruturadas. Levando em conta a situação atual de desenvolvimento desta pesquisa, em
que se destacam as atividades remotas, utilizamos o serviço de comunicação por vídeo
desenvolvido pelo Google, denominado de Google Meet. Assim, as entrevistas foram realizadas
por meio dessa plataforma.
Optamos pelo uso das entrevistas, em face da existência de questões que precisavam de
respostas amplas, no intuito de possibilitar a construção de uma compreensão efetiva acerca do
trabalho desenvolvido no atendimento da classe hospitalar, de modo que contemplasse todas as
questões de pesquisa. Para tanto, recorremos às entrevistas semiestruturadas,

ao usar a entrevista semiestruturada, é possível exercer um certo tipo de


controle sobre a conversação, embora se permita ao entrevistado alguma
liberdade. Ela também oferece uma oportunidade para esclarecer qualquer tipo
de resposta quando for necessário, é mais fácil de ser analisada do que a
entrevista não- estruturada, mas não tão fácil quanto a entrevista estruturada
(MOREIRA; CALEFFE, 2006, p. 169).
36

As entrevistas eram compostas por cerca de 20 (vinte) questões. Estas, por sua vez,
foram imprescindíveis à geração de dados, uma vez que elas contemplavam questões
compatíveis com o nossos objetivos de investigação, favorecendo assim a construção do corpus
de análise. Sua realização ocorreu individualmente no mês de julho de 2020. Em razão da
flexibilização desse tipo de entrevista, muitas das questões formuladas sofreram expansões ou
desdobramentos, pois esse tipo de entrevista permite que o entrevistador, diante da resposta do
entrevistado, possa tratar com profundidade o tema em discussão (GRESSLER, 2003).

2.7.4 Gravação e transcrição de áudios

Com a utilização da plataforma Google Meet foi possível a gravação em vídeo das duas
entrevistas. Sendo assim, essas gravações foram de grande valia, pois quando era necessário
recorríamos à recapitulação das falas, sem o prejuízo da perda de algum detalhe relevante, haja
vista que esse recurso possibilita a retomada dos áudios e das cenas.
A transcrição dos áudios das entrevistas teve sua efetivação a partir dos fundamentos
propostos pela Análise da Conversação, cujas orientações favorecem a retextualização e, com
efeito, a compreensão das falas dos sujeitos em depoimentos para fins de pesquisas acadêmico-
científicas. Nesse sentido, adotamos as seguintes normas para a sua realização:

Quadro 1 – Normas de transcrições adotadas


OCORRÊNCIAS SINAIS

Entonação enfática Maiúscula

Prolongamento de vogal e consoante (como s, r) :: podendo aumentar para


:::: ou mais

Interrogação ?

Qualquer pausa ...

Comentários descritivos do transcritor ((minúscula))

Comentários que quebram a sequência temática da


exposição; desvio temático ´´´´

Fonte: Adaptado de NURC/SP n. 338 EF e 331 D². In: PRETI, Dino (Org.). Variações na fala e na
escrita. São Paulo: Humanitas, 2011. (Projetos Paralelos, v. 11).
37

Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em (...)


determinado ponto. Não no seu início, por exemplo.

Superposição, simultaneidade de vozes [ ] ligando as linhas

Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação “”

Como referido, as transcrições foram efetivadas a partir dos fundamentos da Análise da


Conversação, pois como afirma Marcuschi (2003, p. 5)

ela é a prática social mais comum no dia a dia do ser humano; em segundo,
desenvolve o espaço privilegiado para a construção de identidades sociais no
contexto real, sendo uma das formas mais eficientes de controle social
imediato; por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em
muito a simples habilidade linguística dos falantes

Embora o nosso foco não seja a análise minuciosa da fala dos participantes, o quadro
estabelecido pelos estudos da Análise da Conversação serve para orientar e descrever a
linguagem, que por vezes, não é observada simplesmente com a transcrição comum. Através
das normas estabelecidas, é possível destacar ou perceber expressões, gestos, sinais, dentre
outros fatores consideráveis para a compreensão daquilo que realmente foi falado pelos
participantes da entrevista.

2.7.5 Fotografias

As fotografias consistem em um importante instrumental de pesquisa, por meio delas é


possível dar visibilidade às informações fundamentais da pesquisa. Utilizamos três fontes para
obtenção das fotografias, a primeira referente às imagens geradas pela própria pesquisadora no
momento de inserção no ambiente de pesquisa. A segunda, fotografias do acervo das próprias
professoras participantes. E por fim, as imagens disponibilizadas no sítio6 eletrônico do
HUOL/EBSERH.
Além de fornecer credibilidade, as fotografias tendem a simplificar o entendimento de
como ocorrem as atividades de um determinado local. Para Gil (2008), as figuras (desenhos,

6
Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn
38

gráficos, mapas, esquemas, fotografias etc.) auxiliam na compreensão de conceitos complexos,


tornando-os mais acessíveis.
Assim como abordam Bogdan e Biklen (1999), as fotografias estão intimamente ligadas
à investigação qualitativa, pois elas são dados descritivos, os quais podem contribuir para
interpretação subjetiva das diferentes situações.
No ambiente hospitalar, o nosso foco consiste em utilizar fotografias que expressem o
desenvolvimento das atividades escolares, evidenciando as práticas de letramentos decorrentes
para a realização das aulas, e das intervenções educacionais ofertadas por profissionais da
saúde, que embora não trabalhe na classe hospitalar, também contribuem com os letramentos
dos referidos alunos-pacientes.

2.8 O CORPUS DA PESQUISA

O corpus da pesquisa consiste na sistematização dos dados gerados, mais


especificamente pelos registros efetivados em notas de campo, fruto da observação participante
que realizamos, pelo uso das fotografias, pela gravação e transcrição das entrevistas
semiestruturadas aplicadas com as professoras participantes. Nesse sentido, temos os seguintes
dados gerados:
Quadro 2 – Corpus da pesquisa
INSTRUMENTAIS DE PESQUISA DADOS GERADOS

Observação participante Identificação das atividades desenvolvidas


pelas profissionais da classe hospitalar, do
ambiente, dos demais participantes e dos
materiais utilizados.

Notas de campo Descrição e reflexão dos fatos ocorridos no


lócus de pesquisa
Questionários semiestruturados Respostas acerca do trabalho realizado na
classe hospitalar
Gravação em vídeo/áudio (plataforma Transcrição das respostas de acordo com as
Google Meet) regras da análise da conversação
Registros dos eventos de letramento
Fotografias realizados presencialmente. E registros dos
arquivos das professoras, e do site do
hospital.
Fonte: Silva (2021).
39

2.9 CATEGORIAS DE ANÁLISE

Ao discorrer sobre eventos e práticas de letramento, Hamilton (2000) estabelece quatro


categorias a serem consideradas na abordagem desses constructos: participantes, ambientes,
artefatos e atividades. Logo, esses elementos foram utilizados como categorias a fim de darmos
inteligibilidade às práticas de letramentos desenvolvidas pelas professoras do atendimento
educacional do HUOL.

Quadro 3 - Elementos constitutivos de eventos e práticas de letramento


Elementos visíveis nos eventos de Constituintes não visíveis das práticas de
letramento letramento
Participantes ocultos: outras pessoas ou
grupos de pessoas envolvidas em relações
Participantes: pessoas que podem ser
sociais de produção, interpretação, circulação e,
vistas interagindo com textos escritos.
de modo particular, na regulação de textos
escritos.
O domínio de práticas dentro das quais o
Ambientes: circunstâncias físicas
evento acontece, considerando seu sentido e
imediatas nas quais a interação ocorre.
propósito sociais.
Todos os outros recursos trazidos para a prática
Artefatos: ferramentas materiais e
de letramento, incluindo valores não materiais,
acessórios envolvidos na interação
compreensões, modos de pensar, sentimentos,
(incluindo os textos).
habilidades e conhecimentos.
Rotinas estruturadas e trajetos que facilitam ou
Atividades: as ações realizadas pelos regulam ações; regras de apropriação e
participantes no evento de letramento. legibilidade, quem pode ou não se engajar em
atividades particulares.
Fonte: Hamilton (2000, p. 17).

Durante a atuação profissional das referidas professoras, as práticas de letramentos estão


interligadas às ações do uso da leitura e da escrita para funções específicas. Assim, tais práticas
não consistem apenas no fazer, mas também no que elas pensam sobre esse fazer. Acerca desse
aspecto, Barton e Hamilton (1998, p.7 – ênfase acrescida) afirmam que “[...] elas (as práticas)
são padronizadas por regras sociais que regulam o uso e distribuição de textos, prescrevendo
quem pode produzir e quem tem acesso a eles”.
Diante disso, com intuito de caracterizar as práticas de letramentos das profissionais da
classe hospitalar, buscamos realizar a análise atendendo a proposta de Hamilton (2000), de
acordo com os elementos constitutivos de eventos e práticas de letramento descritos no quadro
anterior.
40

3. APORTES TEÓRICOS DA PESQUISA

Nesta seção, focalizamos a concepção dialógica da linguagem; os gêneros do discurso;


estudos de letramentos; letramento profissional do professor da classe hospitalar; o que é a
classe hospitalar; e, letramento e saúde, com ênfase na escola no contexto hospitalar. Desse
modo, esses aportes teóricos objetivam subsidiar a nossa investigação.

3.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DA LINGUAGEM

Existem várias teorizações sobre o campo da linguagem, com isso, três concepções se
destacam. A primeira diz respeito à linguagem enquanto expressão do pensamento, a segunda
como forma de comunicação, e a terceira, escolhida para guiar este trabalho, trata-se da
linguagem como forma de interação. Nessa última, defendida pelo Círculo de Bakhtin
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, [1929] 2016), a linguagem é inerente às relações humanas, que
ocorre por meio do dialogismo.
Para Alves (2016), ao assumir as teorias do Círculo de Bakhtin, estamos estritamente
assentindo a compreensão do sujeito historicamente situado e inacabado, vislumbrando a
linguagem como parte fundamental da construção do sujeito. Isso ocorre em uma perspectiva
contínua de trocas mútuas, em que os sujeitos não podem significar sem a interação com o
outro.
Desse modo, “[...] o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência
vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre homens e mulheres se tornou consciente
[...]” (FREIRE, 2016, p. 50). Nessa leitura, a compreensão do inacabamento infere-se a própria
linguagem humana, sendo ela de essência inconclusiva, haja vista que os sujeitos são
constituídos pelas relações temporais. Sendo assim, enquanto seres situados no espaço e
culturais, providos da linguagem, estamos sempre em (des/re) construção.
Como assevera Bakhtin (2016, p.11), “o emprego da língua efetua-se em forma de
enunciados, escritos ou orais”, assim, os enunciados estão interligados a três elementos: o
conteúdo temático, o estilo verbal e a construção composicional. De acordo com o autor, o
estilo verbal depreende a traços nos enunciados, que de certo modo, identificam a singularidade
de quem os produzem; o conteúdo temático diz respeito aos temas que se formam e/ou circulam
nos enunciados; e a construção composicional compreende a organização linguística dos
enunciados, isto é, quanto à escolha estrutural.
41

Os enunciados ocorrem somente por meio de outros que lhes antecederam e por outros
que lhes serão sucessores. Em outras palavras, o enunciado ocorre pela relação concreta entre
seus interlocutores, diferentemente do objeto de estudo do estruturalismo, em que a análise
pode ocorrer fora de um contexto real. Vale destacar que cada área da linguagem possui uma
finalidade, e embora tenham focos de análises diferentes, cada uma contribui à sua maneira.

3.1.1 Os Gêneros do discurso

Os gêneros são definidos como “tipos relativamente estáveis de enunciados”


(BAKHTIN, 2016, p.12). Sendo assim, os gêneros do discurso buscam assumir uma estrutura
específica (não fixa) de linguagem para resolver ou atender questões sociais também
específicas. A exemplo disso, podemos citar o gênero discursivo relatório, o qual exerce nos
diferentes âmbitos sociais a função de relatar acontecimentos, atividades entre outros, cujo
interesse destina-se a um determinado grupo.
Para Bakhtin (2000), os gêneros podem ser divididos em primários e secundários. Os
primários se formam a partir das condições discursivas imediatas, ou seja, de caráter simples,
como por exemplo o diálogo cotidiano. Em relação aos gêneros secundários, tais como:
romances, trabalhos científicos, dentre outros, por sua complexidade, podem integrar dentro
deles os gêneros primários.
Na classe hospitalar, essa variedade de gêneros é vislumbrada tanto para a concretização
do fazer profissional dos professores, como por exemplo a sondagem inicial dos pacientes, a
elaboração e o planejamento das aulas, quanto os gêneros utilizados no decorrer das aulas. Para
a concretização da atividade profissional das professoras podemos citar os gêneros:
planejamento, censo, relatório, entrevista, aula, entre outros.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são


inesgotáveis as possibilidades da multifacetada atividade humana e porque em
cada campo dessa atividade vem sendo elaborado todo o repertório de gêneros
do discurso, que cresce e se diferencia à medida que tal campo se desenvolve
e ganha complexidade. (BAKHTIN, 2016, p. 12)

Sobre isso, na classe hospitalar os gêneros cumprem propósitos específicos da atividade


profissional dos professores envolvidos, haja vista que, embora trate de um atendimento
escolar, a classe hospitalar não tem o papel de substituir a escola regular, mas atua como
intermediadora, logo os gêneros que perpassam esse âmbito correspondem às suas respectivas
demandas.
42

Nessa conjuntura, o uso dos gêneros discursivos valoriza a intenção de resolver questões
que viabilizem o acesso da criança e do adolescente no cerne escolar para que possam ter acesso
à educação mesmo em situação de adoecimento. Dessa forma, por cumprir o posicionamento
de integração desses sujeitos, os enunciados empregados assumem também o viés ideológico.

Em consonância com o princípio dialógico da linguagem, todo enunciado é


direcionado a um interlocutor (ouvinte, leitor, destinatário, auditório médio);
é marcado por um posicionamento, por uma tomada de posição ideológica,
que se materializa pela entonação expressiva/avaliação (tom amistoso,
autoritário, conciliador, reacionário, sexista); e todo enunciado é um elo na
cadeia de enunciados ditos e aqueles que lhe seguirão em resposta, pois não é
o primeiro nem o último e, por isso, carrega e conserva ressonância e, ao
mesmo tempo, antecipa outros (ALVES, 2016, p. 167)

Nesse sentido, este trabalho se identifica com a concepção interacionista da linguagem,


pois as interações são fundamentais para a concretização das atividades realizadas na classe
hospitalar, as quais são capazes de impactar os alunos-pacientes e permitir que eles tenham
consciência do agir em sociedade. A escola, representada pela classe hospitalar, dependendo da
gravidade e constância dos aluno-paciente no hospital, figura-se na principal agência de
letramentos para esse indivíduo.
A investigação das práticas de letramentos desenvolvidas pelos profissionais da
educação para a atuação no trabalho permite reconhecer o propósito social das práticas
efetuadas pelos referidos profissionais. Com isso, torna-se possível depreender como essas
práticas podem impactar na formação escolar dos educandos hospitalizados, haja vista que

a criança e o adolescente ao internarem-se, além de saírem do convívio de sua


família e amigos, perdem, ao afastam-se da escola de origem, espaços
importantes de interatividade e vivência de experiência imprescindíveis para
o seu desenvolvimento que resultam em respostas às suas necessidades
afetivas, sociais e cognitivas (RODRIGUES, 2012, p. 54).

Essas interações são disseminadas a partir da relação professor-aluno, por isso, analisar
o processo de formação do professor e as atividades que são desenvolvidas na classe hospitalar,
torna-se fundamental para que possamos compreender como a escola no espaço hospitalar pode
contribuir com a letramentos desses alunos no período de tratamento de saúde.

3.2 ESTUDOS DE LETRAMENTOS


43

No Brasil, o termo letramento ganha maior visibilidade a partir de 1980, principalmente,


pelos trabalhos de Kleiman (1995), em diálogo com os trabalhos de Heath (1982) e Street
(1984), dentre outros autores. De acordo com Kleiman (1995), os Estudos de Letramento estão
correlacionados às práticas sociais e culturais dos diversos grupos que utilizam a escrita.
Sendo assim, o letramento, diferentemente da alfabetização, preocupa-se com o uso da
escrita para além da decodificação. Essa concepção se coaduna com os postulados de Freire
(1982), nos quais, mesmo não utilizando o termo “letramento”, já trazia à tona a prática
sociocultural para além do sentido de decodificação das palavras, assim a escrita poderia ser
vista como prática libertadora.
Kleiman (1995, p. 18-19), apresenta o letramento como “[...] um conjunto de práticas
sociais que usa a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos”.
Portanto, o letramento está relacionado à resolução de problemas, em que a compreensão e
utilização da linguagem é imprescindível para que os sujeitos que estejam situados nas
diferentes práticas sociais possam dar conta de inúmeras demandas.
Mais que compreender a dimensão de saber ler e escrever, o letramento consiste no
desenvolvimento da consciência crítica, capaz de potencializar a relação sujeito-mundo
mediante práticas de uma sociedade grafocêntrica. Nesse viés, Kleiman (2005, p.8) pontua três
questões importantes sobre o que não é letramento; “letramento não é alfabetização, letramento
não é uma habilidade e o letramento não é um método”.
Apesar do letramento prescindir de um conjunto de habilidades, ele não consiste apenas
nisso, pois não se trata tão somente em aprender uma técnica, ele está para além disso, haja
vista não se reduzir às habilidades adquiridas pelo sujeito, tampouco está relacionado apenas à
escola. Entretanto, os letramentos ocorrem a partir da capacidade dos sujeitos agirem por meio
da leitura e da escrita em situações sociais reais.
A esse respeito, Freire e Shor (2008), trazem uma questão importante referenciada como
educação libertadora. Nessa concepção, educar não se refere a técnicas, tampouco à mera
transferência de conhecimento, mas é necessário explorar a criticidade de forma dialógica,
compreendendo o contexto social, político e histórico, com um ensino voltado para a
transformação dos sujeitos na perspectiva situacional.
Como assevera Paz (2008, p. 32), “são as demandas comunicativas que mobilizam o
sujeito a fazer uso da leitura e da escrita não como habilidades meramente técnicas, mas como
práticas que se efetivam em conformidade com os aspectos sociais e culturais da realidade [...]”.
Logo, os eventos de letramentos ocorrem nas mais variadas atividades da vida humana.
44

Para que os letramentos se concretizem é necessário situar os alunos em um contexto


real que necessite da produção da escrita. Por conseguinte, tal situação comunicativa ocorre de
forma significativa, visto que é explorada uma necessidade real dos alunos. E isso se dá por
meio da imersão, ou seja, fazendo com que a leitura e a escrita façam sentido para os sujeitos,
explorando-a de forma situacional e dialógica.

Eventos de letramento são atividades em que o letramento tem uma função.


Geralmente há um texto, ou textos escritos, que é central para a atividade,
podendo haver discussões em torno do texto. Eventos são episódios
observáveis que emergem das práticas e são moldados por elas (BARTON et
al., 2000, p. 8)

Os eventos de letramento consistem em ações que possibilitam que os sujeitos


participem de situações em que a leitura e a escrita são mediadoras para um determinado
conhecimento, de maneira que, eles possam utilizar na sua prática social, ou terem acesso de
forma esclarecedora. “Os eventos de letramento ocorrem em qualquer circunstância em que os
sujeitos agem por meio da leitura e da escrita, sendo a escrita explícita ou não” (OLIVEIRA;
TINOCO; SANTOS, 2014).
Assim, as situações comunicativas são permeadas por diversos eventos de letramentos,
haja vista que esses são múltiplos. Nessa concepção, os letramentos estão perpassados nas
diversas áreas da vida, tendo em conta que pode existir linguagens específicas para cada
domínio da atividade humana, por exemplo: letramento religioso, letramento jurídico,
letramento acadêmico, letramento digital, letramento laboral, entre outros.

O termo letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que


envolve a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não
valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família,
igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa perspectiva sociológica,
antropológica e sociocultural. (ROJO, 2009, p. 98)

Nessa perspectiva, as práticas de letramento estão interligadas aos eventos de


letramento, sendo as práticas relacionadas às ações dos sujeitos e as conceituações formadas
por eles. Baynham (1995, p. 39), assevera que as práticas de letramento são “[...] formas
culturalmente aceitas de se usar a leitura e a escrita as quais se realizam em eventos de
letramento. Envolvem não apenas o que as pessoas fazem, mas o que elas pensam sobre o que
fazem e os valores e ideologias que estão subjacentes a essas ações”.
A escola como importante agência de letramento, possui grande responsabilidade para
a construção dos letramentos dos alunos, especialmente no Brasil, onde existe um alto índice
45

de desigualdade social. Para grande parte da população, a escola torna-se o principal local de
acesso à cultura, educação, recreação, dentre outros fatores essenciais para formação do
cidadão. Isso significa dizer: não ter acesso à escola é contribuir ainda mais com a desigualdade
social.
Nesse sentido, a escola situada no ambiente hospitalar também contribui para redução
da desigualdade social, pois a criança e o adolescente, durante o período de internamento
hospitalar, afastam-se da rotina escolar e do seu convívio habitual, o que corrobora para a perda
de atividades essenciais para o seu desenvolvimento e, consequentemente, para os seus
letramentos.

3.3 LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR DA CLASSE HOSPITALAR

Barton (2000) discorre sobre a existência dos “mundos de letramentos”. Nessa


abordagem, a linguagem perpassa todas as esferas da sociedade. Em outras palavras, a leitura e
a escrita servem para suprir as necessidades comunicativas nas mais diferentes situações
sociais. Com isso, o construto das interações comunicativas mediadas pela leitura e a escrita
constituem-se em letramentos próprios para cada domínio da atividade humana.
Nesse ínterim, com a disseminação dos Estudos de Letramentos, vários âmbitos vêm
sendo pesquisados, buscando dar inteligibilidade a diferentes domínios em que a leitura e a
escrita são imprescindíveis para a concretização das ações dos indivíduos. Assim, para
contribuição do campo do letramento profissional, este trabalho consiste em depreender as
práticas de letramento profissional dos professores que atuam na classe hospitalar. Nas palavras
de Rodrigues (2012, p.55),

o reconhecimento do trabalho docente em uma unidade hospitalar é


redimensionado em parcerias institucionais, que acenam para a construção de
um status profissional distinto da profissão docente, que é construída no
individual e no social, que se articulam e se complementam, sobretudo quando
pensamos em atividades pedagógicas integradoras, com crianças e
adolescentes diferenciados e que precisam encontrar no profissional da
educação a construção de uma nova atitude ética pedagógica.

Torna-se necessário o estudo dessas práticas diferenciadas, haja vista que, sob o ponto
de vista dos Estudos de Letramento, o letramento profissional do professor da classe hospitalar
ainda é pouco explorado. Na escola, o docente dispõe de todo um aparato para a realização de
suas tarefas, desde a comunidade escolar até os recursos disponíveis naquele ambiente. Além
disso, embora o ensino na escola regular também seja um desafio, na classe hospitalar, o
46

profissional tende a enfrentar como obstáculos o adoecimento do aluno e a busca da identidade


do professor naquele ambiente.
Assim, “abordar o letramento no campo do trabalho implica pesquisar de que maneira
os sujeitos lidam com as práticas da leitura e da escrita para efetivar as tarefas que lhes
competem ao exercer uma atividade laboral” (PAZ, 2008, p. 42). A análise desse percurso
implica na compreensão de como esse fazer profissional se difere para atender a um
determinado contexto, em que a saúde do aluno é o fator mais importante, mas que o
atendimento educacional busca também suprir as perdas trazidas pelo afastamento das
atividades escolares imprescindíveis para sua formação. A esse respeito

o número de crianças que deixam de frequentar a escola por motivo de saúde


é muito grande. É importante ressaltar que a ausência dessas crianças da sala
de aula pode causar sérios problemas na vida dela, como, por exemplo a
repetência ou, até mesmo, a evasão escolar, sem falar na interrupção do
desenvolvimento cognitivo, psicomotor, de socialização, entre outros.
(RODRIGUES, 2012, p.86).

Para atender às necessidades de leitura e escrita dentro do contexto hospitalar, o


professor precisa estar apto às exigências do educando hospitalizado. Em outras palavras,
sabendo a importância social do referido atendimento, as ações desenvolvidas por esses
profissionais precisam ser direcionadas, de forma específica, às demandadas dos alunos, pois
em um hospital público, por exemplo, esses pacientes advêm de diferentes contextos sociais,
econômicos e culturais. Dessa forma, destacamos a relevância do processo formativo desses
profissionais em uma perspectiva contínua.
Rodrigues (2012) aponta a necessidade de uma formação específica para que esses
profissionais tenham suporte para atuar na classe hospitalar. Ela também discute a questão de
um currículo na graduação que contemple os profissionais da área de Pedagogia e outros Cursos
de licenciatura, a inserção da pesquisa em ambientes não escolares, bem como práticas
científicas multi, inter e transdisciplinares.
Para a realização do fazer docente dentro do contexto hospitalar, são mobilizadas
diferentes práticas de leitura e de escrita. Essas práticas são específicas do letramento
profissional desses professores, haja vista que esses letramentos são dirigidos a finalidades das
demandas que envolvem o ensino-aprendizagem dos educandos hospitalizados. Como assevera
Paz (2008, p.42),
[...] ler e preencher formulários, realizar cálculos e anotações, receber e
responder correspondências, elaborar projetos e relatórios, listar tarefas
executadas ou solicitadas para execução, construir e corrigir atividades
47

escritas, ler e divulgar comunicados são práticas de letramento que estão


presentes em alguns dos múltiplos seguimentos que constituem o abrangente
campo do trabalho humano.

Ao vislumbrarmos essas práticas na classe hospitalar, vemos que elas estão interligadas
às rotinas dos docentes, no que tange aos aspectos escolares e, também, às exigências da esfera
hospitalar, ou seja, as regras e a disponibilidade de cada aluno-paciente. Sendo assim, “ao
focalizarmos o letramento no local de trabalho, estamos concebendo-o não apenas como um
fenômeno situado, mas também como um fenômeno múltiplo, visto que sua efetivação é
motivada pelos inúmeros usos da leitura e da escrita [...].” (PAZ, 2008, p. 42).
Nesse sentido, as práticas de letramentos emergem de um contexto multiprofissional,
pois já não se trata apenas do âmbito escolar, mas também das representações que constituem
o trabalho dos profissionais da área da saúde. Portanto, essas práticas operam de forma conjunta
para a concretização do trabalho dos professores, e, desse modo, para aquisição dos letramentos
dos educandos hospitalizados.

3.4 AFINAL, O QUE É A CLASSE HOSPITALAR?

O direito à escolarização de crianças e adolescentes no período de internamento


hospitalar é garantido por lei. As classes hospitalares surgiram a partir da necessidade da
manutenção dos estudantes na escola no período de afastamento de suas atividades regulares.
Dessa forma, a classe hospitalar emerge de políticas públicas e estudos que viabilizam a
escolarização desses educandos, com o intuito de garantir os seus direitos.
No Brasil, o direito à escolarização dos educandos hospitalizados é orientado e garantido
pelos documentos:
 Constituição Federal/88, art. 205;
 Lei n. 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente);
 Resolução n° 41/95 (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente);
 Lei N° 13.716, de 24 de setembro de 2018 que altera LDB 9.394/96, passando a garantir
o atendimento educacional ao aluno da educação básica internado para tratamento de
saúde;
 Resolução n. 02/01 – CNE/CEB (Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica);
 Portaria de avaliação 356/2019 – SEEC/RN
48

 Plano Estadual de Educação – PEE/RN – Lei 10.049/2016;


 Resolução n° 03/2016 – CEE/CEB/RN, 23 de novembro de 2016;
 Lei Estadual n° 10320/2018 – Dispõe sobre o Programa de Atendimento Educacional
Hospitalar e Domiciliar do RN.
 Documento “Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e
orientações”, editado pelo MEC, no ano de 2002.

Nesse último, denomina-se classe hospitalar como o

atendimento pedagógico-hospitalar que ocorre em ambientes de tratamento de


saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida,
seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em
serviços de atenção integral à saúde mental (BRASIL, 2002, p.13).

O ambiente deve ser organizado de modo a oferecer assistência educacional aos


pacientes internos, principalmente, aos alunos em idade escolar. Desse modo, compete às
secretarias de educação em geral atender às demandas das classes hospitalares em hospitais
públicos. Além disso, o serviço domiciliar de saúde deve ser oferecido, também, caso o paciente
não possa realizar suas atividades escolares na escola regular.

Atendimento pedagógico domiciliar é o atendimento educacional que ocorre


em ambiente domiciliar, decorrente de problema de saúde que impossibilite o
educando de frequentar a escola ou esteja ele em casas de passagem, casas de
apoio, casas-lar e/ou outras estruturas de apoio da sociedade (BRASIL, 2002,
p.13).

Ambos os atendimentos devem estabelecer suas atividades, sempre que possível,


buscando atender às dificuldades escolares dos alunos. Assim, caso possível, contribuindo para
a permanência desse aluno na sua escola de origem. Logo, as atividades desenvolvidas pelos
professores da classe hospitalar e do atendimento domiciliar devem estar em diálogo com as
que os pacientes tinham contato na escola regular.
Nesse cenário, os professores dos referidos atendimentos devem compreender como
ocorre a dinâmica de ensino nessa circunstância, pois o adoecimento do educando propõe ao
profissional da educação técnicas diferenciadas de atendimento, visando a melhor estratégia
para o estabelecimento da aprendizagem.

O professor que irá atuar em classe hospitalar ou no atendimento pedagógico


49

domiciliar deverá estar capacitado para trabalhar com a diversidade humana e


diferentes vivências culturais, identificando as necessidades educacionais
especiais dos educandos impedidos de frequentar a escola, definindo e
implantando estratégias e flexibilização e adaptações curriculares.
Deverá, ainda, propor os procedimentos didáticos-pedagógicos e as
práticas alternativas necessárias ao processo ensino-aprendizagem dos
alunos, bem como ter disponibilidade para o trabalho em equipe e o
assessoramento às escolas quanto à inclusão dos educandos que
estiverem afastados do sistema educacional, seja no seu retorno, seja
para seu ingresso (BRASIL, 2002, p.22).

Diante disso, para a atuação na classe hospitalar, torna-se necessário que os profissionais
saibam lidar com situações que vão além das teorias estabelecidas, trabalhando com
sensibilidade e estabelecendo propostas didáticas adequadas em relação à situação dos alunos-
pacientes.
Parafraseando Rodrigues (2012), independente do professor trabalhar em espaços
formais ou não formais de educação, ele deve atuar como colaborador, mediador de construção
de conhecimentos, propiciando o desenvolvimento das potencialidades dos alunos por meio de
técnicas diferenciadas de ensino.
Ademais, atendendo aos critérios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o
planejamento do projeto a ser desenvolvido na classe hospitalar é orientado pelo referido
documento, tendo em vista que, cada classe hospitalar organiza seu projeto de modo a se
adequar às circunstancias locais. De acordo com o documento Classe hospitalar e atendimento
pedagógico domiciliar, (BRASIL, 2002. P.13):

Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar


elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento
pedagógico-educacional do processo de desenvolvimento e construção do
conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas
de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se
impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente e,
garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo
flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada
integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de
atenção integral.

Portanto, o referido atendimento permite cumprir a inclusão, legitimando os direitos de


crianças e adolescentes ao acesso à escolarização, diminuindo as desigualdades advindas não
apenas pela condição do adoecimento, como também pela conjuntura social, muitas vezes
desfavorecida, vivenciada por esses indivíduos.
50

3.5 LETRAMENTO E SAÚDE: A ESCOLA NO CONTEXTO HOSPITALAR

A relação do indivíduo com o espaço no qual está inserido, levando em consideração a


criança e o adolescente no ambiente hospitalar, possibilita uma dinâmica diferente do cotidiano
vivenciado em sala de aula, pois o fenômeno do adoecer implica diretamente na capacidade de
realização de tarefas vinculadas à escola de origem.
De acordo com Oliveira e Maia (2012, p. 13), nesse processo “há uma quebra da sua
rotina e a separação de elementos significativos como a sua casa, os pais, a escola, os amigos,
a família, os brinquedos, entre outros”.

Para Vygotsky, a aprendizagem sempre inclui relações entre pessoas. A


relação do indivíduo com o mundo está sempre mediada pelo outro. Não há
como aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos
fornece os significados que permitem pensar o mundo a nossa volta. Veja bem,
Vygotsky defende a ideia de que não há um desenvolvimento pronto e previsto
dentro de nós que vai se atualizando conforme o tempo passa ou recebemos
influência externa. O desenvolvimento não é pensado como algo natural nem
como produto exclusivo da maturação do indivíduo, o contato com a cultura
produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a
aprendizagem (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2013, p. 141).

Nesse aspecto, as atividades implementadas pela classe hospitalar tornam-se


fundamentais para que não haja perda no desenvolvimento da criança e do adolescente, poisessa
instituição além de buscar manter os elementos constitutivos do ambiente escolar, ainda
contribui melhorando a ociosidade do paciente que, por vezes, sente-se inquieto por não poder
estar em contato com os elementos significativos do seu dia a dia.
No quadro abaixo, podemos observar alguns estágios da criança, destacando o
desenvolvimento, crises e hospitalização.
51

Quadro 4 - Desenvolvimento, crises e hospitalização

Diretrizes 0-1 anos 2-3 anos 4-5 anos 6-12 anos


Evolutivas/
Idade

Estágio Confiança Autonomia Iniciativa Produtividade


evolutivo de Básica X X X
Erikson X Vergonha e Culpa Inferioridade
Desconfiança Dúvida
Básica
Estágio
Evolutivo de Integração – personalizado – realidade/realização –
Winnicott Objeto transacional
Estágio Sensório motor Pré-operatório Operações
Evolutivo de concretas
Piaget

Estágio Infância Meninice Idade Idade


Evolutivo de Precoce pré-escolar Escolar
Vygotsky
Figura Pessoas Família ampla Social, meio,
Relações Materna Parentais escola
Significativas Relações
Seguras e afetuosas
Necessidade
Características do desenvolvimento

da presença
da figura Pensamento
materna e Egocentrismo concreto Importância
paterna, estes Pensamento Egocentrismo Dos grupos,
responsivos e Concreto Domínio de Pares
confiantes. Autocontrole, habilidades, Causa-efeito
Dependência Exploração e Conceitos, Habilidades
C

Busca de manipulação valores e Sociais e físicas


satisfação de Situacional relações Realização
necessidades Busca de Espontaneidade Convivência
Ajustamento autonomia Jogos em grupo escolar
Busca de equilíbrio Imposição contra Desenvolviment
Entre conduta e limites o psicossexual
necessidade
52

Sensação de Sensação de Dor, sintomas e Raiva/culpa


Abandono abandono condutas como Sentimento de
Regressão Fantasias punição diferença
Depressão Perda da Limitações Interferência
Apatia Autonomia Regressão nas relações
Efeitos da hospitalização

Hospitalismo Agressividade Retardo do grupais


Agitação Ambivalência ingresso escolar Personificação
psicomotora Regressão da morte
Insegurança Medo do Prejuízo escolar
Medo do desconhecido Redução de
Desconhecido habilidade
Falsa cognitivas e
adaptação concentração
Frustação de
sonhos e
projetos
Interesse/medo
da morte

Fonte: Adaptado de Oliveira e Maia (2012).

Como é possível perceber teoricamente, uma série de fatores influenciam na


hospitalização infantil, com isso podemos vislumbrar que dentro do contexto hospitalar, lidar
com o processo de adoecimento e as consequências da hospitalização implicam diretamente no
desenvolvimento da criança.
Na perspectiva escolar, cabe depreender como ocorre o trabalho do professor na
ambiência hospitalar, em razão de enfrentar maiores obstáculos para o seu fazer profissional.
Nem sempre os alunos-pacientes estarão receptivos para realização das atividades propostas, e
as investidas para conquistá-los são maiores que na escola regular, uma vez que a doença e o
internamento impactam nas etapas elencadas no quadro anterior.
As práticas de letramento são situadas, isto é, levam em consideração o contexto, a
situação e as rotinas dos indivíduos. Dentro do hospital, essas práticas são organizadas de
acordo com as possibilidades do ambiente e das condições dos alunos-pacientes. Nesse sentido,
também devem ser levados em conta o contexto social da criança e do adolescente, qual o tipo
de doença, suas comorbidades, o histórico escolar, dentre outros fatores, haja vista que:

As práticas de letramento são práticas situadas, o que significa que os


objetivos, os modos de realizar as atividades, os recursos mobilizados pelos
participantes, os materiais utilizados, serão diferentes segundo as
características das práticas sociais (por exemplo, uma missa, uma festa), da
atividade de linguagem desenvolvida (ler o missal, mandar um convite), da
instituição/esfera social (religiosa, familiar). (KLEIMAN, 2005, p. 25-26).
53

Nesse prisma, pensar nos letramentos dos alunos-pacientes é considerar o todo e atender
de modo individual, ou seja, não é possível desenvolver uma aula sem pensar na individualidade
de cada um, pensar sobre suas necessidades e respeitar a história deles. Por exemplo, ao
considerarmos um paciente pediátrico dotado de apoio dos familiares, com suas atividades
escolares regulares, os professores podem ter uma visão mais objetiva de como atendê-los.
Ao contrário dessa situação, ao imaginarmos uma criança ou adolescente em situação
de rua, e ocasionalmente necessitando de internamento, e esse paciente não esteja ligado à
escola, à educação familiar, não possuindo acesso fácil aos meios de comunicação, o
direcionamento das aulas serão outros, construídos a partir do conhecimento prévio deles. Nesse
caso, os profissionais devem analisar quais os desafios para integrar esses alunos-pacientes às
aulas. De acordo com Kleiman (2005, p.52), o professor enquanto agente de letramento,
consegue

Por meio de sua liderança articular novas ações, mobilizando o aluno para
fazer aquilo que não é imediatamente aplicável ou funcional, mas que é
socialmente relevante, aquilo que vale a pena ser aprendido para que o aluno
seja plenamente inserido na sociedade letrada. Outra estratégia importante é
ampliar os horizontes de ação do grupo.

Diante disso, o professor inserido no ambiente hospitalar tende a buscar subsídios para
possibilitar os letramentos dos alunos. E, como afirma Kleiman (2005, p.51), “a leitura é a
ferramenta por excelência para isso”. Ela pode ser construída de forma mais criativa, com
intuito de amenizar as dificuldades enfrentadas no internamento hospitalar tais como: o uso de
medicamentos, injeções, exames e a própria condição de adoecimento do aluno-paciente.
Assim, “considerando a linguagem infantil para lidar com as crises na infância, nada
mais viável para se trabalhar com a criança hospitalizada que o brincar. Não se trata só do
brincar como recreação, mas como técnica lúdica, terapêutica, estimulativa e educativa”
(OLIVEIRA; MAIA, 2012, p.16).
Nesse sentido, o brincar não é visto como um mero exercício de recreação, ele deve
estar atrelado às atividades de leitura e escrita em que a aprendizagem ocorra de forma lúdica e
significativa. Essa relação entre o brincar e o letramento além de contribuir para o ensino-
aprendizagem, também atribui ação terapêutica para os alunos, haja vista que

brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo
e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as
próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de
consciência. Se estivermos num salão de dança e estivermos verdadeiramente
54

dançando, não haverá lugar para outra coisa a não ser para o prazer e a alegria
do movimento ritmado, harmônico e gracioso do corpo. Contudo, se
estivermos num salão de dança, fazendo de conta que estamos dançando, mas
de fato, estamos observando, com o olhar crítico e julgativo, como os outros
dançam, com certeza, não estaremos vivenciando ludicamente esse momento.
(LUCKESI, 2000, p.21)

Então, as brincadeiras utilizadas estrategicamente podem trazer uma fuga do momento


de adoecimento dos alunos-pacientes, fazendo com que eles fiquem imersos nos eventos de
letramentos implementados de forma lúdica.
55

4 LETRAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE DE


PRÁTICAS DESENVOLVIDAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
HOSPITALAR E DOMICIAR

Nesta seção, apresentamos a análise do corpus da pesquisa, tecendo algumas discussões


a seu respeito. Nela, focalizamos o trabalho do professor da classe hospitalar, participantes,
letramentos necessários à atuação do professor da classe hospitalar, ambiente e domínio,
artefatos, atividades e algumas discussões a respeito das práticas de letramentos.

4.1 O TRABALHO DO PROFESSOR DA CLASSE HOSPITALAR

O estudo do letramento no âmbito do trabalho tem como principal propósito explorar a


linguagem que perpassa nessa conjuntura. Em termos do estudo do letramento profissional,
tem-se tal especificidade, pois os sujeitos em que a pesquisa está direcionada possuem uma
formação que os direcionam para atuarem nos diversos setores da atividade profissional,
diferente do trabalho informal, o qual não necessita de preparo qualificado.
Nesse seguimento, o trabalho do professor da classe hospitalar só ocorre pelo fato desse
profissional possuir formação acadêmica para pleitear o referido cargo, de acordo com que é
exigido para atuar na respectiva área. Diante disso, embora a formação o permita ser
direcionado ao espaço de ofício, a construção profissional ocorre, sobretudo, através da prática.
No livro Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino de Bawarshi e Reiff, no capítulo 8,
intitulado: “Pesquisa de gêneros no ambiente de trabalho e em contextos profissionais”,
inicialmente, discute a relação entre os gêneros que perpassam o ambiente acadêmico, isto é,
de formação, e os gêneros que perfazem a ambiência profissional. Nessa discussão, depreende-
se que os espaços profissionais e os acadêmicos são mundos diferentes, logo os gêneros também
atendem a propósitos específicos.
Nesse sentido, os espaços profissionais são permeados por linguagens específicas, às
quais atuam para realizar determinadas funções. Assim, torna-se necessário o estudo dessa
linguagem, ou seja, como ela se organiza dentro de uma instituição para atender os diferentes
propósitos sociais e, consequentemente, resolver as implicações profissionais. Diante disso,
analisar as práticas de letramentos decorrentes nesses ambientes possibilita depreender tais
propósitos. Sobre isso, Paz (2008) afirma que

[...] são diversas as exigências que permeiam uma mesma atividade de


trabalho em termos de habilidades de linguagem, também são múltiplas as
56

práticas de letramento estabelecidas no campo do trabalho, instauradas não


somente para atender demandas ligadas ao desempenho da função, como
também à formação, ao aperfeiçoamento profissional e ao recrutamento e
seleção para ocupação de cargos na área. (PAZ, 2008, p. 42).

Sendo assim, vários fatores influenciam nas práticas de letramentos dentro da esfera
profissional. No que tange à nossa investigação, a classe hospitalar compõe todas essas
exigências em termos de habilidades de linguagem descritas por Paz (2008), em outras palavras,
as práticas de letramento nesse local são múltiplas. E essas práticas são mediadas pelos gêneros
discursivos, ou, como aponta a teoria bakhtiniana, repertório de gêneros.
Nesse viés, o fazer profissional do professor da classe hospitalar exige diferentes
práticas de letramentos, as quais têm como maior objetivo o desenvolvimento das atividades
direcionadas aos alunos-pacientes. “A forma como a linguagem é utilizada no espaço
profissional orienta a execução do trabalho, articula os objetivos comuns, agrupa pessoas,
registra o que foi executado, reclama providências pelo não feito, aproxima ou afasta interesses
(COSTA, 2019, p 66)”.
Essas práticas são diferentes da escola regular, tendo em conta que o hospital não
constitui um espaço formal de educação, sendo um lugar capacitado para o tratamento da saúde
dos pacientes. Logo, o trabalho do professor assume práticas profissionais diferenciadas da
escola regular, às quais buscam se adaptar às rotinas exigidas pelos educandos hospitalizados.
Partindo do nosso principal objetivo: analisar as práticas de letramentos profissionais
de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar, descrevemos
como essas ações são organizadas no seu contexto de inserção. Para tanto, fundamentamo-nos
em algumas categorias de Hamilton (2000), em que a autora define elementos fundamentais
dos eventos e práticas de letramento: participantes, ambiente/domínio, artefatos e atividades.
Ao pesquisarmos sobre os participantes das práticas de letramentos do referido
atendimento, foi possível depreender o percurso formativo das professoras participantes, a
constituição da identidade a partir daquele ambiente, os desafios enfrentados e os letramentos
necessários para atuação no hospital.
Em termos de ambiente/domínio, observamos onde as práticas de letramentos são
desenvolvidas, descrevendo os cenários em que essas práticas se reproduzem. Além disso,
discutimos o domínio no qual essas práticas estão situadas, a fim de esclarecer o principal
objetivo das atividades desenvolvidas pelas professoras.
Com relação aos artefatos, em termos materiais, foi constatado que na classe hospitalar
busca-se utilizar os mesmos materiais usados na escolar regular. Para a concretização do fazer
57

profissional, as professoras utilizam artefatos materiais específicos, os quais fazem relação


entre a escola e o hospital. No que diz respeito aos artefatos conceituais, eles se moldam de
acordo com o objetivos das aulas, isto é, tendem a ser representados pelas significações dos
recursos empreendidos.
Em relação às atividades, descrevemos a rotina das professoras a partir do momento em
que elas chegam ao hospital até o término de suas atividades. À vista disso, especificamos como
ocorre o uso dos artefatos materiais, principalmente os gêneros interligados ao fazer
profissional. Dessa forma, destacamos neste trabalho as práticas de letramentos: consulta ao
censo, entrevista com os acompanhantes, correspondência à escola de origem, acolhida do
aluno, atendimento nos leitos, atendimento na sala, registro do aluno e planejamento.

4.2 PARTICIPANTES

Na classe hospitalar do HUOL atuam duas professoras: Ana e Alice (pseudônimos). No


que tange à formação profissional, a professora Alice possui graduação em Pedagogia pela
UFRN. Logo após a conclusão do Curso em 2012, tornou-se professora efetiva do quadro de
docentes do Estado do Rio Grande do Norte, por meio de concurso público.
Entretanto, apenas em março de 2015, ela começou a trabalhar no Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar, devido a uma oportunidade de inserção naquele contexto.
Assim, para ser efetivada na classe hospitalar, houve uma entrevista na qual ela atendeu aos
requisitos necessários para sua integração.
De acordo com a professora Alice, o Estado cede o professor para que ele possa atuar
no referido atendimento.

eu iniciei o meu trabalho no Onofre Lopes em março de 2015, 16 de março de


2015, fez 5 anos agora, mas assim, é estranho porque na verdade a gente acha
que faz muito tempo, mas na verdade o sentimento que a gente tem é que faz
pouco tempo, entende? Porque sempre são desafios novos, sempre é algo
novo, tudo é muito novo, entendeu? Aí o sentimento que a gente tem, é que
não sabe muito ainda de classe hospitalar, que tem ainda muito pra desvendar,
pra descobrir, pra aprender. (Resposta da professora Alice)

A professora Ana é graduada em Pedagogia, desde 2011, também pela UFRN. A


docente começou a atuar como professora da educação infantil em 2012 e possui especialização
na Educação de Jovens e Adultos, com ênfase no sistema prisional. Segundo Ana,
58

[...] essa experiência de formação me proporcionou coordenar quatro turmas


em três presídios, em diferentes presídios aqui em Natal pelo programa Brasil
alfabetizado. Sou mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, a mesma instituição na qual eu também me formei como
pedagoga, e hoje estou doutorando em Educação também. Minhas pesquisas
tanto a de mestrado quanto a de doutorado, ela tem por intenção, é, pensar a
classe hospitalar, a de mestrado pensar a criança que estava saindo da classe
hospitalar e retornando para a escola regular, então, era entre a classe
hospitalar e a escola regular e a do doutorado, conhecer um pouco mais da
classe hospitalar a partir do que nos diz essas crianças e do que nos diz também
os profissionais da equipe multi, né? [...] (Resposta da professora Ana)

A professora Ana trabalha em classes hospitalares desde 2014, mas somente no ano de
2018 foi inserida na equipe do HUOL. Além de trabalhar no hospital, recentemente, Ana
assumiu mais um vínculo como pedagoga na câmara municipal de Parnamirim- RN.
Ao direcionarmos o nosso objeto de estudo às práticas de letramentos desenvolvidas
pelas profissionais da classe hospitalar, as professoras Ana e Alice são caracterizadas como
principais participantes da investigação em questão. De acordo com Medeiros (2016, p.58)

os participantes exercem um papel fundamental para a descrição das práticas


de letramento. Tal categoria nos permite compreender aspectos identitários
relacionados aos sujeitos que promovem e vivenciam as práticas de letramento
em estudo e ainda o que eles pensam em relação ao trabalho que realizam.

Em consonância com Medeiros (2016), com relação aos aspectos identitários, durante a
entrevista a professora Alice relata sobre a importância da identidade do professor da classe
hospitalar. De acordo com ela:

[...] professor é professor... Não precisa ser mais nada pra ser importante... pra
ter minha colaboração social... não precisa ser médico... não precisa ser
psicólogo... não ser enfermeiro... nada disso... né? Ser professora basta...
Então, dentro do hospital a gente tem que ter isso muito forte... a identidade
[...] (Resposta da professora Ana)

Sobre essa questão, discorremos sobre a diferença entre a atuação na escola regular e na
classe hospitalar. De acordo com Ana, sua maior dificuldade encontra-se na formação da
identidade enquanto professora da classe hospitalar, pois, dentro do hospital, o aluno não é
apenas aluno: ele também é paciente. Então, assumir essa identidade em um contexto que não
é habitual da escola implica nesse questionamento.
Sobre as dificuldades relatas pela professora Alice, ela afirma que
59

O maior desafio da classe hospitalar pra sala de aula comum é essa coisa do
você ter que ter esse desafio de mudança... tipo hoje a gente planejou algo
hoje/pra hoje e aí a criança já vem com outra demanda... a gente tem que
desfazer tudo aquilo e fazer uma nova... um novo plano...então tem que ser
tudo muito rápido...eu tive que, isso foi um baque pra mim...sabe? a
princípio... a gente dá a sensação de que poxa vida eu tive tanto trabalho
fazendo esse planejamento e tudo...e ter que mudar tudo de novo... mas é
assim, a gente vai se acostumando...sabe? a essa nova rotina...mudança de
imediatismo e tudo tem que ser pautado na criança ali naquele momento.
(Resposta da professora Alice)

Segundo esses relatos, percebemos que essa construção do professor da classe hospitalar
torna-se um desafio diário, pois o período de adoecimento da criança e do adolescente implica
nas suas condições de interação, por consequência, no seu rendimento mediante às atividades
propostas pelo atendimento. Diante disso, Rodrigues (2012, p.82) afirma que “[...] as práticas
pedagógicas em alguns momentos precisam romper com uma ‘doutrina’ didática, tornarem-se
uma prática reflexiva capaz de construir e reconstruir novos saberes”.
Embora a pesquisa esteja centrada na atuação do professor, cabe ressaltar que, nesse
contexto, os principais favorecidos das práticas e eventos de letramentos são os alunos, os quais
denominamos de alunos-pacientes. Entretanto, nesta pesquisa, não houve uma interação direta
com esses participantes, haja vista que, por motivo do isolamento social, as atividades do
atendimento foram suspensas.
Nesse prisma, perguntamos às professoras como ocorre a participação dos alunos-
pacientes na classe hospitalar

A participação deles é, eu acho que é assim... Como se o professor, ele traz


aquela coisa do dia a dia deles, né? Remete isso, então eles participam, então
eles gostam, eles realizam as atividades mesmo estando doentinhos, muitas
vezes eles não estão muito legais, mas eles têm vontade de fazer a atividade,
eles realizam. Ontem eu e Ana, a gente falou com um aluno, sabe? É Ricardo7
e aí ele falou que estava com muita saudade e que não estava podendo ir ao
hospital porque as crianças que realizam tratamento rotineiro, eles não estão
podendo ir ao hospital, sabe? Disse que tava com muita saudade de tudo, foi
interessante essa fala dele, porque a gente não imaginou que ia causar tanta
saudade assim, né? (Resposta da professora Alice)

Segundo a professora Alice, apesar do adoecimento, o atendimento da classe hospitalar


traz uma nova perspectiva para esse indivíduo, porque a representação da escola dentro do
hospital tende a minimizar o desconforto causado pelo adoecer, fazendo com que eles não se

7
Pseudônimo.
60

sintam apenas pacientes, mas também alunos. É possível identificar essa importância através
da fala do paciente Ricardo, o qual relata a saudade da classe hospitalar, e que, por motivos da
pandemia, não estava podendo realizar o seu tratamento rotineiro de saúde no hospital.
Durante o desenvolvimento das atividades, os pais e/ou responsáveis podem participar
das aulas. Vale salientar que alguns educandos hospitalizados precisam estar na companhia
desses responsáveis, caso possuam alguma comorbidade que os impossibilitem de ficarem
sozinhos na sala.
Em relação aos profissionais da área da saúde, eles também desenvolvem intervenções
de forma integrada com a classe hospitalar, ou em outro turno, de forma a promover alguma
atividade alusiva à sua área de atuação. Por exemplo, as assistentes sociais se dispuseram a
preparar uma aula sobre os direitos da criança e do adolescente, trazendo atividades interativas
para os pacientes e acompanhantes. A esse respeito, Rodrigues (2012, p. 96) destaca:

A ambiência de um hospital permite o estabelecimento de ações


multiprofissionais e interprofissionais a partir da compreensão de papéis e
funções profissionais definidas e com delimitações claras e
intercomplementares de atuação. Nesse momento profissional, a ética, a
coerência, o bom senso e a atitude laborativa são fundamentais. São ideias que
não podem ser concretizadas de formas fragmentada ou isolada, é necessário
refletir, discutir, planejar e executar ações interdisciplinares, conjuntas, de
modo que as ações profissionais em particular componham e participem de
ações mais amplas dimensionadas em um coletivo profissional que resultem
no benefício do paciente interno.

Nesse ponto de vista, as práticas de letramentos desenvolvidas pelas professoras estão


interligadas às regras estabelecidas pelo hospital. Ao realizar as atividades cotidianas, essas
docentes cumprem um cronograma em que suas práticas estão interligadas às práticas dos
profissionais da saúde.

As regras, nesse caso, são normas implícitas e explícitas construídas por


convenções sociais dentro da comunidade. A divisão de trabalho, como forma
de mediação entre comunidade e o objeto, contempla o modo de organização
da comunidade no que se refere ao processo de transformação de um objeto
em um resultado (PAZ, 2008, p.150).

Essa noção de regras também é aplicada nessa circunstância em que as professoras


precisam trabalhar em consonância com os profissionais da saúde. Em muitos momentos em
que elas estão realizando suas atividades, médicos, enfermeiros e outros profissionais fazem
intervenções clínicas nos pacientes, como por exemplo: aferição da temperatura, aplicação de
61

medicamentos, dentre outros procedimentos. Assim, essas práticas são construídas de forma
situacional, interdependente e passível de mudanças.
Dessa forma, definimos como participantes todos esses que contribuem para a
realização das referidas práticas, haja vista que tais agentes possuem contribuições para o
aprendizado dos alunos-pacientes, como referido por Rodrigues (2012). No âmbito hospitalar,
as atividades realizadas são intercomplementares, e, por isso, não podem ser estudadas
isoladamente, como podemos visualizar na figura 8:

Figura 8 - Representação dos participantes da classe hospitalar

Fonte: Silva (2021).


62

A figura busca demonstrar os participantes visíveis do referido atendimento, dando


margem a todos os integrantes do ambiente. Mesmo o foco estando nos professores e alunos,
por se tratar do contexto hospitalar, torna-se importante definir quem também pode participar
do atendimento, mesmo indiretamente.

4.2.1 Letramentos necessários à atuação do professor da classe hospitalar

Uma questão importante em relação ao trabalho das professoras consiste em


compreender quais letramentos necessários à atuação dessas profissionais. Sobre isso Kleiman
(2005, p.51) afirma que “O professor que acha que, no seu curso de formação, aprenderá tudo
que um dia poderá precisar para inserir seus alunos nas práticas letradas da sociedade é um
professor fadado ao desapontamento”. Por isso, depreender os letramentos do fazer docente
pode contribuir para os letramentos dos alunos-pacientes. Nesse sentido, a partir dos dados
gerados, mapeamos os letramentos mais observáveis na prática profissional das referidas
docentes.
É sabido que, para atuação profissional de um professor, é necessário letramentos
específicos para a realização do seu trabalho, por exemplo: o letramento acadêmico, o
letramento digital, o letramento social, entre vários outros. No entanto, para além desses
letramentos, na ambiência hospitalar, existem outros letramentos que perfazem o
profissionalismo docente, e são eles que nos interessam.
Nessa perspectiva, percebemos três letramentos que são importantes nesse ambiente: o
letramento hospitalar, o letramento lúdico e o letramento formativo. O letramento hospitalar
diz respeito ao domínio da linguagem que perpassa o ambiente hospitalar, não exatamente
aprender sobre enfermagem ou medicina, mas distinguir os papeis de cada profissional,
buscando compreender os termos mais comuns e necessários para estabelecer diálogo com os
estudantes hospitalizados. Além disso, para poder realizar atividades com a equipe hospitalar.
A respeito disso, a professora Ana afirma que desenvolve atividades de forma integrada
com outros profissionais.

[...] nós temos parceiros que são pessoas da psicologia... é/ o pessoal do


serviço social a gente tenta fazer um trabalho mais integrado com essas
pessoas... mas quando nós fazemos esse trabalho o foco é a escola... nós
convidamos eles a participarem também dentro da escola. Um
exemplo... nós vamos trabalhar a semana da água... certo? E daí...é/ eu
acho que eu compreendi que você tá tentando trazer...É... na semana da
63

água nós convidamos pessoas da farmácia... pessoal da enfermagem.


Pessoal da farmácia...trabalha...nós temos aí crianças naquele período...
nós temos crianças com umas doenças que não podiam tomar muita
água... e tem outras precisando tomar muita água...então as meninas
foram trabalhando... fórmula... ml...quanto precisavam... o que o corpo
precisavam...porque o de fulaninho precisava e o meu não precisava...aí
pra essa aula a gente chamou mães... enfermeiras... Fez uma aula
coletiva... mas a perspectiva... o objetivo disso tudo era escolar...você
entende? Era de alfabetização... no final das contas... Além desse
diálogo e tudo mais, a atividade... é/ escrita que elas fizeram foi de
relatar um relatório pra quem escrevia... uma redação...os meninos
construíram um cartaz... (Resposta da professora Ana)

Por isso existe a necessidade de aprender sobre a linguagem que circula no ambiente
hospitalar, afinal, o trabalho realizado pelas professoras convergem com atividades da equipe
multiprofissional hospitalar, e pelo motivo do HUOL ser um hospital-escola, são realizadas
muitas atividades multidisciplinares. Durante as observações no local, também foi possível
observar a presença de uma estudante de Pedagogia, à qual realizava um projeto de extensão
integrado à classe hospitalar.
Em relação ao letramento lúdico, torna-se necessário compreender a linguagem da
criança para uma abordagem mais criativa e interativa. Isso não quer dizer que as atividades
serão apenas em formato de brincadeiras, porém utilizar a leitura e a escrita de maneira
dinâmica e atrativa. “A classe hospitalar e o lúdico...eles são parceiros inseparáveis... a gente
não consegue separar os dois porque não tem como” (Professora Ana). Como é referido por
Rodrigues (2012, p.104),

a importância, também, da oportunidade de a criança externar seus


sentimentos é valorizada pelas possibilidades de ela desenvolver suas
potencialidades, adotando posturas sociais de comportamento que lhes
permitam viver uma relação construtiva consigo mesmo e com seu
meio.

Nessa conjuntura, a ludicidade permite que esses educandos hospitalizados tenham o


resgate social da escola, respeitando o momento de dor, medo e angústia trazidos pelo adoecer
e o internamento. Compreender o momento de adoecimento da criança diz respeito a buscar
ouvi-la, priorizando sua integridade física e mental, e, posteriormente, criar estratégias que
possam contribuir para sua inserção à escola.
Nas discussões de Oliveira, Maia e Araújo (2012), o lúdico permite que os pacientes
pediátricos expressem os seus sentimentos e, dessa forma, é possível investigar a situação que
64

inibe a sua aprendizagem. Portanto, a importância do letramento lúdico às profissionais da


classe hospitalar é fundamental para o desenvolvimento das suas atividades.
O Processo formativo – e o consequente letramento formativo dos professores – ocorre
de forma contínua. Nessa formação, existe a possibilidade do compartilhamento das
experiências dessas professoras com outros professores também de classes hospitalares. Sendo
assim, nessa comunidade tem-se um letramento específico, haja vista que a linguagem se ancora
em finalidades próprias para aquela situação.
Ao utilizarmos as notas de campo da nossa pesquisa referente ao evento oferecido pela
UFRN (no setor do Centro de Educação) aos profissionais da classe hospitalar, averiguamos o
quanto a linguagem afunila-se para o contexto específico de formação desses profissionais.
Alguns trechos das discussões foram importantes para identificar linguagens específicas
da área, tais como: “trabalhar como se aquele fosse o último dia da criança”, referente às
crianças com doenças graves. “Lidar com situações-limite dos alunos”, discussões sobre até
que ponto o professor pode exigir do aluno, respeitando a sua patologia. “Adoecimento não é
apenas fisiológico, mas também sociocultural”, com relação a integração das pessoas com
doenças na sociedade. Assim, apoiados em Paz (2008, p.32),

o letramento sob essa ótica é concebido como um fenômeno que compreende o


que as pessoas fazem por meio da leitura e da escrita em determinados
contextos, movidas pelas exigências inerentes às diversas situações de
interação, objetivando dar conta de propósitos estabelecidos.

No contexto formativo – ou contexto de formação dos profissionais da classe hospitalar-


existe a necessidade do uso da linguagem de forma a descrever a constituição do cenário vivido
pelos professores no ambiente hospitalar. Sendo assim, emerge o letramento representativo
dessa comunidade, o letramento formativo docente. Esse letramento manifesta-se a partir das
experiências partilhadas pelos professores das classes hospitalares.

4.3 AMBIENTE E DOMÍNIO

No dia 30 de dezembro de 2014, foi realizado um convênio entre a SEEC/RN e o HUOL,


é a data que marca o início das atividades pedagógicas na unidade pediátrica do respectivo
hospital. Assim, em 2015 o atendimento oferecido pela classe hospitalar começou a ser
desenvolvido.
65

A classe hospitalar do HUOL tem como proposta o desenvolvimento de


atividades educacionais, de modo a garantir o atendimento pedagógico para
as crianças e adolescentes internados na ala pediátrica do HUOL, na
perspectiva da garantia do direito à escolarização e reinserção educacional
após alta médica (LOPES, 2016, p.18)

Nesse sentido, para termos uma visão de como se caracteriza o ambiente/domínio da


classe hospitalar, especificamente do HUOL, buscamos compreender através da ótica das
professoras que atuam no referido atendimento, como esse ocorre, levando em consideração os
aspectos que envolvem para além das teorias postuladas nos documentos que direcionam o
atendimento. Portanto, perguntamos às professoras o que é o referido atendimento:

É um atendimento... é/ o professor do estado...ele é cedido... né? das


instituições e hospital...pra que ele possa fazer esse acompanhamento escolar
na criança internada... certo? E aí como é feito o acompanhamento... né? o
acompanhamento é... na realidade no HUOL... né? o atendimento é realizado
na brinquedoteca... né? como você já presenciou, ou no leito... ou na UTI
também...e aí a princípio a gente segue toda uma rotina...né? a gente segue
uma rotina pra poder não se perder...entendeu? Porque são muitas coisas que
acontecem no decorrer do dia que faz com que você... muitas vezes atropele
esses... essa rotina [...] (Resposta da professora Alice)

Ao fazermos a mesma pergunta à professora Ana, ela respondeu:

Ele é voltado para as crianças que estão em situação de adoecimento... que


estão no hospital pra realizar tratamento de saúde... tanto para as crianças com
doenças crônicas que passam muito tempo hospitalizadas... que às vezes ficam
anos sem ir para a escola...quanto pra àquelas que estão...que vem tal dia para
uma consulta... é/ em um momento pontual... Então...a classe hospitalar ela
tenta ser... né? Esse atendimento como você colocou... ele tenta ser uma
ponte... ele não substitui a escola... ele é uma ponte entre a escola e o hospital...
né? Então... é/ ela não substitui a escola como eu coloquei... mas ela tenta ser
esse elo de ligação... né? A gente é/ a gente assim que entra em contato com a
criança... quando a criança fica mais tempo no hospital a gente pede... né? Os
dados da escola e entra em contato com esta escola pedindo envio de
materiais... É/ver o que eles estão estudando e nós também damos um retorno
a escola exatamente porque temos isso em mente... temos isso claro que nós
não substituímos a escola... nós somos uma ponte... nós somos um elo de
ligação...

Através das respostas das professoras, pontuamos algumas informações importantes


sobre o que é esse atendimento:

a) É um atendimento vinculado e cedido pela SEEC/RN;


b) Por meio dele, realiza-se o acompanhamento escolar;
66

c) É voltado para crianças e adolescentes que estão em situação de adoecimento;


d) O atendimento é realizado na brinquedoteca, localizada na pediatria do HUOL e
também nos leitos;
e) Há um cronograma para o desenvolvimento das atividades;
f) O atendimento não substitui a escola regular;
g) Funciona como um elo com a escola regular.

Com essas informações, tentamos sintetizar como funciona o atendimento educacional


hospitalar do HUOL, contextualizando os dados fornecidos pelas próprias professoras do
referido atendimento.
Os elementos ambiente e domínio são fundamentais para depreendermos como ocorrem
as práticas e eventos de letramentos das professoras da classe hospitalar. Nesse sentido,
ambiente abrange o lócus onde essas práticas são desenvolvidas, e o domínio diz respeito às
significações sociais, isto é, ao propósito social dessas práticas.
O ambiente no qual o Atendimento Educacional ocorre é no hospital, sendo a
brinquedoteca a sala onde se desenvolve a maioria das atividades. O atendimento também
ocorre, porém, nos leitos dos pacientes, o que varia dependendo do seu estado.

Figura 9 - Aula na brinquedoteca com vista para frente da sala

Fonte: Acervo das professora


67

Figura 10 - Aula na brinquedoteca com vista para o interior da sala

Fonte: Acervo das professoras.

Nas imagens, podemos perceber como é o ambiente brinquedoteca e o modo como a


aula foi organizada. Na primeira, tem-se a visão da frente da sala: nota-se que é um ambiente
equipado, com cadeiras, mesinhas, estantes, livros, televisão, brinquedos, paredes decoradas
com informações alusivas à escola etc. Na segunda, é possível identificar que o ambiente não é
muito extenso, sendo assim, em caso de uma demanda maior de pacientes, o espaço talvez não
acomodasse a todos.
Ao perguntarmos: -Você considera que o ambiente é adequado para atender os alunos?

É um convite ao novo...né? É um convite a se lançar ao novo... né? A


gente não tem uma sala somente nossa é...não tem como você viu... a
gente divide a sala com os profissionais... o pessoal da psicologia... Por
isso que eu falo sempre muito neles... porque eles estão sempre muito
ali conosco... né? É... nós... nós vamos aos leitos que é aonde as crianças
tomam as medicações...onde as crianças estão o tempo todo recebendo
visita... Chega o fonoaudiólogo... chega a enfermeira pra aplicar...
administrar medicação... chega o médico para uma consulta...então a
gente/é/ tenta... dentro desse ambiente que não foi pensado para ser
escola... ser escola...né?. Então...nós vamos buscando torná-lo... é...
68

acessível e proporcionar um momento de aula... mas ele não foi pensado


pra isso... né? Propriamente pra isso... Então é um desafio pra gente
também construir esse espaço... e essa identidade... (Resposta da
professora Ana)

Conforme a professora Ana, a brinquedoteca não é um espaço destinado somente à


classe hospitalar, como o próprio ambiente já se denomina, é um espaço de recreação.
Entretanto, se formos observar em termos de extensão (destacado anteriormente na metodologia
desse trabalho), o hospital comportaria uma sala específica para a execução da classe hospitalar,
tendo em conta a importância das atividades escolares nesse contexto.
Além da brinquedoteca, o atendimento é realizado nos leitos e espaços disponíveis na
pediatria. Nos leitos as aulas ocorrem individualmente, geralmente, por uma das professoras,
pois a outra atende às demandas da brinquedoteca. De acordo com as professoras, o atendimento
nos leitos sucede da seguinte forma:

[...] se ela tiver muito debilitada a gente vai, inicia uma conversa...uma
aproximação e aí vai... a partir dessa conversa a gente vai vendo o interesse
dele... o que ele quer naquele dia...a gente começa aos poucos...sabe? e aí vai
conquistando... o que que você gostaria de fazer? O que é que você quer fazer?
Quer que eu conte uma história? A gente vai por esse meio...Sabe? E pronto.
A partir daí a gente começa a/quando ele nos acolhe a gente começa a inserir
o que a gente tem proposto pra semana...entendeu? Entra em contato com
escola...se necessário, se for passar muitos dias... tudo é muito devagar e aos
poucos porque não adianta a gente chegar assim né...de repente? Tem criança
que é ótima... assim sabe? já tem outras que já é um pouquinho mais
resistente...as maiores... sabe? mas na maioria das vezes... eles são bem
interessados... eles querem aprender... eles querem fazer as atividades...é
interessante... (Resposta da professora Alice)
69

Figura 11- Atendimento no leito

Fonte:https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn.
Acesso em: 21 de ago. de 2020.

Na imagem acima temos o atendimento realizado no leito. Essas atividades ocorrem


quando a criança ou adolescente não dispõem das condições necessárias para ir até à
brinquedoteca. Segundo a professora Alice, essas atividades são inseridas aos poucos,
respeitando o estado clínico do aluno-paciente, visando estabelecer tarefas que, antes de tudo,
sejam confortáveis e atrativas, com vista à garantir o interesse desses indivíduos.

[...] se ele tem atividade da escola... nós priorizamos as atividades da


escola...certo? Que aí a gente faz todas as anotações, a gente separa as
atividades respondidas e envia novamente pra escola com nossas observações
e tudo mais...certo? Sobre a realização de cada um... se ele não tem...e ele não
70

foi pra sala...nós realizamos a mesma aula de forma aí... é... um recorte da
aula... mesma discussão que nós realizamos na sala nós levamos para o
leito...inclusive a mesma atividade... se os meninos fizeram um livro lá
gigante... é... sobre a chegada e invasão dos portugueses nós levamos para o
leito também a mesma atividade... eles constroem lá conosco a mesma
atividade...certo? A perspectiva é sempre de trabalhar a mesma atividade... a
não ser que... seja uma demanda específica da própria criança... um
exemplo...Laura vai e diz que tem dificuldade com matemática e ela queria
muito porque ela vai embora na próxima semana, ela queria muito aprender
subtração... dentro da nossa discussão também, a gente tenta não fugir...e até
porque.. é/enfim, fica melhor de sistematizar as coisas, a exposição das
atividades e pra criança também acompanhar o que tá sendo discutido, de
repente no outro dia ela quer ir pra sala... ela não fica alheia a discussão... aí
nós realizamos dentro da discussão lá... dos pauzinhos da caravela... a gente
tenta fazer uma atividade de subtração porque foi uma demanda específica da
criança... entende? Mas... nós trabalhamos geralmente... nos leitos na UTI...
no isolamento... nós trabalhamos a mesma atividade que foi realizada na classe
hospitalar... até pra dar a sensação a essa criança de pertença...por
exemplo...ah você vai lá depois...quando você puder, você vai lá na sala e olha
no mural...ou quando ela não está na UTI, eu tiro foto e mostro a ela... da
atividade dela no mural pras outras verem...então a gente tenta fazer isso...
(Resposta da professora Ana)

Como referido anteriormente, a classe hospitalar não substitui a escola regular do aluno,
portanto, os conteúdos oferecidos pela escola são vistos como prioridade. Desse modo, mesmo
os alunos-pacientes estando nos leitos, existe a preocupação de inserir os temas estudados na
escola de origem, a fim que esses alunos não se distanciem do processo de formação habitual.
Quando há a possibilidade dessa inserção, todas as tarefas são registradas nos relatórios das
professoras e são enviados à escola de origem.
Na pediatria, onde há espaços que podem comportar a realização de atividades, estes
são aproveitados pelas professoras e alunos-pacientes para o desenvolvimento de tarefas
inerentes ao atendimento proposto. Isso pode ser observado na imagem a seguir:
71

Figura 12 - Apresentação de atividades desenvolvidas pelas professoras

Fonte: Acervo das professoras.

Na imagem temos uma proposta de aula em formato de encenação, cujas personagens


são as próprias professoras. Nessa apresentação foi necessário dispor de um espaço maior para
o desenvolvimento da atividade, portanto, utilizaram um local vazio nas dependências da
unidade pediátrica.
Assim, concluímos que o ambiente no qual as atividades do atendimento educacional
está inserido é o ambiente hospitalar, pois as atividades são desenvolvidas apenas dentro dessa
ambiência, sendo na brinquedoteca, nos leitos (de UTI ou de salas de internamento comum),
ou em espaços vagos da unidade pediátrica.
Em relação ao domínio, embora se trate do ambiente hospitalar, o domínio em que essas
atividades estão inseridas passam a assumir formatos e características do ambiente escolar. O
propósito social do atendimento está relacionado à inclusão desses pacientes à escola. Como
assevera Rodrigues (2012, p.42), “a classe hospitalar foi criada com o objetivo de assegurar às
crianças e aos adolescentes hospitalizados a continuidade dos conteúdos regulares,
possibilitando um retorno após a alta sem prejuízos à sua formação escolar”.
Diante disso, mesmo obedecendo às regras da instituição hospitalar, o atendimento
educacional encontra-se no domínio escolar, porque o objetivo do atendimento consiste em
72

estabelecer uma relação entre a escola de origem e o atendimento educacional hospitalar. Ao


perguntarmos como funciona a classe hospitalar em relação ao currículo:

[...] então nós temos um projeto... nós dividimos um projeto anual em quatro
partes... né? Tentamos acompanhar os bimestres escolares e dentro desse
projeto nós trazemos conteúdos...pensando aí num conteúdo que ele possa ser
trabalhado desde a educação infantil até o ensino médio... porque nós
trabalhamos com uma turma multisseriada... então nós trazemos conteúdos
diversos...atendendo aí aos documentos oficiais... agora a BNCC... então nós
pensamos esse projeto a partir desses documentos... E aí a criança...ela traz...
quando ela vai fazer um tratamento mais prolongado... geralmente as crianças
com doenças crônicas... a gente tenta porque nem sempre isso acontece...
infelizmente...a gente tenta que a escola...ela nos envie um material...as
atividades que as crianças estão realizando na escola... então a criança está no
hospital e a gente tenta fazer esse acompanhamento é/ curricular da escola
dela...dentro do hospital... (Resposta da professora Ana)

Como podemos observar, o atendimento é executado por meio de um projeto anual,


desse modo, são estabelecidas quais as atividades devem ser desenvolvidas no decorrer do ano.
Esse projeto é fundamentado nos documentos oficiais que regem o ensino e a educação, e deve
atender desde a educação infantil até o ensino médio. Com base nisso e no que foi observado
anteriormente nessa pesquisa, o domínio em que a classe hospitalar se firma é o escolar.

4.4 ARTEFATOS

Como mencionado por Hamilton (2000), os artefatos são ferramentas materiais e


acessórios envolvidos na interação, incluindo textos. Ao referirmo-nos às práticas das
professoras, os artefatos materiais são os instrumentos necessários à efetivação do seu fazer
profissional.
Na classe hospitalar, os artefatos materiais presentes no atendimento assemelham-se aos
utilizados na escola regular, isto é, serve à implementação do planejamento e desenvolvimento
das aulas. Diante disso, perguntamos às professoras quais os instrumentos utilizados para a
implementação das aulas. Em resposta a esse questionamento, as participantes da pesquisa
afirmam:

nós temos...é...disponível lá na sala computador...nós usamos também durante


as aulas tanto no planejamento... pra organizar a aula...como no momento de
aula... é, por exemplo... um adolescente... a gente fez uma atividade coletiva e
a atividade é...para o adolescente é uma pesquisa... sobre a invasão dos
portugueses a gente vai e pede pra eles fazerem uma pesquisa... como
aconteceu... com imagens e tudo... preparar aí nós imprimimos no final...é/e
73

colocamos lá...nós temos um muralzinho de atividades... então nós temos


acesso também a livros... o próprio hospital recebe muitas doações de livros
nós temos livros didáticos que aí a secretaria nos envia... de acordo com cada
ano, então nós temos esses livros desde dos primeiros anos do ensino
fundamental a livros dos meninos do ensino médio...então nós temos uma
variedade grande de livros...grande entre aspas... ne? É... muitos jogos na
sala... por doações também...é... material... massinha...TV pra utilizar...nós
utilizamos muito a tv pra vídeos os slides... gostamos de utilizar slides...
é...nós temos também... jogos...(( jogos educativos né?)) jogos educativos...
livros paradidáticos... temos um bom material... (Resposta da professora
Ana)
Livros...jogos... computadores...o lúdico...a gente usa muito a questão do
lúdico...através de tintas...pinturas... produção de maquetes essas coisas

A Secretaria de Educação do Estado responsabiliza-se pela distribuição desses


materiais. Além disso, o hospital recebe doações de outras instituições no tocante aos artefatos
disponibilizados na sala de atendimento escolar. Compreendendo que o ambiente hospitalar
tem suas especificidades, perguntamos às professoras, em relação aos artefatos materiais
vinculados ao âmbito escolar, se existe algum material específico para os alunos-pacientes. A
esse respeito, a professora Ana responde que:

São materiais comuns... o que a gente precisa sempre, pra criança que... lá no
HUOL... nós temos algo que outras classes não têm... a criança tá lá... ela
consegue trazer uma mesa e coloca sobre ela com um apoio... lá na
policlínica... é algo essencial... eu não conseguia trabalhar com uma
prancheta... então eu precisava levar uma prancheta pra criança apoiar... no
HUOL já temos esse ganho que é uma mesinha que a criança... ela puxa...
onde ela se alimenta ela também faz as atividades escolares, então, de forma
geral, são os mesmos matérias utilizados na escola... as vezes a gente precisa
adaptar algum... tesourinha que fica ruim... a gente tenta engrossar um
pouquinho pra criança que tem um pouquinho de dificuldade de escrever... é/
enfim... mas de forma geral é o mesmo material que a gente utiliza na escola...
Lápis... borracha... e livro e tudo mais... (Resposta da professora Ana)

Diante dessa resposta, depreendemos que os artefatos materiais para execução das
atividades educacionais são os mesmos usados na escola regular, exceto por essa mesa adaptada
para o aluno-paciente, a qual facilita o desenvolvimento das atividades escolares, e também
pelos textos mediadores para a realização do trabalho, os quais atendem a demandas especificas.
Vejamos o exemplo disponibilizado pelas professoras:
74

Figura 13 – Relatório parte 1

Fonte: Acervo das professoras.


75

Figura 14 – Relatório parte 2

Fonte: Acervo das professoras.


76

Figura 15– Relatório parte 3

Fonte: Acervo das professoras.


77

Em uma breve análise, caracterizamos o referido gênero a partir dos elementos


constitutivos defendidos por Bakhtin (2000), como visto anteriormente na seção 3.1. Assim,
esses elementos são denominados de conteúdo temático, estilo verbal e construção
composicional.
Com base nisso, o gênero em questão tem como conteúdo temático o acompanhamento
pedagógico de uma aluna, pois é possível perceber no título do relatório: “relatório do
acompanhamento pedagógico”. Além disso, logo na introdução desse gênero é posto o objetivo:
“compartilhar com a escola (nome da escola preservado) o acompanhamento pedagógico junto
à estudante (nome da aluna preservado) na Classe Hospitalar do Hospital Universitário Onofre
Lopes, durante o período que ficou internada na pediatria do referido hospital para tratamento
de saúde”. O conteúdo temático refere-se ao elemento principal de que se trata o gênero,
portanto, geralmente, é possível identificá-lo de forma inicial.
Para Bakhtin (2000), o estilo verbal refere-se às várias possibilidades de escolha lexical,
gramatical e fraseológica. Nesses termos, tratando-se de um gênero que busca documentar e
compartilhar informações importantes sobre o acompanhamento escolar, as professoras usam a
norma culta para desenvolver o gênero. O estilo constitui-se individual, pois a seleção
fraseológica ocorre pela triagem dos locutores, vejamos o exemplo extraído do relatório: “para
a realização das atividades na classe hospitalar do HUOL são pensados projetos que atendam a
um público multisseriado”. O mesmo enunciado poderia ser expresso da seguinte maneira:
“para a execução das tarefas do atendimento escolar no hospital são refletidas propostas que
atendam aos alunos-pacientes de diferentes séries escolares". Como podemos perceber, os
enunciados poderiam ser substituídos sem prejuízo, isso porque ambos enunciados continuam
atendendo ao propósito comunicativo.
Em relação à construção composicional, ou estrutura do gênero, podemos observar no
cabeçalho os três logos representativos das instituições proponentes, isto é, o logo
representativo da classe hospitalar, da bandeira do Estado e da Subcoordenadoria de Educação
Especial. Além disso, são mencionadas cada uma dessas instituições, como também são
informados os e-mails do atendimento educacional e o número para contato. Ainda no início,
encontramos os seguintes dados: instituição remetente, nome da estudante, ano escolar em que
a aluna está inserida, turno e nome da escola de origem. Posteriormente, tem-se o corpo do
relatório, cujo principal objetivo é relatar à escola de origem as atividades desenvolvidas pela
aluna no período de estada no hospital, bem como explicar o propósito do atendimento,
sobretudo, no que tange os aspectos instituídos pelos documentos oficiais. No final do relatório,
78

identificamos as informações referentes às professoras, como: nome, especialidade de atuação,


número de matrícula e a instituição na qual são vinculadas.
Posto dessa forma, o gênero relatório do acompanhamento pedagógico organiza-se de
acordo com a proposta baktiniana, obedecendo os três elementos representativos da constituição
de um gênero. O relatório, ora analisado, possui uma importância social, nele é possível
identificar a finalidade de reintegração da referida aluna a sua escola de origem. Podemos
perceber isso ao analisarmos como é relatado, de forma detalhada, o desenvolvimento das
atividades realizadas pela aluna.
No que se refere aos artefatos conceituais, de acordo com as professoras, os artefatos
usados durante as atividades desenvolvidas são alusivos à escola, logo, os artefatos conceituais
implicam na experiência do uso desses recursos. Por exemplo, quando a professora Ana
abordou a questão do lúdico, isto é, incluindo a utilização de jogos educativos, maquetes,
fantoches, entre outros, o objetivo a ser alcançado não seria apenas a recreação daquele aluno-
paciente, mas sim a aprendizagem escolar.

As atividades lúdicas, ludoterápicas e educativas realizados no hospital


favorecem a diminuição do tempo de permanência das crianças nesse
contexto, través de uma maior adesão ao tratamento por parte do paciente e
acompanhante. Com isso, tem-se a participação e o interesse dos demais
membros da equipe no desenvolvimento de um trabalho de caráter
interdisciplinar. (OLIVEIRA, MAIA, 2012, p.24)

As atividades que englobam o uso de materiais lúdicos, segundo as professoras,


oferecem maior adesão dos alunos-pacientes, pois o internamento hospitalar inclui ações que
geram, por vezes, desconfortos, como uso de injeções, sondas, curativos, gesso dentre outros.
Ao dispor de artefatos que visam à ludicidade, essas profissionais estabeleceram elos entre a
escola e o tratamento de saúde, minimizando os efeitos, nesses alunos-pacientes, de estarem
condicionados apenas ao tratamento hospitalar.
Os artefatos conceituais também estão relacionados às práticas desenvolvidas pelas
profissionais em termos de como é realizado o planejamento e de como são desenvolvidas as
aulas. Sobre isso, a resposta da professora Ana define a representação dessas práticas:

[...] o que é importante pra uma criança que tá em tratamento oncológico, que
tá em tratamento de Lupos... que tá passando por sofrimento...que tá passando
ali por um momento difícil da vida...o que é importante pra aquela criança
aprender? Né? Como trazer? Aí que eu digo do conteúdo é que a gente... hoje
eu tenho uma clareza muito grande que se o conteúdo não fizer sentido pra ela
e não for de encontro com ela de verdade... né? É... esvaziado... Não tem
79

significado... nem pra ela nem pra mim enquanto professora... então a gente
fica muito feliz quando a gente percebe que a gente consegue fazer isso...
sabe? (Resposta da professora Ana)

Portanto, os artefatos conceituais atendem a esse interesse, pois, primeiramente, buscam


respeitar o momento de adoecimento do paciente, observando os limites e as possibilidades de
inserção das práticas escolares, e, posteriormente, trabalhando conteúdos que façam sentido
para os referidos alunos.

4.5 ATIVIDADES

Em consonância com Paz (2008, p.150), as “atividades compreendem níveis que partem
das ações para as operações. As ações são efetuadas conscientemente e de forma planejada
que, no decorrer do tempo se reduzem a operações”. Dessa forma, ao se tonarem rotineiras,
essas operações advindas das ações já não necessitam de um planejamento prévio, pois tornam-
se inerentes às práticas realizadas em um determinado lugar.
“As ações humanas estão focadas em objetos e são suscitadas por propósitos.
Consequentemente, são as intenções que levam o sujeito a agir sobre os objetos que se situam
no seu meio social” (PAZ, 2008, p.149). Sendo assim, observamos como ocorrem as atividades
no atendimento educacional hospitalar com o objetivo de destacar o seu propósito.
Para tanto, pedimos às professoras que relatassem como ocorre a rotina na classe
hospitalar, desde o início do dia até o término das atividades.

Nós chegamos logo cedo... de manhã... Primeira coisa que a gente faz é buscar
o censo...porque as crianças que estavam ontem... elas podem não estar mais
hoje... ou ter novas crianças... né? Então a gente pede o censo escolar... ((é
tipo um relatório?)) Isso... O hospital ele disponibiliza...é/ o nome da criança...
data de nascimento... leito que ela está... o médico que acompanha...eles têm
isso para toda a equipe... é o mesmo censo para todo mundo... certo? Então se
eu chegar lá... é/ e pedir o censo as meninas vão me dar o mesmo censo que o
médico pediu também...é a mesma coisa... tá certo? (Resposta da professora
Ana)

O censo dispõe de informações pessoais das crianças e adolescentes internados, e é


utilizado em conjunto. Tanto as professoras quanto os profissionais da saúde usam o mesmo
censo para observar o nome do paciente, data de nascimento, o leito, médico que o acompanha,
período de internação, dentre outras informações. Esse artefato encontra-se disponível na
recepção da pediatria e somente pessoas autorizadas podem ter acesso.
80

Após conferir as informações do censo, as professoras dirigem-se aos leitos para


convidar os alunos-pacientes para a sala da brinquedoteca. Durante essa visita,

é apresentado o serviço aos responsáveis e preenchido uma ficha de


identificação do estudante, com informações referentes ao tratamento e
escolarização. Durante o preenchimento da ficha acontece um momento de
escuta e troca, no qual se busca estabelecer uma relação de confiança entre o
estudante, seu responsável e o professor, esclarecendo sobre a importância da
escolarização durante o tratamento e o direito que o aluno tem em continuar
estudando. As informações contribuem na elaboração de um plano de estudo
a ser realizado com o educando. (SILVA, RIBEIRO, ARAÚJO, 2015. p.7)

Antes desses alunos serem direcionados à sala, as professoras disponibilizam aos


responsáveis uma correspondência para ser entregue à escola de origem daquele aluno, para
que se possa criar um elo entre a instituição escolar e a classe hospitalar. Essa correspondência
relata a legitimidade do atendimento educacional e solicita o envio dos conteúdos e atividades
que aquele aluno estaria estudando na escola regular. Além disso, as professoras também fazem
ligações para a escola ou entram em contato via e-mail. Sobre isso, a professora Alice responde:

A ponte é através da ligação do atendimento... utilização dos meios de


comunicação...ou e-mail...ou whatsapp...ou o telefone mesmo... ligação... A
princípio a gente usa... liga primeiro... fala com a direção... com a coordenação
e aí vai... a gente se apresenta... o que a gente tem no hospital e tudinho... e aí
a gente começa solicitar os conteúdos... que os conteúdos muitas vezes não
vem... noventa por cento das vezes ele não chega... a princípio se mostram
todos muito abertos...mas aí na verdade não correspondem aquilo que
aparentemente se propõem...sabe? mas é isso...A gente vai tentando...a gente
não deixa de fazer por conta disso...a gente sempre entra em contato com a
escola e quando mandam a atividade... isso aí... ave maria... é uma vibração
só... sabe? tanto pra gente quanto pro aluno... o aluno se sente importante...a
escola se importa comigo... entendeu? (Resposta da professora Alice)

Nesse contato com os acompanhantes realiza-se uma entrevista, na qual é possível


identificar informações importantes sobre a situação do aluno, bem como aspectos específicos
sobre a família e o ambiente social no qual ele está inserido. Assim, é criado um diálogo em
que as profissionais buscam oferecer ajuda referente ao apoio escolar e com isso começa o
processo de conquista mencionado anteriormente por elas.

[...] nós olhamos... aí nós vamos aos leitos... passamos de leito em leito...
convidando as crianças que estão... é/ possibilitadas... que têm condições de ir
até a classe hospitalar e aí essas crianças vêm...e nós realizamos uma atividade
na classe hospitalar coletiva...certo? Que aí quando... vai desde da criança da
educação infantil à criança do ensino médio...o adolescente do ensino médio...
81

na atividade coletiva... acho que eu falei um pouco disso... é por exemplo... a


gente trabalhou...um...que foi muito bacana... que eu posso te
mandar...também...eu acho que é interessante pra você entender... acho que na
cabeça...falar... e não ver é um pouquinho complicado... né? Assim... como
que se trabalha um conteúdo que vai da educação infantil ao ensino médio...
né? Mas a gente trabalhou por exemplo a chegada...assim...começamos de
uma forma engraçada...a gente diz assim a chegada...a
invasão...chegada...invasão...não lembro agora o outro nomezinho dos
portugueses no Brasil... né? Nas terras que hoje são...que nós conhecemos
como Brasil... então depois nós construímos um livro gigante... a gente tem
fotos desse livro...as crianças maiores... elas eram convidadas a escrever o que
tinha aprendido naquela aula [...] (Resposta da professora Ana)

O atendimento também pode ser realizado individualmente no leito, para aquele


educando que se encontra impossibilitado de se deslocar até a sala do atendimento, isto é, a
brinquedoteca. Como atendem duas professoras no mesmo turno, essas tarefas podem ser
divididas. Assim, enquanto uma das professoras realiza a acolhida dos estudantes, a outra já se
encarrega de dar conta de outra demanda. Conforme está mencionado no relato, um mesmo
conteúdo pode ser estudado por alunos de diferentes faixas etárias, haja vista que a sala de
atendimento apresenta estrutura capaz de contemplar turma no formato multisseriado.

Acolhida do estudante (nome, dados escolares; sondagem oral); Estudo


coletivo, onde esclarecemos o projeto em estudo e o estudante expõe seus
conhecimentos sobre o tema e as professoras complementam esse conceito
através de aula expositiva, vídeo, mural da sala, livros, revistas ou outro
recurso didático; Atividade xerocada do banco de atividades de acordo com o
nível/ano que o aluno se encontra; Ateliê (atividades de construção que
contemplam as habilidades e o fazer artístico do estudante, como: massinha,
pintura, jogos; colagem; dobradura; leitura, fantoche; cantigas de roda);
Atividade livre (momento onde o estudante escolhe o que vai fazer de acordo
com seu interesse, vídeo, jogos, brinquedos ou leitura). (SILVA, RIBEIRO,
ARAÚJO, 2015, p.8)

Como podemos observar, há uma recepção para esses educandos hospitalizados, o que
é chamado de acolhida do estudante, assim é feita uma espécie de registro contendo
informações sobre o aluno, referente aos dados escolares, tanto os da escola de origem quanto
da classe hospitalar. Ao começar a aula, é exposto o projeto a ser desenvolvido pelas
professoras. Sobre esse projeto, Ana explica que

[...] a Secretaria nos dá suporte para que a gente construa esse projeto
individualmente... cada classe tem o seu...Cada classe tem o seu projeto...[...]
[...]Tô atendendo Laura e Laura tá no quinto ano...certo? Como pedagoga eu
tenho conhecimento...e/ né? E formação suficiente pra saber o que Laura
deveria estar vendo como aluna do quinto ano...então a partir do que eu
conheço de Laura... né? A gente faz também a atividade de diagnóstico com
82

essas crianças que vão passar mais tempo...nós nos dividimos... geralmente
Alice faz uma... eu faço outra... para a gente saber como está o nível de leitura
de escrita...se ela compreende...se ela não compreende...enfim se ela
corresponde né? Há aquele nível que ela deveria estar... e aí nós fazemos
também um plano para aquela criança... certo? Se a escola envia as
atividades...a gente tenta acompanhar... se a criança não...digamos que a
atividade como já aconteceu comigo na Policlínica... era muito abaixo do nível
da criança... A criança tava bem mais...a escola mandava muita pintura... e a
criança não queria fazer... ela dizia que não era bebezinha...“não sou uma
bebezinha...não vou fazer!”... “não quero....”Ela só queria nossas atividades
[risos]... então a gente preparou um relatório...eu mandei as atividades
diagnósticas e a escola começou a mandar uma atividade que correspondia
melhor ao nível educacional que a criança se encontrava...Então/é /se a escola
envia e a gente percebe que Laura não consegue acompanhar...a gente tenta
preparar um relatório...dizer... Laura precisou da ajuda da professora... de
pesquisa pra poder realizar a atividade de livro, dicionário... enfim... Se a
escola não manda nada... nós não temos o projeto? E as Atividades não são
brealizadas na classe coletivamente? Com base no nosso projeto? Então nós
acompanhamos do mesmo jeito...a gente tenta direcionar as atividades ali...
dançando entre eu e ALICE...né? Para atender todo mundo...[...] (Resposta
da professora Ana)

Esse projeto possui relevância, pois de acordo com a professora Alice, na maioria das
vezes, a escola não responde ao pedido do envio dos conteúdos e atividades correspondentes à
série e as disciplinas cursadas pelos alunos-pacientes. Sendo assim, o projeto é o meio pelo qual
elas se apoiam para direcionar as aulas e as atividades a serem desenvolvidas pela turma. Esse,
segundo a professora Ana, projeto é dividido da seguinte forma

[...] então nós temos um projeto... nós dividimos um projeto anual em quatro
partes... né? Tentamos acompanhar os bimestres escolares e dentro desse
projeto nós trazemos conteúdos... pensando aí num conteúdo que ele possa ser
trabalhado desde a educação infantil até o ensino médio... porque nós
trabalhamos com uma turma multisseriada... então nós trazemos conteúdos
diversos...atendendo aí a aos documentos oficiais... agora a BNCC... então nós
pensamos esse projeto a partir desses documentos... E aí a criança...ela traz...
quando ela vai fazer um tratamento mais prolongado... geralmente as crianças
com doenças crônicas... a gente tenta porque nem sempre isso acontece...
infelizmente...a gente tenta que a escola...ela nos envie um material...as
atividades que as crianças estão realizando na escola... então a criança está no
hospital e a gente tenta fazer esse acompanhamento é/ curricular da escola
dela...dentro do hospital.. (Resposta da professora Ana)

Como é possível entender, esse projeto busca atender aos documentos oficiais, como,
por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC/BRASIL, 2018), documento que
orienta os conteúdos essenciais a serem estudados nas escolas públicas e privadas do Brasil.
Com isso, mesmo que a escola de origem não ofereça subsídios àquele aluno internado, os
83

conteúdos abordados na classe hospitalar, por meio do projeto, visam suprir as demandas
escolares pertinentes, de acordo com que é percebido na sondagem feita por essas professoras.

Terminadas as atividades... a gente tem uma hora para isso... as atividades


terminam de dez horas com as crianças... A gente dá tchau às crianças... elas
não podem levar brinquedos... mas elas podem levar livros... a gente tem uma
estante de livros... você chegou a ver isso... né?... Que as crianças podem
tomar emprestadas? Elas tomam... no outro dia... as vezes elas conversam
sobre o livro na roda... porque a gente abre com uma rodinha...pra introduzir
o tema... pra saber um pouquinho como foi a noite... “quem leu... quem não
leu... quem pegou livro... quem não pegou... se gostou... se quer indicar pra
um colega...a gente faz um diálogo...uma pequena roda também pra introduzir
o tema da aula naquele dia”... e ai/ é as crianças vão e nós ficamos com essa
parte... nós vemos burocrática... né? Nós abrimos o registro de cada criança
que esteve presente...nós anotamos qual atividade... qual o objetivo... quais os
recursos utilizados...é/nós fazemos também... uma anotação no nosso
caderno... porque no final... é/do bimestre...pras crianças que ficam mais
tempo...as crianças com doenças crônicas... nós preparamos um relatório para
enviar para a escola... para as crianças/ é... Laura esteve lá... e ela passou duas
semanas apenas... e aí nós enviamos um relatório e se a família desejar... se a
escola desejar das atividades que Laura realizou durante as duas semanas...
certo? Então... essa anotação é individual porque as vezes Laura estava lá e
Beatriz também estava...Beatriz foi super participativa... mas Laura só ouviu
a história e não quis realizar a atividade... ou realizou a atividade e pediu outra
atividade... como acontece... então a gente anota as subjetividades... as
especificidades de cada criança... certo? Aí termina o dia...(Resposta da
Professora Ana)

Ao concluírem as atividades referentes às aulas do dia, as professoras têm ainda outras


tarefas a serem cumpridas. De acordo com as docentes, a última hora do atendimento é
reservada para o registro da participação e desempenho dos alunos. Nesse registro, contém a
atividade desenvolvida, o objetivo, e os recursos utilizados. Além de serem escritas nas fichas
específicas, essas informações também são anotadas nos cadernos das professoras, pois torna-
se mais fácil a consulta, haja vista que alguns alunos possuem atendimento prolongado,
facilitando, assim, averiguar essas informações ao fim de cada bimestre.
Também é possível fazer empréstimos dos livros da classe hospitalar, sendo viável que
os alunos-pacientes fiquem com eles no período de internação. No ato da devolução, as
professoras realizam uma atividade para discutir o que eles aprenderam, se eles gostaram do
conteúdo e se indicam a leitura. Como mencionado por elas, essa atividade ocorre por meio de
rodas de conversas, em que todos podem participar e expor as suas leituras.
De modo geral, essas são as principais atividades desenvolvidas para o trabalho dessas
profissionais. Não entramos em detalhes sobre os conteúdos desenvolvidos durante as aulas,
84

pois o nosso objetivo não consiste em analisar os eventos de letramentos decorridos nesse
período.
Portanto, essas atividades, por serem desenvolvidas cotidianamente podem ser
consideradas operações, mas, por se tratar de um ambiente passível de mudanças, algumas
atividades emergem das ações, que possivelmente tornam-se operações.

4.6 ALGUMAS DISCUSSÕES A RESPEITO DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTOS

As atividades desenvolvidas para a realização profissional das professoras do


atendimento educacional hospitalar podem ser consideradas como práticas de letramentos,
levando em conta que essas práticas são mediadas pela leitura e pela escrita a fim de atingir as
demandas do seu fazer profissional.

As demandas sociais nos movem a se apropriar da leitura e da escrita, em


diversas circunstâncias, para atender a uma multiplicidade de propósitos.
Assim, ao empregarmos as habilidades de ler e escrever para executar
exigências requeridas pelas inúmeras situações, seja no contexto do trabalho,
seja no da academia, seja no do ambiente familiar, dentre outros, estamos
desenvolvendo práticas de letramento. (PAZ, 2008.p. 35)

Sendo assim, as práticas de letramentos estão ligadas a propósitos específicos que


atendem a uma função social. No que se refere ao trabalho realizado pelas professoras do
atendimento, essas práticas contribuem para inserção dos educandos hospitalizados aos
letramentos do domínio escolar. Para tanto, as principais práticas desenvolvidas no trabalho
foram destacadas no quadro a seguir.

Quadro 5 - Práticas de letramentos e propósito social

Práticas de letramento no fazer


profissional das professoras do Propósito social
atendimento educacional
85

Prática que permite a averiguação das informações


alusivas ao quantitativo de alunos-pacientes em
internamento e seu respectivo quadro de saúde. Por
exemplo, os dados pessoais (nome e idade) qual
patologia ele apresenta (pneumonia, câncer etc.), qual
Consulta ao censo médico atende (cardiologista, nefrologista entre
outros), quantos dias esse aluno-paciente vai
permanecer internado, quais já foram embora, se
houve algum óbito, se o paciente foi transferido.
Trata-se de informações do âmbito clínico dos
referidos pacientes, mas que são necessárias para o
desenvolvimento das atividades das professoras.

Essa prática possibilita a sondagem sociocultural.


Através da entrevista é possível identificar fatores que
descrevem a situação dos educandos fora do ambiente
hospitalar, por exemplo: onde eles residem, se
Entrevista com os acompanhantes
frequentam à escola, se possuem carência econômica
ou educacional, dentre outros fatores importantes.
Dessa forma, as professoras podem planejar como
lidar com o aluno, tendo em vista suas necessidades.
Além disso, nesse momento as profissionais também
esclarecem aos acompanhantes o que é o atendimento
educacional e hospitalar.

Por meio dessa prática é possível estabelecer o diálogo


com a escola de origem do educando, com o objetivo
Correspondência à escola de origem de auxiliá-lo para que não haja perda de conteúdos
estudados naquele momento em que ocorreu o seu
internamento para tratamento de saúde e,
consequentemente, não provocar atrasos ou prejuízos
maiores, como a repetência escolar. Com isso, são
criados relatórios para serem enviados à escola de
origem, para relatar o desenvolvimento das atividades
realizadas pelos alunos.

A acolhida permite que os alunos-pacientes se situem


no contexto do atendimento hospitalar. Através desse
momento são discutidos os objetivos e atividades a
Acolhida do aluno serem desenvolvidas naquele espaço. Essa prática
esclarece os direitos e deveres desses educandos.

O direcionamento das atividades escolares nos leitos


proporciona que alunos-pacientes que estão em
Atendimentos nos leitos situação mais grave sejam integrados às práticas
escolares. Sendo assim, mesmo sem poder se
locomover, esse atendimento individualizado ao
86

referido paciente garante o seu direito à escolarização


no período de internação.

O atendimento possibilita a inserção dos alunos-


pacientes aos letramentos escolares dentro do
processo de internamento, por meio de diferentes
eventos de letramentos, tais como: rodas de conversa,
Atendimento na sala (brinquedoteca)
teatro de fantoche, apresentação em slide, jogos
educativos, contação de histórias, entre outros.

A prática do registro oportuniza que as informações


referentes ao desenvolvimento das atividades
escolares do educando se configurem e sejam
arquivadas como documentos comprobatórios em que
constam detalhadamente o que foi realizado, quais
Registro do aluno
recursos foram utilizados, se ele foi participativo,
dentre outros aspectos. Vale salientar que esses
registros também assumem valor de prova capaz de
corroborar o trabalho desenvolvido pelas professoras
num dado período em que o aluno esteve em
tratamento de saúde na unidade hospitalar.

O planejamento inclui as atividades a serem


desenvolvidas, as quais se organizam por meio de
Planejamento projetos pedagógicos. Nesse sentido, essa prática
contribui para que as atividades propostas estejam
em consonância com as orientações propostas em
documentos oficiais que normatizam o ensino.

Fonte: Silva (2021).

Como podemos observar no quadro, cada prática de letramento possui um propósito ou


conjunto de propósitos, com isso, também são mobilizados diferentes gêneros. Embora no
momento de realização dessas práticas não seja possível identificar sua função social, elas
operam para que as professoras possam desenvolver o seu trabalho atendendo às exigências
específicas de cada educando.
Dentro dessas práticas, são situadas questões sociais importantes. Sobre isso, Freire
(2016) afirma que ensinar exige reflexão crítica sobre a prática, pois não é possível uma prática
que não englobe a realidade dos educandos, uma prática “desarmada”, sem que haja reflexão
sobre o modo de agir.
87

Sendo assim, ao analisarmos as práticas de letramentos das professoras do atendimento


educacional hospitalar, cumpre-se um fazer planejado, situado, reflexivo e que busca subsídios
para inclusão dos educandos hospitalizados. Ao assumir essa postura, tais práticas são
ideológicas, pois estão dialogando com a realidade social dos beneficiados.

Como prática social, o letramento deve ser concebido como atividade situada
e moldada pelas relações de poder e ideologias. Suas práticas se configuram
como modos por meio dos quais os membros de cada grupo lançam mão dos
seus conhecimentos sobre a escrita, movidos por inúmeros propósitos, com
vistas a atender às demandas dos contextos e instâncias sociais. (PAZ, 2008,
p.34).

Portanto, como é possível identificar, as práticas de letramentos dessas profissionais são


moldadas a partir do ambiente hospitalar, da patologia apresentada pelos educandos
hospitalizados, do contexto social ao qual eles estão imersos, dos quesitos estabelecidos pela
escola de origem e das determinações dos documentos oficiais relativos à educação. Tais
práticas são imprescindíveis para tornar possível o acesso dos alunos-pacientes aos letramentos
do domínio escolar.
88

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo geral analisar as práticas de letramentos profissionais
de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar com base nas
categorias de Hamilton (2000), que compreendem: participantes, ambiente/domínio, artefatos
e atividades. Com isso, buscamos alcançar os objetivos específicos postulados no início desse
trabalho, e dessa forma responder às indagações suscitadas pela pesquisa.
Nesse sentido, o primeiro objetivo específico consistia em caracterizar os professores
que atuam no respectivo atendimento. Para tanto, depreendemos que o contexto do Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar do HUOL é constituído pelos participantes visíveis que
compreendem as professoras, os alunos-pacientes, o(a)s acompanhantes e a equipe hospitalar.
As professoras possuem formação em Pedagogia e trabalham a partir do diálogo com a escola
de origem do educando. Além disso, o atendimento possui um projeto planejado pelas
profissionais, o qual é fundamentado nos documentos oficiais que orientam o ensino básico.
Os alunos-pacientes são crianças e adolescentes (até dezesseis anos), que se encontram
internados para tratamento de saúde, seja para tratamentos simples de curto período ou de longa
duração para pacientes com patologias mais complexas. Os acompanhantes, geralmente, são os
pais parentes/responsáveis desses pacientes, eles também podem participar das aulas e dos
eventos proporcionados pela equipe hospitalar.
A equipe hospitalar diz respeito aos múltiplos profissionais que atuam no hospital, tais
como: médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, técnicos em enfermagem,
recepcionistas, dentre outros. Esses profissionais também realizam atividades de forma
integrada com a classe hospitalar, normalmente, com práticas referentes às suas respectivas
áreas de atuação.
Em relação ao segundo objetivo específico, isto é, o mapeamento dos letramentos
necessários à atuação dessas profissionais, destacamos que, além dos letramentos comuns das
professoras, foram observados o letramento hospitalar, o letramento lúdico e o letramento
formativo docente. O letramento hospitalar relaciona-se ao domínio da linguagem técnica
referente aos termos e aos procedimentos mais utilizados no ambiente hospitalar.
O letramento lúdico emerge da necessidade de compreender o interesse da criança por
práticas que contemplem a sua imaginação e a sua criatividade. Por conseguinte, com essa
compreensão, as professoras podem lançar mão de mais recursos para a efetivação exitosa de
seu trabalho com as crianças.
89

Já o letramento formativo docente surge a partir do processo de formação continuada


desses profissionais. Nesse processo, em geral, abarcam eventos que direcionam as discussões
à aprendizagem em ambientes hospitalares, em que a prática das atividades desenvolvidas são
imprescindíveis para nortear debates e resoluções de problemas relacionados ao agir
profissional em situações específicas do adoecimento dos alunos-pacientes. Com isso, podemos
perceber expressões particulares dessa conjuntura.
Em relação à descrição do domínio em que se insere as atividades da classe hospitalar,
nosso terceiro objetivo específico, percebemos, a priori, que o ambiente em que as atividades
são realizadas é a brinquedoteca, situada na pediatria. Também podem ser realizadas nas
dependências ociosas do setor e/ou no próprio leito do paciente. No que tange ao domínio, as
práticas de letramento, embora ocorram no âmbito hospitalar, assumem características próprias
da esfera escolar, haja vista que o objetivo do atendimento consiste na integração e reintegração
desses alunos-pacientes às atividades de ensino-aprendizagem.
No que tange os artefatos que perduram nesse domínio, observamos que os materiais
utilizados no atendimento consistem, na sua maioria, pelos propostos na escola regular, tais
como: livros, computadores, televisão, cadernos, jogos educativos, exemplares de gêneros
discursivos dentre outros. No tocante aos artefatos materiais específicos do trabalho do
professor, identificamos a ocorrência de vários gêneros discursivos que emergem e circulam
nesse ambiente de atividade para atender as demandas relacionadas à escola e ao hospital. Como
exemplo disso, podemos citar o relatório do acompanhamento pedagógico, cuja função consiste
em relatar o processo de aprendizado do aluno internado. Já os artefatos conceituais estão
relacionados às crenças, à ressignificação da prática e nas representações sociais implementadas
nas atividades.
Para identificarmos as práticas de letramentos das professoras, o último objetivo
específico estabelecido, focalizamos nas atividades desenvolvidas por elas. Essas atividades se
estabelecem através de rotinas, há um compilado de práticas de letramentos responsáveis pela
manutenção dessas atividades. Destacamos neste trabalho as seguintes práticas: consulta ao
censo, entrevista com os acompanhantes, contato com a escola de origem, acolhida do aluno,
atendimento nos leitos, atendimento na sala, registro do aluno e planejamento.
Foi possível vislumbrar, por meio desta pesquisa, que as práticas de letramentos das
referidas professoras são moldadas a partir do ambiente que estão inseridas, isto é, o contexto
hospitalar. Para tanto, é necessário refletir sobre a situação patológica do aluno-paciente, o
contexto social no qual eles estão inseridos e os conteúdos ofertados pela escola de origem.
Portanto, atendendo à proposta de uma prática de letramento situada, essas profissionais atuam
90

de forma ideológica, visto que buscam minimizar e compreender os obstáculos que impedem a
aprendizagem desses sujeitos.
Assim sendo, acreditamos que a nossa investigação pôde colaborar com o
esclarecimento de como ocorrem as práticas de letramentos para a atuação profissional das
professoras da classe hospitalar, de forma situada, observando como a leitura e a escrita
funcionam nesse ambiente profissional e a importância social dessas práticas para os
letramentos dos alunos-pacientes.
Compreendemos, pois, que esse trabalho pode contribuir para o crescimento das nossas
pesquisas direcionadas ao âmbito do letramento em contextos profissionais, bem como trazer
subsídios para outros trabalhos que tenham o mesmo cerne temático. No que tange o nosso
interesse, em um momento em que não tenhamos mais a ameaça da pandemia por COVID-19,
desejamos ampliar esta pesquisa buscando ouvir in lócus as vozes dos alunos-pacientes, como
também observar como esses sujeitos agem e reagem no sentido de atender às demandas de
letramento propostas pelo referido atendimento.
91

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APÊNDICES
APÊNDICE 1- TRANSCRIÇÃO DA PRIMEIRA ENTREVISTA REALIZADA COM A
PROFESSORA ANA (PSEUDÔNIMO), REPRESENTADA POR RP1 (RESPOSTA DA
PROFESSORA UM) E PP (PERGUNTA DA PESQUISADORA).

PP Qual é a sua formação?

RP1 Eu sou formada em Pedagogia... me formei em 2011.2 em Pedagogia... atuo como


professora desde 2012... Comecei...iniciei minha carreira na/ no município de Natal...na
educação infantil e desde então tenho tido experiência em outras áreas... aí ensino primeiros
anos do ensino fundamental... É... sou especialista na Educação de Jovens e Adultos com ênfase
no sistema prisional... e essa experiência né? de formação ela me proporcionou coordenar
quatro turmas em presídios...aqui em diferentes presídios... aqui em Natal...pelo Programa
Brasil Alfabetizado...Sou mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte... a mesma instituição na qual eu também me formei como pedagoga... e hoje estou
doutoranda em Educação também...Minhas pesquisas tanto a de mestrado quanto a de
doutorado...ela tem por intenção é... pensar a classe hospitalar...A de mestrado pensar a criança
que estava saindo da classe hospitalar e retornando para a escola regular... então... era entre a
classe hospitalar e a escola regular... E a do doutorado... conhecer um pouco mais da classe
hospitalar a partir do que nos diz essas crianças e do que nos diz também os profissionais da
equipe multi...né? No hospital...então... ouvir o psicólogo...ouvir o médico e ouvir as crianças
e os familiares sobre o que é estudar durante o período de internação...Então é isso... estou
trabalhando na classe hospitalar como professora desde 2014...atuei... é/até 2018... vim para o
HUOL em dois mil e dezenove... Atuava como docente na Policlínica da Liga... trabalhei na
Policlínica da Liga que é a classe hospitalar vinculada à casa Durval Paiva...né? A casa Durval
Paiva que mantém a classe hospitalar em parceria com a rede estadual de ensino...que entra com
os professores...então eu estou no HUOL desde 2019...
PP O que é o atendimento educacional hospitalar e domiciliar?

RP1 Ele é voltado para as crianças que estão em situação de adoecimento... que estão no
hospital pra realizar tratamento de saúde... tanto para as crianças com doenças crônicas que
passam muito tempo hospitalizadas... que às vezes ficam anos sem ir para a escola...quanto pra
àquelas que estão...que vem tal dia para uma consulta... é/ em um momento pontual... Então...a
classe hospitalar ela tenta ser...né? Esse atendimento como você colocou... ele tenta ser uma
ponte... ele não substitui a escola... ele é uma ponte entre a escola e o hospital... né? Então... é/
ela não substitui a escola como eu coloquei... mas ela tenta ser esse elo de ligação... né? A gente
é/ a gente assim que entra em contato com a criança... quando a criança fica mais tempo no
hospital a gente pede... né? Os dados da escola e entra em contato com esta escola pedindo
envio de materiais... É/ver o que eles estão estudando e nós também damos um retorno a escola
exatamente porque temos isso em mente... temos isso claro que nós não substituímos a escola...
nós somos uma ponte... nós somos um elo de ligação...

PP Vocês têm um currículo próprio?


RP1 Não... nós não temos um currículo próprio... deixa eu te explicar como é que funciona...
Nós temos um projeto... um projeto anual...acho que a gente chegou até te mostrar...num foi...
Laura? Num sei se foi desse ano ou do ano passado... não lembro [risos] A desse ano foi
impraticado [risos]então nós temos um projeto... nós dividimos um projeto anual em quatro
partes... né? Tentamos acompanhar os bimestres escolares e dentro desse projeto nós trazemos
conteúdos...pensando aí num conteúdo que ele possa ser trabalhado desde a educação infantil
até o ensino médio... porque nós trabalhamos com uma turma multisseriada... então nós
trazemos conteúdos diversos...atendendo aí aos documentos oficiais... agora a BNCC... então
nós pensamos esse projeto a partir desses documentos... E aí a criança...ela traz... quando ela
vai fazer um tratamento mais prolongado... geralmente as crianças com doenças crônicas... a
gente tenta porque nem sempre isso acontece... infelizmente...a gente tenta que a escola...ela
nos envie um material...as atividades que as crianças estão realizando na escola... então a
criança está no hospital e a gente tenta fazer esse acompanhamento é/ curricular da escola
dela...dentro do hospital...

PP Esse projeto é organizado pela secretaria do estado?


RP1 Entenda... a Secretaria nos dá suporte para que a gente construa esse projeto
individualmente... cada classe tem o seu...Cada classe tem o seu projeto...aí a criança... um
exemplo... estou atendendo Laura lá... vou usar seu nome [risos] Tô atendendo Laura e Laura
tá no quinto ano...certo? Como pedagoga eu tenho conhecimento...e/ né? E formação suficiente
pra saber o que Laura deveria estar vendo como aluna do quinto ano...então a partir do que eu
conheço de Laura... né? A gente faz também a atividade de diagnóstico com essas crianças que
vão passar mais tempo...nós nos dividimos... geralmente Alice faz uma... eu faço outra... para
a gente saber como está o nível de leitura de escrita...se ela compreende...se ela não
compreende...enfim se ela corresponde né? Há aquele nível que ela deveria estar... e aí nós
fazemos também um plano para aquela criança... certo? Se a escola envia as atividades...a gente
tenta acompanhar... se a criança não...digamos que a atividade como já aconteceu comigo na
Policlínica... era muito abaixo do nível da criança... A criança tava bem mais...a escola mandava
muita pintura... e a criança não queria fazer... ela dizia que não era bebezinha...“não sou uma
bebezinha...não vou fazer!”... “Não quero....” Ela só queria nossas atividades [risos]... então a
gente preparou um relatório...eu mandei as atividades diagnósticas e a escola começou a mandar
uma atividade que correspondia melhor ao nível educacional que a criança se
encontrava...Então/é /se a escola envia e a gente percebe que Laura não consegue
acompanhar...a gente tenta preparar um relatório...dizer... Laura precisou da ajuda da
professora... de pesquisa pra poder realizar a atividade de livro, dicionário... enfim... Se a escola
não manda nada... nós não temos o projeto? E as Atividades não são realizadas na classe
coletivamente? Com base no nosso projeto? Então nós acompanhamos do mesmo jeito...a gente
tenta direcionar as atividades ali... dançando entre eu e ALICE...né? Para atender todo
mundo...Não sei se você chegou a ver alguma aula coletiva... não... mas depois você pode ver
imagens...você pode dar uma distorcida... alguma coisa assim...e utilizar... certo? Eu tenho um
banco de imagens... eu tenho muitas imagens... que dá para você ter um norte...ao menos de
como acontece... né? Então Laura... eu não sei se você compreendeu...a Secretaria Estadual ela
nos dá suporte...mas ela nos deixa livres pra preparar um projeto...cada classe tem o seu
projeto...a gente/ é/tenta fazer esse diálogo com as escolas de origem... A gente chama assim...
escolas de origem...Se a escola manda... a gente tenta fazer esse acompanhamento... enviando
relatórios... porque a escola que aprova ou reprova...certo? Se a escola não manda...a gente faz
de qualquer jeito esse acompanhamento... porque nós também trabalhamos o nosso projeto.../é/
anual... dentro da classe hospitalar... Certo? As atividades coletivas das crianças são com base
no nosso projeto... As atividades que elas realizam com todas lá... coletivamente na sala...

PP Quais cursos de capacitação... aperfeiçoamento... são oferecidos para os docentes que


estão inseridos nesse atendimento?
RP1 Laura... a Secretaria ela tenta nos dar um suporte...nós temos momentos de formação...
Ano passado nós tivemos um momento de formação muito bacana com participação da
professora Roberta Ceres... nós trabalhamos com... na perspectiva da pesquisa autobiográfica...
né? As professoras no final foram convidadas...Eu... enquanto professora... também fui
convidada a construir um relato de experiência para apresentar no seminário de classe hospitalar
da UFRN... que foi feito em parceria com a UFRN... Então essas formações... elas acontecem
mensalmente... geralmente... elas vão ser retomadas agora de forma remota... né?

Sexta-feira nosso primeiro momento de formação...inclusive abriram um ponto... eu não sei se


é possível... mas de repente eu poderia ver com Andreia... eu não sei se nessa... que eu não sei
o que é que elas vão fazer... mas se houver outras... se você tiver interesse de repente eu posso
tentar mediar pra você participar...((ótimo!, adoraria))... ao menos pra ver e ouvir... a gente
pensa nisso depois... Eu tô só dizendo pra você me cobrar... se você tiver interesse... ((porque
eu estou sempre inserida... de forma virtual... mas eu estou)) [risos] É porque eu acho que a
gente vai construindo...vai pegando os discursos e vai montando o quebra cabeça... né? Na
nossa mente também... então Laura... essas formações são oferecidas em parceria com a
Universidade Federal do Rio Grande do Norte... e acontece também em parceria com Secretaria
Municipal da Educação...Então é a Secretaria Estadual da Educação... Secretaria Municipal de
Educação...a Universidade Federal... O ano passado nós tivemos a UFERSA e a UERN... com
Roberta... UFERSA com Simone...UERN com Roberta... Então... é/é uma formação com base
nas nossas experiências... é/ em que acontece todos os anos... esse ano deu uma pausa... ficou
sem saber como seria... né? E agora serão retomadas de forma remota...

PP Você acha que esses cursos eles impactam de forma prática?


RP1 Sim...porque eles partem da nossa prática... do nosso cotidiano... né? E há uma
possibilidade também de diálogos... também... com professores das outras classes...das outras
instituições... e acaba que também é/ é um lugar de troca... né? Porque tá ali os outros
professores e de construir elos... de construir... às vezes a gente tem uma criança que passou no
Varela que vai para o HUOL...ou que foi do HUOL e vai para o Varela...então a gente também
consegue dar esse feedeback... Então... é principalmente essa dupla perspectiva que a formação
tem trazido...da pesquisa autobibliográfica de ouvir mais os professores... né? Tem sido muito
positiva e muito impactante...Positivamente... penso assim [risos]...
PP Você até falou em vídeo conferência (realizada em outro momento) que nos seis primeiros
meses tinha uma percepção diferente... você era muito preocupada com os conteúdos... lembra? e
com o passar do tempo... você começou a observar que não era esse o objetivo...Você poderia falar
um pouquinho sobre isso... eu achei muito interessante.
RP1 Assim que a gente chega... eu acho que tem um trecho da minha dissertação de mestrado
que eu vou falando sobre esse chegar na classe hospitalar... né? Eu faço um... Eu uso um trecho
do Pequeno Príncipe... né? Quando ele... quando ele se lança com um foguete e vai pra um
desconhecido... e se lança pra um desconhecido... eu digo que foi muito isso que eu fiz... eu
quis... eu desejei ir pra classe hospitalar... eu lutei pra classe hospitalar e de repente eu e me vi
na classe hospitalar e bum...Que que a gente faz aqui? Né? Eu fui pra um lugar com crianças
com tratamento oncológico... tudo muito diferente... né? E aí...você se pega nesse/ nesse lugar
e você diz...poxa! O que é ser professor aqui? E eu digo que a primeira coisa que a gente tem
que construir nesse processo é uma identidade... É saber o que é que você representa ali... né?
Você não é o psicólogo... você não é o enfermeiro... você não é médico... você é professor... e
o que é que faz um professor? o que é que pode colaborar um professor...pra o bem-estar
daquela criança... naquela perspectiva? Então a gente vem da escola naquela caixinha... né?
Começa de sete horas... os alunos chegam na sala você faz a chamada...você tem todo aquele
rito... toca pro intervalo...você toma café... depois você volta...os pais vem buscar no final da
manhã... Ai você chega num lugar que não tem intervalo... você não tem... você que tem que ir
para o aluno...você tem que seduzir seu aluno... porque se ele não se sentir seduzido e cativado...
ele não vai pra sua aula...não vai ter o interesse de estar presente... né? E aí essa é a primeira
desconstrução... Será que eu vou dar conta de seduzir esse aluno...dele querer participar da
minha aula? É/ e aí desses ritos da escola... a primeira coisa que a gente vai ter que ir aí tirando...
e depois vem o que trabalhar... o que é importante pra uma criança que tá em tratamento
oncológico, que tá em tratamento de lúpus... que tá passando por sofrimento...que tá passando
ali por um momento difícil da vida...o que é importante pra aquela criança aprender? Né? Como
trazer? Aí que eu digo do conteúdo é que a gente... hoje eu tenho uma clareza muito grande que
se conteúdo não fizer sentido pra ela e não for de encontro com ela de verdade... né?
É...esvaziado... Não tem significado... nem pra ela nem pra mim enquanto professora... então a
gente fica muito feliz quando a gente percebe que a gente consegue fazer isso... sabe? Trazer o
conteúdo da escola pra realidade da criança e torná-lo atrativo pra aquela criança... né? E aí eu
acho que isso vem muito dessa afirmação de quem eu sou e da minha importância enquanto
professor... Eu sou professora... esse discurso de que professor é um pouquinho de tudo... isso
é uma coisa safada [risos]... Professor é palhaço...professor é médico... professor é professor...
Não precisa ser mais nada pra ser importante...pra ter minha... pra dar minha colaboração
social... não precisa ser médico... não precisa ser psicólogo... não precisa ser enfermeiro... nada
disso... né? Ser professora basta... Então dentro do hospital a gente tem que ter isso muito forte...
a identidade. Então... respondi o que você... ((ótimo))...

PP Gostaria de saber como ocorre a rotina... desde o horário que vocês chegam até o
horário que vocês vão embora.

RP1 Eu acho que eu comecei a falar um pouquinho... mas vou descrever melhor...né? Nós
chegamos logo cedo... de manhã... Primeira coisa que a gente faz é buscar o censo...porque as
crianças que estavam ontem... elas podem não estar mais hoje... ou ter novas crianças... né?
Então a gente pede o censo escolar...((é tipo um relatório?)) Isso... O hospital ele disponibiliza...é/
o nome da criança... data de nascimento... leito que ela está... o médico que acompanha...eles
têm isso para toda a equipe... é o mesmo censo para todo mundo... certo? Então se eu chegar
lá... é/ e pedir o censo as meninas vão me dar o mesmo censo que o médico pediu também...é a
mesma coisa... tá certo? Aparece assim: o leito... o nome da criança... a data de nascimento...e
o médico que acompanha... então a gente pede o censo hospitalar... e aí nós sentamos... vemos
as crianças que estão... quais são...você chegou a fazer isso conosco...não foi...Laura? Acho que
não... né? Então... a gente pensa nesse censo...ver quem são as crianças... quem são os
bebezinhos... que infelizmente nós somos só duas... a gente acaba não conseguindo fazer o
trabalho com as crianças muito pequenas... É/pra mim é um pesar... eu gostaria de/ de fazer...
Tava tentando ver como a gente poderia fazer uma parceria aí com o hospital... com os
profissionais pra chegar junto dessas crianças... mas a pandemia não deixou, então é... nós
olhamos... aí nós vamos aos leitos... passamos de leito em leito... convidando as crianças que
estão... é/ possibilitadas... que têm condições de ir até a classe hospitalar e aí essas crianças
vêm...e nós realizamos uma atividade na classe hospitalar coletiva...certo? Que aí quando... vai
desde da criança da educação infantil à criança do ensino médio...o adolescente do ensino
médio... na atividade coletiva... acho que eu falei um pouco disso... é por exemplo... a gente
trabalhou...um...que foi muito bacana... que eu posso te mandar...também...eu acho que é
interessante pra você entender... acho que na cabeça...falar... e não ver é um pouquinho
complicado... né? Assim... como que se trabalha um conteúdo que vai da educação infantil ao
ensino médio... né? Mas a gente trabalhou por exemplo a chegada...assim...começamos de uma
forma engraçada...a gente diz assim a chegada...a invasão...chegada...invasão...não lembro
agora o outro nomezinho dos portugueses no Brasil... né? Nas terras que hoje são...que nós
conhecemos como Brasil... então depois nós construímos um livro gigante... a gente tem fotos
desse livro...as crianças maiores... elas eram convidadas a escrever o que tinha aprendido
naquela aula e a gente começava de forma muito simples... ah eu vou na casa de fulaninho... eu
chego lá e ele mora lá...e eu digo: ah! eu descobri a sua casa... sua casa é minha... eu sou dono...
você é meu escravo, então a gente problematizou o nosso/ que os de direita não escutem
[risos]... A gente problematizando é/o que seria essa chegada... essa descoberta do Brasil...né?
É uma descoberta? Foi uma invasão? Foi uma chegada? Então a gente trazia isso de forma que
a criança pequenininha entendia...não é? E a criança maior entendia... a gente teve uma aluna
que gritou... “viva a revolução!”... na sala... [risos]... uma adolescente... o nome dela era Laura...
aí ela grita “viva a revolução!”, Laura que me desculpe [risos]... Então a gente construía esse
livrinho... as crianças pequenas... elas trabalhavam com recorte para recontar a história... a gente
dava as formas geométricas... ela construía o índio...da forma que ela queria... o que ela queria
representar? Algumas só queriam fazer a as caravelas... que eram os barcos que traziam...faziam
o índio...enfim... na mesma atividade a gente trabalhou um conteúdo aí... de história... né? E/ e
língua portuguesa...enfim... vários conteúdos numa mesma atividade e que deu pra trabalhar
com todo mundo...então era nessa perspectiva...Eu acho que talvez se torna um pouco mais fácil
de entender como é que a gente trabalha...né?

PP E ao término do dia... também há um relatório das atividades que são realizada?


RP1 Sim... então deixa eu voltar para não perder o que você me pediu... né? Terminou as
atividades... a gente tem uma hora para isso... as atividades terminam de dez horas com as
crianças... A gente dá tchau às crianças... elas não podem levar brinquedos... mas elas podem
levar livros... a gente tem uma estante de livros... você chegou a ver isso... né?... Que as crianças
podem tomar emprestadas? Elas tomam... no outro dia... as vezes elas conversam sobre o livro
na roda... porque a gente abre com uma rodinha...pra introduzir o tema... pra saber um
pouquinho como foi a noite... “quem leu... quem não leu... quem pegou livro... quem não
pegou... se gostou... se quer indicar pra um colega...a gente faz um diálogo...uma pequena roda
também pra introduzir o tema da aula naquele dia”... e ai/ é as crianças vão e nós ficamos com
essa parte... nós vemos burocrática... né? Nós abrimos o registro de cada criança que esteve
presente...nós anotamos qual atividade... qual o objetivo... quais os recursos utilizados...é/nós
fazemos também... uma anotação no nosso caderno... porque no final... é/do bimestre...pras
crianças que ficam mais tempo...as crianças com doenças crônicas... nós preparamos um
relatório para enviar para a escola... para as crianças/ é... Laura esteve lá... e ela passou duas
semanas apenas... e aí nós enviamos um relatório e se a família desejar... se a escola desejar das
atividades que Laura realizou durante as duas semanas... certo? Então... essa anotação é
individual, porque as vezes Laura estava lá e Beatriz também estava...Beatriz foi super
participativa... mas Laura só ouviu a história e não quis realizar a atividade... ou realizou a
atividade e pediu outra atividade... como acontece... então a gente anota as subjetividades... as
especificidades de cada criança... certo? Aí termina o dia...

PP Quais são os letramentos necessários para a realização do trabalho do docente na


classe hospitalar?
RP1 Quando você fala em... eu quero só me situar a perspectiva de letramento que você tá me
trazendo... SIM... eu fiquei agora com um pouquinho de dúvida... ((por exemplo... num
ambiente religioso nós temos diferentes... temos um letramento religioso... né? são utilizados
atividades relacionadas aquele domínio... como terço... caderninho de oração... entre outros
fatores... né? no hospital nos temos letramentos específicos do ambiente hospitalar... e na
escola... letramentos específicos para o domínio escolar. Na classe hospitalar temos ambos os
letramentos... né? Então... além do letramento propriamente dito escolar... que são atividades
realizadas a partir da escola... que tipos de letramentos vocês precisam ter... para realizar essas
atividades?)) Seria que mecanismos nós usamos do hospital pra trazer para as crianças? Eu
entendo letramento como prática social... eu não estou conseguindo compreender nessa
perspectiva que você está me perguntando, deixa ver se eu estou compreendendo... seria o que
a gente traz do hospital para o cotidiano das crianças... ((quando você diz quando você pega o
censo...)), (( vamos simplificar... quais atividades de leitura e escrita que vocês realizam nesse
ambiente... além das atividades escolares?)), ((continuação da fala da professora)) Sim...
entendi...vamos lá... nós temos parceiros que são pessoas da psicologia... é/ o pessoal do serviço
social a gente tenta fazer um trabalho mais integrado com essas pessoas... mas quando nós
fazemos esse trabalho o foco é a escola... nós convidamos eles a participarem também dentro
da escola. Um exemplo... nós vamos trabalhar a semana da água... certo? E daí...é/ eu acho que
eu compreendi que você tá tentando trazer...É... na semana da água nós convidamos pessoas da
farmácia... pessoal da enfermagem. Pessoal da farmácia...trabalha...nós temos aí crianças
naquele período... nós temos crianças com umas doenças que não podiam tomar muita água...
e tem outras precisando tomar muita água...então as meninas foram trabalhando... fórmula...
ML...quanto precisavam... o que o corpo precisava...porque o de fulaninho precisava e o meu
não precisava...aí pra essa aula a gente chamou mães... enfermeiras... Fez uma aula coletiva...
mas a perspectiva... o objetivo disso tudo era escolar...você entende? Era de alfabetização... no
final das contas... Além desse diálogo e tudo mais, a atividade... é/ escrita que elas fizeram foi
de relatar um relatório pra quem escrevia... uma redação...os meninos construíram um cartaz...
as crianças que estavam nesse processo de alfabetização... a gente trabalhou aí as flexões da
palavra água... tudo a partir daquela discussão...certo? As meninas da enfermagem foram
trabalhar a lavagem das mãos... o banho e aí depois a gente foi pra uma atividade coletiva
também... é/com objetivos escolar de trabalhar também, de construir também/Nós fizemos um
texto coletivo... depois nós fizemos atividades em folha...que a gente chama impressa...com
base naquele diálogo... Então o nosso objetivo... mesmo convidando os profissionais, mesmo
trazendo... é... coisas relacionadas ao cotidiano dele... é sempre trazer a escola... Não sei se é
isso que você queria saber... se a gente trabalhava outras coisas...mas é sempre de trazer a escola
mesmo quando a gente traz assuntos do cotidiano deles... Se a gente vai fazer um jogo e vai
trazer...como já aconteceu em parceria com a psicologia...a gente fez um jogo gigante...as
meninas prepararam, que os meninos caminhavam por cima... e aí a gente também tinha o
objetivo... no final das contas... É...quando chegou na classe deles...fazerem uma atividade
escrita...de leitura com base no que foi discutido lá...Elas trabalharam o lado delas... as
psicólogas... e nós trazíamos pra nossa...a nossa perspectiva...escolar...era isso...não sei?
((vamos completando no decorrer...))

PP Você considera que o ambiente é adequado para atender os alunos?


RP1 É um convite ao novo...né? É um convite a se lançar ao novo... né? A gente não tem uma
sala somente nossa é...não tem como você viu... a gente divide a sala com os profissionais... o
pessoal da psicologia... Por isso que eu falo sempre muito neles... porque eles estão sempre
muito ali conosco... né? É... nós... nós vamos aos leitos que é onde as crianças tomam as
medicações...onde as crianças estão o tempo todo recebendo visita... Chega o fonoaudiólogo...
chega a enfermeira pra aplicar... administrar medicação... chega o médico para uma
consulta...então a gente/é/ tenta... dentro desse ambiente que não foi pensado para ser escola...
ser escola...né?. Então...nós vamos buscando torná-lo... é... acessível, e proporcionar um
momento de aula... mas ele não foi pensado pra isso... né? Propriamente pra isso... Então é um
desafio pra gente também construir esse espaço... e essa identidade...

PP Como ocorre o planejamento das aulas?


RP Nós fazemos atividades com as crianças de segunda a quinta, e nas sextas-feiras é um
momento de planejamento e/ou formação... Quando nós não temos... é... formação... nós
estamos no planejamento individual... eu e Alice...

PP Os alunos... eles são... geralmente... participativos? eles atendem a proposta das aulas?
ou devido ao momento do adoecimento eles se retraem mais?
RP1 Laura... é impressionante... é algo que as pesquisas sobre classes hospitalares elas têm
mostrado isso... com muita clareza... é o desejo e o amor que as crianças têm à classe
hospitalar... né? Tava agora... recentemente conversando com a psicóloga... ela dizendo como
tá sendo difícil... principalmente as crianças que já eram acompanhadas e que aparecem no
hospital... porque elas ficam de tal forma que elas não querem nem sair do leito... “ah... a salinha
tá fechada”... chamam de salinha... né? Então... é/ as crianças elas têm demonstrado esse amor...
né? A princípio a gente chega aquele momento de conquista... ele não conhece direito, então...
mas com o passar do tempo as crianças... elas passam a amar a classe... Eu sou muito... pela
minha vivência... inclusive como pesquisadora... que trabalho com narrativas... que trabalho
com... eu sou muito apegada as pequenas frases... e acho que já foi esse ano a gente tem uma
menininha Sara... que tem... fez seis aninhos... agora do início do ano também... e aí... a gente
lá vem Sara... A sala já tava fechada... a gente já tinha fechado o expediente... eu já tava com a
bolsa de lado pra ir embora e ela chega numa euforia e ela empurra a porta e entra... e ela entra
gritando... “vovó... venha ver... Aqui é a minha escola...É o lugar mais maravilhoso de todo o
mundo...” [risos] Aí tava eu... Alice... a outra psicóloga... Mirna... né? Então é algo muito
marcante... é uma escola que é um lugar mais maravilhoso de todo o mundo dentro de um
espaço que a gente sabe que é/ representa muitas vezes... dor e sofrimento...Sara tem uma
doença crônica que é incurável...não tem cura... Ela descobriu bebezinha... e ela... a primeira
escola dela... a primeira experiência educacional foi dentro do hospital...A mãe matriculou na
escola por mediação das meninas... Na época eu não estava lá ainda... que conversou procurou
psicologia pra fazer esse...tentar aí ajudar essa mãe a compreender que Sara precisava estar na
escola... porque ela amava a escola...né? E ela demonstrava isso quando estava na escola do
hospital... então/ é...as crianças elas têm mostrado esse amor por esse espaço... né? que é um
espaço... eu digo... que muitas vezes de fuga e de resiliência... né? Daquela situação que elas
estão vivendo...

PP Quais os artefatos utilizados para a realização das aulas?


RP1 Então nós temos...é...disponível lá na sala computador...nós usamos também durante as
aulas tanto no planejamento... pra organizar a aula...como no momento de aula... é por
exemplo... um adolescente... a gente fez uma atividade coletiva e a atividade é...para o
adolescente é uma pesquisa... sobre a invasão dos portugueses a gente vai e pede pra eles
fazerem uma pesquisa... como aconteceu... com imagens e tudo... preparar, aí nós imprimimos
no final...é/e colocamos lá...nós temos um muralzinho de atividades... então nós temos acesso
também a livros... o próprio hospital recebe muitas doações de livros nós temos livros didáticos
que aí a secretaria nos envia... de acordo com cada ano...cada ano nos enviamos o sendo
escolar...então a secretaria recebe esses livros de acordo com esse sendo e nos envia esses
livros... então nós temos esses livros desde dos primeiros anos do ensino fundamental a livros
dos meninos do ensino médio...então nós temos uma variedade grande de livros...grande entre
aspas... ne? É... muitos jogos na sala... por doações também...é... material... massinha...TV pra
utilizar...nós utilizamos muito a tv pra vídeos os slides... gostamos de utilizar slides... é...nós
temos também... jogos...(( jogos educativos né?)) jogos educativos... livros paradidáticos...
temos um bom material...

PP Existe material específico para o aluno internado...ou são materiais comuns?


RP1 São materiais comuns... o que a gente precisa sempre, pra criança que... lá no HUOL...
nós temos algo que outras classes não têm... a criança tá lá... ela consegue trazer uma mesa e
coloca sobre ela com um apoio... lá na policlínica... é algo essencial... eu não conseguia
trabalhar com uma prancheta... então eu precisava levar uma prancheta pra criança apoiar... no
HUOL já temos esse ganho que é uma mesinha que a criança... ela puxa... onde ela se alimenta
ela também faz as atividades escolares, então, de forma geral, são os mesmos matérias
utilizados na escola... às vezes a gente precisa adaptar algum... tesourinha que fica ruim... a
gente tenta engrossar um pouquinho pra criança que tem um pouquinho de dificuldade de
escrever... é/ enfim... mas de forma geral é o mesmo material que a gente utiliza na escola...
Lápis... borracha... e livro e tudo mais...

PP Esses alunos que não conseguem sair dos leitos... como vocês conseguem organizar a aula?
RP1 O que é que acontece... se ele tem atividade da escola... nós priorizamos as atividades da
escola...certo? Que aí a gente faz todas as anotações a gente separa as atividades respondidas e
envia novamente pra escola com nossas observações e tudo mais...certo? Sobre a realização de
cada um... se ele não tem...e ele não foi pra sala...nós realizamos a mesma aula de forma aí...
é... um recorte da aula... mesma discussão que nós realizamos na sala nós levamos para o
leito...inclusive a mesma atividade... se os meninos fizeram um livro lá gigante... é... sobre a
chegada e invasão dos portugueses nós levamos para o leito também a mesma atividade... eles
constroem lá conosco a mesma atividade...certo? A perspectiva é sempre de trabalhar a mesma
atividade... a não ser que... seja uma demanda específica da própria criança... um
exemplo...Laura vai e diz que tem dificuldade com matemática e ela queria muito porque ela
vai embora na próxima semana ela queria muito aprender subtração... dentro da nossa discussão
também a gente tenta não fugir...e até porque.. é/enfim, fica melhor de sistematizar as coisas a
exposição das atividades e pra criança também acompanhar o que tá sendo discutido de repente
no outro dia ela quer ir pra sala... ela não fica alheia à discussão... aí nós realizamos dentro da
discussão lá... dos pauzinhos da caravela... a gente tenta fazer uma atividade de subtração
porque foi uma demanda específica da criança... entende? Mas... nós trabalhamos geralmente...
nos leitos na UTI... no isolamento... nós trabalhamos a mesma atividade que foi realizada na
classe hospitalar... até pra dar a sensação a essa criança de pertença...por exemplo...ah você vai
lá depois...quando você puder você vai lá na sala e olha no mural...ou quando ela não está na
UTI eu tiro foto e mostro a ela... da atividade dela no mural pras outras verem...então a gente
tenta fazer isso...

PP Qual a importância social você atribui ao trabalho realizado na classe hospitalar para
essas crianças e adolescentes?
RP1 Seria bom você ouvi-las... né? [risos] e eu te convido a fazer... deixa só eu abrir esse
parêntese, você não precisa nem transcrever essa parte... eu te convido a ver o que as crianças
falam no trabalho de Maria Simone da Rocha... eu posso te passar o nome... a dissertação e a
tese de Simone são bem próximas...se ler a tese não precisa nem ler a dissertação... é/ e o meu
trabalho que a gente traz narrativas de crianças que falam sobre a escola... que falam sobre a
classe hospitalar e de repente você pode trazer uma narrativa costurada dessas crianças... é um
artifício que eu vi algumas pessoas utilizando... eu não vou saber agora te dizer o trabalho
específico que fez isso... mas de você trazer um pouco dessas pesquisas que falam de crianças
que falam sobre a classe hospitalar...né? e que falam sobre professoras... essas que você está
trabalhando... né? na sua pesquisa... não vai se distanciar do seu ambiente de pesquisa... então
de repente pode ser algo que te ajude, certo? Estou te dando essa dica, vai logo no ultimo
capítulo...que é o capítulo das análises... que é onde as crianças falam...E aí eu penso que é
isso... a escola tem um impacto social, eu gosto muito...eu sou muito apegada a Paulo Freire...
eu digo que Paulo Freire...ele é uma fala muito recorrente minha de que Pulo Freire ele se
materializa nos corredores do hospital quanto à classe hospitalar... né? a gente encontra com
ele... a gente conversa com ele...a gente fala com ele...não só ele mas outros... mas ele então,
sai de braços comigo sempre...na perspectiva de uma de uma pedagogia dialógica que busca ser
encontro de homens que pensam e problematizam o mundo...então...né? eu tenho isso muito
forte comigo e acredito que a classe hospitalar ela tem isso também muito forte foi um encontro
da gente lá/ lá de nós... É... então a escola em si ela não transforma sozinha mas ela é agente de
transformação né? é pensar nessa criança de forma integral né? de forma inteira... não só...é...de
forma biológica... né? Não só o físico... não só, mas também pensar que ela está em pleno
desenvolvimento e que ela tem o direito de classe hospitalar acima de qualquer coisa...ela é
uma direito...não é bondade minha...não tô lá porque estou sendo boazinha e digo isso as mães...
às vezes a gente precisa dizer pra que elas entendam e comprem a briga conosco
também...olhe...não é assistencialismo, não é bondade, é um direito... que você precisa ir na
escola...que você precisa ir atrás para que a escola mande material...que você aponte...né? ela
que vai à escola...né? deixar atividade e deixar atividade muitas vezes... então as vezes a gente
precisa dizer isso a mãe... olhe não estou aqui porque sou boazinha que se fizer greve eu
paro...se houver greve se cortar meu salário eu paro...né? é... então... a classe hospitalar ela vem
trazendo isso pra mim na minha perspectiva de professora muito palpável... né? essa ideia que
essa criança que está ali... ela está em pleno desenvolvimento... a gente ano passado...e
era...pretendíamos fazer isso novamente... nós fizemos uma amostra com todas as atividades
que as crianças realizaram durante um ano... então a gente tentou trazer o ano passado um
projeto que começou com universo com os planetas... a gente construiu algo bem bacana o
surgimento da escrita, as cavernas que as crianças desenharam sobre sua vida...foi uma
atividade magnífica essa das cavernas... até chegar no RN e com os pontos turísticos...que as
crianças desenharam... e aí foi... é muita coisa se eu começar aqui a falar... eu vou fugir do/das
atividades...que é que a gente consegue das crianças da vida das crianças a gente vai trabalhar
uma atividade como o surgimento da escrita... e as crianças desenha e escreve sobre o que ela
tá vivendo ali... a gente pediu...cada um pegou uma folha gigante a gente pediu pra ela fazer...
era só uma caverna...então como é que as pessoas se comunicam sem a escrita? Como era
difícil... tenta contar uma história sobre os desenhos para que os colegas tentem adivinhar o que
você fez sem dizer uma palavra... então as crianças quando a gente foi ver tinha um menino que
fez uma caverna enorme e duas asas maiores, que a caverna, e aí todo mundo queria adivinhar
o que era aquilo e ninguém adivinhava... e quando ele foi falar, ele já fazia trinta dias que estava
internado... uma criança cardíaca, ele sabia que iria para outro hospital e que iria passar mais
tempo naquele hospital aí ele disse... eu sonhei que eu ganhava asas e voava da caverna...e foi
algo assim...foram todos os desenhos... tiveram... foi muito profundo...né? e a gente sabia que
era o desejo dele...se livrar daquela caverna que estava ali... aquela criança extravasou, através
da escrita de uma atividade escolar, né? aquilo que ela estava passando... então a classe
hospitalar... ela tem... é... esse desafio eu acho que ela vem mostrando isso a gente colocou
amostra lá e as pessoas ficavam sem acreditar que crianças doentes... como um vez uma pessoa
da SAMU chegou... uma escola veio trazer isso pra cá? Disse não...foram as crianças que
fizeram isso, ali da classe hospitalar...e ela começou a achar... as crianças doentes? Né? eu disse
as crianças que estão em tratamento de saúde...as crianças doentes, e ela chorou
copiosamente...essa pessoa lá do SAMU, porque não acreditava que as crianças doentes eram
possíveis... conseguiam produzir atividades lindas... eu posso mandar pra você imagem...que aí
você ver um pouco das nossas atividades...eu acho que eu fotografei todas [risos]... é... que as
crianças doentes tinham produzidos atividades tão belas...né? eu acho que a gente vem
mostrando isso...também... sabe? É o nosso desafio...e eu acho que a gente tem conseguido...
tem tentado...né? e acho que ainda tem muito pra mostrar... mas a gente tem conseguido...que
a criança... ela continue ativa...e que ela deseja... né? ser também ativa nesse processo da própria
cura e a classe hospitalar...ela vem trazendo muito isso... um escola que tá fora... que representa
cura... e essa vida continuar... vida que não acaba...

PP Quais as maiores dificuldades de ser professora da classe hospitalar?


RP1 Eu penso que a maior dificuldade do professor, as pessoas pensam que a gente vai falar de
óbito...que vai... né? quando a gente diz ah eu trabalho com criança oncológica... ah como é que
você aguenta o óbito... como? A vida é ela é/ ela não é algo predeterminado pra ninguém...mas
eu penso que a maior dificuldade do professor de classe hospitalar tem a ver de construir uma
identidade enquanto professor...né? eu acho que eu começo dizendo isso porque é muito forte
em mim também... é saber qual o meu limite...né? quando eu preciso acionar o outro... quando
eu preciso dizer o outro profissional...é respeitar o limite do outro do outo profissional
também... né? aqui é a área dele...aqui é a minha área... então é saber dialogar com pessoas...
com outros profissionais que são totalmente fora do contexto escolar...a escola é a casa do
professor... mas o hospital é a casa... a gente pensa... né? que a prioridade ali é a saúde, é o
médico né? o enfermeiro, então é saber... é... construir uma identidade... eu sou professora... e
o que é faz um professor nesse espaço? Como é que eu colaboro com esse aluno... por que eu
sou importante ali? Eu acho que é o nosso desafio diário... é mostrar eu sou importante aqui
porque eu colaboro com isso... isso e isso...né? é... então eu penso que é isso: a identidade...a
construção da identidade... é saber quem eu sou... né? e saber porque eu estou ali...para quê?

PP Mudando um pouco desse foco...eu cheguei e disse... “o projeto classe hospitalar”...daí


você me corrigiu... porque não se trata de um projeto... né? é uma modalidade...na
verdade...né isso?
RP1 É o seguinte...eu tava discutindo esses dias com uma amiga sobre isso... quando a gente
fala sobre modalidade eu penso na modalidade da educação de jovens e adultos... eu penso na
modalidade/é...da educação profissional... eu penso que a classe hospitalar... e quando eu falo
em projeto...eu também limito a isso... entende? Eu reconstruo... a toda uma discussão sobre a
nomenclatura classe hospitalar... o MEC adota essa nomenclatura... nas minhas pesquisas eu
adoto essa nomenclatura e verbalmente eu uso essa nomenclatura também... mas eu gosto muito
da palavra acompanhamento educacional hospitalar e domiciliar porque eu penso que
acompanhar aí vem a noção desde o surgimento da pedagogia que o que acompanhava que
aquele que acompanhava o mestre que acompanhava... é/e essa palavra acompanhamento me
agrada muito... né? aquele que está ao lado...aquele que está ali... é...então tem toda uma
discussão sobre isso... tem toda uma discussão sobre essa inserção... tem pessoas que acham é
pra estar junto com a educação especial... não sei se você sabe mas já na para a/ o ministério da
educação né? nós estamos inseridos na modalidade educação especial... eu não uso essa palavra
modalidade porque eu acho que realmente não cabe... não uso projeto... eu uso o que tá lá... eu
uso classe hospitalar... tem uns que... Paula... e se vc for olhar... ela gosta de escola no hospital...
que me agrada também...eu gosto de escola no hospital tem pessoas que não gostam de classe
hospitalar porque entendem que é a classe física...eu não entendo que o MEC entende como
classe... eu entendo que a classe está muito mais atrelada ao conjunto de pessoas inserida em
um espaço que tem uma mesma perspectiva e não o espaço físico da classe...mas também não
me agrada muito a palavra classe hospitalar...como eu lhe falei eu gosto da palavra
acompanhamento que tem outros que já gostam de atendimento... como uma colega minha...
nossa própria nomenclatura aqui... né? NAEHD... né? que é Núcleo de Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar...então toda essa miscelânea...aí que você pode trazer essa
discussão um pouco... se você olhar na minha dissertação eu trago...vou trazer aqui na tese
também acho que todo mundo que fala sobre classe hospitalar tem que dizer porque a banca
pode cair em cima e perguntar porque você assume essa nomenclatura e não aquela...certo?

PP Algumas considerações que gostaria de deixar?


RP1 A classe hospitalar e o lúdico...eles são parceiros inseparáveis... a gente não consegue
separar os dois porque não tem como e aí eu digo muito que eu já tenho um longo caminho de
aí longo é exagero... mas uma boa... um bom trilhar na classe hospitalar enquanto professora...
mas chegando no HUOL eu encontro Alice que você vê... ela consiga te ajudar um pouco mais
nessa questão... Alice que eu digo que é a mulher das artes... né? a mulher do Lúdico... Alice é
muito lúdica... e eu já tinha um pouco, mas numa outra perspectiva talvez ainda um pouco mais
conteudista Por que/quê que trazia pra mim essa realidade do HUOL? nós temos crianças em
tratamento de doenças crônicas... mas nós temos uma grande quantidade que tão ali pra internar
uma semana ou duas...na policlínica os meus alunos eles vinham com um período muito grande
de hospitalização... de internação...de tratamento... então a gente trabalha, acaba trabalhando
muito mais atividades aí, a escola...a gente precisa fazer aquela sistematização muito mais
rigorosa pra dar um retorno mais pra essa escola... apesar de que... isso é algo já muito presente
em mim...nas classes enfim...da presença do lúdico... e do jogo pra fazer...eu tenho várias fotos
aí desde da poli... brincando com as crianças...usando muita tinta... muito enfim... mas no
HUOL...eu digo que a gente casou... Alice tinha um pouco de dificuldade de como é que eu
vou trazer esse conteúdo? Eu encontrei com ela nas artes... com essa ideia de livro gigante...de
jogos...gente... a gente deu uma aula maravilhosa cantando aquela música escravos de Jó...e aí
as crianças seguravam a bolinha...e a gente puxava...quem segurava puxava, fazia uma pergunta
e gerava uma discussão sim, a partir de um jogo, então é... eu digo que a gente casou... eu e
Alice... a gente conseguiu trazer a nossa mostra muito isso...a gente conseguiu trazer os
conteúdos...e a arte muito junto sabe? Tem uma figura que eu adoro que é...vai ser a capa da
minha tese...espero... que é várias mãos pintando uma Frida Kahlo que é uma aula maravilhosa
sobre a américa latina e os meninos todos... eram mãos...em/de/dos psicólogos... das mães... das
crianças... são várias mãos que se encontram pintando a Frida Kahlo... o cartaz gigante da Frida
Kahlo...depois de uma aula maravilhosa com mediação dos meninos da psicologia... então a
gente...o lúdico na classe hospitalar... não sei se era isso que você queria na parte do
letramento... acabei não compreendendo bem aquilo que você queria me perguntar... é... a classe
hospitalar ela se faz.. e hoje... sabe? É... eu recentemente estive em classe regular porque eu fui
professora do município de Natal até pouco tempo... eu fui rodando Laura...eu fui saindo e
entrando em concurso... graças a Deus... eu passava e até fui escolher...eu só não abro mão do
da classe hospitalar... faz muito tempo que é meu segundo...o segundo do estado... e é o que eu
tenho muito apego... eu acho que se um dia eu precisar... eu vou sofrer muito... sair sabe? Porque
eu tenho um amor muito grande... então eu vim saindo e entrando de outros lugares...eu acho
que você viu lá... Roberta fica tirando onda comigo... mas é um pouco verdade...não foi... é
porque foram surgindo... eu entrei no mestrado e larguei um pra ficar só com um...aí depois
passei no outro... tive que assumir e aí passei no doutorado...larguei... aí agora tô com dois de
novo... então eu tive no município de Natal até pouco tempo...né? é... como professora de escola
regular e eu não era a mesma professora...que fui em dois mil e treze... também de escola
regular... não tem como você ser o mesmo professor quando você entra em contato com outras
formas...eu gosto de dizer... formas outras de ser escola...né? então eu não sou a mesma Ana, a
classe hospitalar...ela/ ela me possibilitou pensar também o meu próprio ser docente pra além
daquele contexto de classe hospitalar... então eu fui uma outra professora tive uma outra
experiência como docente... uma experiência muito gratificante né? que eu pude levar um
pouquinho e também pude levar um pouquinho da minha sala pra classe hospitalar... bom eu
acho que é isso...a gente precisa estreitar um pouco mais a escola regular e a classe hospitalar
porque a gente tem muito mais a dizer à escola e a escola tem muito mais a nos dizer... né? acho
que a gente tem que entender... tentar uma aproximação maior...

APÊNDICE 2 - TRANSCRIÇÃO DA SEGUNDA ENTREVISTA REALIZADA COM A


PROFESSORA ALICE (PSEUDÔNIMO), REPRESENTADA POR RP2 (RESPOSTA
DA PROFESSORA DOIS) E PP (PERGUNTA DA PESQUISADORA).

PP- Gostaria que você falasse um pouco sobre a sua formação.


RP2 A minha formação é em Pedagogia... né? Pela UFRN... Me formei em... já faz tanto tempo
que eu já até esqueci... em 2012...2012.1, certo? E logo que eu terminei a graduação eu já inseri
na, no concurso do Estado... Eu assumi o cargo de professor do estado... professor polivalente...
e foi assim.

PP Como foi o processo para você ser direcionada para o HUOL?


RP2 Então...assim... eu entrei no Estado em 2012... e aí atuei como professora em sala de aula
regular... sala de aula comum até 2014... final de 2014...aí uma escola que eu trabalhei aqui em
Natal... tinha uma colega minha que já era da classe hospitalar e aí ela falou do serviço...falou
como era...perguntou se eu gostaria de fazer parte desse serviço... ai eu fiquei muito interessada
e tudo...e ela me indicou pra uma pessoa pra participar de uma seleção... entrevista... e assim
eu fui... e fiquei... Então eu iniciei o meu trabalho no Onofre Lopes em março de
2015...dezesseis de março de 2015... Fez cinco anos agora... mas assim... é estranho porque na
verdade a gente acha que faz muito tempo... mas na verdade o sentimento que a gente tem é
que faz pouco tempo... entende? Porque sempre são desafios novos... sempre é algo novo... tudo
é muito novo... entendeu? Aí o sentimento que a gente tem...é que não sabe muito ainda de
classe hospitalar... que tem ainda muito pra desvendar...pra descobrir...pra aprender...

PP O que é o atendimento educacional hospitalar e domiciliar?


RP2 É um atendimento... é/ o professor do estado...ele é cedido... né? das instituições e
hospital...pra que ele possa fazer esse acompanhamento escolar na criança internada... certo? E
aí como é feito o acompanhamento... né? o acompanhamento é... na realidade no HUOL... né?
o atendimento é realizado na brinquedoteca... né? como você já presenciou, ou no leito... ou na
UTI também...e aí a princípio a gente segue toda uma rotina...né? a gente segue uma rotina pra
poder não se perder...entendeu? Porque são muitas coisas que acontecem no decorrer do dia
que faz com que você... muitas vezes atropele esses... essa rotina...e aí a gente tem uma rotina
pra seguir... básica... pra que a gente possa no final do dia concretizar alguma coisa...né? então
assim...quando a gente chega no hospital a gente pede o censo às meninas da recepção... esse
censo tem o nome da criança... a data de nascimento...quantos dias ela tá internada... e quem
faz o atendimento dela... o atendimento médico...ou seja...o médico...e tem também a
enfermaria qual está...e o leito...E a gente vai selecionando por idade... e pelos tipos de
comorbidades... enfim...e vamos...a partir daí a gente começa a organizar o nosso fazer docente
do dia...entendeu?

PP Qual a faixa etária das crianças e adolescentes que participam desse atendimento?
RP2 A faixa etária de/é até dezesseis anos...que é o atendimento realizado pela pediatria...e a
idade inicial é de bebê até dezesseis anos...e aí a classe hospitalar ela faz todo esse
trabalho...desde a educação infantil até os dezesseis anos... o ensino médio...

PP Quais são os cursos de capacitação, aperfeiçoamento são oferecidos para os docentes


do atendimento?
RP 2 Sim... a gente tem uma formação... né? toda sexta-feira a gente participa dessa formação
que está ligada a UFRN...que é lá na SEMURE...não sei se você teve a oportunidade de
participar...não né? pronto aí a gente faz essas formações que tá ligada diretamente com a
UFRN... e aí a gente participa de vários assuntos...vários temas... desde temas relacionados a
nossa prática... a questões emocionais e assim vai... e no final do ano a gente recebe um
certificado... quem conseguir atingir a carga horária mínima... entendeu?

PP A carga horária é diferenciada dentro do hospital?


RP2 Não/não/ não... É igual a da escola... é igualzinho.

PP: Você acha que esses cursos de formação têm grande impacto na prática?
RP2 Eu acho que sim... com certeza... é sempre bom estudar... é sempre bom manter-se
atualizado e como tá ligado à UFRN...sempre tem algo novo a se aprender... né? tá ligado
diretamente com a academia e isso é muito bom...traz um frescor, algo novo...

PP Nesse momento de pandemia, o que está acontecendo no hospital sem o atendimento?


sabe como está a rotina?
RP 2 Não sei... assim... eu sei por alto porque a minha chefe ela fala... né? que as crianças estão
no leito... não podem circular... pra não pegar a gripe por COVID e pronto... Agora... eu
perguntei se tava havendo alguma outra coisa para as crianças se manterem mais ativas e tal...
não ficarem naquela posição do quarto...ela disse que não está acontecendo nada... disse que as
crianças estão no leito e pronto...(( não estão tendo acesso nem a brinquedoteca?)) Não...
porque não pode...
PP Como ocorre o planejamento das aulas?
RP2 O planejamento ocorre toda sexta-feira... pra poder planejar...a gente sempre senta... vai
pra frente do computador pra realizar pesquisa pra ver o que é que a gente pode fazer no decorrer
daquela semana... e /é assim...senta eu e Ana e a gente organiza a semana... tudo que precisar
pra aula da semana todinha... a gente faz na sexta-feira e a gente planeja na sexta-feira.

PP Além disso... vocês têm um projeto...né?


RP 2 Temos um projeto anual... e esse planejamento ele é pautado nesse projeto... certo? Porque
aí a gente aplica tanto o projeto como também as atividades que vem da escola.

PP São vocês duas que organizam esse projeto?


RP 2 Só a pedagogia... só nós duas.

PP Como é a participação dos alunos com relação às aulas?


RP2 A participação deles é... eu acho que é assim como se o professor...ele traz aquela coisa
do dia a dia deles... né? remete isso...então eles participam...então eles gostam... eles realizam
as atividades mesmo estando doentinhos... muitas vezes eles não estão muito legais...mas eles
têm vontade de fazer a atividade eles realizam...Ontem eu e Ana... a gente falou com um aluno
sabe? É Ricardo... e aí ele falou que estava com muita saudade e que não estava podendo ir ao
hospital porque as crianças que realizam tratamento rotineiro, eles não estão podendo ir ao
hospital sabe? Disse que tava com muita saudade e tudo... foi interessante essa fala dele...porque
a gente não imaginou que ia causar tanta saudade assim... né? no hospital...às crianças... então
é isso...

PP Qual o diferencial de ser um professor da escola regular e para ser um professor da


classe hospitalar? Quais foram os maiores desafios que você enfrentou?
RP2 O maior desafio da classe hospitalar pra sala de aula comum é essa coisa do você ter que
ter esse desafio de mudança... tipo hoje a gente planejou algo hoje/pra hoje e aí a criança já vem
com outra demanda... a gente tem que desfazer tudo aquilo e fazer uma nova... um novo
plano...então tem que ser tudo muito rápido...eu tive que, isso foi um baque pra mim...sabe? a
princípio... a gente dá a sensação de que poxa vida eu tive tanto trabalho de fazendo esse
planejamento e tudo...e ter que mudar tudo de novo... mas é assim a gente vai se
acostumando...sabe? a essa nova rotina...mudança de imediatismo e tudo tem que ser pautado
na criança ali naquele momento.

PP Quais são os artefatos utilizados para a realização das aulas?


RP2 Livros...jogos... computadores...o lúdico...a gente usa muito a questão do lúdico...através
de tintas...pinturas... produção de maquetes essas coisas assim... para atrair mais...

PP Você acha que essa questão da ludicidade, esse diferencial, ele chama mais a atenção
da criança?
RP 2 Chama mais atenção eu acho, chama mais atenção torna a aula mais atrativa mesmo, não
adianta você trazer aquele conteúdo bruto ali pra que a criança possa... tem que ter um atrativo,
e a criança já tá doente e você tem que se reinventar se refazer, entendeu?

PP A turma... é multisseriada?
RP2 É outro desafio...eu esqueci desse aí...é um outro desafio também é esse...a questão da
multisseriação...sabe? também é bem desafiador...assim no início também foi bastante puxado
em relação a isso...Aquela outra pergunta que você fez anteriormente sobre o desafio...
pronto...esse é um deles... eu esqueci...

PP Como vocês conseguem conciliar os conteúdos do ensino infantil até o ensino médio?
RP2 Tudo é a forma de fazer...mas dá certo... o adolescente é mais resistente sabe? mas no final
eles cedem...eles cedem sabe? ao que a gente propõe... é mais difícil de conquistar, mas no final
dá certo... é na mesma proposta da ludicidade...criação da produção de maquete eles gostam
dessas coisas...estimulação da criatividade... de criar de fazer... do concreto...os grandes
também gostam...

PP Com relação aos materiais...existe algum material que é direcionado ao aluno


hospitalizado? Ou o material é comum, da escola comum?
RP2 É o material da escola comum mesmo... o livro didático... a tinta as canetas... tudo da
escola comum...a gente recebe algumas coisas da secretaria e algumas coisas o hospital recebe
doação...

PP Como vocês trabalham com a criança no leito para inserir as atividades?


RP2 Aí a conquista vai ser...se ela tiver muito debilitada a gente vai inicia uma conversa...uma
aproximação e aí vai... a partir dessa conversa a gente vai vendo o interesse dele... o que ele
quer naquele dia...a gente começa aos poucos...sabe? e aí vai conquistando... o que que você
gostaria de fazer...o que é que você quer fazer...quer que eu conte uma história...a gente vai por
esse meio...sabe? e pronto...a partir daí a gente começa a/quando ele nos acolhe a gente começa
a inserir o que a gente tem proposto pra semana...entendeu? Entra em contato com escola...se
necessário se for passar muitos dias... tudo é muito devagar e aos poucos porque não adianta a
gente chegar assim né...de repente? Tem criança que é ótima... assim sabe? já tem outras que já
é um pouquinho mais resistente...as maiores... sabe? mas na maioria das vezes... eles são bem
interessados... eles querem aprender... eles querem fazer as atividades...é interessante...

PP Como ocorre o diálogo entre a classe hospitalar e a escola regular? como vocês fazem
essa ponte?
RP2 A ponte é através da ligação do atendimento... utilização dos meios de comunicação...ou
e-mail...ou whatsap...ou o telefone mesmo... ligação... A princípio a gente usa... liga primeiro...
fala com a direção... com a coordenação e aí vai... a gente se apresenta... o que a gente tem no
hospital e tudinho... e aí a gente a solicitar os conteúdos... que os conteúdos muitas vezes não
vem... noventa por cento das vezes ele não chega... a princípio se mostram todos muito
abertos...mas aí na verdade não correspondem aquilo que aparentemente se propõem...sabe?
mas é isso...A gente vai tentando...a gente não deixa de fazer por conta disso...a gente sempre
entra em contato com a escola e quando mandam a atividade... isso aí... ave maria... é uma
vibração só... sabe? tanto pra gente quanto pro aluno... o aluno se sente importante...a escola se
importa comigo... entendeu?

PP Hoje em dia você sente menos dificuldade em ser professora da classe hospitalar?
RP2 Eu vou falar por mim... vez por outra a gente começa a se perder um pouquinho e aí a
gente vai,...busca de novo o nosso propósito...o que é que a gente tá fazendo ali no hospital...
porque assim...é um professor dentro de um ambiente que não é nosso... entende? É o ambiente
da saúde... e acaba que são muitas informações é muita coisa...e você acaba... é... se perdendo
um pouco...perdendo um pouco sua identidade...e é isso... E aí você começa a refletir sobre
aquilo...vamos lá eu sou professora... eu não posso deixar que/ que as outras coisas atrapalhem
o que eu vim fazer aqui...é uma retomada... sabe? É sempre assim ó...altos e baixos...eu tô
falando por mim...sabe? porque desafios são muitos...muitos desafios tem hora que bate mesmo
a insegurança mesmo... mas faz parte... é um contexto muito complexo...de adoecimento... de
muitas coisas...

PP Quais são as atividade lúdicas que vocês mais desenvolvem?


RP2 A gente desenvolve a criação de maquetes... pinturas com tintas... recorte/colagem...quê
mais? É... artesanato... reciclagem...são muitas coisas...

PP E os outros profissionais... eles também participam?


RP2 Participam...desde que Ana chegou em 2019 que a gente tem feito uma parceria bem
bacana com a equipe multi... sabe? os residentes da fisioterapia...serviço social... da nutrição...aí
a gente trabalha juntos... Ana trouxe isso...sabe? essa coisa do trabalhar junto... construir junto...
e aí tem sido bem bacana... sabe? porque aí o enfermeiro... o psicólogo o assistente social...o
nutricionista vem trazendo o seu conhecimento... né? o nutricionista sobre nutrição...
alimentação e tal... o enfermeiro sobre cuidados no corpo essas coisas assim...o assistente social
trabalha sobre as questões do ECA coisas relacionadas a área dele... eles têm muito mais
propriedade do que a gente enquanto pedagoga teria...né? porque a gente é professora... tem
que estudar e tudo... é diferente do profissional que tá ali lidando diretamente com aquilo
diariamente... o nutricionista tem muito mais propriedade de falar de nutrição do que a
gente...então a gente fez essa parceria... e tem sido muito rico... sabe? é isso...

PP Qual a importância social que você atribui ao trabalho realizado pela classe hospitalar
para as crianças e adolescentes que estão internados?
RP2 Eu acho que...é o resgate enquanto pessoa... né? enquanto cidadão... para garantir um
direito que ele tem à educação... entendeu? Eu acho que é isso... É garantir o direito... o direito
à educação... o principal é esse... E o restante é consequência... o principal é garantir a educação
da criança em qualquer circunstância da vida dela... seja no adoecimento... seja em qualquer
canto... e /é o que tá posto na lei...

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