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Natal
2005
Lusival Antonio Barcellos
Aprovada em _____/____/_____
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________
Prof. Dr. Álder Júlio Ferreira Calado
Universidade Federal da Paraíba
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru
_______________________________________
Profª. Drª. Maria Eliete Santiago
Universidade Federal de Pernambuco
________________________________________
Profª. Drª. Julie Antoinette Cavignac
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________________
Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
B242 p Barcellos, Lusival Antonio
Práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara da Paraíba /
Lusival Antonio Barcellos. – Natal, 2005.
310 p. il. color.
CDU 376.74
Ao povo Potiguara!
AGRADECIMENTOS
Às mulheres da minha vida: Inez, Bartira, Endira e Potira que, durante esse
período de gestação acadêmica, souberam, cada uma a sua maneira, ser
cúmplices e co-responsáveis pelos meus estudos. De coração, aqui vão meus
sinceros agradecimentos!;
À amiga Orientadora, Profª. Marlúcia Paiva, pelas horas que tem dedicado
e acompanhado todo meu processo de paixão e de amadurecimento acadêmico
com muito carinho, competência, confiança e, sobretudo, sensibilidade em cuidar,
mas também em podar os excessos praticados durante a pesquisa;
A Estevão Palitot, meu “anjo da guarda”, que sempre esteve perto de mim,
incentivando, orientando, repassando material, sempre dialogando, discutindo e
debatendo sobre a temática dos Potiguara. Em todos os momentos em que o
convidei para irmos a campo juntos, nunca pensava duas vezes. A você, Estevão,
muito obrigado!;
A toda a família dos Barcellos, a começar por meu pai e minha mãe, razão
de minha existência e, especialmente, a Fortaleza, pelo desafio um dia lançado
numa de nossas conversas que acabou nos levando a realizar o quase “impossível”
objetivo de elaborar um dia esta tese sobre os índios Potiguara;
índios Potiguara, com caráter educativo, as quais estão acontecendo desde o início
do século XXI, na Paraíba. O índio Potiguara não vive, no seu cotidiano, sem a
forma acentuada na atualidade. Por outro lado, ficou, também, evidenciado que as
mantêm na etnia, tendo no Toré seu principal referencial e também um dos sinais
ardentes” na aldeia.
religiosas de los índios Potiguara, con carácter educativo, las cuales están
aconteciendo desde el inicio del siglo XXI, en Paraíba. El indio Potiguara no vive,
político, económico, social y cultural. El estudio muestra que las fronteras étnicas
aldeas, realizando las entrevistas donde recolectamos los datos necesarios para la
la tierra, las selvas, las aguas, las cavernas, las ocas, las iglesias son los
Potiguara tales como el Toré, los rezos, la partición se mantiene en la etnia, teniedo
aldea.
Potiguara Indians, with an educative character, that have been developing since the
beginning of the XXI century, in Paraíba. The Potiguara Indian does not live, in his
everyday, without a religious dimension, that is integrated with all the politic,
economic, social and culture context. The research shows that ethnics borders do
not interfere in the Potiguara, to perform a variety of rituals, to adore the Indian
realizing the interviews where we collected the necessary data for the research
achievement. During the academic prospect, we noticed that forest, water, caves,
malocas and churches are the main holy places of the Potiguara people. The
research result shows that the catholic and evangelic educative and religious
practices, are presented in the Potiguara people life and they increase sharply
nowadays. On the other hand, it was also evidenced that the Potiguara educative-
religious practices like the Toré, the prayers, the share-out is maintained in the
ethnic group, using the Toré as the mainly referential and as well as a diacritic and
paradigmatic sign of the Potiguara ethnicity. It was still noticed that other indigenous
rituals, in a very discreet way, almost unnoticed, are “burned ember” in the village.
Foto 02 – Trator apreendido durante a retomada da terra – Aldeia Três Rios ...... 55
Foto 10 – Cacique Bel fazendo a partilha durante a Festa da Aldeia Três Rios .... 58
Foto 25 – Escola Estadual Indígena Pedro Poti; Aldeia São Francisco ................ 70
Foto 86 – Celebração da Sexta-Feira Santa feita por jovens da Rainha da Paz. 160
Foto 102 – Pátio da igreja de São Miguel, na Aldeia São Miguel ........................ 177
Foto 110 – Nossa Senhora da Conceição: Padroeira da aldeia São Francisco... 185
Foto 129 – Toré mirim no pavilhão da Aldeia São Francisco .............................. 234
Quadro 5 - Quadro das Igrejas CRISTÃS presentes nas ALDEIAS Potiguar...... 129
Quadro 6 - Evangélicos, católicos e sem religião em 1940, 1991 e 2000 .......... 134
Quadro 8 - Atividades eclesiais católicas presentes nas ALDEIAS Potiguara ..... 135
Quadro 9 - Festas dos santos PADROEIROS (AS) católicos (as) Potiguara ...... 137
LISTA DE MAPAS
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 01
1 INTRODUÇÃO
sem ela, o índio não vive. Nesse sentido, como você, caro leitor, se imaginaria
vendo rituais indígenas realizados numa furna, debaixo das árvores, dentro de uma
rituais indígenas que são cristãos evangélicos, de batizar seus novos membros
ou dançando Toré quer seja, na sua aldeia, dentro da área indígena ou, muito
Marcação, Rio Tinto, Mamanguape, Mataraca, podendo chegar até a João Pessoa
motivou esta pesquisa, procurando dar uma contribuição com um olhar acadêmico,
educativo e rituais variados, para fazer a mediação do humano com o divino, dentro
1
Os católicos e a Igreja Católica, nesta tese, referem-se aos católicos romanos.
2
Maneira de os membros da Renovação Católica Carismática (RCC) louvarem a Deus.
2
mais denominação religiosa. Esse fato não é determinante para definir sozinho a
etnicidade Potiguara.
1.1 O nascimento
eucaristia, crisma, matrimônio) e sociais (criança, saúde, terra, sem tetos, operária)
militância eclesial, em 1986, foi nossa saída da cidade de João Neiva-ES (80 Km
Paraíba/PB, na qual permanecemos por quase uma década. Convivemos com uma
Educação.
dos ex-agentes de pastoral leigos, na perspectiva de que vale a pena lutar por
Ter concluído esse desafio foi muito importante na nossa vida pessoal/profissional,
educação.
3
Nosso primeiro curso de graduação foi Filosofia (1980), depois, Pedagogia (1984).
3
expansão nas aldeias que não realizavam o ritual; a presença e atuação das várias
4
Temos o mesmo entendimento de Berger (1985, p. 40) quando afirma que “A cosmificação importa
na significação desse mundo humanamente incompreensível com o mundo como tal, fundando-se
agora o primeiro neste último, refletindo-o ou derivando dele nas suas estruturas fundamentais”.
4
nossa afinidade com o tema, por ser uma opção de pesquisa com relevância para a
academia e para os índios e por não ter estudos específicos sobre o campo
religioso Potiguara. A Tese, então, foi batizada com o nome de práticas educativo-
sentido, concordamos com Brandão (1987, p. 128) quando afirma que “o povo não
aprende com a sabedoria direta do educador a não ser aquilo que aprendeu antes
mulheres,[...]”. Isso não significa dizer que essas práticas religiosas sejam
acontecem nas famílias [...] A ação pedagógica não se resume a ações docentes
[...]”.
“Ninguém se educa sozinho; todos se educam entre si, mediatizados pelo mundo”
na aldeia, são ações pedagógicas que atravessam toda a vida Potiguara, mas não
quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”
(FREIRE, 2002, p. 25). Nessa mesma linha de pensamento, também nos apoiamos
ser observada na convivência das crianças e dos jovens com os pais e com os
anciãos, assim como a orientação das lideranças religiosas, que vão incutindo nas
novas gerações todo um aprendizado dos rituais que acontecem em casa, na oca,
É muito comum a mãe levar a criança para os eventos religiosos, para o Toré e,
sem que ela „explicitamente ensine‟, essa criança vai sendo iniciada na crença dos
acrescenta que “O amor não deriva do conhecimento como acontece na vida diária;
concepção de Boff (2004a, p. 111), “[...] é sempre uma abertura ao outro e uma
Frei Betto sintetiza o amor, na educação, criando um adjetivo para Paulo Freire, o
de educamor. “Paulo não ensinava, exceto que educar é amar” (BETTO, 2005). As
homens, no grupo de jovem, de canto, das crianças, nas equipes bíblicas etc. O
cristãs (missas, ceias, batismos, exéquias) são ações educativas que acontecem
momentos, podem até ter uma formação sistemática, mas não são práticas
dos seus principais pilares, mas não a única via, uma vez que existem várias
povo Potiguara, ele poderia até ter dúvidas na resposta, num primeiro momento.
a mesma do índio José Ciríaco Sobrinho, mais conhecido como Capitão, de que a
brota e surge o elemento primordial do ser índio Potiguara, que é a sua crença, sua
fé, fonte que alimenta as práticas religiosas na aldeia. Não é possível conceber
um índio Potiguara sem a dimensão sagrada. Isso fica muito evidente numa
síntese feita por Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2005), dizendo que “a religião
que segura a cultura é a sua religião. Através dessa religião você consegue
e da vida, como bem afirmou Iolanda na sua fala. Nilda (set. 2004), referindo-se aos
antigos parentes, fala: “hoje a gente cultua Deus, chama Deus; mas eles não
sabiam chamar Deus. Pra eles tinha um Ser. Os índios mais velhos (Tia Severina)
recebem a mensagem dos antigos espíritos5. Índio não conhece a Bíblia e sim a
natureza. Eles tinha aquela fé e não sabia também o que era fé como a gente sabe
hoje”. Segundo Seu Batista (dez. 2004), “agora chamam de Deus, mas antigamente
chamavam Tupã6”. Os Potiguara têm rica tradição religiosa que não é fácil de ser
percebida por quem não comunga da sua crença. Segundo Berger (1985, p. 41),
pessoas. Não existe um horário determinado para praticá-las, podendo ocorrer pela
do ano. Em locais públicos e privados: em casa, na oca, nas escolas, nas igrejas,
nas ruas, nas praças e nas quadras esportivas, no meio do mato, nas grutas ou
dentro d‟água.
tivemos que atualizar várias vezes os textos que vínhamos elaborando. Teríamos
5
Segundo Hoornaert (1991, p. 110), “Tradicionalmente a religião indígena já é bastante “espírita”,
isto é: o índio já vive convencido de forças superiores que determinam a sua vida”.
6
Segundo Clastres (1978), Tupã é o nome inventado pelos brancos para chamar a divindade dos
índios de Deus.
8
aos resultados, aqui sintetizados, uma vez que é impossível o pesquisador ter a
possibilidades, que, novamente, não darão conta da totalidade, e assim por diante”
dimensão educativa. Não é nosso objetivo falar das questões mais subjetivas muito
pessoais e coletivos que desejam fazer desde uma pequena visita, apenas para ver
índios, até grandes grupos econômicos que utilizam as mais diferentes estratégias
lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se
pesca de água doce e salgada, além de contribuir para o assoreamento dos rios,
das lagoas e do mar, numa área rica de mananciais d‟água doce. Universitários,
uma pesquisa junto aos Potiguara. O que conhecíamos era muito superficial e
isso foi decisivo para nos aproximarmos da problemática indígena. Geertz (2001, p.
Ao iniciarmos o estudo, tudo era muito novo e não sabíamos ao certo por
que têm ligação com a questão indígena, tais como: o Setor de Estudos e
pesquisador que persegue sua meta “[...] vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue
sobretudo, das lideranças indígenas presentes. Segundo Cruz Neto (2003, p. 54-
55), “[...] devemos buscar uma aproximação com as pessoas da área selecionada
posse do atual Cacique Geral, Antônio Pessoa Gomes, mais conhecido como
primeiro momento, uma casa na Aldeia do Forte, como ponto de apoio para fazer a
sistemáticos. Cada visita era como se fosse a primeira vez, tamanha vontade para
7
A audiência, realizada na Aldeia São Miguel, tinha como finalidade colher sugestões para a
Educação Escolar Indígena, a ser contemplada no Plano Estadual de Educação.
12
estudo para uma ou, no máximo, duas aldeias. A nossa primeira reação foi ignorar
foi a escolhida porque, além de ser uma das maiores, em população, ali residem
religiosas, “conhecida como a aldeia mãe, lugar onde tem mais caboco legítimo”
(Cacique Djalma, jul. 2003). Azevedo (1986, p.171) faz referência a essa temática
afirmando que
8
Esta é a primeira etapa, de três que são adotadas pelo PPGED da UFRN, para defender uma tese.
13
religiosas. Cada aldeia tem suas especificidades, suas festas, seus rituais e sua
mais propriedade, uma vez que a Aldeia São Francisco não está isolada do
contexto de toda a vida indígena. Optamos pelo recorte de estudar uma Aldeia
intervenientes para serem filmados” (RAMOS, 2004, p. 226). Nossa postura foi de
pois, a exemplo do que diz Trivinos (1994, p. 121), “[...] o pesquisador não fica fora
da realidade estudada, à margem dela, dos fenômenos aos quais procura captar
São Francisco, durante um dos eventos coletivos dos Potiguara, mostra a nossa
para não atrapalhar o ritual. No entanto, assim que iniciou o ritual, jornalistas,
cima de uma árvore, como espectador, fazendo nosso trabalho da forma mais
sabiamente fala:
às vezes, com pequenos favores, às vezes, pelo simples respeito às suas práticas
dezembro de 2003, quando a Pajé Fátima, da aldeia São Francisco, estava perdida
levamos de carona até a Aldeia São Francisco. Ela, para demonstrar sua gratidão,
com uma caixa de mangaba, fruta muito conhecida da região. Nesse dia, fizemos
muito contribuiu para aumentar a confiança no professor9, nome que nos foi
carinhosamente colocado.
competente e incansável dos Potiguara, da UFPB. O veículo foi uma das táticas
Assim, ficamos cada vez mais conhecido entre eles, com boa reputação, por ser
alguém bem aceito na aldeia. Ramos (2004, p. 226) nos alerta que “É fundamental
lembra que “O truque é não se deixar envolver por nenhum tipo de empatia
9
Nosso nome, além de ser muito diferente, poucas vezes, era dito nas aldeias. Todas as pessoas
nos conhecem como professor. Com nossa presença constante na área indígena, era só o carro
aparecer, e todo o pessoal já sabia que era o professor que estava chegando.
10
Ocasionalmente contamos com a presença de outros pesquisadores do Grupo de Trabalho
Indígena do SEAMPO/UFPB, como Fernando Barbosa, Mirna Nóbrega, Gretha Viana, Suelyta
Alves, Fernanda Alves, Hosana Santos. Também tivemos o privilégio de acompanhar nossa
orientadora, a Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva, por ocasião de sua visita, com os alunos da
turma de Pedagogia do PROBÁSICA (Convênio da UFRN com a Prefeitura Municipal de
Parnamirim/RN), em junho de 2004. O Prof. Dr. Almicar Martins, da Universidade Aberta de
Lisboa/Portugual, também nos acompanhou numa de nossas idas à área indígena, classificada por
ele como “magnífica”.
16
o lugar, etc. para perceber o que se passava naquela ocasião pois, como diz
Com o passar do tempo, fomos percebendo que aquilo que era dito, sobretudo,
pesquisador não tenha tempo para perder com o informante, serão dadas
informações para não-índio ouvir, mas que, de fato, não acontecem. “A história,
11
“Como pode um homem nascer, sendo já velho?” (BÍBLIA, 1994, Jo 3,4).
17
área. Isso porque os índios, talvez desenvolveram táticas para driblar os curiosos,
os visitantes e os inoportunos .
vai se aprofundando nas leituras para dar uma ancoragem teórica à pesquisa. As
duas fases do real, num movimento cumulativo e transformador, de tal maneira que
não podemos concebê-las uma sem a outra, nem uma separada da outra. Em
quantitativas.
12
A Profª. Drª. Rosália de Fátima e Silva trabalhou essa metodologia na sua tese (SILVA, 2000) e a
utiliza nos cursos e orientações no PPGED da UFRN.
18
fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais
festividades, nas capacitações, na luta pela retomada da terra, enfim, onde havia
maneira como se davam as relações, etc. Para Cruz Neto (2003, p. 64), é sobre
ele que “[...] o pesquisador se debruça no intuito de construir detalhes que no seu
foram rabiscadas em folha com hinos, cartazes, panfletos, pedaços de jornais, tudo
inseridos. Elas foram realizadas no carro, na igreja, na calçada de casa, dentro das
Furnas, no meio da mata, dentro de casa; onde sentíamos que era possível
para a pesquisa. Zaluar (1985) mostra que a relação com os atores no campo
vão. Quando o informante não quer, o pesquisador nada consegue. E isso feito
com toda fineza e cordialidade extrema. Nada de cara feia nem de tratar mal o
uma centena de fitas cassetes para não perder detalhes das práticas realizadas.
religiosas. Assim, foi possível perceber, não só o que era dito, mas observar os
13
Ver melhor sobre esse assunto nos autores: France (1982), Comolli (1995), Stork (1986),
Govindama (2000), Ramos (1993), Mead (1975).
14
Todas as fotos aqui apresentadas são inéditas e de nossa autoria.
15
A maioria do material coletado está disponível na Escola Estadual Indígena Pedro Poti, para ser
consultado e pesquisado, como também, para ser utilizado em cartilhas, banners, organogramas,
etc. Foram tiradas mais de1500 fotos, além de uma dezena de fitas de vídeos.
21
sobrepõem-se aos da comunidade. As concessões são feitas para uns e não, para
religiosas. Há, por parte de certas lideranças, uma grande preocupação em manter
Viveiro de Castro assevera (2001, p. 31-32): “[...] meu ponto de vista não pode ser
o do nativo, mas o de minha relação com o ponto de vista nativo. O que envolve
22
o de fazer os índios dizerem outra coisa que o que eles pensam, e mais o de insistir
que eles dizem outra coisa que o que nós pensamos” (VIVEIROS DE CASTRO,
2001, p. 3).
análise dicotômica entre as práticas religiosas dos índios puros e dos contaminados
das matas, das águas, das cachoeiras, das furnas, mas também existem os que
professam sua fé no Deus Cristão. O nosso olhar esteve atento para evitar juízo
equivocado das práticas analisadas. Nossa postura não foi de fazer julgamento,
Estabelecemos como meta principal deixar a tese falar a linguagem das práticas
educativo-religiosas Potiguara. Isso parece ser simples, mas não é tão fácil, porque
16
Segundo Viveiros de Castro (2001), ficção aqui consiste em tomar as idéias indígenas como
conceitos, e em extrair dessa decisão suas conseqüências.
23
denominações religiosas.
Optamos por fazer uma narrativa detalhada das práticas religiosas. Para
viajar o ouvinte através da viagem narrada [...] contém em si força ímpar, pois é
pesquisa com densidade também para dados de relatório, até denso demais para
ser lido, por causa de tanta informação com minúcias, à primeira vista,
desnecessárias, mas que, a nosso ver, poderão contribuir de maneira peculiar para
outros estudos.
consultado revela que existem apenas seis trabalhos com maior relevância
etnológica: Amorim, (1970); Azevedo, (1986); Moonem & Maia, (1992); Vieira,
(2001); Magalhães, (2004); Palitot, (2005). Nenhum deles trata com profundidade
Miguel e o Toré, no Dia do Índio, dentre outros aspectos, mas não chegam a fazer
Horácio da Silva (1993), trata da luta pela demarcação da terra da Aldeia Jacaré de
Mór para demarcar suas terras; a antropóloga Terezinha Baumann (1981), em seu
(1988), Maria de Fátima Campelo Brito (1995) e Sidnei Clemente Peres (2004) são
(2000, 2002) têm artigos publicados sobre os índios Potiguara. A produção textual
etnológica vem sendo estimulada nos últimos anos, e diversas produções sobre os
por Rodrigo Grünewald (2004a), têm um artigo sobre o Toré Potiguara. Os autores
17
O autor publicou vários artigos sobre os Potiguara até a década de 1990.
25
fazem um estudo sobre esse ritual, desde suas origens históricas, até toda a sua
onipresente na terra, nas águas, nas furnas, nas cachoeiras, na natureza, na oca,
nos templos, na aldeia, no sol, no cosmos. Segundo Berger (1985, p. 40-41, grifos
perpetuada por meio dos mitos, dos ritos e da memória. São essas três
categorias que irão nortear toda a nossa pesquisa. O nosso olhar acadêmico será
debruçar sobre suas origens. Os índios católicos têm uma devoção especial a
18
É o que Iolanda pretende fazer na sua Monografia de Conclusão de Curso do Terceiro Grau
Indígena da Universidade do Estado do Mato Grosso – UNEMAT, em Barra do Bugres/MT.
26
indígena. São Miguel era um “índio” que virou “santo” e que hoje está em Roma,
Nossa Senhora dos Prazeres, Padroeira da Aldeia Monte-Mór, pois São Miguel é
jurema, e os índios afirmam que hoje ela está em Roma. Os Potiguara evangélicos
não acreditam nessas versões dos parentes católicos, mas, também, não
comum no imaginário Potiguara são os encantos19 (Capítulo III), que têm uma
para o povo indígena. A lembrança de Nilda (set. 2004), de como surgiram a Baía
19
Encantos são os espíritos de luz que se manifestam durante o Toré.
20
Carta escrita por Américo Vespúcio. A transcrição desse documento é encontrada em Almeida
(1996).
27
num tempo „anterior ao tempo em que se vive‟. Sua credibilidade e veracidade são
palavra, relato, mensagem, notícia, história exemplar, por meio do qual o ser
apresenta:
vida, da práxis cotidiana dos povos, delimitam territórios, trazem memórias das
gerações antigas, dos conflitos, das guerras, das desgraças e de tudo o que
relaciona-se com o outro, com a cultura, com a natureza, com a dimensão sagrada
cada geração” (BOFF, 2004a, p. 58). São conhecimentos tidos como verdadeiros
Le Goff (1996, p. 424) observa que, nas sociedades de tradição oral, onde
transmissão dos mitos, pois cada cultura tem sua historicidade, embora o mito e o
rito não se separem, uma vez que o ritual é a própria reatualização da dimensão
Os ritos têm uma proximidade com os mitos porque fazem parte do legado
detalhes, os atos exemplares dos Ancestrais e dos heróis, assim como estes os
executaram em „illo tempore‟” (ELIADE, 1973, p. 78). Através dos ritos, exterioriza-
Nas crenças, nos ritos, nos mitos, na celebração da presença de Deus, está
1990. p. 219).
Segundo Turner (1991 apud VEIGA, 2000), o símbolo é a menor parte que
adverte:
entanto, o símbolo não é o criador da união da harmonia, mas faz com que duas
humano consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o cosmos. Tem
como característica primordial a repetição. “Um gesto que não repetisse algo de
outro gesto... ou que não tivesse nenhum elemento destinado à repetição... poderia
ser um gesto religioso, mas não um rito” (CAZENEUVE, 1958, p. 2). Segundo
integração perdida, a harmonia consigo, com o próximo, com a cultura e com Deus.
(SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 186). São ações de pessoas que acreditam e que
cada pessoa. Assim, dentro de uma cultura determinada, cria um campo simbólico
que possibilita fomentar valores e estabelecer relações. O rito tem como finalidade
O rito atualiza e faz reviver a tradição indígena porque contempla toda a realidade
da etnia. Na verdade, como diz Kroemer (2002, p. 10, grifo nosso), “[...] o mito é
fundador22, de modo tal que efetivamente se realize por meio do „gesto‟ humano
estará mais presente nas práticas educativo-religiosas dos Potiguara uma vez que
21
Segundo Sartore e Triacca (1992), na ritualidade cristã existem duas variáveis históricas culturais:
o que é constante e o que é variável. Dentre o que é constante, podemos citar: a) as palavras e as
coisas – fórmulas sacramentais; b) o ministro ou o presidente do grupo-igreja; c) a estrutura
celebrativa – a leitura das Escrituras é a proclamação da fé no mito fundante, que é Jesus Cristo. Já
entre as variáveis destacam-se: a) as ações gestuais: a linguagem não-verbal; de posição: de pé,
ajoelhados, sentados [...]; de movimento: danças, procissões [...]; b) o dispositivo ecológico:
distribuição e regulamentação do tempo e do espaço, habitar e possuir o espaço pelos protagonistas
rituais em função das seqüências rituais; c) os objetos: vasos, vestimentas, objetos funcionais; d) os
atos de linguagem: o uso diferente de estilos no ler ou no orar: a aclamação, o canto, o brado, a
música [...]; e) os atores: alguns protagonistas particulares dentro do rito: o responsável pelo canto,
quem recebe, os leitores. Os ritos cristãos são complexos e não têm um consenso entre os
estudiosos. Podem ser vistos a partir de três eixos: 1) ritos litúrgicos sacramentais; 2) ritos da
piedade popular; 3) ritos da religiosidade popular.
22
O rito cristão tem como seu „mito fundador‟, em sentido estrito, a morte-ressurreição de Jesus
Cristo.
33
1.5.2 - Memória
Além dos mitos e dos ritos, uma outra categoria que norteará esta pesquisa
sociológica, como Halbwachs (1990); outros seguem a linha histórica, como Le Goff
(1996); ou ainda, como PollaK (1989); há autores importantes que não se pode
esquecer quando o assunto é memória, tais como: Thompson (1992), Bosi (1994) e
necessidades do presente”.
convivências mútuas.
Nossa meta era fazer um estudo sobre as conversas em torno dos rituais sagrados
que acontecem nas aldeias, sem nos debruçarmos sobre as lembranças dos
História”, promovido pela ANPUH/NE23, provocou-nos e nos fez optar por valorizar
a riqueza Potiguara presente nos diversos relatos orais (memórias coletivas), sobre
começaram a fazer referências sobre os lugares sagrados que, até então, não
experiência do entrevistado. Não é à toa que a isso muitos dão o nome de história
diferente porque, estando in loco, tanto o espaço vivido, quanto a dimensão coletiva
23
Associação Nacional de História (ANPUH) Nordeste (NE). Esse evento ocorreu em outubro de
2004, na cidade do Recife/PE.
35
foram expressados de forma muito clara na fala, nos gestos, na emoção e maneira
Quando o ancião Potiguara falava das suas memórias, ele estava trazendo
Ele não estava apenas fazendo referência ao espaço individual, mas também ao
espaço coletivo vivido por ele. Nesse caso, não predominou a carga subjetiva de se
estar falando a partir de uma conversa, como aconteceu com os depoimentos que
nos foram dados no início da pesquisa. Pelo fato de estarmos na Furna, isso
estava, até então, sem ser tocada. Os idosos conheciam os espaços, porém os
demais índios que não os conheciam já tinham estruturas mentais próprias para
acolher aquela nova informação (HALBWACHS, 1990, p. 79). Pelo fato de fazerem
parte da mesma aldeia, eles tinham informações sobre aquele lugar, aquele
espaço.
individuais, mas não se confunde com elas. Qualquer memória que nós tenhamos é
reflete na dimensão das tradições, das diferentes vivências, em tudo que o cerca.
Porém, afirma Elias (1998, p. 7), “[...] o tempo não se deixa, ver, tocar, ouvir,
passado”.
mundo, referenciais que fazem o ser humano protagonista do seu tempo. Para essa
o exemplo de Beethoven. O espaço fixa uma memória que parece ser individual e
mas ele, como indivíduo, aprendeu música, ou seja, criou uma estrutura cognitiva e,
mais que isso, criou uma linguagem e, no momento em que aprendeu essa
linguagem, a linguagem das cifras, das notas, dos compassos, dividiu, naquele
seu tempo. Ele não aprendeu só a linguagem da música, mas aprendeu uma forma
37
musical, que não é só dele (Beethoven), mas de diferentes autores que, naquela
convivência: espaço e tempo que teve, que absorveu e que, surdo, aparentemente
estaria isolado. Mas, como nos explica Halbwachs (1990), se a memória dele fosse
um foro individual, ele estaria isolado. Entretanto não vai estar isolado, vai estar
seu tempo.
mas integrada a todo contexto vivido pelos índios no início do século XXI. Fizemos
artificial, já que retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de
essa preocupação porquanto ela alcançará até onde a memória dos grupos que a
evoluções que se estendem por períodos inteiros: é nesse sentido que ela extrai as
lembranças que subsistem ao tempo. Quanto mais durar a vida humana, mais a
separações que vão ocorrendo. Não se tem a precisão de quando uma memória
coletiva desaparece, uma vez que, ficando alguém do grupo social, ela sempre
chamada “Nova História” (Escola dos Annales24), começa a existir uma mudança na
informa sobre “história”, onde o pesquisador capta a “história”, como nos diz Marc
Tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo quanto fabrica, tudo em que toca, pode
24
Cf. Burke, (1991); Bloch, (1976).
39
como um oceano onde afluem todas as histórias parciais [...] A história pode
p. 85-86). Para o autor, a história vivida não se confunde com história escrita, pois a
primeira se apóia na memória. O passado vivido “tem tudo o que é preciso para
Tinto (CTRT) e a vinda do Serviço de Proteção aos Índios (no início do século XX),
usinas canavieiras e a luta para demarcar o território indígena (da década de 1980
até a atualidade).
para a afirmação étnica dos Potiguara. Segundo Gouveia (2004, p. 151), “[...]
partir dos relatos orais, das lembranças e das narrativas sobre as práticas
trabalho, que foram aqui separados, apenas para se ter uma melhor sistematização
da pesquisa, uma vez que, no cotidiano, o que há é uma circularidade das práticas
religiosas e não essa separação por nós utilizada. Nas considerações finais,
faremos uma síntese das questões axiais, tratadas dentro de um olhar avaliativo e
O Povo Potiguara
42
2 O POVO POTIGUARA
1935).
ocupavam todo o Vale do rio Mamanguape, do litoral até a atual Serra da Raiz (na
Baía da Traição.
2005; GRÜNEWALD, 2001). A cidade ficou assim conhecida, porque foi o local
maneira singular. Segundo episódio narrado por Américo Vespúcio, capitão da nau
25
Existem também diferentes grafias sobre o termo Potiguara: Pitikajara, Potiguar, Pitiguara,
Potyuara, Pitaguary, Potivara, Pitagoar, Buttugaris, Petinguaras, Potygoar, Potyguara. Aqui optamos
por Potiguara porque é o termo mais conhecido e adotado entre os índios.
26
Segundo o professor Pedro, da Aldeia Ibykuara, o termo „terra do caju azedo‟ está incorreto
quando se refere à Baía da Traição. Para Ele, o termo correto seria „terra do cajueiro bravo‟, planta
nativa encontrada facilmente em toda região até os dias atuais.
43
se delas, e, ali mesmo, foi esquartejado e devorado num rito de antropofagia. Esse
fato ficou conhecido como uma traição por parte dos índios com relação aos
século XVI. Segundo Terezinha Baumann (apud. MOONEN; MAIA, 1992, p. 158),
os índios foram rechaçados para “além do rio Paraíba, em direção ao Rio Grande
do Norte, exatamente para a região que ainda hoje ocupam, entre o Mamanguape
e o Camaratuba, que se situa fronteiro aos limites daquele estado”. É a partir desse
Potiguara.
holandeses, no início do século XVII, mostra que 14.000 índios Potiguara eram
Paraíba. A autora relata que, no início do século XVIII, uma Carta Régia
9 de maio de 1703, outra Carta Régia determinava que se construísse uma igreja
27
Um dos maiores inimigos Potiguara foram as doenças trazidas pelos colonizadores europeus no
século XVI, como a gripe, o sarampo, etc., uma poderosa arma de destruição que causou uma
tragédia para a população indígena, na época. A epidemia provocada pelas doenças entre os índios
teve com a devastação no meio ambiente um aliado mortal que quebrou um equilíbrio ecológico
milenar do território latino-americano. O ecossistema que sempre fora equilibrado, servindo de fonte
de espiritualidade e de vida para a população, começou a sofrer uma violenta intervenção humana
com objetivos comerciais, sem a preocupação da preservação da natureza.
44
Segundo Porto Alegre (1998), nas Capitanias do Ceará, Pernambuco, Rio Grande
aldeamento foi marcada por inúmeros conflitos entre índios, religiosos, governantes
(2004b. p. 22)
civilizador dos Potiguara. Segundo Estevão Palitot (2005, p. 20), “Estas instituições
vão ser responsáveis pela conversão dos índios ao cristianismo, pela sua
índios de várias etnias no espaço das missões. “Durante os séculos XVII, XVIII e
XIX, ser caboclo era ser vinculado a um determinado espaço, referenciado pela
Prazeres, a Monte-Mór, e São Miguel à Baía da Traição, tem suas origens nesse
28
Existem várias termos que são utilizados pelos Potiguar, como: caboco, caboco velho, caboco
legítimo, caboco caranguejeiro. Ser caboco é ser índio. Ver melhor sobre essa categoria em Palitot
(2005).
46
e de Monte-Mór, pelo que tudo indica, passaram a ser Vilas e receberam terras em
brasileira é uma medida radical adotada na força legal e nas medidas oficiais de um
de suas terras e dos benefícios que lhes eram garantidos legalmente. Dos antigos
XIX, Cunha (1992, p. 133) afirma que “a questão indígena deixou de ser
do segundo Império, Palitot (2005) afirma que a Lei de Terras, criada em 1850, é
as terras indígenas estão situadas dentro de uma conjuntura que visa criar uma
(ARRUTI, 2001).
terras ameaçadas e apelaram para o Imperador D. Pedro II que, numa das suas
“redoou” aos Potiguara 57.600 ha de suas terras, nas duas sesmarias de São
território tradicional.
29
O território „redoado‟ limitava-se ao Sul com o rio Mamanguape, ao Norte, com o rio Camaratuba,
a Leste, com o Oceano Atlântico e, a Oeste, com uma linha seca um pouco depois da atual Rodovia
Federal BR 101.
48
afirmam em suas pesquisas30 que Justa Araújo morreu antes de terminar a divisão
identificados. Já Monte-Mór, além de ter suas terras divididas, sua população foi
indígenas intransferíveis e não podiam ser vendidas. Mas, então, por que se
descumpria a lei? Porque “os governos provinciais afirmam reiteradamente que não
30
Palitot (2005) traz referência desse engenheiro demarcando terras no Ceará, posteriormente à
demarcação da Sesmaria de Monte-Mór.
49
violentos confrontos de invasão e expropriação das suas terras, e, com elas, suas
Baía da Traição serão palcos decisivos, segundo Palitot (2005), para duas
distintas realidades vividas pelos índios da Paraíba durante todo o século XX: de
Nísia Brasileira, que permanece até hoje. Segundo Estevão Palitot (2005, p. 29),
31
Ver melhor sobre o SPI na Paraíba em Peres (1992) e Palitot (2005).
32
O nosso entendimento é o mesmo de João Pacheco de Oliveira (1988, p. 14, grifos do autor) que
define indianidade: “Em função do reconhecimento de sua condição de índios por parte do
organismo competente, um grupo indígena específico recebe do Estado proteção oficial. A forma
50
memória dos Potiguara daquela localidade por causa das violentas atrocidades,
Lundgren, sobretudo, nas décadas de 1930/40/50, época que ficou conhecida como
religiosas e o lazer da cidade (Cf. PANET et. al, 2002). Palitot (2005), em pesquisa
grupo econômico industrial emergente que contou com o apoio do governo federal,
cenário político, por causa da organização das categorias dos grupos oprimidos,
Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)34. Isso deu uma nova dinâmica à luta
Domingos, liderados pelo Cacique Domingos Barbosa dos Santos, começam uma
difícil luta pela demarcação de suas terras (SILVA, 1993). A mobilização começou
por causa da tentativa de umas famílias índias venderem suas terras para a Usina
Miriri. No ato da venda, foi descoberto que se tratava dos lotes recebidos na divisão
fundiária do século XIX, feita pelo engenheiro Justa Araújo. O impedimento dessa
Mór.
Essa fala de Aníbal, hoje cacique da Aldeia Jaraguá, terá ecos nas
mobilizações e nas ações da luta pela demarcação da tão sonhada terra de Monte-
Mór, que continua até hoje em um processo tramitando na Justiça Federal. Por
34
A última assembléia da APOIME foi realizada na Baía da Traição, no mês de junho de 2005.
Dentre os vários temas discutidos, a terra teve um destaque especial.
53
Miguel. Mas a nova realidade desencadeada em Jacaré de São Domingos faz com
tensão, coragem e ousadia que as famílias dos índios, conhecidos como caboco
indigenista. O mesmo não acontecia, num primeiro momento, com relação a Monte-
realizados, e a área territorial indígena foi ampliada para 7.487 ha, conforme o
Valdemar Paulo Ribeiro, conhecido como seu Vado, adiou as esperanças de verem
35
Hoje, presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal.
55
econômico agrário instalado na região. Um dos sinais mais evidentes das ações
Usina Japungu, que ficam em frente à cidade de Marcação e contíguos com áreas
que já haviam sido retomadas, no ano 2000. A Usina Japungu, desrespeitando uma
parte da usina, chegando até a viajar com vários representantes para Brasília, a fim
36
„Quarteirões‟ de cana que são feitos durante o plantio para facilitar o trabalho da monocultura
açucareira.
56
famílias indígenas que moravam até na década de 1980, quando foram expulsas
pelo usineiro, de acordo com Palitot (2005). As marcas físicas da estrada velha e
dos lugares das casas com seus quintais, a presença imponente de três coqueiros
testemunham a etnicidade
Durante a retomada, todo dia era dançado o Toré. Foi difícil de se conseguir o
que sustentava a luta, aquecia o frio, fortalecia os fracos, unia e reunia os índios
de um povo que tem na espiritualidade o combustível para lutar por seus direitos e
evidenciar a vida.
Aldeia Três Rios, hoje com 55 casas construídas e 36 famílias já residindo, é uma
nova página da história de um povo que luta para ver regularizado o fornecimento
ver seus direitos constitucionais garantidos, embora não admitidos por órgãos
Cacique, Josesí, assim se expressa a esse respeito: “hoje nós estamos formando a
aldeia, mostrando para o povo, o pessoal que passa vê e antes nós não tinha isso.
Pra mim isso é uma vitória” (Aldeia Três Rios, ago. 2005).
para a grande festa de ação de graças, que teve em Lena, esposa do Cacique Bel,
bebidas completaram a fartura em uma das festas mais bem organizadas que
37
A missa foi celebrada pelo Padre Ailson e contou com a animação de um grupo de jovens
músicos da cidade de Marcação. O Cacique Bel (ago. 2005) fez uma abertura com agradecimento a
58
completaram as festividades.
partilha da “eucaristia” do
Foto 09 Apresentação do
grupo Anama-Guaçu (ago. 05) beiju Potiguara, dando um
estavam, traz um sentido político e educacional, vital para a etnia, que tem na
toda comunidade indígena e também “aos vereadores [...], à Vice-Prefeita [...] e a todos os órgãos
que foram convidados: a universidade, o CIMI, a irmã (Juvanete) que teve aqui junto com toda luta
que já fez dois anos de retomada, agora dia quatro”.
38
Estiveram presentes também o Prefeito índio Potiguara do Município de Marcação Paulo Sérgio,
alguns professores da UFPB, os caciques Robinho de Camurupim, Aníbal de Jaraguá, Dedé de
Monte-Mór, Carioca de Estiva Velha, Carlos de Jacaré de São Domingos, lideranças indígenas
como Capitão, Iolanda e Josafá Nenhum representante das igrejas evangélicas e do movimento
carismático compareceu à Aldeia.
59
Domingos, homologada em
localizada no município de
Marcação. A terceira TI
agravando de maneira
nossa terra” (Cacique Bel, Aldeia Três Rios, abr. 2005). Os grupos econômicos se
39
Ao Norte da TI Potiguara, existe uma área com aproximadamente 14 mil hectares, que ficou fora
da primeira demarcação realizada em 1983. Por se tratar de uma terra tradicionalmente ocupada por
índios, garantia que é assegurada pela CF de 88, pode haver futura retomada desse território pelos
Potiguara. A praia de Coqueirinho é uma outra área indígena que, recentemente, foi invadida e
loteada por proprietários que construíram suas casas para veranear.
60
pertencem”.
Aldeias População
Jaraguá 654
Silva de Belém 436
43
Vila Monte-Mór 573
Total 1.663
Quadro 1 População indígena no Município de Rio Tinto
Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara.
(Quadro adaptado de Palitot (2005, p. XL)
Ibykuara (Nova Brasília), Grupiúna, Estiva Velha, Caieira, Jacaré de César, Lagoa
40
Ver maiores informações sobre esse espaço etnográfico em Oliveira Filho (2004), Ribeiro (1986) e
Schettino (2005). Essa região compreende os estados nordestinos da Bahia (Oeste e Norte),
Sergipe, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Paraíba, onde vivem cerca de 50 povos indígenas.
41
Esses números resultam do cruzamento de dados demográficos da FUNAI com os do Distrito
Sanitário Especial Indígena – (DSEI) Potiguara da FUNASA, feitos em 2004.
42
Ver, em anexo, gráfico com a divisão populacional Potiguara.
43
Peres (2004) dá uma estatística de 1.231 habitantes.
61
Aldeias População
Brejinho 232
Caieira 268
Camurupim 577
Estiva Velha 308
Grupiúna 275
Jacaré de César 338
Jacaré de São Domingos 410
Lagoa Grande 363
Ibykuara (Nova Brasília) 268
Tramataia 752
Três Rios/Marcação 1.110
Total 4.901
Quadro 2 População indígena no Município de Marcação
Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara
(Adaptado de Palitot (2005, p. XL)
Tracoeiras, Laranjeiras, Santa Rita, Silva, Cumaru, Forte, Galego, São Miguel e
São Francisco.
Aldeias População
Akajutibiró 247
Bento 37
Cumaru 235
Forte 462
Galego 598
Lagoa do Mato 55
Laranjeira 201
Santa Rita 189
São Francisco 906
São Miguel 865
Silva 201
Tracoeira 148
Zona Urbana/cidade 1.407
Total 5.551
Quadro 3 População indígena no Município de Baía da Traição
Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara
(Adaptado de Palitot (2005, p. XL)
povoados que não têm oficialmente um líder local, mas são assistidos pelo cacique
da aldeia mais próxima. São eles: Benfica, Sarrambi, Vau, Regina, Nova
(2005) tem esse mesmo entendimento e não considera os pequenos povoados sem
a presença „oficial‟ de um cacique local como aldeias. Vieira (2001) considera todos
os povoados como aldeias. Há um grande número de índios que vivem fora da área
homem mas, em muitos casos, a mulher assume essa atribuição. Nas últimas
surgiram, quase todas constituídas a partir de uma família que decide morar numa
área sem nenhuma vizinhança. Com o passar dos anos, esse embrião vai
e Lagoa do Mato são exemplos recentes dessa realidade. Também pode ocorrer
da retomada do território invadido pelo usineiro, como é o caso da aldeia Três Rios.
que não era mais conhecido nas aldeias, atualmente está sendo ensinado nos
cristãs, como o Pai Nosso, e vários cantos do Toré fazem parte de uma nova
44
O Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Mulher Indígena foi a entidade responsável por
trazer o professor Eduardo Navarro para junto dos Potiguara. Palitot (2005) dá mais informações
sobre o tema.
45
O “tupi antigo”, que está sendo ensinado aos Potiguara, é que foi traduzido pelos Jesuítas na
época dos aldeamentos.
63
linguagem que, cada vez mais, constitui um sinal diacrítico muito expressivo de
ponta do amor46, próximas dos recifes naturais; existem aquelas que estão
e vales que se entrelaçam por chapadas com poucas elevações, cobertas com
46
Ponta do amor é como é conhecida essa ponta, na área indígena.
64
Potiguara, formadas
Foto 18 Rio Jacaré (jan. 05) do Silva. Não se pode esquecer também de várias
Mato. Nas últimas décadas, a ação humana, sobretudo dos usineiros, tem poluído
47
Local onde o leito do rio fica cheio durante a maré alta e seca com o refluxo do mar.
65
do litoral pesca na maré de forma muito artesanal. Existem índios que são donos de
barcos pesqueiros, mas a grande maioria vende sua força de trabalho em barcos
nova (fina), como: sucupira, gororoba, ibiriba, pau d'arco (ipê), imbira, cocão, carne
peroba, sapucaia, joão mole, pau candeia, pau sangue, capeira, oiti, etc. Também é
do Rio Vermelho, jan. 2005), são: tatu, preguiça, macaco, cutia, tejuaçu, timbu,
quati, paca, nambu, juriti, galega, jacu, sabiá, pavão do mato, uru, chorão,
Mas, de maneira geral, o meio ambiente está muito afetado pela ação do
deixa secar, e em seguida, faz-se a queimada. Existem roçados que são arados e
48
No tempo da colheita, semanalmente toda produção é vendida na aldeia, para um atravessador,
por um valor bem abaixo do mercado.
67
Próximo das residências nos quintais das casas existem muitas árvores
frutíferas como manga, jaca, banana, coco, caju, goiaba etc. Também é possível
nos terreiros das casas ou no seu entorno. Nas encostas dos mangues e dos rios,
no quintal das casas, a criação de galinha, pato, guiné e peru. Em quase todas as
idosos.
administrado por três legislaturas consecutivas, entre 1992 e 2004, por executivos
educativo-religiosas.
68
(2005a, p. 139), “A sociedade atual procura isolar-se do mundo dos pobres e definir
saúde, mas ainda são muito tímidas as iniciativas para contemplar toda a área
índio Edvaldo49 (João Pessoa, mar. 2002), “o médico atende às pessoas pela cara,
49
Ordenado em dezembro de 2000, padre Edvaldo atualmente é o pároco da cidade de Mogeiro/PB.
69
3.480 alunos/jovens e adultos. O corpo docente, para suprir toda essa demanda,
e a outra, na aldeia São Francisco - Escola Pedro Poti. Essas duas escolas
matriculados, o que revela que 1.021 discentes freqüentam escolas nas cidades da
das Aldeias de Lagoa do Mato, Galego, Forte, Cumaru, Tracoeira, Laranjeira, São
Francisco e Santa Rita. Um grande número de mais de 200 estudantes índios, para
continuar seus estudos, precisam se deslocar para as Escolas de Ensino Médio das
50
A maioria está fazendo o Curso de Pedagogia em Regime Especial, pela Universidade do Vale do
Acaraú (UVA), na cidade de Mamanguape/PB. Um grupo estuda todas as noites na UFPB, em João
Pessoa, fazendo o Programa de Estudo Complementar (PEC), modalidade só para professores que
estão em sala de aula. A educadora Yolanda já concluiu o curso da UVA e faz um Curso de Terceiro
Grau Indígena na UNEMAT, que é realizado no período de férias: janeiro e julho. Recentemente, um
grupo de professores foi capacitado para ministrar o ensino da língua tupi antigo, na primeira fase do
Ensino Fundamental.
70
Educação Escolar Indígena desde 2002, com representação dos professores, das
educação indígena.
educacionais na área indígena vão acontecendo, e ganhos, nos últimos anos, vêm
51
Em Julho de 2004, por ocasião do Seminário sobre “Políticas de Educação Escolar Indígena”,
estiveram presentes representações do Ministério da Educação e Cultura (MEC), das Universidades
públicas da Paraíba, UFPB, Centro Federal de Educação Tecnológica/ PB (CEFET), Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Secretaria de
71
(OPIP). Atualmente existe uma outra conjuntura educacional e, com o apoio dos
pais e da OPIP, vai-se fortalecendo cada vez mais uma nova política educacional
sendo dificultados pela SEDUC, continuam fazendo parte de uma nova realidade
Grunewal.
problemas que hoje estão acontecendo com o povo Potiguara e que culminaram
com várias apresentações dos discentes para toda a população presente, durante
protagonizaram diversas atividades culturais, tendo o Toré como eixo central que
alimentava as apresentações.
mandato. Alguém pode ficar na função por vários anos ou por apenas alguns dias.
índios.
Educação e Cultura da Paraíba e das Secretarias Municipais de Rio Tinto, Marcação e Baía da
Traição, da FUNAI e de outros povos com experiências educacionais mais sistematizadas. O
CEFET sinalizou a possibilidade de criação de um curso de Recursos Naturais para os indígenas.
72
por aclamação; e por votação não secreta. Cada índio fala em voz alta seu voto
para um outro candidato; pode ser também por votação secreta. Cada eleitor
deposita seu voto numa urna. A comissão das eleições faz a contagem dos votos e
apresenta o resultado do pleito para a aldeia. Nem sempre os resultados das urnas
eleita de lidar com seus pares vai acomodando ou não as arestas e as divergências
gerais do seu povo. Atualmente, a Aldeia Silva de Belém é liderada por Dona Maria
índios.
porque existe toda uma astúcia na hora de falar em nome do povo Potiguara,
favor. Por ter uma base de apoio interno relevante de parentes e de caciques, em
várias aldeias, mantém uma boa relação com o órgão indigenista e conhece
fundamentais que representam uma imagem pública da etnia face aos outros
porque ele tem uma imagem de representação a criar para os não-índios quando
fala nos meios de comunicação, nas conferências, nas universidades etc. Essa é
uma dimensão prática que não é intrínseca ao povo indígena, mas que é interativa
Não é qualquer pessoa que pode ir para esse espaço público, uma vez que
ela passa a imagem do índio, que é a imagem ideológica das aspirações que eles
têm da etnia. É preciso preservar uma imagem positiva e, pela eloqüência, construir
representações daquilo que ele quer dizer sobre o seu povo, para o não-índio. E
isso Caboquinho faz muito bem devido ao talento para criar e ao dom da oratória,
o que não interessa ser revelado. E isso é uma prática. É evidente que existem as
pública, sobretudo, quando vai ajudar a modelar a imagem dos seus antepassados.
momento, um processo que precisa ser bem aprimorado e muito bem articulado
com sabedoria.
76
Potiguara, cujo legado é muito rico e vai sendo lembrado pelos anciãos e
que envolve lugares sagrados da natureza2: terra, mata, água, furna; lugares
sagrados construídos pelos próprios índios: oca, casa, igreja, cemitério, escola e
sagrados, afirma que: “Os mais velhos creava nessas coisas: a natureza, o
sol, no raio, na água, nas matas”. Segundo Berger (1985, p. 38, grifo nosso), a
qualidade sagrado,
1
Temos a mesma concepção de Nobert Elias (1980, P. 142): “Por configuração, entendemos o
padrão mutável criado pelo conjunto dos jogadores – não só pelos seus intelectos, mas pelo que
eles são no seu todo, a totalidade das suas ações nas relações que sustentam uns com os outros.
Podemos ver que esta configuração forma um entrançado flexível de tensões. A interdependência
dos jogadores, que é uma condição prévia para que formem um configuração, pode ser uma
interdependência de aliados ou de adversários”.
2
Compartilhamos com a mesma concepção de Boff (2004a, p. 114), com relação à natureza, por
entendermos como “[...] o conjunto dos seres orgânicos e inorgânicos, as energias e os campos
energéticos e morfogenéticos que existem organizados em sistemas dentro de outros sistemas
maiores, sejam ou não afetados pela intervenção humana, constituindo um todo orgânico, dinâmico
e em busca de um equilíbrio. O ser humano é parte e parcela da natureza e entretém com ela uma
sofisticada rede de relações, fazendo com que ele co-pilote o processo de evolução junto com as
forças diretivas da Terra”.
77
como o clássico Rudolfo Otto (1917), que define em duas palavras esse fenômeno:
a primeira é a que produz tremedum, que quer dizer: o que nos leva a tremer pela
isso nos leva a fugir por ter uma intensidade que amedronta; a segunda produz o
fascinosum, que quer dizer o que fascina e atrai a pessoa como um imã
Leonardo Boff (2004b, p. 162), o sagrado “[...] é como o Sol: sua luz nos arrebata e
olhar e a fugir ao abrigo de uma sombra porque pode nos cegar e queimar
(tremendum)”. O autor faz uma referência mais específica aos povos originários,
dizendo:
fecundas com toda seiva espiritual do Deus Tupã, da mãe natureza, da mãe terra e
pesquisa, diante das entrevistas realizadas e demais dados coletados, optamos por
lugar onde moram os espíritos indígenas; 3) águas: fonte indígena de vida biológica
lugares de encantos.
3.1 Terra
Foto 27 Terra Potiguara (abr. 05) grifo nosso)) nos apresenta uma
imagem, mostrando que a chuva “[...] é „esperma dos deuses‟ que desce para
fecundar a terra e produzir vida”. A terra é a razão de ser do povo indígena. O índio
precisa da terra para ter saúde, educação, moradia, roçado, lugar de fazer seus
rituais sagrados, enfim, é condição essencial da etnia. A terra é igual a índio; sem a
terra o índio não vive! (PALITOT 2005; OLIVEIRA FILHO, 2004b; GRÜNEWALD,
3
Segundo Boff, no período neolítico, a terra, junto com o céu, é uma parte da realidade.
“Representa a Grande Mãe (Magna Mater, Bona Mater) aqui embaixo, esposa do Grande Pai, lá em
cima no céu. Como toda mãe humana, ela gera, nutre, defende e continuamente dá vida. Sempre se
compõe e contrapõe à outra parte do todo, ao Pai do Céu (Pater Coelorum). Do casamento entre o
céu e a terra se originam todas as coisas. O céu representa o princípio masculino, o sêmem, a
semente e o elemento organizador. A terra, o princípio feminino, o útero que recebe o sêmem, o
elemento acolhedor” (BOFF, 2004a, p. 63).
79
Potiguara. O contato com o pé no chão gera uma integração do índio com a terra e
com os espíritos. “Todo Toré é dançado com o pé na mãe terra. Ninguém dança
calçado não. Todo mundo tem que dançar com o pé no chão, sentindo a mãe terra”
(Pedro Ka‟aguassú, jun. 2003). Nesse instante, uma invisível energia contagia os
“Quando saímos para o ritual, nós temos que pedir força à natureza. A gente
entrega a vida das pessoas à mãe natureza. É a natureza que vai manobrar tudo”
(Cacique Djalma, dez. 2004). A grande anfitriã acolhe cada índio nas suas
Toré, o contato com a mãe terra me faz arrepiar todinho. Fico todo arrepiado!” (dez.
2004), concluiu Josafá. A energia do Toré que emana da natureza traz renovação
A mãe terra é lugar sagrado e apresenta sinais vitais que são percebidos
somente por quem está atento e escuta os segredos da natureza. “Pra os mais
velhos, a terra significava coisa de muito poder, infinito poder. Só vê isso quem tem
o espírito limpo, quem é puro de coração” (NILDA, set. 2004, grifo nosso). Essa
“quando o arco-íris sai na boca da barra é uma experiência de muita chuva, pode
esperar”. O Cacique Bel (jan. de 2005) complementa essa temática, falando sobre
as experiências dos animais: “o sapo é o bicho mais cientista que tem. A semana
passada eles estavam cantando e eu disse: vai chover, como de fato choveu. O
rapa-coco (gia verde) aquele jeito que ela faz, é chuva na certa”. Segundo Nilda
(set. 2003, grifo nosso), “os animais são os olhos da natureza”. O canto de um
descrevem como uma índia que é do bem, um espírito de luz, mas quer respeito
para não atrapalhar a vida de ninguém porque a natureza também exige ser
respeitada.
4
Também conhecida como caapora ou caipora.
81
respeite ela. Ela quer respeito, a natureza quer respeito (NILDA, set.
2004).
A mãe terra abriga animais como a cobra grande, da Grota do Aratu que,
segundo Seu Marcelino (nov. 2004), “ninguém até hoje teve coragem de atirar
acrescenta que essa cobra é cobra de encanto. “Mãe pegou nessa Cobra do Aratu,
pensando que era uma outra coisa. É cobra de encanto, não é todo mundo que vê
discretamente. Dona Maria da Aldeia do Forte, muitas vezes, sem que as pessoas
de casa fiquem sabendo, sai para os matos para esse contato direto com a
divindade. Segundo a sua filha, Iolanda, ela “inventa que vai comprar alguma coisa
na cidade, para não ficar dando explicações pra ninguém. Em algumas ocasiões,
leva consigo um neto para fazer a iniciação junto à mãe terra” (Dona Maria Gomes,
mar. 2003). O contato com a natureza renova a vida biológica e espiritual indígena.
82
pessoas que querem enriquecimento rápido. Isso fere esse lugar sagrado porque
está havendo uma inversão do epicentro da vida para o do lucro. O nosso objetivo,
nesse estudo, não é fazer uma análise dos conflitos históricos nem dos impactos
ambientais que a terra Potiguara vem sofrendo constantemente por causa das
que são detonados contra ela. O que queremos averiguar é a problemática do mau
bens da União: [...] as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” (CF 88, Art.
20, XI), e reconhece aos índios a posse e o usufruto exclusivo do solo, dos lagos e
dos rios nelas existentes. “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes” (CF 88, Art. 231, 2).
Paraíba, no início dos anos 1990, convocou a Associação dos Plantadores de Cana
retirada deles do território5 Potiguara. Porém existe uma herança negativa, difícil de
início dos anos 1980, a FUNAI incentivava a plantação de cana dentro do território
5
Todo esse encaminhamento foi acompanhado pelo Ministério Público, e tudo ocorreu dentro do
prazo estabelecido.
83
indígena. Muitas das lideranças, que são caciques atualmente, repassavam nas
aldeias as ínfimas quantias que os usineiros pagavam pelo uso da terra (MOONEN;
MAIA, 2002).
pelos caciques (VIEIRA 2004), davam para o(a) Santo(a) uma quantia significativa,
contra índio.
por outros motivos, como o de que não existem outros meios de sobrevivência 7,
De acordo com o Sr. Petrônio (Aldeia São Francisco, dez. 2004), administrador da
FUNAI na Paraíba, “[...] o arrendamento não é mais a FUNAI que coordena, nem
estimula, nem manda fazer. Agora são algumas lideranças que fazem isso em nome do
povo e se a gente da FUNAI fosse correr atrás disso ia colocar os caciques nas cadeias”.
A terra está deixando de ser local sagrado para ser campo de disputas
incutindo no índio uma outra maneira de pensar, criando no seu imaginário o sonho
6
São muitas as histórias contadas pelos índios, sobre ofertas de bois e de bebidas doadas, por
exemplo, na época das festas juninas e fim de ano.
7
Com o arrendamento de cana, o índio recebe uma quantia muito pequena que “só serve para
comprar roupa nova no final do ano. Será que as pessoas que recebem um trocado no final do ano
sobrevivem o ano todo com aquela mixaria?” (Petrônio Machado Cavalcanti Filho - Administrador da
FUNAI na Paraíba, Aldeia São Francisco, dez. 2004).
84
de possuir bens para o seu conforto de maneira fácil. Segundo Nilda (set. 2004, grifo
nosso), a terra passa a ser sacrificada por causa dessa mudança de atitude dos
parentes.
vêm causando uma grande divisão no grupo tradicional do Toré Potiguara da Aldeia
tocadores não reconhecem mais a liderança do cacique e nem tocam onde ele
estiver presente. Os membros que hoje estão divididos são os mesmos que, por
“tradicional” por ser São Francisco o lugar que, por vários anos, era a única Aldeia
onde se dançava o ritual sagrado Potiguara. Por causa das desavenças, o único
Eu nasci e me criei aí dentro, minha mãe é era índia, [...] O que eu fiz
pro Djalma, não existe quem faça não. Naquele tempo das
procissão, nós cansemos de encher aquela calçada da igreja (São
Francisco), de fruta, coco verde, laranja, cacho de banana. Até para
Brasília, Rio de Janeiro eu viajava mais ele. Si nóis ia tirar auxílio, na
Baía, olha a mochila de dinheiro. Quando ele ia contar o dinheiro,
colocava as moedas por um canto a notas pro outro. Era seiscentos,
setecentos conto. Repare quanta ajuda eu dei, e ele não agradecer
isso rapaz. Em tudo eu tava presente. Até aí eu era índio, ta
entendendo? A partir do momento que tomou partido aí ele começa a
desconsiderar. Como é que pode uma coisa dessa? A pessoa
conviveu toda a vida com a pessoa, aí depois despreza. A festa se
85
acabou por causa disso. Eu não queria ir pro lado dele, aí ele chegou
e fez essa comigo! E disse que eu não era índio, ia rasgar o título lá
da FUNAI! Os terrenos que eu botava roça, eles cortaram tudinho e
plantaram cana. Eu disse: homem, eu vou sair daqui! O Djalma é um
caso sério! (Zé Bitu, Aldeia São Francisco, dez. 2004).
relação à mãe terra: enquanto os índios das Aldeias de Três Rios, em Monte-Mór,
é aliado? Essa pergunta não é fácil de ser respondida porque a realidade nas
caciques não têm uma unidade de ação conjunta para acabar com essa prática
3.1.2 Mudanças
para dar respostas efetivas contra essa prática mortífera que está sendo imposta à
mãe terra. Em dezembro de 2004, no primeiro encontro dos jovens Potiguara, com
86
conscientes em lutar, dando, se necessário, até a própria vida, para reverter essa
vida vegetal e animal. O ser humano sofre conseqüências diretas e imediatas com
8
Esse foi o encontro em que, durante todo o período da pesquisa (2002-2005), percebemos a maior
concentração de representantes das aldeias. Nem nas grandes assembléias e celebrações
encontramos delegações de tantas aldeias.
9
Para não ficar uma leitura cansativa da longa da fala do cacique, fizemos algumas considerações,
deixando o texto mais leve.
87
posição adotada pelo órgão indigenista da Paraíba, de não tomar uma posição
terra, realizado com bravura e heroísmo, uma vez que contraria até a determinação
Três Rios, mostram que, com união, expulsa-se até o inimigo. A única certeza dos
anunciar que a mãe terra é lugar sagrado onde eles realizam seus rituais e
3.2 Matas
também pelo Cacique Djalma, quando diz que “as matas são onde os ancestrais
vivem lá dentro”. A etnia Potiguara tem a convicção do valor sagrado presente nas
matas. Nas várias oportunidades em que estivemos nas matas junto com caciques,
campo, sempre nos foi confirmada essa convicção desse lugar sagrado de maneira
muito incisiva.
2004; SILVA, 2002). Entre os Potiguara, não existe a prática coletiva, mas as matas
são lugares de rituais sagrados feitos pelos índios individualmente ou por pequenos
grupos da mesma família. O exemplo citado pelo Cacique Djalma (dez. 2004)
anciãos, a lembrança das inúmeras matas que cobriam todo o território indígena. O
Cacique Néo (dez. 2004), falando para mais de uma centena de jovens Potiguara,
perto. Muitas e muitas coisas, muitas histórias que a gente ouve, era
verdade; nós saíamos de São Miguel para Estiva Velha, a pé essa
hora (meio dia), nesse tempo (sol forte) e não tínhamos complicação
nenhuma, porque era mata fechada.
Conversamos com vários anciãos para, finalmente, descobrirmos todas elas, que
são as seguintes: Imbira, Jardim, Camaleão, Gurubu, Aratu, Pedra Preta, Chico
Tavares, Piabuçu, Funda, Lagoa dos Patos, 18 Bocas, Escura, Guagiru, João Vito,
Lagoinha, Barro Duro, Carro Quebrado, Cazuzinha, Praiá, além dos baixios dos
aproveitando-se das colocações feitas pelo Cacique, faz reflexões sobre o poder
vai até as matas e lá permanece por algumas horas. "Para se purificar, eu vou para
10
Depoimento revelado em dezembro de 2004, na aldeia São Francisco.
91
árvores e pelo vento" (jan. 2005). Os espíritos indígenas não vivem no meio das
Segundo a ONU (GADOTTI 2000), atualmente o mundo conta com apenas 7% das
matas que existiam e, cada dia, cresce mais a ameaça de sua devastação.
permanente para combater esse tipo de crime ambiental. O IBAMA não tem feito
essa prática fatal para seu povo, mas ainda não aconteceram as mudanças efetivas
para eliminar esses antigos hábitos arraigados nos parentes e não há um trabalho
de fiscalização dos índios em cada aldeia, embora uma das atribuições das
lideranças seja preservar o meio ambiente. Há uma omissão por parte das igrejas
a devastação das matas traz para o meio ambiente, para a etnia, para a
com o objetivo de reverter essa realidade, que está matando o lugar sagrado onde
Das matas, são retirados raízes, troncos, galhos, cascas, folhas, flores e
futuro. Bom mesmo são as mesinhas que a gente faz em casa. Tem coisa espiritual
que só se resolve no meio dos matos” (Dona Joana, Aldeia São Francisco, set.
2004).
mastro, que é colocado na frente das igrejas católicas no período das festas dos
padroeiros, a lenha utilizada nas fogueiras (Betel – final do ano; católicos – sábado
de páscoa). A imagem de Nossa Senhora dos Prazeres foi encontrada num tronco
mudanças que acontecem com algumas plantas, códigos naturais que podem
ajudar nas decisões que precisam ser tomadas para continuar o espetáculo da vida
dentro da etnia. Seu Pedro Máximo (Aldeia Monte-Mór, jan. 2005) revela que,
tudo o que é ruim em energia vital. Quanto mais o índio penetra na natureza, mais
solidifica e fortalece sua aliança sagrada com a mãe natureza. A sinfonia dos
atmosfera espiritual dos ancestrais, dos encantos e dos espíritos de luz, renovam e
purificam suas vidas. As matas são a garantia da circulação da água doce, não só
11
Segundo Brandão, entre os guaranis, as florestas nem sempre foram local místico e de religião.
“Somente depois de submetidos ao poder colonial da Conquista, conduzidos contra a vontade à
redução ou à encomenda, é que os guaranis transformaram um lugar conhecido da natureza – a
floresta – em um local desejado da religião: uma terra desconhecida, mas simbolicamente real, livre,
além de tudo e mais do que tudo, dos poderes da presença maléfica dos homens brancos. Assim, a
terra sem brancos, lugar ancestral de caça, passa a ser o lugar místico da negação de todos os
males, a começar pelo mal da morte” (BRANDÃO, 1994, p. 291).
94
3.3 Águas
O povo Pitikajara (Potiguara), senhores dos vales, tem na água a sua fonte
de criação uma vez que é gerado numa bolha de água, dentro de uma bolsa com
líquido amniótico no ventre da mãe. O ser humano é 70% água, o planeta tem 70%
pois, segundo Soares (apud BARROS, 2004, p. 14), “[...] as águas são nossa
matriz, nascemos das águas. O mundo brota das águas, são elas a fonte da
12
Dados das pesquisas recentes da ONU revelam que, nas últimas cinco décadas, houve uma
redução de mais de 60% da água doce disponível do planeta. O estresse hídrico já é uma realidade
para mais de um bilhão de seres humanos que vivem com menos de dois litros de água potável. Os
Potiguara vivem num paraíso aquático abundante, que precisa cuidados para não acabar com “ouro
azul” nas próximas décadas.
13
Depoimento dado no vídeo Pitikajara: senhores dos vales, de Tetônio Roque, produzido pela
Usina de Filmes, 1992, grifo nosso.
95
criação, é por elas que vem „voando‟ o sopro de Deus”. Tudo lembra água, vem da
água porque água, assim como a terra, é seiva da vida para a etnia e para a
humanidade. O teólogo Marcelo Barros (2005a) nos traz uma bela imagem que
quando os anciãos índios Potiguara fazem memória de seus rituais sagrados. Nas
pela sua transformação em lugar de muito poder espiritual. Nesse sentido, Marcelo
Barros (2004, p. 178-179) afirma que “[...] devemos lidar com a terra e com a água,
como vasos sagrados do templo cósmico de Deus. [...] Mantendo com ela uma
aquela energia vital. "O silêncio da mata, o barulho da água, a zoada da cachoeira
fortalece o espírito", segundo o Pajé Zé Espinho (jan. 2005). Nem todos os índios
respeito pela mãe d‟água, uma jovem índia, espírito de luz, grande aliada da
natureza.
exercitado e, muito menos, revelado. Isso porque a tradição deixada pelos antigos
geração. As igrejas cristãs condenam essa prática, afirmando que o Espírito Santo
enviado por Jesus Cristo é quem salva. A presença do cristianismo tem deixado a
14
Souza (2004), referindo-se a essa temática, faz semelhantes comentários sobre o povo Xukuru.
98
Santo. Os índios que têm mediunidade religiosa no universo sagrado Potiguara não
são bem vistos nem bem aceitos na esfera eclesial cristã. O Cacique Aníbal (Aldeia
Monte-Mór, jan. 2005) afirma: “sempre vou para igreja, mas eles não vêem com
muitas vezes, familiares da mesma casa. Isso dificulta a prática dos ensinamentos
deixados pelos antigos. São poucos os índios que conseguem vencer essa barreira
doutrina cristã.
culpa e pecado, sem ser perseguido, desprezado e condenado. Isso, a curto prazo,
não muda a conduta dos índios, mas a médio e a longo prazo poderá ser decisivo
para a aldeia ter maioridade para beber dessa fonte da ancestralidade. Uma índia,
já avó, da Aldeia de São Francisco, que não quis ser identificada, justamente por
temer a repressão de seus pares, afirmou que “não existe coisa pior do que ser
condenado. O senhor sabe o que é ser condenado? A gente não pode falar disso
pra todo mundo não, professor. Deus que me livre!” E terminou dando um forte
suspiro.
99
Por outro lado, as igrejas cristãs, ao utilizarem elementos naturais nas suas
filhos de Deus nas águas de um rio, assim como os cristãos se apropriam desse
pessoas mais velhas, têm o hábito de pedir licença para os espíritos, antes de
entrar na água.
(POMPA, 2003). O exemplo que aconteceu com a filha de Dona Joana (Aldeia São
Francisco, dez. 2004) exemplifica a conduta religiosa dos índios em relação às coisas
sagradas da natureza:
Um dia minha filha foi para o rio lavar roupa e não se benzeu (pediu
permissão aos espíritos) antes de entrar na água. Só deu tempo
para chegar em casa e começou uma dor no estômago muito forte.
Eu pedi ajuda a Deus, mas foi preciso chamar a ambulância e
internar no hospital em João Pessoa. Ficou dois dias internada e
cada dia piorava mais. Eu sentia que o remédio não fazia nenhum
efeito e até eu comecei a passar mal. Cheguei e disse para o doutor
que aquilo não era coisa de doutor não e que tinha que ser resolvido
em casa. Chamei a ambulância e levei direto para a oca da Pajé.
15
Os católicos também se utilizam desse mesmo simbolismo para realizar o batismo, jogando água
da cabeça no novo membro, só que isso é feito no templo.
100
ensinamentos das práticas cristãs como dos espíritos da natureza. Dona Joana
espiritual dos “parentes” para trazer a vida para a filha que estava perturbada. Os
terapêuticos (SOUZA, 2004). Não existe uma rigidez nem contradição nos
Potiguara em participar das práticas cristãs e dos rituais nas matas, nas cachoeiras
capaz de colocar-se diante do branco” (BRANDÃO, 1994, p. 310). Para o índio que
(Aldeia Três Rios, ago. 2003). A terra, a água, as matas são riquezas culturais,
humanidade.
3.4 Furnas
16
A jurema é um arbusto que é encontrado no litoral, mas é típico do agreste e caatinga nordestina.
“A „jurema‟, como uma árvore sagrada, detém toda uma mística e ganha todo um simbolismo
resultante das representações que porta. Representações essas geradas pelos grupos indígenas,
difundidas e repensadas nos cultos afro-brasileiros” (ALBUQUERQUE, 2002, p. 177). Para ver
melhor sobre o tema jurema, consultar também Mota e Barros (2002), Grünewald (2002);
Nascimento (1994), Albuquerque (2005).
102
Faz uns dez anos e morava uma tia, tia do meu pai, tia de quase
todo mundo aqui. E quando ela morreu a essa hora assim (21 h) a
gente estava ali sentada. Era muita gente. Aí a gente estava sentava
103
Dona Severina, segundo seu Zé Bitu (Aldeia São Francisco, dez. 2004),
[...] era uma índia que tinha correntes espirituais com os seus
ancestrais e, no dia da sua morte, toda a nação estava ali presente,
junto a ela. Ela tomava conta da igreja, puxava o Toré, muito
respeitada dentro e fora da aldeia. Naquele tempo, o negócio tudo
era com ela.
Furna do Capim. Planejamos uma ida até esses locais, com um grupo indígena
formado por dois anciãos, quatro professoras, seis jovens e fizemos uma
conhecida como mãinha, propõe uma oração e, em seguida, faz seu comentário
porque, atualmente, o local fica numa área fora da demarcação, feita em 1983, da
sagrado criou nele um grande desejo de fazer o ritual de seu reconhecimento oficial
como Pajé para toda a sociedade, nesse lugar sagrado. Durante todo o tempo em
cada detalhe minuciosamente. Num primeiro momento, faz um ritual com cachimbo,
envolvendo seus filhos, e depois propõem um momento solene com todos nós que
estávamos naquele espaço sagrado. Entremeando sua fala com o som do maracá
Esse lugar aqui é muito lindo. Foi um lugar que Deus reservou, Deus
Tupã reservou pro seus filhos que são os índios. Deixou também
para os animais, pássaros, ficou também para guardar, o espírito dos
seus filhos que já se foram, guardar, a essência da beleza da
natureza, e também o brilho do olhar, dos animais e de seus mais
diversos amigos e aliados (Furna do Capim, jan. 2005).
maracá na mão, parecia estar cantando com uma legião de vozes que
proclamavam:
espaço que Deus nos reservou! Obrigado também pela natureza. Muito obrigado,
muito obrigado, muito obrigado”. A saudação final, várias vezes repetida, ao som
tempo parecia ser esperada. O Cacique Bel e seu Vice Josesí também fazem seus
agradecimentos.
são mais conhecidas, e outras estão sendo apresentadas para os índios mais
novos, pelos anciãos que já haviam freqüentado esses patrimônios sagrados nas
décadas passadas. Por muito tempo esses lugares ficaram sem que ninguém os
freqüentasse. Numa conversa que tivemos com o Cacique Djalma (dez. 2005)
sobre a furna das 18 Bocas, sua reação imediata foi: “professor, vamos conhecer e
fazer um Toré na furna”. As furnas têm essa atração pelo ritual além de todo
simbolismo sagrado.
3.5 Ocas
Foto 43 Oca - Aldeia Monte-Mór (jan. 05) sagrado indígena onde são realizadas
Para ser construída, a oca precisa de toda uma preparação, desde o local,
oca pode ser idealizada para o uso mais restrito da família e dos parentes, como
Quando a oca é coletiva, desde a sua construção, tudo vai sendo marcado
patrimônio coletivo; é o lugar coletivo por excelência. Assim, a oca torna-se o lugar
visitantes.
início da retomada, em agosto de 2003, está marcada pelas noites e pelos dias em
que a comunidade esteve junta, unida para reconquistar a terra. Tudo nessa aldeia
central da Aldeia. Cada vez mais, configura-se como lugar de rituais cristãos e do
Toré.
desse momento celebrativo de uma aldeia que renasceu com a retomada da terra.
108
Foi a primeira vez que a aldeia realizou o ritual na Semana do Índio. Nos anos
o Deus, para educar o filho na fé católica, no dia do batizado, durante a missa que
todos os rituais. Quando se dança Toré nos lugares onde existem igrejas, o ritual é
estrategicamente plantada para unificar e fortalecer o povo para lutar pelos seus
É o lugar sagrado da realização do Toré. Foi em torno da oca que se iniciou toda a
religiosos da aldeia. A oca será o local onde as pessoas irão se reunir para a
fabricação do artesanato.
formam uma harmonia, um conjunto de elementos que têm uma comunicação com
arte. A idéia vai sendo vagarosamente criada e talhada no traquejo de cada gesto,
Jaraguá. Segundo Samuel, Cacique de Lagoa Grande, a oca será o local para
especial, cuidadosamente orientado pela sua avó, uma anciã que está lhe
espiritualidade Potiguara. “Vou batizar meu filho. Será o primeiro índio da aldeia a
ser batizado, seguindo a tradição dos antigos”, afirma o Cacique Aníbal (jan. 2005).
Uma releitura das práticas religiosas pode ser feita nessas aldeias onde se
tem ou terão as ocas coletivas, uma vez que a oca começa a se tornar o lugar de
Aqui não, é o próprio cacique que está sendo orientado para reafirmar a identidade
Jaraguá, Ibykuara, Lagoa Grande e Três Rios é alimentada pelo Toré e encontra na
suas táticas para vencer o usineiro. Isso fica bem evidente em Três Rios e em
Mór, existem vários lugares onde as lideranças poderiam se reunir para discutir
seus problemas, traçar suas metas e planejar suas retomadas. Até mesmo a Igreja
religiosa, poderia ser esse lugar ideal de juntar fé e luta para conseguir o objetivo
Um outro aspecto que chama a atenção nas práticas religiosas feita nas
ocas é o fato de que somente no território onde está sendo retomada a terra é que
podem ser construídas ocas coletivas. Em nenhuma outra aldeia elas existem nem
mexe com a organização interna, e o povo começa a dar visibilidade àquilo que era
comum num passado recente. A área indígena, loteada pelo Engenheiro Justa
oca coletiva agrega todos os seus membros para redimensionar a história e marcar
Galego, São Francisco e Lagoa do Mato. Muitas delas têm função comercial de
venda de artesanato. Mas também existem as que são usadas para fazer ritual. A
Pajé Fátima, na Aldeia de São Francisco, tem, próximo da sua residência, duas
ocas: uma menor, onde se realiza o ritual, com um grupo mais restrito, pessoas,
ritual para os turistas visitantes e para fazer trabalhos quando os parentes estão
necessitados. Ela relata: “quando estou perturbada e não consigo dormir, saio de
casa e vou para a oca e fico o tempo necessário pra se purificar. Quando chego
carregada das viagens e dos contatos com os brancos, preciso ficar alguns dias na
oca para me purificar de tudo o que não presta” (Pajé Fátima, abr. 2003). A oca tem
ancestrais.
3.6 Igrejas
pais católicos levam seus filhos para serem batizados, e os evangélicos levam suas
Akajutibiró - - - - -
Bento - - - - -
Brejinho - - - Batista -
Gênesis
Caieira Santa Edvirges As. de Deus - - -
Camurupim Santa Luzia As. de Deus - - Missão Evan.
Pent. do Brasil
Cumaru São José - - - -
Estiva Velha Santo Antônio - - - -
Forte Nossa Srª - - - -
Guadalupe
Galego São João - - Batista
Potiguara
Grupiúna N. Srª Conceição As. de Deus
Ibykuara - - - - -
Jacaré de César Nossa Srª - - - -
Conceição
Jacaré S Domingos São Domingos As. de Deus - - -
Jaraguá São Sebastião - - - -
Lagoa Grande São Miguel - - - -
Lagoa do Mato - - - - -
Laranjeiras Santa Ana - - - -
Monte-Mór N. Srª Prazeres As. de Deus Betel Evangélica
N. Srª de Fátima Cristã
Santa Rita - - Betel - -
São Francisco N. Srª Conceição - Betel - -
São Miguel São Miguel - - - -
Silva - As. de Deus - - -
Silva de Belém N. Srª Conceição - - Batista -
Potiguara
Tracoeiras - - - Batista -
Potiguara
Tramataia São Sebastião As. de Deus - - -
Três Rios - - - - -
Brejinho e Ibykuara, mesmo não tendo capelas edificadas, têm, no centro da aldeia,
não há capela, mas todo mês é celebrada a missa no grupo escolar, e a aldeia já
século XVIII, a terceira igreja mais antiga da Paraíba continua em bom estado de
atuais com capacidade para receber mais de uma centena de Foto 50 Igreja de
N. S. Guadalupe
pessoas sentadas e tem uma arquitetura um pouco mais Aldeia Forte (dez. 04)
arrojada.
Aldeias Grupiúna e Caieira. Outras foram construídas para ser templos cristãos e
há diferença na estrutura física de uma igreja dos cristãos índios para uma de não-
freqüentada por poucos índios, uma vez que, no bairro do Morrinho e nas aldeias
Marcação, muitas atividades eclesiais católicas são feitas na matriz, e muitos índios
Lagoa Grande tem uma pequena capela com poucas atividades pastorais e
sacramentais.
115
os construídos pelos índios, como as ocas, as igrejas, mas existem outros lugares
Foto 55 Cemitério de Marcação (jan. 05) não-índios, uma grande quantidade de pessoas
parente ou ente querido que já morreu17. Essa prática religiosa anualmente vai
sendo repassada para as novas gerações. Segundo Rolim (1970, 346), “Ao pé das
17
Muitos índios são católicos e é uma tradição mandar rezar a missa no Dia de Finados. Segundo
Dona Maria José, da Aldeia São Francisco, quem já morreu, os pastores orientam para não rezar.
Eu mesma não rezo não.
116
cruzes, ou à sombra de algumas igrejas, nas cidades como nas margens das
crença popular”.
Os Potiguara têm muito respeito pelo lugar onde os mortos são enterrados.
chão ou em túmulos feitos de alvenaria. Todas as sepulturas têm uma cruz, com
estão os ancestrais é muito importante para a etnia, que continua cultuando essa
Cacique Djalma (dez. 2004), “eram locais onde muitas crianças (anjos) que
tinham vários anjos numa mesma encruzilhada”. De acordo com Josafá (dez.
2004), existia uma outra tradição: “que sempre que a pessoa passasse tinha que
colocar um galho de mato onde o anjo foi enterrado. Porque se não colocasse, a
pessoa ficava vulnerável a qualquer coisa. Tinha que colocar. Ou, então, o anjo de
Não só os cemitérios e as
18
Há vários anos, o muro caiu e ainda permanece do jeito que estava. O cemitério está
abandonado.
117
vida. Tudo vai sendo cuidado dentro de uma dinâmica interna individual/coletiva.
Segundo Leonardo Boff (2004a, p. 96), “Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-
lhe o ritmo e afinar-se com ele. A razão analítico-instrumental abre caminho para a
que, com fé, alcançam a graça divina. Dona Maria Gomes (abr. 2005) faz um dos
curar doenças. Quando a sabedoria dos membros da casa não resolve, procuram-
festas do Dia dos Pais, das Mães, das Crianças ou em determinados shows e
a programação da visita
Pedro Poti, em dezembro de 2004, os trabalhos foram iniciados com o Toré e com
um ritual feito por Iolanda, evocando as quatro direções: Norte, Sul, Leste e Oeste.
19
Quando é necessário, as pessoas são levadas para o posto de saúde para receberem cuidados
médicos.
20
Pavilhão é um espaço coberto, semelhante a uma quadra, onde acontecem os eventos e as
festas da aldeia.
119
construídos pelos índios, cada um com sua grande densidade sagrada. Este último
definição Potiguara para essa temática, mas não conseguimos chegar a uma
afirmação que contemplasse todo o universo encantado. Optamos por deixar cada
um dos relatos dar a sua resposta. Passaremos a elencar alguns dos vários e
de ouro, barulho no mato. Era uma coisa muito linda. Foto 61 Lagoa Encantada (jan. 05)
Era muito funda. Em volta era tudo mata” (Pajé ZÉ ESPINHO, Monte-Mór, jan.
2005). Hoje a lagoa está quase toda soterrada e bem reduzida, com pouca
vegetação nativa em volta. Segundo o Pajé Zé Espinho (jan. 2005), “a CTRT foi
responsável por acabar com a lagoa encantada porque começou a jogar dejetos e
objetos dentro”. Do outro lado da Encantada, na Aldeia Jaraguá, existe uma mata
de encanto. Segundo o Cacique Aníbal (jan. 2005), “as pessoas já viram uma moça
bem bonita com uma corrente de ouro lá do olho d‟água. Muita gente já viu essa
Aldeia Lagoa do Mato, que abriga, no fundo, uma porta que até hoje ninguém
conseguiu abrir. Para poder abri-lá, é preciso toda uma preparação para não ser
Existe uma riqueza de detalhes em cada relato que os índios vão fazendo
sobre essa lagoa encantada. Esses relatos sempre estão relacionados com
caranguejo, dentro dessa lagoa encantada. Por isso recebe esse nome.
A mãe terra, segundo Josafá (dez. 2004), abriga lugares de encantos, como
antiga casa de farinha que hoje já não existe mais. Muitas e muitas vezes, os índios
continuavam durante toda a noite, com todo processo de fabricação, sem ter
Hoje existem diversas casas por perto, mas não se escuta mais nada. Uma
carreira. Era aquele barulho e lá vem; podia olhar que a pessoa não
via ninguém não. É assombração pra danar! (JOSAFÁ, dez. 2004).
Existem diversas histórias que falam sobre fatos que estão relacionados
ouro, mostrou até para algumas pessoas, mas ela caiu de sua mão e desapareceu.
Um dos lugares onde já foram cavadas botijas de ouro foi na Igreja de São
Miguel. Os índios relatam várias histórias sobre esses tesouros, como esta:
Ali na igreja foi tirado ouro. As almas davam para a pessoa. Agora se
a pessoa não souber, tem que ser na terceira vez, né seu Zé. Ela diz
na primeira, a pessoa fica calada, não diz a ninguém. Ela diz com um
certo tempo, num sonho de novo, a pessoa sonha pela segunda vez.
A pessoa não diz a ninguém. Ela já diz com quem é o parceiro. E a
pessoa vai chamar pra tirar o ouro. Aí na terceira vez a pessoa já
pode chamar a pessoa, tem um local, a hora. Agora tem uma coisa,
tem que ir com a mente limpa. Porque se for pensando já em carro,
comprar alguma coisa, na hora de tirar só sai caixa de abelha e a
coisa some (JOSAFÁ, dez. 2004).
Rios.
O medo faz a pessoa enxergar coisa que não existe. O relato de um outro
pescador índio, de Três Rios, mostra como até um peixe pode assustar:
Eu não tenho medo não. Acho que é besteira! A alma mais feia que
me fez um medo foi um camurim que tinha na rede, lá em Boca
Rasa, no lugar onde mataram um cara. Na boca da noite, Néo estava
tirando caranguejo e, às 4h da manhã, ele veio embora. Ele disse:
camarada você tem coragem de ficar aqui sozinho? Eu disse: isso
não faz medo a ninguém rapaz! Aí eu fiquei. A maré tava meio dura
eu fui para o bote e aguarei no sono. Quando me acordei, fui olhar se
a maré estava seca. Eu olhei e vi aquele homem branco, deitado.
Era uma noite parda, aí eu disse: Virgem Maria, tem um homem
deitado ali, será que foi o homem que morreu? Aí fui, me armei,
peguei a foice e a faca. Eu não vou correr com medo, eu não vou
deixar minha rede aqui, eu não vou embora não. Eu pensei; será que
esse cabra quer me matar? Ou é o morto? Aí eu fui falando e o cabra
não falava nada. Ei rapaz, o que é que você faz aí na minha rede?
Sai daí rapaz! Aí ninguém falava. Eu fui mais pra perto, fui me
encostando, quando cheguei perto era um camurim de 12 kg.
Peguei, botei dentro da canoa! O que assusta o cara é ele ter medo!
(Aldeia Três Rios, jan. 2005).
lugares dos rituais fazem parte da cosmovisão indígena. Na mãe terra, existe vida
O índio quer ver seu protagonismo reconhecido dentro do cenário nacional, uma
125
subjetiva do índio. É algo que está arraigado, marcado nas entranhas e na vida
indígena. Mexer com algo sagrado é tocar na essência do ser. Isso porque, na mãe
lugares dos rituais. É da mãe terra que provêm todos os alimentos da humanidade.
Essa dupla dimensão é vital para os Potiguara e não pode estar dissociada uma da
outra.
patrimônios de valor simbólico inafiançável. Com certeza, não são somente os que
pelos Potiguara.
Pompa (2003) tratam dessa problemática, que não é objeto desta pesquisa. O
nosso foco de estudo são as práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara, que
acontecem no início do século XXI. A condução dos ritos cristãos nas aldeias
sempre foi orientada por padres, pastores, diáconos, missionários, freiras, enfim,
indígena. A socióloga Regina Novaes (1993, p. 92) define agente como “[...]
importantes para nosso objeto de estudo. A Aldeia Jaraguá, por haver um dos
Terreiros de Umbanda, pelo fato de praticar um ritual de cura, no Dia de São João,
PALITOT, 2005); e a Aldeia Silva, por ser uma das que têm maior número de
que, em toda a área indígena, a Igreja Católica é conduzida por um único padre,
129
quadro, com a mesma cor, estão nucleadas em torno de uma matriz e formam um
Esse é o caso dos índios que residem na Aldeia de Jacaré de César, onde o
de Deus tem, em Monte-Mór, o seu núcleo central que atende também à Aldeia
Jaraguá. O quarto bloco é formado pelas aldeias Akajutibiró, Caieira, Forte, Galego,
sessenta.
1
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, a Assembléia de Deus
tinha 2,4 milhões de fiéis, isto é, 18,4% dos evangélicos do Brasil. Em 2000, esse número triplicou
para 8,4 milhões, o que representa 47,78% dos evangélicos pentecostais.
2
A Aldeia de Três Rios tem a presença de moradores que são evangélicos, mas não têm a
assistência na aldeia de agentes eclesiais porque, segundo o Pastor João Santana, as
Congregações orientam seus quadros para evitar os lugares de conflitos. E a aldeia está sendo
construída numa área de retomada da terra.
131
Potiguara, cuja sede fica na Aldeia do Galego. O pastor atual conta com um
rebanho presente nas aldeias do Forte, São Miguel, Lagoa do Mato, Silva de
filho desse mesmo berço religioso. As duas igrejas Foto 65 Igreja Batista Potiguara
de Marcação (jan. 05)
têm muita afinidade, embora cada uma tenha sua autonomia e, dessa nova missão,
participam os índios das aldeias de Três Rios, Lagoa Grande e Ibykuara. A Batista
Gênesis, com sede na cidade da Baía da Traição, é ainda muito pequena e faz um
IURD3 chegou à cidade da Baía da Traição em 2005 e já tem membros nas Aldeias
do Forte, Galego e até em São Francisco. Em pouco tempo, tem tido grande
3
A IURD, segundo o censo do IBGE de 1991, contava com 268 mil fiéis, tendo, em 2000, um
grandioso crescimento para dois milhões de seguidores, o que representa um aumento de mais de
490% na última década, chegando num patamar de 11,93% dos evangélicos do país.
132
nos finais de semana, sempre tem escola dominical da fé, encontro com as
templo ainda não foi construído, os evangélicos se reúnem, em uma das casas dos
irmãos, sob a liderança de um Diácono. Uma das metas do pastor índio Rosildo
assistência espiritual dos irmãos das aldeias onde atua. Essa é uma meta unânime
missionário.
questão indígena. Muito pelo contrário, os índios é que têm que se adequar às
início deste século. De acordo com o Quadro 5, podemos verificar que há uma
grande invasão de igrejas nas aldeias, cada uma tentando converter novos
membros para sua doutrina. Na Aldeia Monte-Mór, por exemplo, existem cinco
aceitarem Jesus como salvador. Em Marcação, o pastor João Santana (jan. 05)
disse que “a igreja adversária é a Assembléia de Deus. Com a católica, há uma boa
população brasileira. Cinqüenta anos depois, esse número passou para 9,05% e,
Na última década, esse número caiu mais 10%, com relação à década anterior,
evangélicos, os católicos têm uma outra dinâmica eclesial, mas também não
indígena, isto é, os índios são tratados como todos os católicos. O povo indígena
para batizar as crianças. Ora, os índios Potiguara não têm costume de casar 4 nem
4
Segundo a Pajé Fátima (abr. 2003), o casamento na aldeia tem um ritual para acontecer. “Primeiro,
vem o namoro. Ele joga uma pedrinha nela. Ela joga uma pedrinha nele. Aí ele vai dá uma flor a ela.
Se ela aceitar a flor tá casado, tá feito o casamento. Aí ele carrega ela”.
135
mutirões com dezenas de casamentos, mas isso não resolve o problema, porque é
Akajutibiró - - - - - - - - -
Bento - - - - - - - - -
Ibykuara - - - - - - - -
Santa Rita - - - - - - - - -
Silva - - - - - - - - -
Lagoa do Mato mensal - - - - sim - - -
Três Rios mensal - - - - - - - -
Brejinho mensal - - - sim sim - - sim
Tracoeiras mensal - diário - sim sim sim - -
Caieira mensal semanal diário final sim sim - - sim
Cumaru mensal - diário final sim sim sim - sim
Camurupim mensal semanal diário diário sim sim - - sim
Estiva Velha mensal - - final sim - - - sim
Forte mensal semanal - final sim sim sim - sim
Galego mensal semanal diário diário sim sim - - sim
Grupiúna mensal semanal diário final sim sim sim - sim
Jacaré de Cesar mensal semanal diário final sim sim - - sim
Jacaré S Domingos mensal - diário final sim sim - - sim
Lagoa Grande mensal - diário final sim - - - sim
Laranjeiras mensal - diário final - - - - sim
Silva de Belém mensal - - final sim sim - - sim
São Francisco mensal semanal diário diário sim sim - sim sim
São Miguel mensal semanal diário final sim sim sim - -
Tramataia mensal - diário final sim sim - - Sim
Jaraguá mensal semanal diário final sim sim - - -
Monte-Mór 2 x mês semanal 3x final sim - - - sim
sem
Ocasionalmente o padre vai rezar uma missa nessas aldeias. Muitos católicos
participam da vida eclesial nas aldeias vizinhas. Nas aldeias Lagoa do Mato,
em apenas uma visita mensal do padre para rezar a missa e fazer batizado, quando
aparece. Anualmente o padre reza uma missa dedicada a nossa Senhora dos
uma ação pastoral católica muito semelhante, a começar pela missa mensal e pelo
As aldeias
Dia da Dias de participam Festa Festa
Aldeias Padroeiros(as) Festa Novena das novenas profana religiosa
Akajutibiró - - - - - -
Bento - -- - - - -
Brejinho - - - - - -
Caieira Santa Edvirges 16/10 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Camurupim Santa Luzia 13/12 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Cumaru São José 19/03 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Estiva Velha Santo Antônio 13/06 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Forte N Srª Guadalupe 12/12 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Galego São João 24/06 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Grupiúna N Srª Conceição 08/12 3 Não C/ banda Missa/procissão
Ibykuara - - - - - -
Jacaré de César N Srª Conceição 08/12 9 Não Não tem Missa/procissão
J. São Domingos São Domingos 08/08 - Não Não tem Missa/procissão
Jaraguá São Sebastião 20/01 9 Não C/ banda Missa/procissão
Lagoa Grande São Miguel 29/09 9 Não Não tem Missa/procissão
Lagoa do Mato - - - - - -
Laranjeiras Santa Ana 26/07 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Monte-Mór N Srª Prazeres ☺ 3 Não C/ banda Missa/procissão
Santa Rita - - - - - -
São Francisco N Srª Conceição 08/12 9 Sim C/ banda Missa/procissão
São Miguel São Miguel 29/09 9 Sim C/ banda Missa/procissão
Silva - - - - - -
Silva de Belém N Srª Conceição 08/12 9 Não Não tem Missa/procissão
Tracoeiras - - - - - -
Tramataia São Sebastião 20/01 9 Não C/ banda Missa/procissão
Três Rios - - - - - -
presença do padre nos finais de semana nas aldeias. Caieira, Camurupim e outras
138
de índios Potiguara. Em algumas aldeias, são apenas três noites, mas, na maioria
atrações na maioria das aldeias (Cf. Quadro 9). No dia do padroeiro(a), é tradição a
4.1.1 Jaraguá
mais aberta, pois, no final das festividades religiosas, dança-se o Toré, na frente da
participação de muita gente e com muitos fogos. De acordo com Seu Ramos
(Aldeia Jaraguá, jan. 2005), uma das lideranças da Aldeia Jaraguá, “novenário sem
fogos é que nem festa sem bolo”. A festa profana é feita simultaneamente com a
João, ocorre festa com pau-de-sebo, corrida de saco, corrida de jegue e uma
grande fogueira. Depois vêm o forró, a ciranda e o coco de roda, mas não se dança
5
Em praticamente todas as aldeias, as apresentações musicais são pagas; em Jaraguá, é gratuita.
139
Toré. É também o grande dia de se fazer milagre. O Cacique Aníbal disse já ter
curado várias pessoas nessa data. Segundo ele (jan. 2005), “para quem tem as
pernas da pessoa até acender a fogueira”. Seu Ramos (Aldeia Jaraguá, jan. 2005)
afirma: "não acreditava nisso não, até ver acontecer aqui no São João, as pessoas
trabalhos com pomba/gira. De uns anos para cá, ele só reza em casa. Segundo o
Cacique Anibal (jan. 2005), seu Geraldo "teve uns 150 cortes num dos trabalhos
com o pai Exu. Foi demasiado e ele ficou um mês num quarto, só comendo papa.
Ninguém podia visitar. Depois disso, ele ficou assim". Sandro também faz trabalhos
espirituais em casa.
4.1.2 Monte-Mór
o padre da Paróquia. Tudo começou por causa da sujeira que caía constantemente
para acelerar o processo. Foram feitas algumas reuniões com a comunidade para
conversar sobre como fazer a mudança do telhado, mas não houve consenso.
140
igreja centenária, que tem o telhado tradicional de telha de barro. No dia em que o
vigário marcou para destelhar a igreja, o Cacique Aníbal (jan. 2005) disse: “aqui é
patrimônio histórico e não pode ser destruído assim não. O senhor, para tomar
cachaça e beber cerveja, como eu já vi aqui no pavilhão, não tem cansaço (asma).
Agora só tem isso (cansaço) pra rezar missa”. Esse acontecimento foi a gota
madeira para reformar a igreja. O padre se viu desafiado e, com a ajuda da polícia,
formada só terminou nas mãos do Juiz, que intimou e prendeu algumas lideranças
indígenas e, sem ouvir ninguém, disse que "a maior autoridade era o padre e o que
ele fizesse, estava bem feito" (Cacique Aníbal, jan. 2005). Os índios não se
apoiando o feito dos índios. "O padre ficou doido no meio da rua com muita raiva e
as beatas dizendo: ele vai ganhar. Ave Maria, cheia de graça; ele vai ganhar. Tinha
um grupo de índios que até já queria dar um cacete no padre" (Cacique Aníbal, jan.
2005). O padre então construiu uma outra igreja, distante aproximadamente 100
metros da anterior, com dinheiro vindo da Alemanha, dos usineiros, dos políticos e
estava pronta:
[...] o padre não teve culpa. Os culpados foram os índios, porque são
ignorantes e não sabem conversar. Padre João falou que não
precisava ter duas igrejas aqui. Iria somente tirar o telhado para
colocar outro porque estava muito ruim. Ele disse: Não quero
6
Marca de um fabricante.
141
Esse episódio relata que, apesar da aparente submissão dos índios frente
aos agentes religiosos, na realidade estão muito atentos na defesa dos interesses
A santa apareceu para três caboclos num toco (tronco) de jurema e pediu que fosse
Santa, porque era uma relíquia muito preciosa e tinha que levá-la para Roma. Os
caboclos ficaram tristes, mas não puderam fazer nada” (Zumira, Aldeia Monte-Mór,
jan. 2005). No dia seguinte, ela voltou para a Igreja da Vila de Monte-Mór. “Então o
padre convidou os caboclos e disse que tinha que fazer uma réplica para deixar na
igreja e que só depois levaria a original para Roma” (Zulmira, Aldeia Monte-Mór,
Prazeres. Essa é uma história muito comum em todo o Brasil, citada por Silva
novenário (Cf. Quadro 9), no terceiro final de semana do mês de setembro, para
142
não coincidir com a Festa tradicional de São Miguel, na Baía da Traição, que é
sempre no final do mês. As noites são bem movimentadas, muita gente faz
promessas, acende velas e solta fogos. Na última noite, é realizada a festa profana,
Toré na frente da igreja. Esse acontecimento foi interessante porque os índios que
estão numa constante circularidade de ritos começam a „resgatar‟ uma tradição dos
4.1.3 Silva
“Eu acredito que é a aldeia que dá menos trabalho à FUNAI e a outros órgãos,
porque somos evangélicos. Você sabe, a palavra de Deus, onde ela entra, ela
Mesmo com toda essa convicção do pastor, a Aldeia também enfrenta seus
pastor, há quase duas décadas atrás, quando houve uma cura milagrosa na aldeia.
143
palavra de Deus”. O tempo foi passando e, cada vez mais, novos adeptos foram se
ajudou no trabalho pastoral da sua igreja local. Ele tem uma grande convicção de
da droga, do vício; isto me dá prazer em trabalhar na obra, até porque fui uma
pessoa que farrei e bebi muito. E hoje vejo que o Evangelho de Cristo pode
diáconos que o auxiliam em todo o processo eclesial, nas Aldeias de Estiva Velha,
trabalho, as ações eclesiais de todas as igrejas evangélicas por ser muito ampla a
Brasileiro da aldeia São Francisco por ser a única instituição evangélica que tem
de Deus, da Batista e da IURD, conforme a Quadro 5, mas que aqui não serão
contemplados.
desconfiança para quem não conhecem e não convidam nem mesmo os amigos
para suas programações7 internas, a não ser que seja também de interesses deles
contar com aquela presença. Um outro fator é que os índios evangélicos formam
dos objetivos do nosso trabalho, mas, sem conhecer ninguém para ser nossa
sabatinados pelos anciãos para saber detalhes sobre nossas reais intenções em
7
Para saber das programações, nós tínhamos que estar na aldeia, ou então, ficávamos nas
proximidades. No Dia das Mães, um ano depois do início da pesquisa, chegamos no final da tarde, a
São Francisco para participar do evento, mas na aldeia estava tudo calmo. Ficamos sabendo, então,
que a comemoração havia sido de manhã.
145
isso não foi suficiente, deixando as lideranças desconfiadas. Seu Chico Urubu (abr.
2003) expressa bem isso, dizendo: “nunca ninguém veio fazer pesquisa aqui na
modificada.
(Aldeia São Francisco, dez. 2004), uma das primeiras índias que se converteram ao
Betel, “os crentes chegaram aqui em 1969. Não foi a Betel, mas foi um Pastor da
Batista. O Betel veio depois com Dona Lídia”. Dona Maria José não participa dos
rituais indígenas: nunca foi numa furna, nem aos rituais feitos nas matas, não
dançou Toré, mas lembra de algumas vezes, quando solteira, de ter ido à Festa de
Desde garotinha, segundo ela, sua mãe fazia várias coisas para acalmá-la:
desaparecer o que eu sentia; puxava os cabelos, puxava os pés, era uma coisa
horrível” (Maria José, Aldeia São Francisco, dez. 2004). Por ocasião da passagem
de um pastor na aldeia, foi perguntada se queria se converter, e ela disse que não.
“Quando ele pregava, eu me sentia bem e não sentia nadinha. Então eu falei para
quero!‟” (Maria José, Aldeia São Francisco, dez. 2004). O pastor deu-lhe uma Bíblia
“mãe, agora é santa e só fica orando. Então eu cheguei pro pastor e disse: eu não
quero mais ser crente não; tome sua Bíblia e seu canto. O pastor disse: faz isso
não! Eu disse: quero mais não. E fui-me embora” (Maria José, Aldeia São
146
Francisco, dez. 2004). Só que, com essa decisão, a Dona Maria José disse ter
ficado uma semana com muita agonia, angustiada e decidiu novamente procurar o
pastor, dizendo: “pastor eu vou receber de novo (uma risada). Então ele disse que
meu nome estava escrito no livro da vida! Até hoje, graças a Deus, não sinto mais
nada. Venho pra igreja e vou para casa e sou muito feliz” (Maria José, Aldeia São
São Francisco. Às vezes, é a família toda que participa da Igreja, depois acaba
Igreja. Segundo Dona Maria José, seu marido só se converteu antes de morrer. Ela
continuamente convida pessoas para a igreja e tem como prática diária orar e pedir
a Deus pela família. Mesmo assim, não consegue fazer com que seus filhos e netos
freqüentem a Igreja. “Capitão mesmo não vai; Epitácio também não; quem vai mais
últimos anos, passam por um período eclesial atípico, por serem coordenadas por
sobretudo pelos membros e congregados do Betel. Ela declara: “eu não sou índia
tiro férias, depois de 15 dias, fico incomodada com o barulho de Salvador9. Aqui já
8
Geralmente as igrejas evangélicas e católicas são conduzidas por um pastor ou um padre.
9
Essa missionária é natural do Estado da Bahia.
147
João Pessoa. Já está apto a exercer várias funções ministeriais como: presidir a
ceia uma vez a cada mês; pregar a palavra nos cultos feitos durante a semana, não
só na sua aldeia, como também nas aldeias vizinhas de Laranjeiras, Santa Rita e
Tracoeiras; fazer o trabalho das escolas bíblicas com adultos e com as crianças
missionária que, às vezes, está reunida, como nos cultos semanais, na ceia mensal
as crianças na Igreja, na escola e também nas aldeias. Nos domingos à tarde, eles
se encontram com elas para rezar um salmo, cantar, orar, escutar história sobre a
(dez. 2004), é preciso ter muito cuidado com as crianças, pois "hoje se tem um
quando era eu era pequena eu ia para esses encontros para escutar a Palavra de
Deus e não para ganhar bombons". No domingo em que tem festa da(o)
aldeia” (Rosalia, Aldeia São Francisco, Foto 73 A irmã Rosália com as crianças.
Aldeia São Francisco (dez. 03)
dez. 2004). Esse mesmo trabalho é feito pela missionária Ivonete e pelo Pastor
demais membros, no lugar central da igreja. Isso traz satisfação pessoal por estar
presentes. Um dos membros sintetiza dizendo que “em um culto tudo pode
benção ou um milagre. O culto tem uma seqüência que começa com os hinos,
Deus, a homilia, o abraço da paz, um outro momento para orar, a bênção final e,
diferença no ritual.
celebrações festivas como: Páscoa, Natal, fim de ano, Dia dos Pais, Dia das Mães,
feito com muita simplicidade. O Dia das Mães é uma das datas de celebração
festiva. Em 2003, o culto iniciou na hora marcada, com pouca gente no início.
jovens, mulheres e homens. Afinal, todos já sabem o ritmo da Igreja e sempre esse
dia acaba em festa. Essa é uma ocasião para mudar a ornamentação e enfeitar o
ambiente com bolas coloridas e corações com a palavra “mãe”. Um dos destaques
10
Os evangélicos do Betel, em São Francisco, têm aproximadamente, entre 10% e 15% da
população da aldeia.
150
da noite foi um jogral com uma coreografia feita por adolescentes. Além das
Os três missionários
sempre se colocam à
frente da assembléia.
culto, está nas mãos de todos os presentes. A “irmã” Rosália tem grande carisma
para se comunicar com os “irmãos”, tanto na oratória, como no canto, por ter vida e
e, aqui, acolá, uma dorme, outra chora e a assembléia não se incomoda com elas.
Pelo contrário, são muito bem-vindas, e a Igreja, aparentemente, parece mais com
acontece a ceia, epicentro das práticas cristãs dos índios evangélicos do Betel em
para com a igreja. Algumas estratégias são utilizadas direta e indiretamente para
evidente que elas estão num local tendo formação de valores para a vida, evitando,
como bem citou a missionária, as drogas e outros males sociais. O que desperta a
atenção na criança, pelo seu interesse nesses encontros, podem não ser os
bombons, como disse a irmã Rosália, mas onde tiver doce, pipoca ou coisa do
11
A escola do Município espera na escola os pais compareçam para fazer a matrícula.
152
gênero, a meninada está presente. Todo final de encontro, a garotada sai feliz por
ganhar, mesmo que seja um pirulito e, com isso, vai espalhando para os colegas
o potencial de cada uma, vai criando raízes nas novas gerações. Dessa forma, ela
está dando continuidade a sua vida eclesial com a garotada, que vai crescendo
causa na aldeia uma corrida para participar das celebrações. Pudemos constatar
que, tanto nos encontros das crianças quanto nessas festas, até membros assíduos
disse que “onde tem festa, ela vai” mesmo que só volte na festa seguinte. O fato
de, com essa abertura, a Igreja receber outras pessoas nos eventos pode cativar
um novo membro.
serão, neste capítulo, estudadas com mais especificidade. Não temos a pretensão
153
coletivas mais visíveis da aldeia que, por serem católicas, serão aqui
popular12.
autor mostra que essas práticas “[...] que agem sob o impulso da igreja oficial
ocorrer em relação à Igreja do Betel Brasileiro para dar visibilidade das práticas
situarmos, logo no início, em relação aos agentes católicos romanos que atuam no
12
Ao se fazer uma análise sociológica sobre a religião popular, não se pode deixar de fazer
referência à tese clássica de Karl Marx (1976), definindo religião como ópio do povo e nem à de Max
Weber (1964), mostrando como a religiosidade popular serve de legitimação e domesticação dos
poderes dominantes. Ainda na Sociologia da Religião, tem uma grande contribuição a tese de Pedro
A. Ribeiro de Oliveira Filho (1985). Na Antropologia, dentre os muitos trabalhos de pesquisas,
destacamos as teses de Carlos Rodrigues Brandão (1986), Raymundo Heraldo Maués (1995) e a de
Carlos Alberto Steil (1996).
154
Francisco.
área pastoral que abrange todas as aldeias, independente dos limites municipais.
Tudo começou ainda quando fazia seu estágio pastoral, enquanto seminarista.
Após ser ordenado, em outubro de 1997, faz a opção por morar13 na paróquia,
ficando bem mais próximo do seu rebanho. Padre Ailson dos Santos é uma pessoa
que conhece a realidade da etnia porque convive com os índios no seu cotidiano.
13
Seus antecessores sempre faziam pastoral só nos finais de semana e estavam constantemente
sendo transferidos para outras paróquias, o que contribuía ainda mais para não conhecer a
específica realidade eclesial Potiguara.
14
É uma das comunidades do movimento da RCC. A RCC surgiu nos Estados Unidos da América
(EUA), em 1966 e foi trazida para o Brasil em 1969, pelo Padre Harold Hams. A partir da década de
1990, ganhou força no cenário nacional e, atualmente, responde por uma grande parcela dos
155
abomina o satanás, praticada com hinos alegres e envolventes, com um novo jeito
católicos brasileiros. Uma comunidade de referência nacional é a Canção Nova, presidida pelo
Padre Jonas Abib. Também é destaque nacional o Padre Marcelo Rossi, considerado fenômeno de
mídia e de cultura de massa.
15
Espécie de oratório com a imagem de Jesus Misericordioso. Ver sobre o assunto em Campos
(1999); Michalenko (1997); Kosicki (1999).
16
Início: Pai Nosso ... Ave Maria ... Creio ... Nas Contas Grandes: Eterno Pai, eu vos ofereço o
Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em
expiação dos nossos pecados e os pecados do mundo inteiro. Nas Contas pequenas: Pela vossa
dolorosa paixão, tende Miserirórdia de nós e do mundo inteiro. (três vezes). No final: Deus santo,
Deus imortal, tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro. Invocação à Misericórdia: “O Sangue
e água que jorrastes do Coração de Jesus como Fonte de Misericórdia para todos nós! “JESUS EU
CONFIO EM VÓS!” (três vezes) “Mãe da Divina Misericórdia rogai a Jesus por nós e pelo mundo
inteiro”. Amém. (COMUNIDADE MISSIONÁRIA RAINHA DA PAZ, 2000, p. 71).
156
torna-se naquele que oferece todos os bens desejados pela cultura pós-moderna: a
vida”.
horas, o Terço Misericordioso, com todo o grupo, para poder receber o ícone no
17
O fenômeno da glossolalia, comumente conhecido como orar ou falar em línguas, é muito amplo e
vai além da esfera religiosa. Ver mais sobre este assunto em Maués (2000); Oliveira (1978);
Csordas (1997); Pollak-Eltz (1999).
18
No catolicismo popular, “A casa, lugar de tranqüilidade e de paz, é protegida pelo santo”
(PALEARI, 1990, p. 68).
157
mês seguinte. O horário não favorecia muito os homens que, segundo Dona
Santíssimo Sacramento, vinte e quatro horas por dia. O local era sempre o Centro
Social Sagrado Coração de Jesus, na Baía da Traição, por ser mais central para as
aldeias e por causa das condições físicas (igreja, cozinha, banheiros, quartos) que
o local oferece.
assumiam e permaneciam até o sábado, quando Foto 83 Jornadas espirituais (maio 04)
158
novamente, todos juntos, tinham uma formação doutrinária bem direcionada, com
Foto 84 Ubiratã, Lindineide estão sendo preparados para dedicar suas vidas em prol
e Rodrigo no dia do recebi-
mento das vestes (ago. 03) desse movimento.
duas mil pessoas envolvidas diariamente. Isso demonstra que a pastoral, no ano de
nem utilizavam o material da Arquidiocese para fazer o seu trabalho pastoral, mas o
questões sociais, nem culturais e, muito menos, com relação à terra. “Na Igreja de
ao movimento, deixa ainda mais abalada toda a vida eclesial dos “cabocos do
160
animadores, para escutar dos índios propostas para o processo pastoral. Pela
Juvanete Justino dos Santos, freira da Congregação das Dorotéias. Essa freira tem
aos índios. A oportunidade para tal desafio surgiu por ocasião da XIV Romaria
19
Somado a esse quadro interno, as eleições municipais foram catastróficas para a etnia Potiguara
e, em particular, para São Francisco, principal foco dos partidos, por causa do número de eleitores e
pela força política que representa. A aldeia teve vários candidatos e três candidaturas a Vice-
Prefeito, uma das quais foi vencedora.
161
índios participarem da Romaria. Essa foi a sua porta de entrada na área indígena21.
„formiguinha‟, de estar em todo lugar, sem aparecer. Essa aldeia é o núcleo atual
aldeia tinham dificuldades para se reunir por não haver um lugar para realizar as
estrutura física, nem sequer lugar para dormir. A terra onde só havia socas de cana
20
Esses missionários não tinham a orientação do movimento carismático. A Arquidiocese oferecia
uma capacitação para as pessoas que queriam colocar seus dons a serviço da igreja. A maioria era
de pessoas adultas ou da terceira idade.
21
Para estar mais preparada para o desafio do trabalho com os índios, aproveitou para fazer uma
capacitação na questão indígena, promovida pelo CIMI, em Brasília, no início de 2003.
162
Passou a ser admirada não só pelo Cacique da aldeia, como também pelas
ausência e, com sua volta, muitos índios foram estimulados a dar sua colaboração.
Seu carisma de dialogar com todos, incentivar a cada um, respeitar as decisões
irmã Juvanete, de acordo com Paulo Freire (1975, p. 60), faz com “[...] que a
mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica
realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de
conversar sobre questão até da intimidade matrimonial e familiar. Com seu carisma
de conselheira, dá liberdade para cada índio viver sua vida. Não centraliza em si as
vendo o dom e o carisma que cada um possui. Ela defende a questão da identidade
Segundo Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2005), “é a única irmã que até hoje eu vejo
dentro das aldeias que tem um trabalho como o que ela está trabalhando, mas
163
também ela está sozinha”. Na sua missão pastoral, ela vai costurando na aldeia
de uma brincadeira que é feita com as pessoas idosas. Os anciãos que moram
sozinhos são os mais visados. Muitos deles fazem festas e entram na bagunça.
Mas outros ficam chateados e até com muito medo. Quem participa da brincadeira
são os rapazes, mas sempre tem alguns homens e, também, mulheres. Toda a
22
Diretora da escola municipal de Ensino Fundamental, Centro Social São Miguel e uma das
principais lideranças religiosas da Aldeia São Francisco.
164
Aldeia São Francisco. Os detalhes do relato mostram como o velho fica chateado,
Fraternidade da CNBB. Não se faz referência Foto 88 Rito do Lava-pés (abr. 03)
nesse dia à instituição da Eucaristia nem à partilha dos beijus, tapiocas e dos
peixes, uma tradição entre eles na Aldeia São Francisco. Segundo Severina (abr.
2004), essa ligação não acontece porque “nunca ninguém teve essa idéia de fazer
uma grande celebração da partilha. Quem sabe um dia a gente pode fazer isso?”
Futuramente esse momento simbólico de partilha eclesial com uma grande ceia
Foto 89 Via Sacra; Aldeia São Francisco (abr. 03) jovens são os reponsáveis por
confeccionar o principal símbolo utilizado nesse rito, que é a cruz. A cada estação,
ritual. Os jovens são também os dirigentes que coordenam a Via Sacra e Severina
Terminada a Via Sacra, as pessoas voltam para seus lares, e muitos índios
não tomar banho, não comer doce, não olhar no espelho e nem pentear cabelo etc.
23
Os hinos estão escritos num caderno que é conservado há muitos anos por Nilda e Severina, que
continuam a tradição da mãe e da avó.
166
como antigamente a Sexta-Feira Santa. O relato de Dona Maria das Neves (abr.
Comadre Maria com uma trouxa, Dona Zefa com outra, foram lavar
roupa e jogaram rebolo. A comadre Maria disse: oh ghente, que é
isso! Quando chegaram no lugar que se lava roupa, a água estava
toda baldiada (suja). Aí jogaram outro rebolo. Ela só fez pegar a
trouxa e disse: aqui não dá pra mim não. Tinha gente que Sexta-
Feira da Paixão ia cortar madeira, saia sangue do pau. Se fosse
lavar roupa, diz que uma vez ficou uma mulher pegada na tábua.
Ninguém que tem o nome de Maria podia pentear o cabelo. Eu que
sou Maria no certo mesmo eu não posso tomar banho na Sexta-Feira
Santa porque foi a hora que nossa senhora tava penteando o cabelo
e chegou a notícia que tinham pegado o filho dela, que era Jesus.
Ela botou o pente lá e disse: maldita Maria, que pentear o cabelo
nessa hora.
24
Algumas jovens chegam à igreja e, vendo a capela suja, providenciam algumas vassouras e
varrem toda a sujeira. De acordo com a tradição, esse é o único dia em que não se pode varrer a
casa, quanto mais a igreja. Das pessoas que pesquisamos, todas disseram que não varreram a
casa naquele dia santo.
25
Aproximadamente 80 pessoas.
167
Após nossos comentários, ficou decidido mudar a vigília pascal para o domingo.
como namorar no telefone público da aldeia, andar de moto, passear de carro, até
das pessoas, que ficam chateadas, ou podem ser pendurados nos postes no centro
da aldeia. No dia seguinte, bem cedinho, a criançada joga pedra, pau, põe fogo e
costume de, nesse dia, dar ênfase para se contarem „histórias de trancoso‟.
Existem pessoas na aldeia talentosas para contar essas histórias. Seu Veridiano
várias delas, sentado na calçada da porta de casa. Para começar a contar sua
26
Sempre tivemos toda liberdade para conversar sobre nossa vida pessoal na aldeia. Por várias
vezes, comentamos sobre nossa formação teológica e litúrgica e isso fez com que fôssemos
chamado para dar uma contribuição sobre a questão litúrgica da Semana Santa.
168
Era roda gigante com 800 cadeiras (risadas). Nesse dia eu estava
em João Pessoa (risadas). Aí a roda não pára embaixo pra as
pessoas descerem (para as pessoas saírem da roda gigante). O
cabra fica parado lá em cima e o outro desce. O cabra lá em cima
ouviu um anjo cantar: (muita risadas) „Teu pescoço tá ficando fino.
Ora por nobilis (muitas risadas). Teu olho fundo. Ora por nobilis‟. O
cara desceu e quando chegou em baixo era aquele aperreio, porque
ficou muito assombrado. Disse pro pessoal que ouviu um anjo
cantar, ele começou a contar como foi. Aí ele foi de novo. Quando
chega em cima, de novo e o anjo: Manoel Faustino! Manoel
Faustino! Aí essa roda saiu do eixo, carregada de gente, toda
luminada e lá vem, cortava ônibus, passava por dentro dos matos e
chegou em Mamanguape27 e bateu naquela barreira. Também não
morreu ninguém, não saiu ninguém ferido. Veio lá de João Pessoa
pra trazer o povo pra Mamanguape. Eu estava lá (Veridiano, Aldeia
São Francisco, abr. 2004).
recriando em cima das partes que marcaram mais. O contador nem espera o
pessoal terminar de rir e começa uma outra história da cobra, do pescador. Aqui,
contavam também ou pediam para Veri contar. Foram várias horas de muitas
Francisco. Conversamos sobre vários assuntos, e ele nos contou algumas „histórias
de trancoso‟ interessantes, que sempre são lembradas entre eles, como a do rei
todinha nessa conversa. Sai uma e entra outra. É um humor gostoso de se escutar
27
Cidade que fica próxima da área indígena, distante de João Pessoa 50 Km.
169
O paralelo parece não ser por acaso, mas, Foto 94 Vigília Pascal em 2003
Jo 20,1). Pouco a pouco, mais pessoas vão chegando para a celebração pascal.
28
Em 2005, poucas pessoas participaram da Via Sacra pela manhã, e a celebração da morte de
Cristo na Cruz se fundiu com o Terço da Misericórdia. Apenas oito pessoas rezaram o Terço de
Jesus Misericordioso na Igreja. O destaque sobre o altar não era o crucifixo, que normalmente
deveria aparecer nesse ritual, e sim, o Oratório de Jesus Misericordioso.
170
Dentro da Igreja, nenhuma vela acesa, nada de diferente do dia anterior (Sexta-
Feira da Paixão). Quando a cerimônia termina, as pessoas vão para suas casas.
primeira parte, foi feita uma celebração da palavra com algumas mudanças
segundos, a igreja tinha nova vida. O último momento litúrgico foi o Ofício de Nossa
condutor com teor carismático, uma vez que essa é a conjuntura em que a aldeia
religiosa, ter terminado com todos de joelhos e sem haver um momento do abraço
característicos da liturgia oficial da igreja. O que deu um tom pascal foi a sinfonia
29
Em 2005, o contexto eclesial foi completamente diferente dos anos anteriores, e a Semana Santa
teve a participação de pouquíssimas pessoas. Até mesmo dirigentes que estão presentes em todos
os momentos litúrgicos não compareceram. A aldeia vive um momento muito especial por causa do
envolvimento das pessoas com o movimento carismático.
171
dos pássaros, das aves e dos animais, que anunciavam alegremente a aurora de
um novo dia.
No entanto, a celebração pascal teve uma outra dimensão religiosa, por ser
o momento síntese que unificou os três ritos religiosos eclesiais católicos que
deles. Foi a união de ritos antigos com ritos novos: o ofício rezado trouxe toda
Misericórdia, um embrião, com menos de três anos que está sendo difundido e
rezado nas aldeias (novo); e da celebração que sempre foi o fundamento da fé,
desde o tempo das catacumbas no início da era cristã. As dirigentes fizeram uma
aldeia.
práticas religiosas, mesmo como pesquisador, uma vez que estávamos percebendo
cerimonial litúrgico oficial católico. Segundo Louis Schneider (apud Rolim, 1970, p.
mesmo estar errado, pode parecer irrisório, pode ser facilmente refutado. Isso,
172
porém, não tem importância. O que importa é o praticar”. O autor faz uma ressalva
Foto 95 Coroação de N. S. da Conceição (maio 04) 831), “[...] apesar da religião cristã oficial,
imposta de cima para baixo, surgiram modelos de fé, ritos, crenças e práticas em
meio aos povos dominados, o que tem sido chamado de „religiosidade popular‟ ou
„religião do povo‟”30. Cada aldeia tem sua maneira de louvar a mãe de Deus. Nesse
rito religioso, não é costume soltar fogos de artifício s. Como em outros ritos, a
homem.
30
Ver sobre esse tema em: González; Brandão; Irarrázaval (1993); Suess (1979);
173
Nossa Senhora. Nessa ocasião, quase toda a aldeia se faz presente, pois só os
de habitantes.
atravessam a rua principal, sendo assistidos pelos homens, que ficam nas calçadas
enquanto é cantado um hino de Maria, próprio para essa ocasião. O ritual termina
imagem do santo, e tantos outros pelos quais o devoto estabelece ou reforça uma
protagonistas indígenas, uma vez que não tem a presença de agentes externos,
etnia Potiguara e, mesmo que seja muito conhecido em todo o Nordeste, nas
vida.
milho cozido. Segundo Dona Geralda, da Aldeia São Francisco, “o São João só
31
“As festas juninas estão no sangue do povo; suas raízes vêm de muito longe. Sabe-se que vieram
para o Brasil trazidas pelos portuqueses. [...] A Igreja, que sempre se prreocupou em batizar as
festas pagãs, marcou esse período do ano com a veneração de três santos muito significativos:
Santo Antônio foi o grande pregador nascido em Lisboa (Portugual) e falecido em Pádua (Itália);
São João Batista era primo de Jesus e teve o nome de Batista porque batizava no rio Jordão e São
Pedro foi o primeiro dos apóstolos e o primeiro papa. Sem dúvida, a figura de São João é a que
mais marca a celebração da festa junina” (PALEARI, 1990, p. 50).
175
encontrada em, praticamente, toda casa. Em pouco tempo, toda a aldeia está
juramento dando as mãos sobre o fogo, dizendo três vezes: “São João disse, São
Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, porque Jesus mandou”. Depois
festejos, por exemplo, praticamente não existem fogos de artifícios, muito utilizados
nas novenas dos padroeiros. Outra particularidade deles é o rito de andar descalço,
à meia noite, sobre as brasas da fogueira, sem que nada lhes aconteça. Na aldeia,
um índio ficou aleijado por tentar passar e duvidar da fé. “Se ele não tivesse
rezar durante todo o mês a Trezena de Santo Antônio (do dia 01 até o dia 13), a
Novena de São João (do dia 14 até 24) e a Novena de São Pedro (de 25 até 29).
juninos, em latim, vai se constituindo na aldeia São Francisco como uma tradição,
com um diferencial bem específico, por ser pouco comum nas igrejas católicas se
rezar assim. A maneira como essa vai sendo ensinada para as novas gerações,
176
não é apenas uma transferência de conhecimento, mas, como afirma Paulo Freire
(2002, p. 25), “[...] cria as possibilidades para a sua produção ou sua construção”.
Francisco, jun. 2003), “todo mundo comparece com animação total”. O ideal é
mecânico e aproveitar até o raiar do dia, porque é noite de São João” (JAILSON,
ser enterrado, sua cova apareceu toda rachada. Foram até o pároco para saber o
que fazer e se decidiu desenterrar o morto para ver o que estava acontecendo. A
grande surpresa, após abrir o caixão, foi perceber que o corpo continuava igual a
uma pessoa viva. Susto maior aconteceu quando se descobriu que até sangue o
corpo tinha igual a uma pessoa normal. Essa história só terminou quando o rapaz
foi levado para Roma, onde está até hoje. Como relíquia desse acontecimento, foi
trazida uma imagem de madeira e colocada na Igreja de são Miguel. Dona Joana,
da Aldeia Galego (Aldeia São Francisco, jun. 2003), faz um outro relato, dentre os
A Aldeia São Miguel, até os anos 1980, segundo Moonen e Maia (1992),
cada pessoa tem seu centro e seu referencial nessa devoção” (PALEARI, 1990, p.
178
Padroeiro, por ser uma das poucas vezes em que o padre se fazia presente na
área indígena.
encontravam para festejar e celebrar a vida. No último dia, a noite era pequena
para dançar coco, ciranda, lapinha, argolinha, vaquejada e o Toré. No dia de São
Miguel, uma multidão assistia à missa, uns batizavam crianças, outros casavam, e
muitos carregavam o andor com a imagem do Santo até a Igreja de Nossa Senhora
com ela, nem se identifica. Mesmo assim, a imagem está carregada de poder
sérios problemas nas suas estruturas físicas devido à ação do tempo. Num
primeiro momento, são feitas algumas reformas provisórias, mas isso não impede o
Paraíba, pelo Patrimônio Histórico, prometeu reconstruir a Igreja. Seu Batista conta
que foi até João Pessoa e ouviu do responsável pelo Instituto Patrimônio Histórico
de São Miguel32. Segundo Dona Raimunda, da Aldeia São Miguel (set. 2004),
Histórico, muita coisa começou a sumir. Os cabocos do Sítio foram até a Vila São
optaram por levar a imagem de São Miguel para a Aldeia São Francisco, até que
procissão, animadas com cantos e rezas, sempre saudadas com fogos de artifício,
conduziu a imagem até o Sítio. “Foi uma procissão que contou com a presença até
do Arcebispo D. José Maria Pires. Foi muito bonito, um dia maravilhoso” (Seu
Padroeiro foi roubado pelos cabocos do Sítio (referindo-se à Aldeia São Francisco).
firmado era de que São Miguel só voltaria para a aldeia natal depois de
reconstruída a velha igreja. Como isso não ocorrera, São Miguel permanece até
hoje em São Francisco. Para contornar o impasse, os índios da vila São Miguel
adquiriram uma outra imagem bem diferente da original, tanto no tamanho, como
32
Na imagem original de São Miguel, havia uma balança de ouro, que desapareceu. Hoje existe
uma réplica, cujo valor é bem inferior ao da original, segundo informação dos índios de São
Francisco.
33
A original era de madeira, e a atual é de gesso.
180
arrumar e fazer uma limpeza mais caprichada na casa, providenciar uma roupa
umas economias porque vai começar a Festa de São Miguel. A aldeia fica diferente
na manhã do dia 20 de
comparado com o da Aldeia São Francisco, o mastro da Aldeia São Miguel tem
uma grande diferença tanto na arte, como no tamanho, mas o sentido religioso é o
mesmo.
Por causa das duas festas simultâneas, existe uma divisão das aldeias, no
outro lado, que é o de não haver uma única festividade ou momento que unia a
181
etnia Potiguara. Até a década de oitenta, a Festa de São Miguel era um referencial
entre os membros de cada aldeia, às vezes, estipulando até quantias fixas para
cada família36.
continua sendo preservada até hoje. Nilda herdou da mãe esse costume e está à
frente das novenas, sempre ajudada pelas irmãs Severina e Valda e algumas
outras senhoras que estão sempre presentes nas novenas. Durante nove noites,
tanto no Sítio como na Vila se tem o costume de convidar as aldeias da região para
34
A etnia tinha dezesseis aldeias e um número bem menor de habitantes.
35
Isso faz com que, às vezes, em troca dessa pretensa generosidade, se ofereçam para a liderança
indígena algumas vantagens pessoais, que acabam prejudicando a organização e a mobilização nas
aldeias. Nas últimas festas, as ofertas foram mínimas pois, segundo o Cacique Djalma, “esse ano foi
fraco, por causa da retomada do território Potiguara de Marcação”.
36
Tem aldeia que estipula o valor de R$5,00 (cinco reais) por família. Outras não estipulam nenhum
valor.
182
de ser pintadas dentro da igreja para, em seguida, dançar o Toré. Não é costume
os índios estarem assim nos cultos cristãos. Muito pelo contrário, a igreja, por
dessa natureza, pois a doutrina católica sempre exigiu modelos ocidentais cristãos
nas celebrações (POMPA, 2003). Foi a primeira experiência do Toré ser uma
Foto 107 Alvorada de São Miguel cantam os benditos de São Miguel e acompanhada
Aldeia São Francisco (set. 04)
por multidão de pessoas. O início começa na frente da igreja, vai até o final da
pagando promessas a São Miguel. Muita gente fica nas calçadas vendo a
vela que esteve presente em todo o percurso é depositada aos pés do santo
protetor, pedindo por milagres ou agradecendo por graças alcançadas. Cada índio,
começa com a novena e só termina no outro dia, depois que várias bandas
celebrada, pela manhã, na Aldeia São Francisco e, à tarde, na Aldeia São Miguel.
Em 200237, quase no final da missa, o Cacique Néo, indignado por não ter homens
suficientes para carregar o andor de São Miguel, disse: “Esta festa de São Miguel é
uma tradição de mais de 300 anos. Quando eu era menino, mais de mil pessoas
37
Aproximadamente quarenta pessoas acompanharam o trajeto de dois km até a Matriz de Nossa
Senhora da Penha, no centro da cidade. Em 2003 e 2004, não houve procissão, e esse fato quebra
uma tradição centenária de fazer a festa do padroeiro.
184
andor. Vamos pelo menos dar uma volta aqui no pátio da igreja” (Aldeia São
ainda foi realizada e teve início antes mesmo de o padre terminar a missa. O
deixando o vigário sozinho no altar pedindo “espera aí, vamos terminar a missa;
espera aí, por favor...” (Padre Ailson, Aldeia São Miguel, set. 2002). É interessante
perceber que, nessa prática religiosa, coexistem tempos e ritos diferentes. O padre,
procissão.
batizar criança no dia do santo padroeiro. Nesses últimos três anos, a quantidade
Igreja de São Miguel, mais de cem pessoas reunidas. Quando terminou o batizado
de que, se a criança não for batizada quando há Foto 109 Batizado feito pelo padre
Ailson, tendo como padrinho o
temporal, o trovão fica em cima da casa. Uma outra Cacique Néo (out. 04)
crença é de que a criança pagã chora muito; se batizar, afasta os espíritos, e ela
passa a ter saúde e deixa de chorar. Ou ainda, numa casa que tem sete filhos (as)
185
consecutivos (as), o mais velho tem que ser padrinho do mais novo porque senão,
em noite de lua, ele vira lobisomem. Todo esse contexto de crença religiosa
curumins. É tanto que, quando morre uma criança pagã, há um grande desconforto
dos pais.
padroeira vai sendo preservado. Muitas pessoas não vão à igreja durante o ano,
mas, nesse período, participam dos rituais coletivos e dos momentos individuais de
devoção com Nossa Senhora. Segundo Rolim (1970, 340-341), “[...] a grande
massa dos que se dizem católicos, porque cultuam os Santos, fazem promessas,
assume, por vezes, um caráter individual, por vezes um aspecto coletivo”. Alguns
devotos entram na igreja de joelho. Tem aqueles que vão descalços ou vestidos
com uma roupa bem diferente, para pagar a promessa feita. Há quem sente a
38
As aldeias de Grupiúna, Jacaré de César e Silva de Belém têm a mesma santa como padroeira,
conforme Tabela 10.
186
esperança que lhe resta na vida. Segundo Frei Francisco C. Rolim (1970, p. 341),
conserva a tradição de fazer muitos novenários. É a única que tem duas festas de
padroeiro no ano e, em cada uma dessas festas, são nove noites de novenários
que acontecem nos meses de setembro e dezembro. Nos meses de maio e junho,
todo dia é dia de novena. Nesse período, é rezado também o Terço da Misericórdia
nas casas, todas as tardes. São mais de sessenta famílias que, diariamente, estão
comprometidas em realizar esse rito religioso. Existem outros dias santos em que
se faz também o novenário, como no dia de São Sebastião, de Santa Ana, etc.
serve. Mas é a imagem considerada milagrosa, a imagem que está neste altar, “[...]
Nela os fiéis querem tocar. Diante dela se prostram, olhos fitos no Santo
outra aldeia, existe uma peculiaridade como em São Francisco, de rezar a novena
muito bonita.
procura entre os Potiguara. Neles estão presentes pobres e ricos, velhos, adultos,
39
Ver, no final, os anexos.
40
No último dia da novena, um devoto da Baía da Traição que alcançou um milagre, há vários anos,
cumpre com a promessa de ornamentar a igreja de São Francisco. A cada ano, além da arrumação,
essa pessoa doa novas toalhas e uma nova bandeira de Nossa Senhora da Conceição.
188
Já a participação das pessoas nos cultos e nas missas não tem essa
dimensão dos novenários. Dos índios católicos que freqüentam a igreja, a maioria
pessoa não tiver uma vida decente, o fato de ir comungar é motivo de comentários
não chega a 0,3% da população de São Francisco. Das presentes, apenas seis
Tracoeiras e do Galego. Pouquíssima gente para uma aldeia que tem mais de
consideravelmente. Nilda (dez. 2004) confirma esse dado afirmando que “esse ano
foi uma desanimação muito grande. Vieram poucas pessoas das aldeias nas
novenas, não teve parque, foi uma coisa séria”. Uma das causas em 2004 foi a
41
A maioria não é casada, e o matrimônio é uma das exigências para comungar.
189
festa. Conta que, nos anos sessenta, a igreja, por falta de manutenção, caiu, e
durante nove anos, não teve festa, e “as imagens ficaram levando fumaça de casa”
Ele disse que estava para ir a Holanda para passar 2 anos com a
família. Era muito católico e fez uma petição (promessa). Se no
período de 2 anos, saindo do Brasil para a Holanda, chegando em
paz na Holanda, passando 2 anos em paz na Holanda com a família,
voltando para o Brasil e chegando no Brasil em paz, ele tinha uma
oferta para Nossa Senhora da Conceição. Então ele viajou e deu
tudo certo. E de fato veio até aqui na aldeia para cumprir a petição.
Moonem voltou para a aldeia com o dinheiro que havia prometido e deu
autonomia para os índios decidirem sobre o que fazer com a quantia arrecadada.
Seu Batista (set. 2003), na presença do sogro Teo e na frente do seu compadre
Manoel, disse:
devoção comum. É ali que o povo faz suas rezas, organiza novenas, decora
orações e espera o padre, quando ele vem celebrar a missa e dar os sacramentos”.
Quando São Miguel chegou à Vila, na década de oitenta, Seu Batista (set. 2003)
190
mandou fazer o nicho das três imagens, seguindo o mesmo formato da velha
matriz. “Mandei o mestre tomar a altura e a largura em São Miguel dos nichos. O
rapaz foi lá tirou toda medida, desenhou, veio e fez”. Atualmente, a igreja está
sendo ampliada para dar melhor comodidade para as pessoas durante as práticas
décadas. Dona Joana, que hoje mora na Aldeia Galego, mas que é filha de São
Francisco, conta que, antes, o padre que vinha celebrar a missa chegava no dia
A iluminação era bem diferente, uma vez que não existia luz elétrica. Tudo
era feito com facho de pau d‟arco, uma madeira de lei conhecida na região,
também chamada de ipê. Cada aldeia convidada era responsável por fazer a
iluminação da novena e também por trazer as velas e os fogos da noite. Isso fazia
com que cada noite sempre tivesse algo diferente, numa disputa muito saudável, de
muita animação.
já naquele tempo, colorir as noites com “roda de fogo” (fogos de artifício). “Nesse
tempo, tinha uma roda de fogo cheia daquelas bombas e de foguetões. Eles
roda de fogo e saía aqueles fogos de lágrimas muito bonito” ( Dona Joana do Galego,
Aldeia São Francisco, set. 2003). Depois do encerramento da novena, era uma
Dona Joana relata que, nessa época, não havia banda de fora. Era uma
grande festa, quando as aldeias vinham todas para dançar o coco de roda, a
Toré. “Antigamente era bem mais animado e tinha esse negócio de vergonha não.
Dançava moça, mulher, homem, todo mundo. Dessa turma só existe eu e uma
comadre que tem aqui” (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
de Cumaru, Mataraca, Catu, eles já sabiam que essa data sempre teve nove noites
cacho de banana, abacaxi e jaca. Quem tomava conta do dinheiro era o Regente
(VIEIRA, 2001). “Hoje eles não ligam não, mas, naquele tempo, naquela época,
todas essas aldeias eram regida pelo regente” (Dona Joana do Galego, Aldeia São
Seu José Bitu (dez. 2004) confirma essa mesma história, lembrando que
“antes existiam muitas doações de frutas dos sítios”. Seu Batista, Seu José Bitu,
assim como Dona Joana e muitos outros anciãos não estão satisfeitos com a atual
festa da padroeira. Todos são unânimes em dizer que antes era muito diferente.
Tinha muito mais aldeias, muito mais gente e era bem mais animado. A esse
coisas vão se acabando, e a renovação nova não liga”, diz Dona Joana (dez. 2004),
comentando sobre a questão cultural que, segundo ela, seria bom se passasse
festa. “Hoje bota o convite na rádio, sai pedindo ajuda para deputado, prefeito e tem
essas bandas. Mas no meu entendimento não era nada de banda não, era somente
mundo e pronto” (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
não se fazem mais. O Toré também não é mais dançado nesse período 42. O que
profana”, que sempre foi organizada por um grupo que não tem nenhum vínculo
com a igreja, mas, nesse ano, as lideranças eclesiais resolveram assumir a festa
para arrecadar fundos e saldar as dívidas da igreja. Segundo Severina (dez. 2003),
42
Somente as aldeias de Monte-Mór e de Jaraguá dançaram o Toré durante as festas de padroeiro,
em 2004.
194
“[...] o pessoal sempre faz festa, mas nunca dá nenhum maço de vela para a
do Cacique Djalma que, embora não participe diretamente dos trabalhos eclesiais,
está informado sobre tudo o que acontece na aldeia e, se for preciso, interfere nas
decisões que são tomadas. Agnaldo sofreu muita pressão dos antigos
responsabilidade.
da aldeia que queriam entrar no pavilhão de graça. “Eu entrei sem pagar. Agnaldo
viu, baixou a cabeça e não disse nada. Eu queria ver se ele ia me barrar. O prefeito
já pagou tudo isso”, disse Capitão (dez. 2003). O prefeito realmente pagara uma
parte das despesas da Banda Litoral, mas foram feitos outros gastos como as
desgostoso com toda a situação criada e não voltou mais para os trabalhos
do ponto de vista dos mais velhos, é enterrar a questão cultural e jogar no lixo
com a participação das bandas musicais. O Padre Ailson (dez. 2004) reconhece
que, “na atual conjuntura Potiguar, não se faz festa de padroeiro sem banda”. As
diferenciada indígena é uma das grandes âncoras desse resgate cultural que já
nova liderança, do Toré etc. E como viabilizar uma saída para fortalecer a cultura e
toda a tradição Potiguara dentro de um contexto atual com shows de vários estilos
musicais?
em 2004, talvez sinalize uma saída para satisfazer a todos os índios, tanto na
cultural com ritual na furna e o Toré no Terreiro; o terceiro momento foi o lazer e
muita diversão, com uma festa dançante, animada por uma banda musical.
43
O Cacique Néo, responsável por contratar as bandas musicais da festa do padroeiro da Vila São
Miguel, é uma das principais lideranças que defende o fortalecimento cultural, as tradições dos
antigos, o resgate da língua da aldeia.
196
cada cristão Potiguara. Uma ampla mobilização que envolva todas as aldeias,
como fez a Aldeia Forte, em 2004, na sua primeira festa da padroeira. Essas e
em São Francisco, um novo momento eclesial para a etnia. O Toré, enquanto rito
religioso, poderia ser cuidadosamente analisado para congregar toda a sua força
Jaraguá.
festas dos padroeiros, primeiramente, com Toré, mas também com coco de roda,
ciranda, lapinha e tudo o que, num passado recente, era o que animava as festas.
E o terceiro ponto é que, na conjuntura atual, é muito difícil fazer uma festa
sem uma atração musical. Jaraguá, em 2005, fez uma programação com banda
durante a festa do padroeiro, que trouxe satisfação para todas as pessoas que
queriam se divertir, sem que ninguém precisasse pagar para dançar, uma vez que
o show foi de graça para toda a aldeia, no meio da rua. Jaraguá pode estar assim
Pedro Poti, de se fazer um musical com banda, tendo como objetivo a alegria e a
diversão da aldeia.
197
evangelização indígena, mas não assume uma postura profética de adotar uma
teologia índia, segundo Ruffaldi (2002). Para Leonardo Boff, João Paulo II fora da
ameríndia. Mas foi, sobretudo, na de Santo Domingo (1992), que a igreja pediu
Arquidiocese nunca levou esta questão a sério” (Deputado Estadual Frei Anastácio,
Aldeia Monte-Mór, out. 2002). Essa é uma realidade presente na Igreja local,
usando de um discurso que não condiz com a prática. Segundo Comblin (2000,
entanto, esse discurso fica cada vez mais distante da realidade. [...] O discurso
44
O lastro teológico que deu suporte para a criação do CIMI está pulverizado em vários documentos
da CNBB, do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) e do Concílio Vaticano II, quando fala
em diálogo, missão, libertação, inculturação, povo de Deus, opção preferencial pelos pobres, etc. Na
198
quando a hierarquia eclesiástica (Papa, bispos e padres) fala sobre o assunto. Hoje
nem a CNBB e, muito menos, o Vaticano têm uma proposta pastoral para os povos
discurso que não condiz com a prática efetiva das Dioceses e das paróquias nas
outro bispo e por poucos padres, mas ignoradas ou, até mesmo, completamente
época da criação do CIMI (1972), o Brasil estava em plena Ditadura Militar e havia uma previsão
muito pessimista, de que, em poucos anos, os índios estariam extintos. Não se tinha a esperança de
que a população indígena pudesse sobreviver, voltar a crescer e até ter um futuro como povo e
como nação. Não existia uma pastoral de conjunto para as questões indígenas. As ordens e
congregações religiosas eram quem assumia esse grande desafio, de responsabilidade das
Prelazias, Dioceses e Arquidioceses.
199
dos dominados, que ainda não foi sequer iniciada. Segundo o autor.
pela CNBB, tendo como tema Fraternidade e os Povos indígenas, e lema, Por uma
terra sem males, que fez um planejamento minucioso seguindo o Método Ver,
propostas do CIMI, mas não assumido pelas dioceses e paróquias de todo o Brasil.
aprofundou esse eixo pastoral, que é muito pequeno, levando em conta todo o
rebanho no Brasil.
seus rituais sagrados. Durante esse período, todas as paróquias fizeram uma
comissões, setores específicos de pastoral indígena, etc. Para onde foi o dinheiro?
Infelizmente, nenhum centavo foi aplicado numa efetiva mudança pastoral indígena
nem foi feito investimento para melhorar as condições de vida dos Potiguara.
Foto 114 O sorriso de Guilherme, filho do Cacique Bel, deixa a pergunta em aberto...
Aldeia Três Rios (ago. 05)
45
Tal „esquecimento‟ também ocorrera por ocasião da elaboração da Constituição Estadual da
Paraíba e das Leis Orgânicas dos três municípios onde estão as aldeias. Até hoje, tal situação
permanece sem nenhuma alteração e mais de uma década já se passou.
202
religiosas Potiguara, por ser algo quase que inalcançável devido à dinâmica vital
que vai tomando forma nas aldeias, cada vez que os índios realizam suas partilhas,
“plantam” seus entes queridos, fazem seus rituais em diferentes situações, como as
5.1 A Partilha
reciprocidade e gratuidade. Isso não significa dizer que a aldeia seja um paraíso.
Não chega a tanto, uma vez que, como em toda sociedade, nas indígenas também
que aproximam as pessoas, que contribuem para quebrar certas disputas internas,
costume presente no cotidiano Potiguara e, por mais simples e elementar que seja,
na maioria das vezes, está sempre conjugado com alguma prática educativo-
religiosa. Essa prática não é visível num primeiro momento, num primeiro olhar,
uma multiplicidade de gestos praticados pelos índios, nos diferentes espaços e nas
ser feita por crianças, como por jovens, adultos ou anciãos, seja em casa, na
lugar. Pode envolver duas ou mais pessoas, grupos, segmentos sociais, uma ou
mais aldeias. As gerações mais jovens, como diz Durkheim (1977), educadas
aldeia.
amor, de afeto, situações que surpreendem pelo desapego como são praticadas.
Para este estudo, fizemos apenas duas opções: a primeira é o Dia dos
Pais, e a segunda, a Ceia Potiguara. A escolha pela primeira se deu pela
importância e dimensão que a festa assumiu na Aldeia, conseguindo reunir a
maioria dos pais; a segunda por ser um momento onde acontece a solidariedade.
204
Santa, por ser um ritual que, embora acontecendo na mesma data, a dimensão da
paralelo entre o culto litúrgico da ecclesia com a vivência no altar sagrado das
casas de farinha e nas „mesas eucarísticas‟ de cada lar. É somente nas casas que
planejado entre várias pessoas. É um trabalho comunitário que deve ser bem
para conversar com os pais sobre a árdua missão de não só cuidar dos filhos
igreja e à vida inteira, dando exemplo de verdadeiro pai. Cobra dos filhos o respeito
pelos pais, à valorização da família e de tudo que conduz para uma formação da
vida. Termina agradecendo “a Deus por ele nos ter dado a vida e pelo dia dos pais”
minha vida”; “Pai, eu te amo, muito, muito; um beijo”; “Que Deus te dê muito anos
de vida” (ago. 2003). Para finalizar, o grupo de jovens fez uma apresentação
1
A escola municipal de Ensino Fundamental, Centro Social São Miguel, a escola da Igreja do Betel
Brasileiro e a escola estadual indígena Pedro Poti.
2
As pessoas envolvidas na festa dividem em casa o trabalho de preparar os alimentos que serão
consumidos, partilhando assim trabalho e despesas.
206
2003).
Essa foi uma das poucas oportunidades de contar com a presença de uma
religiosos. Porém, no dia dos pais, das mães e das crianças, na Aldeia São
Aldeia. A festa do dia dos pais é exceção. Talvez pelo convite reforçado tanto da
3
As mulheres sempre estão juntas: na igreja, na casa de farinha, no dia das mães, na lavagem de
roupa, etc.
4
Uma parte dos homens também se encontra constantemente no campo de futebol ou nos bares.
207
família (mulheres, filhos, netos e até bisnetos), quanto das instituições (escola,
Índio, etc. a partilha desses momentos festivos está sempre interligada (associado)
a uma prática religiosa. A vida na aldeia tem essa dinâmica da presença constante
indicar caminhos em outra direção, que não seja da ordem econômica capitalista,
justamente por apontar para uma outra concepção de mundo em que a vida
humana possui, também, uma outra valoração mais digna, mais respeitada.
simbolismo e o ritual das principais festas litúrgicas dos cristãos (BOROBIO, 1990).
Uma dessas datas é a ceia eucarística instituída por Jesus Cristo, na Quinta-Feira
208
Santa, no mesmo dia em que, hoje, acontece a partilha do pão nosso de cada dia.
têm como tradição reservar uma parte da mandioca para esse período. Mesmo as
possível, de ter garantido a mandioca para essa ocasião. Os que não têm roçado
índios mas, nessa época, torna-se essencial, pois é durante a sua fabricação que
para os índios, porque essa comida é feita em quantidade para saciar a fome da
5
Existem diversas lendas sobre a origem desse tubérculo, conforme Cascudo 1979.
6
Cf. leituras sobre a produção da farinha: Andrade (1999); Gândavo (1980); Medeiros (1997);
Morais (2002);
209
bananeira.
massa, que é
colocada sobre a
folha da bananeira,
numa porção de
Foto 118 Forno com beijus. Casa de Foto 119 Forno com beijus. Casa de
farinha da Regina (abr. 03) aproximadamente
farinha de São Francisco (abr. 03)
auxílio de uma pá de madeira, vira-se o beiju para assar dos dois lados. Tudo é
da mandioca, mas
diferente do beiju:
Sua fabricação tem outro processo que consiste em colocar uma camada fina de
goma sobre o forno e, uma vez estando assada, vira-se para assar o outro lado. Os
210
resíduos que ficam são retirados com uma vassoura de cipó, para evitar que a
tradição de algumas famílias fazerem também, nesse Foto 122 Pé-de-moleque (abr.03)
as pessoas e as famílias das aldeias e chega a ter reflexos para além das fronteiras
étnicas, porque se tem o prazer de dar e de receber o „pão nosso de cada dia‟. É o
acontece.
para a Semana Santa mostra o zelo em preservar e dar visibilidade a essa tradição.
Um outro rito de partilha que acontece, nesse mesmo período, com muitos
saber das novidades da aldeia. Quando voltam Foto 123 Trator da FUNAI (abr. 04)
da pesca, há uma partilha na aldeia. Muitas vezes, quem não pode ir para o
as famílias da aldeia.
participação dos homens, das mulheres e das crianças que dá um ritmo diferente,
212
um ritmo novo, um único ritmo na aldeia, fazendo com que todo esse ritual passe a
ceia Potiguara com a presença de toda a família em torno da mesa no lar. Esse
resultado é muito significativo dentro de uma aldeia que tem seus conflitos, suas
tudo é de todos. A cada ano, a Ceia Sagrada Potiguara vai se configurando numa
enfermeiros, dentistas) que são contratados pela FUNASA para atender à área
Potiguara para a cura dos mal-estares e das doenças causadas por fatores físicos,
como doença, existem aqueles que são tratados no âmbito doméstico sem o aflito
família tem com outros casos parecidos” (LANGDON, 1991, p. 217). São
7
Segundo Souza (2004, p. 77), os biomédicos tratam de doenças como: “anemias, hemorróide,
hepatite, diabetes, hipertensão, etc .
214
tosse, gripes sem febre, cortes pequenos, dores de cabeça, azia, diarréia etc. Os
diversos incômodos como: dor de cabeça, dor de dente, dor no estômago, dor no
braço, erisipela (vermelhão), febre, diarréia, “espinhela caída”, “ventre caído”, “mau
por catimbozeiros, picadas de bicho, entre outras. Segundo Souza (2004, p. 76), as
remédios caseiros feitos com ervas do mato e/ou dos quintais, bem como, em
8
A exemplo das doenças iniciáticas, como “doença que ritual cura” etc.
215
que têm dois Pajés, sendo uma, mulher. A Pajé Fátima realiza rituais de cura, faz
aldeias e, nem mesmo, dentro da própria aldeia. Já o Pajé Zé Espinho está ainda
no começo das suas funções; não é rezador, não faz cura, mas tem uma maneira
muito especial de tratar com a mãe terra, com a mãe natureza e com seu povo,
função de parteiro, sendo assumida por um homem, como neste caso específico.
função.
Algumas preferem não rezar em determinadas horas, como Dona Maria da Luz, da
Aldeia de Camurupim, que não gosta de rezar ao meio dia. Perguntada sobre a
razão de tal procedimento, respondeu-nós, dizendo: “meu pai era rezador muito
conhecido em toda região, deixou essa herança e sigo a tradição fazendo igual a
ele” (abr. 2003). Já a Pajé Fátima (set. 2003) disse que “tem horas que são mais
Muitas vezes, além das rezas, são necessários banhos de ervas para a
pessoa ficar curada. Existe o “banho pra limpeza”, feito com plantas cheirosas: rosa
“banho do descarrego”, feito com sal grosso e com outros tipos de plantas: pião
roxo (Jatropa gossypifolis), manjerioba, piqui, etc. Para preparar esse banho, colocam-
se sete pedras de sal grosso, sete folhas de cada planta, de seis qualidades de mato
diferentes. Muitas vezes, é preciso também dar um defumador na casa com chifre,
amescla (planta), bejuim, para fazer a limpeza de tudo o que é nocivo. Pega-se um
fogareiro com brasa e se colocam umas lascas de chifre para incensar toda a casa.
Para cada situação, é dada uma orientação de como a pessoa deve proceder para
disenteria; chá da folha da laranjeira, para insônia; sabugueiro, para febre alta;
romã, para dor de garganta; cajueiro roxo, para ferimentos. Mas existem
são curadas na aldeia. Quando acontece uma cura, cresce a procura das pessoas
que a rondam. Segundo Aníbal (jan. 2005), sua avó morreu com um lado seco, “de
tanta coisa pesada que ela rezava”. Já Dona Maria das Neves (Aldeia Camurupim,
abr. 2003) diz que “o olhado quebrante pega na pessoa e a pessoa fica quebrada
também. Ela precisa ter suas defesas pra livrar de todos os males”. E, mesmo com
Ave Maria, tem vez que vem assim, uma pessoa pra gente rezar, tá
arriado, a gente pensa que é olhado, mas não é. É outras coisas
invisível, aí pronto a gente pega os carregos forte. Quando a pessoa
chega doente, a pessoa na reza encontra, se está pesadão ou não.
Eu mesmo encontro. Quando eu encontro, eu rezo; se é uma coisa
que eu puder tirar na reza, aí eu rezo. Quando eu não posso, eu
mando sair fora (Maria das Neves, Aldeia Camurupim, abr. 2003).
Quando a gente está rezando se percebe que a pessoa está com
espírito, carregado, a gente já sabe que não é coisa boa. Aí se
começa a rezar logo com a força do credo. Aí prende o que for três
vezes. Aí começa a rezar, pronto. Ninguém erra mais não. A força do
credo espanta qualquer coisa, nada resiste (Cacique Aníbal, Aldeia
Jaraguá, jan. 2005).
manacá, vai para as matas e para o mangue se purificar e, quando precisa, profere
218
também orações deixadas pelos índios velhos, não reveladas. Segundo ele, “os
começou a rezar. A Pajé Fátima não teve também quem lhe ensinasse a rezar.
Depois de um sono que durou 24 horas, começou a desenvolver esse seu lado até
então desconhecido. O Cacique Aníbal de Jaraguá aprendeu muita coisa só, mas
conta com a avó, sábia rezadeira, que continua ensinando muita coisa para o neto.
Dona Maria das Neves, também de Camurupim, só começou a rezar e curar com
“agoniado”, e ele, depois de adiar por alguns dias esse desafio, foi motivado pela
9
Entre os Xukuru, “O pajé entre todos os especialistas de cura é o que tem maior acesso à
cosmologia do grupo e aos saberes médicos ancestrais, por isso está situado em cima do tronco da
árvore e mais próximo às suas raízes, o „reino encantado‟” (SOUZA, 2004, p. 54).
219
mulher, numa hora de necessidade, rezou, e o filho se acalmou. Mas, segundo ele,
10
Segundo Ferreira (1986, p. 705) “Designação comum a numerosas doenças atribuídas pelo povo
à queda da espinhela [de espinha + -ela] Designação vulgar do apêndice cartilagíneo do esterno”.
220
adultos utilizando o maracá. Segundo dona Dacié (Monte-Mór, jan. 2005), ela reza de
várias maneiras.
Dona Maria das Neves (Aldeia Camurupim, abr. 2003), é a maldade das pessoas.
“Tem uma criatura aqui que quando olha, mata. Já matou muitos pés de planta,
dando fruto. Quando ela aparece, as mulheres passam longe, na carreira para não
serem vistas. Os olhos dela são maus, a áurea é muito pesada”. Da mesma
maneira que acontece isso com as plantas e com os adultos, segundo ela,
acontece com as crianças. “Só basta olhar pra uma criança, admirou, pronto, ficou
são maus, quando olha, só traz maldade!” (Aldeia Camurupim, abr. 2003). E isso
pode até acontecer também quando a casa é admirada. “Passa pela sua casa,
olha, vê as coisas bonitas, admirou, já botou o olho, quer dizer que ali já ficou
só acontece por causa da maldade, gente de maus olhos, que quer o mal, que só
pede derrota pros outros e fica mal também. O Cacique Aníbal (jan. 2005) revelou
que a maldade é tanta, que se coloca areia do cemitério na casa do povo. “Se botar
na cumeeira de uma casa, aquela família fica toda seca. Morre, se aperreia de um
Existem males que não são fáceis de ser identificados nem curados. O
Cacique Aníbal (jan. 2005) disse: “quando vai caminhando, sente aquela pessoa
221
perto da gente, andando junto com a gente, sabe se é do mal. Se eu vou pra um
canto, a gente sente se tem algum perigo para a gente, se não tem, a gente sabe
também”. Existem pessoas que trabalham com forças espirituais do bem e do mal.
Segundo ele, “Seu Vicente, ex-cacique da aldeia, trabalha com magia negra, coisa
do mal. Já Seu Geraldo, Dona Dacié e Seu Benedito trabalham com mesa branca
que é do bem”. Segundo Dona Dacié (jan. 2005), o trabalho com a mesa branca é
Esse trabalho é sempre realizado durante o dia. Todo mês, Dona Dacié
Tinto, ela está sempre participando. Por cada trabalho com mesa branca, ela cobra
uma taxa de R$ 30,00 (trinta reais). Quando reza, nem ela e nem as outras
Dona Maria Gomes, da Aldeia do Forte, está sempre atenta para proteger
seus filhos contra todos os males. Todas as suas filhas carregam dentro da bolsa
um terço, e os filhos, um patuá de proteção. Poucos anos atrás, um dos seus filhos
222
foi jurado de morte, por outros índios Potiguara de um grupo adversário. Ela, com o
poder da oração, fez com que nada acontecesse com ele. Mais tarde, um dos
genros escutou, na mesa de um bar, o pistoleiro dizer que não matou o índio
de um santo de devoção. Terços, imagens, sinal da cruz, ramo santo podem livrar
para livrar o olho grande. Tem índios que, em casa, possuem um pé de jurema, de
Existem alguns sintomas que dão indicações para a rezadeira fazer suas
Pelo sinal da santa cruz, livra nos Deus nosso senhor, dos nossos
inimigos. Pai nosso que estai no céu, santificado..., Ave Maria
cheia... Se eu puser minha mão direita sobre esta pessoa doente,
pronunciando as seguintes palavras milagrosas. Jesus, Jesus me
ajude aonde eu puser minha mão milagrosa. Jesus me bota a
virtude. Assim como as águas tu reparaste, pararei olhado e
quebrante, todo mal de cima de FULANO; se entrou por detrás, tiro
com a força de São Brás; se botou de lado, tiro com São Bernardo;
se botou de banda, tiro com a senhora Santana; se botaram nos
olhos, se botaram no começo, se botaram na boniteza, será retirado
por Santa Tereza; se botaram de coração será retirado com o
223
senhor, São João. São Clemente, por onde andou, por si se curou,
todos males ele curou, com a força de nosso Pai Senhor ele curou.
Com Pai, Filho e Divino Espírito Santo, todos os males ele retirou.
Tava sentado São Pedro, na sua Santa pedra, Jesus perguntou: o
que estás fazendo Pedro? Senhor, eu tou curando, eu tou rezando
FULANO. Ele disse, reza Pedro e oferece e joga pras ondas do mar
sagrado, lá pra boca dos animais ferozes ninguém pra fazer mal a
FULANO e nem nada. Salve Rainha, mãe de misericórdia, ...
FULANO, Deus te fez, Deus te criou, neste mundo te botou, todos
males Jesus vai curar, com a força de nosso pai celestial, Jesus de
Nazaré que vai te ajudar, com o Pai, Filho e Espírito Santo, Amém
(Camurupim, abr. 2003).
acontece com pessoas adultas. A rezadeira faz algumas medidas com uma toalha
precisando ser rezada. Segundo Dona Maria da Luz, ela reza essa oração:
levantando e vai rezando a pessoa. Primeiro pede força a Deus Tupã e a todos os
espíritos naquela hora. Que com aquelas palavras ditas ao irmão, ele seja curado
sintomas de que pode estar com um encosto11 no corpo. Dona Maria da Luz, da
Aldeia Camurupim, afirma que se reza uma única vez a oração do anjo Custódio12,
e os sintomas desaparecem. Quando a pessoa está com dor de cabeça, ela reza a
alguma forma, estão afetadas por algum mal. Algumas enfermidades podem ser
curadas por uma ou mais orações conhecidas pelo mesmo rezador. Para benzer o
cobreiro brabo, o Cacique Aníbal (jan. 2005) pode utilizar uma destas duas opções:
11
Espírito ruim, algo que não é benéfico para a pessoa.
12
Ver, em anexo, no final da tese.
225
Muitas das informações sobre as rezas não nos foram repassadas por
Gomes e a outras lideranças, elas disseram que não poderiam responder. Há uma
presença de muitas orações católicas, como o Pai Nosso, a Ave Maria, a Salve
Rainha e o Credo nas rezas pesquisadas, assim como, o culto a muitos santos
estão presentes nas orações dos Potiguara. Outras orações são criadas pela
Muitas orações são aprendidas de livros contendo as mais diversas orações. São
plurais as fontes que as rezadeiras utilizam para fazer suas práticas religiosas.
vida das pessoas”, afirma Dona Dacié (jan. 2005). Segundo Souza (2004, p. 57),
se ele tem „fé em Deus‟ e se acredita no poder de cura da reza, pois o tratamento
Mesmo sendo parte essencial da existência humana, ela não é conversada e nem
sobre o tema da morte. “Ninguém quer amizade com ela, e ela (a morte) também
não quer amizade não”, afirma Seu Batista (dez. 2003) que, em seguida, conta uma
O cara era pobre, não tinha nada na vida e aí ele fez negócio com a
morte. Um dia, apareceu uma mulher, mas ele não sabia quem era.
Ela disse: era você que queria enricar? De hoje em diante você vai
trabalhar pouco e logo, logo, vai enricar. Como assim, disse ele. A
mulher só fez falar e saiu. [Ele explica dizendo que acha que a
palavra morte é uma palavra feminina, então com certeza ela é
mulher]. Aí ela foi-se embora e o cara começou a trabalhar e lá vai.
Um dia, enricou. Sim, ela disse: tem uma coisa. Tal dia eu venho te
buscar. Marcou o dia. Tal dia eu venho aqui e você vai comigo. Tudo
passou, ela foi embora. O camarada trabalhou pouco e ficou rico. Um
dia ele ficou pensando, imaginando naquela mulher, naquela pessoa.
Aí ele lembrou que tal dia ela ia buscar ele. Ele resolveu ficar todo
diferente: mandou cortar o cabelo, raspou a cabeça. No dia marcado,
fez uma reunião com o pessoal e ficou conversando com os outros.
Aí chegou a mulher, ficou olhando e perguntou: cadê fulano? E disse
o nome dele. Cada um olhou para o outro... ( era para negar que ele
estava ali). A mulher disse: Ninguém sabe não? Já que eu não achei
fulano, então vou levar esse careca aqui comigo. Moral da história:
não tem como escapar da morte. Eu acho que a morte tem um
caderno, com o nome de cada um e a data que ele tem direito.
desespero por parte de quem perde um ente querido. A maioria dos Potiguara é
católica ou evangélica, e isso faz, pelo menos teoricamente falando, com que a
morte seja assumida como uma passagem para uma outra vida melhor, junto a
Deus.
Quando morre um índio, o corpo é velado com rezas e hinos que confortam
velórios foi apropriado pelos Potiguara. Dona Daura conta que foi chamada, muitas
vezes, para rezar as incelências na casa dos cabocos. A idade avançada hoje a
impede de realizar essa prática religiosa que sempre fez com muito gosto e prazer.
“A juventude não quer saber disso não” (Dona Daura, São Francisco, abr. 2003),
velórios.
homenagear aquele querreiro. Segundo o Cacique Aníbal (jan. de 2005), “no ritual
estar junto com a gente, é mais um guerreiro de luta. Depois faz aquele
católicos, quando morre uma criança sem ser batizada, o Cacique Aníbal (jan.
2005) relata que se faz um ritual indígena para batizá-la antes de enterrar.
segundo Seu Antônio Juvita (Aldeia São Miguel, dez. 2003), da Aldeia São Miguel. Ele
recorda que existia um caixão preto que era usado para transportar todas as
o pessoal vinha buscar esse caixão pra trazer o defunto pra qui. Não
existia outro cemitério. Botava o morto dentro do caixão com aqueles
panos forrados e quando chegava no cemitério, a cova tava cavada,
enterrava aquele morto com todos os panos. Quando aquele caixão
ficava todo melado de sangue pisado, então passava água nele,
lavava, botava para escorrer e botava dentro da igreja novamente
para ser usado por uma outra pessoa.
frente uma cruz, quase sempre levada por uma criança, com o nome, a data do
são acolhidas pelas batidas fúnebres do sino. O caixão é levado para dentro da
de existir. Segundo Vieira (1999, p. 101), “[...] quem morre pode voltar ao mundo
dos “vivos” na forma de encantos, que na verdade são os espíritos dos fundadores
13
No caso de um evangélico, o defunto vai direto para o cemitério.
229
Trata-se de um conjunto de
Foto 127 Ritual do Toré no Terreiro de São Francisco (abr. 03) elementos presentes nas várias
etnias, mas cada grupo com suas especificidades locais e conservando sua
indígenas do Nordeste.
como indígenas (OLIVEIRA FILHO, 2004a). Entre os Potiguara, o Toré é uma das
Nordeste, nas últimas décadas, tendo duas fases consecutivas de análise. Numa
construção dos grupos étnicos e as referências do Toré são enfocadas para o papel
correntes culturais. A divisão desses dois eixos - política e cultura - foi aqui
pesquisas, uma vez que não se pode separar o que está intimamente interligado.
estão as pesquisas realizadas por Amorim (1970); Azevedo (1986); Moonen e Maia
(1992); Silva (1993); Vieira, (1999, 2001); Barbosa Júnior (2002). Esses
Foram abordadas outras questões importantes em seus trabalhos, como a luta pela
14
Cf. Oliveira Filho (1999); Arruti (1995, 1999); Barreto Filho (1997); Brasileiro (1999); Carvalho
(1984, 1994); Grünewald (1993); Souza (1998a); Valle (1999).
15
Cf. Andrade (2002); Barbosa (2003); Grünewald (1997, 2001); Neves (1999).
231
Palitot (2004); Magalhães (2004) e Palitot (2005). Esta pesquisa pretende, também,
contribuir com relação ao Toré, por ser uma das principais práticas religiosas
Potiguara.
etnicidade, mas não apresenta muitos detalhes de como eram as danças, as letras
Diretor Mário de Andrade, que tinha como objetivo fazer um levantamento das
Andrade).
uma visão pessimista por enfatizar os conflitos de forma negativa com relação à
movimento indígena.
Toré porque os índios aprenderam que, para “[...] ter cultura indígena, precisa exibir
atualmente como traje. De acordo com Barbosa Júnior e Palitot (2005, p. 164),
16
Ver transcrição das letras do toré Potiguara contendo um asterisco(*), em anexo.
233
acordo com imagens que são exigidas da „tradição indígena‟. Essa visibilidade
indígena, criada a partir das trocas com os parentes de outras etnias, passou a ser
um louvor em voz alta, em outros momentos, reza o Pai Nosso18, mas, em geral, é
natureza. Alguns minutos depois dessa eternidade, o maracá tocado pelo Cacique,
bombo, convida todos a ficarem de pé, para iniciar a grande solenidade sagrada.
“Toda essa energia espiritual, seguindo a tradição dos antepassados, é para fazer o
17
Ailson, liderança do povo Truká (Apud WELLEN, 2002, p. 207-208, grifo nosso), afirma: “No Toré,
usamos maracás - são eles que chamam atenção, em primeiro lugar, do nosso povo, e a atenção da
natureza, de todos os nossos antepassados e encantados. [...] no Toré, os encantados de luz ficam
rodeando a gente e nos protegendo de qualquer coisa má que venha contra nós naqueles
momentos”.
18
Na 4ª Assembléia Geral dos Potiguara, em 2004, em voz alta, o Cacique Néo, da Aldeia São
Miguel, iniciou o toré rezando o Pai Nosso em tupi.
234
bem e trazer benefício para os parentes e demais pessoas que estão precisando de
proteção, luz e guia para os vários círculos concêntricos formados em seu redor. "A
19
Só uma única vez, vimos o Toré sendo dançado no sentido horário, num ensaio com as crianças
da Aldeia Ibykuara.
235
pessoa que está atrás; esse movimento é repetido inúmeras vezes, durante a
realização da dança ritualística. “Através dos passos repetidos que cada Dança
possui, se entra num estado meditativo, onde não se pensa em nada: a mente fica
vazia” (BARRETO, 2005). É com esse ritmo que normalmente se faz a abertura do
Toré, sempre iniciando com a mesma música (descrita logo abaixo), embora haja
Há uma outra forma de se dançar Toré (cf. letra logo a seguir) através da
Há ainda uma outra maneira de dançar Toré (cf. letra logo a seguir), como
gestos de quem está peneirando a areia no mar. “Os passos acima descritos são
coreografia que parece com pássaros voando. Foto 131 coreografia do Toré
Terreiro São Francisco (dez. 04)
O Toré tradicional dos Potiguara, que tem como referência a Aldeia São
porque, atualmente, está sendo dançado em várias aldeias. Nenhuma delas tem a
origem desse patrimônio da memória coletiva nem existe uma instância deliberativa
para aprovar uma letra do Toré Potiguara. Para a Pajé Fátima (maio 2003), “nunca
teve mudança, nem para aumentar, nem para diminuir. São sempre as mesmas
letras”. De acordo com Caboquinho e com Iolanda, algumas pessoas das aldeias
criam novas letras, como as irmãs caranguejeiras Zuleide, Leda e Leza. As novas
novas letras pra gente” (Zuleide, Aldeia do Forte, maio 2003). Em Monte-Mór, a
Neguinho.
Os temas tratados nas letras do Toré têm uma grande variedade. Algumas
encantos de luz, à cabocla jurema, à luta pela terra, aos santos do catolicismo,
Nossa Senhora, a Jesus Cristo, enfim, a uma grande e fértil imaginação na sua
São Francisco, é preciso ter muito cuidado porque o “ritual é coisa séria; é
perturbada” (Joana, Aldeia São Francisco, maio 2003). Há uma seriedade muito
não pode haver desarmonia entre o mundo dos encantos e o real. Dona Joana
termina dizendo que, em certas situações, o Toré pode complicar a vida de quem
dança. “Outro dia o Cacique fez um ritual e não fechou. Os parentes (que já
morreram) de noite vieram perturbar o sono dele. Tem que prestar atenção e fazer
5.4.3 Os Instrumentos
com o som mais agudo, e o outro, mais grave, são facilmente encontrados, dentro e
Durante toda a jornada, com batidas cadenciadas, mais fracas e mais fortes,
sozinho ou acompanhado por outro instrumento, vai processando uma energia que
“Ninguém é o mesmo depois que dança Toré”, afirma o Cacique Dijalma (abril de
2003). Mesmo depois de terminada a dança sagrada, o bombo e a caixa têm todo o
pessoas ficam cantando e brincando por várias horas, sempre animadas pelo
pequeno orifício por onde passa o sopro do Foto 133 Seu Batista (esquerda),
conversando com seu Zé Bitu no ritual
do Toré, no dia do índio – Terreiro da
tocador; na parte de baixo, o cano é oco. Aldeia São Francisco (abr. 03)
Seu Zé Bitu (Aldeia São Francisco, abr. 2003), já idoso, da Aldeia de Cumaru, é o
único entre os Potiguara que sabe tocar as músicas nesse tipo de gaita e diz com
orgulho que acompanha qualquer tipo de música que tocar. Seu interesse pela
gaita nasceu quando ainda era muito jovem. Vejamos seu depoimento:
músicos. É preciso ter muita habilidade para tocá-lo. O som dá uma harmonia
maracás. “Toré de verdade só presta se tiver gaita” (Zé Bitu, Aldeia São Francisco,
abr. 2003).
compasso do Toré, e é utilizado pelo cacique para dar vida ao ritual, durante o qual,
várias pessoas dançam com o maracá na mão. É com esse instrumento que o
iniciar uma outra, e todos fazem o mesmo gesto. “Sem maracá ninguém dança [...]
quando a gente está tocando, a gente tá agradecendo a Deus Tupã pela saúde,
pela paz, pela educação dos nossos curumins [...]” (Cacique Djalma, abr. 2003). É
coco seco. Ele tem um cabo que pode ser de madeira, de osso etc. Dentro, são
delicadas, como do beija-flor, são colocadas nos maracás mirins, para as crianças
e têm relação com o animal de poder. Quando se está fazendo maracá, ninguém
fala com ninguém porque tem que está bem concentrada, invocando os ancestrais
trajes.
velhas e, assim, conseguir uma embira mais grossa e mais forte. Se a árvore for
muito nova, além de a embira ser fina, é frágil e dificulta tanto na hora de lavar a
uns 15 dias. A casca fica parecendo com limo de uma cor escura e gosmenta. Esse
é o ponto ideal para fazer a lavagem da fibra em água corrente. É uma festa fazer a
mutirão, as fibras são levadas para o quintal de casa para serem estendidas.
Depois de uma semana, a fibra está seca e pronta para a etapa seguinte.
joelho, tanto para os homens, como para mulheres e crianças. A fibra tem duas
tonalidades: uma mais clara, e outra um pouco mais escura. Se, por acaso, a
jangada foi atingida pelo fogo, ela produz uma fibra mais escura. “Muitos parentes
fazem saiotes mesclando a fibra mais clara com a escura ficando uma peça bem
bonita e diferente” (Pedro Ka‟aguâssu, jun. 2003). Com a fibra da jangada, também
As crianças, seguindo a
homens sempre dançam sem camisa e, debaixo do saiote, usam sunga de praia,
calção ou bermuda.
244
formas e tamanhos. Outros adornos Foto 139 Padre índio Edvaldo e o professor
Pedro Ka‟aguâssu; Ritual do Toré no dia do
Índio; Terreiro da Aldeia S Francisco (abr.03)
comuns são os cordões, usados no
5.4.5 A pintura
Foto 144 Cacique Geral pintando uma conclu- fixar a cor na pele. A pintura fica mais de 15
inte (8ª série) e a esquerda o filho Giga sendo
pintado pela Irmã Juvanete (dez. 04)
dias na
das tintas (guache, de tecido), de pincéis Foto 144 Capitão, sendo pintado por
Robinho, na festa de dois anos, da Aldeia
Três Rios (ago. 05)
coloridos ou até mesmo do batom.
pincel com cerdas de cabelo ou seda. As formas são variadas, às vezes, bem
curvas, vários tipos de traços. Isso porque a criatividade na pintura é livre e “não
precisa ficar repetindo sempre a mesma coisa” (Pedro Ka‟aguâssu, jun. 2003). Não
246
existe uma definição oficial de como deve ser a pintura Potiguara nem o local que
Foto 145 Seu Chico da Aldeia São têm ligações com um animal da região chamado
Francisco. Baía da Traição (jun. 05)
quati”. Segundo Iolanda (out. 2003), “a cor vermelha é o sangue que se mistura
com a terra e dá a cor preta”. Sandro (Aldeia Três Rios, ago. 2005) afirma que “a
porque, de acordo com a Pajé Fátima (abr. 2003), eles mantêm “contato com os
ancestrais, os parentes que já se foram. Aí a gente tá com uma energia muito boa”.
Há um consenso de que, quando se está dançando, “não existe tristeza, não existe
nada; tudo está bom” (Josafá, abr. 2003). O ritmo, a batida do bombo, alteram o
(manifestado). A dança traz muitos benefícios, pois quem tiver com problema de
saúde, começa a suar e começa a sair as energias ruins” (PAJÉ FÁTIMA, abr.
2003).
247
para a criança, “traz alegria e felicidade” (Aldeia São Francisco, abr. 2003); para o
jovem, “é maior alegria que sinto na minha vida. Gosto e acho bonito” (Aldeia São
Francisco, abr. 2003); Josafá (abr. 2003), afirma: “expressa todo sentimento de
alegria, todas as conquistas; quando estou dançando, parece que toda aquela
coisa ruim, todos problemas, tristeza, tudo que está acontecendo, vai embora. Na
hora que estou dançando, esqueço tudo”; para o tocador do bombo Veridiano (abr.
2003) é “uma alegria muito grande, porque é a canção da gente, dos meus pais,
dos meus avós”; para o cacique Djalma (abr. 2003) “traz muita energia para meu
povo, muita saúde. Eu me sinto muito feliz graça a Deus TUPÃ. Tem vez que estou
preocupado com minha vida, mas quando danço fico muito feliz”; a Pajé Fátima
(abr. 2003) se expressa dizendo: “quando estou dançando não existe tristeza, não
Entre os Potiguara, não é essa a leitura que se faz. Quem tem esse dom e
se manifesta durante o Toré é reprimido e “tem que fazer de tudo para segurar a
barra, se não quiser passar vergonha; é muito ruim dançar segurando as correntes,
prendendo o canal das divindades e dos encantados” (Dona Joana, Aldeia São
Francisco, abr. 2003). As pessoas mais sensíveis evitam participar ou dançam com
248
sempre tem alguém mais experiente para acompanhar a pessoa até ela voltar ao
normal” (Sandro, Aldeia Três Rios, out. 2003). Nesse contexto, a pessoa é vista
com certas „reservas‟ na aldeia. Seu Tonhô (Aldeia São Francisco, nov. 2003)
afirma que antigamente não existia essa cobrança entre os parentes. “Antigamente,
esse ritual sagrado era dançado nas matas, debaixo das árvores, perto das
cachoeiras, junto à natureza e não havia cobrança de ninguém. Cada um tinha toda
louvar e bendizer. Fica muito difícil e quase impossível seguir a Cristo e dançar
acontecem os rituais. No Dia “oficial” do Índio, 19 de Foto 146 A irmã Juvanete com seu
traje no dia do índio (abr. 03)
abril de 2001, ele celebrou a missa, que era o primeiro momento de abertura
21
Depoimento feito por Agnaldo, da Aldeia de São Francisco, em setembro de 2003. “Toré é coisa
de Satanás”. Ele se referia a uma expressão dita por autoridade evangélica indígena da igreja
evangélica de São Francisco.
249
índio, Edvaldo22, participa sempre dos rituais trajado e com estola típica Potiguara.
movimento.
Todos os três pastores evangélicos que são índios Potiguara afirmam que
não proíbem os parentes de dançarem o Toré. Muito pelo contrário, até incentivam
os irmãos a participarem do ritual. O Pastor Rosildo (Aldeia Silva, jan. 2005, grifo
nosso), da Assembléia de Deus da Aldeia Silva, hoje não dança mais Toré. “Eu
mesmo não me acho mais em condições de dançar o Toré, não me sinto bem
dançando. Talvez eu possa até me pintar, mas para dançar, tá lá, porque eu adoro
Deus de outra forma”. Mas ele afirma: “não tenho nada contra, porque isso aí é
uma cultura indígena. Toré eu não posso ser contra, não proíbo nenhum dos meus
irmãos da igreja dançar o Toré. Isso é a cultura indígena eu dou maior valor para
isso” (Pastor Rosildo, Aldeia Silva, jan. 2005). Ele sabe que, indo contra o ritual
sagrado dos seus parentes, mesmo sendo índio, com certeza é motivo de pressão
por parte das lideranças que não admitem essa postura de uma autoridade dentro
da área indígena. O Pastor deixa bem claro que a única verdade é a palavra de
Deus e que adora Deus de outra maneira, não no ritual do Toré, e assevera:
22
Pároco na cidade de Mogeiro, aproximadamente, 100 Km de João Pessoa. Foi ordenado no ano
2000.
250
de Marcação, índio nascido na Aldeia Galego, tem orgulho da sua cultura. “Eu,
como índio, pastor índio, eu até vou fazer um cocar para mim, pra quando me
apresentar, mostrar que sou índio, sou Potiguara. Isso me tem deixado orgulhoso
do que somos”. De acordo com seu entendimento, a questão religiosa pode estar
vejo que a minha cultura, o povo indígena Potiguara, eles não têm tido assim, o
O pastor não dança mais Toré e também não é mais convidado para os
rituais. “Às vezes, eu não sou convidado, nas festividades, porque eles acham que
eu como pastor, Pastor Batista, não posso participar porque é tradição deles. Mas
Santana, Marcação, jan. 2005, grifo nosso). Por mais que o pastor tenha abertura
com relação à questão cultural, ficam lacunas na sua prática pastoral com relação a
essa “contaminação”. Ele expressa: “Eles acham que eu na palavra de Deus estou
desmerecendo a cultura, isso é na mente deles. Pra mim, não. De jeito nenhum”
(Pastor João Santana, Marcação, jan. 2005). Um de seus grandes objetivos com
relação à questão cultural Potiguara é a criação, nos próximos dois anos, do Toré
Santo.
Por mais esforços que o pastor tenha demonstrado para mostrar uma
religiosas são contrárias ao que seus parentes têm de mais sagrado, que é o Toré,
segundo eles, santificado pela própria natureza por um Deus Tupã e pelos espíritos
de luzes. Isso é uma maneira de dizer que o Toré tradicional não é santo, isto é,
não é de Deus. Essa é uma postura bastante preocupante, pois cada vez mais,
dominante.
Francisco, tem convicção muito clara da importância do Toré para o seu povo: “A
gente respeita o Toré. Se aquilo (Toré) é cultural de nós mesmos, nós não vamos
mostrar textos isolados da Bíblia, mostrar o que não está na realidade. O cultural,
como fica a questão central com relação à crença nos espíritos indígenas, ele
argumenta: “pra mim não existe essa invocação mais aqui. Só alguns fazem. Eu
insisto: o importante é a cultura. Se dança pra cultuar, pra se divertir, pra enriquecer
e pra preservar sua cultura” (Aldeia São Francisco, abr. 2005). Até 2002, ele
dançou Toré, hoje, não dança mais. Samuel faz uma denúncia com relação às
Em geral, essa não é a prática adotada pelos evangélicos. Não há uma proibição
lideranças eclesiais participam nos rituais do Toré. Aqui entra uma questão
receberam algo da revelação, pode haver diálogo e comunicação entre elas. Todas
253
podem aprender a parte da verdade que lhes foi revelada” (COMBLIN, 2005b, p.
20).
Entre os Potiguara, muitas lideranças que estão à frente das igrejas não
dançam Toré. “As igrejas evangélicas não deixam os índios à vontade para a
prática do nosso costume (o Toré), a nossa cultura. Não é que eles não deixam,
fica a critério do índio, mas dentro do que eles querem, não é pra praticar a cultura
do índio” (MAGALHÃES, 2004, p. 79). Por outro lado, quem está envolvido na luta
da etnia pouco participa e não assume cargos na igreja. Isso significa que dançar
Toré e ser cristão hoje, na aldeia, nem sempre são práticas conciliáveis. Ruffaldi
(2002) acha que é possível beber das duas fontes. Os ritos cristãos têm uma
escolas pelas crianças, com uma certa freqüência, mas, em algumas aldeias,
quando acontece qualquer divergência entre eles, como também, quando acontece
alguma coisa boa, positiva que unifica. Se houver entendimento entre adversários,
23
Em 2005, todas as três lideranças estavam novamente juntas, no terreiro de São Francisco, sem
a presença do Cacique Djalma.
254
Uma ficou em casa consertando rede, vendo o movimento dos que iam visitar a
e anciãos dançando o Toré. Esse salto qualitativo tem um significado especial para
a etnia, uma vez que, dançando Toré, cada vez mais se fortalecem as raízes e se
invocavam todas as forças espirituais cada um no seu ritmo, no seu jeito, na sua
No final do encontro, num grande ritual, todos os povos fizeram um único Toré,
encerramento das atividades programadas nas escolas, nas igrejas, nas aldeias,
nos encontros, nas assembléias, nos seminários, nas semanas de estudos e nos
(2005, p. 22), que relaciona o termo à “pedagogia performática, quer dizer, que se
256
que não são utilizadas quando normalmente dançadas, além de, numa futura
ocasião, essa mesma seqüência poder ser novamente utilizada durante o ritual.
Isso poderá ser feito a cada ano ou num momento que for oportuno.
Os Potiguara, ao
longo da história,
sempre tiveram
muitas lideranças
respeitadas dentro e
fora da etnia
(PALITOT, 2005;
contribuição para o seu povo, de acordo com aquele contexto e com as prioridades
traçadas. Sua conduta à frente da etnia é constantemente avaliada por seus pares,
que têm interesses tanto pessoais como coletivos. Quando os anseios da maioria
indígena não estão sendo mais observados pelo seu representante oficial, ele pode
ser substituído. Essa mudança não é fácil de ser realizada nem de ser digerida
grupos. Tudo vai depender da base de apoio, dos acordos políticos, do trabalho
257
realizado, das idéias que a nova liderança tem para apresentar. Em qualquer
encarrega de fazer.
Caboquinho24, foi escolhido para ser o novo Cacique Geral dos Potiguara. O
contato com outros povos indígenas fez com que Caboquinho presenciasse vários
rituais, ao longo dos últimos anos, e participasse deles. Além disso, nas últimas
décadas, os Potiguara estão priorizando o fortalecimento dos seus ritos, das suas
tradições culturais. Essa conjuntura histórica fez com que, a partir da intuição, da
posto da FUNAI, desceu a ladeira da aldeia, indo até as margens do rio Sinibu,
local do grande ritual da posse do novo Cacique Geral, todo fundamentado no Toré.
Primeiramente se evocou a terra: “Ali nós estava pedindo a mãe terra para
que nós recebesse a energia da terra. A terra para a gente significa a força, a
24
Desde os anos noventa, Caboquinho participa ativamente do movimento indígena regional e
nacional, ocupando diversos cargos, como o de presidente da APOIME, tendo passado pela Europa
como representante indígena e participado de diversas conferências em vários estados brasileiros.
Constantemente tem sido chamado para proferir palestras e participar de seminários em diversas
instituições escolares, igrejas, universidades, ONGs etc.
258
contemplado foi o fogo: “Eu fiquei contra o vento, colocamos o fumo e toda aquela
fumaça que estava saindo tem um significado de deixar sair o espírito mal que
temos dentro de nós” (Caboquinho, maio 2002). E a última parte terminou com o
batismo do novo cacique nas águas do rio Sinibu. “Era assim que os nossos
antepassados faziam... a água significa tirar todo mal que tem dentro do nosso
2002).
Ainda nas margens do rio Sinibu, ao som dos tambores, dos maracás e da
gaita, o Cacique Néo (maio 2002), da Aldeia São Miguel, primeiramente falando em
cacique. Teu nome é Fogo Grande. Que Deus esteja conosco, hoje, amanhã e
sempre”.
densidade espiritual. O sol forte, o ritmo Foto 154 A Pajé Fátima (esquerda) coordenou
a posse do novo Cacique (centro) ; No primeiro
plano, Seu Zé Bitu tocando gaita (mar.02)
permanente dos instrumentos musicais, a
prostração dos filhos da terra, dos senhores das águas e dos guerreiros da luz
259
das águas, purificado no fogo e gerado no ventre da mãe terra. Esse novo
guerreiro, em todos os Torés onde se faz presente, é mediador para abrir caminhos
Cacique Geral tem um poder simbólico determinante para representar seu povo
com sabedoria.
possibilitando a criação e
algo que é sagrado na etnia. Esse momento ritualístico foi o coroamento de muitas
Nacional (LDB) 9.394, os índios de todo o Brasil têm assegurada nessa Lei, e na
solenidade, que foi o rito de colação de grau. Não foi fácil criar algo novo que
aquele momento. Foi determinante para uma parte do corpo docente e do discente
estudo dos rituais, que foram feitos sobre outros povos indígenas, na escola, a
escuta dos mais velhos e também a iniciativa dos professores, da direção e dos
alunos resultou num dos momentos marcantes para os que fazem a Escola Pedro
Poti.
ritual. Logo depois, todos prontos seguiram para o terreiro, local que já havia sido
com uma fogueira. Segundo Cacique Aníbal (jan. 2005), “o fogo é para convocar os
Toré (logo abaixo), ao som dos maracás e dos tambores, deixam aquele lugar
os espíritos e os ancestrais,
Foto 157 - Incensação dos Diplomas
coordenado por Joelma, Roberto (diretor),
Sônia e Caboquinho (dez. 04) primeiramente, num lugar um pouco mais
que, inicialmente, seria feito em Tupi e, depois, traduzido para todos repetirem em
sagrado.
263
Toré:
No pé do Cruzeiro jurema,
Eu brinco com o meu maracá na mão(2x)
De cima o meu Jesus Cristo,
Oh Cristo no meu coração. (2x)
Foto 160 – Concluinte recebendo
o anel de formatura (dez. 04)
264
começarem a dançar e cantar no seu Foto 161 - Caboquinho dançando o ritual Xukuru (dez.04)
ritual criado, como bem demonstra a vice-diretora (dez. 2004) da Escola Indígena,
Nilda: “Esse foi o primeiro. Valeu! O próximo vai ser melhor”. Mais de cem pessoas
puderam ver algo novo e envolvente estar sendo reafirmado na etnia Potiguara. O
Toré, o fogo, a Furna têm uma dimensão simbólica muito profunda na vida de
jovens que receberam certificados e anel de formatura. Esse fato acadêmico foi
serão a continuidade dessa geração que hoje está recebendo uma educação
pesquisas sobre a família, a aldeia, seus mitos, suas crenças, seus lugares
sagrados, enfim, uma outra história escutada e contada a partir da sabedoria que
anciãos trazem na memória. É nesse ambiente acadêmico que o Toré está sendo
essenciais para que a nova geração esteja mais fortalecida e orgulhosa de ser e de
Foto 162 Toré Potiguara: Seu Tonhô (direita); Seu Chico (centro); Cacique Robinho (esquerda) (jun. 05)
267
sagrada desse povo, aprendemos que, por mais que tentemos, não há como
externar as mudanças que foram sendo processadas ao longo dessa jornada para
condensar saberes teóricos e saberes populares, num trabalho que pudesse ser
referencial para a etnia, para a academia e/ou para interessados sobre o assunto.
após a definição do nosso objeto de estudo, percebemos, com mais clareza, que a
dimensão sagrada é que move a etnia, embora seja impossível tratar a questão
religiosa sem relacioná-la com toda a vida na aldeia. A conjuntura social está em
conexão direta com a eclesial, e a eclesial, com a social. São duas realidades que
toda prática religiosa é educativa, mas nem toda prática educativa é religiosa. Esse
foi o cerne do trabalho, o fio condutor que permeou toda a trajetória estudada.
contatos em momentos mais específicos com os índios, isso seria suficiente para
nos mostraram que só assim poderíamos perceber o que acontece com as práticas
educativo-religiosas Potiguara.
momento, a dialogar com pesquisadores que estudam os Potiguara. Isso foi muito
a circular nas conversas. Essa postura nos ajudou a encontrar novas fontes
teóricas sobre o foco de estudo e nos permitiu conhecer os autores que tratam da
estarem implicados um com o outro. Esses dois conceitos nada mais são do que o
indígenas sem envolver as suas tradições e os seus rituais. Um outro conceito que
elegemos foi o de memória, principal recurso utilizado pelos Potiguara para afirmar
sua história, uma vez que o conhecimento dos mais velhos vai sendo repassado de
Nenhum outro lugar é mais sagrado para o povo indígena do que a Mãe
colocada pelos índios no mesmo patamar que o Deus Tupã, por causa do poder
divino a Ela atribuído. Tudo na etnia gravita em torno desse epicentro sagrado
existem duas situações díspares com relação à terra: os índios da antiga Sesmaria
empresários que dizem semear o „joio‟, entre eles. Esse inimigo vem sendo
das aldeias.
ancestrais. O povo indígena tem, nesse território sagrado, sua fonte de inspiração,
parte desse santuário tem sido violentado e brutalmente destruído por causa dos
denúncias contra o poder econômico são feitas constantemente pelos índios e por
religiosa dos Potiguara. Na Aldeia Três Rios, a oca é lugar onde acontecem todos
da terra; é o local do cotidiano, para onde conflui toda a vida indígena. Segundo a
fazer rituais indígenas para libertar os males que afetam os parentes” (set. 2003).
coletiva presentes nas festas de padroeiros, nos aniversários das igrejas, durante a
Semana Santa, e dos meses de maio e junho, nas festas de fim de ano, nos cultos,
nas ceias, nas missas, enfim, nos inúmeros momentos de intimidade com a
270
igrejas cristãs exigem dos índios fidelidade à sua doutrina e à Palavra de Deus. Os
índios acatam essa determinação, mas não abandonam seus costumes antigos e
realizando rituais nas furnas, nas matas, nas ocas e, quando sentem necessidade,
vão para uma “mesa-branca”, para um terreiro, enfim, as fronteiras religiosas para
os índios são fluidas e existe uma liberdade religiosa para se ir e vir onde
total a Jesus” e à cura de todos os males, ao abandono dos vícios, à libertação das
doenças e de tudo que prejudica o ser humano. Estão nesse bloco os evangélicos
lutas sociais e as questões culturais, mas não é capaz de fazer uma extensão do
trabalho pastoral juntando todas as dimensões. Está nesse bloco o atual padre da
proposta eclesial uma catequese cristã sem envolvimento com as questões sociais
econômicas e culturais.
muitos fiéis ficam desestimulados e até se desinteressam por isso. Às vezes, uma
religiosas cristãs.
religiosas nas aldeias são atualizadas com novas roupagens, tais como: Shows
etc. Segundo Iolanda, “é a mesma metodologia de 500 anos atrás, só que, com um
272
pouco de diferença - roupagem nova - e daí o pessoal se agarra a isso e eles ficam
ganhando com isso, porque para eles estão ganhando almas” (Aldeia Três Rios,
agosto de 2005). Esses “tsunami” religiosos que atingem a área indígena têm como
aliado uma outra onda, que se irrompeu dentro da etnia, através da formação
missionários (as), cada vez mais, não são agentes externos, mas os próprios
índios, “que já não dançam mais Toré”, “que adoram Deus de outra forma” e que
sinais diacríticos, mas ser o oceano para onde confluem todas as águas do
é uma prática educativo-religiosa crucial para a etnia porque gera vida, aproxima as
o bem estar Potiguara. O ritual da morte é a manifestação para a entrega dos seus
concluintes.
Existem também outros rituais que são realizados pelos Potiguara muito
discretamente. O índio que pratica o ritual indígena sofre sanção da própria família,
dos parentes e dos vizinhos por causa da doutrina cristã incutida no imaginário
273
Aldeia Três Rios, ago. 2005). Isso é feito de uma forma tão eficaz que não é fácil ir
contra essa realidade na aldeia. De acordo com o Cacique Djalma (dez. 2004), “os
rituais indígenas são diferentes da igreja e não se misturam”. Nilda (set. 2003)
afirma que “a igreja impede dos índios praticarem seus rituais”. Para Iolanda (Aldeia
Três Rios, ago. 2005), “A religião indígena ela difere dessas outras religiões que
estão aí. Nós temos a nossa religião e nunca falamos que é superior ou inferior a
nenhuma outra, porque mesmo sem igreja, mesmo sem padre, mesmo sem pastor,
não conseguiu apagar da memória dos Potiguara seus rituais religiosos. Na Aldeia,
ninguém vê o fogo (ritos indígenas), mas, debaixo das cinzas, ele continua como
brasas ardentes. “O fogo antigo não se extingue; ele conserva seu calor para poder
estar preparado para acender uma nova fogueira. Esse processo de preservar a
sobre esses rituais, que continuam sendo zelados e praticados. Lideranças que
permanentemente dentro de si, mas precisam criar coragem para libertar-se das
„cinzas‟ que impedem o fogo de iluminar suas vidas. Leonardo Boff (1993, p. 9)
sintetiza essa chama indígena, dizendo: “O fogo interior arde e indica a direção
certa”.
pluricultural e plurirreligiosa?
vez que, durante esse período, elegemos como prioridade esta pesquisa. Estamos
felizes por ter enveredado pela fascinante dimensão das práticas educativo-
religiosas Potiguara, muitas das quais não foram aqui analisadas nem citadas
motivação não nos faltassem. Mesmo precisando colocar um ponto final com a
ousados.
275
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THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
TOFFOLI, Côn. José Carlos Dias; SCHERER, Dom Odilo Pedro. Apresentação. In:
CNBB, Campanha da Fraternidade 2004: Fraternidade e Água – Texto Base. São
Paulo: Salesiana, 2004.
Xe rera Potiguara
Xe retã, xe Abaeté
Aba-pe „ara-pora
o-îkobé ixé îabé
Xe retama i porang
Xe anama turusú
Xe aba-eté
Xe aba-atãngatu
.
294
1
Fizemos a opção em deixar a ladainha como está transcrita nos hinários (cadernos) da Igreja de Nossa
Senhora da Conceição, na Aldeia São Francisco. Ao lado, entre parentes, fizemos algumas traduções de como é
a ladainha oficial, em latim.
296
Língua imortal
Vaso de eleição
Criador da Santa lei
Orai por nobis (2x)
Sustentador da fé
Defensor da Pátria
Estrela da Espanha
Orai por nobis (2x)
Luz do ensábio
Honra dos menores
Querido de Deus
Orai por nobis (2x)
Venerador dos homens
Abrigo da inocência
Favorecedor dos pobres
Orai por nobis (2x)
Amparo dos desgraçados
Varão santo e justo
Varão muito puro
Orai por nobis (2x)
Varão singular
Varão obediente
Varão continente
Orai por nobis (2x)
Varão apostólico
Angélico varão
Auxílio dos paraibanos
Orai por nobis (2x)
Explendor do Brasil
O brasão de nossas almas
Retrato de todos os santos
Orai por nobis (2x)
Agnus Dei, Dei gui tolis
Peccata mundi,
Pace nobis Domine
Agnus Dei, Dei qui tolis
Peccata mundi
Exaudi nos Domine
Agnus Dei, Dei qui tolis
Peccata mundi
Miserere nobis.
Oração : Deus, vos suplicamos, que alegra a vossa igreja, solenidade de motivo do
bem- aventurado Santo Antônio, nosso confessor, para que, fortalecidos,
alcançarmos o perdão dos nossos pecados, por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.
Miserere nobis
Quirister audi nos
Quirister exaudi nos
Parte de Coeli Deus
Miserere nobis
Filho redentor, mãe de Deus
Espírito Santo é Deus
Santa Trinitas unus Deus
Miserere nobis
São João Batista
Filho de Zacarias
Filho de milagre
Orais por nobis
Enfante santificado
O Prodígio das graças
Maior dos nascidos
Orais por nobis
Nascidos sem culpa
A casa de prazer
Motivo de alegria
Orais por nobis
Bendito João
Percário Batista
Gozos de seu Pai
Orais por nobis
Glória dos parentes
Justo da Judéia
Oráculo da solidão
Orais por nobis
Honra dos Monarcas
Estar na coreta
Espelhos dos penitentes
Orais por nobis
Anjo do deserto
Sagrado João
Ditoso Batista
Orais por nobis
Trombeta celeste
Anúncio da trindade
Secretário de Deus Pai
Orais por nobis
300
Oh Maria concebida, sem pecado, rogai por nós que nós recorremos a vós (3x).
Consolatrix aflictorum
Orai por nobis
Auxilium Christianorum
Regina angelorum
Regina patriarcharum
Orai por nobis
Regina profetarum
Regina apostolorum
Regina martyrum
Orai por nobis
Regina confessorum
Regina Virginum
Regina Sanctorum
Orai por nobis
Regina sine labi
Regina sacratissimi rosarii
Regina pacis
Orai por nobis
Agnus dei, dei in gui tollis
Pecata mundi
Exaudi nos domine
Agnus dei, dei in qui tollis
Pecata mundi
Miserere nobis.
ORAÇÃO
Deus, que elevaste o Santo Arcanjo Miguel acima de todos os espíritos celestes e
o escolhestes para defender a vossa honra e vencestes os anjos rebeldes,
conceda a vossa graça de ser sempre protegido pelo poder deste príncipe celeste
e daí-nos por auxílio sempre alcançarmos a vitória no combate contra satanás, o
mundo e a carne.
Santo e glorioso Arcanjo, príncipe da Santa igreja, a quem eu confio as almas dos
seus escolhidos para protegê-los no derradeiro combate e conduzi-los aos céus,
lembrai-vos de nós, agora e na hora da nossa morte, não permitais que o dragão
infernal a quem vencestes triunfe sobre nós. Protegei-nos em todos os combates,
em toda parte e sempre. Intercedei por nós, junto de Jesus Cristo, nosso Senhor,
Amém.
As matinas:
HINO
Estrela da manhã
Deus vos salve cheia
De graça divina
Formosa e louca
Deus a escolheu
E já muito antes
Em seu tabernáculo
Morada lhe deu
ORAÇÃO
Santa Maria, rainha dos céus, mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do
Mundo, que a nenhum pecador desamparai e nem desprezai, ponde, Senhora, em
mim os olhos de vossa piedade, e alcançai-me de vosso amado Filho, o perdão de
todos os meus pecados, para que eu que agora venero com devoção a vossa
Santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem
aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho Jesus Cristo, nosso Senhor,
que com o Padre, e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém.
HINO
A qual escolheu
Para ser mãe sua
E de vós nasceu
O filho de Deus.
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ORAÇÃO
Santa Maria, rainha dos céus, mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do
Mundo, que a nenhum pecador desamparai e nem desprezai, ponde, Senhora, em
mim os olhos de vossa piedade, e alcançai-me de vosso amado Filho, o perdão de
todos os meus pecados, para que eu, que agora venero com devoção a vossa
Santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem
aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho Jesus Cristo, nosso Senhor,
que com o Padre, e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém.