Você está na página 1de 15

A memória nas fotografias estereoscópicas: Notas iniciais sobre a

trajetória plural de Manoel Dantas1

PASSOS, Renata Luz 2


NOBRE, Itamar de Morais3

Resumo: Este artigo resgata a biografia de Manoel Dantas, um potiguar que, à luz do início do século
XX, contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da imprensa e da fotografia na província recém
republicana do Rio Grande do Norte. Seu protagonismo nos auxilia a recontar a história da imprensa e do
surgimento da fotografia no Estado, em um período em que ambas tiveram um papel relevante na
construção de uma nova sociedade. O acervo fotográfico deixado por Manoel Dantas é um instrumento
importante de conhecimento sobre fatos e personalidades históricas, além dos costumes da época, mas
principalmente sobre a utilização da fotografia estereoscópica que ganhou grande popularidade, nesse
período, devido a sua característica de imagem tridimensional.
Compreender o passado comum entre Manoel Dantas e sua obra, pretende ser útil como referência dos usos
e funções empregados pelos jornalistas e fotógrafos, no espaço e no tempo em que viveram e produziram
o que hoje chamamos tanto de história da mídia quanto de história pela mídia.

Palavras-chave: Memória, História da Mídia, Manoel Dantas, Fotografias


Estereoscópicas.

A história da sociedade midiatizada, em seu processo de evolução não seria a


mesma se a fotografia não tivesse sido inventada. Desde o seu advento, ela é parte
constitutiva da história da mídia, qual seja, da mídia impressa, do cinema, da televisão,
da literatura, das artes visuais. A fotografia tem sido uma narrativa cuja importância está
em se apresentar como um atestado do passado.
Corroboramos da ideia de Marc Bloch (1974 apud Kossoy, 2014, p. 36), qual seja,
a de que “O passado é por definição, dado que coisa alguma pode modificar. Mas, o

1
Trabalho a ser apresentado ao GT de História da Mídia Impressa, XII Encontro Nacional de História
da Mídia, 2019.
2
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia/UFRN. Membro do Grupo de
Pesquisa Ecomsul - Epistemologias e Práticas Transformadoras em Comunicação, Cultura e
Mídias/UFRN. E-mail: renata.passos@me.com.
3
Docente e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia/UFRN e do Departamento
de Comunicação Social/UFRN. Membro do Grupo de Pesquisa Ecomsul - Epistemologias e Práticas
Transformadoras em Comunicação, Cultura e Mídias/UFRN. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, Membro da RPCFB - Rede de Produtores Culturais da Fotografia no
Brasil. Membro da Rede de Estudos e Pesquisas em Folkcomunicação (Rede Folkcom). Membro do OBES
- Observatório Boaventura de Estudos Sociais. E-mail: itanobre@gmail.com.

conhecimento do passado é coisa em progresso, que initerruptamente se transforma e se


aperfeiçoa”. Assim é a presença da fotografia na história da humanidade.
Para, além disso, quando o assunto é o conhecimento da história da mídia, através
de seus personagens e dos avanços tecnológicos nos quais imergimos, segundo
Silverstone (2014), compreendemos o mundo que nos cerca, no âmbito das
transformações das nossas relações sociais e culturais. E porque "a mídia é um
instrumento de articulação da memória" (SILVERSTONE, 2014, pg. 234), parte da
sociedade tem procurado conhecer o passado da mídia e pela mídia para ter ciência de
onde partiu e para onde vai. Na virada para o século XX, a mediação instituída primeiro
pela imprensa escrita e depois pela fotografia passou a organizar uma realidade
perceptível, representando os cenários reais e os ideais em uma sociedade em
transformação.
Dentre os que se propuseram aqui no Estado do Rio Grande do Norte a realizar o
que Muniz Sodré (2006, p. 128) chamou de "partilha sensível", isto é, criar uma existência
comum por meio da comunicação está o jornalista e fotógrafo, além de profissional
diverso, o potiguar Manoel Dantas. Em conformidade com a Revista das Academias de
Letras (1943), "para se poder estudar um homem do valor e da atuação de Manoel Dantas
na vida intelectual do Rio Grande do Norte, torna-se necessário fazer uma sondagem no
meio social e político em que ele viveu e agiu, afim de localizar com segurança as suas
atividades"4. Foi com essas palavras que o governador do Estado Juvenal Lamartine, na
época, justificou a necessidade de contextualizar os acontecimentos que influenciaram de
forma significativa, Manoel Dantas, no referido período.
A despeito dessa influência que o meio gera na relação subjetiva entre a sociedade
e o indivíduo, buscamos no conceito de habitus de Bourdieu (1992, p. 101), obra na qual
buscamos o entendimento dos comportamentos sociais coletivamente orquestrados. Para
ele, o habitus é uma subjetividade socializada dentro de um sistema aberto que é
constantemente construído a partir de novas experiências. Nesse contexto, através de uma
pesquisa documental (nos acervos fotográficos e documentos pessoais), pesquisa
bibliográfica e pesquisa biográfica, objetivamos propor notas iniciais e perfilar as

4
Este discurso foi proferido em uma sessão pública da Academia Norte-rio-grandense de Letras em
homenagem póstuma à Manuel Dantas, seu amigo e conterrâneo, patrono da cadeira nº 26 daquela
instituição.

condições externas e referências a que Manoel Dantas esteve submetido ao longo do


desenvolvimento de suas contribuições, em especial as que estão ligadas aos registros
jornalísticos e fotográficos que produziu.

Itinerário de Manoel Dantas

Manoel Gomes de Medeiros Dantas nasceu na fazenda Riacho Fundo, na então


Vila do Príncipe, atual município de Caicó, no dia 26 de abril de 1867. Nesse período,
em todo o Brasil, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, inspirados pela a
Revolução Francesa, estavam sendo gestados no seio de parte de uma elite essencialmente
rural, que estando insatisfeita com o governo imperial, aspirava pela prosperidade
administrativa crendo ser possíveis com a implantação de um regime republicano. No Rio
Grande do Norte, “a crença otimista de que ele [o governo republicano] curaria todos os
males provocados por 65 anos de Monarquia era uma das mais recorrentes" (Bueno, 2016,
p. 30).
Nos anos oitocentos e oitenta, antecedentes a instauração do novo regime, era a
mesma Vila do Príncipe o berço político do "republicanismo mais autêntico do Rio
Grande do Norte" (Bueno, 2016, pg. 68). Cientes de que novos tempos se avizinhavam,
fazendeiros do sertão potiguar passaram a enviar alguns de seus filhos para estudar
medicina ou direito, nas faculdades em Salvador e Recife respectivamente.

"Aparentemente surpreendente, dentro dos marcos dessa sociedade tradicional,


foi a decisão de alguns fazendeiros da região, que teria uma importante
consequência no desenvolvimento do movimento republicano seridoense, a
ponto de fazê-lo antecipar-se ao próprio republicanismo da capital". (BUENO,
2016, p. 70)

Para Bueno (2016), a preocupação desses proprietários rurais do sertão, que em


geral não eram cultos, estava calcada na percepção de que era preciso buscar novos meios
de legitimação do poder tradicional. Nesse sentido, a educação e formação superior de
seus filhos se mostrava como uma das poucas possibilidades de ascensão social e acesso
a cargos administrativos do ainda governo vigente.
O pai de Manoel Dantas, o Coronel Manoel Maria do Nascimento que, mesmo
sem tantas posses, mas membro de uma das famílias mais tradicionais do Seridó o
escolheu para que fosse o representante dessa "missão" de ser o doutor da família.

Na trajetória escolar cuidadosamente detalhada, sob o título de "Algumas datas de minha


vida" em seu diário pessoal5, Manoel Dantas relata que já aos 5 anos de idade começou a
ser alfabetizado por sua avó materna.

Foto 1 - Diário Pessoal de Manoel Dantas

Fonte 1 - Acervo Manoel Dantas

No ano seguinte frequentou a escola mantida pelo seu pai, nos domínios da
fazenda, e ao final deste mesmo ano de 1873 já estava lendo, escrevendo e fazendo os
primeiros cálculos matemáticos. Em 1879 passou a estudar latim na escola em Caicó.
Entre os anos de 1881 a 1884 ele registra sua plena aprovação nos exames de latim,
francês, português, inglês, retórica, aritmética, geometria, geografia, história e filosofia
no Colégio Atheneu, em Natal.
Em 10 de abril de 1885 iniciou seus estudos acadêmicos na Faculdade de Direito
do Recife de onde retornou em 1889, não apenas com o diploma de bacharel, mas com as
ideias progressistas e republicanas que permeou todas as suas atividades durante seus 57
anos de vida.
"[...] muitos jovens bacharéis seridoenses formados entre o final do império e
o início da República (1885-1891), acabam defendendo um conjunto de ideias
que "a priori" eram estranhas a eles, às necessidades de uma "sociedade de
comportamento provincial". (BUENO, 2016, p. 72)

5
Manoel Dantas deixou um diário pessoal intitulado "As datas de minha vida" onde relatou os principais
acontecimentos pessoais e profissionais entre os anos 1867 a 1920. Este diário encontra-se em poder da
família.

Foi na capital da província de Pernambuco que Manoel Dantas conheceu os


irmãos Diógenes e Janúncio da Nóbrega, este último, um dos protagonistas do início do
movimento republicano organizado pioneiramente no Rio Grande do Norte. Os laços de
amizade se estreitaram pelas muitas afinidades: moravam na mesma hospedaria em
Recife, frequentavam a mesma faculdade e, por fim, eram todos seridoenses. O ativismo
político desses novos doutores, sob a égide da liderança moderada do Coronel José
Bernardo de Medeiros era inspirado pelos ideais da política liberal e progressista.
Na imprensa partidária da época, o movimento republicano encontrou um espaço
privilegiado para a divulgação dos seus pensamentos e propostas. Bueno destaca:
"Era nas gazetas que se publicava não só os manifestos partidários ou as cartas
nas quais se apresentavam os programas eleitorais, mas também os artigos
editoriais sobre a conjuntura política do momento ou sobre questões candentes
em que se expunha a posição do partido ou do articulista independente".
(BUENO, 2016, p. 21)

Nesse contexto, na Caicó de 1889, os ideais democráticos ganham uma voz ativa
nas letras do hebdomadário denominado "O Povo", de fundação e iniciativa dos irmãos
Nóbrega, de Manoel Dantas e de Olegário Vale. "O jornal colocava-se, assim, como uma
"ponte" entre o tradicionalismo dos coronéis e as ideias "avançadas" veiculadas em Recife
[...]". (Bueno, 2016, p. 60)
Na pauta cotidiana, sobravam críticas sobre as precariedades socioeconômicas
impostas pelo regime imperial, a exemplo das más condições de infraestrutura portuária
e rodoviária, seca severa, elevado índice de analfabetismo, bem como sobre as más
condições de saúde e políticas sanitárias6. Esse caos atual era confrontado pelos
argumentos otimistas da propaganda republicana que "vendiam" um cenário de
prosperidade administrativa.

"É tanto mais isso me é sensível quando desejava por-me ao lado dos que
combatem em prol das ideias liberaes e do progresso, advogando os interesses
do povo e trabalhando nossa regeneração. Atravessamos na época atual um
período difficil de reconstrução, no qual cada indivíduo deve assumir uma
posição decidida, e promover, quanto puder, o bem-estar social. Estamos
vendo a cada passo a oscillação do nosso edifício político e ouvindo a cada
instante o baque de uma instituição. É preciso o máximo cuidado para que o
paiz esteja preparado no desmoronamento total a levantar do amalgama de

6
Manifesto do Partido Republicano do Rio Grande do Norte, 27 de janeiro de 1889, in: Cascudo (Org.)
Antologia de Pedro velho, p. 28.

peças desmanteladas de uma nacionalidade única e forte. Já temos muito


caminho andado, mas o menor descuido, a mais pequena imprudência pode
trazer-nos a diversidade de idéias e com ella a divisão do território, o
esphacelamento, a derrota em fim".7(Grafia original). (O POVO, 1889).

A militância política de Manoel Dantas se intensificou em dezembro de 1888, a


partir do seu enlace matrimonial com Francisca Anália Bezerra de Araújo, filha do
Coronel Silvino Bezerra de Araújo Galvão, representante de maior expressão política, em
Acari, do modelo patriarcal e clientelista da época. Bueno (2016, p. 45) destaca que,
seguindo as regras do compadrio, cabia aos coronéis de então, "suprir as necessidades de
seus inúmeros parentes, afilhados, compadres, agregados ou clientes, importantes para
manter o seu curral eleitoral".
Devidamente arregimentado nas bases do novo regime, Doutor Dantas inicia, a
partir de 1890 sua carreira jurídica, incialmente como promotor da cidade de Jardim e,
mesmo antes de tomar posse, é transferido para a comarca de Acari. No ano seguinte toma
posse como Juiz substituto seccional e na ausência do titular Joaquim Ferreira Chaves -
que teve o seu título de nomeação cassado devido a questões políticas - torna-se o
primeiro juiz federal do Rio Grande do Norte. (LAMARTINE, 1943)
O pedido de exoneração deste cargo é seguido por sua nomeação no dia 22 de
janeiro de 1894 como Diretor Geral da Instrução Pública, função que ocupou por duas
vezes e o tornou notório pelo legado deixado com a implantação de políticas educacionais
estatais que previram a construção de diversos grupos escolares, classes voltadas para
adultos, aulas de campo, dentre outras inovações para a época. (LIMA, 1924)
Entre os anos 1905 e 1911 em que permaneceu afastado da Instrução Pública foi
professor da cadeira de geografia no Colégio Atheneu (até o ano de 1908) e Procurador
Geral do Estado (até 31 de dezembro de 1910), pedindo desligamento para reassumir a
direção geral da Instrução Pública já no dia 02 de fevereiro de 1911, no governo de
Alberto Maranhão. Desempenhou esta função até o dia 02 de janeiro de 1924, quando foi
eleito intendente municipal (cargo análogo a de prefeito) da capital para o triênio 1923-
1925.

7
Carta escrita em 25 de fevereiro de 1889 por Manoel Dantas e publicada n'O Povo - Seridó - Príncipe, 16
mar. 1889. P 02.

Manoel Dantas pouco pode governar Natal. Assumiu no dia 1º de maio e veio a
falecer no dia 15 de junho deste mesmo ano após ser acometido por tifo. Assumiu a função
em seu lugar o genro Omar O' Grady.
Além de todas as funções administrativas já elencadas acima, Dr. Dantas foi, em
1902, sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do RN por onde, desde 1916
desempenhou o papel de orador, sendo sucessivamente reeleito. Na condição de delegado
oficial do IHG/RN participou dos Congressos de Geografia nos estados da Paraíba, Bahia,
Pernambuco e Minas Gerais.
Em sua biografia política também relata-se a passagem pelo Congresso do Estado
como deputado no triênio 1905-1907, sendo eleito 1º secretário.

Manoel Dantas e o jornalismo

O protagonismo no periódico "O Povo" de Caicó foi a concretização da vocação


jornalística que desde 1883 já havia sido despertada. Câmara Cascudo, que desfrutou de
uma intensa convivência com Manoel Dantas - favorecida pela estreita amizade existente
com seu pai, o Coronel Cascudo - relatou em uma de suas colunas do Diário de Natal, em
25 de maio de 1962 que ainda aos 16 anos, Dantas colaborou para o jornal circulante nos
corredores do colégio Atheneu denominado "Echo Estudantil". Nele, fazia
reivindicações, a exemplo da necessidade de melhorias para a biblioteca daquela
instituição de ensino.
Assim, a sua contribuição para a prática da imprensa potiguar, contabilizou 41
anos ininterruptos dedicados a carreira jornalística, uma vez que sempre a conciliou com
as demais responsabilidades jurídicas, partidárias e administrativas.

"Manoel Dantas foi a mais completa organização jornalística que o Rio Grande
do Norte já possuiu. Em um meio pequeno, pacato e sem assuntos para as
bisbilhotices dos repórteres, ele fazia, diariamente e meses a fio, todo o jornal,
desde o artigo de fundo, sisudo e doutrinário, como exigiam os leitores da
época, até o anúncio, passando pela crônica social, noticiário, a tradução dos
telegramas, a seção humorística e o folhetim". (CASCUDO, 1962, p. 3)

Com a mudança de domicílio para a capital da província, em 1892, Manoel Dantas


deixa de escrever para "O Povo". Retorna à redação quando, em março de 1893, decide
fundar juntamente com o Dr. Oliveira Santos, o primeiro Diário de Natal. O jornal, que

tinha um viés oposicionista ao então governador Pedro Velho - motivado pelo


rompimento entre os grupos políticos do Seridó com a dinastia Maranhão - teve curta
duração, sobrevivendo até setembro do mesmo ano, quando encerrou suas publicações
por falta de verba publicitária, haja vista que nenhum comerciante com "juízo" ousaria
anunciar em veículo contrário ao poderio político-administrativo do chefe do executivo
estadual8.
Nos escritos de seu diário particular, Manoel relata que no dia 09 de outubro de
1894 publicou o primeiro número do jornal "O Estado". O tom das pautas continuava
com um viés oposicionista ao governo vigente. Este semanário político circulou até março
de 1895.
Faz-se relevante pontuar que entre os anos de 1892 e 1896, Pedro Velho governou
o Rio Grande do Norte tendo como vice o sogro de Manoel Dantas, o Coronel Silvino
Bezerra. Mas nem isso foi motivo de união entre os grupos, já que o governador não
perdia uma oportunidade de preteri-lo, preferindo chamar o presidente do Congresso,
Jerônimo Câmara para assumir a cadeira quando precisava se ausentar. Segundo
Cascudo (1965):

"Conta-se que a cada transmissão de governo de Pedro Velho a Jerônimo


Américo Rapôso da Câmara correspondia a um chamado urgente para o velho
Silvino de parte dos amigos. E o grande sertanejo, deixando Acari, surgia em
Natal para assumir. E nunca assumia". (Cascudo, 1965, p. 244)

Apenas em fevereiro de 1897 com o restabelecimento do alinhamento político


com Pedro Velho é que Manoel Dantas deixa o discurso contumaz de oposição para
integrar a redação de "A República", órgão do partido situacionista pertencente ao
governador. As relações profissionais e políticas ficam tão estreitas que em 24 de março
de 1900 ele é alçado a condição de redator-chefe. Entre 1900 a 1908 também foi o seu
dirigente. Em 1923 retornou à direção do jornal, mantendo-se nessa condição até o dia de
seu falecimento.

8
O episódio do "rompimento" é detalhado no livro "História da República do Rio Grande do Norte".
(Cascudo, 1965, p. 221)

Além da atuação nos jornais já citados, os escritos de Manoel Dantas também


puderam ser lidos nas colaborações que fez aos jornais "A Liberdade", o "Rio Grande do
Norte" e o "Nortista".
Nas páginas dos jornais, foram temas de seus artigos a movimentação política,
social e econômica do Estado neste início do século XX. Utilizando o pseudônimo de
Brás Contente falou das "Coisas da Terra" em crônicas em que evidenciavam os
acontecimentos, as personalidades e aspectos diversos das atividades rurais do RN, em
especial o problema da seca que castigava impiedosamente o sertanejo potiguar.
O interesse acerca das características da geografia estadual também mereceu
destaque em seu estudo Corográfico que tratou de forma fidedigna as condições e
potencialidades agropecuárias deste RN, servindo de guia para muitas das políticas
públicas que foram implantadas por governos futuros.
Consta que ele era
"Conhecedor profundo do interior do seu Estado, devido às suas longas e
fatigantes viagens, vê-se, através dos escritos científicos, a observação própria,
feita por quem claramente viu a nossa natureza e os nossos costumes. Há um
fato que reputo notável, através de a obra do Dr. Manoel Dantas: é a espontânea
suavidade de linguagem que torna distintamente natural tudo o quanto sai de
sua pena”. (CASCUDO, 1918)

Igualmente difundidas nas letras impressas, suas ideias também eram


disseminadas por meio da oratória. Dr. Dantas fez (pelo menos) duas conferências que
foram largamente repercutidas na imprensa da época. A primeira, ocorreu no dia 21 de
março de 1909, no Palácio do Governo onde realizou uma apresentação de conteúdo
supostamente profético, intitulada "Natal daqui a cinquenta anos". A ocasião, que também
contou com a palestra do jornalista e escritor Eloy de Sousa, possuiu um cunho
beneficente, visando a arrecadar recursos em prol dos órfãos do amigo poeta e jornalista
Segundo Wanderley que havia recentemente falecido. Em suas "previsões", Manoel
Dantas descreveu o quão desenvolvida seria a cidade, meio século à frente, anunciando
que existiria uma avenida litorânea (que hoje conhecemos como Via Costeira),
antecipando o surgimento da televisão e dos outdoors e ainda sugerindo que haveria uma
estrada de ferro aérea capaz de ligar Natal à Londres, capital da Inglaterra. "[Manoel
Dantas] Não era mais um mortal, era um iluminado...cujas phrases reveladas iam
encantando os seus ouvintes. Natal, d'aqui a cincoenta annos, será a mais bella cidade do
mundo, era o seu prognóstico". (Grafia original). (DIÁRIO DE NATAL, 1909, p. 1)

Em uma segunda oportunidade, em agosto de 1922, falou sobre as denominações


dos municípios para comemorar o Centenário da Independência, no mesmo salão do
Palácio.

As imagens que contam essas histórias

Tão ou mais relevante do que os registros escritos na imprensa sobre a vida social,
política e econômica do início do século XX, no Rio Grande do Norte, foi o acervo
fotográfico que produziu ao longo de sua vida. O uso de câmeras fotográficas já indicava
na época de Manoel Dantas, como seria a civilização da imagem (KOSSOY, 2003, p. 34).
Apesar de não existirem registros oficiais sobre a data em que Manoel Dantas iniciou as
atividades como fotógrafo amador, algumas fotos são facilmente datadas a partir dos
eventos nelas retratados. As primeiras que podem ser identificadas são de 1907 por
ocasião do serviço fúnebre do então governador do Estado, Pedro Velho de Albuquerque
Maranhão. Em uma das fotos (a seguir), Manoel Dantas acompanha o cortejo tanto na
cidade do Recife - uma vez que o governador faleceu durante o trajeto marítimo entre a
capital potiguar e a pernambucana - quanto na chegada do corpo em Natal onde foi
sepultado.

Foto 2 - Cortejo fúnebre em Natal

Fonte 2 - Acervo fotográfico de Manoel Dantas

A próxima coleção fotográfica que pode ser relacionada com eventos foi a que fez
durante a Exposição Nacional de 1908 que ocorreu na então capital do país, a cidade do
Rio de Janeiro. Dantas esteve presente e fez uma documentação criteriosa em muitos dos
pavilhões que exibiam as potencialidades econômicas de cada província. A grandiosa

10


ocasião foi uma comemoração de dois importantes centenários para a nossa história: o da
abertura dos portos por D. João VI (contrariando uma determinação de Napoleão
Bonaparte) e a chegada da imprensa no Brasil.

Foto 1 - A capela do Pavilhão de São Paulo na Exposição Nacional de 1908

Fonte 3 - Acervo fotográfico de Manoel Dantas

Na atualidade, alguns registros da Exposição Nacional de 1908 podem ser


apreciados em uma exibição permanente do Museu da Imagem e do Som (RJ) produzida
pelo também fotógrafo amador carioca Guilherme dos Santos (1871-1966).
O restante do acervo é composto por fotos familiares, no qual a vida cotidiana e
suas datas comemorativas são eternizadas. As fotos acompanham ainda os assuntos de
permearam suas atividades e interesses como a educação, a política, a agricultura, a
arquitetura, além de fatos pitorescos, especialmente das cidades por onde passou quando
representante nos Congressos Nacionais de Geografia. Algumas personalidades políticas
e históricas do cenário nacional e local, como o Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, o
Presidente Afonso Pena e seus ministros, e ainda alguns dos governadores do Rio Grande
do Norte também foram fotografados em ocasiões diversas.
Outro dado incerto (ainda passível de investigação e pesquisas documentais) é a
maneira como Manoel Dantas conheceu e, posteriormente, adquiriu os equipamentos
fotográficos que utilizava. O seu bisneto, o professor e geólogo Edgard Ramalho Dantas9
- que há anos se dedica ao resgate da memória do membro mais ilustre da família - está
convencido que o primeiro contato com a câmera fotográfica ocorreu ainda quando
estudante em Recife. À época, a capital da província de Pernambuco experimentava uma

9
Atualmente (2019) é professor aposentado do Departamento de Geologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.

11


enorme facilidade comercial existente com as demais cidades do Brasil e do mundo, fato
que propiciou a chegada de fotógrafos e materiais fotográficos para a província.

"Imediatamente após o anúncio do primeiro processo fotográfico patenteado –


o daguerreótipo, na França – um navio-escola saído daquele país, trazendo
entre seus tripulantes o padre Louis Comte com seu exemplar dessa nova e
revolucionária invenção, tocou o continente americano através do porto do
Recife. E mais à frente, quando as imagens originalmente obtidas em
fotografia começaram a ser transcritas na imprensa ilustrada, Recife estava na
vanguarda, mais uma vez. A partir de meados do século XIX, vários fotógrafos
estabeleceram-se ou passaram pelo Recife, o que tornou a cidade referência
inescapável na história da fotografia no Brasil". (PORTAL BRASILIANA
FOTOGRÁFICA, 2016)

O que sabemos é que todas as suas fotos foram tiradas em câmeras


estereoscópicas, aparato de modelo binocular que gozava de grande popularidade no
início do século XX. O produto fotográfico era revelado/ impresso em pares, com o uso
de sais de brometo de prata em lâminas de vidro. Devido a uma pequena diferença axial
da mesma cena, a fotografia estereoscópica dá origem a uma imagem única de aspecto
tridimensional, quando vista em um estereoscópio, isto é, um aparelho visor próprio para
esse fim.
Foto 2 - Visor estereoscópio

Fonte 4 - Acervo Manoel Dantas

É novamente em seu diário que encontramos, no ano de 1911 o marco do início


do "trabalho" com o Verascope de Richard. O aparelho francês fora inventado no ano de
1894 por Jules Richard e sua Maison Richard com sede em Paris até o ano de 1928. Suas
câmeras estereoscópicas a exemplo do Verascope foram por um breve período, "uma
febre", especialmente entre os fotógrafos ditos amadores, parte em razão da facilidade de
operação e parte pela magia do resultado tridimensional que proporcionava aos que
"assistiam" no estereoscópio as vistas produzidas. Para os que a adotavam no Brasil,

12


especula-se que inicialmente a compra das lâminas (produzida pela empresa dos irmãos
Lumiére), assim como a revelação das mesmas eram feitas diretamente em Paris, mas um
anúncio do jornal "O Estado de São Paulo" do dia 15 de abril de 1902 já exibia a
possibilidade de comprar esse material na capital paulistana. Em Natal, a edição do dia
07 de maio de 1907 de A República, estampou um anúncio de venda de materiais
fotográficos. Nele, o vendedor também se dispunha a ensinar o uso do aparelho.
Em um dos poucos livros dedicados a estereoscopia no Brasil, Parente (1999, p.
18), relaciona três grandes nomes que são expoentes dessa tecnologia no nosso país. O
primeiro deles foi o alemão Revert Henry Klumb que fez uma documentação histórica da
cidade e do Estado do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, além de fotos da família real
portuguesa. O segundo foi o industrial português José Francisco Correia, o Conde de
Agrolongo que utilizou as fotografias com fins publicitários e por fim, Guilherme
Antônio dos Santos que fotografou as cidades serranas e de veraneio do Rio de Janeiro,
São Paulo e alguns municípios mineiros, entre os anos de 1908 e 1958. O autor não cita
nenhuma coleção produzida no Nordeste. Limita-se a dizer que:

"[...] a produção brasileira é muito restrita em quantidade e teve muito menor


significação social e comercial. Em compensação, é de grande pioneirismo,
pois guarda a memória de seu esforço criativo para sobreviver, tendo um valor
inestimável como documento histórico" (PARENTE, p. 20)

O desuso da fotografia estereoscópica também é relacionado na publicação. O


condicionamento da contemplação das imagens e seus efeitos tridimensionais a um
aparelho visor, além da impossibilidade de ampliação das mesmas, sem o prejuízo do
efeito, fez com que elas se restringissem - pelo menos à época - às salas de visitas e rodas
sociais para a observação e contemplação (PARENTE, p. 20).
Sobre o assunto, é passível de investigação em um próximo artigo, a hipótese de
que no Rio Grande do Norte de então, o Dr. Manoel Dantas tenha sido o pioneiro no uso
desse tipo de câmera. É viável também que tenha sido o primeiro fotógrafo nascido em
solo potiguar. Antes dele, os únicos registros da atividade no Estado são da atuação dos
irmãos fotógrafos de origem alemã, Bruno e Max Bougard.

13


Referências

BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas no Rio Grande do


Norte (1880 - 1895). Natal: EDUFRN, 2016.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: UNESP, 2004.

CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e


metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CASCUDO, Luís da Câmara. Historia da República no Rio Grande do Norte. Rio de


Janeiro: Editora do Val, 1965.

_____________. Lembrando Manuel Dantas. Diário de Natal, RN, 8 mai. 1962.


Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso em: 03 mar. 2019.

______________. Manoel Dantas, jornalista. Diário de Natal, RN, 25 mai. 1962.


Disponível em <http://memoria.bn.br> . Acesso em: 03 mar. 2019.

______________. A imprensa. A República. Anno V - nº 1.158 - 1º dez. 1918 - Coluna


Bric à Brac.

DANTAS, Manoel. Natal daqui a cinquenta anos. Natal: Coleção Mossoroense, serie
B, 1989.
_____________. O Povo, Caicó, 16 de mar. 1889. Disponível em:
http://www.bczm.ufrn.br/jornais/. Acesso em: 03 mar. 2019.

FERNANDES, Luiz. A Imprensa periódica no Rio Grande do Norte (1832 a 1908).


Natal: Sebo Vermelho, 1998.

JULIANO (Pseudônimo). Prophecias. Diário do Natal - 24 mar. 1909 - Anno XVIII - nº


3.663, p. 01. Disponível em http://memoria.bn.br . Acesso em: 05 mar. 2019.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 5. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.

14


LAMARTINE, Juvenal. Revista das Academias de Letras - Órgão da Federação das


Academias de Letras do Brasil, Rio de Janeiro, Ano VII - Nº 45. Maio - Junho/ 1943.


LIMA, Nestor dos Santos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte, Natal, 1923-1925, p. 308. Traços Biographicos do Dr. Manoel Dantas.

PARENTE, José Inácio. A estereoscopia no Brasil. Rio de Janeiro: Sextante, 1999.

PORTAL BRASILIANA FOTOGRÁFICA. Fundação Biblioteca Nacional. A fundação


do Recife, 12 de mar. 2016. Disponível em <http://www.brasilianafotografica.bn.br>.
Acesso em 15 mar. 2019.

SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? 4a ed. Tradução de Milton Camargo
Mota. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes,


2006.

15

Você também pode gostar