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EXTENSÃO DE CABO DELGADO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA

Curso de: Ensino Básico nível 2º Modalidade à Distância 1º Semestre


Disciplina: Língua Portuguesa Ano: 2023

Ficha de Leitura nº 1
Unidade I- Textos Jornalísticos

I. Introdução
Caro estudantes!

Esta Unidade reserva-se ao estudo dos textos jornalísticos, também designado por
discurso de imprensa. Embora se reconheça a existência de vários tipos ou géneros de
textos jornalístico, aqui, dar-se-á maior relevo ao género informativo: noticia,
reportagem, entrevista e a crónica.
O estudo dos textos jornalísticos torna-se relevante, na medida em que permite, em
comparação com outros tipos ou géneros perceber as diferenças e semelhanças neles
existentes, quer em textos do mesmo tipo (informativos) quanto os de vários tipo
(informativo, interpretativo e ameno-literário).

II. Objectivos
No final desta unidade, o aluno deve ser capaz de:

 Reconhecer a natureza dos textos jornalísticos;


 Distinguir o tipo de linguagem predominante nos textos;

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 Conhecer a intenção comunicativa dos textos jornalísticos.

III. Natureza

Para LUÍSA SANTAMARIA (1990) citado por REIS (1994:120), a breve história do
jornalismo, particularmente o escrito, conhece três etapas: o ideológico, ao serviço das
ideias politicas ou religiosos, que vai até à primeira guerra mundial; O informativo que
narra factos ou historias através de noticias, por vezes sensacionalistas, da crónica e
da reportagem, impondo-se em toda a Europa, desde os anos vinte; e o explicativo
que, apondo-se ao popular, tenta realizar o chamado jornalismo de explicação,
interpretativo ou em oportunidade.

A escrita jornalista é, para CAMPOS (s/d), de cinco (05) naturezas, nomeadamente:


informativa (as notícias curtas), opinativa (os editoriais e colunas assinadas),
interpretativa (os textos mais explicativos, que interpretam os factos através de
reportagens e entrevistas contextualizadas), literária (os textos críticos com índole
literária) e recreativa (mais voltada para o lazer e a diversão do leitor). (in Manual Básico
de Português II)

Como fizemos menção na nota introdutória incorporaram para esta unidade os textos
jornalísticos do género i formativo: noticia, reportagem, entrevista e a crónica que são
constituídas por três qualidades que basicamente os caracterizam: concisão, clareza e
conquista do leitor.

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III.1 NOTÍCIA
Na visão de REIS (1994:141), a noticia é o essencial, que o leiror deve saber sobre um
facto, tema, problema ou dito de alguém. É um “facto ou acontecimento verdadeiro,
inédito e actual, de interesse geral, que se comunica a um público de massa” (op. Cit in
Dicionário do Jornalismo)

Para AMARO (2006:181 notícia é um gênero textual jornalístico e não literário que está
presente em nosso dia a dia, sendo encontrada principalmente nos meios de
comunicação.
Trata-se, portanto de um texto informativo sobre um tema atual ou algum
acontecimento real, veiculada pelos principais meios de comunicação: jornais, revistas,
meios televisivos, rádio, internet, dentre outros.

É uma redacção ou um relato que informa o público sobre uma situação nova ou
atípica, ocorrida no seio de uma comunidade ou determinado âmbito específico, que
mereça ser alvo de divulgação. Ou seja, relato de um facto actual ou relevante, que
desperta o interesse da comunidade a que se destina.

3.1.1 Características

 Cuida da cobertura de um facto ou de uma série de factos;


 Relata a informação de maneira mais objectiva possível;
 Ser de utilidade e valor para o receptor;
 Ser nova, isto é, de transmissão recente;
 Pauta pela ordem de importância dos conteúdos;
 Não deve ter suspense;
Ainda, a noticia, mas do que o dito, deve ser verdadeira, quer dizer, o redator
preocupa-se/ deve-se preocupar apenas com a verdade; exacta, isto é, fiel à realidade
ou facto a transmitir.

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3.1.2 Estrutura

Estruturalmente, a notícia pode ser estudada em duas perspectivas, nomeadamente:


questão e resolução, relacionadas com o assunto e o conteúdo, respectivamente:

 Questão

No que concerne ao assunto, a notícia é constituída por antetítulo, título e subtítulo.

 Antetítulo: surge antes do título e pormenoriza-o. É facultativo.

 Título: encontra-se no início, destacado com letras maiores ou de cor diferente,


devendo ser breve, atrativo e esclarecer sobre assunto.

 Subtítulo: surge depois do título e pormenoriza-o. É facultativo.

 Resolução

No que diz respeito ao conteúdo, a notícia responde às questões Quem? O quê?


Onde? Quando? Como? Porquê?

 Lead ou cabeça

Corresponde ao primeiro parágrafo em que, de forma resumida, se apresenta o que


aconteceu, devendo-se responder às questões Quem? O quê? Onde? Quando?,
dispostas em pirâmide invertida1, de acordo com a sua ordem de importância. Um
lead bem elaborado deve ser claro, directo, simples e atractivo – as informações que
nele contêm devem cativar o leitor para o seu interesse.
“Quem?” (qual ou quais personagens estão envolvidos no acontecimento);
“O quê?” (acontecimento, evento, fato ocorrido);
“Onde?” (local que aconteceu o episódio);
“Quando?” (horário em que ocorreu o fato);

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.
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 Corpo da notícia ou desenvolvimento
Compreende o desenvolvimento da notícia, no qual, de forma pormenorizada, se
faz a descrição do que aconteceu, devendo-se responder às perguntas Como? e
Porquê?
“Como?” (modo que ocorreu o evento);
“Por quê?” (qual a causa do evento).

 Técnica de Pirâmide Invertida


A Pirâmide Invertida é um dos recursos utilizado na notícia a fim de hierarquizar as
informações no espaço do jornal, onde prevalece a ordem decrescente de importância.

Sendo assim, o conteúdo mais importante localizado na base da pirâmide (parte mais
larga), permanece na parte de cima da folha. Por outro lado, o conteúdo mais
superficial ou menos relevante, chamado de “ápice” ou “vértice”, está situado em baixo
do texto.

Fonte: Maria Evangelista de Sousa (Dissertação do mestrado)


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3.1.3 Linguagem

Para REIS (1994:142), na noticia a brevidade é obrigatória, significando concisão, ou


seja, densidade e não laconismo: ela é uma informação não trabalhada, seca, no mais
pequeno numero de palavras.

No que se refere a linguagem, a noticia deve ser:

 simples, clara, objectiva/ unissignificativa


 frases de tipo declarativo;
 predomínio de nome e de verbo;
 discurso na terceira pessoa gramatical;
 registo da língua corrente
 função informativa de linguagem. AMARO, (2006:182)

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3.2 Reportagem

“ É uma narração informativa na qual a visão e a focagem do jornalista, presente no


terreno, são determinantes. A sua técnica apela à de narração e à de informação. É um
género informativo que permite assim dar uma visão pessoal da informação.
Testemunha directa dos acontecimentos, o repórter dá-lhes vida, cor e humanidade. O
seu contacto com eles apela aos cinco sentidos, pelos quais ele se envolve no meio.”
REIS (1994:143)

Na visão de AMARO (2006:182) , uma reportagem tem por base uma notícia de grande
impacto em que se faz o relato pormenorizado e aprofundado de um acontecimento
actual. Este género jornalístico implica a deslocação do repórter para anotar o que vê,
ouve e sente. Engloba normalmente a descrição do ambiente, integrando falas das
personagens ligadas ao assunto. Não raro, possui manifestações de subjetividade do
emissor, derivadas da sua interpretação dos factos, dai que surja sempre assinada.

“A semelhança da noticia, também possui lead, normalmente destacado do corpo da


reportagem, cuja finalidade é essencialmente aliciar e predispor o interlocutor para a
continuação da recepção da informação. Centra-se fundamentalmente, nas respostas
as questões como? e porquê? desenvolvendo a primeira detalhadamente e levantando
hipóteses plausíveis para a segunda, quando os dados são insuficientes. A imagem
ocupa extrema importância neste género jornalístico, como complemento ilustrativo da
informação.” (ibidem: p.183)

Na óptica de Fernando da Costa citado por Amaro (2006:183), a reportagem é a


narração de uma história, que exige uma certa criação literária, um empenhamento
afectivo do jornalista, que deverá saber como recolher os seus elementos, como

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encadeá-los, como relacioná-los, como dar-lhes vida, significado, suspense, emoção,
tal como procede o autor de um romance, de uma peça de teatro, de um filme.

A reportagem é um gênero textual jornalístico não literário veiculado nos meios de


comunicação: jornais, revistas, televisão, internet, rádio, dentre outros.

Esse tipo de texto tem o intuito de informar, ao mesmo tempo que prevê criar uma
opinião nos leitores. Portanto, ela possui uma função social muito importante como
formadora de opinião.

Embora a reportagem possa ser expositiva, informativa, descritiva, narrativa ou


opinativa, ela não deve ser confundida com a notícia ou os artigos opinativos.

Assim, uma reportagem é expositiva e informativa, pois tem o propósito de expor


informações sobre um determinado assunto para informar o leitor.

Ela também pode ser descritiva e narrativa, uma vez que descreve ações e incluem
tempo, espaço e personagens.

3.2.1 Características

 Informa de modo mais aprofundado sobre fatos que interessam ao público a que
se destina acrescentando opiniões e diferentes versões comprovadas;

 Estabelece conexões entre o facto central e fatos paralelos, por meio de


citações, trechos de entrevistas, boxes informativos, fotografias, etc.;

 Pode ter um caráter opinativo, questionando as causas e os efeitos dos


fatos, interpretando-os, orientando os leitores;

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 Predomínio da função referencial da linguagem.

3.2.2 Tipos

Para WARREN (1990:63-64) citado por REIS (1994:144) apresenta três tipos de
reportagem, a saber:

 Reportagem de acontecimentos (fact story) – é uma história acabada em que o


observador dá o relato como simultâneo e completo, não evoluindo no tempo.
Nela tudo gira a volta da descrição;
 Reportagem de accao (action story) – oferece uma visão dinâmica dos
acontecimentos que narra, seguindo a linha temporal do seu desenrolar;
 Reportagem de citações ou entrevistas (quote story) – é uma espécie de
entrevista jornalística, na qual se mistura palavras textuais do entrevistado com
e narrações da responsabilidade do repórter.

3.2.3 Estrutura
Do ponto de vista organizacional, a reportagem obedece a seguinte estrutura:
 Antetitulo (nem sempre)
 Titulo
 Subtítulo (nem sempre)
 Lead – normalmente destacado
 Assinatura
 Corpo da reportagem – com suporte de imagens, como complemento da
informação transmitida. ( AMARO, 2006:183)

A reportagem pode apresentar várias estruturas, uma vez que permite integrar diversas
possibilidades narrativas, mantendo, obviamente, a veracidade dos factos. As citações,

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trechos de entrevistas, boxes informativos, fotografias, por exemplo, constituem
elementos auxiliares que ajudam a explicar os acontecimentos, podendo contribuir para
a estruturação da reportagem.

Assim, das diversas estruturas que a reportagem pode assumir, destaca-se a seguinte
organização constituída por três momentos: exposição (introdução), complicação
(desenvolvimento) e resolução (conclusão).

 Exposição ou lead2: contém os aspectos relevantes;

 Complicação ou Corpo da Reportagem: apresenta todos os pormenores do


assunto abordado;

 Resolução: compreende o encerramento do relato, onde se dão a conhecer os


seus pontos principais, com o parecer final do repórter/jornalista.

3.2.4 Linguagem

No que se refere ao tipo de linguagem utilizada, a reportagem deve ser:

 Objectiva, mas com traços de subjectividade;


 Existência de adjectivação;
 Predomínio do discurso da terceira pessoa, embora, também haja marcas da
primeira pessoa gramatical
 Presença da narração, mas também da descrição;
 Registo língua corrente (embora se note preocupações linguísticas)
 Função informativa da linguagem (por vezes também emotiva e/ou poética)

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À semelhança da notícia, a reportagem responde também às questões Quem? O quê? Onde? Quando? Como?
Porquê?

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3.3 Entrevista

Na perspectiva de REIS (1994: 134), a entrevista e um texto jornalístico escrito a


dois, o entrevistador e o entrevistado, que tem como função comunicar a um
terceiro, o publico, quem é, como é, o que pensa o que faz, a pessoa a quem é
feira a entrevista.

Para o autor, a entrevista implica um certo suspense, aceitar participar numa


espécie de jogo, correr o risco: de responder a perguntas, por vezes, imprevistas e
embaraçosas e obter respostas, inesperadas e, às vezes de difícil controlo. Trata-
se sempre de um confronto leal e amigo, perante o interesse do público. Quando
não se verifica o equilíbrio entre os três pólos, a entrevista fica mais pobre,
aborrecida, sem sal. O jornalista representa os leitores, está como que
mandatado pela sua curiosidade, podendo este aproveitá-lo ou desbaratá-lo.
(ibidem).

Para que se possa proceder à realização de uma entrevista é necessário que


determinados princípios reguladores de interacção discursiva se estabeleçam,
como o principio de cooperação, que regula a quantidade (tanta informação
quanto a necessária), a qualidade (sinceridade e veracidade das informações) , a
relação (pertinência dos factos e/ou opiniões) e o modo (clareza, objectividade e
concisão do discurso) de transmissão de informação ; e o principio de cortesia
que se baseia nas regras comportamentais básicas a adoptar, tais como: evitar o
sarcasmo, agressividade, a intolerância, o desrespeito, etc.

A finalidade de uma entrevista é fundamentalmente dar a conhecer alguém


famoso de um modo mais pessoal, fornecendo-nos aspectos importantes da sua
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vida e personalidade ou então, mostrar os seus pontos de vista sobre um
determinado assunto.

3.3.1 Fases da Entrevista

Para que a entrevista resulte é necessário obedecer a três fases fundamentais:

Primeira fase – planificação

Definição do tema da conversa / entrevista que consistirá em:


 Obtenção de dados relativos ao tema, vida e obra da personagem a
entrevistar;
 Elaboração de um questionário – guião- claro, rigoroso, objectivo, preciso,
pertinente, ordenado (à personalidade bem como ao nível etário e socio
cultural do entrevistado) e adaptado à situação (momento e local da
entrevista).

Segunda fase – Realização

Fase da entrevista propriamente dita, durante a qual se deve respeitar as normas a


seguir quando se dialoga com alguém: escuta com atenção, não interromper, respeitar
opiniões. Durante esta fase, não é suposto que o entrevistador influencie o seu
interlocutor nas suas respostas, antes deve procurar arranjar alternativas de perguntas
caso se verifique fuga ao tema.

Terceira fase – apresentação

A partir dos registos efectuados (gravação. áudio, vídeo, notas) o jornalista dá forma à
entrevista para a divulgar, preocupando-se com a ordenação e redacção (no caso de
se tratar da sua publicação escrita) dos dados recolhidos, segundo a sua conveniência.
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3.3.2. Características

Trata-se de um texto marcado pela oralidade produzido pela interação entre duas


pessoas, ou seja, o entrevistador, responsável por fazer perguntas, e o entrevistado (ou
entrevistados), quem responde às perguntas.
A Entrevista possui uma função social muito importante, sendo essencial para a difusão
do conhecimento, a formação de opinião e posicionamento crítico da sociedade, uma
vez propõe um debate sobre determinado tema, onde o discurso direto é sua principal
característica.

Ou seja, as palavras proferidas pelo entrevistado e o entrevistador são transcritas de


maneira fidedigna e, portanto, pode haver muitas marcas de oralidade bem como
observações (geralmente entre parênteses) que descrevem as ações de ambos, por
exemplo: (risos). AMARO (2006:183)

3.3.3. Tipos

São dois grandes tipos de entrevistas: a entrevista retrato de personagem ou


individualidade e a entrevista informativa ou de noticias.

A primeira apela à descrição de ambiente, pessoas podendo seguir um método


impressionista, que dá uma visão breve e instantânea da pessoa, partindo de
pormenores que se destacam do conjunto, ou um método expressionista, que oferece
uma imagem mais profunda das coisas e pessoas, exigindo mais tempo e
conhecimento do espirito do entrevistado. Deste, o que interessa retratar é o
dinamismo, o caracter, a força empreendedora e a capacidade de realizar obra no
mundo que o rodeia.

A segunda, mas frequente no meio jornalístico é uma fonte de informação e procura as


opiniões da pessoa entrevistada, seguindo a técnica da reportagem. Em termos de
apresentação da pessoa, o que interessa são os seus méritos profissionais que
avalizam as suas opiniões – objectivo de entrevista.

3.3.4 Estrutura
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A entrevista estruturalmente se apresenta:

 Titulo (entrevista impressa);


 Introdução: apresentação da (s) personagem (ens) entrevistada (s) e do motivo
da entrevista;
 Perguntas/ respostas (entrevistador/entrevistado);
 Conclusão (nem sempre) comentário do entrevistador sobre a personalidade do
(s) entrevistado (s) e/ou do seu trabalho.

3.3.5 Linguagem

Em regra, e em todos os tipos de entrevista há recurso uma linguagem própria,


caracterizada por:

 Frases interrogativas;
 Discurso na primeira e segunda pessoas gramaticais;
 Recorrência do discurso directo e indirecto
 Registo da língua corrente (embora este dependa dos intervenientes da
conversa)
 Função informativa da linguagem (eventualmente emotiva) .

3.4 Crónica

Do latim, a palavra “crônica” (chronica) refere-se a um registro de eventos marcados


pelo tempo (cronológico); e do grego (khronos) significa “tempo”.

Portanto, elas estão extremamente conectadas ao contexto em que são produzidas,


por isso, com o passar do tempo ela perde sua “validade”, ou seja, fica fora do
contexto.

Para AMARO (2006:186), o significado da cronica evolui ao longo dos tempos.


Enquanto, na idade média era o relato objectivo de factos históricos, segundo uma
ordem cronológica de acontecimentos, nos dias de hoje, esta concepção tradicional
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adquiriu uma componente mais pragmática, sendo que se trata de um texto com
carácter subjectivo, opinativo e critico, em que o jornalista se serve de processos
literário para nos mostrar a sua visão do mundo.

O cronista possui uma grande liberdade criadora, pois é este um género flexível, sem
arquétipos de estilo, assunto ou método. São abordados temas nacionais, estrangeiros,
políticos, económicos, desportivos, culturais, mundanos, entre outros, cuja inspiração
advém de rumores, de situações actuais de impacto social, da sensibilidade do autor.

Normalmente, a crónica termina com um recado do autor , em jeito de citação,


proverbio, trocadilho, metáfora, etc., num tom irónico e/ou humorístico, onde se
vislumbra uma critica, um conselho, um ensinamento. (Op. Cit)

3.4.1 Características

A crónica, contrariamente aos géneros jornalísticos apresentados anteriormente, não


tem como finalidade informar, antes se aproxima, pelas suas características, do texto
literário. Consiste num pequeno texto narrativo, com uma vertente pedagógica,
ideológica e lúdica.

Partindo de um facto ou incidente do quotidiano, o cronista salienta aspectos pontuais


de índole diversa, que capta da realidade que o circunda. Desta forma, emite juízos de
valor com sentido critico e, por vezes satírico, adoptando uma perspectiva pessoal,
num tom coloquial, em que são subjectivamente retratados flagrantes objectivos do
quotidiano, através de uma linguagem expressiva, ou até mesmo poética, mas simples
e clara.

Dai que é caracterizado por:

 Curta e breve
 Trata-se de um texto de carácter reflexivo;
 Aborta temas relacionados com vida social;
 É um texto subjectivo;
 uso de uma linguagem simples e coloquial;

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 presença de poucos personagens, se houver;
 espaço e tempo reduzido.

.
3.4.2 Tipos de Crónica

Embora seja um texto que faz parte do gênero narrativo (com enredo, foco narrativo,
personagens, tempo e espaço), há diversos tipos de crônicas que exploram outros
gêneros textuais.

Podemos destacar a crônica descritiva e a crônica dissertativa. Além delas, temos:

 Crônica Jornalística: mais comum das crônicas da atualidade são as crônicas


chamadas de “crônicas jornalísticas” produzidas para os meios de
comunicação, onde utilizam temas da atualidade para fazerem reflexões.
Aproxima-se da crônica dissertativa.
 Crônica Histórica: marcada por relatar fatos ou acontecimentos históricos, com
personagens, tempo e espaço definidos. Aproxima-se da crônica narrativa.
 Crônica Humorística: Esse tipo de crônica apela para o humor como forma de
entreter o público, ao mesmo tempo que utiliza da ironia e do humor como
ferramenta essencial para criticar alguns aspectos seja da sociedade, política,
cultura, economia, etc.
Daniela Diana conteúdos on-line. (extaido em 5 de agosto 2021)

De realçar que em função de cada autor, estas designações poderão variar.

3.4.3 Estrutura

 Assinatura;
 Titulo
 Introdução
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 Desenvolvimento
 Conclusão

3.4.3 Linguagem

Pela natureza deste gênero jornalístico e como foi referenciado a cima,


apresente a seguinte linguagem:
 Subjectiva/plurissignificativa/conotativa
 Pontuação expressiva/valorativa
 Discurso nas primeiras e terceiras pessoas gramaticais
 Tom coloquial, com expressões do código oral
 Utilização de advérbios, frases feitas, citações aforismos…
 Recursos estilísticos
 Registo da língua corrente e/ou cuidada
 Predomínio da função poética
AMARO (2006:186),

______________________________________________________________________

Bibliografia

REIS, José Esteves. Curso de Redacção II. Porto Editora, Lisboa. (Pp.120-145)

AMARO, Alice. O Essencial do 10º ano. Português. 3ªed. Asa Editores, Porto, 2006
pp.181-186

In: https://www.voaportugues.com/mocambique, 05 de Agosto 2021, 15 e 30 minutos

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/tag/mocambique 05/08/2021 16 :12 min


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Daniela Diana conteúdos on-line. (extaido em 5 de agosto 2021)

TEXTOS JORNALISTICOS PARA ANÁLISE E APROFUNADAMENTO DE


CONTEÚDOS

Texto A

Caso "dívidas ocultas": o papel do antigo ministro


Manuel Chang no julgamento
Julgamento dos acusados arranca a 23 de Agosto em Maputo, enquanto
antigo ministro das Finanças continua detido na África do Sul

MAPUTO — 
Aproxima-se a data do início do julgamento do caso das "dívidas ocultas" em Moçambique já
chamado de "julgamento do século" e alguns sectores da sociedade civil dizem-se
preocupados com o facto de que se possa usar a ausência do antigo ministro das Finanças,
Manuel Chang, tido como a peça-chave deste processo, para impedir que a justiça seja feita.

Há juristas que dizem que sim, isso pode acontecer, mas para outros, nem tanto.

O julgamento começa no próximo dia 23, e o Centro para a Democracia e Desenvolvimento


(CDD) diz estar muito preocupado com este processo, porque, segundo o director, Adriano
Nuvunga, "esperava-se que juízes mais séniores e que não tivessem ainda muito a perder,
tivessem sido indicados para liderá-lo".

Nuvunga avança que "não estão ainda garantidas as condições essenciais para este
julgamento, sobretudo porque Manuel Chang está no meio, ou seja, ainda se encontra detido

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na África do Sul, e isso poderá ser usado para aligeirar a culpabilidade das pessoas que vão
ser julgadas".

Por seu turno, o professor Inácio Alberto, da Organização Justiça Social, considera Manuel
Chang a peça fundamental neste processo "até para esclarecer eventuais dúvidas", mas receia
que a sua ausência impeça que a justiça seja feita".

Para o jurista José Machicame, a Procuradora-Geral da República tem insistido na


necessidade de extradição do antigo ministro das Finanças para Moçambique com o
argumento de que a sua presença pode aclarar muitas zonas nebulosas em relação às dívidas
ocultas, "pelo que, se há este eco junto da sociedade civil, é com base no papel fundamental
de Manuel Chang no esclarecimento deste caso".

No seu entender, a história comparada em processos judiciais de grande vulto, "mostra-nos,


claramente, a morte ou fuga engendreda de intervenientes em processos-crime, exactamente
para amputar a justiça, e aqui mesmo em Moçambique já tivemos fugas e mortes de presos,
para impedir que a justiça cumpra, plenamente, a sua função."

O investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) Borges Namirre entende que a ausência
de Manuel Chang não interfere na realização da justiça "porque o principal crime de que as
pessoas são acusadas, não é de abuso de cargo, mas de corrupção, é um crime patrimonial".

Namirre explica que "isso significa que as pessoas receberam bens patrimoniais para beneficiar
outrem, e cada um fez isso sozinho, e mesmo havendo uma associação para delinquir, cada
um é responsabilizado em função do grau da sua participação no crime, ou seja, o crime é
individual".

Refira-se que 19 arguidos vão ser julgados no âmbito deste processo, e entre eles figuram o
filho do antigo Presidente moçambicano, Armando Guebuza, Ndambi Guebuza, o antigo
director dos Serviços de Informação e Segurança do Estado, Gregório Leão, e ainda António
Carlos do Rosário, Cipriano Mutota e Teófilo Nhangumele.

In: https://www.voaportugues.com/mocambique, 05 de Agosto 2021, 15 e 30 minutos

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Texto B

Covid-19: Vacinação em massa em curso em Moçambique


MAPUTO — 
As autoridades moçambicanas iniciaram, nesta quarta-feira, 4, em Maputo, a
Campanha Nacional de Vacinação em massa contra a Covid-19

O plano de vacinação contra a COVID-19 prevê abranger cerca de 17 milhões de


moçambicanos, mas desde o arranque deste processo o país apenas imunizou cerca
de 2.4 % da população-alvo.

“Até então, em Moçambique, estão completamente vacinadas contra a COVID-19 cerca


de 400 mil pessoas, o que corresponde a 2.4% da população alvo identificada no plano
nacional de vacinação contra a COVID-19. É pouco!” disse o presidente Filipe Nyusi.

Nyusi prometeu que “à medida que mais vacinas chegarem ao país serão beneficiadas
outro locais e grupos etários, de acordo com o definido”.

Preocupado com a fraco nível de vacinação, Nyusi destacou as vantagens da


imunização.
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“A vacina estimula a produção da nossa defesa e dos anticorpos. Nos países onde o
plano de vacinação está mais avançado está comprovado que a vacina salva vidas,
porque protege contra a doença grave, reduz o risco de morte, aumenta a imunidade
na pessoa e reduz a propagação na comunidade”, explicou Nyusi

In: https://www.voaportugues.com/mocambique, 05 de Agosto 2021, 15 e 30 minutos

Texto C

Parlamento moçambicano aprova presença das forças


estrangeiras para combater a insurreição

Apesar do consenso, os partidos da oposição reiteraram que Governo


violou a Constituição ao não pedir a autorização do Parlamento

MAPUTO — 
A Assembleia da República de Moçambique aprovou nesta terça-feira, 3, por consenso,
a presença de militares estrangeiros no país para apoiar na luta contra os insurgentes
que aterrorizam a província de Cabo Delgado, há cerca de três anos e meio.

Numa sessão extraordinária, a Comissão Permanente, órgão máximo de direcção


parlamentar, analisou a proposta da Renamo, maior partido da oposição, que pretendia
que se avaliasse a alegada violação da Constituição da República, por parte do Chefe
de Estado, Filipe Nyusi, ao autorizar a entrada de forças estrangeiras sem ouvir os
legisladores.

No geral, tanto a Renamo como o MDM consideram que houve violação da


Constituição, no entanto, concordam que as forças estrangeiras são necessárias face à

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situação da instabilidade que os terroristas estão a gerar e à incapacidade das forças
governamentais de, sozinhas, colocarem um fim à insurreição.

Ainda assim, o Parlamento determinou que em Outubro o Governo deve ir à plenária


prestar informações sobre tudo o que se passa em Cabo Delgado, incluindo a acção
militar.

In: https://www.voaportugues.com/mocambique, 05 de Agosto 2021, 15 e 30 minutos

Texto D Três detidos em Moçambique no caso de derrame de


gasóleo na Baía de Pemba

Três pessoas foram detidas e a sua embarcação confiscada por suspeitas de


envolvimento no roubo de combustível que resultou num derrame na baía de Pemba,
norte de Moçambique, disse o administrador marítimo local.

Taucali Avelino, citado hoje pelo diário Notícias, o principal do país, afirmou que os três
homens foram vistos a bordo de uma embarcação de pequeno porte na sexta-feira, na
zona onde se presume que aconteceu o derrame e a horas em que a navegação
marítima é proibida na área.

"Pensámos que há matéria a ser investigada pelo Serviço Nacional de Investigação


Criminal", declarou Avelino.

O Ministério da Energia e Recursos Minerais (Mireme) anunciou na terça-feira, em


comunicado, que 5.000 litros de gasóleo foram derramados durante uma ação de
contrabando de combustível, que apareceu na praia da cidade de Pemba, na manhã do
dia 31.

A nota avança que o despejo de combustível afetou diretamente uma área de 3.000
metros quadrados.

O Mireme refere ainda que a fauna marinha da Baía de Pemba não ficou contaminada
com o combustível derramado, apontando o contrabando como causa do incidente.

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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A informação consta dos resultados de uma averiguação realizada por uma "equipa
multissetorial" constituída pelo Governo, após o aparecimento, na manhã de sexta-
feira, de combustível, na praia de Sagal, na baía de Pemba, província de Cabo
Delgado, referiu em comunicado o Ministério dos Recursos Minerais e Energia.

No domingo, o diretor de Infraestruturas de Cabo Delgado, Norte Uali, disse à


comunicação social que o despejo de combustível terá acontecido quando
desconhecidos protagonizavam o roubo deste recurso no porto de Pemba para o
descarregar num barco.

O aparecimento de gasóleo levou a população a retirar o líquido para uso particular,


afirmou Uali. https://www.noticiasaominuto.com/mundo/tag/mocambique
05/08/2021 16 :12 min

Texto E

Jornalismo em Moçambique: entrevista com Celestino


Joanguete
por Enio Moraes Júnior

Celestino Joanguete é um professor e pesquisador moçambicano, licenciado em Ciências da


Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, e Doutor na mesma área pela
Universidade do Minho, também em Portugal. Além disso, possui bacharelado em Teologia e
em Filosofia pelos Seminário Maior Santo Agostinho e São Pio X, em Maputo. Como professor
de jornalismo em instituições de seu país, destaca-se sua atuação na Universidade Eduardo
Mondlane, na Universidade Católica de Moçambique, na Universidade Zambeze e na
Universidade Pedagógica de Maputo.

Autor do livro Imprensa Moçambicana: do papel ao digital, publicado em 2017, Joanguete


realiza consultorias relacionadas a mídia e jornalismo, com ênfase nas tecnologias e na
formação profissional na área. Como consultor, professor e palestrante, seu currículo inclui
publicações e passagens por países como Portugal, Brasil, África do Sul, Namíbia, Etiópia e
Estados Unidos. A seguir, uma conversa com ele sobre a imprensa em Moçambique.

Enio Moraes Júnior — Você é um atento crítico da política de seu país e esse tema
recebe também bastante atenção do jornalismo moçambicano. Prova disso são
reportagens que você compartilha em suas redes sociais. Além das questões que
envolvem os atores políticos e suas ações, que temas a imprensa pauta mais
frequentemente?
Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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Celestino Joanguete — Desde que se instituiu a Constituição Democrática em 1991, a
imprensa moçambicana tem destacado matérias relacionadas à corrupção, aos direitos
humanos, aos casamentos prematuros, à liberdade de imprensa e de expressão, incluindo a
liberdade de expressão nas redes sociais da internet. No caso da corrupção, o tema de
destaque são as dívidas ocultas contraídas pelo governo para criar três empresas do Estado.
Outros destaques têm sido a questão dos casamentos prematuros (de acordo com as
definições da Unicef). Moçambique tem uma das taxas mais elevadas de casamento prematuro
do mundo, afetando quase uma em cada duas mulheres, e tem a segunda maior taxa na sub-
região da África Oriental e Austral. Cerca de 48% das mulheres em Moçambique com idades
entre 20 e 24 anos já foram casadas ou estiveram numa união antes dos 18 anos, e 14%,
antes dos 15 anos.

EMJ — Como você avalia a cobertura dos direitos humanos, como pautas relacionadas à
fome e à pobreza em Moçambique?

CJ — A matéria de destaque na cobertura dos direitos humanos tem sido a violência policial
contra cidadãos, perseguição e assassinato de membros dos partidos de oposição, execução
sumária da população civil em regiões de conflitos armados (província de Cabo Delgado e
Manica), tortura de críticos do governo, prisões e detenções arbitrárias. Nos últimos anos,
foram sequestradas mais de 30 pessoas ligadas ao maior partido da oposição em Inhambane,
a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o que deixa alguns militantes desta força
partidária com receio de novos ataques. Há também relatos de assassinatos de membros da
oposição, incluindo de um elemento da equipe da Renamo nas negociações de paz, Jeremias
Pondeca. Foi um crime ocorrido em 2016, visto como politicamente motivado. Há pouca
reportagem sobre a fome, porque ela foi suprimida em determinadas regiões do país.

EMJ — Como está a questão da propriedade da mídia no país? Os jornalistas


moçambicanos ainda enfrentam constantes ameaças e sérias violações à liberdade de
imprensa…

CJ — Em Moçambique, existem seis regimes de propriedade de media: serviços públicos de


rádio e televisão (Rádio Moçambique e Televisão de Moçambique), rádios e televisões privadas
comerciais, rádios comunitárias, rádios religiosas, jornais privados e um misto (público e
privado). De todos estes meios, os serviços públicos da rádio e televisão gozam de maiores
privilégios por parte do governo e, consequentemente, do controle da linha editorial pelo
Estado. A liberdade de imprensa tem sido assunto retratado em relatórios anuais de
organizações nacionais e internacionais. Os jornalistas são privados de exercer as suas
atividades jornalísticas, casos de sequestros, perseguições, incêndio de redações por criticar o
governo e denunciar corrupção, ameaças e expulsão de jornalistas estrangeiros. Um caso
recente envolveu a expulsão do jornalista britânico Tom Bowker, da Zitamar News. Em causa,

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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está a “motivação política”, mas o governo alega a expulsão pela falta de documentos que
provam a existência do órgão Zitamar.

EMJ — O jornalismo local diz respeito à cobertura das particularidades da vida em


comunidades. Como essa questão funciona na imprensa moçambicana?

CJ — A vida comunitária é tratada com maior ênfase pelas rádios comunitárias, que
representam 80% da audiência das comunidades rurais, graças às suas transmissões de
programas em línguas locais. Elas foram criadas com a finalidade de contribuir para o
desenvolvimento socioeconômico e cultural das comunidades, promovendo a cultura de paz,
democracia, direitos humanos e empoderamento. A sua gestão é feita pela comunidade
através do Comitê de Gestão de Rádio. Moçambique possui pouco mais de 100 rádios
comunitárias, dispersas ao longo de todo o território nacional. A programação é feita pelo
pessoal voluntário, com ajuda do Fórum das Rádios Comunitárias (Forcom) e do Centro de
Apoio à Informação e Comunicação Comunitária (Caicc), entidade que ajuda no apoio técnico,
formação e programação.

Muitas vezes, os jornalistas das rádios comunitárias têm sido perseguidos e ameaçados de
morte. Por exemplo, em 2017, jornalistas da rádio comunitária de Morrumbene, na província de
Inhambane, receberam ameaças de morte por terem divulgado uma informação sobre roubos
protagonizados por uma quadrilha de que alegadamente participava um agente da Polícia da
República de Moçambique (PRM), afeto ao comando distrital. A televisão e a rádio pública têm
programas específicos que fazem reportagens sobre o desenvolvimento rural, com destaque
para a agricultura. Pouco é conhecido sobre a existência de jornais comunitários. Porém,
existem algumas televisões comunitárias de fraca expressão na comunidade, devido à falta de
sustentabilidade do seu funcionamento.

EMJ — Há algum tempo, você publicou uma discussão sobre os desafios


da comunidade política em tempos de cibercidadania, sobretudo no contexto africano.
De que forma as mídias sociais afetaram a participação dos cidadãos e o jornalismo em
Moçambique nos últimos 20 ou 30 anos?

CJ — Os media digitais trouxeram uma nova dinâmica de comunicação à sociedade


moçambicana e africana no geral. No campo político, por exemplo, registra-se uma nova forma
de comunicação com o cidadão, mediada pelas redes sociais da internet, sobretudo, Facebook
e Instagram. Os políticos já interagem com os cidadãos de forma direta e o cidadão, por sua
vez, ganhou maior liberdade para expressar as suas opiniões de modo desintermediado.
Contudo, as novas formas de comunicação não são massificadas por todo o território nacional
devido ao fosso digital entre o campo e a cidade, fato que requer maior literacia digital e

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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inclusão do cidadão rural no acesso à informação e participação política através das
tecnologias de comunicação.

EMJ — Como o jornalismo está cobrindo a pandemia de Covid-19 no país? Em questões


como medidas de isolamento e higiene, há discrepância entre o discurso dos políticos e
a posição de instituições internacionais de saúde, como a OMS?

CJ — No início, havia uma tendência de politização da Covid-19, crescente desinformação


sobre a pandemia, massificação de reportagens de pânico e medo. Estes problemas
caracterizaram as primeiras dificuldades de os jornalistas lidarem com o assunto. Por um lado,
os políticos usaram o tema da Covid-19 para ações populistas de “salvadores” da saúde do
povo. Por outro, a proliferação das fake news, quer nos jornais, quer nas redes sociais, foram
matérias com que os jornalistas tiveram dificuldades de lidar por falta de fontes de informação
credíveis. Consequentemente, tudo isso resultava na divulgação de reportagens de pânico nos
media. Nos últimos meses, a cobertura jornalística sobre a Covid-19 registou melhorias, graças
ao papel da OMS na emissão de diretrizes sanitárias e ao contributo do governo no combate à
desinformação através de medidas punitivas.

EMJ — Em entrevista ao site Voa, Voz da América, você falou sobre a importância de


focar o ensino do jornalismo na sua faceta digital. Como funciona, hoje, essa formação
em Moçambique? É possível comparar com a sua formação em Comunicação na
Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, em 2002?

CJ — A minha formação em Ciências da Comunicação, quer no nível de graduação, quer de


doutoramento, não me permitia perceber melhor os fenômenos de mudanças que estavam
ocorrendo no campo dos media e do jornalismo. Foi preciso um estudo complementar de
especialização na Universidade de Ohio, nos EUA, em 2017, onde concedi a entrevista à Voz
da América sobre o assunto. Depois do regresso a Moçambique, iniciei a preparação de
reformas do plano curricular do curso de Jornalismo na Universidade Eduardo Mondlane. Na
sequência, a Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane tornou-se
pioneira em ministrar o curso de mestrado em Gestão de Media Digitais. No próximo ano,
iremos preparar a introdução do curso de graduação em Jornalismo Digital. A ideia é criar
cursos que respondem às demandas do mercado de mídias digitais (rádio, televisão e jornais
digitais).

Esta entrevista faz parte de uma série sobre jornalismo no mundo, uma iniciativa do

pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor — Grupo de Estudos de

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas

são originalmente publicadas em inglês no Medium.

enioOnline, publicado aos 13 de Abril de 2021

Texto F

BRASIL E MOÇAMBIQUE: VÍNCULOS ANCESTRAIS, COOPERAÇÃO


INTERNACIONAL E EDUCAÇÃO. ENTREVISTA COM O MAGNÍFICO REITOR JORGE
FERRÃO1 * UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA – MOÇAMBIQUE

NILMA LINO GOMES

A experiência do professor doutor Jorge Ferrão, da Universidade Pedagógica de Moçambique,


a maior universidade pública do país e cuja vocação principal é a formação de professores e

professoras, possibilita conhecer um pouco mais sobre a educação em Moçambique e os


possíveis vínculos e temas comuns na construção de novas propostas entre os programas de
pós-graduação em educação dos dois países.

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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Esperamos que ela possa aguçar o olhar e o interesse das pesquisadoras e pesquisadores da
educação na busca de novas parcerias e troca de conhecimentos.

1. O senhor estudou no Brasil, mais precisamente, na UFRRJ. Gostaríamos que falasse sobre
a sua área de formação, o período em que esteve no Brasil e como foi a sua experiência como
um estudante estrangeiro em nosso país.

Estudar no Brasil já foi um sonho de muitos moçambicanos. Brasil se transformou numa


referência obrigatória para várias gerações. Queremos descobrir o Brasil. Levar a nossa
moçambicanidade, para esse destino que, igualmente, desconhece Moçambique. Brasil
representa uma viragem, muito mais do que uma alternativa.

No ano passado, e por ocasião da comemoração dos 40 anos de cooperação com o Brasil, tive
o ensejo de fazer um balanço desta cooperação, em particular para o setor da educação.
Constatei com entusiamo existirem mais de 4.000 moçambicanos formados no vosso país nos
últimos 20 anos. Os números tendem a crescer, de forma exponencial, em diferentes áreas de
conhecimento, com predominância para educação, agricultura, saúde, entre outras. Estes
moçambicanos ocupam vários postos e posições de relevo na sociedade moçambicana e,
assumem, uma vez formados, posições de liderança. Eles trabalham em diferentes cidades
moçambicanas, nas vilas e nos distritos/municípios, que são os polos de desenvolvimento. As
estatísticas precisam de ser melhoradas para que tenhamos, também, em conta, uma outra
versão daqueles que ainda não se conseguiram enquadrar no mercado e trabalho.

Dito por outras palavras, têm sido fundamentalmente transferido para Moçambique, valores
culturais. Testemunhamos a solidificação da cooperação com nova roupagem. Os ganhos têm
sido evidentes.

Analogicamente, temos jovens que constituíram familia no Brasil e assim se resgata um


percurso secular bem conhecido por todos nós. A diferença é que os tempos são de liberdade
e cooperação, ao contrário, do que sucedeu no passado, onde a relação era de ignorância,
escravatura, humilhação e pilhagem dos melhores filhos do continente africano.

A minha formação foi marcante. Tem sido para todos. Esta formação não se realiza apenas no
plano temático e curricular, mas, também, sob uma perspectiva cultural, linguística, de
emancipação e de aprofundamento de direitos humanos e de outros valores. Então, as
experiências são positivas e satisfatórias. Não ajudam apenas os formados. Também ajudam
ao Brasil. Encurta as distâncias. Emancipa as consciências.

Existe uma percepção de que as universidades europeias e americanas são detentoras de


epistemologias do norte e, consequentemente, seriam as melhores do mundo. Isto não só é
uma aberração, mas uma distorção na forma como entendemos o mundo. São teorias
impostas, e que foram assumidas como verdades absolutas. A nossa passagem pelo Brasil
permitiu relativizar esta monstruosidade e provar que esta também não só é competitiva mas
que também pode mudar e deve melhorar. O Brasil prova que as epistemologias do sul, em
nada se ficam a dever ao norte e que se pode fazer uma academia direcionada para os
Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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interesses locais e que respondam às dinâmicas locais. Isto significa emancipação de um
projeto educativo e libertador. Brasil, como uma importante economia do hemisfério sul, tem
esta responsabilidade de congregar e convergir diferentes saberes e aliar diferentes
conhecimentos. O Brasil tem sido, então, essa base sólida que se aliou aos nossos países.

2. Como a sua formação acadêmica, no Brasil, o ajudou a ser o profissional que é hoje?
Acho que todos nós melhoramos o desempenho depois de algum tipo de formação. Esta não é
exatamente a questão que mais importa. O essencial será saber se ganhamos capacidade
intelectual e massa crítica para maximizar o bem estar e a alegria das nossas comunidades e
dos nossos povos.

Continuo tendo uma grande admiração pela forma como os processos democráticos e políticos
se alternam e se consolidam no Brasil. Porém, tenho dificuldades em entender se nós
deixamos as premissas essenciais para que as classes mais desfavorecidas também
melhorassem na sua performance e desempenho. Aliás, a situação política atual, também, me
deixa com muitas reticências, mesmo entendendo que os processos democráticos não são
lineares. Mas o Brasil não pode vender para o exterior uma imagem de ruptura democrática ou
de caos político. Nem o Brasil nem Moçambique. Então a nossa formação só ajuda se tivermos
contribuído para estabilizar as economias dos nossos países e, tivermos contribuído para
pacificar as nossas mentes e consciências.

Posto isto, a sua segunda pergunta seria, deveremos continuar esta cooperação e a resposta
seria óbvia. Mas, começa a ser tempo de o Brasil se reencontrar com o continente africano,
aliás, pelo menos 53% da população brasileira tem ou assume ter origem africana, mas
prevalece o desconhecimento das raízes da afrodescendência dessa comunidade
afrodescendente e, consequentemente, parece ser oportuno que se resgate e se repense no
percurso já estabelecido.

Os países africanos de língua oficial portuguesa são detentores de grandes reservas de


recursos naturais e culturais. O capital humano continua sendo problemático para reverter os
atuais índices de pobreza. Esta pobreza deixa qualquer intelectual, dos nossos países
envergonhado. Indignado. As ofertas de formação precisariam de ser condicionadas para a
resolução de problemas básicos. Na verdade, as áreas educação, agricultura, pesca e saúde
ainda carecem de capital humano capaz de responder a demanda de uma população jovem e
em constante crescimento. Então, uma mudança paradigmática precisa de ser engendrada.

3. Qual é a missão e vocação da Universidade Pedagógica?


Tal como necessário definir nos estatutos de qualquer instituição, a missão da nossa
universidade define-a como sendo ‘... uma instituição de ensino vocacional cuja missão
estatutária é a formação superior de professores para todos níveis de ensino e de outros
profssionais para a área da educação e afins, a investigação e a extensão. Neste contexto, a
UP pugna pela universalização e regionalização, para além da sua função instrumental na
produção e disseminação de conhecimento para a transformação da sociedade moçambicana
rumo ao desenvolvimento social, cultural, e tecnológico’.

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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Guiando-se nesta base estatutária, a UP pretende, na sua visão estratégica, ‘... tornar-se numa
instituição de ensino superior de referência em Moçambique, com processos de formação,
pesquisa de extensão, de qualidade, enquadrados em currículos estruturados em padrões
regionais e internacionais, com uma infraestrutura física e laboratorial sufciente e moderna, a
funcionar com padrões de gestão colegiais, transparentes e modernizados’.

4. Quais são os principais desafios da educação em Moçambique?


Um primeiro grande desafio tem a ver com o fato de que grande número de jovens sai do
sistema sem ter conseguido as competências críticas na área de leitura, escrita e cálculo,
contribuindo para a continuação de altas taxas de analfabetismo, e uma participação no ensino
pós-primário abaixo do desejável.

Segundo desafio, é relativo ao aumento das taxas de repetição no ensino pós-primário, no


turno diurno, bem como no turno noturno, que denotam a pouca eficiência interna deste nível
do ensino.

O desafio seguinte tem a ver com as taxas de desistência no Ensino Primário que continuam
altas, baixas graduações na classe terminal do primeiro ciclo do primário, estagnação
consequente das taxas de conclusão na 7ª classe do Ensino Primário e de admissão na 8ª
classe do Ensino Secundário Geral. Ademais, os resultados preliminares da Avaliação da
Aprendizagem sobre as competências de leitura dos alunos frequentando a 3ª classe em 2013
confirmam um baixo nível de aquisição das competências na leitura no 1º ciclo do Ensino
Primário.

Temos ainda o desafio relativo, em parte, à gestão escolar, com implicações negativas para a
qualidade de aprendizagem dos alunos. Estudos recentes revelam fraquezas no processo de
ensino-aprendizagem na sala de aula (sobretudo no Ensino Primário), em termos de
assiduidade dos professores e dos gestores da escola, deficiências na preparação das aulas,
domínio do Português e no uso eficiente dos materiais didáticos, incluindo os livros, um
currículo sobrecarregado e, sobretudo, fraco acompanhamento da aprendizagem do aluno, e
responsabilidade pelo desempenho escolar.

Resumindo, e tendo em conta a minha experiência e a avaliação de diferentes estudos


existentes, a situação da educação em Moçambique mostra alguns aspectos preocupantes,
nomeadamente, a deficiente aquisição das competências de leitura, escrita e cálculo. A falta de
carteiras, salas de aulas, absenteísmo dos gestores escolares, professores e,
consequentemente, dos alunos, é dos maiores constrangimentos existentes.

Pelos indicadores é possível fazer-se leituras-macro do setor de educação, que combinados


com outros indicadores socioeconômicos, nos mostram que não é só a educação que vai mal,
mas a sociedade e as instituições na sua globalidade, o que força a que se olhe a sociedade
como um todo, e não o setor da educação de forma isolada. Acresce-se o fato de a
participação na educação ainda não ser obrigatória e universal, o que resulta em custos diretos
ou indiretos para os pais, tornando crucial a tomada de decisão ao nível das famílias para o

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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envio ou não das crianças à escola num contexto de dúvida sobre a percepção da relevância
da educação na vida diária das comunidades.

5. A Universidade Pedagógica possui cooperação acadêmica com universidades públicas


brasileiras? Se sim, há trabalhos avaliados como significativos? Em quais áreas?
A cooperação entre Universidade Pedagógica e universidades públicas brasileiras tem uma
longa história, desde a sua transformação de Instituto Superior Pedagógico em Universidade
Pedagógica, em 1995. Para citar apenas alguns exemplos de relevo, os primeiros dois grupos
de cerca de 20 doutorados da UP foram formados em universidades brasileiras públicas e
privadas, como a PUC de São Paulo, nos finais dos anos 1990 e princípios de 2000, e estas
ações continuaram em diferentes universidades brasileiras consagradas. Atualmente, algumas
centenas de docentes da UP estão a preparar as suas dissertações de mestrado e teses de
doutoramento em universidades brasileiras.

Seguem alguns exemplos de universidades com as quais a Universidade Pedagógica tem


ativos memorandos ou protocolos de cooperação académica:

 Universidade de São Paulo (USP)


 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
 Universidade Federal Da Bahia (UFBA)
 Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS)
 Universidade Federal do Pará (UFPA)
 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB)

Estes são alguns exemplos de intercâmbios entre a UP e universidades brasileiras, havendo


protocolos estabelecidos com estas e muitas outras, desde a independência nacional. No geral,
o foco dos protocolos centra-se na troca e formação do corpo docente, na definição e
realização de projetos conjuntos de pesquisa científica, na expansão do sistema de ensino à
distância, entre outros domínios.

No geral, a relação tem sido benéfica, em particular para a UP cuja necessidade de elevação
da formação do seu corpo docente é imperativa.

6. Existe intercâmbio internacional entre a UP e o Brasil, especificamente, na área da


educação? Quais são os principais focos de atuação? Há áreas que a UP gostaria de avançar
mais na cooperação com o Brasil? Por que?
Para além dos exemplos dados na pergunta 5 sobre as relações existentes entre a UP e as
universidades brasileiras, no âmbito do ensino superior, a UP tem interesse em incrementar as
suas relações, na medida em possam permir maior intercâmbio acadêmico que permita, antes
de mais, o incremento de bolsas de estudo entre a UP e universidades brasileiras, que possam
permitir trabalhos conjuntos de pesquisas, sobretudo na área pedagógico-didática, melhorando
a formação e experiência do corpo docente, especialmente a formação de nível doutoral.

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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A existência de um maior intercâmbio entre as nossas universidades poderá permitir uma maior
harmonização dos conteúdos curriculares, facilitando as trocas bibliográficas pelos diferentes e
modernos meios tecnológicos possíveis. Pela nossa experiência, na Universidade Pedagógica,
a cooperação com algumas universidades brasileiras poderá permitir uma aceleração mais
segura das modalidades de educação aberta e a distância, facilitando a disseminação da
educação superior no nosso país. Temos já cograduados em colaboração com a UNIRIO e
UFRGS.

7. Estamos na Década Internacional dos Afrodescendentes, 2015-2024, decretada pela ONU.


Como a UP e as universidades brasileiras poderiam cooperar mais para produzir
conhecimentos conjuntos sobre o tema da década?
Na minha opinião, muitas iniciativas de pesquisa científica sobre temas de interesse comum
podem ser consideradas entre universidades brasileiras e moçambicanas que, para além da
produção de conhecimento de interesse específico para cada uma das comunidades, podem
igualmente emprestar valiosas contribuições para o conhecimento científico de forma geral.

Como exemplo apenas de temas de interesse comum posso citar os estudos sobre as rotas de
escravos entre o continente africano e o Brasil, que poderão ser úteis para a clarificação, por
exemplo, das origens das comunidades afro-brasileiras, estudos comparativos sobre as
reminiscências culturais nas comunidades brasileiras ou ainda, mas não menos importante,
estudos sobre os padrões de patologias comuns entre o Brasil e Moçambique, de modo a se
encontrar soluções para que as comunidades se beneficiem de tratamentos a baixo custo e
com soluções menos caras.

A academia tem por obrigação encontrar propostas que maximizem o bem estar das pessoas e
povos, e quanto maior a colaboração entre as nossas instituições de ensino superior, melhores
soluções serão encontradas.

In: Educação em revista (adaptado)


Belo Horizonte- MG- Brasil
Pub. 28 Novembro 2018

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
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Texto G

Por uma Habitação Digna

São voluntários, vêm de diferentes partes do mundo e estão a ajudar a construir uma
casa para uma família carenciada. O projecto é da responsabilidade da associação
humanitária Habitat, que  se dedica à luta contra a pobreza habitacional. A partir de
Agosto, Paula Figueiredo e a família vão ter uma casa nova para viver.

“Um grande alívio. Foi como se me tivesse saído o Euromilhões”. É desta forma que
Paula Figueiredo descreve o que sentiu quando soube que a sua família tinha sido
seleccionada para beneficiar do Projecto Casa da associação Habitat. Paula vive com o
marido e os dois filhos menores na casa que herdou dos avós. Foi o único lar que

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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conheceu nos últimos 20 anos. Mas o que lhe sobra em recordações escasseia em
condições dignas para morar. “Não vou ter saudades. Mudar de casa não me vai
custar. Ter a minha filha a dizer ´ mãe agora sim, vou ter um quarto
como deve ser, ao meu gosto, para mim é muito confortável. Vai ser uma mudança
muito grande nas condições de vida para ter saudades”, afirma Paula Figueiredo.

Luís Carlos Pires, Docente da Universidade Rovuma, Departamento de letras e ciências sociais, Março
2023

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Os filhos são a principal preocupação de Paula e do marido. Com a nova casa de
que vão beneficiar, sentem que o futuro está agora mais seguro. “A mim também
me custa viver aqui, mas já não sofro tanto”, desabafa Paula. “Os meus filhos vão
ter o que eu e o meu marido nunca tivemos. Se eu amanhã morrer - ainda é cedo
mas temos de pensar nisso - sei que lhes vou deixar uma casa”.

O frio e a humidade, especialmente nos dias de Inverno, aliados à falta de espaço


são as principais lacunas da habitação. Uma situação que é ainda mais complicada
devido ao facto do filho mais novo de Paula necessitar de cuidados permanentes.
As fracas condições, em especial para tomar banho, faz com que sofra de
constipações permanentes. “Ele tem muito poucas defesas e no Inverno anda
sempre constipado”, conta Paula Figueiredo.

Um problema de saúde que, para além de o impossibilitar de levar uma vida normal,
não permite a Paula Figueiredo ter tempo para trabalhar. O ordenado do marido,
motorista de materiais de construção civil, é o único meio de subsistência da família,
mas está longe de ser suficiente. Os meses têm dias a mais para tanta despesa.
“Temos muitas dificuldades. É o colégio, as roupas dos meus filhos, que têm de
andar igual aos colegas, e o básico, comida, luz, água…”, lamenta Paula. E em
alguns períodos, é com a ajuda de familiares que vai conseguindo disfarçar os
problemas financeiros: “ a madrinha do meu filho ajuda-me muito. Eu nem preciso
de pedir, ela sabe do que preciso e de vez em quando vem a minha casa e já me
traz as coisas”.

As casas construídas pela Habitat são posteriormente pagas pelas famílias em


prestações sem juros. Paula e o marido vão pagar cem euros mensais durante mais
de 20 anos. Um valor pequeno para o que recebem em troca, mas que ainda assim
não deixa de os preocupar: “Parece pouco dinheiro mas para nós faz diferença. Se
houver um mês de azar não sei como vai ser”, confessa Paula Figueiredo.

A construção da casa de Paula Figueiredo está quase exclusivamente a cargo de


voluntários. Durante uma semana são os alunos e professores da Escola
Internacional de Genebra, na Suíça, que vão colaborar com a Habitat. Para Melinda
Ruegg, professora da Escola de Genebra, este já é o sexto projecto em que

Luís Carlos Pires


Docente do Departamento de Letra e Ciências Sociais da Universidade Rovuma, Março 2023

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participa. “Os alunos gostam muito desta iniciativa. É gratificante e ajuda-os a
descobrir quais os seus limites. Quando chegam não sabem bem o que esperar
mas no fim muitos escrevem artigos emotivos sobre esta experiência” conta Melinda
Ruegg.

Nenhum dos alunos da Escola de Genebra tem experiência na construção civil, mas
esse também não é um requisito. “A única coisa de que os voluntários precisam é
de ter vontade de ajudar”, explica Paulo Alexandre, coordenador de construção da
Habitat. O resto é responsabilidade do encarregado de obra e do seu ajudante. Os
dois procuram orientar o trabalho da melhor maneira. “Há sempre um encarregado
de obra presente, uma pessoa com bastante experiência e uma paciência enorme.
Os voluntários, mesmo não sabendo rigorosamente nada, são acompanhados
quase ao segundo até perceberam a arte do que estão a fazer. A partir desse
momento largámo-los e a responsabilidade é deles também”, refere Paulo
Alexandre.

Na obra, o ambiente é de descontracção. Tanto os alunos como os professores


aproveitam a experiência para conviverem e se divertirem. E é também uma
oportunidade para conhecerem outro país. “Estar integrada num grupo que trabalha
bem é muito divertido”, diz Sarah Ghys, uma das voluntárias. “É óptimo poder ao
mesmo tempo ajudar uma família em dificuldades e conhecer um país diferente. No
futuro, se tiver possibilidade, volto a participar”.

Mas nem toda a gente se deixa levar pela descontracção. O ajudante do


encarregado de obra mantém o ar profissional enquanto vai corrigindo e ensinando
os voluntários. “Não quero nada disto”, diz em português bem sonoro ao aperceber-
se de três tijolos mal colocados. Os voluntários não falam a língua de Camões, mas
neste caso os gestos são mais do que suficientes para substituir as palavras. “Sabe,
é que eu já ando nisto há mais de 30 anos”, repete o ajudante, agora perante a
incompreensão de todos os voluntários.

E também Paula Figueiredo sempre que pode dá uma ajuda na construção da futura
casa. Jeito não lhe falta - o avô era pedreiro, e em criança Paula acompanhava-o
Luís Carlos Pires
Docente do Departamento de Letra e Ciências Sociais da Universidade Rovuma, Março 2023

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nas suas tarefas. “A Paula é incansável. Às vezes na brincadeira até dizemos que
ela não precisa de nós para nada, porque faz tudo”, graceja Paulo Alexandre,
coordenador de obra. E Paula ainda arranja tempo para corrigir e orientar os
movimentos dos voluntários. Um contacto pessoal que eles apreciam. “ Conhecer as
pessoas que vão morar nesta casa faz-me querer ajudar ainda mais. Agora vejo
melhor o objectivo do trabalho”, relata Lara Tabbara, uma das voluntárias da Escola
de Genebra.

Apesar das dificuldades com que tem de lidar diariamente, Paula sempre manteve a
esperança de que um dia as suas condições iam melhorar. Agora, ao ver-se perante
a construção da nova casa, considera que o destino finalmente lhe fez justiça: “Acho
que já merecia esta sorte. Por tudo o que eu e os meus filhos passamos, todos
merecíamos esta sorte.” A partir de Agosto começa uma vida nova para esta família.

Daniel Lima
Adaptado
(in Manual Básico de Língua Portuguesa I

Luís Carlos Pires


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Texto H

Luís Carlos Pires


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