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NATAL
2021
MARIA LAURA DA SILVA
NATAL
2021
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Agradeço primeiramente a Deus, pela força e pelo amor inexplicável que Ele exerce
sobre mim. Que o meu propósito seja servir ao próximo conforme a sua vontade.
À minha mãe Lucimar, que sempre foi a minha fortaleza e contribuiu significativamente
para que eu trilhasse o caminho do bem. Mesmo diante das dificuldades, fez o melhor que pôde
para me fazer feliz. A minha vitória é sua.
À minha vó Sofia (in memoriam), pelo exemplo de honestidade, partilha e afeto. Sinto
muito a sua falta, gratidão por tanto amor dedicado a mim.
Ao meu pai Manoel e aos meus irmãos Alexandre e Leandro, pelo carinho e apoio.
Ao meu companheiro Wanderson, pela cumplicidade, paciência e atenção. Também
estendo meus agradecimentos a toda sua família, principalmente a minha sogra Salete e a minha
cunhada Wanessa.
Ao meu amigo Roque Chianca, pela partilha das angústias e alegrias, pela leitura
atenciosa deste trabalho, por sua amizade que é muito valiosa para mim.
À minha vó Severina e à toda minha família: primos, primas, tios, tias, afilhada e
sobrinhos. Agradeço à torcida, por vibrarem com as minhas conquistas.
À minha orientadora, a Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz, a quem tenho muita
estima, desde a graduação me inspira a percorrer caminhos frutíferos na academia. Sou grata
aos ensinamentos, à paciência e à confiança dedicada a mim.
Às professoras da classe hospitalar, a contribuição de vocês foi primordial para o
desenvolvimento dessa dissertação.
Ao meu amigo Glênio (in memoriam), que repentinamente foi morar em outro plano,
mas deixou o seu exemplo de generosidade. Gratidão por ter me acolhido quando mais precisei.
À Jardiene, pelas nossas longas conversas sempre regadas de muito humor e incentivo.
Sua contribuição foi fundamental para minha chegada até aqui.
A todos do grupo Letramento Laboral, em especial à Aparecida Costa, Lindneide
Medeiros, Klébia Costa e Carlos Henrique.
À Nuna, amiga que a pós-graduação me deu. As suas palavras de conforto e motivação
ecoaram no meu coração e contribuíram para a realização desse trabalho.
Aos colegas de curso Alcione, Carolina e Gisely, vocês contribuíram muito com a
partilha de conhecimentos e com a amizade construída nesse percurso.
Ao Prof. Dr. Márcio Sales Santigo, pela oportunidade de ser aluna da iniciação científica
ainda na graduação, o que me possibilitou aprender e traçar caminhos para chegar até aqui.
À Profa. Dra. Maria do Socorro Oliveira, por ter me recebido como aluna especial e ter
compartilhado conhecimentos valiosos sobre os estudos de letramentos.
À Profa. Dra. Glícia Tinoco e ao seu grupo de estudo, pelo acolhimento e pelos
conhecimentos partilhados.
A todos os professores do PPgEL, pela grande contribuição na minha formação.
A todos os professores da graduação, ao antigo CERES, sempre será lembrado com
muito amor.
À secretaria do PPgEL, em especial a João Gabriel, que muitas vezes me ajudou,
mostrando-se receptivo sempre que precisei.
À Profa. Dra. Josilete Azevedo, por ter sido um grande exemplo de profissional durante
todo o meu percurso acadêmico e pelas contribuições feitas na qualificação desta dissertação.
À Profa. Dra. Nádia Maria Silveira, pelo cuidado direcionado a este trabalho, trazendo
observações na banca de qualificação que resultou no aprimoramento deste trabalho.
À Profa. Dra. Gianka Salustiano, pela disponibilidade em participar da banca de defesa
e, consequentemente, suas ricas contribuições.
À todas as minhas amigas que torceram por mim, em especial, Wilma, Kathiene, Paulla,
Milana, Aline Ângelo, Waniely, Aline Medeiros, Jailhane, Jária, Samantha e a minha querida
cunhada, Cibele.
À CAPES, o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento
001.
Enfim, agradeço a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para a
concretização desse trabalho.
Muito obrigada!
“Desistir... eu já pensei seriamente nisso, mas
nunca me levei realmente a sério; é que tem
mais chão nos meus olhos do que o cansaço
nas minhas pernas, mais esperança nos meus
passos, do que tristeza nos meus ombros, mais
estrada no meu coração do que medo na
minha cabeça”
(Cora Coralina)
RESUMO
As práticas de letramentos são movidas pela leitura e pela escrita e atendem a diferentes
propósitos sociais. Na ambiência da classe hospitalar, essas práticas perfazem o trabalho dos
professores com a finalidade de contribuir com as demandas escolares da criança e do
adolescente em internamento hospitalar. Nesse sentido, o estudo dessas práticas possibilita dar
inteligibilidade à constituição das atividades profissionais do professor em espaços não formais
de educação. Sendo assim, o principal objetivo deste trabalho consiste em analisar as práticas
de letramentos profissionais de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar
e Domiciliar, especificamente, em um hospital público na cidade do Natal/RN.
Metodologicamente, a investigação situa-se no âmbito da Linguística Aplicada (MOITA
LOPES, 2006; KLEIMAN, 2019), assume perspectiva de natureza qualitativa interpretativista
(MOITA LOPES,1994; BOGDAN; BIKLEN 1994; MOREIRA; CALEFFE 2006;
CHIZZOTTI, 2005), com viés etnográfico (ANDRÉ, 1995; SILVA; SILVA, 2016).
Teoricamente, esta pesquisa ancora-se nos Estudos de Letramentos (HEART, 1982; STREET,
1984, BARTON, 2000; BAYNHAM, 1995; KLEIMAN, 1995, 2005; ROJO, 2009), inclusive,
no Letramento Laboral (PAZ, 2008), nos estudos de Saúde e Psicologia (OLIVEIRA; MAIA,
2012) Escolarização Hospitalar (RODRIGUES, 2012; BEHRENS, 2014; CASTRO, 2014), e
na concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN/VOLOSHINOV ([1929] 2016; ALVES,
2016; FREIRE, 2016). A investigação foi efetuada a partir das categorias elencadas por
Hamilton (2000), que compreendem: participantes, ambiente/domínio, artefatos e atividades.
As análises apontam para a ocorrência de várias práticas de letramento profissional que o
docente atuante no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar realiza, dentre elas se
encontram a consulta ao censo, entrevista com os acompanhantes, correspondência à escola de
origem, acolhida do aluno, atendimentos nos leitos, atendimento na sala, registro do aluno e
planejamento. A Sua efetivação visa contribuir com os letramentos dos alunos-pacientes,
sobretudo o letramento escolar, levando em consideração aspectos referentes ao ambiente
hospitalar, à patologia do educando, o contexto social no qual ele está inserido, à escola de
origem, dentre outros fatores.
Literacy practices are driven by reading and writing and serve different social purposes. In the
atmosphere of the hospital class, these practices make up the work of teachers with the aim of
contributing to the school demands of children and adolescents in hospital. In this sense, the
study of these practices makes it possible to give intelligibility to the constitution of the teacher's
professional activities in non-formal educational spaces. Therefore, the main objective of this
work is to analyze the professional literacy practices of teachers who work in Hospital and
Home Educational Care, specifically, in a public hospital in the city of Natal/RN.
Methodologically, the investigation lies within the scope of Applied Linguistics (MOITA
LOPES, 2006; KLEIMAN, 2019), takes a qualitative interpretive perspective (MOITA LOPES,
1994; BOGDAN; BIKLEN 1994; MOREIRA; CALEFFE 2006; CHIZZOTTI, 2005), with an
ethnographic bias (ANDRÉ, 1995; SILVA; SILVA, 2016).Theoretically, this research is
anchored in the Literacy Studies (HEART, 1982; STREET, 1984, BARTON, 2000;
BAYNHAM, 1995; KLEIMAN, 1995, 2005; ROJO, 2009), including, in Labor Literacy (PAZ,
2008), in Health and Psychology studies (OLIVEIRA; MAIA, 2012), Hospital Schooling
(RODRIGUES, 2012; BEHRENS, 2014; CASTRO, 2014), and in the dialogical conception of
language (BAKHTIN/VOLOSHINOV ([1929] 2016; ALVES, 2016; FREIRE, 2016). The
investigation was carried out from the categories listed by Hamilton (2000), which comprise:
participants, environment/domain, artifacts and activities. The analyzes point to the occurrence
of several practices of professional literacy that the teacher working in the Hospital and Home
Educational Service performs, among them are consultation of the census, interview with
companions, correspondence with the school of origin, reception of the student, assistance in
beds, room service, student registration and planning. Its implementation aims to contribute to
the literacy of student-patients, especially school literacy, taking into account aspects related to
the hospital environment, the pathology of the student, the social context in which he is inserted,
the school of origin, among other factors.
Keywords: Applied Linguistics; Teacher Labor Literacy; Hospital and Home Educational Care.
LISTA DE SIGLAS
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Rojo (2009), Baynham (1995), Barton (2000) e Hamilton (2000); incluindo o Letramento
Laboral: Paz (2008); na Psicologia e Saúde: Oliveira e Maia (2012); e, na Escolarização
Hospitalar: Rodrigues (2012), Behrens (2014), Castro (2014), Santos e Souza (2014) e Luckesi
(2000).
Em termos composicionais, esta dissertação organiza-se em cinco seções, sendo a
primeira, essa ora apresentada, a qual contempla as considerações iniciais, incluindo o contexto
inicial da pesquisa, as indagações, os objetivos e a sua relevância.
Na segunda seção, elencamos os caminhos da pesquisa sendo eles: os primeiros passos
da pesquisa, a inserção da pesquisa no âmbito da Linguística Aplicada, a natureza da pesquisa,
o objeto de pesquisa, o cenário, as participantes, os instrumentais de pesquisa, o corpus da
pesquisa e as categorias de análises.
Na terceira seção, tratamos dos aportes teóricos, objetivando discutir a concepção
dialógica da linguagem, os gêneros do discurso, os estudos de letramentos, o letramento
profissional do professor da classe hospitalar, o que é a classe hospitalar, e letramento e saúde:
a escola no contexto hospitalar.
Na quarta seção, trazemos as análises a partir das discussões sobre o trabalho do
professor da classe hospitalar, focalizando em: participantes, ambiente e domínio, artefatos,
participantes, letramentos necessários à atuação do professor da classe hospitalar, e algumas
discussões a respeito das práticas de letramentos.
Por último, temos as considerações finais, que se constitui pela retomada dos nossos
objetivos a fim de perceber se foi possível responder às questões estabelecidas. Além disso,
apresentamos as nossas considerações acerca das práticas de letramentos desenvolvidas pelas
professoras da classe hospitalar, com o intuito de observar a importância delas como prática
social.
Diante do exposto, pretendemos destacar neste trabalho a importância das práticas de
letramentos para o fazer profissional do professor, o qual estabelece uma reflexão sobre o seu
próprio modo de fazer, e com isso permite-nos observar os elementos que constituem esses
modos, sendo eles designados para além da formação acadêmica desses profissionais.
18
2 OS CAMINHOS DA PESQUISA
Esta investigação teve início em 2019, período inicial de nossa inserção no Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), a nível de mestrado, na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A duração do curso consistia em dois anos, mas
houve prorrogação por não ser possível gerar os dados no tempo previsto no cronograma
submetido ao Programa, haja vista que a pandemia ocasionada pela doença COVID-191
contribuiu para o atraso na pesquisa.
No primeiro ano do Curso, foram possíveis estabelecer etapas importantes para o
desenvolvimento da pesquisa. Vale ressaltar que nesse período, geralmente, cumpre-se as
disciplinas oferecidas pelo programa, de acordo com a linha de pesquisa de cada
discente/pesquisador.
Como forma de programação inicial para prosseguimento à investigação, estabelecemos
quatro etapas principais para o direcionamento da pesquisa, sendo elas: estabelecimento de
contato com as profissionais participantes da pesquisa, levantamento de pesquisas sobre a
temática proposta, submissão do projeto ao Comitê de Ética (CEP/UFRN/HUOL), e
participação em eventos relativos à classe hospitalar e aos Estudos de Letramentos.
Antes mesmo de fazermos parte do programa de pós-graduação, foi de extrema
importância saber se as professoras que trabalham na classe hospitalar do HUOL estariam
dispostas a participar da pesquisa, bem como se seria possível realizar pesquisa naquele
ambiente. Nesse sentido, após visitas e havendo respostas positivas da parte delas, o projeto foi
iniciado. Sendo assim, o primeiro passo, logo após a nossa aprovação na seleção do programa,
1
Conforme o Ministério da Saúde, A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-
CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com
a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser
assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20% dos casos detectados requer
atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem
necessitar de suporte ventilatório.
19
diz respeito à reunião com essas profissionais, na oportunidade levamos a documentação a ser
assinada, quanto à autorização delas em participar espontaneamente da investigação e, com
efeito, apresentamos os nossos objetivos e as peculiaridades de nossa pesquisa.
O segundo passo diz respeito ao levantamento de pesquisas relacionada à temática
proposta no que tange os aspectos dos Estudos de Letramentos e o trabalho do professor da
classe hospitalar. Para tanto, reunimos o maior número de estudos voltados ao fazer profissional
do professor da classe hospitalar, a exemplo da pesquisa realizada por Rodrigues (2012),
pesquisadora e professora de cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Sua pesquisa resultou no livro “classes hospitalares: o espaço pedagógico nas
unidades de saúde”. No livro são elencados tópicos imprescindíveis para nossa investigação,
tais como os capítulos: “a formação do pedagogo e licenciados de outros cursos para atuação
na classe hospitalar”, “aspectos legais e históricos dos processos de escolarização em hospitais”,
“práticas pedagógicas diferenciadas”, dentre outros.
Embora a temática seja importante, encontramos poucos trabalhos vinculados aos
Estudos de Letramentos. Ao digitarmos no Google Acadêmico o título: “letramento profissional
do professor da classe hospitalar”, os trabalhos que mais correspondem ao tema são os trabalhos
intitulados: “caminhos para o letramento na educação hospitalar”, “reflexões sobre a formação
do docente da classe hospitalar do hospital infantil Nossa Senhora da Glória de Vitória (ES)”.
Ademais, há outros trabalhos que discutem a formação do professor, embora não seja explorado
no âmbito dos Estudos de Letramentos.
Nesse sentido, lançamos mão das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos
Letramento e Trabalho (GELT), idealizado e liderado pela professora doutora Ana Maria de
Oliveira Paz, tendo por objetivo suscitar leituras e reflexões sobre as práticas de escrita
observadas em ambientes de trabalho e na formação para o trabalho. Em relação às pesquisas
já realizadas no GELT, destacamos aqui a tese de doutoramento da referida professora
“registros de ordens de ocorrências: uma prática de letramento no trabalho da enfermagem
hospitalar”, de Paz (2008); a dissertação de Medeiros (2016) intitulada “letramento e trabalho:
um estudo sobre práticas de letramento de profissionais da saúde no curso de formação para
maternidade”; a tese de Costa (2019) “letramentos na construção civil: um estudo sobre as
leituras e as escritas dos técnicos de segurança no trabalho”; e, a tese de Costa (2020) que tem
como título “o gênero questionário de pesquisa do (no) IBGE: produção, usos e implicações”.
Concomitantemente, na terceira etapa, por se tratar de uma pesquisa envolvendo pessoas
e o ambiente hospitalar, foi necessário preencher todos os documentos exigidos pelo
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CEP/UFRN2, bem como a documentação exigida pelo HUOL. Posteriormente, após alguns
ajustes e reenvio de documentos, o projeto foi aprovado pelo CEP/UFRN.
Nesse sentido, alguns documentos foram necessários, tais como: o Termo de
Confidencialidade, Termo de Autorização de Gravação de Voz e Registro de Imagens, Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, Carta de Anuência, Declaração de Compromisso Ético
de Não início da Pesquisa, Folha de identificação do pesquisador, Projeto de pesquisa na
íntegra, Cronograma detalhado, dentre outros.
No entanto, ressaltamos que a pesquisa in loco só foi iniciada após a aprovação3 dos
referidos documentos em ambas instituições, haja vista que o regimento do hospital também
exige que o pesquisador apresente toda a documentação ao comitê de ética específico do
HUOL. Sendo assim, mesmo sendo aprovado pelo CEP/UFRN, tivemos de esperar também a
aprovação do referido hospital.
Na quarta etapa, a fim de maior aprofundamento sobre o trabalho na classe hospitalar,
participamos de um evento oferecido pela UFRN, no setor de Educação. No evento foram
discutidos os seguintes temas: “experiências com narrativas, memórias e escritas de si:
perspectiva de formação coletiva para classes hospitalares e domiciliares do RN”, “pesquisa no
contexto da classe hospitalar e domiciliar: reflexões no âmbito da graduação e pós-graduação”,
“o cuidado às crianças e adolescentes com doenças crônicas”, e “crianças, escola, hospital e
autobiografismo: o desenho infantil e as narrativas de si”. Os ministrantes do evento foram
professores (as) universitários (as) que desenvolvem pesquisas sobre classes hospitalares e
domiciliares, discentes da iniciação científica, e também professores (as) que atuam diretamente
nesses ambientes.
Além disso, participamos dos eventos no âmbito dos Estudos de Letramentos, como por
exemplo o curso de extensão: “letramento e trabalho: uma panorâmica de pesquisas situadas no
domínio do fazer laboral/profissional”, promovido pelo Departamento de Educação, do
Campus Avançado prefeito “Walter de Sá Leitão”, da Universidade Estadual do Rio Grande do
Norte (UERN). Esse evento foi ministrado por docentes pesquisadores da temática em questão.
2
Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. De acordo com as suas diretrizes,
“O CEP é um órgão deliberativo, consultivo e educativo, constituído na UFRN como um colegiado interdisciplinar,
independente e de relevância pública. O objetivo do CEP é avaliar os protocolos de pesquisa envolvendo seres
humanos, enfatizando o respeito pela dignidade humana e a proteção dos indivíduos participantes de pesquisas. O
trabalho dos membros do CEP, inclusive o coordenador, é voluntário e independente, procurando defender os
interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade, contribuindo para o desenvolvimento da
pesquisa nas Instituições vinculadas dentro de padrões éticos”.
3
A documentação pode ser verificada através dos pareceres de números: 3.898.038 e 3.746.321, no site da
Plataforma Brasil.
21
O trabalho do pesquisador não é uma tarefa fácil, requer, antes de tudo, um delineamento
das estratégias e métodos a serem executados a fim de melhor alcançar o seu objeto de estudo,
com a competência de dar margem ao conhecimento científico. “O que torna, porém, o
conhecimento científico distinto dos demais é que ele tem como característica fundamental a
sua verificabilidade” (GIL, 2008, p. 8). Sendo assim, procuramos lançar mão de estratégias e
instrumentais capazes de garantir a cientificidade da investigação proposta.
Esta pesquisa, situada nos Estudos da Linguagem, na ótica dos Estudos de Letramentos,
centra foco nas práticas de letramentos profissionais de professores que atuam no Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar, com vista a dar inteligibilidade ao fazer profissional
desses docentes, observando as práticas de leitura e escrita necessárias às atividades específicas
da classe hospitalar.
Diferente da escola, no ambiente hospitalar é exigido um conjunto de regras que são
fundamentais para o atendimento das demandas relacionadas ao período de adoecimento do
indivíduo, com o propósito de garantir a sua integridade em prol da saúde. Nesse contexto, os
profissionais da educação que atuam nesse ambiente, tendem a lidar com horários estabelecidos
mediante as circunstâncias do paciente, a partir de cronogramas adaptados, planejamentos
específicos, aulas direcionadas a crianças em diferentes idades, atendimentos individualizados,
dentre outros aspectos.
Dessa maneira, a pesquisa nesse ambiente exige a compreensão de questões que
transformam o ambiente hospitalar em um espaço também favorável às práticas escolares.
Considerando esse contexto e suas especificidades, assim como as questões de linguagem que
nele ocorrem é que situamos o nosso trabalho no campo da Linguística Aplicada (LA).
Se quisermos saber sobre linguagem e vida social nos dias de hoje, é preciso
sair do campo da linguagem propriamente dito: ler sociologia, geografia,
história, antropologia, psicologia cultural e social etc. A chamada “virada
discursiva” tem possibilitado a pesquisadores de vários outros campos estudar
a linguagem com intravisões muito reveladoras para nós. Parece essencial que
a LA se aproxime de áreas que focalizam o social, o político e a história.
(MOITA LOPES, 2006, p. 96).
Para dar conta do que se propõe, a LA dialoga com as ciências sociais e humanas. Nesse
sentido, possui caráter inter/transdisciplinar por perpassar por diversas áreas do conhecimento,
com intuito de trazer luz às questões de linguagem sobre as quais centra foco. Assim, a LA
busca problematizar ou vislumbrar questões, trazendo à tona reflexões importantes para a
23
sociedade. O cerne dessas questões está voltado para o uso da linguagem em situações reais,
situadas e que abarquem/abordem as práticas sociais dos sujeitos, principalmente, aqueles que
estão às margens. Sobre isso, Kleiman (2013, p.53) discute que
A LA, graças ao seu foco na produção das realidades sociais pela prática
discursiva, está em posição ideal para visibilizar e entender as resistências (ou
ainda as reexistências) desses grupos que, a partir da periferia, produzem
novos saberes num processo de transformação do global pelo local.
Com isso, além de ampliar os trabalhos na área de LA, este trabalho pode contribuir
com os estudos de letramento laboral/profissional, trazendo uma temática relevante para o
contexto social, uma vez que, o trabalho dos professores em classes hospitalares devem ter mais
visibilidade, pois o adoecimento é um fenômeno comum, do qual a sociedade não está isenta.
Assim, é possível considerar o contexto hospitalar sob o ponto de vista dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, trazendo para nossa abordagem reflexões subjetivas, as quais são
indispensáveis à compreensão e à construção de respostas para os nossos questionamentos.
Além disso, na abordagem de pesquisa qualitativa, é viável que, durante o processo
investigativo, surjam novas indagações ou problemas passíveis de serem integrados à pesquisa,
de modo que não seja necessário o estabelecimento de uma análise pautada no rigor numérico,
tampouco em testagens.
Embora a maior parte da geração de dados tenha ocorrido a partir de interações remotas,
em razão do isolamento social ocasionado pela pandemia de COVID-19, consideramos que a
nossa pesquisa contempla um viés de caráter etnográfico, haja vista que a pesquisadora se
dispôs a todo momento, no período que lhe foi possível, participar de eventos que tematizaram
a classe hospitalar, bem como realizar visitas ao local onde se desenvolviam as atividades da
classe hospitalar, procurando manter contato com as professoras participantes, de modo a
construir vínculos com as referidas profissionais, e, assim, melhor conhecer o trabalho
desenvolvido na classe hospitalar.
A pesquisa etnográfica ocorre a partir da imersão do pesquisador no cenário
investigativo. Em sua abordagem, o pesquisador considera os aspectos culturais de
determinados grupos, observando como ocorre as relações entre os sujeitos e o ambiente. A
pesquisa etnográfica possui as seguintes características:
Por esse viés, a pesquisa etnográfica possui certa flexibilidade, pois permite que durante
a geração de dados o pesquisador possa ampliar a sua visão sobre o objeto de estudo,
considerando que, ao interpretar os dados, seja possível perceber lacunas que durante o desenho
da pesquisa não foi possível de serem observadas, dessa forma, há possibilidade de reformular
questões de pesquisa.
26
Em vista disso, o viés etnográfico é imprescindível para que possamos depreender como
o letramento profissional ocorre no ambiente pediátrico hospitalar. Embora não seja o nosso
único princípio investigativo, sem ele seria difícil descrever o local de pesquisa, como também
reconhecer os participantes.
Dessa maneira, destacamos nesta pesquisa três momentos principais: a) o primeiro diz
respeito às etapas mencionadas nos primeiros passos da pesquisa; b) o segundo momento
compreende às visitas ao local da pesquisa: dois dias de inserção dentro do contexto da classe
hospitalar; c) o terceiro refere-se às participações em atividades remotas: com entrevistas dadas
pelas professoras participantes da pesquisa, tendo-se realizado a comunicação através da
ferramenta Google Meet, bem como a utilização do aplicativo WhatsApp.
4
LEI Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
28
Fonte: https://ufrn.br/imprensa/noticias/34368/huol-suspendera-consultas-exames-e-procedimentos-
ambulatoriais-eletivos-a-partir-desta-segunda-23. Acesso em: 10 de nov. 2020.
ser realizada por essa empresa. A principal missão do hospital é “promover de forma integrada
o ensino, a pesquisa, a extensão e a assistência, no âmbito das ciências da saúde e correlatas,
com qualidade, ética e sustentabilidade”. Essas informações e muitas outras podem ser
encontradas no sítio eletrônico do referido hospital.
Em relação às instalações5 físicas, o hospital conta com área física de 31.569,45 m², 242
leitos de internação, sendo 19 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 84 consultórios
ambulatoriais, 12 salas de cirurgias, sendo 7 no centro cirúrgico, 2 na oftalmologia e 3 na
pequena cirurgia, 2 auditórios, constituído por um prédio de 4 andares que reúne todos os
serviços de imagem e de métodos gráficos, com tecnologia avançada.
A brinquedoteca está localizada em uma sala no setor pediátrico do hospital, no qual
existem 10 quartos, 30 leitos, 01 isolamento e 05 leitos de UTI. A brinquedoteca é o cenário
onde a classe hospitalar também funciona. Esse ambiente contém um quadro, uma mesinha
acoplada e cadeiras, uma mesa alta com cadeiras, uma televisão, algumas prateleiras com livros,
jogos e brinquedos, dois computadores e um armário.
Conforme Oliveira e Maia (2013, p.19)
Sendo assim, a brinquedoteca é tida como um espaço interativo aberto aos pacientes do
setor pediátrico, que contribui com a rotina desses pacientes trazendo a possibilidade de
atividades lúdicas desenvolvidas pelos profissionais da saúde, e aos professores atuantes da
classe hospitalar.
5
Essas informações podem ser encontradas detalhadamente no endereço eletrônico do hospital:
https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn
30
Vale salientar que esse mural explicita para pessoas leigas a importância do trabalho
das classes hospitalares, uma vez que é possível identificar uma linha do tempo que contempla
desde o seu surgimento da primeira classe hospitalar até os dias atuais. Além disso, faz alusão
ao seu funcionamento em todo o Brasil e no próprio HUOL, fazendo menção aos direitos que
as crianças e os adolescentes dispõem na utilização desse serviço.
32
2.6 AS PARTICIPANTES
oportunidade proporcionou relevantes contribuições para nossa pesquisa, uma vez que várias
questões postas na discussão eram de interesse da nossa investigação.
Nesse sentido, por meio das notas de campo, conseguimos anotar informações mais
significativas no decorrer dos acontecimentos concretos. Posteriormente, conseguimos refletir
sobre aspectos importantes da nossa investigação atinentes ao ambiente e aos participantes.
As entrevistas eram compostas por cerca de 20 (vinte) questões. Estas, por sua vez,
foram imprescindíveis à geração de dados, uma vez que elas contemplavam questões
compatíveis com o nossos objetivos de investigação, favorecendo assim a construção do corpus
de análise. Sua realização ocorreu individualmente no mês de julho de 2020. Em razão da
flexibilização desse tipo de entrevista, muitas das questões formuladas sofreram expansões ou
desdobramentos, pois esse tipo de entrevista permite que o entrevistador, diante da resposta do
entrevistado, possa tratar com profundidade o tema em discussão (GRESSLER, 2003).
Com a utilização da plataforma Google Meet foi possível a gravação em vídeo das duas
entrevistas. Sendo assim, essas gravações foram de grande valia, pois quando era necessário
recorríamos à recapitulação das falas, sem o prejuízo da perda de algum detalhe relevante, haja
vista que esse recurso possibilita a retomada dos áudios e das cenas.
A transcrição dos áudios das entrevistas teve sua efetivação a partir dos fundamentos
propostos pela Análise da Conversação, cujas orientações favorecem a retextualização e, com
efeito, a compreensão das falas dos sujeitos em depoimentos para fins de pesquisas acadêmico-
científicas. Nesse sentido, adotamos as seguintes normas para a sua realização:
Interrogação ?
Fonte: Adaptado de NURC/SP n. 338 EF e 331 D². In: PRETI, Dino (Org.). Variações na fala e na
escrita. São Paulo: Humanitas, 2011. (Projetos Paralelos, v. 11).
37
ela é a prática social mais comum no dia a dia do ser humano; em segundo,
desenvolve o espaço privilegiado para a construção de identidades sociais no
contexto real, sendo uma das formas mais eficientes de controle social
imediato; por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em
muito a simples habilidade linguística dos falantes
Embora o nosso foco não seja a análise minuciosa da fala dos participantes, o quadro
estabelecido pelos estudos da Análise da Conversação serve para orientar e descrever a
linguagem, que por vezes, não é observada simplesmente com a transcrição comum. Através
das normas estabelecidas, é possível destacar ou perceber expressões, gestos, sinais, dentre
outros fatores consideráveis para a compreensão daquilo que realmente foi falado pelos
participantes da entrevista.
2.7.5 Fotografias
6
Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn
38
Existem várias teorizações sobre o campo da linguagem, com isso, três concepções se
destacam. A primeira diz respeito à linguagem enquanto expressão do pensamento, a segunda
como forma de comunicação, e a terceira, escolhida para guiar este trabalho, trata-se da
linguagem como forma de interação. Nessa última, defendida pelo Círculo de Bakhtin
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, [1929] 2016), a linguagem é inerente às relações humanas, que
ocorre por meio do dialogismo.
Para Alves (2016), ao assumir as teorias do Círculo de Bakhtin, estamos estritamente
assentindo a compreensão do sujeito historicamente situado e inacabado, vislumbrando a
linguagem como parte fundamental da construção do sujeito. Isso ocorre em uma perspectiva
contínua de trocas mútuas, em que os sujeitos não podem significar sem a interação com o
outro.
Desse modo, “[...] o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência
vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre homens e mulheres se tornou consciente
[...]” (FREIRE, 2016, p. 50). Nessa leitura, a compreensão do inacabamento infere-se a própria
linguagem humana, sendo ela de essência inconclusiva, haja vista que os sujeitos são
constituídos pelas relações temporais. Sendo assim, enquanto seres situados no espaço e
culturais, providos da linguagem, estamos sempre em (des/re) construção.
Como assevera Bakhtin (2016, p.11), “o emprego da língua efetua-se em forma de
enunciados, escritos ou orais”, assim, os enunciados estão interligados a três elementos: o
conteúdo temático, o estilo verbal e a construção composicional. De acordo com o autor, o
estilo verbal depreende a traços nos enunciados, que de certo modo, identificam a singularidade
de quem os produzem; o conteúdo temático diz respeito aos temas que se formam e/ou circulam
nos enunciados; e a construção composicional compreende a organização linguística dos
enunciados, isto é, quanto à escolha estrutural.
41
Os enunciados ocorrem somente por meio de outros que lhes antecederam e por outros
que lhes serão sucessores. Em outras palavras, o enunciado ocorre pela relação concreta entre
seus interlocutores, diferentemente do objeto de estudo do estruturalismo, em que a análise
pode ocorrer fora de um contexto real. Vale destacar que cada área da linguagem possui uma
finalidade, e embora tenham focos de análises diferentes, cada uma contribui à sua maneira.
Nessa conjuntura, o uso dos gêneros discursivos valoriza a intenção de resolver questões
que viabilizem o acesso da criança e do adolescente no cerne escolar para que possam ter acesso
à educação mesmo em situação de adoecimento. Dessa forma, por cumprir o posicionamento
de integração desses sujeitos, os enunciados empregados assumem também o viés ideológico.
Essas interações são disseminadas a partir da relação professor-aluno, por isso, analisar
o processo de formação do professor e as atividades que são desenvolvidas na classe hospitalar,
torna-se fundamental para que possamos compreender como a escola no espaço hospitalar pode
contribuir com a letramentos desses alunos no período de tratamento de saúde.
de desigualdade social. Para grande parte da população, a escola torna-se o principal local de
acesso à cultura, educação, recreação, dentre outros fatores essenciais para formação do
cidadão. Isso significa dizer: não ter acesso à escola é contribuir ainda mais com a desigualdade
social.
Nesse sentido, a escola situada no ambiente hospitalar também contribui para redução
da desigualdade social, pois a criança e o adolescente, durante o período de internamento
hospitalar, afastam-se da rotina escolar e do seu convívio habitual, o que corrobora para a perda
de atividades essenciais para o seu desenvolvimento e, consequentemente, para os seus
letramentos.
Torna-se necessário o estudo dessas práticas diferenciadas, haja vista que, sob o ponto
de vista dos Estudos de Letramento, o letramento profissional do professor da classe hospitalar
ainda é pouco explorado. Na escola, o docente dispõe de todo um aparato para a realização de
suas tarefas, desde a comunidade escolar até os recursos disponíveis naquele ambiente. Além
disso, embora o ensino na escola regular também seja um desafio, na classe hospitalar, o
46
Ao vislumbrarmos essas práticas na classe hospitalar, vemos que elas estão interligadas
às rotinas dos docentes, no que tange aos aspectos escolares e, também, às exigências da esfera
hospitalar, ou seja, as regras e a disponibilidade de cada aluno-paciente. Sendo assim, “ao
focalizarmos o letramento no local de trabalho, estamos concebendo-o não apenas como um
fenômeno situado, mas também como um fenômeno múltiplo, visto que sua efetivação é
motivada pelos inúmeros usos da leitura e da escrita [...].” (PAZ, 2008, p. 42).
Nesse sentido, as práticas de letramentos emergem de um contexto multiprofissional,
pois já não se trata apenas do âmbito escolar, mas também das representações que constituem
o trabalho dos profissionais da área da saúde. Portanto, essas práticas operam de forma conjunta
para a concretização do trabalho dos professores, e, desse modo, para aquisição dos letramentos
dos educandos hospitalizados.
Diante disso, para a atuação na classe hospitalar, torna-se necessário que os profissionais
saibam lidar com situações que vão além das teorias estabelecidas, trabalhando com
sensibilidade e estabelecendo propostas didáticas adequadas em relação à situação dos alunos-
pacientes.
Parafraseando Rodrigues (2012), independente do professor trabalhar em espaços
formais ou não formais de educação, ele deve atuar como colaborador, mediador de construção
de conhecimentos, propiciando o desenvolvimento das potencialidades dos alunos por meio de
técnicas diferenciadas de ensino.
Ademais, atendendo aos critérios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o
planejamento do projeto a ser desenvolvido na classe hospitalar é orientado pelo referido
documento, tendo em vista que, cada classe hospitalar organiza seu projeto de modo a se
adequar às circunstancias locais. De acordo com o documento Classe hospitalar e atendimento
pedagógico domiciliar, (BRASIL, 2002. P.13):
da presença
da figura Pensamento
materna e Egocentrismo concreto Importância
paterna, estes Pensamento Egocentrismo Dos grupos,
responsivos e Concreto Domínio de Pares
confiantes. Autocontrole, habilidades, Causa-efeito
Dependência Exploração e Conceitos, Habilidades
C
Nesse prisma, pensar nos letramentos dos alunos-pacientes é considerar o todo e atender
de modo individual, ou seja, não é possível desenvolver uma aula sem pensar na individualidade
de cada um, pensar sobre suas necessidades e respeitar a história deles. Por exemplo, ao
considerarmos um paciente pediátrico dotado de apoio dos familiares, com suas atividades
escolares regulares, os professores podem ter uma visão mais objetiva de como atendê-los.
Ao contrário dessa situação, ao imaginarmos uma criança ou adolescente em situação
de rua, e ocasionalmente necessitando de internamento, e esse paciente não esteja ligado à
escola, à educação familiar, não possuindo acesso fácil aos meios de comunicação, o
direcionamento das aulas serão outros, construídos a partir do conhecimento prévio deles. Nesse
caso, os profissionais devem analisar quais os desafios para integrar esses alunos-pacientes às
aulas. De acordo com Kleiman (2005, p.52), o professor enquanto agente de letramento,
consegue
Por meio de sua liderança articular novas ações, mobilizando o aluno para
fazer aquilo que não é imediatamente aplicável ou funcional, mas que é
socialmente relevante, aquilo que vale a pena ser aprendido para que o aluno
seja plenamente inserido na sociedade letrada. Outra estratégia importante é
ampliar os horizontes de ação do grupo.
Diante disso, o professor inserido no ambiente hospitalar tende a buscar subsídios para
possibilitar os letramentos dos alunos. E, como afirma Kleiman (2005, p.51), “a leitura é a
ferramenta por excelência para isso”. Ela pode ser construída de forma mais criativa, com
intuito de amenizar as dificuldades enfrentadas no internamento hospitalar tais como: o uso de
medicamentos, injeções, exames e a própria condição de adoecimento do aluno-paciente.
Assim, “considerando a linguagem infantil para lidar com as crises na infância, nada
mais viável para se trabalhar com a criança hospitalizada que o brincar. Não se trata só do
brincar como recreação, mas como técnica lúdica, terapêutica, estimulativa e educativa”
(OLIVEIRA; MAIA, 2012, p.16).
Nesse sentido, o brincar não é visto como um mero exercício de recreação, ele deve
estar atrelado às atividades de leitura e escrita em que a aprendizagem ocorra de forma lúdica e
significativa. Essa relação entre o brincar e o letramento além de contribuir para o ensino-
aprendizagem, também atribui ação terapêutica para os alunos, haja vista que
brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo
e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as
próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de
consciência. Se estivermos num salão de dança e estivermos verdadeiramente
54
dançando, não haverá lugar para outra coisa a não ser para o prazer e a alegria
do movimento ritmado, harmônico e gracioso do corpo. Contudo, se
estivermos num salão de dança, fazendo de conta que estamos dançando, mas
de fato, estamos observando, com o olhar crítico e julgativo, como os outros
dançam, com certeza, não estaremos vivenciando ludicamente esse momento.
(LUCKESI, 2000, p.21)
Sendo assim, vários fatores influenciam nas práticas de letramentos dentro da esfera
profissional. No que tange à nossa investigação, a classe hospitalar compõe todas essas
exigências em termos de habilidades de linguagem descritas por Paz (2008), em outras palavras,
as práticas de letramento nesse local são múltiplas. E essas práticas são mediadas pelos gêneros
discursivos, ou, como aponta a teoria bakhtiniana, repertório de gêneros.
Nesse viés, o fazer profissional do professor da classe hospitalar exige diferentes
práticas de letramentos, as quais têm como maior objetivo o desenvolvimento das atividades
direcionadas aos alunos-pacientes. “A forma como a linguagem é utilizada no espaço
profissional orienta a execução do trabalho, articula os objetivos comuns, agrupa pessoas,
registra o que foi executado, reclama providências pelo não feito, aproxima ou afasta interesses
(COSTA, 2019, p 66)”.
Essas práticas são diferentes da escola regular, tendo em conta que o hospital não
constitui um espaço formal de educação, sendo um lugar capacitado para o tratamento da saúde
dos pacientes. Logo, o trabalho do professor assume práticas profissionais diferenciadas da
escola regular, às quais buscam se adaptar às rotinas exigidas pelos educandos hospitalizados.
Partindo do nosso principal objetivo: analisar as práticas de letramentos profissionais
de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar, descrevemos
como essas ações são organizadas no seu contexto de inserção. Para tanto, fundamentamo-nos
em algumas categorias de Hamilton (2000), em que a autora define elementos fundamentais
dos eventos e práticas de letramento: participantes, ambiente/domínio, artefatos e atividades.
Ao pesquisarmos sobre os participantes das práticas de letramentos do referido
atendimento, foi possível depreender o percurso formativo das professoras participantes, a
constituição da identidade a partir daquele ambiente, os desafios enfrentados e os letramentos
necessários para atuação no hospital.
Em termos de ambiente/domínio, observamos onde as práticas de letramentos são
desenvolvidas, descrevendo os cenários em que essas práticas se reproduzem. Além disso,
discutimos o domínio no qual essas práticas estão situadas, a fim de esclarecer o principal
objetivo das atividades desenvolvidas pelas professoras.
Com relação aos artefatos, em termos materiais, foi constatado que na classe hospitalar
busca-se utilizar os mesmos materiais usados na escolar regular. Para a concretização do fazer
57
4.2 PARTICIPANTES
A professora Ana trabalha em classes hospitalares desde 2014, mas somente no ano de
2018 foi inserida na equipe do HUOL. Além de trabalhar no hospital, recentemente, Ana
assumiu mais um vínculo como pedagoga na câmara municipal de Parnamirim- RN.
Ao direcionarmos o nosso objeto de estudo às práticas de letramentos desenvolvidas
pelas profissionais da classe hospitalar, as professoras Ana e Alice são caracterizadas como
principais participantes da investigação em questão. De acordo com Medeiros (2016, p.58)
Em consonância com Medeiros (2016), com relação aos aspectos identitários, durante a
entrevista a professora Alice relata sobre a importância da identidade do professor da classe
hospitalar. De acordo com ela:
[...] professor é professor... Não precisa ser mais nada pra ser importante... pra
ter minha colaboração social... não precisa ser médico... não precisa ser
psicólogo... não ser enfermeiro... nada disso... né? Ser professora basta...
Então, dentro do hospital a gente tem que ter isso muito forte... a identidade
[...] (Resposta da professora Ana)
Sobre essa questão, discorremos sobre a diferença entre a atuação na escola regular e na
classe hospitalar. De acordo com Ana, sua maior dificuldade encontra-se na formação da
identidade enquanto professora da classe hospitalar, pois, dentro do hospital, o aluno não é
apenas aluno: ele também é paciente. Então, assumir essa identidade em um contexto que não
é habitual da escola implica nesse questionamento.
Sobre as dificuldades relatas pela professora Alice, ela afirma que
59
O maior desafio da classe hospitalar pra sala de aula comum é essa coisa do
você ter que ter esse desafio de mudança... tipo hoje a gente planejou algo
hoje/pra hoje e aí a criança já vem com outra demanda... a gente tem que
desfazer tudo aquilo e fazer uma nova... um novo plano...então tem que ser
tudo muito rápido...eu tive que, isso foi um baque pra mim...sabe? a
princípio... a gente dá a sensação de que poxa vida eu tive tanto trabalho
fazendo esse planejamento e tudo...e ter que mudar tudo de novo... mas é
assim, a gente vai se acostumando...sabe? a essa nova rotina...mudança de
imediatismo e tudo tem que ser pautado na criança ali naquele momento.
(Resposta da professora Alice)
Segundo esses relatos, percebemos que essa construção do professor da classe hospitalar
torna-se um desafio diário, pois o período de adoecimento da criança e do adolescente implica
nas suas condições de interação, por consequência, no seu rendimento mediante às atividades
propostas pelo atendimento. Diante disso, Rodrigues (2012, p.82) afirma que “[...] as práticas
pedagógicas em alguns momentos precisam romper com uma ‘doutrina’ didática, tornarem-se
uma prática reflexiva capaz de construir e reconstruir novos saberes”.
Embora a pesquisa esteja centrada na atuação do professor, cabe ressaltar que, nesse
contexto, os principais favorecidos das práticas e eventos de letramentos são os alunos, os quais
denominamos de alunos-pacientes. Entretanto, nesta pesquisa, não houve uma interação direta
com esses participantes, haja vista que, por motivo do isolamento social, as atividades do
atendimento foram suspensas.
Nesse prisma, perguntamos às professoras como ocorre a participação dos alunos-
pacientes na classe hospitalar
7
Pseudônimo.
60
sintam apenas pacientes, mas também alunos. É possível identificar essa importância através
da fala do paciente Ricardo, o qual relata a saudade da classe hospitalar, e que, por motivos da
pandemia, não estava podendo realizar o seu tratamento rotineiro de saúde no hospital.
Durante o desenvolvimento das atividades, os pais e/ou responsáveis podem participar
das aulas. Vale salientar que alguns educandos hospitalizados precisam estar na companhia
desses responsáveis, caso possuam alguma comorbidade que os impossibilitem de ficarem
sozinhos na sala.
Em relação aos profissionais da área da saúde, eles também desenvolvem intervenções
de forma integrada com a classe hospitalar, ou em outro turno, de forma a promover alguma
atividade alusiva à sua área de atuação. Por exemplo, as assistentes sociais se dispuseram a
preparar uma aula sobre os direitos da criança e do adolescente, trazendo atividades interativas
para os pacientes e acompanhantes. A esse respeito, Rodrigues (2012, p. 96) destaca:
medicamentos, dentre outros procedimentos. Assim, essas práticas são construídas de forma
situacional, interdependente e passível de mudanças.
Dessa forma, definimos como participantes todos esses que contribuem para a
realização das referidas práticas, haja vista que tais agentes possuem contribuições para o
aprendizado dos alunos-pacientes, como referido por Rodrigues (2012). No âmbito hospitalar,
as atividades realizadas são intercomplementares, e, por isso, não podem ser estudadas
isoladamente, como podemos visualizar na figura 8:
Por isso existe a necessidade de aprender sobre a linguagem que circula no ambiente
hospitalar, afinal, o trabalho realizado pelas professoras convergem com atividades da equipe
multiprofissional hospitalar, e pelo motivo do HUOL ser um hospital-escola, são realizadas
muitas atividades multidisciplinares. Durante as observações no local, também foi possível
observar a presença de uma estudante de Pedagogia, à qual realizava um projeto de extensão
integrado à classe hospitalar.
Em relação ao letramento lúdico, torna-se necessário compreender a linguagem da
criança para uma abordagem mais criativa e interativa. Isso não quer dizer que as atividades
serão apenas em formato de brincadeiras, porém utilizar a leitura e a escrita de maneira
dinâmica e atrativa. “A classe hospitalar e o lúdico...eles são parceiros inseparáveis... a gente
não consegue separar os dois porque não tem como” (Professora Ana). Como é referido por
Rodrigues (2012, p.104),
[...] se ela tiver muito debilitada a gente vai, inicia uma conversa...uma
aproximação e aí vai... a partir dessa conversa a gente vai vendo o interesse
dele... o que ele quer naquele dia...a gente começa aos poucos...sabe? e aí vai
conquistando... o que que você gostaria de fazer? O que é que você quer fazer?
Quer que eu conte uma história? A gente vai por esse meio...Sabe? E pronto.
A partir daí a gente começa a/quando ele nos acolhe a gente começa a inserir
o que a gente tem proposto pra semana...entendeu? Entra em contato com
escola...se necessário, se for passar muitos dias... tudo é muito devagar e aos
poucos porque não adianta a gente chegar assim né...de repente? Tem criança
que é ótima... assim sabe? já tem outras que já é um pouquinho mais
resistente...as maiores... sabe? mas na maioria das vezes... eles são bem
interessados... eles querem aprender... eles querem fazer as atividades...é
interessante... (Resposta da professora Alice)
69
Fonte:https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/huol-ufrn.
Acesso em: 21 de ago. de 2020.
foi pra sala...nós realizamos a mesma aula de forma aí... é... um recorte da
aula... mesma discussão que nós realizamos na sala nós levamos para o
leito...inclusive a mesma atividade... se os meninos fizeram um livro lá
gigante... é... sobre a chegada e invasão dos portugueses nós levamos para o
leito também a mesma atividade... eles constroem lá conosco a mesma
atividade...certo? A perspectiva é sempre de trabalhar a mesma atividade... a
não ser que... seja uma demanda específica da própria criança... um
exemplo...Laura vai e diz que tem dificuldade com matemática e ela queria
muito porque ela vai embora na próxima semana, ela queria muito aprender
subtração... dentro da nossa discussão também, a gente tenta não fugir...e até
porque.. é/enfim, fica melhor de sistematizar as coisas, a exposição das
atividades e pra criança também acompanhar o que tá sendo discutido, de
repente no outro dia ela quer ir pra sala... ela não fica alheia a discussão... aí
nós realizamos dentro da discussão lá... dos pauzinhos da caravela... a gente
tenta fazer uma atividade de subtração porque foi uma demanda específica da
criança... entende? Mas... nós trabalhamos geralmente... nos leitos na UTI...
no isolamento... nós trabalhamos a mesma atividade que foi realizada na classe
hospitalar... até pra dar a sensação a essa criança de pertença...por
exemplo...ah você vai lá depois...quando você puder, você vai lá na sala e olha
no mural...ou quando ela não está na UTI, eu tiro foto e mostro a ela... da
atividade dela no mural pras outras verem...então a gente tenta fazer isso...
(Resposta da professora Ana)
Como referido anteriormente, a classe hospitalar não substitui a escola regular do aluno,
portanto, os conteúdos oferecidos pela escola são vistos como prioridade. Desse modo, mesmo
os alunos-pacientes estando nos leitos, existe a preocupação de inserir os temas estudados na
escola de origem, a fim que esses alunos não se distanciem do processo de formação habitual.
Quando há a possibilidade dessa inserção, todas as tarefas são registradas nos relatórios das
professoras e são enviados à escola de origem.
Na pediatria, onde há espaços que podem comportar a realização de atividades, estes
são aproveitados pelas professoras e alunos-pacientes para o desenvolvimento de tarefas
inerentes ao atendimento proposto. Isso pode ser observado na imagem a seguir:
71
[...] então nós temos um projeto... nós dividimos um projeto anual em quatro
partes... né? Tentamos acompanhar os bimestres escolares e dentro desse
projeto nós trazemos conteúdos...pensando aí num conteúdo que ele possa ser
trabalhado desde a educação infantil até o ensino médio... porque nós
trabalhamos com uma turma multisseriada... então nós trazemos conteúdos
diversos...atendendo aí aos documentos oficiais... agora a BNCC... então nós
pensamos esse projeto a partir desses documentos... E aí a criança...ela traz...
quando ela vai fazer um tratamento mais prolongado... geralmente as crianças
com doenças crônicas... a gente tenta porque nem sempre isso acontece...
infelizmente...a gente tenta que a escola...ela nos envie um material...as
atividades que as crianças estão realizando na escola... então a criança está no
hospital e a gente tenta fazer esse acompanhamento é/ curricular da escola
dela...dentro do hospital... (Resposta da professora Ana)
4.4 ARTEFATOS
São materiais comuns... o que a gente precisa sempre, pra criança que... lá no
HUOL... nós temos algo que outras classes não têm... a criança tá lá... ela
consegue trazer uma mesa e coloca sobre ela com um apoio... lá na
policlínica... é algo essencial... eu não conseguia trabalhar com uma
prancheta... então eu precisava levar uma prancheta pra criança apoiar... no
HUOL já temos esse ganho que é uma mesinha que a criança... ela puxa...
onde ela se alimenta ela também faz as atividades escolares, então, de forma
geral, são os mesmos matérias utilizados na escola... as vezes a gente precisa
adaptar algum... tesourinha que fica ruim... a gente tenta engrossar um
pouquinho pra criança que tem um pouquinho de dificuldade de escrever... é/
enfim... mas de forma geral é o mesmo material que a gente utiliza na escola...
Lápis... borracha... e livro e tudo mais... (Resposta da professora Ana)
Diante dessa resposta, depreendemos que os artefatos materiais para execução das
atividades educacionais são os mesmos usados na escola regular, exceto por essa mesa adaptada
para o aluno-paciente, a qual facilita o desenvolvimento das atividades escolares, e também
pelos textos mediadores para a realização do trabalho, os quais atendem a demandas especificas.
Vejamos o exemplo disponibilizado pelas professoras:
74
[...] o que é importante pra uma criança que tá em tratamento oncológico, que
tá em tratamento de Lupos... que tá passando por sofrimento...que tá passando
ali por um momento difícil da vida...o que é importante pra aquela criança
aprender? Né? Como trazer? Aí que eu digo do conteúdo é que a gente... hoje
eu tenho uma clareza muito grande que se o conteúdo não fizer sentido pra ela
e não for de encontro com ela de verdade... né? É... esvaziado... Não tem
79
significado... nem pra ela nem pra mim enquanto professora... então a gente
fica muito feliz quando a gente percebe que a gente consegue fazer isso...
sabe? (Resposta da professora Ana)
4.5 ATIVIDADES
Em consonância com Paz (2008, p.150), as “atividades compreendem níveis que partem
das ações para as operações. As ações são efetuadas conscientemente e de forma planejada
que, no decorrer do tempo se reduzem a operações”. Dessa forma, ao se tonarem rotineiras,
essas operações advindas das ações já não necessitam de um planejamento prévio, pois tornam-
se inerentes às práticas realizadas em um determinado lugar.
“As ações humanas estão focadas em objetos e são suscitadas por propósitos.
Consequentemente, são as intenções que levam o sujeito a agir sobre os objetos que se situam
no seu meio social” (PAZ, 2008, p.149). Sendo assim, observamos como ocorrem as atividades
no atendimento educacional hospitalar com o objetivo de destacar o seu propósito.
Para tanto, pedimos às professoras que relatassem como ocorre a rotina na classe
hospitalar, desde o início do dia até o término das atividades.
Nós chegamos logo cedo... de manhã... Primeira coisa que a gente faz é buscar
o censo...porque as crianças que estavam ontem... elas podem não estar mais
hoje... ou ter novas crianças... né? Então a gente pede o censo escolar... ((é
tipo um relatório?)) Isso... O hospital ele disponibiliza...é/ o nome da criança...
data de nascimento... leito que ela está... o médico que acompanha...eles têm
isso para toda a equipe... é o mesmo censo para todo mundo... certo? Então se
eu chegar lá... é/ e pedir o censo as meninas vão me dar o mesmo censo que o
médico pediu também...é a mesma coisa... tá certo? (Resposta da professora
Ana)
[...] nós olhamos... aí nós vamos aos leitos... passamos de leito em leito...
convidando as crianças que estão... é/ possibilitadas... que têm condições de ir
até a classe hospitalar e aí essas crianças vêm...e nós realizamos uma atividade
na classe hospitalar coletiva...certo? Que aí quando... vai desde da criança da
educação infantil à criança do ensino médio...o adolescente do ensino médio...
81
Como podemos observar, há uma recepção para esses educandos hospitalizados, o que
é chamado de acolhida do estudante, assim é feita uma espécie de registro contendo
informações sobre o aluno, referente aos dados escolares, tanto os da escola de origem quanto
da classe hospitalar. Ao começar a aula, é exposto o projeto a ser desenvolvido pelas
professoras. Sobre esse projeto, Ana explica que
[...] a Secretaria nos dá suporte para que a gente construa esse projeto
individualmente... cada classe tem o seu...Cada classe tem o seu projeto...[...]
[...]Tô atendendo Laura e Laura tá no quinto ano...certo? Como pedagoga eu
tenho conhecimento...e/ né? E formação suficiente pra saber o que Laura
deveria estar vendo como aluna do quinto ano...então a partir do que eu
conheço de Laura... né? A gente faz também a atividade de diagnóstico com
82
essas crianças que vão passar mais tempo...nós nos dividimos... geralmente
Alice faz uma... eu faço outra... para a gente saber como está o nível de leitura
de escrita...se ela compreende...se ela não compreende...enfim se ela
corresponde né? Há aquele nível que ela deveria estar... e aí nós fazemos
também um plano para aquela criança... certo? Se a escola envia as
atividades...a gente tenta acompanhar... se a criança não...digamos que a
atividade como já aconteceu comigo na Policlínica... era muito abaixo do nível
da criança... A criança tava bem mais...a escola mandava muita pintura... e a
criança não queria fazer... ela dizia que não era bebezinha...“não sou uma
bebezinha...não vou fazer!”... “não quero....”Ela só queria nossas atividades
[risos]... então a gente preparou um relatório...eu mandei as atividades
diagnósticas e a escola começou a mandar uma atividade que correspondia
melhor ao nível educacional que a criança se encontrava...Então/é /se a escola
envia e a gente percebe que Laura não consegue acompanhar...a gente tenta
preparar um relatório...dizer... Laura precisou da ajuda da professora... de
pesquisa pra poder realizar a atividade de livro, dicionário... enfim... Se a
escola não manda nada... nós não temos o projeto? E as Atividades não são
brealizadas na classe coletivamente? Com base no nosso projeto? Então nós
acompanhamos do mesmo jeito...a gente tenta direcionar as atividades ali...
dançando entre eu e ALICE...né? Para atender todo mundo...[...] (Resposta
da professora Ana)
Esse projeto possui relevância, pois de acordo com a professora Alice, na maioria das
vezes, a escola não responde ao pedido do envio dos conteúdos e atividades correspondentes à
série e as disciplinas cursadas pelos alunos-pacientes. Sendo assim, o projeto é o meio pelo qual
elas se apoiam para direcionar as aulas e as atividades a serem desenvolvidas pela turma. Esse,
segundo a professora Ana, projeto é dividido da seguinte forma
[...] então nós temos um projeto... nós dividimos um projeto anual em quatro
partes... né? Tentamos acompanhar os bimestres escolares e dentro desse
projeto nós trazemos conteúdos... pensando aí num conteúdo que ele possa ser
trabalhado desde a educação infantil até o ensino médio... porque nós
trabalhamos com uma turma multisseriada... então nós trazemos conteúdos
diversos...atendendo aí a aos documentos oficiais... agora a BNCC... então nós
pensamos esse projeto a partir desses documentos... E aí a criança...ela traz...
quando ela vai fazer um tratamento mais prolongado... geralmente as crianças
com doenças crônicas... a gente tenta porque nem sempre isso acontece...
infelizmente...a gente tenta que a escola...ela nos envie um material...as
atividades que as crianças estão realizando na escola... então a criança está no
hospital e a gente tenta fazer esse acompanhamento é/ curricular da escola
dela...dentro do hospital.. (Resposta da professora Ana)
Como é possível entender, esse projeto busca atender aos documentos oficiais, como,
por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC/BRASIL, 2018), documento que
orienta os conteúdos essenciais a serem estudados nas escolas públicas e privadas do Brasil.
Com isso, mesmo que a escola de origem não ofereça subsídios àquele aluno internado, os
83
conteúdos abordados na classe hospitalar, por meio do projeto, visam suprir as demandas
escolares pertinentes, de acordo com que é percebido na sondagem feita por essas professoras.
pois o nosso objetivo não consiste em analisar os eventos de letramentos decorridos nesse
período.
Portanto, essas atividades, por serem desenvolvidas cotidianamente podem ser
consideradas operações, mas, por se tratar de um ambiente passível de mudanças, algumas
atividades emergem das ações, que possivelmente tornam-se operações.
Como prática social, o letramento deve ser concebido como atividade situada
e moldada pelas relações de poder e ideologias. Suas práticas se configuram
como modos por meio dos quais os membros de cada grupo lançam mão dos
seus conhecimentos sobre a escrita, movidos por inúmeros propósitos, com
vistas a atender às demandas dos contextos e instâncias sociais. (PAZ, 2008,
p.34).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo geral analisar as práticas de letramentos profissionais
de professores que atuam no Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar com base nas
categorias de Hamilton (2000), que compreendem: participantes, ambiente/domínio, artefatos
e atividades. Com isso, buscamos alcançar os objetivos específicos postulados no início desse
trabalho, e dessa forma responder às indagações suscitadas pela pesquisa.
Nesse sentido, o primeiro objetivo específico consistia em caracterizar os professores
que atuam no respectivo atendimento. Para tanto, depreendemos que o contexto do Atendimento
Educacional Hospitalar e Domiciliar do HUOL é constituído pelos participantes visíveis que
compreendem as professoras, os alunos-pacientes, o(a)s acompanhantes e a equipe hospitalar.
As professoras possuem formação em Pedagogia e trabalham a partir do diálogo com a escola
de origem do educando. Além disso, o atendimento possui um projeto planejado pelas
profissionais, o qual é fundamentado nos documentos oficiais que orientam o ensino básico.
Os alunos-pacientes são crianças e adolescentes (até dezesseis anos), que se encontram
internados para tratamento de saúde, seja para tratamentos simples de curto período ou de longa
duração para pacientes com patologias mais complexas. Os acompanhantes, geralmente, são os
pais parentes/responsáveis desses pacientes, eles também podem participar das aulas e dos
eventos proporcionados pela equipe hospitalar.
A equipe hospitalar diz respeito aos múltiplos profissionais que atuam no hospital, tais
como: médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, técnicos em enfermagem,
recepcionistas, dentre outros. Esses profissionais também realizam atividades de forma
integrada com a classe hospitalar, normalmente, com práticas referentes às suas respectivas
áreas de atuação.
Em relação ao segundo objetivo específico, isto é, o mapeamento dos letramentos
necessários à atuação dessas profissionais, destacamos que, além dos letramentos comuns das
professoras, foram observados o letramento hospitalar, o letramento lúdico e o letramento
formativo docente. O letramento hospitalar relaciona-se ao domínio da linguagem técnica
referente aos termos e aos procedimentos mais utilizados no ambiente hospitalar.
O letramento lúdico emerge da necessidade de compreender o interesse da criança por
práticas que contemplem a sua imaginação e a sua criatividade. Por conseguinte, com essa
compreensão, as professoras podem lançar mão de mais recursos para a efetivação exitosa de
seu trabalho com as crianças.
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de forma ideológica, visto que buscam minimizar e compreender os obstáculos que impedem a
aprendizagem desses sujeitos.
Assim sendo, acreditamos que a nossa investigação pôde colaborar com o
esclarecimento de como ocorrem as práticas de letramentos para a atuação profissional das
professoras da classe hospitalar, de forma situada, observando como a leitura e a escrita
funcionam nesse ambiente profissional e a importância social dessas práticas para os
letramentos dos alunos-pacientes.
Compreendemos, pois, que esse trabalho pode contribuir para o crescimento das nossas
pesquisas direcionadas ao âmbito do letramento em contextos profissionais, bem como trazer
subsídios para outros trabalhos que tenham o mesmo cerne temático. No que tange o nosso
interesse, em um momento em que não tenhamos mais a ameaça da pandemia por COVID-19,
desejamos ampliar esta pesquisa buscando ouvir in lócus as vozes dos alunos-pacientes, como
também observar como esses sujeitos agem e reagem no sentido de atender às demandas de
letramento propostas pelo referido atendimento.
91
REFERÊNCIAS
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SANTOS, R. C. R. (Orgs). Ler, escrever, agir e transformar: uma introdução aos novos
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para a Liberdade e outros escritos. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz
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social practice. In: BARTON. D.; HAMILTON, M.; IVANIC, R. (Org.). Situated literacies.
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Classrooms. Cambridge University Press, 1982.
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2006.
N. SCHWAB. Teaching adult literacy: principles and practice. Berkshire: Open University
Press, 2010.
ROJO, R. H. R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
RP1 Ele é voltado para as crianças que estão em situação de adoecimento... que estão no
hospital pra realizar tratamento de saúde... tanto para as crianças com doenças crônicas que
passam muito tempo hospitalizadas... que às vezes ficam anos sem ir para a escola...quanto pra
àquelas que estão...que vem tal dia para uma consulta... é/ em um momento pontual... Então...a
classe hospitalar ela tenta ser...né? Esse atendimento como você colocou... ele tenta ser uma
ponte... ele não substitui a escola... ele é uma ponte entre a escola e o hospital... né? Então... é/
ela não substitui a escola como eu coloquei... mas ela tenta ser esse elo de ligação... né? A gente
é/ a gente assim que entra em contato com a criança... quando a criança fica mais tempo no
hospital a gente pede... né? Os dados da escola e entra em contato com esta escola pedindo
envio de materiais... É/ver o que eles estão estudando e nós também damos um retorno a escola
exatamente porque temos isso em mente... temos isso claro que nós não substituímos a escola...
nós somos uma ponte... nós somos um elo de ligação...
PP Gostaria de saber como ocorre a rotina... desde o horário que vocês chegam até o
horário que vocês vão embora.
RP1 Eu acho que eu comecei a falar um pouquinho... mas vou descrever melhor...né? Nós
chegamos logo cedo... de manhã... Primeira coisa que a gente faz é buscar o censo...porque as
crianças que estavam ontem... elas podem não estar mais hoje... ou ter novas crianças... né?
Então a gente pede o censo escolar...((é tipo um relatório?)) Isso... O hospital ele disponibiliza...é/
o nome da criança... data de nascimento... leito que ela está... o médico que acompanha...eles
têm isso para toda a equipe... é o mesmo censo para todo mundo... certo? Então se eu chegar
lá... é/ e pedir o censo as meninas vão me dar o mesmo censo que o médico pediu também...é a
mesma coisa... tá certo? Aparece assim: o leito... o nome da criança... a data de nascimento...e
o médico que acompanha... então a gente pede o censo hospitalar... e aí nós sentamos... vemos
as crianças que estão... quais são...você chegou a fazer isso conosco...não foi...Laura? Acho que
não... né? Então... a gente pensa nesse censo...ver quem são as crianças... quem são os
bebezinhos... que infelizmente nós somos só duas... a gente acaba não conseguindo fazer o
trabalho com as crianças muito pequenas... É/pra mim é um pesar... eu gostaria de/ de fazer...
Tava tentando ver como a gente poderia fazer uma parceria aí com o hospital... com os
profissionais pra chegar junto dessas crianças... mas a pandemia não deixou, então é... nós
olhamos... aí nós vamos aos leitos... passamos de leito em leito... convidando as crianças que
estão... é/ possibilitadas... que têm condições de ir até a classe hospitalar e aí essas crianças
vêm...e nós realizamos uma atividade na classe hospitalar coletiva...certo? Que aí quando... vai
desde da criança da educação infantil à criança do ensino médio...o adolescente do ensino
médio... na atividade coletiva... acho que eu falei um pouco disso... é por exemplo... a gente
trabalhou...um...que foi muito bacana... que eu posso te mandar...também...eu acho que é
interessante pra você entender... acho que na cabeça...falar... e não ver é um pouquinho
complicado... né? Assim... como que se trabalha um conteúdo que vai da educação infantil ao
ensino médio... né? Mas a gente trabalhou por exemplo a chegada...assim...começamos de uma
forma engraçada...a gente diz assim a chegada...a invasão...chegada...invasão...não lembro
agora o outro nomezinho dos portugueses no Brasil... né? Nas terras que hoje são...que nós
conhecemos como Brasil... então depois nós construímos um livro gigante... a gente tem fotos
desse livro...as crianças maiores... elas eram convidadas a escrever o que tinha aprendido
naquela aula e a gente começava de forma muito simples... ah eu vou na casa de fulaninho... eu
chego lá e ele mora lá...e eu digo: ah! eu descobri a sua casa... sua casa é minha... eu sou dono...
você é meu escravo, então a gente problematizou o nosso/ que os de direita não escutem
[risos]... A gente problematizando é/o que seria essa chegada... essa descoberta do Brasil...né?
É uma descoberta? Foi uma invasão? Foi uma chegada? Então a gente trazia isso de forma que
a criança pequenininha entendia...não é? E a criança maior entendia... a gente teve uma aluna
que gritou... “viva a revolução!”... na sala... [risos]... uma adolescente... o nome dela era Laura...
aí ela grita “viva a revolução!”, Laura que me desculpe [risos]... Então a gente construía esse
livrinho... as crianças pequenas... elas trabalhavam com recorte para recontar a história... a gente
dava as formas geométricas... ela construía o índio...da forma que ela queria... o que ela queria
representar? Algumas só queriam fazer a as caravelas... que eram os barcos que traziam...faziam
o índio...enfim... na mesma atividade a gente trabalhou um conteúdo aí... de história... né? E/ e
língua portuguesa...enfim... vários conteúdos numa mesma atividade e que deu pra trabalhar
com todo mundo...então era nessa perspectiva...Eu acho que talvez se torna um pouco mais fácil
de entender como é que a gente trabalha...né?
PP Os alunos... eles são... geralmente... participativos? eles atendem a proposta das aulas?
ou devido ao momento do adoecimento eles se retraem mais?
RP1 Laura... é impressionante... é algo que as pesquisas sobre classes hospitalares elas têm
mostrado isso... com muita clareza... é o desejo e o amor que as crianças têm à classe
hospitalar... né? Tava agora... recentemente conversando com a psicóloga... ela dizendo como
tá sendo difícil... principalmente as crianças que já eram acompanhadas e que aparecem no
hospital... porque elas ficam de tal forma que elas não querem nem sair do leito... “ah... a salinha
tá fechada”... chamam de salinha... né? Então... é/ as crianças elas têm demonstrado esse amor...
né? A princípio a gente chega aquele momento de conquista... ele não conhece direito, então...
mas com o passar do tempo as crianças... elas passam a amar a classe... Eu sou muito... pela
minha vivência... inclusive como pesquisadora... que trabalho com narrativas... que trabalho
com... eu sou muito apegada as pequenas frases... e acho que já foi esse ano a gente tem uma
menininha Sara... que tem... fez seis aninhos... agora do início do ano também... e aí... a gente
lá vem Sara... A sala já tava fechada... a gente já tinha fechado o expediente... eu já tava com a
bolsa de lado pra ir embora e ela chega numa euforia e ela empurra a porta e entra... e ela entra
gritando... “vovó... venha ver... Aqui é a minha escola...É o lugar mais maravilhoso de todo o
mundo...” [risos] Aí tava eu... Alice... a outra psicóloga... Mirna... né? Então é algo muito
marcante... é uma escola que é um lugar mais maravilhoso de todo o mundo dentro de um
espaço que a gente sabe que é/ representa muitas vezes... dor e sofrimento...Sara tem uma
doença crônica que é incurável...não tem cura... Ela descobriu bebezinha... e ela... a primeira
escola dela... a primeira experiência educacional foi dentro do hospital...A mãe matriculou na
escola por mediação das meninas... Na época eu não estava lá ainda... que conversou procurou
psicologia pra fazer esse...tentar aí ajudar essa mãe a compreender que Sara precisava estar na
escola... porque ela amava a escola...né? E ela demonstrava isso quando estava na escola do
hospital... então/ é...as crianças elas têm mostrado esse amor por esse espaço... né? que é um
espaço... eu digo... que muitas vezes de fuga e de resiliência... né? Daquela situação que elas
estão vivendo...
PP Esses alunos que não conseguem sair dos leitos... como vocês conseguem organizar a aula?
RP1 O que é que acontece... se ele tem atividade da escola... nós priorizamos as atividades da
escola...certo? Que aí a gente faz todas as anotações a gente separa as atividades respondidas e
envia novamente pra escola com nossas observações e tudo mais...certo? Sobre a realização de
cada um... se ele não tem...e ele não foi pra sala...nós realizamos a mesma aula de forma aí...
é... um recorte da aula... mesma discussão que nós realizamos na sala nós levamos para o
leito...inclusive a mesma atividade... se os meninos fizeram um livro lá gigante... é... sobre a
chegada e invasão dos portugueses nós levamos para o leito também a mesma atividade... eles
constroem lá conosco a mesma atividade...certo? A perspectiva é sempre de trabalhar a mesma
atividade... a não ser que... seja uma demanda específica da própria criança... um
exemplo...Laura vai e diz que tem dificuldade com matemática e ela queria muito porque ela
vai embora na próxima semana ela queria muito aprender subtração... dentro da nossa discussão
também a gente tenta não fugir...e até porque.. é/enfim, fica melhor de sistematizar as coisas a
exposição das atividades e pra criança também acompanhar o que tá sendo discutido de repente
no outro dia ela quer ir pra sala... ela não fica alheia à discussão... aí nós realizamos dentro da
discussão lá... dos pauzinhos da caravela... a gente tenta fazer uma atividade de subtração
porque foi uma demanda específica da criança... entende? Mas... nós trabalhamos geralmente...
nos leitos na UTI... no isolamento... nós trabalhamos a mesma atividade que foi realizada na
classe hospitalar... até pra dar a sensação a essa criança de pertença...por exemplo...ah você vai
lá depois...quando você puder você vai lá na sala e olha no mural...ou quando ela não está na
UTI eu tiro foto e mostro a ela... da atividade dela no mural pras outras verem...então a gente
tenta fazer isso...
PP Qual a importância social você atribui ao trabalho realizado na classe hospitalar para
essas crianças e adolescentes?
RP1 Seria bom você ouvi-las... né? [risos] e eu te convido a fazer... deixa só eu abrir esse
parêntese, você não precisa nem transcrever essa parte... eu te convido a ver o que as crianças
falam no trabalho de Maria Simone da Rocha... eu posso te passar o nome... a dissertação e a
tese de Simone são bem próximas...se ler a tese não precisa nem ler a dissertação... é/ e o meu
trabalho que a gente traz narrativas de crianças que falam sobre a escola... que falam sobre a
classe hospitalar e de repente você pode trazer uma narrativa costurada dessas crianças... é um
artifício que eu vi algumas pessoas utilizando... eu não vou saber agora te dizer o trabalho
específico que fez isso... mas de você trazer um pouco dessas pesquisas que falam de crianças
que falam sobre a classe hospitalar...né? e que falam sobre professoras... essas que você está
trabalhando... né? na sua pesquisa... não vai se distanciar do seu ambiente de pesquisa... então
de repente pode ser algo que te ajude, certo? Estou te dando essa dica, vai logo no ultimo
capítulo...que é o capítulo das análises... que é onde as crianças falam...E aí eu penso que é
isso... a escola tem um impacto social, eu gosto muito...eu sou muito apegada a Paulo Freire...
eu digo que Paulo Freire...ele é uma fala muito recorrente minha de que Pulo Freire ele se
materializa nos corredores do hospital quanto à classe hospitalar... né? a gente encontra com
ele... a gente conversa com ele...a gente fala com ele...não só ele mas outros... mas ele então,
sai de braços comigo sempre...na perspectiva de uma de uma pedagogia dialógica que busca ser
encontro de homens que pensam e problematizam o mundo...então...né? eu tenho isso muito
forte comigo e acredito que a classe hospitalar ela tem isso também muito forte foi um encontro
da gente lá/ lá de nós... É... então a escola em si ela não transforma sozinha mas ela é agente de
transformação né? é pensar nessa criança de forma integral né? de forma inteira... não só...é...de
forma biológica... né? Não só o físico... não só, mas também pensar que ela está em pleno
desenvolvimento e que ela tem o direito de classe hospitalar acima de qualquer coisa...ela é
uma direito...não é bondade minha...não tô lá porque estou sendo boazinha e digo isso as mães...
às vezes a gente precisa dizer pra que elas entendam e comprem a briga conosco
também...olhe...não é assistencialismo, não é bondade, é um direito... que você precisa ir na
escola...que você precisa ir atrás para que a escola mande material...que você aponte...né? ela
que vai à escola...né? deixar atividade e deixar atividade muitas vezes... então as vezes a gente
precisa dizer isso a mãe... olhe não estou aqui porque sou boazinha que se fizer greve eu
paro...se houver greve se cortar meu salário eu paro...né? é... então... a classe hospitalar ela vem
trazendo isso pra mim na minha perspectiva de professora muito palpável... né? essa ideia que
essa criança que está ali... ela está em pleno desenvolvimento... a gente ano passado...e
era...pretendíamos fazer isso novamente... nós fizemos uma amostra com todas as atividades
que as crianças realizaram durante um ano... então a gente tentou trazer o ano passado um
projeto que começou com universo com os planetas... a gente construiu algo bem bacana o
surgimento da escrita, as cavernas que as crianças desenharam sobre sua vida...foi uma
atividade magnífica essa das cavernas... até chegar no RN e com os pontos turísticos...que as
crianças desenharam... e aí foi... é muita coisa se eu começar aqui a falar... eu vou fugir do/das
atividades...que é que a gente consegue das crianças da vida das crianças a gente vai trabalhar
uma atividade como o surgimento da escrita... e as crianças desenha e escreve sobre o que ela
tá vivendo ali... a gente pediu...cada um pegou uma folha gigante a gente pediu pra ela fazer...
era só uma caverna...então como é que as pessoas se comunicam sem a escrita? Como era
difícil... tenta contar uma história sobre os desenhos para que os colegas tentem adivinhar o que
você fez sem dizer uma palavra... então as crianças quando a gente foi ver tinha um menino que
fez uma caverna enorme e duas asas maiores, que a caverna, e aí todo mundo queria adivinhar
o que era aquilo e ninguém adivinhava... e quando ele foi falar, ele já fazia trinta dias que estava
internado... uma criança cardíaca, ele sabia que iria para outro hospital e que iria passar mais
tempo naquele hospital aí ele disse... eu sonhei que eu ganhava asas e voava da caverna...e foi
algo assim...foram todos os desenhos... tiveram... foi muito profundo...né? e a gente sabia que
era o desejo dele...se livrar daquela caverna que estava ali... aquela criança extravasou, através
da escrita de uma atividade escolar, né? aquilo que ela estava passando... então a classe
hospitalar... ela tem... é... esse desafio eu acho que ela vem mostrando isso a gente colocou
amostra lá e as pessoas ficavam sem acreditar que crianças doentes... como um vez uma pessoa
da SAMU chegou... uma escola veio trazer isso pra cá? Disse não...foram as crianças que
fizeram isso, ali da classe hospitalar...e ela começou a achar... as crianças doentes? Né? eu disse
as crianças que estão em tratamento de saúde...as crianças doentes, e ela chorou
copiosamente...essa pessoa lá do SAMU, porque não acreditava que as crianças doentes eram
possíveis... conseguiam produzir atividades lindas... eu posso mandar pra você imagem...que aí
você ver um pouco das nossas atividades...eu acho que eu fotografei todas [risos]... é... que as
crianças doentes tinham produzidos atividades tão belas...né? eu acho que a gente vem
mostrando isso...também... sabe? É o nosso desafio...e eu acho que a gente tem conseguido...
tem tentado...né? e acho que ainda tem muito pra mostrar... mas a gente tem conseguido...que
a criança... ela continue ativa...e que ela deseja... né? ser também ativa nesse processo da própria
cura e a classe hospitalar...ela vem trazendo muito isso... um escola que tá fora... que representa
cura... e essa vida continuar... vida que não acaba...
PP Qual a faixa etária das crianças e adolescentes que participam desse atendimento?
RP2 A faixa etária de/é até dezesseis anos...que é o atendimento realizado pela pediatria...e a
idade inicial é de bebê até dezesseis anos...e aí a classe hospitalar ela faz todo esse
trabalho...desde a educação infantil até os dezesseis anos... o ensino médio...
PP: Você acha que esses cursos de formação têm grande impacto na prática?
RP2 Eu acho que sim... com certeza... é sempre bom estudar... é sempre bom manter-se
atualizado e como tá ligado à UFRN...sempre tem algo novo a se aprender... né? tá ligado
diretamente com a academia e isso é muito bom...traz um frescor, algo novo...
PP Você acha que essa questão da ludicidade, esse diferencial, ele chama mais a atenção
da criança?
RP 2 Chama mais atenção eu acho, chama mais atenção torna a aula mais atrativa mesmo, não
adianta você trazer aquele conteúdo bruto ali pra que a criança possa... tem que ter um atrativo,
e a criança já tá doente e você tem que se reinventar se refazer, entendeu?
PP A turma... é multisseriada?
RP2 É outro desafio...eu esqueci desse aí...é um outro desafio também é esse...a questão da
multisseriação...sabe? também é bem desafiador...assim no início também foi bastante puxado
em relação a isso...Aquela outra pergunta que você fez anteriormente sobre o desafio...
pronto...esse é um deles... eu esqueci...
PP Como vocês conseguem conciliar os conteúdos do ensino infantil até o ensino médio?
RP2 Tudo é a forma de fazer...mas dá certo... o adolescente é mais resistente sabe? mas no final
eles cedem...eles cedem sabe? ao que a gente propõe... é mais difícil de conquistar, mas no final
dá certo... é na mesma proposta da ludicidade...criação da produção de maquete eles gostam
dessas coisas...estimulação da criatividade... de criar de fazer... do concreto...os grandes
também gostam...
PP Como ocorre o diálogo entre a classe hospitalar e a escola regular? como vocês fazem
essa ponte?
RP2 A ponte é através da ligação do atendimento... utilização dos meios de comunicação...ou
e-mail...ou whatsap...ou o telefone mesmo... ligação... A princípio a gente usa... liga primeiro...
fala com a direção... com a coordenação e aí vai... a gente se apresenta... o que a gente tem no
hospital e tudinho... e aí a gente a solicitar os conteúdos... que os conteúdos muitas vezes não
vem... noventa por cento das vezes ele não chega... a princípio se mostram todos muito
abertos...mas aí na verdade não correspondem aquilo que aparentemente se propõem...sabe?
mas é isso...A gente vai tentando...a gente não deixa de fazer por conta disso...a gente sempre
entra em contato com a escola e quando mandam a atividade... isso aí... ave maria... é uma
vibração só... sabe? tanto pra gente quanto pro aluno... o aluno se sente importante...a escola se
importa comigo... entendeu?
PP Hoje em dia você sente menos dificuldade em ser professora da classe hospitalar?
RP2 Eu vou falar por mim... vez por outra a gente começa a se perder um pouquinho e aí a
gente vai,...busca de novo o nosso propósito...o que é que a gente tá fazendo ali no hospital...
porque assim...é um professor dentro de um ambiente que não é nosso... entende? É o ambiente
da saúde... e acaba que são muitas informações é muita coisa...e você acaba... é... se perdendo
um pouco...perdendo um pouco sua identidade...e é isso... E aí você começa a refletir sobre
aquilo...vamos lá eu sou professora... eu não posso deixar que/ que as outras coisas atrapalhem
o que eu vim fazer aqui...é uma retomada... sabe? É sempre assim ó...altos e baixos...eu tô
falando por mim...sabe? porque desafios são muitos...muitos desafios tem hora que bate mesmo
a insegurança mesmo... mas faz parte... é um contexto muito complexo...de adoecimento... de
muitas coisas...
PP Qual a importância social que você atribui ao trabalho realizado pela classe hospitalar
para as crianças e adolescentes que estão internados?
RP2 Eu acho que...é o resgate enquanto pessoa... né? enquanto cidadão... para garantir um
direito que ele tem à educação... entendeu? Eu acho que é isso... É garantir o direito... o direito
à educação... o principal é esse... E o restante é consequência... o principal é garantir a educação
da criança em qualquer circunstância da vida dela... seja no adoecimento... seja em qualquer
canto... e /é o que tá posto na lei...