Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MOSSORÓ
2021
ARTHUR EBERT DANTAS DOS SANTOS
MOSSORÓ
2021
Universidade do Estado do RioGrande do Norte.
pontos importantes para a sociedade através de eleições, entre outras coisas. Entretanto,
como já é sabido, a Monarquia perdurou nessas bandas por quase quatrocentos anos. Se
sustentando em uma economia cafeeira e uma dinâmica de tráfico negreiro que já
agonizava com as investidas da potência marítima inglesa, a monarquia viu seu apoio ruir
de vez em seus últimos anos de vida quando sua princesa, Isabel Leopoldina, assinou a
Lei Áurea, libertando assim todos os escravizados de seus trabalhos desgastantes nos
engenhos espalhados por todo o país. Esta que deveria ser uma decisão favorável para a
família imperial, acabou sendo sua guilhotina, em alusão à revolução francesa. Foi aí
onde os senhores de engenho abandonaram de vez Dom Pedro II, e os republicanos, que
já se movimentavam a algum tempo, viram seu apoio aumentar de maneira cavalar.
Afinal, o que poderia ser pior do que um governo onde seus mandatários acabaram com
a “força de trabalho” que fazia a manivela do moedor de cana, e da economia, girar?
É então que chegada a hora, o Imperador não conseguiu manter o exército ao seu
lado. Este que por sua vez, já abalado e meio desacreditado desde a Guerra do Paraguai,
apoiou o “golpe” dos republicanos, como podemos ver na citação de Antônio Prado sobre
as movimentações no Rio de Janeiro:
Já Rui Facó em sua obra Cangaceiros e Fanático (1972), obra responsável pelo
surgimento da inquietação que desembocou nesta pesquisa, se concentrará mais em
analisar o perfil de Antônio Maciel, o Conselheiro, líder espiritual da localidade de Belo
Monte. Vejamos:
Ao iniciar-se em 1896 a campanha contra Canudos, apareceram
inúmeras “interpretações” da personalidade do mais conhecido chefe
do movimento rebelde: Antônio Conselheiro. Apresentavam-no
sucessivamente como um criminoso, um místico, um louco, um
restaurador monárquico, ou tudo isto ao mesmo tempo. (FACÓ, 1972,
p. 85)
16
Analisemos bem essas duas passagens de obras produzidas com pelo menos trinta
anos de intervalo. Napolitano citará a grande repressão sofrida por Canudos onde míseros
e simples sertanejos tiveram de enfrentar a mais bem preparada força repressiva do Brasil.
Já Facó, chama atenção ao problematizar as supostas personalidades atribuídas ao chefe
do Arraial, louco, criminoso, adjetivos comuns para um simples baderneiro, entretanto o
que mais chama atenção é o adjetivo de restaurador monárquico. O envio de tropas do
Exército brasileiro ao Arraial de Canudos para enfrentar pessoas que moravam em casas
de taipa foi de fato uma resposta sensata do Presidente? Não teriam se precipitado ou até
mesmo exagerado na repressão?
Napolitano tenta explicar o porquê dessa desmedida resposta aos “canudenses”:
Mas afinal, o fanático é todo aquele que tem uma religiosidade extremamente forte
e que é capaz de pegar em armas para defender os interesses de seu “dogma”? Ou é apenas
aquele que está do outro lado, do lado “inimigo”, lutando por uma causa que não faz parte
dos interesses dos “senhores” da República? É com estas perguntas que daremos
prosseguimento a esta pesquisa.
18
Pouco tempo após Gutenberg ter “dado à luz” a sua invenção, a Europa presenciou
as consequências desta quando Martinho Lutero, principal agente da Reforma Protestante,
começou a produzir e distribuir exemplares da Bíblia Sagrada já traduzidos do Latim para
o Alemão, tendo aí o auxílio indispensável da máquina de Gutenberg. Assim, como
podemos perceber, desde seu surgimento, a Imprensa viveu e foi responsável por diversas
revoluções na história da humanidade, fosse “repassando” informações sobre
acontecimentos ou sendo utilizada como dispositivo de auto divulgação, propaganda e até
mesmo de alienação da sociedade. Podemos perceber essa alterabilidade da natureza da
Imprensa a partir do seguinte trecho contido na dissertação de mestrado da professora
Jordana Coutinho Caliri:
19
Vale ressaltar também a relação entre a Imprensa o poder e suas práticas. Mais
uma vez, utilizando a dissertação da Caliri (2014), veremos o que ela tem a falar sobre
este assunto:
Ou ainda:
A partir das citações acima, percebemos de que forma alguns periódicos e suas
equipes de organizadores agiam na busca por influenciar as sociedades, nesse caso em
específico a brasileira, para que estas “comprassem” suas batalhas e defendessem, ou
condenassem, certas questões políticas, sociais, culturais e em alguns casos até mesmo
grupos de pessoas.
De seu surgimento no século XV, demorou algum tempo até que a Imprensa
embarcasse em uma navegação na Europa, cruzasse o oceano e desembarcasse no Novo
Mundo, colocando pela primeira vez seus pés em terras tupiniquins. Foi apenas no de
1808, com a transferência da corte portuguesa e chegada da família imperial no Brasil,
que surgiu o que viria a ser a Imprensa no Brasil, como afirma a historiadora Laima
Mesgravis (2015):
Em suma, quando a Imprensa surgiu no Brasil ela tinha como característica muito
mais atender aos interesses específicos da Coroa Portuguesa do que manter a sociedade
brasileira bem informada das mudanças que estavam ocorrendo naquele contexto social
em específico. De acordo com a Kátia de Carvalho (1996), os periódicos de iniciativa
privada só surgiriam a partir de 1811, três anos após a criação da Imprensa Régia. Sabe-
se também que apenas em 1821 é que a censura prévia foi revogada por Dom João IV,
regulando-se assim a liberdade de imprensa até certo ponto, visto que recolhimentos de
matérias e proibições de certas postagens ainda aconteciam. Vale citar o caso onde o
Imperador vigente Pedro I mandou recolher uma publicação defendendo valores
libertários, vejamos:
Podemos ver que existiam variadas formas de repressão aos delitos praticados
pelos periódicos e pelos seus escritores. Chama a atenção, também, que o Código se
preocupava com o alcance do periódico, visto que, existia uma punição para aqueles
jornais com mais de quinze assinaturas. Assim, concluímos que o Império, em seus
primeiros anos, considerava, no mínimo, problemáticas as possíveis opiniões de certos
escritores, visto que tentaram assim, se munir de diversas punições a nível jurídico.
Como sabemos, após atingir a maioridade, Dom Pedro II assumiu o trono deixado
por seu pai e passou a comandar o Brasil Imperial. De acordo com Carvalho (1996), a
relação do último imperador do Brasil para com o funcionamento da Imprensa brasileira
era uma relação amistosa e que, inclusive, contava com o apoio e a compreensão deste
em relação às denúncias e a liberdade de imprensa. Entretanto, nada dessas características
impediram o aparecimento de greves e conflitos organizados pelas equipes dos
periódicos, como é o caso da greve dos tipógrafos que aconteceu no ano de 1858, neste
caso os revoltosos reivindicavam melhores salários. Outro caso interessante foi o dos
Pasquins, jornais mais “informais” que se concentravam na produção de um jornalismo
“pastelão”, ocasionando assim diversos casos de violência para com seus escritores, assim
como afirma Carvalho (1996):
22
A república trouxe muitas desilusões. O que era pra ser o regime da liberdade se
transformou no governo de perseguições e censuras. Logo após tomar posse, o Marechal
Deodoro da Fonseca aboliu as leis do império e instituiu o “Decreto Rolha”, considerado
como a primeira Lei de Segurança Nacional, esta era utilizada para condenar aqueles que
cometessem crimes contra a recém-proclamada república. O que atingiu, por tabela,
diversos periódicos e jornalistas, principalmente aqueles que publicavam suas opiniões
nas colunas, como podemos ver com a afirmação de Carvalho (1996):
Fundado pelo imigrante português João José dos Reis Junior em 01 de outubro de
1884, O PAIZ, jornal conservador e republicano, foi um dos maiores aparatos de
divulgação da recém proclamada república, como podemos ver no artigo do BRASIL
(2015):
O outro periódico que será utilizado para esta pesquisa é a Gazeta da Tarde. Sendo
fundado em 1880 por Ferreira de Menezes, bacharel em Direito, este logo foi assumido
por José do Patrocínio após a morte do seu fundador. Sendo um dos mais importantes
reivindicadores dos movimentos abolicionistas no Brasil, Patrocínio fundou, junto com
Joaquim Nabuco, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e ao assumir a direção da
Gazeta da Tarde, direcionou as publicações do periódico incorporando-os à luta contra a
escravidão.
conspirar contra o atual regime e apoiar a monarquia, foi um golpe certeiro contra sua
reputação, levando a Gazeta a ser hostilizado por grande parte da sociedade brasileira e
até mesmo por outros jornais, como é o caso do O PAIZ, adiante veremos um pouco mais
sobre este conflito entre os dois periódicos.
O que interessa para esta pesquisa é compreender que mesmo ambos sendo
periódicos republicanos, tanto O PAIZ quanto a Gazeta da Tarde, durante a Guerra de
Canudos, não receberam o mesmo tratamento da sociedade brasileira, sendo este último
hostilizado e até empastelado. Mas por quê? Se os dois defendiam a república, por que
apenas a Gazeta da Tarde foi acusada de defender a monarquia e acobertar os feitos dos
moradores de Belo Monte? Aliás, por que apenas quando a campanha de Canudos já
estava em estado avançado é que a imprensa passou a se referir aos “canudenses” como
“fanáticos”? O que a Imprensa queria dizer ao se referir a eles como “fanáticos”?
Assim como já foi debatido no capítulo anterior, as últimas décadas do século XIX
trouxeram para a sociedade brasileira inúmeras novidades como a proclamação da
República em 1889 e, um pouco antes, o fim da escravidão com a assinatura da Lei Áurea
em 1888. Entretanto, a abolição da escravatura, por mais que indicasse, na teoria, o fim
do trabalho forçado de um grande contingente de pessoas, os escravizados, ela foi um tiro
no pé para a já arquejante Monarquia e um fator atenuante para a intensificação da
desigualdade social no Brasil. Afinal, como se poderia integrar à sociedade indivíduos
que foram marginalizados por quase três séculos? O resultado da falta de planejamento
foi desolador. De acordo com o historiador Luiz Felipe de Alencastro:
A partir dessa citação podemos concluir que a vida dos trabalhadores não sofreu
mudanças significativas que visassem uma melhor distribuição de renda nem uma
melhora de qualidade de vida. Para o trabalhador do campo as dificuldades continuaram
a ser negligenciados pelo governo federal que preferia se preocupar com a posse da
“terra” do que com os que trabalhavam na terra. Como podemos ver na seguinte citação:
Assim sendo, de que forma os trabalhadores poderiam estar contentes com a vida
que eles levavam? Como eles poderiam estar satisfeitos com a troca da Monarquia pela
República e as “vantagens” que esta última oferecia a eles? Entretanto, para pelo menos
sobreviver, esses trabalhadores preferiam dar prioridade a encontrar comida do que
reivindicar seus direitos. Entre dias na roça, serviços árduos e desgastantes, o trabalhador
do campo se apegava a duas coisas: a esperança de dias melhores e à religiosidade.
29
Religiosidade, ou misticismo, que será pano de fundo para o conflito analisado nesta
pesquisa.
Assim como Facó, utilizando da visão do materialismo-histórico para
interpretamos esse misticismo dos trabalhadores do campo, podemos concluir a
existência de condições socioeconômicas que serão responsáveis pelo surgimento de tais
sensibilidades. Analisemos a seguinte citação:
Atestando a forte influência que a religião teria sobre os sertanejos, neste caso o
catolicismo popular, ou moreno, pode-se atestar que a imagem e as ações atribuídas a
Antônio Conselheiro foram de suma importância para dar início às peregrinações dos
sertanejos pobres que viam naquilo uma forma de driblar a fome e por fim aos dias de
seca e trabalho sem resultado. Além de buscarem conforto material, a simples ideia de
seguir um indivíduo cuja sua imagem se assemelha a de um padre ou beato, serviria como
motivação extra, já que, assim, poderiam ter suas almas salvas quando chegasse a hora de
deixar esta vida. Podemos confirmar essa influência do Conselheiro a partir da seguinte
citação:
A influência do Conselheiro sobre os sertanejos era tamanha que por muitas vezes
o povo deixara de frequentar as celebrações religiosas promovidas por párocos “oficiais”
da Igreja para acompanhar as pregações do “Santo endemoniado”. Toda essa situação
ocasionou em circulares assinadas por bispos com o intuito de frear as ações do
Conselheiro e devolver aos párocos locais a influência de seus domínios espirituais.
30
Mais uma vez, os esforços da Igreja Católica não foram efetivos para impedir as
ações “santas” de Antonio Conselheiro e sua gente. O “santo endemoniado” continuaria
sua andança pelos rincões do Norte do Brasil, levando consigo centenas de sertanejos que
buscavam o repouso seguro e condições de vida melhores àquelas oferecidas, ou não, pela
República. A formação de Canudos, segundo Facó (1972, será a partir do ano de 1893,
três anos antes de se iniciar, de fato, a guerra. Com a queda da Monarquia e proclamação
da República que, como já citado no capítulo anterior, era a “lei do cão” para o
Conselheiro, a procissão, que tinha como padroeiro Antonio Vicente, passou a ser
instruída pelo mesmo a se levantar contra o novo regime e seus aparatos, neste caso a
cobrança de impostos. Facó ao citar Euclides da Cunha traz uma breve citação sobre o
este episódio:
Era pouco provável uma ação como esta passar impune pelos agentes do novo
regime sem qualquer tipo de retaliação ou investigação. O simples fato de um grupo de
indivíduos, pobres, do Norte, terem promovido uma algazarra, descumprindo uma das
leis e incentivando o povo a reproduzir esse comportamento foi o suficiente para gerar
uma ação, agressiva, por parte dos governistas. De acordo com Facó, um destacamento
de 30 soldados foi enviado para enfrentar Antonio Conselheiro e seu povo e, para a
surpresa de muitos, foi facilmente derrotada, dado o tamanho do grupo do Conselheiro,
fugindo daquele local. Primeira derrota dos governistas, diga-se de passagem,
vergonhosa. Entretanto, mesmo tendo ganhado aquele embate, Antônio Conselheiro sabia
que a natureza daquele acontecimento poderia gerar mais desentendimentos e,
posteriormente, conflitos violentos. Junto de seus seguidores, ele se desloca para o beiço
do rio Vaza-Barris, fundando assim, a localidade de Belo Monte, ou, como era mais
conhecido, Arraial de Canudos.
Mesmo munidos de armas e munições “modernas”, as tropas não foram páreo para
a ira dos revoltosos. Tendo suas forças reprimidas, a força governista junto de seu tenente
fugiu acuada do grande número de seguidores de Antonio Conselheiro. Vale ressaltar que
32
mesmo com a repressão da tropa, os “canudenses” sofreram grandes perdas no que tange
ao número de mortos, assim, servindo de lição para os próximos encontros.
Além do grande número de conselheiristas, um outro fator importante para a
vitória de Canudos em algumas das expedições era a localização do Arraial. A caatinga,
com sua mata densa e fechada e seu clima semiárido foi a grande inimiga dos soldados
que embarcavam nesta aventura sangrenta. Muitas das tropas não pertenciam ao Norte do
país, por isso não sabiam se portar diante do clima presente ao redor do Arraial. Vejamos
a seguinte citação de Euclides da Cunha que trata da influência da Caatinga sobre a
batalha, e a relação desta com o sertanejo:
Facó, nestas citações, ressalta também o abandono das armas por parte dos
soldados que, na hora do desespero, não se importaram com as munições que sobraram.
Assim, nesta segunda expedição e na terceira, que falaremos logo em seguida, os
conselheiristas foram recolhendo as armas abandonadas no campo de batalha, macabros
e valiosos espólios de guerra, para se munirem contra as possíveis, e prováveis, novas
investidas do governo federal. No Rio de Janeiro, até então capital do Brasil, já era
notável a preocupação da alta repartição do governo federal, quando políticos florianistas,
ligados ao ex-presidente Marechal Floriano, pressionavam o atual presidente Prudente de
Morais por uma ação que colocasse fim de uma vez nesse reduto fanático monarquista.
Por sua vez, o Governo Federal decidiu “subir o nível” de sua intervenção no sertão
baiano, enviando o considerado “herói do exército”, coronel Moreira César, famoso pela
repressão aos envolvidos na Revolta Federalista (1893-1896), para acabar com o
Conselheiro e sua gente. De acordo com Facó:
Entretanto, nada pudera fazer o coronel Moreira César, morto no dia 3 de março
de 1897, exatamente um mês após ter embarcado do Rio para a Bahia. Os principais
nomes da 3ª expedição foram mortos pelos camponeses que, após uma exaurida batalha,
tomaram dos soldados mais armas e munições, assim se municiando, fortalecendo o poder
de defesa do Arraial e empregando mais uma amarga derrota à República que via sua
poderosa e “desmedida” investida falhar. Além de Moreira César, também caiu morto seu
substituto no comando da tropa, coronel Tamarindo e o comandante da artilharia, o
capitão Salomão Rocha. Vale ressaltar aqui a violência utilizada pelos conselheiristas
para “dar fim” aos corpos dos governistas falecidos em combate. Vejamos:
Diante destas partes dos respectivos telegramas, percebe-se que O PAIZ enquanto
um dos principais órgãos de imprensa da República, procurou mostrar a extrema violência
dos algozes que a sociedade republicana estava enfrentando. Afinal, sabendo da sua
grande tiragem, circulação e influência na sociedade brasileira, utilizar de sua primeira
página para divulgar este tipo de acontecimento vai de encontro às já discutidas práticas
de poder. Assim, entre centenas de mortos, feridos e “extraviados”, a situação em que a
República se encontrava era complicada. Até aquele momento nenhuma das três
expedições enviadas com a missão de destruir o Arraial de Canudos obteve sucesso, por
outro lado, Antonio Conselheiro e sua gente, mesmo com as inúmeras baixas, ficavam
mais fortes ao imputar medo na sociedade brasileira e desmoralizar a República e o
Exército, ironicamente, com a indireta ajuda da Imprensa.
36
De acordo com Facó (1972, p.105): “Entre a derrota da 3.ª e a chegada da 4.ª
expedição a Canudos decorreram quase quatro meses. Esse espeço de tempo não perdido
pelos sublevados. Foram meses de intensos preparativos [...]”. A quarta expedição foi a
última, e mais forte, enviada pelo Governo Federal que a qualquer custo queria dar como
finalizada a tal sublevação dos camponeses que tanto já teriam tirado da honra
republicana. Designados para esta última investida estavam os generais João da Silva
Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, cada um liderando uma coluna de com mais de
quatro mil soldados, armados com as mais modernas armas até então. De fato, a expedição
preparada pela República era a mais bem preparada desde que se iniciou o conflito contra
o arraial do Conselheiro, entretanto, mesmo possuindo um alto poder de fogo, esta não
ficou isenta de perdas decorrentes dos contra-ataques dos “canudenses”.
Como podemos ver, as percas por parte dos governistas eram brutais. Muitos
mortos, feridos e homens dados como fora de batalha. Mais brutal ainda era a estratégia
adotada pelos camponeses que com sua experiência adquirida nas últimas três expedições,
conseguiam driblar e “brincar” com as tropas governistas. Ressaltando também a
importância das características morfológicas do campo de batalha. Características essas
já ressaltadas aqui. Vejamos:
Durante quase um ano, quatro expedições foram enviadas a Belo Monte com o
intuito de eliminar a suposta ameaça monarquista liderada por Antonio Conselheiro, dessa
forma, uma verdadeira guerra foi iniciada findando no saldo de aproximadamente vinte e
cinco mil pessoas mortas durante esse período. Porém, ao contrário do que acreditavam
os altos escalões do exército, a resistência de Canudos foi implacável, derrubando um
número considerável de soldados, oficiais e até mesmo Coronéis famosos. Derrota
seguida de derrota foi o horizonte da República durante algum tempo, e assim como
muitos países fazem durante um período conflituoso, o Presidente precisava do respaldo
popular da sociedade brasileira para que esta pudesse ajudá-lo simbolicamente, dando
legitimidade ao possível massacre a ser realizado no interior da Bahia. Entre o querer da
República até o fazer da sociedade brasileira existia uma questão crucial: Como
convencer os brasileiros de que meros camponeses que dispunham apenas de facas e
garfos são uma ameaça para a recém proclamada República? A resposta é simples, a
“invenção”, ou produção, de um inimigo. O aparecimento de um inimigo é comumente
utilizado como pretexto para ações desmedidas e apoio imensurável por parte de grupos
sociais que se sintam ameaçados, prática bastante comum ainda nos dias de hoje, como
pôde-se deflagrar na eleição de 2018 quando o, até então, presidente Jair Messias
Bolsonaro uniu parcela do eleitorado brasileiro contra a “ameaça do Comunismo”
representado pelo Partido dos Trabalhadores, e também pela Esquerda ideológica. No
caso de Canudos, a narrativa principal remetia a existência de um grupo de “Fanáticos”,
vivendo na até então região Norte do Brasil, lugar “inalcançado pela civilização”, que
tramavam contra o advindo e a manutenção do “Moderno”, da “Civilização”, da
“República”. Desta forma, os indivíduos que eram “Civilizados”, que não queriam um
retorno da sociedade brasileira aos tempos da Monarquia, considerados como atrasados,
arcaicos, deveriam lutar por seus ideais, assim esmagando o Arraial considerado como
antro do fanatismo e da Depravação.
Mas, como atribuir a alguém características, práticas ou até mesmo ideologias que
não condizem com a natureza do indivíduo? Mais uma vez, através da “invenção”, ou
produção, da representação deste indivíduo almejado pelo acusador, auxiliado pela
difusão de um discurso que denuncie o possível risco causado por estas pessoas, ou
grupos. Pode-se assim concluir que esta dinâmica foi utilizada pelos periódicos cariocas
no plano da “guerra simbólica” cujo o espólio de guerra seria o apoio da sociedade
brasileira como justificativa dos ataques contra os conselheiristas.
40
Para entendermos mais sobre esta “guerra simbólica” e suas consequências no que
tange à formação de um veredito da sociedade brasileira, precisamos discutir sobre o
conceito de representação. De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento:
em suas acusações contra o povo do Arraial e chegou a ser empastelada pelas alas
republicanas no ápice da guerra.
Nos primeiros momentos do combate, o que corresponde a 1.ª expedição, as
notícias no O PAIZ ocupava pequenos espaços na coluna dos telegramas, destinada a dar
uma explanação sucinta sobre acontecimentos nos Estados Brasileiros e no resto do
mundo. Assim, causando pouco alarde e, provavelmente, passando despercebidas pelos
leitores menos atentos do periódico. Percebe-se então que no início da Guerra, quando os
conselheiristas não eram considerados como uma grande ameaça para a estabilidade da
República, os periódicos não dedicavam um grande espaço em suas colunas para destacar
as ações deste grupo.
A dinâmica empregada pela Gazeta da Tarde já contém um certo grau de alarde,
esta anuncia os acontecimentos da 1.ª expedição em uma coluna com o nome do próprio
Conselheiro, tendo logo abaixo o suposto número de “canudenses” mortos. Mesmo se
encontrando na segunda página do periódico, esta notícia já pode ser considerada como
mais chamativa para os leitores, devido a seu expressivo título. De qualquer forma, não
considerando o conflito como algo digno de um alto grau de mobilização, aliando isso à
uma ausência do futuro discurso sobre a natureza do Arraial ser monarquista e “fanática”,
O PAIZ não se preocupou em atiçar a sociedade brasileira para um possível apoio nos
campos do social e do ideológico, enquanto que a Gazeta da Tarde continuou a dar maior
visibilidade para o Conselheiro e sua gente, sempre publicando as notícias referentes ao
Arraial em colunas dedicadas exclusivamente ao assunto, como “ANTONIO
CONSELHEIRO” e “ATAQUE A CANUDOS”, e todas na primeira página.
Este padrão de publicações do O PAIZ apenas irá mudar, de fato, com o choque
promovido pela 2.ª expedição, comandada pelo major Febrônio de Brito, contra os
“canudenses”, a partir de então, pode-se perceber a emergência de recorrentes notícias
sobre Canudos fora da coluna dos “TELEGRAMMAS”, compondo agora colunas próprias
com o nome do Conselheiro. Destarte, o leitor mais assíduo, aquele que acompanha o
periódico diariamente, vai percebendo a mudança na dinâmica de publicações, a
alternância da natureza das postagens, por consequência o leitor vai tomando lado naquela
batalha entre os camponeses e os soldados, mas que também tem um terceiro sujeito, parte
da Imprensa.
Para finalizar este ponto, abordaremos uma publicação do O PAIZ acerca da
coluna intitulada como “FRIVOLIDADES”, na matéria em questão, publicada no dia 4 de
fevereiro, distante quase que um mês da queda da 3.ª expedição, uma leitora solicita a
42
opinião da sogra do colunista. Esta sendo natural da Bahia deveria discorrer um pouco
sobre as “façanhas” que Antonio Conselheiro estaria fazendo em sua “capitania” natal.
Não conseguindo diretamente o testemunho da senhora, o leitor ressalta a conversa que
sua esposa teve com a mãe onde esta diz que:
A partir deste episódio, pode-se destacar dois pontos principais: O primeiro é que
a discussão sobre Canudos já estaria se popularizando. Pode-se confirmar isso ao
observarmos o pedido inusitado de uma leitora para que a sogra do colunista falasse um
pouco sobre os acontecimentos; o segundo ponto é a associação do Conselheiro para com
a religiosidade, visto que a sogra do colunista associa as peripécias do homem para com
a de “santos”. Por fim, o colunista fala um pouco sobre a sua própria opinião acerca do
Conselheiro, este acredita que o líder de Canudos não seria um “fanático” religioso e sim
um instrumento de agitação social controlado por monarquistas objetivados a derrubar a
República. De fato, as opiniões sobre a campanha de Canudos eram das mais variadas,
mas por que tanto se falava em “Fanáticos” religiosos e suas possíveis associações com
os derrotados Monarquistas? O que de fato relacionava um ao outro e por quê estes não
poderiam existir na República?
Tomando estes questionamentos como base, analisaremos no próximo e último
capítulo deste trabalho monográfico o conceito de “Fanático”, sua relação para com a
religiosidade popular encontrada, principalmente, no sertão do nordeste brasileiro, além
de debatermos sobre sua suposta relação com o movimento de restauração monárquico.
43
3 REPRESENTANDO O INIMIGO
[...] o termo fanático. Este veio de fora, dos meios cultos para o sertão,
designando os pobres insubmissos que acompanhavam os conselheiros,
monges ou beatos surgidos no interior, como imitações dos sacerdotes
católicos ou missionários do passado. É um termo impróprio,
inadequado, sobre ser pejorativo. (FACÓ, 1972)
Como nasce um inimigo? Talvez, seria melhor perguntar de que forma se constrói
um inimigo. Principalmente um inimigo, narrado nas páginas dos jornais, com potencial
de abalar a nova estrutura da nascente República brasileira e suas representações sobre
civilização e progresso. A forma pela qual a Imprensa do Estado do Rio de Janeiro
44
sociedade, o sem cultura. Sendo este o ponto onde se relaciona o “bárbaro” com o
monarquista, de acordo com os republicanos, no período da Guerra de Canudos.
O monarquista seria o ultrapassado, no campo político este acabara de ser
derrotado por uma nova teoria sócio-política, mais avançada, mais forte, mais moderna.
Modernidade essa que, de acordo com Raymond Williams (1976), estaria sendo
assimilada ao melhorado, satisfatório ou eficiente. Para todos os fins, o “tempo” da
Monarquia já teria passado e a sociedade brasileira não gostaria de passar por qualquer
tipo de nostalgia, fosse essa em qualquer nível ou grau.
A ação da Imprensa em colocar a população da capital da república contra os
“bárbaros canudenses” seria parte da estratégia dos republicanos para manter segura uma
sociedade que já teria sofrido demais nas mãos de uma Coroa que não dava a devida
importância para o Brasil, e qual seria a melhor forma de unir uma nação contra um
inimigo em comum, mesmo que este fosse inventado, senão em um momento de extremo
cuidado como é o caso de uma Guerra, ainda mais quando o conflito é em uma região do
Brasil considerada como atrasada, sem civilização, em outras palavras, extremamente
propícia para o fortalecimento de pessoas e ideias também consideradas como atrasadas
e descivilizadas.
Tanto o O PAIZ, quanto a Gazeta da Tarde, se utilizaram de diferentes dinâmicas
e estratégias jornalísticas, como a veiculação de matérias alarmistas, grande cobertura
sobre os acontecimentos, aumento do número de colunas dedicadas a noticiar o conflito,
onde, em certos pontos podendo ser consideradas como antagônicas, para noticiar o andar
da guerra. A Gazeta da Tarde chegou a ser empastelada por, supostamente, defender os
“canudenses”. Com o periódico O PAIZ, a discussão é um pouco mais complicada. Sendo
um dos principais órgãos de Imprensa da República, este jornal sequer cessou o ataque
midiático contra Belo Monte durante o quase um ano de batalha, inclusive mantendo
postagens regulares após o fim da guerra. Assim, ao considerar que as postagens
regulares e extravagantes dos periódicos brasileiros contribuíram para imputar um
inimigo dentro do imaginário, além de transformá-lo em um indivíduo de alta
periculosidade, fosse este um monarquista ou apenas um fanático religioso liderado por
Antônio Conselheiro, como aparece no dia 18 de março de 1897, algumas semanas após
a queda da 3ª. expedição, quando o O PAIZ, que já tinha veiculado matérias de primeira
página com o título alarmante de “A CATASTROPHE”, passa a reproduzir notícias
pejorativas sobre os “canudenses”, muito provavelmente, querendo influenciar a opinião
pública:
46
[...] a noticia de que na Bahia circulava em rodas officiaes ter sido preso
em Monte Santo o celebre faccinora João Abbade. Como se sabe, esse
bandido era a suprema esperança de seu colega Antonio Conselheiro, o
desgraçado fanático que a monarchia tomou para seu cabo de guerra
nos sertões do heroico Estado do Norte. (A CATASTROPHE, 1897, p.
1)
Sobre a citação acima, mais uma vez, chama-se a atenção do leitor para o
tratamento utilizado pelo remetente para com os “canudenses”. Sequazes, fúria, fanatismo
e, por último, inimigos das instituições vigentes. Ora, a instituição vigente naquele
momento seria a República, então mais uma vez a mídia utiliza de seu “poder” para influir
na opinião pública, mesmo que não diretamente. Outra coisa que também podemos
destacar é o nível de hierarquia onde foi produzido este telegrama, afinal, a opinião de
um governador de um Estado tão importante para a União como a Bahia é de se levar em
consideração por qualquer leitor brasileiro. Vale ressaltar que naquela época, o Estado da
Bahia, assim como a maioria das federações, era controlado por um político filiado a um
partido republicano. No caso do Estado da Bahia no ano de 1897, o governador era Luiz
Viana, filiado ao Partido Republicano Federalista da Bahia (PRFB), assim sendo, este se
compartilhava o sentimento de defesa dos interesses da República.
No dia 20 de fevereiro de 1897, um pouco antes do envio e derrota da 3.ª
expedição, O PAIZ realiza uma publicação polêmica sobre o Arraial do Conselheiro.
Atacando os oposicionistas da República, a matéria “O CASO DO CONSELHEIRO”
indicará a existência de atores ocultos, indo de pessoas, órgãos de Imprensa, bancos
nacionais e firmas internacionais, que estariam trabalhando para apunhalar o regime
republicano. Vejamos:
um momento onde a população deveria estar unida pela vitória da “Ordem”, acontecer de
um Banco apoiar o antro do fanatismo era inconcebível. Esta matéria pode facilmente ser
interpretada como mais uma tentativa da Imprensa em demonstrar como o “planejamento
fanático monarquista” estava bem organizado e estabelecido. Na parte final da matéria
existe uma citação que pode resumir basicamente qual objetivo do jornal nessa construção
e caracterização do inimigo. Afirmar que o governo está forte por causa da confiança
geral da sociedade é constatar que a produção de um inimigo, mesmo que inexistente nas
características alegadas, alcançou êxito.
Como último exemplo, O PAIZ nos traz uma postagem interessante e, no mínimo,
curiosa. De acordo com a matéria intitulada apenas como “CANUDOS”, publicada no
dia 7 de setembro de 1897, a guerra não passaria de uma “revolução restauradora”,
arquitetada pelos políticos “apostolos da monarchia” onde o Conselheiro, mais uma vez,
não passaria de um mero fantoche nas mãos de gente mais “civilizada” que teria planejado
tudo. Vejamos por partes:
uma anatomia diferente da dos brasileiros de outras regiões do país. Assim, além de
lutarem pela derrocada da República, os inimigos do Brasil seriam “loucos de uma outra
espécie” que não a do Homo Sapiens Sapiens civilizado. Outro ponto que chama atenção
é a de que o Antonio Conselheiro foi condecorado com o título de General, indo contra
qualquer outro registro já obtido àquela altura da Guerra, visto que se sabia que o
Conselheiro apenas seria um beato “fajuto” e repreendido pela Igreja Católica através de
circulares assinadas por alguns bispos, como já debatido neste trabalho. Diante disso, o
leitor mais atento poderia perceber que o Arraial de Canudos não seria algo simplesmente
inventado e construído por meros sertanejos, e sim algo organizado com o respaldo de
pessoas poderosas e influentes. Continuemos com outra passagem da matéria do O PAIZ:
Dessa vez, também, não se poupou a palavra inimigo. De fato, o O PAIZ estaria
partindo para declarar abertamente o adversário da República que não somente seriam os
líderes de Canudos, mas sim todo e qualquer “alma” que se juntasse a empreitada do
Conselheiro no interior da Bahia, onde de tudo se valeria, até mesmo sacrifício de suas
vidas. Vale ressaltar também a denúncia de financiamento externo para Canudos, neste
caso, recursos bélicos, pessoal “idonco”, víveres em quantidade e dinheiro a rodo. Como
já discutido, de acordo com O PAIZ, a formação e manutenção do Arraial de Canudos
seria algo mais complicado do que uma simples vila construída por sertanejos pobres,
peregrinos e almas tementes a Deus. Finalizando a matéria, o colunista cita uma nuvem
negra no horizonte, cuja qual estaria trazendo uma “tenerosa” borrasca, ou seja, Canudos
seria a mancha planejada pelos monarquistas revanchistas que viria para derrubar a
República e enterrar a sociedade brasileira na mais profunda escuridão de algo que hoje
seria ultrapassado e controlada por pessoas equivalentes a bárbaros e fanáticos, a
Monarquia.
51
nocivo, onde os indivíduos que o praticam têm como hábito a imposição de seus preceitos
e noções de mundo à sociedade não praticante.
Agora, busquemos na historiografia algumas obras que debatam acerca do
conceito de fanático. Vejamos o que diz Facó (1972) sobre o verbete:
ou “Sertão Arcaico do Nordeste” como é referido pelo autor, foi o Coronel Nilton
Freixinho. Em sua obra O sertão arcaico do Nordeste do Brasil: Uma releitura (2003) o
autor debaterá sobre conceitos e condições importantes para esta pesquisa. Uma dessas
condições foi o surgimento de “centros de romaria” comandadas pelos beatos e
conselheiros. Esses centros são de suma importância para a fortificação do dito
“fanatismo”, pois, assim como afirmará Nilton Freixinho, esses lugares eram comandados
por místicos “leigos”, onde muitas vezes não tinham qualquer relação oficial com a Igreja
Católica, e assim, pregavam preceitos e dogmas que embora “estivessem dentro do campo
religioso do Cristianismo” não eram todos aceitos pela Igreja por conter teor ideológico
e em alguns casos “político-militar”, como é o caso do “ajuntamento” de Padre Cícero
alguns anos depois no Ceará. Sobre os centros de romaria vejamos a seguinte citação:
Jornais
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
História do Brasil
DOLHNIKOFF, Miriam. História do Brasil Império. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2020.
MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2019.
61
ROSSI, Amanda. Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a
reforma agrária, diz historiador. BBC News, 2018. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44091474>. Acesso em 20, agosto de 2021.
Imprensa
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015.
Outros
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2ª Edição. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.