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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA – UFSB

CENTRO DE FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTADO E SOCIEDADE

THARLES SOUZA SILVA

“NÃO ADIANTOU, NÓS VENCEMOS”: A SEGUNDA GUERRA


MUNDIAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA

PORTO SEGURO (BA), 2022


THARLES SOUZA SILVA

“NÃO ADIANTOU, NÓS VENCEMOS”: A SEGUNDA GUERRA


MUNDIAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação e Estado e Sociedade, curso de
Doutorado, na Linha de Pesquisa Sociedade,
Cultura e Ambiente, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Estado e
Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Eduardo


Torres Cancela

PORTO SEGURO (BA), 2022


(...) o historiador mais corajoso é aquele que faz
a sua narração descrevendo os sentimentos e
delineando o caráter dos personagens como se se
trata-se de uma pintura.
Plutarco
À Dilma Filgueiras de Santana e Jackson Maciel
Rufino (em memória).

À Célia, Messias, Cristina, Beto, Sônia e Maria


Ferreira, minhas mães e pais.

À Misael, Thainá, Cecília, Emanuele, Poliana,


Leonardo, Vinícius e Sarah, meus irmãos e irmãs.

À Isabelli, o “denguinho do dindo”.

Somos o resultado de todas as experiências que


tivemos ao longo de nossas vidas. Com vocês vivi o
melhor que a vida pode oferecer: a companhia de
pessoas amadas. Por todo o amor que vocês sempre me
deram, nos momentos mais alegres e também nos mais
tristes, a minha eterna gratidão.
AGRADECIMENTOS

Durante os mais de cinco anos nos quais trabalhamos nessa pesquisa muitas pessoas
nos ajudaram. Somos gratos por cada ajuda que recebemos, seja por uma simples indicação de
um endereço, pelo envio de uma fonte, por nos acolheu durante uma viagem, por nos ouvir e
aconselhar em um momento de aflição ou ler e comentar as versões preliminares dos textos
aqui apresentados. A cada uma dessas pessoas deixamos aqui o nosso “muito obrigado”.
Listaremos os nomes sem especificar a ajuda que recebemos, para não correr o risco de
esquecer algo e, dessa forma, sermos injustos com aqueles que nos ajudaram.

Aurélio de Oliveira; Ariovaldo dos Rodrigues; Rita Rodrigues; Romeu


Santos; Bougleux Bomjardim da Silva Fontana; Sidrach Carvalho Neto; Jaco
Carmo; Ciro Lins Silva; Cláudio Galdino; Jamille Macedo de Oliveira
Gonçalves da Silva; Cíntia Campeche Santos; Luciana Galdino; Marcela
Silva; Davina Costa; Decio Gurrite Modesto Fermino; Lucas Neves Garcia
Pessôa; Fernando Pereira de Azevedo; Ledo; Levi Cunha; Leonardo Moraes;
Gabriel Moreira Dias; Herculano Raimundo Costa; Sérgio Gonçalves
Magnavita; Iana Bittencourt Oliveira Silva Rodrigues; Ruy Sergio Martins
Ribeiro; José Mathias Honorato Barreto; Nascimento; Ten. Ubaldo Manoel dos
José Carlos Sanches; Jackson Torres; Santos; Thainá Ferreira dos Santos;
Jussara Maria Esteves de Oliveira; Lúcia Márcia Pereira; Willian Castro Dias; Uiá
Helena Siquara; Luiz Antônio Pinto Cruz; Freire Dias dos Santos; Vinícius Parracho.
Hiram Campos Rodrigues; Galileu

Gostaríamos de fazer um agradecimento especial à Fundação de Amparo à Pesquisa


do Estado da Bahia (FAPESB), que financiou esta pesquisa. Infelizmente, vivemos em um
período repleto de teorias conspiratórias, negacionismo científico e relativismos, muitas vezes
difundidos por agentes governamentais. As consequências disso para a sociedade brasileira
têm sido terríveis. Sobretudo, a diminuição dos financiamentos públicos às pesquisas, está
minando o desenvolvimento científico brasileiro. Sem ciência de qualidade e livre não há
desenvolvimento social, educacional ou econômico. Por isso, é muito importante destacar a
relevância do financiamento da FAPESB, sem ele não teria sido possível realizar este
trabalho.
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal analisar as formas pelas quais a Segunda
Guerra Mundial atingiu o Extremo Sul da Bahia. As alterações causadas nas vidas dos
moradores da região, devido às dificuldades geradas pelo contexto de beligerância, deixaram
marcas profundas em suas memórias. Partimos do princípio de que, embora não tenham
ocorrido muitos eventos bélicos na região, tais como batalhas ou bombardeios, os eventos
ocorridos no Extremo Sul baiano, entre 1942 e 1945, parecem ter feito os moradores locais
viverem um intenso clima de guerra. Isso fez com que as memórias do conflito sobrevivessem
ao tempo, mesmo sem que houvesse comemorações cívicas, museus ou monumentos
especificamente dedicados à manutenção da memória e da história da guerra na região. As
memórias das pessoas estão ligadas a uma série de fatores: os ataques de submarinos do Eixo
à barcaça Jacira, em agosto de 1942, e ao navio Afonso Pena, em março de 1942; a circulação
de notícias de guerra, através de meios como a telegrafia, o rádio e o jornal; a presença de
soldados que guarneceram os principais municípios da região (Belmonte, Porto Seguro e
Caravelas); e a convivência conflituosa com estrangeiros. As principais fontes utilizadas ao
longo da pesquisa foram jornais e revistas, encontrados, sobretudo, em sítios virtuais, e
entrevistas realizadas com moradores da região, a maioria deles com mais de 80 anos. Além
disso, foram utilizados dados de recenseamentos da população brasileira e livros de memória,
escritos por autores regionais, dentre outras. Apesar da quantidade e diversidade de fontes,
existem muitas lacunas, o que impossibilitou a realização de seriações das informações. Para
lidar com o material da pesquisa foi utilizado uma abordagem que altera as escalas de
observação, partindo do local para o regional e o nacional, tentando contextualizar os eventos
e as experiências de guerra. Diante das limitações impostas pelas fontes, parte-se do princípio
de que, diante de eventos e situações com múltiplas possibilidades interpretativas, as
explicações mais simples são as mais adequadas a este trabalho. Como afirmou o historiador
John Keegan, toda história da Segunda Guerra Mundial é, portanto, uma história do mundo
entre 1939 e 1945. É nessa perspectiva que este trabalho é apresentado. Ao compreender os
eventos da Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia, além de possibilitar ampliar o
conhecimento sobre a extensão deste conflito na Bahia e no Brasil, este trabalho ajuda a
resgatar uma parte da história do mundo.

Palavras-chave: Extremo Sul da Bahia; Segunda Guerra Mundial; Memória.


ABSTRACT

The present work has as main objective to analyze the ways in which the World War Two
reached the Extremo Sul da Bahia. The changes caused in the lives of the residents of the
region, due to the difficulties generated by the context of belligerence, left deep marks in their
memories. We assume that, although there were not many war events in the region, such as
battles or bombings, the events that took place in the Extremo Sul da Bahia, between 1942
and 1945, seem to have caused the local residents to experience an intense climate of war.
This made the memories of the conflict survive over time, even without civic
commemorations, museums or monuments specifically dedicated to maintaining the memory
and history of the war in the region. People's memories are linked to a series of factors: the
attacks by german and italian submarines on the barge Jacira, in august 1942, and on the ship
Afonso Pena, in march 1942; the circulation of war news, through means such as telegraphy,
radio and newspaper; the presence of soldiers who garrisoned the main municipalities in the
region (Belmonte, Porto Seguro and Caravelas); and conflicting coexistence with foreigners.
The main sources used throughout the research were newspapers and magazines, found
mainly on virtual sites, and interviews with residents of the region, most of them over 80
years old. In addition, data from censuses of the brazilian population and memory books,
written by regional authors, among others, were used. Despite the quantity and diversity of
sources, there are many gaps, which made it impossible to carry out a series of information.
To deal with the research material, an approach was used that changes the scales of
observation, from the local to the regional and the national, trying to contextualize the events
and experiences of war. Given the limitations imposed by the sources, it is assumed that, in
the face of events and situations with multiple interpretive possibilities, the simplest
explanations are the most appropriate for this work. As the historian John Keegan stated, the
entire history of the World War Two is, therefore, a history of the world between 1939 and
1945. It is in this perspective that this work is presented. By understanding the events of the
Second World War in the Extremo Sul da Bahia, in addition to making it possible to expand
knowledge about the extent of this conflict in Bahia and Brazil, this work helps to rescue a
part of the history of the world.

Keywords: Extremo Sul da Bahia; World War Two; Memory.


ABREVIATURAS

1° RI 1° Regimento de Infantaria
11° RI 11° Regimento de Infantaria
2° DN 2° Distrito Naval
4ª RM 4ª Região Militar
4° GADo 4° Grupo de Artilharia de Dorso
6ª RM 6ª Região Militar
1°/8º RAM 1°/8º Regimento de Artilharia Montada
10º BC 10° Batalhão de Caçadores
12º BC 12° Batalhão de Caçadores
II COMAR II Comando Aéreo do Nordeste
ABI Associação Bahiana de Imprensa
AHEX Arquivo Histórico do Exército
AM Amplitude Modulada
ANVFEB Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira
BC Batalhão de Caçadores
BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
BNS British News Service
CAN Correio Aéreo Nacional
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CEC Centro de Expansão Cultural
Cr$ Cruzeiros
DAC Departamento de Aeronáutica Civil
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
DEIP Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
EFBM Estrada de Ferro Bahia e Minas
FAB Força Aérea Brasileira
FEB Força Expedicionária Brasileira
FFB Faculdade de Filosofia da Bahia
FM Frequência Modulada
GAC Grupo de Artilharia de Campanha
GMAC Grupo Móvel de Artilharia de Costa
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IGHB Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
NATS Naval Air Transport Service (serviço naval de transporte aéreo)
OCIA Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
RAM Regimento de Artilharia Montada
RI Regimento de Infantaria
R. Smg. Regio Sommergibili
TG Tiro de Guerra
TI Territórios de Identidade
U. S. Navy Marinha dos Estados Unidos
LISTA DE IMAGENS E QUADROS

Imagem 1: Soldados do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto em Porto Seguro............ 55


Imagem 2: Banda de Música do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto........................... 56
Imagem 3: Oficiais do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto.......................................... 56
Imagem 4: O prefeito de Caravelas e a comemoração de sua posse........................................ 82
Imagem 5: Fotografias de Getúlio Vargas no Boletim Oficial de Belmonte........................... 98
Imagem 6: Fotos de Caravelas (1939)................................................................................... 101
Imagem 7: Escalas do Correio Aéreo Nacional..................................................................... 126
Imagem 8: Equipamentos da tipografia do Boletim Oficial Município de Belmonte........... 137
Imagem 9: O Boletim, o Estado da Bahia, o A Tarde e O Imparcial.................................... 138
Imagem 10: Assinante desconhecida do Boletim Oficial Município de Belmonte............... 140
Imagem 11: Arquivo da Tipografia de Belmonte (2017)...................................................... 145
Imagem 12: Fotografias da BNS e do OCIA no Boletim Oficial.......................................... 149
Imagem 13: O Aníbal Benévolo em Caravelas (1942).......................................................... 152
Imagem 14: Tripulantes da barcaça Jacira (1942)................................................................. 160
Imagem 15: O vapor Afonso Pena, cartão postal da Lloyd Brasileiro s/d............................. 166
Imagem 16: Estagiários do Afonso Pena............................................................................... 168
Imagem 17: Bernard Morera e Lú Moreno............................................................................ 172
Imagem 18: R. Smg. Barbarigo............................................................................................. 175
Imagem 19: Nair Viana Café................................................................................................. 180
Imagem 20: Adalberto Cascalho e sua família...................................................................... 205
Imagem 21: Soldado Wilson Lamas...................................................................................... 207
Imagem 22: Tenente João Ferreira e seu cortejo fúnebre...................................................... 208
Imagem 23: Ponte construída pelos soldados mineiros em Porto Seguro............................. 209
Imagem 24: Francisco e Ernestina Modesto (1943).............................................................. 213
Imagem 25: Soldados da 1° BIA do 8° RAM antes do embarque......................................... 215
Imagem 26: Avany e Siegfried Simon................................................................................... 245
Imagem 27: Cláudio Tavares e Siegfried Simon................................................................... 248
Imagem 28: O Natália Rosa e seus tripulantes...................................................................... 268
Imagem 29: Hans Weber, Hans e Ruth Schicht e o barco da SULBA.................................. 269
Imagem 30: Acareação promovida pelo repórter Luciano Carneiro...................................... 270
Imagem 31: Pessoas convocadas para o serviço militar em Belmonte (1943)...................... 286
Imagem 32: Antônio de Sá Rodrigues................................................................................... 305
Imagem 33: Bernardo Grinaldo de Medeiros........................................................................ 309
Imagem 34: Joaquim Dias Sena............................................................................................. 316
Imagem 35: Aeródromo de Caravelas................................................................................... 321
Imagem 36: Alojamentos do Aeródromo de Caravelas......................................................... 323
Imagem 37: Unidade dirigível da Marinha americana........................................................... 325
Imagem 38: Praça dos Ex-Combatentes, Memorial I............................................................ 328
Imagem 39: Praça dos Ex-Combatentes, Memorial II........................................................... 329
Imagem 40: Praça dos Ex-Combatentes – Porto Seguro....................................................... 331
Imagem 41: Remanescentes dos soldados mineiros em Porto Seguro (1997)....................... 332
Imagem 42: O antigo Campo de Aviação do Arraial d’Ajuda.............................................. 333
Imagem 43: Fardos de borracha em Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro............................. 339
Mapa 1: Divisão atual do território da Bahia........................................................................... 29
Mapa 2: Geomorfologia e territórios dos municípios do Extremo Sul da Bahia..................... 32
Mapa 3: Expansão do povoamento no Extremo Sul da Bahia (1898-1953)............................ 43
Mapa 4: Geografia agrícola do Extremo Sul da Bahia............................................................ 63
Mapa 5: Rede de correios e telegrafia do Extremo Sul da Bahia, década de 1940................ 120
Quadro 1: Crescimento populacional do Extremo Sul da Bahia e regiões vizinhas................ 46
Quadro 2: Crescimento populacional da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais...................... 47
Quadro 3: Crescimento populacional do Extremo Sul da Bahia............................................. 48
Quadro 4: Características étnico-raciais da população do Extremo Sul da Bahia................... 51
Quadro 5: Taxas de alfabetismo no Extremo Sul da Bahia..................................................... 59
Quadro 6: Fluxo de embarcações e cargas no Extremo Sul da Bahia...................................... 68
Quadro 7: População dos municípios do Extremo Sul da Bahia em 1931.............................. 86
Quadro 8: Notícias sobre a Segunda Guerra Mundial publicadas no Boletim Oficial.......... 144
Quadro 9: Matérias de agências de notícias publicadas no Boletim Oficial de Belmonte.... 145
Quadro 10: Preços de gêneros alimentícios vendido em Salvador (1941 a 1944 - Cr$)....... 199
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 14
1.2 Sobre as fontes e os aspectos metodológicos..................................................................... 20
1.3 Sobre a organização do texto............................................................................................. 25

PARTE I................................................................................................................................... 27

CAPÍTULO 2 - TERRITÓRIO, POPULAÇÃO E ECONOMIA............................................ 28


2.1 Rios, recifes, florestas e povoamentos: o território do Extremo Sul da Bahia.................. 31
2.2 Características étnico-raciais e socioculturais: a população regional................................ 44
2.3 Os aspectos econômicos..................................................................................................... 61

CAPÍTULO 3 - O CENÁRIO POLÍTICO REGIONAL ENTRE AS DÉCADAS DE 1930 E


1940.......................................................................................................................................... 74
3.1 A ocupação de Caravelas e a reconfiguração regional....................................................... 79
3.2 Os políticos da região e o Estado Novo............................................................................. 89

PARTE II............................................................................................................................... 113

CAPÍTULO 4 - A CIRCULAÇÃO DAS NOTÍCIAS DE GUERRA NO EXTREMO SUL DA


BAHIA................................................................................................................................... 114
4.1 A telegrafia, as cartas e a radiodifusão............................................................................ 117
4.2 O Boletim Oficial Município de Belmonte...................................................................... 135

CAPÍTULO 5 - A GUERRA SE APROXIMA..................................................................... 152


5.1 Em uma manhã calma: o caso da barcaça Jacira.............................................................. 154
5.2 Isto é a guerra! O caso do vapor Afonso Pena................................................................. 162
PARTE III.............................................................................................................................. 185

CAPÍTULO 6 - A POPULAÇÃO REGIONAL E OS SOLDADOS MINEIROS................ 186


6.1 Relatos da convivência com os soldados mineiros.......................................................... 189
6.2 Impressões dos soldados mineiros................................................................................... 212

CAPÍTULO 7 - OS ESTRANGEIROS NO EXTREMO SUL DA BAHIA......................... 227


7.1 A construção do “outro”.................................................................................................. 229
7.2 O caso dos italianos em Santa Cruz Cabrália.................................................................. 236
7.3 O caso do português em Porto Seguro............................................................................. 238
7.4 O caso de Abiah Reuter em Belmonte............................................................................. 244
7.5 O caso do alemão em Prado............................................................................................. 240

PARTE IV.............................................................................................................................. 253

CAPÍTULO 8 - OS SUBMARINOS..................................................................................... 254


8.1 Os “homens louros de Alcobaça”.................................................................................... 255
8.2 Um submarino misterioso em Belmonte.......................................................................... 273
8.3 A comunidade Mato Grosso e o túnel para os submarinos em Prado.............................. 280

CAPÍTULO 9 - OS EX-COMBATENTES DO EXTREMO SUL DA BAHIA................... 284


9.1 Os soldados de Belmonte................................................................................................. 286
9.2 Os combatentes de Alcobaça e Caravelas........................................................................ 299
9.3 Um convocado em Porto Seguro..................................................................................... 312
9.4 Evidências de outros convocados na região..................................................................... 314

CAPÍTULO 10 - OS LUGARES E A MEMÓRIA DA GUERRA....................................... 318


10.1 A “Base de Caravelas”................................................................................................... 319
10.2 A Praça dos Ex-Combatentes e o bairro Monte Castelo................................................ 327

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 340


REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 345
15

1 INTRODUÇÃO

A Segunda Guerra Mundial é um tema muito abordado na cultura pop (filmes, séries,
músicas, animações, jogos eletrônicos, livros e revistas em quadrinhos). De forma geral, essas
produções costumam abordar as campanhas militares, os eventos políticos e seus
desdobramentos, os impactos econômicos, geopolíticos e sociais. As produções da cultura pop
também costumam dar foco especial à participação dos Estados Unidos no conflito. Na área
acadêmica, muitas pesquisas têm sido realizadas desde o fim da guerra. Aliás, a historiografia
da Segunda Guerra Mundial se iniciou com pessoas que viveram bem de perto os horrores do
conflito como Kenneth Macksey, Vassily Grossman e Basil Liddlle Hart1. Entretanto, essas
produções, tanto as da cultura pop quanto as acadêmicas, costumam se centrar nos eventos
ocorridos na Europa e, em menor quantidade, na Ásia.
Entretanto, a Segunda Guerra Mundial afetou, direta ou indiretamente, todas as partes
do mundo, embora o grau dos efeitos varie de um lugar para outro. Não por acaso, Eric
Hobsbawm classificou aquele conflito como uma das maiores catástrofes humanas2. Ainda há
muito para se estudar sobre os efeitos do conflito em áreas distantes dos campos de batalha
europeus e asiáticos. Uma dessas áreas é a América do Sul.
Embora nem todos os países sul-americanos tenham se envolvido diretamente no
conflito, os efeitos econômicos, sociais e políticos da guerra atingiram, direta ou
indiretamente, todos os seus países3. Deve-se apontar que o caso brasileiro se destaca. O
Brasil não apenas rompeu relações diplomáticas com as potências do Eixo, em 1942, como
também enviou tropas regulares para combater na Europa. Apesar disso, não foi construída
uma grande memória social da participação brasileira na guerra. Tampouco o conflito figura
como um dos momentos marcantes da história do país, no século XX. Ao contrário, como
apontou Roney Cytrynowicz, a história da Segunda Guerra Mundial no Brasil “tem sido
marcada muito mais pela ausência do que por uma presença efetiva e consistente”4.

1
MACKSEY, Kenneth. Why the Germans lose at war: the myth of German military superiority. London:
Greenhill Books, 1999; GROSSMAN, Vassili.The Years of war, 1941-1945. Moskau: Foreign Languages
Publishing House, 1946; HART, Liddell. O outro lado da colina. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora,
1980.
2
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p. 58.
3
Para uma leitura introdutória indicamos o livro: BETHEL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian (org.). A América
Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
4
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda
Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial, 2002, p. 17.
16

De fato, se comparada à participação das grandes potências beligerantes, o


envolvimento brasileiro não foi significativo para os rumos da guerra. Entretanto, isso não
justifica o silêncio no qual o conflito esteve submetido na memória da sociedade brasileira.
Embora a participação do Brasil não tenha sido decisiva, a entrada do país no conflito foi um
verdadeiro divisor de águas em sua história. De acordo com Durval Pereira, “sob o ponto de
vista econômico, nem mesmo a Proclamação da Independência ou a da República produziram
consequências tão determinantes para o futuro brasileiro quanto a declaração de guerra ao
Eixo”5.
De acordo com Frank McCann, a participação brasileira foi essencial para a projeção
política do Brasil no cenário global. Em “Braziland World War II: the forgotten ally...”,
MacCann apresentou a posição internacional do Brasil ao longo da década de 1930 e como ela
se alterou durante o conflito. Conforme o autor:

A Segunda Guerra Mundial teve grande impacto sobre o Brasil. O esforço de


guerra melhorou suas instalações portuárias, deixou-o com novos e
modernos campos de pouso de Belém ao Rio de Janeiro, bem como ferrovias
reformadas, manufatura, agricultura e mineração estimuladas e um complexo
de aço florescente. Seu Exército, Força Aérea e Marinha haviam adquirido
experiência em combate e equipamentos mais modernos. Sua posição no
exterior havia atingido novos níveis e seus líderes previam um papel cada
vez maior na política mundial. A era da guerra lançou as bases sobre as quais
teve lugar o notável desenvolvimento do Brasil no meio século seguinte6.

Ao explorar as questões políticas que envolveram a participação brasileira na guerra,


Derreck Calckinsem “A military force on a political mission...” apresentou a luta da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) como uma missão política7. Dennison de Oliveira também
abordou a participação do Brasil como uma questão política. Para o autor:

É um fato estabelecido que a participação direta do Brasil na guerra teria


sentido muito mais político do que militar. Da parte dos brasileiros tratava-
se, de um ponto de vista estratégico, de melhorar a posição do Brasil no
quadro internacional, pretendendo participar das negociações no pós-guerra
na qualidade de potência militar combatente e como um grande e
preferencial aliado dos EUA. Vargas também contava se utilizar da FEB

5
PEREIRA, Durval Lourenço. Operação Brasil: o ataque alemão que mudou o curso da Segunda Guerra
Mundial. São Paulo: Contexto, 2015, p. 12.
6
MCCANN, F. Brazil and World War II The Forgotten Ally. What did you do in the war, Zé Carioca. Estudios
Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, v. 6, n. 2, 1 jan. 1995, p. 1-26, p. 1. Disponível em:
http://eial.tau.ac.il/index.php/eial/article/view/1193/1221. Acesso em: 27 de mai. 2017. Tradução nossa.
7
CALKINS, Derreck. A Military Force on a Political Mission: The Brazilian Expeditionary Force in World
War II. (2011).Electronic Theses and Dissertations.
https://digitalcommons.georgiasouthern.edu/etd/600. Acesso em: 28 jul. 2018.
17

politicamente para superar sua antiga imagem de simpatizante das potências


do Eixo e aumentar seu prestígio político, a fim de lograr competitividade
num futuro cenário de disputa eleitoral após o fim da ditadura8.

Dessa forma, a participação na guerra fazia parte de uma estratégia política de Getúlio
Vargas. Por isso, os dirigentes do Estado Novo se esforçaram para evitar que a luta da FEB
fosse confundida com um combate pela liberdade e ampliação dos direitos políticos e civis
dentro do território nacional. O que interessava de fato era a projeção internacional do país, da
qual dependiam as diretrizes econômicas do Estado Novo e a preservação da imagem política
do próprio presidente. Brasileiros lutaram na Europa pela liberdade sem que em seu próprio
país ela tivesse sido alcançada. Além disso, exaltar a FEB resultaria no aumento da
visibilidade de seus comandantes, o que poderia lhes dar projeção política e isso era algo que
Vargas talvez não estivesse disposto a permitir.
Contudo, como afirmou João Falcão, ele próprio um dos convocados para compor a
FEB, “o Brasil ganhou a guerra, mas não a paz”9. A luta pelo poder dentro do Estado Novo,
bem como as contradições ideológicas e mesmo sociais do regime, derrubou a ditadura quase
ao mesmo tempo que se encerraram as batalhas na Europa e na Ásia. Entretanto, a força
política de Vargas foi preservada, e até mesmo consagrada na eleição do general Eurico
Gaspar Dutra, seu antigo ministro da Guerra. Ao longo dos anos que se seguiram ao fim do
conflito, surgiram associações de veteranos com o objetivo de zelar pela memória dos ex-
combatentes, fornecer-lhes assistência social e material, entre outras coisas. No âmbito
governamental foram criadas leis que concederam pensões aos veteranos mas, de forma geral,
não foram realizados esforços para a criação de uma memória nacional da participação
brasileira na guerra.
Além disso, as conturbações políticas do início da década de 1950, como a tentativa
de derrubada de Getúlio Vargas e as agitações e polarizações que se seguiram ao seu suicídio,
em agosto de 1954, acabaram contribuindo para ofuscar a luta da FEB na Itália. Nessas
agitações estiveram envolvidos alguns dos oficiais que lideraram as tropas brasileiras durante
a guerra. Isso pode ter contribuído ainda mais para o silenciamento da memória da
participação brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Percebendo esse silenciamento, após a década de 1950, os próprios ex-combatentes
passaram publicar livros nos quais registravam suas memórias sobre a participação na FEB e

8
OLIVEIRA, Dennison de. Aliança Brasil-EUA. Nova História do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Curitiba:
Juruá, 2015, p. 65.
9
FALCÃO, João. O Brasil e a 2ª Guerra: testemunho e depoimento de um soldado convocado. Brasília: Editora
da UnB, 1999, p. 13.
18

na guerra de forma geral10. Mesmo na cultura pop11 surgiram muitos trabalhos, sobretudo no
campo das histórias em quadrinhos12. Mas foi após a década de 1970, que de fato se iniciou o
lento processo de recuperação da memória da FEB e de reconhecimento de seus veteranos que
ainda estavam vivos. Esse processo está ligado à tentativa dos dirigentes da ditadura militar,
pela qual atravessava o Brasil, de se apropriar da memória da Força Expedicionária Brasileira
e legitimar o próprio regime13.
Embora muitas obras tenham sido publicadas entre as décadas de 1960 e 1980, via de
regra elas foram produzidas dentro de círculos militares. Não queremos dizer que isso tenha
sido algo ruim. Afinal, esse esforço possibilitou um verdadeiro resgate da FEB. No entanto,
essas produções muitas vezes tinham um caráter técnico e institucional, o que por vezes
faziam com que elas tivessem uma circulação restrita. De forma geral, foi apenas com a
aproximação do cinquentenário do fim do conflito, em 1995, que teve início a expansão dos
estudos sobre a Segunda Guerra Mundial no Brasil, ampliando o leque de temas e abordagens
sobre o envolvimento brasileiro no conflito.
O caso da Força Expedicionária Brasileira mostra como a memória está sujeita a
interesses. Fugindo ao campo das individualidades, esses interesses variam conforme o grupo
que está no poder e as ideologias que eles buscam produzir e reproduzir. Conforme Henry
Rousso, esse movimento opera um verdadeiro enquadramento, ou “engagées”14, da memória,
que visa controlar o que e como se lembrar de eventos específicos. De acordo com Michael
Pollak:

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido


pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a
um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não
apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las (...)15.

10
Citamos como exemplo: VIDAL, Paulo. Heróis Esquecidos. Rio de Janeiro: GRD, 1960; ALBRICKER,
Jarbas. Memórias de um pracinha: uma contribuição para a História da Força Expedicionária Brasileira. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1965; ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Montese: marco glorioso de uma
trajetória. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1985; FALCÃO, João. O Brasil e a Segunda Guerra
Mundial: testemunho e depoimento de um soldado convocado. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
11
Um entretenimento criado para grandes audiências, como os filmes populares, os shows, as músicas, os vídeos
e os programas de TV.
12
Ver: FERRAZ, Francisco César Alves; WOLFF, João Paulo Delgado. História do Brasil em Quadrinhos:
narrativas da participação do país na Segunda Guerra Mundial. HISTÓRIA & ENSINO, Londrina. V,13, p.141-
156, set. 2007.
13
Ver:ROSENHECK, Uri. Re-carvingthestone: Reinterpreting World War II monuments in Brazil. In:
MALLETT, Derek R. Monumental Conflicts:Twentieth-Century Wars and the Evolution of Public Memory.
Routledge: London, 2017, p. 56-68.
14
Ver: ROUSSO, Henry. Vichy, legrand fossé. In: Vingtième Siècle, revue d'histoire, n°5, janvier-mars 1985, p.
55-79, especialmente p. 66-75.
15
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989, p. 3-15, p. 9.
19

No entanto, como definiu Pierre Nora, é preciso lembrar que a memória:

(...) é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações16.

A função da memória é fornecer identidade ao indivíduo e à coletividade da qual ele


faz parte. Ela faz com que as pessoas se sintam pertencentes a um grupo e isso lhes dá não só
referências e representações comuns, mas a força necessária para agir em seu cotidiano. Foi
por isso que Vargas temia a formação de uma memória da Força Expedicionária Brasileira e
tratou de matá-la prematuramente. Por esse mesmo motivo é que os ex-combatentes, dando
início a um trabalho de reconstrução de si mesmos, buscaram construí-la. De acordo com
Michel Pollak, esse trabalho de reconstrução “tende a definir seu lugar social e suas relações
com os outros”17. Ou seja, os veteranos buscavam formar uma alteridade específica para seu
grupo e isso foi acompanhado por um processo que visava construir ou reconstruir uma
história e uma memória da própria guerra na qual eles combateram.
No entanto, a partir da década de 1990, as atenções dos estudiosos parecem ter
deixado de se centrar na trajetória dos ex-combatentes e da FEB. Ao menos de forma mais
específica. Após o cinquentenário do fim do conflito, em 1995, os trabalhos sobre a Segunda
Guerra Mundial no Brasil passaram a abordar, também, temas e áreas do país, muitas vezes
trazendo à tona experiências de pessoas e locais antes impensados quando se discutia a guerra
Brasil. Esses estudos foram influenciados pelas mudanças nos modelos interpretativos que o
campo da História Militar sofreu ao longo da segunda metade do século XX.
Durante muito tempo os estudos sobre temas militares utilizavam uma abordagem
eminentemente política. Essa perspectiva era fortemente influenciada pelo paradigma
estabelecido por Carl Von Clausewitz, em sua obra Da Guerra, publicada pela primeira vez
em 1832. Segundo Clausewitz, “a guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro
instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros
meios”18. De acordo com Demétrio Magnoli:

A obra de Clausewitz, um monumento de uma época na qual se consagrava a


crença iluminista na civilização, na ciência e na filosofia, desenhou os

16
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC-
SP. N° 10, p. 12. 1993, p. 9.
17
POLLAK, Michael (1989), op. cit., p. 13.
18
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979, p. 87.
20

paradigmas usados pelos estadistas e pelos chefes militares para pensar a


guerra. Ela se tornou referência perene e jamais foi verdadeiramente
contestada no seu próprio terreno19.

Isso nos ajuda a entender por que os estudos sobre as guerras, centrados nos eventos
políticos ou em seus desdobramentos políticos, são abundantes. Mas a partir da segunda
metade do século XX novos paradigmas surgiram. Destacamos aqui o modelo proposto por
John Keegan, segundo o qual a guerra é “sempre uma expressão de cultura, com frequência
um determinante de formas culturais e, em algumas sociedades, é a própria cultura”20. A
perspectiva da guerra como uma forma de expressão da cultura abriu margem para que
soldados, técnicas, armas e tudo mais que envolva a atividade bélica, fossem vistos dentro de
uma lógica que enxerga os sujeitos por dentro e por trás de um conflito, em toda a sua
inteireza social.
A partir dos trabalhos de Keegan e de outros autores que foram fortemente
influenciados pela antropologia estrutural, a guerra praticada por diversos povos deixa de ser
vista conforme a lógica europeia. Os conflitos tribais, por exemplo, puderam ser vistos não
mais como coisas bárbaras e sem propósitos mais complexos que não a conquista de território
para a expansão das áreas de caça ou de produção agrícola. Todas as formas de guerrear
passaram a ser estudadas dentro de sua própria lógica.
Sintetizando as formas pelas quais a guerra como fenômeno tem sido estudada, Ian
Morris classificou quatro tipos de abordagens21. A primeira, denominada por ele de “pessoal”,
tenta contar como é viver a guerra de dentro para fora, ou seja, a partir das experiências
pessoais de ex-combatentes ou de pessoas envolvidas de alguma forma em um conflito. Foi
essa abordagem utilizada pelos veteranos brasileiros, em seu esforço para criar uma memória
da FEB. A segunda perspectiva apontada por Morris, eminentemente acadêmica, a “História
Militar” tem como objetivo fornecer um panorama mais abrangente da guerra como fenômeno
e de tudo que a envolve. Essa parece ser a perspectiva que tem predominado nos estudos
sobre a Segunda Guerra Mundial no Brasil, desde a década de 1990.
A terceira abordagem apontada por Ian Morris é a “técnica”. Esta costuma analisar a
guerra de fora para dentro e releva questões que envolvem, entre outras coisas, a violência dos
conflitos e se baseia em estratégias, táticas, equipamentos e outras coisas. Por fim, a quarta
abordagem foi classificada por Ian Morris como “biologizante”. Conforme o autor, esta vê a

19
MAGNOLI, Demétrio (org.). História das guerras. São Paulo: Contexto, 2017, p. 13.
20
KEEGAN, John. Uma história da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006 (a), p. 30.
21
MORRIS, Ian. Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade. São Paulo: LeYa, 2015, p. 28.
21

guerra como um padrão mais amplo do processo evolutivo. Nesse sentido, a guerra é algo
natural, fazendo parte da luta mais ampla por recursos22.
Isso mostra, ligeiramente, como as reflexões sobre a guerra, sua concepção e
finalidade, têm avançado desde as formulações de Clausewitz. O universalismo foi trocado
pela noção de que as sociedades são muito diferentes umas das outras e as formas de
compreensão da atividade bélica também são diversas. Por isso, não deve haver uma única
forma de compreensão da guerra como fenômeno.
A historiografia brasileira tem avançado muito incorporando essas diversas
perspectivas. Uma obra verdadeiramente seminal foi um artigo publicado em 1996, por
Consuelo Novais Sampaio, intitulado “A Bahia na Segunda Guerra Mundial”23. Esse trabalho,
citado em uma série de pesquisas – inclusive esta – parece ter ajudado a alargar o interesse
sobre os impactos da guerra no território baiano, ajudando assim a ampliar a compreensão da
Segunda Guerra no Brasil. Contudo, ainda há muitas ausências na historiografia baiana. Ou
melhor, ainda há muitas áreas da Bahia, afetadas pela guerra, que precisam ser estudadas, para
que se possa ter uma visão mais ampla de como o conflito atingiu o estado e o Brasil de forma
geral.
Justamente esse contexto é que justifica este trabalho. Ao apresentar os impactos da
Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia, esperamos poder ampliar a compreensão
dos efeitos desse conflito sobre o território baiano. Como afirmou John Keegan, “qualquer
história da Segunda Guerra Mundial é, portanto, uma história do mundo entre 1939 e 1945” 24.
Nesse sentido, podemos seguramente afirmar que ao reconstituirmos os efeitos desse conflito
no Extremo Sul da Bahia estamos reconstituindo uma parte da história da humanidade.

1.2 Sobre as fontes e os aspectos metodológicos


Todo este trabalho começou quando entrevistamos o senhor Benedito Ramos
Cassimiro, popularmente conhecido como “Seu Caipora”, em dezembro de 201625. À época,
desenvolvíamos um trabalho cujo objetivo era escrever a história do antigo campo de aviação

22
MORRIS (2015), op. cit., p. 28-29.
23
SAMPAIO, Consuelo N. A Bahia na II Guerra Mundial. Separata, Revista da Academia de Letras da Bahia, nº
40, 1996.
24
KEEGAN, John. A batalha e a história: revivendo a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 2006 (b), p. 32.
25
CASSIMIRO, Benedito Ramos Cassimiro. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Gabriel Moreira Dias,
Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), dez. 2016.
22

de Arraial d’Ajuda, um distrito do município de Porto Seguro26. Foi durante essa entrevista
que nos deparamos com as primeiras informações sobre submarinos navegando na costa do
Extremo Sul da Bahia e histórias de uma suposta espiã na região. Em outra entrevista, com o
senhor José Carmo dos Santos, mais conhecido como “Seu Cazuza”, encontramos
informações sobre uma embarcação atacada na costa de Porto Seguro e coisas que apareceram
na praia, após o evento27.
As informações dadas pelos entrevistados se referiam ao período da Segunda Guerra
Mundial. Ou, como eles disseram, ao “tempo da guerra”. Desconhecíamos os eventos
narrados, mas eles nos interessaram e daí surgiu a questão que daria origem à pesquisa que
resultou neste trabalho: por que existe uma memória da Segunda Guerra Mundial no Extremo
Sul da Bahia? Embora memória e história sejam coisas diferentes elas estão, inexoravelmente,
interligadas. Como afirmou Josep Fontana, a história de um grupo humano é sua história
coletiva28. A partir da questão começamos a buscar mais informações sobre o que os
entrevistados nos haviam dito.
Utilizamos a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ)29
para verificar se havia reportagens sobre submarinos ou navios atacados na costa de Porto
Seguro ou na de outros municípios do Extremo Sul da Bahia. Partimos do princípio de que, se
o que os entrevistados estavam relatando havia acontecido, algum jornal do país teria
noticiado e havia uma possibilidade de que existissem registros na Hemeroteca Digital da
BNRJ. Afinal, há jornais de várias partes do país e de diversos períodos de sua história
preservados no sítio virtual desta instituição.
Foi dessa forma que encontramos as primeiras matérias jornalísticas sobre eventos da
guerra que ocorreram no Extremo Sul da Bahia. Após estas, começamos a buscar mais fontes
na Hemeroteca Digital, associando os nomes das cidades da região à época do conflito a
termos como “submarino” e “ataque”. Também buscamos os nomes das cidades, utilizando
como filtro o recorte temporal 1930-1950. À medida que novas informações foram surgindo,
fomos delimitando o marco cronológico da pesquisa. Apesar de o foco deste trabalho ser o
período da Segunda Guerra Mundial, para compreender as dinâmicas de organização da
sociedade, economia e política regionais, sentimos a necessidade de alargar o marco

26
O projeto se chamava “Memórias do antigo campo de aviação do Arraial d’Ajuda” e resultou na publicação do
livro: SILVA, Tharles Souza (org.). Asas para Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação
do Arraial d’Ajuda. Jundiaí: Paco Editorial, 2019.
27
SANTOS, José Carmo dos. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), out.
2016.
28
FONTANA, Josep. A história dos homens. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p. 11.
29
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/.
23

cronológico. Por isso, de forma geral, este trabalho aborda questões referentes ao período
anterior e posterior à guerra.
Na BNRJ também encontramos diversas matérias impressas em revistas. Também
encontramos edições de jornais com informações úteis à nossa pesquisa nos sites da Câmara30
e do Senado31. Também encontramos edições físicas de jornais, o Boletim Oficial Município
de Belmonte.
À medida que o trabalho sobre o campo de aviação de Arraial d’Ajuda seguia,
continuamos nossa busca por informações sobre a guerra. Isso foi possível porque a história
do antigo campo de aviação está atrelada ao conflito, como se verá ao longo deste trabalho.
Por isso, durante as entrevistas, incluímos perguntas sobre os eventos narrados pelos senhores
Benedito Ramos Cassimiro e José Carmo dos Santos. Entre 2016 e 2017, realizamos
entrevistas nos municípios de Porto Seguro e Belmonte e, entre 2018 e 2019, realizamos
entrevistas em outros municípios da região. A maior parte das pessoas entrevistadas tinha
mais de 80 anos. Dessa forma, as pessoas que entrevistamos vivenciaram diretamente o
período da guerra, alguns quando crianças, outros já como adultos.
Foi nesse período que montamos o projeto de doutorado, com o objetivo de analisar as
formas pelas quais a Segunda Guerra Mundial atingiu o Extremo Sul da Bahia. Embora não
tenham acontecido grandes eventos bélicos na região, as mudanças ocorridas no cotidiano das
pessoas naquele período foram fortes o suficiente para deixar marcas profundas e suas
memórias. Isso porque os efeitos da guerra se manifestaram nos aspectos centrais da vida das
pessoas, como as condições de subsistência e nas relações interpessoais.
As entrevistas, entendidas como reminiscências pessoais, nos permitiram extrair
informações sobre temas diversos da sociedade do Extremo Sul da Bahia, antes, durante e
depois do período da Segunda Guerra Mundial. Como afirmou Guyn Prins, esse tipo de fonte
proporciona detalhes que, embora possam até parecer insignificantes, estimulam o historiador
a reanalisar os dados de novas maneiras32. Essa noção nos acompanhou ao longo de todo o
trabalho. A cada nova fonte encontrada voltávamos às entrevistas e, nesse processo, sempre as
reinterpretávamos de formas diferentes e acabávamos encontrando novas informações, que
antes nos haviam passado despercebidas.
Algo muito importante a respeito das entrevistas é que elas representam cenas da vida
captadas, interpretadas e reinterpretadas por aqueles que as testemunharam. Isso nos permite

30
https://www.camara.leg.br/
31
https://www12.senado.leg.br/
32
PRINS, Guyn. História oral. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo:
Editora UNESP, 1992, p. 1963-1198, p. 195.
24

ver, entre outras coisas, as influências do contexto social, as ideologias, os traumas pessoais,
os tabus sociais, entre outros. Entretanto, por se tratarem de reminiscências pessoais, há um
risco grande de nos deixarmos levar pelas emoções despertadas ao ouvirmos os relatos. Aliás,
acreditamos que isso tenha acontecido. É muito difícil se manter indiferente às lágrimas de
um entrevistado, liberadas ao rememorar momentos difíceis da vida. Aliás, é preferível que
não se demonstre indiferença nesses momentos.
As fontes jornalísticas, por outro lado, conforme apontou José Marques de Melo,
constituem o produto da “história imediata, mantendo os leitores atualizados e legando, aos
autores da historiografia de longo prazo, as fontes informativas de valor inestimável”33. Os
jornais e revistas também nos permitem captar elementos da vida cotidiana. Contudo,
diferentemente das entrevistas, onde a narração é direta e pessoal, as matérias jornalísticas são
compostas por um autor que está, por vezes, distante da realidade descrita e repleta de
interesses editoriais, sociais e políticos. Essas fontes também possibilitam perceber processos
de transformação social, tensões políticas e questões relacionadas à economia, entre outras.
Além disso, como argumentou Nélson Werneck Sodré, a imprensa exerce uma grande
influência sobre o comportamento das massas e dos indivíduos34. Nesse sentido, os jornais
arrolados neste trabalho nos possibilitaram perceber como a imprensa se posicionou diante da
guerra e como os meios de comunicação se veicularam às ideias difundidas pelos órgãos
governamentais. Possibilitaram, ainda, perceber como os estrangeiros que residiam no Brasil
foram transformados em inimigos potenciais da sociedade brasileira.
As entrevistas e as matérias jornalísticas constituem o grosso das fontes utilizadas
neste trabalho. Apesar da quantidade de fontes que reunimos, não foi possível seriar as
informações. Por isso, muitas vezes essas fontes foram utilizadas de forma complementar e,
quando possível, contrapostas.
Outras fontes importantes são os censos demográficos. Esses materiais nos
possibilitaram descrever o panorama social e econômico da região. Destacamos, de forma
especial, os censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que
apresenta uma quantidade maior de informações sociais e econômicas. Quando possível, as
informações apresentadas pelos recenseamentos foram contrapostas a outras fontes.
Entretanto, de forma geral, os censos são as únicas fontes de informações sobre determinados

33
MELO, José Marques de (org.). Imprensa brasileira: personagens que fizeram história. São Paulo: Imprensa
Oficial, 2005, p. 11.
34
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 1.
25

temas abordados aqui, tais como números relacionados à produção econômica ou às


quantidades de alfabetizados da região.
Além disso, livros de memória, cartas, telegramas, leis e decretos fazem parte do
conjunto de fontes de nosso trabalho. Apesar da diversidade há muitas lacunas que não
conseguimos preencher, pois as fontes não permitiram fazermos seriações. Além disso, em
alguns casos, encontramos uma única fonte sobre um evento ou tema. Essas fontes solitárias
constituem o unus testis35 do assunto que abordam e, por isso, optamos por não as
negligenciar.
Por fim, é preciso destacar que também utilizamos muitas fotografias neste trabalho.
Algumas delas são analisadas como fontes, pois os detalhes que elas apresentam nos ajudam a
compreender determinadas situações discutidas. Contudo, algumas delas são utilizadas apenas
como ilustrações. Principalmente, imagens de pessoas. Fizemos isso para dar um rosto às
pessoas descritas, para que elas não pareçam apenas objetos imersos nas descrições e análises.
Aumentamos a nitidez das imagens em 20% e, em alguns casos também o brilho, na mesma
proporção, para realçar quaisquer detalhes que pudessem passar despercebidos.
Devido às lacunas, nem sempre as fontes são confrontadas umas contra as outras. Em
muitos casos, elas foram utilizadas de forma complementar, com uma possibilitando
completar a informação da outra. Acreditamos que isso nos permitiu reconstituir, da melhor
forma que pudemos, os eventos tratados neste trabalho. Além disso, devido às limitações
impostas pelas fontes, diante de eventos com múltiplas possibilidades de interpretação,
partimos do princípio de que, em algumas ocasiões, as explicações mais simples se adequam
melhor à realidade de nosso trabalho.
Para não correr o risco de isolar o nosso tema de estudos, recorremos, quando
possível, à alteração na escala de observação, ora abordando o contexto da Bahia, ora
apresentando o contexto nacional. Essa variação na escala de observação permite enxergar
realidades e questões que são típicas de uma realidade local ou regional e perceber os
elementos que perpassam esses níveis e se tornam globais. A conexão entre esses três níveis
mostra que não há contextos isolados, mas realidades e fenômenos que se conectam em
diferentes níveis.
Somada à essa técnica, abordamos a Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da
Bahia por meio da perspectiva de que, em meio à suas experiências históricas, os indivíduos
ou grupos sociais vivem condicionados a suas necessidades, interesses ou antagonismos. Por

35
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.
13.
26

isso, tentamos compreender os sujeitos históricos estudados conectando suas experiências


com seus aparentes princípios, valores, hábitos ou interesses. Afinal, os indivíduos não são
autônomos, nem devem ser vistos dessa forma, mas como seres condicionados ao contexto
social e às suas relações interpessoais36.
Com relação à apresentação das fontes no corpo do texto, optamos por não seguir um
padrão. Interferimos nas falas das entrevistas, corrigindo erros de português para não correr o
risco de gerar algum tipo de constrangimento aos entrevistados ou a seus familiares. Nas
citações de trechos jornalísticos ou de outras fontes, não fizemos muitas interferências, salvo
em casos que julgamos necessário atualizar algum termo específico.

1.3 Sobre a organização do texto


Dividimos o trabalho em quatro partes, cada uma delas funcionando como um trabalho
em si, mas juntas elas se complementam. Optamos por essa forma de organização, porque
tivemos dificuldades em trabalhar o tema de forma linear e em profundidade. Ao dividir o
texto em partes pudemos adentrar questões específicas, tais como as perseguições aos
estrangeiros no período da guerra, ou os aspectos ligados à composição étnica da população
regional, sem perder de vista o tema principal do trabalho. A guerra, em menor ou maior
intensidade, perpassa todas as partes.
A Parte I trata da região estudada, ou melhor, o que construímos aqui como região,
visto que o Extremo Sul da Bahia aqui apresentado existe apenas no âmbito deste trabalho. Na
seção são enfatizados os aspectos fisiográficos, econômicos, políticos e sociais. Partimos do
princípio de que analisar esses aspectos nos ajuda a compreender certas experiências
vivenciadas pela população regional no período da Segunda Guerra Mundial.
Na Parte II abordamos a forma pela qual as notícias sobre o conflito chegavam à
região e como os ataques navais fizeram a população regional se aproximar da guerra. Essa
era uma das principais questões que nos inquietava no início da pesquisa. Sobretudo, quais
eram os vetores dessas notícias. Imaginávamos que a região estava isolada dos grandes
centros econômicos e políticos do Brasil e, por isso, a circulação de notícias nacionais na
região fosse difícil. Porém, ao longo da pesquisa constatamos que esse pressuposto estava
errado. A questão de como as notícias chegavam pode nos ajudar a perceber se a circulação de
notícias de guerra ajudou a formar os elementos que compõem a memória da guerra no
Extremo Sul da Bahia.

36
THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.
182.
27

A Parte III apresenta cenas da convivência dos moradores da região com os soldados
mineiros, como são chamados pelos moradores regionais, que guarneceram a região, entre
1943 e 1944. Aborda, também, algumas das impressões de um dos soldados mineiros sobre o
Extremo Sul da Bahia. Além disso, nesta parte também abordamos alguns eventos ocorridos
com alguns estrangeiros que viviam na região. Os elementos abordados nessa seção estão
presentes no imaginário regional até os dias atuais.
Por fim, na Parte IV, abordamos os principais elementos que compõem a memória da
Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. Quando iniciamos a pesquisa, nos
interessava saber como as memórias da guerra foram preservadas ao longo dos anos, visto que
não há historiografia da guerra na região, tampouco celebrações públicas ou lugares de
memória sobre o conflito. Essa última parte ajuda a compreender como as memórias
resistiram ao tempo e, ao mesmo tempo, parecem estar se renovando.
28

PARTE I

A REGIÃO
Aspectos geomorfológicos, sociais, econômicos e políticos
29

CAPÍTULO 2
TERRITÓRIO, POPULAÇÃO E ECONOMIA

As ações e transformações, que afetam aquela vida


humana que pode ser historicamente considerada,
dão-se em um espaço que muitas vezes é um espaço
geográfico ou político (...)37.

José D’Assunção Barros

Como apontou José d’Assunção Barros, a região é “uma unidade definível no espaço,
que se caracteriza por uma relativa homogeneidade”38. Essa homogeneidade é definida com
base no âmbito das análises que se tem em mente. Isso implica dizer que a região estudada é
definida pelo próprio pesquisador, com base nos objetivos que ele estabelece para seus
estudos39. Uma região pode ser definida de acordo com critérios políticos, econômicos,
históricos, geográficos, culturais, entre outros. Essa perspectiva é particularmente importante
para o nosso trabalho, pois o que aqui definimos como Extremo Sul da Bahia é uma região
que, em certo sentido, existe apenas no âmbito dessa pesquisa.
Utilizamos a História como critério definidor do território que aqui estabelecemos
como região. De acordo com Pablo Álvarez, a região histórica surge dos elementos do
território, das relações sociais, da temporalidade, da identidade e da totalidade40. Esses
elementos formam os princípios a partir dos quais os temas, problemas, processos e
fenômenos sejam eles econômicos, sociais, políticos, culturais ou territoriais devem ser
abordados41.
Com base nesses pressupostos estabelecidos por José d’Assunção Barros e Pablo
Álvares é que apresentaremos aqui o que compreendemos como Extremo Sul da Bahia. É
preciso esclarecer, no entanto, que na atual divisão territorial do estado da Bahia existe uma
área com esse mesmo nome. Contudo, ela não corresponde à demarcação feita no âmbito
desta pesquisa. A atual demarcação territorial da Bahia divide o estado em áreas classificadas

37
BARROS, José D’Assunção. História, região e espacialidade. Revista de História Regional n. 10 (1): Verão,
2005, p. 95-129, p. 96-97.
38
Idem, p. 98.
39
Idem, p. 110.
40
ÁLVAREZ, Pablo Serrano. La historia local em America Latina. Tendencias, corrientes y perspectivas in el
siglo XX. HISTOReLo vol. 1, nº 1, jun. 2009, p. 7-32, p. 22. Tradução nossa.
41
Idem, idem.
30

como Territórios de Identidade. Ao todo são 27. De acordo com informações da Secretaria de
Cultura do estado, eles foram demarcados com base em critérios ambientais, econômicos,
políticos e culturais42. A demarcação se baseia em uma “política de territorialização da
cultura”43 que, grosso modo, indica que os elementos que caracterizam os Territórios de
Identidades são as formas de apropriação do território44.

Mapa 1: Divisão atual do território da Bahia

Importante esclarecer, ainda, que a expressão “Extremo Sul”, como nome de uma das
regiões da Bahia, foi utilizada pela primeira no censo de 1950, realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)45. Nele, todo o território brasileiro foi dividido
nas chamadas Zonas Fisiográficas, termo que se refere à descrição detalhada dos aspectos da
natureza ou de fenômenos naturais. A expressão indica que o instituto se pautou nos aspectos

42
Ver: http://www.cultura.ba.gov.br/. Acesso em: 6 de dez. 2021.
43
Idem, idem.
44
Sobre os conceitos de “território” e “territorialização”, ver: RAFFESTIN, Claude. Por Uma Geografia do
Poder. São Paulo: Ática, 1993; SAQUET, Marcos Aurelio; SPOSITO, Eliseu Savério (org.) Territórios e
territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular: 2008.
45
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 1950. V. XX, t. I. Rio de
Janeiro: IBGE, 1955, p. 64-67. Todos os recenseamentos realizados pelo IBGE que foram consultados ao longo
da pesquisa estão disponíveis no site https://ibge.gov.br.
31

geográficos para caracterizar todo o território brasileiro. Entretanto, características


relacionadas à produção econômica também foram consideradas. Um exemplo disso é a
“Zona Cacaueira”, que aglutinava todos os municípios baianos nos quais a principal atividade
econômica era o cultivo e comércio de cacau46.
O Extremo Sul da Bahia demarcado pelo IBGE é muito parecido com o deste trabalho,
mas deixa de fora um município fundamental para nossas análises: Belmonte. Nesse sentido, a
região desta pesquisa não corresponde à do IBGE, nem à da atual divisão territorial baiana.
Contudo, ela está permeada por características de ambas.
Em termos de área, a região de nossa pesquisa é formada pela junção dos Territórios
de Identidade da Costa do Descobrimento47 e do Extremo Sul48. No período da colonização
portuguesa, esses dois territórios integravam o espaço que formava a capitania de Porto
Seguro, transformada, na segunda metade do século XVIII, em comarca e ouvidoria49. A
partir desse caráter de ancestralidade é que criamos aqui nossa região de estudos. Conforme
destacou Erivaldo Fagundes Neves:

As identidades dos grupos humanos se iniciam pelo próprio reconhecimento


como unidade social e no comportamento comunitário integrado a um
determinado território, conectado numa ancestralidade sob os prismas de
permanência e de continuidade, articulado em relações hierárquicas de poder
(...)50.

O primeiro elemento identitário, que utilizamos como critério para criação de nossa
região, é o período de formação dos municípios que a compõem. Durante a vigência da
capitania foram criadas as vilas de Porto Seguro, Santa Cruz, Caravelas, Trancoso e Vila
Verde. Durante a fase da comarca e ouvidoria, as de Prado, São Mateus, Belmonte, Viçosa,

46
Sobre como o Extremo Sul foi criado, dentro da perspectiva institucional do IBGE, ver: SANTOS, Márcio
Soares. A Formação Regional Inicial do Extremo Sul Da Bahia (1945-1960): economia, sociedade e meio-
ambiente. In: CARMO, Bougleux Bomjardim da Silva (org.). Retratos intempestivos em diálogos do sul baiano.
São Paulo: Pimenta Cultural, 2021, p. 274-292.
47
Formado pelos municípios de Belmonte, Eunápolis, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro e
Santa Cruz Cabrália.
48
Formado pelos municípios de Alcobaça, Caravelas, Itamaraju, Itanhém, Ibirapuã, Jucuruçu, Lajedão, Medeiros
Neto, Mucuri, Nova Viçosa, Prado e Vereda.
49
Sobre a capitania e comarca e ouvidoria de Porto Seguro, ver: CANCELA, Francisco. Os índios e a
colonização na antiga Capitania de Porto Seguro: políticas indigenistas e políticas indígenas no tempo do
Diretório Pombalino. Jundiaí: Paco Editorial, 2018; SILVA, Tharles Souza. O “escandaloso contrabando
praticado em Porto Seguro”: economia e sociedade no fim do período colonial. Salvador: SAGGA Editora,
2021.
50
NEVES, Erivaldo Fagundes. Perspectivas historiográficas baianas: esboço preliminar de elaborações recentes
e tendências hodiernas de escrita da História da Bahia. In: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos; REIS,
Isabel Cristina Ferreira dos. História Regional e Local: Discussões e práticas. Salvador: Quarteto, 2010, p. 93-
118, p. 108.
32

Porto Alegre e Alcobaça. Até o início do século XX, essas vilas, com exceção de São Mateus,
eram os únicos centros urbanos da área aqui definida como Extremo Sul da Bahia. Além
disso, as formas de produção econômica, baseadas, sobretudo, na agricultura e no
extrativismo vegetal, eram características do período colonial, ainda muito marcantes no
início do século XX. Mas o período imperial também deixou marcas profundas no Extremo
Sul da Bahia. Destacamos a reorganização territorial e uma mudança na característica étnico-
racial da população regional.
Até o início do século XIX, a comarca de Porto Seguro se estendia do Rio
Jequitinhonha ao Rio Doce. Entretanto, em 1823, a vila de São Mateus foi transferida para o
território da província do Espírito Santo51. E, até meados do século XIX, os indígenas
parecem ter sido o principal componente étnico da região. Contudo, na primeira metade do
século XX, a população negra se tornou o grupo mais representado nos censos demográficos
da região. Talvez isso se deva ao aumento da utilização de escravos negros na região ou uma
consequência de ondas migratórias. As características econômicas e os núcleos urbanos
podem ser compreendidos sob o prisma das permanências e das continuidades, apontadas por
Erivaldo Fagundes Neves52. A reorganização do território e a mudança na principal
característica étnico-racial, por outro lado, representam rupturas dentro do processo de
desenvolvimento histórico da região.
De forma geral, a economia, a organização dos centros urbanos e a estruturação dos
grupos sociais estão ligadas às características do território. O território é, sobretudo, como
destacou José d’Assunção Barros, um espaço social53. Por isso, conforme indicado por Pablo
Álvarez54, iniciaremos nossas análises sobre os impactos da Segunda Guerra Mundial sobre o
Extremo Sul da Bahia a partir da descrição do território e dos seus elementos característicos.

2.1 Rios, recifes, florestas e povoamento: o território do Extremo Sul da Bahia


No que tange às municipalidades, no início do período republicano o Extremo Sul da
Bahia ainda possuía características semelhantes às da época da colonização portuguesa.
Contudo, duas das antigas vilas, criadas na segunda metade do século XVIII, Vila Verde e
Trancoso, foram anexadas ao município de Porto Seguro. A primeira em 1917 e a segunda

51
Ver: ALMEIDA, Cândido Mendes de. Atlas do Império do Brasil, compreendendo as respectivas divisões
administrativas, eclesiásticas, eleitorais e judiciárias. Rio de Janeiro: Litografia do Instituto Philomático, 1868, p.
16.
52
NEVES (2012), op. cit., p. 108.
53
BARROS, José D’Assunção. História, região e espacialidade. Revista de História Regional n° 10 (1), verão,
2005, p. 95-129, p. 96-97.
54
ÁLVAREZ (2009), op. cit., 22.
33

dez anos depois55. Difícil compreender o que levou o governo da Bahia a realizar as fusões,
mas o motivo pode estar relacionado ao tamanho das populações das três povoações.
O recenseamento geral de 1920 contou 3.724 habitantes em Porto Seguro, 2.298 em
Trancoso e apenas 317 em Vila Verde56. Junto a Santa Cruz, esses eram os municípios menos
populosos da região. No final da década de 1920, após as fusões, Santa Cruz se tornou o de
menor população. Até mesmo a própria vila de Santa Cruz foi anexada, em 1931, ao território
de Porto Seguro. Mas, três anos depois, recuperou sua autonomia e seu nome foi alterado para
Santa Cruz Cabrália. Ainda em 1931, Viçosa foi anexada ao município de São José de Porto
Alegre, que então teve seu nome alterado para Mucuri57. Após essas reorganizações, surgiu o
território aqui denominado Extremo Sul da Bahia.

Mapa 2: Geomorfologia e territórios dos municípios do Extremo Sul da Bahia

55
FERREIRA, Jurandyr Pires [et ali]. Enciclopédia dos municípios brasileiros. V. 21 (Bahia). Rio de Janeiro:
IBGE, 1958 (c), p. 133.
56
BRASIL. Recenseamento do Brasil (1920). V. IV, parte 4. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1920, p. 527-
534.
57
Ver: FERREIRA (1958) (c), op. cit., p. 56 e 133.
34

Como se pode observar, os territórios dos municípios da região eram muito vastos, o
que possibilitava uma grande área de terras disponíveis para a ocupação humana e a
exploração dos recursos econômicos. De modo geral, os grandes acidentes geográficos da
região, como montanhas e vales mais profundos, estão localizados nas zonas interioranas.
Sobretudo, na fronteira com o estado de Minas Gerais, onde, junto aos rios, serviram como
marcos naturais para delimitar a fronteira entre esse estado e o Extremo Sul da Bahia.
A grande quantidade de rios (no mapa estão representados apenas os principais),
possibilitava a existência de áreas bem irrigadas. Até mesmo a ocupação das barras desses
rios foi uma das prioridades estabelecidas pela Coroa portuguesa, no período de criação da
comarca e ouvidoria de Porto Seguro, em 176358. Isso porque suas nascentes estão no
território de Minas Gerais, o que os tornava rotas potenciais para contrabandistas de minérios
preciosos. Além disso, essas áreas irrigadas possibilitavam – e ainda possibilitam – o
desenvolvimento de atividades ligadas à agricultura, criação de rebanhos e mesmo o
extrativismo.
Entretanto, seus volumes de água podem representar uma grave ameaça às populações
que vivem nos entornos desses cursos fluviais. Sobretudo, entre os territórios de Prado e
Mucuri, onde estão as áreas mais sujeitas a inundações na região59. Recentemente, até, fortes
chuvas nos meses de novembro e dezembro de 2021 inundaram diversas cidades e vilas dessa
parte do estado da Bahia. Muitas estradas, pontes, plantações, residências e estabelecimentos
comerciais foram destruídos e mais de 220 mil pessoas foram afetadas pelos alagamentos. As
áreas mais afetadas foram justamente as que estão no entorno dos rios Jucuruçu, Itanhém,
Peruípe e Mucuri que, conforme se pode observar no Mapa 2, é a mais sujeita a inundações.
Além das localidades mencionadas, outra que sofreu diversas inundações ao longo da
história foi o município de Belmonte. Em 1942, por exemplo, uma enchente no rio
Jequitinhonha destruiu parte das instalações portuárias da cidade de Belmonte60. Em 1968,
outra onda de chuvas causou novas inundações nesse município, deixando pelo menos 2.500
pessoas desabrigadas61.
Outro elemento que chama a atenção no Mapa 2 são os bancos de areia e recifes que
se estendem das proximidades do arquipélago de Abrolhos até o município de Santa Cruz

58
Cf. CANCELA (2018), op. cit., p. 75; SILVA (2021) (a), op. cit., p. 54.
59
Recentemente, fortes chuvas nos meses de novembro e dezembro de 2021, inundaram diversas cidades e vilas
do Extremo Sul da Bahia. Muitas estradas, pontes, plantações e imóveis foram destruídas e mais de 220 mil
pessoas foram afetadas pelos alagamentos. As áreas mais afetadas da região foram justamente as que estão no
entorno dos rios Jucuruçu, Itanhém, Peruípe e Mucuri.
60
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 264, Belmonte, 25 de dez. 1942.
61
CORREIO DA MANHÃ, ano LXVII, n° 22.931, Rio de Janeiro, p. 2.
35

Cabrália. Até mesmo o nome “Abrolhos”, segundo se costuma dizer, é uma contração de
“abre olhos” ou “abram os olhos”, conselho que, supostamente, era dado aos navegadores que
passavam próximo a essa área. O próprio termo “Porto Seguro” que, no período colonial,
também servia para designar toda a área que se estende do rio Jequitinhonha ao rio Doce,
também se deriva dessas formações do relevo oceânico. Elas dificultam a aproximação de
grandes embarcações na maior parte da costa regional, mas também servem como uma
espécie de proteção natural.
Mas essa proteção teve um custo muito alto ao longo da história. Cerca de 19,82% dos
naufrágios registrados na costa baiana ocorreram no litoral do Extremo Sul da Bahia. Apenas
na área de Abrolhos estão cerca 10,81% das embarcações naufragadas na costa do estado,
percentual inferior apenas ao de Salvador, 36,94%62. Dessa forma, o tráfego de embarcações
próximo à costa da região é algo que pode ser muito perigoso. Sobretudo no entorno das ilhas
de Abrolhos, o que leva os navios mercantes a realizarem um desvio, passando a leste do
arquipélago, para evitar o perigo representado pelos recifes e os bancos de areia submersos da
área63.
Em períodos de guerra, esse relevo marinho próximo às ilhas de Abrolhos transforma
o entorno do arquipélago em uma zona perigosa. Em agosto de 1914, pouco mais de um mês
após o início da Primeira Guerra Mundial, o navio Santa Catharina, um mercante alemão, foi
capturado por uma embarcação de guerra inglesa, o H.M.S. Glasgow, nas proximidades de
Abrolhos64. As circunstâncias nas quais a captura ocorreu ainda são um tanto quanto obscuras,
mas se sabe que após a retirada da tripulação e da carga, o Santa Catharina foi afundado pelos
marinheiros ingleses. Seus destroços se encontram a cerca de 7 quilômetros ao sul do
arquipélago, em um local com profundidade média de 14 metros e podem ser visitados por
mergulhadores65.
Além do incidente mencionado, existem suspeitas de que tripulações de submarinos
alemães utilizavam as ilhas de Abrolhos como refúgio para suas operações no Atlântico Sul,
também durante a Primeira Guerra Mundial. De acordo com uma matéria publicada em

62
Sobre as embarcações naufragadas na costa da Bahia, e do Brasil de forma geral, ver:
https://www.naufragiosdobrasil.com.br/. Acesso em: 3 de jan. 2022.
63
Sobre as rotas seguidas pelas embarcações na costa do Brasil, ver: https://www.shipmap.org/. Nesse site há um
mapa interativo desenvolvido pela empresa britânica Kiln, que apresenta rotas marítimas de todo o mundo, tipos
de embarcações e cargas que transportam, em diferentes períodos de tempo. É possível, ainda, ver os portos e as
rotas percorridas, por meio de um gráfico estático.
64
O SÉCULO, ano VIII, n° 2.456, Rio de Janeiro, 14 de ago. 1914, p. 2.
65
Ver: https://www.naufragiosdobrasil.com.br/. Acesso em: 3 de jan. 2022.
36

dezembro de 1955 no jornal Diário da Noite, de São Paulo, o abrigo alemão teria sido
descoberto e destruído por marinheiros ingleses66. Essas suspeitas carecem de investigações.
Na Segunda Guerra Mundial, outro evento bélico ocorreu na área de Abrolhos: o
ataque ao navio Afonso Pena, realizado pelo submarino italiano Barbarigo, em março de
1943. Aliás, esse foi um dos ataques navais mais violentos desferido por um submarino do
Eixo67 contra uma embarcação mercante brasileira. Abordaremos o caso detalhadamente em
outra seção deste trabalho.
Muito antes dos conflitos mencionados, no século XVII, a área foi palco de uma das
maiores batalhas navais da história do Brasil, a Batalha dos Abrolhos, ocorrida no dia 12 de
setembro de 1631. Na ocasião, uma frota de 16 navios de guerra dos Países Baixos enfrentou
uma esquadra luso-espanhola composta de 56 embarcações, entre naus de guerra, de
transporte e mercantes. Após um dia inteiro de luta, cinco navios foram afundados, dois
neerlandeses e três luso-espanhóis e, pelo menos, 695 pessoas morreram68.
Esses três eventos mostram como o litoral sul da região, em momentos de conflito, se
converte em uma área cujo domínio é estratégico, tanto por questões defensivas, quanto
ofensivas. Tanto que, em junho de 1959, foi realizado um exercício naval conjunto entre as
marinhas de guerra do Brasil e dos Estados Unidos, ao largo do arquipélago de Abrolhos.
Durante o evento, surgiram notícias sobre o avistamento de um submarino estrangeiro naquela
localidade69.
Longe dos perigos do litoral, no continente, outra barreira natural que se erguia no
Extremo Sul da Bahia eram as extensas florestas que cobriam os territórios de seus
municípios. Especialmente nas fronteiras que separam a região dos estados de Minas Gerais e
Espírito Santo. Ao longo do século XVIII, de acordo com Maria Hilda Baqueiro Paraíso, a
Coroa portuguesa, por meio de uma série de medidas, restringiu a circulação de pessoas e os
avanços colonizadores numa área que se estendia do rio Doce, no Espírito Santo, ao rio de
Contas, na Bahia, visando manter uma espécie de barreira que dificultava o acesso às zonas

66
DIÁRIO DA NOITE, ano XXX, nº 9.489, São Paulo, 23 de dez. 1955, p. 8.
67
Aliança militar liderada pela Alemanha, Itália e Japão. Em seu auge, o grupo contou com 9 países, entre
europeus e asiáticos, além de seus territórios coloniais na África e Ásia.
68
Sobre a Batalha dos Abrolhos, ver: BOXER, Charles R. Os holandeses no Brasil, 1624-1654. Coleção
Brasiliana Vol. 312. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961; JUNGSTEDT, Alceu Oliveira Castro. A
Batalha Naval dos Abrolhos (1631). Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V.
17, no 33, p. 68-87 – 2021; LAET, Joannes. História ou Anais dos Feitos da Companhia Privilegiada das Índias
Ocidentais desde seu começo até o fim do ano de 1636. Livros VIII-X. In: Anais da Biblioteca Nacional. V.
XXXVIII. Rio de Janeiro: Oficina Gráfica da Biblioteca Nacional, 1920.
69
DIÁRIO DA NOITE, ano XXXIV, n° 10.560, São Paulo, 9 de jul. 1959, p. 2.
37

mineradoras70. No centro dessa zona estavam os sertões das comarcas de Ilhéus e Espírito
Santo.
As restrições portuguesas acabaram criando uma área, na qual diversos grupos
indígenas se refugiavam das investidas dos colonos. As restrições da Coroa, a concentração de
grupos indígenas e o controle dos rios da comarca e ouvidoria de Porto Seguro, mencionado
anteriormente, possibilitaram a preservação das densas florestas do interior do Extremo Sul da
Bahia. Ao menos até o início do século XIX. Porém, ainda é preciso investigar os fatores que
levaram à preservação dessas florestas após a Independência do Brasil. Em contrapartida, ao
longo dos anos 1800, as florestas do norte do Espírito Santo e do nordeste de Minas Gerais
estavam sendo amplamente ocupadas.
A principal delas foi a do Vale do Mucuri, entre o norte do território capixaba, o
nordeste mineiro e o sul do Extremo Sul da Bahia. De acordo com Eduardo Magalhães
Ribeiro, a densidade das florestas desse vale era tão grande que dificultava até mesmo o
reconhecimento das fronteiras entre os três estados71. A grande financiadora do avanço sobre
essa área foi a Companhia do Mucuri, fundada em 1851 por Teófilo Benedito Ottoni. Embora
seus êxitos comerciais sejam duvidosos, a empresa assentou as bases para o povoamento e a
exploração dos recursos potencialmente econômicos no lado mineiro das florestas do Vale do
Mucuri. Isso, por meio da construção de estradas, instalações portuárias fluviais e da
realização de acordos com grupos indígenas locais72.
Grande parte das mercadorias produzidas ou extraídas nessa área, e de outras partes do
nordeste de Minas Gerais, foram escoadas por meio do Extremo Sul da Bahia, via Estrada de
Ferro Bahia e Minas (E.F.B.M.). A ferrovia, inaugurada em 1881, se estendia por 582
quilômetros, da cidade Araçuaí, em Minas Gerais, até Caravelas, na Bahia. Conforme Carlos
Benedito e Sheila Franca de Souza, a ferrovia “estava fadada a ser o sustentáculo da economia
caravelense”73. De fato, ela se tornou muito importante para o município de Caravelas mas,
nas décadas de 1930 e 1940, acabou se convertendo em motivo de grandes preocupações para
os governantes baianos.
Primeiro, porque o golpe, em 1930, que levou Getúlio Vargas à presidência do Brasil
colocou os estados da Bahia e Minas Gerais em lados opostos. A Bahia apoiou Washington

70
PARAÍSO, Marial Hilda Baqueiro. Tempo da dor e do trabalho: a conquista dos territórios indígenas nos
sertões do leste. Salvador: EDUFBA, 2014, p. 21-22.
71
RIBEIRO, Eduardo Magalhães. Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e
Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013, p. 110.
72
Idem, p. 32-52.
73
SOUZA, Carlos Benedito de; SOUZA, Sheila Franca de. Relatos históricos de Caravelas (desde o século
XVI). Caravelas: Fundação Professor Benedito Ralile, 2006, p. 62.
38

Luís, enquanto o governo mineiro era um dos articuladores do golpe. A tensão entre os dois
estados levou a uma invasão mineira em Caravelas. A invasão objetivava assegurar que o
porto da cidade continuasse servindo como via de escoamento dos produtos mineiros. Caso
fosse necessário, serviria também como local de abastecimento de suprimentos bélicos, isso
se uma guerra civil irrompesse no país74.
Segundo porque, no início dos anos 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, se
tornou importante proteger a localidade para assegurar o fluxo econômico viabilizado pela
E.F.B.M. No início dos anos 1940, além das questões comerciais, as preocupações se deviam
ao fato de o município de Caravelas haver sido incluído nos planos de patrulhamento e defesa
do litoral brasileiro. A partir de seu campo de aviação, foram enviadas missões de
patrulhamento e de suporte aéreo para travessias aéreas entre Salvador e Rio de Janeiro.
De acordo com Eduardo Magalhães Ribeiro, o ritmo de crescimento no Vale do
Mucuri diminuiu o ímpeto a partir da década de 1950, quando as “matas acabaram” 75. Pouco
tempo depois, em 1966, a E.F.B.M. foi desativada. De acordo com Roberto Martins, com o
esgotamento das reservas de florestas no nordeste de Minas Gerais e no norte do Espírito
Santo, a exploração de madeiras se intensificou no Extremo Sul da Bahia. Conforme esse
autor, a região “era a última grande reserva florestal litorânea ainda existente em meados do
século XX”76. O deslocamento do eixo de extração de madeiras, apontado por Roberto
Martins, deixou marcas que ainda podem ser percebidas no imaginário social das pessoas da
região.
A senhora Rosa Jorge de Moraes, popularmente conhecida como “Dona Miúda”, umas
das pessoas que entrevistamos ao longo da pesquisa, se recorda que durante a infância, na
década de 1940, a extração de madeiras era muito comum no município de Porto Seguro.
Conforme nos relatou:

Em Itaquena tinha muita madeira, a serraria de lá era boa. Eu já fui lá. Os


barcos vinham pegar as madeiras tudo na beira da costa. Na beira do rio de
Trancoso, de Taípe ao Rio da Barra, só tirava pau-brasil. Depois eles não
cortaram mais. Até muitos anos depois ainda existia muita tora de pau-brasil
no meio da mata, que eles não queriam mais carregar77.

74
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias (1889-1934): a Bahia na Primeira república Brasileira. Trad.
Vera Teixeira Soares. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 208-217.
75
RIBEIRO (2013), op. cit., p. 60.
76
MARTINS, Roberto R. Porto Seguro: história de uma esquecida capitania. Salvador: ALBA, 2018, p. 263.
77
MORAES, Rosa Jorge de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Galileu Lemos Jr. Arraial d’Ajuda (Porto
Seguro), abr. de 2017.
39

A extração de pau-brasil nessa área, apontada pela senhora Rosa Jorge de Moraes, já
era registrada na primeira metade do século XVII78. Houve até um dos casos mais
emblemáticos de contrabando dessa madeira, ocorrido no Brasil colonial. Envolveu
justamente a localidade de Itaquena, uma pequena baía que fica ao sul de Trancoso, distrito de
Porto Seguro79. A senhora Rosa Jorge de Moraes também nos falou sobre a extração de
madeiras em Santo André, no município de Santa Cruz Cabrália, onde trabalhava seu pai.
Conforme disse: “...de tudo tinha lá em Santo André, porque lá se trabalhava com madeira. Lá
tinha serraria, tinha muita madeira!”80.
Segundo Romeu Fontana, a serraria localizada em Itaquena, aludida pela senhora Rosa
Jorge de Moraes, pertencia a José Ribeiro Coelho e suas atividades foram encerradas na
década de 195081. Mas além dessa, o autor mencionou a existência de outras duas serrarias no
município de Porto Seguro: uma fundada em 1914, por Godofredo Fiuza, que ele não indicou
a localização, e outra na vila de Caraíva82. Esta última foi desativada em 1948, após a
explosão de uma caldeira que resultou na morte de um trabalhador 83. Além dessas três, o
senhor Benedito Ramos Cassimiro, outra pessoa que entrevistamos, relatou o funcionamento
de uma serraria em Vale Verde que, como visto anteriormente, havia sido anexado ao
município de Porto Seguro84.
Romeu Fontana também mencionou a serraria que operava em Santo André. Segundo
informou, ela se chamava Cabrália S.A. e seu período de maior produção teria sido durante a
Segunda Guerra Mundial85. Após o fim do conflito, a serraria também teria encerrado suas
atividades86.
Sidrach Carvalho, que foi prefeito de Santa Cruz Cabrália durante sucessivos
mandatos, entre as décadas de 1930 e 1940, também mencionou duas serrarias que operavam
em seu município: as companhias Norte Minas e The Brazilian Hardwood87. Infelizmente, ele

78
SANTOS, Uiá Freire Dias dos Santos. Negociação e Conflito na Administração do Pau Brasil: a Capitania de
Porto Seguro (1605 – 1650). Dissertação (Mestrado em História) –Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Salvador, 2015, p. 154.
79
Ver: SILVA (2021) (a), op. cit.
80
MORAES (2017), op. cit.
81
FONTANA, Romeu. Porto Seguro: de aldeia de pescadores a aldeia global. Porto Seguro: edição do autor,
1988, p. 118.
82
FONTANA (2018), op. cit., p. 118-119.
83
Idem, p. 118-119.
84
CASSIMIRO, Benedito Ramos Cassimiro. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Gabriel Moreira Dias,
Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), dez. 2016.
85
FONTANA (2018), op. cit., p. 119.
86
CARVALHO NETO. Sidrach. Santa Cruz Cabrália, cinco séculos de história. Salvador: Secretaria de Cultura
e Turismo, 2004, p. 59.
87
CARVALHO, Sidrach. Monografia histórico-corográfica do município de Santa Cruz Cabrália. Salvador:
Tipografia São Miguel, 1949, p. 31.
40

não deu detalhes a respeito dessas empresas, mas mencionou que um político da região,
Antonio Ricaldi da Rocha Castro, que era natural de Santa Cruz Cabrália, quando deputado,
havia militado contra a implantação delas. De acordo com Decio Gurrite Pessoa, a The
Brazilian Hardwood operou até a Segunda Guerra Mundial, quando os italianos que a
dirigiam foram perseguidos e expulsos da região; e a Norte Minas até a década de 197088.
Ainda com informações de Sidrach Carvalho, pudemos conhecer alguns dos tipos de
madeiras exploradas no Extremo Sul da Bahia. Segundo descreveu:

Da grande quantidade existente, enumeramos as principais: Cedro, Braúna,


Canela-Preta, Sassafraz, Canjerana, Aderno, Pindaíba, Pau-Ferro, Peroba,
Jacarandá, Vinhático, Massaranduba, Putumujú, Jequitibá, Ipê, Sapucaia,
Angico, Angelim, Bicuiba, Copaíba, Pequiá, Mucujê, Jataí, Andá-Açú,
Louros, etc89.

Interessante observar que algumas dessas madeiras (cedros, angelins, louros, perobas,
vinháticos e jacarandás) também foram descritas pelo ouvidor Tomé Couceiro de Abreu, entre
os rios Peruípe, Jucuruçu e Jequitinhonha, em 176490. O fato de que, quase 200 anos depois, o
prefeito de Santa Cruz Cabrália também relatar a existência dessas madeiras, entre os
principais tipos de madeiras disponíveis naquele local, é uma evidência da conservação das
florestas da região.
A conservação das matas do Extremo Sul da Bahia, talvez, para além das restrições
impostas pela Coroa portuguesa e do caráter fiscalista dado à ocupação dos rios locais, no
período da colonização, também se deva aos usos que eram dados pela população regional às
madeiras de suas florestas. Infelizmente, é difícil obter informações relacionadas a isso.
Entretanto, três pessoas que entrevistamos, Fernando Pereira de Azevedo, Davino Dias da
Costa e Rosalvo Fernandes Medrado, nos deram pistas sobre a utilização das madeiras na
região.
Oriundo de São Paulo, Fernando de Azevedo se mudou para o Extremo Sul da Bahia
em 1976, residiu no município de Prado até 1979 e depois se mudou para Porto Seguro.
Enquanto esteve em Prado, ele testemunhou alguns dos usos que eram dados pelos moradores
locais a algumas das madeiras descritas por Sidrach Carvalho. Conforme nos disse, a
pindaíba, devido à resistência, era usada na cobertura das casas e cabos de ferramentas, como

88
PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 130.
89
PESSOA (2012), op. cit., p. 12.
90
ANNAES DA BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. V. XXXII. Rio de Janeiro: Officinas
Graphicas da Biblioteca Nacional, 1914, p. 56-62.
41

enxadas; o aderno era muito útil para fazer estacas para cercas; a braúna, muito resistente e
dificilmente atacada por cupins, era utilizada, sobretudo, na montagem de pisos de casas; e o
pequi, para fabricar canoas91.
O senhor Davino Dias da Costa, popularmente conhecido como “Seu Pezinho”,
nascido em Porto Seguro, em 1925, ao se recordar dos tempos em que frequentava a escola,
nos disse: “Pegava o ‘ABC’, colocava debaixo do braço e ia para a escola. E o tamanco, o
tamanco de pau paraíba”92. Uma recordação um tanto quanto curiosa e enfática. É possível
que esse tipo de calçado fosse comum em Porto Seguro, pois sua utilização pelas pessoas
locais chamou a atenção de Francisco Marino Modesto, um dos soldados que esteve em Porto
Seguro e Caravelas, durante a Segunda Guerra Mundial. Em uma carta enviada à esposa em
julho de 1943, ao descrever algumas características do município de Porto Seguro, ele disse:
“sabe o que todo mundo usa aqui? “Tamanco!”93.
Havia uma fábrica desses tamancos em Alcobaça94. É possível que de lá eles fossem
exportados para os outros municípios do Extremo Sul da Bahia. Ou, ainda, que também
fossem fabricados nos outros municípios.
Rosalvo Fernandes Medrado também mencionou a existência de algumas das madeiras
citadas por Sidrach Carvalho, mas no município de Belmonte: vinhático e ipê. Rosalvo é
natural de Cachoeirinha, um antigo distrito do município de Belmonte, que atualmente é a
cidade de Itapebi. Sua família se mudou para Belmonte quando ele tinha apenas dois meses de
idade, em 1931. Ao relembrar as várias atividades profissionais que exerceu ao longo da vida,
nos disse: “Já serrei madeira, já fiz tudo. Já serrava cada ‘ipezão’ retado aqui no mato! Era
consumida tudo aqui mesmo, na região. Tirava peça para fazer ponte, fazer curral, fazer tudo.
Era tudo consumido aqui”95. Além disso, afirmou:

“Lá em Belmonte trabalhava em madeira quando o rio levava muita madeira


para o mar e lá eles pegavam aqueles ‘pauzão’ esquisito, serrava e trabalhava
em carpintaria. Fazia móveis, fazia barco, fazia tudo que pensava. Cadeira...
fazia tudo!96

91
AZEVEDO, Fernando Pereira de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro),
out. 2021.
92
COSTA, Davino Dias da. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, dez. 2021.
93
MODESTO, Francisco Marino. Carta12. Porto Seguro, jul. 1943.
94
FERREIRA, Jurandyr Pires [et ali]. Enciclopédia dos municípios brasileiros. V. 20 (Bahia). Rio de Janeiro:
IBGE, 1958 (b), p. 27.
95
MEDRADO, Rosalvo Fernandes. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Eunápolis, dez. de 2021.
96
Idem, idem.
42

Mais do que indicar os usos dados a essas madeiras, Rosalvo Medrado também deixou
transparecer em suas falas uma das consequências da grande quantidade e do volume dos rios
de Belmonte, as enchentes, conforme dito anteriormente. Em momentos de muitas chuvas,
talvez as árvores próximas às margens do rio Jequitinhonha, ou de seus afluentes, fossem
arrastadas pelas correntezas e aí eram aproveitadas pelos moradores da cidade envolvidos nas
atividades madeireiras. Por outro lado, talvez esse relato também seja uma alusão a uma das
formas de se transportar madeiras naquele município: jogando-as nos rios para que flutuassem
nas águas até a cidade. Mas é preciso esclarecer que, ao contrário do que ele disse, a presença
das serrarias, mencionadas anteriormente, aponta para a exportação de madeiras.
Além de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte, outro município da região
que, de acordo com Fábio Said, era muito conhecido pelas atividades madeireiras, entre o
final do século XIX e início do XX, era Alcobaça97. Contudo, parece ter sido a partir da
década de 1960 que a atividade madeireira atingiu grandes dimensões no Extremo Sul da
Bahia. Esse fato coincide com o esgotamento das florestas mineiras e capixabas, apontado por
Eduardo Magalhães Ribeiro. Serrarias que atuavam em Itanhém (um antigo distrito de
Alcobaça), e Itamaraju, (antigo distrito do município de Prado, anteriormente chamado de
Escondido) e Caravelas exportavam tábuas, pranchões, caibros e toras brutas para o Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, além de Estados Unidos e países da Europa98.
A disputa por recursos econômicos como as madeiras das florestas do Extremo Sul da
Bahia foi uma das coisas que levou à regularização dos limites fronteiriços entre Bahia,
Espírito Santo e Minas Gerais, na primeira metade do início do século XX. De acordo com
Grasielle Bulhões, a demarcação da fronteira Bahia-Minas Gerais foi feita sem litígio, por
meio de um acordo direto entre os governos dos dois estados, assinado em 1921. Como se
pode observar no Mapa 2, a fronteira do Extremo Sul da Bahia com Minas Gerais foi
assentada sobre contornos geomorfológicos, que se estendem a partir da Serra dos Aimorés
até o Vale do Rio Jequitinhonha. Entretanto, a fronteira Bahia-Espírito Santo foi regularizada,
em 1926, após um longo litígio, iniciado em 1823, após a transferência da vila de São Mateus
para o Espírito Santo. A linha reta que separa esses estados é uma marca desse litígio99.

97
SAID, Fábio M. História de Alcobaça (1772-1958). São Paulo: Edição do Autor, 2010, e-Book, p. 123.
98
DEELEN, G. J. Estudos Sócio-Religiosos n° 4: Diocese de Caravelas (Bahia). Parte I, estudo sócio-
econômico. Santa Teresa – RJ: Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, 1966, 82-85.
99
Ver: BULHÕES, Grasielle Sousa. Discursos científicos dos membros do IGHB no projeto de modernização e
desenvolvimento da Bahia na primeira república: um olhar sobre o território e a demarcação da fronteira Bahia–
Espírito Santo. Tese (Doutorado em Educação, Filosofia e História da Ciência) – Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Salvador, 2020. Especialmente, p. 142-179.
43

Embora o Estado tenha sido fundamental na demarcação das fronteiras, a ação de


grupos de posseiros ligados à agricultura, criação de rebanhos e atividades extrativistas parece
ter sido fundamental para justificar a regularização dos limites divisórios entre os três estados.
De acordo com Eduardo Magalhães Ribeiro, na década de 1920, grupos de colonos mineiros
começaram a se apossar de terras ao longo das margens do Rio Pampã, na divisa com a
Bahia100. No mesmo período também parece ter havido um fluxo de migrações no Extremo
Sul da Bahia rumo à fronteira com Minas Gerais. Até mesmo a fundação do povoamento, que
viria a ser o distrito de Itanhém, em Alcobaça, mais tarde elevado à categoria de cidade, se
iniciou quando um colono mineiro chamado Simplício Binas adquiriu uma porção de terras às
margens do ribeirão Água Preta, em 1925101.
Aparentemente, os governantes baianos aproveitaram esse contexto para oficializar os
focos de povoamento no interior da região. Entre o final do século XIX e o início da década
de 1950, 27 distritos foram criados no Extremo Sul da Bahia102. Além disso, outras 47
povoações surgiram no mesmo período103. Tanto os distritos, quanto as outras povoações,
estavam distribuídas ao longo de todos os interiores dos municípios da região.

100
RIBEIRO (2013), op. cit., p. 110.
101
Cf. https://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 1º de jan. 2022.
102
FERREIRA (1958) (b), op. cit., p. 26 e 138; FERREIRA, Jurandyr Pires [et ali]. Enciclopédia dos municípios
brasileiros. V. 21 (Bahia). Rio de Janeiro: IBGE, 1958 (c), p. 56 e 145.
103
FERREIRA, Jurandyr Pires [et ali]. Enciclopédia dos municípios brasileiros. V. 6 (Bahia). Rio de Janeiro:
IBGE, 1958 (a), p. 87-101.
44

Mapa 3: Expansão do povoamento no Extremo Sul da Bahia (1898-1953)

As datas no mapa não representam o momento exato de fundação das povoações,


apenas o ano em que os governos municipal e estadual os elevaram à categoria de distritos.
Aparentemente, foi mesmo a regularização das fronteiras da Bahia com os estados do Espírito
Santo e Minas Gerais, entre 1919 e 1926, que impulsionou a expansão dos núcleos de
povoamento no Extremo Sul da Bahia. Quatro dos dez distritos criados entre as décadas de
1920 e 1930 estavam próximos às fronteiras (Aimorés, Buranhém, Itanhém e Jucuruçu). Além
disso, em todos os sete municípios da região se pode notar a criação de povoações (distritos
ou povoações simples) em locais distantes menos de 50km das fronteiras.
Ao conferir o status de distrito a diversas povoações surgidas entre as décadas de 1920
e 1950, os governantes baianos ampliaram a esfera de atuação do poder político estadual no
Extremo Sul da Bahia. Ao mesmo tempo, a oficialização desses núcleos permitia o controle
sobre o território e os recursos econômicos neles disponíveis. Essa expansão do povoamento
colocou fim a um ciclo que havia sido iniciado com a criação da comarca e ouvidoria de Porto
Seguro, na segunda metade do século XVIII.
Se o objetivo dos governantes, ao criar distritos e povoações era mesmo assegurar a
ocupação da área interna do Extremo Sul da Bahia, para justificar as fronteiras demarcadas
45

com o Espírito Santo e Minas Gerais, eles foram bem sucedidos. Muitos dos distritos criados
entre 1920 e 1950 foram elevados à categoria de cidades na segunda metade do século XX, e
a divisão dos territórios dos antigos municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto
Seguro, Prado, Alcobaça, Caravelas e Mucuri deu à região o formato que possui atualmente.
Contudo, essa expansão dos núcleos urbanos da região aconteceu em paralelo com o aumento
da população do Extremo Sul da Bahia, sem o qual, esse fenômeno, talvez, não teria ocorrido
naquele período.

2.2 Características étnico-raciais e socioculturais: a população regional


Historicamente, quando comparada ao tamanho do território, a população da região
era muito reduzida. Mas saber ao certo qual era o real tamanho da população regional também
era uma dificuldade histórica. No período da colonização portuguesa, por exemplo, os grupos
indígenas que habitavam os interiores do espaço que aqui definimos como Extremo Sul da
Bahia não eram contabilizados. Por isso, é muito difícil, ou mesmo impossível, saber ao certo
a curva de crescimento da população regional numa perspectiva de longa duração.
Além disso, até a década de 1870, não havia censos gerais da população brasileira. As
estimativas sobre a quantidade de habitantes de uma determinada área se baseavam em dados
muitas vezes captados de forma indireta, por meio de relatórios de algum funcionário da
Coroa portuguesa ou de contagens religiosas. Contudo, após 1872, com a realização de
recenseamentos gerais, é possível compreender as dinâmicas de crescimento da população
brasileira. Também é a partir desse momento que se pode analisar de forma mais profunda o
desenvolvimento populacional do Extremo Sul da Bahia. Sobretudo, após a melhoria na
qualidade dos censos após a década de 1930, quando eles passaram a ser realizados pelo
IBGE.
A partir de então, características étnico-raciais, além de desenvolvimento da
escolaridade e das atividades profissionais, entre outras, passaram a ser disponibilizadas por
meio de tabelas específicas. Os recenseamentos do IBGE, e os realizados anteriores à criação
desse órgão, nos possibilitaram descrever algumas das características da população do
Extremo Sul da Bahia.
Entre o primeiro recenseamento geral da população brasileira, realizado em 1872, e o
segundo, feito em 1890, o número de habitantes da região aumentou de 28.512 para 32.600,
um crescimento de 12,53%104. O recenseamento de 1900, o último do século XIX, registrou

104
BRASIL. Recenseamento do Brasil (1872). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger, 1874, p. 283-315;
BRASIL. Recenseamento do Brasil (1890). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1898, p. 17-25.
46

39.263 pessoas vivendo no Extremo Sul da Bahia105. Note-se que foram precisos quase 30
anos para que a população regional ganhasse pouco mais de 10 mil habitantes. Contudo, nos
20 anos que separam o censo de 1900 do de 1920 (em 1910 não houve recenseamento), a
população regional quase que dobrou o seu tamanho, saltando para 74.902 habitantes, um
aumento de 47,58%106.
Aqui parece ter ocorrido um ponto de virada na história do desenvolvimento
populacional do Extremo Sul da Bahia. A partir de então, e até a década de 1950, o
crescimento de sua população sofreu uma grande aceleração. Nos trinta anos que separam os
censos de 1920 e 1950, o número de habitantes da região sofreu um acréscimo de 88.251
pessoas, atingindo a marca das 163.153 pessoas107. Com esse crescimento, a demografia
regional saltou de 0,92 habitantes por km2, no início da década de 1870, para 5,29, no início
dos anos 1950.
Esse crescimento coincide com a expansão dos núcleos de povoamento da região,
apresentados no Mapa 3. A falta crônica de pessoas era um grande empecilho às políticas de
expansão urbana e de desenvolvimento econômico, entre o final do século XVIII e início do
XIX108. Na primeira metade do século XX, ao menos uma dessas dificuldades pôde
finalmente ser superada.
Mas uma questão surgiu a partir da observação do aumento da população da região: de
onde estavam vindo todas essas pessoas? Esses números nos pareceram muito grandes para
serem frutos de um crescimento natural. A ausência de dados sobre as taxas de natalidade da
região nos levou a pensar que, além do crescimento natural, elas talvez estivessem vindo das
regiões vizinhas. Tentamos constatar isso comparando os percentuais de crescimento
populacional.

105
BRASIL. Sinopse do recenseamento de 1900. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1905, p. 11-16.
106
BRASIL. Recenseamento do Brasil (1920). V. IV, parte 4. Rio de Janeiro: Typ. da Estat. 1929, p. 503-535.
107
IBGE. Censo Demográfico de 1950. V. XX, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 64-67.
108
Ver: CANCELA (2018), op. cit.; SILVA (a) (2021), op. cit.
47

Quadro 1: Crescimento populacional do Extremo Sul da Bahia e regiões vizinhas


Regiões 1900 1920 1940 1950
Zona Cacaueira da Bahia 42,55% 59,79% 40,42% 34,07%
Extremo Sul da Bahia 16,97% 47,58% 32,98% 31,5%
Norte do Espírito Santo -34,01% 50,07% 32,34% 41%
Baixo Jequitinhonha e Vale do Mucuri (MG) 12,28% 48,84% 8% 20,02%
Fonte: BRASIL. Recenseamento do Brasil (1890). Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1898; BRASIL. Sinopse
do recenseamento de 1900. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1905; BRASIL. Recenseamento do Brasil (1920).
V. 4. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1929; IBGE. Censo Demográfico de 1940. Rio de Janeiro: IBGE 1950
(b), p. 54-56; IBGE. Censo Demográfico de 1950. V. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1956.

Ignoramos, no quadro acima, os recenseamentos de 1872 e 1890, sobretudo devido às


dificuldades de recompor as localidades que formavam os vales do Jequitinhonha e Mucuri,
em Minas Gerais e mesmo da Zona Cacaueira da Bahia. Mas, a partir do início do século XX,
ficou mais fácil acompanhar o desenvolvimento dos municípios (fusões, divisões, criações de
vilas e distritos) e observar o aumento de suas populações. No lado mineiro, utilizamos
apenas os dados referentes aos municípios próximos à fronteira com a Bahia: Águas
Formosas, Aimorés, Carlos Chagas, Jacinto, Nanuque, Rubim e Salto da Divisa.
Os vales do Jequitinhonha e Mucuri eram regiões muito vastas e com uma grande
quantidade de vilas e cidades. Por isso, optamos por não acompanhar o crescimento
populacional das localidades mais afastadas da fronteira, visto que nada indicaria que pudesse
estar ocorrendo um êxodo de pessoas dessas áreas em direção ao Extremo sul da Bahia. No
Norte do Espírito Santo foi mais fácil reconstituir a região, porque ela se formou a partir de
um único município, São Mateus, que posteriormente deu origem a outro, Barra de São
Mateus (atual Conceição da Barra).
Como se pode observar no quadro, a Zona Cacaueira da Bahia estava registrando
percentuais de crescimento maiores que os do Extremo Sul da Bahia. Dessa forma, talvez o
fluxo de pessoas estivesse vindo de outra direção. Aparentemente, a grande origem era o norte
do Espírito Santo, que registrou grande queda populacional no recenseamento de 1900, em
relação ao anterior. Curiosamente, ocorreu grande aumento populacional no norte do Espírito
Santo, nos 20 anos que se seguiram até o censo de 1920 e, a partir de então, o percentual
dessa região se manteve alto até a década de 1950. Nesse sentido, se houve um grande fluxo
migratório dessa região em direção ao Extremo Sul da Bahia, parece ter sido no final do
século XIX.
48

Entretanto, nos municípios dos vales do Jequitinhonha e Mucuri a realidade parece ter
sido muito diferente. Os seus percentuais de crescimento já estavam abaixo dos do Extremo
Sul da Bahia desde o final do século XIX. Mesmo tendo apresentado uma taxa ligeiramente
maior em 1920, após essa década a diminuição no ímpeto de crescimento dos municípios
dessas regiões foi muito grande. Deve-se destacar que o período em que essa redução
aconteceu coincide com o esgotamento das reservas de madeiras nas florestas do vale do
Mucuri e com a expansão vertiginosa da população e dos núcleos urbanos do Extremo Sul da
Bahia. Mesmo comparando os percentuais de crescimento estaduais, Minas Gerais apresentou
taxas menores que as da Bahia e Espírito Santo, entre as décadas de 1940 e 1950.

Quadro 2: Crescimento populacional da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais


Estados 1900 1920 1940 1950
14,89
Bahia 9,35% 36,48% 18,95%
%
39,03
Espírito Santo 35,17% 54,12% 12,93%
%
12,59
Minas Gerais 11,41% 38,95% 12,71%
%
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 1950. V. XX, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 1; 1; IBGE. Censo
Demográfico de 1950. v. XXI, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 1.

Aliás, entre as décadas de 1940 e 1950, o percentual de crescimento da Bahia superou


os do Espírito Santo e de Minas Gerais. É possível que este último estivesse perdendo
população tanto para áreas baianas quanto capixabas. Compreendemos que seria preciso uma
pesquisa específica para acompanhar esses fluxos migratórios. Mas acreditamos que o que foi
exposto até aqui serve como um indício de que a população do Extremo Sul da Bahia
aumentou rapidamente na primeira metade do século XX. Isso porque estava recebendo
pessoas do norte do Espírito Santo e do nordeste de Minas Gerais. Outro indício a esse
respeito é o fato de que os municípios da região que mais aumentaram suas populações foram
justamente aqueles que faziam fronteira com o Vale do Mucuri: Prado, Alcobaça, Caravelas e
Mucuri, como se pode observar no quadro abaixo.
49

Quadro 3: Crescimento populacional do Extremo Sul da Bahia


Município 1872 1890 1900 1920 1940 1950
Belmonte 4.323 5.879 6.677 19.706 27.580 33.115
Santa Cruz Cabrália 3.108 1.810 2.055 3.234 5.417 5.612
Porto Seguro* 5.164 4.989 5.665 6.339 16.313 25.826
Prado 2.226 3.544 5.514 11.445 16.623 33.104
Alcobaça 3.459 3.854 5.127 8.068 23.580 34.358
Caravelas 4.031 5.482 6.227 9.966 14.550 20.820
Mucuri** 6.201 7.042 7.998 16.144 7.703 10.318
Totais 28.512 32.600 39.263 74.902 111.766 163.153
Fonte: BRASIL. Recenseamento do Brasil (1872). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger, 1874, p. 283-315;
BRASIL. Recenseamento do Brasil (1890). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1898, p. 503-535; IBGE.
Censo de 1940. V. XII, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 (b) p. 54-56; IBGE. Censo Demográfico de 1950. V.
XX, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 64-67. * Trancoso e Vila Verde inclusos. ** Viçosa incluso.

Prado, Alcobaça, Caravelas e Mucuri foram os locais que mais aumentaram suas
populações, na primeira metade do século XX. Desses, apenas Mucuri apresentou certa
irregularidade no crescimento populacional, entre as décadas de 1920 e 1940. Prado, por outro
lado, dobrou seu número de habitantes entre 1900 e 1920 e voltou a fazê-lo entre 1920 e 1950,
chegando mesmo a alcançar o posto de município mais populoso da região, superando
Belmonte. Aliás, quando comparamos o quadro acima com o Mapa 3, percebemos que
Prado, Alcobaça, Caravelas e Mucuri foram os municípios que mais criaram distritos e demais
povoações entre as décadas de 1920 e 1953, 17 e 47, respectivamente.
Além disso, Prado, Alcobaça e Caravelas foram os únicos locais do Extremo Sul da
Bahia que registraram percentuais de crescimento populacional acima de 30%, entre 1920 e
1950. As irregularidades nos números de habitantes de Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro e
Mucuri, no mesmo período, talvez indique que também havia um fluxo interno de migrações
na região. Belmonte seguiu como sendo o município mais populoso e o que experimentou a
maior expansão urbana, no mesmo período, até ser superado por Prado.
Certamente, o crescimento acelerado do número de habitantes, pelo qual a região
passou, mexeu com o perfil étnico de sua população. Quando os municípios de Belmonte,
Prado, Alcobaça, Viçosa e Mucuri foram criados, na segunda metade do século XVIII, seus
principais povoadores eram indígenas. Eles foram fundamentais no desenvolvimento e
50

manutenção das atividades econômicas, nas relações políticas e na formação cultural da


região109.
Atualmente, existem 11 terras indígenas na região. De acordo com informações da
Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia, a maior parte
dos indígenas do estado vivem no Extremo Sul da Bahia110. A maior parte deles pertence às
etnias Pataxó e Pataxó Hãhãhãe. Infelizmente, no período de tempo abrangido neste trabalho é
difícil perceber a presença indígena nos recenseamentos.
Os indígenas não apareceram diretamente nos primeiros seis recenseamentos gerais da
população brasileira. Há até uma nota prévia, na introdução do Censo de 1940, declarando
que o grupo “pardo” foi criado para aglutinar as pessoas que se declararam como “caboclo",
"mulato", "moreno", entre outros não especificados111. O mesmo ocorreu no recenseamento
de 1950112. Nos arquivos disponíveis no site do IBGE, referentes aos censos de 1890, 1900 e
1920, a população aparece designada apenas em números absolutos, sem a distinção de
grupos étnicos ou outras informações. Nesse mesmo período há uma espécie de apagão
referente à população negra do país.
O recenseamento de 1872, no entanto, apresenta a categoria “caboclo” e essa é uma
forma indireta que se pode utilizar para perceber a presença indígena na população brasileira.
De acordo com esse censo, 5,94% da população do Extremo Sul da Bahia era “cabocla”113. É
possível inferir que ao menos parte do que os recenseadores chamaram de “caboclos” eram
indígenas, porque a maioria deles foi registrada em municípios onde, desde o século XVIII, a
presença indígena era muito forte, como Vila Verde (que surgiu a partir de um aldeamento
jesuítico), Belmonte e Alcobaça. Entretanto, é possível que os indígenas não fossem os únicos
classificados dessa forma, pois em Prado foram registradas apenas 10 pessoas nesse grupo.
Mas havia – e ainda há – uma terra indígena naquele município (Comexitibá).
O desaparecimento, tanto de indígenas quanto de pessoas negras nos recenseamentos
de 1890 até 1920, pode apontar uma série de questões acerca da sociedade brasileira entre o
final do século XIX e início do XX. Desde questões ligadas à posse de terras até problemas
relacionados ao racismo científico predominante naquele período. A população negra passou
a ser recenseada regularmente a partir de 1940, mas os indígenas apenas após 1991.
109
CANCELA (2018), op. cit., p. 131.
110
Ver: http://www.justicasocial.ba.gov.br/2016/04/1063/Etnias-indigenas-baianas-reforcam-dialogo-com-
Governo-do-
Estado.html#:~:text=Atualmente%2C%2022%20povos%20s%C3%A3o%20identificaos,mais%20de%2056%20
mil%20ind%C3%ADgenas. Acesso em: 14 de jan. 2022.
111
IBGE (1950) (b), op. cit., p. xv.
112
IBGE (1956), op. cit., p. xviii.
113
BRASIL (1874), op. cit., p. 283-315.
51

Como destacou Vera Lúcia da Silva, a aldeia Barra Velha foi criada oficialmente em
1861 por Antônio Costa Pinto, presidente da Província da Bahia, para atender aos interesses
dos moradores brancos do Extremo Sul da Bahia. Sobretudo, interesses dos fazendeiros “para
os quais os indígenas eram um grave empecilho ao sucesso dos negócios”114. A aldeia fica nas
proximidades do Monte Pascoal, entre os municípios de Porto Seguro e Prado, como indicado
no Mapa 2 e o objetivo de sua criação era concentrar em um só local as famílias indígenas da
região. Isso abriria caminho para a expansão agropecuária e, ao mesmo tempo, diminuiria os
conflitos entre os indígenas e os proprietários de terras locais.
No que tange às pessoas negras e pardas, a questão escapava às determinações
contextuais locais. O Brasil do final do século XIX e início do XX era visto interna e
externamente como um “país mestiço”, o que, de acordo com Lilia Moritz Schwarcz, causava
temor em parcelas das elites do país115. Conforme apontou a autora, a miscigenação social era
vista como um fator que explicava o atraso da nação ou mesmo que inviabilizava o seu
desenvolvimento.
O censo de 1872 apontou que mais da metade da população brasileira não era branca.
Aliás, jornais e dados estatísticos diversos indicavam o crescimento da miscigenação. Os
temores das elites brasileiras aumentaram à medida que o fim da escravidão se aproximava,
criando um contexto favorável no Brasil para a assimilação das ideias racialistas que
emanavam da Europa. Um dos grandes expoentes nacionais das teorias racialistas foi
Raymundo Nina Rodrigues, segundo o qual “o índio não se incorporou à nossa população,
nem colabora conosco senão sob a forma de mestiços”116. O negro brasileiro, por outro lado,
segundo Nina Rodrigues:

(...) libertou-se dos labores embrutecedores e das misérias degradantes do


seu congênere africano, adquirindo algum verniz pelo atrito com elementos
étnicos superiores; melhorou, mas não deixou de pertencer à sua raça, não é
adaptável às mesmas condições sociais do ariano117.

No início do século XX, porém, se supôs que a miscigenação levaria ao fim das
pessoas não brancas no Brasil, visto que eram mais fracas e por isso estariam fadadas a serem

114
SILVA, Vera Lúcia da. Sentidos e usos do tempo em narrativas pataxó de Comexatibá: Entre imagens-
vestígios e imagens-sinais, a “luta de índio”. Tese (Doutorado em Estado e Sociedade) – Universidade Federal
da Bahia (UFSB), Porto Seguro, 2021 (b), p. 92.
115
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-
1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 13.
116
RODRIGUES, Raymundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro:
Centro Edelstain de Pesquisa Social, 2011, p. 45
117
Idem, p. 48-49.
52

superadas pelas populações brancas. Desenvolveu-se, nesse contexto, a ideia de


embranquecimento progressivo da população do país, defendida, por exemplo, por João
Baptista Lacerda, diretor do Museu Nacional, no I Congresso Internacional das Raças,
ocorrido em Londres, em 1911118. Nesse sentido, a ausência de pessoas negras e indígenas no
início do século XX talvez fosse uma forma de demonstrar esse pensamento.
A ausência de pessoas negras e indígenas nos recenseamentos, das primeiras décadas
do século XX, nos impedem de traçar um perfil étnico da população do Extremo Sul da Bahia
que seja fiel à realidade, pelo menos no período estudado. Entretanto, os grupos “negros” e
“pardos” se repetem nos censos de 1872, 1940 e 1950. Isso nos permite traçar um perfil
enpassant das características étnico-raciais da região. Sentimos a necessidade fazer esse
exercício, porque ao longo do levantamento das fontes surgiram indícios da existência de
certas tensões raciais na região.

Quadro 4: Características étnico-raciais da população do Extremo Sul da Bahia


1872 1940 1950
Negros 39,09% 25,97% 25,02%
Pardos 28,69% 43,72% 43,47%
Brancos 26,28% 30,17% 30,87%
Outros 5,94% 0,14% 0,64%
Fonte: BRASIL. Recenseamento do Brasil (1872). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger, 1874, p. 283-315;
IBGE. Censo Demográfico de 1940. V. XII, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 (b), p. 54-56; IBGE. Censo
Demográfico de 1950. V. XXII, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 102-102.

O percentual de pessoas negras na região diminuiu entre 1872 e 1950, mas as lacunas
nas fontes nos impedem de compreender o que pode ter ocorrido nesse período. Talvez isso
esteja ligado à chegada de pessoas vindas de outras áreas. As pessoas classificadas como
pardas, por outro lado, cresceram consideravelmente. Contudo, como visto anteriormente,
esse grupo era uma categoria genérica que englobava vários grupos. Dessa forma, uma das
possíveis explicações para o seu aumento é que os indígenas regionais tenham sido
efetivamente registrados nos recenseamentos de 1940 e 1950. A população branca também
aumentou levemente o seu percentual. De forma geral, esses três censos indicam que a maior
parte da população do Extremo Sul da Bahia era negra e parda.
Percebemos que podia haver tensões étnico-raciais na região, no período estudado,
durante a fase inicial da pesquisa. Quando estávamos realizando entrevistas no município de

118
SCHWARCZ (1993), op. cit., p. 11.
53

Belmonte, uma das pessoas com quem conversamos, o senhor Vicente Lima Bezerra, mais
conhecido em Belmonte como “Padre Antônio”, nos falou sobre a alteração no nome de uma
rua. Em um momento de fala livre, no qual pedimos para que ele falasse livremente sobre o
que quisesse a respeito de seu tempo de juventude, ele mencionou que o nome da rua onde
estavam alojados os soldados que guarneciam a cidade durante a guerra era “Professor Lúcio
Coelho”. Era uma homenagem a um educador que, conforme lembrou, foi o “primeiro
professor de faculdade que veio lecionar em Belmonte”119.
Entretanto, em algum momento, que ele não soube precisar, o nome da rua foi alterado
para “Coronel José Gomes” de Oliveira. Esta, por sua vez, foi uma homenagem a um
latifundiário local. De acordo com o senhor Vicente Lima Bezerra, a mudança ocorreu
“porque preto não podia ter nome de rua”120.
Certamente, essa não foi a justificativa dada pela administração municipal, mas foi a
leitura feita pelo senhor Vicente, ele mesmo uma pessoa negra. Possivelmente, as pessoas que
faziam parte de seu ciclo social fizeram a mesma interpretação. Lúcio Coelho foi um
elemento de representatividade importante para as pessoas negras, mas seu nome estava
cravado em uma rua do centro da cidade e talvez isso causasse certo incômodo a algum dos
grupos sociais da cidade.
Além da representatividade do grupo de pessoas negras da cidade, a rua parecia ter
outra importância simbólica para o entrevistado: foi nela onde os soldados que guarneciam a
cidade durante a guerra ficavam alojados. Ao nos contar essa história, o senhor Vicente Lima
Bezerra interligou dois temas: a guerra e o aparente racismo da sociedade na qual ele cresceu.
Isso pode sugerir que a alteração do nome da rua mexeu com essas duas memórias ao mesmo
tempo.
Outro episódio significativo a respeito das possíveis tensões raciais em Belmonte foi a
publicação de dois artigos no jornal Boletim Oficial Município de Belmonte, em maio e
dezembro de 1942. Ambos tratam de questões raciais. O primeiro foi assinado por Estácio de
Lima, o segundo por Roberto Alves de Campos, sobre o qual nada descobrimos.
Estácio de Lima foi um médico alagoano que fez carreira na Bahia, considerado um
dos profissionais da saúde mais influentes de sua geração. Era discípulo e continuador da obra
de Raimundo Nina Rodrigues e produziu vários estudos sobre o cangaço e a mestiçagem
negra no Brasil. Esse histórico já é suficiente para mostrar que ele possuía um grande

119
BEZERRA, Vicente Lima. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles S. Silva e Vinícius Parracho.
Belmonte, dez. 2016.
120
Idem, idem.
54

interesse pelas questões raciais, dentro de uma perspectiva que em sua época eram
consideradas científicas. O título do texto de Estácio de Lima no jornal de Belmonte é
Mestiços, alerta!121.
De forma geral, o objetivo de seu texto era criticar o nazismo e a germanofilia que,
segundo afirmou, se difundia entre a população negra e parda do Brasil. Conforme escreveu
Estácio de Lima:

Quando eu sei existir, acaso, nos morros ou favelas, nos mocambos ou


candomblés, um mulato, livre como a própria natureza brasileira, de violão a
tiracolo, trunfa para cima, exaltando os feitos alemães, sinto-me desolado...
Será possível, interrogo-me, que esse indivíduo ignore os propósitos
escravagistas do hitlerismo?122

A sombra da escravidão foi a arma que o autor utilizou para alertar o grupo de pessoas
ao qual se referia, o que nos parece uma estratégia um tanto quanto perversa. Ele deu a
entender que os “mestiços” que se encantavam pelas ideias germânicas não eram brasileiros,
mas que quando chegasse a hora saberiam sê-lo123. Contudo, eles já não o eram? Quando o
texto foi publicado haviam-se passados 54 anos da abolição da escravidão no Brasil e a frase
de Estácio de Lima é um reflexo da não integração social dos egressos do cativeiro. Além
disso, ele ignorou completamente o fato de que as pessoas brancas também se fascinavam
pelo nazismo no Brasil. A essa altura, aparentemente, a brasilidade não podia ser colocada em
dúvida.
Ao finalizar o seu pequeno texto, Estácio exortou diversos intelectuais pretos e pardos
do Brasil: Machado de Assis, “joalheiro maravilhoso do pensamento”; Tobias Barreto,
“insigne nas letras jurídicas”; e José do Patrocínio, “o príncipe da oratória”. Em tom de
manifesto, declarou: “Somos todos iguais, sob o lindo Cruzeiro do Sul! Cumpre-nos oferecer
a vida em defesa dessa sublime igualdade e do patrimônio admirável que possuímos!
Mestiços, alerta!”124. Apelar à “igualdade” que ele mesmo deixou expresso que não havia nos
parece um tanto quanto contraditório. Nesse ponto, o autor parece ter dado a chave para a
transformação dos “mestiços” em brasileiros: o sacrifício. Contudo, a igualdade à qual ele se
referiu não existiu e seu próprio texto é uma evidência disso.

121
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 230, Belmonte, 9 de mai. 1942.
122
Idem, idem.
123
Idem, idem.
124
Idem, idem.
55

O segundo texto se propôs discorrer sobre o valor militar dos negros brasileiros e daí
se derivou seu título: O valor do negro brasileiro125. Importante destacar que, quando esse
texto foi publicado, o Brasil já havia reconhecido o estado de beligerância com a Alemanha e
com a Itália. Conforme escreveu, Roberto Alves de Campos utilizou como referência um
estudo que afirmou ter visto em uma enciclopédia inglesa, que falava sobre o desempenho de
pessoas negras na área militar. De acordo com Campos, o texto da enciclopédia concluiu que
os homens negros não eram bons guerreiros, “embora alguns deles tenham até se
imortalizados como soldados”126.Apesar disso, Alves de Campos acreditava que, devido ao
histórico das personalidades negras do Brasil, e nesse ponto ele estava em sintonia com o
texto de Estácio de Lima, indicava que a população negra do país poderia se destacar na área
militar.
Ele concluiu suas ideias, afirmando que a “fibra militar” dos negros brasileiros
“permanece no sangue de seus descendentes que tanto honraram o pavilhão nacional, na
defesa de sua soberania”. Além disso: “O valor militar desses nossos irmãos é garantido pela
tradição, pela história e pelas grandes lutas patrióticas travadas no passado, nas quais
participaram heroicamente patrícios negros127.
Interessante observar que o texto de Roberto Alves de Campos parece refletir uma
ideia expressa por Francisco José de Oliveira Viana, na década de 1920, segundo a qual os
“mestiços” possuíam valor de combate128. Oliveira Viana se preocupou em debater a questão
da miscigenação a partir de uma perspectiva histórica. Ele chegou à conclusão de que a
mestiçagem social era um produto histórico da concentração fundiária do Brasil. Eles
compunham “força nova”, que apareceu no período da colonização portuguesa e que lhe
conferia uma “fisionomia inédita”129.
Embora visse o “mestiço” como inferior, Viana se esforçou por demonstrar sua
participação ao longo da história da formação da sociedade brasileira. Esse pensamento seria
reforçado e ampliado na década de 1930, após a publicação de Casa Grande & Senzala, de
Gilberto Freyre, que negava a suposta degeneração causada pelas pessoas miscigenadas no
Brasil130. Ao contrário, Freyre apontou a miscigenação como fator positivo de nossa
sociedade. Trabalhos como os de Freyre e Viana foram muito importantes, sobretudo, para

125
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 263, Belmonte, 23 de dez. 1942.
126
BOLETIM... (1942), nº 263, op. cit.
127
Idem, idem.
128
VIANA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 252.
129
Idem, p. 128-129.
130
FREYRE, Gilberto, Casa Grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
56

que a sociedade brasileira conseguisse se interpretar de uma forma diferente. Sobretudo, em


um contexto no qual as perseguições étnicas começavam a se ampliar na Europa. Também as
legislações segregacionistas, como as de Jim Crow131, nos Estados Unidos, impunham
fissuras sociais terríveis.
Contudo, obras como as desses autores não foram suficientes para acabar com as
tensões raciais existentes na sociedade brasileira. Os textos de Estácio de Lima e Roberto
Alves de Campos são exemplos disso. Sobretudo, porque são textos que deixam transparecer
as tensões raciais que existiam no país naquele período e como elas poderiam se agravar com
o desenvolvimento da guerra. Ao escolher publicá-los, os editores do jornal belmontense
pareciam estar preocupados com os reflexos desse contexto em seu próprio município. De
acordo com o censo de 1940, 77,75% da população de Belmonte era negra e parda e esse
possivelmente era o público-alvo imaginado pelos editores do jornal132.
Existem outras evidências de tensões raciais no Extremo Sul da Bahia, naquele
período. Uma delas são os registros fotográficos dos soldados que estiveram em Porto Seguro,
entre 1943 e 1944. Nesses registros também percebemos traços dessas tensões raciais.

Imagem 1: Soldados do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto em Porto Seguro

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo:
Todas as Folhas, 2013, p. 91.

131
Uma série de leis que vigoraram nos Estados Unidos entre 1877 e 1964, que exigiam instalações separadas
para pessoas brancas e negras em todos os locais públicos nos estados que faziam parte dos antigos Estados
Confederados da América (1861-1865).
132
IBGE (1950) (b), op. cit., p. 124.
57

Imagem 2: Banda de Música do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 90.

Imagem 3: Oficiais do 10° Batalhão de Caçadores de Ouro Preto

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 41.

Nas duas primeiras fotos, os soldados brancos e negros não parecem estar dispostos
conforme um padrão racial. Especialmente na foto da banda musical. Isso pode ser um reflexo
58

da ausência institucional de segregação racial no Exército do Brasil133. Contudo, na terceira


foto algo parece diferente. Diante da visita de oficiais americanos, dois oficiais negros do 10°
Batalhão de Caçadores (10°BC), em destaque, foram, aparentemente, posicionados no fundo
da formação. Um deles era o Tenente João Ferreira, que na segunda fotografia (destacado),
aparece à frente da formação e que na terceira foto (destacado) aparece sorrindo.
Não sabemos se a configuração dessa última foi uma imposição dos oficiais
americanos ou dos comandantes do 10° BC. Sabemos que as forças armadas americanas eram
segregadas racialmente, talvez os comandantes do 10º BC soubessem da segregação racial
existente entre as forças americanas e para não os ofender de alguma forma – por mais
estranha que seja a colocação – tenham optado por essa configuração. Também é possível que
a configuração tenha sido uma imposição dos americanos. Seja como for, essas fotografias,
apresentadas e analisadas em conjunto, podem ser indícios de que os soldados brasileiros que
estiveram no Extremo Sul da Bahia, durante a guerra, não estavam livres das pressões raciais.
Outro episódio de tensões raciais na região ocorreu pouco antes do início da Segunda
Guerra Mundial, durante o evento de inauguração do campo de aviação de Arraial d’Ajuda,
no município de Porto Seguro, em maio de 1939. Como parte das festividades, estava prevista
a celebração de uma missa. No entanto, o único sacerdote presente em Porto Seguro na
ocasião, o padre Emiliano, foi impedido de conduzir as orações. O motivo, segundo consta na
biografia de Assis Chateaubriand, o organizador do evento, foi porque o padre Emiliano era
negro e “missa rezada por padre preto” traria “má sorte aos aviadores”134.
Tanto os artigos e a entrevista, quanto as fotografias dos soldados e o caso do padre
Emiliano são apenas indícios de tensões raciais na região, no período estudado. Esse é um
tema da história do Extremo Sul da Bahia que carece de mais estudos. Mas as tensões raciais
não pareciam ser as únicas fontes de distensões sociais que atingiam os habitantes locais. A
divisão entre alfabetizados e analfabetos parecia ser outra.
Esta última nos foi apontada pelo senhor Manoel Honorato dos Anjos, também em
Belmonte. O senhor Manoel era filho de agricultores e viveu a maior parte da vida no campo,
mas, como gostava muito de futebol, frequentava constantemente a cidade. Ele afirmou que,
certa vez, foi convidado para integrar a diretoria do time para o qual torcia. O convite foi
interpretado como uma espécie de reconhecimento, por parte dos companheiros, de que ele

133
Sobre a questão racial nas forças armadas brasileiras do período, ver: OLIVEIRA, Dennison de;
MAXIMIANO, Cesar Campiani. Raça e forças armadas: o caso da campanha da Itália (1944/45). Estudos de
História, v. 8, no. 1, 2001, p. 155-181; ROSENHECK, Uri. Olive Drab in Black and White: The Brazilian
Expeditionary Force, the US Army and Racial National Identity. Revista Esboços, Florianópolis, v. 22, n. 34,
p.142-160, ago. 2016.
134
MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, 393.
59

conhecia e entendia como aquele esporte funcionava. Mas o cargo na diretoria se tornou
motivo de constantes constrangimentos e vexações públicas, convertendo-se em sofrimentos.
Negro, criado no campo e trabalhando desde muito jovem, o senhor Manoel Honorato
não teve a oportunidade de frequentar escolas. Era analfabeto e, segundo nos informou, tinha
constantemente que reafirmar as suas capacidades para ocupar a função de dirigente no time
de futebol. Triste, ao relembrar a situação, ele desabafou: “Era analfabeto, mas não burro”135.
Bem possível que o analfabetismo e a questão racial estivessem interligados, tanto em
Belmonte como na região como um todo. Talvez esses dois marcadores sociais fossem apenas
camadas de um sistema de marginalização, que assegurava a predominância de grupos
numericamente pequenos de pessoas brancas, letradas e proprietárias de terras nos municípios
do Extremo Sul da Bahia. Porém, são necessários estudos específicos para constatar a
interligação entre esses marcadores sociais na região, na primeira metade do século XX.
Contudo, o testemunho do senhor Manoel Honorato foi a única fonte que fez pensar sobre
essa possível interação.
De forma geral, as taxas de analfabetismo eram grandes. Conforme os dados coletados
nos recenseamentos do IBGE, 79,48% dos habitantes da região com mais de 5 anos de idade
eram analfabetas no início da década de 1940136. Esse percentual subiu para 80,88% na
década seguinte. Nenhum dos sete municípios da região registrou taxas de analfabetismo
inferiores a 50% da população nesses dois censos.

135
DOS ANJOS, Manoel Honorato. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles S. Silva e Vinícius
Parracho. Belmonte, dez. 2016.
136
Todos os percentuais de analfabetismo foram feitos com relação às pessoas com mais de 5 anos de idade e
não com relação à população total dos municípios. O mesmo vale para as regiões do estado da Bahia como um
todo, que serão apresentados adiante. Por isso, o número de habitantes que aparece na Quadro 3 não são iguais
aos da Quadro 5.
60

Quadro 5: Taxas de analfabetismo no Extremo Sul da Bahia


Década de 1940 Década de 1950
Município População com Analfabetos População com Analfabeto
mais de 5 anos (%) mais de 5 anos s (%)
Belmonte 27.543 56,72% 28.001 69,28%
Santa Cruz 5.406 71,51% 4.550 86,79%
Cabrália
Porto Seguro 16.288 68,94% 21.186 84,17%
Prado 16.538 70,73% 27.038 88,09%
Alcobaça 23.533 71,26% 28.414 82,21%
Caravelas 14.521 64% 17.300 79,21%
Mucuri 7.687 70,05% 8.734 81,01%
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 1940. V. XII, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 (b), p. 63-65; IBGE. Censo
Demográfico de 1950. V. XX, t. I. Rio de Janeiro: IBGE, 1955 p. 120-122.

Todos os municípios da região registraram aumento nas taxas de analfabetismo. No


caso de Santa Cruz Cabrália, além do aumento do percentual, sua população com idade
superior a 5 anos diminuiu. Belmonte se manteve como sendo o município,
proporcionalmente, com a maior população alfabetizada.
Mas os grandes índices de analfabetismo não eram registrados apenas no Extremo Sul
da Bahia. Todas as regiões da Bahia apresentaram taxas superiores a 60%, no mesmo período.
A própria média estadual era muito alta (76,27%), mas estava em consonância com as
registradas nos estados vizinhos: Alagoas, 83%; Espírito Santo, 66,89%; Goiás, 80,9%;
Maranhão, 82,13%; Minas Gerais, 71,83%; Pernambuco, 84,15%; e Sergipe, 76,95%. O
percentual nacional, na época, era de 67,56%137. Portanto, os altos índices de analfabetismo
da região faziam parte de um contexto muito mais amplo.
Na década de 1950, 14 das 15 regiões da Bahia registraram pequenas reduções nos
percentuais de analfabetismo. O mesmo aconteceu com a média geral da Bahia, de seus
estados vizinhos e com a média nacional. Entretanto, o Extremo Sul da Bahia viu sua taxa
subir, sendo a única região baiana a registrar aumento138.
As altas taxas de analfabetismo podem estar ligadas, entre outras coisas, à quantidade
de escolas da região e às políticas de inclusão das pessoas das diversas áreas dos municípios

137
IBGE (1950), op. cit., p. 1.
138
Idem, p. 116-136.
61

nos sistemas educacionais locais. No início da década de 1930, havia 33 escolas139,


administradas por 42 professores em todo o Extremo Sul da Bahia. Em Belmonte havia 6
escolas, em Porto Seguro 7, em Prado também 7, em Alcobaça 6, em Caravelas 5 e em
Mucuri apenas 2140. Esses números certamente eram insuficientes para atender a toda
população regional.
Paralelo a isso, questões como extensas cargas horárias de trabalho e maternidade
precoce influenciavam no processo educacional. O período de educação básica se estendia dos
5 aos 14 anos, mas o ingresso no mundo do trabalho se dava, em média, aos 10, o que
possivelmente forçava as famílias a retirarem seus filhos das escolas. Isso parecia atingir mais
direta e primeiramente a população masculina. Em quase todos os municípios do Extremo Sul
da Bahia, os números de matrícula e frequência masculinas eram inferiores às femininas.
Por outro lado, a situação feminina possuía um agravante. Além da tenra idade com a
qual se começava a trabalhar, elas podiam se tornar mães muito jovens. Uma evidência disso
é o fato de o censo de 1940 ter incluído meninas de 12 anos no grupo das mulheres que
tiveram filhos vivos141 no período do recenseamento. Não sabemos quantas meninas de 12
anos habitavam a região, mas os recenseadores registraram que 11,58% da população regional
eram mulheres entre os 12 e 19 anos142.
Além disso, as escolas estavam concentradas nos centros urbanos (cidades e vilas),
mas a maior parte da população regional (80,61%) vivia em zonas rurais 143. Não por acaso, os
municípios com as maiores populações campesinas, Santa Cruz Cabrália, Prado, Alcobaça e
Mucuri, tinham as maiores taxas de analfabetismo. O recenseamento de 1940 registrou apenas
4 escolas em zonas rurais: 1 em Belmonte, 1 em Caravelas, 1 em Porto Seguro e 1 em Santa
Cruz Cabrália144.
No final da década de 1950, o número de escolas estaduais na região subiu para 46.
Além delas, foram registradas outras 108 municipais, 9 particulares e 2 federais (dedicadas ao
ensino de adultos), totalizando 166 unidades escolares no Extremo Sul da Bahia145.
Infelizmente, não sabemos como elas estavam distribuídas dentro dos municípios (relação
campo/cidade). Contudo, uma reportagem publicada na revista Nação Brasileira, em agosto

139
O termo escola que aparece nas fontes não se refere a complexos de salas de aulas e estruturas administrativas
como conhecemos hoje em dia. A maior parte delas era apenas uma sala gerida por um único professor.
140
BAHIA. Anuário Estatístico (1931-1932). Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do Estado, 1934, p. 104-106.
141
Expressão que aparece no recenseamento.
142
IBGE (1950), op. cit., p. 102-342.
143
Idem, p. 401-411.
144
Idem, p.74-76.
145
FERREIRA (1958) (b), op. cit., p. 28, 71 e 140; FERREIRA (1958) (c), op. cit., p. 58, 137, 146 e 276.
62

de1946, trazia uma frase que talvez representasse bem todo o contexto regional: “Ali, faltam
escolas e professores”146.
A questão da elevada taxa de analfabetismo pode ter tido implicações na circulação de
notícias durante o período da Segunda Guerra Mundial. Como a maior parte da população não
sabia ler e escrever, as informações eram transmitidas oralmente. Aliás, isso abriu caminho
para que uma série de informações distorcidas e confusas circulassem durante o período da
guerra. Sobretudo, aquelas que se referiam aos estrangeiros que viviam na região. Algumas
delas ainda são populares e continuam alimentando a imaginação de escritores locais147.
Por fim, temos de destacar que a população do Extremo Sul da Bahia era
relativamente jovem. Na década de 1940, apenas 7,83% de seus habitantes tinham mais de 50
anos. Mucuri era o município com o maior percentual nessa faixa etária (9,15%) e Porto
Seguro o menor (6,79%). De forma geral, todos os municípios registraram índices maiores
que 60% de população, com idades que variavam dos 10 aos 49 anos. As exceções eram Santa
Cruz Cabrália e Alcobaça, mas seus percentuais estavam acima dos 55%. Cerca de 31,8% dos
habitantes regionais tinham entre 0 e 9 anos148. Contudo, deve-se destacar que a expectativa
de vida na década de 1940 era de 45,5 anos e na década de 1950, 48 anos149.
Essa população jovem representava uma fonte de mão de obra muito importante,
apesar de ela ser muito reduzida se comparada ao tamanho do território da região. Contudo,
não é uma população grande que necessariamente promove um melhor aproveitamento dos
recursos locais. Tudo depende do tipo de produção, das técnicas e dos recursos empregados
na exploração econômica que se faz em um determinado território.

2.3 Os aspectos econômicos


A economia dos municípios do Extremo Sul da Bahia se baseava na agricultura, algo
facilitado pelas características naturais de seu território. Conforme o recenseamento de 1940,
havia cerca de 864.972 hectares disponíveis para a produção econômica na região, divididas
entre áreas de pastagens, lavouras e florestas150. Destas, cerca de 78,9% eram utilizadas, o que
representa um percentual relativamente alto. Isso indica que o tipo de cultivo não dependia,
necessariamente, de uma grande quantidade de pessoas, visto que, como dissemos

146
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XXIV, n° 276, Rio de Janeiro, ago. 1946, p. 3.
147
FONTANA, Romeu. Abbia, a Alemoa: a espiã de Hitler no sul da Bahia. E-book: edição do próprio autor,
2019.
148
IBGE (1950), op. cit., p. 102-343.
149
Ver: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/23200-em-2017-expectativa-de-vida-era-de-76-anos. Acesso em: 16 de jan. 2022.
150
IBGE. Censo Demográfico de 1940. V. XII, t. II. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 (c), p. 41-43.
63

anteriormente, a população regional era pequena, quando comparada com o tamanho da área
territorial regional.
Os municípios que mais utilizavam suas áreas produtivas eram Belmonte (21,82% de
pastagens e 20,12% de lavouras), Caravelas (35,27% e 27,57%) e Prado (24,97% e 20,04%).
O único que tinha mais áreas de lavouras que de pastagens era Mucuri (19,52% de lavouras
contra 16% de pastagens). O que menos tinha produções agrícolas era Alcobaça, 6,71%151.
Nesses dois últimos, talvez as atividades extrativistas fossem predominantes.
A longevidade das práticas agrícolas na região parece ter feito surgir entre os
administradores locais e estaduais a crença em uma certa vocação agrícola natural no Extremo
Sul da Bahia. Essa ideia era ressaltada em mapas e nos relatos de viajantes e de cronistas. Um
exemplo disso é o Mapa do Estado da Bahia, contendo a rede geral da viação férrea e seção
de geografia agrícola, publicado em 1913. Apesar do nome, ele apresenta informações
relacionadas aos produtos cultivados ao longo do território estadual, estradas de ferro, rotas
marítimas e características mineralógicas. Na região, cujo detalhe reproduzimos abaixo, os
dados se referem basicamente à agricultura e ao extrativismo, destacando produtos como
cacau, café, fumo, piaçava e coquilhos152; além de plantas como a andiroba e a copaíba das
quais se extraía óleos para a produção de cosméticos e medicamentos.

151
IBGE (1950) (c), op. cit., p. 41-43.
152
Canna glauca, uma planta nativa da Amazônia, da Bahia e do Mato Grosso, cujo fruto é utilizado para fazer
contas de rosários, fios de cortinas, entre outras coisas. O nome coquilho se estende aos frutos de diversas
palmeiras.
64

Mapa 4: Geografia agrícola do Extremo Sul da Bahia

Fonte: WEYLL, Carlos. Mapa do Estado da Bahia, contendo a rede geral da viação férrea e seção de geografia
agrícola. 1913. Adaptado.

Compararmos esse mapa com as informações contidas no Anuário comercial,


industrial, agrícola, profissional e administrativo153, de 1930, e verificamos certa
consonância. O Anuário apresenta maiores quantidades de produtos cultivados na região.
Além das mencionadas no mapa, apareceram produtos como milho, feijão, maniçoba, frutas,
algodão, mandioca e cana de açúcar. Descreve, também, a pescaria de garoupas e de baleias,
cuja gordura era utilizada para a produção de óleo154; a criação de rebanhos e a exportação de
couros155.
A imagem da grande potencialidade agrícola da região pautou a ação de muitos de
seus administradores, desde o século XVIII. Ela parece ter sido tão forte que fez com que
outras possibilidades econômicas fossem ignoradas. Embora ainda não seja muito perceptível,
devido à ausência de fontes, parecia haver esforços locais para mostrar essas outras
possibilidades. No mesmo ano em que o Mapa 4 foi publicado, um artigo muito interessante,

153
ANUÁRIO Comercial, Industrial, Agrícola, Profissional e Administrativo da Capital Federal e dos Estados
Unidos do Brasil. V. 3. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1930, p. 303-352.
154
A pescaria de baleias era feita, principalmente, por pescadores de Caravelas. Essa atividade foi oficialmente
encerrada no município em 1924. Cf. RALILE, Benedito Pereira. Relatos históricos de Caravelas: (desde o
século XVI). Caravelas-BA: Fundação Professor Benedito Ralile, 2006, p. 47.
155
A pescaria de baleias era feita principalmente por pescadores de Caravelas. Contudo, essa atividade foi
oficialmente encerrada no município em 1924. O fato de o Anuário descrever essa prática em 1930 indica que
pessoas de outros municípios também a faziam. Ver: SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 47.
65

escrito por Alcibíades Conceição, foi impresso no jornal Correio de Porto Seguro156. Seu
título era Minas e Minérios157. O autor tinha como objetivo, segundo escreveu, apresentar
“um resumo das notícias das minas e minérios”158 que podiam ser encontrados no município
de Porto Seguro, das quais ele destacou tório, mica, grafite, manganês e algumas pedras
preciosas.
Alcibíades Conceição deu especial atenção à existência de areias monazíticas nas
praias. Segundo afirmou, esse tipo de areia, da qual se extraía o tório, era encontrada no Sul
da Bahia até grande parte do litoral do Espírito Santo. O autor também afirmou que
engenheiros fizeram experiências com essa areia e outros minérios encontrados no município.
Por fim, disse que amostras dessa areia foram enviadas para serem analisadas nos Estados
Unidos, para verificar a sua composição e a quantidade de tório que possuíam.
O tório, que à época era muito buscado nas areias monazíticas, é um metal utilizado
principalmente na fabricação de lâmpadas de manta, também chamadas de camisas de
lampiões. Inventado em 1885, esse dispositivo ampliava a luminosidade das lamparinas a gás.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a era atômica já iniciada, os Estados Unidos realizaram
diversas pesquisas com tório, com a finalidade de aplicá-lo na construção de reatores
nucleares. Isso levou ao aumento da procura desse metal, explorado, principalmente, por
empresas mineradoras nas praias do Prado e em alguns municípios do Espírito Santo. Essas
empresas mineradoras exportavam monazita para os Estados Unidos.
Outra informação interessante no artigo de Alcibíades dava conta sobre algumas
amostras de manganês que haviam sido extraídas em Arraial d’Ajuda, distrito de Porto
Seguro. Segundo afirmou, elas foram enviadas para serem analisadas na Europa, mas não
especificou para qual país especificamente. O manganês é um metal muito importante para a
indústria, pois é usado na fundição de ferro e na fabricação de aço.
Diante do que expôs, Alcibíades criticou a falta de interesse em aproveitar esses
recursos minerais que a região oferecia. Ele acreditava que a extração e a comercialização
desses recursos poderia atrair a atenção dos governos e trazer os investimentos necessários
para o “ressurgimento” econômico de Porto Seguro159. O momento, 1913, era oportuno e
Alcibíades parece ter percebido isso. Nos anos que antecederam à Primeira Guerra, os
impérios britânico e alemão disputaram a compra de recursos minerais de países sul-

156
As edições do Correio de Porto Seguro se encontram digitalizadas na hemeroteca digital do site da Biblioteca
Nacional. http://bndigital.bn.gov.br/
157
CORREIO DE PORTO SEGURO, ano II, n° 51, Porto Seguro, 21 de mar. 1913, p. 2-3.
158
Idem, p. 2.
159
Idem, p. 2-3.
66

americanos como Argentina, Bolívia e Brasil, preparando suas indústrias bélicas para o
conflito160.
Além disso, nesse período, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo estavam em processo
de regularização de suas fronteiras e, como visto, o Extremo Sul da Bahia era uma região
estratégica naquele contexto. Nesse sentido, ampliar os investimentos e a exploração
econômica da região seria uma forma de o governo baiano reafirmar seu domínio sobre a
área. Entretanto, a despeito das informações apresentadas por Alcibíades Conceição,
prevaleceu a imagem da potencialidade agrícola do Extremo Sul da Bahia.
Em 1956, o IBGE, ao descrever a economia da região, mostrou que ela ainda era
muito dependente da agricultura e do extrativismo vegetal. Os principais gêneros cultivados
eram o cacau, café, cana de açúcar, mandioca, alho, batata doce, caju, manga, laranja, milho,
feijão, arroz e amendoim161. Apesar da diversidade, a atividade agrícola da região parecia ser
muito rudimentar, tendo em vista seu baixo nível de mecanização.
Ainda de acordo com o IBGE, no final da década de 1950, apenas Mucuri registrou o
uso de trator nas lavouras (uma única unidade). Somente dois municípios utilizavam
máquinas de arar e semear: Belmonte e Santa Cruz Cabrália. Como não havia tratores nesses
últimos, seus equipamentos agrícolas deviam ser movidos por tração animal. Assim também
devia ser em Porto Seguro, Prado e Alcobaça. Os aparelhos mais comuns eram os extintores
para combater infestações de formigas, mas cujo número era bastante reduzido. Dos 9.372
estabelecimentos agrícolas registrados na região pelo censo de 1940, apenas 39 utilizavam
esses equipamentos: Belmonte tinha 22; Santa Cruz Cabrália 1; Porto Seguro 3; Prado 2,
Alcobaça 6; Caravelas também 6; e Mucuri 3162.
Os poucos produtores que empregavam esses equipamentos (trator, arados,
semeadeiras e formicidas), possivelmente eram os que possuíam maior poder de investimento
em suas produções. Talvez eles representassem uma pequena parcela dos produtores locais,
que estavam apostando na modernização dos equipamentos e quiçá das técnicas empregadas
no plantio. O município de Belmonte estava na vanguarda desse processo. Mas o baixo nível
de mecanização não era uma característica exclusiva do Extremo Sul da Bahia, conforme
registrou o recenseamento de 1940. As outras regiões do estado também utilizavam poucos
desses equipamentos em suas lavouras.

160
Cf. BETHEL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian (org.). A América Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a
Guerra Fria. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
161
FERREIRA (1958) (b), op. cit. p. 27, 71 e 139; FERREIRA (1958) (c), op. cit., p. 54, 136, 146 e 274-275.
162
IBGE (1950) (c), op. cit., p. 77-79.
67

Além da Agricultura, o IBGE registrou a criação de rebanhos bovinos, suínos,


asininos, muares, caprinos e ovinos na região163. Os mais abundantes eram os bovinos e os
suínos. Não encontramos informações sobre o destino dado a esses animais. Contudo, durante
uma entrevista, nos foi informado que muitos animais eram exportados em Porto Seguro164.
Isso pode indicar que, além do consumo local de carne, leite e banha, também se vendia esses
animais em outras praças comerciais. Além de serem usados como animais de tração para o
transporte mercadorias.
Os recenseadores também registraram uma série de atividades que classificaram como
“pequena indústria”, expressão genérica que indicava qualquer produção em cuja fabricação
se utilizava algum tipo de maquinário, por mais rudimentar que fosse. O termo era usado, por
exemplo, para a fabricação de aguardente e pão. Foram registrados 146 estabelecimentos da
pequena indústria no Extremo Sul da Bahia, em 1956, todas instaladas em fazendas
agroprodutoras.
As mais expressivas eram as de: extração e beneficiamento de madeiras (Santa Cruz
Cabrália, Prado, Caravelas e Mucuri); materiais de construção, como telhas, tijolos, cal e
piaçava (Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Prado e Alcobaça); farinha (Belmonte, Porto
Seguro e Alcobaça); e aguardente (Belmonte, Prado e Alcobaça). Os municípios com o maior
número de pequenas indústrias eram Alcobaça (8), Prado (6) e Porto Seguro (7)165.
O IBGE também registrou quais eram os equipamentos utilizados. Máquinas de
beneficiamento de leite: 1 em Belmonte; 2 em Cabrália; 15 em Prado; e 8 em Alcobaça.
Motores: 13 em Belmonte; 2 em Santa Cruz Cabrália; 2 em Prado; e 1 em Alcobaça.
Moendas: 31 em Belmonte; 2 em Santa Cruz Cabrália; 24 em Porto Seguro; 35 em Prado; 16
em Alcobaça; 7 em Caravelas; e 25 Mucuri. Havia ainda 114 alambiques na região: 7 em
Belmonte; 2 em Santa Cruz Cabrália; 24 em Porto Seguro; 27 em Prado, 23 em Alcobaça; 7
em Caravelas; e 24 em Mucuri)166.
A partir desses números pode-se fazer algumas indicações sobre a produção
econômica dos municípios da região. Prado e Alcobaça pareciam se dedicar mais à produção
de leite e derivados. Por isso, como visto anteriormente, grande parte de suas áreas produtivas
eram pastagens. Também é difícil saber como eram os motores registrados e como eles eram
utilizados. Eles poderiam ser usados em serrarias, em farinheiras ou outra atividade qualquer.
O fato de Belmonte utilizar mais desses equipamentos indica que o município possuía um

163
FERREIRA (1958) (b), op. cit., 27, 71 e 139; FERREIRA (1958) (c), op. cit. p. 54, 136, 146 e 274-275.
164
MORAES (2017), op. cit.
165
FERREIRA (1958) (b), op. cit., 27, 71 e 139; FERREIRA (1958) (c), op. cit. p. 54, 136, 146 e 274-275.
166
IBGE (1950), (c), op. cit., p. 80-82.
68

maior grau de mecanização da produção econômica na qual esses equipamentos eram


utilizados. Moendas eram equipamentos tradicionalmente utilizados na produção de açúcar e
Belmonte, Porto Seguro, Prado e Mucuri se destacavam nessa produção. A produção de
cachaça (alambiques) parecia ser algo mais generalizado na região.
Infelizmente, não encontramos informações referentes ao volume de produção dessas
pequenas indústrias. Tampouco foi possível perceber como era o fluxo interno dessas
mercadorias. Nem mesmo sabemos se elas eram exportadas para outras áreas do país, com
exceção das madeiras, que já mencionamos anteriormente.
Toda a produção econômica da região, que era exportada para outras partes da Bahia e
do Brasil, era escoada por mar e por terra. Por mar, os principais portos de destino eram os de
Ilhéus, Canavieiras, Salvador, Rio de Janeiro e Santos. Por terra, os principais destinos eram
as cidades de Araçuaí, Águas Formosas, Carlos Chagas, Jacinto, Rubim, Machacalis, Salto da
Divisa e Nanuque (Minas Gerais), Conceição da Barra e Barra de São Francisco (Espírito
Santo). O transporte terrestre das mercadorias era feito, sobretudo, através da E.F.B.M., mas
também por meio de tropas de animais167. Internamente, os rios também eram muito
utilizados, sobretudo entre as povoações do interior e as zonas portuárias nas sedes
municipais.
Durante a Segunda Guerra Mundial houve uma oscilação no número de embarcações
comerciais trafegando na região de forma especial, porque a maior parte delas navegava por
via marítima. A guerra atingiu o país justamente pelo mar, com os ataques navais realizados
por submarinos alemães e italianos. Além disso, o Nordeste foi a principal área do país
atingida pelos ataques do Eixo. Dos 18 ataques realizados na costa brasileira, 11 ocorreram no
litoral do Nordestes, a maioria deles entre os estados de Sergipe e Bahia168.
Aliás, como dito anteriormente, um desses ataques ocorreu no Extremo Sul da Bahia.
Embora seja muito difícil perceber as reais dimensões dos impactos desses ataques sobre a
economia da região, devido à falta de fontes, os Anuários Estatísticos produzidos pelo IBGE
podem fornecer uma pista a esse respeito. Infelizmente, não há informações sobre todos os
municípios da região, mas é possível perceber as movimentações portuárias de alguns deles,
como se pode observar no quadro abaixo.

167
FERREIRA (1958) (b), op. cit., p. 28, 71 e 140; FERREIRA (1958) (c), op. cit., p. 57, 136 e 146.
168
ARANTES, Marcus Vinicius de Lima. Torpedo: o terror no Atlântico. Rio de Janeiro: Livre Expressão
Editora, 2012, p. 55-154.
69

Quadro 6: Fluxo de embarcações e cargas no Extremo Sul da Bahia


Entrada e saída de navios Tonelagem*
Município 193 194 194 194 194 193 194 194 194 194
9 0 1 2 3 9 0 1 2 3
Belmonte - - - - - - - - - -
Santa Cruz - - - - - - - - - -
Cabrália
Porto Seguro - 65 44 46 52 - 18 11 9 9
Prado 43 58 61 35 72 3 12 9 6 7
Alcobaça 48 42 38 15 29 1,1 1 1 0 1
Caravelas 286 237 199 167 152 87,6 80 86 47 36
Mucuri - - - - - - - - - -
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano V (1939/1940). Rio de Janeiro: IBGE, 1941, p. 300-302;
IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VI (1941/1945). Rio de Janeiro: IBGE, 1946, p. 173-178. *Os
números referentes à quantidade de mercadorias desembarcada nos portos são iguais às de saída, o que indica
que se tratava de cargas fechadas, tanto de importação quanto de exportação. Por isso não criamos um quadro
específico de entrada e saída de carga.

Com exceção de Porto Seguro, houve uma grande diminuição na entrada de


embarcações nos portos da região em 1942 e o caso de Alcobaça foi o mais inexpressivo, pois
aparentemente o município não conseguiu importar e exportar sequer uma tonelada de
mercadorias. Esse foi justamente o ano em que os ataques à Marinha Mercante brasileira se
intensificaram e levaram à entrada do Brasil na guerra. Seis embarcações foram atacadas na
costa baiana em 1942169. O impacto dos ataques foi grande, sobretudo porque causaram uma
insegurança entre os comerciantes do país.
Note-se que, apesar do aumento nos números de embarcações em 1943, não houve um
crescimento expressivo na tonelagem de mercadorias. Nem mesmo em Prado, no qual o
aumento no número de navios foi bem maior que nos outros municípios. Embora o fluxo de
embarcações estivesse se normalizando, talvez os comerciantes ainda estivessem receosos.
Ou, talvez, as quantidades de suas produções tenham diminuído, devido ao contexto da
guerra.
As economias dos municípios da região baiana vizinha ao Extremo Sul também
sofreram os impactos dos ataques navais. Destacamos os casos de Ilhéus e Canavieiras, que
tinham grandes conexões com o Extremo Sul da Bahia. Em 1942, a movimentação de

169
Ver: ARANTES (2012), op. cit., p. 55-119.
70

embarcações no porto de Ilhéus teve uma redução de 5,21%, em relação a 1941 e em


Canavieiras a redução foi de 31,19%. A diminuição na tonelagem das cargas foi de 36,46% e
24,24%, respectivamente170.
Interessante observar que Canavieiras, talvez por ser menor e depender mais
diretamente do comércio brasileiro, já que não foram registradas embarcações estrangeiras em
seu porto, foi a mais atingida. Ilhéus conseguiu se recuperar mais rapidamente porque contava
com conexões internacionais e concentrava o fluxo comercial das cidades menores, no seu
entorno. O embarcadouro ilheense registrou, em 1943, um fluxo de 731 navios, superando
não só a marca de 1942 (637), mas também a de 1941 (672). Canavieiras, por outro lado,
registrou 165 embarcações em 1943, marca maior que a de 1942 (150), mas menor que a de
1941 (218)171.
Não conseguimos dados referentes à movimentação portuária de Belmonte, município
como o maior fluxo comercial do Extremo Sul da Bahia. Entretanto, uma comparação de
valores orçamentários da cidade pode indicar que ela também sofreu os impactos dos ataques.
No dia 18 de janeiro de 1941, o orçamento da prefeitura era de Cr$44.279,10 e, no dia 31 de
dezembro, de Cr$142.639,60, um aumento de Cr$ 41.639,60172. No dia 2 de janeiro de 1942,
o orçamento era de Cr$135.714,70. Mas, no dia 24 de dezembro do mesmo ano, o saldo era
Cr$28.817,40, uma redução de Cr$106.897,30173.
Talvez, possivelmente, a redução no orçamento belmontense seja uma consequência
das dificuldades atreladas à arrecadação de impostos relacionados ao comércio, ou às taxas
cobradas nos serviços públicos, que também estavam ligados ao fluxo comercial. Essas
possíveis dificuldades poderiam estar ligadas aos ataques navais. A documentação portuária
da cidade de Belmonte nos ajudaria a pensar melhor sobre a questão, mas não há registros a
esse respeito nos anuários estatísticos do Brasil. Além disso, a pandemia da Covid-19 nos
impediu de acessar o Arquivo Público do estado para buscar essas informações.
Essas informações nos ajudariam a compreender porque as pessoas que entrevistamos,
ao longo da pesquisa, se referem ao período da guerra como um tempo de privação e de
dificuldades relacionadas à alimentação. Quando foram enviados soldados para a região, em
1943, a situação parece ter se agravado, visto que foram mais de mil soldados, distribuídos
entre Belmonte, Porto Seguro e Caravelas. O contingente causou um aumento abrupto no

170
IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VII (1946). Rio de Janeiro: IBGE, 1947, p. 206.
171
Idem, idem.
172
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 162, Belmonte, 18 de jan. de 1941.
173
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 213, Belmonte, 10 de jan. 1942;
BOLETIM... (1942), n° 264, op. cit.
71

número de pessoas nesses centros urbanos e isso pode ter tido implicações sobre a circulação
de alimentos. Conforme nos relatou o senhor Elias Siquara, em Caravelas: “o peixe ia
primeiro para eles, para nós o que sobrava”174.
Por outro lado, em Porto Seguro, o senhor Decio Gurrite Pessôa afirmou que “a
presença dos soldados matou a fome de muita gente”175. A sua fala foi uma referência ao
compartilhamento da alimentação que eles faziam com os moradores locais. Sobre isso, o
senhor Hermes José d’Ajuda disse: “eu me lembro que eles faziam comida. Tinha a sopa!”176.
O senhor Benedito Cassimiro relatou:

Quando eles faziam comida lá na cidade alta, enchia de gente de cá de baixo,


lá de Porto Seguro. A cidade alta, enchia... Cada um com sua marmita. Os
caldeirões eram deste tamanho (gestos), dessa grossura (gestos), dez, doze
caldeirões cheios de comida. Sobrava para eles, aí quando a gente chegava
estava tudo... Enchia para recebendo a comida, tudo em fila. Saísse fora vê
se comia? Se saísse fora só comia depois que terminasse tudo, é ali é a seca,
viu. E a gente ia lá, trazia uma caldeira assim ó, dessa grossura assim ó,
cheinha de feijão, arroz, carne, tudo! Salada, tudo, só você vendo, que farto
viu!177.

As recordações dos senhores Hermes e Benedito Cassimiro reforçam a afirmação do


senhor Decio. Contudo, a situação que se transformou em elemento de recordação afetiva da
presença dos soldados em Porto Seguro, à época pode muito bem ter sido aprofundada pela
presença dos militares. Entretanto, são necessárias mais informações para verificar se de fato
a presença dos soldados realmente agravou a questão da circulação de alimentos em
Belmonte, Porto Seguro e Caravelas.
Certamente, uma coisa que influenciava na questão da alimentação era, e ainda é, o
trabalho. O IBGE, por meio do censo de 1940, registrou que 54,16% da população regional
era empregada como funcionários fixos nos estabelecimentos agropecuários do Extremo Sul
da Bahia. Destes, 20,81% trabalhavam exclusivamente na produção agrícola e 16,36% na
pecuária. A maior concentração de mão de obra estava na atividade mista (criação de
rebanhos e plantio), 61,94%. Apenas, 0,89% dos trabalhadores da região eram empregados

174
SIQUARA, Elias. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Caravelas, 7 de jan. 2019.
175
PESSÔA, Decio Gurrite. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Porto Seguro, abr.
2018.
176
D’AJUDA, Hermes José. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Arraial d’Ajuda (Porto
Seguro), mar. 2017.
177
CASSIMIRO (2016), op. cit.
72

como mão de obra permanente em outro tipo de atividade, mas que não foram especificadas
pelos recenseadores178.
A pecuária, que era a atividade que menos exigia mão de obra, empregava 9.902
indivíduos. Alcobaça era o município que mais empregava pessoas nessa área, 2.408. O que
menos empregava era Mucuri, 33. A agricultura exigia mais mão de obra, mas o número
também era reduzido. Na década de 1940, época em que a população regional já ultrapassava
os 110 mil habitantes, foram recenseadas 12.595 pessoas empregadas na agricultura de forma
permanente. Belmonte empregava um percentual de cerca de 13,93% de sua população na
atividade agrícola, Santa Cruz Cabrália, 5,6%, Porto Seguro, 21,2%, Prado, 13,2%, Alcobaça,
5,73%, e Mucuri, 18,76%. Infelizmente, os números correspondentes à Caravelas foram
omitidos pelos recenseadores179.
Em números absolutos, Belmonte empregava mais pessoas que qualquer outro
município na atividade agrícola, 3.842 indivíduos. Mas, como sua população era maior que as
dos demais municípios, o seu percentual era relativamente baixo. Mas o valor de
comercialização de seu principal produto cultivado, o cacau, somado à maior quantidade de
pessoas empregadas na área, alavancava sua economia sobre os demais. Em 1939, o
município possuía 1.359 produtores desse fruto e exportou mais de 7 mil toneladas. O café,
segundo gênero mais cultivado no município e com um dos maiores valores de mercado na
época, tinha 467 produtores e naquele ano foram exportadas 295 toneladas do produto. A
diferença entre o primeiro e o segundo gênero mais rentável da economia belmontense era
abismal180.
O segundo produtor de cacau e café do Extremo Sul da Bahia era Prado. Contudo, em
1939, os produtores pradenses exportaram 530 toneladas de cacau e 265 de café. A diferença
entre as produções de Belmonte e Prado era igualmente abismal181.
Porto Seguro empregava na agricultura um número de pessoas próximo ao de
Belmonte, 3.459, mas sua população era menor e, por isso, esse número correspondia a um
percentual maior de sua população, quando comparada à de Belmonte. Contudo, apesar de
seus produtores também plantarem cacau, o gênero mais cultivado naquele município era a
laranja. Entretanto, o valor de comercialização da laranja era inferior ao do cacau. Até em

178
IBGE (1950) (c), op. cit., p. 71-73.
179
BRASIL (1950) (c), op. cit., p 71-73; FERREIRA (1958) (b), op. cit., p. 27, 71 e 139; FERREIRA (1958) (c),
op. cit., p. 54, 136, 146 e 274-275.
180
IBGE (1950) (c), op. cit., p. 98-100.
181
Idem, idem.
73

termos de tonelagem, Porto Seguro era o segundo maior produtor de cacau, mas a quantidade
exportada em 1939 não correspondia sequer à metade da produção de Belmonte.
As fazendas que cultivavam gêneros agrícolas e criavam rebanhos ao mesmo tempo
concentravam 33,55% dos trabalhadores fixos da região, um total de 37.493 pessoas. A maior
parte delas estava em Alcobaça (9.920). Em seguida vinha Porto Seguro (8.458), Caravelas
(7.402), Prado (6.411), Belmonte (2.831), Santa Cruz Cabrália (1.254) e Mucuri (1.217)182.
Os lugares que melhor remuneravam sua mão de obra eram Belmonte e Prado,
justamente aqueles que tinham as maiores quantidades de produtores de cacau e café. A
definição do salário mínimo, para o biênio 1944-1946, determinou os valores mensais de
Cr$300,00 e Cr$ 230,00, respectivamente, para esses dois municípios. Em caso de trabalho
por diárias eram pagos nos dois os valores de Cr$12,00 e Cr$9,20, respectivamente. Santa
Cruz Cabrália, Porto Seguro, Alcobaça, Caravelas e Mucuri pagavam Cr$170,00 por mês e
Cr$6,80 por diária de trabalho183.
Infelizmente não conseguimos identificar os valores dos principais gêneros
alimentícios comuns naquele período vendidos na região, o que nos possibilitaria avaliar o
poder de compra desses salários. Existem dados relativos à capital do estado, Salvador. Nela,
o quilo do açúcar era vendido a Cr$2,02; arroz Cr$3,26; banha Cr$9,58; café Cr$6,25; carne
fresca Cr$3,85; farinha de mandioca Cr$1,72; farinha de trigo Cr$2,83; pão Cr$3,00; sal
Cr$1,23; e toucinho Cr$7,04184. Aparentemente, os salários pagos na região eram baixos,
visto que o preço do quilo de alguns desses alimentos era superior ao valor pago em uma
diária de trabalho.
Contudo, alguns desses gêneros também eram produzidos no Extremo Sul da Bahia.
Por isso, talvez eles fossem comercializados a preços menores. Entretanto, gêneros como
farinha de trigo e sal eram trazidos de outras regiões e seus preços talvez fossem até maiores
que os apresentados na relação acima.
Por fim, embora a região tenha passado por grandes transformações territoriais e no
número de sua população, entre o final do século XIX e na primeira metade do XX, no campo
econômico as transformações parecem ter sido menores. A região ainda dependia muito das
atividades agropecuárias entre as décadas de 1940 e 1950. As críticas feitas por Alcibíades
Conceição quanto à pouca atenção dada pelos administradores estaduais e regionais às outras
riquezas disponíveis no Extremo Sul da Bahia parecem ter sido ignoradas. Mesmo as

182
IBGE (1950) (c), op. cit., p 71-73; FERREIRA (1958) (b), op. cit., p. 27, 71 e 139; FERREIRA (b) (1958)
(c), op. cit., p. 54, 136, 146 e 274-275.
183
IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VII (1946). Rio de Janeiro: IBGE, 1947, p. 362-363.
184
Idem, p. 320-324.
74

pequenas atividades industriais descritas no censo de 1940 dependiam da agricultura e


também do extrativismo.
Porém, isso não significa que a economia regional não tenha passado por
transformações ao longo da primeira metade do século XX. A utilização de máquinas e a
diversificação na produção apontam que a economia regional estava passando por mudanças.
Entretanto, o modelo econômico permanecia pautado na agropecuária.
75

CAPÍTULO 3
O CENÁRIO POLÍTICO REGIONAL ENTRE AS DÉCADAS DE 1930 E
1940

O movimento revolucionário de 1930 chega à Bahia


com aspecto de ocupação e domínio185.

Sidrach Carvalho Neto

No dia 15 de agosto de 1942, o jornal Boletim Oficial Município de Belmonte que,


como o nome indica, era um diário oficial impresso na cidade de Belmonte, publicou um texto
cujo título era “Todos com o Brasil: governo e povo belmontense, em absoluta solidariedade à
Pátria e ao Presidente Vargas”186.O escrito informava que o governo e o povo belmontense
haviam enviado uma mensagem de apoio ao presidente Getúlio Vargas. De acordo com o
texto, “o governo e o povo” tinham “fé e confiança” na direção de “iluminada inteligência e
pulso firme” do “grande homem de Estado”, o “insigne brasileiro dr. Getúlio Vargas” 187. Não
foi esclarecida a razão do envio da missiva, pois o seu conteúdo não foi revelado.
Possivelmente, a mensagem foi motivada pelos ataques navais que estavam sendo realizados
contra a marinha mercante do Brasil.
Em 28 de janeiro daquele ano, o governo brasileiro já havia rompido relações
diplomáticas com as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). A justificativa pelo
rompimento foi a solidariedade aos Estados Unidos, devido ao ataque japonês às bases
americanas no Havaí e nas Filipinas, em dezembro de 1941. A decisão foi revelada durante o
final da 3ª Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas, realizada no Rio
de Janeiro. O evento contou com a participação de 21 delegações de países americanos. No
discurso de abertura do evento, no dia 15 de janeiro, Getúlio Vargas já havia deixado
transparecer a decisão que seria anunciada ao final da reunião dos chanceleres:

É propósito dos brasileiros defender, palmo a palmo, o próprio território


contra quaisquer incursões e não permitir possam as suas terras e águas
servir de ponto de apoio para o assalto a nações irmãs. Não mediremos
sacrifícios para a defesa coletiva. Faremos o que as circunstâncias

185
CARVALHO NETO (2004), op. cit., p. 57.
186
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 244, Belmonte, 15 de ago. 1942.
187
Idem, idem.
76

reclamarem, e nenhuma medida deixará de ser tomada a fim de evitar que,


portas adentro, inimigos ostensivos ou dissimulados se abriguem e venham
causar dano ou pôr em perigo a segurança das Américas188.

Ao final da reunião de chanceleres, quase todas as nações representadas concordaram


em assinar uma declaração conjunta de rompimento das relações diplomáticas com as
potências do Eixo. As únicas exceções foram Chile e Argentina189. Os ataques japoneses
levaram à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o que gerou um aumento
nas importações de produtos da América Latina ligados ao esforço de guerra americano.
O rompimento com os países do Eixo consolidou uma política de aproximação do
Brasil com os Estados Unidos e com os países Aliados190 que, dentre outras coisas, atendia
aos interesses econômicos do governo de Getúlio Vargas. Essa aproximação permitiria ao
Brasil ampliar a venda de produtos para os EUA e a seus aliados, adquirir recursos para
investir na implantação da indústria siderúrgica e reequipar as forças militares do país 191. Mas
a decisão teve graves consequências. Entre fevereiro e julho de 1942, 14 embarcações haviam
sido atacadas por submarinos do Eixo192.
Conforme o texto do Boletim, a “Pátria” estava “estremecida” e se vivia “momento de
apreensões”193. Ainda de acordo com o texto:

Belmonte em peso, pelo que há de mais representativos entre os


poderes constituídos, entre as classes liberais, a classe operária, o comércio,
a indústria, a lavoura, todo o seu povo, enfim, condignamente representado,
enviou ao Chefe da Nação uma expressiva mensagem de apoio intransigente,
solidarizando-se incondicionalmente com ele (...)194.

Além disso, o texto alertava que era hora de “todos os brasileiros” estarem “atentos e
estreitamente unidos, prontos para a defesa resoluta da “Pátria amada” 195. Por fim, o texto
classificou o envio da mensagem ao presidente como uma “belíssima demonstração de puro

188
D’ARAUJO, Maria Celina (org.). Perfis parlamentares: Getúlio Vargas. Brasília: Edições Câmara, 2011, p.
444.
189
SANDER, Roberto. O Brasil na mira de Hitler: a história do afundamento de navios brasileiros pelos
nazistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 36.
190
Aliança militar, cujo nome formal adotado em janeiro de 1942 era Nações Unidas, era formada, em seu auge,
por 29 países, incluindo alguns antigos aliados da Alemanha, como Itália e Finlândia. A aliança era comandada
pelos chamados “três grandes”, Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética. O Brasil ingressou na aliança
em agosto de 1942, após declarar guerra à Alemanha e Itália.
191
SANDER (2007), op. cit., p. 35-45.
192
Cf. ARANTES (2012), op. cit., p. 55-94.
193
BOLETIM... (1942), nº 244, op. cit.
194
Idem, idem.
195
Idem, idem.
77

patriotismo”, uma “moção de fidelidade ao chefe de governo”196. O apelo ao corporativismo,


expresso na descrição dos grupos sociais, a tentativa de reforçar o nacionalismo, apontado nas
constantes sugestões de união, a exaltação do patriotismo e da figura de Vargas chamou nossa
atenção quando nos deparamos com esse texto impresso no Boletim Oficial. Imaginamos que
havia algum tipo de influência ideológica do regime do Estado Novo197 sobre Belmonte198.
Chamou-nos a atenção, especialmente, o peso do nacionalismo por trás das mensagens
contidas no texto. Sobretudo, porque encontramos muitas outras matérias impressas no
Boletim com teor semelhante. Muitas delas enviadas pela Agência Nacional199, que de acordo
com Nélson Jahr Garcia, durante o Estado Novo, foi a principal fornecedora de notícias para
os jornais brasileiros200. Posteriormente, encontramos outras fontes que pareciam indicar que
outros municípios do Extremo Sul da Bahia também recebiam influência do Estado Novo.
De acordo com uma matéria publicada em março de 1939, na revista Nação
Brasileira, “o Estado Novo” estava promovendo o “ressurgimento” da região201. Também
encontramos atas dos conselhos municipais de Porto Seguro e Prado relatando a inauguração
de um retrato de Getúlio Vargas e comemorações dos aniversários de implantação do Estado
Novo e do próprio presidente. Isso nos levou a pensar que todo o Extremo Sul da Bahia
estivesse sob o que parecia ser uma forte influência daquele regime ditatorial, o que foi uma
surpresa, pois não conhecíamos essas fontes e tampouco estudos a respeito.
Inicialmente, imaginamos que a influência era fruto do contexto da Segunda Guerra
Mundial. Tal pensamento nos ocorreu porque, pouco tempo após entrarmos em contato com a
edição do Boletim Oficial mencionada anteriormente, em janeiro de 2017 realizamos a leitura
dos trabalhos de Roney Cytrynowicz e Marlene de Fáveri. Um traço comum entre eles é que
ambos os autores perceberam que, durante o período da guerra, o governo Vargas ampliou a
utilização dos mecanismos de controle sobre a sociedade brasileira. Isso levou ao
recrudescimento do regime estado-novista. No primeiro, que trata do caso de São Paulo, o

196
BOLETIM... (1942), nº 244, op. cit.
197
O regime foi implantado após um golpe aplicado por Getúlio Vargas e seus apoiadores, principalmente os
militares, no dia 10 de novembro de 1937.
198
Não dedicaremos espaço neste trabalho para tratar do regime do Estado Novo ou das outras fases do governo
de Getúlio Vargas. Deixamos como indicação a esse respeito as próprias obras que citaremos. Descreveremos
apenas as características do regime que nos permite discutir sobre o alinhamento ideológico dos políticos do
Extremo Sul da Bahia ao governo de Vargas.
199
A agência foi criada em março de 1937, com o objetivo de divulgar os atos da administração federal e
as classificadas como de interesse público pelo governo Vargas, além de distribuir materiais de publicidade dos
órgãos governamentais.
200
GARCIA, Nélson Jahr. Estado Novo: ideologia e propaganda política. s/l: RocketEdtion, 1999, eBook, p.
150-151.
201
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVII, n° 187, Rio de Janeiro, mar. 1939, p. 5.
78

aumento do controle social se deu, especialmente, sobre os trabalhadores202. No segundo, que


aborda o caso de Santa Catarina, os estrangeiros de origem germânica e seus descendentes
foram os principais alvos do regime varguista203.
Entretanto, em janeiro de 2019, quando entramos em contato com o livro Relatos
Históricos de Caravelas204, dos autores Carlos Benedito Souza e Sheila Franca Souza, vimos
que mesmo antes do Estado Novo a região já sofria influências do governo de Getúlio Vargas.
Esse pensamento nos ocorreu, após a leitura do capítulo “A tomada de Caravelas pelos
mineiros”. Nele, os autores descreveram a curiosa história da resistência do prefeito de
Caravelas, Teobaldo da Costa, frente a uma ocupação de tropas mineiras, em outubro de
1930205.
Desconhecíamos completamente o evento e isso nos fez buscar mais informações. As
buscas nos levaram ao trabalho de doutoramento de Eliana Evangelista Batista, de 2018, e a
um livro publicado por Eul-Soo Pang, em 1979206. Esses dois autores nos ajudaram a
compreender melhor o que Carlos Benedito Souza e Sheila Franca Souza abordaram em seu
livro. Descobrimos então que aquilo que os autores caravelenses narraram foi uma das
consequências do golpe que levou Getúlio Vargas ao poder, em outubro de 1930.
De acordo com Eliana Batista, quando começaram as mobilizações em Minas Gerais e
Rio Grande do Sul – de onde partiram os principais grupos apoiadores do golpe perpetrado
por Vargas –, os dirigentes baianos se posicionaram de forma legalista e tentaram resistir à
manobra golpista. Para combater os revoltosos, o governo da Bahia traçou um plano de
invasão ao norte de Minas Gerais, visando dividir as tropas mineiras e ganhar tempo para a
contraofensiva das tropas leais a Washington Luís. Para tanto, o governo baiano pretendia
arregimentar os latifundiários do interior do estado e investir contra os mineiros, usando
milícias comandadas por proprietários de terras207.
Em meio às tensões, uma área em particular da Bahia se tornou campo de disputas: o
município de Caravelas. As instalações portuárias da cidade, como visto anteriormente, eram

202
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda
Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial, 2002.
203
FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra. Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em
Santa Catarina. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis,
2002.
204
Fomos presenteados com o livro, dado por Jussara Esteves quando estivemos em Caravelas, em 2019.
205
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 75-76.
206
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador,
2018; PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias (1889-1934): a Bahia na Primeira república Brasileira. Trad.
Vera Teixeira Soares. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
207
BATISTA (2018), op. cit., p. 68.
79

estratégicas para os produtores do nordeste de Minas Gerais, pois lhes dava acesso direto ao
litoral, via E.F.B.M., onde escoavam seus produtos. Em caso de conflito duradouro, o porto
de Caravelas e a ferrovia seriam importantes fonte de abastecimento de armas, munições e
suprimentos para Minas Gerais. De acordo com Eul-Soo Pang, o governo mineiro cogitou
importar armas por meio daquele porto e estava mesmo disposto a invadir e conquistar a
cidade. Entretanto, o plano foi abandonado após as autoridades de Minas Gerais descobrirem
que o governo da Bahia havia desconfiado das pretensões mineiras e, por isso, aumentou a
vigilância sobre o Extremo Sul da Bahia208.
Entretanto, as adesões da Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte às forças
golpistas deixaram a resistência baiana isolada. Dessa forma, o plano de invasão a Minas
Gerais foi cancelado e o aparato que seria utilizado na contenção das tropas revoltosas foi
remanejado para assegurar a defesa de Salvador. O objetivo dos dirigentes da Bahia passou a
ser bloquear a principal rota ferroviária de acesso ao interior do estado e, para tanto, a cidade
de Alagoinhas, que conectava a ferrovia à capital e ao interior, foi transformada em centro de
comando209. Contudo, a concentração de forças ao norte do estado deixou o Extremo Sul
baiano vulnerável e o governo mineiro aproveitou a situação.
O plano de invasão a Caravelas foi retomado e uma força de invasão, composta por
homens da polícia militar de Minas Gerais, foi organizada e reunida na cidade de Teófilo
Otoni. O líder do contingente era Octávio Ottoni, membro da família que desde o século XIX
explorava o Vale do Mucuri que, como visto, fazia fronteira com o Extremo Sul da Bahia. O
objetivo das forças de Ottoni era ocupar o porto de Caravelas, as estações da E.F.B.M. e os
postos de correios e telégrafos.
A invasão foi executada no início do mês de outubro de 1930, ao mesmo tempo que
Getúlio Vargas e o contingente militar que o apoiava se dirigia para o Rio de Janeiro. A
ocupação de Caravelas pelas tropas mineiras, como se verá adiante, representa um ponto de
virada importante na história do Extremo Sul da Bahia. Após isso, a região se envolveu,
involuntariamente, nos tumultos políticos que chacoalhavam o Brasil naquele momento e o
resultado foi uma grande aproximação dos políticos locais com as sucessivas fases do governo
de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945.
Porém, é importante destacar que o que chamamos aqui de influência do governo
Vargas é percebida apenas no âmbito político, por meio de matérias publicadas no Boletim
Oficial de Belmonte, na revista Nação Brasileira e nas atas do conselho municipal de Porto

208
PANG (1979), op. cit., p. 208.
209
BATISTA (2018), op. cit., p. 69.
80

Seguro. Não foi possível avaliar como a população regional percebeu e interpretou as ideias
do regime varguista. Além disso, faltam informações sobre os municípios de Santa Cruz
Cabrália e Mucuri mas, a partir dos exemplos do que ocorria nos demais, partimos do
princípio de que todo o Extremo Sul da Bahia sofreu a influência difundida no âmbito dos
primeiros 15 anos de governo de Getúlio Vargas.

3.1 A ocupação de Caravelas e a reconfiguração regional


Teobaldo Costa, prefeito de Caravelas, recebeu informações sobre a força de invasão
que se concentrava em Teófilo Otoni e sobre seus objetivos. Não conseguimos descobrir
como ele recebeu essas informações. Embora não saibamos a quantidade de soldados reunidos
em Teófilo Otoni, a concentração de tropas deve ter chamado a atenção e informações de
alguma forma foram vazadas. Sobretudo, porque de forma geral o clima nacional era de
mobilização. Caravelas estava conectada a diversas cidades do nordeste de Minas Gerais pela
E.F.B.M. e pode ser que as informações tenham chegado até Teobaldo via ferrovia. Ou
mesmo via telégrafo, embora esse meio de comunicação devia estar sendo monitorado.
Após saber dos planos mineiros, Teobaldo solicitou ajuda ao governo da Bahia.
Enquanto esperava reforços, ele ordenou a evacuação da cidade e a queima de pontes da
ferrovia. Além disso, determinou a transferência das locomotivas da estação no povoado de
Ponta de Areia para Caravelas, visando usá-las como aríetes, caso fosse necessário210. Foi
uma estratégia ousada e poderia ter dado certo se existissem combatentes em Caravelas para
resistir à invasão. Por isso, a ajuda do governo baiano seria essencial. Mas o tempo não estava
a favor do prefeito caravelense, por isso ele ordenou a destruição das pontes, medida que
visava retardar o avanço das tropas invasoras. Ele parecia mesmo estar disposto a lutar, pois a
fortificação da cidade e a sua evacuação visava preparar o local para eventuais combates.
Não sabemos quanto tempo levou a preparação das tropas de Octávio Ottoni, nem
como o governo baiano recebeu o pedido de reforços de Teobaldo Costa, mas as forças
mineiras parecem ter se deslocado muito rapidamente. No dia 10 de outubro, antes mesmo de
Vargas tomar o poder no Rio de Janeiro, Ottoni conquistou Caravelas. Pelo que as fontes
indicam, não houve confronto. Uma nota sobre a tomada da cidade foi publicada no periódico
O Jornal, do Rio de Janeiro, que estava cobrindo os avanços do movimento golpista.
Conforme a nota, os líderes mineiros ordenaram a Ottoni “tratar toda a população
como irmãos e amigos”211. Assim, foi por esse comunicado que soubemos quais eram os

210
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 76.
211
O JORNAL, ano XII, n° 3.672, Rio de Janeiro, 1 de nov. 1930, p. 10.
81

objetivos da ocupação, mencionados anteriormente. O jornal também reproduziu uma


mensagem que o prefeito Teobaldo Costa e outras lideranças políticas caravelenses enviaram
a Ottoni:

Sr. Octávio Ottoni – Receberemos os revolucionários mineiros como


brasileiros e nunca seremos pela luta fratricida. Saudações – Teobaldo Costa,
prefeito; Liberato Mattos, promotor público; Lycurgo Ramos, delegado de
polícia; Nuno Melgaço, presidente do Conselho212.

Contudo, as ações de Teobaldo se mostraram contrárias ao que foi declarado na


mensagem. Os prejuízos causados por sua estratégia defensiva levaram Ottoni a considerá-lo
uma ameaça à consolidação da tomada da cidade. Por isso, ele foi imediatamente deposto do
cargo, junto com os membros de seu governo. Entretanto, alguns aliados do prefeito deposto
conseguiram fugir.
No dia 6 de novembro de 1930, Octávio Otto enviou um telegrama a Juarez Távora,
comandante das delegacias militares do Norte e Nordeste, informando sobre a tomada de
Caravelas. Na mensagem, ele se apresentou como “Comandante das Forças Revolucionárias
Mineiras”. Na mesma ocasião, Ottoni solicitou a prisão preventiva do tenente Alfredo Coelho,
ao qual se referiu como “cúmplice do governo deposto”213. O tenente estava sendo acusado de
ter ordenado a destruição de seis pontes da ferrovia Bahia e Minas, mas havia fugido para
Ilhéus.
A nota publicada no O Jornal também informou que as forças mineiras haviam
tomado o controle de “91 quilômetros da faixa da região”214. Dentro dessa extensão também
estavam trechos dos municípios de Viçosa e Mucuri, que também possuíam estações da
E.F.B.M. Dessa forma, o governo mineiro assegurou uma área estratégica para ser utilizada
para o abastecimento de recursos militares e outros suprimentos, caso as forças apoiadoras de
Getúlio Vargas encontrassem resistência prolongada e uma guerra civil em larga escala se
iniciasse.
Octávio Ottoni governou Caravelas, Mucuri e Viçosa por cerca de quatro meses, na
qualidade de Interventor Federal. Ottoni se retirou com suas tropas em fevereiro de 1931.
Após a consolidação do golpe e a implantação do novo governo nacional, Aloísio Campos foi
nomeado prefeito de Caravelas. Não encontramos informação sobre Aloísio Campos, mas é

212
O JORNAL (1930), n° 3.672, op. cit., p. 10.
213
OTTONI, Octávio. Telegrama enviado a Juarez Távora. Caravelas-BA, 6 de nov. 1930. FGV-CPDOC,
Arquivo Juarez Távora – Documentação Política e Funcional, 1930.05.00.
214
O JORNAL (1930), n° 3.672, op. cit., p. 10.
82

importante destacar que ele foi nomeado para ocupar o cargo de prefeito de Caravelas, o que
indica que ele era uma pessoa alinhada às novas forças que haviam se assenhorado do
comando do Brasil.
Apesar da regularização da situação política caravelense, não demoraria muito para
que o município voltasse ao centro das atenções dos administradores baianos. Quando
estourou a guerra civil em São Paulo215, em 1932, o governo da Bahia enviou um contingente
de 537 combatentes para lutar ao lado das tropas federais contra as forças paulistas.
Preocupados com as possíveis repercussões que o conflito geraria sobre o estado, o governo
baiano criou contingentes provisórios da força pública para garantir a segurança de
municípios estratégicos. Entre eles, estava Caravelas, mas essas forças não precisaram agir216.
Como se pode observar, a chegada de Getúlio Vargas ao poder impactou fortemente o
Extremo Sul da Bahia – ou, pelo menos, uma parte da região. As agitações políticas
expuseram certas nuanças da política regional e a primeira delas foi justamente a resistência
do prefeito Teobaldo Costa. Aparentemente, sua reação não foi somente um ato legalista, mas
também uma tentativa desesperada da elite caravelense se manter no poder. Sobretudo,
porque durante o processo eleitoral de 1930, a chapa liderada por Getúlio Vargas, a Aliança
Liberal, apresentou um programa de governo que visava empreender uma série de reformas
sociais, econômicas e políticas.
Teobaldo Costa não estava errado em temer as mudanças que poderiam resultar da
chegada de Vargas ao poder. Ele voltou ao poder em Caravelas nas eleições municipais de
1936, reeleito em um processo eleitoral típico daquela época, marcado pela violência. O pleito
resultou nas mortes de duas pessoas, Leonel Almeida e Manoel de Aguiar Liberato de
Matos217. Contudo, de acordo com Carlos Benedito Souza e Sheila Franca Souza, alguns
membros da elite local romperam com Teobaldo, o que permitiu o surgimento de uma
oposição, liderada por Sócrates Ferreira Ramos218.
Embora tenha conseguido se reeleger, Teobaldo Costa não ficou muito tempo no
cargo. Após o golpe do Estado Novo, aplicado em novembro de 1937, ele foi deposto mais
uma vez, após ser “denunciado como comunista”219. Deve-se destacar que o artifício utilizado
por Getúlio Vargas para se manter no poder foi a descoberta de um suposto plano idealizado
pelos comunistas do país para tomar o poder, o chamado “Plano Cohen”. Em 1945, após a

215
O movimento é comumente chamado de Revolução Constitucionalista.
216
Cf. BATISTA (2018), op. cit., p. 181.
217
Acreditamos que este é o mesmo que assinou com Teobaldo a mensagem enviada a Octávio Ottoni (citada
anteriormente), quando as forças mineiras assumiram o controle da cidade, em outubro de 1930.
218
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 79.
219
Idem, idem.
83

deposição de Vargas, o general Góis Monteiro denunciou a falsidade do plano. Foi então que
se descobriu que ele havia sido escrito pelo capitão Olímpio Mourão Filho, que à época, 1937,
era chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB).
A Intentona de 1935, por meio da qual a Aliança Nacional Libertadora tentou tomar o
poder no país, havia deixado uma marca na sociedade brasileira que foi habilmente trabalhada
por Getúlio Vargas e os ideólogos de seu governo. O medo criado e difundido pelos agentes
governamentais criou um contexto favorável para que manobras como a supostamente
pretendida pelo Plano Cohen fosse digna de crédito. No contexto do golpe do Estado Novo,
ser classificado como comunista seria suficiente para respaldar perseguições políticas.
Esse parece ter sido o caso de Teobaldo Costa. Ele foi preso e enviado para Ilhéus,
mas logo recuperou a liberdade, o que pode indicar que sua deposição foi mesmo uma
manobra orquestrada por seus opositores políticos. Contudo, apesar de libertado, Teobaldo
não pôde retornar ao cargo. Voltou a Caravelas, permanecendo pouco tempo na cidade e
depois se retirou com a família para o Rio de Janeiro, onde faleceu no dia 10 de junho de
1946. Sócrates Ferreira Ramos, que como visto anteriormente havia liderado a oposição a
Teobaldo, ocupou o cargo de prefeito de Caravelas. O caso de Teobaldo indica como os
grupos locais souberam explorar o contexto gerado pelo movimento de 1930 e pelo Estado
Novo, em 1937.
A posse de Sócrates Ramos foi anunciada em uma nota publicada na revista Nação
Brasileira. A nota foi acompanhada por duas fotografias:

Imagem 4: O prefeito de Caravelas e a comemoração de sua posse

Fonte: NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVI, n° 182, Rio de Janeiro, out. 1938, p. 4.
84

À esquerda, o prefeito Sócrates Ramos. Na revista, abaixo da imagem do mandatário


está escrito: “O operoso e acatado Prefeito de Caravelas, no Sul da Estado da Bahia, dr.
Sócrates Ferreira Ramos, sob cuja ação e boa vontade aquele importante município muito tem
prosperado”220. Os termos “operoso” e “boa vontade” são particularmente interessantes. Eles
indicam que o novo chefe do Executivo municipal não só era trabalhador, como tinha
disposição para agir e isso estaria levando à prosperidade do município que ele governava.
Outras edições da Nação Brasil, como se verá adiante, apresentaram algumas das ações e
projetos de Sócrates Ferreira Ramos.
A imagem da direita mostra as pessoas que se reuniram na frente da casa do prefeito
para comemorar a sua ascensão ao poder municipal. Conforme a legenda que está abaixo da
fotografia, na revista, aponta que o público era constituído por estudantes, autoridades
públicas e senhoras da sociedade caravelense. Os estudantes, ou mais precisamente a
instrução escolar, esteve no centro das atenções dos prefeitos da região que chegaram ao
poder ao longo das décadas de 1930 e 1940. Os estudantes e as escolas foram sempre
destacados em cerimônias públicas ou nas matérias da Nação Brasileira sobre as ações dos
mandatários dos municípios do Extremo Sul da Bahia.
O contexto gerado pela chegada de Getúlio Vargas ao poder também mexeu com a
política em Alcobaça. Mas diferentemente do que aconteceu em Caravelas, os políticos
alcobacenses conseguiram assegurar sua continuidade no poder. Quando o golpe de outubro
de 1930 logrou vitória, Alcobaça era governada por Antônio Garcia de Medeiros Júnior, um
latifundiário local. Ele foi convidado pelo novo governante da Bahia, Leopoldo do Amaral, a
continuar no cargo, o que pode indicar que os políticos alcobacenses foram favoráveis ao
golpe aplicado pelas forças de Getúlio, ou que, pelo menos, aguardaram para ver os seus
resultados, aguardando para se alinhar ao lado vencedor.
Ao mesmo tempo, mostra que apesar da ideia de promover reformas sociais e
políticas, Vargas e seus aliados promoveram alianças com as oligarquias locais, o que pode
ser visto como uma estratégia de consolidação do novo grupo no poder. Sobretudo, porque
essas elites eram responsáveis por setores da produção econômica e, dentro de um regime
capitalista, sem o apoio das elites econômicas é difícil para um grupo se manter no poder.
Exemplos recentes como o do impeachment de Dilma Rousseff ilustram bem essa situação.
Além disso, a economia do Brasil na época dependia dos setores agrários – e, como
visto anteriormente, o mesmo pode ser dito sobre o Extremo Sul da Bahia. De forma especial,

220
NAÇÃO BRASILEIRA (1938), n° 182, op. cit., p. 4.
85

produtos como o café e o cacau ocupavam lugar central nas exportações brasileiras. Conforme
destacou Nélson Jahr, uma das características da política econômica do governo de Getúlio
Vargas visava, sobretudo, proteger a cafeicultura e incentivar a diversificação agrícola221.
Como demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, cacau e café também eram os carros-
chefes da economia regional. Nesse sentido, não dava para anular completamente as elites
latifundiárias, mas convertê-las a um novo programa de governo.
Entretanto, apesar da demonstração de interesse de aproximação por parte do novo
governo baiano, Garcia Júnior recusou a nomeação, alegando problemas de saúde. Entretanto,
ele indicou um sucessor, Heitor Moniz de Oliveira, que foi prontamente aceito pelo
interventor estadual222. A manobra de Antônio Garcia de Medeiros Júnior mudou o
administrador, mas não o grupo que estava no poder em Alcobaça. Aliás, em janeiro de 1931,
ele escreveu uma carta ao filho, Joaquim da Rocha Medeiros, na qual dizia:

(...) a revolução não tem bolido [sic] conosco, embora os esforços de alguns
descontentes e adversários; os Otoni de Teófilo Otoni são os que tomaram a
direção política de Caravelas e disseram logo que com Alcobaça ninguém
bolia [sic] e que eu resolvesse tudo como d’antes”223.

A fala, embora deixe claro que a chegada de Getúlio Vargas ao poder não causasse
mudanças políticas em Alcobaça, também sugere que os políticos locais não formavam um
grupo coeso. Ela também sugere que parte da elite alcobacense tinha ligações com grupos de
fora da Bahia. Entretanto, talvez os outros municípios do Extremo Sul da Bahia não gozassem
da mesma estabilidade experimentada em Alcobaça.
Em Porto Seguro, conforme descreveu Eliana Batista, os representantes políticos
municipais enviaram uma carta ao interventor Leopoldo do Amaral, em dezembro de 1930,
solicitando a conservação de suas autoridades judiciárias224. Infelizmente, não sabemos se
essa preocupação se derivou de um não apoio às forças golpistas ou se era apenas o receio de
que ocorressem mudanças na direção do município. Não conseguimos descobrir se ocorreram
ou não mudanças político-administrativas em Porto Seguro.
O município que mais parece ter sofrido as consequências daquele novo contexto
político foi Viçosa. Por meio do decreto estadual n° 7.191, de 13 de janeiro de 1931225, o
município de Viçosa foi extinto e seu território anexado ao de Mucuri. Aliás, esse mesmo

221
GARCIA (1999), op. cit., p. 122.
222
BATISTA (2018), op. cit., p. 104.
223
SAID (2010), op. cit., p. 99.
224
BATISTA (2018), op. cit. p. 107.
225
Sobre o decreto, ver: https://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 1 de fev. 2021.
86

decreto alterou o nome do município de São José para Mucuri. Não encontramos nenhuma
justificativa para a alteração toponímica, mas simbolicamente ela fez passar a impressão de
que esse município baiano seria uma extensão natural do Vale do Mucuri que, como já vimos,
é uma região mineira que faz fronteira com o Extremo Sul da Bahia.
Não sabemos se de alguma forma essa alteração foi influenciada por políticos
mineiros, mas é possível que a manobra fizesse parte das pretensões territoriais de Minas
Gerais, que desde a segunda metade do século XIX buscava uma saída para o mar. Em 1910,
o estado chegou a comprar as terras que pertenciam à E.F.B.M. que estavam hipotecadas ao
Banco de Crédito Real do Brasil, desde a década de 1890. Com a compra o governo mineiro
adquiriu uma porção de terras na Bahia que se estendia entre os municípios de Serra dos
Aimorés (MG) e Caravelas, passando por Mucuri e Viçosa. Porém, as terras nunca foram
ocupadas e, mesmo após o início de um litígio, em 1949, elas continuaram sob a jurisdição da
Bahia.
Tão difícil quanto compreender a alteração do nome de Porto Alegre para Mucuri é a
extinção do município de Viçosa. Quando suprimido, esse município possuía uma das
maiores populações da região, com 11.157 habitantes226. Esse número de pessoas era menor
apenas que os de Belmonte, Caravelas e Prado. Os municípios de Santa Cruz Cabrália, Porto
Seguro e Alcobaça possuíam populações menores, mas não foram dissolvidos. Isso pode
significar que o evento não foi motivado por questões relacionadas ao tamanho das
populações dos municípios da região.
Curioso, ainda, é o fato de a extinção de Viçosa ter ocorrido enquanto Octávio Ottoni
e suas tropas ainda ocupavam o Extremo Sul da Bahia. Deve-se destacar que, além de
Caravelas, Ottoni também governou Mucuri e Viçosa. Isso reforça a ideia de que a mudança
do nome de Porto Alegre e mesmo a dissolução de Viçosa pode ter sido uma decisão tomada
por influência de interesses mineiros na região. É preciso relembrar que Mucuri e Viçosa
também possuíam estações dessa ferrovia. Nesse sentido, talvez uma das vantagens que
comerciantes de Minas Gerais poderiam ganhar com essas medidas seria a redução de tributos
pagos durante o escoamento das madeiras e outros produtos que exportavam via E.F.B.M.,
tendo em vista a diminuição do número de municípios sobre os quais a ferrovia se estendia.
Em 1943, Viçosa, então um distrito de Mucuri, teve seu nome alterado para Marobá.
Assim permaneceu até 1962, quando voltou novamente à condição de município. Após a
restauração, seu nome passou a ser Nova Viçosa, como permanece até os dias atuais.

226
BAHIA (1934), op. cit., p. 173-186.
87

Foi a extinção do município de Viçosa e alteração no nome de Porto Alegre que deu
ao Extremo Sul da Bahia a configuração que apresentamos neste trabalho. Mas as mudanças
não pararam com esses casos. Poucos meses depois, por meio do decreto estadual n° 7.479, de
8 de julho de 1931, o interventor federal nomeado para a Bahia, Artur Neiva, realizou uma
ampla reforma administrativa no estado. O decreto alterou a base populacional para a criação
de municípios de 15 para 20 mil pessoas. O número de municípios da Bahia passou de 155
para 122.
De acordo com os termos da normativa, o Extremo Sul da Bahia deveria passar por
uma grande reestruturação, pois apenas Belmonte e Mucuri estavam dentro dos limites
estabelecidos pela reforma.

Quadro 7: População dos municípios do Extremo Sul da Bahia em 1931


Município Número de Habitantes
Belmonte 26.396
Santa Cruz Cabrália 4.332
Porto Seguro 8.500
Prado 15.334
Alcobaça 10.806
Caravelas 13.350
Mucuri 21.624
Total 100.342
Fonte: BAHIA. Anuário Estatístico (1931-1932). Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do
Estado, 1934, p. 173-186.

Pelo menos mais três municípios da região deveriam ser suprimidos para se adequar
ao decreto de Artur Neiva. Talvez a solução mais simples fosse fundir Santa Cruz Cabrália e
Porto Seguro e Alcobaça e Caravelas. Mas isso levaria a duas questões que deveriam ser
consideradas: o tamanho dos territórios municipais resultantes das uniões e os problemas de
ordem política e mesmo social que as fusões causariam.
A primeira contração resultaria em um município com uma área aproximada de 14.501
km2, com uma população de 28.166 habitantes. A segunda, um município com
aproximadamente 8.527 km2, com 24.156 habitantes. Seriam municípios com áreas territoriais
muito grandes e extensas, o que poderia ampliar as dificuldades administrativas relacionadas à
interligação dos distritos e demais povoados à sede municipal, além das coletas de impostos e
88

escoamento da produção econômica. Outra questão importante a ser considerada era a


possível reação das elites políticas e econômicas dessas localidades.
No início dos anos 1930, o domínio dos proprietários de terras, tal como em muitas
partes do Brasil, ainda parecia ser muito forte no Extremo Sul da Bahia. O domínio político e
econômico das elites agrárias nas primeiras décadas da República brasileira, que se
estabelecia por meio de relações clientelares, é denominado por muitos autores como
“coronelismo”. Até mesmo alguns prefeitos da região eram chamados de “coronéis”, com se
verá adiante.
Adotamos aqui o conceito de coronelismo estabelecido por Eul-Soo Pang:

(...) um exercício do poder monopolizante por um coronel cuja legitimidade


e aceitação se baseiam em seu status, de senhor absoluto, e nele se
fortalecem, como elemento dominante nas instituições sociais, econômicas e
políticas”227.

Ainda conforme Pang, “o município era o baluarte político-administrativo de um


coronel”228. Nesse sentido, a extinção ou fusão de municípios da região poderia resultar em
uma grande resistência das elites latifundiárias locais. Isso, porque possivelmente eles
perderiam parte do seu capital político e dos privilégios sociais que detinham, além do fato de
terem que competir com as elites de outras municipalidades da região.
Assim sendo, uma reforma como essa seria uma decisão difícil de ser tomada, de
modo especial naquele momento em que tanto o novo governo nacional quanto o estadual
precisavam se consolidar. Especialmente esse último, tendo vista que os interventores nem
sempre eram aceitos facilmente nos estados. Até a guerra civil paulista, mencionada
anteriormente, foi motivada pela nomeação de interventores para governar o estado de São
Paulo.
Artur Neiva era um médico de formação que havia feito carreira como sanitarista. Ele
havia saltado da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo, cargo que exerceu por pouco
tempo, para o governo da Bahia, em fevereiro de 1931. De acordo com Eliana Batista, a sua
escolha ocorreu após uma disputa entre políticos influentes do estado e seu nome agradava
tanto aos revolucionários quanto aos democratas baianos229.
Contudo, essa aceitação não durou muito tempo. Neiva assumiu o cargo tendo que se
equilibrar entre as duas facções, mas não conseguiu lidar bem com elas, tampouco com as

227
PANG (1979), op. cit., p. 20.
228
Idem, p. 31.
229
BATISTA (2018), op. cit., p. 117.
89

críticas feitas pela imprensa baiana ao seu governo. Em meio a isso, ele ainda teve que lidar
com uma profunda crise econômica e social pela qual atravessava o estado. Foi justamente em
meio a todo esse contexto que ele elaborou seu projeto de reforma administrativa230.
Talvez, devido às questões que apontamos anteriormente, a reforma administrativa não
atingiu todos os municípios do Extremo Sul da Bahia. Apenas destaque para a dissolvição do
município de Santa Cruz Cabrália, cuja área territorial foi anexada à de Porto Seguro.
De acordo com Eliana Batista, para reorganizar os municípios do estado, o governo de
Neiva elaborou um estudo minucioso de todos as municipalidades baianas, preenchendo
fichas cadastrais que registravam:

(...) as suas possibilidades econômicas, situação geográfica, acidentes


naturais, rios, serras, lagos, recursos, solo, exportação, rendas, feiras, giro
comercial, monumentos comemorativos, altitude, longitude, declinação, área
de floresta, área de caatinga, cerrado, cachoeiras, seu aproveitamento e força,
estradas, pontes e patrimônio de cada circunscrição231.

Conforme foi possível observar no Quadro 7, Santa Cruz Cabrália era o município
menos populoso da região, mas suas características econômicas e mesmo geográficas não
eram muito diferentes das dos demais do Extremo Sul da Bahia. A decisão sobre sua
dissolução deve ter sido tomada em consideração, além do número de habitantes, ao montante
de sua produção e exportação de mercadorias. Infelizmente, não conseguimos fontes a
respeito desse processo e não sabemos como a notícia foi recebida localmente.
Contudo, Eliana Batista aponta que houve manifestações nas ruas de diversos
municípios suprimidos ou anexados no interior da Bahia, além do fechamento de diversos
comércios232. Talvez, em Santa Cruz Cabrália não tenha sido diferente. Eul-Soo Pang
mencionou que os municípios mais afetados pela reforma enviaram apelos diretamente ao
governo federal, tentando impedir a reforma administrativa de Artur Neiva, antes mesmo que
ela tivesse sido decretada233. Entre a lista de telegramas enviados à presidência está um de
Santa Cruz Cabrália, remetido no dia 29 de junho de 1931.
Infelizmente, não conseguimos acesso ao conteúdo do telegrama. Entretanto, ele é um
indício de que as elites políticas e econômicas cabralienses se opuseram à extinção do
município e se mobilizaram contra. Não tardou para que essa articulação rendesse resultados.

230
BATISTA (2018), op. cit., p. 119-120.
231
Idem, p. 121.
232
Idem, idem.
233
PANG (1979), op. cit., p. 222.
90

Por meio do decreto estadual nº 8.594, de 4 de agosto de 1933, o município de Santa Cruz
Cabrália foi restaurado234.
Ainda conforme Eliana Batista, a reforma administrativa levou o governo de Artur
Neiva a uma crise insustentável235. Os próprios militares baianos que apoiaram a chegada de
Getúlio Vargas ao poder se opuseram a Neiva. Sem apoio das elites políticas e econômicas
locais, nem dos próprios militares que apoiavam o governo federal, e sob forte crítica da
imprensa baiana, Artur Neiva não conseguia governar. Como agravante, o interventor
tencionava concentrar as exportações de cacau via porto de Salvador. Isso impediria que a
venda do produto fosse feita no porto de Ilhéus, o que levou a uma grande resistência dos
produtores do sul do estado. Pressionado por uma ameaça de levante militar, Arthur Neiva
deixou o cargo de interventor da Bahia no dia 15 de agosto de 1931236.
Possivelmente, foi a saída de Neiva que abriu margens para que as elites dos
municípios suprimidos ou anexados a outros conseguissem se articular para reverter o quadro.
Em Santa Cruz Cabrália, logo após a restauração, em 1935, Sidrach Carvalho foi nomeado
para assumir o cargo de prefeito. A meta de seu mandato era “reorganizar o
município”237.Para tanto, assim que assumiu o poder solicitou a demarcação da área
municipal do território que governava. Em 1938, a vila de Santa Cruz Cabrália foi elevada à
condição de cidade, encerrando o processo de reorganização e garantindo a autonomia
político-administrativa definitiva do município. Paralelo ao processo de ressurgimento do
município de Santa Cruz Cabrália, uma geração de prefeitos alinhados à política nacional,
conduzida por Getúlio Vargas, chegou ao poder em Belmonte, Porto Seguro, Prado e
Alcobaça.

3.2 Os políticos do Extremo Sul da Bahia e o Estado Novo


As principais fontes que demonstram o alinhamento dos políticos do Extremo Sul da
Bahia ao governo de Getúlio Vargas são as matérias publicadas na Nação Brasileira. Um dos
diretores da revista era Alfredo Horcades, oriundo de uma família de proprietários de terras e
políticos influentes no Extremo Sul da Bahia. Seu pai era Francisco Horcades que, segundo
uma matéria publicada no jornal Correio de Porto Seguro, em agosto de 1913, era “uma das

234
Ver: https://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 1 de fev. 2021.
235
BATISTA (2018), op. cit., p. 120.
236
Sobre os momentos finais do governo de Artur Neiva, ver: BATISTA (2018), op. cit., p. 123.
237
CARVALHO NETO, Sidrach. Santa Cruz Cabrália, cinco séculos de história. Salvador: Secretaria de
Cultura e Turismo, 2004, p. 58.
91

mais poderosas influências políticas do sul do Estado [sic]”238. Aliás, no ano de publicação da
matéria do periódico porto-segurense, Francisco Horcades ocupava o cargo de prefeito de
Prado.
Alfredo Horcades era bacharel em Direito e capitão ajudante de ordens do Estado
Maior de uma das brigadas da Guarda Nacional. Dedicou-se ao jornalismo e, no início dos
anos 1910, foi colaborador do Correio de Porto Seguro. Nas edições que consultamos desse
periódico aparecem várias notas sobre o cotidiano de pessoas da família Horcades, tanto em
Porto Seguro, quanto em Salvador, tais como batismos de crianças, viagens e aniversários.
Além disso, são feitos diversos elogios a pessoas dessa família. O jornal costumava publicar
notas relacionadas a eventos nos quais seus patrocinadores estavam envolvidos. Isso nos
ajuda a compreender as constantes menções à família Horcades. Entretanto, esse não devia ser
o único motivo. Certamente, a direção do Correio de Porto Seguro defendia interesses
políticos comuns aos Horcades.
Entre 1923 e 1958, Alfredo Horcades foi proprietário e um dos diretores da Nação
Brasileira, revista publicada no Rio de Janeiro. Apesar dos 25 anos à frente do periódico, foi
apenas após o golpe do Estado Novo que encontramos certa constância na publicação de
matérias referentes ao Extremo Sul da Bahia na Nação Brasileira. Alfredo parece ter sido um
fervoroso apoiador do regime estado-novista, pelo menos entre 1938 e 1943, período no qual
aparecem as matérias que utilizaremos aqui para falar sobre o alinhamento dos políticos da
região ao Estado Novo. Nesse período, a revista que ele ajudava a dirigir se tornou um grande
veículo de difusão das ideias do regime e, ao mesmo tempo, serviu como um canal que dava
visibilidade ao Extremo Sul da Bahia e a seus políticos.
Aliás, nesse periódico, além das questões políticas da região, também apareciam notas
sobre assuntos relacionados à família Horcades. Também encontramos matérias relacionadas
à família Horcades na revista Beira-Mar, outro periódico do Rio de Janeiro. Aparentemente,
essa família utilizava meios de comunicação impressos para se projetar nos meios sociais do
Extremo Sul da Bahia e do Rio de Janeiro e essa estratégia foi utilizada entre as décadas de
1910 e 1940. Após 1946 não mais encontramos matérias relacionadas à região e aos Horcades
na Nação Brasileira.
Uma das primeiras menções à região que encontramos na Nação Brasileira está em
sua edição de outubro de 1938 – a periodicidade da revista era mensal. Nela, foi publicada

238
CORREIO DE PORTO SEGURO, ano II, n° 73, Porto Seguro, 15 de ago. de 1913, p. 5.
92

uma matéria interessante sobre um evento ocorrido na cidade de Prado: a inauguração solene
de um retrato do presidente Getúlio Vargas. Conforme a matéria:

No dia 7 de setembro último, o Prefeito de Prado, sr. Rosalvo Garcia


Guerra, no Sul da Bahia, fez inaugurar solenemente no salão nobre da
Prefeitura o retrato do Presidente Getúlio Vargas, estando presente ao ato,
além do Prefeito, todas as autoridades e pessoas de destaque no Município.
Foi uma festa de grande repercussão, que terminou pela madrugada,
com um baile brilhantíssimo239.

Após essa breve introdução, a ata da cerimônia foi transcrita na matéria. Nela é
possível observar que as “pessoas de destaque” eram as autoridades públicas (prefeito, pretor,
promotor e secretário da prefeitura), além do vigário da freguesia e as professoras e alunos
das escolas da cidade. Trechos de discursos proferidos durante a cerimônia exaltavam a figura
do presidente Getúlio Vargas, por meio de expressões como: “guia dos destinos nacionais, o
presidente que vê, o paladino que observa”; “Grande chefe”; “És o veículo de todos os nossos
pensamentos salutares, sombra e agasalho do Brasil Novo”240.
De acordo com Rogério Luiz Souza, a ditadura do Estado Novo promoveu uma
domesticação dos sentidos por meio da construção de uma arquitetura sensitiva. Esta visava
tornar os sujeitos consumidores e reprodutores de uma representação de mundo e crença
uniforme em relação à identidade nacional brasileira241. Quadros, retratos, painéis, placas,
bustos, estátuas foram essenciais nesse processo. Isso porque eles forneciam um sinal visual
cheio de significações, por meio dos quais se transmitia a força arregimentadora do Estado
Novo242.
Uma estratégia muito importante no âmbito dessa domesticação dos sentidos foi a
supervalorização das qualidades atribuídas a Getúlio Vargas. Conforme destacou Nélson Jahr
Garcia, cerimônias como a ocorrida em Prado, visavam caracterizá-lo como “um ser dotado
de qualidades excepcionais”, um líder que “personificava os interesses do povo e os
exprimia”243. Sobretudo o retrato, que objetivava transmitir a noção de “onipresença”,
assegurando, assim, que Getúlio Vargas conhecia a situação de todos, “em todo o país”244.

239
NAÇÃO BRASILEIRA (1938), n° 182, op. cit., p. 1.
240
Idem, p. 4.
241
SOUZA, Rogério Luiz. A arte de disciplinar os sentidos: o uso de retratos e imagens em tempos de
nacionalização (1930-1945). Revista Brasileira de Educação, v. 19, n° 57 abr.-jun. 2014, p. 399-416, p. 404.
242
SOUZA (2014), op. cit., p. 405.
243
GARCIA (1999), op. cit., p. 126-127.
244
Idem, p. 127.
93

Nesse contexto, fotografias oficiais do presidente foram fixadas em oficinas, fábricas, escolas,
bares, repartições públicas, além de serem impressas em livros, revistas e jornais245.
Além disso, ainda conforme Rogério de Souza, durante o Estado Novo, os ritos
públicos de caráter geralmente cívico-religioso inventaram e fabricaram imagens que
referenciavam uma ética uniforme, que teria validade tanto nos espaços públicos quanto nos
privados246. Essa ética se pautava em um sentimento pretensamente único de brasilidade, em
vista de uma nacionalidade que fizesse frente à heterogeneidade étnica, ao regionalismo
político e à falta de uma unidade econômico-cultural247. A esse respeito, um dos oradores da
cerimônia bradou:

Precisamos, mais do que nunca, de quem pregue pela palavra unidade


nacional! Precisamos de quem desperte, em nossos sentidos, o nosso amor
próprio! Essa beleza sem par que nos rodeia! Precisamos da união de todos
os brasileiros e de todas as vozes! Repetindo sempre: “O Brasil é Nosso!!...
É nosso porque o próprio Deus, deslumbrado no orgulho de sua criação,
marcou o roteiro com as faíscas celestes de uma cruz de estrelas! Amai o
nosso Brasil, nação rica, ingênua pela bondade, farta pela graça Divina!
Cada um dos seus filhos deve ser um soldado vigilante de sua grandeza248.

Interessante observar que as duas primeiras orações apresentam a ideia de que a


sociedade brasileira precisa de alguém que a lidere. Os brasileiros não teriam a capacidade de
agir por si ou mesmo de sentir amor próprio. Nesse sentido, a responsabilidade pela
manutenção da união nacional e de condução da sociedade é atribuída a um líder. Nesse ponto
deve-se destacar que se trata de um líder, não de uma classe de dirigentes. É uma construção
ideológica que beira o messianismo.
Importante observar, também, que no discurso o Brasil aparece não como fruto de uma
construção histórica, mas como uma graça divina. Mais uma vez, se afasta a noção de que as
pessoas são responsáveis pela construção da sociedade na qual vivem. Também foi feito um
aceno aos grupos conservadores da sociedade brasileira, por meio de uma referência ao
cristianismo, expresso na alusão à constelação do Cruzeiro do Sul. Outro aspecto importante
do discurso é a ideia de que o Brasil é um país rico, mas que precisa ser defendido numa
missão que deve ser cumprida por cada um dos brasileiros.
O autor do discurso foi Miguel Lefundes Deiró, descrito na Nação Brasileira como
“coronel”, termo que possivelmente indique que ele era um latifundiário e “industrial” que

245
GARCIA (1999), op. cit., p. 128.
246
SOUZA (2014), op. cit., p. 405.
247
Idem, p. 406.
248
NAÇÃO BRASILEIRA (1938), n° 182, op. cit., p. 4.
94

“há doze anos tem dado esforço, fé, abnegação e patriotismo”249. Encontramos um decreto
presidencial, outorgado no dia 15 de junho de 1938, que renovava a Deiró a concessão do
direito de exploração das areias monazíticas em duas faixas de praia no município de
Prado250. O decreto estava renovando uma concessão feita em 1936. A concessão foi renovada
em 1940251.
Além disso, encontramos despachos do ministro do Departamento Nacional da
Produção Mineral, com averbações sobre requerimentos feitos por Miguel Deiró, em 1947 e
1958. Infelizmente, as averbações não discorrem sobre os conteúdos dos requerimentos, mas
talvez elas indiquem que o direito de exploração das areias monazíticas em trechos de praias
em Prado concedido a Deiró também tenham sido renovadas nos anos mencionados. Essas
concessões nos ajudam a compreender o teor nacionalista de seu discurso, cujo trecho
apresentamos anteriormente, de forma especial, a ênfase dada às riquezas naturais do Brasil.
A descrição de Miguel Deiró na Nação Brasileira e seu discurso na inauguração do retrato de
Getúlio Vargas na prefeitura de Prado parece reforçar o que dissemos anteriormente, sobre a
manutenção do poder das elites do Extremo Sul da Bahia.
Em novembro de 1938, o primeiro aniversário da instalação da ditadura do Estado
Novo também foi celebrado em Prado. Mais uma vez, a Nação Brasileira noticiou o evento.
Conforme a matéria:

O prefeito do Município, capitão Rosalvo Garcia Guerra, entusiasta


fervoroso da obra benemérita do Presidente Getúlio Vargas e espírito que
tem sido naquele pedaço do território baiano um esteio decisivo dos ideais
do Estado Novo, festejou condignamente o dia 10 de Novembro com
vibrantes demonstrações cívicas.
A Prefeitura amanheceu engalanada e foi imponente a prova de
simpatia que Prado deu pela passagem da data maior do Estado Novo, que é
também a da marcha vitoriosa para o Oeste anunciada pelo grande
Presidente Vargas.
Às solenidades compareceram autoridades, as escolas formadas com
as professoras à frente, a filarmônica de Prado e o povo em geral que se unia
vitoriando as autoridades do País, o Interventor Landulfo Alves e o Estado
Novo.
Da sacada da Prefeitura falaram, enaltecendo a ação do Presidente
Vargas, do interventor Landulfo Alves e a grandeza do Brasil, o dr. Benedito
Cavalcante, médico da saúde pública; dr. Antônio Ferreira, delegado de
terras, além dos senhores Miguel Deiró, Ananias Gomes, José Calazans e
Albino Castro, que agradeceu aos distintos oradores os elogios tecidos às
autoridades do País e o comparecimento de todos àquela solenidade.

249
NAÇÃO BRASILEIRA (1938), n° 182, op. cit., p. 4.
250
DECRETO n° 2.760, de 15 de 15 de junho de 1938. Diário Oficial da União, 22 de jun. 1938, p. 12.435.
251
DECRETO nº 5.384, de 27 de março de 1940.Diário Oficial da União, seção 1, 3 de abr. 1940, p. 5.653.
95

Foi uma festa de cordialidade cívica e de grande expressão de vida e


progresso em que o Município de Prado, sob a orientação competente do
Prefeito Rosalvo Guerra se afirmou um dos mais sinceros no cumprimento
da nova política do Brasil252.

Interessante observar como o autor do texto, que não foi indicado, mas possivelmente
se tratasse de Alfredo Horcades, destacou, já no início, o suposto apreço que o prefeito de
Prado nutria pelo presidente Getúlio Vargas. Esse tipo de construção retórica reforça a ideia
de que Vargas era um modelo a ser seguido, sobretudo, pelos representantes do Poder
Executivo de todo o país. A afirmação de que Rosalvo Garcia Guerra era um “esteio decisivo
dos ideais do Estado Novo” parecia visar demonstrar seu comprometimento com o regime. E
não só dele, mas de toda a sociedade pradense, que teria dado uma “prova de simpatia” pelo
regime ao preparar a prefeitura para a comemoração do primeiro aniversário do Estado Novo.
Deve-se destacar, também, a ênfase dada no texto ao Poder Executivo e a forma
hierárquica com a qual eles são mencionados. De acordo com Nélson Jahr Garcia, a criação
do Estado Novo levou ao fortalecimento do Executivo, o que resultou na reformulação da
relação entre o Estado e a sociedade civil. A nova relação entre esses dois passou a ser
pautada em uma rígida hierarquia253. Essa hierarquia foi sempre reafirmada nas
comemorações citadas (a inauguração do retrato e a celebração do aniversário do regime), por
meio da reiterada menção aos três representantes do Executivo (presidente, interventor e
prefeito).
Além disso, deve-se notar que nas comemorações a sociedade civil, representada
especialmente pelos alunos das escolas e professores, na maior parte das vezes aparece como
coadjuvante, escutando os discursos das figuras políticas. Isso passava a impressão de que o
papel de liderança na nova relação entre Estado e sociedade cabia exclusivamente à classe
política. Essa configuração acabava por reafirmar a hierarquização imposta pelo regime.
Além de Prado, outro município que comemorou o aniversário do primeiro ano do
Estrado Novo foi Porto Seguro. Assim como ocorrido em Prado, a ata da sessão solene da
comemoração destacou a presença das autoridades municipais, especialmente o prefeito e o
pretor, e elementos da sociedade civil, como as professoras e estudantes das escolas da cidade.
Durante a cerimônia, o orador Perpedigno Ricaldi disse:

O Estado Novo foi uma sábia medida adotada pelo Chefe da Nação, afim de
terminar divergências políticas existentes no país (...), o dr. Getúlio Vargas é

252
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVI, n° 184, Rio de Janeiro, dez. 1938, p. 3.
253
GARCIA (1999), op. cit., p. 62.
96

um lutador incansável, pois muito tem feito durante o tempo que dirige os
destinos da Nação, aumentando não só as nossas forças armadas, como
também a situação financeira do País254.

Nesse discurso, assim como os proferidos em Prado, Getúlio Vargas aparece


representado como a força capaz de organizar o Brasil, resolvendo as divergências políticas e
os problemas econômicos do país. Em fala proferida na mesma ocasião, o prefeito de Porto
Seguro, Carlos Martins de Oliveira, pode-se observar teor semelhante. Segundo o mandatário,
o Estado Novo era:

(...) uma prova de patriotismo do nobre Chefe da Nação, dr. Getúlio Vargas,
no sentido de evitar o choque de diversos partidos políticos que se erguiam
no País, apresentando cada um deles o seu candidato à Presidência da
República, e o dr. Getúlio Vargas, com a sua larga visão evitou por esse
meio que o solo da nossa querida Pátria fosse manchado com o sangue dos
seus estremecidos filhos numa luta inglória255.

Note-se que no discurso de Carlos Martins, Getúlio Vargas não aparece apenas como
um líder patriótico, mas como a força que foi capaz de salvar o Brasil de um conflito que,
segundo o prefeito, poderia ocorrer devido à existência de diversos candidatos à presidência
da República. A existência de diferentes partidos políticos é, atualmente, um indicativo da
existência liberdade de pensamento em um país, algo típico de regimes democráticos. Mas o
Brasil do período do Estado Novo era uma ditadura e, nesse sentido, o que poderia ser
símbolo da liberdade e diversidade de pensamento político passa a ser visto como uma
ameaça à sociedade. O discurso de Carlos Martins pode ser inserido dentro de uma das
estratégias do regime estado-novista que tinha a intenção de substituir os conflitos entre forças
independentes e impor uma organização que visava o “bem comum”256.
De acordo com Lúcia Lippi Oliveira, para o desenvolvimento desse bem comum, foi
proposta a criação de uma consciência cívica que encarnaria no Estado a vontade nacional e
promoveria a sincronização entre os interesses individuais e coletivos257. Dito de outra forma,
promoveria a organização corporativa da sociedade. Ainda conforme Lúcia Oliveira, ao
defender a vontade nacional, descrita como bem do povo, em detrimento dos interesses dos
indivíduos e de grupos, o novo regime político brasileiro se demonstrava como

254
ATA DA SESSÃO SOLENE PARA COMEMORAR O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO.
Livro se sessões extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 10 de nov. 1938, f. 42.
255
Idem, f. 42-43.
256
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Autoridade e política: o Pensamento de Azevedo Amaral. In: - Lúcia Lippi Oliveira.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982, p. 48-70, p. 59.
257
Idem, idem.
97

democrático258. Dessa forma, a democracia não consistia na liberdade de pensamentos


políticos, criticada em sua forma partidária no discurso de Carlos Martins, mas no
estabelecimento dos interesses sociais, tarefa que o Estado, personificado na figura de Getúlio
Vargas, deveria realizar.
Após pronunciar seu discurso, Carlos Martins reafirmou a hierarquia proposta pelo
regime ditatorial, solicitando aos expectadores que se levantassem em respeito ao presidente e
ao interventor federal na Bahia, que à época era Landulfo Alves. Nesse momento, alguns dos
alunos das escolas da cidade entoaram os hinos nacional e da bandeira. Aliás, essa foi a
diferença entre a comemoração ocorrida em Porto Seguro e aquela realizada em Prado.
Interessante observar que, nas duas celebrações do aniversário do Estado Novo, a
citação à presença das professoras e dos estudantes foi destacada. Os prefeitos do Extremo Sul
da Bahia parecem ter dedicado muita atenção à educação. Segundo a edição de março de 1939
da Nação Brasileira, estava nos planos do coronel João Garcia de Azevedo, chefe do
Executivo em Alcobaça, a “criação de mais escolas públicas”259. A mesma matéria indicou a
existência de 4 escolas em Caravelas, além de “9 núcleos de alfabetização estaduais” e “mais
6 municipais”260. Em Prado havia “seis escolas primárias, estando em projeto a criação de
mais uma ou duas em cada distrito”261. Em Belmonte, segundo a edição de outubro de 1939
da Nação Brasileira, havia 22 escolas funcionando262.
De acordo com Rogério Luiz de Souza, a educação escolar estava no centro das
atenções da arquitetura sensitiva do Estado Novo, porque por meio dela se poderia difundir as
ideias e os valores comuns da brasilidade263. Essa pode ter sido a razão que levou os prefeitos
da região a se preocuparem com a instrução escolar em seus municípios. Entretanto, mesmo o
número de escolas tendo aumentado entre as décadas de 1940 e 1950, elas não foram
suficientes para reduzir as taxas de analfabetismo locais, como visto anteriormente.
Em 1939, em Porto Seguro, o segundo aniversário do Estado Novo também foi
comemorado mais uma vez com a presença das autoridades municipais e dos professores e
alunos das escolas da cidade. Contudo, a celebração não parece ter sido realizada com a
mesma pompa que a anterior. Ou, se teve, não foi descrito pelo escrivão da ata, Perpedigno
Ricaldi. Porém, algo diferente da anterior aconteceu nessa segunda comemoração do
aniversário do Estado Novo em Porto Seguro: um dos oradores foi o professor Artur Pereira

258
OLIVEIRA (1982), op. cit., p. 60.
259
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 187, op. cit., p. 5.
260
Idem, p. 2.
261
Idem, p. 4.
262
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVII, n° 194, Rio de Janeiro, out. 1939, p. 32.
263
SOUZA (2014), op. cit., p. 413.
98

da Silva. Segundo o mestre, o regime teria proporcionado benefícios a Porto Seguro, mas
esses benefícios, caso Artur da Silva os tenha destacado, não foram descritos na ata do
evento264.
A partir de 1940, no Extremo Sul da Bahia, as comemorações do aniversário do
Estado Novo foram substituídas pelo aniversário do próprio Getúlio Vargas. Em Porto
Seguro, existem registros da comemoração do aniversário de Vargas em 1940 e 1941. Na
última, o advogado Aventino Dutra afirmou: “com o golpe de dez de novembro o Dr. Getúlio
Vargas tinha conseguido salvar o Brasil de uma revolução que já se esboçava entre os
membros extremistas da esquerda e da direita”265.
O fato de que Aventino Dutra era advogado torna significativa a utilização dos termos
“golpe” e “revolução”. Embora tenha reconhecido que a manobra de Vargas havia sido um
golpe e, uma interrupção da legalidade, ele também o classificou como uma revolução. Nos
parece que o termo revolução aparece como uma justificativa para a interrupção da
legalidade. Como destacou Nélson Jahr Garcia, “o argumento de que o regime anterior estava
conduzindo à desagregação, ameaçando a unidade da pátria e colocando o país sob a
iminência de uma guerra civil, constituía a base justificadora da necessidade de união”266.
Essa parece ser a ideia por trás das falas de Aventino Dutra, bem como de Perpedigno Ricaldi,
citada anteriormente.
Além disso, suas falas também apresentam a ideia de que a diversidade de
pensamentos políticos era um risco à sociedade brasileira, semelhante ao teor dos discursos
apresentados anteriormente. No discurso de Aventino também se repete a ideia de que Getúlio
foi capaz de salvar o país da ameaça que, segundo o orador, era representada por grupos da
esquerda e da direita. Ao mesmo tempo, sua fala pode ser compreendida como uma alusão às
intentonas Comunista (1935) e Integralista (1938). Nesse sentido, Vargas é apresentado como
uma figura moderada e, talvez, isento de pulsões ideológicas. Curiosamente, o termo
“revolução” também é utilizado para se referir aos supostos projetos dos grupos de esquerda e
direita. Isso indica que nas palavras do advogado, aparentemente, o termo indica qualquer
tomada de poder, independentemente do grupo que promova o levante.
Também encontramos registros da comemoração do aniversário de Getúlio Vargas em
Belmonte, nos anos de 1942 e 1943, publicados no Boletim Oficial Município de Belmonte. O

264
ATA DA SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO SEGUNDO ANIVERSÁRIO DO ESTADO
NOVO. Livro de sessões extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 10 de nov. 1939, f. 44.
265
ATA DA SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DO SR.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. GETÚLIO VARGAS. Livro de sessões extraordinárias do Conselho
Municipal de Porto Seguro, 19 de abr. 1941, f. 56.
266
GARCIA (1999), op. cit., p. .120.
99

primeiro deles escreve: “Getúlio Vargas, hoje aniversariante, é um nome que, antes de
traduzir valor pessoal, expressão intelectual, significa acima de tudo, o desejo, a aspiração, a
necessidade, a realização e a confiança de um povo. Esse povo é o Brasil” 267. Com relação ao
registro de 1943, encontramos duas notas sobre o aniversário de Vargas. A primeira, além dos
repetidos reforços das características atribuídas a Getúlio, deu destaque à repercussão do
aniversário do presidente em jornais ingleses, o que segundo a nota era uma consequência da
“alta visão e dinamismo sábio e patriótico de Getúlio Vargas”268. A segunda afirmou que
nome de Vargas simbolizava para os brasileiros “amor, desvelo e abnegação”269.
Todas as notas do Boletim Oficial de Belmonte foram acompanhadas de fotografias de
Vargas:

Imagem 5: fotografias de Getúlio Vargas no Boletim Oficial de Belmonte

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 227, Belmonte, 18 de abr. 1942; idem,
ano 18, nº 279, Belmonte, 10 de abr. 1943; idem, ano 18, nº 281, Belmonte, 24 de abr. 1943.

As imagens da esquerda e da direita foram publicadas em matérias que tratavam


especificamente do aniversário do presidente. Elas tomaram a maior parte do espaço da
primeira página do Boletim Oficial de Belmonte. Em ambas, está nítida a faixa presidencial, o
símbolo do poder presidencial, instituída em 1910, pelo então presidente Hermes da Fonseca.
A imagem do meio, por sua vez, embora também estivesse em uma primeira página, não
ocupava muito espaço. Além disso, está com perfil invertido, se comparada às outras duas, o
que torna difícil perceber se Getúlio Vargas está usando a faixa presencial.
267
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 227, Belmonte, 18 de abr. 1942.
268
Idem, nº 279, op. cit.
269
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 281, Belmonte, 24 de abr. 1943.
100

Nas três fotografias, possivelmente enviadas pela Agência Nacional, Getúlio Vargas
aparece de forma séria, impassível. O olhar altivo e penetrante leva o expectador a focar
diretamente no rosto do presidente. Isso certamente contribuía para que as pessoas
memorizassem suas feições e criassem, com o tempo, uma sensação de familiaridade.
Não sabemos se cerimônias como as ocorridas em Prado e Porto Seguro se repetiram
nos outros municípios da região. Entretanto, é razoável presumir que sim. Também não
sabemos se os aniversários de Vargas eram comemorados nos outros municípios do Extremo
Sul da Bahia, mas também é possível que sim.
Na edição de março de 1939 da Nação Brasileira, Alfredo Horcades, em um texto
intitulado “O Estado Novo e o Ressurgimento do Sul Baiano”, no qual falava de sua visita à
região, afirmou que nela se podia ver uma “tendência indisfarçável para o progresso”270.
Alfredo afirmou que a região foi “vítima da República Velha” e que a “indiferença dos
magnatas da velha República” continuava “como um pesadelo nos primeiros tempos da
República Nova”271. Como apontou Nélson Jahr Garcia, expressões como as usadas por
Horcades visavam passar a impressão de que a situação anterior fora superada por uma
mudança radical, de que um corte histórico havia acontecido272.
Segundo Alfredo Horcades, o período anterior à chegada de Vargas representava “a
falência de todos os esforços, a instabilidade moral, o marasmo, a estagnação e a
politicalha”273. Horcades disse que com o advento do Estado Novo “as coisas mudaram de
feição”274. Entretanto, ele alertou que, para que as transformações continuassem, era
necessário “auxílio oficial” para os municípios da região, que queria “se libertar do
pântano”275. Segundo o autor, o “pântano era a República Velha”276.
Mas é difícil saber se de fato a região havia se libertado do domínio das elites
tradicionais. Como visto anteriormente, em Alcobaça, o grupo que dominava a política local
parece ter continuado no controle do município, após Getúlio Vargas tomar o poder. O
mesmo pode ter acontecido nas outras cidades. Um indício a esse respeito é o fato de Alfredo
Horcades, no texto referido, ter utilizado o termo “coronel” para se referir aos prefeitos de
Prado, Rosalvo Garcia Guerra; e de Alcobaça, João Garcia de Azevedo; além do industrial

270
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVII, n° 182, Rio de Janeiro, mar. 1939, p. 5.
271
Idem, idem.
272
GARCIA (1999), op. cit., op. cit., p. 124.
273
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 182, op. cit., p. 5.
274
Idem, idem.
275
Idem, idem.
276
Idem, idem.
101

Miguel Lefundes Deiró. Ora, esse era o termo utilizado para se referir aos latifundiários
durante a chamada República Velha e mesmo antes dela277.
Pode ser que fossem militares, tendo em vista que “coronel” é uma patente do
Exército. Mas essa patente pertence ao alto oficialato da instituição e o Extremo Sul da Bahia
nem mesmo possuía quarteis militares. À época, 1938, a única instituição militar na região era
o Tiro de Guerra 595, sediado em Belmonte, mas que era dirigido por um sargento. De onde
teriam vindos esses dois coronéis?
Além disso, de acordo com Fábio Said, a família Garcia, que se difundiu por
Alcobaça, Prado e Caravelas, estava ligada à posse de terras e à política nesses municípios278.
Note-se que os dois prefeitos referidos por Horcades como “coronéis” pertenciam a ramos
dessa família. Dessa forma, é provável que os prefeitos referidos eram representantes das
antigas oligarquias que o regime de Vargas dizia combater.
Mas essas elites parecem ter se repaginado. Conforme se pode perceber no texto de
Alfredo Horcades, elas se propuseram a empreender uma agenda política cujo objetivo era
promover transformações nas infraestruturas dos municípios que governavam. Por meio disso,
elas se apresentavam como uma força renovadora, alinhada às diretrizes do Estado Novo.
Nesse sentido, a mesma edição, na qual o texto de Horcades é citado anteriormente, também
apresentou uma série de matérias nas quais se destacava uma série de obras que estavam
sendo empreendidas pelos prefeitos dos municípios de Porto Seguro, Prado, Alcobaça e
Caravelas. Também foram mencionadas obras que os prefeitos locais julgavam necessárias
para o desenvolvimento de seus municípios.
A edição de março de 1938 da Nação Brasileira publicou três fotos da cidade de
Caravelas, com o objetivo de mostrar como a cidade estava antes da administração do prefeito
Sócrates Ferreira Ramos e como este estava promovendo reformas na sede municipal. Mais
uma vez Sócrates Ramos foi alcunhado de “operoso e competente”279.

277
PANG (1979), op. cit., p. 20.
278
Ver as genealogias de famílias que se difundiram a partir de Alcobaça: SAID (2010), op. cit. p. 39-53.
279
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 187, op. cit., p. 1.
102

Imagem 6: Fotos de Caravelas (1939)

Fonte: NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVII, n° 187, Rio de Janeiro, mar. 1939, p. 1-2.

A primeira fotografia tinha como objetivo único mostrar o descaso ao qual a cidade de
Caravelas estava submetida. Interessante destacar que sua legenda apresenta a seguinte
mensagem: “Aspecto do antigo beco junto à Prefeitura Municipal de Caravelas” 280. A palavra
“antigo”, dentro do contexto no qual Horcades apresenta a região após a instauração do
Estado Novo, ganha significado especial, pois reforça a ideia de que no período anterior o
Extremo Sul da Bahia estava oprimido pelos “magnatas da “República Velha”. Daí a
preocupação em registrar parte dos escombros que parecem ser de um prédio em ruínas.
Entretanto, embora a legenda implicitamente passe a impressão de que aquele beco tinha sido
reformado, não foi publicada nenhuma foto que mostrasse isso.
As duas fotografias seguintes mostram a rua Dias Alonso. A primeira, que apresenta
pessoas trabalhando, mostra o processo de pavimentação da via e a segunda, em uma
perspectiva diferente, mostra o resultado da obra. A legenda da imagem, que mostra a rua
reformada, enfatizou que a pavimentação resultou de uma iniciativa do prefeito Sócrates
Ramos. A mesma edição da Nação Brasileira destacou que o prefeito Sócrates Ramos estava
estudando a possibilidade de instalação de uma rede telefônica ligando a cidade de Caravelas
aos distritos de Ponta de Areia e Barra, distantes 4 e 10 km, respectivamente, da sede
municipal281.
Porém, para executar as obras que os novos prefeitos da região almejavam, era
necessário o apoio dos governos estadual e federal. Até a matéria sobre Prado destacou a
viagem a Salvador feita pelo prefeito Rosalvo Garcia Guerra que, segundo a matéria, era “dos
que se (achavam) plenamente enquadrados no salutar regime do Estado Novo”282. Na visita à
capital do estado, o mandatário de Prado se encontrou com o interventor Landulfo Alves. O
objetivo da viagem era conferenciar com o governante “sobre as possibilidades do município,

280
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 187, op. cit., p. 1.
281
Idem, idem.
282
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVII, n° 194, Rio de Janeiro, out. 1939, p. 22.
103

os auxílios materiais e morais que este requer para o seu desenvolvimento”283. Além disso,
foram mencionadas a produção agrícola e a criação de rebanhos no município. Também foi
mencionado o projeto de construção de escolas para combater o “analfabetismo
avassalador”284 – o analfabetismo era realmente muito grande na região, como visto
anteriormente.
Em Porto Seguro, chamou a atenção para a necessidade de reformas no porto da
cidade e foi mencionado que o prefeito Carlos Martins havia construído um matadouro na
cidade e instalado um sistema de luz a gás no distrito de São José do Buranhém. Conforme a
matéria, esperava-se a construção de estradas para interligar as fazendas do município e de
uma estrada de ferro para ligar Porto Seguro a Minas Gerais285.
Sobre Alcobaça, foram destacadas as obras feitas pelo prefeito João Garcia de
Azevedo: reformas no açougue, no colégio e nas estradas de rodagem municipais. Além disso,
alertou para a necessidade de construir praças, escolas, um ramal da E.F.B.M. e uma estrada
para interligar a cidade ao distrito de Itanhém, onde também se deveria instalar uma agência
arrecadadora estadual para o recolhimento de impostos286.
Sobre Caravelas, foi mencionado que o prefeito Sócrates Ramos estava estudando a
ampliação da rede telegráfica local, para conectar a cidade ao distrito de Ponta de Areia, onde
estava a estação final da E.F.B.M. Além disso, afirmou que o mandatário dava grande atenção
às escolas do município. Também mencionou o campo de pouso do município e o porto287.
Belmonte foi mencionada na edição de outubro de 1939 da Nação Brasileira. Segundo
a matéria, o prefeito Godofredo Mendes Bandeira estava executando suas funções “a contento
do povo e com reais resultados para as finanças e desenvolvimento da cidade”288. Além disso,
segundo a matéria, ele sabia desempenhar bem “seus altos deveres de administrador,
compreender e pôr em prática os postulados do Estado Novo”289. Foi dado destaque aos
produtos cultivados em Belmonte, entre os quais estavam o cacau e o café. Também foi
mencionada a reforma do porto da cidade, feita com recursos federais.
O foco dado na Nação Brasileira às obras empreendidas ou planejadas pelos prefeitos
do Extremo Sul da Bahia faz transparecer a ideia de que um ímpeto reformista havia se

283
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 182, op. cit., p. 4.
284
Idem, idem.
285
Idem, p. 7.
286
Idem, p. 8.
287
Idem, p. 1-2.
288
NAÇÃO BRASILEIRA (1939), n° 194, op. cit., p. 32.
289
Idem, idem.
104

espalhado pela região. Conforme visto anteriormente, Alfredo Horcades atribuía esse
panorama ao advento do Estado Novo.
Interessante observar que os únicos municípios da região sobre os quais não
encontramos menções nas páginas da Nação Brasileira foram Santa Cruz Cabrália e Mucuri.
Sabemos que, pelo menos em Santa Cruz Cabrália, o grupo político também parece ter se
alinhado aos ideais difundidos pelo regime do Estado Novo. Então talvez não se tratasse do
caso de oposição à política e ao governo federal. Sobre Mucuri, no entanto, nada
encontramos. Possivelmente, essa omissão decorresse de rivalidades entre os grupos políticos
e econômicos desses municípios com a família Horcades. Ou, simplesmente, que eles não
tivessem negócios nesses municípios e por isso Alfredo Horcades não tenha se interessado em
apresentar matérias sobre eles em sua revista.
De forma geral, após a chegada de Getúlio Vargas ao poder, não parece ter havido
mudanças nos domínios econômico e político nos municípios do Extremo Sul da Bahia. Com
exceção, é claro, do caso do prefeito Teobaldo Costa, em Caravelas, mas isso foi resolvido
com a chegada de Sócrates Ferreira Ramos, em 1937. Ao contrário, as elites parecem ter se
alinhado às novas forças políticas e se mantiveram no poder. A nova geração de políticos que
ascendeu ao poder durante o Estado Novo, embora ainda ligado às elites tradicionais,
construiu para si uma imagem de “boa elite”, comprometida com os projetos do novo
regime290. Na região, as ações dos prefeitos mencionados ao longo deste capítulo, por meio
das edições da Nação Brasileira, parecem ser um indício dessa construção.
Deve-se destacar que essa imagem foi construída a partir da captação de recursos
públicos, o que contribuía, também, para reforçar a ideia de que o desenvolvimento
pretendido para a região também era uma obra do governo federal. Reforçava-se, assim, tanto
as elites locais quanto a figura de Getúlio Vargas. Além disso, embora as obras realizadas no
período tenham, de alguma forma, beneficiado a população local, no fundo elas podem ter
servido mais às elites locais, tendo em vista que se trataram, principalmente, de reformas nas
instalações portuárias e estradas. Essas obras serviam, sobretudo, à exportação da produção
econômica regional.
Até mesmo, como visto anteriormente, o próprio divulgador das ações dos prefeitos
locais alinhados ao Estado Novo, Alfredo Horcades, era um integrante das elites do Extremo
Sul da Bahia. Aliás, deve-se destacar que Francisco Horcades, pai de Alfredo, era

290
LIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982, p. 15.
105

comerciante, proprietário de terras e foi prefeito de Prado por diversas vezes291. Nesse
sentido, quando ele falava das ações dos prefeitos locais também estava ajudando a construir
uma visão positiva de sua própria família292.
Contudo, por razões que desconhecemos, após a declaração de guerra do Brasil à
Alemanha e Itália, em agosto de 1942, o número de matérias sobre o Extremo Sul da Bahia
publicadas na Nação Brasileira diminuiu drasticamente. Entre 1943 e 1945, encontramos
apenas duas reportagens sobre a região: uma que se refere à Alcobaça e outra à Caravelas. O
teor era semelhante às matérias anteriores, ou seja, exaltação dos prefeitos e resumos das
obras que eles executavam em seus municípios293.
Mas a redução no número de matérias sobre a região na Nação Brasileira não parece
indicar que tenha ocorrido mudanças na relação dos administradores dos municípios da região
com o Estado Novo. Também não significa que os diretores da revista tenham rompido com
Getúlio Vargas, tanto que diversas matérias apologéticas ao regime estado-novista
continuaram sendo publicadas no periódico. Possivelmente, a família Horcades tenha perdido
influência política no Extremo Sul da Bahia, após o falecimento do patriarca Francisco
Horcades, em 25 de janeiro de 1920; e da matriarca, Maria Ramos Horcades, em 24 de janeiro
de 1940, além das consequentes divisões do patrimônio familiar. Os filhos do casal, Alvim e
Alfredo, residiam no Rio de Janeiro; suas irmãs e filhas, Castorina (viúva), Carolina e
Prophetina estavam divididas entre Prado e Porto Seguro294.
A despeito do que quer que tenha acontecido com a família Horcades – se é que
ocorreu algo – uma ata da reunião do Diretório Municipal do Conselho Nacional de
Geografia, em Porto Seguro, de janeiro de 1943, aponta que o alinhamento ideológico
permanecia forte, ao menos naquele município. A esse respeito, os discursos do prefeito, à
época Manoel Ribeiro Coelho, e do advogado Aventino Dutra são muito interessantes.
Conforme consta na ata, o prefeito, que acumulava o cargo de presidente do Diretório
Municipal de Geografia, disse:

(...) apelando para o povo no sentido de fazer tudo em prol do esforço de


guerra que o Brasil vem desenvolvendo, mesmo que isso importem em
sacrifício, pois cabe a cada brasileiro digno desse nome uma parcela das
vicissitudes que a guerra nos impõe; disse que patriota é todo aquele que

291
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVIII, n° 198, Rio de Janeiro, fev. 1940, p. 7.
292
Conforme o Recenseamento Geral de 1920, a fazenda Água Branca, em Prado, pertencia à Maria Ramos
Horcades, mãe de Alfredo Horcades. Ver: BRASIL. Recenseamento do Brasil (1920). V. 3, parte 4. Rio de
Janeiro: Typ. da Estatística, 1923, p. 78.
293
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XXI, n° 241, Rio de Janeiro, set. 1943, p. 50-53.
294
NAÇÃO BRASILEIRA (1940), n° 198, op. cit., p. 7.
106

cumpre o seu dever, nesta hora grave, obedecendo as ordens das autoridades
superiores, trabalhando mais, produzindo mais, economizando mais, tudo
dentro da profissão de cada qual, seja comerciante, industrial ou operário.
Ainda se referiu longamente ao dia do Município, fazendo uma exortação
aos seus Munícipes, no sentido da ordem, da disciplina e do trabalho bem
conduzido, para que o processo advenha desse esforço e o Município não
somente bastar-se a si mesmo, como ainda abastecer outros centros, onde
terras mais estéreis e ingratas, assoladas pelas secas ou outros elementos
mesológicos desfavoráveis não permitam os favores da natureza que se
desfrutam nestas terras privilegiadas. Depois de se estender sobre questões
de fomento de produção, o Dr. Presidente fez votos pela vitória das nações
aliadas que lutam denodadamente para que o Sol da liberdade ilumine outras
vez a face do mundo e a paz tão ardentemente esperada, volte aos lares
trazendo ao seio das famílias, os seus entes queridos que lutam pela defesa
da Pátria ou a lembrança não menos honrosa daqueles que tombaram no
cumprimento do dever, para a sobrevivência da Nacionalidade. Terminando,
o Sr. Presidente ergueu vivas ao Dr. Getúlio Vargas, ao general Renato Pinto
Aleixo, a Porto Seguro e ao Brasil, sendo delirantemente aplaudido295.

O discurso de Manoel Ribeiro Coelho foi proferido no primeiro dia do ano 1943.
Deve-se destacar que, como visto no capítulo anterior, houve uma diminuição considerável no
número de navios e tonelagem de cargas nos portos do Extremo Sul da Bahia, em 1942.
Interessante notar que Manoel Ribeiro começou seu discurso justamente falando sobre a
guerra, o que indica que a economia regional de fato sofreu os impactos dos ataques navais do
ano 1942, como aponta o Quadro 6. Daí a preocupação do prefeito em enfatizar a
necessidade de as classes trabalhadoras produzirem mais.
Ao mesmo tempo, o prefeito aproveitou a ocasião para reforçar os pressupostos
ideológicos do regime estado-novista, utilizando o contexto de beligerância para enfatizar a
necessidade de obediência à hierarquia social, a união entre os grupos trabalhadores e o
patriotismo. Deve-se destacar que o patriotismo não aparece como uma exaltação dos
elementos nacionais, mas, sim como um estímulo à obediência, à disciplina e ao trabalho.
Estes, segundo o prefeito, seriam os mecanismos que permitiriam ao município de Porto
Seguro superar as adversidades impostas pela guerra, tornando-o autossuficiente.
Outro ponto interessante do discurso de Manoel Ribeiro é a alusão à produção
agrícola, quando ele se referiu às condições de produção desfavoráveis de outras áreas do
Brasil. A família Ribeiro Coelho era proprietária de diversas fazendas no município de Porto
Seguro, além de estar envolvida em atividades como pescaria, extração e exportação de
madeiras. De acordo com o Recenseamento Geral de 1920, José Ribeiro Coelho, irmão do

295
ATA DA SESSÃO SOLENE DO DIRETÓRIO MUNICIPAL DO CONSELHO NACIONAL DE
GEOGRAFIA. Livro de Sessões Extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 1 de jan. 1943, f. 60.
107

prefeito Manoel Ribeiro, possuía sete fazendas no município de Porto Seguro296. Nesse
sentido, Manoel Ribeiro era mais um representante da elite latifundiária do Extremo Sul da
Bahia, que havia se alinhado com o regime do Estado Novo. Conforme nos relatou o senhor
Davino Dias da Costa, que foi afilhado de Manoel Ribeiro Coelho, “esse pessoal era rico,
tudo cheio do dinheiro”297.
Por fim, o discurso de Manoel Ribeiro pode ser inserido em uma estratégia promovida
por Getúlio Vargas, que visava aumentar o controle sobre as classes trabalhadoras. A entrada
do Brasil na Segunda Guerra Mundial criou um contexto favorável para isso. Não sabemos,
no entanto, se foram adotadas medidas administrativas específicas para ampliar o controle
sobre os trabalhadores porto-segurenses, tal como ocorreu, por exemplo, em São Paulo298, e
na região amazônica299.
O discurso de Aventino Dutra se dedicou especificamente à entrada do Brasil no
conflito mundial. Conforme a ata mencionada anteriormente Aventino, improvisadamente,
declarou:

(...) dizendo a importância que assumiu a entrada do Brasil no conflito


mundial e das reais vantagens para os aliados de tão honrosa adesão. Fez
uma exposição detalhada sobre o que vai pelo mundo, pondo em confronto
as vitórias alemãs do começo da guerra com as derrotas que sofre nesta data,
pressagiando um rápido esmagamento do poderio alemão e fazendo votos
pela total e definitiva destruição dos opressores da liberdade humana. Em
seguida, referindo-se ao dia do Município, realçou tradições históricas de
Porto Seguro, como primeira célula do imenso organismo Nacional; fez por
fim um apelo ao povo no sentido de se unir mais e mais, cooperando com os
governos do Município e do Estado, com verdadeiro espírito de sacrifício
para melhor defesa e maior grandeza do nosso querido Brasil. Sob
entusiásticas palmas da seleta assistência, o Dr. Aventino Dultra terminou a
sua oração dando vivas ao Brasil, a Porto Seguro, ao Presidente Vargas e ao
general Pinto Aleixo300.

O teor ufanista do discurso de Aventino Dutra tinha o mesmo objetivo da fala do


prefeito Manoel Ribeiro Coelho, ou seja, reafirmar a necessidade de união dos grupos sociais
e a hierarquia administrativa. Sobre esta última, é interessante observar que ambos os
discursos terminaram com saudações ao presidente (Getúlio Vargas) e ao interventor federal
na Bahia (Rento Pinto Aleixo). Sobretudo, em ambas as falas, a guerra aparece como um
296
BRASIL (1923), op. cit., p. 73-76.
297
COSTA (2021), op. cit.
298
Ver: CYTRYNOWICZ (2000), op. cit., p. 199-217.
299
Ver: ARAÚJO, Ariadne; NEVES, Marcos Vinícius. Soldados da borracha: os heróis esquecidos. Fortaleza:
Irê Brasil, 2015.
300
ATA DA SESSÃO SOLENE DO DIRETÓRIO MUNICIPAL DO CONSELHO NACIONAL DE
GEOGRAFIA. Op. cit., f. 60-61.
108

contexto favorável para a ampliação do controle sobre a sociedade, especialmente, o controle


do pensamento, da circulação das pessoas, do trabalho e da produção, dentre outros.
Também encontramos muitas publicações no Boletim Oficial de Belmonte, que
visavam reforçar os ideais do Estado Novo. De forma geral, o teor dos textos era muito
semelhante aos discursos dos prefeitos de Prado e Porto Seguro, citados ao longo deste
capítulo. Diferentemente da Nação Brasileira, que possuía muitos colaboradores, grande
quantidade de páginas e edições mensais, o Boletim não ocupava boa parte de suas páginas
com matérias fornecidas por agências de publicidade externas ao município, tinha edições
semanais e raramente montava seus cadernos com mais de quatro folhas. Contudo, isso não
significa que o jornal de Belmonte tenha sido um canal de veiculação das ideias estado-
novistas menos importante que a revista carioca. Afinal, havia quem consumisse as suas
matérias, direta ou indiretamente.
Nas edições que tivemos acesso havia poucos textos que reproduziam falas dos
prefeitos de Belmonte. Isso dificulta compreender como os administradores municipais
utilizaram as ideias difundidas pelo regime estado-novista. Um desses raros momentos
ocorreu devido à comemoração do Dia do Município, de 1942, cuja a ata da sessão
extraordinária da solenidade foi impressa no dia 7 de fevereiro daquele ano. O Dia do
Município era celebrado no dia 1° de janeiro. Em seu discurso durante a comemoração, o
prefeito Godofredo Mendes Bandeira declarou:

Depois de discorrer, com palavras cheias de fé, sobre os motivos da


solenidade que ali se realizava, agradeceu aos circunstantes, fazendo
empolgante apelo aos bons brasileiros para que na hora do toque de reunir
nenhum fugisse ao sagrado cumprimento do dever, ouvindo e obedecendo a
palavra de ordem do grande Presidente Getúlio Vargas301.

Outro momento no qual o Boletim Oficial publicou falas do prefeito de Belmonte foi
após o rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e as potências do Eixo. O
interventor federal na Bahia, à época Landulfo Alves, enviou um telegrama ao prefeito de
Belmonte, informando sobre o rompimento e indicando os cuidados que deveriam ser
dispensados aos cidadãos alemães, italianos e japoneses.
O telegrama foi impresso no Boletim, com uma introdução redigida pelo prefeito,
Godofredo Mendes Bandeira. Conforme escreveu o mandatário: “Não é demais repetir que,
neste momento solene, todo vosso patriotismo deve ser posto a serviço do Brasil, pondo a

301
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 217, Belmonte, 7 de fev. 1942.
109

vossa confiança no Chefe da Nação e na vitória dos nossos interesses”302. Deve-se destacar
que àquela altura o Brasil ainda não estava em guerra e apenas uma embarcação brasileira
havia sido atacada por forças do Eixo, o Taubaté303. Mas foi um evento isolado, ocorrido no
mar Mediterrâneo, e não uma ação deliberada contra o Brasil. Mesmo assim, parece que o
governo brasileiro já estava utilizando o contexto da guerra para reforçar alguns dos pilares da
ditadura do Estado Novo, como a obediência ao Estado, personificado na figura do ditador
Getúlio Vargas, como também ocorreu durante a comemoração do Dia do Município.
Por fim, é importante destacar que, aparentemente, não eram só as ideologias do
Estado Novo que estavam influenciando as elites da região. Em maio de 1951, um ataque
policial expulsou os indígenas da Aldeia Barra Velha, no município de Porto Seguro. A ação
foi executada por integrantes da Delegacia Regional, sediada em Ilhéus, sob liderança do
delegado regional, major Arsenio Alves. A operação resultou em um verdadeiro massacre,
que foi denunciado pelo jornal O Movimento, de Salvador. Não obtivemos acesso à matéria,
mas a matéria publicada naquele periódico e a sua repercussão fez com que outros jornais
publicassem matérias sobre o assunto.
Um deles foi o Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, ao qual tivemos acesso304. De
acordo com uma matéria publicada em junho de 1951, o ataque policial à aldeia servia aos
interesses de latifundiários locais, que queriam avançar sobre as terras indígenas. A matéria se
referiu ao major Arsenio como “nazi-integralista”305. Em outra matéria, publicada no mês
seguinte, foi dito que o major possuía 400 hectares de terras na zona do rio dos Frades, no
município de Porto Seguro, e que ele estava ligado “às famílias integralistas dos Ribeiros e
dos Claudios”306. Conforme a reportagem, os integrantes dessas famílias eram “praticamente
donos do município, senhores de grandes latifúndios”307.
De fato, essas duas famílias possuíam muitas terras naquele município. O
Recenseamento Geral de 1920, entre outras coisas, registrou a quantidade de propriedades
rurais na região e, em Porto Seguro, aparecem 10 propriedades de integrantes da família
Ribeiro e 3 da família Cláudio308. Contudo, não é possível afirmar com certeza se de fato elas

302
BOLETIM... nº 217 (1942), op. cit.
303
ARANTES (2012), op. cit., p. 53-54.
304
Esse evento ficou marcado na memória dos indígenas e na história da região como “Fogo de 51”. Conforme
Vera Lúcia da Silva, esse evento é um marco na história pataxó, tanto pela dimensão traumática, quanto pelo que
significa como narrativa compartilhada pelo contingente indígena da região. Ver: SILVA (2021) (b), op. cit., p.
91-110.
305
IMPRENSA POPULAR, ano IV, n° 718, Rio de Janeiro, 19 de jun. 1951, p. 3.
306
IMPRENSA POPUAR, ano IV, n° 741, Rio de Janeiro, 20 de jul. 1951, p. 3.
307
Idem, idem.
308
BRASIL (1923), op. cit., p. 73-76.
110

eram adeptas do Integralismo, visto que o Imprensa Popular foi a única fonte que
encontramos a esse respeito.
O movimento integralista havia sido proscrito após o fracasso do levante do dia 11 de
março de 1938, quando seus integrantes tentaram invadir a residência presidencial para depor
Getúlio Vargas. O evento resultou na prisão de muitos integralistas e no exílio do líder do
movimento, Plínio Salgado. Classificar as famílias Cláudio e Ribeiro como integralistas pode
ter sido uma estratégia jornalística que visava ampliar a repulsa dos leitores ao ataque à aldeia
indígena Barra Velha, supostamente realizado para atender aos interesses dessas famílias.
Contudo, também não se pode descartar esta ideia, são necessários estudos específicos para
compreender se o integralismo realmente conseguiu adeptos no Extremo Sul da Bahia. Mas
não encontramos fontes a esse respeito sobre nenhum outro município além de Porto Seguro.
De forma geral, é possível afirmar que as ideologias difundidas no âmbito da ditadura
do Estado Novo chegavam à região e que as elites políticas locais se alinharam ao regime.
Aparentemente, esse alinhamento garantiu a permanência no poder dos grupos ligados à
produção agrícola que dominavam o cenário político regional. Entretanto, são necessários
estudos específicos para compreender os detalhes desse processo de alinhamento e, sobretudo,
como a população do Extremo Sul baiano, de forma geral, avaliou e agiu diante desse
contexto.
***

O processo de desenvolvimento urbano, econômico e social do Extremo Sul da Bahia


foi lento. Durante quase 200 anos, seus núcleos de povoamento – que abrigavam uma
população pequena, quando comparada à extensão do território regional – permaneceram
concentrados na faixa litorânea da região, próximas às barras dos grandes rios que cortam seu
território. A ocupação perto do litoral se converteu em uma grande característica histórica
regional e fez com que os habitantes locais desenvolvessem uma grande dependência do mar,
tanto como fonte de sobrevivência, quanto como canal de escoamento de pessoas e
mercadorias.
Contribuiu para isso um programa colonizador português que, durante a segunda
metade do século XVIII, tentou impedir a ocupação do interior da região. O objetivo da Coroa
portuguesa era criar uma espécie de barreira que dificultasse o acesso às Minas Gerais.
Principalmente para impedir o escoamento de minérios contrabandeados. Para tanto, os
administradores portugueses criaram vilas próximas às barras dos principais rios do território
111

regional. As novas povoações atuavam como mecanismos fiscalizadores, e incentivaram o


desenvolvimento agrícola, o que servia para fixar a população em áreas específicas. Um dos
resultados dessa política colonizadora foi a preservação de vastas áreas de florestas que, entre
outras coisas, permitiu aos grupos indígenas resistentes à ocupação portuguesa se abrigarem
no interior da região.
Ocupação litorânea, população reduzida e preservação das áreas de florestas foram
características que se mantiveram após o rompimento dos laços coloniais entre o Brasil e
Portugal e perduraram até o final do século XIX. Porém, enquanto o Extremo Sul da Bahia se
manteve com características semelhantes às do período colonial, o mesmo não pode ser dito a
respeito das áreas vizinhas, o nordeste de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo. Estas
experimentaram avanços muito grandes nas atividades agrícolas e no extrativismo vegetal,
entre o final do século XIX e o início do XX, que resultou no esgotamento das principais
zonas de florestas mineiras e espírito-santenses.
Nesse contexto, migrantes mineiros e capixabas se dirigiram para o Extremo Sul da
Bahia, o que fez crescer aceleradamente o número de habitantes da região. No mesmo
período, estavam em curso os processos de regularização das fronteiras Bahia-Minas Gerais e
Bahia-Espírito Santo. Os rios, os vales e as montanhas do interior do território regional
contribuíram para a demarcação das linhas fronteiriças. A delimitação das fronteiras
interestaduais criou uma necessidade de ocupação das áreas interioranas da região. Para isso,
foi fundamental o aumento da população regional, que possibilitou a criação de distritos e
outros tipos de povoações no interior dos municípios do Extremo Sul da Bahia.
Uma das consequências do aumento da população regional foi a mudança em seu
perfil étnico-racial. Se até meados do século XIX predominavam as heranças indígenas, a
partir do final dessa centúria, as pessoas negras e pardas se constituíram como grupo
numericamente majoritário. Como visto, há evidências de tensões raciais no Extremo Sul da
Bahia, que parecem ter ficado mais evidentes durante o período da Segunda Guerra Mundial.
Outra importante característica é o analfabetismo, que atingia mais da metade da população
regional, entre as décadas de 1940 e 1950, mas as altas taxas de analfabetismo era algo que
afligia a sociedade brasileira como um todo.
Se o aumento populacional e o povoamento do interior romperam as características
herdadas do período da colonização portuguesa, o mesmo não ocorreu com a estrutura
econômica regional. Durante toda a primeira metade do século XX, a agricultura, o
extrativismo vegetal e a criação de rebanhos permaneceram como atividades predominantes.
112

Embora os dados do IBGE indiquem a existência de pequenas atividades industriais, nas


décadas de 1940 e 1950, elas estavam ligadas à produção agrícola e à extração de madeiras.
No plano político, o ano de 1930 é um ponto de virada importante na história do
Extremo Sul da Bahia – e na história brasileira de forma geral. A ascensão de Getúlio Vargas
ao poder mexeu direta e imediatamente com a região. Ao longo dos anos 1930, uma nova
geração de políticos assumiu o controle dos municípios do Extremo Sul baiano e promoveram
uma série de obras públicas, com o apoio dos governos estadual e federal. O objetivo desses
novos administradores era melhorar as infraestruturas urbanas locais e conectar as sedes
municipais aos povoados em seus interiores. Sobretudo, para ampliar o escoamento de
mercadorias.
Contudo, embora novos grupos políticos tenham chegado ao poder, eles continuavam
representado as elites tradicionais. Aliás, a julgar pela utilização do termo “coronel” nas
matérias da revista Nação Brasileira, alguns dos prefeitos da região, que chegaram ao poder
após a instalação do Estado Novo, em 1937, eram eles próprios latifundiários. As suas ações,
no entanto, visavam construir uma imagem diferente para as antigas elites políticas e
econômicas regionais.
O alinhamento ideológico dos administradores locais à política varguista permitiu a
veiculação das ideologias difundidas no âmbito da ditadura do Estado Novo (1937-1945).
Esse alinhamento pode ter ficado mais forte durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo,
carecemos de mais evidências para compreender se isso de fato ocorreu ou se foram fatos
isolados nos municípios de Belmonte e Porto Seguro.
De forma geral, a primeira metade do século XX foi um período no qual o Extremo
Sul da Bahia passou por transformações muito importantes. Sobretudo, no que tange à
expansão do povoamento e ao perfil étnico-racial de sua população. Mas isso não significou o
rompimento completo com características históricas da região, como a economia voltada
especialmente à produção agrícola e ao extrativismo vegetal e o domínio das elites
latifundiárias.
Por fim, é importante destacar que a Segunda Guerra Mundial não parece ter impedido
o desenrolar dessas transformações, talvez apenas as tenha atrasado. Os números relacionados
à quantidade de embarcações e tonelagem de suas cargas sugerem que houve um influxo
comercial em 1942, possivelmente causado pelos ataques navais dos submarinos do Eixo.
Porém, considerando apenas esse indicador, podemos afirmar que a economia da região
voltou a crescer a partir de 1943. Além disso, a diversidade de pequenas atividades industriais
e a ampliação da atividade madeireira, entre as décadas de 1940 e 1950, nos permitem afirmar
113

que mesmo que tenha ocorrido uma crise econômica nos anos iniciais do envolvimento
brasileiro no conflito, o Extremo Sul da Bahia não tardou a se recuperar.
Se considerarmos o número crescente de escolas como um indicador para avaliar a
continuidade dessas transformações na região, a quantidade de escolas registradas pelo IBGE
na década de 1950 reforça a ideia de que as transformações pelas quais o Extremo Sul da
Bahia estava passando não foram interrompidas com a guerra. Importante destacar, também,
que a população regional continuou crescendo em ritmo acelerado durante a década de 1940.
Foi nesse contexto que a Segunda Guerra Mundial atingiu a região.
114

PARTE II

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA


Notícias de guerra e ataques navais
115

CAPÍTULO 4
A CIRCULAÇÃO DAS NOTÍCIAS DE GUERRA NO EXTREMO SUL
DA BAHIA

As notícias que nos chegam em tempo de guerra são


quase sempre contraditórias e, na maior parte, também
falsas; as mais numerosas são em grande quantidade
sofrivelmente suspeitas309.

Carl Von Clausewitz.

A Segunda Guerra Mundial atingiu o Brasil gradativamente. Primeiro como notícia e


depois como tragédia. No início, os brasileiros vivenciaram a guerra como informações sobre
combates que se desenrolavam em terras distantes. Foi assim entre 1939 e 1941, período no
qual o governo brasileiro conseguiu se manter neutro diante do conflito. Porém, tudo mudou
em fevereiro de 1942, quando o governo brasileiro rompeu relações diplomáticas com as
potências do Eixo. Com os ataques navais que se seguiram ao rompimento, a população
litorânea do Nordeste do país e, mais tarde, também as do Norte e do Sudeste, viram a guerra
se transformar em uma tragédia que ceifou a vida de centenas de brasileiros310.
Enquanto o governo brasileiro se manteve neutro, as informações sobre a guerra,
impressas em jornais e revistas, ou anunciadas em programas de radiojornalismo, eram
lacônicas. Conforme apontou Nélson Jahr Garcia, a censura estatal sobre os meios de
comunicação só permitia a veiculação de notas relacionadas aos comunicados oficiais,
emitidos pelos países beligerantes311. Isso nos ajuda a pensar sobre a forma como o Boletim
Oficial de Belmonte, único jornal impresso no Extremo Sul da Bahia, durante a Segunda
Guerra Mundial, cobriu o conflito312.
Nas edições que tivemos acesso, nos dois primeiros anos da guerra quase não havia
notícias sobre o que ocorria na Europa. Entre setembro de 1939, quando a beligerância
começou, e janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações com as potências do Eixo,
encontramos apenas 11 notícias sobre o conflito, distribuídas entre 15 edições do Boletim.
309
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979, p. 127.
310
Cf. ARANTES (2012), op. cit., p. 53-154.
311
GARCIA (1999), op. cit., p.162.
312
Oswaldo Pereira Gomes afirmou que, no período da guerra, dois jornais foram editados em Caravelas, o
Guaiamu e o Cara Vela. Porém, não conseguimos encontrar edições deles. Ver: GOMES, Oswaldo Pereira.
História do 4° GAC. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, p. 1983, p. 55.
116

Nesse período, apenas um navio brasileiro havia sido atacado, o Taubaté, citado
anteriormente. O número de notícias aumentou a partir de fevereiro de 1942. Entre fevereiro e
agosto daquele ano, período no qual 20 navios brasileiros foram atacados, encontramos 12
matérias ligadas à beligerância, publicadas em 11 edições do jornal belmontense.
Infelizmente, o número de edições que encontramos do Boletim, do período que se
estende de setembro de 1939 a agosto de 1942, é muito reduzido para que possamos
compreender como foi exatamente a tendência de cobertura da guerra nas páginas desse
jornal. Nesse período, conforme se pode perceber nos números das edições, pouco mais de
140 publicações do periódico belmontense foram impressas. Entretanto, só conseguimos
encontrar as 26 edições mencionadas.
Apesar disso, nos parece razoável acreditar que, à medida que o envolvimento
brasileiro no contexto de beligerância se intensificou, a cobertura do jornal belmontense
também cresceu. Sobretudo porque, como apontou Nélson Jahr Garcia, após o rompimento
das relações diplomáticas entre o Brasil e as potências do Eixo, a censura estatal liberou a
publicação de comentários favoráveis às campanhas dos Aliados313. Isso levou ao aumento da
cobertura da guerra, feita pelos meios de comunicações brasileiros. Ainda conforme Nélson
Jahr, após agosto de 1942, a censura limitou-se a cercear “informações inerentes às
necessidades de sigilo militar, proibindo referências a combates, batalhas, viagens, acordos
militares, movimentos de tropas, navios e aviões militares, boletins meteorológicos”314.
Os ataques navais, as medidas defensivas e as políticas de controle econômico e social
do governo Vargas demonstravam bem a nova realidade nacional. As tragédias de centenas de
pessoas começaram a ocupar as páginas de periódicos de diversas partes do país, ajudando a
fortalecer o discurso beligerante do governo. Ao mesmo tempo, as publicações de notícias
sobre os dramas navais davam legitimidade a ações como o controle dos trabalhadores e a
perseguição a grupos de estrangeiros.
Apesar dessa importância, o controle estatal sobre os meios de comunicação impedia
que as pessoas compreendessem como a guerra de fato estava se desenrolando. Nem mesmo
os ataques ocorridos contra a marinha mercante do Brasil, ocorridos na própria costa
brasileira, eram bem noticiados. Como apontou Luiz Antônio Pinto Cruz, em “tempo de
anormalidade bélica e de ditadura varguista, era uma prática comum enganar a população

313
GARCIA (1999), op. cit., p.163.
314
Idem, idem.
117

civil com notícias falsas”315. Mesmo assim, ainda conforme Luiz Antônio Cruz, as notícias,
especialmente as advindas do mar, “detonaram a normalidade cotidiana e tiveram
desdobramentos intensos em praticamente todos os setores da vida social”316.
Em tempos de guerra é comum que as notícias não circulem livremente. Sobretudo,
para impedir o vazamento de informações que possam comprometer os esforços defensivos
e/ou ofensivos de um país. De acordo com John Keegan, as características da Segunda Guerra
Mundial determinaram uma urgência na busca por informações imediatas até então sem
precedentes na história humana317. Isso, porque além dos usos inerentemente militares, a
procura por informações também servia para os civis, que buscavam notícias para saciar
curiosidades, se informar sobre conhecidos ou parentes que viviam nas zonas de conflito,
entre outras coisas.
Apontar como as notícias sobre a guerra circularam no Extremo Sul da Bahia pode nos
ajudar a entender não só como a guerra atingiu a região, mas também como as memórias
sobre o conflito foram construídas posteriormente. Entretanto, para pensar sobre a circulação
de notícias, primeiro é necessário identificar os veículos que as divulgavam. No período que
estudamos, havia três meios principais de comunicação na região: telégrafo, rádio e imprensa
periódica. Cada um deles apresentava diferentes possibilidades comunicativas, bem como
diferentes preços para utilização dos serviços que ofereciam. Abordaremos os três meios
separadamente, mas tentando integrá-los. Embora diferentes, esses meios se
complementavam.
O primeiro permitia a comunicação direta entre as pessoas e as instituições político-
administrativas. Contudo, o preço do serviço nem sempre permitia que as pessoas o
utilizassem amplamente. O segundo tinha funções lúdicas e culturais. Entretanto, por ser um
aparelho caro, nem todas as pessoas podiam comprá-lo, mas ele permitia um uso coletivo. O
terceiro tinha finalidade informativa e usos mais políticos, mas possuía preços mais acessíveis
e também podia ser utilizado de forma coletiva.
Como em tudo que se refere à história do Extremo Sul da Bahia, é muito difícil
encontrar informações sobre como as pessoas utilizavam esses meios de comunicação. No que
se refere aos telégrafos e aparelhos de rádios, encontramos algumas poucas fontes que nos
permitem refletir sobre como esses meios eram utilizados. Não são fontes diretas, mas edições

315
CRUZ, Luiz Antônio Pinto. “A Guerra do Atlântico na costa do Brasil”: rastros, restos e aura dos u-boats no
litoral de Sergipe e da Bahia (1942-1945). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Salvador, 2017, p. 104.
316
Idem, p. 81.
317
KEEGAN (2016), op. cit., p. 91.
118

de jornais e cartas de particulares que mencionam a utilização de aparelhos de rádio e


telégrafo, ou que citam conteúdos de mensagens telegráficas e programações de emissoras
radiofônicas. No que tange aos meios impressos, encontramos fontes diretas, como o Boletim
Oficial Município de Belmonte.

4.1 A telegrafia, as cartas e a radiodifusão


Um dos grandes meios de comunicação do final do século XIX e início do XX foi o
telégrafo. Aqui nos referimos, especificamente, à telegrafia elétrica, sistema inventado por
Samuel Morse, cujo primeiro protótipo foi testado em 1835. O sistema se tornou plenamente
operacional em 1843, quando o governo dos Estrados Unidos financiou a instalação da
primeira linha telegráfica do mundo, que interligava as cidades de Baltimore e Washington
(DC). Como o aparelho telegráfico não permitia o envio de mensagens sonoras ou visuais,
somente impulsos elétricos, Morse criou um código específico para a comunicação por meio
de seu aparelho, baseado em pontos e linhas que representavam os caracteres gráficos da
escrita alfabética.
O sistema era relativamente simples, quando comparado com os recursos tecnológicos
de comunicação atuais. Todo o conjunto era composto por emissores, receptores, baterias,
cabos e especialistas em Código Morse. Para nós, que vivemos em meio a uma verdadeira
revolução nas telecomunicações, causada pela internet e as redes sociais virtuais, a telegrafia
parece algo muito rudimentar. Isso torna difícil imaginar os avanços que ela produziu em seu
tempo. Entretanto, conforme apontou Laura Antunes Maciel, o telégrafo pode ser considerado
“o modo de comunicação ancestral da internet”318.
Existem muitos paralelos entre a telegrafia e a internet. A telegrafia foi a primeira
tecnologia de informação utilizada em escala mundial, com comunicação praticamente
instantânea. Tal como a internet, a telegrafia dependia de uma intrincada rede de cabos
submarinos que conectavam continentes e países. No final do século XIX, surgiu a telegrafia
sem fio que, assim como a internet, utilizava ondas de rádio para enviar mensagens, o que fez
surgir a necessidade de criação e posterior ampliação de redes emissoras e receptoras de
ondas de rádio.
Ainda conforme Laura Maciel, o desenvolvimento e a difusão da telegrafia “criaram
uma cultura própria, com vocabulário, linguagem, ritmo e formas de comunicar

318
MACIEL, Laura Antunes. Cultura e tecnologia: a constituição do serviço telegráfico no Brasil. In: Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 41, p. 127-144, 2001, p. 127-128.
119

compartilhados por milhões de pessoas em todo o mundo”319. Nisso também há paralelos com
a forma como utilizamos a internet atualmente. Especificamente, as redes sociais que
controlam o número de caracteres que seus usuários podem escrever em cada mensagem
enviada. A linguagem telegráfica tinha que ser clara, objetiva e simples, sobretudo para
facilitar a transmissão das informações e porque o valor de uso geralmente era cobrado por
grupos de caractere escritos.
A telegrafia elétrica foi introduzida no Brasil em 1852, inicialmente restrita à
comunicação entre o imperador e o quartel general do exército brasileiro, no Rio de Janeiro. O
objetivo dessa primeira linha nacional era a expedição de ordens rápidas para a repressão ao
tráfico de pessoas escravizadas320. No mesmo contexto, Eusébio de Queiroz, o então ministro
da Justiça, determinou a instalação de linhas entre pontos de observação da chegada de navios
e os quartéis de polícia, o que acabou sendo a primeira extensão das redes telegráficas no
Brasil321.
Ao longo da década de 1850, as linhas de telegrafia foram expandidas lentamente pelo
território brasileiro. De acordo com Laura Antunes Maciel, foi a experiência da Guerra do
Paraguai que tornou evidente a necessidade de comunicações ágeis para a administração do
território brasileiro322. Assim, a telegrafia se apresentava como um recurso que poderia suprir
essa necessidade. Os investimentos estatais na expansão desse serviço o transformaram na
principal forma de integração do território nacional.
De acordo com Mauro Costa da Silva, os novos administradores brasileiros esperavam
que o telégrafo ajudasse a “nacionalizar e republicanizar o Brasil”323. Por nacionalizar deve-se
compreender a interligação das regiões do país, obra já iniciada pela monarquia. Também
promover o desenvolvimento material, por meio do incentivo à colonização das áreas
interioranas. “Republicanizar”, por sua vez, pode ser compreendido como a extensão da
autoridade das instituições republicanas às diversas partes do país, bem como o alinhamento
dos administradores e das pessoas aos pressupostos ideológicos do novo regime.
Um dos grandes defensores desse ideal foi o marechal Cândido Rondon, segundo o
qual, onde quer que chegasse o telégrafo, ali se faria sentir “os benéficos influxos da
civilização”324. Além disso, ainda conforme Laura Antunes, no interior do país, a utilidade do

319
MACIEL (2001), op. cit., 127.
320
Idem, p. 130-131.
321
SILVA, Mauro Costa da. A telegrafia elétrica no Brasil Império: ciência e política na expansão da
comunicação. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 49-65, jan./jun. 2011 p. 51.
322
MACIEL (2001), op. cit., p. 131-132.
323
Idem, p. 141.
324
Apud Maciel (2001), op. cit., p. 138.
120

telégrafo também estaria associada às noções militares de defesa do território, do governo e


administração de populações dispersas, de manutenção da ordem e progresso da nação325.
Dessa forma, de acordo com Carlos Eugênio Nogueira, no Brasil, pouco a pouco a
expansão das linhas de telegrafia foi se transformando em um fator de difusão da
modernidade326.
Os serviços telegráficos eram explorados tanto pelo Estado, via Departamento de
Correios e Telégrafos, quanto por empresas privadas, como companhias ferroviárias. O fato
de serem administradas pelo mesmo órgão possibilitava uma interação ente os serviços
postais e telegráficos. Isso porque onde havia uma agência telegráfica, havia também um
serviço postal. As concessões para a iniciativa privada visavam contribuir para baratear o
serviço e ampliar a cobertura telegráfica no país.
As primeiras linhas telegráficas que conseguimos identificar no Extremo Sul da Bahia
foram instaladas em Caravelas, durante a administração de Luís Antônio da Silva Nunes, que
governou a Bahia entre 1875 e 1877327. Como visto anteriormente, na segunda metade do
século XIX essa área da região despontava como um importante centro econômico regional.
Principalmente, devido ao escoamento da produção econômica das cidades situadas no
nordeste de Minas Gerais. A necessidade de controlar esse fluxo comercial, bem como a de
possibilitar uma comunicação eficiente entre produtores e comerciantes, pode ter sido o fator
determinante para a instalação de uma estação de telégrafo em Caravelas.
Aliás, pouco depois da instalação de linhas telegráficas, foi inaugurada a ferrovia
Bahia e Minas. A companhia também oferecia serviços telegráficos e postais na região. Após
a agência de Caravelas, as linhas de telégrafo se estenderam em direção a Mucuri e, por volta
da mesma época, também foi instalada uma estação de telegrafia em Alcobaça. Conforme
observamos no trabalho de Fábio Said, a Diretoria de Telégrafos alcobacense já funcionava
em 1881328.
No jornal Correio de Porto Seguro, identificamos que em 1912 as cidades de Porto
Seguro e Prado também já possuíam estações de telégrafos329. Por meio desse mesmo
periódico, descobrimos que a estação de Santa Cruz Cabrália foi inaugurada no dia 4 de abril
de 1913330. Por fim, na década de 1930, todas as cidades da região já possuíam suas estações

325
MACIEL (2001), op. cit., p. 138.
326
NOGUEIRA, Carlo Eugênio. Território, sertão e ciência: expedições civilizatórias e geografia no Brasil
(1900-1930). GEOUSP (Online), São Paulo, v. 22, n. 1, p. 043 – 060, jan./abr. 2018, p. 54.
327
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 46.
328
SAID (2010), op. cit., p. 63.
329
CORREIO DE PORTO SEGURO, ano I, n° 57, Porto Seguro, 25 de abr. 1913, p. 2.
330
Idem, idem.
121

telegráficas331. Em Belmonte, aliás, encontramos até um anúncio publicado no Boletim


Oficial, em dezembro de 1941, sobre aulas de radiotelegrafia, ministradas pelo sargento Omar
Carvalho332.

Mapa 5: Rede de telégrafos e correios do Extremo Sul da Bahia na década de 1940

Como se pode observar no mapa acima, os municípios de Caravelas e Mucuri eram as


áreas mais conectada por linhas telegráficas no Extremo Sul da Bahia, fato que se devia à
E.F.B.M. Por isso, o circuito das linhas acompanha os trilhos da ferrovia, o que permitia a
interligação entre as cidades de Caravelas e Mucuri com distritos localizados nos interiores de
seus territórios municipais, nos quais havia estações da companhia ferroviária. Isso reafirma a
ideia de que esse meio de comunicação era importante para o controle do fluxo econômico
dessas áreas. O mesmo acontecia em Belmonte, onde a cidade também estava conectada com
povoações no interior do município, embora não por agências telegráficas, mas postais.
Também nesse município essa conexão devia estar ligada à produção econômica.

331
ANUÁRIO... (1930), op. cit., p. 297.
332
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 210, Belmonte, 20 de dez. 1941.
122

Ainda com base nas informações do mapa, é possível perceber que as linhas públicas
de telegrafia eram, de forma geral, o grande mecanismo de conexão dos municípios do
Extremo Sul da Bahia. Não era apenas uma conexão no sentido das comunicações. De acordo
com o prefeito Sidrach Carvalho, no final dos anos 1940 as estradas da rede telegráfica que
cruzavam os municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro eram utilizadas
como vias de transporte “em lombo de animais”333. Como visto anteriormente, no Extremo
Sul baiano os animais também eram utilizados para transportar mercadorias. Nesse sentido, a
expansão da telegrafia na região corrobora a ideia dos governos republicanos de que o serviço
ajudaria a desenvolver materialmente as áreas interioranas do país.
Embora saibamos da importância do telégrafo como meio de comunicação, é difícil
perceber como ele dinamizou as comunicações na região. As poucas evidências que
encontramos parecem sugerir que, tal como acontecia em outras partes do Brasil, no Extremo
Sul baiano a telegrafia também era utilizada como um meio de difusão de notícias.
Encontramos matérias compostas a partir de conteúdos de telegrama, tanto no Correio de
Porto Seguro, quanto no Boletim Oficial de Belmonte.
De acordo com Laura Antunes Maciel, o telégrafo “acelerou o tempo vivido, apressou
a circulação das notícias” e “transformou o modo de descrever os acontecimentos” 334. Ao
longo das 79 edições que encontramos do Correio porto-segurense identificamos 30 notícias
construídas dessa forma. Eram matérias compostas a partir de informações contidas em
telegramas, com temas diversos: óbitos, nascimentos, aniversários, passagem de viajantes,
casos policiais, entre outros. Curiosamente, os conteúdos dos telegramas não eram impressos
diretamente no Correio de Porto Seguro, eram apenas aludidos pelo redator. Talvez essa fosse
uma estratégia para controlar o espaço editorial, ou uma medida que visava deixar espaço
aberto para a interpretação e criatividade do editor no momento de composição da matéria.
No Boletim Oficial Município de Belmonte, os conteúdos dos telegramas eram
impressos na íntegra, transformados eles mesmo em notícias, sem interpretações. A diferença
no uso dos telegramas entre os dois jornais pode estar ligada ao tipo de comunicação desses
dois periódicos. O Correio porto-segurense era privado, mantido por colaboradores e seu rol
de notícias era muito variado, abordando desde notas do cotidiano da população local, até
questões políticas e econômicas. O Boletim belmontense era um jornal oficial e grande parte
de seu espaço editorial era reservado para publicação de matérias relacionadas ao cotidiano
administrativo do município. Mas também eram publicadas notícias diversas, entretanto, com

333
CARVALHO (1949), op. cit., p. 19.
334
MACIEL (2001), op. cit., p. 128.
123

certas limitações inerentes à veículos de comunicação oficial – não eram apresentadas críticas
à administração municipal, por exemplo.
É importante destacar, também, que existe uma diferença temporal entre as edições
que encontramos desses dois periódicos, que não pode ser desconsiderada. As edições do
Correio de Porto Seguro que acessamos eram dos anos 1912-1914, e as do Boletim das
décadas de 1930-1940. O Correio de Porto Seguro estava no limiar da transição entre as fases
de consolidação e modernização da imprensa brasileira. Embora apresentasse algumas
características que configurariam a fase da modernização, como a venda de espaços nas
páginas do jornal para anúncios e propagandas, suas notícias estavam intimamente ligadas ao
cotidiano do município de Porto Seguro, além de militar pela defesa dos interesses de seus
assinantes.
O Boletim Oficial de Belmonte, por sua vez, fez parte de um período no qual a
imprensa e o jornalismo brasileiros já haviam assumido um caráter mais técnico e
profissional. Juarez Bahia denominou essa fase de “moderna”335 e Nelson Werneck Sodré
chamou-a de “imprensa burguesa”336. Ambas as classificações estão interligadas, pois o
processo de modernização da imprensa brasileira implicou uma maior mercantilização dos
veículos de mídia impressa e o controle por parte de conglomerados empresariais. Nela, a
adoção de moldes capitalistas e o caráter industrial provocaram grandes mudanças na
atividade jornalística e na imprensa de forma geral.
Uma das características marcantes desse período, de acordo com Carlos Eduardo Lins,
foi a influência do jornalismo americano sobre o brasileiro. Esse fenômeno se consolidou no
período da Segunda Guerra Mundial337. A imprensa americana, dotada de uma concepção
mais científica, considerava que o objetivo do jornalismo era apresentar o fato, tal como ele
teria ocorrido338. A forma como os telegramas eram apresentados no Boletim Oficial de
Belmonte parece ter seguido esse modelo.
Foi justamente por meio de um telegrama impresso nas páginas do Boletim que
encontramos uma das primeiras notícias da Segunda Guerra Mundial publicada no Extremo
Sul da Bahia, após a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália. Era uma mensagem
enviada pelo interventor federal na Bahia, Landulfo Alves, ao prefeito de Belmonte,
Godofredo Mendes Bandeira. Além de informar sobre a entrada do país na guerra, o

335
BAHIA, Juarez. Três fases da imprensa brasileira. Santos: Editora Presença, 1960, p. 65-81.
336
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 355-389.
337
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O adiantado da hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro.
São Paulo, Summus, 1991, p. 71-88.
338
Idem, p. 41-56.
124

interventor listou uma série de cuidados que deveriam ser dispensados aos estrangeiros
residentes no município339.
Além dos usos feitos pela imprensa, identificamos alguns registros da utilização da
telegrafia por um particular, Francisco Marino Modesto, soldado de um dos destacamentos
mineiros que estiveram no Extremo Sul da Bahia, entre 1943 e 1944. Enquanto esteve na
região, Francisco Modesto enviou diversas cartas à esposa, Ernestina Antunes Modesto, e
também alguns telegramas. Ao contrário de suas cartas, não tivemos acesso aos telegramas
diretamente, mas encontramos menções a eles nas missivas. Essas menções nos fornecem
pistas interessantes sobre os usos e o funcionamento da telegrafia na região.
Em uma das primeiras cartas que escreveu, após chegar a Porto Seguro, Francisco
Modesto descreveu a cidade como uma povoação “antiquíssima”, mas que “não progrediu
quase nada, só tem telégrafo”340. A expressão “só tem telégrafo” é particularmente
significativa, pois parece ser um reflexo do imaginário republicano, apontado anteriormente,
segundo o qual a telegrafia seria capaz de levar o desenvolvimento material ao interior do
país. Contudo, apesar da telegrafia ter sido apresentada como traço de desenvolvimento,
Francisco Modesto apontou um entrave à modernidade representada por esse sistema de
comunicação: o próprio telegrafista. Conforme escreveu, o operador do telégrafo era “de
veneta”341, quando tinha muito serviço, não aceitava mais pedidos, dizendo “só amanhã,
senão eu não aguento”342.
De acordo com o senhor Raimundo Costa Sampaio, que chegou a Porto Seguro no dia
26 de maio de 1946, a agência telegráfica da cidade funcionava apenas por um período de
quatro horas, das 10 às 14 horas. Conforme relatou: “Se, por algum motivo, os telegramas não
fossem enviados nesses horários, a pessoa teria que aguardar o próximo horário”343.
Aparentemente, Francisco Modesto se deparou com a mesma situação encontrada pelo senhor
Raimundo Costa. Inclusive, o senhor Raimundo também descreveu um costume que lhe
chamou atenção no funcionamento da agência de telégrafos de Porto Seguro:

Como não havia estafeta, ou seja, o entregador, o chefe do correio pedia a


alguém que conhecia o destinatário para entregar o telegrama. Quando a

339
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 247, Belmonte, 05 de set. 1942.
340
MODESTO, Francisco Marino. Carta 2. Porto Seguro, 22 de mai. 1943.
341
Idem, idem.
342
Idem, idem.
343
COSTA, Raimundo. Porto Seguro: um pouco de sua história e um sonho realizado. São Paulo: All Print
Editora, 2018, p. 50-51.
125

pessoa dizia que ia demorar, ele então dizia: “- Não tem pressa. É fulano que
manda dizer que...” e aí ele falava o conteúdo do telegrama344.

Talvez esse costume tenha surgido devido à grande quantidade de pessoas analfabetas
existentes no município. Conforme visto anteriormente (Quadro 4), de acordo com os dados
do censo de 1950, mais de 84% da população porto-segurense era analfabeta na década de
1940. Entretanto, a falta de letramento não era um impeditivo para a utilização dos serviços
telegráficos. As mensagens enviadas eram codificadas, portanto, de qualquer forma o
telegrafista teria acesso a ela e, nesse sentido, bastava o emissor ditar o conteúdo da
mensagem ao operador do telégrafo para conseguir utilizar o serviço.
Ao longo de suas cartas, Francisco Modesto mencionou ter trocado pelos menos nove
telegramas com sua esposa. Entretanto, apesar da rapidez e praticidade da comunicação
telegráfica, o principal meio que ele utilizava para se comunicar com a companheira eram as
cartas. O maior uso das cartas podia estar relacionado aos valores dos dois serviços.
Conforme a Lei n° 537, de 1937345, a taxa para o envio de telegramas ordinários
incidia sobre um grupo de 50 palavras, cujo valor cobrado era Cr$ 1,00. Caso a mensagem
ultrapassasse as 50 palavras, eram acrescentados Cr$ 0,10 centavos por palavra excedente, no
caso de telegramas com percurso estadual; e Cr$ 0,20 para os interestaduais. Por outro lado,
uma carta simples, com peso de até 20 gramas, custava Cr$ 0,40 centavos. Ou seja, com o
valor de um telegrama, Francisco Modesto conseguia enviar duas cartas.
A grande vantagem do telégrafo era mesmo a velocidade da comunicação. Talvez por
isso, nas primeiras semanas na região, Francisco Modesto parece ter utilizado mais esse
serviço, possivelmente para tentar confortar a esposa, transmitindo-lhe informações imediatas
sobre o local e as condições de onde ele estava. No dia 3 de junho de 1943, menos de um mês
que havia chegado à região, Francisco Modesto escreveu à esposa avisando que havia lhe
enviado uma “carta telegráfica com resposta paga”346. Na mesma ocasião, disse que já havia
lhe enviado “uns seis telegramas”347.
Passado o período inicial, Francisco Modesto só voltou a se referir a telegramas em
suas correspondências dois meses após se instalar em Porto Seguro. Em carta escrita no dia 12
de agosto, disse: “Recebi ontem o telegrama em que dizias ter ido para Pouso Alegre”348.

344
COSTA (2018), p. 51.
345
LEI n° 537, 11 de outubro de 1937, Título II, Capítulo I, art. 24. Diário Oficial da União de 01 de novembro
de 1937, p. 21.864, col. 1.
346
MODESTO, Francisco Marino. Carta 3. Porto Seguro, 3 de jun. 1943.
347
Idem, idem.
348
MODESTO, Francisco. Carta10. Porto Seguro, 12 de ago. 1943.
126

Após isso, Francisco Modesto só voltaria a fazer referências a telegramas em outubro de


1943, mas quando já estava em Juiz de Fora, Minas Gerais. Enquanto esteve em Porto
Seguro, o principal meio de comunicação com sua esposa foram mesmo as cartas.
Aliás, foi por meio de uma carta que Francisco Modesto informou à esposa sobre um
ataque naval ocorrido na costa brasileira: “Soubemos aqui que foi torpedeado mais um navio
nosso “Bagé”, não sei se é verdade”349. O Bagé foi atacado ao largo das costas da Bahia e
Sergipe, no dia 31 de julho de 1943. Francisco Modesto informou à esposa sobre o ocorrido
quase 15 dias depois do evento. Não sabemos quando os militares que estavam em Porto
Seguro receberam essa notícia, mas parece que, mesmo os militares que estavam inseridos nos
grupos de defesa do litoral, não tinham acesso imediato a esse tipo de informação. Deve-se
destacar que Francisco Modesto ocupava a patente de 3° sargento, o que talvez sugira que ele
tinha acesso a mecanismos de informação maiores que os de um soldado comum.
Independentemente de como ele soube dessa informação, é interessante observar o
caminho que a notícia fez para chegar à Ernestina Modesto, que estava no interior de Minas
Gerais. Talvez, em Pouso Alegre, onde residia, Ernestina tenha recebido a notícia sobre o
Bagé em primeira-mão. De forma geral, as notícias sobre essa embarcação demoraram pelo
menos uma semana para chegar às páginas dos principais jornais do país. O A noite, um dos
principais periódicos cariocas do período, por exemplo, só começou a cobrir o caso a partir do
dia 8 de agosto350.
Importante destacar que as correspondências militares, certamente, estavam sujeitas à
censura. Mas no caso da informação cedida por Francisco Modesto, não havia nenhum risco
de segurança na difusão da notícia. Sobretudo, porque aparentemente ele nem tinha certeza se
o navio realmente havia sido atacado.
Em média, Francisco Modesto enviava cartas à esposa a cada três ou quatro dias. Por
meio de uma delas deduzimos que ele utilizava o Correio Aéreo Nacional (CAN) e não os
serviços navais. Conforme disse à esposa:

Sei que não seguiu a carta que escrevi-te anteontem, pois o avião não
veio para aqui; assim, quando receberes esta, deves receber a outra também.
Ontem fui ao correio e lá fiquei até 6 horas, perdi até o jantar afim de
receber uma cartinha tua, pois veio só o avião do sul e não tinha nada para
mim. Vou esperar o de 2ª feira; por certo virá, não?351

349
MODESTO (1943), Carta10, op. cit.
350
A NOITE, ano XXXIII, n° 11.311, Rio de Janeiro, 8 de ago. 1943.
351
MODESTO (1943), carta 10, op. cit.
127

Não sabemos quando exatamente os aviões do CAN começaram a fazer escalas em


Porto Seguro, mas sabemos que foi depois de maio de 1939, quando foi inaugurado o campo
de aviação do município, que ficava no distrito de Arraial d’Ajuda352. O registro mais antigo
que encontramos sobre a passagem dos aviões do CAN por Porto Seguro está em um mapa de
voo impresso no Boletim Oficial de Belmonte, em novembro de 1940.

Imagem 7: Escalas do Correio Aéreo Nacional

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 16,


nº 152, Belmonte, 09 de nov. 1940.

Note-se que na carta, citada logo acima, Francisco Modesto se referiu a uma chegada
de aeronave do correio que passaria às segundas-feiras, vindos do sul. Contudo, como se pode
observar na imagem acima, não havia escalas nas segundas. Ou ele desconhecia a correta
periodicidade do correio aéreo ou o cronograma descrito acima foi alterado em algum
momento, entre 1940 e 1943. Também pode ser que no período em que ele esteve na região as
linhas aéreas haviam sido ampliadas.
Ainda conforme se pode observar nas escalas, no Extremo Sul da Bahia, apenas os
municípios de Belmonte, Porto Seguro e Caravelas recebiam aeronaves do CAN. O fato de os
preços serem os mesmos que os do correio convencional, transportado por via terrestre ou

352
Ver: TOSATI, Rafael. Criação, manutenção e administração do campo de Arraial d’Ajuda. In: SILVA,
Tharles S. (org.). Asas para Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação do Arraial d’Ajuda.
Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2019, p. 135-159.
128

marítima, o CAN devia atrair mais usuários, onde os aviões do serviço faziam escalas.
Especialmente porque, como descreveu o senhor Raimundo Costa Sampaio, as cartas
“chegavam mais rápido quando vinham nos aviões do CAN”353. Porém, como se pode ver nas
escalas, o CAN não atendia todas as partes da Bahia e do Brasil, por isso, não podia ser o
único serviço utilizado pelas pessoas, nem esse era o seu objetivo.
Ainda conforme o senhor Raimundo Sampaio: “Cartas e encomendas vinham nas
malas dos Correios, por meio do navio da Navegação Baiana, vindo de Salvador uma vez por
mês e por pequenos barcos a motor e à vela”354. Apesar da aparente grande quantidade de
meios disponíveis para o despacho de cartas e encomendas, conforme sugerido nas cartas de
Francisco Modesto, os atrasos pareciam ser comuns. O senhor Raimundo Sampaio também
aludiu aos atrasos: “Às vezes, as cartas demoravam mais de um mês”355.
As estações de correios e telégrafos também eram equipadas com aparelhos
telefônicos. Em 1949, ao descrever a situação econômica de Santa Cruz Cabrália, o prefeito
Sidrach Carvalho afirmou que a agência de correios e telégrafos daquele município era
munida de “um aparelho Morse e um telefone”356. Ao descrever as formas de comunicação
existentes em Porto Seguro, quando de sua chegada, o senhor Raimundo Costa disse:

- Outra forma de comunicação era o telefone dos Correios, pelo qual o


funcionário da empresa entrava em contato com outra estação quando estava
correndo a linha e transmitia o recado solicitado, como uma forma de favor,
sendo esse serviço gratuito357.

Essa “camaradagem”, descrita por Raimundo Sampaio, talvez indique a existência de


laços de amizade desenvolvidos entre os funcionários da estação de telegrafia e a população
local. Ou de interesses, tendo em vista que o que ele apontou como serviço gratuito talvez
fosse uma troca de favores. Raimundo Costa vinha de Salvador e, talvez lá, por ser um local
maior, esse tipo de relação entre os funcionários das agências de telegrafia e os moradores
locais fossem menos aparentes. Mas em Porto Seguro, uma cidade que à época de sua
chegada, 1946, tinha pouco mais de 16 mil habitantes, as relações entre as pessoas deviam se
pautar em uma proximidade muito maior do que a que ele estava acostumado e por isso achou
interessante descrever isso em suas memórias pessoais.

353
SAMPAIO (2018), op. cit., p. 51-52.
354
Idem, p. 51.
355
Idem, idem.
356
CARVALHO (1949), op. cit., p. .19.
357
SAMPAIO (2018), op. cit., p. 51.
129

Possivelmente, os aparelhos telefônicos citados tenham sido implantados após a


Segunda Guerra Mundial. No que tange a Porto Seguro, o senhor Decio Gurrite Pessoa
afirmou que o serviço telefônico foi implantado na década de 1930, mas não apresentou
detalhes sobre como isso ocorreu358. Não encontramos outras referências bibliográficas ou
fontes que abordassem essa questão. Curioso é que Francisco Modesto, mesmo se
preocupando em descrever todos os elementos que encontrou em Porto Seguro à sua esposa,
incluindo os materiais utilizados na construção de habitações, não fez nenhuma menção a
aparelhos telefônicos na cidade.
Conforme o senhor Raimundo Costa, telefones particulares só foram implantados em
Porto Seguro no ano de 1960. Segundo afirmou, um grupo de 50 moradores da cidade,
naquele ano, se uniram e criaram uma empresa para instalar 50 aparelhos telefônicos. A
empresa funcionou por quase 20 ano até que, em 1977, a prefeitura local, à época comandada
por Carlos Alberto Parracho, adquiriu ações da TELEBRÁS e celebrou um convênio com a
empresa Telecomunicações da Bahia S.A. para criar uma rede de telefonia pública no
município.
De volta ao telégrafo, outro exemplo de sua utilização no Extremo Sul da Bahia,
durante a Segunda Guerra Mundial, ocorreu em Caravelas. Mais uma vez, relacionado aos
soldados que estiveram na região. Conforme descreveu Oswaldo Pereira Gomes, em
Caravelas:

Numa madrugada de julho [de 1943] o Grupo recebeu um telegrama


da Barra [do rio Caravelas], onde se localizava um posto de observação da
tropa de Infantaria, informando que uma luz, provavelmente de um
submarino, rondava as imediações.
Deu-se o alarme geral e as baterias de tiro dirigiram-se rapidamente
para o local. Tomaram as suas posições à espera do inimigo, em vão...359

Como se pode observar no fragmento acima, o telegrafo era uma ferramenta muito útil
naquele contexto de guerra, pois permitia a rápida comunicação entre os destacamentos
militares que estavam estacionados na região. Mas essa facilidade era possível apenas no
município de Caravelas que, como se pôde observar no Mapa 5, contava com uma cobertura
maior de redes telegráficas. Nas outras municipalidades da região, pelo que pudemos
perceber, havia estações de telégrafos apenas nas sedes municipais. Aliás, o fato de os
soldados terem sido avisados por meio de um telegrama indica que a instalação de uma linha

358
PESSOA (2013), op. cit., p. 12.
359
GOMES (1983), op. cit., p. 56-57.
130

telefônica ligando o povoado de Barra à cidade de Caravelas, como pretendia o prefeito


Sócrates Ramos em 1938, como visto anteriormente, não foi realizada.
Embora sejam poucas as informações sobre a utilização dos telégrafos e das
correspondências como veículos transmissores de notícias sobre a guerra, é possível perceber
que foram utilizados dessa forma. Mas questões relacionadas aos valores dos serviços e no
que tange mais especificamente às cartas, certamente impediam a utilização em grande
quantidade desses serviços. No caso das correspondências, também se deve levar em
consideração limitações como a quantidade de selos disponíveis nas agências de correios e as
irregularidades na periodicidade dos transportadores.
Tal como a telegrafia elétrica, a radiodifusão foi – e continua sendo – uma das
tecnologias de comunicação mais eficientes e importantes desenvolvida pelos seres humanos.
De forma geral, se considera que a primeira radioemissão humana ocorreu em 1906, nos
Estados Unidos, durante um experimento conduzido por Lee de Forest. Mas foi durante a
Primeira Guerra Mundial que a tecnologia foi aprimorada. Conforme apontou Lia Calabre, a
experiência da guerra fez com que governantes de diversos países percebessem que a
radiodifusão seria um elemento fundamental no campo da comunicação à distância360. Assim,
em 1920, também nos Estados Unidos, foi inaugurada a primeira emissora de rádio comercial
do mundo.
Tal como no caso da telegrafia, a radiodifusão foi pensada e utilizada como uma
ferramenta de integração territorial e de desenvolvimento econômico. Além disso, se
percebeu, desde o início, que as transmissões radiofônicas seriam formas muito eficazes para
a difusão de ideologias políticas e manifestações culturais. Porém, devido aos custos de
instalação das redes de emissão e recepção, e também os preços dos aparelhos de rádio, o uso
do equipamento, inicialmente, estava praticamente restrito aos círculos das elites sociais.
Para ampliar a sua utilização, os governos investiram na expansão das emissoras e na
fabricação de aparelhos de rádio, o que levou à rápida multiplicação da radiodifusão.
Contudo, essa expansão levantou questões relacionadas à segurança interna dos países. Nesse
contexto, os governos começaram a negociar protocolos internacionais para regular as
frequências e alcance das ondas sonoras361.
No Brasil, a primeira emissora de rádio comercial foi inaugurada em 1923, a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, criada por Roquette Pinto e Henrique Morize. Sua finalidade,

360
CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. Estudos Históricos, n° 31,
v. 1, Rio de Janeiro, 2003, p. 161-181, p. 161.
361
Idem, idem.
131

seguindo os princípios da radiodifusão europeia, era estritamente cultural e educativa362.


Entretanto, como destacou Othon Jambeiro, naquela época a radiodifusão movimentava
apenas a elite intelectual e social363. Foi somente ao longo da década de 1930 que a
radiodifusão começou a se popularizar. Sobretudo, devido aos investimentos estatais no setor
e a industrialização do centro-sul, que gerou a ampliação da fabricação de aparelhos de rádio
e do mercado de bens de consumo nacional de forma geral.
Além disso, com o patrocínio e o oferecimento de serviços publicitários, as
transmissões de rádio se tornaram atividades bem-sucedidas comercialmente. A introdução de
programas de entretenimento, destinados a atender às novas camadas consumidoras (classes
média e baixa), ampliou a utilização e consumo da radiodifusão no país 364. Dessa forma, a
programação que antes enfatizava notícias de interesse das elites começou a se transformar
em algo consumido por amplos setores da sociedade.
O governo de Getúlio Vargas desempenhou um papel muito importante na expansão
da radiodifusão. De acordo como Othon Jambeiro, ao longo das sucessivas fases do governo
de Vargas365, “nenhum meio de comunicação foi tão utilizado politicamente quanto o
rádio”366. Curiosamente, uma marchinha composta por Lamartine Babo, no contexto das
mobilizações de outubro de 1930, já prenunciava a importância da radiodifusão para Getúlio
Vargas:

Só mesmo com revolução


Graças ao rádio e ao parabélum
Nós vamos ter transformação
Neste Brasil verde-amarelo
Getúlio367.

De acordo com a canção, apenas uma revolução promoveria as transformações


políticas, econômicas e sociais que se esperava ver no Brasil daquele momento. Interessante
observar que, para Lamartine Babo, a revolução seria possível apenas com comunicação

362
CALABRE (2003), p. 161-162.
363
JAMBEIRO, Othon [et al.]. Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação. Salvador: EDUFBA,
2004, p. 48.
364
JAMBEIRO (2004), op. cit., p. 48.
365
De forma geral, se costuma dividir o período de governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, em três fases:
Provisório; Constitucional; e Estado Novo.
366
JAMBEIRO (2004), op. cit., p. 109.
367
BABO, Lamartine. Ge Ge (Seu Getúlio). Rio de Janeiro: Parlophon, 1931. 2:39min. Disponível em:
https://discografiabrasileira.com.br/. Acesso em: 4 de mar. 2022.
132

(rádio) e força (parabélum368). De fato, o rádio foi uma ferramenta muito útil naquele
contexto. Sobretudo, devido à sua capacidade de promover uma comunicação instantânea
entre o governante e a população. Por isso, a radiodifusão foi objeto de atenção de diferentes
ministérios, entre os quais se destacaram aqueles mais diretamente ligados às questões sociais,
culturais e econômicas: Educação, Trabalho e Justiça369.
Entre 1931 e 1932, os decretos n° 20.047 e 21.111 instituíram os princípios que
nortearam a regulamentação da indústria radiofônica brasileira. Posteriormente, essas normas
também serviriam de base para controlar a indústria televisiva. Por radiodifusão se
compreendia aqui a definição dada por essa legislação: “radiocomunicação de sons ou
imagens destinadas a serem livremente recebidas pelo público”370.
A legislação mencionada, conforme apontou Othon Jambeiro, considerou o espectro
eletromagnético como um bem público e de interesse nacional, tal como as reservas minerais
e hídricas, por exemplo371. Por isso, sua exploração era feita de forma semelhante: por meio
da concessão pública expedida por decreto do Poder Executivo. O período das concessões era
– e continua sendo – de dez anos, podendo ou não serem renovadas. A atividade era reservada
aos brasileiros e deveria ser utilizado com finalidades educacionais, mas as concessões davam
direito às emissoras de obterem lucro comercial por meio da exploração do serviço.
Com a regulação, Getúlio Vargas estabeleceu, como um de seus objetivos, “incentivar
a generalização do uso do rádio tanto em escolas quanto em locais de trabalho – fossem
estabelecimentos industriais ou agrícolas”372. Mas a regulamentação estatal, apesar de
melhorar a oferta do serviço e estabelecer os parâmetros de concorrência na indústria
radiofônica, tinha suas consequências. Especialmente, após a implantação do Estado Novo.
As emissoras de rádio estavam sujeitas à censura e eram obrigadas a veicular materiais de
propaganda estatal, via Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)373.
Aliás, o DIP possuía sua própria divisão de rádio. Possuía, também, um programa
próprio, a “Hora do Brasil”. O programa havia sido criado em 1934 e, por força de lei, era
transmitido em todas as emissoras do país, no mesmo horário.
Contudo, apesar da ampliação da radiofonia, experimentada ao longo da década de
1930, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que os aparelhos de rádio se tornaram mais
368
Nome abrasileirado da pistola automática Parabellum (calibre 9 mm x 19 mm), de fabricação alemã. Era uma
arma muito utilizada no Brasil, naquele período.
369
CALABRE (2003), op. cit., p. 162.
370
DECRETO n° 21.111, de 1 de março de 1932. Diário Oficial da União, seção 1, 4 de março de 1932, p.
3.914. Art. 3°.
371
JAMBEIRO (2004), op. cit., p. 185.
372
CALABRE (2003), op. cit., p. 169.
373
JAMBEIRO (2004), op. cit., p. 12.
133

acessíveis às classes populares do Brasil. Além disso, o período da guerra gerou


transformações significativas na forma como o rádio era utilizado no país. Especialmente,
devido ao fortalecimento do radiojornalismo. De acordo com Othon Jambeiro, o
radiojornalismo era o grande destaque da programação das emissoras, porque era a maneira
mais rápida de se informar sobre o que acontecia nos campos de batalha europeus e outras
partes do mundo374.
A importância dos programas de radiojornalismo era tão grande, que alguns locutores
foram enviados para frentes de batalha ou para os países Aliados, onde atuavam como
correspondentes de guerra, transmitindo as informações via telefonemas ou por telégrafos.
Dessa forma, o rádio atuou como um dos mais importantes canais de difusão das notícias
sobre a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o maior expoente do radiojornalismo no período
da guerra foi o Repórter Esso, um noticiário baseado no programa americano Your Esso
Reporter. A primeira transmissão do programa ocorreu no dia 28 de agostos de 1941, na
Rádio Nacional do Rio de Janeiro. A partir desse momento, e até o fim do conflito, foram
apresentadas notícias diárias sobre os eventos bélicos. Até no Brasil, foi o Repórter Esso que
noticiou em primeira mão o fim da guerra na Europa, em maio de 1945.
A Bahia acompanhou todo esse processo, tanto o de expansão da radiodifusão em si,
quanto a do radiojornalismo. A primeira emissora radiofônica do estado, a Rádio Sociedade
da Bahia, foi criada em 1924. Em 1941, já durante a expansão da guerra na Europa, foi
inaugurada outra emissora baiana, a Rádio Excelsior da Bahia.
De acordo com João Falcão, ao longo dos primeiros meses de 1942, a Rádio
Sociedade da Bahia deu grande apoio às mobilizações estudantis, que exigiam uma resposta
firme do governo aos sucessivos ataques do Eixo à marinha mercante brasileira. Ela exibia um
programa diário, que ia ao ar às 13 horas. Durante a programação, eram noticiadas as ações da
Comissão Central Estudantil pela Defesa Nacional e Pró-Aliados, principal órgão que
mobilizava os estudantes baianos, fundada em abril de 1942375. Esse apoio aos estudantes é
um exemplo de como o rádio foi utilizado durante a guerra.
Não conseguimos descobrir como e quando se deu a inserção da radiodifusão no
Extremo Sul da Bahia. Contudo, sabemos que algumas pessoas da região possuíam aparelhos
de rádio no início dos anos 1940: o prefeito Manoel Ribeiro Coelho e o comerciante
português Antônio Fernandes Parracho, em Porto Seguro, e Abiah Elizabeth Reuter, em

374
JAMBEIRO (2004), op. cit., p. 123.
375
FALCÃO (1999), op. cit., p. 89.
134

Belmonte376. Possivelmente, havia outros aparelhos espalhados pela região, mas não
conseguimos encontrar fontes a esse respeito.
Além disso, as delegacias de polícia de Belmonte e Porto Seguro também possuíam
aparelhos de rádio, o que pode indicar que as delegacias das demais cidades da região também
contassem com aparelhos radiofônicos377. De acordo com Raimundo Costa Sampaio, era
possível mandar recados via rádio da polícia, em Porto Seguro, embora, o aparelho nem
sempre funcionasse378. Talvez esse tipo de uso dos rádios nas delegacias também acontecia
nas demais cidades da região.
Talvez o número de aparelhos radiofônicos na região fosse reduzido, mas a forma
como as pessoas os utilizava poderia contornar esse tipo de limitação. Várias pessoas podiam
se reunir em torno de um único aparelho para acompanhar uma programação específica, como
uma radionovela, um noticiário ou uma programação musical. Uma experiência narrada por
Francisco Modesto nos dá uma ideia a esse respeito.
Torcedor do time de futebol do Botafogo, em suas cartas Francisco relatou à esposa ter
acompanhado partidas de futebol, enquanto esteve em Porto Seguro. Em uma delas, disse:
“Por um rádio que tem aqui, consegui ouvir o Botafogo domingo; bateu de 4x0 e fiquei bem
contente”379. Em outra: “Ouvi, com dificuldade domingo, o Botafogo, saí com uma dor de
cabeça danada, jogou melhor que o Flamengo e apanhou”380. Ele também revelou quem era o
dono do aparelho de rádio. Conforme disse: “Só saio aos domingos, que vou até a casa do
prefeito com os amigos, ouvir um futebolzinho”381.
Deve-se destacar que uma das coisas que possibilitou a transformação do futebol em
um esporte de massas foi justamente a radiodifusão. Sobretudo, devido às estratégias do
governo de Getúlio Vargas para se aproximar dos trabalhadores urbanos, principais
praticantes e consumidores do esporte. Por meio da cobertura dos jogos as emissoras
cumpriam um dos objetivos do rádio estabelecidos pelo governo Vargas, a difusão cultural.
O prefeito do período era Manoel Ribeiro Coelho, mencionado anteriormente. De
acordo com o senhor Raimundo Costa Sampaio, por volta de 1947, esse mesmo prefeito criou
um sistema de alto-falante, ligado ao seu próprio aparelho de rádio, através do qual era

376
MODESTO, Francisco Marino. Carta 17. Porto Seguro, 27 de jul. 1943; PESSÔA (2018), op. cit.;
BEZERRA (2016), op. cit.; BANDEIRA, João Borges. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles S.
Silva e Vinícius Parracho. Belmonte, dez. 2016.
377
BOLETIM... (1942), nº 230, op. cit.; SAMAPAIO (2018), op. cit., p. 51.
378
SAMAPAIO (2018), op. cit., p. 51.
379
MODESTO, Francisco Marino. Carta6. Porto Seguro, 16 de jun. 1943.
380
Idem. Carta 8. Porto Seguro, 22 de jun. 1943.
381
MODESTO (1943), Carta 17, op. cit.
135

transmitida a programação do Repórter Esso382. Esse relato confirma que o Repórter Esso era
escutado em Porto Seguro, embora não possamos afirmar que no período da guerra as pessoas
já acompanhassem o programa, mas é razoável presumir que sim.
Posteriormente, ainda conforme Raimundo Costa, o sistema foi instalado em um lugar
próprio e funcionou até 1961383. Certamente, o sistema visava possibilitar que um número
maior de pessoas escutasse os programas radiofônicos. Sobretudo, indica que de fato o
número de aparelhos de rádio era reduzido em Porto Seguro. O senhor Raimundo Costa
Sampaio também forneceu um exemplo muito interessante a respeito da utilização da
radiodifusão na Bahia:

- Por meio de um Programa Radiofônico da Rádio Sociedade da Bahia, em


Salvador, do Jornalista Raimundo Reis. De Salvador, as mensagens eram
transmitidas da seguinte forma: “José, em Porto Seguro, Felismino mandou
dizer que chegou bem e amanhã vai ao médico. Pedro Santos, de Porto
Seguro, avisa à sua família que vai voltar no barco Roseira que sai
amanhã”384.

Devido ao número reduzido de aparelhos radiofônicos, é possível que esses recados


fossem retransmitidos até chegar a seus destinatários, criando uma espécie de rede
comunitária de transmissão de notícias. Conforme visto anteriormente, o Extremo Sul da
Bahia era uma região muito dependente das atividades marítimas. Por isso, esse tipo de
utilização da radiofonia deve ter ganhado ainda mais relevância no período da guerra.
Principalmente, entre 1942 e 1943, devido aos ataques navais na costa brasileira.
Como afirmou Jorge Pedro Sousa, o rádio é “a caixa de música”385do mundo
contemporâneo, que informa e entretém. As mensagens sonoras funcionam como estímulos
auditivos e, com elas, o rádio transmite imagens da realidade, comunica sensações,
sentimentos e emoções386. Dessa forma, a radiodifusão pode ajudar a relaxar, pode fornecer
um fundo sonoro para o trabalho e pode minorar a sensação de solidão. Essa é a direção para a
qual apontam os relatos de Francisco Marino Modesto. Em meio às tensões do período de
guerra, os momentos em companhia dos amigos funcionavam como uma forma de escapar às
incertezas daquele tempo e isso servia tanto para os soldados, quanto para os moradores
locais.

382
SAMAPAIO (2018), op. cit., p. 51.
383
Idem, idem.
384
SAMAPAIO (2018), op. cit., p. 51.
385
SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media. Porto: Biblioteca on-
line de Ciências da Comunicação, 2006, p. 571.
386
Idem, p. 73-4.
136

Entretanto, embora o rádio fosse utilizado de forma lúdica e informativa, durante a


guerra ele também esteve no centro das tensões que envolveram brasileiros e estrangeiros.
Muitas pessoas de origem alemã, italiana e japonesa foram acusadas de se comunicar com as
tripulações dos submarinos que estavam atacando as embarcações mercantes brasileiras.
Histórias desse tipo, que serão abordadas em outra seção deste trabalho, foram registradas em
Belmonte, Porto Seguro e Prado.

4.2 O Boletim Oficial Município de Belmonte


Fundado em 1921, durante sete décadas o Boletim Oficial foi uma das grandes fontes
de informações sobre o município de Belmonte. O jornal era publicado semanalmente, sempre
aos sábados, impresso em uma tipografia própria. Tipicamente, seu caderno era composto por
quatro folhas, totalizando oito páginas, mas em algumas ocasiões eram impressas edições,
com cadernos de até 16 páginas.
Havia dois eixos muito claros de notícias publicadas no Boletim: um com informes
sobre o expediente da prefeitura e outro de cunho geral. No primeiro, eram apresentados
dados referentes à administração pública municipal, como prestações de contas, decretos,
propagandas das ações dos poderes municipais, entre outras coisas. No segundo, diversas
informações, como visitas de viajantes, despedidas, notas de falecimento e aniversários,
convites, textos com temas variados, anedotas e muitas outras coisas. Havia, ainda, pequenas
mensagens de cunho ideológico, publicadas em pequenos espaços das páginas do jornal, na
forma de pequenas notas. Eram, geralmente, frases de efeito que refletiam os pressupostos
ditatoriais de Getúlio Vargas.
As primeiras edições que encontramos do Boletim, que datam do período de maio de
1938 a dezembro 1940, custavam Cr$ 0,40 centavos, o que representava 8% de uma diária de
salário paga em Belmonte. Mas a partir de julho de 1941, as edições que encontramos
custavam Cr$ 0,50 centavos. Esse valor, entre 1944 e 1945, equivalia a 5%, do valor de uma
diária de trabalho387. O valor do periódico belmontense era ligeiramente maior que o de
jornais de maior circulação, impressos diariamente, como o A Tarde e o Estado da Bahia,
publicados em Salvador, que custavam Cr$ 0,40 centavos.
Contudo, diferentemente dos jornais impressos na capital baiana, o periódico
belmontense era um jornal oficial, o que significa que os custos de edição e publicação do

387
DCECRETO-LEI n° 2.162, de 1 de mai. de 1940. Diário Oficial da União, Seção 1, 04 de mai. de 1940, p.
8.009; DCECRETO-LEI n° 5.977, de 10 de nov. de 1943. Diário Oficial da União, Seção 1, 22 de nov. de 1943,
p. 17.073; BRASIL (1947), op. cit., p. 362-363.
137

jornal eram cobertos pela prefeitura local. Pelo menos parte deles, pois nas páginas do
Boletim também eram publicadas matérias não relacionadas ao cotidiano administrativo do
município, com temas de cunho social, econômico e cultural. Havia planos de assinatura
anual e semestral, que custavam Cr$ 20,00 e Cr$ 15,00 cruzeiros, respectivamente. Além
disso, eram vendidos espaços para anúncios nas páginas do periódico. Na primeira página era
cobrado Cr$ 1,00 por linha de texto, nas páginas internas, Cr$ 0,50 e na última Cr$ 0,70388.
A questão dos preços é muito importante, pois o jornal, como empreendimento
mercantil tinha a necessidade de oferecer um produto acessível. Quanto mais barato um
periódico, maior pode ser o seu potencial de vendas. Quanto mais compradores, maior pode
ser a sua influência e capacidade de angariar recursos via assinaturas, vendas de anúncios e
publicidade. Conforme Nelson Werneck Sodré, esse movimento fecha o ciclo do capital que
transformou os periódicos em empresas estruturadas dentro dos moldes capitalistas389.
Contudo, aparentemente, o Boletim Oficial sofria com atrasos nos pagamentos das
assinaturas. Nos exemplares que consultamos encontramos algumas notas solicitando aos
associados inadimplentes que quitassem seus débitos com o jornal390. Diante dos atrasos nos
pagamentos das assinaturas, a venda de espaços para anúncios e os recursos públicos eram
importantes para a manutenção do funcionamento do Boletim.
Outro elemento que incidia sobre os preços dos jornais eram as questões técnicas. De
acordo com José Carlos Peixoto Junior, a invenção da “rotativa”391, responsável pelo aumento
das tiragens publicadas, contribuiu para a diminuição dos preços das edições dos jornais392.
Outra máquina importante nesse sentido foi o linotipo393, que acelerou a composição dos
materiais impressos nas gráficas. O Boletim não dispunha desses equipamentos, era impresso
em uma tipografia que operava, basicamente, com três máquinas: uma impressora movida a
vapor por meio de um sistema de caldeiras (mas que também podia ser utilizada
manualmente); uma guilhotina de papel; e uma prensa manual.

388
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 216, Belmonte, 31 de jan. 1942.
389
Cf. SODRÉ (1987), op. cit., p. 275-288.
390
BOLETIM... (1941), nº 210, op. cit.; idem, ano 18, nº 270, Belmonte, 6 de fev. 1943; idem, ano 20, nº 394,
Belmonte, 29 de set. 1945.
391
Máquina de imprimir de forma cilíndrica.
392
PEIXOTO JUNIOR, José Carlos. A ascensão do nazismo pela ótica do Diário de Notícias da Bahia, 1935-
1941. Um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Salvador, 2003, p. 19.
393
Máquina que funde em bloco as linhas de caracteres tipográficos, montando as páginas de jornais, livros,
revistas, entre outros.
138

Imagem 8: Equipamentos da tipografia do Boletim Oficial Município de Belmonte

Fonte: Acervo pessoal do autor. Da esquerda para a direita: guilhotina de papel, impressora, prensa e sistema de
caldeira.
Conforme se pode ler na placa de identificação da guilhotina de papel, ela foi
fabricada em Leipzig, na Alemanha. Não conseguimos identificar as origens da impressora e
da prensa. A caldeira foi fabricada em Londres, na Inglaterra. Quando visitamos as
instalações da tipografia, que atualmente funciona como arquivo das edições do Boletim
Oficial, em janeiro de 2017, a guilhotina, a impressora e a prensa ainda estavam funcionando.
Conforme nos informou a pessoa responsável pelo arquivo, ocasionalmente ainda são
realizadas pequenas atividades gráficas com os maquinários da antiga tipografia. Por isso,
como se pode observar na primeira fotografia da imagem acima, havia um frasco com óleo,
utilizado na lubrificação das engrenagens da guilhotina de papel. Aliás, também se pode
perceber que ela estava suja com o óleo lubrificante. Na fotografia da impressora se pode
perceber que havia tinta fresca na almofada de tinta, o que pode indicar que ela havia sido
utilizada pouco antes de visitarmos a oficina.
Os equipamentos da tipografia do Boletim eram muito bem utilizados pela equipe do
jornal. A qualidade da impressão era muito boa. Das mais de 90 edições que selecionamos,
nenhuma possui manchas de tinta ou falhas na impressão dos caracteres. Além disso,
encontramos poucos erros na grafia das palavras, tais como palavras aglutinadas e erros
ortográficos. Outra coisa que se destacava no periódico belmontense era a qualidade de sua
diagramação. Quando comparado com outros jornais baianos que consultamos, o Boletim era
claramente o mais visualmente inteligível.
139

Imagem 9: O Boletim, o Estado da Bahia, o A Tarde e O Imparcial

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 1, n° 33, Belmonte, 23 de jul. 1938;
ESTADO DA BAHIA, ano VII, nº 899, Salvador, 22 de ago. de 1939; A TARDE, ano 31, n° 11.026,
Salvador, 5 de out. 1943; O IMPARCIAL, ano XVIII, n°, 3.748, Salvador, 21 de ago. 1942.

As folhas do A Tarde, Estado da Bahia e do O Imparcial eram maiores, o que


possibilitava publicar uma quantidade maior de informações. Em média, em cada página
desses jornais eram impressas seis ou sete colunas de textos. Isso, às vezes, causava uma certa
poluição visual. As folhas do Boletim eram menores, mas a disposição das colunas
possibilitava uma melhor qualidade visual. Contudo, deve-se destacar que Salvador era uma
cidade muito maior que Belmonte, além de ser o centro político e financeiro do estado. Por
isso, a quantidade de notícias de interesse público talvez fosse muito maior. Dessa forma, os
jornais da capital baiana tinham uma necessidade maior de espaço editorial, levando os
editores a aproveitarem o máximo possível os espaços das folhas dos jornais.
Além da qualidade nas impressões, os equipamentos da tipografia do jornal
belmontense aparentemente eram muito bem mantidos. Encontramos uma pequena
informação, publicada no dia 20 de outubro de 1945, que avisou aos leitores sobre uma avaria
na impressora. Conforme a nota:

Devido a uma avaria na nossa única impressora, não nos era possível dar-vos
à leitura, hoje, sábado, 20 do corrente, o nosso semanário. Porém, o esforço
titânico dos nossos tipógrafos contribuiu, grandemente, para a nossa
costumeira pontualidade394.

394
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 397, Belmonte, 20 de out. 1945.
140

Não foi divulgado o tipo de avaria mas, como indicado, foram os próprios tipógrafos
que consertaram a impressora. É um indício que conheciam bem os equipamentos com os
quais trabalhavam. Além disso, se o dano foi descoberto no momento de impressão da
referida edição, eles tiveram apenas dois dias para solucioná-lo, pois as impressões ocorriam
entre as quintas e sextas-feiras de cada semana. Isso explicaria o tal “esforço titânico”
mencionado na nota. Conforme as cópias preservadas, as impressões do dia 20 de outubro de
1945 preservaram a qualidade gráfica que se pode observar nas publicações anteriores e
posteriores.
Não conseguimos encontrar muitas informações sobre a equipe responsável pelo
jornal, mas dois de seus dirigentes foram José Maia B. Filho e Othon Francisco de Souza395.
Infelizmente, não encontramos informações sobre eles. Isso seria importante pois, como
dissemos anteriormente, o Boletim era um diário oficial, portanto sua diretoria era uma
indicação política. As conexões sociais e políticas de seus diretores poderia nos ajudar a
compreender, entre outras coisas, as escolhas das matérias publicadas.
Também não encontramos informações sobre a tiragem do Boletim, nem a quantidade
de assinantes e vendas de edições avulsas. Essas informações nos permitiriam refletir sobre o
alcance, em termos numéricos, do jornal. Contudo, por meio de um aviso de cobrança das
assinaturas atrasadas, descobrimos que não eram apenas as pessoas da cidade de Belmonte
que liam o periódico. Havia, também, assinantes no interior do município396. Um dos locais
do interior belmontense era a fazenda São Francisco. Ela ficava distante cerca de 42km da
cidade, localizada às margens do rio Jequitinhonha. Nela residia um dos dois únicos
assinantes do Boletim que identificamos como sendo o senhor Manoel de Souza Rocha397. Em
uma das cópias da edição n°258, publicada no dia 21 de novembro de 1942, encontramos uma
referência a outro assinante.

395
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 251, Belmonte, 3 de out. 1942.
396
BOLETIM... nº 270 (1943), op. cit.
397
BOLETIM... n° 251 (1942), op. cit.
141

Imagem 10: Assinante desconhecida do Boletim Oficial Município de Belmonte

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, n° 258, Belmonte, 21 de nov. 1942.

No lado esquerdo da página acima, escrito com uma caneta-tinteiro – o que se pode
perceber por meio do aspecto da dispersão da tinta – pode-se ler a frase “Sofia de João
Regis”. Na lista de eleitores do município de Belmonte, publicada no dia 7 de novembro de
1945398, encontramos duas pessoas chamadas “Sofia”: Sofia de Jesus Muniz e Sofia Gaston
Ribeiro. Talvez uma delas fosse a assinante do Boletim. Não encontramos nenhuma pessoa
chamada João Regis.
No lado direito se pode ler que a assinante havia mudado de endereço, sem comunicar
à direção do jornal. Por isso, o exemplar acabou sendo devolvido à redação. Há, ainda, outras
duas marcações: o adesivo com o nome “Prof.ª D. Maria Paternostro” e a inscrição feita com
uma caneta esferográfica de tinta vermelha. Estas, no entanto, possivelmente foram
acrescentadas em um momento muito posterior à data da publicação da edição do jornal.
A cor do adesivo com o nome da professora indica que ele é mais recente que o papel
do jornal. Além disso, o nome Maria Paternostro não está na referida lista de eleitores
belmontenses, embora o seu sobrenome apareça entre os votantes do município.
Possivelmente, a mestra, cujo endereço descrito é de Salvador (conforme rabiscado com
caneta de tinta vermelha), era ou é parente de pessoas que residiram ou residem em Belmonte
e, de alguma forma, recebeu o exemplar.
A inscrição em vermelho, que diz “Do remetente Belmonte”, foi feita com uma caneta
esferográfica, como se pode deduzir do aspecto do traço. Ela é mais recente que a edição do
jornal, pois não apresenta o esmaecimento que seria decorrente das várias décadas da

398
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 400, Belmonte, 7 de nov. 1945.
142

publicação do exemplar. Além disso, as canetas esferográficas, cuja a invenção ocorreu 1943,
só se popularizaram após a Segunda Guerra Mundial.
Essas marcações podem ser um indício de que essa cópia da edição do Boletim
percorreu um longo caminho até ser finalmente arquivada. Foi ao endereço original, de “Sofia
de João Regis” e, após ser devolvida, foi enviada a Salvador. Por algum motivo, e em um
momento que não podemos precisar, retornou Belmonte. Hoje está guardada no mesmo
prédio onde foi impressa, há 80 anos. Por onde quer que esse exemplar tenha passado,
certamente as pessoas que o leram se informaram a respeito das notícias que ela apresentava.
Talvez houvesse leitores do semanário belmontense em Salvador. De acordo com um
ofício do diretor da Biblioteca Pública da Bahia, Jorge Calmon399, todas as semanas eram
enviadas edições do periódico belmontense para aquela instituição. Mesmo que não houvesse
leitores naquela cidade, ele estava disponível ao público e podia ser consultado. Entretanto,
quando estivemos na Biblioteca Central do Estado da Bahia (antiga Biblioteca Pública do
Estado da Bahia), não encontramos edições do Boletim Oficial de Belmonte arquivadas no
acervo de sua hemeroteca.
Ainda sobre o alcance dos periódicos, deve-se considerar que ele não é determinado
diretamente pelo número de pessoas que os compram. Certamente, não havia impedimentos
para que o senhor Manoel de Souza Rocha, por exemplo, lesse uma ou outra notícia que
julgasse interessante ou importante para as os trabalhadores da fazenda São Francisco. Tal
como no caso do futebol, que os soldados escutavam no rádio do prefeito de Porto Seguro,
várias pessoas podiam se reunir em torno de um único leitor para que este lhes transmitisse as
notícias.
Nesse sentido, se deve destacar que isso implica uma nova forma de apresentar o
texto. Conforme Roger Chartier, “a transformação das formas por meio das quais um texto é
proposto autoriza recepções inéditas, logo cria novos públicos e novos usos”400. No entanto,
essas formas e recepções estão condicionadas ao conjunto de bens culturais partilhados por
um grupo. Conforme Umberto Eco, esses bens culturais formam a base que torna possível a
semiose, o processo de significação e produção de significados401.
Nesse sentido, a forma como eram compostas as notícias publicadas no Boletim
ganham especial significado. Boa parte das matérias era enviada por colaboradores locais e,
desse modo, faziam parte direta ou indiretamente do conjunto cultural partilhado pelas

399
BOLETIM... nº 216 (1942), op. cit.
400
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, n° 11, v. 5, São Paulo, jan./abr. de
1991, p. 173-191, p. 186-187.
401
ECO, Umberto. Os limites da interpretação. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. xx e 182.
143

pessoas do município. Além dos materiais fornecidos por colaboradores locais, também eram
reimpressas matérias publicadas em outros jornais. Encontramos republicações de notícias do
A Tarde402, Estado da Bahia403 e Diário da Bahia404, de Salvador; e do Diário da Tarde, de
Ilhéus405. Encontramos, também, matérias do El Tiempo406, de Montevidéu, e do The
Observer407, de Londres.
Observamos a reimpressão de matérias em outros jornais que consultamos, mas
quando pertenciam a um mesmo grupo empresarial, como a rede dos Diários Associados. O
Boletim era um jornal oficial e não pertencia a esse conglomerado. Difícil compreender as
razões dessa prática. Talvez ela ocorresse por falta de material suficiente para fechar uma
edição, ou quando uma notícia fosse considerada, de alguma forma, muito importante.
Durante a guerra, essa prática parece ter se tornado mais comum, o que pode indicar um
esforço dos editores do periódico belmontense para acompanhar o conflito.
Durante a guerra, o Boletim também passou a publicar materiais distribuídos por
agências de publicidade e de fomento cultural, estrangeiros e nacionais. Os principais foram o
Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIA), British News Service (BNS) e o
Centro de Expansão Cultural (CEC). A publicação de matérias dessas agências fazia com que
o Boletim oferecesse aos munícipes de Belmonte uma perspectiva panorâmica do conflito,
ainda que fosse uma perspectiva mediada pelos interesses dessas agências que, não podemos
esquecer, estavam submetidas à censura estatal.
Durante o envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial, foram publicadas 133
edições do Boletim. Entretanto, entre a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália,
em 22 de agosto de 1942, e o fim das hostilidades na Europa, em 7 de maio de 1945,
transcorreram 136 semanas408. Não sabemos se a quebra na periodicidade ocorreu por fatores
técnicos, como alguma avaria nos equipamentos da tipografia, ou por questões relacionadas
ao contexto de guerra, como a dificuldade na importação de papel de imprensa.
A primeira matéria sobre a guerra que encontramos nas páginas do semanário
belmontense foi publicada no dia 21 de outubro de 1939. Era um texto intitulado

402
BOLETIM... nº 210 (1941), op. cit.
403
Idem, nº 162 (1941), op. cit.
404
Idem, nº 251 (1942), op. cit.
405
Idem, nº 247 (1942), op. cit.
406
Idem, nº 281 (1943), op. cit.
407
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 354, Belmonte, 30 de set. 1944.
408
Fizemos esse cálculo tomando como base a primeira edição do Boletim publicada após a declaração de guerra
brasileira e a segunda impressa após o fim do conflito. BOLETIM... nº 247 (1942), op. cit.; idem, ano 20, nº 380,
Belmonte, 19 de mai. 1945.
144

Civilização!...409, cuja a autoria não foi informada. A maior parte dos textos impressos no
Boletim era assinada por seus autores, exceto nos casos em que o material era enviado por
alguma agência de notícias. Nesses casos, aparecia o nome ou a sigla do nome da agência. No
caso do texto referido nenhum nem outro aparecia a autoria.
O autor anônimo fez uma crítica contundente às potências europeias beligerantes. Ele
relacionou o desenvolvimento científico, social e os valores morais do cristianismo,
encabeçados pelas nações europeias, ao progresso da humanidade. Entretanto, segundo
aparece no texto, os investimentos dos países europeus no militarismo teriam prejudicado esse
desenvolvimento. Conforme destacou, nos países “líderes do mundo” havia “mais quarteis,
mais fortalezas, mais cruzadores, mais submarinos, mais tanques e aviões de combate que
hospitais e escolas em toda a terra”410.
O resultado disso, conforme o texto, foi que os “aparelhos de destruição são mais
numerosos e mais aperfeiçoados que as máquinas construtoras”411. Isso porque os governos
daqueles países despendiam “maiores somas com seus exércitos e suas esquadras que com o
ensino e a saúde do povo”412. Interessante notar que o autor relacionou o conflito que havia
começado naquele ano ao que havia se desenrolado entre 1914-1918. Essa mesma
interpretação seria feita décadas mais tarde, por autores tais como Eric Hobsbawm, segundo o
qual a Segunda Guerra foi inevitável, sobretudo devido à paz punitiva imposta aos alemães,
em 1919413. Conforme disse o autor anônimo do texto publicado no Boletim, os personagens
“do grande drama mudaram, mas o cenário e o enredo são os mesmos”414.
Ao analisarmos o texto, ficamos com a impressão de que o seu autor parecia prever, já
àquela altura, que a guerra seria tão longa e mortífera quanto a anterior. Talvez por isso ele
tenha classificado a nova guerra como “loucura”, “delírio”, “febre de matar”415. Conforme o
texto, aquele conflito se devia à “megalomania de um homem, que na ânsia de dominar o
mundo, desencadeia mais essa cataclísmica hemorragia”416. Em contraponto ao título, o texto
se encerra classificando aquele conflito como uma “barbárie”417.

409
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 15, nº 98, Belmonte, 21 de out. 1939.
410
Idem, idem.
411
Idem, idem.
412
Idem, idem.
413
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991.São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p.43-50.
414
BOLETIM... n° 98 (1939), op. cit.
415
Idem, idem.
416
Idem, idem.
417
Idem, idem.
145

O texto é, dentro do conjunto das edições do Boletim que conseguimos reunir, o marco
inicial da cobertura da Segunda Guerra Mundial nas páginas do semanário belmontense. A
cobertura aumentou com o passar do tempo, conforme o envolvimento brasileiro no conflito.
Entre 1942 e 1945, nas edições completas que encontramos, em média 30% a 40% das
matérias impressas estavam relacionadas ao conflito. Classificamos as notícias sobre a guerra,
impressas no Boletim, de acordo com as áreas afetadas pelo conflito e os temas tratados nas
matérias:

Quadro 8: Notícias sobre a Segunda Guerra Mundial publicadas no Boletim Oficial


Áreas N° de Notícias Principais Temas
Guerra na Europa 89 Força Expedicionária Brasileira; quinta
Brasil na guerra 37 coluna; propagandas das ações dos países
Guerra na Ásia 16 Aliados; informações sobre os líderes
Guerra no Norte da 4 políticos dos Estados Unidos e Inglaterra;
África campanhas de donativos, arrecadação de
metais e de fomento à produção; informações
Total de notícias 146 do Tiro de Guerra de Belmonte.
Fonte: Edições do Boletim Oficial Município de Belmonte, listadas nas referências.

À primeira vista, os números do quadro parecem sugerir que os responsáveis pelo


jornal privilegiavam as informações sobre os acontecimentos que se desenrolavam na Europa,
em detrimento dos próprios esforços de guerra do Brasil. Contudo, deve-se recordar que não
tivemos acesso a todas as edições do Boletim publicadas durante o período da guerra. Além
disso, é preciso lembrar que as notícias sobre a guerra eram censuradas. As informações não
estavam amplamente disponíveis e eram filtradas pelas organizações militares, governos e
pelas próprias agências de notícias e propagandas.
Entre 1942 e 1944, conforme visto anteriormente, matérias de três agências de notícias
e propaganda dominaram as páginas do Boletim Oficial de Belmonte: OCIA, BNS e CEC.
Mas também encontramos alguns poucos materiais fornecidos por outras agências, como a
Agência Nacional, o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) e a Agência
Vitória. Contudo, destas, a quantidade foi muito reduzida (uma de cada) e não tratavam de
assuntos relacionados à guerra. Por isso, não as contabilizamos no quadro abaixo.
146

Quadro 9: Matérias de agências de notícias publicadas no Boletim Oficial de Belmonte


Agências 1941 1942 1943 1944 1945 Totais
CEC 1 17 5 21 3 47
OCIA 12 5 9 0 0 26
BNS 0 6 0 5 3 14
Totais 13 28 14 26 6 87
Fonte: Edições do Boletim Oficial Município de Belmonte, listadas nas referências.

Não encontramos nenhuma matéria dessas agências antes de 1941. Contudo, é preciso
relembrar que não encontramos todas as edições do Boletim publicadas durante o período da
guerra. Além disso, a maior parte das edições que localizamos não está completa, com muitas
não possuindo mais que duas folhas (quatro páginas). Aliás, em 2017, a situação de
conservação do acervo do jornal era extremamente preocupante.

Imagem 11: Arquivo da Tipografia de Belmonte (2017)

Fonte: Acervo pessoal do autor.

As duas primeiras fotografias, à esquerda e ao centro, mostram como estavam sendo


armazenadas as edições do jornal. Na primeira também é possível perceber rastros de cupim
na parede. Foi justamente esse tipo de inseto que danificou grande parte das edições do
periódico, como se pode observar na terceira imagem, à direita. As pilhas de cadernos não
estavam totalmente organizadas, mas algumas pareciam estar sequenciadas em ordem
cronológica. De forma geral, foi preciso abrir todos os cadernos para verificar quais deles
possuíam informações úteis para nossa pesquisa. Quando estivemos no arquivo, o então
secretário de cultura de Belmonte nos afirmou que havia firmado uma parceria com a
Fundação Pedro Calmon, instituição responsável pelo Arquivo Público do Estado da Bahia,
para restaurar e digitalizar as edições do Boletim. Não tivemos mais informações sobre o
arquivo após aquele momento.
147

Dessa forma, os números apresentados no Quadro 9 estão muito distantes de


representar a realidade. Entretanto, a maioria das edições que encontramos são dos anos 1942
a 1945, justamente o período de envolvimento do Brasil na guerra. Apesar das lacunas, as
informações nos permitem fazer algumas reflexões a respeito de como o periódico
belmontense cobriu a Segunda Guerra Mundial.
Conforme se pode observar, nos números do quadro, 1942 e 1944 foram,
aparentemente, os anos que os editores do Boletim mais utilizaram materiais do CEC, OCIA e
BNS. O primeiro, talvez, devido à declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália. A
decisão necessitava ser justificada e, nesse sentido, era importante conquistar e mobilizar a
opinião pública do país. Interessante observar que foi justamente após agosto de 1942 que a
frequência de matérias das agências de notícias e propaganda aumentou. O segundo momento
de pico na utilização de materiais dessas agências, talvez seja explicado pela entrada em
combate das tropas brasileiras. Aliás, no dia 3 de março daquele ano, uma matéria do CEC,
intitulada “Quando estaremos na Europa?”, foi publicada no Boletim418. O texto era uma
resposta à crítica que se fazia à demora no envio das forças brasileiras:

Não bastassem os recursos formidáveis que o Brasil tem enviado aos aliados
para confirmar a nossa antiga colaboração nesta guerra, teríamos ainda os
numerosos voluntários que, nas fileiras do exército britânico e nas azas da
RAF, empenham-se bravamente erguendo bem alto o seu nome de
brasileiros419.

O texto completa o seu argumento afirmando que mesmo potências militares como
Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos precisaram de algum tempo para se preparar, antes de
se lançarem à guerra. Por isso, o tempo transcorrido, entre a declaração de guerra do Brasil e
aquele momento, era justificável. Além disso, o texto afirma que a indústria brasileira se
dedicava “à produção de paz”420, quando o conflito se iniciou e que era necessário que ela se
adaptasse à nova realidade nacional, o que levaria certo tempo. Por fim, conforme o texto:

Os brasileiros lá estarão, quando se tornar possível a remoção de todos os


empecilhos de ordem técnica e quando o Brasil estiver completamente apto
para sustentar brilhantemente os seus filhos a defender com a sua
característica bravura o auriverde pendão do Brasil421.

418
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 19, nº 327, Belmonte, 3 de mar. 1944.
419
Idem, idem.
420
BOLETIM... n° 327 (1944), op. cit.
421
Idem, idem.
148

Os argumentos apresentados no texto não são muito fortes. Fato é que muitos
brasileiros estavam participando do conflito, mas como o próprio texto indica, eles eram
voluntários. Portanto, isso não implicava envolvimento do estado brasileiro na guerra. No que
toca às questões técnicas, é importante lembrar que a maior parte dos equipamentos militares
utilizados pelo Brasil na guerra foram cedidos pelos Estados Unidos.
Nesse sentido, no que tange à fabricação de material bélico, a indústria brasileira não
precisou passar por um amplo processo de militarização. Além disso, ao menos no que toca
aos Estados Unidos, a afirmação de que o país precisou de um período de preparação para a
entrada no conflito não é verdadeira. Ao menos não completamente. A indústria americana já
estava fabricando equipamentos bélicos em grande quantidade, sobretudo para suprir as
necessidades inglesas. Além disso, menos de um ano após ser atacado, as forças americanas já
estavam em combate.
Claro é que as realidades dos Estados Unidos e do Brasil eram muito diferentes. O
primeiro era de fato uma grande potência econômica militar. O segundo, além de ser muito
dependente das indústrias americanas e europeias, necessitava passar por um amplo processo
de rearmamento de atualização das doutrinas militares. Esse processo havia sido interrompido
pelo próprio início da guerra422.
Por fim, o texto do CEC omitiu um dos principais fatores da demora no envio de
combatentes brasileiros: as dificuldades na organização da FEB. De acordo com Francisco
César Ferraz, questões como a escolha do teatro de operações no qual os brasileiros lutariam,
dos oficiais comandantes, a quantidade de tropas que seria envida e o processo de seleção dos
combatentes atrasou o processo de formação da FEB423. Essa demora fez surgir um boato em
todo o país de que os expedicionários brasileiros não embarcariam, ou que eles viajariam
apenas para encontrar o conflito em seu final424. Foi nesse contexto que surgiu a expressão “é
mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil mandar soldados para a guerra”425. A frase daria
origem ao emblema da FEB, que ostenta uma cobra verde, em fundo amarelo, com um
cachimbo na boca.
Agências como as mencionadas tiveram um papel fundamental durante a guerra, pois
trabalhavam em frentes muito amplas. Seus objetivos não eram apenas combater as

422
Ver: OLIVEIRA, Dennison de. Aliança Brasil-EUA: Nova História do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Curitiba: Juruá, 2015. Especialmente, o capítulo 3, p. 103-308.
423
FERRAZ, Francisco César. Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005, p. 43-49.
424
FERRAZ (2005), op. cit., p. 50.
425
BARONE, João. 1942: o Brasil e sua guerra quase desconhecida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013, p.
114.
149

influências dos países do Eixo, mas também propagandear estilos de vidas e modelos sócio-
políticos e econômicos. Diversas matérias da OCIA, por exemplo, se aproveitando de temas
relacionados à guerra, difundiam valores da sociedade americana, como a democracia e o
progresso material.
Conforme apontou Antonio Tota, essa agência era uma “verdadeira fábrica de
ideologias”426. Criada com objetivos políticos e econômicos, ela se converteu na principal
difusora do americanismo nos países da América Latinos. A OCIA era composta por três
divisões: Comercial e Financeira; Comunicações; e Relações Culturais.
Ainda de acordo com Tota, o americanismo era uma ideologia pragmática que visava
difundir valores da sociedade estadunidense sobre as repúblicas latino-americanas, tais como
a democracia, o progressivismo e o tradicionalismo427. A esse respeito, a edição 211 do
Boletim publicou dois textos da OCIA: um intitulado “A sentinela do nosso continente” e o
outro, “Filmes educativos”428. O primeiro, que aborda principalmente o poderio militar naval
dos Estados Unidos, exaltou o papel americano de liderança na defesa das nações do
continente americano. O segundo menciona uma exibição de filmes americanos, com o
propósito de fortalecimento da União Cultural Brasil-Estados Unidos.
De modo geral, as matérias dessas agências abordavam a guerra de forma superficial,
apresentando informações sobre invenções bélicas, dados relativos à produção econômica e
críticas às potências do Eixo. A maior parte das matérias sobre a guerra, nas edições que
encontramos do Boletim, era do CEC. Entretanto, as agências que mais apresentaram
materiais sobre o conflito em foram a OCIA e a BNS. Aliás, apenas essas matérias
apresentavam fotografias de soldados e equipamentos bélicos.

426
TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.41.
427
TOTA (2000), op. cit. 19-20.
428
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 211, Belmonte, 27 de dez. 1941.
150

Imagem 12: Fotografias da BNS e do OCIA no Boletim Oficial

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 250, Belmonte, 3 de set. 1942; idem,
ano 18, nº 243, Belmonte, 8 de ago. 1942; idem, ano 18, nº 285, Belmonte, 22 de mai. 1943; idem, ano 19, nº
281, Belmonte, 5 de jun. 1943; idem, ano 19, nº 290, Belmonte, 26 de jun. 1943; idem, ano 19, nº 291,
Belmonte, 3 de jul. 1943; idem, ano 20, nº 343, Belmonte, 1 de jul. 1944;

Encontramos outras fotografias além das apresentadas acima. Entretanto, à


semelhança destas, não eram imagens de campos de batalha em si, mas materiais de
propaganda com o objetivo de exaltar os esforços dos Aliados. Aparentemente, algumas delas
foram capturadas em teatros de operações bélicas reais, mas outras parecem ter sido
registradas em campos de treinamento.
Por depender de materiais dessas agências, o Boletim Oficial de Belmonte também
apresentou uma cobertura de guerra, aparentemente, “pouco abrangente”. Mas essas pareciam
ser as condições disponíveis aos editores do jornal, tendo em vista que não possuía equipe
jornalística exclusiva e, talvez, recursos para enviar ou contratar correspondentes de guerra.
Tampouco esse parecia ser o interesse do periódico, visto que se tratava de um diário oficial.
Nesse sentido, a expressão “pouco abrangente” aqui não é nenhum demérito. Sobretudo
porque, apesar da pouca profundidade, esse tipo de material pode ter ajudado a construir uma
certa imagem e homogeneidade discursiva entre as pessoas de Belmonte. Das cidades do
Extremo Sul da Bahia que visitamos ao longo da pesquisa, Belmonte nos pareceu ser aquela
na qual as pessoas mais se interessavam e sabia sobre eventos da guerra e o Boletim pode ter
ajudado nisso.
Também é importante esclarecer que não encontramos materiais de agências de
notícias apenas no semanário belmontense. Jornais publicados em Salvador, como o Estado
da Bahia e O Imparcial e Diário da Tarde, e no Rio de Janeiro, como o A Noite e o Diário de
Notícias, também utilizavam materiais desse tipo agência. Também encontramos matérias de
agências de propagandas no Diário da Tarde, de Ilhéus. Contudo, diferentemente do que
151

observamos no Boletim, nas edições que consultamos desses periódicos soteropolitanos e


cariocas não encontramos matérias da CEC e da BNS, mas de agências como a Reuters,
United Press, Meridional, American Press e da Agência Nacional.
Isso pode indicar que tanto os periódicos de grande circulação, impressos nas capitais
estaduais, quanto os de menor circulação, impressos nos interiores, utilizavam materiais de
agências de propagandas para poder cobrir os eventos da Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, os jornais impressos em Salvador e no Rio de Janeiro também apresentavam
matérias próprias sobre o conflito. Não observamos isso no periódico belmontense que, como
dito anteriormente, contava com materiais enviados por colaboradores para compor suas
edições. Os jornais maiores possuíam recursos para manter equipes de reportagem. Por isso,
além de utilizar materiais produzidos por agências como as citadas, podiam criar as suas
próprias.
Como afirmou Raquel Oliveira Silva, a imprensa baiana deu grande destaque aos
elementos argumentativos que buscavam mobilizar a população sobre a importância da
participação da sociedade brasileira na guerra. Nesse contexto, agências como o CEC, OCIA
e BNS foram essenciais, pois divulgavam as invenções bélicas das potências Aliadas e seus os
êxitos em combate, bem como uma fervorosa campanha contra o nazifascismo. Além disso,
essas agências também divulgavam informações sobre os movimentos patrióticos ocorridos
em nível local e nacional, tais como campanhas de arrecadação de metais e de donativos429.
Sobretudo, essas agências podiam possibilitar que jornais com menos recursos
acompanhassem o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, como ocorreu com o Boletim
Oficial de Belmonte.
Mas, enquanto a guerra era percebida como notícias de eventos distantes, a população
do Extremo Sul da Bahia podia se sentir segura. Mesmo quando os ataques contra a marinha
mercante brasileira estavam se generalizando. Isso mudou na madrugada do dia 19 de agosto
de 1942. A partir de então, a guerra atingiu diretamente as pessoas da região.

429
SILVA, Raquel Oliveira. A imprensa baiana e o americanismo na Segunda Guerra (1942-1945). FACES DA
HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº1, p. 106-123, jan.-jun., 2014, p. 109.
152

CAPÍTULO 5
A GUERRA SE APROXIMA

Enquanto não conhecemos nós próprios a guerra, não


imaginamos em que consistem as dificuldades de que
se está sempre a falar [mas] quando se viu o que é a
guerra, tudo se torna compreensível430.

Carl Von Clausewitz

A primeira vítima brasileira da Segunda Guerra Mundial não tombou em campo de


batalha, mas no convés de um navio mercante. Seu nome era José Francisco Fraga, um
tripulante do Taubaté, da companhia Lloyd Brasileiro. O Taubaté foi metralhado por aviões
alemães no dia 22 de março de 1941, próximo à costa do Egito. Ao que tudo indica, o
episódio não foi proposital, mas abriu a contagem de vítimas brasileiras naquele conflito. José
Francisco foi um dos mais de 970 civis brasileiros que morreram em decorrência de ataques
alemães e italianos contra 33 embarcações mercantes do Brasil431.
O auge dos ataques foi o mês de agosto de 1942 quando, entre os dias 15 e 19, seis
embarcações foram afundadas: Baependy, Araraquara e Aníbal Benévolo no litoral de
Sergipe; e Itagiba, Arará e Jacira na costa da Bahia. Alguns autores classificaram esses
eventos como o equivalente brasileiro ao “Pearl Harbor”, tanto pela violência, quanto por
terem justificado a entrada do Brasil na guerra432. Pelo menos 607 pessoas morreram nesses
quatro eventos. Todos os ataques foram realizados pelo submarino alemão U-507. Morreram
mais pessoas nesses quatro dias referidos, do que nos nove meses em que a FEB esteve em
combate na Itália433. Dessa forma, foi nos mares que, de fato, a população brasileira
experimentou os horrores daquele conflito. Não por acaso, o tema dos ataques à marinha
mercante é muito estudado sobre a Segunda Guerra Mundial no Brasil434.

430
CLAUSEWITZ (1979), op. cit., 129.
431
ARANTES (2012), op. cit., p. 54.
432
BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra: os brasileiros em combate, 1942-1945. Rio de
Janeiro: Expressão Cultural, 1995, p. 50; PEREIRA, Durval Lourenço. Operação Brasil: o ataque alemão que
mudou o curso da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2015, p. 135.
433
Conforme a tabela de mortos publicada em: MORAIS, J. B. Mascarenhas de. A F.E.B. pelo seu comandante.
São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1947, p. 305.
434
Ver: ARANTES (2012), op. cit.; BENTO, Cláudio Moreira. Participação das Forças Armadas e da Marinha
Mercante do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1942-1945). Volta Redonda: Gazetilha, 1995; CAMPBELL,
Herbert. A Marinha Mercante na Segunda Guerra. Rio de Janeiro: Record, 1993; DUARTE, Paulo de Q. Dias
de guerra no Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1968; GAMA, Arthur Oscar Saldanha da. A
153

Duas das embarcações mencionadas acima estão, de alguma forma, ligadas à história
do Extremo Sul da Bahia, o Aníbal Benévolo e a barcaça Jacira. Uma das últimas fotografias
do Aníbal Benévolo foi capturada enquanto ele estava ancorado próximo a Caravelas. A
fotografia pertencia à Irany Scofield435 e a encontramos no livro Relatos Históricos de
Caravelas.

Imagem 13: O Aníbal Benévolo em Caravelas (1942)

Fonte: SOUZA, Carlos Benedito de; SOUZA, Sheila Franca de. Relatos históricos de Caravelas (desde o século
XVI). Caravelas: Fundação Professor Benedito Ralile, 2006, p. 166.

Não é possível perceber em qual local exatamente o navio estava ancorado. Não há
outras embarcações próximas ao Aníbal Benévolo, o que talvez indique que ele não estava
próximo ao porto da cidade. A propósito, não aparece nenhuma edificação na fotografia. É
possível observar o que parece ser uma canoa, o que pode sugerir que os passageiros e carga
foram embarcados ou desembarcados por meio de embarcações menores. Também é possível
que o navio estivesse apenas aguardando a vez para se aproximar do porto de Caravelas.
Não sabemos quando exatamente o registro fotográfico foi feito. Sheila e Carlos
Benedito de Souza informaram somente o ano em que a fotografia foi feita. Conforme Arthur
Oscar Saldanha da Gama, o Aníbal Benévolo seguia de Salvador para Aracaju quando foi

marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Capemi, 1982; SANDER (2007), op. cit.;
SANTOS JR., José Mariano dos. 1942: atentado ao Brasil. São Paulo: Editora Baraúna, 2012.
435
Irany Scofield era natural de Teófilo Otoni (MG). Mudou-se para Caravelas no início da década de 1940,
onde se dedicou ao ensino primário. Além de ensinar, durante muitos anos, Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira, também ministrou aulas de latim, piano e canto. Morreu aos 91 anos, no dia 29 de maio de 2014.
154

atacado, no dia 16 de agosto de 1942436. Isso significa que ele estava seguindo uma rota que ia
do Sul para o Norte do Brasil. Talvez tenha sido justamente nessa última viagem que o Aníbal
Benévolo tenha sido fotografado em Caravelas.
Contudo, foi o afundamento do Jacira, ocorrido no dia 19 de agosto de 1942, que
parece ter causado mais impacto no imaginário coletivo das pessoas do Extremo Sul da Bahia,
pois este é o ataque mais recordado pelas pessoas que entrevistamos. Os ataques a essas duas
embarcações foram uma espécie de pressagio de que a guerra estava se aproximando daquela
parte da Bahia. Infelizmente, não encontramos fotografias do Jacira.
Também não achamos notícias sobre os ataques ao Aníbal Benévolo e ao Jacira em
matérias publicadas no Boletim Oficial de Belmonte. Mas isso não significa que o periódico
belmontense não tenha noticiado os ataques. A única edição do mês de agosto de 1942 que
encontramos foi publicada no dia 8 e a seguinte foi impressa no dia 12 de setembro. Não
temos como saber se as edições publicadas nos dias 22 e 29 de agosto, bem como a do dia 5
de setembro apresentaram alguma informação sobre os ataques a essas duas embarcações.
Outro ataque naval que ligou o Extremo Sul da Bahia à Segunda Guerra Mundial foi o do
Afonso Pena, ocorrido no dia 3 de março de 1943. Aliás, em números de vítimas, este último
foi muito mais impactante que os citados anteriormente. Entretanto, também desse não
encontramos notícias no Boletim belmontense.
De forma geral, há três maneiras de abordar os ataques à marinha mercante brasileira,
ocorridos entre 1941 e 1944: a partir de questões técnicas; sociais; e político-econômicas.
Durante muito tempo houve uma prevalência da primeira abordagem, por meio de trabalhos
realizados por militares ou por marinheiros mercantes437. Mais recentemente, o tema tem sido
abordado de forma mais ampla, abarcando aspectos das três estruturas mencionadas438.
Neste capítulo, abordaremos os casos dos ataques ao Jacira e ao Afonso Pena.
Partimos do princípio que foi por meio destes e de suas consequências que as pessoas da
região entraram definitivamente em contato com os horrores daquela guerra. Sobretudo
porque, a partir deles, os habitantes regionais passaram a experienciar o conflito em seu
cotidiano.

436
GAMA (1982), op. cit., p. 124.
437
DUARTE (1968), op. cit.; GAMA (1982), op. cit.; CAMPBELL (1993), op. cit.; BENTO (1995), op. cit.;
ARANTES (2012), op. cit.
438
SANDER (2007), op. cit.; SANTOS JR. (2012), op. cit.; PEREIRA (2015), op. cit.; CRUZ (2017), op. cit.
155

5.1 “Em uma manhã calma”: o caso da barcaça Jacira


Foi durante a entrevista com o senhor José Carmo dos Santos, no dia 20 de outubro de
2016, que ouvimos pela primeira vez informações sobre um navio que havia afundado
próximo a Porto Seguro439. À época, realizamos a pesquisa sobre o antigo campo de aviação
do Arraial d’Ajuda que, conforme dissemos anteriormente, deu origem ao projeto desta
pesquisa. Conforme nos disse:

Na praia, depois que afundou o navio, arrebentou tudo né? Aí deram as


coisas na praia. Aí muita gente de Porto Seguro achou muitos fatos de carne
e deram muito né?! (...) No navio vinha muita carne jabá, café e piaçava. E
acharam uns cabos de borracha440.

Ainda de acordo com o senhor José Carmo dos Santos, foi depois desse evento que os
soldados “vieram destacar aqui”441. Já sabíamos da presença de soldados na região, durante a
guerra, mas desconhecíamos o evento do navio. Inicialmente, pensávamos que a recordação
do senhor José Carmo era uma lembrança de um acontecimento “vivido por tabela”.
Conforme Michael Pollak, os acontecimentos vividos por tabela são aqueles aos quais são
difíceis de precisar que uma pessoa “consiga saber se participou ou não”442. Acreditávamos
que ele estava se recordando dos ataques realizados em outras partes do Brasil e transferindo
isso para região.
Esse ceticismo inicial nos levou a buscar informações. Partimos do princípio de que se
um navio havia sido realmente afundado na região, durante a guerra, algum jornal teria
noticiado o evento. Partimos então para uma busca na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro443. Ficamos surpreendidos com os resultados iniciais da busca.
Encontramos notícias em publicada em jornais do Rio de Janeiro sobre o ataque de um
submarino ao navio Afonso Pena. Constatamos então que as recordações do senhor José
Carmo dos Santos não eram lembranças de eventos vivenciados por tabela.
A partir de então, incluímos em nossas entrevistas perguntas sobre a presença de
submarinos na região e o navio atacado durante a Segunda Guerra Mundial. Em Belmonte,
em dezembro de 2016, ao entrevistarmos algumas pessoas que vivenciaram o período do
conflito tocamos no assunto. Para nossa surpresa, naquela cidade, os entrevistados não se

439
SANTOS, José Carmo dos Santos. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro),
20 de out. 2016.
440
Idem, idem.
441
Idem, idem.
442
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p.
200-212, p. 201.
443
Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/.
156

recordavam do ataque ao Afonso Pena, mas se referiram a outra embarcação afundada pelas
forças do Eixo: a barcaça Jacira. Foi a primeira vez que ouvimos sobre esse caso.
De acordo com o senhor Vicente Lima Bezerra, a barcaça Jacira saiu de Belmonte,
numa manhã cujo dia e ano ele não mais se recordava e algum tempo depois surgiram notícias
de que ela havia sido afundada444. Na mesma ocasião, o senhor Manoel Honorato dos Anjos,
outro belmontense que entrevistamos, também nos falou sobre a barcaça Jacira. Quando lhe
perguntamos se ele se recordava do Jacira, respondeu: “Esse barco trabalhou muito aqui. O
aparelho submarino o arrebentou entre Ilhéus e aquela água quem tem antes de chegar a
Salvador. Mandou o povo saltar e meteu bala”445.
Após essas entrevistas, começamos a estudar os ataques dos submarinos do Eixo
contra a marinha mercante do Brasil e encontramos mais informações sobre o afundamento da
barcaça Jacira. Curioso o fato de que, quando o ataque aconteceu, os senhores Vicente e
Manoel tinham apenas 13 e 12 anos de idade, respectivamente. Como eles conseguiram se
recordar daquele evento e, de forma geral, do período da guerra? Possivelmente, o que eles se
lembraram daquele contexto são lembranças tanto individuais, quanto da coletividade da qual
faziam parte. De acordo com Maurice Halbwachs, “nossa impressão pode se basear não
apenas na nossa lembrança, mas também na de outros”446. Posteriormente, Michael Pollak
definiria as rememorações que os indivíduos trazem de seu contexto social como
acontecimentos “vividos por tabela”, conforme citamos anteriormente.
As recordações dos senhores Manoel Honorato e Vicente Bezerra podem indicar que o
caso da barcaça Jacira gerou repercussões em Belmonte. Dessa forma, suas lembranças são,
em parte, próprias e, em partes, do grupo com o qual partilharam experiências ao longo das
suas vidas. Nesse sentido, em muitos aspectos, as suas falas podem ser os últimos relatos de
toda uma geração de belmontenses que testemunhou o período da Segunda Guerra Mundial.
Apesar da distância temporal, constatamos que suas lembranças apresentam
informações que condizem com o que encontramos na literatura sobre os ataques navais às
embarcações brasileiras. Há alguns equívocos em suas narrativas. Por exemplo, o senhor
Vicente Lima Bezerra nos relatou que a barcaça havia zarpado do porto de Belmonte por volta
das 9 horas. Posteriormente, descobrimos que ela havia deixado o porto da cidade às 7h30, do
dia 18 de agosto de 1942, conforme o relato de seu próprio comandante, Norberto Hilário dos

444
BEZERRA (2016), op. cit.
445
DOS ANJOS (2016), op. cit.
446
HALWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003, p. 29.
157

Santos447. Deve-se destacar que a diferença em relação ao horário de partida da barcaça é


praticamente irrelevante. É verdadeiramente impressionante, isso sim, o fato de o senhor
Vicente ainda se recordar da embarcação, sobretudo que ela havia partido em uma manhã.
A Jacira era uma barcaça, classificação comumente atribuída a barcos com fundos
chatos, de propulsão à vela e remos. Ela deslocava 89 toneladas e foi a menor embarcação
mercante brasileira atacada durante a Segunda Guerra Mundial. Ela era empregada no
transporte de mercadorias entre Salvador e as cidades do Sul e Extremo Sul da Bahia. Foi
afundada a cerca de 18km do porto Itacaré, na madrugada do dia 19 de agosto de 1942. Seus
algozes foram os marinheiros do submarino alemão U-507, comandado pelo capitão Harro
Schacht.
A barcaça Jacira foi a última vítima de uma série de ataques do U-507 no litoral
brasileiro. Antes dela, os tripulantes da belonave haviam afundado cinco navios, todas
seguindo o mesmo método: ataques surpresas com torpedos, realizados à noite e a uma
distância que variou de 12 a 32km do continente. No entanto, o caso dessa barcaça foi
diferente. Ela foi interceptada e abordada pelos tripulantes do submersível. Depois revistaram-
na e permitiram que seus marinheiros e um passageiro que transportavam desembarcassem
em segurança. Os tripulantes da barcaça eram Norberto Hilário dos Santos (mestre e
proprietário da embarcação), Antenor Hilário dos Santos (contramestre), Arcelino Bispo de
Jesus, Raimundo Borges e Vitalino Olegário dos Santos (marinheiros). Somente após a saída
dos tripulantes da barcaça que os marinheiros alemães a afundaram com tiros de canhão e
metralhadora.
Devido às especificidades, o evento tornou-se um caso emblemático e chamou a
atenção das autoridades brasileiras. Especialmente, porque o inquérito militar que investigou
o episódio apurou algumas irregularidades cometidas pelos tripulantes da embarcação e
algumas contradições em seus depoimentos. De acordo com Luiz Antônio Pinto Cruz, as
autoridades militares suspeitaram que os tripulantes da barcaça haviam ajudado a abastecer os
submarinistas alemães448. Sobretudo, porque eles haviam deixado Itacaré sem autorização da
Capitania dos Portos e transportavam um passageiro clandestino. Entretanto, as suspeitas de
colaboracionismo não foram comprovadas.
De forma geral, o episódio é muito conhecido pelos pesquisadores da Segunda Guerra
Mundial no Brasil. Apesar disso, existem divergências nas várias reconstituições do ataque. Já

447
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.588, Salvador, 29 de ago.1942, p. 3.
448
CRUZ (2017), op. cit., p. 119.
158

foi dito que ela levava cargas de profundidade449 para se proteger dos submarinos450; há erros
nas descrições técnicas da embarcação, do seu afundamento e nos números de pessoas
embarcadas451; equívocos na localização do ataque452; e até autores que não a mencionam
entre as vítimas do U-507453. As descrições mais coerentes, com as informações cedidas pelos
sobreviventes aos jornais e as apuradas durante o inquérito militar, foram feitas por Luiz
Antônio Cruz e José dos Santos Jr.454.
De modo geral, não temos nada a acrescentar à história específica do ataque à barcaça
Jacira. Sobretudo, porque os equívocos cometidos em estudos anteriores foram solucionados
no trabalho de Luiz Antônio Cruz. Diferentemente dos anteriores, esse historiador tomou
como base o inquérito realizado na 6ª Região Militar (6ª RM) que investigou o caso, o que lhe
permitiu analisar melhor o evento. O que oferecemos como complemento à história geral da
barcaça é sua conexão com o Extremo Sul da Bahia.
Ela é a única embarcação brasileira, entre as atacadas durante a Segunda Guerra
Mundial, que os moradores da cidade de Belmonte recordam o nome. Isso, apesar do evento
não ter resultado na perda de vidas humanas e de o ataque não ter ocorrido no litoral da
região. Essas condições, tecnicamente, tornam o caso da barcaça Jacira menos traumático que
os dos demais eventos navais ocorridos na costa do país. Aliás, o do Afonso Pena,
mencionado anteriormente, será abordado em detalhes ainda neste capítulo. Embora tenhamos
realizado entrevistas com pessoas nas cidades de Belmonte, Porto Seguro, Prado, Alcobaça e
Caravelas, apenas em Belmonte o nome da barcaça foi recordado. O que houve de especial no
caso da barcaça Jacira? O que faz com que os belmontenses ainda hoje se recordem do seu
nome e tragédia, em detrimento de outros ocorridos no mesmo período?
Os primeiros passos em direção a uma resposta para essa questão foram dados por
Luiz Antônio Pinto Cruz, segundo o qual:

A destruição da barcaça Jacira foi um acontecimento emblemático para a


sociedade baiana, justamente por se tratar de um barco nativo. A região
cacaueira ficou em estado de alerta, os itacarenses mais católicos clamavam

449
Bombas utilizadas para atacar submarinos. São lançadas ao mar e acionadas por meio de um fusível de
detonação que as explode em profundidades específicas.
450
UNIFICAR, Revista do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – SINDMAR, ano VI, n° 21,
ago. 2005.
451
ARANTES (2012), op. cit., p. 119; CAMPBEL (1993), op. cit., p. 79; SILVA, Hélio; CARNEIRO, Maria
Cecília Ribas. Guerra inevitável, 1939-1942. São Paulo: Editora Três, 1975, p. 154; FALCÃO (1999), op. cit., p.
101; BONALUME NETO (1995). Op. cit., p. 50.
452
SANDER (2007). Op. cit., p. 195.
453
SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo do envolvimento brasileiro na Segunda Guerra
Mundial. Barueri: Manole, 2003, p. 297.
454
CRUZ (2017), op. cit., p. 116-121; SANTOS JR. (2012), op. cit., p. 64-66.
159

pela proteção divina de São Miguel Arcanjo. O medo do submarino e a falta


de dragagem do porto afastaram as embarcações. Isto quase asfixiou o
pequeno comércio local e contribuiu para isolar ainda mais a cidade de
Itacaré455.

Essa citação apresenta informações importantes, que nos ajudam começar a responder
à questão sobre as recordações dos senhores Manoel Honorato dos Anjos e Vicente Lima
Bezerra sobre essa barcaça. A primeira se refere ao fato de ela ser uma embarcação baiana. A
segunda, aos impactos econômicos do ataque.
A questão econômica gerada pelas agressões navais pode estar relacionada à memória
do Jacira em Belmonte, porque ela diz respeito ao trabalho e às condições materiais de vida
das pessoas. Interessante notar que o senhor Manoel Honorato se recordou das mercadorias
que ela costumava buscar naquela cidade. Conforme disse: “Cacau, piaçava, coco e
taboado”456. Certamente, os trabalhadores empregados nas produções desses gêneros sentiram
as dificuldades relacionadas à retração econômica do ano 1942. Sobretudo, aqueles que
trabalhavam por diárias, empregados sazonalmente nas colheitas.
De acordo com uma reportagem publicada no jornal Estado da Bahia, impressa no dia
21 de agosto de 1942, quando atacada, a barcaça Jacira estava transportando uma carga de
800 sacos de cacau, pertencentes à empresa Wildberger & Cia.457. Conforme Gilberto
Almeida:

(...) a firma Wildberger & Cia. operava com um mix [sic] de negócios cujo
carro-chefe era a compra de cacau no mercado interno e sua exportação, bem
como o aspecto financeiro da operação, bancário mesmo, que incluía
concessão de crédito aos produtores, para expansão de novas roças e para
compra antecipada da safra.

Possivelmente, muitos produtores de cacau belmontenses negociavam com Wildberger


& Cia ou obtinham financiamento dela para produzirem. Por meio de uma edição do Boletim
Oficial de Belmonte, descobrimos que a companhia possuía um escritório na cidade, onde
atuava desde os primórdios de sua fundação, em 1903458. Ela comprava, antecipadamente, as
safras de cacau produzidas nos municípios de Belmonte, Canavieiras e Ilhéus e os
transportava para Salvador, onde era exportado para a Europa459. A propósito, de acordo com

455
CRUZ (2017), op. cit., p. 121.
456
DOS ANJOS (2016), op. cit.
457
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.581, Salvador, 21 de ago. 1942, p. 1.
458
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 369, Belmonte, 20 de jan. 1945.
459
ALMEIDA, Gilberto Wildberger. Gênese da economia cacaueira e da firma Wildberger. Revista Brasileira de
Administração Política, v. 5, 01 de abr. 2012, p. 49-66, p. 54.
160

o senhor João Borges Bandeira, outra pessoa que entrevistamos em Belmonte, as canoas que
transportaram os soldados convocados em Belmonte, conforme abordaremos em outra seção
deste trabalho, pertenciam à companhia Wildberger460.
De acordo com Paulo Duarte, além da carga de cacau, em sua última viagem a Jacira
também transportava um caminhão desmontado, caixas com garrafas vazias e piaçava461.
Essas informações corroboram o relato do senhor Manoel Honorato dos Anjos, sobre a carga
da barcaça, embora nem a reportagem do Estado da Bahia, nem a descrição de Paulo Duarte
tenham apontado que a barcaça Jacira transportava madeiras em sua última viagem. Isso,
contudo, não significa que ela não transportasse esse tipo de mercadoria.
O outro elemento que liga a barcaça à memória dos moradores de Belmonte, conforme
visto anteriormente, é o fato de ela ter sido uma embarcação baiana. De acordo com o senhor
Vicente, ela pertencia a José Ribeiro Coelho462. Como já vimos, José Ribeiro era um grande
proprietário de terras no município de Porto Seguro e também estava envolvido na extração e
exportação de madeiras. De acordo com o senhor Davino Dias Costa, além de proprietário de
terras, José Ribeiro também possuía barcos empregados na pescaria463. Além disso, conforme
o senhor Decio Gurrite Pessôa, ele também possuía um armazém464. Era, portanto, uma
pessoa que atuava em diferentes áreas comerciais.
Não conseguimos verificar se ele fora mesmo proprietário da barcaça Jacira. Como
visto anteriormente, quando atacada, o proprietário da barcaça era o mestre Norberto Hilário
dos Santos. De acordo com ele era conhecido no sul do estado como “Norbertinho” e havia
comprado a barcaça de seu antigo proprietário “às custas de muito sacrifício”465 e havia
investido “vários contos de réis”466 na sua reforma. Isso pode ser um indício de que Norberto
era uma pessoa conhecida nos municípios do sul e Extremo Sul da Bahia e é possível que ele
tenha adquirido a Jacira em uma dessas regiões e que José Ribeiro Coelho fosse o seu antigo
proprietário.
A informação do jornal também aponta para a dinâmica da relação entre os armadores
e os mestres de embarcações de pequeno porte daquele período. É possível que a venda dos
barcos mais velhos fosse uma estratégia dos proprietários para investirem na renovação dos
meios náuticos. Para os mestres, isso poderia ser uma oportunidade de ascensão econômica,

460
BANDEIRA (2016), op. cit.
461
DUARTE (1968), op. cit., p. 115.
462
BEZERRA (2016), op. cit.
463
COSTA (2021), op. cit.
464
PESSÔA (2017), op. cit.
465
ESTADO DA BAHIA, nº 1.581 (1942), op. cit., p. 1.
466
Idem, idem.
161

pois se tornariam proprietários das embarcações que comandavam. Como já conhecendo os


negociantes locais, dos quais transportavam as mercadorias, poderiam comercializar
diretamente com eles.
Contudo, não conseguimos verificar se o antigo proprietário da barcaça era mesmo
José Ribeiro Coelho. Entretanto, não é a veracidade dessa informação o que mais importa. O
que é mais relevante é a relação da fala do senhor Vicente com as informações apresentadas
por Luiz Antônio Pinto Cruz e pelo jornal Estado da Bahia.
O fato de o mestre Norberto ter sido uma pessoa querida nos portos das cidades do sul
e Extremo Sul da Bahia pode ter ampliado a comoção dos moradores de Belmonte pela
barcaça Jacira. Mas existe um outro possível elemento que aproximava os belmontenses à
barcaça. Ao falar sobre o ataque a essa barcaça, o senhor Manoel Honorato nos disse: “Um
desses rapazes, que aconteceu isso, era marinheiro de minha terra”467. Infelizmente, ele não se
recordou do nome do marinheiro. O senhor Davino Dias da Costa, de Porto Seguro, também
se referiu à barcaça Jacira: “Me lembro da Jacira. Levava cacau para Salvador”468.

Imagem 14:Tripulantes da barcaça Jacira (1942)

Fonte: ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.588, Salvador, 29 de ago. 1942.

467
DOS ANJOS, (2016), op. cit.
468
COSTA (2022), op. cit.
162

No inquérito militar foram ouvidos Norberto Hilário dos Santos, Antenor Hilário dos
Santos e Arcelino Bispo de Jesus469. No documento consta que eram naturais da Bahia, os
dois primeiros residiam em Salvador e o terceiro na Vila do Coqueiro, no município de
Maragogipe470. Não encontramos informações sobre os marinheiros Raimundo Borges e
Vitalino Olegário dos Santos. Talvez um deles fosse natural ou residisse em Belmonte.
Infelizmente, a equipe do Estado da Bahia não identificou os marinheiros na foto
acima. Ela foi registrada na tarde do dia 29 de agosto, assim que eles chegaram a Salvador, 10
dias após o afundamento da barcaça Jacira. Os tripulantes fizeram um longo trajeto de Itacaré
até a capital baiana, passando por Maraú, Valença, Nazaré e São Roque471. Isso pode sugerir
que eles foram por terra, talvez por receio de viajarem por mar novamente. O semblante dos
quatro tripulantes parece refletir toda a tensão e cansaço na qual se encontravam. Além disso,
o registro foi feito dois dias antes que eles se apresentarem à comissão da 6ª RM que os havia
convocado para prestarem esclarecimentos e isso também devia pesar sobre os tripulantes da
Jacira.
Por fim, a compaixão em Belmonte pela sorte dos náufragos da barcaça pode ter sido
potencializada pela forma como caso repercutiu na imprensa baiana. De forma especial,
devido à campanha organizada pelos dirigentes do jornal Estado da Bahia, que visava
arrecadar dinheiro para as vítimas dos ataques do U-507, donativos foram distribuídos
conforme a categoria dos naufrágios. Porém, não foram especificados os critérios de seleção
para as categorias472. No total, foram seis: com valores de Cr$ 3.000,00 para a primeira
categoria; Cr$ 2.500,00 para a segunda; Cr$ 2.000,00 para a terceira; Cr$ 1.500,00 para a
quarta; Cr$ 1.200,00 para a quinta; e Cr$ 900,00 para a sexta473. Os náufragos da Jacira
receberam partes desses donativos, mas não foi revelado em qual das categorias eles estavam
inseridos.
A imprensa baiana também divulgou uma homenagem prestada à barcaça pelo
empresário Manoel Joaquim de Carvalho, de Salvador. Ele ofertou à Aeronáutica brasileira
um avião de treinamento primário para os futuros pilotos brasileiros. A aeronave foi batizada
com o nome “Jacira”. A notícia da doação foi publicada, originalmente, no dia 27 de agosto
de 1942, no jornal Estado da Bahia474.Dois dias depois da publicação original, o Diário da

469
Agradecemos a Luiz Antônio Pinto Cruz por nos ter enviado uma cópia digitalizada do inquérito.
470
IPM – Inquérito Policial Militar. 1942. Rio de Janeiro-RJ. Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro.
Palácio Duque de Caxias.
471
CRUZ (2017), op. cit., p. 119.
472
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1589, Salvador, 31 de ago. 1942, p. 3.
473
Idem, idem.
474
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.586, Salvador, 27 de ago. 1942, p. 3.
163

Tarde de Ilhéus publicou um texto sobre o gesto do empresário. Cinco dias depois desse
episódio, a matéria do periódico ilheense foi transcrita no Boletim Oficial de Belmonte. No
periódico belmontense a Jacira foi descrita como uma “vítima da perversidade eixista” e a
ação do empresário soteropolitano foi descrita como um “gesto altruístico e patriótico”475.
A doação foi feita antes mesmos dos náufragos da barcaça chegarem à capital baiana e
que os detalhes do evento fossem divulgados. Isso mostra como as notícias do ataque à Jacira
se espalharam rapidamente. Isso fez com que o caso da barcaça se tornasse um símbolo da
crueldade do Eixo contra as embarcações mercantes do Brasil.
Deve-se destacar, ainda, que a barcaça ficou um longo período no porto de Belmonte,
antes de zarpar para sua última viagem. De acordo com a entrevista concedida por Norberto
ao jornal Estado da Bahia, a Jacira havia ficado ancorada no porto da cidade durante 40 dias,
aguardando tempo favorável para a viagem476. Foi em uma “manhã calma”477 que a Jacira e
seus tripulantes partiram para uma última viagem. Após o ataque, a Segunda Guerra Mundial
estava mais próxima do Extremo Sul da Bahia.

5.2 “Isto é a guerra!” O caso do vapor Afonso Pena


Após os diversos ataques de agosto de 1942, foi organizado um sistema de comboios
com escolta para proteger as embarcações mercantes brasileiras. O sistema começou a operar
em outubro daquele ano e vigorou até dezembro de 1944. As frotas partiam de Trinidad, no
Caribe, em direção ao porto de Santos, no Brasil. Ao longo dessa rota, de mais seis mil
quilômetros, eram feitas escalas em Pernambuco, Salvador e Rio de Janeiro478. De Trinidad a
Recife os navios comboiados eram escoltados por embarcações da marinha de guerra dos
Estados Unidos (U.S. Navy) e de Recife a Santos por belonaves da Marinha do Brasil.
A participação nos comboios não era livre, as embarcações deveriam preencher alguns
pré-requisitos para poderem ingressar nas formações. O mais importante deles era o da
velocidade. Todas os navios escoltados teriam de ser capazes de manter velocidades
constantes que variavam de 8,5 a 14 nós (15,7 e 25,9 km/h, respectivamente).
A maior parte dos submarinos da época não ultrapassavam a velocidade de 8 nós, em
submersão. Em superfície, eles alcançavam velocidades maiores, mas ficavam expostos a
ataques das escoltas, visto que perdiam a furtividade, que é a principal característica desse
tipo de embarcação. Dessa forma, os marcos de velocidade estabelecidos eram considerados

475
BOLETIM... nº 247 (1942), op. cit.
476
ESTADO DA BAHIA, nº 1.588 (1942), op. cit.
477
Idem, idem.
478
DUARTE (1968), op. cit., p. 177.
164

tecnicamente seguros. Os navios, que não atingiam os 8 nós ou que conseguiam navegar
acima dos 14 nós, viajavam sozinhos. Os primeiros, para não atrasar a formação e expô-la ao
risco de ataques e os outros porque tinham mais possibilidade de escapar aos ataques de
submarinos.
Entretanto, a velocidade, por si só, não era capaz de assegurar a completa proteção das
embarcações. Por isso, havia outro requisito muito importante: a quantidade de fumaça gerada
pelas máquinas propulsoras. A maioria dos mercantes brasileiros, de médio e grande porte,
era movida por sistema de propulsão a vapor. Isso implicava na queima de carvão, um
processo que produzia uma grande quantidade de fumaça. Isso fazia com que as embarcações
deixassem um rastro que podia denunciar a sua presença aos submarinos inimigos. Além
disso, a quantidade de fumaça poderia ser aumentada pela idade ou a qualidade da
manutenção do maquinário da embarcação. Os navios que produziam grandes quantidades de
fumaça poderiam ser excluídos dos comboios479.
O caso do Bagé, uma embarcação que pertencia à companhia Lloyd Brasileiro, é um
bom exemplo de como essa questão era importante. Ele integrava um comboio quando, na
tarde do dia 31 de julho de 1943, foi obrigado a seguir viagem sozinho, devido à grande
produção de fumaça. O navio foi atacado e afundado naquele mesmo dia, pelo submarino
alemão U-185 e 28 das pessoas que nele seguiam viagem perderam as vidas480.
A organização dos comboios mostra o esforço do governo brasileiro para proteger o
fluxo comercial marítimo do país. Entretanto, nem sempre as escoltas militares eram
suficientes para proteger os mercantes. Os navios Osório e Lages, por exemplo, eram
escoltados pelo destroier americano USS Roe, quando foram atacados e afundados pelo
submarino alemão U-514, na costa do Pará, no dia 28 de setembro de 1942481. Outra
estratégia para aumentar a segurança do comércio naval brasileiro foi a instalação de armas
nas embarcações civis. Ao todo, 38 navios foram armados com canhões e metralhadoras,
operados por homens da Marinha do Brasil482. Mas a medida nem sempre obteve o resultado
esperado. O Barbacena, armado com um poderoso canhão de 120mm, foi afundado no dia 27
de julho de 1942 pelo submersível germânico U-155483.
Apesar dos casos descritos, o armamento dos navios e o sistema de comboio foram
essenciais para manter a constância do comércio naval do Brasil. Ao longo de 1942, 24

479
Sobre os comboios e as regras de ingressos ver: ARANTES (2012), op. cit., p. 37-45; DUARTE (1968), op.
cit., p. 173-219.
480
ARANTES (2012), op. cit., p. 143-145.
481
Idem, p. 120-124.
482
BENTO (1995), op. cit., p. 22.
483
ARANTES (2012), op. cit., p. 92-93.
165

embarcações brasileiras foram atacadas. Em 1943, após a organização dos comboios e da


instalação de armas nas embarcações mercantes, o número de ataques foi reduzido para oito.
Assegurar a continuidade do comércio naval era vital não apenas para manter a
estabilidade econômica do Brasil, mas para manter o seu processo de rearmamento. Desde
1941, o país estava adquirindo materiais bélicos dos Estados Unidos, por meio do programa
Lend Lease Act. Em 1942, justamente quando os ataques à marinha mercante brasileira se
intensificaram, o governo aumentou os gastos militares, dando como principal garantia o
suprimento de matérias-primas estratégicas para guerra. Isso aumentou a preocupação do
governo Vargas em manter as rotas marítimas ativas e estreitou os laços políticos e comerciais
entre o Brasil e os países Aliados.
O reaparelhamento da Marinha e a criação da Aeronáutica, empregadas no
patrulhamento do litoral, contribuiu significativamente para aumentar a segurança do
comércio naval brasileiro. No entanto, as medidas defensivas não conseguiram zerar os
ataques dos submersíveis alemães e italianos. O litoral brasileiro é muito grande e os
comandantes inimigos estavam utilizando táticas de ataques diferentes das empregadas no
Atlântico Norte.
Na costa da América do Sul, os U-boots484, como eram chamados os submersíveis
alemães, não empregavam sua tática usual, chamada Das Rudel485. A tática consistia em
concentrar o poder de fogo de um grupo grande de submarinos em alvos específicos ou em
comboios, atacando de forma rápida e em seguida se dispersando, para evitar contra-ataque.
Embora letal, ela exigia um grande número de belonaves atuando em conjunto e isso era mais
difícil de organizar no Atlântico Sul, devido à distância das bases alemãs. Por causa do
número reduzido, os submarinos alemães passaram a atuar isoladamente, espalhando-se ao
longo de vastas áreas. Isso dificultava a previsão dos ataques e forçava os defensores a
patrulhar grandes extensões oceânicas, dividindo as forças e gastando mais recursos.
Além disso, eles não se concentravam nos comboios, como faziam no Atlântico Norte,
mas nas embarcações que navegavam solitárias. Os ataques realizados pelo U-507, entre 15 e
19 de agosto de 1942, mostraram como a tática era eficiente no litoral brasileiro. Um único
submarino conseguiu atacar seis embarcações, em uma rota com cerca de 400 km. O feito foi

484
Unterseeboots, “barco submarino”.
485
Das Rudel, “alcateia”.
166

tão impressionante que rendeu a Harro Schacht, comandante do U-507, a Cruz de Cavaleiro
da Cruz de Ferro486 e a patente de Fregattenkapitän487, concedidas postumamente488.
Além disso, à medida que bases americanas foram sendo instaladas em Belém,
Fortaleza, Natal, Recife e Fernando de Noronha, os submersíveis do Eixo deslocaram seu eixo
de operação para áreas menos defendidas, mas com grande trânsito de médias e grandes
embarcações. Foi nesse contexto que o litoral que se estende da Bahia ao Rio de Janeiro se
tornou foco da atenção dos submarinos alemães e italianos. A Bahia, aliás, parecia já ocupar
centralidade nos planos de ataques do Eixo. As grandes agressões navais ocorridas ao longo
de 1942 foram realizadas contra navios que se dirigiam ou haviam saído do porto de
Salvador489. Aliás, analisando as coordenadas dos ataques ocorridos no litoral brasileiro,
verificamos que os três mais próximos do continente ocorreram justamente na costa da
Bahia490.
Dessa forma, apesar da diminuição do ritmo de ataques, após outubro de 1942, o vasto
litoral entre a Bahia e o Rio de Janeiro permanecia uma área perigosa para a navegação
mercante. Sobretudo, o Extremo Sul da Bahia, onde não havia nenhuma base militar terrestre,
aérea ou naval, nem patrulhamento. Foi nesse contexto que o navio Afonso Pena foi atacado,
no início do mês de março de 1943, ao largo da costa da região.

486
A Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro era a mais alta condecoração concedida pela Alemanha para
reconhecer os atos a bravura em combate ou por uma liderança bem-sucedida e decisiva durante a Segunda
Guerra Mundial.
487
Fregattenkapitän, “Capitão de Fragata”.
488
Ver: https://uboat.net/men/schacht.htm. Acesso em: 2 de abr. 2022.
489
Agradeço ao amigo Luiz Antônio Pinto Cruz por me apontar essa questão.
490
Foram os ataques contra os navios Itagiba e Arará, no dia 17 de agosto de 1942, e Brasilóide, 18 de fevereiro
de 1943. Os dois primeiros a cerca de 7 milhas da praia (pouco mais de 11 km) e o último, 6 milhas (pouco mais
de 9 km). Cf. ARANTES (2012). Op. cit., p. 53-154.
167

Imagem 15: O vapor Afonso Pena, cartão postal da Lloyd Brasileiro s/d

Fonte: Disponível em: http://naviosenavegadores.blogspot.com/. Acesso em: 14 de jul. 2021.

A embarcação era um cargueiro pertencente à companhia Lloyd Brasileiro, que


transportava pessoas e mercadorias. Era movida por um sistema de propulsão a vapor, tinha
112,2m de comprimento, com uma boca de 14,8m e calado de 4,9m. O navio tinha capacidade
para transportar 3.130 toneladas de mercadorias e instalações para acomodar 150 passageiros,
além de seus 89 tripulantes, totalizando 239 pessoas a bordo em lotação máxima491. Quando
foi atacado, o Afonso Pena era um navio relativamente velho. Havia sido construído na
Irlanda do Norte, em 1910, nos estaleiros da Workman, Clarck & Co.Sua propulsão era
realizada por dois motores a vapor, capazes de levá-lo à velocidade máxima de 12 nós (cerca
de 22,22km/h) e de manter uma velocidade de cruzeiro de 10 nós (cerca de 18,52 km/h)492.
Apesar da idade da embarcação, conforme uma reportagem publicada no jornal A
Manhã, do Rio de Janeiro, “encontrava-se em perfeitas condições de navegabilidade”493.
Além disso, deve-se notar que a embarcação preenchia os requisitos de velocidade
estabelecidos para o sistema de comboios. Não encontramos informações sobre a quantidade
de fumaça produzida por seu sistema de propulsão.
Para reconstituir os eventos ocorridos na última viagem do Afonso Pena utilizaremos
os relatos de algumas pessoas que estiveram a bordo do navio: Mário Ângelo Ribeiro,

491
ARANTES (2012), op. cit., p. 135-136; GAMA (1982), op. cit., p. 130.
492
Idem, p. 53 e 135-137.
493
A MANHÃ, ano II, n° 485, Rio de Janeiro, 7 de mar. 1943, p. 3.
168

Bernard Morera, Manassés de Carvalho Borges, Nair Viana Café, João Batista Rodrigues,
Bernard Picit Morera. Os relatos dessas pessoas foram escolhidos porque, apesar de nem
todos terem se conhecido, apresentaram informações semelhantes. Além disso, os relatos
cobrem momentos específicos da viagem: trajeto até Recife, saída do litoral pernambucano e
os momentos imediatamente anteriores e posteriores ao ataque.
Optamos por utilizar apenas as informações cedidas pelos sobreviventes aos jornais da
época, devido às muitas divergências entre os pesquisadores sobre a história do Afonso Pena.
Tanto no que se refere à rota traçada pelo comandante da embarcação, quanto aos motivos
para o abandono do comboio que integrava e sobre o número de mortos. Alguns autores
sequer apresentaram as fontes com as quais trabalharam. É preciso esclarecer que nossa
narrativa sobre o Afonso Pena não é, nem pretende ser, a definitiva, mas apenas mais uma.
De acordo com Bernard Picit Morera, um pintor francês que morava no Brasil desde
junho de 1939, o navio zarpou do porto de Manaus em janeiro de 1943494, com destino a
Santos, no litoral paulista. O navio era comandado pelo capitão Euclides Almeida Basílio. No
caminho, foram feitas escalas nos portos de Belém, São Luís, Fortaleza e Recife, onde foram
embarcados os últimos passageiros que a embarcação transportaria495.
No total, em sua derradeira viagem, o Afonso Pena transportava 242 pessoas.
Conforme narramos, a lotação máxima do Afonso Pena era de 239 pessoas. Portanto, em sua
última viagem a embarcação estava transportando 3 pessoas além do limite.
O navio saiu de Recife na tarde do dia 27 de fevereiro, um sábado 496. Conforme Mário
Ângelo Ribeiro, um estudante da Escola de Marinha Mercante497 que estagiava na
embarcação, na capital pernambucana, o Afonso Pena ingressou em um comboio composto
por 5 navios. Conforme relatou, o navio “logo foi escolhido para “comodoro””498. O fato de
ter sido escolhido para liderar a formação é um indício das boas condições de navegabilidade
do navio, mencionadas também pela matéria do A Manhã, referida anteriormente.
Mário Ângelo Ribeiro finalizava um período de instrução prática a bordo do Afonso
Pena. Dessa forma, ele teve a oportunidade de conhecer bem a embarcação e a rotina de seus
tripulantes. Junto a ele havia outros dois estagiários: Waldemar Moreira da Costa e João
Batista Rodrigues.

494
A NOITE, ano XXXII, n° 11.171, Rio de Janeiro, 19 de mar. 1943, p. 3.
495
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
496
O JORNAL, ano XXI, n° 7.468, Rio de Janeiro, 31 de ago. 1944, p. 3.
497
A Escola de Marinha Mercante havia sido fundada pela Lloyd Brasileiro para formar o quadro de oficiais que
necessitava para a condução de suas embarcações e para a marinha mercante de forma geral.
498
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 2.
169

Imagem 16: Estagiários do Afonso Pena

Fonte: A NOITE, ano XXXII, n° 11.171, Rio de Janeiro, 19 de mar. de 1943, p. 1. Da esquerda para a direita:
repórter do A Noite; Mário Ângelo Ribeiro; Waldemar Moreira da Costa; João Baptista Rodrigues.

Como líderes do comboio que ingressaram, era responsabilidade dos oficiais do


Afonso Pena ditarem a cadência da viagem, determinar a disposição das embarcações e
transmitir informações. Contudo, ao largo da costa de Recife, o grupo se incorporou a outra
formação, composta por 18 embarcações que vinham de Trinidad. Mário Ângelo Ribeiro
informou que esse grupo já havia sido atacado por submarinos. Possivelmente, essa notícia
deve ter deixado apreensivos os passageiros e tripulantes do Afonso Pena. Ao anoitecer do
primeiro dia do percurso, a formação recebeu sinais de SOS499, o que provocou uma
modificação na disposição dos navios comboiados.
Após o sinal, um navio caça-mina teria se distanciado da formação e lançado algumas
cargas de profundidade. Esse evento deve ter aumentado ainda mais a tensão das tripulações e
passageiros das embarcações. De acordo com Mário Ângelo, “tudo aí não passou da
suposição”500. Passado o susto, a viagem seguiu em relativa tranquilidade. O comboio
encontrou outro grupo de navios, composto por 13 embarcações, a maioria dos quais

499
Símbolo universal para pedido de socorro. Não é uma sigla, por isso, as letras em separado não resultam em
palavras. O símbolo se derivou da decodificação do sinal em Código Morse “... _ _ _ ...” que ao ser decodificado
forma as letras SOS. O sinal foi adotado universalmente como pedido de socorro, durante uma conferência
realizada em Berlim, em 1906.
500
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 2.
170

petroleiros, escoltados por uma flotilha501 da U.S. Navy. Após o reforço, os tripulantes e
passageiros dos navios seguiram viagem.
O reforço deve ter tranquilizado os passageiros de todos os navios da formação, pois
naquele momento o comboio reunia 36 naves. Por outro lado, essa quantidade os tornava mais
visíveis a quaisquer inimigos que estivessem à espreita no mar e talvez isso preocupasse os
oficiais militares que lideravam a escolta da formação. Entretanto, conforme Mário Ângelo,
ao largo da costa da Bahia foi dado um sinal de avistamento de submarino:

(...) logo em seguida, a ordem de dispersar. Os navios tomaram destinos


diferentes. Os petroleiros e as belonaves americanas rumaram para a África,
os navios de guerra brasileiros para S. Salvador e o “Afonso Pena”
continuou sozinho, cortando para o sul502.

A dispersão do comboio ocorreu no dia 1 de março. A informação cedida por Mário


Ângelo é particularmente importante. Alguns autores classificam a decisão do comandante do
Afonso Pena, de navegar sozinho para o Rio de Janeiro, como “inadvertida” ou
“inexplicável”503. Houve também quem tenha afirmado que o abandono do comboio se deveu
a um problema no sistema de sinalização do navio504. No entanto, Mário Ângelo Ribeiro
aponta para outra direção: a decisão teve como base a dispersão geral do comboio, justificada
pela possível presença de submarinos na rota que seguiam.
Nair Viana Café também registrou a dispersão do comboio. Conforme relatou em uma
entrevista concedida ao O Jornal, do Rio de Janeiro, ela era natural de Natal, mas residia em
Recife, filha de um proprietário de terras e criador de gado. Ela havia se mudado para a
capital pernambucana para estudar em um colégio interno, mas a morte do pai, em 1940, a
obrigou a retornar para o Rio Grande do Norte, para cuidar da mãe enferma. Contudo, sua
mãe também faleceu, apenas oito meses após o marido. Após ficar órfã, Nair liquidou as
propriedades do pai, ficando apenas com uma fazenda, que arrendou, e retornou para Recife.
Decidiu não mais continuar os estudos, se empregou em uma malharia, como funcionária de
escritório. Em 1943, Nair vendeu a fazenda que lhe restava, pediu demissão e começou a
preparar sua mudança para o Rio de Janeiro505.
Por intermédio de uma amiga, Nair entrou em contato com um funcionário da Lloyd
Brasileiro e comprou uma passagem para o Rio de Janeiro. Segundo a matéria, o navio estava

501
Nome dado à divisão de uma frota, que pode ser composta por um número que se estende de 2 a 10 navios.
502
A NOITE, n° 11.171 (1943). Op. cit., p. 2.
503
ARANTES (2012), op. cit., p. 44; BENTO (1995), op. cit., p. 24; SANDER (2007), op. cit., p. 238.
504
DUARTE (1968), op. cit., p. 198.
505
O JORNAL, ano XXI, n° 7.468, Rio de Janeiro, 31 de ago. 1944, p. 3.
171

“superlotado” e Nair só conseguiu a passagem por meio do “pistolão” da amiga506. Como


visto anteriormente, o navio estava realmente transportando uma quantidade de pessoas acima
do limite, embora a quantidade excedente fosse pequena (três pessoas).
Conforme relatou Nair Café: “O “Afonso Pena” levantaria ferros na tarde de sábado,
para se incorporar a um grande comboio que se destinava ao sul”507. Entretanto:

Certa manhã, no entanto, os passageiros foram despertados pelo jogar brusco


do navio. O “Afonso Pena” desenvolvia toda a velocidade dos motores. O
comboio separara-se; os outros navios, e mais a escolta, seguiram viagem
para a África, enquanto o “Afonso Pena”, cujo comandante acreditava ter
passado a zona de perigo, pretendia atingir a Guanabara508.

Por qual razão o navio teria manobrado bruscamente? Talvez porque de fato foi dado
um sinal de perigo. Mas por que a aparente aceleração máxima? Possivelmente, porque
soubesse dos limites de velocidade dos submarinos e, dessa forma, os oficias da embarcação
saberiam que ela era capaz de navegar mais rápido que eles. E por que o comandante
acreditava, depois da manobra, ter transposto a zona de perigo? Talvez porque já tivessem
atingido o sul da costa baiana. Desde o caso da barcaça Jacira, em agosto de 1942, que não se
registrava ataques navais nessa área.
Note-se, ainda, que Nair também descreveu a ida da flotilha da U.S. Navy com os
navios petroleiros para o continente africano. Isso pode indicar que as informações circulavam
com facilidade dentro do Afonso Pena, uma vez que a simples separação de embarcações em
alto mar não fornece aos expectadores indicações sobre as suas rotas. Além disso, é
importante destacar que há um ano de diferença entre a entrevista concedida por Mário
Ângelo Ribeiro à equipe do A Noite e a de Nair Café ao O Jornal. Tampouco encontramos
indícios de que os dois se conhecessem. Sabemos, no entanto, que ela teve contato com
Manassés de Carvalho Borges, um dos maquinistas do navio. Além disso, ela conheceu uma
senhora chamada Adelaide Monteiro da Maia, esposa de um sargento que estava de plantão na
noite em que o Afonso Pena foi atacado. Pode ter sido por essas pessoas que Nair obteve as
informações citadas acima.
Detalhes como esses não aparecem nos estudos dos pesquisadores que se dedicaram a
estudar os ataques sofridos pela marinha mercante brasileira durante a Segunda Guerra
Mundial. Talvez porque muitos deles tenham como matriz de referência o livro Dias de

506
O JORNAL, n° 7.468 (1944), op. cit., p. 3.
507
Idem, idem.
508
Idem, idem.
172

guerra no Atlântico Sul, do general Paulo de Queiroz Duarte509 – que também utilizamos.
Apesar da indiscutível qualidade desse trabalho, o oficial não citou informações fornecidas
pelos próprios náufragos. Talvez ele não tenha conseguido acessar os arquivos dos jornais ou,
por uma opção metodológica, só lhe interessava os dados coletados durante os inquéritos
militares.
De forma geral, as questões relacionadas à mudança na rota do Afonso Pena
permanecem abertas. Independentemente do que pode ou não ter acontecido, as entrevistas
dos sobreviventes afirmam que, apesar dos sustos, após a saída de Recife, e transposto o norte
da Bahia, a embarcação navegava tranquilamente. A noite do dia do dia 2 de março de 1943,
uma terça-feira, parecia dar continuidade à calmaria, mas por segurança, todas as luzes do
navio estavam apagadas.
Até mesmo o “blackout”510 foi citado tanto por Mário Ângelo, quanto por Nair Café.
O apagão pode sugerir que o comandante Euclides Basílio se preocupava com as questões
relacionadas à segurança da embarcação e das pessoas que nele viajavam. Será que outras
questões como a segurança da rota ou as vantagens de se acompanhar um comboio também
não o inquietavam? As informações apresentadas até aqui parecem indicar que a decisão
tomada pelo comandante do Afonso Pena não parece ter sido “inadvertida” ou “inexplicável”.
Ainda de acordo com Nair Café, o jantar era servido muito cedo, devido à
programação do blackout. Por “falta de outras distrações”511, os passageiros aproveitavam os
momentos após a refeição para conversar. Nair, por exemplo, afirmou que dialogava com a
senhorita chamada Adelaide e com Manassés de Carvalho Borges, mencionados
anteriormente. Em entrevista concedida ao A Noite, Manassés descreveu os temas sobre os
quais conversavam:

Às 19 horas do dia 2 do corrente, estava eu sentado com uma senhora e uma


senhorita, de nomes Adelaide e Nair, em um dos bancos de 2ª classe, ao lado
do boreste [direito], achando-se em nossa companhia um dos meus colegas
de bordo, conversando sobre assuntos diversos, principalmente sobre coisas
do Rio. À certa altura, meu colega perguntou à senhora Adelaide se já
colocara seu salva-vidas sob o travesseiro, respondendo ela que não havia
motivos para tantas preocupações, pois não se tinha notícia de se achar
algum submarino inimigo por perto. Nesse momento tomei a palavra, e,

509
DUARTE (1968), op. cit.
510
As embarcações, por questão de segurança, navegavam à noite com as luzes apagadas. A medida visava
dificultar que fossem localizadas por submarinos, tendo em vista que, à época, a principal forma de avistar um
alvo era a observação direta. Equipamentos como sonares (no mar) e radares (em terra), que permitiam a
localização de alvos além do alcance visual, ainda estavam em desenvolvimento e não eram amplamente
disponíveis.
511
O JORNAL, n° 7.468 (1944), op. cit., p. 3.
173

como sempre, previ o perigo que nos ameaçava, advertindo que devíamos
precaver-nos, não esquecendo que o nosso país estava em guerra e que nada
do que nos sucedesse poderia causar surpresa. Recomendei às senhoras que
colocassem os seus salva-vidas em local em que pudesse a qualquer instante
alcançá-los. E como a Sra. Adelaide redarguisse que não sabia fazê-lo, disse-
lhe que no dia seguinte a instruiria nesse mister, não o fazendo
imediatamente porque já estava escuro. Observou ainda a Sra. Adelaide:
“Amanhã não será mais necessário porque estaremos em véspera de
chegada”. Declarei então que lhe ensinaria tudo dentro de algumas horas,
antes do recolher512.

O diálogo nos permite perceber que, além do blackout, havia outras medidas de
segurança em vigor no Afonso Pena durante sua última viagem. Além disso, a conversa
parece indicar que os passageiros também manifestavam o sentimento de segurança que o
comandante Euclides de Almeida Basílio parecia nutrir. Talvez o conselho dado por Manassés
à senhora Adelaide pudesse ter salvado sua vida. Seu nome figura na lista dos mortos ou
desaparecidos durante o ataque513.
O pintor Bernard Picit Morera também descreveu aos repórteres do A Noite o que fazia
naquela noite, após o jantar. Bernard voltava de uma excursão de um ano e meio pelos estados
de Pernambuco, Ceará, Pará e Amazonas, durante a qual pintou 38 telas e produziu diversas
anotações, croquis e esboços. Segundo informou, na noite do ataque ele conversava com a
cantora Lú Moreno, que havia terminado uma turnê no Norte do país.

Imagem 17: Bernard Morera e Lú Moreno

Fonte: MORERA, Bernard P. Ficha Consular. Disponível em:


http://obscurofichario.com.br/. Acesso em: 10 de jul. 2021; JORNAL
CARIOCA, ano XI, n° 569, Rio de Janeiro, 31 de ago. 1946, p. 37.

512
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 1.
513
Idem, p. 2.
174

Conforme relatou Bernard Morera:

Falávamos de coisas vagas. O que se podem dizer dois moços em noite de


luar... um céu muito estrelado era o cenário que nos envolvia, e eu
aproveitava para contar-lhe algumas lendas de estrelas, lendas que ouvira em
criança, e cuja memória, naquele instante, me fazia bem514.

O estagiário Mário Ângelo Ribeiro estava de serviço naquela noite. Conforme disse,
passadas 24 horas após a dispersão do comboio, “voltou a nossa confiança no sucesso da
travessia”515. Segundo informou aos repórteres, o “mar continuava calmo e a noite nos
envolvia mansamente, reforçando a nossa confiança na solidão das águas. (...) o “black-out”
[sic] do “Afonso Pena” era perfeito, mal enxergava a agulha da bússola, tão fraca era a
luz”516. A calmaria descrita foi interrompida por volta das 19 horas, quando ocorreu o ataque.
Mário Ângelo afirmou que ouviu “um estrondo seco, forte, violento” e que “todo o navio foi
sacudido por um terrível abalo”, um “torpedo a estibordo!”517.
Nair Café também descreveu o momento do ataque. Segundo disse: “um baque surdo,
seguido de uma explosão abafada [atirou-a] ao chão”518. Bernard Morera afirmou: “Súbito,
um baque surdo, de difícil descrição, fere a quietude da noite”519. De acordo com Manassés de
Carvalho Borges: “ouviu-se um formidável choque acompanhado de forte explosão,
seguindo-se uma chuva de água salgada em cima do convés, ao mesmo tempo que o navio
adernava uns 30 graus, mais ou menos, para bombordo”520.
Há uma pequena divergência entre os relatos de Mário Ângelo e Manassés, quanto à
direção do impacto do torpedo. O primeiro afirmou que a explosão ocorreu no lado esquerdo
da embarcação (estibordo), ao passo que o segundo disse que o impacto foi do lado direito
(bombordo). A discordância pode ser uma consequência da tensão que se seguiu ao ataque.
Conforme o general Paulo de Queiroz Duarte, o impacto se deu a bombordo, informação
reafirmada pelo vice-almirante Arthur Oscar Saldanha da Gama521. Manassés, talvez por estar
no convés, ao contrário de Mário Ângelo, que estava na ponte de comando, pôde perceber
melhor a área atingida.

514
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
515
Idem, p. 2.
516
Idem, idem.
517
Idem, idem.
518
O JORNAL, n° 7. 468 (1944), op. cit., p. 3.
519
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
520
Idem, p. 1.
521
DUARTE (1968), op. cit., p. 201; GAMA (1982), op. cit., p. 128.
175

À explosão se seguiram dois disparos de canhão. O radiotelegrafista Pedro Mota


Cabral tentou enviar um sinal de socorro, mas de acordo com Manassés, um dos projéteis
destruiu a sua cabine, matando-o imediatamente522. A intensidade do ataque foi tamanha que
muitas baleeiras523 foram danificadas, o que dificultou o salvamento dos sobreviventes.
Conforme Bernard Morera, as baleeiras “estavam arrebentadas e muitas outras se
destroçavam ao cair na água, de vez que o navio não parou. Danificado seriamente, continuou
a sua marcha, sempre seguido pelo submarino”524.
Embora não possa notar um padrão no emprego das nas agressões cometida pelas
forças do Eixo contra navios brasileiros, o ataque foi excessivamente violento.
Aparentemente, a decisão de como o ataque deveria ocorrer dependia exclusivamente da
avaliação dos comandantes dos submersíveis. Nesse sentido, o contexto específico de cada
ocasião deve ter determinado a forma dos ataques. Em 14 ocasiões, foi utilizado apenas um
disparo de torpedo, em 18 delas mais de um torpedo ou torpedos e tiros de canhão e um
ataque foi realizado por aviões. Houve, ainda, dois casos nos quais não há registros de como
as agressões foram realizadas525.
Dos 18 ataques realizados com disparos múltiplos, em nove deles foram feitos
disparos em rápida sequência, sem que se tenha dado tempo para que os tripulantes e
passageiros das embarcações atacadas conseguissem evacuá-las. Nas outras nove, houve um
intervalo médio de 15 minutos, permitindo que muitas pessoas se salvassem. A propósito,
embora isolado, houve um caso no qual os marinheiros agressores ajudaram os náufragos a se
salvar.
Tratou-se do caso do Piave, navio afundado no dia 28 de julho de 1942 pelo
submarino U-155. Os sobreviventes receberam 10 litros de água, três fatias de pão de centeio
e uma garrafa de rum. Além disso, cerca de 20 minutos após partir, o submarino retornou ao
encontro dos náufragos e lhes devolveu um companheiro que havia sido resgatado das águas
pelos submarinistas526.
A ajuda, no entanto, não pode ser interpretada como um ato de bondade ou
generosidade, mas de respeito às convenções internacionais de guerra. Como destacou Arthur
Oscar Saldanha da Gama, o Direito Internacional, à época, já determinava como deveriam
ocorrer as abordagens de submarinos a navios civis em tempos de guerra. As tripulações

522
DUARTE (1968), op. cit., p. 201.
523
Nome dado aos botes salva-vidas.
524
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
525
Sobre as especificidades dos ataques, ver: ARANTES (2012), op. cit., p. 53-154; GAMA (1982), op. cit., p.
103-140.
526
ARANTES (2012), op. cit., p. 94-95.
176

deveriam ser intimadas a parar, os submarinistas deveriam realizar análises em sua


documentação e, caso decidissem afundá-los, os marinheiros das embarcações abordadas
deveriam ser evacuados527. É preciso destacar, no entanto, que quando os barcos mercantes
começaram a ser armados, as abordagens se transformaram em empreitadas arriscadas para os
submarinistas.
Alguns ataques dos u-boots alemães parecem ter respeitados essas convenções que
prezavam pela vida e segurança dos civis. Foram os casos, além do Piave, da Jacira, Olinda,
Alegrete, Pedrinhas e Brasilóide. Mas nas nove vezes em que não foi permitida a evacuação
dos navegantes, o grau de violência foi muito grande. Não por acaso, nestes, os números de
mortes (cerca de 726) correspondem a pouco mais de 74% das fatalidades registradas nessas
agressões navais528.
O caso do Afonso Pena está entre os mais violentos ocorridos no litoral brasileiro. Os
três impactos seguidos fizeram a embarcação afundar rapidamente. Além disso, o navio
afundou pela proa529 e como tudo ocorreu muito rápido, os tripulantes não conseguiram
desligar as máquinas propulsoras. O resultado foi uma cena verdadeiramente dantesca. De
acordo com Mário Ângelo Ribeiro: “Vários náufragos [foram] trucidados pela hélice que
continuava girando (...)”530. A belonave que atacou o Afonso Pena foi o R. Smg. Barbarigo.

Imagem 18: R. Smg. Barbarigo

Fonte: http://www.regiamarina.net. Acesso: 15 de dez. 2016.

Na imagem da direita se pode ver o lema da embarcação: “Chi teme la morte non e'
degno di vivere”, em tradução livre, “Quem teme a morte não merece viver”. O Barbarigo foi
um dos oito submersíveis italianos que operaram no Atlântico Sul, durante a Segunda Guerra

527
GAMA (1982), op. cit., p. 142.
528
Ver: ARANTES (2012), op. cit., p. 53-154.
529
Parte dianteira de um navio.
530
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 2.
177

Mundial, junto ao Archimedes, Bagnolini, Calvi, Capellini, Cabedello, Torelli e Tazzoli. Era
um dos mais poderosos de sua época, armado com dois canhões, um de 100mm e outro de
47mm, quatro metralhadoras antiaéreas de 13.2mm e oito tubos de torpedos de 533mm531. Em
seu curto período de serviço (cinco anos), o Barbarigo executou 14 missões. Um de seus
comandantes foi o ítalo-brasileiro Enzzo Gross. Ao longo da carreira ele atacou sete navios,
todos mercantes. O Barbarigo desapareceu em missão no Golfo de Biscaia, entre a França e a
Espanha, em 16 de junho de 1943.
Moderno, o Barbarigo era um submarino veloz, atingindo 17 nós (cerca de 31,5km/h)
em superfície e 8,5nós (cerca de 15,7km/h) em submersão. Como se pode observar, o
Barbarigo atingia velocidades superiores aos limites estabelecidos pelo sistema de comboios
das embarcações brasileiras. O submersível deslocava 1.300 toneladas em submersão e seu
sistema de propulsão era composto por quatro motores, dois a diesel e dois elétricos532.
Curiosamente, foi o Barbarigo que realizou o primeiro ataque a uma embarcação
brasileira, o Comandante Lira no próprio litoral do Brasil, sob o comando de Enzzo Grossi. O
navio foi agredido no dia 18 de maio de 1942, ao largo da costa do Rio Grande do Norte. O
evento deixou duas pessoas mortas, mas a embarcação não afundou e foi rebocada até
Fortaleza com toda a sua carga.
O ataque ao Afonso Pena foi comandado pelo capitão Roberto Rigoli. Os
sobreviventes relataram que o submersível navegava próximo aos náufragos, a uma distância
de mais ou menos 150 metros. Os holofotes do submarino estavam ligados, para que os
marinheiros pudessem contemplar a cena que se desenrolou após a agressão. De acordo com
Bernard Morera, eles interagiram com os sobreviventes:

(...) atiravam frases injuriosas e deboches, comentários sobre o sucedido. –


Foi então que tivemos conhecimento da nacionalidade do submarino. Era
italiano, e disso todos tivemos prova, porque os oficiais procuravam fazer-se
entender com frases num misto de brasileiro e italiano533.

João Batista Rodrigues, outro estudante da Escola de Marinha Mercante que estava
embarcado no Afonso Pena, também relatou o contato com a tripulação do submarino:

(...) vi em minha frente o vulto esguio de um costado liso, de cor verde


garrafa. Era o submarino que nos torpedeara. A nossa balsa, enfim, levada
pelo fluxo das águas, foi bater contra o dorso do monstro. Na amurada,

531
ARANTES (2012), op. cit., p. 195.
532
Idem, idem.
533
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
178

recurvado sobre o passadiço, vi o comandante. Reparei bem no tipo. Trajava


macacão de cor caqui, botinas pretas e no quepe branco distingui
perfeitamente as insígnias da Marinha de guerra italiana. O oficial estava
olhando fixamente para mim e perguntou-me em dado momento, falando
inglês, qual era o nome do navio e depois quis saber o nome do comandante.
A ambas as perguntas respondi: - “i don’t know...” – eu não sei. Insistiu
depois, querendo saber se o navio torpedeado não era o “Midosi”.
Nesse momento uma senhora que estava na balsa pediu ao
comandante que a salvasse, ao que este respondeu:
– Só se a senhora quiser embarcar como prisioneira.
Aí, desprezando os náufragos, o comandante virou-se para o
artilheiro e disse: “Atenção!” O subalterno agarrou a metralhadora antiaérea
e manteve-a firme, apontada para o céu, prevenindo-se contra as surpresas de
um patrulhamento aéreo. O comandante volta-se de novo para os náufragos e
diz qualquer coisa que não entendi e como resposta ouviu uma censura à
covardia do atentado. Sem se alterar e sacudindo os ombros, o oficial
italiano, antes de retirar-se, ainda disse:
– Isto é a guerra!...
Ainda por algum tempo o submarino manteve-se à tona, varrendo o
local com os seus possantes faróis e depois desapareceu534.

Além de mostrar parte do drama a que foram submetidos, os relatos de João Batista
Rodrigues são particularmente interessantes. Eles sugerem que os marinheiros do Barbarigo
estavam esperando uma embarcação específica: o Midosi. Esse navio também pertencia à
Lloyd Brasileiro e esteve no mesmo comboio do qual o Afonso Pena havia dispersado. Ele
vinha dos Estados Unidos, transportando uma carga de material bélico para o Exército do
Brasil, mas havia ficado no porto de Maceió535.
Apesar dessa informação, não se pode dizer que o Afonso Pena foi um alvo de
oportunidade. A julgar pelos casos da barcaça Jacira e Paracuri (veleiros), e do pesqueiro
Shangri-lá, os ataques eram indiscriminados. Qualquer embarcação que tivesse feito a mesma
rota do Afonso Pena, no mesmo dia e hora, possivelmente seria atacada. Mas chama a atenção
o fato de que, aparentemente, o comandante Roberto Rigoli sabia sobre a rota e a carga do
Midosi. Isso é um indício da ação de espiões.
A carga do Midosi talvez explique a violência do ataque do Barbarigo. Possivelmente,
Rigoli não queria correr o risco de a embarcação não afundar e, dessa forma, a sua carga fosse
resgatada, como ocorreu com o comandante Lira. Aliás, a violência do ataque o posicionou
entre os quatro que mais causaram vítimas fatais no litoral brasileiro, ficando atrás apenas de
três das agressões praticadas pelo U-507, em agosto de 1942536.

534
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 3.
535
Cf. DUARTE (1968), op. cit., p. 201.
536
Baependi (270 mortos); Aníbal Benévolo (150); e Araraquara (131).
179

Os autores que consultamos apresentam divergências no número de vítimas. Arthur


Oscar Saldanha da Gama e Herbert Campbell afirmaram que 94 pessoas que viajavam no
Afonso Pena perderam as vidas537. Porém, de acordo com Paulo de Queiroz Duarte foram 115
mortes538. Já conforme Marcus Vinícius Arantes foram 125 vítimas539. Diante das
divergências optamos por buscar informações nos jornais que cobriram o caso. Encontramos
duas listas de passageiros e tripulantes do Afonso Pena, publicadas em março de 1943, no A
Noite e no Correio da Manhã. Esses jornais apresentaram 123 mortes, 31 tripulantes e 92
passageiros540. Partimos do princípio que as listas dos jornais são mais confiáveis, por terem
sido elaboradas a partir de informações coletadas com os sobreviventes e com a empresa
proprietária do navio, a Lloyd Brasileiro.
Entretanto, uma das pessoas dada como morta, Murilo de Andrade Abreu, não estava
no navio durante o ataque. No dia 21 de junho de 1943, o Diário de Notícias, do Rio de
Janeiro, publicou uma nota na qual Murilo avisou aos seus familiares e amigos que estava
vivo541. Murilo de Andrade era um engenheiro do Ministério da Agricultura, que esteve em
serviço no Amazonas e regressaria para casa a bordo do Afonso Pena. Sobreviveu, porque
seguiu os conselhos de sua mãe, que lhe teria advertido sobre o perigo dos submarinos e dos
ataques que estavam ocorrendo na costa do Brasil. Por isso, ele foi para o Rio de Janeiro de
avião e apenas a sua bagagem foi transportada pelo Afonso Pena.
Dessa forma, com base nas informações dos jornais, 122 pessoas morreram em
decorrência do ataque realizado pelo Barbarigo contra o vapor Afonso Pena. Os 119
sobreviventes ficaram à deriva nas águas da costa do Extremo Sul da Bahia. Alguns deles por
cerca de 10 horas e outros por aproximadamente 18 horas. A força das correntes os dividiu em
três grupos. Nove pessoas foram resgatadas por uma embarcação de Caravelas e levadas para
aquela cidade, de onde posteriormente foram enviados para Salvador542. Oito pararam nas
praias do município de Porto Seguro e enviadas para o Rio de Janeiro543. Os outros 102 foram
resgatados em alto mar pelos marinheiros do navio Tennesee, um petroleiro americano que
passava próximo à área do ataque.

537
GAMA (1982), op. cit., p. 130; CAMPBELL (1993), op. cit., p. 87.
538
DUARTE (1968), op. cit., p. 202
539
ARANTES (2012), op. cit., p. 137.
540
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 2; 123; CORREIO DA MANHÃ, ano XLII, n° 14.838, Rio de
Janeiro, 19 de mar. 1943, p. 8.
541
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, ano XII, n° 6.258, Rio de Janeiro, 21 de jun. 1943, p. 7.
542
A TARDE, ano 31, nº 10.856, Salvador, 11 de mar. 1943, p. 2; CORREIO DA MANHÃ, ano XLII, n° 14.839,
Rio de Janeiro, 20 de mar. 1943, p. 3. As vítimas eram: Vicente Rodrigues Ferreira, Antônio Estevam da Silva,
Almerindo da Silva Monteiro, Luiz Alves Ferreira, Pedro Antônio dos Santos, Manoel Pereira Ramos, Origenes
Moura de Oliveira (tripulantes) e Valdemar Ferreira da Silva (passageiro).
543
A NOITE, n° 11.171 (1943), op. cit., p. 2.
180

Um dos marinheiros do Tennesee, Stanley L. Neal, foi agraciado com a Distinguished


Service Medal, a maior condecoração da marinha mercante americana, concedida por ato de
bravura no salvamento dos sobreviventes do Afonso Pena. De acordo com uma reportagem do
jornal O Radical, ele mergulhou duas vezes em águas com tubarões para salvá-los. Na
primeira imersão ele salvou duas pessoas feridas e, na segunda, uma idosa. Enquanto isso,
seus companheiros atiravam na água para afastar os tubarões que cercavam os
sobreviventes544.
Inicialmente, a menção a tubarões nos pareceu exagerada. No entanto, de fato a
presença desses animais parece ser constante. Entre Alcobaça, Prado e Porto Seguro os
pescadores costumam se deparar com eles. Até mesmo em Alcobaça, em 2019, foi capturado
um tubarão tigre com 140 quilos545. Isso explica porque todos os sobreviventes salvos pelo
Tennesee, que concederam entrevistas a jornais, relataram a luta contra esses animais.
A circularidade das correntes marítimas do Atlântico Sul fez com que os destroços do
Afonso Pena se espalhassem por uma longa faixa de praias. De acordo com uma reportagem
publicada no jornal A Tarde, impressa no dia 11 de março de 1943, apareceram restos da
carga do Afonso Pena nas praias de Ilhéus. Foram cerca de “2.000 quilos de borracha, várias
latas de látex, cheias e intactas, e muitos pranchões e material diverso”546. Note-se que a
reportagem foi publicada nove dias após o ataque, tempo suficiente para que as correntes
marítimas espalhassem os destroços por uma longa faixa da costa do sul e Extremo Sul da
Bahia.
Conforme visto anteriormente, o senhor José Carmo dos Santos também mencionou a
chegada de borracha, café e charque nas praias de Arraial d’Ajuda, no município de Porto
Seguro547. O senhor Vicente Lima Bezerra relatou o que pode ser um indício de que nas praias
de Belmonte também apareceram partes da carga do Afonso Pena. Conforme nos relatou: “Os
submarinos botavam os navios no fundo, então dava muita borracha, aqueles fardos de
borracha”548. Os relatos dos dois entrevistados são ligeiramente genéricos e até um pouco
imprecisos, mas apresentam certas relações com a descrição da reportagem. A borracha é o
principal deles.
Aliás, os jornais fizeram com que as notícias sobre o ataque ao Afonso Pena se
espalhassem rapidamente, tanto na Bahia, quanto no Rio de Janeiro. Na verdade, os

544
O RADICAL, ano XI, n° 3.850, Rio de Janeiro, 19 de mar. 1943, p. 2.
545
PESCADORES capturam tubarão tigre com 140 kg no Sul da Bahia. PortalG1. Disponível em:
https://g1.globo.com/. Acesso em: 26 de out. 2019.
546
A TARDE, nº 10.856 (1943), op. cit., p. 2.
547
SANTOS (2016), op. cit.
548
BEZERRA (2016), op. cit.
181

periódicos alimentaram o público brasileiro com referências a esse ataque por muitos anos. A
última notícia que encontramos foi uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro, em
março de 1952. Trata-se de uma notícia sobre um acidente ferroviário ocorrido no Rio de
Janeiro. Conforme a matéria, Maria José Rodrigues, uma pessoa que esteve a bordo do
Afonso Pena, quando ele foi atacado em 1943, também sobreviveu ao acidente549.
Nos meios políticos, a repercussão do evento durou até 1977, quando uma lei foi
criada para conferir uma pensão especial a Nair Viana Café550. Além de ter ficado gravemente
ferida na ocasião, ela perdeu todos os pertences e recursos financeiros que possuía. Como
visto anteriormente, ela havia decidido se mudar para o Rio de Janeiro e havia vendido a
propriedade que lhe havia restado da herança paterna. Nair ficou hospitalizada durante 24
meses após o ataque, no hospital da Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro551. O caso gerou
tamanha comoção entre os moradores da capital do país, que alguns políticos foram
compelidos a agir.

Imagem 19: Nair Viana Café

Fonte: O JORNAL, ano XXVII, n° 7.468, Rio de


Janeiro, 31 de mar. 1944, p. 3.

549
O CRUZEIRO, ano XXIV, nº 23, Rio de Janeiro, 22 de mar. 1952, p. 18.
550
LEI nº 6.452, de 17 de out. de 1977. Diário Oficial da União, Seção 1, 18 de out. 1977, p. 13.957.
551
O JORNAL, n° 7.468 (1944), op. cit., 3.
182

Ainda a respeito do caso do Afonso Pena, Luiz Antônio Pinto Cruz afirmou que a
“chegada de sobreviventes e destroços flutuantes nas praias de Porto Seguro evidencia que
não se pode renegar a contribuição das populações litorâneas da Bahia no esforço de guerra
do Brasil”552. Pensando nisso, vejamos algumas questões apresentadas por Luiz Pinto Cruz
que nos ajudam a compreender as proporções que o ataque gerou sobre a população do
Extremo Sul da Bahia. Porém, não abordaremos o assunto que trata do enterro dos mortos,
mesmo porque não encontramos informações a esse respeito no Extremo Sul da Bahia.
Primeira questão: segundo Luiz Pinto Cruz, os moradores regionais socorreram os
sobreviventes. Apesar de não existirem registros específicos sobre o contato dos moradores de
Porto Seguro e Caravelas com os náufragos, há evidências indiretas que apontam para uma
troca de experiências. Alguns deles foram resgatados em alto mar por uma embarcação
caravelense e eles, certamente, explicaram a sua situação aos marinheiros que os salvaram.
Outros chegaram às praias de Porto Seguro e foram conduzidos, possivelmente, pelos
moradores locais até a cidade para que pudessem entrar em contato com a Lloyd Brasileiro e
com as autoridades militares.
Segunda: provavelmente os moradores locais se apropriaram dos objetos salvados.
Sobretudo, da carga. Nesse sentido, é importante destacar que, tanto o senhor José Carmo dos
Santos, quanto Vicente Lima Bezerra, se recordam da borracha que chegou às praias de
Belmonte e Porto Seguro. O Brasil era um dos maiores exportadores desse produto, que foi
essencial para os esforços de guerra dos países aliados.
Provavelmente, os moradores locais não deixaram esse material abandonado nas
praias. Teriam eles revendido o produto? É possível que sim. Os objetos salvados acabaram se
transformando em elementos constitutivos da memória da guerra na região.
Terceira: as pessoas do Extremo Sul baiano sofreram com a desnaturalização do seu
mar. O mar, como dissemos anteriormente, ocupa lugar central na história da região. Durante
mais de 300 anos ele foi a principal via de escoamento de mercadorias e do tráfego de
pessoas, além de fonte de recursos alimentícios. Contudo, a presença dos submarinos,
constatado pelo ataque ao Afonso Pena, o transformou em local perigoso. O mar, que outrora
representava para muitos a chance da subsistência ou do lucro, passou a ser uma área onde a
morte espreitava.
Quarta: a tragédia do Afonso Pena expôs as fragilidades da região e despertou a
necessidade de ampliação das áreas de patrulhamento litorâneo. Os moradores do Extremo

552
CRUZ (2017), op. cit., p. 22.
183

Sul da Bahia foram submetidos ao sistema de segurança passiva (toque de recolher, blecaute,
entre outros). Além disso, foram enviadas guarnições para proteger estruturas necessárias ao
esforço de guerra antissubmarina, para a comunicação e para o transporte de pessoas e
mercadorias (campos de aviação, linhas telegráficas, portos e ferrovias). Tudo isso acarretou
mudanças significativas nas rotinas das vidas das pessoas locais.
Quinta: os moradores regionais passaram a suspeitar dos estrangeiros que viviam nas
cidades do Extremo Sul baiano. Os boatos a respeito de possíveis colaboracionismos
alimentou a animosidade entre os brasileiros e os estrangeiros que residiam na região. Mesmo
aqueles que não eram cidadãos alemães, italianos ou japoneses sofreram perseguições ou
foram vítimas de arbitrariedades.
Sexta: o medo dos submarinos foi tão grande entre os moradores da região, que ainda
era percebido na década de 1970. Ele acabou sendo alimentado pelo caso dos “três homens
loiros”553 que apareceram em uma praia de Alcobaça, 14 anos após o fim da guerra.
Aprofundaremos esta questão na última parte deste trabalho.
Dessa forma, o ataque ao Afonso Pena representou um marco importante para os
habitantes do Extremo Sul da Bahia. Embora o caso da barcaça Jacira já os tivesse
aproximado da guerra, foi o drama dos náufragos do navio da Lloyd Brasileiro que de fato os
envolveu no conflito. Mais que isso: o ataque do dia 2 de março de 1943 lhes colocou em
contato direto com os horrores da Segunda Guerra Mundial. Uma das coisas, que impediu os
habitantes regionais de esquecerem aquela tragédia, foi sua consequência imediata: a chegada
das tropas que guarneceram a região entre 1943 e 1944.
***

De forma geral, é possível afirmar que havia meios para que notícias sobre a Segunda
Guerra Mundial chegassem ao Extremo Sul da Bahia. Todos os municípios da região estavam
conectados por redes telegráfica. Além disso, possuíam agências postais, por meio das quais
as encomendas e correspondências eram despachadas e recebidas por de navios e/ou
aeronaves. Embora tenhamos encontrado indícios da existência de aparelhos radiofônicos,
apenas em Porto Seguro pudemos verificar como as pessoas utilizavam esse tipo de aparelho.
Mas Belmonte parece ter sido a cidade que melhor tinha meios para informar as pessoas sobre
o conflito, devido à existência de um jornal impresso.

553
DIÁRIO DE NATAL, ano XIX, nº 6.057, Natal, 17 de jul. 1959, p. 1-3.
184

Como visto anteriormente, e como o próprio nome sugere, o Boletim Oficial de


Belmonte era um jornal oficial. Dessa forma, seu objetivo principal era informar a população
sobre o cotidiano da administração municipal. Mas, além desse tipo de informações, eram
publicadas matérias de cunho social, econômico e cultural, transformando-o no que
poderíamos chamar de jornal misto. Assim, foi dentro desse rol de notícias que foram
impressas informações sobre a Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, o fato de muitas edições do Boletim terem se perdido, sobretudo, devido
à forma como suas edições foram arquivadas e o local onde elas foram guardadas, não
conseguimos seriar as informações. Contudo, levando em consideração as edições que
tivemos acesso, foi possível perceber que a quantidade de matérias sobre a guerra aumentou
após 1942. Isso, quando cresceu a frequência de ataques às embarcações mercantes
brasileiras. Entretanto, a cobertura da guerra foi feita por meio da publicação de matérias
produzidas por agências de notícias, entre as quais se destacaram o Office of the Coordinator
of Inter-American Affairs e o British News Service.
As matérias impressas no periódico eram fornecidas por colaboradores. Dessa forma, a
utilização de materiais dessas agências de notícias foi a forma que os editores do Boletim
encontraram para cobrir a guerra. Entretanto, a dependência dos materiais dessas agências
tinha uma consequência: os editores do Boletim não podiam escolher livremente o que e como
publicar. As próprias agências não eram livres para produzir suas matérias, pois o conteúdo
das notícias estava sujeito à censura estatal. A cobertura era, geralmente, superficial. Apesar
disso, as matérias fornecidas por agências de notícias permitiram aos leitores do periódico
belmontense acompanharem o desenrolar da guerra. Ao menos aquilo que era permitido ou
possível publicar.
Até agosto de 1942, para os moradores do Extremo Sul da Bahia, o conflito era
percebido como notícias de eventos ocorridos em lugares distantes. Contudo, após o ataque à
barcaça Jacira, em agosto daquele ano, a guerra se aproximou da região, visto que as vítimas
eram pessoas conhecidas. Mas foi após o ataque ao navio Afonso Pena, em março de 1943,
que os moradores do Extremo Sul baiano de fato entraram em contato com os eventos da
guerra. A chegada de parte da carga e de alguns sobreviventes do Afonso Pena às cidades de
Belmonte, Porto Seguro e Caravelas colocou moradores desses municípios em contato direto
com alguns dos horrores que aquela beligerância produziu. Sobretudo, esse último ataque, que
evidenciou a falta de segurança no vasto litoral da região.
Curioso, no entanto é que, entre as pessoas que entrevistamos, o ataque à barcaça
Jacira foi o único recordado diretamente. Em Porto Seguro, a única referência ao Afonso Pena
185

foi a menção feita pelo senhor José Carmo dos Santos à chegada de parte da carga de uma
embarcação às praias do distrito de Arraial d’Ajuda. Conforme visto anteriormente, talvez as
recordações da barcaça Jacira em Belmonte estejam ligadas a uma possível proximidade entre
os moradores daquela cidade e os tripulantes da barcaça, que fazia o transporte de cacau e
outras mercadorias entre Belmonte e outras partes da Bahia. Apesar disso, a tragédia do vapor
Afonso Pena pode ser considerada um verdadeiro marco na história da Segunda Guerra
Mundial na região, pois foi após esse evento que soldados foram enviados para proteger áreas
estratégicas da região.
186

PARTE III

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA:


A população local, os soldados mineiros e os estrangeiros
187

CAPÍTULO 6
A POPULAÇÃO REGIONAL E OS SOLDADOS MINEIROS

Eles tratavam todos como iguais554.

Hermes José d’Ajuda

Menos de três meses após o ataque ao Afonso Pena, foram despachadas tropas da 4ª
Região Militar (4ª RM), sediada em Belo Horizonte, para guarnecer o litoral do Extremo Sul
da Bahia. Os militares enviados pertenciam à 3ª Bateria do 1°/8º Regimento de Artilharia
Montada (1°/8º RAM), de Pouso Alegre, ao 10º Batalhão de Caçadores (10° BC), de Ouro
Preto, e ao 12º BC e 4° Grupo de Artilharia de Dorso (4° GADo), de Juiz de Fora. As
unidades estiveram na região entre 20 de maio de 1943 e 3 de julho de 1944. As cidades
escolhidas para receber as tropas foram Porto Seguro e Caravelas555. A partir delas, eram
enviadas patrulhas aos municípios vizinhos, pois também encontramos registros da presença
de soldados em Belmonte e Prado.
Não conseguimos verificar o número total de militares brasileiros deslocados para a
região. Conforme relatou Francisco Marino Modesto, em Porto Seguro havia mais 900
soldados556. De acordo com Oswaldo Pereira Gomes, em Caravelas havia 432557 e, segundo
nos disse o senhor Vicente Lima Bezerra, em Belmonte estiveram cerca de 100558. Com base
nessas informações, mais de 1430 soldados, entre praças e oficiais, foram deslocados para o
Extremo Sul da Bahia. Eles eram chamados pelos moradores locais de “soldados mineiros”559,
uma referência à origem do contingente.
Além das tropas brasileiras, em Caravelas havia uma guarnição americana, composta
por homens da U.S. Navy. Contudo, não conseguimos descobrir a quantidade de tropas
americanas destacadas para Caravelas, mas conforme Paulo J. Pinto, era uma “pequena
guarnição”560. Eles foram alocados em um aeródromo próximo à cidade, construído

554
D’AJUDA (2017), op. cit.
555
ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO. Catálogo de destino dos acervos das organizações militares do
Exército Brasileiro. Disponível em: http://www.ahex.eb.mil.br/. Acesso em 15 de jul. 2021.
556
MODESTO (1943), Carta 2, op. cit.
557
GOMES (1983), op. cit., p. 49-50.
558
BEZERRA (2016), op. cit.
559
BEZERRA (2016), op. cit.; DOS ANJOS (2016), op. cit.; PESSÔA (2018), op. cit.
560
PINTO, Paulo J. Aviões brancos no Atlântico Sul. Revista Aeronáutica, n° 207, nov./dez., 1995, p. 21-22, p.
22.
188

especificamente para dar apoio ao deslocamento de aviões de Salvador e Rio de Janeiro, em


missões aéreas e patrulhamento da costa561. No aeródromo eram operadas unidades dirigíveis
do Esquadrão ZPN-42, que executaram patrulhas aéreas sobre a costa da região562. Os
militares americanos ficaram em Caravelas entre 1943 e 1945.
Embora o número de militares estimado pareça reduzido, o contingente se torna muito
significativo. Isso, se levarmos em consideração as populações dos municípios onde eles
estiveram estacionados. No início da década de 1940, havia 2.556 pessoas vivendo na cidade
de Porto Seguro e em seu subúrbio563. Dessa forma, os mais de 900 soldados apontados por
Francisco Modesto representaram um aumento populacional de pelo menos 26%,
literalmente, do dia para a noite. Em Caravelas, por sua vez, os 432 militares representaram
um ganho consideravelmente menor, algo em torno dos 6%564, mas ainda assim significativo.
Em Belmonte, o contingente apontado pelo senhor Vicente Lima Bezerra representou um
aumento de cerca de 1%565.
Difícil compreender os impactos que esse ganho populacional causou nas três cidades.
Certamente, a chegada dos militares deve ter aumentado consideravelmente a injeção de
dinheiro naquelas localidades. Isso porque, diferentemente da maioria dos habitantes
regionais, eles tinham remunerações fixas. Na perspectiva comercial, isso pode ter ampliado o
consumo de diversos produtos, sobretudo de alimentos. Porém, na perspectiva social isso
pode ter sido um problema. Estariam os comerciantes locais preparados para isso? Aliás, até
que ponto esse suposto aumento do consumo de alimentos atingiu os moradores locais, que
podem ter sido preteridos aos militares? Encontramos dois relatos contrastantes a respeito da
alimentação dos militares. Eles apontam tanto para o benefício que as refeições deles
trouxeram para a região, quanto os conflitos que a reserva de gêneros alimentícios para eles
causou.
Outra questão importante a ser considerada é a relação dos militares com as mulheres
regionais. Encontramos relatos de matrimônios firmados entre soldados e mulheres da região
e até de mulheres retiradas para áreas rurais, para que não tivessem contato com os soldados.
Também encontramos um relato do senhor Vicente Lima Bezerra, em Belmonte, sobre casos
de filhos de uniões não oficializadas566.

561
HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA: da criação do Ministério da Aeronáutica ao final
da Segunda Guerra Mundial. V. III. Rio de Janeiro: INCAER; Belo Horizonte: Vila Rica, 1991, p. 497.
562
Idem, p. 459.
563
BRASIL (1950) (b), op. cit., p. 410.
564
Idem, p. 404.
565
Idem, p. 402.
566
BEZERRA (2016), op. cit.
189

Outra questão importante era a dos alojamentos para os soldados e oficiais. As casas
locais tinham vários problemas de infraestrutura. A esse respeito, o soldado Francisco
Modesto, quando estava em Porto Seguro, disse: “Casa com forro não se acha de maneira
nenhuma”567. Além disso, os primeiros vasos sanitários em Porto Seguro foram instalados em
1939, por ocasião da inauguração do campo de aviação de Arraial d’Ajuda568. Em sua
maioria, os militares mineiros vinham de cidades maiores e mais estruturadas e se instalar nos
centros urbanos do Extremo Sul da Bahia deve ter sido uma experiência muito diferente e até
difícil para eles. De forma geral, as cidades da região não estavam preparadas para recebê-los
e os próprios chefes militares sabiam disso.
De acordo com Oswaldo Pereira Gomes, o comando da 4º RM considerou a cidade de
Caravelas imprópria para receber os homens do GADo. Segundo afirmou, isso se devia “aos
problemas existentes”569. Embora o autor não tenha descrito quais eram os supostos
problemas, acreditamos que se tratava de questões relacionadas à infraestrutura urbana e à
logística de apoio às tropas. De forma geral, na região à época, não havia estradas de
rodagem, hospitais e mesmo água encanada e redes de esgoto. Deve-se destacar que Caravelas
era uma das cidades com as maiores condições econômicas do Extremo Sul da Bahia naquele
período e mesmo assim foi considerada imprópria. A despeito do que pensava o comando da
4ª RM, conforme Oswaldo Pereira Gomes, o Ministro do Exército, Eurico Gaspar Dutra,
ordenou o deslocamento. Segundo afirmou, a decisão se deveu às “necessidades de defesa do
litoral”570.
Por fim, é preciso considerar a questão sanitária. Pelo que pudemos verificar, a
principal causa de baixas entre os militares mineiros que estiveram no Extremo Sul da Bahia
foi por causa de doenças. Especificamente, a malária.
De forma geral, o objetivo dos grupos militares enviados para a região era defender as
estruturas de transporte e comunicação, como instalações portuárias, campos de aviação e as
linhas da ferrovia Bahia e Minas e dos Correios e Telégrafos. Manter essas estruturas era
importante para assegurar os canais de comunicação e de escoamento de pessoas e
mercadorias. Embora todas as cidades do Extremo Sul baiano possuíssem linhas telegráficas e
portos, apenas três tinham campos de aviação: Belmonte, Porto Seguro e Caravelas.
Acreditamos que os aeródromos tenham sido o critério definidor para o posicionamento das

567
MODESTO, Francisco Marino. Carta 5. Porto Seguro, 12 de jun. 1943.
568
PARRACHO. Vinícius. O Raid a Porto Seguro: de cidade esquecida e inacessível ao coração da aviação. In:
SILVA, Tharles S. (org.). Sob os céus de Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação de
Arraial d’Ajuda. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2019, p. 27-104, p. 67.
569
GOMES (1983), op. cit., p. 53.
570
Idem, idem.
190

tropas. O ponto mais estratégico era Caravelas, que possuía o porto mais movimentado da
região e abrigava a última estação da E.F.B.M.
Apesar de terem permanecido pouco tempo, a presença dos militares deixou marcas
profundas na memória dos moradores regionais. Tentaremos perceber, a partir dos relatos dos
entrevistados e outras fontes, como foi a convivência dos habitantes locais e os militares.
Partimos do princípio de que a convivência deixou marcas profundas nas memórias dos
moradores locais devido às alterações ocorridas no cotidiano das pessoas. Sobretudo, devido à
rotina dos soldados e o contexto da defesa passiva (toque de recolher, blecaute, controle do
fluxo de pessoas, entre outros).

6.1 Relatos da convivência com os soldados mineiros


Diferentemente dos casos de Porto Seguro e Caravelas, não obtivemos muitas
informações acerca dos militares que estiveram em Belmonte. De acordo com o senhor
Manoel Honorato dos Anjos, em Belmonte, os soldados ficaram alojados no campo de
aviação da cidade, que fica a menos de 800 metros de distância da praia. Segundo nos relatou:
“era muita gente, e cavalo também veio”571. A localização permitia a eles observar tudo que
acontecia no litoral da cidade. Conforme nos disse o senhor Vicente Lima Bezerra, eram
soldados do “exército mineiro, que vieram guarnecer de Belmonte até Porto Seguro”572.
Ainda conforme esse entrevistado: “não tinha carro, eram aqueles animais de montaria”573.
Essas afirmações indicam que, tal como em Porto Seguro e Caravelas, foi uma
unidade de infantaria que guarneceu o litoral belmontense. Também é possível que houvesse
uma bateria de artilharia de dorso574, tendo em vista que foi relatado a presença de animais de
tração. Se referindo às patrulhas que realizavam, o senhor Vicente Bezerra nos disse que eles
ficavam “lá na costa, de baixo para cima e de cima para baixo”575.
A rotina dos soldados apareceu em quase todo os relatos das pessoas que
entrevistamos. Em Porto Seguro, por exemplo, o senhor José Carmo dos Santos disse: “Essas
beiradas de roça aí da praia têm muito buraco. Eles abriam debaixo da terra os buracos para
guarnecer os navios da Marinha aí fora, para fazer tiro”576. Em Caravelas, os senhores Derly

571
DOS ANJO (2016), op. cit.
572
BEZERRA (2016), op. cit.
573
Idem, idem.
574
Artilharia ligeira, normalmente de montanha, cujas bocas de fogo (obuses) são desmontadas em várias peças e
transportadas no dorso de animais, geralmente muares, presas a arreios especiais designados "bastes" (por isso a
artilharia de dorso também pode ser chamada de artilharia de baste).
575
BEZERRA (2016), op. cit.
576
SANTOS (2016), op. cit.
191

Félix da Silva, Berly Félix da Silva e Wilson Pereira da Silva disseram577: “Embaixo... isso
aconteceu aqui oh... daqui onde a gente estava aqui, moço, escutava os estampidos dos
canhões lá... É, eu lembro... a gente era pequeno, mas eu me lembro... de vez em quando
vinha e (imita o som) estampido danado”578.
Os exercícios serviam para manter os contingentes em prontidão. Isso era necessário,
pois apesar da aparente tranquilidade da região, os militares não podiam perder de vista que
havia ocorrido um ataque de submarino no litoral do Extremo Sul da Bahia. Essas belonaves,
até mesmo, não só justificavam a presença das tropas, como lhes representava a maior
ameaça. Portanto, era preciso que os soldados se mantivessem preparados e sempre em
prontidão.
Além das patrulhas realizadas por terra, tanto em Belmonte quanto em Caravelas há
relatos das patrulhas aéreas, executadas pelas unidades dirigíveis do Esquadrão ZPN-42. A
cena de uma dessas patrulhas aéreas nos foi descrita pelo senhor Manoel Honorato dos Anjos:

O aparelho veio do Norte, desde o outro lado [do rio Jequitinhonha]. O


aparelho veio parando e a gente, eu era garoto, quando viu a coisa ficamos
tudo espantado. E o povo também se espantou. “Oh! Aquele aparelho vai
cair?” Lá vem ele, do Norte, em posição mais próxima das casas. Aí já vem
o aparelho. Lá vem o aparelho!579.

Conforme o senhor Manoel Honorato, o dirigível se parecia com um “charuto”. Em


Porto Seguro, o senhor Davino Dias da Costa descreveu os dirigíveis de forma semelhante.
Quando perguntamos se ele se recordava dessas aeronaves, disse: “Ah, os dirigíveis passavam
aí! Parecia um charuto (...)”580. Encontramos essa mesma descrição em Caravelas. De acordo
com os senhores Derly Félix da Silva, Berly Félix da Silva e Wilson Pereira da Silva:

577
Recentemente, Bougleux Bomjardim da Silva Carmo, ao realizar uma pesquisa de doutoramento sobre a
construção da memória social na comunidade de Arara, em Teixeira de Freitas, se deparou com informações que
aludem ao período da Segunda Guerra Mundial. O pesquisador e seus entrevistados, Derly Félix da Silva, Berly
Félix da Silva e Wilson Pereira da Silva, gentilmente nos cederam trechos de uma entrevista na qual são feitas
menções ao conflito. A entrevista completa faz parte do conjunto de fontes reunidas por Bougleux e trechos
sobre a guerra podem ser encontrados em um trabalho publicado recentemente. Ver: CARMO, Bougleux
Bomjardim da Silva. “Era assim que era...”: memórias, narrativas de velhos e sentidos de comunidade em Arara
– Teixeira de Freitas (BA). Tese (Doutorado em Estado e Sociedade) – Universidade Federal do Sul da Bahia.
Porto Seguro, 2021; CARMO, Bougleux Bomjardim da Silva. Batuques e toadas em linhagens discursivas:
memória dos velhos de arara e organização tópica em uma conversação. Cadernos de Linguística, v. 2, n. 4,
2021, e496, p. 1-29.
578
SILVA, Derly Félix da; SILVA, Berly Félix da; SILVA, Wilson Pereira da. Entrevista concedida a Bougleux
Bonjardim. Arara (Teixeira de Freitas), out. 2020.
579
DOS ANJOS (2016), op. cit.
580
COSTA (2021), op. cit.
192

(...) o dirigível era tipo um charuto, tipo um helicóptero, só que ele fazia
menos zoada... ele era de ar comprimido... então ele vinha seguindo a fita de
óleo, do óleo do submarino, aí o submarino chegava e afundava... ficava lá
embaixo d’água esperando um navio brasileiro que ia passar ali naquela
linha para ir para a beira da praia, né? Esperando para... chegava e
detonava... aí ele vinha e ficava ali escondido... o dirigível era mais velhaco
que ele na listra do óleo... onde aquela pista de óleo parava... o dirigível
ficava ali só rodando a hélice, assim, rodando, rodando, quando ele vinha
para cima para respirar, para ver o navio brasileiro que vinha para ele
detonar... aí de cima o dirigível topava e sentava bomba nele... aí quando ele
soltava o canhão para pegar o dirigível, o dirigível era de ar comprimido,
soltava a hélice aí ele... como a bala podia alcançar ele? Se acontecesse não
fazia nada... aí pegava mais embaixo... isso aconteceu aqui oh (...)581.

Não temos registro de nenhuma mobilização como a descrita pelos senhores Berly,
Derly e Félix. Entretanto, a fala mostra que esses senhores tinham noção do tipo de missão
que era executada pelas aeronaves do Esquadrão ZPN-42 e do porquê elas estavam na região.
Também é interessante observar que eles tiveram noção da técnica que os dirigíveis
utilizavam para caçar os submarinos. O senhor Elias Siquara também relatou a presença dos
dirigíveis em Caravelas. Conforme nos disse, os canoeiros tentavam “pegar carona”582nas
cordas destas aeronaves quando elas passavam por cima do cais da cidade.
Os exercícios bélicos dos militares e as suas patrulhas foram, em geral, o primeiro
fator de desnaturalização da vida cotidiana dos moradores regionais que apareceu nas falas
dos entrevistados. Esses exercícios e patrulhas fizeram os moradores do Extremo Sul da Bahia
se sentirem mais próximos da guerra. Por isso os senhores Berly, Derly e Félix
desenvolveram toda uma história envolvendo os dirigíveis e os submarinos. O segundo
elemento, que mexeu com a vida dos moradores locais, foram os relacionamentos
estabelecidos entre os militares e as mulheres do lugar, tanto os de amizade, quanto os
amorosos.
Em Belmonte, os senhores Vicente Lima Bezerra e Manoel Honorato dos Anjos
afirmaram que conheceram alguns dos soldados que estiveram naquela cidade. O primeiro
disse que os conheceu, porque a oficina do seu pai ficava próxima ao local onde eles estavam
alojados. Conforme relatou: “Eles passavam lá e ficavam conversando comigo, eu garoto e
eles ficavam conversando comigo”583. O segundo, por sua vez, afirmou ter conhecido um
corneteiro chamado “Coutinho”584.

581
SILVA; SILVA; SILVA (2020), op., cit.
582
SIQUARA (2019), op. cit.
583
BEZERRA (2016), op. cit.
584
DOS ANJOS (2016), op. cit.
193

Em Porto Seguro, um grande exemplo da amizade estabelecida entre os soldados


mineiros e os moradores locais foi o senhor Decio Gurrite Pessôa. Até 2018, quando o
entrevistamos, ele ainda mantinha contato com o tenente Ari Vitorino Dias, um dos oficiais
do 10 BC que esteve naquela cidade585. Conforme nos relatou, o tenente Ari, antes da guerra,
trabalhava em uma repartição pública, o que indica que ele não era militar de carreira, mas um
reservista convocado quando o Brasil entrou na guerra. Aliás, ainda conforme o senhor Decio,
após o fim do conflito o tenente Ari não prosseguiu no Exército, retornou para a vida civil586.
Conforme argumentaram Michel de Certeau, Luce Giard e Pierre Mayol, o cotidiano
corresponde às ações que executamos no dia a dia e as formas como as executamos (cotidiano
como prática). Nesse sentido, o cotidiano é:

um sistema silencioso e repetitivo de servidões diárias que se cumpre por


hábito, com o espírito em outro lugar, em uma série de operações realizadas
mecanicamente e cuja ligação segue um esquema tradicional oculto sob a
máscara da primeira evidência, uma montagem de ações, ritos e códigos,
ritmos e escolhas, usos recebidos e costumes postos em prática587.

As atividades dos soldados mineiros na região afetaram diretamente o cotidiano das


pessoas da região, porque a rotina dos militares era muito diferente do que eles estavam
acostumados. Especialmente, em Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Prado, Alcobaça,
Caravelas e Mucuri, em cujas cidades não havia, antes da guerra, qualquer tipo de presença
militar. Como visto anteriormente, apenas as pessoas da cidade de Belmonte deveriam estar
acostumadas com certa rotina de treinamento militar, devido ao Tiro de Guerra local. Mesmo
assim, a rotina dos soldados deixou certa impressão nas memórias das pessoas que
entrevistamos.
Os equipamentos disponíveis no TG-595, em Belmonte, não eram os mesmos
utilizados pelos militares que guarneciam a região. Os TGs eram unidades que forneciam,
especialmente, treinamento de tiro de fuzil. As guarnições mineiras, por outro lado, eram
unidades de infantaria e artilharia. Estes últimos utilizavam equipamentos de fogo pesado.
Outra coisa que marcou as memórias das pessoas da região foram os laços de amizade
estabelecidos entre os moradores locais e os soldados mineiros. Os laços de amizade podem
indicar que a convivência entre esses dois grupos foi muito próxima. Essa aproximação

585
O tenente residia em Belo Horizonte. Infelizmente, com mais de 95 anos e doente, o velho oficial já não
concedia mais entrevistas e por isso não conseguimos falar com ele.
586
PESSÔA (2018), op. cit.
587
CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. La invención de lo cotidiano 2. Habitar, cocinar.
México-DF: Universidad Iberoamericana, 1999, p. 175. Tradução nossa.
194

permitiu aos militares, em certa medida, se integrar à comunidade. Contudo, essa


aproximação também pode ter gerado conflitos, especialmente no que diz respeito às
mulheres.
Conforme nos disse o senhor Vicente Bezerra: “Eles [os soldados] deixaram até raízes
aqui [Belmonte], que tiveram famílias aqui deles”588. Em Caravelas também há registros do
envolvimento entre soldados e mulheres locais. De acordo com Oswaldo Pereira Gomes, do
relacionamento entre os soldados e as mulheres locais “registraram-se cinco casamentos, dois
de oficiais, dois de sargentos e um de um cabo”589. Em Arraial d’Ajuda, distrito de Porto
Seguro, o senhor Hermes José afirmou que os soldados se relacionavam com as moças locais
e que isso “era um problema deles e delas”590.
Entretanto, talvez as pessoas enxergassem isso como um problema coletivo e
tentassem criar estratégias para evitar esses relacionamentos. A senhora Célia do Carmo, por
exemplo, nos relatou que seu pai, preocupado com a presença dos militares em Arraial
d’Ajuda, levou sua irmã para a roça que possuía próximo a Trancoso591. Conforme nos disse,
sua tia ficou na propriedade rural até a partida dos militares.
Outra coisa que desnaturalizou a vida cotidiana das pessoas da região foi a adoção de
medidas defensivas, que resultaram na diminuição das liberdades individuais das pessoas.
Durante as entrevistas, foram mencionados blecautes, toques de recolher e restrições ao
trânsito das pessoas entre as vilas e as cidades. Muitas vezes, as menções a essas medidas
defensivas não são diretas. Ao falar sobre a sua rotina de pescaria durante a guerra, o senhor
José “X” se recordou do blecaute: “Você não podia acender um cigarro de noite, nem acender
uma lâmpada. Se você acendesse, daqui a pouco o avião já estava em cima de você,
compreendeu?”592.
Nas áreas litorâneas, dentro do contexto da chamada guerra antissubmarina, apagar as
luzes durante a noite era uma medida muito importante. Isso impedia que embarcações hostis
avistassem a costa, o que lhes serviria de referência. Como visto anteriormente, essa medida
também era adotada nas embarcações que viajavam durante a noite. Além disso, em terra, ela
auxiliava a controlar do fluxo noturno das pessoas. A imposição do blecaute quase provocou um
incidente fatal em Porto Seguro. Nessa cidade, as pessoas mais velhas costumam contar uma
história sobre um incidente que ocorreu com um certo senhor Bertinho, que era pescador.

588
BEZERRA (2016), op. cit.
589
GOMES (1983), op. cit., p. 55.
590
D’AJUDA (2017), op. cit.
591
CARMO, Célia do. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), jul. 2021 (a).
592
X, José. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), dez. 2016.
195

Segundo a história, em uma noite, no período da guerra, o senhor Bertinho estava pescando
facheando593 nos recifes próximos à cidade, em busca de lagostas. Os soldados, ao avistarem a
luz, dispararam contra ela e quase atingiram o pescador. O senhor Bertinho, assustado, teria se
identificado e os militares pararam de atirar. Lembramos que era proibido manter luzes acesas
após um horário determinado. Dessa forma, os soldados podem ter imaginado que ele estava
tentando enviar um sinal a algum submarino. Felizmente, o incidente terminou sem vítimas
fatais, mas ele pode indicar como as noites da região podem ter se tornado momentos de
tensão, devido à presença dos soldados.
Isso aponta para outra medida importante de defesa passiva do litoral: o controle do
fluxo de pessoas à noite. De acordo com o senhor José X, após as 20 horas não se “podia
acender um cigarro, nem acender uma lâmpada”594.Caso alguém fizesse isso, rapidamente os
soldados estariam “em cima” da pessoa595. De acordo com o senhor José Carmo dos Santos, as
pessoas só poderiam ficar nas ruas até esse horário e partir de então os militares “tomavam conta”
das ruas e “faziam seus turnos”596.
Sobre essa questão, o senhor Hermes José d’Ajuda disse: “Até para você ir daqui
[Arraial d’Ajuda] para Trancoso, à noite, você precisava de um ‘passaporte’, senão eles
agarravam você, porque de noite eles estavam na praia”597. Desde 1942, possivelmente devido
aos diversos ataques navais, havia uma preocupação com a circulação de pessoas no litoral. A
esse respeito, no dia 5 de dezembro de 1942, o Boletim Oficial de Belmonte publicou uma
nota do DEIP, intitulada “À população e autoridades do litoral”, que dizia:

Sendo desconhecida e suspeita:


Detenha e identifique toda e qualquer pessoa que apareça na faixa de
50 klms [sic] para dentro do litoral.
Não ficando satisfatoriamente apuradas a identidade e a procedência
das mesmas, comunique, com urgência, à autoridade militar mais próxima,
antes de se lhes dar liberdade.
Não se escuse de prestar este serviço ao Brasil598.

Interessante observar que a nota não se referia a um tipo específico de pessoa. Dessa
forma, qualquer um poderia ser detido, brasileiro ou estrangeiro, homem ou mulher. Essa

593
Pescar à luz de fachos (lanterna ou tocha), para atrair peixes.
594
X (2016), op. cit.
595
Idem, idem.
596
SANTOS (2016), op. cit.
597
D’AJUDA (2017), op. cit.
598
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 260, Belmonte, 5 de dez. 1942.
196

medida facilitava o controle sobre o tráfego de pessoas nas áreas litorâneas. Possivelmente, o
principal objetivo dessa medida era evitar a ação da chamada quinta-coluna599.
Mesmo antes dessa determinação, o governo baiano já estava incentivando a
população do estado a se manter vigilante. Após os ataques de agosto de 1942, o interventor
Landulfo Alves havia declarado à população baiana que era necessário suspeitar de qualquer
pessoa que “pelas suas atitudes, justifique averiguações policiais”600. A imprensa da Bahia
deu grande destaque às ações que visavam combater a quinta-coluna601. No Extremo Sul da
Bahia, encontramos sete publicações referentes a esse tema nas páginas do Boletim Oficial de
Belmonte, entre 1942 e 1944602.
Outra experiência que marcou profundamente a vida das pessoas na convivência com
os soldados foi a alimentação. Esse é um ponto em comum muito importante entre as
lembranças das pessoas de Porto Seguro que conseguimos entrevistar. O senhor Hermes José
d’Ajuda disse: “Eu me lembro que eles faziam comida. Tinha a sopa!”603. O senhor Benedito
Cassimiro, por sua vez:

Quando eles faziam comida lá na cidade alta, enchia de gente de cá de baixo,


lá de Porto Seguro. A cidade alta, enchia... Cada um com sua marmita. Os
caldeirões eram deste tamanho (gestos demonstrando o tamanho), dessa
grossura (gestos demonstrando o tamanho), dez, doze caldeirões cheios de
comida. Sobrava para eles, aí quando a gente chegava estava tudo... Enchia
para receber a comida, tudo em fila. Saísse fora vê se comia? Se saísse fora
só comia depois que terminasse (...). E a gente ia lá, trazia uma caldeira
assim ó, dessa grossura assim ó, cheinha de feijão, arroz, carne, tudo!
Salada, tudo, só você vendo, que farto viu!604.

Durante a guerra, as dificuldades no transporte de mercadorias resultaram no aumento


do custo de vida e na escassez de certos gêneros alimentícios. A situação foi agravada pelo
rentismo dos comerciantes, pelo racionamento dos combustíveis e pela presença de militares

599
A expressão se refere a grupos clandestinos que atuam dentro de um país ou região prestes a entrar ou já em
guerra, ajudando o inimigo através da espionagem, propaganda subversiva e ou praticando ações de sabotagem.
A expressão nasceu durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), para designar a comunidade de madrilenhos
que era simpatizante do General Francisco Franco. Durante a Segunda Guerra Mundial, a expressão foi
largamente utilizada no Brasil.
600
SAMPAIO, Consuelo N. A Bahia na II Guerra Mundial. Revista da Academia de Letras da Bahia, v. 40,
Salvador, 1996, p. 135-156, p. 142.
601
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.586, Salvador, 27 de ago. 1942; O IMPARCIAL, nº 3.748 (1942), op. cit.;
A TARDE, nº 11.026 (1943), op. cit.
602
BOLETIM... nº 217, op. cit.; idem, ano 17, nº 226, Belmonte, 11 de abr. 1942; idem, ano 17, nº 227, op. cit.;
idem, ano 17, nº 231, Belmonte, 16 de mai. 1942; idem, nº 260 (1942), op. cit.; idem, ano 18, nº 274, Belmonte,
06 de mar. 1943.
603
D’AJUDA (2017), op. cit.
604
CASSIMIRO (2016), op. cit.
197

americanos no país, que utilizavam uma moeda mais forte que a brasileira. De acordo com
Consuelo Novais Sampaio:

Estima-se que do início da guerra até 1944, o índice geral de preços havia
subido de 100 para 230; nos Estados Unidos, no mesmo período, a variação
havia sido de 100 para 130 e, no Canadá, de 100 para 120. O quilo do feijão,
que no Rio de Janeiro custava um cruzeiro e sessenta centavos, era vendido
na Bahia a dois cruzeiros e quarenta centavos605.

Para tentar solucionar o problema da carestia dos alimentos, os governos locais


adotavam estratégias como o incentivo à produção de gêneros agrícolas e criação de animais
como galinhas e porcos. Um exemplo disso é a campanhas “Plantai para a vitória!”,
organizada pela Legião Brasileira de Assistência. Ela incentivava as pessoas a cultivar
hortaliças em seus quintais para complementar sua alimentação. Encontramos propagandas
dela impressas no Boletim Oficial Município de Belmonte606.
Em casos extremos se recorria ao tabelamento dos preços. Em uma carta enviada ao
diretor do Boletim belmontense, o senhor Manoel de Souza Rocha, da fazenda São Francisco,
comentou o tabelamento dos gêneros alimentícios, que havia sido publicado no dia 19 de
setembro de 1942, em Belmonte. Pelo que se pode perceber na missiva, foram dados
descontos de 15, 20 e 30% sobre alguns produtos importados, visando manter os preços
acessíveis às pessoas607.Entretanto, conforme a crítica feita por Manoel Rocha, a medida não
foi aplicada aos gêneros presentes na lista que eram produzidos no próprio município. Dessa
forma, se daria uma vantagem comercial aos itens vindos de fora, prejudicando os produtores
locais. Ele sugeriu que os mesmos descontos fossem aplicados aos produtos locais, para que
os preços dos alimentos ficassem acessíveis, também, aos moradores do interior.
As críticas de Manoel Rocha podem indicar uma diferença nas condições de
subsistência entre as pessoas que moravam nas sedes municipais e as que viviam nos
interiores. Embora a maior parte da população regional trabalhasse na produção agrícola, não
necessariamente as pessoas conseguiam produzir o que precisavam para a sua própria
subsistência. Sobretudo porque os gêneros mais produzidos na região estavam destinados à
exportação. Embora se produzisse frutas, milho, feijão, farinha e se criasse animais, entre
outros, esses itens por si só, talvez, não fossem suficientes para manter a dieta das pessoas e,

605
SAMPAIO (1996), op. cit., p. 150.
606
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 254, Belmonte, 24 de out. 1942.
607
BOLETIM... n° 251 (1942), op. cit.
198

além disso, o aumento dos preços devia impedir que os moradores do Extremo Sul da Bahia
tivessem acesso a eles.
Infelizmente, não encontramos a edição do jornal na qual foi publicada a lista aludida
por Manoel Rocha. Contudo, na referida carta, identificamos alguns dos alimentos tabelados.
Eram eles: arroz de minas, batata mineira, banha de porco, café em grãos, batata doce,
toucinho e carne do sol. Conforme argumentou, se as vantagens fossem aplicadas a esses
mesmos artigos, produzidos localmente, tanto os produtores quanto os consumidores do
interior do município também seriam beneficiados e ele citou uma povoação específica,
Itamarati608.
Aparentemente, os moradores do interior de Belmonte consumiam os gêneros
alimentícios produzidos nas fazendas no entorno das vilas. Os moradores da sede municipal,
além dos produtos cultivados localmente, tinham acesso a alimentos importados de outras
regiões. Especialmente, das cidades do nordeste mineiro. Dessa forma, o tabelamento
beneficiaria os citadinos, mas não os demais munícipes, pois os preços dos alimentos
cultivados no interior continuariam altos. Isso pode ser um indício de que a guerra estava
aprofundando as desigualdades sociais nos municípios do Extremo Sul da Bahia.
Também observamos uma preocupação com os alimentos em Porto Seguro, logo no
início da Segunda Guerra Mundial. Uma comissão da prefeitura registrou, no dia 26 de
setembro de 1939, os principais gêneros alimentícios disponíveis nos armazéns da cidade,
além de outros produtos. Foram listados:

Charque 348 quilos. Farinha de mandioca 3.675 quilos, açúcar 1.243 quilos,
arroz 713 quilos, banha 219 quilos, feijão 1.860 litros, bacalhau 60 quilos,
leite condensado 121 latas, rapaduras 13.200 unidades, azeite dendê 46
quilos, sardinha 71 latas, goiabada 130 quilos, cebolas 200 quilos, azeitonas
49 latas, querosene quatrocentos quarenta e oito, fósforos de ½ caixa, sal 83
sacos, sabão 673 quilos, café 790 quilos, vinagre 60 litros, manteiga 120
quilos, farinha de trigo 1.500 quilos, azeite doce 60 quilos, queijo 6
quilos609.

Como visto anteriormente, no início dos anos 1940 havia mais de 2.550 habitantes na
cidade de Porto Seguro610. Dessa forma, essas quantidades eram insuficientes para atender à
população da cidade. Talvez o caso de Porto Seguro fosse semelhante ao de Belmonte. Nesse
sentido, as pessoas das vilas interioranas deviam consumir os alimentos produzidos nas

608
BOLETIM... n° 251 (1942), op. cit.
609
ATAS DA SEGUNDA SESSÃO DE CONTROLE DOS GÊNEROS DE PRIMEIRA NECESSIDADE
PARA APURAÇÃO DOS ESTOQUE ATUAL EXISTENTE NESTA CIDADE. Livro de Sessões
Extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 26 de set. 1939, f. 48-49.
610
BRASIL (1950), op. cit., p. 410.
199

fazendas locais e o acesso a alimentos vindos de outras regiões devia estar mais restrito aos
moradores da cidade.
Como dissemos anteriormente, produtos como farinha de trigo, charque, azeite doce e
sal eram importados de outras áreas do país. Esse também devia ser o caso de artigos como
leite condensado, azeitonas, sardinha, cuja expressão “latas” indica algum grau de
industrialização que, aparentemente, não havia no Extremo Sul da Bahia. Infelizmente, a
comissão mencionada anteriormente não indicou a origem dos produtos listados. Por outro
lado, sabemos que itens como banha, açúcar, farinha de mandioca e azeite de dendê eram
produzidos localmente.
Essa relação também é interessante, por nos apresentar parte da dieta das pessoas da
cidade de Porto Seguro, assim como a apresentada por Manoel Rocha nos possibilita pensar
sobre a dieta dos moradores de Belmonte. Embora limitados aos conteúdos específicos das
duas listas apresentadas anteriormente, pode-se observar alguns elementos em comum entre
as dietas das pessoas das duas cidades. Levando-se em consideração as produções locais,
pode-se observar banha, arroz e café nas duas relações, mas os dois tipos de batata e a carne
do sol só apareceram na relação de Belmonte.
Não sabemos os preços pelos quais eram vendidos, mas é possível fazer algumas
considerações sobre o consumo de alguns produtos. Havia uma quantidade consideravelmente
maior de banha que dos azeites de dendê e doce (oliva), todos utilizados para cozinhar os
alimentos. A diferença nas quantidades pode indicar que a banha era mais utilizada que as
gorduras processadas e isso devia estar relacionado ao preço e à maior disponibilidade devido
à criação local de animais.
Embora não tenhamos conseguido encontrar fontes que nos permitisse acompanhar o
aumento dos preços dos alimentos no Extremo Sul da Bahia achamos, no período da guerra,
algumas informações sobre os preços de alguns gêneros comercializados em Salvador. Eles
podem nos dar algumas pistas sobre a situação do estado nos anos da guerra, tendo em vista
que muitos gêneros que circulavam na capital eram provenientes do interior do estado.
Optamos por mostrar apenas aqueles que também circulavam na região, conforma a lista da
ata da Câmara de Porto Seguro.
200

Quadro 10: Preços de gêneros alimentícios vendido em Salvador (1941 a 1944 - Cr$)
Produto (kg) 1940 1941 1942 1943 1944
Açúcar 1,17 1,33 1,58 1,64 2,02
Banha 3,97 5,16 6,78 8,00 9,58
Café em pó 3,23 3,95 4,80 5,17 6,23
Cebola 2,37 4,43 2,35 2,12 2,81
Farinha de mandioca 0,58 0,49 0,89 1,20 1,72
Farinha de trigo 1,12 1,46 1,58 1,97 2,83
Arroz 1,33 1,71 2,37 2,83 3,26
Charque 4,31 5,30 5,91 7,50 8,95
Feijão 0,99 1,13 1,10 1,18 2,22
Manteiga 11,15 9,50 9,75 14,08 21,54
Sal 0,36 0,68 0,76 0,90 1,23
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VI (1941/1945). Rio de Janeiro: IBGE, 1946, p. 320-324.

De forma geral, houve um aumento considerável nos valores dos gêneros alimentícios
do quadro acima, nos anos 1942 (em relação a 1941) e 1944 (em relação a 1943). Os
aumentos podem estar relacionados às dificuldades na circulação dos produtos, que eram
transportados, principalmente por navios, gerando um acúmulo de estoques entre os
produtores. A diminuição na intensidade dos ataques e a normalização do fluxo mercantil
podem estar por trás da estabilização dos preços ao longo de 1943.
Entretanto, houve uma escalada nos preços após 1943 e esta não pode ser explicada
pelos ataques à marinha mercante do Brasil. Ao longo daquele ano foram registradas sete
agressões navais, ao passo que no anterior foram 19611. Talvez esse aumento esteja
relacionado a um desabastecimento de gêneros alimentícios no estado. Além disso, pode ter
ocorrido algum fenômeno climático.
Em 1942, a Bahia exportou 17.602 toneladas de produtos para outros estados do
Brasil, sendo que 14.337 foram para os seus principais parceiros comerciais: Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e Minas Gerais. Em 1943, as exportações baianas atingiram a marca de
24.777 toneladas, cuja maior parte foi enviada para os quatro estados mencionado. Contudo,
outras três unidades territoriais brasileiras receberam grandes quantidades de produtos
baianos: Ceará, São Paulo e o Distrito Federal612.

611
Contamos aqui apenas as embarcações cargueiras. Ver: ARANTES (2012), op. cit., p. 55-119.
612
IBGE (1946), op. cit., p. 291.
201

Embora tenha havido uma pequena queda nas exportações baianas em 1944, o valor
continuou acima das 24 mil toneladas613. Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais e
Ceará permaneceram como principais destinos das mercadorias exportadas pela Bahia.
Contudo, o Distrito Federal e São Paulo reduziram drasticamente as compras de produtos
baianos614.
Esse aumento nas exportações, a partir de 1943, ajuda a compreender as variações nos
estoques de produtos como arroz, açúcar, farinha de trigo, feijão, sal, cebola e carne seca,
entre os meses de abril e julho, nos mercados de Salvador615. Os estoques de banha
soteropolitanos, por sua vez, sofreram grande variação entre os meses de agosto e dezembro.
São produtos muito diversos para que a variação nos preços estivesse relacionada a uma
questão de safras. É possível que se tratasse de uma janela de exportações, o que ajudaria a
entender a normalização dos estoques a partir do final do ano de 1944.
Além das exportações, outro fator que nos ajuda a compreender a variação dos preços
é a especulação praticada pelos comerciantes. Esse fator é apontado por Luana Moura
Quadros, em um excelente trabalho defendido em 2016, sobre o aumento generalizado dos
preços dos alimentos em Salvador, durante o período do Estado Novo616. Para tentar combater
essa prática, os governos municipais estavam recorrendo ao tabelamento dos preços, tal como
ocorreu em Belmonte.
Esse período coincide com a presença dos militares mineiros no Extremo Sul da Bahia
e com as dificuldades de subsistência no período da guerra, relatadas pelos entrevistados.
Nesse ponto há algo importante a ser considerado. As dificuldades de subsistência não foram
causadas pela guerra em si, mas por um possível desabastecimento dos mercados baianos,
causados pelas exportações para outras áreas do Brasil.
Independentemente disso, é possível que tenha havido realmente uma escassez na
região. Roney Cytrynowicz verificou algo semelhante, em seus estudos sobre a Segunda
Guerra Mundial em São Paulo. Naquela cidade, o pesquisador encontrou uma escassez
relativa, ou fabricada, que não havia sido causada pela guerra, mas pelas autoridades locais,
para gerenciar as mobilizações em prol dos esforços beligerantes do país617.
Contribui para a argumentação de Cytrynowicz o fato de que em 1944, no auge do
envolvimento brasileiro na guerra, devido ao envio da FEB, a cidade de São Paulo possuía os

613
IBGE (1947), op. cit., p. 321.
614
Idem, p. 325.
615
IBGE (1946), op. cit., p. 306-309.
616
QUADROS, Luana Moura. “Farinha pouca, meu pirão primeiro” carestia na Bahia Republicana (1937-
1945). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2016.
617
CYTRYNOWICZ (2002), op. cit., p. 51-66.
202

maiores estoques dos principais gêneros de primeira necessidade do país. Entre eles, feijão,
arroz, farinha de trigo e sal. Mesmo os produtos os quais a capital paulista não possuía os
maiores estoques, como o açúcar e a carne seca, as quantidades armazenadas na cidade
estavam entre as três maiores do país, em comparação com as demais capitais estaduais618.
Mesmo assim, de acordo com Cytrynowicz, a escassez de alimentos está presente na memória
coletiva sobre a guerra em São Paulo.
Deve-se destacar que, àquela altura, São Paulo ainda não era a cidade mais populosa
do Brasil. Esse posto era detido pelo Rio de Janeiro, que possuía 1.941.653 habitantes. São
Paulo, por sua vez, tinha 1.437.019619.
Essa perspectiva é interessante, pois ela aponta para outra forma encontrada pelos
dirigentes do Estado Novo para controlar a população brasileira no período da guerra. A
primeira foi a criação do inimigo e a difusão do medo, tratada no trabalho de Marlene Fáveri,
citado anteriormente620. A segunda foi a administração da escassez, apontada por Roney
Cytrynowicz621. As formas de controle da população durante aquele conflito é uma questão
que merece ser mais investigada pelos pesquisadores da Segunda Guerra Mundial no Brasil.
Embora não tenha chegado a conclusões semelhantes às de Cytrynowicz, há indícios
no trabalho de Luana Quadros, citado anteriormente, que sugerem que algo parecido ocorreu
em Salvador. Não no sentido de uma escassez fabricada, mas de que as autoridades e a elite
da cidade também utilizaram o contexto relacionado à alimentação para aumentar o controle
sobre a população local. Não temos elementos, ainda, para pensar sobre essa questão no
Extremo Sul da Bahia. Entretanto, independentemente disso, as pessoas da região parecem
mesmo ter passado por dificuldades relacionadas à alimentação no período da guerra. E,
diante do contexto, os habitantes regionais recorriam aos laços de sociabilidade locais.
A esse respeito, a senhora Rosa Jorge de Morais deu um relato muito interessante.
Segundo afirmou, em Arraial d’Ajuda, as pessoas:

(...) juntavam quatro, cinco e descia para as pedras [corais]. Agora, ia catar
ouriço, outros iam tirar polvo, outros iam pescar. E pescava e pegava peixe
mesmo! (...). Outros iam para o mangue cavar lambreta622, que nós
chamávamos concha, agora é lambreta, e ostra (...)623.

618
IBGE (1946), op. cit., p. 306-309.
619
Idem, p. 23.
620
FÁVERI (2002), op. cit.
621
Desconsideramos aqui as limitações das liberdades individuais como forma de controle. Isso, porque esta não
dependia da guerra, visto que o país atravessava uma fase ditatorial. Nesse contexto, as liberdades individuais já
estavam sendo amplamente reduzidas, desde 1937.
622
Diversos tipos de moluscos bivalves.
623
MORAES (2017), op. cit.
203

De acordo com a senhora Rosa de Moraes, no final do dia, quando chegavam em casa
com o produto da mariscagem, as pessoas compartilhavam o que tinham. Além disso, elas
trocavam alguns itens por coisas que não tinham, como a farinha de mandioca, café ou açúcar.
Essa prática devia contribuir para o fortalecimento dos laços locais de sociabilidade, ao
mesmo tempo que permitia minimizar as dificuldades do período.
A senhora Célia do Carmo, outra moradora de Arraial d’Ajuda, também mencionou a
prática de troca de alimentos. Segundo afirmou: “As pessoas pescavam aqui [Arraial d’Ajuda]
e trocavam o peixe em Porto [Seguro], por farinha e rapadura”624. A propósito, ela disse como
eram utilizados esses dois itens: “[A] farinha era para o pirão e a rapadura para o café” 625. De
acordo com o senhor Miguel do Carmo, as trocas eram necessárias, porque “tudo era muito
caro”626.
Contudo, se em Porto Seguro a presença dos soldados pode ter ajudado a alimentar as
pessoas da cidade, em Caravelas, o senhor Elias Siquara fez uma crítica interessante a esse
respeito. Conforme nos disse: “O peixe ia primeiro para eles, para nós o que sobrava”627. Essa
fala pode indicar que havia uma espécie de reserva dos melhores alimentos para os militares.
No entanto, se era esse o caso, é difícil saber se os próprios comerciantes faziam isso, por ser
ou se havia algum tipo de determinação administrativa local a esse respeito. A fala do senhor
Elias também pode ser um indício da existência de algum tipo de tensão em torno do
fornecimento de alimentos, entre os moradores de Caravelas e os soldados mineiros que
estiveram naquela cidade.
Outra questão que marcou muito a memória dos habitantes do Extremo Sul da Bahia,
com relação aos soldados mineiros, foram os conflitos entre os dois grupos. Em Porto Seguro,
por exemplo, o senhor José X e a senhora Célia do Carmo mencionaram que os soldados
costumavam soltar os seus cavalos para pastar no campo de aviação de Arraial d’Ajuda628. No
entanto, a presença de animais no campo era algo perigoso, pois podia causar acidentes. Há
registros, de períodos posteriores à guerra, de que em algumas ocasiões pilotos foram
obrigados a realizar manobras para espantar animais no campo de aviação de Arraial d’Ajuda,
para poderem pousar629.

624
CARMO (2021) (a), op. cit.
625
Idem, idem.
626
CARMO, Miguel do. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), 19 de jul. 2021
(b).
627
SIQUARA (2021).
628
X (2016), op. cit.; CARMO (2021) (a), op. cit.
629
TOSATI (2019), op. cit., p. 155.
204

Por isso, as montarias dos soldados viravam alvos de queixas dos moradores locais,
que trabalhavam na manutenção das pistas do campo. Sobretudo, aqueles que pastavam nas
pistas do campo de aviação. A reclamação era justificada por uma portaria do Departamento
de Aeronáutica Civil (DAC), órgão responsável por gerir os campos de aviação civil em todo
o território brasileiro. Dentre as funções dos funcionários que zelavam pela manutenção dos
campos de aviação civis estava a de “impedir pastoreios”630.
Além disso, talvez os moradores locais enxergassem naquela atitude dos soldados uma
espécie de agressão ao espaço que tinha uma importância muito grande para as pessoas do
distrito de Arraial d’Ajuda. Ou, talvez, as pessoas interpretassem os animais e os soldados no
campo como uma ameaça a sua própria sobrevivência, pois podia diminuir a demanda pelos
serviços de manutenção daquela área, que eram executados pelos moradores locais. Como
visto anteriormente, à exceção dos trabalhos agrícolas, não havia muitos serviços que
empregassem pessoas fixamente no município de Porto Seguro. No caso do distrito de Arraial
d’Ajuda, os trabalhos de manutenção do campo possibilitavam a alguns moradores locais uma
renda que, por menor que fosse, era muito importante. Nesse sentido, qualquer coisa que
ameaçasse o correto funcionamento do campo devia ser interpretada como uma ameaça à
comunidade local.
As pessoas locais eram contratadas, principalmente, para fazer a limpeza das pistas.
Entretanto, como as vezes desembarcavam viajantes, outros serviços acabavam surgindo. Por
exemplo, o senhor Manoel Gouveia de Almeida alugava burros para transportar as pessoas e
suas bagagens até o local de travessia do rio Buranhém para a cidade de Porto Seguro,
distante cerca de 5 km de Arraial d’Ajuda631. A sua esposa, por sua vez, costumava preparar
refeições para servir a viajantes e tripulantes dos aviões. Por isso, o senhor Miguel do Carmo
afirmou que “todo mundo aqui [em Arraial d’Ajuda] trabalhava no campo”632.
Dessa forma, os serviços executados no campo, ou derivados de seu funcionamento,
representavam grandes oportunidades para os moradores do distrito ganharem algum dinheiro.
Essa renda, entre outras coisas, devia ser muito importante para ajudar na subsistência das
pessoas. Quatro das onze pessoas que entrevistamos em Arraial d’Ajuda trabalharam na
manutenção do campo de aviação daquele distrito. Algumas delas ainda se recordavam dos
serviços que prestavam e do valor que recebiam. A esse respeito, o senhor José X disse:

630
TOSATI (2019), op. cit., p. 152.
631
ALMEIDA, Manoel Gouveia de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Cíntia Campeche. Arraial
d’Ajuda, 20 de nov. 2016.
632
CARMO (2021) (b), op. cit.
205

Na época que eu trabalhava foi no tempo da guerra. Então, aquele campo


tinha muita gente para trabalhar. Agora não era trator, era roçar, derrubar e
arrancar à picareta, à enxadete [sic] e machado. Então, é tudo na mão. Por
exemplo, você derruba o pau, não, é? Depois de derrubado você vai tocando
e destocando [sic]para tirar o pau. Aí nós aprendemos. Naquele tempo eu era
menino, rapazinho de escola. Trabalhava naquela época e ganhava 500 réis.
De meio dia para tarde, eu saia da escola e dali ia ciscar com a turma.
‘Cambada’ de rapazinhos. Eu estudava de manhã e à tarde a gente ia ciscar,
para tirar aquele cisco, aqueles tocos633.

O senhor José Carmo dos Santos nos forneceu informações semelhantes:

Uh, eu trabalhei ali! Trabalhei ganhando uma moedinha de quinhentos réis


por dia. Trabalhei com o carrinho de mão de lixo, carregando o bagaço, que
era tudo feito a muque [sic], né?! Não tinha máquina, não tinha arrebentar
pau e quebrar mato... Tudo no machado e pau, pau (gestos)!634.

Os serviços deviam ser extenuantes e a remuneração era baixa – custava o mesmo


valor de uma edição do Boletim Oficial de Belmonte. Contudo, o pagamento reduzido fazia
com que várias pessoas trabalhassem no local. Isso pode ter feito a diferença na vida de
muitas pessoas.
Dessa forma, ao mesmo tempo que os cavalos dos soldados nas pistas representavam
uma ameaça para as operações de pouso e decolagem das aeronaves, também podiam
representar um ameaça aos trabalhos de manutenção executados pelos moradores locais. Isso,
porque os cavalos pastando se alimentavam da vegetação, mantendo-a baixa e, talvez,
dispensando parte dos serviços de manutenção.
Também há registros de outros tipos de conflitos. O senhor Davino Dias da Costa nos
relatou uma briga entre um dos soldados mineiros apelidado de “V8” e um morador de Porto
Seguro chamado Adalberto Cascalho:

Esse Adalberto brigou com um tal de V8, um soldado (...). Brigou com ele,
aí não deu nada. Quando foi um dia, tinha cá uma vendinha, um
comodozinho [sic] onde se jogava dominó. Adalberto brincando com
Constâncio, dentro desse quartinho e não tinha luz, não tinha energia.
Energia aqui era petromac, primeiro carboreto, depois petromac (...). Nesse
dia ele estava jogando dominó, Constâncio e Adalberto. Esse V8 tinha uma
intriga com Adalberto, aí quando ele estava no quartinho, jogando dominó,
com um candieiro, aí ele veio. Estava ele jogando com Constâncio, aí V8
[disse] “se prepara Adalberto, vai morrer”. Aí ele chegou e apagou o
candieiro, assoprou e saiu pulando e caiu dentro da água, e o soldado
atirando. Uns quatro tiros, mas não pegou não pegou, não (...). Aí ele saiu
fazendo zoom, zoom, zoom, tirando cambriola [sic] caiu dentro do rio e

633
X (2016), op. cit.
634
CARMO (2021) (b), op. cit.
206

ficou atrás de uma canoa. Ficou lá de trás e o soldado atirando. Depois o


irmão de Adalberto acordou, era umas nove horas, nove para dez horas, viu
os tiros e saiu xingando os soldados, aí foram todos embora635.

Ao final da narrativa, o senhor Davino disse: “Adalberto era valente mesmo!”636.


infelizmente, ele não nos contou o motivo das divergências entre Adalberto e V8. Existem
muitas histórias sobre a valentia de Adalberto Cascalho. Conforme nos disse o senhor
Raimundo Costa Sampaio, ele era “destemido e brigão”637. Romeu Fontana, por sua vez,
afirmou que ele “enfrentou de uma só vez, no início da década de 1940, 14 soldados do 10°
BC, que estavam sediados para guardar a cidade da guerra”638.

Imagem 20: Adalberto Cascalho e sua família

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 71.

Em Caravelas também há registros de conflitos entre os militares mineiros e a


população local. Conforme relatou o senhor Elias Siquara, “Às vezes tinha brigas”639.
Sobretudo, nos bailes organizados para os militares. Conforme escreveu Oswaldo Gomes

635
COSTA (2021), op. cit.
636
Idem, idem.
637
SAMPAIO (2021), op. cit.
638
FONTANA (1988), op. cit., p. 139.
639
SIQUARA (2017), op. cit.
207

Pereira: “Em meio a bebedeiras” as brigas entre os militares e os trabalhadores que


construíram o aeródromo que abrigou as tropas americanas, “tornaram-se frequentes”640.
Em Caravelas também foram registrados atos de indisciplina militar. Ainda de acordo
com Oswaldo Pereira Gomes:

A vida quase reclusa naquele recanto provocava atos de indisciplina:


um soldado em estado de embriaguez invadiu o cemitério, após pular o
muro, e passou a danificar os túmulos e arremessar as coroas através do
muro: foi necessário que um sargento e seis soldados dominassem o
profanador, em consequência, ferido a sabre. Um sargento determinou que
dois soldados invadissem o quintal de uma casa para apanhar cocos; apesar
dos protestos da anciã, proprietária, o roubo concretizou-se tendo o
Comandante da Unidade prendido o sargento e indenizado a velhinha.
Um sargento, com alguns elementos, dirigiu-se em um caminhão da
Unidade, até a localidade de Alcobaça: na volta clandestina o caminhão
atolou na areia da praia e foi parcialmente coberto pela maré e os incautos
voltaram a pé; o sargento foi punido e teve que indenizar os prejuízos
causados à viatura.
Havia na cidade um prédio antigo destinado à prisão de cabos e
soldados e o Corpo da Guarda; muitos soldados convocados cometeram atos
de indisciplina e houve até fuga de presos disciplinares, à noite (...)”641.

Os incidentes pareciam ser frequentes e isso deve ter agitado as noites caravelenses.
Por isso, Oswaldo Gomes afirmou que “O Grupo [do GADo] polarizava a vida da cidade”642.
Apesar das situações descritas, o senhor Elias Siquara não parecia ter uma visão ruim sobre a
presença dos militares. Ao contrário, ele se recordou com carinho das atrações que foram
organizadas para eles, aparentemente, devido às atrações culturais que eram disponibilizadas
para os militares e que, talvez, não fosse comum para os moradores da região.
Ele se recordou, por exemplo, dos bailes e exibição de filmes aos sábados e
domingos643. Algo semelhante parece ter ocorrido em Porto Seguro. Nesse município, o
senhor Decio Gurrite Pessôa mencionou as músicas que eram tocadas pela banda marcial do
10º BC. Conforme descreveu em um livro, o soldado Wilson Lamas, do 10° BC:

(...) durante a 2ª Guerra Mundial promovia com seus colegas inesquecíveis


festivais de música, fazia muito sucesso, cantando e declamando poesias
para a população de Porto Seguro. Tudo isso num palco improvisado,
embaixo de uma amendoeira, iluminado a lampiões de querosene644.

640
GOMES (1983), op. cit., p. 56.
641
Idem, p. 55-56.
642
Idem, p. 55.
643
SIQUARA (2017), op. cit.
644
PESSOA (2013), op. cit., p. 90.
208

Imagem 21: Soldado Wilson Lamas

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro:


achamento e história por meio da fotografia. São
Paulo: Todas as Folhas, 2013, p. 91.

Episódios marcantes como esses e os demais descritos marcaram a memória das


pessoas da região. No caso específico de Porto Seguro, pode ter contribuído para essa visão
positiva sobre os soldados mineiros o falecimento do tenente João Ferreira. Ele morreu
afogado, enquanto nadava no mar, próximo à cidade. Conforme nos relatou o senhor Decio
Gurrite Pessoa, ele tinha o costume de nadar após o almoço645. O tenente João Ferreira foi a
única baixa fatal entre os soldados que estiveram no Extremo Sul da Bahia. Ao menos a que
conseguimos identificar. Ainda de acordo com o senhor Decio: “Esse fato abalou muito os
moradores de Porto Seguro”646. O cortejo fúnebre do oficial foi acompanhado por muitas
pessoas locais.

645
PESSÔA (2017), op. cit.
646
PESSOA (2013), op. cit., p. 91.
209

Imagem 22: Tenente João Ferreira e seu cortejo fúnebre

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 91.

Outra coisa que pode ter contribuído para que os moradores de Porto Seguro tenham
desenvolvido uma memória afetiva sobre os soldados mineiros pode ter sido as infraestruturas
construídas por eles. Um exemplo disso é a ponte de madeira que eles erigiram sobre o rio da
Vila, que fica próximo ao centro da cidade. Esse rio era muito importante para os moradores
locais, pois era em sua nascente que as pessoas buscavam água potável647.

647
PESSOA (2013), op. cit. p. 85.
210

Imagem 23: Ponte construída pelos soldados mineiros em Porto Seguro

Fonte: PESSOA, Decio Gurrite. Porto Seguro: achamento e história através da fotografia. São Paulo: Todas as
Folhas, 2013, p. 116.

Todos as situações descritas sugerem que as alterações causadas na vida cotidiana dos
habitantes do Extremo Sul da Bahia foram grandes. De forma geral, conforme afirmou Agnes
Heller, faz parte do cotidiano os aspectos sociais particulares (vida privada, lazer, descanso,
entre outros) e coletivos (organização do trabalho, atividade social sistematizada)648. As
informações cedidas, sobretudo, pelos entrevistados apontam justamente para esses
elementos.
A adoção do sistema passivo de segurança interferiu diretamente na vida privada dos
moradores regionais. Não podiam circular livremente à noite, nem nas imediações de suas
residências e entre as áreas dos próprios municípios, tampouco iluminar suas casas a partir de
horários fixados pelos comandos militares. Mesmo com as atividades ligadas à subsistência
que se viram ameaçadas, como, por exemplo, o caso do senhor Bertinho e dos moradores de
Arraial d’Ajuda que trabalhavam na manutenção do campo de aviação.
Além disso, aspectos mais ligados às tradições, tais como a forma como os
relacionamentos amorosos aconteciam localmente, também foram afetados. Embora o senhor

648
HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2014, p., 32.
211

Hermes José d’Ajuda tenha afirmado que o relacionamento entre as mulheres locais e os
soldados era um problema particular ao casal649, a forma como as pessoas podem ter reagido
talvez indique outra coisa. O que teria, por exemplo, levado os militares em Caravelas a
formalizarem uniões matrimoniais com as mulheres com as quais se envolveram? Teria sido
uma reação da comunidade local?
Também no sentido da tentativa de preservar a comunidade local, chama a atenção o
fato de o senhor Vicente Lima Bezerra, em Belmonte, ter se recusado a aprofundar a questão
quando tocamos no tema dos relacionamentos. Conforme disse: “Em Belmonte, quem não é
parente é compadre, quando a gente está contando os casos tem que primeiro parar e sondar se
a gente pode falar”650. Essa expressão indica uma tentativa deliberada de proteção à
integridade do grupo ao qual ele pertenceu, ainda que, possivelmente, muitas pessoas com as
quais conviveu durante o período já tenham falecido.
Mesmo a atitude do pai da senhora Célia do Carmo, de retirar a irmã mais nova da
área urbana para afastá-la do convívio com os soldados, é algo que não pode ser visto apenas
sob ótica particular, como sugeriu o senhor Hermes. Como eram tratadas pela comunidade
essas mulheres que se relacionaram com os soldados? Como as suas famílias eram vistas? As
motivações por trás de um relacionamento são particulares, mas as formas como eles
acontecem são estruturadas socialmente. Portanto, os relacionamentos estão dentro daquilo
que Agnes Heller classificou como atividade social sistematizada.
As formas como as pessoas do Extremo Sul da Bahia reagiram ao contexto, em seus
mais diversos elementos, também estão dentro do aspecto da vida cotidiana. Diante das
dificuldades de subsistência, e possível escassez de alimentos, foi nos aspectos costumeiros
que as pessoas podem ter buscado soluções. A mariscagem, exposta pela senhora Rosa Jorge
de Morais, é um exemplo disso. Deve-se destacar que a ação de buscar alimentos nos recifes
de corais do município de Porto Seguro já havia sido observada pelo príncipe Maximiliano de
Wied-Neuwied, no início do século XIX, quando percorreu o litoral da região em uma missão
naturalista:

O caminho do Trancoso a Porto Seguro é pouco variado: vêm-se "fazendas"


nos cimos aplanados de alas ribanceiras feitas de uma substância branco-
azulada, vermelha ou violeta, parecida com a argila sobre as quais ondeiam
ao vento as copas dos coqueiros. Atravessa-se o Rio da Barra por uma ponte
de madeira, que merece menção como raridade; e tem-se a todo instante que
subir ou descer as ribas abruptas da costa, porque os rochedos da praia são

649
D’AJUDA (2017), op. cit.
650
BEZERRA (2016), op. cit.
212

inacessíveis. Um desses trechos era de tal modo íngreme, que, na descida,


fomos obrigados a descarregar os muares e transportar os caixões
separadamente. Embaixo, na areia da praia, encontramos muitos espécimes
de belas espécies de algas, além de algumas conchas. Havia gente
procurando ouriços comestíveis, nos bancos rochosos de que o mar se
retira651.

Até pouco tempo essa prática ainda era observada entre os moradores mais velhos do
distrito de Arraial d’Ajuda. Aparentemente, não mais como uma forma de subsistência, mas
como uma espécie de tradição familiar. Conforme disse o senhor José Carmo dos Santos, os
soldados realizavam exercícios nas praias e os tais “buracos” descritos por ele talvez fossem
postos avançadas de observação, semelhantes ao que havia na barra do rio Caravelas. A
presença dos soldados na praia teria interferido, de alguma forma, nesse costume de mariscar,
que à época era uma necessidade. Deve-se destacar, que a simples presença deles já interferia
nisso, visto que eles aumentaram repentinamente as populações locais. Contudo, como
afirmou Michel de Certeau, “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não
autorizada”652.
Como argumentou Agnes Heller, na vida cotidiana os seres humanos atuam sobre “a
base da probabilidade”653. Nesse sentido, as ações humanas não são completamente
previsíveis, pois dependem das escolhas feitas no dia a dia e do contexto no qual as
possibilidades são oferecidas. Michel de Certeau, por sua vez, utilizou a expressão
“combinatória de operações”654 para se referir aos modelos de ação dos indivíduos em meio
ao universo cultural no qual estão inseridos.
Apesar da incerteza, a vida cotidiana opera dentro de práticas naturalizadas pelas
pessoas: trabalho, relações interpessoais, convívio familiar, entre outros. Todos estes
elementos são construídos socialmente. A convivência entre os soldados mineiros e os
moradores locais pode ter se pautado no estranhamento e na troca de experiências, visto que
pertenciam a conjuntos culturais diferentes. De forma geral, essa convivência deixou marcas
que se transformaram no que Maurice Halbwachs chamou de “semente de rememoração”655.
Nesse sentido, as experiências cotidianas dos dois grupos constituem as bases das lembranças.
Os moradores locais parecem ter encontrado uma solução para a interferência que os
militares podem ter causado em suas formas de busca de alimentos forçando-os,

651
WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940, p.
218. Grifos nossos.
652
CERTEAU, A invenção do cotidiano 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 38. Grifos do autor.
653
HELLER (2014), op. cit., p. 48.
654
CERTEAU (1998), op. cit., p. 38.
655
HALBWACHS (2003), op. cit. p. 32.
213

indiretamente, a compartilharem com eles as suas refeições. Conforme disse o senhor


Benedito Ramos Cassimiro, as pessoas aguardavam os soldados se alimentarem na cidade de
Porto Seguro, em fila e diante deles, com vasilhas nas mãos. De acordo com Michel de
Certeau, o preparo dos alimentos é um dos aspectos que marcam nossa vida cotidiana656.
Entretanto, nesse caso específico, a lembrança da refeição dos soldados pode estar ligada às
dificuldades de subsistência das pessoas da região. Isso nos ajuda compreender a fala do
senhor Decio Gurrite Pessôa, segundo o qual “a presença dos soldados matou a fome de muita
gente”657.
Diante de todo o contexto gerado pela presença dos soldados no Extremo Sul da
Bahia, os pequenos conflitos, incidentes e, talvez, o agravamento das questões relacionadas à
subsistência, as lembranças sobre a presença deles é relembrada de maneira saudosa. O senhor
Hermes José d’Ajuda, por exemplo, afirmou que “eles tratavam todos como iguais”658. O
senhor Benedito Cassimiro disse: “Eles eram legais para ‘caramba’!”659. Oswaldo Pereira
Gomes, por sua vez, afirmou que a retirada dos soldados de Caravelas “trouxe alegria à tropa
e profunda tristeza à população”660.

6.2 Impressões dos soldados mineiros


Se é difícil perceber a impressão das pessoas da região sobre os soldados mineiros,
devido à raridade das fontes, no caso dos soldados a situação é ainda mais difícil. As únicas
fontes diretas que encontramos sobre os soldados mineiros que estiveram no Extremo Sul da
Bahia foram as cartas de Francisco Marino Modesto. Além disso, no livro História do 4°
GAC, que tem sido citado ao longo deste trabalho, Oswaldo Pereira Gomes apresentou
informações sobre os soldados que estiveram em Caravelas. Utilizaremos esses materiais para
tentar trazer à tona algumas das impressões de um dos soldados mineiros sobre a região.
A história de Francisco Marino Modesto, ou pelo menos parte dela, chegou até nós por
meio de um desses felizes acasos da vida. Na amanhã do dia 30 de dezembro de 2020
recebemos um e-mail intitulado: “Convite”, que nos causou um misto de receio e curiosidade.
Receio, porque imaginamos ser um spam; curiosidade, porque não havia sido classificada
como uma ameaça em potencial pelo provedor do e-mail, como geralmente acontece. Afinal,
a curiosidade venceu. Quando aberta, a mensagem dizia: “Esse convite pode lhe parecer meio

656
CERTEAU (1998), op. cit., p. 47.
657
PESSÔA (2018), op. cit.
658
D’AJUDA (2017), op. cit.
659
CASSIMIRO (2016), op. cit.
660
GOMES (1983), op. cit., p. 57.
214

esquisito, mas eu tenho algumas cartas que a minha avó tinha guardadas, que meu avô a
enviou quando estava na guerra, ele ficou em Caravelas e Porto Seguro”661.
Francisco Marino Modesto nasceu em Pedralva, Minas Gerais, no dia 4 de setembro
de 1919. Seus pais eram Otávio e Amélia Nóra Modesto. Pouco antes de completar 20 anos
de idade, foi convocado para prestar serviço militar obrigatório. Recebeu instruções no 8º
Regimento de Artilharia Montada, em Pouso Alegre, entre 4 de fevereiro de 1939 e 23 de
dezembro de 1940. Conforme consta em seu certificado de reservista, graduou-se como
segundo sargento. Pouco tempo após cumprir o serviço militar se casou com Ernestina
Antunes, em cerimônia realizada no dia 1 de junho de 1941.

Imagem 24: Francisco e Ernestina Modesto (1943)

Fonte: Acervo da família de Francisco Marino Modesto.

Semelhante ao caso de Ari Vitorino Dias, mencionado anteriormente, Francisco


Modesto era funcionário público. Francisco era escrivão do crime no cartório de Pouso
Alegre. Enquanto o casal iniciava a sua vida conjugal, os ataques à marinha mercante

661
Quem enviou o e-mail foi Marcela Modesto Fermino, a quem agradecemos imensamente. Ela nos enviou as
cartas de Francisco Marino Modesto, seu avô, o único militar que esteve no Extremo Sul da Bahia durante a
Segunda Guerra Mundial, que conseguimos registros diretos. Além das cartas, Marcela nos enviou fotografias e
documentos relacionados à carreira militar do avô. Na ocasião, ela buscava informações sobre o Extremo Sul da
Bahia, na época da guerra, e acabou se deparando com um texto que apresentamos no 30° Simpósio Nacional de
História, que lhe permitiu estabelecer o contato. O texto foi recentemente publicado em uma coletânea. Ver:
SILVA, Tharles S. Repensando a dinâmica entre os lugares e a memória: a Segunda Guerra Mundial no Extremo
Sul da Bahia. In: CARMO, Bougleux Bomjardim da Silva. (org.). Tessituras entre estado e sociedade:
panoramas da pesquisa em ciências humanas e sociais no sul da Bahia. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020, v. 1,
p. 159-175.
215

aterrorizavam o litoral do Nordeste brasileiro. Talvez o jovem casal não imaginasse, mas isso
iria interferir diretamente em suas vidas.
As ações dos submarinos alemães e italianos em diversas áreas próximas ao continente
americano puserem em xeque os planos de defesa hemisférica traçados pelos Estados Unidos.
O governo dos EUA temia que o fluxo de embarcações via Canal do Panamá fosse
interrompido, bem como o trânsito de navios oriundos de países aliados no Atlântico Sul.
Nesse contexto, conforme Dennison de Oliveira, o Estado Maior do Exército dos EUA
chegou a traçar planos para ocupar militarmente o Nordeste, para garantir o fluxo
mercantil662.
Contudo, a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e Itália, bem como o
estreitamento da relação entre os governos brasileiro e americano, no âmbito do programa
Lend Lease, tornaram desnecessários os planos de ocupação do Nordeste. O governo de
Getúlio Vargas permitiu que contingentes militares dos Estados Unidos fossem estacionados
na região, em troca do reaparelhamento das forças armadas brasileiras. Entretanto, a grande
presença de tropas americanas no Nordeste acabou gerando grandes preocupações ao governo
do Brasil.
De acordo com Ricardo Seitenfus, havia uma grande desconfiança no Ministério da
Guerra, que então era chefiado pelo general Eurico Gaspar Dutra, em relação às pretensões
americanas663. Isso levou o governo Vargas a ordenar o deslocamento de tropas brasileiras
para o Nordeste. Embora – e, de fato, como visto anteriormente, havia a necessidade de defesa
da região – a justificativa fosse a defesa conjunta da região, as autoridades militares do Brasil
também objetivavam contrabalançar a presença dos soldados americanos. Nesse contexto é
que as vidas de Francisco e Ernestina foram afetadas pela guerra.
Francisco Modesto foi convocado para o serviço ativo no Exército brasileiro,
incorporado como 3º sargento no 8º RAM, onde havia recebido instrução. As unidades da 4ª
RM destacadas para o Extremo Sul da Bahia foram organizadas em abril de 1943 – mês
seguinte ao ataque ao navio Afonso Pena. De acordo com informações cedidas pela família, o
grupo de Francisco Modesto (RAM) partiu de Pouso Alegre, rumo ao Rio de Janeiro, no dia 8
de maio daquele ano. Pouco tempo antes, no dia 14 de abril, os soldados do 4º GADo haviam
partido de Juiz de Fora, também em direção ao Rio de Janeiro664.

662
OLIVEIRA (2015), op. cit., p. 39-40.
663
SEITENFUS (2003), op. cit., p. 246-252.
664
GOMES (1983), op. cit., p. 43.
216

Os dois grupos se encontraram apenas no momento do embarque para o Extremo Sul


da Bahia, no dia 12 de maio. Conforme escreveu Oswaldo Pereira da Gama, “a hora da
partida foi aguardada impacientemente”665. Aparentemente, havia receio de que o embarque
das tropas estivesse sendo acompanhado por espiões e que estes fornecessem informações a
comandantes de submarinos inimigos. Por isso, ainda conforme Oswaldo Pereira Gomes,
como medida de segurança, “anunciaram-se vários horários para confundir os “quintas-
colunas””666. Apesar da apreensão, Francisco Modesto e alguns companheiros registraram o
momento anterior ao embarque por meio de uma fotografia.

Imagem 25: Soldados da 1° BIA do 8° RAM antes do embarque

Fonte: Acervo da família de Francisco Marino Modesto. Francisco Marino Modesto em destaque.

Os dois grupos viajaram em navios diferentes, talvez como medida de segurança.


Aliás, de acordo com Oswaldo Gomes, enquanto os soldados eram transportados para a
Bahia, aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) patrulhavam o litoral da região667. Embora a
intensidade dos ataques navais à marinha mercante brasileira já tivesse diminuído, o risco
ainda existia. Além disso, eles estavam sendo enviados por mar, para uma região onde pouco
tempo antes o Afonso Pena havia sido torpedeado.

665
GOMES (1983), op. cit., p. 50.
666
Idem, idem.
667
Idem, p. 51.
217

Sobre a viagem, Francisco Modesto disse à esposa:

Graças a Deus fizemos boa viagem até Caravelas. Viemos de navio, só


vendo a valentia minha: dormia pouquíssimo e não largava do salva-vidas
nem para comer. Não enjoei, tivemos um temporal em alto mar e até pensei
que era Errol Flynn668. Saímos do Rio no dia 12 [de maio], chegamos aqui
dia 16 (...)669.

O temor de todos que viajaram com Francisco Modesto deve ter sido agravado pelas
condições do navio que os transportava. Segundo afirmou: “estava destroçando”670.Para não
preocupar a mãe e a esposa ele mentiu, dizendo que iriam “por terra”671. Em meio à tensão da
travessia, os soldados decidiram se manter sempre em prontidão. Para tanto, Francisco
Modesto afirmou que eles cantaram “bastante para não dormir”672.
Contudo, aparentemente, as canções não eram permitidas durante a viagem. De acordo
com Oswaldo Pereira Gomes: “Não se podia cantar, fazer barulho e, à noite, era proibido
ascender acender qualquer luz”673. Entretanto, parecem ter ocorrido atos de indisciplina e as
canções mencionadas por Francisco Modesto, no navio que levava os homens do 8° RAM,
pode ter sido um exemplo disso. Os próprios oficiais podem ter permitido que os soldados
cantassem, afinal, eles não estavam isentos das tensões das viagens. No Itaquera, onde
estavam os militares do 4° GADo, no que tange à questão da indisciplina, não parece ter sido
diferente:

(...) os soldados, como sempre, descobrem tudo e assim descobriram que nas
balsas havia água, biscoito, chocolates e outros não perecíveis; na calada
noturna comiam o que podiam comer e assim, irresponsavelmente,
desfalcavam os meios de subsistência deles próprios, em caso de
torpedeamento674.

Apesar disso, a viagem ocorreu sem nenhum incidente. No dia 16 de maio de 1943, os
dois grupos militares chegaram a Caravelas. O pessoal do 4° GADo estacionou naquela
cidade e os homens do 8º RAM seguiram viagem para Porto Seguro. Francisco Modesto disse

668
Ator australiano, radicado nos Estados Unidos, famoso, nas décadas de 1930 e 1940, pelas atuações em filmes
de aventura.
669
MODESTO, Francisco Marino. Carta1. Porto Seguro, 18 de mai. 1943.
670
MODESTO (1943), Carta 1, op. cit.
671
Idem, idem.
672
Idem, idem.
673
GOMES (1983), op. cit., p. 51-52.
674
Idem, p. 52.
218

à esposa que ele e os companheiros haviam bebido “conhaque com grande alegria”675 ao
chegar, para comemorar o fim da viagem.
Aparentemente, todos os quatro grupos militares que foram enviados para a região (8º
RAM, 4º GADo, 10° BC e 12° BC), fizeram viagens separadas. Na primeira carta que
escreveu, após a chegada a Porto Seguro, Francisco informou à esposa que lá havia outro
grupo militar – se referia ao 10º BC – dando a entender que não tinha viajado com eles.
Entretanto, é possível que todos tenham chegado no mês de maio de 1943.
Assim que desembarcou em Porto Seguro, Francisco Modesto descreveu à esposa,
Enestina, as suas primeiras impressões a respeito da cidade:

Porto Seguro achei melhor que Caravelas, mas não tem luz [elétrica], nem
estradas, a água é boa e vendida em cargueiros [animais], a não ser que a
gente vá às usinas. O povo é camarada e o clima ótimo, a praia é linda e
maior que Copacabana, mas não tem movimento. Não tem estrada de ferro.
Tem muita fruta e coco, o mar é lindo, só vendo676.

Embora tenha ressaltado as belezas naturais e o acolhimento da população local, as


questões relacionadas à infraestrutura que ele mencionou se destacam. Estradas, água
encanada, energia elétrica e ferrovia deveriam ser os elementos mínimos que ele compreendia
como sinal de desenvolvimento urbano, porque Francisco os repetiu em outras cartas.
Problemas relacionados à infraestrutura urbana de Porto Seguro, na primeira metade do século
XX, eram constantemente apontadas por pessoas que estiveram na cidade e sobre ela
escreveram. Em 1928, o escritor Eduardo Santos Maia, de Belmonte, descreveu Porto Seguro
como uma cidade onde:

Umas seiscentas casas amontoavam-se, de construção antiquada, de aspecto


desagradável, mal cuidadas, sujas... Algumas ruas tortuosas, péssimas,
esburacadas... O edifício da Intendência, a cujo rés do chão era a Cadeia e o
Fôro, o telegrafo, o correio, sofríveis; o mais degradante... Commércio
ínfimo, indústria quase nula677!

Em 1939, devido à inauguração do campo de aviação do município, alguns desses


problemas foram resolvidos. O prefeito Carlos Martins solicitou auxílio ao governo estadual
para executar algumas reformas, necessárias para receber as pessoas que participariam do
evento, bem como os expectadores. De acordo com o jornalista Edmar Morel, o governo da

675
MODESTO, Carta 2, op. cit.
676
Idem, idem.
677
MAIA, Eduardo Santos. O Banditismo na Bahia: Contos da Minha Terra. Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia e Minas Gerais, 1928, p. 88.
219

Bahia enviou dinheiro “para que fosse dado melhor aspecto à cidade, bem como se iniciasse a
construção de duas pequenas estradas de rodagem e da limpeza de alguns edifícios
históricos”678. Na ocasião, banheiros públicos foram construídos, fachadas de casas foram
pintadas, calçadas foram construídas e 140 leitos foram preparados. Além disso, o governo
estadual enviou duas embarcações da Navegação Bahiana, carregadas com alimentos e
medicamentos para suprir as necessidades dos participantes do evento679.
Essas pequenas reformas acabaram transformado a inauguração do campo de aviação
do município em um divisor de águas na história de Porto Seguro. A cobertura nacional que a
cidade recebeu, devido às propagandas difundidas pelos veículos dos Diários Associados, foi
capitalizada politicamente nas décadas seguintes. Dentre os resultados do evento, pode-se
destacar a criação do Parque do Monte Pascoal. Até hoje, a inauguração do antigo campo de
aviação é vista pelos moradores mais velhos como um momento que possibilitou grandes
transformação para o município de Porto Seguro680.
Entretanto, no momento em que os soldados mineiros chegaram a Porto Seguro, a
infraestrutura urbana da cidade ainda era muito precária. A propósito, de acordo com
informações coletadas pelo IBGE, no início da década de 1940 a maioria dos imóveis
construídos no município de Porto Seguro eram de madeira (61,5% das construções)681. Nos
outros municípios do Extremo Sul da Bahia os percentuais de casas de madeiras eram ainda
maiores. Até mesmo as casas, onde os soldados que ficaram no distrito de Arraial d’Ajuda,
conforme relatou o senhor Miguel do Carmo, “eram chamadas de barracões”682, justamente
por serem de madeira.
Um detalhe peculiar que chamou a atenção de Francisco Modesto sobre as casas de
Porto Seguro, segundo escreveu, foi: “Casa com forro não se acha de maneira nenhuma”683.
Os detalhes descritos por ele podem ter sido o resultado de certo estranhamento.
Possivelmente, Pouso Alegre, a cidade de onde ele vinha, possuía todos os elementos que ele
estava apontado à esposa, Ernestina.
Ao mesmo tempo, os soldados que estavam em Caravelas também destacaram as
questões relacionadas à infraestrutura da cidade:

678
MOREL, Edmar. Sob os céus de Porto Seguro. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1940, p. 5.
679
PARRACHO (2019), op. cit., p. 62-68.
680
SILVA, Tharles Souza. O antigo campo de aviação de Arraial d’Ajuda e as memórias da Segunda Guerra
Mundial. In: Id. (org.). Asas para Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação de Arraial
d’Ajuda. Jundiaí: Paco Editorial, 2019, p. 105-133.
681
IBGE (1950) (b), op. cit., p. 450.
682
CARMO (2021) (b), op. cit.
683
MODETO, Carta 5, op. cit.
220

A água doce servida na cidade vinha de uma única cisterna que, na


época de verão, ficava guardada por dois soldados da polícia para evitar
brigas.
Transportada até a cidade – uma distância de 1 km em lombo de
burros ou em barris rolados pelo chão e cuja carga era vendida por um mil
réis684.

Entretanto, os soldados destacados em Caravelas tinham o seu próprio sistema de


fornecimento de águas:

Para a tropa, diariamente, uma locomotiva da Estrada de Ferro Bahia-Minas


ia buscar água, a 20 km, em uma nascente beneficiada pelos engenheiros da
estrada que também a utilizavam; a água apresentava uma coloração amarela
devido à ferrugem do vagão e a soldadesca dizia ser “água mineral
iodada”685.

A falta de água encanada influenciava diretamente em outras questões de saneamento.


Oswaldo Pereira Gomes afirmou que em Caravelas, em 1943, não havia esgoto: “o sistema
era o barril enterrado”686. Os militares do GADo foram os responsáveis pela instalação dos
primeiros vasos sanitários da cidade, 15 ao todo.
Chama a atenção o fato de que as questões apontadas nas duas cidades eram muito
semelhantes. Entretanto, diferentemente de Porto Seguro, em Caravelas havia energia elétrica,
produzida por um sistema da E.F.B.M., alimentado pela queima de carvão. Conforme
Oswaldo Gomes, a iluminação pública funcionava até 21 horas, mas a tropa do GADo
comprava “lenha para esticar a luz até 22 horas durante a semana e até 23 horas nos sábados e
domingos”687.
Essa última informação nos chamou a atenção. Vimos anteriormente que em Porto
Seguro parecia vigorar uma determinação de blecaute e isso era importante dentro da
chamada defesa passiva. Não haveria a mesma determinação em Caravelas? É possível que os
comandantes ignorassem que os soldados burlavam o blecaute. Por outro lado, também é
possível que o blecaute só começasse a vigorar a partir das 23 horas.
A rotina dos soldados parecia ser tranquila. Sobre o grupo que estava em Caravelas
não temos muitas informações. O único registro que obtivemos foi o Oswaldo Gomes,

684
GOMES (1983), op. cit., p. 53.
685
Idem, idem.
686
Idem, p. 54.
687
Idem, p. 53.
221

segundo o qual “a instrução não fugia à rotina”688. Infelizmente, isso não nos diz muita coisa.
Em Porto Seguro, Francisco Modesto descreveu a sua rotina à esposa da seguinte forma:

Levanto-me às 6h30, tomo café às 07h; converso um pouco e vou trabalhar,


apesar de quase não ter serviço e a casa das ordens ser a mesma que moro.
Às 10h, um banho de mar, pois moramos na parte alta da “cidade”, de forma
que a praia fica aos nossos pés. Às 12h almoçamos, deito-me um pouco,
sempre conversando ou brincando com os amigos. Depois se tiver trabalho,
vai-se trabalhar, se não, continua deitado e proseando. À noite, se o
caminhão nosso desce, vou até a cidade baixa, se não vou conversar ou jogar
baralho (de brincadeira), com o Procópio. Deito-me quase sempre às 10h da
noite e fico conversando fiado ou contando anedotas689.

Deve-se destacar, no entanto, que Francisco Modesto era sargento e que, por isso, seus
afazeres diários eram diferentes dos soldados comuns. Essa rotina era muito diferente da dos
soldados que o senhor Vicente Lima Bezerra descreveu em Belmonte. Conforme já vimos, os
militares ficavam a maior parte do tempo patrulhando as praias690. Os buracos nas praias de
Arraial d’Ajuda, em Porto Seguro, mencionados pelo senhor José Carmo dos Santos, também
podem ser um indício de que também naquele município a principal atividade dos militares
era o patrulhamento do litoral691.
Embora os dias pudessem ser tranquilos, as noites pareciam ser momentos de certa
tensão. O caso do senhor Bertinho, mencionado anteriormente, é um exemplo disso. Em
Caravelas, também teve um momento de tensão noturna:

Numa madrugada de julho o Grupo recebeu um telegrama da Barra


[do rio Caravelas], onde se localizava um posto de observação da tropa de
Infantaria, informando que uma luz, provavelmente de um submarino,
rondava as imediações.
Deu-se o alarme geral e as baterias de tiro dirigiram-se rapidamente
para o local. Tomaram as suas posições à espera do inimigo, em vão...692

Outra história que demonstra certa tensão durante as noites dos soldados, embora não
ligada à guerra em si, ocorreu com Francisco Modesto, em Porto Seguro. Segundo relatou à
esposa, os sargentos costumavam tomar banho por volta das 22 horas, em um rio que ficava
próximo à cidade de Porto Seguro. Possivelmente, se tratava do Rio da Vila, citado
anteriormente. Ao longo do caminho, feito a pé, o grupo se guiava utilizando uma lanterna.

688
GOMES (1983), op. cit., 56.
689
MODESTO, Carta 6, op. cit.
690
BEZERRA (2016), op. cit.
691
SANTOS (2016), op. cit.
692
GOMES (1983), op. cit., p. 56-57.
222

Em uma dessas caminhadas rumo ao banho noturno, o grupo se deparou com um animal que
julgaram ser uma onça e Francisco sacou sua pistola e atirou na direção do suposto animal.
Em carta escrita no dia 20 de julho de 1943, provavelmente respondendo a um
questionamento da esposa, ele explicou o que havia acontecido. Disse: “Não matei nenhuma
onça, apenas estava na estrada escura, gritaram que vinha vindo uma onça, eu distingui um
vulto e atirei; eu não acertei, estava muito escuro, e o bicho correu” 693. O episódio lhe rendeu
o apelido de “Chico perigoso” que, de acordo com sua neta, Marcela Modesto, o acompanhou
até o fim da vida694.
Para se distrair, Francisco Modesto costumava tomar banho de mar e jogava cartas
com os amigos, além de escutar futebol com os amigos, aos domingos. Ele também disse que
costumava jogar poker, enquanto esteve em Porto Seguro695. Também praticavam esportes.
Conforme disse em carta escrita no dia 7 de agosto: “ontem já jogamos um pouco de vôlei,
construímos um campo aqui”696.
Em Caravelas, a vida dos soldados parecia ser mais agitada. Conforme descreveu
Oswaldo Pereira Gomes:

Foram organizados: um time de futebol, um conjunto de jazz e uma


banda marcial. Surgiu um jornalzinho: o Guaiamu e outro Cara Vela, cheio
de versos satíricos.
Não faltaram os desfiles nas datas cívicas, carnaval, Páscoa, Natal,
enterro do Ano Velho, Paixão de Cristo.
O cinema funcionava aos sábados e domingos; dançava-se todos os
sábados.
Aos domingos todos iam à missa e depois à praia (na Barra), alguns
quilômetros distantes da cidade697.

Os bailes e as exibições de filmes para os soldados também apareceram nas


recordações do senhor Elias Siquara. Segundo nos informou, era nos bailes que as vezes
ocorriam brigas entre os militares e os habitantes locais. Possivelmente, esses conflitos
ocorriam devido ao consumo de bebidas e às disputas em torno das moças locais. Aliás, o
senhor Elias também comentou que havia cassino para os militares americanos que estavam
baseados no aeródromo próximo à Caravelas698.

693
MODESTO, Francisco Marino. Carta 13. Porto Seguro, 20 de jul. 1943.
694
FERMINO, Marcela Modesto. Somente teu. Poços de Caldas-MG: Estância Projetos Editoriais, 2021, p. 56.
695
MODESTO, Carta 17, op. cit.
696
MODESTO, Francisco Marino. Carta 18. Porto Seguro, 7 de ago. 1943.
697
GOMES (1983), op. cit., p. 55.
698
SIQUARA (2019), op. cit.
223

Além disso, durante as noites, os soldados pareciam trocar informações sobre o


conflito. Foi durante uma conversa noturna que Francisco Modesto soube do ataque ao navio
Bagé, mencionado anteriormente699. Outra notícia que ele obteve durante as trocas de
informações noturnas foi a da queda do governo de Benito Mussolini, na Itália. Sobre o
ocorrido, ele disse à esposa: “Bem bom, quem sabe se acaba logo essa guerra, não é?”700.
Aliás, o término da guerra era algo que ele ansiava bastante. Uma semana antes de falar à
esposa sobre a queda de Mussolini, ele expressou o seu pensamento sobre todo aquele
contexto:

Peço a Deus pela nossa tranquilidade e que a paz reine novamente no


mundo; nesta guerra sem objetivos para o Brasil, não tenho nenhum
entusiasmo em defender interesses de europeus, contentando-me em torcer
pela vitória dos que se dizem nossos aliados; mas o que ardentemente desejo
é a paz para o universo, e a consequente volta à vida, para quem tanto amo e
quero701.

A reflexão é interessante e muito consciente em alguns aspectos. Contudo, não é muito


correto afirmar que o Brasil não tinha objetivos específicos ao se envolver no conflito. Do
ponto de vista bélico, talvez bastasse ao país concentrar esforços na defesa litorânea.
Entretanto, como visto anteriormente, os objetivos políticos eram os que interessavam ao
governo Vargas e aos demais dirigentes do Estado Novo.
A própria criação da Força Expedicionária Brasileira teve objetivos políticos. Ainda de
acordo com Dennison de Oliveira, Vargas pretendia utilizar a FEB para “superar sua antiga
imagem de simpatizante das potências do Eixo”702. Além disso, ele visava aumentar seu
prestígio político, “a fim de lograr competitividade num futuro cenário de disputa eleitoral
após o fim da ditadura”703.
O ceticismo de Francisco Modesto em relação aos “que se diziam” aliados do Brasil é
muito consciente. Possivelmente, ele estava se referindo aos Estados Unidos, talvez devido à
grande presença militar desse país no Nordeste brasileiro. Até mesmo, conforme dissemos
anteriormente, as autoridades militares dos EUA cogitaram ocupar militarmente a região, caso
o Brasil se recusasse a ceder aos americanos a utilização de bases aéreas e navais704. Dessa

699
MODESTO (1943), carta 10, op. cit.
700
MODESTO (1943), Carta 13, op. cit.
701
MODESTO (1943), carta 10, op. cit.
702
OLIVEIRA (2015), op. cit., p, 65.
703
Idem, idem.
704
Idem, p. 49.
224

forma, Francisco Modesto estava certo ao desconfiar das alianças militares e políticas
estabelecidas entre os governos brasileiro e estadunidense.
Mas o que mais o atormentava em todo aquele contexto era distância da família e,
particularmente, da esposa. Com o passar do tempo ele passou a demonstrar grande
insatisfação com a cidade de Porto Seguro. Ainda em julho de 1943 ele disse à esposa: “O
lugar não é bom”705. Em agosto do mesmo ano ele chegou a afirmar: “Aqui é tão ruim, que
não tem nada”706. É difícil compreender quais eram os parâmetros que ele estava utilizando
para pensar o desenvolvimento regional. Entretanto, sabemos que alguns deles eram a
eletricidade, as ferrovias e o cinema, porque ele fez referências diretas ou indiretas a esses
elementos nas cartas.
Acreditamos que Pouso Alegre, local de onde ele vinha, era o seu marco de referência.
A cidade possuía estradas de ferro desde 1895, em 1907 já havia recebido as primeiras redes
de energia elétrica707 e a sua primeira exibição cinematográfica ocorreu em 1918708. Além
disso, no início dos anos 1940, o município de Pouso Alegre contava 34.924 pessoas, o dobro
da população porto-segurense709. A realidade pouso-alegrense, portanto, era muito diferente
da que Francisco Modesto encontrou em Porto Seguro.
Aparentemente, outra coisa que o preocupava na região eram as doenças. Conforme
escreveu à esposa: “O lugar não é bom, o clima que parece ser bom, dá maleita710. Já temos
alguns casos, o sub-tenente está de cama com ameaça de impaludismo. Eu, graças a Deus,
estou do mesmo modo que vim”711. Com exceção do caso do tenente João Ferreira, a malária
parece ter sido a única causa de baixas entre os soldados que estiveram no Extremo Sul da
Bahia.
Em Caravelas a malária também foi causa de preocupação. De acordo com Oswaldo
Pereira: “Pela manhã, ao ser servido o café, todo o pessoal, na presença do comandante e do
médico da unidade, tomava um comprimido de quinino para a prevenção contra o

705
MODESTO (1943), Carta 12, op. cit.
706
MODESTO (1943), Carta 18, op. cit.
707
VALE. Fernando Henrique do. Pouso Alegre em transição: Organização política e econômica da
Administração Pública nos últimos anos do século XIX. In: 6ª Conferência Internacional de História Econômica
& VIII Encontro de Pós-Graduação em História Econômica. São Paulo, jul. de 2016. Disponível em:
http://www.abphe.org.br/. Acessado em: 26 de jul. 2021.
708
Informações apresentadas no site da câmara municipal de Pouso Alegre:
http://cmpa.mg.gov.br/Noticia/Visualizar/1054. Acesso em 26 de jul. 2021.
709
IBGE (1950), (c), op. cit., p. 432.
710
De acordo com Erney Plessmann Camargo, “maleita” era um dos nomes que as pessoas utilizavam para se
referirem à malária. Ver: CAMARGO, Erney Plessmann. Malária, maleita, paludismo. Ciência e Cultura, v.
55, n. 1, São Paulo, jan./mar. 2003, p. 26-29.
711
MODESTO (1943), Carta 12, op. cit.
225

impaludismo”712. Não existiam hospitais na região e havia uma carência de medicamentos na


região e, por isso, os soldados que adoeciam não podiam ser tratados localmente e precisavam
ser evacuados.
Conforme descreveu Oswaldo Pereira Gama:

Os doentes que necessitavam de baixa ao Hospital Geral de Juiz de


Fora faziam o seguinte percurso: de Caravelas a Teófilo Otoni, de trem, e de
Teófilo Otoni até Governador Valadares, de caminhão do Grupo que fazia às
vezes de ambulância; desta cidade até Belo Horizonte, de trem, e,
finalmente, até Juiz de Fora, após baldeação, em outra viagem de trem; os
doentes mais graves eram transportados para o Rio de Janeiro, nos aviões
que faziam o patrulhamento da costa e tinham escala em Caravelas713.

Todo esse trajeto podia definir a vida ou a morte dos militares enfermos. Talvez esse
tenha sido um dos motivos que levou o comando da 4ª RM a desaprovar o envio de seus
soldados para o Extremo Sul da Bahia. Tudo isso contribuiu para que Francisco Modesto
buscasse transferência da região para um local mais próximo da família. Conforme disse à
esposa, queria ser transferido para um lugar “que pelo menos tenha luz”714. A sua expectativa
era poder passar o aniversário em companhia da esposa, mas ele não conseguiu. No dia do seu
aniversário, quatro de setembro, ele estava em Caravelas e enviou uma carta à Ernestina:

(...) hoje estou deveras triste, nunca passei um aniversário tão só; as
saudades que sinto são enormes, mas se Deus permitir, logo ei de matá-las,
estando juntinho a ti, pelo menos uns dias. (...) Amor, meu plano é o
seguinte e Deus permita que não falhe: sairei daqui no dia 7 e chegarei a Juiz
de Fora lá pelo 11 ou 12; lá tentarei arranjar uns dias de dispensa e irei à
Pouso Alegre; neste caso telegrafo-te dizendo a chegada (...)715.

De acordo com Marcela Modesto, o plano de Francisco deu certo716. Ele passou um
tempo com a família e, finalmente, conseguiu transferência. Foi mandado para o Rio de
Janeiro, onde serviu no Grupo Móvel de Artilharia de Costa (GMAC). À época, a FEB já
estava sendo organizada e, aparentemente, Francisco Modesto temia ser convocado para
integrá-la. No dia 18 de novembro de 1943, disse: “De expedicionário ainda não ouvi nada,

712
GAMA (1983), op. cit., p. 55.
713
Idem, idem.
714
MODESTO, Francisco Marino. Carta 14. Porto Seguro, s/d, jul. 1943.
715
MODESTO, Francisco Marino. Carta 22. Caravelas, 4 de set. 1943.
716
FERMINO (2021), op. cit., p. 71.
226

felizmente”717. Aparentemente, a partir daquele momento seu objetivo deixou de ser a


transferência para uma cidade mais próxima a Pouso Alegre e passou a ser a baixa do serviço.
Na última carta enviada à Ernestina, durante a guerra, ele disse: “Pedi-te a certidão de
casamento e vou requerer baixa, vamos ver o que vai dar”718. Seu plano não deu certo, mas
conseguiu levar a esposa para o Rio de Janeiro e morou com ela na casa de uma tia dele. Não
há registro em carta ou na memória familiar sobre quanto tempo permaneceram no Rio, mas
eles retornaram a Pouso Alegre.
Francisco Marino Modesto não era um soldado vocacionado e, aparentemente, não lhe
interessava muito seguir carreira no Exército. Isso não é demérito, sobretudo naquele período
de guerra. Em julho de 1943, ao comentar a promoção de dois amigos ao posto de 2°
sargento, Francisco disse à esposa: “Para mim não há nenhuma vantagem, e mesmo que
houvesse, o que me interessa é viver mais perto de ti”719. Sua grande vocação parecia ser
mesmo a vida familiar.
Francisco e Ernesta tiveram sete filhos: Gláucio, Glauco, Maria Elvira, Milta, Mariza,
Glaucir e Márcia Adriana. Após a guerra ele teve uma vida muito atuante em Pouso Alegre:
cursou Direito e tornou-se advogado, foi vice-prefeito da cidade, membro do clube literário
local e filantropo. Apesar da vida feliz que levou em companhia da família, a guerra parece
ter deixado marcas profundas em sua mente.
Ele não falava sobre suas experiências do período de serviço no Extremo Sul da Bahia
e parecia nutrir certo medo do mar. De acordo com sua neta, Marcela Fermino Modesto, ele
“estava sempre alerta quando ia à praia”720. Perto do final da vida começou a ter alucinações e
em meio a elas retrocedia ao tempo da guerra. No entanto, é curioso que no período em que
esteve em Porto Seguro, uma das distrações que ele tinha era tomar banho no mar. Esse medo,
associado ao conflito, possivelmente se desenvolveu após a guerra.
Francisco e Ernestina Modesto viveram juntos durante 66 anos. Ele faleceu em 2007,
aos 88 anos. Sua amada morreu 13 anos depois, em 2020, pouco tempo após realizar o grande
sonho de sua vida: completar 100 anos.
Os soldados do GADo, por sua vez, permaneceram na região até o dia 24 de julho de
1944. Conforme descreveu Oswaldo Pereira Gomes, naquele dia:

717
MODESTO, Francisco Marino. Carta 24. Rio de Janeiro, 18 de nov. 1943.
718
MODESTO, Francisco Marino. Carta 25. Rio de Janeiro, 22 de nov. 1943.
719
MODESTO, Carta 10, op. cit.
720
FERMINO (2021), op. cit., p. 59.
227

(...) às 12 horas, a pequena estação da Estrada de Ferro Bahia-Minas


encontrava-se completamente tomada pelo povo. Houve banda de música,
discursos, muita gente chorando e quando a composição se afastou
lentamente, lenços acenando, o pessoal do 4º GADo também chorava721.

De forma geral, os soldados mineiros ficaram 19 meses na região. Assim como a


presença deles mexeu com as vidas dos moradores regionais, e lhes deixou marcas que ainda
são lembradas, eles próprios tiveram suas vidas profundamente marcadas. Contudo, havia um
grupo de pessoas no Extremo Sul da Bahia que, além das dificuldades expostas até aqui, ainda
sofreram com perseguições dos soldados e de outros moradores locais, os estrangeiros que
viviam na região.

721
GAMA (1983), op. cit., p. 57.
228

CAPÍTULO 7
OS ESTRANGEIROS NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Ela [Abiah Reuter] não perdeu o amor da pátria


dela722.

Vicente Lima Bezerra

Os ataques à marinha mercante despertaram grande medo nas autoridades brasileiras e


na população de forma geral. A distância que separa o Brasil da Europa fez nascer a suspeita
de que as ações dos submarinistas alemães e italianos contavam com o apoio de pessoas em
terra. As desconfianças das autoridades militares que inquiriram os tripulantes da barcaça
Jacira apontam para essa direção. Isso fez crescer a suspeita de que os estrangeiros que
residiam no país estivessem, de alguma forma, colaborando com as agressões navais.
Se levarmos em consideração a quantidade de cidadãos dos principais países do Eixo
que residiam no Brasil, a preocupação poderia encontrar certo fundamento. O censo de 1940
contou 97.105 alemães residentes no Brasil, 325.308 italianos e 140.693 japoneses723. Na
Bahia eram 542, 868 e 39, respectivamente724. No Extremo Sul baiano havia 12 pessoas de
origem alemã (4 em Belmonte, 1 em Cabrália, 5 em Prado e 2 em Caravelas) e 44 italianos
(31 em Belmonte, 10 em Cabrália, 1 em Porto Seguro, 1 em Caravelas e 1 em Mucuri)725.
Embora não se pudesse afirmar que todos os estrangeiros de origem alemã, italiana ou
japonesa estivessem ligados aos ataques, eles foram responsabilizados pelo governo.
Por meio do Decreto-lei nº 4.166, de 1942, Getúlio Vargas determinou que os bens das
pessoas dessas nacionalidades responderiam pelos prejuízos causados pelos ataques726. De
acordo com o decreto: “Nas condições da guerra moderna, as populações civis se acham
estreitamente ligadas à sorte das armas e que a sua atividade é, mais do que em qualquer outra
época da história, um elemento determinante do êxito das operações de guerra”727. Era,
praticamente, uma alusão à chamada quinta-coluna.

722
BEZERRA (2016), op. cit.
723
IBGE. Censo Demográfico de 1940. V. II. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 (a), p. 12-14.
724
IBGE (1950) (b), op. cit., p. 13-15.
725
Idem, p. 80-82.
726
DECRETO-LEI n° 4.166, de 11 de mar. de 1942. Diário Oficial da União, Seção 1, 12 de mar. 1942, p.
3.918.
727
Idem, idem.
229

Conforme visto anteriormente, a situação se agravou a partir de agosto de 1942,


devido aos ataques realizados pelo U-507. Na Bahia, de acordo com Consuelo Novais
Sampaio, quando o navio Aníbal Benévolo foi atacado, no dia 16 daquele mês, ocorreram
reações violentas contra o nazifascismo nas cidades de Cachoeira e São Félix728. Em Ilhéus:
“ouviram-se brados de guerra aos totalitários, aos quintas-colunas e aos integralistas"729.
Ainda conforme a autora, um verdadeiro clima de histeria coletiva ia se instalando,
paulatinamente, com momentos de picos inflamados pela retórica de oradores fervorosos730.
Em Salvador, João Falcão testemunhou o quão perigosos eram esses discursos.
Conforme relatou:

Daí para a prática de atos de depredação das casas comerciais de alemães,


italianos e também de espanhóis, que formavam a maior coletividade
estrangeira na Bahia, foi um passo. Provocadores incentivaram a massa e
invadiam lojas e escritórios dos membros dessas colônias. O saque foi
inevitável731.

Esses movimentos se espalharam por outras regiões do país. De acordo com Marlene
de Fáveri, em Santa Catarina também ocorreram atos públicos em diversas cidades. A
multidão enfurecida apedrejou casas, pichou muros e paredes, quebrou placas de ruas e lojas
com nomes alemães, ridicularizou os estrangeiros e seus descendentes. Conforme a autora, em
algumas ocasiões eles foram obrigados a dar vivas ao Brasil, ao interventor Nereu Ramos e a
Getúlio Vargas732.
Em Alagoas, o Secretário do Interior do Estado, Ari Pitombo, radicalizou a situação ao
ordenar a prisão de mais de trinta alemães e italianos que, de acordo com notícia publicada no
jornal Estado da Bahia, eram suspeitos de espionagem. Eles foram obrigados a realizar
trabalhos forçados, sendo empregados nas obras de saneamento, escavando valas, e na
limpeza de bebedouros e, ao final do dia, eram recolhidos à prisão733.
Em São Paulo, onde se concentrava a maior comunidade nipo-brasileira, ocorreram
casos parecidos. Segundo Roney Cytrynowicz, a segregação contra os imigrantes ia
aumentando à medida que se desenrolava a guerra. Os japoneses eram alvos de revistas
policiais arbitrárias que, frequentemente, apreendia aparelhos de rádio e documentos que
pudessem comprovar, de alguma forma, que eram militares ou funcionários do governo

728
SAMPAIO (1996), op. cit., p. 141.
729
Idem, idem.
730
Idem, idem.
731
FALCÃO (1999), op. cit., p. 103.
732
FÁVERI (2002), op. cit., p. 35.
733
ESTADO DA BAHIA, nº 1.586 (1942), op. cit., p. 1.
230

japonês. Conforme o autor, também era usual que se levassem o dinheiro dos imigrantes
japoneses revistados734.
Após a declaração de guerra à Alemanha e Itália, as próprias autoridades políticas
brasileiras passaram a inflamar abertamente a população do país contra os estrangeiros. Era
uma tentativa de aumentar a coesão social em torno dos objetivos nacionais, propostos pelos
dirigentes do Estado Novo, criando um inimigo comum. Para que isso funcionasse, era
preciso instrumentalizar as pessoas. Na Bahia, coube ao interventor Landulfo Alves o papel
coordenar esse processo:

Cada cidadão deve se constituir num guarda, sempre vigilante, sempre atento
(...) não lhe assiste o direito de transigir, nesse terreno, nem com o mais
íntimo amigo, de vez que ninguém pode lhe merecer maior consideração do
que a pátria735.

O estímulo do interventor fez com que qualquer estrangeiro se tornasse um suspeito


em potencial. Entretanto, deve-se destacar que Landulfo Alves não mencionou quais os tipos
de ações que deviam ser denunciados. A indefinição tornava confusa a vigilância contra os
possíveis colaboracionistas. Ao que parece, isso era proposital, pois diante da indefinição
qualquer coisa poderia motivar uma denúncia. E elas não tardaram a acontecer.
Encontramos alguns casos de estrangeiros no Extremo Sul da Bahia que sofreram
perseguições durante a Segunda Guerra Mundial. Esses casos podem revelar como a relação
dessas pessoas com os habitantes da região se alterou após o envolvimento do Brasil no
conflito. Partimos do princípio de que, tal como nos grandes centros urbanos, nem mesmo no
interior do país, onde as dinâmicas sociais são diferentes, os estrangeiros estavam livres das
perseguições do período da guerra.

7.1 A construção do “outro”


No dia 20 de agosto de 1942, o jornal Estado da Bahia publicou uma reportagem
intitulada “Prisão de quinta-colunas”736. Nela foi noticiada a prisão de 17 alemães, 15 em
Salvador e 2 em Cruz das Almas, no interior do estado. De acordo com a matéria, Simon
Seidl e Oto Marx Gloveschel, os dois que foram presos no interior:

734
CYTRYNOWICZ (2002), op. cit., p. 141-142.
735
SAMPAIO (1996), op. cit., p. 142.
736
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1.580, Salvador, 20 de ago. 1942, p. 3.
231

(...) se faziam passar por pastores protestantes, a polícia apreendeu


duas máquinas complicadas e desconhecidas, cuja a finalidade é ignorada.
Estes engenhos alemães vão ser estudados.
Uma delas é cheia de parafusos de graduação e tem o número 407.126
e a outra é de número 7. 136. 755, modelo 85.
Um farto material fotográfico, destacando barbarias nazistas na atual
guerra, também foi apreendido em poder dos quinta-colunas737.

Não havia mais detalhes na reportagem, nem imagens das máquinas apreendidas,
embora tenham sido publicadas fotos de alguns dos alemães. Note-se que a expressão
“máquinas complicadas e desconhecida” é muito vaga. Elas eram desconhecidas e com
finalidades não conhecidas para os policiais que as apreenderam, mas o que isso revela a
respeito dos indivíduos detidos? Além disso, a apresentação dos números, supostamente
gravados nas máquinas, é um artifício que serviu apenas para criar um certo ar de
complicação em torno dos mecanismos, mas que também não revela nada a respeito dos
alemães e das máquinas.
Embora a matéria jornalística os tenha apresentado como “suspeitos”, o seu título já
traz o pressuposto de que eles eram quintas-colunas. Contudo não foram apresentadas
evidências concretas sobre a colaboração deles com os esforços de guerra da Alemanha. O
próprio material fotográfico, supostamente encontrado, não diz muita coisa. Poderia ser
material propagandísticos, fotos recortadas de jornais ou revistas, que eles podem ter
recebido, mas que não significa que eles os divulgassem.
No dia 27 de agosto, o mesmo jornal noticiou outra prisão, a do comerciante espanhol
Hipólito Mosqueira. Ele havia sido detido em sua casa com diversos cartuchos de munições e
41 armas (metralhadoras leves, pistolas de vários tipos e rifles de uso exclusivo do exército).
Além disso, afirmou-se que ele possuía livros e materiais de propagada nazifascista.
Diferentemente da reportagem anterior, nessa foi publicada uma foto do material
apreendido738. O espanhol tentou se defender “alegando que as armas de guerra encontradas
em seu poder foram empenhadas, tendo até apontado cúmplices e responsáveis”739.O caso de
Hipólito Mosqueira é diferente do que ocorreu com os alemães. Dessa vez, aparentemente,
havia evidências. Entretanto, o jornal não informou mais detalhes sobre ele, porque, segundo
a matéria, as investigações corriam em sigilo.
Notícias sobre prisões de suspeitos ocuparam as páginas dos jornais da Bahia até o fim
da Segunda Guerra Mundial. Os periódicos baianos travaram um verdadeiro combate contra a

737
ESTADO DA BAHIA, nº 1.580 (1942), op. cit., p. 3.
738
ESTADO DA BAHIA, nº 1.586 (1942), op. cit., p. 5.
739
Idem, idem.
232

quinta-coluna, publicando reportagens sobre a prisão de suspeitos, fotos e materiais de


propaganda do governo relativas ao tema. Aliás, os jornais do estado também mostravam
notícias desse tipo relativas a outras áreas do país740.
Em um curto espaço de tempo começaram a ser registradas prisões e abusos contra
estrangeiros nas cidades de Salvador, Cairu, Ilhéus, Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto
Seguro e Prado. Possivelmente, elas devem ter ocorrido em muitos outros municípios baianos.
As detenções foram acompanhadas de outras medidas que visavam manter os estrangeiros sob
controle.
Em julho de 1943, os alemães, italianos e japoneses residentes no território da Bahia
foram obrigados a se mudar para o interior. Eles poderiam se refugiar nas cidades de Andaraí,
Caetité, Maracás, Mucugê ou Seabra. Nelas, eles eram obrigados a trabalhar sob constante
vigilância741. Essas cidades estão localizadas na parte mais central do estado. Delas, a mais
próxima da zona litorânea é Maracás, distante cerca de 144km do mar. Ao alocar os alemães,
italianos e japoneses no interior do estado, o governo baiano pretendia impedir que eles, de
alguma forma, colaborassem com os esforços de guerra de suas nações de origem contra o
Brasil.
Marina Helena Chaves Silva, ao reconstruir a história da presença alemã na Bahia
durante a Segunda Guerra Mundial, descreveu as privações impostas a essas pessoas. Citando
o caso dos alemães, obrigados a se mudar para Maracás, a autora afirmou que eles:

(...) não podiam sair do município nem expressar opinião sobre a vida dos
seus habitantes; estavam proibidos de falar sobre a Alemanha e sobre a
guerra; não podiam tomar bebidas alcoólicas; não deviam se indispor com os
moradores; tinham de obedecer o toque de recolher; não podiam ter rádio e
nem era permitido assisti-lo742.

De fato, havia várias formas por meio das quais essas pessoas poderiam colaborar com
os esforços de guerra de seus países de origem. Desde ações de inteligência, como a
espionagem, até sabotagem e envio de suprimentos para as tripulações de submarinos. A
espionagem era, certamente, uma das formas mais perigosas de colaboração.

740
Não nos aprofundaremos na questão, mas em 2018, quando estivemos na Biblioteca Pública do Estado da
Bahia, buscando informações sobre um caso específico, encontramos várias matérias relacionadas ao combate
contra a quinta-coluna nos jornais A Tarde, Estado da Bahia, e O Imparcial, publicadas entre anos de 1942 e
1943.
741
SAMPAIO (1996), op. cit., p. 144; FALCÃO (1999), op. cit., p. 142.
742
SILVA, Marina Helena Chaves. Vivendo com o outro: os alemães na Bahia no período da II guerra mundial.
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2007, p. 175.
233

Sobre isso, nos chamou a atenção o caso do navio Afonso Pena. Como visto
anteriormente, após o ataque o comandante do submarino Barbarigo, Roberto Rigoli,
perguntou aos sobreviventes se a embarcação atacada era o Midosi. Como ele teria ficado
sabendo sobre esse carregamento? Ao que tudo indica, por meio da ação de espiões.
Outra forma de colaboração era o alistamento nos exércitos inimigos. Embora essa não
fosse, propriamente dita, uma ação de quinta-coluna, era algo muito perigoso, porque as
pessoas que estavam saindo daqui para lutar na Europa levavam consigo informações sobre o
Brasil. Sobretudo, questões relacionadas às capacidades de defesa e o estado de prontidão das
forças armadas743.
Um caso muito interessante a esse respeito é o do ítalo-brasileiro Enzo Grossi. Ele
serviu na marinha italiana e comandou os submarinos Medusa (1940-1941) e Barbarigo
(1942). Aliás, foi ele quem comandou o ataque contra o navio Comandante Lira, na costa do
Rio Grande do Norte, em maio de 1942. Dessa forma, os estrangeiros que retornavam para a
Europa e se alistavam nas forças militares de seus países de origem representavam um grande
risco para a segurança do Brasil.
Entretanto, Getúlio Vargas e os interventores federais nos estados criaram um clima de
desconfiança generalizada. A propósito, de acordo com Maria Helena Chaves, até mesmo
brasileiros acusados de serem quintas-colunas foram presos744. Fabiane dos Santos chamou o
processo de perseguição aos estrangeiros de “construção do inimigo”745.
De acordo com Marlene Fáveri, uma das estratégias dos agentes governamentais que
se ampliou no período da guerra foi a produção de medo, um temor específico, o medo do
“outro”746. Esse “outro” era o estrangeiro, principalmente alemães, italianos e japoneses, bem
como os seus descendentes. Por meio da produção do medo do outro, o governo esperava
manter a nação unida e em constante desconfiança dos estrangeiros e de qualquer um que
pudesse colaborar com eles.
Todavia, deve-se lembrar que essa estratégia precedeu à Segunda Guerra Mundial.
Deve-se destacar que ao longo das décadas de 1920-30 os debates nacionalistas ganharam
novo fôlego e se difundiram pelo mundo, gerando governos nacionalistas e ultranacionalistas,

743
Sobre a questão do alistamento, Dennison de Oliveira, em um trabalho muito interessante, conseguiu
reconstituir a trajetória de alguns teuto-brasileiros que lutaram no exército Alemão. Ver: OLIVEIRA, Dennison.
Os soldados brasileiros de Hitler. Curitiba: Juruá Editora, 2011 (a).
744
SILVA (2007), op. cit., p. 28.
745
SANTOS, Fabiane dos. A construção do inimigo: é tempo de guerra, medo e silêncio. Revista Santa Catarina
em História - Florianópolis - UFSC – Brasil, v.1, n. 2, 2007, 62-72.
746
FÁVERI (2002), op. cit., 28-41.
234

como os totalitários na Europa. No Brasil, como observou Marlene Fáveri, isso já era
percebido desde a Primeira República, nos debates em torno da educação no país747.
Contudo, foi durante a Segunda Guerra Mundial que a estratégia de construção do
medo do outro encontrou um contexto mais favorável para difusão. Contribuiu para isso a
produção jornalística, que ajudou representar esse “outro” por meio de fotos, desenhos e,
sobretudo, por meio de palavras dando, assim, imagens específicas para esse outro. Isso
porque, como afirmou Roger Chartier, a leitura de um texto – ou, podemos acrescentar de
uma imagem – não é apenas uma operação de intelecção, “é pôr em jogo o corpo, é inscrição
num espaço, relação consigo e com o outro”748. Nesse contexto, é particularmente
significativo o discurso proferido por Getúlio Vargas, no dia 7 de setembro de 1942. Disse o
presidente:

Seremos implacáveis no combate aos invasores e aos seus agentes


infiltrados, traiçoeiramente, no meio das nossas populações laboriosas. Não
importará isso em quebra do nosso sentimento comprovado de hospitalidade.
Os nacionais dos países com os quais estamos em guerra, que aqui vieram e
construíram os seus lares de forma regular e honesta, nada devem recear
enquanto permanecerem entregues ao trabalho, obedientes à lei e prontos a
colaborar nas atividades defensivas do país. De modo bem diverso serão
tratados os que, traindo os compromissos assumidos e ludibriando o nosso
acolhimento generoso, auxiliarem de alguma forma os inimigos, com eles
mantiverem entendimentos, espionando ou fazendo sabotagem. A esses,
aplicaremos, com rigor, as leis de guerra749.

Esse discurso foi pronunciado no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro e, de


acordo com Marlene Fáveri, fragmentos dele ecoaram por todo o Brasil750. Esse é um detalhe
muito significativo. O nacionalismo pensado durante a ditadura do Estado Novo tinha como
causa material a colonização portuguesa. Além disso, o fragmento contém a definição do
inimigo (os invasores e seus agentes infiltrados) e o seu meio de ação (espionagem,
comunicação com o inimigo ou sabotagem). Essas eram as bases sobre as quais foram
construídas as imagens dos inimigos do Brasil, enquadrados genericamente como quintas-
colunas.
Uma sutil nota de rodapé, impressa no Boletim Oficial de Belmonte, em fevereiro de
1943, parece reverberar ideias contidas no discurso de Vargas. Ela diz: “A guerra é uma
realidade brasileira. Contribua para a VITÓRIA DO BRASIL combatendo os inimigos de

747
FÁVERI (2002), op. cit., p. 29.
748
CHARTIER (1991), op. cit., p. 181.
749
D’ARAUJO (2011), op. cit., p. 451-452.
750
FÁVERI (2002), op. cit., p. 36.
235

nossa terra que nos querem dividir para nos enfraquecer”751. Aliás, acreditamos que foi
através do semanário belmontense que o tema da quinta-coluna chegou ao Extremo Sul da
Bahia e, se não foi, certamente o periódico belmontense foi um de seus maiores difusores na
região.
No dia 7 fevereiro de 1942, um comunicado do interventor Landulfo Alves, enviado
ao prefeito da cidade, Godofredo Mendes Bandeira, foi publicado nas páginas do Boletim
Oficial. O texto, entre outras coisas, indicava os cuidados que deveriam ser dispensados aos
estrangeiros residentes naquela cidade752. A mensagem era composta por três partes: 1) uma
indicação dos interesses nacionais; 2) uma recomendação sobre o tratamento dispensados aos
estrangeiros de origem alemã, italiana e japonesa; 3) providências gerais que deveriam ser
adotadas para com eles.
Na primeira parte, Landulfo Alves disse confiar que as recomendações seriam
adotadas pela prefeitura municipal, seus funcionários e pelas pessoas de forma geral. Em
seguida, exaltou o passado de adesão de Belmonte aos interesses nacionais, mas não citou
exemplos. Afirmou ser necessária a manutenção do “espírito de ordem e disciplina”,
confiança nos “responsáveis maiores pelo destino do país”, e acentuado “espírito de bem
servir à comunhão brasileira”. Em seguida, advertiu que, caso fosse necessário, o povo
deveria manter “atitude de serena confiança na vitória dos princípios que a Pátria defenderá e,
coeso, não deverá medir sacrifícios”753.
Nessa parte do comunicado, o interventor cumpriu um rito importante das
comunicações institucionais do Estado Novo, o reforço dos princípios basilares da ditadura: a
disciplina, a coesão social, a obediência aos líderes, a crença nos ideais da nação –
estabelecidos pelos dirigentes do regime e o sacrifício pessoal pela nação. O objetivo desse
reforço era mobilizar as massas, dando-lhes a responsabilidade pelo funcionamento de toda a
estrutura nacional. A estabilidade do país não estaria centrada no equilíbrio das instituições
políticas – mesmo porque estas eram controladas diretamente pelo ditador – mas da
obediência das pessoas.
Ao reforçar os ideais, Landulfo Alves recomendou que o povo não agisse de forma
violenta contra os cidadãos dos países do Eixo que residiam na cidade. Esse é um ponto
importante. De acordo com o interventor, “quaisquer atitudes proscritas pelo Direito

751
BOLETIM... nº 270 (1943), op. cit. Grifos no original.
752
BOLETIM..., nº 217 (1942), op. cit.
753
Idem, idem.
236

Internacional só prejuízos trariam ao bom nome da Nação”754. Apesar da violência e das


perseguições levadas a cabo pelos agentes da ditadura do Estado Novo, o contexto exigia que
se pensasse na forma como a comunidade internacional enxergava o Brasil. Sobretudo,
porque o país se encontrava cada vez mais alinhado com os Estados Unidos e seus aliados.
Isso poderia causar embaraços às políticas internacionais de Getúlio Vargas.
Na terceira e última parte do comunicado, Landulfo Alves descreveu os procedimentos
que deveriam ser adotados:

1.º – Impedir a distribuição de escritos nos idiomas das potências com as


quais o Brasil rompeu relações.
2.º – Proibir que sejam cantados ou tocados hinos das potências referidas.
3.º – Proibir saudações peculiares a essas potências.
4.º – Proibir o uso de idiomas das mesmas potências em conversação em
lugar “Público”, Cafés etc.
5.º – Deter quem, ostensivamente, em lugar público, manifestar simpatia
pela causa dessas potências.
6.º – Dispensar os naturalizados de cargos políticos ou de natureza política.
7.º – Proibir que sejam exibidos em lugar acessível ou expostos ao público,
retratos de membros dos governos daquelas potências (...)755.

As medidas 1, 2, 3, 4 e 7 faziam parte de uma estratégia de assimilação nacional


forçada. A língua, falada e escrita, os símbolos, costumes nacionais e até as figuras políticas
são elementos importantes na constituição e manutenção dos estados nacionais. Eles fazem
parte daquilo que Eric Hobsbawm chamou de “autonomia cultural”756. Proibir os estrangeiros
de expressar os elementos de sua cultura era uma maneira de forçá-los a se integrar à
nacionalidade brasileira. Deve-se destacar que as nações não surgem de forma espontânea.
São, antes de tudo, “artefatos”, criados por instituições capazes de impor uniformidades757.
Os agentes do Estado Novo vinham aplicando esforços nesse sentido desde a criação
da ditadura, em novembro 1937. Contudo, o envolvimento do Brasil na guerra possibilitou a
ampliação desses esforços. Conforme abordamos anteriormente, a chave para isso foi a
fabricação do medo do “outro”.
Enquanto os itens mencionados delimitavam uma luta no campo simbólico, o 5 instava
as pessoas a ações práticas. Ele permitiu que a população brasileira mantivesse os estrangeiros
sob constante vigilância, funcionando como um mecanismo de controle da própria fala dos

754
BOLETIM..., nº 217 (1942), op. cit.
755
Idem, idem. Grifos no original.
756
HOBSBAWUM, Eric J. A construção das nações. In: Id. A era do capital, 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1996, p. 125-145, p. 143.
757
Idem, p. 141-142.
237

indivíduos. De forma direta, esse item abriu caminho para as arbitrariedades contra
estrangeiros na região, porque cada pessoa podia interpretar por conta própria o que seria uma
manifestação de simpatia ao Eixo.
O número 6, por sua vez, retirava dos estrangeiros naturalizados uma garantia muito
importante do exercício da cidadania, o direito político. Note-se que os naturalizados não
seriam dispensados apenas dos cargos políticos propriamente ditos, mas de qualquer função
de natureza política. Mas isso é muito amplo, pois em sociedade qualquer função social
possui ou pode possuir uma natureza política. Na prática, devido a todo o contexto, era como
se a cidadania brasileira concedida aos naturalizados estivesse sendo revogada.
Para garantir que todas as pessoas soubessem dessas medidas, Landulfo Alves
determinou que as precedessem “de um aviso publicado no órgão da imprensa local”. Caso
não existissem jornais ou revistas impressos localmente, as medidas deveriam ser fixadas em
“lugar público usualmente utilizado para esse fim”758. Essas recomendações provavelmente
chegaram às demais prefeituras do Extremo Sul da Bahia e uma evidência a esse respeito são
as prisões e perseguições de estrangeiros ocorridas em Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto
Seguro e Prado. Todos os casos que citaremos ocorreram após a publicação do comunicado
do interventor.

7.2 O caso dos italianos em Santa Cruz Cabrália


No dia 29 de setembro de 1942, o jornal A Tarde publicou uma nota com título
“Diligência na Bahia Cabrália”759. Nela, o periódico informava a prisão de seis pessoas de
origem italiana, na cidade de Santa Cruz Cabrália, todos homens. Foram eles: Gustavo
Piacentini, Vittori Levi, Fortunato Leoni, Etori Manovaldi, Giovani Clarici e André
Colavolpi.
Santa Cruz Cabrália era o segundo município do Extremo Sul da Bahia com o maior
número de italianos, 10 no total. De acordo com a matéria mencionada, os estrangeiros
detidos eram diretores e funcionários de uma empresa agrícola situada naquele município. As
prisões foram realizadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Não foi
apresentado o motivo da ação, mas a nota do jornal afirmou que se cumpria “severa vigilância
em todos os pontos do litoral baiano, de acordo com as terminantes recomendações do sr.
ministro da Justiça”760.

758
BOLETIM..., nº 217 (1942), op. cit.
759
A TARDE, ano 30, nº 10.721, Salvador, 29 de set. 1942, p. 8.
760
Idem, idem.
238

O jornal Estado da Bahia também anunciou a prisão dos italianos. Contudo, na lista
apresentada por esse periódico foram apresentados cinco italianos, ficando de fora da relação
André Calavolpi. Não conseguimos informações sobre o que aconteceu. Talvez ele tenha sido
liberado pelas autoridades ou pode ter sido apenas um erro da reportagem. Apesar de também
apresentar poucos elementos, a nota do Estado da Bahia trouxe alguns detalhes que permitem
compreender melhor a situação daqueles indivíduos.
Conforme aparece na reportagem, alguns dos italianos “residiam naquele município”,
mas outros estavam lá “clandestinamente”761. Entretanto, a matéria não especificou quais
deles se encontravam em cada uma das condições. Como todos trabalhavam na mesma
empresa, possivelmente os funcionários do DOPS partiram do princípio de que os que
estavam de forma ilegal eram acobertados pelos que não estavam. E é bem possível que fosse
mesmo esse o caso.
Dentro daquele contexto de desconfiança generalizada, difundida pelos próprios
agentes governamentais, essa situação os transformava em potenciais quintas-colunas. Isso
transparece na justificativa das detenções, apresentada no Estado da Bahia. Segundo a nota
desse periódico, eles foram presos no âmbito da “campanha contra os elementos que se
tornaram nocivos à segurança nacional”762.
Entretanto, a diligência que prendeu os italianos partiu de Salvador e, estando na
capital, os agentes do DOPS não teriam como fiscalizar esses estrangeiros. Então, como eles
os descobriram? Talvez eles tenham sido denunciados pelas próprias autoridades municipais
ou mesmo pela população local.
Nesse caso o que estaria em jogo seria o rigoroso cumprimento das determinações do
interventor e do Ministério da Justiça. Santa Cruz Cabrália era o menor município da região,
tanto em território, quanto em população e produção econômica. Como visto anteriormente,
dez anos antes da detenção dos italianos, o município havia sido dissolvido e incorporado ao
de Porto Seguro. Demonstrar zelo pelas determinações das autoridades do Estado Novo
poderia render certo capital político aos dirigentes locais ou criar condições para a construção
de alianças que garantissem a independência definitiva do município.
Nesse sentido, chama a atenção o fato de que o grupo político que assumiu o controle
de Santa Cruz Cabrália, após a recuperação da independência, em 1935, permaneceu no poder
até o final da década de 1940. Aliás, como visto anteriormente, o prefeito que comandava o
município, Sidrach Carvalho, foi o único dos mandatários da região que permaneceu no poder

761
ESTADO DA BAHIA, ano X, nº 1613, Salvador, 29 de set. 1942, p. 3.
762
Idem, idem.
239

após a queda da ditadura do Estado Novo. Infelizmente, nos faltam elementos para tentar
compreender melhor como era feita a política em Santa Cruz Cabrália e como os
administradores locais se relacionavam com as autoridades estaduais ou mesmo nacionais.
Outra possibilidade é que os italianos tenham sido denunciados por algum produtor
agrícola local. Assim como nos outros municípios, a base da economia de Cabrália era a
agricultura e os produtores brasileiros podem ter se aproveitado do contexto para acabar com
a concorrência dos estrangeiros. Contudo, a falta de mais informações nos impede de
compreender o que houve e nem mesmo sabemos o que aconteceu com os italianos presos.

7.3 O caso do português em Porto Seguro


Em Porto Seguro, o português Antonio Fernandes Parracho também foi alvo das
perseguições. Nascido em Ílhavo, em 1910, ele veio para o Brasil após se desentender com o
irmão mais velho, que queria que ele seguisse a tradição familiar, envolvida há gerações na
pescaria em alto mar. Ele, no entanto, queria ingressar no serviço militar. Após se desentender
com o irmão, Antonio saiu de casa e nunca mais retornou. Chegou ao Rio de Janeiro em 1928
e logo em seguida se dirigiu para Porto Seguro, onde permaneceu até o dia 25 de outubro de
1969, data de sua morte763.
Ao longo dos 41 anos que viveu no Extremo Sul da Bahia, “Marcelo”764, como era
chamado pelos moradores locais, desenvolveu diversas atividades ligadas, direta ou
indiretamente, ao comércio. Foi mascate, criou porcos para abate em Itaquena, próximo a
Trancoso, teve um armazém na área do porto da cidade, foi proprietário de embarcações de
pequeno porte e despachante da Companhia de Navegação Bahiana. Era uma pessoa muito
conhecida em Porto Seguro, mas de temperamento difícil, o que teria lhe rendido alguns
desafetos ao longo da vida765.
Em algum momento, após maio de 1943 – não foi possível determinar quando
exatamente – ele foi detido pelos soldados que guarneciam a cidade, após um comentário feito
por um morador local. De acordo com o senhor Decio Gurrite Pessôa, um senhor chamado
Melquíades teria dito aos militares: “Marcelo, o português que anda para cima e para baixo,
talvez tenha contato com os alemães”766. Isso foi suficiente para que ele fosse detido e
interrogado, mas após passar uma noite detido ele foi liberado, pois os soldados não

763
Cf. PARRACHO, Vinícius. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, 1 de ago. 2021.
764
Era uma referência à sua mãe, que se chamava Marcela. Em Ílhavo ele era conhecido como “Antonio de
Marcela”. Com o passar do tempo passou a ser chamado apenas de “Marcela” e, em Poro Seguro, passou a ser
conhecido como “Marcelo”.
765
PARRACHO (2021), op. cit.
766
PESSÔA (2017), op. cit.
240

encontraram evidências que comprovassem a fala do senhor Melquíades. Conforme nos


relatou o senhor Decio Gurrite Pessôa: “(...) e aquele senhor? Nós prendemos aquele homem e
ele não tinha feito nada”. Segundo nos disse o senhor Decio, foram os próprios militares,
aqueles que se tornaram seus amigos, que lhes disseram quem havia feito a denúncia.
A suspeita pode ter nascido do fato de Antonio Fernandes Parracho possuir um
aparelho de rádio. Deve-se destacar que Portugal não estava entre os países com os quais o
Brasil havia rompido relações diplomáticas ou declarado guerra. Os casos de Hipólito
Mosqueira, espanhol preso em Salvador, visto anteriormente, e de Antonio Fernandes
Parracho podem ser indícios de que na Bahia o clima de suspeita contra os estrangeiros estava
se generalizando. Contudo, no primeiro foram encontradas armas que, mesmo que não
estivessem ligadas às ações de quintas-colunas, causavam preocupação. No caso de Antonio
Parracho os militares não encontraram nenhum indício de atividade subversiva.
As detenções dos dois ibéricos também podem indicar que os agentes governamentais
não tinham como controlar como e contra quem a população brasileira agiria naquele
contexto. Até mesmo Consuelo Novais Sampaio afirmou que em Salvador, em agosto de
1942, além das casas comerciais alemães e italianas, estabelecimentos espanhóis também
foram atacados767. Entretanto, de certa forma, esse descontrole acabava sendo útil ao governo
pois, de forma geral, todos os estrangeiros que viviam no Brasil acabavam sendo vigiados.

7.4 O caso de Abiah Reuter em Belmonte


Um dos casos envolvendo estrangeiros no Extremo Sul da Bahia mais presente na
memória das pessoas da região é o de Abiah Elizabeth Reuter. Apesar de muito lembrado, ele
é cercado de mistérios e histórias muito difíceis de compreender. Abiah era de origem
germânica e algumas pessoas nos disseram que ela era alemã, outros, suíça. De forma geral,
não conseguimos muitas informações sobre ela.
De acordo com uma nota publicada no Diário do Congresso Nacional em maio de
1972, ela nasceu por volta de 1902 e na década de 1920 já residia no Brasil, em Belmonte768.
Havia familiares de Abiah na região. O recenseamento de 1920 contou sete fazendas em nome
de Hedwig Reuter no município de Belmonte769, o sobrenome pode indicar parentesco com
Abiah, embora não possamos estabelecer qual seria este grau de parentesco. Uma das

767
SANPAIO (1996), op. cit., p. 141.
768
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, ano XXII, nº 26, seção I, Brasília, 16 de mai. 1972, p. 929.
769
BRASIL (1929), op. cit., p. 162-164.
241

propriedades se chamava “Nova Helvetia”, o que é um indício de que Abiah era, de fato,
suíça.
Abiah Reuter possuía terras no distrito de Mogiquiçaba, onde produzia cacau, coco e
outros produtos agrícolas. Pelo que pudemos constatar, via entrevistas e algumas informações
captadas em fontes diversas, ela era muito conhecida pelos habitantes do município de
Belmonte. Contudo, tal como no caso de Antonio Fernandes Parracho, o fato de estar na
região desde muito antes da guerra não impediu que Abiah fosse perseguida durante o
conflito. Assim, como ocorreu com os italianos e o português, o caso de Abiah está
diretamente ligado à sua origem nacional e à forma como as autoridades políticas estavam
mobilizando os brasileiros contra os estrangeiros. Diversas histórias surgiram a seu respeito,
mas não está claro se elas já eram populares durante a guerra ou se ganharam projeção
regional após o fim do conflito.
De acordo com o senhor João Borges Bandeira: “Ela tinha um radiotransmissor,
qualquer coisa assim [e] sabotava qualquer coisa aí”770. O senhor Manoel Honorato, por sua
vez, afirmou: “ela tinha um relógio, esse relógio a comunicava com a Alemanha, ela ia com
um rapaz, de tarde, lá no submarino, encontrava em Mogiquiçaba e já tinha tudo pronto, boi,
porco, tudo para eles comerem lá dentro”771. Além disso, o senhor Manoel Honorato afirmou:
“Quem pegou ela foi um aparelho [dirigível]”772. Conforme descreveu:

Quando chegou em cima da casa dela, o aparelho parou. Parou, ficou assim,
sem andar. Aí, abalou a cidade toda! Com pouco [tempo] os soldados
passaram correndo. O corneteiro subiu, bateu a corneta. Quando bateu a
corneta, quem estava aqui descia para a costa, correndo. Correndo! Lá pouco
[sic] vem o batalhão, logo quando o povo saiu correndo para lá. Aí, todo
mundo saiu correndo para ver o que era. Aí, o batalhão chegou num instante,
num segundo, preparou. Aí veio o capitão e dois soldados de lá. Atravessou
na frente, na porta dela, parou e entraram os três. Aí os homens fizeram
assim com as armas [gesto de armas apontadas]. Não tinha negócio de carro
naquela época. Ela foi de pé, algemada, até lá773.

O senhor Vicente Lima Bezerra disse:

Eu me lembro que o balão dirigível, que era o zepelim, como chamavam


antigamente, eles iam muito bem, quando chegavam aqui em cima da cidade
eles diminuíam a velocidade e ficavam rodando, pegando dona Abiah se

770
BANDEIRA (2016), op. cit.
771
DOS ANJOS (2016), op. cit.
772
Idem, idem.
773
Idem, idem.
242

comunicando com os ditos alemães que haviam bombardeado a Jacira. Ela


era alemã, veio moderna para o Brasil. Os pais dela morreram por aqui774.

De imediato, é preciso informar que as falas desses dois entrevistados foram as únicas
fontes que encontramos a respeito da suposta prisão de Abiah. Além disso, não encontramos
nenhuma outra fonte que indique o pouso de qualquer unidade dirigível no município de
Belmonte. Os dois relatos apresentam alguns detalhes muito interessantes. Primeiro, eles
apontam para as patrulhas aéreas realizadas por unidades do esquadrão ZPN-42, sediado em
Caravelas. Conforme visto anteriormente, as unidades desse esquadrão estiveram na região
entre 1943 e 1945. Isso indica que a suposta prisão de Abiah ocorreu nesse intervalo de
tempo. Outro detalhe interessante nos relatos é a acusação feita contra Abiah: comunicação
com os submarinistas alemães e fornecimento de suprimento para eles.
Também é possível encontrar menções a Abiah Reuter nas falas de pessoas que
entrevistamos em Porto Seguro, que fica distante pouco mais de 70 quilômetros de Belmonte.
O senhor Benedito Ramos Cassimiro nos disse que na época da guerra:

(...) tinha uma mulher que vinha com submarino, fazendo contato com um
cara dela lá em Santa Cruz Cabrália. Depois foi que descobriu. Não sei se
deram um fim nela. Não sei! Negócio da guerra, sabe?! Um submarino e tal,
e fazia isso775.

Embora o senhor Benedito tenha feito referência a Santa Cruz Cabrália, os elementos
“mulher”, “submarino” e “comunicação” nos levam a inferir que ele se referia a Abiah
Reuter. O senhor Decio Gurrite Pessôa foi mais direto. Não só se lembrou do nome dela,
como afirmou que o português Antonio Fernandes Parracho foi detido pelos militares no
mesmo período que ela e, como dissemos, devido a uma acusação semelhante: comunicação
com submarinistas inimigos776.
De onde teriam surgido essas suspeitas contra esses dois estrangeiros que há muito
viviam na região? Talvez, pelo fato de ambos possuírem aparelhos de rádio que,
aparentemente, não eram comuns na região, naquele período. Getúlio Vargas havia proibido
que os estrangeiros residentes no Brasil escutassem transmissões radiofônicas sobre a
guerra777. Essa proibição, somada às recomendações do interventor Landulfo Alves, podem

774
BEZERRA (2016), op. cit.
775
CASSIMIRO (2016), op. cit.
776
PESSÔA (2017), op. cit.
777
SANTOS (2007), op. cit., p. 70.
243

ter servido como catalisadora para o surgimento das suspeitas sobre os estrangeiros que vivam
na região e, consequentemente, as denúncias.
Entretanto, é curioso que tenham surgido várias histórias sobre Abiah Reuter e não
sobre Antonio Parracho. Talvez isso esteja relacionado às matérias publicadas do Boletim de
Belmonte contra a quinta-coluna. Além disso, como visto na fala do senhor Vicente Lima
Bezerra, as pessoas de Belmonte podem ter associado o afundamento da barcaça Jacira às
supostas ações de Abiah Reuter:

(...) queria que o comandante da Jacira levasse uma carga que ela tinha
vendido e ele disse que não, que não podia porque a carga já estava
completa. Pois bem, então o barco saiu daqui coisa de umas nove horas do
dia. Quando foi umas quatro horas da tarde chegou a notícia de que tinha
sido torpedeada a Jacira778.

Dessa forma, as matérias impressas no jornal podem ter reforçado o temor contra a
quinta-coluna e prolongado a insatisfação pelo que aconteceu à barcaça Jacira, interligando
tudo às supostas ações de Abiah Reuter. Além disso, ela parece ter sofrido certas
arbitrariedades dos soldados que guarneceram Belmonte. Mais uma vez, de acordo com o
senhor Vicente Lima Bezerra, os militares entravam em suas propriedades quando queriam:
“beber água de coco mole779, mas eles não sabiam subir nos coqueiros, então derrubavam os
coqueiros. Ela se irritava, mas não podia fazer nada, porque o tempo era de guerra e ela era
visada”780. A derrubada dos coqueiros nos pareceu algo muito estranho, por isso perguntamos
a ele por que eles faziam isso. O senhor Vicente respondeu: “eles eram mineiros e Minas não
tem coco”781.
Um dos produtos exportados pelos fazendeiros de Belmonte era coco. Abiah também
produzia esse fruto. Dessa forma, a derrubada dos coqueiros gerava prejuízos financeiros e
por isso ela se irritava. Mas, afirmou o senhor Vicente Bezerra, ela estava impotente diante do
contexto. Todavia esse pode não ter sido o único constrangimento vivido por Abia Reuter
durante a Segunda Guerra Mundial.
As pessoas de Belmonte se lembram que, além de agroprodutora, Abiah Reuter era
professora. Buscando por mais informações sobre ela, encontramos o nome “Abiah Reuter”

778
BEZERRA (2016), op. cit.
779
Coco verde.
780
BEZERRA (2016), op. cit.
781
Idem, idem.
244

na dissertação de mestrado da professora Vanessa Magalhães da Silva782. Embora não


tenhamos conseguido confirmar, é possível que se trate da mesma Abiah Elizabeth Reuter de
Belmonte. Um indício a esse respeito é que ela foi referida como “Doutora”, um título
acadêmico, em um requerimento do senador Nelson Carneiro, de maio de 1972783.
No trabalho de Vanessa Magalhães da Silva, Abiah Reuter aparece no quadro docente
da Faculdade de Filosofia da Bahia (FFB), como professora de História da Filosofia. Contudo,
ela não deu aulas entre 1943 e 1944, foi substituída por outros professores. No primeiro ano,
ela foi substituída porque não compareceu à FFB e, no segundo, foi dito apenas que ela foi
substituída pelo professor Ricardo Vieira Pereira784.
Caso se trate da mesma pessoa, teria ela se ausentado do ano letivo de 1943 devido a
algo relacionado à sua aparente detenção pelos militares em Belmonte? Além disso, conforme
vimos nas recomendações do interventor Landulfo Alves, os estrangeiros deveriam ser
afastados de cargos políticos ou de natureza política785. Teria isso relação com a sua ausência
no ano letivo de 1944? Infelizmente, no momento não temos como verificar, mas não são
suposições infundadas.
Apesar das aparentes perseguições, Abiah Reuter continuou sendo proprietária de
terras e produtora agrícola após a guerra. Porém, ao longo da década de 1960 ela teve
dificuldades financeiras e acabou hipotecando suas terras para empresa Salvador Chadler
Industrial Bahia S.A. Em 1972, a empresa executou a penhora. A intercessão em seu favor
feita pelo senador Nelson Carneiro, em maio de 1972, provocou um debate sobre a situação
de produtores da zona cacaueira da Bahia que se estendeu por todo aquele ano786.
Não conseguimos descobrir como ficou a situação de Abiah Reuter diante da execução
da hipoteca, mas ela ainda era proprietária de terras na década de 1980. Em março daquele
ano, o Ministério de Estado das Minas e Energia autorizou a Mineração Rara Rosa Ltda. a
prospectar coríndon787 em suas terras788. Ela faleceu em Belmonte, segundo nossos
entrevistados, com mais de 80 anos, mas não conseguimos identificar o ano de sua morte.

782
SILVA, Vanessa Magalhães da. No embalo das redes: cultura, intelectualidade, política e sociabilidades na
Bahia (1941-1950). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador,
2010.
783
ANAIS DO SENADO, Ano 1972, Livro 4. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações -
Subsecretaria de Anais do Senado Federal, 1972, p. 123.
784
SILVA (2010), op. cit., p. 184.
785
BOLETIM..., nº 217 (1942), op. cit.
786
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, nº 26 (1972), op. cit., p. 929.
787
Mineral a base de óxido de alumínio que dá origem a pedras muito duras cuja a coloração varia de acordo
com o grau de impureza. Os tipos de coríndons mais conhecidos são o rubi e a safira.
788
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Seção I, Parte I, 03 de mar. 1980, p. 42.
245

De modo geral, há um certo respeito à memória de Abiah, devido ao seu histórico de


produtora de cacau e outros gêneros agrícolas naquele município. Por ter sido uma grande
produtora e exportadora de produtos agrícolas, Abiah empregou muitas pessoas em suas
propriedades, ao longo de toda a sua vida, daí o respeito à sua memória. Entretanto, não há
comedimentos ao se falar sobre as suas supostas espionagens e colaboração com os
submarinistas alemães. Ao contrário, seu nome continua mexendo com a imaginação das
pessoas de Belmonte e de outros locais do Extremo Sul da Bahia, dando origem a novas
histórias789. Mas ela não foi a única pessoa de origem germânica acusada de ter servido ao
Eixo na região.

7.4 O caso do alemão em Prado


No dia 28 de junho de 1944, os periódicos Diário Carioca e Gazeta de Notícias
publicaram notas sobre uma denúncia feita ao Tribunal de Segurança Nacional contra
Siegfried Simon790, um alemão que vivia na cidade de Prado, no Extremo Sul da Bahia. De
acordo com as notas, ele teria cometido uma injúria contra a bandeira do Brasil. Em um
açougue da cidade, Siegfried teria erguido um pedaço de carne e proclamado: “Isto é a
bandeira nacional brasileira”791.
Conforme uma reportagem publicada no Diário da Noite, Siegfried Simon nasceu no
dia 14 de abril de 1898, cidade de Bruttig, no oeste da Alemanha. Seu pai se chamava Avon
Simon e sua mãe, Suzana Simon. Siegfried chegou ao Brasil em março de 1926 e residiu em
Salvador, junto ao irmão, com quem trabalhava no comércio de madeira e fumo 792. Ele
exportava madeiras para Hamburgo e Nova York, mas em 1928 se mudou para Prado.
Naquele município, além de continuar no comércio madeireiro, adquiriu terras ricas em
manganésio e ferro, imóveis, barcos de pesca e lanchas a motor. Também explorava água-
marinha793. Suas cargas eram embarcadas em Prado, Ilhéus e Salvador.
Conforme a reportagem, “figuras de destaque na administração eram suas
amigas”794.No dia 9 de janeiro de 1937, a revista Beira-Mar, do Rio Janeiro, publicou uma
nota anunciando o casamento de Avany Horcades com Siegfried Simon. A nota forneceu

789
FONTANA, Romeu. Abbia, a Alemoa: a espiã de Hitler no sul da Bahia. E-book: edição do autor, 2019.
790
Nas notas o nome estava escrito errado. Na Gazeta de Notícias consta “Segriel” e no Diário Carioca,
“Siegriel”. Depois, por meio de outras fontes, descobrimos que o correto era Siegfried.
791
GAZETA DE NOTÍCIAS, ano 70, n° 150, Rio de Janeiro, 28 de jun. 1944, p. 11; DIÁRIO CARIOCA, ano
XVII, n° 4.918, Rio de Janeiro, 28 de jun. 1944, p. 12.
792
DIÁRIO DA NOITE, ano XVII, n° 3.918, Rio de Janeiro, 04 de jul. 1944, p. 8.
793
Pedra semipreciosa.
794
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 8.
246

algumas informações interessantes compreendermos um pouco as relações sociais


estabelecidas por Siegfried, no Extremo Sul da Bahia. Diz a nota:

A senhorita Avany, hoje residente em sua terra natal, a formosa cidade do


Prado, no sul da Bahia, consorciar-se-á no dia 2 de fevereiro próximo com o
negociante e proprietário Siegfried Simon, natural da Alemanha, porém
residente há muitos anos no Brasil. A senhorinha Avany Horcades é filha do
falecido capitão André Teixeira dos Santos, que foi fazendeiro e coletor
estadual naquela cidade baiana e de d. Castorina Horcades dos Santos e neta
de dona Maria Ramos Horcades, ambas residentes na referida cidade e do
velho e querido chefe político do sul baiano cel. Francisco Martins
Horcades, que também ocupou o cargo de Prefeito Municipal de Prado. Esse
enlace constituirá um verdadeiro acontecimento social em Prado, dadas a
influência da família da noiva e o conceito que desfruta o noivo pelas suas
qualidades de caráter e espírito empreendedor e hesito795.

No dia 22 de maio, a mesma revista publicou uma foto do casal.

Imagem 26: Avany e Siegfried Simon

Fonte: REVISTA BEIRA-MAR, ano XV, n° 558, Rio de Janeiro, 22 de mai. 1937, p. 7.

Conforme visto anteriormente, Francisco Martins Horcades, avô de Avany, era um


português que viveu muitos anos em Porto Seguro e que depois viveu em Prado, onde foi

795
REVISTA BEIRA-MAR, ano XV, n° 542, Rio de Janeiro, 09 de jan. 1937, p. 5.
247

prefeito. Alvim e Alfredo Horcades, tios de Avany, tiveram certo destaque nos cenários
estadual e nacional, entre o final do século XIX e início do XX. Alvim foi acadêmico da
Faculdade de Medicina da Bahia e, em 1897, esteve como médico auxiliar em um hospital de
campanha na Guerra de Canudos (1896-1897), experiência que resultou na publicação do
livro Uma viagem a Canudos796. Alfredo era bacharel e, como visto anteriormente, foi capitão
ajudante de ordens do Estado Maior da Guarda Nacional, além de ter se dedicado ao
jornalismo. Alfredo foi o responsável pela educação de Avany, de quem era padrinho.
Avany nasceu no dia 6 de dezembro de 1918. Estudou no Colégio Santos Anjos, na
Tijuca, Rio de Janeiro. Não encontramos informações sobre os seus pais, mas como indicado
na nota da Beira-Mar, seu pai foi coletor estadual no município de Prado, além de fazendeiro.
Devido ao prestígio do tio, a jovem aparecia com frequência nas colunas sociais das revistas
Nação Brasileira e Beira-Mar. Sua primeira foto em uma coluna social foi publicada quando
ela estava prestes a completar cinco anos de idade e, na última que encontramos, tinha 29797.
Muitos momentos da vida de Avany foram registrados nas páginas da Nação
Brasileira, como casamento, nascimento dos filhos e seus batizados, além de informações
sobre suas atividades profissionais. Dessa forma, o casamento, além de consolidar o prestígio
social de Siegfried, lhe possibilitou conexões políticas e visibilidade na capital do país. Todas
as publicações feitas na Nação Brasileira e na Beira-Mar apresentavam os ramos comerciais
nos quais ele atuava. Mas a vida familiar de Avany e Siegfried foi profundamente afetada pela
Segunda Guerra Mundial.
Siegfried, tal como Abiah Reuter e Antonio Parracho, estava há muito integrado à
sociedade regional. Mas a sua prosperidade dependia das exportações para o exterior, porém,
o conflito prejudicou o comércio internacional brasileiro e, por consequência, o dele. Embora
não esteja muito claro, Siegfried parece ter ido à falência após o início do conflito. Segundo
disse, naquele contexto, se dedicou à: “Pesca com linha e anzol, no pequeno e pobre barco e
que ia buscar não só peixe no mar como também carne no açougue pela manhã, para matar a
sua fome e da família”798.
A guerra também arruinou as relações de Simon com os habitantes locais. Conforme
matéria publicada no Diário da Noite, ele: “Vivia bem, feliz, até que chegou a guerra e seus
rivais começaram a jogar elementos a toas, com palavras e apodos difamantes contra a sua

796
HORCADES, Alvim Martins. Uma viagem a Canudos. Bahia: Typographia Tourinho, 1899.
797
NAÇÃO BRASILEIRA, ano I, n° 4, Rio de Janeiro, 01 de dez. 1923, p. 14; idem. ano XXV, n° 281, Rio de
Janeiro, jan. 1947, p. 28.
798
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 8.
248

pessoa”799. Aparentemente, não eram apenas os seus concorrentes que aproveitaram o


contexto para lançar dúvidas sobre Simon. De acordo com a reportagem, durante uma de suas
idas matutinas ao açougue:

Simon pediu o seu peso de carne. O açougueiro não o despachou logo.


Alguém, um militar, falou no pavilhão nacional, sob o qual todos os
brasileiros defenderiam o seu torrão natal, combatendo contra a infâmia
nazista e as manobras dos quintas-colunas. Simon fazia que não ouvia e
queria quanto antes a carne. E não tardou a dizer, já com o pedaço de carne
no dedo, levantando-o: - “Isto é que é a bandeira brasileira!”800.

A resposta às provocações acabou se revelando um erro crasso, pois o soldado que


discursava no açougue levou as palavras de Simon a seu superior, o tenente Dalci Gomes
Lago. Ainda conforme a reportagem, o oficial pertencia: “Ao destacamento mineiro do
Exército que patrulhava a costa entre Porto Seguro e Caravelas”801. O tenente relatou que
Simon pescava com os soldados de seu grupo e o acusou, dizendo que ele: “Comunicava-se
com os submarinos nazistas, fornecendo dados sobre as atividades dos barcos brasileiros”802.
A denúncia contra Siegfried foi apresentada pelo senhor Benjamin Vaz Lordelo,
coletor federal em Prado, no final de 1943. Contudo, ela só foi acolhida pelo Tribunal de
Segurança Nacional no dia 28 de junho do ano seguinte. Pelo que se pode compreender nas
reportagens sobre o assunto, ele foi denunciado por colaborar com os esforços nazistas nos
ataques à marinha mercante brasileira e por injúria contra a bandeira do Brasil.
Cláudio Tavares, repórter dos Diários Associados, esteve na vila militar onde
Siegfried Simon estava preso, no Rio de Janeiro, e o entrevistou. Segundo a matéria
produzida pelo repórter, Siegfried estava em uma cela junto com outros três alemães. Cláudio
Tavares não escondeu, em nenhum momento, as desconfianças em relação Siegfried, o que
fez com que sua matéria tenha ficado tendenciosa. Apesar disso, a reportagem apresentou
algumas informações importantes para que possamos conhecer um pouco mais sobre
Siegfried Simon.

799
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 8.
800
Idem, idem.
801
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 8.
802
Idem, idem.
249

Imagem 27: Cláudio Tavares e Siegfried Simon

Fonte: DIÁRIO DA NOITE, ano XVII, n° 3.918, Rio de Janeiro, 4 de jul. 1944, p. 1.

Conforme consta na reportagem, ele se correspondia com a família e recebia visitas do


irmão. As duas primeiras perguntas dirigidas pelo repórter foram: “Alemão? Nazista?”803. Ele
respondeu: “Não, sou judeu”804. Continuou: “Sofri com o sistema político de Hitler, de quem
sou inimigo. Fui despojado, na Alemanha, de todas as minhas fortunas e tive parentes
assassinados”. Segundo afirmou, foi a perseguição do regime nazista que motivou sua
mudança para o Brasil805.
Cláudio Tavares deixou claro na matéria que não acreditou na resposta dada por
Siegfried, pois antes de entrevista-lo teve acesso a partes dos autos de seu processo. Dessa
forma, Cláudio Tavares viu as informações cedidas pelo próprio Simon e por testemunhas que
depuseram no processo. Assim sendo, o repórter sabia que Siegfried havia chegado ao Brasil
em 1926, anos antes da ascensão de Hitler ao governo alemão. Siegfried parece ter visto na
entrevista uma oportunidade de afastar as suspeitas que recaiam sobre ele, se apresentando
como uma vítima do nazismo, tornando, assim, difícil às pessoas acreditarem que ele era um
quinta-coluna.

803
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., 3.
804
Idem, idem.
805
Idem, idem.
250

Apesar da segunda parte de sua resposta ser um pouco duvidosa, aparentemente ele era
realmente de origem judaica. Ao menos é isso que indica o sobrenome de seu pai e o nome de
sua mãe. “Simon” é uma variação germânica da palavra hebraica “Shim’on”, nome de um dos
patriarcas hebreus. Suzana também é um nome de origem hebraica, derivado de
“Shushannah”806. Se Siegfried era realmente judeu não pudemos confirmar, mas é fato que ele
não era praticante do judaísmo, pois se casou com Avany em uma cerimônia católica e os
quatro filhos do casal foram batizados no catolicismo.
A estratégia de Siegfried foi sabotada pelo próprio repórter que, logo após as repostas
às primeiras perguntas, apresentou uma série de afirmações que visavam mostrar que o
alemão era simpatizante do regime nazista. Um suposto depoente chamado “André” teria dito
que em 1934 Simon teve reuniões secretas na residência de um italiano que também morava
em Prado, chamado “Russo”. Posteriormente, o suposto italiano teria sido preso na cidade de
Teófilo Otoni, em Minas Gerais, onde teria sido descoberto que se tratava, na realidade, de
um alemão chamado “Hanse”, oficial da marinha alemã.
Ainda de acordo com a matéria, Siegfried se aproveitava das pescarias que fazia para
“entrar em contato com os submarinos do Eixo”807. Além disso, ainda de acordo com a
reportagem:

Em discussão, sempre fazia ameaças de vingança aos seus desafetos, quando


a Alemanha vencesse. Tinha satisfação pelas notícias das vitórias alemãs e
levava no ridículo o nosso Exército e a nossa aviação. Era, portanto, segundo
afirmações de várias pessoas, um elemento estranho, de atividades suspeitas
e perigosas ao Brasil808.

Siegfried defendeu-se afirmando: “Os meus denunciantes tinham receio que eu viesse
a ser prefeito da cidade do Prado”809. Possivelmente, ele não estava errado, pois como visto
anteriormente, ele estava ligado a uma família influente naquele município. Contudo,
contribuiu contra ele um mapa das correntes marítimas do Atlântico Sul, encontrado em seu
poder. Segundo informou:

– “Doze anos depois de minha chegada à cidade do Prado, andando


pela praia, encontrei uma garrafa, na areia, que continha uma carta que dizia,

806
Sobre os nomes em hebraico e os significados, consultamos: KIRST, Nelson. [et al]. Dicionário hebraico-
português e aramaico-português. Petrópolis: Vozes, 2000.
807
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 3.
808
Idem, idem.
809
Idem, idem.
251

em traços gerais: – “Quem mandar notícias, com seu endereço para o


Instituto de Geografia – Estados Unidos – receberá em troca um presente”.
Três meses depois, eu recebia uma carta geográfica em troca e
recompensa do meu endereço que havia enviado para Nova York810.

A história é muito estranha e, possivelmente, ela contribuiu para aumentar as


desconfianças em relação a Siegfried Simon. Naquele contexto de guerra, um mapa sobre o
Atlântico Sul em posse de um alemão despertou suspeitas, devido aos detalhes da costa
brasileira. Deve-se recordar que os principais algozes da marinha mercante do Brasil foram os
submarinos alemães.
Além disso, o repórter Cláudio Tavares, para reafirmar as ligações de Siegfried com o
nazifascismo, afirmou que a empresa por meio da qual ele exportava madeira para Europa,
havia presenteado Francisco Franco com “uma grande partida de fumo”811. O ditador
espanhol teria agradecido oficialmente o presente. Note-se, no entanto, que não está claro que
a empresa pertencia a Siegfried e que o suposto presente poderia estar muito mais ligado a
uma tentativa de reafirmar laços comerciais que a uma demonstração de apreço pelo regime
totalitário de Franco.
Em seguida, Cláudio Tavares perguntou: “Auxiliava a Gestapo, Simon?”812. A
resposta foi: “Não. Isto é calúnia do tenente mineiro que lançou a acusação de que eu me
comunicava constantemente com os submarinos eixistas, quando das minhas pescarias pela
costa”813. Segundo afirmou, a acusação não tinha fundamento, pois ele sempre pescava
durante o dia e que nunca se afastava das águas baixas do litoral, que “não permitem
navegação de barcos de guerra”814.Por fim, o repórter notou cicatrizes nos pulsos de Siegfried
e perguntou: “Algum atentado?”815. Ele respondeu:

Certa vez, perseguido e angustiado, já sem ter com que viver, somente com
os filhos e minha mulher, uma grande melancolia. Resolvi suicidar-me.
Lancei-me ao mar no meu barco e, cortando os pulsos com um canivete,
atirei-me nas águas. de repente, uma força espiritual fez com que voltasse,
imediatamente, à terra e me arrependi do ato covarde. Nadei com todas as
forças restantes. Havia perdido metade do meu sangue816.

810
DIÁRIO DA NOITE, n° 3.918 (1944), op. cit., p. 3.
811
Idem, idem.
812
Idem, idem.
813
Idem, idem.
814
Idem, idem.
815
Idem, idem.
816
Idem, idem.
252

A resposta de Siegfried nos permite pensar sobre os impactos psicológicos que a


guerra lhe causou, bem como à sua família. O alemão passou, em um curto espaço de tempo,
de uma pessoa rica e influente, para um indivíduo falido, perseguido por sua origem nacional
e com quatro filhos pequenos e uma esposa para sustentar. Embora não tenha sido descrito, é
possível que ele tenha se desfeito de suas propriedades para cobrir dívidas de seus
empreendimentos mercantis.
Os laços políticos que havia conquistado ao se casar com Avany Horcades não foram
suficientes para livrá-lo das perseguições. Além disso, talvez lhe pesasse o fato de, após a
falência, ter que depender do trabalho da esposa, funcionária pública na prefeitura de Prado,
para garantir o sustento da família. A tentativa de suicídio demonstra o estado de desespero no
qual Siegfried se viu em meio a todo aquele contexto.
Não sabemos qual foi o desfecho do processo contra Siegfried Simon no Tribunal de
Segurança Nacional. Encontramos informações sobre a sua esposa, nos anos imediatamente
posteriores ao fim da guerra, mas nada que se referisse a ele. Em 1947, Avany residia em
Belo Horizonte, onde havia ocupado o cargo de “guarda-livros” em uma empresa chamada
Império Móveis. Naquele ano, ela assumiu uma função de agente auxiliar na Diretoria
Regional de Correios e Telégrafos daquela cidade817. Talvez a família Simon tenha se mudado
para a capital mineira, para tentar recomeçar a vida, após as turbulências do período da
guerra.
O caso de Siegfried Simon possui muitas semelhanças com os de Abiah Reuter, em
Belmonte, e Antonio Parracho, em Porto Seguro. Os três eram comerciantes prósperos na
região, eram proprietários de terras e estavam plenamente integrados às sociedades dos
municípios onde residiam. Além disso, apesar de certas particularidades, foram acusados da
mesma coisa: se comunicar com os submarinos do Eixo que realizavam ataques à marinha
mercante brasileira.
Outra coisa interessante a respeito de seus casos é que eles ocorreram no mesmo ano,
1943, e nos três casos figuram como personagens secundários os soldados mineiros que
guarneciam o litoral do Extremo Sul da Bahia. A presença desses militares deve ter
encorajado os moradores da região a seguirem as determinações do Ministério da Justiça,
difundidas localmente por meio do interventor Landulfo Alves.
Os casos de Abiah Reuter, Antonio Parracho, Siegfried Simon e dos italianos de Santa
Cruz Cabrália, mostram como a sociedade regional parece ter se voltado contra os

817
NAÇÂO BRASILEIRA, n° 281 (1947), op. cit., p. 28.
253

estrangeiros. São, também, um indício de que as notícias sobre o conflito e as estratégias do


governo brasileiro para mobilizar as pessoas do país chegavam à região. Sobretudo, mostra
que a população do Extremo Sul da Bahia foi capaz de atender às expectativas dos agentes
governamentais, mantendo os estrangeiros que viviam na região sob constante vigilância e
denunciando qualquer tipo de ação que pudesse ser considerada suspeita.
***

A presença dos soldados mineiros deixou marcas profundas na memória das pessoas
do Extremo Sul da Bahia. Ao menos daquelas que conseguimos entrevistar. Essas marcas
podem ser sentidas em Belmonte, Porto Seguro, Prado, Caravelas e, possivelmente, também
nas demais cidades da região. Essas marcas se originaram, sobretudo, na alteração do
cotidiano das pessoas. A rotina dos militares, os bailes, as questões relacionadas à
alimentação, bem como os relacionamentos amorosos e os laços de amizade, mesmo os
conflitos entre ambos os grupos contribuíram para o desenvolvimento de uma memória
afetiva em torno dos soldados mineiros.
Mas o contrário também deve ser verdadeiro. A julgar pelas falas do sargento
Francisco Marino Modesto, o período na região também marcou a vida dos soldados
mineiros. Aparentemente, as deficiências nas estruturas urbanas das cidades da região nas
quais eles estiveram estacionados, bem como a falta de hospitais, energia elétrica, saneamento
básico, entre outras coisas, tornou difícil a adaptação dos soldados. Nesse sentido, estar no
Extremo Sul da Bahia, entre 1943 e 1944, não foi uma experiência fácil para eles.
Infelizmente, sobre eles conseguimos pouquíssimas fontes.
O período da guerra também não foi fácil para os estrangeiros que viviam na região.
Embora tenhamos encontrado poucas evidências, os casos relatados sugerem que, no contexto
do conflito, a população regional não hesitou em desconfiar dos alemães e italianos que
também residiam no Extremo Sul baiano. No caso de Porto Seguro, nem mesmo do português
Antonio Parracho. O clima de desconfiança foi criado devido às agressões navais e,
possivelmente, aos discursos das autoridades políticas contra a chamada quinta-coluna. Tudo
isso pode indicar que a população da região viveu intensamente o clima de beligerância que o
Brasil atravessava. Apesar disso, muitos elementos que constituem as memórias da Segunda
Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia surgiram ou se fortaleceram décadas após o
conflito.
254

PARTE IV

MEMÓRIAS DE GUERRA NO EXTREMO SUL DA BAHIA


Submarinos, ex-combatentes e lugares de história
255

CAPÍTULO 8
OS SUBMARINOS

A memória, como propriedade de conservar certas


informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas, graças às quais o
homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas818.

Jacques Le Goff

As primeiras histórias que ouvimos sobre a Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul
da Bahia mencionavam submarinos que navegavam na costa da região, no período que os
entrevistados chamaram de “tempo da guerra”. Tanto em Porto Seguro, quanto em Belmonte,
os primeiros lugares nos quais encontramos histórias daquele conflito, as pessoas que
entrevistamos mencionaram essas belonaves. Também existem histórias sobre submarinos no,
tempo da guerra, em Prado e Caravelas. Conforme dito anteriormente, inicialmente
acreditamos que os relatos sobre submarinos na região e navios atacados eram lembranças de
acontecimentos “vividos por tabela”819. Posteriormente descobrimos que não eram.
Ao longo da pesquisa, percebemos que existiam diversas histórias sobre submarinos
que não estavam relacionadas ao período da guerra, mas que de alguma forma foram
relacionadas a ela. Algumas são boatos cuja a origem é muito difícil de precisar, como o do
suposto cais construído em Prado para receber submersíveis alemães. Mas outros, como os
que envolvem Abiah Reuter e Antonio Fernandes Parracho, em Belmonte e Porto Seguro,
respectivamente, são mais fáceis de compreender.
Os boatos foram muito importantes para a consolidação de memórias da Segunda
Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. Isso, porque eles são uma tentativa de explicar um
evento, sobre o qual pouco se sabe. Conforme explicou Jean-Noël Kapferer, “quando um
acontecimento se produz é importante se divulgar o mais rápido possível o máximo de
informações”820.

818
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 387.
819
POLLAK (1992), op. cit., p. 201.
820
KAPFERER, Jean-Noël. Boatos: a mais antiga mídia do mundo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993,
p. 8. Grifos do Autor.
256

Contudo, existem histórias sobre submarinos que surgiram décadas após o fim do
conflito, como a dos “homens loiros de Alcobaça”821 e do “túnel para se comunicar com
submarinos”, em Prado. Nestes, a produção de boatos também foi importante para dar sentido
às experiências que as pessoas da região estavam vivendo. Ainda conforme Kapferer: “Os
boatos nascem de perguntas espontâneas colocadas pelo público e para as quais não se tem
respostas. Eles satisfazem a necessidade de compreensão do fenômeno, se esse fenômeno este
não é claro”822.
Algo muito interessante a respeito dos boatos acerca dos “homens louros” acabaram
fazendo referência ao período da Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. A do
“túnel para comunicar com submarinos”, por sua vez, não faz uma referência direta ao
período do conflito, mas é um indício de que os submersíveis permaneciam no imaginário das
pessoas da região. Partimos do princípio que mesmo décadas após a guerra a população do
Extremo Sul da Bahia continuou a temer os submarinos. Esse medo, por vezes, foi utilizado
pelas pessoas da região para atrair a atenção das autoridades para resolver uma demanda
específica da população regional.

8.1 Os “homens louros de Alcobaça”


No dia 17 de junho de 1959, três estrangeiros chegaram ao litoral de Alcobaça. Eram
dois portugueses (José Rodrigues Belchior e Felismina Inês Rosa) e um espanhol (Adrian
León Diaz). Os três haviam realizado uma travessia do Atlântico, de Portugal até o Brasil,
passando por Senegal. Todo o percurso foi feito a bordo de um pequeno veleiro chamado
Natália Rosa. Adrian foi o único que desembarcou, foi em busca de suprimentos e
informações sobre a costa. Após conversar com alguns moradores ele retornou para o barco e
desembarcou e conversou com alguns moradores locais. Após o breve contato, ele e os
companheiros reiniciaram a viagem, desaparecendo no mar823.
Duas semanas depois, a Força Tare 12, uma esquadra da Marinha do Brasil, executou
uma série de exercícios navais nas proximidades do Arquipélago dos Abrolhos. Na manhã do
dia 30 de junho, durante os exercícios, marinheiros do contratorpedeiro Amazonas avistaram
o que parecia ser o periscópio de um submarino que não pertencia à esquadra. Cerca de uma
hora depois, o capitão Alfredo Karam, oficial embarcado no submarino Riachuelo, que
integrava a Força Tarefa 12, também informou ter detectado a presença de um submersível

821
Agradecemos ao amigo Lucas Neves Garcia Ledo, que nos enviou, em 2018, uma reportagem publicada na
revista O Cruzeiro, sobre os “homens louros de Alcobaça”.
822
KAPFERER (1993), op. cit., p. 8.
823
DIÁRIO DA NOITE, ano XXXI, n° 11.251, Rio de Janeiro, 15 de jul. 1959, p. 5.
257

que não fazia parte da frota. A Marinha levou o caso à imprensa no dia 3 de julho de 1959. No
dia seguinte, a notícia foi publicada nos jornais Correio da Manhã824 e O Jornal825, ambos do
Rio de Janeiro.
Durante quatro dias, a informação não suscitou muitos interesses. Contudo, no dia 7 de
julho uma história confusa sobre submarinos e homens louros barbudos, envolvendo o litoral
da Bahia, apareceu nas páginas dos jornais A Tarde, de Curitiba, Diário da Tarde, também de
Curitiba, e Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. O título da primeira era “Homens louros em
barco de borracha”826; o da segunda, “Mistério no litoral da Bahia”827; e o da terceira,
“Homens louros dão à costa do litoral baiano”828. De forma geral, as três matérias afirmam
que quatro ou cinco “homens louros” haviam desembarcado no litoral da Bahia e que, talvez,
fossem tripulantes do submarino misterioso avistado pela Força Tarefa 12.
No dia 8 de julho, mais oito matérias sobre o caso foram publicadas, sete em jornais
do Rio de Janeiro e uma em um periódico pernambucano. O caso ganhou mais repercussão
após o Correio da Manhã publicar uma nota oficial emitida pelo comando do 2° Distrito
Naval (2° D. N.), sediado em Salvador, confirmando a história divulgada no dia anterior,
sobre o desembarque de estrangeiros no Extremo Sul da Bahia. Na nota, a Marinha anunciou:

No dia cinco do corrente mês o delegado da Capitania dos Porto da


Bahia, em Ilhéus, informou ao comandante do 2° Distrito Naval que teria
sido vista na praia de Guati emAlcobaça, uma pequena embarcação de
borracha tendo em seu interior rações de boca e que quatro homens
alourados, parecendo estrangeiros, estariam fazendo compras.
No dia 6, o comandante do 2° Distrito Naval informou que havia
enviado por via aérea um oficial e cinco praças, para essa localidade, a fim
de apurar o fato em entendimento com a Secretaria de Segurança estadual.
Às doze horas do dia 6 o capitão dos Portos de Salvador, comunicou
que o sargento delegado de Polícia em Alcobaça havia informado que o
pescador José Tibério encontrara um indivíduo de nacionalidade estrangeira,
na praia de Guati, tentando saber como chegar à Barra do Prado. Esclareceu
também que o tal desconhecido se recusara a ser acompanhado pelo
pescador e dissera estar sem água e sem alimentação829.

Além dos seis militares da Marinha, três aviões P2V-5, caça-submarinos da


Aeronáutica, também foram enviados para a região, onde realizaram patrulhas sobre o litoral.
Além disso, aeronaves menores também sobrevoaram as florestas dos municípios de Prado e

824
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.328, Rio de Janeiro, 4 de jul. 1959, p. 11-14.
825
O JORNAL, ano XXXVII, n° 11.915, Rio de Janeiro, 4 de jul. de 1959, p. 1-6.
826
A TARDE, ano X, n° 4.470, Curitiba, 07 de jul. de 1959, p. 1.
827
DIÁRIO DA TARDE, ano 61, n° 20.091, Curitiba, 7 de jul. 1959, p. 1.
828
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, ano XXX, n° 11.239, Rio de Janeiro, 7 de jul. 1959, p. 1.
829
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.331, Rio de Janeiro, 8 de jul. 1959, p. 1.
258

Alcobaça. No dia 9 de julho, matérias publicadas nos periódicos Diário Carioca, do Rio de
Janeiro, e Jornal do Dia, do Rio Grande do Sul, anunciaram que a Marinha e a Aeronáutica
haviam encerrado as buscas830.
Apesar do encerramento das investigações, os aviões menores continuaram
estacionados em Caravelas, para ação rápida, caso fossem solicitados. Além disso, conforme
matéria do Correio da Manhã, dois navios da Marinha e aviões caça-submarinos, baseados
em Ilhéus, estavam executando patrulhas em todo o litoral sul da Bahia. Até mesmo
realizando voos noturnos com holofotes ligados831.
Após os dois dias de buscas, o Tenente Lidenberg Campos da Silva, que comandou as
investigações da Marinha, afirmou em seu relatório que algo estranho havia ocorrido, mas que
os militares não conseguiram encontrar os “homens louros”832. Entretanto, o comandante do
2° D. N., o Capitão de Mar e Guerra Murilo Vale Silva, apresentou algumas hipóteses sobre o
que poderia ter ocorrido: contrabando atômico, expedição turística ou desembarque de
agentes estrangeiros833. O comandante afirmou ainda que a hipótese de contrabando era a
mais discutida entre os moradores da região.
Segundo uma reportagem publicada no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, no dia
anterior ao encerramento das buscas, o próprio ministro da Marinha, Matoso Maia, durante
uma entrevista, afirmou ter encaminhado algumas perguntas ao comando do 2° D. N. Eram
três: “1) Qual a nacionalidade provável dos quatro estrangeiros? 2) Que língua falavam? 3)
Que espécie de alimentos adquiriram na localidade em que foram assinalados?”834.
A declaração do comando do 2° D. N. e a entrevista do ministro da Marinha aguçaram
a curiosidade de repórteres e redatores de jornais de diversas partes do Brasil. De forma
especial, da imprensa carioca, que enviou jornalistas para Salvador, Prado, Alcobaça e
Caravelas. As investigações jornalísticas deram origem a diversas histórias sobre o que
poderia ter acontecido, todas ligadas aos “homens louros” misteriosos.
O fato de alguns jornalistas trabalharem para o conglomerado dos Diários Associados
fez com que as informações das matérias que estavam produzindo circulassem pela cadeia de
jornais que formava o grupo. Isso fez com que periódicos de diversas partes do país
veiculassem as notícias que estavam sendo coletadas pelos repórteres enviados para a região,
colocando o Extremo Sul da Bahia no centro das atenções nacionais. Ao todo, encontramos

830
DIÁRIO CARIOCA, ano XXXI, n° 9.505, Rio de Janeiro, 9 de jul. 1959, p. 1 e 11; JORNAL DO DIA, ano
XIII, nº 3.721, Porto Alegre, 9 de jul. 1959, p. 2-12.
831
DIÁRIO CARIOCA, n° 9.505 (1959), op. cit., p, 1.
832
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.333, Rio de Janeiro, 10 de jul. 1959, p. 10.
833
Idem, idem.
834
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, n° 11.239 (1959), op. cit., p. 1.
259

49 matérias ligadas ao assunto, publicadas em Curitiba, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife,
Rio de Janeiro e São Paulo835. Contudo, sabemos que outras foram impressas, sobretudo em
jornais baianos, como o A Tarde e o Estado da Bahia, pois são referenciadas no material
consultado836.
Embora muitas apresentem conteúdos semelhantes ou cópias exatas dos conteúdos,
mas com títulos diferentes, muitos elementos distintos foram publicados em diversas
matérias. Uma, que mais chamou nossa atenção, foi a do Diário de Pernambuco, impressa no
dia 9 de julho de 1959. Ela afirmou que os estrangeiros que desembarcaram na região eram
militares americanos que haviam realizado um raid aeronaval e que um deles falava
castelhano, tendo este entrado em contato com os moradores locais837.
Essa informação é particularmente interessante, porque a possibilidade de uma invasão
americana, tal como as ocorridas em países da América Central, na primeira metade do século
XX, seria levantada, indiretamente, por outro periódico. Além disso, o jornal pernambucano,
ao tratar de um hipotético desembarque de estrangeiros, fez uma alusão à Segunda Guerra
Mundial no Extremo Sul da Bahia. Especificamente, à prisão de italianos:

Curioso é que, ao que diz, na mesma praia de Alcobaça, durante a última


guerra, desembarcaram marinheiros italianos que entraram em contato com
seus patrícios residentes no local. Alguns deles foram aprisionados. Também
marinheiros japoneses já fizeram incursões misteriosas em Alcobaça, que se
presta muito a isso, devido a sua posição geográfica838.

Conforme visto anteriormente, de acordo com o recenseamento geral de 1940, no


período do conflito de fato havia italianos vivendo no Extremo Sul da Bahia, mas ao contrário
do que aponta a matéria, não foi registrada a presença de nenhum deles em Alcobaça839. O
único caso de prisão de italianos, ao menos que nós conseguimos descobrir, aconteceu em
Santa Cruz Cabrália, já citado anteriormente. Talvez os moradores de Alcobaça estivessem
informados sobre o caso dos italianos detidos em Cabrália e, ao conversar com os repórteres,
tenham dito que o evento teria ocorrido naquele município.
Dessa forma, os alcobacenses estariam lembrando de eventos vivenciados por tabela.
De acordo com Michael Pollak, é possível que “por meio da socialização política, ou da

835
Todas estão disponíveis na Hemeroteca Digital da BNRJ.
836
Como não sabíamos dessas informações quando estivemos na hemeroteca da Biblioteca Central da Bahia, não
a consultamos. Devido à pandemia da Covid-19, não foi possível retornar a Salvador para verificar os arquivos
desses periódicos baianos.
837
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, ano 134, n° 154, Recife, 9 de jul. 1959, p. 1.
838
Idem, idem.
839
BRASIL (1950) (b), p. 80-82.
260

socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado


passado, tão forte que podemos falar numa memória quase que herdada”840. Caso tenha sido
isso, é uma evidência da circulação de histórias ligadas à guerra entre as pessoas da região, o
que pode ter ajudado a criar um conjunto de elementos comuns na memória social regional.
A menção aos japoneses, por outro lado, parece ser uma referência à pescaria de
baleias. Conforme uma reportagem impressa no Diário de Notícias, uma fonte em Salvador
havia informado que “pescadores japoneses tentavam capturar uma baleia arpoada”841. Todos
os anos, entre julho e novembro, é possível avistar baleias jubartes no Extremo Sul da Bahia,
especialmente, ao longo de uma faixa que se estende de Porto Seguro até Caravelas (cerca de
170Km). Dado o histórico japonês de pesca de baleias, não nos parece estranha a informação
de que pescadores nipônicos teriam sido vistos na região, naquele período.
Mas não eram os japoneses que mais preocupavam as autoridades brasileiras. Outra
história que surgiu naquele contexto foi de que os “homens louros” poderiam ser marinheiros
soviéticos. De acordo com uma matéria publicada no Diário de Notícias, no dia 5 de julho,
uma reportagem impressa no jornal americano The Washington Post informou que um avião
da U.S. Navy havia fotografado um submarino soviético navegando no Atlântico Norte842.
Conforme a matéria, o submersível era grande e parecia ser capaz de disparar mísseis
balísticos.
Dessa forma, surgiu a preocupação de que o submarino misterioso avistado pela Força
Tarefa 12 também fosse soviético. Por isso, o comandante do 2° D. N. sugeriu a hipótese de
que o caso pudesse se tratar de um desembarque de elementos estrangeiros na região. Essa
suposição preocupou a classe jornalística brasileira, devido às tensões crescentes entre os
Estados Unidos e a União Soviética.
Apesar de naquele momento específico o Brasil não ser um país de interesse da
estratégia geopolítica soviética, a presença de homens e equipamentos militares americanos
nos exercícios da Força Tarefa 12 representava uma boa oportunidade para a espionagem
soviética. Tanto para observar as táticas empregadas pelos americanos em engajamentos com
forças aliadas, quanto para testar tecnologias e treinar tripulações de submersíveis. Dessa
forma, a hipótese de que o submarino misterioso fosse russo fazia sentido para a imprensa
brasileira.

840
POLLAK (1992), op. cit., p. 201.
841
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, n° 11.239 (1959), op. cit., p. 2.
842
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, ano XXX, n° 11.241, Rio de Janeiro, 9 de jul. 1959, p. 2.
261

Nesse contexto, surgiu uma história segundo a qual o submarino estrangeiro teria sido
perseguido pela frota brasileira e acabou encalhando próximo a Alcobaça843. Conforme a
história, sua tripulação estaria fazendo experimentos com aparelhos oceanográficos ou testes
sobre a propagação de ondas sonoras relacionadas a mísseis teleguiados. Ou, ainda, poderia
ser uma viagem de adestramento, visando preparar os marinheiros para agirem em situações
de conflito. Fosse esse o caso, poderia haver outros submarinos soviéticos na região844.
Entretanto, não encontramos nenhuma fonte militar que fizesse menção a isso. Dessa forma,
ela parece ser uma leitura própria da imprensa brasileira sobre as tensões da Guerra Fria.
Mas as preocupações não eram unânimes. Sobretudo, o clima de alarmismo que
começava a se difundir suscitou algumas críticas. O Diário da Noite, do Rio de Janeiro,
publicou uma crítica à ampla cobertura dada pelos jornais brasileiros ao caso dos “homens
louros”:

Porque estamos vivendo a hora das invasões na América Central, os quatro


homens louros das praias baianas se enquadram no panorama. Até mesmo o
submarino-fantasma surgiu, a tempo, para dar cobertura ao desdobramento
do perigo. A nação respira atmosfera de guerra. Parecemos um povo sob
ameaça de potência estrangeira, desconhecida, preparando desembarques de
surpresa, nas vastidões do litoral brasileiro845.

No entanto, é importante destacar que ao fazer a crítica, o autor do texto acabou por
revelar um temor que parecia rondar a sociedade da época. O que seria essa “hora das
invasões na América Central” senão uma referência à ocupação americana na Nicarágua,
entre 1912 e 1933, e ao golpe de estado patrocinado por agentes dos Estados Unidos em
1954? Ao mesmo tempo, não seria a grande cobertura jornalística criticada no Diário da Noite
o reconhecimento de que o Brasil poderia sofrer o mesmo destino que os países centro-
americanos?
Contudo, outra história parecia ser mais provável: os “homens louros” poderiam ser
contrabandistas de minérios atômicos. O comandante do 2° D. N. havia cogitado essa
possibilidade. Essa hipótese ganhou força a partir do dia 10 de julho de 1959, após duas
matérias publicadas nos jornais Correio da Manhã e Diário de Natal846.

843
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, ano 134, n° 153, Recife, 8 de jul. 1959, p. 1-7; TRIBUNA DA IMPRENSA,
ano XI, n° 2.884, Rio de Janeiro, 8 de jul. 1959, p. 2.
844
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, n° 11.241 (1959), op. cit., p. 2; O JORNAL, ano XXXVII, n° 11.919, Rio de
Janeiro, 9 de jul. 1959, p. 1-8; DIÁRIO DE NATAL, ano XIX, n° 6.052, Natal, 10 de jul. 1959, p. 3.
845
DIÁRIO DA NOITE, ano XXXI, n° 11.246, Rio de Janeiro, 9 de jul. 1959, p. 4.
846
CORREIO DA MANHÃ, n° 20.333 (1959), op. cit., p. 10-18; DIÁRIO DE NATAL, n° 6.052 (1959), op. cit.,
p. 3.
262

A reportagem publicada no Correio da Manhã disse:

O que existe de fato é o seguinte: um navio que, segundo levam a crer


os depoimentos dos pescadores, era veleiro do tipo “Curter”, classe Brasil,
esteve ancorado entre os dias 18 e 25 de junho passado nos mares de
Alcobaça; três homens louros desembarcaram em botes e penetraram nas
matas; vários estrangeiros encontram-se na região onde na localidade de
Cumuruxatiba instalaram máquinas para a produção de tório; a companhia
que explora areia monazítica chama-se SU[L]BA847.

O Diário de Natal informou que os “homens louros” eram Hans Weber e dois
auxiliares, técnicos da SULBA848. Além disso:

Acredita-se que o desembarque dos três indivíduos avistados pelos


pescadores esteja relacionado com contrabando de minerais atômicos.
Chegaram notícias a esta capital de que em Cumuruxatiba, povoação
que se encontra acima de Alcobaça, alemães e holandeses instalaram
máquinas para a produção de tório.
As máquinas, segundo informações que correm em Alcobaça,
chegaram no navio “19 de Abril”849.

A informação sobre a instalação das máquinas da SULBA foi confirmada pelo prefeito
de Alcobaça, Benjamin de Mascarenhas, apanhando as autoridades baianas de surpresa. De
acordo com outra matéria do Correio da Manhã, o Secretário de Segurança Pública da Bahia,
Rafael Cincurá, e os comandantes do 2° D. N. e da 4° Região Militar (4° RM) não sabiam da
atuação da empresa no Extremo Sul da Bahia850. A constatação do desconhecimento das
autoridades em relação às ações da SULBA pode ter reforçado a desconfiança da população
de Cumuruxatiba em relação aos funcionários da empresa.
Além disso, os moradores locais aproveitaram a presença dos repórteres para
apresentar outras queixas contra a companhia e contra a situação da comunidade. Conforme a
matéria do Correio da Manhã: “o povo de Cumuruxatiba está revoltado com a companhia,
que, segundo dizem, emprega tratores para demolir as suas casas. Há muito tempo acidade
não tem luz. As queixas são gerais”851. Dessa forma, a população local aproveitou a presença
dos jornalistas para fortalecer o combate que pareciam estar travando contra a SULBA.

847
CORREIO DA MANHÃ, n° 20.333 (1959), op. cit., p. 10.
848
SULBA, nome fantasia da Sociedade Comercial de Minérios LTDA. Era uma empresa que explorava areia
monazítica no Extremo Sul da Bahia, subsidiária da ORQUIMA (Indústrias Químicas Reunidas S/A). A
ORQUIMA produzia compostos químicos derivados de terras raras na USAM (Usina de Santo Amaro), em São
Paulo.
849
DIÁRIO DE NATAL, n° 6.052 (1959), op. cit., p. 3.
850
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.335, Rio de Janeiro, 12 de jul. 1959, p. 12.
851
Idem, n° 20.335 (1959), op. cit., p. 12.
263

Aparentemente, nem o governador da Bahia daquele período, Juracy Magalhães, sabia


das atividades da SULBA. Diante das informações sobre as supostas ameaças sofridas pelos
funcionários da empresa, o diretor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN),
almirante Otacílio Cunha, pediu a intervenção do governo baiano para impedir uma possível
escalada das tensões, o que poderia levar a uma interrupção nos trabalhos da companhia:

“Muito agradeceria intervenção urgente de V. Excia. no sentido de as


autoridades locais, garantirem o trabalho da companhia SULBA em
Comoxatiba, ponto de concentração da areia monazítica local. Foi ordenada
por esta Comissão a fim de preservar a reserva ameaçada de desaparecer
devido ao mar. Cordiais saudações”852.

Tudo isso fez surgir um debate sobre as condições sociais do Extremo Sul da Bahia.
Uma matéria do Correio da Manhã chegou a afirmar que “as condições primitivas” e a
“completa ignorância” na qual viviam os moradores de Alcobaça e Cumuruxatiba
dificultavam as investigações853. Segundo a reportagem: “As testemunhas não conhecem
calendário. “Foi na lua cheia, antes do São João que o navio chegou” – assim falavam os
pescadores. Muito trabalho tiveram os militares para precisar o dia”854.
De fato, como visto na primeira seção deste trabalho, as taxas de analfabetismo dos
municípios de Prado e Alcobaça – e na região de forma geral – eram muito altas. Entretanto, o
exemplo de ignorância dado na matéria do Correio da Manhã, o desconhecimento do
calendário, demonstra a própria ignorância do jornalista que redigiu a matéria. Para uma
população constituída “na sua maioria de pescadores”855, como a própria reportagem
informou, era muito mais importante compreender os ciclos lunares que o tempo cronológico
descrito nos calendários. Além disso, a alusão à festa de São João aponta outra questão
importante: a religiosidade como referência para a organização temporal daquelas pessoas.
Sobretudo, a referência à festa religiosa é um elemento que poderia ser utilizado pelos
investigadores para determinar a data ou o período aproximado no qual os estrangeiros teriam
aparecido.
Ao justificar as inconclusões das investigações por meio da falta de educação escolar,
a matéria impressa no Correio da Manhã acabou fazendo uma espécie de transferência de
responsabilidade. Não eram os moradores locais que tinham que determinar o que havia
acontecido, mas os investigadores da Marinha. Os moradores já haviam fornecido as

852
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, ano 134, n° 159, Recife, 15 de jul. 1959, p. 1.
853
CORREIO DA MANHÃ, n° 20.333 (1959), op. cit., p. 18.
854
Idem, idem.
855
Idem, idem.
264

referências que podiam oferecer, dentro dos limites de suas próprias interpretações sobre
aquelas circunstâncias.
Dias depois, o jornal utilizou as condições sociais da região para fazer duras críticas ao
governo do presidente Juscelino Kubistchek. De acordo com um texto intitulado “Canudos”, o
“analfabetismo pré-cristão e pré-cabralino de Cumuruxatiba”856 era um reflexo da “realidade
crua e nua” de um grande trecho do litoral do Brasil, que vivia no “abandono completo”857. O
texto criticou diretamente a construção de Brasília, dando a entender que os recursos
empregados na edificação da nova capital poderiam ser aplicados nas áreas do país que
precisavam de atenção do governo.
Curiosamente, o texto fez uma relação entre Cumuruxatiba e Canudos, que aparece
como um local de “resistência desesperada contra a civilização”858. O autor do texto
questionou se eventos como os da Guerra de Canudos poderiam se repetir na Bahia. Sua
conclusão foi que:

(...) só seria preciso encontrar uma nova fé mística comparável àquela que
inflamou os adeptos de Antônio Conselheiro. E, desgraçadamente, as últimas
notícias de Cumuruxatiba indicam que já se encontrou essa nova falsa
religião: a população, agitada, ameaça matar empregados estrangeiros de
uma firma legalizada; ameaça matá-lo[s] em nome do nacionalismo859.

O trecho citado acima fez uma referência às falas do diretor da CNEN, Otacílio
Cunha, que disse, durante uma entrevista, que não se surpreenderia se:

-(...), amanhã, os caboclos da região pegarem um trabuco e começarem a


caçada dos homens louros.
- Sim. São capazes de caçar os homens louros com pau, sob a suposição de
que eles contrabandeiam a monazita – acrescentou.
- O pior é que, depois de matarem os gringos, venham ao Rio pedir uma
medalha ao governo federal. Nacionalismo. O grande contrabandista, ali, é o
mar860.

Além disso, ainda sobre a questão do contrabando de minérios atômicos, Otacílio


Cunha afirmou que:

O contrabando da monazítica, para ser lucrativo, exige a colaboração de


cargueiros e não de submarinos, pois a quantidade do material exigida para a

856
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.337, Rio de Janeiro, 15 de jul. 1959, p. 6.
857
Idem, idem.
858
CORREIO DA MANHÃ, n° 20.337 (1959), op. cit., p. 6.
859
Idem, idem.
860
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n° 159 (1959), op. cit., p. 1.
265

extração do tório não é transportável em simples barcaças e submarinos.


Acredito mais que deve estar havendo outro tipo de contrabando que está
procurando desviar a atenção do público e das autoridades para um suposto
embarque clandestino de areia monazítica861.

Pesava a favor da hipótese do almirante Otacílio o fato de que a cada tonelada de areia
monazítica se produzia apenas um quilo de tório, que era o material cobiçado na exploração
da monazita. Entretanto, como visto anteriormente, técnicos da SULBA instalaram máquinas
em Cumuruxatiba para a produção de tório. Isso significa que os contrabandistas desse
material, se realmente atuavam na região, não precisavam desviar areia, mas sim o tório já
beneficiado e, dessa forma, um submarino poderia realizar o transporte do material.
Afinal, não encontramos informações sobre a instauração de alguma investigação
sobre as suspeitas de contrabando de minérios atômicos. Tampouco algum ato de violência
contra os funcionários da SULBA se concretizou. Sobretudo, porque Hans Weber e os demais
técnicos responsáveis pela instalação das máquinas de produção de tório foram retirados da
região. A grande repercussão da história que os “homens louros” eram funcionários daquela
empresa acabou, inicialmente, ofuscando uma versão muito mais plausível do que teria
ocorrido em Alcobaça.
Já no dia 9 de julho, um dia após o encerramento das investigações da Marinha,
começaram a ser divulgadas notícias que apontavam que os “homens louros” talvez não
fossem louros, nem tivessem chegado a Alcobaça navegando em um submarino. Informações
publicadas no jornal Tribuna da Imprensa, cedidas por Tarquínio Medeiros, de Salvador,
diziam que eram espanhóis. Era uma versão um pouco estranha, que afirmava que eles tinham
“barbas postiças” e que haviam se recusado a dizer porque tinham desembarcado no Extremo
Sul da Bahia e a razão pela qual se esconderam nas matas862.
Naquele mesmo dia, os jornais Diário da Noite e Diário de Pernambuco publicaram
trechos de uma matéria que estava sendo preparada pelo repórter Luciano Carneiro863. Ele
esteve em Prado e Alcobaça, investigando o caso do suposto desembarque de estrangeiros e
os resultados de seu trabalho seriam publicados na revista O Cruzeiro. As investigações de
Luciano Carneiro foram fundamentais para esclarecer o episódio dos “homens louros de
Alcobaça”.
Carneiro estava em Salvador quando a Marinha despachou a equipe para investigar o
caso dos “homens louros”. Na ocasião, ele acompanhava as bailarinas Margot Fonteyn e Dalal

861
O JORNAL, ano XXXVIII, n° 11.924, Rio de Janeiro, 15 de jul. 1959, p. 6.
862
TRIBUNA DA IMPRENSA, ano XI, n° 2.885, Rio de Janeiro, 9 de jul. 1959, p. 1- 2.
863
DIÁRIO DA NOITE, n° 11.246 (1959), op. cit.; DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n° 154 (1959), op. cit.
266

Archar, bem como Roberto Arias, marido de Fonteyn. Pouco antes de embarcarem para o Rio
de Janeiro, o secretário da O Cruzeiro lhe telefonou, pedindo para que ele ficasse na Bahia e
procurasse “os homens louros”. Ele e o fotógrafo Jorge Audi pegaram um voo para Prado e,
de jipe, foram até Alcobaça864. O repórter afirmou que ao longo de suas investigações
entrevistou várias pessoas, entre as quais destacou as falas de José Tibiri, Rosalvo de Tal865,
Paulino de Oliveira, Domingos Torres Nascimento e Cantídio da Silva Gomes866. Os dois
primeiros eram pescadores, o terceiro um agricultor, o quarto um marceneiro e o quinto, um
estudante de 14 anos.
De acordo com Luciano Carneiro, em junho de 1959, várias pessoas de Prado e
Alcobaça haviam visto três pessoas desembarcarem de um barco que julgaram ser estranho.
No dia 19 daquele mês, o pescador José Lourenço da Silva, mais conhecido como “José
Tibiri”, informou ao delegado de Alcobaça, sargento Agenor Afonso Nogueira, que uma
pessoa estrangeira havia estado em uma estrada que levava à cidade. No dia 24 de junho, um
telegrama do coronel Bandeira de Melo, subchefe da 18ª Circunscrição de Recrutamento,
sediada em Ilhéus – o superior do delegado de Alcobaça – solicitou informações a respeito do
ocorrido. O Sargento Agenor Nogueira respondeu por meio de um telegrama:

Fui informado pescador José Tibiri que esteve na sua residência em


Alcobaça um indivíduo nacionalidade estrangeira procurando melhor barra.
Estava sem alimentação e água. Pescador prontificou-se levá-lo Prado, não
foi aceito desconhecido dizendo navio estar fora, nom, nom, nom. Estou
expectativa qualquer indivíduo estranho afim detê-lo867.

Após o esclarecimento, as autoridades locais e seus superiores, em Ilhéus, não


parecem ter dado muita atenção ao caso. Entretanto, tudo mudou após a nota da Marinha, do
dia 30 de junho, que informou o avistamento de um submarino desconhecido ao norte do
Arquipélago dos Abrolhos. Conforme a investigação de Luciano Carneiro, foi apenas após a
declaração da Marinha que as histórias sobre os “homens louros” começaram a circular. A
expressão teria sido dita ao delegado de Alcobaça pelos moradores locais. Aliás, José Tibiri,
havia denunciado a presença do estrangeiro. Pouco tempo após o anúncio da Marinha:

Um correspondente de jornal telegrafou então para Salvador. Três (ou


quatro) homens louros teriam descido e vindo até à praia, em botes de
borracha. O correspondente resumiu no despacho a impressão de que se

864
O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 41, Rio de Janeiro, 25 de jul. 1959, p. 4.
865
Expressão que indica o desconhecimento do sobrenome de alguém.
866
O CRUZEIRO, n° 41 (1959), op. cit., p. 4.
867
O CRUZEIRO, n° 44, Rio de Janeiro, 15 de ago. 1959, p. 98.
267

estava generalizando na terra: quem sabe, os “homens louros” podiam ser


muito bem tripulantes do submarino avistado pela Marinha. Pelo menos os
depoentes faziam, do “barco estranho”, uma descrição bem parecida com a
de um submarino.
Esse o estopim da explosão. O telegrama, interceptado em Ilhéus pelas
autoridades militares, não chegou a seu destinatário. No dia seguinte, a
companhia aérea Cruzeiro do Sul cortava seis passageiros lotado num avião
em trânsito, “por razões de segurança nacional”, e fazia seguir para
Caravelas, perto de Alcobaça, um oficial e quatro praças da Marinha e um
oficial de ligação da Polícia Estadual.
Foi quando a imprensa do País abriu a boca868.

O resultado disso foram todas as histórias apresentadas anteriormente. Conforme o


fragmento, uma das coisas que alimentou a imaginação de diversos repórteres foi a descrição
que os moradores locais fizeram da embarcação. O pescador Rosalvo, residente em Prado,
afirmou ter visto bem de perto “um navio diferente, todo fechado, de convés abaulado, cor de
ferrugem e apenas um mastro sem velas”869. O marceneiro Domingos Torres Nascimento
disse: “barco vermelho muito esquisito”870.
O periscópio de um submarino poderia ser confundido com um mastro sem vela por
alguém que nunca tinha visto uma dessas embarcações. O formato dessas belonaves é, de fato,
abaulado. Além disso, a cor vermelha poderia ser a ferrugem resultante do processo de
oxidação do metal do casco. Contudo, uma das pessoas entrevistadas disse algo diferente. O
agricultor Paulino Dias de Oliveira afirmou que o barco “tinha pano”871. Isso era um indício
de que a embarcação misteriosa tinha velas.
As coisas pareceram ainda mais estranhas após as falas do estudante Cantídio Gomes.
Foi ele quem encontrou o estrangeiro misterioso que desembarcou em Alcobaça. O homem
teria perguntado ao jovem estudante se ele falava português e se poderia dar informações
sobre o litoral. Essa situação é estranha e parece sugerir que o espanhol não sabia se estava de
fato no Brasil. Cantídio teria dito que falava português e que não sabia dar informações sobre
o litoral, mas que tinha um amigo que saberia e levou o estrangeiro até a casa de José
Tibiri872.
De acordo com a matéria publicada na revista O Cruzeiro, no dia 25 de julho de 1959,
três coisas chamaram a atenção do repórter Luciano Carneiro: 1) José Tibiri afirmou que o
estrangeiro dissera descender de espanhóis;2) Cantídio informou que o homem misterioso

868
O CRUZEIRO, n° 41 (1959), op. cit., p. 4.
869
DIÁRIO DA NOITE, n° 11.246 (1959), op. cit., p. 10.
870
O JORNAL, ano XXXVII, n° 11.920, Rio de Janeiro, 10 de jul. 1959, p. 5.
871
O JORNAL, n° 11.920 (1959), op. cit., p. 5.
872
Idem, idem.
268

falava “um português enrolado”; 3) Em Prado, o tenente Lindberg Campos da Silva, informou
que a embarcação misteriosa era um veleiro, do tipo “recreio”. Diante dessas informações,
Luciano Carneiro disse que lhe surgiu na mente “a grande suspeita”873.
No dia 1 de julho daquele ano, alguns jornais cariocas noticiaram a chegada ao Rio de
Janeiro dos portugueses José Rodrigues Belchior e Felismina Inês Rosa, e do espanhol Adrian
León Diaz. Eles haviam partido de Olhão, Portugal, a bordo do pequeno veleiro Natália Rosa,
no dia 1 de outubro de 1958, rumo a Dacar, no Senegal874. Em abril de 1959 eles partiram
para o Brasil875. Segundo afirmou, Luciano Carneiro se lembrou desse caso e retornou
imediatamente para Salvador e de lá pegou um voo para o Rio de Janeiro.
Conforme declarou, assim que chegou à redação da revista O Cruzeiro, disse: “– Onde
estão os portugueses? O “Natália Rosa” tem cor vermelha? O casal de portugueses e o
espanhol da tosca embarcação que atravessara o Atlântico teriam passado pela costa baiana
naquela época?”876. Ele havia resolvido o mistério, ou parte dele. Já no dia 9 de julho, no Rio
de Janeiro, ele os encontrou na “Casa de Portugal”, onde estavam hospedados. Segundo
informou: “Duas ou três perguntas respondidas trouxeram a resposta. Eram eles os homens
louros!”877.
Após entregar os resultados de sua investigação à redação da revista O Cruzeiro,
Luciano Carneiro concedeu algumas entrevistas, nas quais apresentou as suas hipóteses. À
equipe do Diário da Noite ele informou que:

1) disseram no litoral baiano que o “barco estranho” ou cor de ferrugem era


vermelho. O “Natália Rosa” é vermelho. 2) Divulgaram que o “estrangeiro”
que foi a Alcobaça usava “shorts” e túnica caqui, tinha barba, sede e fome.
Adrian, ao chegar a Alcobaça tinha um aspecto que corresponde,
exatamente, a tal descrição. Ele, hoje, já não usa barba, mas pode
testemunhar que a usava naquela ocasião. 3) Foi notificado, ainda, que um
dos “homens louros” havia sido interrogado sobre sua origem e que ele
respondera descender de espanhóis. Ora, Adrian não apenas descende de
espanhol: é espanhol ele próprio”878.

873
O CRUZEIRO, n° 41 (1959), op. cit., p. 10.
874
A viagem se iniciou com o casal José Rodrigues Belchior e Felismina Inês Rosa, e o também português José
Eduardo Guerreiro. Este último, porém, após sofrer com a viagem até Dacar resolveu abandonar a ideia da
travessia do Atlântico. Em Dacar, eles conheceram o espanhol Adrian León Diaz, que aceitou o convite para
fazer a viagem
875
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, ano XXX n° 11.234, Rio de Janeiro, 01 de jul. 1959, seção 2, p. 1-7.
876
O CRUZEIRO, n° 41 (1959), op. cit., p. 10.
877
Idem, idem.
878
DIÁRIO DA NOITE, n° 11.251 (1959), op. cit., p. 5.
269

Imagem 28: O Natália Rosa e seus tripulantes

Fonte: O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 41, Rio de Janeiro, 25 de jul. 1959, p. 10-11.

Na imagem à esquerda é possível ver, parcialmente, a embarcação que os estrangeiros


utilizaram para cruzar o Atlântico. Partindo do princípio de que a navegação era comum no
Extremo Sul da Bahia, sobretudo de pequenas embarcações, é difícil compreender o que os
moradores de Alcobaça teriam achado de estranho no formato do Natália Rosa. Até mesmo
seu formato não aparenta ser mais abaulado que o comum. Também é estranho o fato de o
pescador Rosalvo não ter percebido as velas do barco. Ainda que ele estivesse ancorado,
como na imagem acima, as dimensões reduzidas da embarcação as tornam muito visíveis.
Além disso, mesmo que as velas estivessem arriadas, as cordas que a sustentam permanecem
esticadas, denunciando a existência das velas.
Segundo a reportagem, Rosalvo viu o veleiro bem de perto e mesmo assim ele afirmou
não ter visto velas na embarcação. Entretanto, pode ser que Rosalvo não tivesse visto
diretamente o Natália Rosa, mas que estivesse reproduzindo o que lhe haviam dito. Sendo
pescador, Rosalvo devia estar acostumado a lidar com embarcações. Por isso, acreditamos que
se ele de fato tivesse avistado o Natália Rosa teria visto as velas ou, pelo menos, as armações
que as sustentavam.
Outro detalhe importante que se pode observar na Imagem 27, é que Adrian, José e
Felismina não eram loiros, nem eram três homens, como se afirmava em Prado e Alcobaça.
Talvez por isso, mesmo após os resultados das investigações de Luciano Carneiro terem sido
parcialmente divulgadas no dia 10 de julho, os esforços dos jornalistas continuaram se
270

concentrando na história de Hans Weber e seus companheiros da SULBA. Para tentar fechar o
caso, Carneiro empreendeu outra viagem à Bahia, levando consigo Adrian León Diaz.
Em Salvador, Luciano Carneiro localizou Hans Weber em um hotel e o entrevistou:

– Nunca usei barbas – disse o Sr. Hans Weber ao repórter. – Não fomos a
Alcobaça, este ano. Nem eu e nem o meu genro. E somos os únicos
estrangeiros de Cumuruxatiba, ao lado de nossas esposas.
Declarou ainda:
– O único barco que possuímos ainda não foi posto em uso. Adquirido há
pouco tempo, está sendo reparado.
Quanto à versão da Imprensa de que fossem da “Sulba” os homens louros
de Alcobaça, respondeu:
– Rimos muito da história. Não é verdadeira. Nem sequer passeamos de
barco este ano. Com que barco?879

Em seguida, Luciano e sua comitiva partiram para Prado. Em Cumuruxatiba, visitaram


a propriedade de Hans Weber, onde encontraram Ruth e seu marido, o holandês Hans Schicht.
No local eles também encontraram o barco da SULBA mencionado por Hans Weber.

Imagem 29: Hans Weber, Hans e Ruth Schicht e o barco da SULBA

Fonte: O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 44, Rio de Janeiro, 15 de ago. 1959, p. 97-98. Editadas.

Nos parece difícil crer que o termo “homens louros” tenham surgido sem que
houvesse uma referência correspondente a este perfil. Hans Weber e seu genro possuíam
cabelos claros, embora não seja possível identificar a coloração exata nas imagens acima
(Weber na fotografia da esquerda e Schicht na da direita, em destaque). Além disso, é preciso
destacar que na história difundida na região e divulgada nos jornais os “homens louros” eram
estrangeiros. Segundo Hans Weber, citado na reportagem de Luciano Carneiro, eles eram os

879
O CRUZEIRO, n° 44 (1959), op. cit., p. 98.
271

únicos estrangeiros em Cumuruxatiba. Dessa forma, possivelmente, eles eram dois dos
“homens louros” descritos na história.
Na imagem da direita também se pode ver, ao fundo, o barco mencionado por Hans
Weber. Seu formato era muito diferente do veleiro Natália Rosa, avistado por Rosalvo e
Paulino Dias Oliveira e Domingos Torres Nascimento. Além disso, o barco da SULBA não
possuía mastro ou qualquer suporte para velas e seu casco era predominantemente branco.
Certamente, não foi o barco da SULBA que os moradores de Prado e Alcobaça avistaram.
Após o encontro, Luciano Carneiro e sua comitiva partiram para Alcobaça, para que
Adrian pudesse refazer o caminho que havia trilhado no mês de julho (1959). Além da equipe
do repórter, seis moradores locais testemunharam os eventos que se seguiram à chegada da
equipe. Entre as testemunhas estava o delegado, Sargento Agenor Afonso Nogueira.

Na presença de seis testemunhas (...) – Adrian fez outra vez o percurso


que havia feito no dia 17 de [junho]. Disse onde encontrara o menor
Cantídio, no meio da estrada. Cantídio estava lá, escondido. E o reconheceu.
“Foi ele mesmo. Mas estava de barba”. Era verdade. Adrian havia cortado a
barba, mais tarde. Em seguida, sem que ninguém o orientasse, Adrian se
encaminhou, até a casa de José Tibiri. Para isso, precisava dobrar uma rua à
esquerda. Ele a dobrou. Encontrando fechada a casa de Tibiri, afirmou: “Foi
aqui que entrei. Havia na sala muitos santos pregados na parede da direita, e
um banco junto à parede da esquerda”. O delegado mandou que o dono da
casa aparecesse à janela. Era Tibiri. Confirmou: “Foi ele, sim”. A mulher de
Tibiri chegou-se e disse também: “Era ele, sim”. Através da janela se viam
os santos na parede direita da sala.

Durante a acareação, algumas fotografias foram capturadas e elas nos permitem


perceber certos elementos sociais da comunidade da praia de Quati, em Alcobaça.

Imagem 30: Acareação promovida pelo repórter Luciano Carneiro

Fonte: O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 44, Rio de Janeiro, 15 de ago. 1959, p. 98. Editadas.
272

A primeira fotografia, à esquerda, representa o encontro entre Adrian e o estudante


Cantídio, e teria sido capturada no local onde o espanhol havia desembarcado. Na segunda, ao
centro (de cima para baixo) chama a atenção as estruturas das casas da comunidade. Tanto os
telhados quanto as paredes eram feitas, aparentemente, com palhas, fixadas em uma estrutura
de madeiras entrelaçadas, o que parece ser uma adaptação da técnica de pau a pique.
Na terceira imagem (canto superior direito), que representa o caminho percorrido por
Cantídio e Adrian até a casa de José “Tibiri”, se pode notar um poste, possivelmente por onde
passavam os fios da rede de telégrafos. Na quarta (no centro, em baixo), algumas crianças e os
soldados da polícia local. É perceptível que a maior parte das pessoas dessa fotografia são
negras e, como visto na Seção I, a maioria da população de Alcobaça e também de Prado era
preta e parda, o que nos ajuda a entender o destaque que os “homens louros” receberam.
Finalmente, na última fotografia (canto inferior direito), Cantídio e Adrian, na
companhia do Sargento Agenor Nogueira, encontraram o pescador José “Tibiri”. Sua casa,
diferentemente das demais, possuía paredes feitas completamente de madeira. Talvez isso
indique que ele tivesse um padrão de vida melhor que o das pessoas que moravam nas casas
da segunda fotografia da Imagem 29. É possível que a sua profissão lhe rendesse certos
recursos financeiros, via venda de peixes ou que ele pudesse trocar os pescados por materiais
que precisava, como madeira para construção, numa espécie de economia baseada na troca
direta.
Essa reportagem produzida por Leonardo Carneiro, publicada no dia 15 de agosto de
1959, foi a última que encontramos sobre o caso dos “homens louros” que teriam aparecido
no litoral do Extremo Sul da Bahia. Talvez o repórter tenha conseguido o que queria, encerrar
definitivamente o caso ou que a imprensa apenas não se preocupava mais com o que quer que
tenha acontecido naquela região. Ou uma coisa levou à outra. Contudo, algumas coisas
ficaram inexplicadas.
Uma das reportagens afirmou que o Sargento Agenor Afonso Nogueira havia
apreendido um bote de borracha em uma praia de Alcobaça880. O bote supostamente continha
alguns mantimentos, mas não havia elementos de identificação. Aliás, conforme a nota
publicada pelo comando do 2º D. N., vista anteriormente, os militares que realizaram a
investigação da Marinha suspeitavam que ela teria sido a embarcação utilizada pelos “três
homens louros”. O proprietário do bote não foi encontrado e, considerando que o Natália

880
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, n° 11.239 (1959), op. cit., p. 1-2.
273

Rosa, e o barco da SULBA não eram de borracha, tampouco possuíam botes desse tipo, a
quem pertencia o bote de borracha?
Além disso, as suspeitas da população local sobre a realização de contrabando de
minério atômico foram ignoradas completamente nas explicações fornecidas por Luciano
Carneiro. Talvez ele, assim como o diretor da CNEN, Otacílio Cunha, tenha concluído que
essa acusação tenha sido apenas uma forma de os moradores locais justificarem sua
hostilidade contra a SULBA. Mas o tema “contrabando” seria retomado pouco tempo depois
do caso dos “homens louros”.
Por fim, possivelmente, as populações de Prado e Alcobaça tenham juntado a história
dos navegadores com a da presença dos técnicos da SULBA e a do submarino avistado pela
Marinha. Importante destacar que os dois primeiros foram denunciados, o primeiro à polícia e
o segundo à imprensa. Nesse sentido, talvez os moradores interpretaram os dois episódios
como uma ameaça. A primeira por se tratarem de desconhecidos e a segunda, por estarem
ocupando áreas importantes para a sobrevivência das pessoas da comunidade. Especialmente
as praias. As denúncias então podem ser interpretadas como frutos de um medo coletivo.
De acordo com Jean Delumeau, o medo, nas perspectivas individual e coletiva, é uma
reação àquilo que representa ou pode representar uma ameaça à nossa existência881.
Sobretudo, o medo tem objetos determinados882. Nesse sentido, as populações de Prado e
Alcobaça expressaram, no caso dos “homens louros”, três medos coletivos que pairavam
sobre seus imaginários sociais: os estrangeiros, os submarinos e a perda de recursos
necessários à sobrevivência.
Os estrangeiros eram desconhecidos e o desconhecido faz parte do que Delumeau
classificou como medo espontâneo, que se referem à morte, à incerteza, à perda e ao
desconhecido883. São espontâneos porque acometem naturalmente diversas pessoas de uma
sociedade. O submarino anunciado pela Marinha, por sua vez, pode ter despertado lembranças
dos ataques navais ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, este último
se trataria de um medo que se apresenta como uma construção histórica. De acordo com
Marilza Mestre, esse tipo de medo reconstrói “parte da sociabilidade vivida”884.

881
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009, p. 30-32.
882
Idem, p. 33.
883
Idem, p. 43.
884
MESTRE, Marilza. Medo e memória: emoção e sociabilidade do final do século XX (1950-2000). Interação
em Psicologia, v. 4, 200, p. 1-11. Disponível em: www.revistas.ufpr.br/psicologia/iss/. Acesso em: 10 de nov.
2021, p. 1.
274

Os agentes da SULBA, por sua vez, também teriam despertado um medo espontâneo.
As operações da empresa, conforme a denúncia feita aos jornalistas, estavam resultando na
derrubada de casas e na ocupação de partes das praias locais. Dessa forma, a companhia,
representada por seus funcionários, ameaçava diretamente a sobrevivência dos moradores
locais, que dependiam dos recursos naturais de suas localidades. Mas o caso dos “homens
louros” não foi o único no qual a figura dos submarinos apareceu no imaginário das pessoas
da região.

8.2 Um submarino misterioso em Belmonte


Entre maio e junho de 1961, o Extremo Sul da Bahia voltou a ocupar as páginas de
jornais de diversas partes do Brasil mais uma vez. Novamente, devido a uma história que
envolvia um submersível misterioso. Por volta das 10 horas da manhã do dia 12 de maio
daquele ano, três pescadores avistaram um submarino a cerca de 3 milhas (pouco mais de
5km) ao sul do farol da costa de Belmonte. Tal como no caso anterior, o avistamento do
submersível levou à mobilização de aviões da FAB e de embarcações da Marinha.
As primeiras notícias sobre o fato começaram a circular no dia 14 de maio, pouco após
a publicação de uma nota enviada à imprensa pelo almirante Fernando Carlos de Matos, que à
época comandava o 2° D. N. A nota dizia:

Recebi um telegrama de Belmonte, afirmando o aparecimento de um


submarino nas águas do litoral baiano, segundo o depoimento de um
pescador. Comuniquei o fato às autoridades do Rio, e aos Distritos Navais
próximos do Rio e de Recife, mas não pedi providência nenhuma, mesmo
porque, enviarei ainda, um oficial à localização, pois o pescador, homem de
pouca instrução, provavelmente, se tenha enganado885.

O pescador denunciante se chamava Natanael Paulo dos Santos que, de acordo com
uma matéria publicada no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, pescava ao largo da costa em
companhia de Osvaldo Cândido e Nonato José dos Santos. Por volta das 10 horas da manhã,
eles teriam visto surgir das águas “uma torre cinzenta, com uma chaminé grande”886. O
submarino teria ficado pouco tempo à vista dos pescadores. Assustados, eles retornaram
imediatamente para Belmonte e comunicaram o avistamento a Manoel Andrade, agente da
Capitania dos Portos, que lhes teria pedido sigilo sobre o ocorrido. Foi Manoel Andrade que
informou o avistamento do submersível ao comando do 2º D. N.

885
CORREIO PAULISTANO, ano 107, n° 32.252, Rio de Janeiro, 16 de mai. 1961, p. 14.
886
A NOITE, ano L, n° 15.732, Rio de Janeiro, 19 de mai. 1961, p. 4.
275

Apesar do pedido do agente da Capitania dos Portos, a notícia logo se espalhou entre
os pescadores locais. É compreensível que isso tenha ocorrido, pois mais uma vez algo se
apresentava como uma ameaça a uma das comunidades da região, visto que a pescaria era a
fonte de renda e de subsistência de muitas pessoas da região. Além disso, outros pescadores
belmontenses parecem ter percebido que havia algo estranho no mar.
Conforme a matéria do A Noite, Oton da Silva, líder de uma das colônias de pesca de
Belmonte, que também havia estado na área onde o submarino teria sido avistado, declarou:
“Eu chamei a atenção do pessoal ontem para um cheiro muito forte de óleo queimado a noite
toda”887. A resposta dada pelos colegas a Oton teria sido: “Nóis sentiu catinga de óleo noite
dentro”888. Dificilmente essas informações teriam ficado em segredo.
Após ouvir Natanael, o almirante Fernando Carlos de Matos concluiu,
preliminarmente, que ele poderia ter confundido uma baleia com um submarino. Após o
interrogatório, o oficial emitiu as seguintes declarações:

“Porque o submarino, se for mesmo um submarino, (o pescador podia ter-se


engando), foi avistado a três milhas da costa, onde o mar é de todo o
mundo”.
“- Daí a razão de não se fazer caça de espécie alguma a ele, porque o oceano
está aberto a quem desejar nele navegar. Se vier para as águas do continente,
aí sim, as autoridades dos nossos Distritos Navais saberão o que fazer, pois
têm instruções a respeito”.
- “Poderá ser de qualquer nacionalidade, porque daquela altura não estava
transgredindo nenhuma lei. Tanto poderia ser de procedência americana ou
de outra qualquer”889.

A dúvida do almirante pode ter surgido da declaração de Valdemar Paiva, líder de


outra colônia de pescadores de Belmonte, que teria afirmado que baleias costumam ser vistas
na área e que quando flutuam com dorso submerso mostram a barriga cinza890. De fato, como
visto anteriormente, baleias são avistadas todos os anos no Extremo Sul da Bahia. Por serem
comuns, os pescadores locais estão acostumados a vê-las e, por isso, acreditamos que,
dificilmente, as confundiriam com outra coisa.
Além disso, a expressão utilizada por Natanael e seus companheiros, “torre e
chaminé”, é muito significativa. Ora, a saliência superior de um submarino recebe mesmo o
nome de torre e a palavra “chaminé” pode ter sido a forma que eles encontraram para
descrever o periscópio da embarcação. Como o próprio almirante afirmou, Natanael Paulo dos

887
A NOITE, n° 15.732 (1961), op. cit., p. 4.
888
Idem, idem.
889
DIÁRIO DA NOITE, ano XXXVI, n° 11.134, São Paulo, 15 de mai. 1961, p. 2.
890
TRIBUNA DA IMPRENSA, ano XIII, n° 2.443, Rio de Janeiro, 15 de mai. 1961, p. 5.
276

Santos era uma pessoa de pouca instrução escolar e, talvez, a palavra “periscópio” não fizesse
parte de seu vocabulário, nem dos seus companheiros. Sobretudo, baleias não possuem
saliências em seus abdomens que possam ser confundidas com torres ou chaminés.
Além disso, já no dia 15 de maio surgiram informações que a tripulação do navio
petroleiro Paraná havia interceptado uma transmissão de rádio estranha nas proximidades de
Belmonte, que poderia ser do submarino avistado pelos pescadores891. No dia seguinte, o
Capitão de Mar e Guerra Átila Rodrigues Novais, chefe do Estado Maior da Marinha,
confirmou que os pescadores de Belmonte realmente haviam avistado um submarino, mas que
ele devia estar navegando em águas internacionais892. A essa altura, navios da Marinha e
aviões da Aeronáutica patrulhavam o litoral Extremo Sul da Bahia em busca do submersível
misterioso893.
No dia 17 de maio começou a circular outra informação que alarmou as autoridades
militares brasileiras. O piloto e a tripulação de um avião DC-4, da companhia Lóide Aéreo,
avistaram um submarino entre os litorais de Alcobaça e Caravelas. Ao perceber a embarcação,
o piloto fez voos circulares para tentar identificar a sua procedência por cerca de 4 minutos,
mas, aparentemente, a tripulação do submersível percebeu as manobras e a embarcação
submergiu. O avistamento ocorreu no mesmo dia que os pescadores de Belmonte avistaram
um submarino (12 de maio), por volta das 15h45min, levando as autoridades a crerem que
poderia se tratar do mesmo submersível894.
Em resposta, um avião P-15895 foi enviado para a região, com a missão de patrulhar o
litoral que se estendia de Belmonte até Caravelas. Conforme matéria publicada no jornal
Correio da Manhã, a ordem era atacar e afundar o submersível, caso sua tripulação não
atendesse aos comandos da patrulha896. Contudo, a embarcação não foi localizada e uma

891
A NOITE, ano L, n° 15.728, Rio de Janeiro, 15 de mai. 1961, p. 1.
892
Atualmente, o limite territorial de um país com saída para o mar se estende até 12 milhas náuticas (22 km),
após sua costa. Esse limite foi determinado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em
acordo celebrado no ano de 1982, na Jamaica. O acordo entrou em vigor apenas em 1995. Além dessa faixa,
existe também a chamada Zona Econômica Exclusiva, que se estende por 200 milhas, a partir da costa, área na
qual um país possui o direito de exploração exclusiva dos recursos econômicos existentes, como pescados, gás
natural, petróleo, dentre outros. Na época do avistamento do submarino próximo a Belmonte, a distância na qual
ele foi avistado já era considerada como águas internacionais.
893
O JORNAL, ano XXXIX, n° 12.330, Rio de Janeiro, 16 de mai. 1961, p. 3.
894
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, ano 136, n° 111, Recife, 17 de mai. 1961, p. 1.
895
Tratava-se do Lockheed 26 (p2V-5/P-15) – Neptune. Possuía capacidade para 7 tripulantes e era empregado
em missões de patrulha naval, localização e destruição de submarinos. Seu alcance era de 5.696km e podia ser
armado com até 3.629kg de bombas em compartimento interno e até 907kg de bombas e 16 foguetes sob as asas.
A Força Aérea Brasileira utilizou 14 aviões desse modelo, entre 1959 e 1976. Cf. informações disponíveis no
site https://www2.fab.mil.br/musal/index.php/aeronaves-em-exposicao Acessado em: 22 de set. 2021.
896
CORREIO DA MANHÃ, ano LX, n° 29.902, Rio de Janeiro, 17 de mai. 1961, p. 3.
277

história estranha começou a ganhar espaço em alguns jornais do país, ligando o aparecimento
do submarino misterioso à caçada internacional aos criminosos nazistas foragidos.
Em 1960, Otto Adolf Eichmann foi capturado na Argentina, por agentes do serviço
secreto israelense. Havia suspeitas de que outros membros do partido nazista, acusados de
crimes de guerra, também estivessem na América do Sul. Nesse contexto, as edições carioca e
paranaense do jornal Última Hora publicaram uma matéria com a hipótese que se segue
abaixo, para explicar o aparecimento do submarino misterioso na costa de Belmonte:

Como é do conhecimento geral, logo após a sensacional caça e prisão do


monstro nazista Eichmann, na Argentina, apareceu nas águas daquele país
vizinho um misterioso submarino, que, mais tarde, se apurou ser de
nacionalidade israelense e ter a incumbência de transportar Eichmann para
Israel. Entretanto, com o alarme, o submarino, desapareceu misteriosamente.
Eichmann acabou sendo levado de avião. Agora, como o sinistro Martin
Bormann, está sendo insistentemente procurado em nosso País, pelas
autoridades israelenses, presume-se que a belonave aparecida ao sul do farol
de Belmonte fosse também daquele país e estivesse ali com a finalidade de
apanhar o monstro nazista897.

Por mais estranha que pudesse ser, a hipótese fazia sentido naquele contexto, mas
embora não se soubesse à época, Bormann havia morrido em maio de 1945, quando tentava
escapar da Alemanha. Mas seus restos mortais só foram encontrados em 1973. Outro
criminoso nazista procurado à época era Josef Mengele. Curiosamente, ele estava na
Argentina até 1959, quando então fugiu para o Paraguai e, em 1960, para o Brasil. Mengele
faleceu em Bertioga, no litoral de São Paulo, em 1979. Contudo, sua história só veio a público
em 1985.
Nesse ponto é que o caso do submarino misterioso se liga à Segunda Guerra Mundial
no Extremo Sul da Bahia. No dia 23 de maio de 1961, os jornais Correio da Manhã e Luta
Democrática publicaram matérias informando que jornalistas do A Tarde, da Bahia, haviam
estado em Belmonte, onde entrevistaram Abiah Elizabeth Reuter898.

A reportagem do jornal baiano "A Tarde", localizou e entrevistou a


fazendeira alemã Abiah Reuter, que era acusada por seus vizinhos de ocultar
em sua propriedade uma autoridade nazista, possivelmente o procurado dr.
Mengele. As denúncias acrescentam que tal homem misterioso aparecera
desde o advento do submarino não identificado, em Belmonte.

897
ÚLTIMA HORA, ano X, n° 2.799, Paraná, 15 de mai. 1961, p. 7; ÚLTIMA HORA, n°3.341 (1961), op., cit.,
p. 11.
898
CORREIO DA MANHÃ, ano LX, n° 20.907, Rio de Janeiro, 23 de mai. 1961, p. 1; LUTA
DEMOCRÁTICA, ano VIII, n° 2.237, Rio de Janeiro, 23 de mai. 1961, p. 1-2.
278

A sra. Abiah Reuter, sem esperar a visita da reportagem, foi logo dizendo
que era inútil procurar ali o chefe nazista, que as policias do mundo estão
caçando, o que pareceu à reportagem que a referida senhora sabe de algo.
A Fazenda Mogiquiçaba é situada em uma ilha cercada de recifes que
impossibilitaria a aproximação de um grande submersível, restando apenas a
possibilidade de eventuais tripulantes desembarcados utilizarem pequenas
canoas para chegar àquele local.
À entrevista desviou a atenção dos repórteres denunciando a existência de
contrabando na localidade de Prado, dizendo ainda que em seus domínios, a
fazenda Mogiquiçaba não oculta brasileiros ou estrangeiros egressos da
Justiça, mas apenas plantadores de piaçava e cocos.
Sempre que os jornalistas falavam do dr. Mengele, a sra. Abiah Reuter
dizia não "saber de sua participação e importância na Grande Guerra", não
deixando, entretanto, de mostrar simpatia pelo aludido chefe nazista899.

Mais uma vez, Abiah Reuter parecia estar no centro das atenções da população de
Belmonte. Novamente, boatos a seu respeito tentavam explicar algo que os habitantes do
município não compreendiam. Nesse sentido, tal como no período da Segunda Guerra
Mundial, “submarino” foi a palavra-chave capaz de dar sentido àquele estranho evento
presenciado pelos três pescadores belmontense. De forma semelhante ao ocorrido no período
do conflito, Abiah, uma estrangeira, foi vista como uma ameaça potencial para a comunidade
local.
Mais uma vez, conforme se pode interpretar a partir da reportagem, a guerra apareceu
como uma reminiscência no imaginário das pessoas locais e o submarino misterioso foi o
elemento responsável pela ativação dessa lembrança. Conforme Jacques Le Goff, a memória,
nos permite atualizar as impressões ou informações passadas900. Nesse sentido, se as
informações da reportagem forem corretas, a ligação que as pessoas locais estavam fazendo
entre Abiah e Mengele era uma espécie de atualização do passado.
Contudo, é preciso destacar que o tom dado ao texto citado soa como algo
sensacionalista. Não foi, por exemplo, apresentada nenhuma evidência de que Abiah nutria
alguma simpatia por Josef Mengele. Aparentemente, o repórter estava sendo preconceituoso,
utilizando a ascendência germânica de Abiah Reuter como um elemento cabal de ligação
entre os dois.
Outra coisa que chama a atenção na matéria produzida pelo A Tarde, é que o
correspondente que a redigiu a remeteu de Porto Seguro, mas havia serviços de correios e
telégrafos em Belmonte. Por que o envio foi feito em Porto Seguro? Será que as suspeitas,
supostamente levantadas pelos vizinhos de Abiah, se difundiram para os municípios vizinhos?

899
LUTA DEMOCRÁTICA, n° 2.237 (1961), op. cit., p. 1-2.
900
LE GOFF (2013), op. cit., p. 387.
279

Será que foi dessa forma que chegou ao conhecimento do correspondente do A Tarde? Ou ele
sequer esteve em Belmonte e compôs a matéria apenas por meio dos boatos que teria
escutado?
Independentemente das afirmações feitas contra Abiah, é significativo que diante da
presença do submersível misterioso e da ausência de explicações, a população local tenha,
aparentemente, recorrido às lembranças da guerra para dar sentido ao que havia ocorrido.
Reacendeu-se, dessa maneira, não apenas a memória do conflito mas, de certa forma, o medo
do outro, representado por Abiah Reuter. Mais uma vez, os estrangeiros aparecem como
elemento determinado no que tange ao medo gerado pelos impactos do conflito na região.
Outra coisa muito significativa na matéria é a menção a um suposto contrabando
cometido por Abiah, supostamente, em Prado. Como visto no caso dos “homens louros”, as
populações de Prado e Alcobaça disseram aos investigadores da Marinha que havia
contrabando de minérios atômicos na região. Aliás, em 1959, o prefeito de Alcobaça, José
Nunes, deu uma declaração muito interessante a uma equipe do jornal Correio da Manhã.
Segundo a matéria:

O sr. José Nunes fez ver que o contrabando é de perfumes, canetas, roupas
prontas de homens, roupas íntimas, nylon, coisas que se encontram à venda
em Salvador. E revelou que o contrabando não se destina apenas à Bahia,
mas também a Minas Gerais. Os contrabandistas sobem os rios Mucuri,
Peruípe, Itanhém, Jucuruçu, Buranhém, que são povoados do território
mineiro901.

Embora o prefeito de Alcobaça não tenha se referido ao contrabando de minérios


atômicos, a denúncia que ele fez é muito relevante. Mas conforme ele mesmo havia
desabafado à equipe do Correio da Manhã, a despeito das várias denúncias, as autoridades
estaduais não pareciam se preocupar com a ação de contrabandistas naquela localidade. Dessa
forma, o avistamento do submersível misterioso no litoral de Belmonte possibilitou a
retomada do tema.
Aliás, pouco tempo após a aparição daquele submarino, outra dessas embarcações foi
avistada na região. No dia 27 de julho de 1961 surgiram mais notícias de avistamento de
submarino no Extremo Sul da Bahia. Dessa vez, não foi a Marinha que informou à imprensa o
ocorrido, mas a Aeronáutica, por meio de uma nota emitida pelo Estado Maior da instituição.
Conforme a nota:

901
CORREIO DA MANHÃ, n° 20.335 (1959), op. cit., p. 12.
280

Estamos informados de que o piloto do avião PP-NAB, da Companhia


Navegação Aérea Brasileira, acha ter avistado um submarino, no dia 25 [de
julho], às 11h40m, ao largo do litoral da Bahia, entre Porto Seguro e
Belmonte. Ao perceber a aeronave, submergiu. A FAB determinou fosse
precedida busca na região indicada. O EMA [Estado Maior da Aeronáutica]
depois de esclarecer não haver submarino algum da Marinha Brasileira, na
área, indicada, determinou ao comandante do 2º Distrito Naval, que fossem
tomadas todas as providências, para a elucidação do assunto902.

Novamente, a suspeita de um submergível navegando na região deixou a Marinha e a


Aeronáutica em estado de alerta. Foi a terceira vez que isso ocorreu em um espaço de dois
anos e, de pouco mais de dois meses entre os dois últimos episódios. Os jornais A Noite,
Correio da Manhã, Correio Paulistanos e Diário Carioca publicaram matérias a respeito903.
O teor das notícias veiculadas por esses periódicos é o mesmo, mas uma observação na
reportagem do A Noite chama a atenção: “O local é o mesmo onde há tempos, outro
submarino foi avistado, ocasião em que surgiu a hipótese de que estaria o submersível a
serviço de contrabandistas”904.
Notícias de contrabando naquela área da região, envolvendo também localidades
mineiras, são veiculadas desde o século XVIII, quando já despertavam a atenção das
autoridades políticas e militares905. A propósito, um dos objetivos da criação da comarca de
Porto Seguro, na segunda metade do século XVIII, era combater esse tipo de comércio. As
tentativas de contê-lo parecem nunca terem sido eficientes.
Após o avistamento de mais um submarino misterioso, e Estado Maior da Marinha,
mais uma vez, informou que não possuía nenhuma dessas embarcações navegando na região.
Dessa forma, se o piloto do avião civil de fato avistou um submersível, ela não seria
brasileira. De acordo com a informação divulgada pelo Correio da Manhã, aviões P-15 da
Aeronáutica foram enviados para patrulhar o local, mas não há notícias de que o tenham
localizado906.
Esse ocorrido foi a última vez que a imprensa brasileira publicou casos de
aparecimento de submarinos misteriosos no Extremo Sul da Bahia. Ao menos que tenhamos
encontrado. Entretanto, não foi a última vez que essas embarcações suscitaram a imaginação
das pessoas da região.

902
A NOITE, ano L, n° 15.791, Rio de Janeiro, 27 de jul. 1961, p. 5.
903
A NOITE, n° 15.791 (1961), op. cit., p. 5; CORREIO DA MANHÃ, ano LXI, n° 29.961, Rio de Janeiro, 27
jul. 1961, p. 7; CORREIO PAULISTANO, ano 108, n° 32.314, Rio de Janeiro, 27 de jul. 1961, p. 2; DIÁRIO
CARIOCA, ano XXXIV, n° 10.141, Rio de Janeiro, 27 de jul. 1961, p. 1.
904
A NOITE, n° 15.791 (1961), op. cit., p. 5.
905
Ver: SILVA (2021), op. cit., p. 43-44.
906
CORREIO DA MANHÃ, n° 29.961 (1961), op. cit., p. 7.
281

8.3 A comunidade Mato Grosso e o túnel para os submarinos em Prado


Em novembro de 1976, um grupo de jovens paulistanos adquiriram um terreno a cerca
de 40 quilômetros ao norte da cidade de Prado. A área, de 400 mil mt2, foi adquirida, segundo
nos informou Fernando Pereira de Azevedo, um dos compradores, em troca de: “um fusca,
um pouco de dinheiro, um rádio, uma máquina fotográfica e outros objetos”907. No local, em
janeiro de 1977, eles montaram uma comunidade alternativa que recebeu o nome de Mato
Grosso. Os integrantes da comunidade eram, em sua maioria, professores, músicos e
estudantes universitários e secundaristas de São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda conforme
Fernando Pereira de Azevedo, o objetivo daqueles jovens era “criar um novo mundo”908.
A forma como a propriedade foi adquirida nos fornece um indício de como as relações
comerciais eram – ou poderiam ser – travadas no interior do município de Prado. Os
moradores locais, que viviam em torno da comunidade Mato Grosso, eram indígenas ou
descendentes de indígenas, que dependiam da pesca e de outras atividades extrativistas para
subsistir. De acordo com Fernando de Azevedo, circulava pouco dinheiro entre os moradores
locais e as mercadorias eram adquiridas por meio de trocas diretas ou por prestação de
serviços. Ferramentas de metal, como machados e facões eram repassados aos filhos como
herança909.
Conforme nos relatou Fernando Pereira de Azevedo, uma das coisas que mais lhe
chamou a atenção foi a religiosidade dos moradores locais que viviam em torno da
comunidade Mato Grosso. Segundo relatou, era uma mistura de catolicismo com elementos
indígenas. “Cada casa tinha um altar com imagem de santos”910. Esse relato, em particular, é
semelhante a uma fala do espanhol Adrian Diaz, do caso dos “homens louros” de Alcobaça.
Quando retornou à praia de Quati, junto ao repórter Luciano Carneiro, ao se referir à casa do
pescador José “Tibiri”, Adrian afirmou: “havia na sala muitos santos pregados na parede da
direita e um banco junto à parede da esquerda”911.
Outra coisa que marcou profundamente a memória de Fernando Pereira de Azevedo
foi a relação “intensa” entre a vida e a morte naquela comunidade de pescadores. Segundo nos
disse, uma parteira local, chamada popularmente de Dona Neném, lhe afirmou ter ajudado a
nascer mais de “500 meninos”. Embora muitas crianças nascessem, as mortes também eram

907
AZEVEDO (2021), op. cit.
908
Idem, idem.
909
Idem, idem.
910
Idem, idem.
911
O CRUZEIRO, n° 44 (1959), op. cit., p. 98
282

frequentes, sobretudo as “de bebida”, “de frio”, as causadas por “rixas” entre famílias e as
causadas por discussões nos “babas”, como eles chamavam as partidas de futebol912.
De forma especial, as “mortes de frio” pareciam ter um ritmo sazonal. Conforme
relatou Fernando de Azevedo: “Em tempo frio, velhos e crianças morriam”913. De acordo com
a própria interpretação do entrevistado, isso estava ligado, sobretudo, à estrutura das casas dos
moradores daquele lugar, “feitas de madeira e palha”, cujas portas e janelas tinham
“dobradiças de couro” e eram fechadas com “trancas também de madeira”914. Esse mesmo
modelo pode ser observado nas fotografias capturadas pela equipe do repórter Luciano
Carneiro, na praia de Quati, vistas anteriormente.
Os jovens paulistanos e cariocas conviveram de forma muito próxima com os
moradores locais. Arquiteto, Fernando Pereira de Azevedo nos relatou que até hoje tem como
referência para seus trabalhos algumas das técnicas de construção ensinadas pelos nativos. As
relações comerciais entre os dois grupos também eram fortes. Além disso, nesse período, os
jovens acolheram muitos viajantes que por lá passaram, vindos tanto de outras partes da Bahia
quanto de fora do estado.
Apesar da proximidade, de acordo com Fernando Pereira de Azevedo, a comunidade
local nunca compreendeu muito bem o que aqueles jovens faziam naquela área. Segundo nos
relatou, vez ou outra, algumas pessoas entravam na casa onde os jovens moravam, durante
noite, e os observavam por longos períodos de tempo, sem pronunciar uma única palavra e,
depois, simplesmente iam embora. Inicialmente, apesar de estranharem a atitude, os
integrantes da comunidade Mato Grosso parecem ter interpretado aquilo como um costume
local, uma forma daquelas pessoas tentarem conhecê-los melhor e compreender seus
objetivos. Contudo, essas visitas noturnas deixavam claro que os jovens eram vistos como um
elemento estranho naquela localidade.
Em um domingo, no final de 1977, 15 dos jovens da comunidade Mato Grosso foram
jogar futebol em Corumbau, distante cerca de 12km ao norte de onde eles moravam. Segundo
nos informou Fernando de Azevedo, o “baba” durou a tarde toda e, no início da noite, eles
retornaram. Quando chegaram à comunidade, havia viaturas da polícia os aguardando e todos
os 15 jovens que participaram da partida de futebol foram detidos e conduzidos a Ilhéus, para
serem interrogados. Ficaram detidos cerca de uma semana. Durante os interrogatórios o

912
AZEVEDO (2021), op. cit.
913
Idem, idem.
914
Idem, idem.
283

motivo da detenção foi revelado. Os moradores locais os haviam denunciado às autoridades


policias, acusando-os de serem: “traficantes, terroristas ou comunistas”915.
De forma especial, a menção “terrorista” deve ter alarmado as autoridades policias,
pois entre 1967 e 1974, em Goiás, havia ocorrido a Guerrilha do Araguaia. Embora o núcleo
central da comunidade Mato Grosso fosse formado por cerca de 15 indivíduos, pelo menos
150 pessoas passaram pela comunidade e isso deve ter assustado os habitantes locais.
Possivelmente, o temor de que algo semelhante pudesse estar sendo organizado no município
de Prado levou os policiais locais a informarem seus superiores, em Ilhéus, que enviaram
agentes e viaturas para detê-los.
Mas além das desconfianças mencionadas, outra nos chamou a atenção: a história
sobre um “túnel” de submarinos. Conforme nos relatou Fernando Pereira de Azevedo:

Eles achavam que a noite a gente cavava um buraco para abastecer


submarinos. De onde eles tiraram isso eu não sei! Não existia um buraco, a
gente morava próximo da praia, mas não na praia. Um lugar que os ‘caras’
não sabiam nem que tinham outras línguas, não sabiam que tinham países
diferentes. Não era difícil eles acreditarem que a gente realmente poderia
estar ajudando um submarino. Talvez alguém assistiu algum filme e entrou
na história. Bom, pode ter alguma realidade também, eu não consigo
imaginar (...)916.

Mais uma vez, os submarinos apareceram como um elemento capaz de dar sentido a
algo que não se conseguia compreender, mas que precisava ser explicado. Em outro momento
da entrevista, Fernando nos disse: “O imaginário é algo realmente coletivo, as histórias eram
contadas e se misturava às histórias”917. Em seguida, nos contou uma dessas histórias e a
relacionou com o suposto túnel dos submarinos:

Quando eu já estava morando em Porto Seguro, eu soube de um episódio de


um ‘cara’ que estava atravessando o Rio dos Frades, com um jegue, e um
cação918 entrou e comeu esse jegue. E um pescador pegou – de Porto Seguro,
um tal de “Japonês”, foi um cara que ensinou técnicas de pesca para os
próprios porto-segurenses –, pegou esse cação que tinha um pedaço do jegue
na barriga. Isso é história que eu escutei aqui, “estória” com ‘e’ mesmo,
porque essa mesma história eu escutei no Caí [no município de Prado], eu
escutei em Caraíva [distrito de Porto Seguro], eu escutei mais ao norte.
Então, as histórias estavam no imaginário. É um filme que passou naquela
região e era contado e não tinha muita certeza. Então essa questão do apoio

915
AZEVEDO (2021), op. cit.
916
Idem, idem.
917
Idem, idem.
918
Termo genérico usado para se referir a diferentes espécies de peixes cartilaginosos, aos quais pertencem os
tubarões e raias.
284

ao submarino que aconteceu aqui, 40 anos antes fazia parte do repertório.


Então a gente podia ser aqueles loiros, aqui ninguém tinha visto um loiro de
olho azul!919

Essas falas têm três coisas muito significativas para nosso trabalho. Primeiro, elas
indicam algo que afirmamos anteriormente, que havia algumas histórias que estavam
presentes no imaginário social das pessoas da região, repassadas via da tradição oral.
Segundo, há uma referência ao caso de Abiah Reuter (apoio ao submarino que aconteceu
aqui, 40 anos antes). Terceiro, a referência ao fenótipo de alguns dos jovens paulistanos nos
faz remeter ao caso dos “homens louros” de Alcobaça, ocorrido 17 anos antes da chegada dos
jovens paulistanos e cariocas. A praia de Quati, onde os “homens louros” teriam
desembarcado, fica distante pouco mais de 50km ao sul do local onde ficava a comunidade
Mato Grosso, uma distância relativamente próxima. A presença dos jovens paulistanos pode
ter ativado a lembrança dos moradores locais sobre o episódio dos “homens louros”.
Apesar do episódio, a comunidade dos jovens paulistanos continuou a existir, mas o
estranhamento passou a ser recíproco. Contudo, as trocas de experiências e as relações
comerciais se mantiveram. Mas a partir de 1979 a comunidade entrou em declínio. A área que
os paulistanos haviam adquirido não era muito propícia para a agricultura. Além disso
ocorreram alguns incidentes com os pescadores nativos. Por fim, dificuldades nas relações
comercias dificultaram a experiência dos jovens paulistanos e cariocas.
Mas um fator determinante para o esvaziamento da comunidade foram as
preocupações relacionadas à gravidez de algumas das mulheres que integravam o núcleo
central da comunidade. Essa foi uma das questões que levaram Fernando de Azevedo e sua
companheira à época, Reni, a se mudarem para Porto Seguro920. Em 1982, cinco anos após
sua fundação, a comunidade Mato Grosso chegou ao fim. Alguns de seus integrantes, a
exemplo de Fernando e Reni, permaneceram no Extremo Sul da Bahia e outros voltaram para
seus locais de origem.

919
AZEVEDO (2021), op. cit.
920
Idem, idem.
285

CAPÍTULO 9
OS EX-COMBATENTES DO EXTREMO SUL DA BAHIA

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,


mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e
ideias de hoje, as experiências do passado921.

Ecléa Bosi

Foi muito difícil encontrar registros das pessoas do Extremo Sul da Bahia que foram
convocadas para o serviço militar, durante a Segunda Guerra Mundial. Tanto daqueles que
integraram a FEB, quanto dos que atuaram na defesa litorânea. As convocações geralmente
eram publicadas nos jornais locais, mas à exceção de Belmonte, as demais cidades da região
não possuíam esse tipo de periódico na época do conflito. Em 2019, visitamos Associação de
Ex-Combatentes do Brasil (seção Bahia) e a Associação Nacional dos Veteranos da Força
Expedicionária Brasileira (AVFEB, seção Bahia), em Salvador, mas nem mesmo nelas
conseguimos encontrar informações a esse respeito.
Entramos em contato com o Arquivo Histórico do Exército (AHEX) e nos foi
informado que não há uma relação dos convocados da FEB com a designação dos locais de
origem dos convocados. Existe, no entanto, a lista geral das pessoas que foram enviadas para
a Itália, com a identificação das unidades nas quais combateram. Contudo, a lista só pode ser
consultada presencialmente e, devido à pandemia da Covid-19, não foi possível ir ao Rio de
Janeiro para consultar as fontes disponíveis no AHEX.
De forma geral, todos os ex-combatentes da região que conseguimos identificar nos
foram indicados pelas pessoas que entrevistamos ou por informações cedidas pelos familiares
dos ex-combatentes. Recentemente, encontramos o site Banco de Dados da FEB922, que reúne
dados relativos à naturalidade, regimento, patentes, datas de embarque e retorno dos soldados
ao Brasil, entre outras informações. Por meio desse site conseguimos encontrar informações
sobre as unidades dos soldados convocados no Extremo Sul da Bahia. Outra fonte de
informações importantes sobre os combatentes da região foi o Boletim Oficial de Belmonte.

921
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 55.
922
Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021. O
projeto é uma iniciativa de Gustavo Buffé, em parceria com os blogs Almanaque Militar e Paraná Militar, com o
Museu da Vitória – Brigadeiro Nero Moura e com as páginas virtuais V de Vitória e Segunda Guerra Mundial
Por um Novo Ângulo e conta com a colaboração de pesquisadores independentes.
286

De forma geral, a Bahia forneceu 686 soldados à Força Expedicionária Brasileira, o


que correspondeu a cerca de 2,94% do efetivo enviado para a Europa923. Destes, identificamos
algumas pessoas do Extremo Sul da Bahia. Além disso, encontramos indícios que mostram
que algumas pessoas da região atuaram no patrulhamento do litoral da Bahia.
Após a guerra, os soldados do Extremo Sul baiano retornaram para seus municípios de
origem. Parte de suas histórias sobreviveram, sobretudo, por meio da oralidade,
transformando essas pessoas em elementos muito importantes da memória regional sobre a
guerra. Neste capítulo, tentamos reconstituir um pouco de suas trajetórias pessoais. Contudo,
infelizmente as informações disponíveis são muito reduzidas.
Embora pouco celebrada, em termos cívicos, a memória desses ex-combatentes
sobreviveu ao tempo. Ela foi guardada e propagada, sobretudo por seus familiares, mas
também pelas pessoas que os conheceram e conviveram com eles. Partimos do princípio de
que a convivência com os veteranos fez com que suas histórias se espalhassem pela região,
fazendo com que eles se transformassem em um importante elemento da guerra no Extremo
Sul da Bahia.
Geralmente, conforme os relatos dos familiares, nenhum dos ex-combatentes
gostavam de falar sobre o seu período de serviço militar. O silêncio dessas pessoas diante de
seus familiares não foi uma exclusividade dos ex-combatentes do Extremo Sul da Bahia. De
acordo com Cesar Campiani Maximiano, “os expedicionários passaram por situações difíceis
e constrangedoras no pós-guerra”, sendo comumente vistos como “neuróticos” ou
“encrenqueiros”924. Por isso, de forma geral, eles não conseguiam relacionar suas experiências
de combate com o restante da população brasileira.
Por outro lado, durante as reuniões promovidas pelas associações que congregavam os
veteranos de guerra ou em encontros com amigos, o clima era diferente. Nessas
oportunidades, os ex-combatentes se sentiam mais à vontade para falar sobre suas
experiências. Ainda conforme Cesar Campiani, esses encontros eram importantes para que os
veteranos pudessem “depurar suas recordações mais desagradáveis”925. No que tange aos
combatentes do Extremo Sul da Bahia, a maior parte das coisas que os familiares sabem sobre
as experiências que eles viveram na Itália foi registrada justamente nessas rodas de conversas.
Algumas informações que conseguimos encontrar sobre os ex-combatentes da região foram
captadas por seus familiares, justamente em momentos de conversas com amigos.

923
MORAIS (1947), op. cit., p. 304.
924
MAXIMIANO, César Campiani. Barbudos, sujos e fatigados: soldados brasileiros na Segunda Guerra
Mundial. São Paulo: Grua, 2010, p. 22.
925
Idem, p. 23.
287

9.1 Os soldados de Belmonte


Aparentemente, o local do Extremo Sul da Bahia no qual houve o maior número de
convocação para o serviço militar foi Belmonte. Isso reforça o papel de liderança regional que
esse município desempenhava. No dia 22 de maio de 1943, o jornal Boletim Oficial publicou
uma lista contendo 54 nomes de moradores locais que haviam sido instados a se apresentarem
à Junta de Recrutamento local926.

Imagem 31: Pessoas convocadas para o serviço militar em Belmonte (1943)

Fonte: BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 19, nº 285, Belmonte, 22 de mai. 1943.

Quando da convocação dos belmontenses, os homens do GADo já estavam em


Caravelas927. Até mesmo a formatura de parte daquele contingente ocorreu naquele

926
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, nº 285 (1943), op. cit.
927
GOMES (1983), op. cit., p. 50.
288

município, pouco após terem chegado à região. A existência dessa turma de formandos talvez
explique o motivo da junta de recrutamento ter decidido encaminhá-los para Caravelas, onde
receberiam treinamento.
Em 2016, quando estivemos em Belmonte, nos deparamos com uma das pessoas
relacionadas na lista acima: João Borges Bandeira. Ao entrevistá-lo, descobrimos algumas
informações sobre o que aconteceu com as pessoas que foram convocadas na lista citada.
Além disso, por meio dele obtivemos informações sobre outras pessoas de Belmonte que
também cumpriram serviço militar durante a guerra. Aliás, como integrantes da FEB.
João Borges Bandeira nasceu no dia 17 de dezembro de 1922, em Santo Amaro,
cidade próxima a Salvador. Chegou a Belmonte em 1930, junto ao pai, mãe e um irmão. Seu
pai era calafate (operário da construção naval). A família se mudou para Belmonte, entre
outras coisas, porque os dois irmãos do pai do senhor João Borges já viviam naquela cidade.
Um deles, até, era Godofredo Mendes Bandeira, que foi prefeito do município entre 1940 e
1943928.
De acordo com o senhor João Borges: “Todos esses que tinham a identidade tirada no
Tiro de Guerra foram convocados”929. Isso indica que todas as pessoas relacionadas na lista
acima já haviam recebido instruções básicas de tiro e outras atividades militares. O Tiro de
Guerra, ao qual ele se referiu, era TG-595.
Os Tiros de Guerra (TG) são unidades de treinamento básico, mantidas pelo Exército
Brasileiro em parceria com prefeituras municipais. De forma geral, o objetivo dessas
instituições é formar atiradores e ou cabos de segunda categoria (reservistas) para o Exército.
A história dessas unidades remonta ao início do século XX, período no qual se discutia a
obrigatoriedade do serviço militar no Brasil930.
A primeira vez que o TG-595 apareceu em um relatório do Ministério da Guerra foi
em 1918, sendo essa a data provável de sua fundação931. Ele era gerido por uma diretoria
composta por um presidente, um tesoureiro e um instrutor. Além disso, fazia parte da
organização do TG-595 um secretário. Os membros da diretoria eram eleitos por uma
assembleia, mas não conseguimos identificar sua composição, nem como era o processo de
eleição. Entre as edições do Boletim Oficial que conseguimos consultar, encontramos a
928
BANDEIRA (2016), op. cit.
929
Idem, idem.
930
A história da formação dos Tiros de Guerra é longa e não poderemos adentrá-la neste trabalho.
Recomendamos, porém, o trabalho de Selma Gonzales que, dentre outras coisas, aborda a formação dessas
unidades: GONZALES, Selma Lúcia de Moura. A territorialidade militar terrestre no Brasil: os Tiros de Guerra
e a estratégia de presença. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2008.
931
BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório do Ministério da Guerra: 1919. Rio de Janeiro: Imprensa Militar,
maio de 1919, Anexo E, p. 13. Disponível em: http://ddsnext.crl.edu/ Acessado em 10 de out. 2021.
289

informação de que no dia 10 de janeiro de 1943 foi empossado um novo presidente, João
Alves de Oliveira Filho932.
Conforme relatou o senhor Manoel Honorato: “O instrutor era um moço que vinha de
Salvador ou Ilhéus, que era sargento ou cabo do Exército, para domesticar, fazer as pessoas
daqui como soldado”933. De fato, no dia 11 de maio de 1943, o sargento Eugênio Pereira de
Mello foi designado pelo comandante da 6ª Região Militar, sediada em Salvador934, para o
cargo de instrutor do TG-595935. Não sabemos qual o tempo que os gestores e os instrutores
permaneciam nos cargos.
A existência de um Tiro de Guerra nos ajuda a entender a quantidade de pessoas
convocadas em Belmonte. Além da lista mencionada acima, encontramos outra, publicada no
dia 4 de novembro de 1944. A nova lista continha os nomes de 84 pessoas formadas nas
turmas do TG-595 em 1923 e 1924. Deve-se destacar que, diferentemente dos convocados na
lista anterior, que estavam na faixa etária dos 20 anos, os da última lista eram mais velhos,
estando na faixa dos 30 anos. Não havia indicação de onde eles teriam que se apresentar.
Deve-se destacar, ainda, que essa lista foi publicada já nos momentos finais da guerra. Por
isso, não acreditamos que eles tenham tido tempo de completar o treinamento e entrar em
serviço.

Junta de Alistamento Militar


EDITAL

Eu, João Antônio da Silva Sobrinho, Secretário da Junta Militar de


Belmonte, de ordem do Senhor Presidente da Junta, faço saber a todos que o
presente lerem e dele tiverem conhecimento que foram sorteados no corrente
ano de 1944 os seguintes cidadãos abaixo descritos das classes de 1923 e
1924.
Adalberto, filho de João Vicente de Paula; Ademar, filho de Vitor
Joaquim do Carmo; Alicio, filho de Maria Clemência Neves; Almiro, filho
de José Pedro de Oliveira; Américo, filho de Isalino Gonçalves; Antônio,
filho de José Antônio Nascimento; Antônio, filho de Josefa Maria da
Conceição; Antônio, filho de Teodoro Francisco Zoterio; Argentino, filho de
Manoel dos Santos; Asnel, filho de Antônio Ferreira de Carvalho;
Astrogildo, filho de Agario Bispo dos Santos; Bertolino, filho de M. Brito da
Silva; Celio, Filho de Mario Figueredo Rocha; Carlos, filho de Ladislau
Braga de Santana; Clarindo, filho de Maria Magdalena; Clovis, filho de Tito
Gonçalves Pereira; Cleyde, filho de Pedro da Silva Cardoso; Corinto, filho

932
BOLETIM... nº 270 (1943), op. cit.
933
DOS ANJOS (2016), op. cit.
934
Ao longo do tempo, a Região Militar sediada em Salvador mudou de nome várias vezes. Quando tratamos do
caso dos “homens louros de Alcobaça”, identificamos esse comando militar como 4º Região Militar. É assim que
ela apareceu nos jornais de 1959 que consultamos. Contudo, em 1943, ela aparece como 6ª Região Militar. Ver:
http://www.6rm.eb.mil.br/index.php/historico
935
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 19, nº 285, Belmonte, 22 de mai. 1943.
290

de Cirilo Pereira dos Santos; Cornelio, filho de Isaias Bonifácio Teixeira;


Dalmiro, filho de Tucides Ursulino; Dario, filho de Joaquim Pereira Bastos;
Deusdedit, filho de Maximina Nascimento; Domingos, filho de José Pedro
Antônio de Carvalho; Edivaldo, filho de Minervina Carmo; Elisio, filho de
Joaquim Manoel da Silva; Enilson, filho de Euclides Alexandrino Borges;
Estelito, filho de Etelvina Maria de Almeida; Gentil, filho de Agripino
Serapião da Silva; Grinaldo, filho de Otília Silva; Hamilton, filho de Antônio
Alves Pinheiro; Hamilton, filho de Ricardo Manoel da Silva; Hélio, filho de
Cecy Belém; Inácio, filho de Inocêncio Inácio da Costa; Ivo, filho de Pedro
Mendes Bandeira; Jacinto, filho de Jacinto da Silva Daltro; Jaime, filho de
José da Silva Pires; João, filho de Albertino Anjos Guimarães; João, filho de
Ezequiel Vieira Amorim; João, filho de Isaura Maria da Conceição; José
filho de Clotildes Alexandrina dos Santos; José, filho de Maria Epifania do
Nascimento; José, filho de Sebastião José Guimarães; Luiz, filho de Luiz
Manoel dos Anjos; Magnobeldo, filho de Santini de Sousa Santos; Manoel,
filho de Amélia Pereira de Araújo; Manoel, filho de Agripino Sousa dos
Santos; Manoel, filho de Eugênio Santana Amorim; Manoel, filho de
Manoel Freire Belém; Mário, filho de Júlio Santos; Norberto, filho de Felipa
Lidoria dos Santos; Nehemiara, filho de Manoel Romualdo dos Santos;
Onivaldo, filho de João Teixeira Dias; Osvaldo, filho de José Coutinho
Alves; Raimundo, filho de Aldino Oliveira Noronha; Raimundo, filho de
Etelvino A. de Oliveira; Renato, filho de Alonso Ribeiro Guimarães; Ruy,
filho de João Aragão; Samuel, filho de Antônio Alexandrino de Siqueira;
Samuel, filho de Adalberto José Beriba; Seneral, filho de Carolina Costa;
Severino, filho de José Veríssimo da Hora; Serigi, filho de Lúcia Francisca
Pena; Sebastião, filho de Manoel Santana Amorim; Valdelino, filho de
Miguel José Vitório; Valdemar, filho de Florípedes Nascimento; Vicente,
filho de Manoel Ferreira da Silva; Zélio, filho de Antônio Vitório da Silva.

– CLASSE DE 1924 –

Ademar, filho de Pedro Ferreira de Matos; Adolfo, filho de Maria


Avelina Neves; André, filho de Maria Antônio da Conceição; Avenildo,
filho de Agripino Ferreira; Carlos, filho de Carlos Marques Monteiro;
Dagoberto, filho de Alfredo Oliveira; Diogenes, filho de Salvador Silva;
Edgard, filho de João Romualdo de Sousa; Etelvo, filho de Antônio Vitório
da Silva; Francisco, filho de Francisco Washington de Paiva; Gilberto, filho
de João Rodrigues do Nascimento; Idasio, filho de Maria Dorotéa Santana;
José, filho de Antero Marques de Santana; Mário, filho de Jusefino Moreira
Gama; Ricardo, filho de E. Maria da Conceição; Valdomiro, filho de Álvaro
Bispo Lopes; Walter, filho de Raul Barbosa.
(a) João Antônio da Silva Sobrinho.
Secretário da Junta936

As duas listas mostram que mais de 138 belmontenses foram convocados para o
serviço militar, durante a Segunda Guerra Mundial, embora não possamos dizer quantos
deles, efetivamente, serviram. Mas, como dito anteriormente, sabemos que pelo menos duas
pessoas de Belmonte lutaram na Itália, como integrantes da FEB. Foram eles Alexandre
Magnavita e Antônio Vieira, mas seus nomes não aparecem em nenhuma das duas listas

936
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 359, Belmonte, 04 de nov. 1944.
291

mencionadas. O fato desses dois terem combatido pode ser um indício de que outra lista de
convocação pode ter sido publicada em Belmonte.
Conforme relatou o senhor João Borges, os convocados em maio de 1943 se
apresentaram em Canavieiras e não em Caravelas, conforme constava no edital de
convocação. Talvez a mudança no local tenha sido feita por uma questão de proximidade.
Canavieiras está a cerca de 20 quilômetros ao norte de Belmonte, ao passo que Caravelas fica
cerca de 210 quilômetros ao sul. Em ambas as cidades havia tropas estacionadas.
Uma das pessoas que testemunhou a partida dos convocados foi o senhor Vicente
Lima Bezerra, que relatou:

(...) saíram daqui [Belmonte] em duas canoas para Canavieiras, Suíça I e


Suíça II. Juntaram as duas para levar os convocados para Canavieiras, para
de lá então pegarem um navio para Ilhéus e então serem destacados, uns para
Salvador, outros para o Rio [de Janeiro], para receberem farda, porque aqui
eles só eram soldados do Tiro de Guerra 595 (...)937.

As canoas nas quais os convocados foram transportados pertenciam à Cia. Wildberger.


De acordo com o senhor João Borges Bandeira, eram “canoas grandes”938. Contudo, não
estavam adaptadas para o transporte de pessoas e sim de mercadorias. Por isso: “o prefeito
[Godofredo Mendes Bandeira] mandou fazer dois bancos, um beirando de cá [gestos], outro
de lá [gestos], e dois remadores levar a gente e nos apresentamos na 7, onde recebemos
instrução”939.
Conforme nos relatou o senhor João Borges, sua rotina de soldado consistia,
basicamente, em treinar tiro e patrulhar o litoral entre Ilhéus e Canavieiras, cavalgando. Ele
exerceu essas atividades até o fim da guerra na Europa, mas pouco antes do fim das
hostilidades adoeceu. Não se recordava da doença que contraiu, mas nos informou que ficou
hospitalizado por um tempo em Salvador. Foi naquela cidade que ele recebeu a notícia do fim
do conflito. O médico que cuidava dele disse: “Olha, vou te dar uma notícia ruim,
terminou”940. Ele não nos explicou se a frase do médico foi irônica ou se a notícia ruim era
que ele não poderia mais ficar hospitalizado. Talvez significasse as duas coisas.
Pouco depois de ter recebido a notícia, João Borges recebeu alta e iniciou a sua
viagem de volta para Belmonte. Conforme nos disse:

937
BEZERRA (2016), op. cit.
938
Idem, idem.
939
Idem, idem.
940
Idem, idem.
292

(...) saí num dia de sábado de Salvador, num navio. Naquele tempo era avião
ou então água. Saímos cinco horas da tarde, foi um sargento que me levou lá.
Oito horas a gente estava em Ilhéus e quando foi segunda-feira, a praia já
estava toda vazia. Quem tinha seus utensílios vencidos, pertencia, os que não
estavam entregavam ao almoxarifado. Quando foi de tarde, bateu o
licenciamento941.

Após narrar o seu retorno, perguntamos se ele havia ficado feliz por não ter precisado
ir lutar na Itália e ele respondeu: “Eu estava cumprindo uma missão”942. Sua resposta parece
indicar que se tivesse sido destacado para a FEB aceitaria a tarefa. Outra coisa que parece
estar implícita na resposta é o reconhecimento de que, tal como aqueles que foram enviados
para a Itália, o papel dos que ficaram no Brasil, patrulhando o litoral, também foi um serviço
importante.
Aparentemente, as pessoas de Belmonte atribuíam uma importância maior ao primeiro
grupo. O senhor Vicente Bezerra, ao comentar sobre os ex-combatentes de Belmonte, se
recordou de um dos que atuaram na defesa do litoral, chamado Edvaldo “Economia”.
Conforme disse: “ele ficou soldado do Tiro de Guerra, guarnecendo a praia daqui [Belmonte],
montado num jegue, com um fuzil”943. Após o comentário, um morador local, que nos
auxiliava nas entrevistas, exclamou “motivo de ironia até hoje”.
As risadas que se seguiram pareceram significar que os que atuaram na defesa
litorânea não eram dignos do mesmo prestígio dado aos que combateram na Europa. Mas se
socialmente os que combateram na Itália podem ter gozado de maior prestígio que os que
cumpriram o serviço militar no Brasil, no âmbito político, ambos os grupos tiveram
dificuldades para acessar alguns direitos que lhes havia sido atribuído logo após a guerra,
como uma pensão especial. Aliás, o senhor João Borges Bandeira só teve acesso à pensão em
1980, quando foi reconhecido e diplomado como ex-combatente, na condição de 2° tenente.
Por meio da “Lei da Praia”944, ele possuía direto à pensão desde 1949, mas passou 31
anos sem recebê-la. As pensões concedidas às pessoas convocadas entre 1942 e 1945 foram
muito importantes, pois muitos deles tiveram dificuldades para se reintegrar à sociedade
brasileira, após o conflito. Sobretudo, aqueles que efetivamente lutaram na Itália. De acordo
com Francisco César Ferraz, problemas relacionados ao alcoolismo, violência doméstica e até

941
BANDEIRA (2016), op. cit.
942
Idem, idem.
943
Idem, idem.
944
LEI n° 616, de 2 de fevereiro de 1949. Diário Oficial da União, Seção 1, 19 de fev. 1949, p. 2.417. A referida
lei ampliou os benefícios concedidos aos integrantes da FEB aos soldados que atuaram no patrulhamento do
litoral e das ilhas do Brasil, bem como nas escoltas das embarcações mercantes brasileiras, entre 1942 e 1945.
293

a concepção popular de que eles haviam ficado neuróticos após o conflito, prejudicou a
reintegração dos veteranos à vida civil945.
Além disso, muitos haviam sido convocados durante o período de aprendizagem
profissional. Quando voltaram da guerra, “não tinham emprego nem formação”946. Nesse
sentido, as associações de ex-combatentes, que começaram a ser criadas logo após o fim da
guerra, tiveram um papel fundamental no amparo aos veteranos brasileiros947. O senhor João
Borges não parece ter enfrentado os problemas que muitos de seus contemporâneos
enfrentaram. Quando foi convocado, ele trabalhava na loja de utilidades do português Carlos
Cruz. Ele havia sido contratado aos 15 anos de idade, em 1937, e quando retornou para
Belmonte voltou a trabalhar no antigo emprego948.
Durante a entrevista, o senhor João Borges mencionou que um de seus colegas de
serviço foi enviado para a Itália: Antônio Vieira. Ele também era de Belmonte, mas parece ter
sido convocado em um momento diferente do senhor João Borges, pois seu nome não consta
nas listas que apresentamos anteriormente. Antônio Vieira é um dos personagens da história
belmontense que está no imaginário social da população local como um dos dois ex-
combatentes daquele município. Contudo, pouco sabemos sobre ele. Sabemos que os dois
serviram juntos. O senhor João Borges nos descreveu um passeio que fizeram juntos a Porto
Seguro, quando estavam de licença da unidade na qual serviam, em Ilhéus. Por meio do site
Banco de Dados da FEB descobrimos que ele embarcou para a Europa no dia 22 de setembro
de 1944, junto ao segundo escalão da FEB, incorporado ao 1° Regimento de Infantaria (1º
RI)949.
Embora não tenhamos encontrado mais informações sobre ele, há algo importante
sobre o regimento no qual ele serviu que pode nos dar uma ideia sobre como pode ter sido a
sua trajetória na Itália. De acordo com Ricardo Bonalume Neto, o primeiro escalão da FEB,
composto pelos homens do 6º RI, pôde fazer uma espécie de estágio antes de entrar em
combate, mas os combatentes do segundo escalão, composto pelo 1º RI e 11º RI, não.
Conforme Bonalume Neto, estes últimos foram “jogados no fogo sem essa experiência inicial
e, por isso, sofreram mais dificuldades”950.

945
FERRAZ (2005), op. cit., p. 69.
946
Idem, idem.
947
A associação de ex-combatentes da Bahia foi criada em 1946 e em sua ata de fundação se encontra a
assinatura de Jacob Gorender que, mais tarde, se tornaria um dos mais importantes intelectuais de sua geração.
Ver: ATAS DE REUNIÕES DA ASSOCIAÇÃO DOS EX-COMBATENTES da Bahia. Salvador, 27 de jul.
1946.
948
BANDEIRA (2016), op. cit.
949
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
950
BONALUME NETO (1995), op. cit., p. 135-6.
294

Dessa forma, a experiência de Antônio Vieira na guerra pode ter sido muito
traumática. Ele voltou para o Brasil em 22 de agosto de 1945, mas de acordo com as
informações presentes no site Banco de Dados da FEB, ele continuou no serviço ativo após o
retorno, passando para a reserva apenas no dia 18 de janeiro de 1972951. Como não há
guarnições militares em Belmonte, ele não deve ter retornado de imediato para a cidade e isso
talvez ajude a explicar porque há poucas lembranças entre os entrevistados a seu respeito.
Diferentemente de Antônio Vieira, o outro belmontense que lutou na Itália, Alexandre
Magnavita Neto, é mais recordado pelas pessoas de Belmonte, mas mesmo assim
encontramos poucas informações a seu respeito. Não sabemos quando ele foi convocado, mas
descobrimos que foi enviado para a Europa no dia 23 de novembro de 1944, junto ao quarto
escalão da FEB, como parte do grupo de depósito de pessoal952. Posteriormente, foi
transferido para a linha de frente, incorporado ao 1º RI, o mesmo no qual combateu Antônio
Vieira. Teriam eles se encontrado na Itália? Alexandre Magnavita retornou ao Brasil em 22 de
agosto de 1945953 e em outubro daquele ano chegou a Belmonte.
Uma semana após seu retorno, o Boletim Oficial do Município de Belmonte publicou
uma reportagem intitulada “Numa epopeia de júbilo: Belmonte recebe o seu idolatrado
filho”954. Segundo a matéria, Alexandre foi recebido por uma multidão de pessoas, com
“flores e vivas, sorrisos e lágrimas, foguetes e músicas”955. Foi por meio dessa reportagem,
que infelizmente está incompleta, que encontramos algumas informações sobre parte da
trajetória de Alexandre na FEB.
A matéria do Boletim está dividida em duas partes. Na primeira, são apresentados os
eventos relacionados à chegada e recepção de Alexandre Magnavita e, na segunda, é descrita
a sua trajetória na Itália. Conforme o texto, “o glorioso vanguardeiro do invencível exército de
Caxias”956, chegou pouco antes das 15 horas do dia 20 de outubro de 1945:

Vindo do front da Itália, onde lutou pela causa da liberdade, (...), este filho
que Belmonte sente-se jubilado em possuí-lo contribuiu, assim, com denodo
e heroísmo, para a vitória das nações unidas, para a liberdade tão veemente
sonhada, para uma paz não menos duradoura957.

951
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
952
Responsável pela recomposição das baixas em combate e vários órgãos de comando e apoio logístico aos
combatentes da linha da frente.
953
BONALUME NETO (1995), op. cit., p. 135-6.
954
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 398, Belmonte, 27 de out. 1945.
955
Iodem, idem.
956
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
957
Idem, idem.
295

Após a recepção no porto, Alexandre se dirigiu à igreja central da cidade, dedicada ao


título mariano de Senhora do Carmo. Nela, “o feliz soldado, teve ocasião de agradecer,
ajoelhado, os benefícios colhidos e que chegaram ao zênite com o seu retorno ao lar
estremecido”958. Em seguida, se dirigiu à sua residência, onde foi saudado por oradores e
autoridades locais, dentre os quais o prefeito, José Barbosa de Mattos. Conforme a matéria,
“não obstante a incessante chuva”959, a multidão escutava atentamente os discursos. Após os
discursos, no interior da residência “foi servido a todos os presentes bebidas e doces”960.
As homenagens ao expedicionário não se restringiram ao momento de sua chegada.
De acordo com a matéria do Boletim, três bailes foram organizados para comemorar a sua
chegada, nos dias 20, 21 e 22 de outubro. O último foi oferecido:

(...) às altas autoridades locais e à sociedade belmontense, um banquete com


mais de 150 talheres no qual se fez ouvir vários oradores, entre os quais os
snrs. Dr. Benício Machado e Urbano Brandão, respectivamente, Promotor
Público e gerente da Agência do Banco do Brasil, na vizinha cidade de
Canavieiras961.

O destaque dado ao último baile aponta as relações sociais da família Magnavita em


Belmonte. De acordo com Durval Pereira da França Filho, os Magnavita faziam parte dos
grupos italianos que chegaram ao Brasil no final do século XIX. Ela representa, conforme o
autor, “a mais extensa família de imigrantes italianos no Sul da Bahia”962. Ainda de acordo
com Durval da França Filho, os descendentes da família se espalharam por todo o estado,
atuando como “lavradores, políticos, empresários ou funcionários públicos”963.
A ênfase dada na matéria publicada no Boletim é um indício das conexões políticas e
econômicas dessa família em Belmonte. Alexandre Magnavita, portanto, era representante de
parte da elite belmontense. As conexões de sua família eram fortes o suficiente para reunir as
maiores autoridades locais em sua recepção. Conforme a matéria: “foi nesse ambiente de viva
brasilidade e de fino apreço que Alexandre Magnavita Neto, o soldado de espírito heroico, foi
recebido em sua terra natal”964.

958
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
959
Idem, idem.
960
Idem, idem.
961
Idem, idem.
962
FRANÇA DILHO, Durval Pereira da. Belmonte, memória, cultura e turismo: numa (re)visão de Iararana de
Sosígenes Costa. Dissertação (Mestrado e Cultura e Turismo) – Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
Ilhéus, 2003, p. 152.
963
Idem, idem.
964
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
296

A ênfase dada a Alexandre Magnavita pode ter um significado mais profundo. Talvez
não se tratasse apenas da celebração do heroísmo de um soldado local, mas de uma tentativa
de demonstrar a fidelidade desses descendentes de italianos à causa dos aliados. Dessa forma,
se afastaria qualquer suspeição sobre a ascendência estrangeira da família Magnavita.
Na segunda parte, cujo o subtítulo é “Ouvindo o herói”, o Boletim apresentou a seus
leitores a narrativa feita pelo próprio Alexandre sobre sua passagem pelos campos de batalha
italianos. Infelizmente, essa parte está incompleta, pois só localizamos a primeira página da
edição 398 do jornal. Apesar disso, há informações muito interessantes a respeito da trajetória
do expedicionário belmontense.
Alexandre partiu para a Itália a bordo do navio USS General M. C. Meigs965 e
desembarcou em Nápoles no dia 7 de dezembro de 1944966. Ele afirmou que assim que
chegaram foram imediatamente despachados “em lancha” para Livorno e, de lá, por “via
terrestre, para Pisa”, onde ficaram acampados por oito dias967. Em seguida, relatou: “cerca de
2 meses ficamos, após, em Staffoli preparando-nos para o combate de Riola, no qual seria o
meu batismo de fogo”968.
Quando o quarto escalão chegou à Itália, a FEB já era uma força de combate
experimentada. Entre 15 de setembro e 31 de outubro, os expedicionários brasileiros haviam
lutado praticamente de forma ininterrupta. No início de novembro, o comandante da FEB,
General João Batista Mascarenhas, reorganizou as forças e consolidou as posições ocupadas.
A chegada do terceiro escalão, no dia 6 de outubro, permitiu ao comandante brasileiro repor
as baixas e revezar os efetivos mais cansados969.
Uma nova fase de avanço se iniciou em 16 de novembro e resultou nas primeiras
tentativas de tomada do Monte Castelo, no início de dezembro, mas foram frustradas pelas
defesas alemãs. Contribuiu para esse fracasso inicial a falta de coordenação entre as forças
americanas e brasileiras. No momento em que Alexandre Magnavita desembarcou em
Nápoles, a FEB estava se preparando para uma nova tentativa de tomada do Monte Castelo,
enquanto aguardava que os rigores do inverno italiano cessassem.

965
Todos os cinco escalões da FEB foram transportados pelos navios americanos USS General W. A. Mann
(duas viagens) e USS General M. C. Meigs (três viagens). As embarcações eram escoltadas, do Brasil até
Gibraltar, enclave inglês no sul da Espanha, por belonaves brasileiras e americanas, com cobertura aérea feita
por dirigíveis e aviões. De Gibraltar a Nápoles, destino final dos transportadores, a escolta era feita por navios
das marinhas de guerra dos EUA e da Grã-Bretanha. Cf. MORAIS (1947), op. cit., p. 37-45.
966
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
967
Idem, idem.
968
Idem, idem.
969
MORAIS (1947), op. cit., p. 76-124.
297

Nesse período, chamado de “defensiva de inverno”, ambos os lados executavam


bombardeios eventuais durante os dias e patrulhas noturnas. Enquanto os efetivos do quarto
escalão recebiam instrução em Staffoli, a nordeste de Roma, como relatou Alexandre
Magnavita, o comando da FEB organizou uma série de ações para elevar o moral das tropas,
abalado após o fracasso inicial na tentativa de tomada do Monte Castelo. De acordo com o
General Mascarenhas de Morais:

O Serviço Especial, dentro de suas atribuições, traçou e executou um plano


de repouso e diversões, em Roma e em Florença, contemplando todas as
Unidades.
O Serviço Religioso, por sua vez, buscou fortalecer as convicções, a noção
de responsabilidade e o espírito de sacrifício, sem o qual nada se poderia
obter970.

À medida que os rigores do inverno se atenuavam, se aproximava o momento de uma


nova tentativa de tomada da montanha. Enquanto os generais organizavam o plano de ataque
e escolhiam as unidades que seriam empregadas, Alexandre Magnavita e seus companheiros
se locomoviam em direção à linha de frente. Conforme relatou à equipe do Boletim Oficial:

Seguindo então para Porreta Terme [onde estava localizado o Quartel


General avançado da FEB], cidade em que descansamos e na qual tive a feliz
oportunidade de ouvir as músicas profanas do Carnaval Carioca, alcançamos
depois de reajustamento das nossas tropas, o Monte Castelo [sic], iniciando o
nosso ataque em a tarde de 20 de Fevereiro. Vinte e quatro horas após, o
“Regimento Sampaio” tomava o ponto mais estratégico que os alemães
orgulhavam-se em possuir. Depois algumas posições caíram também em
nossas mãos, tais como: Bela Vista, Lacerra e muitas outras que a louca
vontade de vencer não nos deixou recordar971.

A tomada do Monte Castelo foi um dos maiores feitos da história militar brasileira
durante a Segunda Guerra Mundial. Não por acaso, ela representa o maior marco na memória
brasileira daquele conflito. Sobre a tomada da montanha, o General Mascarenhas de Morais
disse:

Com a captura de tal elevação, escrevera a Força Expedicionária Brasileira o


capítulo mais emocionante de sua vida.
Monte Castello [sic], resistindo três meses às investidas das armas aliadas,
erigira-se a cidadela da presumida invencibilidade germânica.
Para os Brasileiros, no entanto, representara um símbolo e um marco na vida
de nossa tropa em terras de ultramar.

970
MORAIS (1947), op. cit., p. 129.
971
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
298

Constituiu o índice do valor de nossa gente.


Significou a sangrenta forja de nossa agressividade. Traduziu a odisseia
anônima das atrevidas incursões de nossas patrulhas, avançando sob nevadas
cortantes no gelo resvaladiço, a se esgueirarem através dos núcleos da defesa
inimiga, em busca do prisioneiro e da informação.
Sumidouro de centenas de vidas patrícias, a sua captura pelas nossas forças
constituiu um dever de consciência e um imperativo de dignidade militar.
Assinalou o início de uma série de vitórias esplêndidas para nossas armas,
vitórias que elevaram o nome do Brasil e o prestígio de nosso Exército972.

Embora essa conquista tenha sido transformada no maior símbolo da participação


brasileira naquela guerra, a FEB já havia logrado uma série de vitórias antes dela e logrou
outras tantas após. Contudo, como transparece nas palavras do general, tomar aquela
montanha havia se transformado em questão de honra para as forças brasileiras, devido aos
fracassos iniciais, o que contribuiu para a mística construída sobre a operação. Não por acaso,
há quem descreva aquele feito como “a maior glória da história contemporânea do Exército
brasileiro”973.
As dificuldades relacionadas ao rigor do inverno e o papel das patrulhas foram
ressaltados nas falas de Mascarenhas de Morais. E, aliás, não só nas dele. Rubem Braga, que
atuava como correspondente de guerra, estava em Nápoles quando o monte foi conquistado e,
no dia 23 de fevereiro de 1945, escreveu uma crônica sobre o evento, intitulada “O Castelo
Caiu”. Disse o cronista:

As informações que chegaram são escassas. Ouvi um elogio, feito por um


oficial da Artilharia americana do Corpo de Exército, à preparação feita pela
nossa Artilharia. Mas não é nos artilheiros que penso. É nos infantes que
tantas e tantas noites saíram em patrulhas, entre tantas armadilhas de morte,
para colher dados que servissem para organizar o ataque. É nos infantes que
atacaram, que finalmente tomaram conta do monte974.

A supervalorização dos infantes, especialmente dos comandados pelos capitães


Everaldo José da Silva e Paulo de Carvalho, os primeiros a atingir o cume do Monte
Castelo975, deu um ar de heroísmo pessoal ao evento. Contudo, como destacou César
Campiani, a vitória brasileira “não pode ser explicada simplesmente pela experiência ganha
com patrulhas e com a defensiva nos períodos de neve”976. O treinamento da infantaria nos

972
MORAIS (1947), op. cit., p. 141-142.
973
WAAK, William. As duas faces da glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985, p. 88
974
BRAGA, Rubem. Crônicas da guerra na Itália. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 159.
975
MORAIS (1947), op. cit., p. 141.
976
MAXIMIANO (2010), op. cit., p. 250.
299

momentos que antecederam à batalha, o maior zelo no planejamento, o apoio das tropas
americanas e a cobertura aérea do esquadrão de caças brasileiro viabilizaram a conquista977.
Ainda de acordo com Campiani, os soldados brasileiros nem tiveram tempo para
comemorar a importante vitória, pois a varredura do perímetro continuou até o dia 24 de
fevereiro978. Na sequência, os expedicionários se engajaram em uma série de outras batalhas.
Foi após o fim do conflito que tomou forma a mística que ainda hoje envolve aquela batalha.
Campiani cita como exemplo o mito de que após a tomada da montanha “a tropa brasileira
teria procedido ao hasteamento da bandeira e à execução do Hino Nacional”979.
Isso nos ajuda a compreender o destaque dado na matéria do Boletim a esse evento em
particular. Conforme a publicação, o soldado belmontense escrevera seu nome no solo do
Monte Castelo, “a mais retumbante das inúmeras vitórias das forças brasileiras”980.
Entretanto, esta não foi a única batalha na qual Alexandre Magnavita lutou. Segundo ele
próprio relatou:

Com a libertação do Monte Castello [sic], fomos para outro, de 1.200 metros
de altura, o chamado Belvedere. A única habitação existente neste monte era
uma igreja semidestruída. Aí ficamos na defensiva, aguardando a grande
ofensiva iniciada pela FEB, na região de Montese, a 14 de Abril de 1945981.

Infelizmente, essa é a última informação sobre a participação de Alexandre Magnavita


Neto naquele conflito, pois não encontramos as páginas nas quais a história continuou. Mas o
fragmento indica que ele também participou dos eventos relacionados à Batalha de Montese,
entre 14 e 17 de abril de 1945. As batalhas de Monte Castelo e Montese foram as mais
violentas que a FEB travou. Juntas, elas causaram 2.616 baixas às forças brasileiras, entre
mortos, feridos e capturados982.
O fato de Alexandre Magnavita ter participado desse e de outros eventos e sobrevivido
foi e ainda é um motivo de orgulho para a população de Belmonte. Entretanto, Alexandre
Magnavita e Antônio Vieira podem não ter sido os únicos belmontenses que lutaram na Itália.
Três nomes da lista de pessoas convocadas no dia 15 de maio de 1943, companheiros do

977
MAXIMIANO (2010), op. cit., p. 250-251.
978
Idem, p. 250.
979
Idem, p. 251.
980
BOLETIM..., nº 398 (1945), op. cit.
981
Idem, idem.
982
MORAIS (1947), op. cit., p. 180; WAAK (1985), op. cit., p. 89.
300

senhor João Borges, aparecem como ex-combatentes no site do Banco de Dados da FEB. São
eles Albertino Souza, Durval José de Souza e João Alves dos Santos983.
O primeiro foi enviado no último escalão da FEB, que chegou a Nápoles no dia 22 de
fevereiro de 1945. Fazia parte do 2° Escalão de Depósito de Pessoal. Aparentemente, não
entrou em combate, pois em sua ficha não consta ter integrado alguma das unidades
divisionárias. Retornou ao Brasil no dia 3 de outubro daquele ano.
O segundo viajou na mesma embarcação que Alexandre Magnavita, como parte do
quarto escalão dos expedicionários brasileiros. Aparentemente, também entrou em combate,
pois consta ter sido integrante do 11° RI. Esse regimento lutou tanto em Monte Castelo,
quanto em Montese e nas demais batalhas travadas pela FEB em 1945. Retornou ao Brasil no
dia 17 de setembro daquele ano.
O terceiro, diferentemente dos outros, partiu para a Europa no primeiro escalão da
FEB, no dia 2 de julho de 1944. Fez parte do 6° RI e, portanto, esteve presente em toda a
campanha brasileira na Itália. Em sua ficha, também diferentemente dos outros, conta que
ocupou o posto de cabo. Retornou ao Brasil no dia 18 de julho de 1945.
É preciso mais dados para constatar que esses três últimos soldados eram, de fato de
Belmonte, pois suas naturalidades não são apontadas nas fichas do site Banco de Dados da
FEB. Contudo, nos parece que seria uma grande coincidência que outras pessoas tivessem os
mesmos nomes que eles e escritos da mesma forma. Além disso, o senhor Vicente Lima
Bezerra, conforme citamos, afirmou, sem especificar quantos, que algumas das pessoas
convocadas em Belmonte haviam sido enviadas para o Rio de Janeiro. Foi de lá que os
expedicionários foram enviados para a Itália, tal como ocorreu com Alexandre Magnavita e
Antônio Vieira.

9.2 Os combatentes de Alcobaça e Caravelas


No final de 2018, segundo Jaco Galdino (Jamilton Galdino de Santana) 984, soubemos
que em Caravelas morava a família de um ex-combatente. Marcamos uma reunião com Jaco e
nos encontramos no dia 7 de janeiro de 2019. Ele nos passou o endereço de um bar chamado
Montese, que pertencia a Galileu Rodrigues, um dos filhos do expedicionário. O nome do bar,
aliás, é muito sugestivo, pois se trata de uma referência direta à Batalha de Montese.
No endereço, encontramos Galileu, que nos falou, orgulhosamente, que o pai era um
herói de guerra e que havia participado de todas as batalhas que FEB travou na Itália.

983
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
984
Agradecemos ao amigo Ciro Lins Silva, que nos passou o contato de Galdino.
301

Contudo, disse que não poderia conversar naquele dia e pediu para que retornássemos no dia
9. Como combinado, o encontramos no dia marcado. Entretanto, ele nos pediu para falar com
sua irmã, Rita Rodrigues, que guardava as medalhas, fotos e outros materiais referentes à
participação do pai na guerra e, por isso, poderia dar mais detalhes sobre a atuação do pai. Em
seguida, nos encontramos com Rita, mas ela também não nos deu muitas informações.
Entretanto, nos colocou em contato com o irmão, Hiram Rodrigues. Este último nos concedeu
uma entrevista e enviou fotografias de materiais sobre a participação do pai na Segunda
Guerra Mundial.
O ex-combatente de Caravelas se chamava Antônio de Sá Rodrigues. Conforme nos
relatou Hiram, ele nasceu no dia 16 de setembro de 1922, em Ponta de Areia, distrito de
Caravelas. Era filho de um pequeno produtor de gado local. Com 17 anos de idade se mudou
para São Paulo, onde trabalhou como quebrador de pedra985. A família não conhece muitos
detalhes sobre a sua vida em São Paulo, mas se recorda que foi em Osasco onde ele se alistou
voluntariamente ao serviço militar, no 2º Grupo de Artilharia Antiaérea986, quando FEB
estava sendo montada.
Como visto anteriormente, os ataques alemães e italianos contra a marinha mercante
brasileira causaram indignação e protestos em diversas capitais estaduais do Brasil. Em
muitas dessas mobilizações se exigia a entrada do país na guerra. Diante dessa euforia, se
esperava conseguir grande adesão da população brasileira na formação de um quadro de
combatentes.
Conforme Francisco César Ferraz, uma vez declarado o estado de beligerância, “os
planos iniciais previam o envio de um Corpo de Exército, composto por três divisões,
totalizando 60 mil homens”987. O contingente seria formado por militares regulares, conscritos
de diversas partes do país e voluntários. Contudo, os planos iniciais não deram certo. O
número de militares no Exército, no momento de formação do grupo de combate brasileiro,
era de aproximadamente 90 mil homens988. Não seria possível destacar todo o contingente
pensado inicialmente desse efetivo, pois ele era necessário para assegurar a defesa do
território do Brasil em uma eventual invasão alemã.
Além disso, como visto anteriormente, havia uma desconfiança em relação aos
americanos, que estavam ocupando bases no Norte e Nordeste do país. Além disso, esperava-

985
RODRIGUES, Hiram Campos. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Teixeira de Freitas, 15 de jan. 2019.
986
A corporação foi criada em dezembro de 1940, como consequência da ativação da 2ª Zona Militar Aérea. Em
1942, foi transferida para o arquipélago de Fernando de Noronha, guarnecendo o arquipélago até 1944. Cf.
http://www.2gaaae.eb.mil.br/index.php/a-fortaleza. Acessado em 15 de out. 2021.
987
FERRAZ (2005), op. cit., p. 43-44.
988
Idem, p. 44.
302

se convocar cerca de 200 mil pessoas e, a partir destes destacar um quadro composto por pelo
menos 60 mil homens989. Contudo, os resultados dos exames físicos e psicológicos
eliminaram grande parte dos convocados. Como destacou Francisco Ferraz, esses exames
“desnudaram um quadro alarmante da situação sanitária da população brasileira”990. Por fim,
a adesão de voluntários não foi tão grande quanto às mobilizações que ocorreram em agosto
de 1942 fizeram crer que seria.
Diante das dificuldades, as autoridades militares desistiram da ideia de enviar um
Corpo de Exército e optaram por algo mais modesto, mas muito significativo, uma força
expedicionária. Pouco mais de 25 mil pessoas compuseram a FEB, entre elementos
divisionários (infantaria, artilharia, esquadrilha de aviação, depósito de pessoal, batalhões de
saúde, engenharia, sepultamentos e outros) e não-divisionários (imprensa e propaganda,
agentes bancários, serviços religiosos e outros)991. Desse contingente, muitos eram
voluntários992. Dentre eles estava o caravelense Antônio de Sá Rodrigues.
Ele embarcou para a Itália no dia 23 de novembro de 1944, como parte do depósito de
pessoal, a bordo do USS General M. C. Meigs. Incorporado ao 1° Batalhão do 11° RI,
Antônio de Sá Rodrigues participou da tomada do Monte Castelo, entre novembro de 1944 e
fevereiro de 1945, e dos preparativos para a Batalha de Montese, que ocorreu entre os dias 14
e 17 de abril de 1945. Contudo, ele não tomou parte na conquista da cidade de Montese, pois
foi ferido durante uma patrulha, no dia 12 de abril. O episódio no qual foi ferido é um dos
mais marcantes da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial: a morte do sargento
Max Wolf Filho.
Max Wolf é descrito por quem o conheceu e lutou ao seu lado como uma “figura
lendária”993 e por quem estudou sua trajetória como “um dos maiores heróis da FEB”994.
Independentemente dos epítetos que recebeu após a morte, as ações de Max Wolf lhe
renderam grande prestígio entre dezembro de 1944 e abril de 1945. Recebeu duas citações de
combate, feitas pelo comandante da FEB, a medalha Cruz de Combate de Primeira Classe, e a
Silver Star, a medalha por atos de bravura concedida pelo Exército americano995.

989
FERRAZ (2005), op. cit., p. 46.
990
Idem, idem.
991
Sobre a organização da FEB, ver: BONALUME NETO (1995), op. cit., p. 133-135.
992
FERRAZ (2005), op. cit., p. 49.
993
ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Montese: marco glorioso de uma trajetória. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 1985, p. 92.
994
OLIVEIRA, Dennison. Os soldados alemães de Vargas. Curitiba: Juruá Editora, 2011 (b), p. 62.
995
Idem, p. 72 e 74.
303

Pela atenção e cuidado que prestava aos companheiros, Wolf recebeu deles a alcunha
de “O Carinhoso”996 e, devido à quantidade de patrulhas nas quais participou, recebeu o
apelido de “O Rei dos Patrulheiros”997. Segundo o que ele mesmo disse a um repórter, teria
participado de 32 ou 36 patrulhas998. A título de comparação, o tenente Iporan Nunes, outro
combatente muito aclamado e condecorado da FAB, participou de 11 patrulhas999. Sua
distinção fez com que o comando do 1° Batalhão do 11° RI o escolhesse para comandar o
Pelotão Especial, criado em março de 1945.
De acordo com Dennison de Oliveira, o pelotão teria a função de cumprir tarefas
consideradas mais difíceis que as habituais e patrulhas especialmente importantes. Seus
membros teriam sido escolhidos “a dedo” pelo próprio Wolf. Ainda conforme Dennison de
Oliveira:

Tratava-se de indivíduos com larga experiência de combate, escolhidos, em


função da sua habilidade e competência comprovadas no exercício de
missões reconhecidamente perigosas, para integrar uma tropa sobre a qual
repousavam enormes esperanças e expectativa não só do comando do 11°
RI, mas de toda a FEB1000.

Importante esclarecer que, de acordo com Dennisson de Oliveira, dentro da


configuração adotada pela FEB (o padrão do Exército americano), um pelotão deveria ser
composto por 41 homens, mas o grupo inicial reunido por Max Wolf, aparentemente, não
tinha mais que 241001. O número reduzido deu um ar de importância muito grande a cada um
dos participantes daquele grupo, formando uma espécie de nata dos combatentes do 11° RI.
Entre aqueles combatentes de elite estava Antônio de Sá Rodrigues.
Essa informação é importante, porque nos ajuda a pensar um pouco na trajetória de
Antônio Rodrigues na Itália. O fato de ele ter sido escolhido para compor o Pelotão Especial é
um indício de suas qualidades como soldado e de sua preparação para o combate, tendo em
vista o propósito e as exigências para a criação da unidade. Outra coisa que se pode pensar é
que ele deve ter alcançado certo destaque nas missões de patrulha realizadas entre janeiro e
abril de 1945. Ou, pelo menos, que tinha muita experiência nessas atividades. Pode indicar
também, que o sargento Max Wolf o conhecesse e que talvez já tivessem atuado juntos.

996
ALMEIDA (1985), op. cit., p. 99.
997
Idem, p. 100.
998
OLIVEIRA (2011) (b), op. cit. p. 73.
999
OLIVEIRA (2011) (b), op. cit. p. 73.
1000
Idem, p. 74.
1001
Idem, p. 84.
304

Uma grande expectativa foi criada em torno da primeira ação do Pelotão Especial, que
ocorreu no dia 12 de abril de 1945. De acordo com Adhemar Rivermar de Almeida, que era o
oficial superior de Wolf naquela ocasião, correspondentes de guerra se dirigiram para a linha
de frente, querendo acompanhar a patrulha que seria liderada por Wolf1002. A ação se daria
dentro do contexto de preparação para a tomada da cidade de Montese.
O 1° RI e 11° RI seriam empregados na batalha, totalizando 6 batalhões. Cada
batalhão recebeu ordens para enviar duas patrulhas para fazer o reconhecimento das áreas em
torno da cidade, para verificar se as tropas alemãs haviam se retirado ou, caso não, travar
contato com elas e mapear suas localizações. Uma das patrulhas enviadas pelo 11° RI foi
liderada pelo tenente Iporan Nunes Ribeiro e a outra pelo Sargento Max Wolf1003.
A circunstância de realização daquela patrulha era atípica: ela foi realizada durante o
dia. Isso deixaria os patrulheiros excessivamente expostos à visão dos inimigos e, portanto,
seria mais perigoso que o habitual. Dessa forma, ela se encaixava bem dentro dos requisitos
propostos para a formação do Pelotão Especial. As patrulhas partiram às 12 horas1004.
O tenente Iporan e seus comandados conseguiram cumprir seu objetivo, ao custo da
morte de um dos patrulheiros. A patrulha liderada por Max Wolf, por outro lado, foi
emboscada enquanto se dirigia ao seu objetivo. O sargento caminhava à frente de sua
formação, como costumava fazer, embora fosse algo incomum para os líderes de patrulhas, e
foi avistado por um grupo de alemães que perceberam que os brasileiros não haviam notado a
sua presença. Os alemães esperaram até que ele estivesse muito próximo, então dispararam
uma rajada de metralhadora e Wolf caiu imediatamente, morto. O evento ocorreu por volta
das 13h15min1005.
A morte do comandante atordoou os integrantes do Pelotão Especial. Com muito
esforço, o subcomandante do grupo, 2° sargento Nilton José Facion, conseguiu reorganizar os
soldados, mas um deles, João Estevão da Silva, se lançou ao resgate do corpo de Max Wolf.
Foi atingido por disparos da metralhadora e também morreu. Na sequência, uma barragem de
morteiros, granadas e fogo de artilharia caiu sobre os brasileiros. O grupo sobrevivente se
recusou a abandonar os corpos dos companheiros e montou um plano para resgatá-los, mesmo
diante do pesado ataque alemão1006.

1002
ALMEIDA (1985), op. cit., p. 140.
1003
Idem, idem.
1004
Idem, p. 192.
1005
Idem, 141 e 1921.
1006
OLIVEIRA (2011) (b), op. cit., p. 84-5.
305

O 2° sargento Facion, junto aos soldados Antônio de Sá Rodrigues e Florisvaldo


Pereira, rastejariam para resgatar os corpos, enquanto os companheiros Aniceto Cassavana e
Benedito Vitalino dariam cobertura. Em um verdadeiro ato de bravura, eles chegaram a
arrastar os corpos dos companheiros, mas a intensidade do ataque alemão aumentou e eles
acabaram sendo gravemente feridos. Com o subcomandante baleado, o grupo ficou
completamente sem comando, expostos ao fogo inimigo e sem conseguir se retirar do
local1007.
Yvon Maia, um oficial médico, acompanhado de padioleiros, chegou ao local e, pelo
rádio, coordenou o contra-ataque da artilharia brasileira, que aliviou a pressão sobre o grupo.
Isso permitiu que Yvon e seus companheiros conseguissem resgatar o grupo, mas à custa de
muitas dificuldades. A operação de resgate somente terminou por volta das 19h30min, o que
nos dá uma ideia da dificuldade que Yvon e seus comandados enfrentaram1008.
Max Wolf e Alfredo Estevão da Silva receberam referências elogiosas no relatório dos
eventos ocorridos no dia 12 de abril. O mesmo ocorreu em relação ao 2º sargento Nilton José
Facion e os soldados Antônio de Sá Rodrigues e Florisvaldo Pereira:

- 2° Sgt.º Nilson José Facion, da CCI e Soldado Antônio de Sá Rodrigues, da


1.ª Companhia: Faziam parte do reconhecimento do ponto cotado 747.
Depois de recebidos por intenso fogo de metralhadoras inimigas na primeira
abordagem, progrediram rastejando sob o fogo cruzado das casas-matas
alemãs e sob intenso bombardeio de morteiros para arrastar o corpo do
comandante do reconhecimento, a poucos metros da posição alemã. Mesmo
feridos, conseguiram arrastá-lo cerca de 50 metros, tudo fazendo para não
deixarem o chefe morto no terreno. Mostraram abnegação, energia,
dedicação e bravura.
- Soldado n.º 5259 – Florival Alves Pereira, da 1.º Companhia. Transportou
sozinho o corpo do soldado Estevão, debaixo de intenso fogo de
metralhadoras e morteiros inimigos, demonstrando coragem e espírito de
sacrifício no cumprimento de recomendações do comandante de tudo ser
feito para não serem deixados elementos de informações úteis ao inimigo.
Entre outros, os próprios companheiros mortos, na medida do possível,
deveriam ser trazidos1009.

O episódio marcou profundamente o psicológico dos integrantes do Pelotão Especial.


Conforme Dennison de Oliveira, a partir daquele momento a conduta do grupo assumiu um
caráter vingativo1010. Dias depois, o grupo recebeu ordens para atacar uma elevação próxima à
cidade de Montese. As unidades alemãs cercadas foram aniquiladas e a ausência de

1007
OLIVEIRA (2011) (b), op. cit., p. 91.
1008
Idem, idem.
1009
ALMEIDA (1985), op. cit., p. 195.Grifos do autor.
1010
OLIVEIRA (2011), op. cit., p. 92-3.
306

sobreviventes é um indício da mudança no comportamento dos integrantes do Pelotão


Especial.
Ferido em uma das pernas, Antônio de Sá Rodrigues foi evacuado da linha da frente.
Ficou hospitalizado na Itália até o dia 29 de abril, quando então foi embarcado de volta para o
Brasil. Passou para a reserva no dia 3 de outubro de 19461011.
De acordo com Hiram Campos, quando retornou ao país, seu pai ficou um tempo em
Salvador, possivelmente ainda em tratamento médico. Posteriormente, voltou para Caravelas,
e montou um bar no distrito de Ponta de Areia, o mesmo que era dirigido pelo filho Galileu,
quando estivemos em Caravelas. Antônio de Sá Rodrigues se casou pela primeira vez em
1952, com uma mulher chamada Esmeralda, com quem teve 6 filhos. Casou uma segunda vez
e teve mais 6 filhos. Levou uma vida tranquila até sua morte, no dia 14 de abril de 2002, cinco
meses antes de completar 80 anos de idade, ostentando a patente de 2º tenente1012.
Antônio de Sá Rodrigues é um personagem celebrado na história local de Caravelas.
No livro Relatos históricos de Caravelas, Carlos Benedito de Souza e Sheila Franca de Souza
escreveram a seu respeito: “Antônio Sá Rodrigues, caravelense modesto e simples, palmilhou
o solo italiano, ajudando a cobrir de louros a Força Expedicionária Brasileira, que tanto
contribuiu para o aniquilamento dos inimigos da liberdade e do direito”1013. Durante seu
funeral, a loja maçônica Oriente Eterno o conclamou “Brava Gente” e o batalhão da Polícia
Militar local o homenageou com uma salva de 21 tiros1014.

Imagem 32: Antônio de Sá Rodrigues

Fonte: Acervo da família de Antônio de Sá Rodrigues.

1011
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/Acessado em 25 de jul. 2021.
1012
RODRIGUES (2019), op. cit.
1013
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 80.
1014
Idem, idem.
307

Na imagem, à esquerda, o soldado Antônio de Sá Rodrigues está diante de um cenário


pintado, apresentando uma escada e plantas ao redor. A composição da cena é semelhante a
outras presentes em fotos dos expedicionários nos momentos de passeios mencionados pelo
General Mascarenhas de Morais, citado anteriormente. Aliás, Antônio de Sá está trajando
jaqueta e calçando sapatos e não o uniforme de campanha. Embora não haja data, é possível
que ela tenha sido capturada durante a fase da defensiva de inverno, entre dezembro de 1944 e
janeiro de 1945.
Na foto à direita, ele e os companheiros estão em um carro de transporte, mas também
não há data. O ar despojado, com alguns soldados fumando e outros sorrindo, talvez também
tenha sido capturada em um dos momentos de passeio. Possivelmente, foi capturada no
mesmo contexto da foto à esquerda.
Pouco se sabe sobre as ações militares nas quais Antônio de Sá Rodrigues tenha se
envolvido na Itália. Os próprios filhos não demonstraram saber as circunstâncias envolvendo
a criação do Batalhão Especial e da participação do pai naquela unidade. De acordo com
Hiram Campos, ele não gostava de falar sobre a guerra1015. Isso explica a dificuldade que
tivemos inicialmente para obter informações a respeito do ex-combatente. Provavelmente isso
esteja relacionado às circunstâncias que envolveram a morte do Sargento Max Wolf e seu
ferimento.
Contudo, uma das coisas que ele contou aos filhos foi sobre a circunstância na qual ele
e o amigo Bernardo Grinaldo de Medeiros se encontravam quando estiveram hospitalizados
na Itália. Bernardo de Medeiros foi outro combatente do Extremo Sul da Bahia, natural de
Alcobaça, município vizinho a Caravelas. Tal como nos casos anteriores, encontramos poucas
informações sobre ele. Quem primeiro nos falou sobre Bernardo Grinaldo foi Rita Rodrigues.
Ela se recordou das visitas que o pai costumava fazer a Bernardo, em Alcobaça. Partimos
então para aquela cidade, com o objetivo de encontrar algumas informações sobre o ex-
combatente alcobacense.
Na prefeitura de Alcobaça fomos informados por William Castro Dias que a família de
Bernardo Grinaldo não residia mais no município, mas que havia uma pessoa que tinha o
contato deles1016. A pessoa indicada nos colocou em contato com Ismael Nascimento de
Medeiros, filho de Bernardo. Ismael nos concedeu uma entrevista, por ligação telefônica, e
nos passou algumas informações sobre o pai. Mais recentemente, também conseguimos entrar

1015
RODRIGUES (2019), op. cit.
1016
A pessoa era Jackson Torres que, para nossa surpresa, também era estudante do Programa de Pós-Graduação
em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da Bahia.
308

em contato com José Sérgio de Almeida Figueiredo, sobrinho de Bernardo Grinaldo de


Medeiros.
Bernardo Grinaldo de Medeiros era natural de Alcobaça e nasceu no dia 14 de
novembro de 1921. Antes da guerra trabalhou como caixeiro na fazendo Cascata, que
pertencia a um de seus tios, Joaquim Muniz de Almeida Neto. De acordo com o senhor José
Sérgio de Almeida Figueiredo, ele era uma pessoa “muito simples, muito modesto, muito
boa”1017.
Diferentemente do amigo, Bernardo não foi voluntário, mas convocado e, de acordo
com José Sérgio, conduzido “como desertor” à junta de recrutamento. Em seguida foi enviado
para São João del-Rei, em Minas Gerais. Isso aconteceu, conforme o senhor José Sérgio,
porque o prefeito de Alcobaça rasgou o telegrama com a convocação de Grinaldo e outros
moradores da cidade. É difícil compreender as razões por trás da atitude do prefeito, mas para
o senhor José Sérgio, a atitude visava “prejudicar”1018 os conscritos. Nesse sentido, é possível
que a atitude pudesse ter razões políticas.
Ainda de acordo com o senhor José Sérgio de Almeida Figueiredo, Antônio Garcia de
Medeiros Neto, que era parente de Bernardo Grinaldo e que havia sido senador entre 1935 e
1937, tentou intervir na convocação. Conforme nos relatou Ismael Nascimento de Medeiros,
Medeiros Neto usou o fato de ele ser filho único e, portanto, arrimo de família, para tentar
livrá-lo do serviço militar, mas a justificativa foi recusada. Conforme nos disse o senhor
Ismael: “Pai não teve escolha, teve que ir”1019.
Não conseguimos encontrar informações sobre seu histórico de campanha. Mas
conforme o relato dos familiares, ele foi ferido por estilhaços de granada durante a batalha de
Monte Castelo. Seus ferimentos foram graves e ele ficou muito tempo hospitalizado.
Conforme o senhor Ismael:

Quando pai voltou da guerra aguardou a reforma aqui em Salvador. Depois


retornou a Alcobaça, depois de anos hospitalizado pelo fato de ter sido ferido
em Monte Castello [sic]. Passou pelo hospital de Campanha na Itália, depois
no Hospital de Casa Blanca e, finalmente, no Brasil. Aqui esteve no Rio
Grande do Norte, depois da travessia de Dakar-Natal, ferido, até chegar ao
Hospital Militar do Rio1020.

1017
FIGUEIREDO, José Sérgio de Almeida. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Teixeira de Freitas, nov.
2021.
1018
FIGUEIREDO (2021), op. cit.
1019
MEDEIROS, Ismael Nascimento de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Salvador, jan. 2019.
1020
Idem, idem.
309

Durante o período em que esteve em Salvador, Bernardo Grinaldo esteve lotado no 19º
Batalhão de Caçadores, no quartel de Amaralina. Foi apenas após ser reformado que voltou
para Alcobaça1021. Não voltou a trabalhar na fazenda Cascata. Casou com Bernarda
Nascimento de Medeiros, com quem já namorava antes de ser convocado. O casal teve três
filhos, o senhor Ismael, citado anteriormente, e duas mulheres, Jurgleide e Virgínia. Os nomes
das duas foram homenagens às enfermeiras que cuidaram dele enquanto esteve ferido:
Virgínia Porto Carrero1022 e Jurgleide Doris de Castro.
O casal viveu em Alcobaça até o final da década de 1960, quando então se mudou para
Salvador. De acordo com o senhor Ismael, a mudança ocorreu para que os filhos pudessem
estudar. Na capital baiana, Bernarda Nascimento de Medeiros montou uma livraria, em
sociedade com um primo. O nome da livraria era “O Livro”. Ismael afirmou que o pai gostava
de passar as tardes na livraria, “conversando com os amigos”1023.
Em 2005, a revista Nossa História publicou uma matéria especial intitulada “O Brasil
em guerra: os pracinhas na Itália”. Para a surpresa dos familiares, Bernardo Grinaldo de
Medeiros aparece em uma das fotos apresentadas na reportagem.

1021
MEDEIROS (2019), op. cit.
1022
Virgínia Maria Niemeyer de Portocarrero é uma das enfermeiras da FEB mais conhecidas. Ela produziu
diversos registros iconográficos enquanto esteve na Itália, além de ter mantido um diário no período da guerra.
Considerada heroína de guerra, após o fim do conflito voltou ao trabalho civil, mas por força de lei foi
incorporada à reserva do Exército, em 1950. Além disso, ela desempenhou um papel importante na assistência
aos ex-combatentes por meio da Associação dos Veteranos da FEB (ANVFEB). Aliás, o senhor Ismael se
recorda de uma visita de Virgínia Porto Carrero a seu pai, quando ela esteve em Salvador. Seu acervo
iconográfico e informações biográficas estão disponíveis no site da Casa de Cultura Fundação Oswaldo Cruz
(http://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/virginia-portocarrero), Fundo Virgínia Portocarrero.
1023
MEDEIROS (2019), op. cit.
310

Imagem 33: Bernardo Grinaldo de Medeiros

Fonte: REVISTA NOSSA HISTÓRIA, ano 2, n° 15, jan. de 2005, p. 18.

Talvez por saberem que estavam sendo fotografados, todos os soldados que aparecem
na imagem estão com expressões sérias, compenetrados. Todos carregavam o saco com os
petrechos pessoais. Pela legenda desta foto, na referida matéria, soubemos que Bernardo
Grinaldo foi enviado à Itália a bordo do navio USS General W. A. Mann. Esse navio executou
as duas primeiras viagens de transporte dos brasileiros para a Itália, carregando os dois
primeiros escalões da FEB.
De acordo com as recordações do filho, Bernardo Grinaldo foi incorporado ao 11º RI.
A viagem do General Mann que transportou elementos desse regimento foi a primeira que
chegou a Nápoles no dia 16 de julho de 1944. Isso significa que Bernardo Grinaldo estava no
primeiro escalão da FEB e que estava incorporado à 4ª Cia. e 1º Pelotão de Morteiros do 11º
RI, tendo em vista que essa foi a única unidade do 11º RI que foi transportada pelo General
Mann1024.
De acordo com o senhor José Sérgio, Bernardo Grinaldo “não queria falar da guerra,
falava muito pouco”1025. O senhor Ismael, por sua vez, nos disse:

Essas informações eu tenho de memória por ter ouvido diversas vezes ele
comentar com amigos dele dessa época e algumas que estavam próximo

1024
Sobre a organização e o transporte dos escalões da FEB, ver: Banco de Dados da FEB. Disponível em:
https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
1025
FIGUEIREDO (2021), op. cit.
311

dele, como Antônio Júlio de Caravelas [Antônio de Sá Rodrigues] e Walter


Rêgo Efren, todos ex-combatentes.

Tal como no caso de Antônio de Sá Rodrigues, Bernardo Grinaldo de Medeiros


parecia se sentir à vontade para conversar sobre o período da guerra apenas entre os antigos
companheiros. De acordo com Ecléa Bosi, relembrar é reviver1026. Dessa forma, falar com os
familiares sobre as experiências da guerra seria reviver aqueles momentos traumáticos, mas
eles não participaram da guerra. Nesse sentido, quando os amigos se reuniam, relembrar
aquelas experiências possibilitaria fazer um retorno seguro ao passado, tendo em vista que
não estariam sozinhos, mas com pessoas que participaram da guerra e também sobreviveram.
Mas escutar aquelas histórias partilhadas com os amigos foi o mais próximo que os
familiares dos veteranos puderam estar do passado dos ex-combatentes. Elas nos possibilitam
reconstituir parte de suas trajetórias e mesmo das trajetórias de outras pessoas. Foi com essas
conversas que Ismael de Medeiros conheceu parte da história de outro ex-combatente
alcobacense, Walter Rego Efren. Segundo nos relatou o senhor Ismael, Walter trabalhava na
área de comunicação, nos Correios e, diferentemente de seu pai, não foi convocado para a
guerra, se alistou voluntariamente e encontrou Bernardo Grinaldo na Itália.
Devido à experiência profissional, Walter atuou em um batalhão de comunicação.
Conforme o senhor Ismael de Medeiros: “O Walter do Rego Efren era o que fazia a
comunicação. Ele andava com aquela malona nas costas, com aquela antena em cima e era da
comunicação”1027. De acordo com sua ficha no site Banco de Dados da FEB, ele serviu no 1°
RI e retornou para o Brasil no dia 25 de setembro de 19451028.
Consta em sua ficha que foi evacuado, o que significa que foi ferido em batalha. De
acordo com o senhor Ismael: “Ele foi ferido na cabeça, de raspão, e tinha platina e algo
parecido com teflon na cabeça. A gente falava e via a bolinha quando ele falava”1029. Walter
não retornou para Alcobaça, permaneceu no Rio de Janeiro, onde de acordo com o senhor
Ismael, tinha parentes. Mas Walter visitou Bernardo Grinaldo de Medeiros algumas vezes, em
Salvador. Consta em sua ficha, no site Banco de Dados da FEB, que ele entrou para a reserva
no dia 17 de junho de 1946, com a patente de 3º sargento.
Bernardo Grinaldo de Medeiros manteve contato com os amigos de campo de batalha
até o fim da vida. O principal deles foi Antônio de Sá Rodrigues. De acordo com Hiram

1026
BOSI, Ecléa (1994), op. cit., p. 55.
1027
MEDEIROS (2019), op. cit.
1028
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
1029
MEDEIROS (2019), op. cit.
312

Campos, a amizade entre os dois “durou a vida inteira”1030. Eventualmente, Bernardo


Grinaldo visitava sua terra natal, Alcobaça, e, nessas ocasiões Antônio Rodrigues deixava
Ponta de Areia e se dirigia àquela cidade, para passar algum tempo com o amigo. Isso teria se
repetido até a morte de Bernardo Grinaldo, no dia 18 de maio de 1978.
Além de Bernardo Grinaldo de Medeiros e Walter Rego Efren, outra pessoa de
Alcobaça que prestou serviço militar durante a Segunda Guerra Mundial, de acordo com o
senhor José Sérgio de Almeida Figueiredo, foi José Bernardo. Contudo, este fez parte do
contingente de defesa do litoral baiano. Conforme o senhor José Sérgio, “ele ficou em
Olivença”1031, no município de Ilhéus. Este, possivelmente, foi companheiro do senhor João
Borges Bandeira.
Em Caravelas, por sua vez, embora Antônio de Sá tenha sido a única pessoa que
combateu na Itália – ao menos que conseguimos descobrir – soubemos que outras pessoas do
município foram convocadas para o serviço militar, durante a guerra. Após o primeiro
encontro com Galileu Rodrigues, retornamos à pousada onde estávamos hospedados.
Conversando com Cláudio Gonçalves da Silva, que trabalhava na recepção, obtivemos a
informação que próximo à pousada residia um senhor chamado Elias Siquara, que também
havia sido convocado durante a Segunda Guerra Mundial.
Fomos então para a residência indicada por Cláudio, onde encontramos o senhor Elias,
em companhia da filha, Lúcia Helena Siquara Carvalho, que permitiu que o entrevistássemos.
O senhor Elias nos disse que ele e outras pessoas da cidade, cujo os nomes já não se
recordava, foram convocadas, mas foram dispensados quando já estavam em viagem. O grupo
estava em Governador Valadares, Minas Gerais, quando receberam a notícia da dispensa.
Contudo, seu irmão, Clodomir de Jesus Siquara, não teve a mesma sorte, teve que prestar
serviço, mas atuou na defesa do litoral e não foi enviado à Itália.
Embora ele não mais se recordasse, acredita que talvez eles estivessem sendo enviados
para São João del-Rei, tal como aconteceu com Bernardo Grinaldo de Medeiros. Ou, ainda,
que estivessem sendo enviados para Juiz de Fora, onde o soldado Francisco Modesto,
mencionado anteriormente, havia recebido treinamento, antes de ser enviado ao Extremo Sul
da Bahia1032. O senhor Elias se recordava que os convocados caravelenses foram despachados
em “um caminhão cheio de correspondências”1033.

1030
RODRIGUES (2019), op. cit.
1031
FIGUEIREDO (2021), op. cit.
1032
SIQUARA (2019), op. cit.
1033
Idem, idem.
313

A entrevista foi rápida, pois o senhor Elias, então com 96 anos de idade, estava muito
cansado e queria se deitar para cochilar um pouco, antes do jantar. Contudo, uma das últimas
coisas que falou foi muito significativa: “não adiantou, nós vencemos”1034. O comentário
refletia a sua percepção sobre o intuito dos alemães ao atacarem as embarcações brasileiras.
Ele acreditava que o objetivo alemão era destruir o Brasil, mas a resistência brasileira havia
impedido o plano.
Descobrimos um pensamento semelhante em Arraial d’Ajuda, distrito do município de
Porto Seguro. Segundo nos disse o senhor Hermes José d’Ajuda, “eles [os alemães] queriam
destruir o Brasil”1035. Esse, certamente, não era o objetivo do governo alemão do período, mas
a interpretação que esses dois habitantes do Extremo Sul da Bahia fizeram daquele contexto é
interessante. Ela parece refletir a ideia difundida pelos agentes do governo de Getúlio Vargas,
no âmbito da construção do inimigo, referida anteriormente.
A entrevista que o senhor Elias Siquara nos concedeu foi a última de sua vida. Ele
faleceu menos de quatro meses depois, no dia 12 de maio de 2019. Embora breve, a entrevista
nos forneceu informações muito importantes a respeito da cidade de Caravelas no período da
Segunda Guerra Mundial, conforme citamos ao longo da tese.

9.3 Um convocado em Porto Seguro


Algumas pessoas de Porto Seguro também foram convocadas para serviço militar.
Soubemos dessas convocações pelo senhor Davino Dias da Costa, ele mesmo um dos quatro.
Os outros três, segundo nos informou, se chamavam “Sebastião, Lirinho e Benedito”1036. Os
quatro se dirigiram a Caravelas na embarcação 2 de Julho, pertencente à Companhia Bahiana
de Navegação. De Caravelas eles se dirigiram de trem para Teófilo Otoni, onde foram
realizados os exames médicos do grupo. Apenas o senhor Davino e Sebastião foram
admitidos.
De Teófilo Otoni, os dois porto-segurenses remanescentes foram encaminhados à
cidade de Nova Era, próxima a Belo Horizonte, onde começaram a receber o treinamento
militar. Contudo, conforme relatou o senhor Davino, após 45 dias de instrução, a guerra
terminou. Já que o Brasil estava em guerra apenas com a Alemanha e Itália, deduzimos que,
por fim da guerra, ele se referiu à rendição alemã, ocorrida no dia 7 de maio de 1945. Nesse

1034
SIQUARA (2019), op. cit.
1035
D’AJUDA (2017), op. cit.
1036
COSTA (2021), op. cit.
314

sentido, imaginamos que a convocação das pessoas de Porto Seguro ocorreu em algum
momento do mês de março daquele ano.
Entretanto, o senhor Davino Dias nos afirmou que não queria ter sido dispensado.
Conforme disse: “Depois que estava lá eu queria ficar lá, no Exército. Eu queria (...) me
dispensou, pronto! Queria ser soldado do Exército, hoje estaria aposentado com uma nota
boa”1037. O desejo de servir ao Exército parece ter sido tão grande que, passados 76 anos
desde a sua convocação, o senhor Davino ainda se recordava do hino da unidade onde ele
iniciou o treinamento militar.

Décimo Regimento
Aqui estou para sua glória aumentar
Pela Pátria querida, eu darei minha vida
Eu serei bom soldado a lutar.

Não importa que sejas do norte,


Do nordeste, do sul ou sertão
Para as lutas da guerra sou forte
Com o Brasil sempre no coração1038.

Foi por esse trecho que descobrimos o regimento onde o senhor Davino Dias esteve.
Tratava-se do 10° Regimento de Infantaria Leve-Montanha, sediado em Juiz de Fora. Embora
o trecho cantado por ele contenha algumas falhas, é impressionante o fato de ele ainda se
recordar do hino e de sua melodia1039, é um indício do grande desejo que ele tinha de
ingressar no Exército.
Ao mesmo tempo, a fala do senhor Davino aponta para uma questão muito importante:
a subsistência. Ele exerceu o ofício de carpinteiro ao longo de toda a vida e, talvez, tenha
enfrentado dificuldades de subsistência. Uma das recordações da infância que ele nos relatou
foi que, antes de ir para a escola, a avó costumava lhe servir café com farinha e açúcar, uma
mistura que ele chamou de “melódia”1040. O ingresso na carreira militar poderia ter sanado
quaisquer dificuldades de subsistência que, por ventura, o senhor Davino possa ter enfrentado.
Além do senhor Davino e dos demais convocados mencionados, algumas pessoas que
entrevistamos apontaram o Raimundo Vinhas, como outro morador de Porto Seguro
convocado para o serviço militar, durante a guerra. De acordo com o senhor Decio Gurrite

1037
COSTA (2021), op. cit.
1038
Idem, idem.
1039
O trecho correto é: Décimo, meu batalhão/ Aqui estou para sua glória aumentar/ Pela Pátria querida, eu darei
minha vida/ Eu serei bom soldado a lutar. Não importa que sejas do norte,/ Do nordeste, do sul ou sertão/ Para as
lutas da guerra sou forte/ Com o Brasil sempre no coração. A canção completa pode ser encontrada em:
https://10bilmth.eb.mil.br/index.php/cancao-do-10-bil-mth. Acesso em: 24 de dez. 2021.
1040
COSTA (2021), op. cit.
315

Pessôa, Raimundo Vinhas teria sido enviado para o Rio de Janeiro mas, enquanto aguardava o
embarque para a Itália, recebeu a notícia de que a guerra havia acabado 1041. O senhor
Raimundo Costa Sampaio também nos contou a mesma história1042.
Contudo, o senhor Davino Dias nos afirmou que Raimundo Vinhas ingressou no
Exército após a Segunda Guerra Mundial. Ele e outro morador de Porto Seguro chamado
Fortunato. A divergência dificulta saber se Raimundo Vinhas foi de fato convocado ou não.
Por fim, o senhor Davino também mencionou que oito pessoas de Santa Cruz Cabrália
também haviam sido convocadas no mesmo período que ele. Entretanto, todos os oito teriam
sido dispensados em Teófilo Otoni, após os exames médicos. Infelizmente, ele não se
recordou dos nomes, o que dificulta descobrirmos rastros dessas pessoas.

9.4 Evidências de outros convocados na região


Em Santa Cruz Cabrália, uma das curvas formadas pelo percurso do rio João de Tiba é
chamada de “Curva do Pedro Doido”. O local fica pouco mais de oito quilômetros acima da
foz do rio e faz parte de um sítio que pertence a Gabriel Moreira Dias. Segundo nos informou,
as pessoas que moram próximo à localidade dizem que a área pertencia a um homem
chamado Pedro e que ele residia lá com a sua mãe. Segundo contam, ele lutou na Segunda
Guerra Mundial e quando retornou havia perdido a sanidade. Por isso, passou a ser chamado
de “Pedro Doido”1043.
O boato não deixa claro se ele era natural do município de Santa Cruz Cabrália ou se
havia mudado para lá após o conflito. A sua suposta loucura pode ser um indício de que ele
sofria de estresse pós-traumático, um transtorno muito comum entre veteranos de guerra. Ou,
ainda, pode ser uma daquelas impressões da população brasileira que, de acordo como
Francisco Ferraz, prejudicou a reintegração social dos expedicionários brasileiros1044.
Embora não tenhamos encontrados outras informações sobre essas três pessoas, a
existência de histórias que os relacionam à guerra por si só é algo significativo. Talvez seja
uma tentativa dos moradores de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro ligarem suas localidades
à luta que os brasileiros travaram contra os alemães e italianos. De forma geral, existem
histórias de pessoas de outras localidades que lutaram na Itália e a circulação desse tipo de
histórias em Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália pode ser uma forma de ligar esses locais à
guerra, pois isso seria motivo de orgulho.

1041
PESSÔA (2018), op. cit.
1042
SAMPAIO, Raimundo Costa. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, nov.2021.
1043
DIAS, Gabriel Moreira. Entrevista concedida a Tharles S. Silva.Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), jan. 2021.
1044
FERRAZ (2005), op. cit., p. 69.
316

Conforme dissemos anteriormente, o senhor Hermes José d’Ajuda afirmou que os


alemães queriam destruir o Brasil. As histórias sobre “Pedro Doido” e Raimundo Vinhas
indicariam que também nesses locais os brasileiros combateram o inimigo que ameaçava a
própria existência do país. Pode ter contribuído para o surgimento de história desse tipo a
convivência com pessoas que integraram a FEB, mas que eram de outras partes da Bahia e
foram para o Extremo Sul, após o conflito. Encontramos informações sobre duas dessas
pessoas.
O primeiro é Joaquim Dias Sena, cuja a ficha de filiação na Associação dos Ex-
Combatentes do Brasil, em Salvador, indicava que ele residia na Avenida do Descobrimento,
km 1, em Porto Seguro1045. Ele nasceu na capital da Bahia, no dia 25 de julho de 1925. Seu
pai era Salustiano Gonçalves de Sena, sua mãe aparece na ficha identificada apenas pelo
primeiro nome, Judith. Em seu histórico de campanha, anexado à ficha de filiação, consta que
ele atuou na FEB de 6 de outubro de 1944 a 25 de julho de 1945.
De acordo com seu histórico, ele atuou no 1° Batalhão de Saúde. A data de início do
seu período de serviço indica que ele foi enviado no terceiro escalão da FEB. De acordo com
as informações sobre a composição do 1º Batalhão de Saúde, nele estavam os elementos do
Destacamento de Comando, do Pelotão de Tratamento e a 3ª Cia. de Evacuação1046.
Infelizmente, no seu histórico de campanha, não há informações sobre qual unidade em que
serviu e as funções que desempenhou.
Joaquim Dias Sena foi transferido para a reserva no dia 21 de agosto de 1945. Quando
foi retirado do serviço ativo ele ainda estava na Itália pois, conforme consta no site do Banco
de Dados da FEB, ele retornou ao Brasil no dia 17 de setembro de 19451047. Não sabemos
quando e em quais circunstâncias ele se mudou para Porto Seguro ou mesmo se ele já residia
naquela cidade quando foi convocado ou se voluntariou.
Era desquitado e, aparentemente, viveu na região até a década de 1970. Nos anexos de
sua ficha de filiação há uma autorização para a demarcação de um lote em seu nome, na Vila
dos Ex-Combatentes, em Itapoã, Salvador. A autorização data de 22 de julho de 1976 e o
prazo para o início da construção da residência era de seis meses, embora pudesse ser
prorrogado por mais seis. Se a demarcação foi feita e a obra foi iniciada ele pode ter retornado
a Salvador na segunda metade da década de 1970.

1045
FICHA CADASTRAL. Joaquim Dias Sena, Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, seção Bahia,
processo nº 796.
1046
Cf. Banco de Dados da FEB. Disponível em: https://bancodedadosfeb.com.br/. Acesso em: 25 de jul. 2021.
1047
Idem, idem.
317

Imagem 34: Joaquim Dias Sena

Fonte: FICHA CADASTRAL. Joaquim Dias


Sena, Associação dos Ex-Combatentes do Brasil,
seção Bahia, processo nº 796.

Quando ingressou na FEB, Joaquim Sena tinha apenas 19 anos, mas a foto em sua
Ficha Cadastral mostra uma pessoa com uma idade, notadamente, muito superior. A
associação da qual fazia parte, ou faz, caso ainda esteja vivo, foi fundada em 1946, conforme
visto anteriormente. Contudo, seu número de associado sugere que ele passou muito tempo
sem se associar a alguma organização desse tipo. Outra coisa perceptível em sua foto é que
ele era negro. Como visto na primeira parte da tese, grande parte da população baiana era
negra e analfabeta e ele fazia parte desse contexto, pois sua ficha foi assinada com impressão
digital.
Possivelmente, Joaquim Sena viveu muito tempo em Porto Seguro e o convívio com
os moradores locais pode ter feito com que sua história de combatente fosse conhecida. Ao
menos pelos amigos mais próximos. Infelizmente, ele desapareceu dos registros da associação
que integrava. Nem mesmo a direção da associação sabia, quando estivemos lá, se ele ainda
estava vivo ou já havia falecido, tampouco se teve filhos ou se de fato residiu na Vila dos Ex-
Combatentes.
A segunda pessoa que combateu na Itália e viveu no Extremo Sul da Bahia, mas que
era natural de outra parte do estado foi Antônio Carlos Almeida. Era irmão do senhor
Raimundo Costa Sampaio. Antônio Carlos se mudou para a região logo após ser dispensado
da Força Expedicionária Brasileira. Residia no município de Prado e faleceu em 2016.
318

Infelizmente, o senhor Raimundo Costa Sampaio já não se recorda sobre a atuação de seu
irmão na FEB.
Joaquim Dias Sena e Antônio Carlos de Almeida viveram muitos anos em Porto
Seguro e Prado. Seu contato com as pessoas locais pode ter alimentado as lembranças da
Segunda Guerra Mundial na região. Nesse sentido, junto aos ex-combatentes naturais do
Extremo Sul da Bahia, eles se transformaram em um elemento da memória regional daquele
período.
319

CAPÍTULO 10
OS LUGARES E A MEMÓRIA DA GUERRA

A memória se enraíza no concreto, no espaço, no


gesto, na imagem, no objeto1048.

Pierre Nora

Após a Segunda Guerra Mundial, algumas estruturas que de alguma forma estiveram
ligadas a ela, seja porque a população da região assim os via, seja porque eles realmente
foram construídos em função do conflito, foram preservadas. Esse foi o caso do campo de
aviação de Arraial d’Ajuda e o aeródromo de Caravelas. Esses locais se transformaram em
grandes marcos referenciais para as memórias de guerra das pessoas do Extremo Sul da
Bahia.
Inicialmente, acreditávamos que esses lugares teriam possibilitado uma espécie de
enraizamento da memória da guerra na região. Nesse sentido, seriam lugares de memória que,
de acordo com Pierre Nora, são “restos”, a “forma extrema onde subsiste uma consciência
comemorativa”1049. A função desse tipo de lugar é manter a coesão dos grupos sociais por
meio do reforço da identidade coletiva. Os lugares de memória se “mantêm pelo artifício e
pela vontade de uma coletividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e
renovação”1050. Para a criação desses lugares é preciso “ter uma vontade de memória”1051 e
organizar celebrações cívicas para investi-los de uma “aura simbólica” que os transforme em
objetos de rituais1052.
Isso significa que os lugares de memória são criados por uma sociedade com a clara
intenção de funcionarem como marcos de rememoração. Porém, no que tange ao campo de
aviação de Arraial d’Ajuda e do aeródromo de Caravelas, isso é algo que não pode ser
observado, seja na atualidade ou ao longo da história regional recente. O campo de aviação de

1048
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História v. 10, São Paulo, dez.
1993, p. 7-28, p.9.
1049
Idem, p. 12-13.
1050
Idem, idem.
1051
Idem, p. 22.
1052
Idem, p. 21.
320

Arraial d’Ajuda e o aeródromo de Caravelas não foram criados com o objetivo de preservar a
memória da guerra, nem há qualquer tipo de celebração cívica em torno deles.
Ainda de acordo com Pierre Nora, na falta da intenção de mnemônica, “os lugares de
memória serão lugares de história”1053. Isso significa que eles contêm informações que nos
permite, de alguma forma, acessar o passado ao qual eles representam. Nesse sentido, embora
não sejam lugares de memória, o campo de aviação de Arraial d’Ajuda e o aeródromo de
Caravelas são locais que nos possibilitam obter informações do período da guerra na região.
Entretanto, nas décadas de 1960 e 1970, dois lugares foram criados com a finalidade
explícita de servirem como marcos da memória da Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul
da Bahia. São eles a Praça dos Ex-Combatentes, em Porto Seguro; e o bairro Monte Castelo,
em Teixeira de Freitas1054. Estes sim nasceram com uma clara vontade de memória, mas eles
não se consolidaram como lugares de memória e também se transformaram em lugares de
história. Apesar disso, as histórias da guerra a eles relacionadas permeiam o imaginário social
da população regional e, por isso, os consideramos como elementos da memória daquele
conflito na região. Tal como os ex-combatentes, esses lugares de história são muito
importantes para a consolidação da memória da guerra na região.

10.1 A “Base de Caravelas”


Quando entrevistamos o senhor Decio Gurrite Pessôa, em 2018, enquanto nos falava
sobre a aviação durante a guerra, disse: “Em Caravelas era a base. Até pouco tempo tinha
soldado da Aeronáutica lá”1055. Quando estivemos em Caravelas, no ano seguinte, os
moradores da cidade também utilizaram a palavra “base” para se referir ao aeródromo
construído naquele município, durante a Segunda Guerra Mundial. A utilização dessa palavra
é interessante, mas indica uma certa supervalorização daquele espaço.
A rigor, o termo não está errado, tendo em vista que “base” é aquilo que dá suporte a
algo e aquele aeródromo era utilizado como suporte para as operações de patrulhamento da
costa da região e guerra antissubmarina. Contudo, o antigo aeródromo caravelense não tinha o
status de base militar, devido às suas funções e dimensões. Mas foi dessa forma que ele ficou
marcado na memória das pessoas da região.
Sua história remonta ao plano de defesa hemisférica, que vinha sendo desenvolvido
desde o começo do conflito, em setembro de 1939. Em outubro daquele ano, como resultado

1053
NORA (1993), op. cit., p. 22.
1054
O município foi criado em 1985, mas o povoado que o originou começou a se formar na década de 1950.
1055
PESSÔA (2018), op. cit.
321

do encontro dos chanceleres americanos, foi aprovada a Declaração do Panamá, que


estabeleceu a neutralidade do continente americano ante ao novo conflito europeu que acabara
de eclodir. Após o ataque japonês à base americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, o
avanço progressivo dos alemães no norte da África, bem como os ataques à marinha mercante
brasileira, a neutralidade foi rompida.
Para proteger o hemisfério, as autoridades militares dos EUA planejaram a construção
de uma série de bases aeronavais entre a América Central e a costa atlântica da América do
Sul. Essas estruturas visavam proteger o Canal do Panamá, como visto anteriormente, e
assegurar a livre-navegação das marinhas mercantes dos países do continente. O resultado foi
a criação de uma área de defesa gigantesca, que se iniciava na fronteira entre os Estados
Unidos e o Canadá e se estendia até a Argentina1056.
A ocupação do Norte e Nordeste do Brasil seria fundamental para viabilizar esse
plano. Sobretudo, para dar suporte às operações militares que seriam realizadas no norte da
África. Dessa forma, aeródromos e bases foram construídos no Amapá, Maranhão, Pará,
Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Bahia. As obras foram realizadas pela
Panair do Brasil S/A, autorizada a agir no dia 25 de julho de 1941. Na Bahia, foram
construídas a base aérea de Salvador e o aeródromo de Caravelas1057.
Não conseguimos encontrar muitas informações sobre a estrutura militar montadas no
município de Caravelas. Tentamos entrar em contato com o Comando Aéreo do Nordeste (II
COMAR)1058, mas nosso e-mail não foi respondido. As poucas informações que conseguimos
foram obtidas por meio da coletânea História Geral da Aeronáutica e de um memorial fixado
no terminal de embarque e desembarque do aeródromo1059.
O aeródromo de Caravelas foi classificado pelas autoridades militares dos Estados
Unidos como “Naval Air Facility Caravelas”, conforme consta no memorial citado acima. A
expressão significa, em tradução livre, “instalação aérea naval”. Ele indica o propósito de sua
construção: dar suporte às operações aéreas e navais de patrulhamento. Devido a essas
funções do aeródromo, Carlos Benedito de Souza, Sheila Franca de Souza se referiram a
Caravelas como um “ponto estratégico na Segunda Grande Guerra”1060.

1056
HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA (1991), op. cit., p. 369-382.
1057
Idem, p. 380-1.
1058
Sediado em Recife, o II COMAR foi criado em 1941 e sua jurisdição se estendia do Piauí à Bahia,
1059
O memorial, intitulado “Destacamento de Aeronáutica de Caravelas” foi produzido pelo Comando Aéreo do
Nordeste. Dessa forma, partimos do princípio de que as informações nele contidas foram retiradas de fontes do
período da construção do aeródromo.
1060
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 80.
322

Imagem 35: Aeródromo de Caravelas

Fonte: MEMORIAL. Destacamento de Aeronáutica de Caravelas. Aeroporto de Caravelas, s/d.

Essa é a única fotografia das antigas instalações do aeródromo de Caravelas. Nela


podem ser vistas: a torre de observação e controle de tráfego aéreo; as estações de observação
meteorológica e de energia (próximas à torre); o prédio onde ficavam o centro de comando e
o terminal de embarque e desembarque (no centro da imagem); os postes de transmissão
elétrica; e três estruturas que aparecem ser para-raios. Dessas estruturas, a torre de controle de
tráfego e os para-raios são as únicas que não existem mais.
Conforme o memorial referido, as obras de construção foram realizadas em duas
etapas. Na primeira, iniciada em janeiro de 1943, foram preparadas as estruturas para receber
aviões, com capacidade para acomodar até seis aeronaves. Na segunda, iniciada em outubro
daquele mesmo ano, as instalações para a operação de dirigíveis, mas não há indicação sobre
quantos o aeródromo podia operar. Contudo, na foto acima, não é possível ver nenhuma
estrutura semelhante a hangares.
Os senhores Derly Félix da Silva, Berly Félix da Silva e Wilson Pereira da Silva,
cantaram uma toada chamada “O canto dos catorze”. Ela dizia: “catorze tá chamando rapaz
novo na idade catorze tá chamando rapaz novo na idade... oh americano resolveram a fazer
uma cidade oh americano resolveram a fazer uma cidade”1061. Após cantar, disseram: “mas
esse daí não é muito velho não, né? Não, esse aí é daquela (...) naquela que começou em
quarenta três...”1062.
O nome da toada é uma referência à distância do aeródromo em relação à cidade de
Caravelas, 14 quilômetros. Os versos claramente aludem à construção do aeródromo e a fala

1061
CARMO (2021) (a), op. cit., p. 20.
1062
SILVA; SILVA; SILVA (2020), op. cit.
323

posterior explicita isso, visto que ela distingue as instalações atuais daquelas erigidas na
década de 1940. Aliás, a delimitação temporal é muito precisa, pois como dissemos
anteriormente, o aeródromo realmente foi construído em 1943.
Os três entrevistados eram crianças, com idades entre sete e oito anos, quando o
aeródromo foi construído. Nesse sentido, embora já fossem capazes de criar memórias
próprias, é possível que o que se recordam sobre ele são lembranças de acontecimentos
vividos por tabela1063. A ideia de que os americanos estariam erigindo uma cidade talvez seja
uma impressão gerada pela construção dos alojamentos do pessoal que operava o aeródromo,
um conjunto de casas que realmente lembram uma configuração urbana.
Em Caravelas, algumas pessoas com quem tivemos contato falaram que pessoas do
local trabalharam na construção das instalações do aeródromo. Os senhores Berly, Wilson e
Derly também falaram sobre isso. Conforme disseram: “Aí assim acima de Teixeira [de
Freitas] tinha uma família que morava e um dos filhos dessa família trabalhou muito tempo
ali nessa operação dos catorze (...) o rapaz tinha apelido de Zuzu”1064. Sobre detalhes da
construção, eles disseram:

Apanharam todo o aterro cá em Aparaju...1065 Até hoje diz que abriu aquelas
casinhas... Até hoje você chega lá em Aparaju ainda vê lá... O escavado da
terra que eles apanharam pra aterrar que lá é terra baixa alagadiça que pra
fazer as casas tudo e a água não invadir... Eles tiveram que gastar muito
material...1066.

Existe um rio que fica distante pouco mais de um quilômetro do aeródromo, o rio Pai
Anselmo. Possivelmente, é a ele que os entrevistados se referiram quando mencionaram o
risco de alagamento. As “casinhas” aludidas pelos entrevistados ainda existem. No entanto,
estão em ruinas.

1063
POLLAK (1992), op. cit., p. 201.
1064
SILVA; SILVA; SILVA (2020), op. cit.
1065
Povoado pertencente ao município de Alcobaça, que fica próxima ao local do aeródromo.
1066
SILVA; SILVA; SILVA (2020), op. cit.
324

Imagem 36: Alojamentos do Aeródromo de Caravelas

Fonte: Acervo pessoal do autor. (1) paiol; (2) almoxarifado; (3) modelo das residências dos oficiais e sargentos;
(4) residências dos cabos e praças.

As estruturas ocupam uma área com pouco mais de seis mil metros quadrados e
comportavam pouco mais de 200 pessoas, conforme o efetivo relatado no memorial referido
anteriormente. Todas as edificações estão sem as telhas e as madeiras das coberturas. Isso
pode indicar que foram saqueadas. O local fica à beira da rodovia BA-418, que interliga
Caravelas, Teixeira de Freitas e Nova Viçosa. O povoado mais próximo, Aparaju, está a cerca
de seis quilômetros. A distância de áreas urbanas e o abandono ao qual foi submetido
facilitaria o furto de materiais que podem ser reaproveitados para a construção civil.
No período de funcionamento do aeródromo, ele parece ter movimentado o comércio
local. Mais uma vez, conforme os senhores Berly, Derly e Wilson Silva:

(...) ali nos ‘catorze’ era um movimento doido... e deu dinheiro na região...
tudo quando era coisinha que a gente colhia aqui era que levava para
Caravelas, o povo comprava tudo pra Caravelas. Levava os animai, né? É!
(...) Muita coisa, laranja e essas coisas (...), chegava ali nos ‘catorze’, voltava
325

tudo vazio... o pessoal comprava tudo. Tinha muita gente trabalhando, tanto
brasileiro, como gente estrangeiro...1067.

Esse fluxo comercial pode ter gerado certo desabastecimento em Caravelas, embora
eles tenham dito que o que produziam era enviado para a cidade, a produção era vendida para
as pessoas que estavam no aeródromo. Isso se agravou após a chegada dos soldados do
GADo, no início de 1943. Isso nos ajuda a compreender a crítica feita pelo senhor Elias
Siquara, citada anteriormente, segundo o qual os alimentos de melhor qualidade eram
destinados aos militares.
Quanto ao motivo da construção do aeródromo, os senhores Berly, Derly e Wilson
disseram: “Foi quando teve o submarino, que não tinha navegação, era muito difícil a
navegação por água, aí ó, foi o governo, o presidente da República combinou com o governo
americano pra fazer aquele aeroporto”1068. A leitura que fizeram da situação é precisa, pois
foram os ataques navais que levaram o Brasil à guerra e ao estreitamento dos laços políticos e
militares com os Estados Unidos. Sobre o tipo de operações que eram executadas, eles
disseram:

Quando os alemães bombardearam a região... ali era um posto que o


dirigível pousava os aviões... e em Caravelas... em Abrolhos também tem
ainda o restante das (coisa) da guerra que era o ponto de apoio de vigilância
da linha marítima pra evitar o ataque dos submarinos. Depois que
conseguiram o dirigível foi que acabou com o submarino. O submarino
alemão não afundou mais embarcação brasileira...1069.

Dessa forma, para os senhores Berly, Derly e Wilson os dirigíveis tiveram um papel
central para que a guerra no Brasil acabasse, pois eles teriam sido as armas capazes de impor
fim às ações dos submarinos. Esse pensamento mostra que os habitantes do interior do
município de Caravelas perceberam a importância das patrulhas aéreas sobre o litoral da
região. Nesse sentido, o aeródromo de Caravelas não teria sido importante apenas para o
Extremo Sul da Bahia, mas para o país como um todo.
Embora não tenham sido os elementos definidores, os dirigíveis foram muito
importantes para a defesa do litoral brasileiro, durante a guerra. Dois esquadrões de dirigíveis
atuaram no Brasil, o ZPN-41 e o ZPN-42. As unidades do primeiro atuaram no Amapá, Pará,
Maranhão e Ceará; as do segundo, em Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo e Rio de

1067
SILVA; SILVA; SILVA (2020), op. cit.
1068
Idem, idem.
1069
Idem, idem.
326

Janeiro1070. No memorial do aeródromo de Caravelas existe uma foto de uma das unidades
dirigíveis.

Imagem 37: Unidade dirigível da Marinha americana

Fonte: MEMORIAL. Destacamento de Aeronáutica de Caravelas. Aeroporto de Caravelas, s/d.

Não há legenda para a foto, por isso é difícil saber se foi capturada no aeródromo de
Caravelas ou se é apenas uma ilustração do tipo de dirigíveis que operaram naquele local.
Diferentemente da Imagem 34, não há estruturas que possamos comparar com as que ainda
existem no aeródromo de Caravelas, daí poderíamos confirmar se a foto acima foi capturada
ou não em Caravelas. Mas acreditamos que o local não é o aeródromo caravelense, pois nela é
possível perceber o que parecem ser as silhuetas de outros dois dirigíveis, nos cantos da cena
capturada.
Havia apenas oito unidades do Esquadrão ZPN-42 operando no Brasil e elas estavam
distribuídas entre Recife, Fernando de Noronha, Ipitanga, Caravelas, Vitória e Santa Cruz.
Devido ao número reduzido de aeronaves, talvez fosse difícil concentrar três delas ao mesmo
tempo em Caravelas. Sobretudo, porque as instalações do aeródromo eram, aparentemente,
simples. Além disso, não conseguimos imaginar quais seriam os motivos estratégicos ou
táticos para concentrar quase metade das unidades do esquadrão em Caravelas. Certamente,
havia locais estrategicamente mais importantes para os esforços de defesa do litoral brasileiro,
dentro da faixa coberta pelo ZPN-42, como as áreas de Salvador e Vitória. Conforme o

1070
HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA (1991), op. cit., p. 459.
327

indicado na História Geral da Aeronáutica Brasileira, a função do aeródromo caravelense era


apenas dar suporte às operações aéreas, não centralizar ações1071.
Em agosto de 1945, o aeródromo de Caravelas passou para o controle da Força Aérea
Brasileira. A partir de então, um contingente de 201 militares passou a ocupar o local,
responsáveis, entre outras coisas, por missões do Correio Aéreo Nacional1072. Em 2007, o
antigo aeródromo deixou de receber voos, devido às más condições de suas pistas, mas entre
2010 e 2014 as suas pistas, o terminal de embarque e desembarque e outras estruturas foram
restauradas. Em 2015, sua administração foi repassada ao governo da Bahia, mas até o
momento ele continua sem receber aeronaves.
Quando estivemos em Caravelas, em 2019, as pessoas com quem estabelecemos
contato mencionaram o que eles disseram ser a “Base de Caravelas” e nos indicaram visitá-la.
Embora se reconheça localmente a importância daquele lugar, com exceção estrita das pistas e
do terminal de embarque e desembarque, ele está abandonado. As imagens mostradas
anteriormente, que apontam o furto dos telhados e das madeiras dos edifícios dos alojamentos
demonstram isso, mas esse é um problema que se repete em outros lugares da região.
Isso nos fez pensar sobre o porquê de ele não ter sido transformado em um lugar de
memória. No entanto, de acordo com Pierre Nora, “a razão fundamental de ser de um lugar de
memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento”1073. Talvez essa seja a
chave para compreendermos a questão. No município de Caravelas, a memória da Segunda
Guerra Mundial ainda é forte. A forma como as pessoas recordam o expedicionário Antônio
de Sá Rodrigues e como os senhores Berly, Derly e Wilson entoam o “Canto dos Catorze” e
falaram sobre o aeródromo, os dirigíveis e o submarinos demonstram isso.
Em Caravelas não parece haver a sensação de que o passado da guerra, presente no
imaginário social, esteja ameaçado. Dessa forma, eles não precisam de um lugar de memória.
As marcas deixadas pelos soldados mineiros, pelo expedicionário e pelas operações aéreas
parecem ainda ser fortes o suficiente para manter esse passado vivo. Nesse sentido, para a
sociedade caravelense, as pessoas portadoras dessas memórias, as que já morreram e as que as
herdaram, parecem ser mais importantes que os lugares nos quais ela possa se enraizar.

1071
HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA (1991), op. cit., p. 497.
1072
MEMORIAL (s/d), op. cit.
1073
NORA (1993), op. cit., p. 22.
328

10.2 A Praça dos Ex-Combatentes e o bairro Monte Castelo


De todas as antigas cidades do Extremo Sul da Bahia, Porto Seguro é a única que
possui um lugar específico para homenagear os soldados mineiros que estiveram na região,
durante a Segunda Guerra Mundial: a Praça dos Ex-Combatentes. Ela foi construída em volta
de uma pequena estrutura de concreto que contém duas placas memoriais. A primeira foi
inaugurada em 1979 e a segunda 1993, ambas inauguradas pelos remanescentes das unidades
militares que estiveram na cidade.
Não encontramos informações sobre o primeiro memorial, mas o ano no qual ele foi
erigido nos permite tecer algumas considerações a seu respeito. O contexto era de ditadura
militar, que se estendeu de 1964 a 1985. De acordo com Uri Rosenheck, os governantes
brasileiros daquele período promoveram o resgate nacional dos veteranos da Segunda Guerra
Mundial, cuja a memória até então era celebrada em encontros organizados pelas associações
de ex-combatentes. Esse resgate foi acompanhado de uma apropriação do prestígio da FEB
para legitimar os militares e o próprio regime militar1074.
Ainda de acordo com Rosenheck, no Brasil, durante as quatro décadas que se
seguiram ao fim da guerra, foi produzida uma média anual de três a quatro monumentos
ligados à memória da FEB1075. Muitos desses monumentos tiveram suas construções
promovidas por associações de ex-combatentes. Esse contexto foi importante para que elas
pudessem fortalecer as comemorações dos feitos dos soldados brasileiros durante a campanha
da Itália1076. Ao promover o resgate da FEB, o regime militar acabou incentivando a produção
de monumentos ligados à participação brasileira na guerra. No memorial mais antigo da Praça
dos Ex-Combatentes de Porto Seguro se pode observar a influência daquele período.

1074
Cf. ROSENHECK, Uri. Re-carving the stone: Reinterpreting World War II monuments in Brazil. In:
MALLETT, Derek R. Monumental Conflicts: Twentieth-Century Wars and the Evolution of Public Memory.
Routledge: London, 2017, p. 56-68.
1075
Idem, p. 56.
1076
FLORES, Rodrigo Musto. O jogo de luz e sombras: os usos e abusos de uma memória sobre a Força
Expedicionária Brasileira (1945-2019). Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural) – Universidade Federal
de Viçosa (UFV), Viçosa, 2019, p. 84.
329

Imagem 38: Praça dos Ex-Combatentes, Memorial I

Fonte: Acervo pessoal do autor.

A mensagem do memorial pode ser dividida em três partes: a referência à história, a


missão do grupo ao qual ele se refere e os produtores da homenagem. A primeira delas alude
à Segunda Guerra Mundial, sem mencioná-la diretamente, e identifica o grupo homenageado,
o 10° Batalhão de Caçadores, de Ouro Preto. A segunda esclarece a missão executada pela
unidade militar, a manutenção da integridade do território brasileiro. A terceira esclarece que
os próprios remanescentes da unidade militar produziram o memorial.
Nas três partes existem detalhes que devem ser apontados para entendermos o
contexto de produção do memorial. O primeiro é o recorte temporal (1943-1944). Ele
representa o auge das ações defensivas executadas conjuntamente entre as forças brasileiras e
americanas. Nesse período, 12 submarinos do Eixo foram afundados ao largo da costa
brasileira, sendo um italiano e os demais alemães. Além disso, outros dois foram
avariados1077. Enquanto a guerra antissubmarina se desenrolava, travada especificamente por
aeronaves e navios militares, os soldados brasileiros garantiam a integridade das áreas
litorâneas.
A omissão do termo “Segunda Guerra Mundial”, conflito de dimensões globais,
valoriza o aspecto nacional do envolvimento brasileiro no conflito. Isso foi reforçado pelo
destaque dado à manutenção da integridade territorial. De acordo com Uri Rosenheck, o
discurso do comprometimento das forças armadas com manutenção da integridade territorial

1077
Cf. BENTO (1995), op. cit., p. 31.
330

era muito veiculado na década de 19701078. Sobretudo, devido ao contexto de Guerra Fria que,
como visto anteriormente, despertava certa preocupação entre os jornalistas brasileiros. É
possível que essa retórica do regime militar tenha inspirado os remanescentes do 10° BC.
Por fim, é muito significativo o fato de que o memorial tenha sido produzido por parte
dos próprios soldados que haviam guarnecido o município de Porto Seguro. No caso
específico da praça, não encontramos indícios de que tenha havido uma tentativa dos políticos
e da população local de preservar a memória do período da guerra. Nesse sentido, o esforço
foi uma ação de elementos externos à comunidade. Infelizmente, por não termos conseguido
informações sobre a sua inauguração, não sabemos como foi a recepção das pessoas da cidade
a esse memorial.
Sobre o segundo memorial, inaugurado no dia 20 de maio de 1993, conseguimos
algumas informações, cedidas por duas das pessoas que entrevistamos. De acordo com o
senhor Decio Gurrite Pessôa, ele foi providenciado pelo tenente Ari Vitorino Dias, um dos
soldados do 10° BC1079. Ainda conforme o senhor Decio, foi o próprio oficial que escreveu a
mensagem contida no memorial. Mais uma vez, foram os próprios soldados que idealizaram a
homenagem e não a população ou políticos locais.

Imagem 39: Praça dos Ex-Combatentes, Memorial II

Fonte: Acervo pessoal do autor. “Os remanescentes do 10° BC e 3ª BIA/1º/8° RAM aqui
estiveram no cinquentenário do desembarque nesta cidade em 20 - 05 - 43, onde
cumpriram missão de vigilância e segurança durante a 2ª Guerra Mundial. Porto Seguro
20 - 05 - 93”.

1078
ROSENHECK (2017), op. cit.
1079
PESSÔA (2018), op. cit.
331

A mensagem também pode ser dividida em três partes: a identificação dos grupos
militares, a natureza da homenagem e missão executada. Na primeira se destaca a sua
abrangência, pois homenageia tanto os soldados 10° BC quanto os da 3ª Bateria do 1°/8°
RAM, de Juiz de Fora. A segunda parte esclarece que o objetivo do memorial é celebrar os 50
anos que haviam se passado desde o desembarque dos soldados mineiros em Porto Seguro.
Na terceira, a missão é descrita como vigiar e manter a segurança.
A mensagem deste memorial apresenta algumas mudanças sensíveis em relação ao
anterior. Os termos “vigilância”, “segurança” e “Segunda Guerra Mundial” parecem atenuar o
teor essencialmente patriótico e corporativo do anterior. Eles transmitem uma noção mais
realista sobre a função dos soldados e, ao mesmo tempo, ampliam a dimensão da atuação
daquelas duas unidades militares.
O contexto agora era de redemocratização da sociedade brasileira. Aparentemente, à
medida que a sociedade se transformava, a forma como o passado da guerra era invocado
também se modificava. Nesse sentido, a memória aparece condicionada às demandas do
presente. Foi para a inauguração do segundo memorial que a Praça dos Ex-Combatentes foi
erigida. De acordo com o senhor Raimundo Costa Sampaio: “Eles já vieram com a placa e
pediram ao prefeito um local para colocá-la”1080. Dessa forma, toda a montagem desse marco
de memória da Segunda Guerra Mundial em Porto Seguro surgiu devido à ação dos próprios
veteranos.

1080
SAMPAIO (2021), op. cit.
332

Imagem 40: Praça dos Ex-Combatentes – Porto Seguro

Fonte: Acervo pessoal do autor.

A Praça ocupa um espaço pequeno: são cerca de 450 metros quadrados. O calçamento
que a delimita está mal conservado. No centro está o pequeno suporte de concreto no qual
estão fixados os dois memoriais. Apesar do estado da conservação, o nome da praça está
sinalizado por uma placa. Ao fundo se destaca o quiosque que funciona como bar e
lanchonete, que ocupa a maior parte da área da praça. Aliás, ao nos falar sobre a inauguração
do monumento e da praça, o senhor Decio Pessôa comentou: “Assim que eles deram as
costas, transformaram aquela praça num botequim”1081. Conforme nos disse, isso teria
causado desgosto ao tenente Ari Vitorino Dias, porque aparentava ser um descaso com a
memória dos veteranos.
A Praça dos Ex-Combatentes não pode ser considerada um lugar de memória. Não
existem celebrações cívicas em torno da memória que ela resguarda. Sobretudo, ela não
1081
PESSÔA (2018), op. cit.
333

surgiu de uma vontade da comunidade local de reforçar seus laços de pertencimento a partir
das memórias da guerra na região. Contudo, isso não significa que ela não tenha uma
importância cívica ou que não possa vir a se constituir em um lugar de memória. Afinal, a sua
existência representa, de qualquer modo, um enraizamento da memória da Segunda Guerra
Mundial em Porto Seguro e no Extremo Sul da Bahia de forma geral.

Imagem 41: Remanescentes dos soldados mineiros em Porto Seguro (1997)

Fonte: Acervo pessoal de Romeu Fontana.

Se, por um lado, a praça não é comumente invocada pelas pessoas locais com uma
referência àquele conflito, existe um local no município de Porto Seguro que é concebido
dessa forma: o antigo campo de aviação de Arraial d’Ajuda.
334

Imagem 42: O antigo Campo de Aviação de Arraial d’Ajuda

Fonte: Bruno Pinheiro. Editada.

O campo de aviação de Arraial d’Ajuda foi inaugurado em maio de 1939, como parte
de um evento que comemorou os 439 anos da chegada dos portugueses à América1082. Dessa
forma, ele não foi construído para a guerra, como comumente se pensa localmente.
Entretanto, como visto anteriormente, uma série de lembranças da guerra dos moradores mais
velhos do distrito estão ligadas ao campo. Além disso, após o conflito ele continuou sendo
utilizado pelo Correio Aéreo Nacional. Assim sendo, a presença dos militares pode ter feito
surgir aquilo que recentemente classificamos como “mito do campo para guerra”1083.
Contribuiu para isso a coincidência cronológica entre a inauguração do campo de aviação e o
início da Segunda Guerra Mundial.
Deve-se destacar que “mito” é, antes de tudo, uma tentativa de explicar um fenômeno
qualquer. Nesse sentido, as histórias que associam o antigo campo de aviação de Arraial
d’Ajuda à Segunda Guerra Mundial foi uma forma de tentar explicar a presença dos soldados
mineiros, entre 1943 e 1944. Sobretudo, era uma forma de justificar a existência daquele

1082
PARRACHO (2019), op. cit., p. 27-104.
SILVA, Tharles Souza. O antigo campo de aviação de Arraial d’Ajuda e as memórias da Segunda Guerra
1083

Mundial. In: Id. (org.). Asas para Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação de Arraial
d’Ajuda. Jundiaí: Paco Editorial, 2019, p. 105-133.
335

espaço que a comunidade local entendia como importante para o desenvolvimento econômico
e social do distrito ao longo da segunda metade do século XX.
Em 1996, por meio de um convênio assinado entre o II COMAR, a prefeitura de Porto
Seguro e a Associação Amigos de Arraial de N.S. d’Ajuda, o campo de aviação foi
transformado no Parque Central. O convênio determinou que apenas aparelhos comunitários,
como postos de saúde, escolas, quadras esportivas, entre outras, podem ser instalados na área.
Contudo, existem muitas opiniões divergentes sobre como utilizar a área. De um lado, é
perceptível a existência da intenção de loteá-la, o que favoreceria os interesses de
especuladores fundiários locais. Do outro, se nota uma série de iniciativas que tentam efetivar
o seu uso comunitário1084.
Tal como a Praça dos Ex-Combatentes, o Parque Central não se constituiu como um
lugar de memória, mas um lugar de história. Porto Seguro é o único município do Extremo
Sul da Bahia no qual identificamos homenagens explícitas aos soldados mineiros que
guarneceram a região durante a guerra. Entretanto, existe outro lugar que homenageia
diretamente um dos expedicionários que combateram na Itália: Teixeira de Freitas.
Após descobrirmos a existência da Praça dos Ex-Combatentes em Porto Seguro,
imaginamos que poderia existir outros espaços semelhantes na região. Começamos então a
buscar ruas, praças e bairros com nomes ligados aos ex-combatentes. A primeira descoberta
foi uma rua com o nome “Ex-Combatentes”, em Nova Viçosa. A primeira busca foi
interrompida, devido à viagem para Caravelas. Quando retornamos reiniciamos a busca.
Dessa vez, nos deparamos com duas coisas que nos chamou a atenção: uma rua com o nome
“Grinaldo de Medeiros” e um bairro chamado “Monte Castelo”, ambos em Teixeira de
Freitas. A rua, como visto anteriormente, tem o mesmo nome de um dos expedicionários de
Alcobaça, mas o nome do bairro, devido ao nome da rua, imaginamos que também estaria
ligado a ele.
A confirmação do pensamento veio na entrevista com o senhor Ismael Nascimento de
Medeiros. Foi ele que nos disse que o nome do bairro era uma homenagem a Bernardo
Grinaldo de Medeiros, mas que ele não sabia de mais nada a respeito e nos indicou o senhor
José Sérgio de Almeida Figueiredo, para obtermos mais informações. Quando perguntamos
ao senhor José Sérgio sobre o nome do bairro ele disse que a ideia havia sido de seu pai,

1084
Ver: DIAS, Gabriel. Parque Central: um futuro possível para o antigo campo de aviação. SILVA, Tharles S.
(org.). Asas para Porto Seguro: histórias e memórias do antigo campo de aviação de Arraial d’Ajuda. Jundiaí:
Paco Editorial, 2019, p. 191-208.
336

Joaquim Muniz de Almeida Neto, que, como visto anteriormente, era proprietário da fazenda
Cascata, onde Bernardo havia trabalhado1085.
Conforme nos informou, o projeto do loteamento do bairro foi feito entre 1964 e 1965.
A ideia original de seu pai era que ele se transformasse em uma “cidade modelo”1086. Segundo
disse, o projeto foi feito por acadêmicos do curso de Urbanismo da Universidade Federal da
Bahia. Entretanto, o plano de criação de uma cidade modelo não se concretizou e o
loteamento foi anexado como um bairro do povoado de Teixeira de Freitas, elevado à
categoria de cidade em 1985.
Como visto anteriormente, a Batalha de Monte Castelo acabou sendo transformada no
maior símbolo da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. O fato de Bernardo
Grinaldo de Medeiros ter lutado nela é motivo de grande orgulho para seus familiares e isso
motivou seu tio a lhe prestar tal homenagem. O senhor José Sérgio não nos deu detalhes sobre
a rua Grinaldo de Medeiros, mas é possível que ela tenha sido criada mais recentemente,
tendo em vista o destaque dado na memória familiar ao bairro.
O bairro e a rua são os únicos marcos de memória urbanos ligados diretamente a um
dos expedicionários recrutados no Extremo Sul da Bahia que conseguimos encontrar.
Diferentemente da Praça dos Ex-Combatentes em Porto Seguro, o bairro Monte Castelo, em
Teixeira de Freitas, surgiu a partir do interesse de pessoas da região. Entretanto, é difícil
compreender o impacto que ele causa sobre a sociedade teixeirense.
A região passou por grandes transformações desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O número de municípios subiu de 7 para 21 e a população aumentou 21,46% entre os censos
de 1950 e 20101087. Além disso, entre o final do século XX e início do XXI, atividades
econômicas relacionadas ao turismo e
à produção de celulose aceleraram o ritmo de transformações socioeconômicas, atraindo
muitas pessoas de outros estados1088. Além das pessoas do próprio Nordeste, cerca de 13,27%
da população local veio do Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país.
Deve-se considerar, ainda, que talvez as memórias da guerra sejam muito mais
significativas para as pessoas que viveram o período da Segunda Guerra Mundial e para os
descendentes destes do que para as gerações mais jovens. Sobretudo, aqueles que descendem
das pessoas que emigraram para o Extremo Sul da Bahia, após a guerra. Por mais que as

1085
FIGUEIREDO (2021), op. cit.
1086
Idem, idem.
1087
Consultamos o censo de 2010 no site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/. Acessado em: 28 de out. 2021.
1088
CERQUEIRA NETO, Sebastião Pinheiro Gonçalves de. Do isolamento regional à globalização:
contradições sobre o desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade
Federal de Sergipe (UFS). São Cristóvão, 2009, p. 82.
337

pessoas mais jovens possam ter entrado em contato com as histórias do tempo da guerra, os
eventos são, certamente, mais significativos para aqueles que os vivenciaram. Contribui para
esmaecimento da memória da guerra na região a falta de comemorações públicas.
Dessa forma, talvez lugares como a Praça dos Ex-Combatentes e o Bairro Monte
Castelo podem não ter significado especial para a atual população regional. Contudo, estes
espaços são lugares que nos permitem acessar as memórias da Segunda Guerra Mundial no
Extremo Sul da Bahia, mesmo que talvez já não tenham um significado especial para as
pessoas locais atualmente. Mas como destacou Michael Pollak, uma das funções da memória
é “manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum”1089.
***

Os submarinos, os ex-combatentes e lugares como a Praça dos Ex-Combatentes, o


bairro Monte Castelo e o campo de aviação de Arraial d’Ajuda são elementos essenciais da
memória da Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. Eles nos permitem
compreender como essa memória foi se formando ao longo das décadas que se seguiram ao
fim do conflito. Especialmente, porque não há comemorações públicas que celebre essa
memória em nenhum dos municípios da região.
Inicialmente, o medo dos submarinos, uma reminiscência do período da guerra, foi
fundamental para a população regional interpretar alguns eventos ocorridos em Alcobaça,
Belmonte e Prado, entre as décadas de 1950, 1960 e 1970. Ao mesmo tempo, o medo acabou
servindo para reavivar experiências vivenciadas no período da guerra. Sobretudo, a cobertura
dos eventos, feitas por jornais de diversas partes do Brasil, trouxe à tona alguns elementos do
contexto da beligerância, como a alusão à prisão de estrangeiros no Extremo Sul da Bahia e
suposta colaboração de Abiah Reuter com nazistas.
Entre as décadas de 1960 e 1970, a construção de locais específicos para servir de
sustentáculo à memória da guerra também foi importante para a consolidação da memória do
conflito na região. Por mais que esses lugares não tenham se transformado em lugares de
memória, o fato de ainda existirem – e de atuarem como lugares de história – permite que essa
memória seja invocada. No entanto, a falta celebração cívica e o descuido do poder público
ameaça a existência desses locais. O fato de a população regional ter se renovado nas últimas
décadas tem colocado em xeque ainda mais os locais mencionados ao longo deste capítulo.

1089
POLLAK (1989), op. cit., p. 3-15, p. 9-10.
338

Entretanto, ao mesmo tempo que lugares como os citados estão em risco, novos
elementos da memória da guerra têm surgido. Desde a da década de 1980, alguns autores da
região têm feito uma série de menções à guerra em livros. As vezes as menções são sutis,
como fez Roberto Martins ao afirmar que Porto Seguro recebeu “nova vida”1090 após a guerra,
ou como Sidrach Carvalho Neto, que mencionou a desativação da Cabrália S.A., uma empresa
de celulose, após o conflito1091. Contudo, alguns trabalhos deram maior destaque ao período
da guerra, como fizeram Carlos Benedito de Souza e Sheila Franca de Souza, ao dedicarem
um capítulo de sua História de Caravelas ao período da Segunda Guerra Mundial1092.
O município com mais citações literárias sobre o período da guerra é Porto Seguro e o
escritor regional que mais espaço dedicou a esse tema foi Romeu Fontana. Em seus trabalhos,
a guerra aparece quase sempre de forma tangencial, mas as menções são constantes. Em Porto
Seguro: de aldeia de pescadores a aldeia global, ele citou a passagem de aviões militares
pelo campo de Aviação de Arraial d’Ajuda1093. No mesmo trabalho se referiu à atividade
madeireira na região, durante a guerra, aludindo ao funcionamento de uma serraria em Santo
André1094, distrito de Santa Cruz Cabrália. Também mencionou eventos como as brigas de
Adalberto Cascalho com os militares que estiveram em Porto Seguro1095.
Mas o conflito também aparece de forma direta na obra de Romeu Fontana. No livro
Porto Seguro – memória fotográfica, ele destacou a presença dos soldados mineiros em Porto
Seguro. Além disso, mais recentemente, em Abbia, a alemoa: a espiã de Hitler no sul da
Bahia, um romance ficcional, Fontana adentrou os boatos sobre as supostas espionagens e
colaboracionismo de Abiah Reuter1096. Essas obras, junto à citada anteriormente,
transformaram Romeu Fontana no autor que mais se dedicou a citar os eventos da guerra no
Extremo Sul da Bahia.
O senhor Decio Gurrite Pessoa também publicou um livro de fotografias de Porto
Seguro, no qual aparecem imagens e textos sobre os soldados mineiros que protegeram o
litoral do município1097. Claro, não se pode esquecer do livro Relatos Históricos de
Caravelas1098, de Carlos Benedito e Sheila Franca de Souza. Conforme dito anteriormente,

1090
MARTINS (2018), op. cit., p. 284.
1091
CARVALHO NETO (2004), op. cit., p. 59.
1092
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit., p. 80.
1093
FONTANA (1988), op. cit., p. 92.
1094
Idem, p. 119.
1095
Idem, p. 139.
1096
FONTANA (2019), op. cit.
1097
PESSOA (2013), op. cit., p. 41; 90-91.
1098
SOUZA; SOUZA (2006), op. cit.
339

esses autores que dedicaram um capítulo em sua obra para tratar do período da guerra em
Caravelas.
Com exceção do trabalho de Roberto Martins, que está mais próximo de uma obra
historiográfica, os demais estão mais próximos daquilo que poderíamos chamar de obras de
memórias. Sobretudo, os de Romeu Fontana e Décio Gurrite Pessôa, que são herdeiros diretos
da tradição e das memórias das pessoas cujos eventos eles descrevem em suas obras. Mas não
se trata de memórias pessoais e sim da sociedade às quais os autores pertencem. De forma
especial, essas pessoas lutam contra aquilo que enxergam como uma ameaça à integridade da
comunidade local porto-segurense. Nesse sentido, quando eles tratam da guerra em seus
trabalhos estão tentando manter vivas as lembranças de um período e de pessoas que eles
consideram importantes para manter a identidade e a integridade de sua comunidade.
Em 2005, outro livro acabou trazendo à tona um dos elementos da guerra na região. O
título do livro Porto Seguro, outra história1099, uma novela juvenil escrita por Hugo Almeida.
O autor não é da região, mas o seu avô viveu em Porto Seguro, na década de 1940. Na parte
inicial do livro, Hugo Almeida apresenta um relato biográfico sobre o avô e narra a viagem
marítima que o levou de Salvador a Porto Seguro, em janeiro de 1945. Ao descrever a
travessia, o autor destacou o medo do ataque de submarinos. Trabalhos como este e dos
demais autores citados não construíram uma história concisa da guerra na região, mas
permitiram adentrar os elementos da guerra no Extremo Sul da Bahia.
Mais recentemente, o aparecimento de fardos de borracha em alguns municípios da
região estão ajudando a reavivar a memória da guerra na região. Conforme estudos realizados
por pesquisadores das universidades federais do Ceará e do Alagoas, os fardos de borracha se
desprenderam dos compartimentos de carga de duas embarcações alemãs afundadas durante a
Segunda Guerra Mundial, o S.S. Rio Grande e o M.V. Weserland. Estes navios partiram do
leste asiático em direção à Alemanha, mas foram atacados e afundados por navios Aliados no
Atlântico Sul. Os pesquisadores desconfiam que saqueadores de naufrágios acabaram
liberando, acidentalmente, os carregamentos de borracha, enquanto buscavam por itens mais
valiosas.
Os fardos de Borracha apareceram em praias dos litorais de Alagoas, Bahia e Sergipe.
Encontramos e fotografamos pessoalmente seis deles: quatro no povoado de Santo Antônio,
no município de Santa Cruz Cabrália; e um no povoado de Caraíva, no município de Porto

1099
ALMEIDA, Hugo. Porto Seguro, outra história: (novela juvenil). São Paulo: Nankin, 2005.
340

Seguro. Entretanto, estes não foram os únicos encontrados nestes municípios, mas não
conseguimos determinar a quantidade dos fardos de borracha encontrados na região.

Imagem 43: Fardos de borracha em Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Além das que encontramos e fotografamos, recebemos fotografias de fardos


encontrados em Prado. Infelizmente, nas borrachas que encontramos não há inscrições ou
outras marcas quaisquer, como nas encontradas em outras localidades. Isso poderia nos
fornecer informações sobre sua origem, produtor, dentre outras. Optamos por não incluir este
tema nas discussões apresentadas ao longo desta seção, pois o evento é recente e ainda são
necessárias mais investigações sobre este material.
Independente disso, o aparecimento dos fardos de borracha suscitou a curiosidade das
pessoas que se depararam com eles. Nos locais que os encontramos as pessoas se referiram a
eles dizendo “dizem que é da época da guerra”. Talvez, futuramente, estes faros de borracha
se transformem de fato em mais um dos elementos que ajudarão a manter viva a memória da
Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia.
341

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Extremo Sul da Bahia passava por transformações econômicas, urbanas e sociais


relativamente aceleradas, antes do início da Segunda Guerra Mundial. Em grande medida,
essas transformações foram o culminar de um longo processo de demarcação das fronteiras
entre a Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais. Esse processo foi acompanhado do
redirecionamento da exploração econômica das zonas fronteiriças entre os três estados. Essas
mudanças acentuaram o extrativismo vegetal na região, o que resultou na instalação de
diversas serrarias nos municípios do Extremo Sul baiano. Isso levou à uma migração entre as
populações que moravam próximo às divisas dos três estados. Esse contexto fez a população
regional crescer aceleradamente no início do século XX, conforme ficou registrado nos
recenseamentos citados ao longo deste trabalho.
O crescimento da população levou a uma mudança no perfil étnico dos habitantes
locais. Ao longo do período colonial e, aparentemente, até o final do século XIX, os indígenas
formavam o grosso da população regional. Entretanto, os primeiros recenseamentos do século
XX mostraram que as pessoas negras e pardas se tornaram o grupo majoritário. Na década de
1940, cerca de 66% da população regional era negra e parda, expressão que aparece nos
recenseamentos. Durante a pesquisa encontramos algumas evidências que parecem sugerir
que havia tensões raciais no Extremo Sul da Bahia. Essas tensões podem ter ficado mais
aparentes no período da Segunda Guerra Mundial, momento no qual foram publicados textos
no Boletim Oficial Município de Belmonte que aludiam às tensões raciais da sociedade
brasileira de forma geral.
No que tange à política, a região também estava passando por transformações.
Contudo, ao contrário das demais, estas não estavam ligadas às demarcações fronteiriças.
Entre 1930 e 1945, os municípios da região foram fortemente influenciados pela conjuntura
nacional. O alinhamento ideológico com as sucessivas fases dos governos de Getúlio Vargas
levou ao poder uma série de novos políticos que, embora permanecessem de alguma forma
ligados às elites tradicionais, tentaram realizar uma série de reformas estruturais em seus
municípios.
Foi dentro desse contexto de transformações econômicas, sociais e políticas que a
Segunda Guerra Mundial atingiu a região. O advento da guerra expôs as fragilidades do
Extremo Sul da Bahia, sobretudo quando os ataques executados pelos submarinos italianos e
342

alemães contra as embarcações mercantes do Brasil se intensificaram. De forma especial, o


litoral Nordeste do país foi profundamente afetado pelas agressões navais. Esses ataques
fizeram com que a população da região começasse vivenciar o clima de beligerância. Entre
1942 e 1943, as exportações de mercadorias dos municípios, escoadas pelo mar, se reduziram.
Foi um claro efeito dos ataques dos submarinos. Nesse contexto, parece ter havido uma
preocupação com a regularidade dos estoques de alimentos nas cidades do Extremo Sul da
Bahia. As agressões navais tonaram a guerra algo familiar para os moradores regionais.
As pessoas entrevistadas, que vivenciaram o período da guerra na região, relataram
dificuldades de subsistência, ao longo dos anos do conflito. No geral, disseram que havia
muita pobreza e que as pessoas costumavam trocar alimentos para garantir os gêneros
alimentícios que necessitavam. Esses relatos podem ser uma evidência das dificuldades
geradas pelo estado de beligerância, mas também apontam uma prática que pode ter ajudado a
reforçar os laços sociais naquele período de dificuldades.
O conflito atingiu a região, sobretudo por meio da desnaturalização da sua principal
via de comunicação, o mar. Especialmente após os ataques à barcaça Jacira, em agosto de
1942, e ao vapor Afonso Pena, em março de 1943. Este último, embora seja pouco lembrado,
foi uma das maiores tragédias ocorridas no litoral do Brasil durante a Segunda Guerra
Mundial. Aliás, alguns dos sobreviventes do Afonso Pena chegaram a Porto Seguro e
Caravelas. O ataque a esse navio deixou claro que submarinos do Eixo trafegavam pela costa
da região. A presença de submersíveis inimigos no litoral regional e as tragédias da Jacira e
do Afonso Pena fizeram surgir uma série de histórias, boatos e desconfianças em relação aos
estrangeiros que viviam no Extremo Sul baiano. Alguns dos boatos penetraram de tamanha
forma o imaginário coletivo dos habitantes regionais, que ainda hoje são recontados.
De forma especial, a perseguição aos estrangeiros mostrou que os discursos
beligerantes, criados e divulgados pelas autoridades do governo Vargas, circulavam na região.
Isso é uma evidência de que o Extremo Sul da Bahia sofria influência da ditadura do Estado
Novo. Além disso, a prisão de italianos em Santa Cruz Cabrália, realizada por agentes do
DOPS, é outra evidência disso.
Mesmo vivendo há muito tempo na região, alemães, italianos e até mesmo um
português foram alvos das desconfianças dos demais moradores regionais e apontados como
colaboradores do Eixo. Não foi possível descobrir se de fato essas pessoas colaboraram de
alguma forma com os esforços de guerra do Eixo. Conforme visto, o caso do português
Antonio Fernandes parece não ter se tratado de nada mais que uma simples desconfiança
infundada. No entanto, sobre os casos dos italianos detidos em Santa Cruz Cabrália, de Abiah
343

Reuter, em Belmonte, e de Siegfried Simon, em Prado, faltam fontes para compreender


melhor o que de fato ocorreu.
A perseguição aos estrangeiros parece indicar que os moradores da região souberam
utilizar o contexto gerado pela guerra e pelos discursos beligerantes produzidos pelo governo
para colocar em prática seus próprios interesses. Algo em comum entre os estrangeiros que
foram alvos de perseguições no Extremo Sul da Bahia é o fato de que todos estavam
envolvidos em atividades comerciais. Isso parece indicar que as delações podem ter sido
feitas, também, por interesses pessoais de pessoas que os encaravam como concorrentes. Os
ataques navais criaram um contexto favorável para isso, pois criaram oportunidades para
aponta-los como inimigos da sociedade brasileira.
Para além dessas questões, o ataque ao Afonso Pena revelou a insegurança de uma
vasta parte do litoral da Bahia. Como visto ao longo deste trabalho, o Extremo Sul da Bahia
era utilizado como canal de escoamento da produção econômica das cidades da região e do
nordeste mineiro, através da ferrovia Bahia e Minas, cuja estação final estava em Ponta de
Areia, no município de Caravelas. Para resolver o problema da insegurança da região, ao
menos em terra, o governo federal enviou tropas para ocupar as cidades de Porto Seguro,
Caravelas e, conforme os relatos, também de Belmonte. A partir delas eram enviadas
patrulhas para outras localidades. Após a chegada das tropas, arregimentadas em Minas
Gerais, em maio de 1943, o clima de guerra se intensificou, pois a rotina dos militares mexeu
com o cotidiano das pessoas locais.
Outra coisa que contribuiu para ampliar a experiências de guerra vividas pelas pessoas
da região foi a convocação de homens locais para compor a Força Expedicionária Brasileira e,
também, os contingentes de defesa do litoral brasileiro. As experiências dessas pessoas,
contadas aos amigos e familiares no pós-guerra, ajudou a fortalecer a memória da Segunda
Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. As vivências do período marcaram de tal forma a
vida das pessoas da região que, passados quase 80 anos do fim do conflito, e mesmo sem
celebrações cívicas que invoquem a memória daquele contexto, ainda é possível captar os
impactos gerados pela guerra em diversas localidades do Extremo Sul baiano.
O medo dos submarinos, as tragédias da Jacira e do Afonso Pena, as dificuldades de
subsistência, as histórias sobre os estrangeiros, bem como lugares como a Praça dos Ex-
Combatentes e o aeródromo de Caravelas possibilitaram a criação e manutenção de uma
memória da Segunda Guerra Mundial no Extremo Sul da Bahia. Essa memória foi e ainda é
transmitida, principalmente, pelas pessoas que vivenciaram aquele período, bem como os
descendentes dos ex-combatentes da região. Também é preciso considerar as produções
344

bibliográficas de autores locais, que constantemente citam eventos e pessoas ligadas ao


conflito. Essa memória não é celebrada em celebrações cívicas, mas o fato de estar difusa
permite que ela seja captada de diversas formas e foi isso que possibilitou este trabalho.
De forma geral, ao estudarmos os impactos da Segunda Guerra Mundial no Extremo
Sul da Bahia, conseguimos expor as estruturas sociais, políticas e econômicas da região –
este, aliás, é, sem sombras de dúvidas, um dos maiores méritos deste trabalho. No que tange
às dificuldades enfrentadas ao longo da pesquisa, encontrar fontes sobre o conflito foi uma
das maiores. Especialmente sobre as pessoas convocadas para compor a FEB e as tropas de
defesa litorânea. Apesar disso, encontramos muitas fontes sobre outros temas que permitiram
a reconstrução, ainda que parcial, de outros momentos da história regional.
Para além das questões mencionadas acima, este trabalhou revelou, entre outras
coisas, que algumas das experiências vivenciadas pelas pessoas do Extremo Sul da Bahia
foram semelhantes às vivenciadas por pessoas em áreas diferentes do Brasil. A perseguição
aos estrangeiros, as dificuldades de subsistência e a circulação dos discursos beligerantes do
governo são elementos que também encontramos nos trabalhos de outros pesquisadores.
Notadamente, os de Roney Cytrynowicz, sobre São Paulo, e Marlene de Fáveri, sobre Santa
Catarina. Contudo, existem elementos que parecem ser muito característicos da região,
determinados pelas especificidades locais, tal como os tipos de conflito entre os militares e os
moradores.
De forma geral, este trabalho mostra como o estudo da guerra permite entender
questões que estão além das ações bélicas propriamente ditas. Acreditamos que o resultado
deste trabalho será, sobretudo, uma de história social da guerra no Extremo Sul da Bahia. Por
fim, esta pesquisa mostrou que a Segunda Guerra Mundial é um marco importante na história
regional e, ao mesmo tempo, que, de modo geral, ainda há muito a se estudar sobre este
conflito no Brasil. Mas, como qualquer pesquisa, esta deixou lacunas que podem e devem ser
preenchidas por trabalhos futuros.
Uma delas – e talvez a mais importante – é a cobertura da Segunda Guerra Mundial no
Boletim Oficial Município de Belmonte. Devido aos nossos objetivos não foi possível abordar
esse tema especificamente. O Boletim foi, de longe, o grande canal de divulgação de
informações ligadas, direta ou indiretamente, à guerra que conseguimos encontrar no Extremo
Sul baiano. Trabalhos futuros poderão revelar ainda mais a importância desse periódico, não
só para compreender o conflito na região, como diversos outros temas da história regional.
Ainda no âmbito dos jornais, outro tema que merece ser abordado em um trabalho específico
é a atuação dos jornais baianos na perseguição aos estrangeiros.
345

Além desses, o caso do navio Afonso Pena é outro tema que necessita de uma
pesquisa específica. Sobretudo, para que possamos compreender melhor as histórias das
pessoas afetadas por esta tragédia, ampliando assim o aspecto social dos estudos sobre os
ataques navais sofridos pelo Brasil, entre 1942 e 1944. O ataque ao Afonso Pena foi uma das
maiores tragédias de guerra ocorridas no litoral brasileiro, mas é um tema pouco trabalhado
pelos pesquisadores da Segunda Guerra Mundial no Brasil.
Fora do âmbito da guerra, há outros dois temas que necessitam ser trabalhados em
pesquisas específicas e que foram revelados por este trabalho. O primeiro deles são os
impactos do processo de demarcação das fronteiras Bahia-Minas Gerais e Bahia-Espírito
Santo sobre o Extremo Sul da Bahia. Como visto, foi esse fenômeno que impulsionou a
criação de povoações nos interiores dos municípios da região, o que posteriormente daria ao
Extremo Sul baiano a configuração que possui atualmente. O segundo tema é o processo de
alinhamento das elites regionais ao governo de Getúlio Vargas, após 1930. Esse tema
permitirá compreender melhor como as elites da região conseguiram se manter no poder após
a ascensão de Getúlio Vargas, os canais de penetração dos ideais estadonovistas na região,
entre outras coisas.
Essas são apenas algumas das lacunas deixadas por este trabalho. Além delas,
certamente existem aquelas ocasionadas por nossas limitações pessoais ou por falhas nas
análises. Outras lacunas podem ter sido causadas devido ao pioneirismo deste trabalho.
Esperamos que novos pesquisadores e novos trabalhos preencham as lacunas por nós deixadas
e, sobretudo, corrijam os erros que cometemos.
346

REFERÊNCIAS

Fontes
Atas
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ESTADO NOVO. Livro se sessões extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro,
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ATAS DA SEGUNDA SESSÃO DE CONTROLE DOS GÊNEROS DE PRIMEIRA
NECESSIDADE PARA APURAÇÃO DOS ESTOQUE ATUAL EXISTENTE NESTA
CIDADE. Livro de Sessões Extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 26 de
set. 1939, f. 48-49.
ESTADO NOVO. Livro se sessões extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro,
10 de nov. 1939, f. 44.
ATA DA SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO NATALÍCIO
DO SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. GETÚLIO VARGAS. Livro de sessões
extraordinárias do Conselho Municipal de Porto Seguro, 19 de abr. 1941, f. 56.
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DE GEOGRAFIA. Livro de Sessões Extraordinárias do Conselho Municipal de Porto
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MODESTO, Francisco Marino. Carta 2. Porto Seguro, 22 de mai. 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 3. Porto Seguro, 3 de jun. 1943.
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MODESTO, Francisco Marino. Carta 6. Porto Seguro, 16 de jun. 1943.
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MODESTO, Francisco Marino. Carta 10. Porto Seguro, 11 de jul. 1943.


MODESTO, Francisco Marino. Carta 12. Porto Seguro, jul. 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 13. Porto Seguro, 20 de jul. de 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 14. Porto Seguro, s/d, jul. 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 17. Porto Seguro, 27 de jul. 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 18. Porto Seguro, 07 de ago. 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 19. Porto Seguro, 12 de agosto de 1943.
MODESTO, Francisco Marino. Carta 22. Caravelas, 4 de set. 1943.
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OTTONI, Octávio. Telegrama enviado a Juarez Távora. Caravelas-BA, 6 de nov. 1930.
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BRASIL. Recenseamento do Brasil (1890). V. 3. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1898.
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1923.
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1929.
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Entrevistas
ALMEIDA, Manoel Gouveia de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Cíntia Campeche.
Arraial d’Ajuda, 20 de nov. 2016.
AZEVEDO, Fernando Pereira de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda
(Porto Seguro), out. 2021.
BANDEIRA, João Borges. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles S. Silva e
Vinícius Parracho. Belmonte, dez. 2016.
BEZERRA, Vicente Lima. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles S. Silva e
Vinícius Parracho. Belmonte, dez. 2016.
CARMO, Célia do. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro),
jul. 2021 (a).
CARMO, Miguel do. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto
Seguro), 19 de jul. 2021 (b).
CASSIMIRO, Benedito Ramos Cassimiro. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Gabriel
Moreira Dias, Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), dez.
2016.
COSTA, Davino Dias da. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, dez. 2021.
D’AJUDA, Hermes José. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Vinícius Parracho.
Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), mar. 2017.
DIAS, Gabriel Moreira. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto
Seguro), jan. 2021.
DOS ANJOS, Manoel Honorato dos. Entrevista concedida a Galileu Lemos Jr., Tharles
S. Silva e Vinícius Parracho. Belmonte, dez. 2016.
FIGUEIREDO, José Sérgio de Almeida. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Teixeira de
Freitas, 13 de nov. 2021.
349

MEDEIROS, Ismael Nascimento de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Salvador, 11 de


jan. 2019.
MEDRADO, Rosalvo Fernandes. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Eunápolis, dez. de
2021.
MORAES, Rosa Jorge de. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Galileu Lemos Jr. Arraial
d’Ajuda (Porto Seguro), abr. 2017.
PARRACHO, Vinícius. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, 1 de ago.
2021.
PESSÔA, Decio Gurrite. Entrevista concedida a Tharles S. Silva e Vinícius Parracho. Porto
Seguro, abr. 2018.
RODRIGUES, Hiram Campos. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Teixeira de Freitas,
15 de jan. 2019.
SAMPAIO, Raimundo Costa. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Porto Seguro, nov.
2021.
SANTOS, José Carmo dos. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto
Seguro), out. 2016.
SILVA, Derly Félix da; SILVA, Berly Félix da; SILVA, Wilson Pereira da. Entrevista
concedida a Bougleux Bonjardim. Arara (Teixeira de Freitas), out. 2020.
SIQUARA, Elias. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Caravelas, jan. 2019.
X, José. Entrevista concedida a Tharles S. Silva. Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), dez. 2016.

Jornais e revistas
A MANHÃ, ano II, n° 485, Rio de Janeiro, 7 de mar. 1943.
A NOITE, ano XXXIII, n° 11.311, Rio de Janeiro, 8 de ago. 1943.
A NOITE, ano L, n° 15.728, Rio de Janeiro, 15 de mai. 1961.
A NOITE, ano L, n° 15.732, Rio de Janeiro, 19 de mai. 1961.
A TARDE, ano 30, nº 10.721, Salvador, 29 de set. 1942.
A NOITE, ano XXXII, n° 11.171, Rio de Janeiro, 19 de mar. 1943
A TARDE, ano 31, nº 10.856, Salvador, 11 de mar. 1943.
A TARDE, ano 31, n° 11.026, Salvador, 5 de out. 1943.
A TARDE, ano X, n° 4.470, Curitiba, 7 de jul. de 1959.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 1, nº 23, Belmonte, 14 de mai.
1938.
350

BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 1, n° 33, Belmonte, 23 de jul.


1938.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 15, nº 98, Belmonte, 29 de abr.
1939.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 16, nº 152, Belmonte, 9 de nov.
1940.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 162, Belmonte, 18 de jan. de
1941.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 210, Belmonte, 20 de dez.
1941.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 211, Belmonte, 27 de dez.
1941.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 213, Belmonte, 10 de jan.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 216, Belmonte, 31 de jan.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 217, Belmonte, 7 de fev.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 226, Belmonte, 11 de abr.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 227, Belmonte, 18 de abr.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 230, Belmonte, 9 de mai.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 17, nº 231, Belmonte, 16 de mai.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 243, Belmonte, 8 de ago.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 244, Belmonte, 15 de ago.
1942.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 247, Belmonte, 5 de set.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 251, Belmonte, 3 de out.


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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 254, Belmonte, 24 de out.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 274, Belmonte, 6 de mar.
1943.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 279, Belmonte, 10 de abr.
1943.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 281, Belmonte, 24 de abr.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 18, nº 285, Belmonte, 22 de mai.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 19, nº 291, Belmonte, 5 de jun.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 343, Belmonte, 1 de jul.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 354, Belmonte, 30 de set.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 359, Belmonte, 4 de nov.


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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 369, Belmonte, 20 de jan.
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BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 380, Belmonte, 19 de mai.
1945.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 20, nº 394, Belmonte, 29 de set.
1945.
BOLETIM OFICIAL MUNICÍPIO DE BELMONTE, ano 21, nº 397, Belmonte, 20 de out.
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CORREIO DA MANHÃ, ano XLII, n° 14.838, Rio de Janeiro, 19 de mar. 1943.
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CORREIO DE PORTO SEGURO, ano II, n° 51, Porto Seguro, 21 de mar. 1913.
CORREIO DE PORTO SEGURO, ano I, n° 57, Porto Seguro, 25 de abr. 1913.
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.328, Rio de Janeiro, 4 de jul. 1959.
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CORREIO DA MANHÃ, ano LXVII, n° 22.931, Rio de Janeiro, 6 de jan. 1968.
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.333, Rio de Janeiro, 10 de jul. 1959.
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.335, Rio de Janeiro, 12 de jul. 1959.
CORREIO DA MANHÃ, ano LIX, n° 20.337, Rio de Janeiro, 15 de jul. 1959.
CORREIO PAULISTANO, ano 107, n° 32.252, Rio de Janeiro, 16 de mai. 1961.
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NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVI, n° 184, Rio de Janeiro, dez. 1938.
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NAÇÃO BRASILEIRA, ano XVIII, n° 198, Rio de Janeiro, fev. 1940.


NAÇÃO BRASILEIRA, ano XXI, n° 241, Rio de Janeiro, set. 1943.
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XXIV, n° 276, Rio de Janeiro, ago. 1946.
NAÇÃO BRASILEIRA, ano I, n° 4, Rio de Janeiro, 1 de dez. 1923.
NAÇÃO BRASILEIRA, ano XXV, n° 281, Rio de Janeiro, jan. 1947.
O CRUZEIRO, ano XXIV, nº 23, Rio de Janeiro, 22 de mar. 1952.
O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 41, Rio de Janeiro, 25 de jul. 1959.
O CRUZEIRO, ano XXXI, n° 44, Rio de Janeiro, 15 de ago. 1959.
O JORNAL, ano XII, n° 3.672, Rio de Janeiro, 1 de nov. 1930.
O JORNAL, ano XXXVII, n° 11.915, Rio de Janeiro, 4 de jul. de 1959.
O JORNAL, ano XXXVII, n° 11.919, Rio de Janeiro, 9 de jul. 1959.
O JORNAL, ano XXXVIII, n° 11.924, Rio de Janeiro, 15 de jul. 1959.
O JORNAL, ano XXXIX, n° 12.330, Rio de Janeiro, 16 de mai. 1961.
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Outras publicações
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