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ESTUDOS
APOSTILA DIDÁTICA
SUMÁRIO
MÓDULO 1 - Infâncias e desenvolvimento
infantil
A compreensão da infância como construção socio-
historica
Fatores de risto e fatores de proteção ao
desenvolvimento infantil: uma revisão da área
A compreensão da
infância como construção
sócio-histórica
The understanding of childhood as a social and historical
construction
Forma de citar: Bezerra, SL., Coutinho da Silva M., Bezerra Z, ZM. & Féres C., T. (2014). A compreensão da infância como construção sócio-
histórica. Revista CES Psicología, 7(2), 126-137.
Resumo
O presente artigo teve o objetivo de fazer algumas reflexões acerca do conceito de infância, considerando
questões sociais e históricas. Procurou-se mostrar diversas perspectivas do conceito, a sua evolução ao
longo do tempo, bem como os principais teóricos e trabalhos desenvolvidos sobre a temática, na sociedade
ocidental, particularmente, no Brasil.
Abstract
This article aimed to make some reflections about the concept of childhood, considering social and
historical issues. We tried to show different perspectives of the concept, its evolution over time, as well as
main theorists and work developed on the field, in Western society, particularly in Brazil.
1
Pos-doutorando em Psicologia na Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. Doutor em Psicologia
(Universidade do Porto, Portugal. Mestre em Psicologia Social (UFPB). Graduado em Administração (UFPB) Licenciado e
Formado em Psicologia (UFPB). samuel.bezerra.lins@gmail.com
2
Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de Enfermagem, Saúde Pública e Psiquiatria, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. mfocoutinho@gmail.com
3
Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de Enfermagem, Saúde Pública e Psiquiatria, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. zoraidelins@yahoo.com.br
4
Professora Titular do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Coordenadora do
Curso de Especialização em Terapia de Família e Casal da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
RJ, Brasil. teferca@puc-rio.br
Samuel Lincoln Bezerra L., Maria de Fátima Oliveira C., Zoraide Margaret Bezerra L., Terezinha Féres C.
A COMPREENSÃO DA INFÂNCIA COMO CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
Resumen
Este artículo tiene como objetivo hacer algunas reflexiones sobre el concepto de la infancia, teniendo en
cuenta los temas sociales e históricos. Tratamos de mostrar diferentes perspectivas del concepto, su
evolución en el tiempo, así como los principales trabajos teóricos y hecho sobre el tema, en la sociedad
occidental, particularmente en Brasil.
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Heywood (2004) assinala que por volta do valorizado durante a idade média.
século XII, as condições gerais de higiene e Praticamente inexistia esse sentimento,
saúde eram precárias, situação que tanto da infância como da adolescência, fato
contribuía para elevar o índice de que perdurou até o século XVIII. Nesse
mortalidade infantil, porém, mesmo se as período, a criança logo que apresentasse
crianças sobrevivessem aos primeiros anos algum desenvolvimento misturava-se ao
de vida e atingissem certa idade, ainda mundo dos adultos, participando de
assim, não possuiriam identidade própria, atividades semelhantes, como festas, jogos
só vindo a tê-la quando conseguissem e brincadeiras. A família na Idade Média não
realizar atividades semelhantes àquelas tinha a função afetiva que tem hoje, “era
desempenhadas pelos adultos. uma realidade moral e social, mais que
sentimental” (Ariès, 1981, p.67).
Sendo assim, os cuidados especiais que as
crianças deveriam receber, ou mesmo Nos séculos XVI e XVII existia uma
quando os recebiam, eram destinados consciência de que as percepções de uma
apenas aos primeiros anos de vida e criança eram diferentes das percepções dos
reservados aos que possuíam uma situação adultos. Porém, só a partir do século XVII foi
socialmente e financeiramente privilegiada. possível seu reconhecimento em maior
Dos adultos, que cuidavam das crianças, não número onde as representações da infância
se exigia nenhuma preparação, e esse divergiam muito da realidade, onde as
cuidado era realizado pelas chamadas crianças eram representadas com
criadeiras, amas de leite ou mães expressões de adultos, musculosas e
mercenárias. vestidas com trajes de adulto. De acordo
com Ariès (1981), “a criança deixava os
Obviamente, isto não significa negar a cueiros, ou seja, a faixa de tecidos que era
existência social das crianças, significa enrolada em torno de seu corpo, ela era
reconhecer que, antes do século XVI, a vestida como os outros homens e mulheres
consciência social não admitia a existência de sua condição” (p. 81). Isto demonstra o
autônoma da infância como uma categoria quanto as crianças não tinham valor, e a
diferenciada do gênero humano. Uma vez infância era desconhecida, considerada
passado o estrito período de dependência apenas como um período de transição, que
física da mãe, esses indivíduos se logo se ultrapassava.
incorporavam plenamente ao mundo dos
adultos (Levin, 1997). Foi durante o século XVII que se generalizou
o hábito de pintar nos objetos e nas
No século XIII, atribuía-se à criança modos mobílias da casa uma data solene para a
de pensar e sentimentos anteriores à razão e família. Constata-se que foi na Idade Média
aos bons costumes. Era tarefa dos adultos que as idades da vida começaram a ter
desenvolver nela o caráter e a razão, e de importância. Durante esse período, então,
modo semelhante, a Igreja procurava existiam seis etapas de vida. As três
cumprir a tarefa de educação, colocando-as primeiras, que correspondiam à primeira
a serviço do monastério. Tais costumes idade (nascimento aos 7 anos), a segunda
podem ser observados facilmente através da idade (7 a 14 anos) e terceira idade (14 a 21
arte e iconografias que retratam este século anos), eram etapas não valorizadas pela
(Heywood, 2004). sociedade. Somente a partir da quarta idade,
a juventude (21 a 45 anos), as pessoas
O sentimento de infância, presente na começariam a ser reconhecidas
sociedade moderna, nem sempre foi socialmente. Ainda existindo a quinta idade
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(a senectude), referente à pessoa que não Enquanto que, para Rousseau, existia a
era velha, mas que já tinha passado da idéia de natureza boa, pura e ingênua da
juventude e a sexta idade (a velhice), dos 60 criança, e da necessidade de respeitá-la e
anos em diante até a morte. Tais etapas deixá-la livre para que a natureza pudesse
alimentavam desde esta época, a idéia de agir no seu curso normal, favorecendo o
uma vida dividida em fases (Ariès, 1981). pleno desenvolvimento saudável das
crianças. Já em relação às concepções
Ainda no século XVII, nas classes românticas da infância, apresentaram as
dominantes, surgiu a primeira concepção crianças como portadoras de sabedoria,
real de infância, a partir da observação dos sensibilidade, e estética apurada,
movimentos de dependência das crianças necessitando que se criassem condições
muito pequenas. O adulto passou, então, favoráveis para o seu pleno
desenvolvimento.
pouco a pouco, a preocupar-se com ela
como um ser dependente e fraco (Levin,
Assim, cabe destacar, que o tratamento
1997). Comenta o autor, que ultrapassar esta
diferenciado remetido à infância aparece
fase da vida só para quem saísse da entre os séculos XVI e XVIII. Até essa época
dependência, ou pelo menos dos graus mais a educação das crianças confundia-se com
baixos de dependência, desse modo a sua inclusão nas atividades da sociedade e
palavra infância passou a designar a nos espaços públicos, porém com a
primeira idade de vida, a idade da Revolução Industrial e a conseqüente
necessidade de proteção, que perdura até os urbanização, inicia-se o processo da família
dias de hoje. nuclear extensa do período feudal (Rabuske,
Oliveira & Aripini, 2005).
Percebe-se, portanto que até o século XVII, a
ciência desconhecia a infância, não havia Já no século XIX inaugura-se uma visão de
lugar para esta na sociedade, fato criança sem valor econômico, mas de valor
caracterizado pela inexistência de uma emocional inquestionável, criando uma
expressão particular a ela. Só então, a partir concepção de infância plenamente aceita no
das idéias de proteção, amparo, século XX. Na verdade, como é possível
dependência, que surge a infância. As perceber, “a história cultural da infância tem
seus marcos, mas também se move por
crianças passaram a ser vistas como seres
linhas sinuosas com o passar dos séculos: a
biológicos, que necessitavam de grandes
criança poderia ser considerada impura no
cuidados e de uma rígida disciplina, a fim de
início do século XX tanto quanto na alta
transformá-las em adultos socialmente Idade Média” (Heywood, 2004, p. 45).
aceitos.
Pode-se então afirmar que, a mudança de
Segundo Heywood (2004), ao analisar o paradigma no que se refere ao conceito de
século XVIII, a emergência social da criança infância está diretamente ligada ao fato de
nesse século aconteceu devido às obras de que as crianças sempre foram consideradas
John Locke, Jean Jacques Rousseau e dos adultos imperfeitos, sendo assim, essa
primeiros românticos. Cita o autor que foi etapa da vida seria de pouco interesse, visto
Locke que difundiu a idéia da tábula rasa que “somente em épocas comparativamente
para o desenvolvimento infantil e de que a recentes veio a surgir um sentimento de que
criança nascia apenas como uma folha em as crianças são especiais e diferentes, e,
branco, na qual, se poderia inscrever o que portanto, dignas de ser estudadas por si sós”
se quisesse. (Heywood, 2004, p.10).
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A partir do século XIX, estes ditames dos estudos da infância (Müller & Hassen,
passaram a ser cada vez mais foco do saber 2009, Qvortrup, 2011)
considerado científico. As famílias,
especialmente as mães, passaram a receber Neste sentido, observa-se o aumento do
de modo mais sistemático, orientações interesse de investigadores brasileiros na
desses profissionais sobre saúde e cuidados realização de estudos destacando a
dirigidos às crianças (Heywood, 2004). importância da criança e a compreensão dos
Assim, a perspectiva da saúde compõe com seus significados (Silva, Luz & Faria Filho,
a religião e a moral construções de sentidos 2010), em diversos campos do
de infância, passando a normatizar e conhecimento como a Sociologia
interferir cotidianamente nos modos de (Abramowicz & Oliveira, 2010), a História
tratar e educar meninos e meninas. (Lage & Rosa, 2011; Poletto, 2012), a
Concomitantemente, é nesta época que a Assistência Social (Lockmann & Mota, 2013),
infância ganha maior visibilidade, pois é e a Psicologia (Degani-Carneiro & Jacó-
definida como objeto de intervenções Vilela, 2012).
públicas, devido à maior valorização da
mão-de-obra num mundo em franco
progresso da lógica capitalista e industrial Considerações finais
(Silva Santos, 2004).
A partir das reflexões sobre as diversas
Assim, no século XX, com o concepções de infância, surge uma
desenvolvimento tecnológico e a preocupação cada vez mais ampla e
mobilidade geográfica, o discurso científico sistemática com o estudo e compreensão da
médico-psicológico tornou-se o referencial criança e de seu desenvolvimento. A partir
para as práticas direcionadas ao cuidado do estudo científico da criança, que se
infantil passando a orientar a relação pais- iniciou, efetivamente, no século XIX, como
filhos (Alves, 1999). A ênfase atribuída, no legado maior das Teorias
século XX, às responsabilidades e ao papel Desenvolvimentistas, surgiu a compreensão
do adulto em relação à criança aconteceu a da criança como uma categoria científica,
partir da institucionalização da Declaração notadamente positivista, ou seja, a infância
Internacional dos Direitos da Criança, no passou a ser concebida como produto do
ano de 1959. Desse modo, os tempo, da natureza e da cultura.
comportamentos e atitudes socialmente
construídos adquiriram um caráter de lei, Pode-se ver que, numa perspectiva histórica
como pode ser observado com a instauração de milhares de anos, em que predominou o
do Estatuto da Criança e do Adolescente, no total desconhecimento da criança, a
Brasil, em 1990 (Almeida & Cunha, 2003). Psicologia do Desenvolvimento Infantil
encontrou no seu início diversas
O cuidado atual em estudos sobre a infância dificuldades para se impor como estudo
recai no evitar os reducionismos de importante e necessário. Hoje, o estudo do
qualquer ordem. Assim, é preciso não deixar desenvolvimento da criança é necessário e
a ideia de que a infância é uma construção indispensável para quem deseja trabalhar
unicamente social para abandonar o com essa fase da vida humana. Além disso,
reducionismo biológico e, dessa forma, a perspectiva extremamente positivista
substituí-lo pelo reducionismo sociológico assumida pela Psicologia do
(Prout, 2004). A criança deve ser vista como Desenvolvimento, que se preocupava
um ser completo, biopsicossocial, por isso, principalmente em observar, medir e
é preciso intensificar a interdisciplinaridade comparar as mudanças exibidas pelas
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Temas em Psicologia
ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil
Resumo
O presente estudo teve como objetivo analisar a literatura existente sobre fatores de risco e
fatores de proteção ao desenvolvimento infantil, e destacar a importância de que os profissionais
que atuam junto à infância e adolescência conheçam tais fatores de forma a exercer sua prática
de modo mais efetivo, atuando preventivamente frente a problemas de comportamento na
infância e adolescência, bem como respeitando os direitos desta população. Destaca-se a vasta
literatura existente sobre os fatores de risco, porém, os estudos do desenvolvimento infantil
necessitam incluir os fatores de proteção, com a mesma ênfase dada aos fatores de risco,
visando promover a resiliência. Tal revisão da literatura deu subsídios para um estudo com o
objetivo de avaliar a capacitação de Conselheiros Tutelares no sentido de habilitá-los a
identificação de fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento infantil.
Palavras-chaves: Fatores de risco, Fatores de proteção, Prevenção de problemas de
comportamento.
Abstract
A study was aimed at reviewing the existing literature on risk and protective factors for child
development, as well as to highlight the need for professionals, who work with children and
adolescents to know the above factors, so as to have a more effective practice, acting in a
preventative way towards children and adolescents’ behavior problems. The vast literature
concerning risk factors is emphasized. Nevertheless, child development studies need to include
protective factors with the same emphasis it is given to risk ones, in order to promote resilience.
The literature review described here gave basis for an intervention program to assess training of
Brazilian Child Protection Workers, teaching them to identify risk and protective factors for
child development.
Keywords: Risk factors, Protective factors, Prevention of problem behaviors.
Em 1990, entra em vigor, no Brasil, o que todo profissional das áreas social,
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, educação ou saúde, deva comunicar à
Lei Federal n. 8069, 1990), responsável por autoridade competente os casos de seu
muitas mudanças no cenário brasileiro, em conhecimento envolvendo suspeita ou
relação à visão dos direitos das crianças e confirmação de maus-tratos contra a criança
dos adolescentes, sendo esse um instrumento ou adolescente, cabendo pena prevista caso
importante para a proteção de crianças e tal comunicação não ocorra.
jovens. Cabe destacar a obrigatoriedade É necessário, porém, que todos os
estabelecida pelo ECA em seu artigo 245 de profissionais que atuem na área da infância e
Endereço para correspondência: Joviane Marcondelli Dias Maia, Laboratório de Análise e Prevenção da
Violência Doméstica (LAPREV), Universidade Federal de São Carlos. Via Washington Luis, Km 235.
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Rosa Angela Cortez Brito, Sarah Montezuma, Anna Karynne Silva Melo, Virginia Moreira
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Introdução
público infantil com questões diversas que possam causar estresse emocional e
interfiram no dia a dia da criança. Nessa intervenção podem interagir diversos fatores,
como a participação familiar e escolar, assim como a maneira que a criança se insere
resultado das intervenções (Deakin & Nunes, 2008; Cunha & Benetti, 2009; Brzozowski
& Caponi, 2013; Christon, McLeod, Wheat, Corona & Islam, 2016; Halfon, Goodman, &
Bulut, 2018).
autor pontua que cada obra neste campo pode trazer indicativos das manifestações do
sofrimento infantil; e são estes trechos que são pertinentes e dão valência à psicoterapia
infantil.
com o intuito de acessar a sua vivência, de maneira contextualizada (Haubert & Vieira,
2014; Telles, 2014). Dentre os diversos contextos de escuta, destaca-se nesse trabalho a
psicoterapia.
(Alves, Machado, Gastaud e Nunes, 2013; Ayres & Barreira, 2014). Assim, ressaltam que
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contextos de atuação é uma realidade (Oliveira, 2009; Ayres & Barreira, 2014),
esse fator ser promotor de variações na atuação (Brito, 2008; Campos & Cury, 2009).
tem sido um dos campos menos contemplados em pesquisas, debates e ações – por parte
psicoterapeuta volta-se para o cuidado do paciente e para a relação deste com seu
contexto relacional e social (Ayres & Barreira, 2014). A psicoterapia objetiva, ou fazer
abordagem ou de uma queixa (Passarela, Mendes & Mari, 2010) ou em elementos que
fazem parte da psicoterapia (Carvalho, Fiorini & Ramires, 2015), mas não do processo
necessário verificar o que está sendo realizado nesse campo interventivo (Boaz, Nunes
& Hirakata, 2012; Halasz, 2017). Outro aspecto importante a ser destacado diz respeito
Carvalho, Gastaud, Oliveira, & Godinho, 2019). Assim, o presente estudo tem como
setting clínico. Para tal, foi realizada uma revisão sistemática da literatura dos estudos
publicados entre os anos de 2008 a 2018. Justifica-se o período por compreender que este
Método
a realização de uma síntese dos estudos sobre uma determinada temática. Ressalta-se
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A Psicoterapia Infantil no Setting Clínico: Uma Revisão Sistemática de Literatura
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PRISMA Group, 2009) e todo o processo foi realizado por dois pesquisadores, de forma
independente. Na identificação foi realizada busca nas bases de dados eletrônicas BVS
– que engloba as redes Lilacs, Scielo, Cochrane, DeCs, Lis e Medline –, Science Direct e
SAGE Pubs, nos meses de dezembro de 2018 e janeiro de 2019. Os termos de busca
utilizados, com booleano OR, foram: Child Psychotherapy, Child Clinical Psychology,
Thérapie de Jeu D’Enfant). Os termos foram colocados entre aspas para um resultado
indicados acima. Não foram considerados livros, resenhas, teses, dissertações e artigos
e gratuitos; publicados entre 2008 e 2018; em inglês, português, espanhol e francês; que
em setting clínico.
de atuação diferentes do definido para esse estudo, tais como: escolas, hospitais e
mais recorrentes nos estudos. Os estudos foram agrupados por categorias, a partir dos
700
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temas que apareceram com maior frequência. Os temas agrupados e discutidos foram:
Resultados
A busca inicial nas bases de dados totalizou 7836 artigos. Com a utilização dos
critérios de inclusão restaram 163 artigos que, posteriormente, ao passar pelos critérios
outras fontes
(n = 7836) (n = 0)
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A Psicoterapia Infantil no Setting Clínico: Uma Revisão Sistemática de Literatura
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Tabela 1
Categorias mais recorrentes
Categorias f %
Abordagens e as implicações
34 50,75
para a psicoterapia infantil
Participação familiar 16 23,88
Brincar como comunicação 15 22,39
Outros temas 2 2,98
das produções são escritas em língua inglesa, enquanto que 44,77% (n = 30) foram
artigos são assim dispostos: 03 artigos (4,48%) em 2008, 08 artigos (11,94%) em 2009, 05
aumento em 2014 e nova linearidade entre 2015 e 2017. Em 2018, segue-se nova redução
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estudos (25,37%) apresentam discussão sobre a psicoterapia e seu manejo, tomando com
clínicas para uma boa evolução dos quadros apresentados pelas crianças acompanhadas.
práticas mais frequentes e os materiais lúdicos mais utilizados nos atendimentos, não
perspectiva teórica.
clara, como as temáticas foram abordadas nos últimos anos. A organização desses
achados, bem como a análise qualitativa ocorreu através das categorias discutidas
abaixo.
Axline (Landreth, 2012), assim como nos estudos analisados, a psicoterapia infantil
diagnósticos. Para além das categorias diagnósticas disponíveis na CID-10 (OMS, 1993),
funcionamento pró-social (Waumsley & Swartz, 2011; Ruiz & Perete, 2015; Carvalho,
homem, como podemos ver nas discussões a seguir em cada abordagem (Moura, Grossi,
(2017) apontam que, na psicanálise, o mais relevante não são os fatos da infância em si,
mas sim a realidade psíquica, constituída pelos desejos inconscientes e pelas fantasias a
ela vinculadas, tendo como pano de fundo a sexualidade infantil. Os autores discutem
passiva da criança com a sexualidade do adulto e que, através dos cuidados e do desejo
materno, a criança será introduzida no campo da sexualidade (Blunden & Nair, 2010;
Mees, 2016).
que indica o caminho a ser seguindo pelo terapeuta; ou seja, a ênfase da terapia diz
promotora de mudanças na criança (O’Sullivan & Ryan, 2009; Goodman, Chung, Fischel
algum a priori que o psicoterapeuta insista em inserir nos atendimentos pode contribuir
tratar de um direcionamento do psicoterapeuta (Brito & Paiva, 2012; Conway, 2014; Lac,
2014).
a experiência da criança que se apresenta para possibilitar o acesso a ela em sua absoluta
singularidade (Botha & Dunn, 2009; Brito & Paiva, 2012; Brito & Freire, 2014; Telles,
2014).
Para Green, Crenshaw e Langtiw (2009), Klinger, Reis e Souza (2011), Souza e
que vai da inicial dependência do meio em direção a uma maior independência de si.
como promotora de saúde entre seus membros, mas também como propiciadora de
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podem ter estreita relação com a dinâmica familiar, pelo entrelaçamento da criança com
o contexto no qual participa (Nelson, Shanley, Funderburk & Bard, 2012; Chown, 2013;
desejo dos pais e possibilita a criação de uma situação a qual a verdade escondida por
trás dos sintomas possa ser seja assumida pelo sujeito. A escuta realizada com os
criança (Gerdes & Schneider, 2009; Pereira, Schmitz & Menezes, 2015; Falkus, Tilley &
Bolaños (2009) e Haubert e Vieira (2014) ressaltam que deve haver limitações na
como intuito uma aproximação das experiências da criança. Os autores apontam, como
desenvolvimento da criança.
atendimentos. As atitudes e expectativas dos pais, assim como a percepção deles sobre
(Medeiros, 2013).
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psicoterapia infantil conhecer e caracterizar as famílias que buscam o serviço para suas
atendimento. Com isso, adequa-se o atendimento, tornando-o mais efetivo para atender
tanto as crianças quanto suas famílias podem ser beneficiadas com a continuidade do
tratamento até a alta clínica (Nunes, Silvares, Marturano & Oliveira, 2009; Guimarães &
Yoshida, 2014).
‘brincar contemporâneo’, denominação feita por alguns autores, é necessário olhar para
contexto histórico (Kekae-Moletsane, 2008; Rodrigues & Nunes, 2010; Botha & Dunn,
2015).
das relações sociais e expressões individuais (Post, Ceballos & Penn, 2012; Höfig &
Zanetti, 2016).
Na brincadeira a criança afirma seu ser, possibilita e proclama sua autonomia e explora
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o mundo em sua linguagem, a partir de meios lúdicos. No brincar a criança faz ensaios,
o processo lúdico aparece como um dos principais eixos da psicoterapia infantil, através
ajuda-la, através da brincadeira, a expressar com maior facilidade a si, seus conflitos e
dificuldades (Menezes, López & Delvan, 2010; Dionne & Martini, 2011; Jäger, 2012;
mesma como agente ativo e criativo nos atendimentos. Isso promove a ela um
reproduz emoções, possibilitando nomear e organizar melhor seu mundo (Jäger, 2012;
modo de acesso ao vivido infantil, pode ser introduzida via brincadeiras e do brinquedo.
psicoterapêutica.
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processo que se dá na relação (Rodrigues & Nunes, 2010; Ryan & Edge, 2011; Barzegary
Discussão
realizada em âmbito clínico tem apresentado constante evolução no modo como vem
sendo exercida e discutida nos últimos anos. Percebe-se essa evolução em aspectos como
Ruiz & Perete, 2015; Westrhenen, Fritz, Oosthuizen, Lemont, Vermeer, & Kleber, 2017),
manejo com instrumentos inovadores (Botha & Dunn, 2009; Lac, 2014), tempo de
Lee, & Suh, 2017), ampliação da participação familiar no processo (Chang & Yeh, 2015;
processo terapêutico (O’Sullivan & Ryan, 2009; Guimarães & Yoshida, 2014).
Gastaud e Goodman (2017), o que demonstra que há a presença nos estudos de uma
discussão sobre os conceitos que fundamentam os atendimentos, bem como acerca das
intervenções realizadas, nas diferentes abordagens e dos elementos que convergem para
uma melhora da criança atendida (Sori & Schnur, 2014; Weisz, 2014; Farrell, Kershaw,
& Ollendick, 2018). Contudo, como apontado por Halfon, Goodman e Bulut (2018),
verifica-se que a discussão sobre o processo terapêutico infantil como uma totalidade e
cada teoria. Contudo, essa ênfase é identificada com menor frequência nos trabalhos
empíricos, nos quais o foco passa a ser o manejo interventivo em quadros clínicos
com dificuldades escolares, dentre outros (Prebianchi, 2011; Haubert & Vieira, 2014;
literatura sobre psicoterapia com crianças (Midgley, O’Keefe, French, & Kennedy, 2017).
Ceballos, & Penn, 2012; Alves, Machado, Gastaud, & Nunes, 2013), como ressaltado por
Hoffman (2020), ora limitando o estudo ao como proceder com aquela patologia
psicoterapia infantil (Nashat & Quartier, 2014). Nos artigos, é essa visualização mais
diversos fatores (Scaglia, Mishima & Barbieri, 2011; Souza & Mosmann, 2013; Carvalho
et al., 2015).
considerando a família (Bolaño, 2009; Haugvik, 2012; Pereira, Schmitz & Menezes, 2015;
infantil. Segundo Rodrigues e Nunes (2010), o brincar aparece como via principal para
expressão da singularidade e acesso àquilo que é trazido pela criança e que antes fora
de expressão da criança e de suas questões (Campos & Cury, 2009; Post et al., 2012; Botha
Apesar dos pontos mais recorrentes, ressalta-se que não há uma padronização
perspectivas (Moura et al., 2009; Gastaud, Carvalho, Goodman, & Ramires, 2015; Nadir,
por esse atendimento (Cunha & Benetti, 2009), os estudos demonstram a necessidade de
científica na área da psicoterapia infantil (Deakin & Nunes, 2008; Prebianchi, 2011;
Considerações finais
elaboração de uma práxis que tem se voltado às demandas cada vez mais
culturais e sociais que permeiam e atravessam a vida da criança, na medida em que estes
relaciona-la aos fatores sociais e culturais que apontam a forma como a criança é
preocupação àqueles que convivem com ela, o que abre um campo de discussão sobre a
influência da cultura na vida das crianças e suas implicações nos encaminhamento para
criança.
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como alguém que vivencia as relações sociais e culturais como o adulto, nem como
pesquisas afirmam que as vivências infantis são singulares, não sendo possível a
infância, abordada nos estudos, rompe com um olhar meramente comparativo entre
público infantil. Também é possível, com a presente revisão perceber pontos que podem
que podem ser alvo de futuras pesquisas, bem como aprimorar a prática de
temporal que precisa ser demarcado, deixando sem verificação estudos anteriores (que
mais atualidades nas intervenções). Como o propósito desse estudo era o de reconhecer
linhas teóricas ou técnicas específicas não puderam ser explorados com mais
profundidade.
com crianças que possam contemplar maiores discussões sobre a relação entre cultura,
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10.33208/PC1980-5438v0032n03A09
ISSN 0103-5665 599
Resumo
Este estudo teve como objetivo realizar uma revisão integrativa sobre a
produção científica brasileira a respeito da participação das famílias no pro-
cesso psicoterapêutico infantil dentre as abordagens inspiradas no pensamento
humanista e/ou fenomenológico. Foi realizada uma busca de artigos publica-
dos no período entre janeiro de 2008 e outubro de 2018 nas bases de dados
PEPsic e Capes, por meio de descritores que dessem conta da multiplicidade de
abordagens e nomenclaturas destas. Após a aplicação dos critérios de inclusão,
estabelecidos previamente, foram selecionados 11 artigos para análise. Na aná-
lise, os artigos foram divididos em duas categorias: uma contendo os estudos
que descrevem as percepções dos próprios psicólogos ou das famílias sobre o
assunto, e outra com aqueles que descrevem como ocorreu a atuação junto
aos responsáveis durante a psicoterapia infantil. Os resultados apontam para
uma concordância entre os estudos atuais e o arcabouço teórico, mostrando o
(1)
Psicóloga pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestranda do programa de pós-graduação em psicologia da
Universidade de Fortaleza (PPGP/UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: manuelarochasiqueira@gmail.com
(2)
Doutor em Psicopatologia e Psicanálise pela Université Paris Diderot (Paris VII), Professor do Curso de Graduação
em Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: lucasbloc@yahoo.com.br
(3)
Pós-Doutora em antropologia médica pela Harvard Medical School, Doutora em psicologia clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Professora do programa de pós-graduação em psicologia da Universida-
de de Fortaleza (PPGP/UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: virginiamoreira@unifor.br
Esta pesquisa está vinculada ao projeto PQ-1D “Fenomenologia Clínica da Intersubjetividade no mundo vivido
(Lebenswelt) psicopatológico”, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Abstract
This study aimed at presenting an integrative review of the Brazilian scien-
tific production regarding the participation of families in the child psychothera-
peutic process among the approaches inspired by humanistic and/or phenom-
enological thinking. The PEPsic and Capes databases were searched for articles
published between January 2008 and October 2018, using descriptors that al-
lowed for the multiplicity of approaches and nomenclatures in those. After ap-
plying the inclusion criteria, which were previously established, 11 articles were
selected for analysis. For the analysis, the articles were divided into two catego-
ries: one containing the studies that describe the perceptions of the psychologists
themselves or of the families about the process, and another category with stud-
ies describing how was the participation of families in the child psychotherapy.
Results point to a concordance between the current studies and the theoretical
framework, showing how relevant the families’ participation is. It is suggested
that research and publications on the subject be expanded, in addition to invest-
ing in the qualification of children’s psychotherapists for this type of work, which
has not been much explored and proves to be an area that requires great attention
and improvement by psychologists.
Keywords: child psychotherapy; families; fathers and mothers; phenome-
nology; humanist psychology.
Resumen
Este estudio tuvo como objetivo realizar una revisión integrativa sobre la
producción científica brasileña acerca de la participación de las familias en el
proceso psicoterapéutico infantil entre los enfoques que poseen inspiración en
el pensamiento humanista y/o fenomenológico. Se realizó una búsqueda de ar-
tículos publicados en el período entre enero de 2008 y octubre de 2018 en las
bases de datos PEPsic y Capes, por medio de descriptores que dieran cuenta de la
Introdução
ma. Ainda que o psicodrama não seja considerado uma abordagem ligada direta-
mente ao movimento humanista e/ou fenomenológico em psicologia, para fins
deste estudo, incluímos essa abordagem por suas afinidades com esta perspectiva.
A escolha deste caminho visa, de um lado, a contemplar as perspectivas oriundas
da psicologia humanista – considerada a terceira força em psicologia, que sur-
ge na primeira metade do século XX no contexto norte-americano e tem como
principais representantes autores como Carl Rogers, Rollo May, Frederick Perls,
entre outros –, e, de outro, a lente fenomenológica – filosofia que surge no início
do século XX com Edmund Husserl e que tem fornecido, ao longo das décadas,
contribuições teórico-metodológicas para a clínica, além de ter influenciado e
estabelecido um diálogo com a psicologia humanista e de se apresentar como
método qualitativo de investigação empírica. Surgidas no período pós-guerra,
as perspectivas humanista e/ou fenomenológica inauguraram novas formas de se
entender o homem e serviram de base para o surgimento de propostas psicotera-
pêuticas voltadas para o público infantil.
Método
Resultados
Relatos de sessões/intervenções
fornecidas maiores informações sobre o manejo clínico, mas sim a respeito da teoria
e da convergência entre as duas abordagens. Promover o engajamento das famílias
nos processos de diagnóstico e intervenção foi um dos fatores citados como dificul-
tadores do processo psicoterapêutico. A gestalt-terapia é apontada como abordagem
cujas bases se fundamentam, dentre outras teorias, na fenomenologia. As autoras
apoiaram-se na visão humanista na diferenciação entre a psicologia e as demais áre-
as, nas equipes multidisciplinares.
O estudo de Pajaro e Andrade (2018) relata o processo psicoterápico de
uma criança, tendo como objetivo apresentar a leitura fenomenológica do de-
senho como metodologia de trabalho na psicoterapia. Para isso, foi realizado
um estudo de caso, utilizando como método a pesquisa documental dos diários
de campo da psicoterapeuta e dos desenhos do cliente. As autoras descrevem
como foram realizadas as leituras fenomenológicas de sete desenhos da criança
e apontam de que forma este método pode refletir nas intervenções clínicas em
gestalt-terapia. São abordados atendimentos com a mãe, que tinham o objetivo
de favorecer nela o acolhimento ao sofrimento da criança. Fala-se em “acompa-
nhamento contínuo”, porém sem especificar a periodicidade, os participantes e as
características do manejo clínico nessas sessões.
Discussão
logo infantil, pois está ali pela criança, conhece suas dores e é porta-voz dela.
Porém, o reconhecimento de que os próprios pais e mães têm suas histórias,
suas dores e justificativas pessoais para o seu comportamento (Axline, 1986),
e a aceitação de que criticar e julgar os pais não é nosso papel (Aguiar, 2005)
pode contribuir para entendê-los como colaboradores do processo, ainda que
comumente não saibam como fazê-lo. O discurso comum e consensual acerca
da necessidade da participação da família na psicoterapia destoa da aparente
dificuldade em situá-los nesse processo.
Não foram encontrados estudos que abordem a percepção das próprias
crianças sobre a participação de suas famílias no processo terapêutico, o que surge
como um paradoxo, já que na psicoterapia infantil, o principal foco é na criança.
Considerou-se importante verificar como as sessões familiares ou conjuntas são
entendidas pela criança. Ainda que se reconheça a dificuldade para o desenvolvi-
mento desse tipo de pesquisa, é fundamental que ela seja ouvida para que estraté-
gias efetivas sejam desenvolvidas.
No que diz respeito à categoria “Relatos de sessões/intervenções”, foram
identificados estudos que abordam a participação das famílias no processo psi-
coterapêutico em diferentes fases da psicoterapia. No entanto, eles não especifi-
cam claramente como ocorre esse trabalho. Dois estudos (Wechsler et al., 2014;
Bittencourt e Böing, 2017) que não se concentraram em descrever como ocor-
reu o acompanhamento às famílias informaram, ainda, que houve dificuldades
relacionadas a esse aspecto, sem informar quais. Os demais estudos trouxeram
descrições de sessões com os responsáveis, manejo técnico e suporte teórico, com
indicações de técnicas e fazendo reflexões. Apesar de restritos em quantidade, per-
cebe-se a diversidade das intervenções propostas, com possibilidades de atuação
junto às famílias individualmente, em grupo ou em sessões conjuntas. Os estudos
encontrados relatam experiências em coerência com as abordagens pesquisadas,
preservando o foco no benefício da criança, o seu sigilo e o entendimento que
seus problemas fazem parte de um contexto mais amplo, do qual é dependente.
Esse tipo de estudo pode servir de inspiração para a prática, além de oferecer
apoio ao psicólogo infantil que, de acordo com Costa e Dias (2005), pode viven-
ciar sentimentos de frustração, solidão e impotência em relação à atuação com as
famílias das crianças. O compartilhamento de experiências por meio do relato de
outros psicólogos pode contribuir para diminuir a solidão profissional citada por
essas autoras, já que chegaram em sua pesquisa à percepção de que existem poucos
psicólogos infantis que atuam segundo as abordagens estudadas (gestalt-terapia,
psicodrama e abordagem centrada na pessoa).
Considerações finais
Referências
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Resumo: Há alguns anos novos significantes, tais como a hiperatividade, os tocs, dentre outros,
aparecem no campo da psicopatologia infantil. Apresentada como uma nova patologia, a
hiperatividade parece realmente remeter à instabilidade psicomotora. Esse novo termo caracteriza
uma conduta centrada nos transtornos de comportamento e na redução deles, em detrimento de
uma abordagem psicodinâmica complexa do sujeito. Ora, ligar-se apenas nas expressões
comportamentais, sem levar em conta sua dimensão sintomática, leva a negligenciar a
complexidade dos fenômenos conscientes e inconscientes, que agem no sujeito tomado na sua
dimensão singular e familiar. Propomos, com base em uma pesquisa feita com uma população de
crianças rotuladas “hiperativas”, interrogar essa dimensão sintomática e assinalar em qual quadro
essa mudança nosográfica intervém, bem como os riscos desse novo significante veiculado nos
discursos sobre a psicopatologia infantil.
Palavras-chave: Psicopatologia infantil, Diagnóstico, Sintoma, Instabilidade psicomotora.
Transtorno ou sintoma?
Hoje, o transtorno designa “o estado do que cessa de estar em ordem”; seu uso
em certos discursos sociais e médicos nos interroga: de qual (quais) desordem
(desordens) nossos pacientes dão testemunho? Parece que, definido assim, o
transtorno é o que escapa ao controle, ao domínio; dito de outro modo, a
ordem é mais perturbada que o próprio paciente. Ele não é no fundo apenas um
bagunceiro? O risco de um controle social sob os cuidados médicos foi
amplamente percebido pelos oponentes, além da comunidade dos
profissionais referidos, até o relatório coletivo sobre o “transtorno das
condutas”. Com o DSM-IV, o uso da noção de transtorno tende a impor-se no
campo da psicopatologia: não se corre o rico de “psiquiatrizar” os que
atrapalham a ordem social?
Além dessa primeira interrogação sobre o uso social da noção de transtorno,
perguntamo-nos como se inscrevem as referidas manifestações na organização
psíquica do sujeito. Realmente, a noção de transtorno corresponde
atualmente, no relatório INSERM e no DSM-IV, a uma quantificação de
comportamentos observáveis, em detrimento de uma abordagem dinâmica
complexa do paciente. Ela leva em conta, em particular, os conceitos de
estrutura psíquica e de sintoma, expressão de um conflito inconsciente que fica
para ser decodificado. As modalidades de tratamento dos sujeitos, e que
decorrem dessas duas abordagens, são radicalmente diferentes.
Realmente, debates recentes, ao mesmo tempo científicos e políticos,
aconteceram na França. Eles colocam em evidência a importância dos
pressupostos adotados para tratar da questão dos “transtornos de
comportamento”. Duas correntes, em particular, se opõem, repletas de
conseqüências sobre o destino dos sujeitos em questão e sobre a sociedade de
maneira mais geral.
Um transtorno a reduzir?
A corrente exposta no relatório INSERM, relativa ao “transtorno das
condutas na criança e no adolescente”, amplamente debatida, considera que
os “transtornos de comportamento” correspondem a um disfuncionamento
específico que revela um conjunto de sinais pretensiosamente observáveis de
modo objetivo. Esses sinais são sintomas no sentido médico do termo: “Toda
manifestação de uma afecção ou de uma doença que contribui para o
Um sintoma a escutar
Numerosos psicanalistas (Kulien, 1991; Hurstel, 1996; Lebrun, 1997, 2007;
Lesourd, 2006) relacionam as formas atuais de expressão da psicopatologia à
evolução da nossa sociedade, em particular a um lento e progressivo
questionamento de uma ordem social, demonstrada por meio da evolução de
mais de um século dos status jurídicos dos homens, das mulheres e das
crianças. Assim a sintomatologia poderia ser entendida como uma
manifestação de um mal-estar do sujeito na cultura. Entretanto, além do
impacto da cultura, toda abordagem psicanalítica interessa-se pela
singularidade de cada sujeito, o sintoma produzido constituindo a expressão
de um conflito inconsciente.
Segundo a abordagem psicanalítica, as “desordens” do comportamento não
são “transtornos” no sentido de uma doença caracterizada, mas podem ser
formações do inconsciente. Para Maud Mannoni (1967, p. 48), “o sintoma vem
no lugar de uma palavra que falta, criada com a atenção do interlocutor”.
Contrariamente à abordagem comportamental, o sintoma aqui é uma
modalidade de expressão do sujeito. Suprimir o sintoma de uma só vez faz com
que sua mensagem não seja escutada.
No mais, segundo Jacques Lacan (1973, p. 32), o sintoma contém sua parte de
gozo: “il est claire que ceux à qui nous affaire, les patients, ne se satisfont pas, comme on
dit, de ce qu'ils sont. Et pourtant, nous savons que tout ce qu'ils sont, tout ce qu'ils vivent,
leurs symptômes mêmes, relève de la satisfaction.” 3 Por essas razões, não se trata de
idade atual
8
idade do diagnóstico
7
6
5
4
3
2
1
0
4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Para cada família, encontramos os pais (às vezes um só) com os quais fizemos
uma entrevista semidiretiva. Num segundo tempo, tivemos uma entrevista e
realizamos testes projetivos com a criança: o Rorschach e o TAT (as fábulas de
Düss para as crianças com menos de 10 anos).
Todas as crianças têm um percurso médico-psicológico relativamente
complexo: freqüentemente, várias tentativas de psicoterapia, reeducações
ortópticas e/ou psicomotoras, de ortofonia, durante vários anos, e desde a
idade de 6 anos todas estiveram ou estão ainda sob tratamento medicamentoso
(ritalina).
120
100
porcentagem
80
60
40
20
to
a
e
a
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ni
ad
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Um desaparecimento do sujeito
Alguns trabalhos assinalam o efeito objetivante5 da nosografia do DSM-IV, que
reduz certas produções infantis a transtornos comportamentais. Se não
ignoramos que solicitar aos pais as crianças, deliberadamente, no quadro de
uma pesquisa pode ter como efeito colocar a criança como “objeto de estudo”,
fomos questionados, contudo, pelo pouco lugar que esses pais atribuíam à
palavra e ao ressentimento de suas crianças. Realmente, em nossas entrevistas,
os pais descrevem essencialmente o comportamento da criança, sem jamais
interrogá-los. Os pais não se questionam e não parecem questionar a criança;
ela também é atriz sem ser autora de seus atos: Quando seu filho a chama de
puta, enfim de coisas bastante difíceis de ouvir / bem ele / é que ele não sabe
bem que não pode. Se essas injúrias fazem a mãe de Thibaut sofrer, ela não
pergunta pelo que pode estar em jogo entre ela mesma e seu filho. Ou, ainda,
quando a mãe de Louis encontra a professora ou a treinadora esportiva para
explicar o comportamento de seu filho – Apesar de ter explicado bem a ele, e
lhe dizer para explicar isso aos outros (camaradas, colegas), ele não conduziu
bem as coisas –, ela não parece considerar interpelar Louis para falar com ele
sobre o que se passa com seus colegas ou com seus professores. Ela aumenta o
número das condutas para falar de seu filho aos que vão ter que gerí-lo, e as
dificuldades são atribuídas a eles, pois não compreenderam ou não quiseram
compreender “sua doença”. Assim o discurso sobre a criança substitui a
palavra da criança. Em várias entrevistas a criança é apresentada como
“incapaz” de se concentrar, “incapaz” de não se agitar, os pais parecem estar
diante de uma criança regida pela sua hiperatividade, uma criança que não
pode responder pelos seus atos. O comportamento instável, que poderia ser
considerado uma conseqüência sintomática de um conflito psíquico
inconsciente, está aqui invertido por causa das dificuldades da criança. É a
hiperatividade que se torna a única responsável pelos seus problemas: É essa
doença, nos dizem vários pais.
Podemos nos perguntar se esse apagamento da criança como sujeito de seu
discurso é um efeito do diagnóstico de hiperatividade, ou se ele preexistia antes
e o diagnóstico contribuiria apenas para reforçar esse apagamento. Realmente
certas situações nos interrogaram quanto à particularidade do enodamento do
laço mãe/criança desde as primeiras semanas da vida da criança. Tivemos uma
relação muito fusional,6 dizem várias mães, não sem certa complacência.
Podemos nos perguntar se a redução da criança a seu comportamento não
contribui para deixar a criança no lugar de objeto da mãe:
O fim dessa citação da mãe de Émilie revela que ela não ignora a reprovação
que pesa sobre o pai, que aceita a criança em sua cama; é por isso que ela se
defende e se justifica. Esse primeiro elemento nos mostra a questão da
culpabilidade dos pais diante das dificuldades de sua criança.
Conclusão
O discurso sobre a hiperatividade aparece como efeito das mutações sociais.
As modalidades de expressão da construção subjetiva (aqui desordens
comportamentais) se fazem nas formas aceitas pelo discurso organizador do
laço social. Os primeiros resultados dessa pesquisa nos mostram como pais e
crianças se encontram presos pelos significantes que lhes são propostos e como
esses vão estar a trabalho nas suas relações.
No mais, mesmo se não tivéssemos desenvolvido neste escrito a análise das
entrevistas e dos testes efetuados com as crianças, isso indicaria que os
sintomas desenvolvidos por cada um se inscreveriam em uma problemática e
em uma estrutura psíquica particulares. O exemplo de Emilie mostra que seus
transtornos de atenção têm um sentido de escapar a uma dependência múltipla
de processos primários, compostos de idéias profundamente angustiantes que
se impõem em seu espírito. Os transtornos de atenção aqui tomam lugar em
um quadro mais geral de transtornos da personalidade que um medicamento
não saberia suprimir. Enquanto a agitação de Thibaut se inscreve em um
registro neurótico, ela vem colocar em cena angústias ligadas a um
questionamento sobre a morte.
A abordagem comportamental e neurocientífica, que serve de base a essas
novas classificações, se faz em detrimento da consideração da singularidade de
todo sujeito humano. A noção de hiperatividade, que consiste em encarregar-
se da dificuldade apresentada pela criança ou por seus pais como expressão de
um desregramento funcional ou orgânico, quando se trata da expressão de um
conflito psíquico, corre o risco de se deslocar ou de reforçar o sintoma ao invés
de aliviar o sofrimento psíquico. Preferimos, então, a noção de instabilidade
psicomotora, que conserva a dimensão sintomática das desordens
comportamentais. A dimensão familiar do sintoma sublinha a complexidade
dos riscos contidos nesse sintoma e o perigo de querer erradicá-lo de uma só
vez, tendo em vista que esse perigo é um tanto maior na clínica da criança,
onde a dimensão inconsciente do sintoma é negligenciada não só na criança,
mas também nos pais.
Notas
1. NT: Em francês, enjeux, que pode ser entendido também como “o que está
em jogo”.
2. NT: Em francês, oppositionnels, traduzido por oposicionais, termo não
dicionarizado em português.
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Sobre as autoras
Anne Thevenot – Professor Adjunto em psicologia clínica, HDR, Unidade de Pesquisa em
Psicologia : Subjetividade, Conhecimentos e Laço Social (EA 3071), Universidade Louis Pasteur.
Strasbourg - France. Endereço eletrônico: anne.thevenot@psycho-ulp.u-strasbg.br
Claire Metz – Professor Adjunto da IUFM, psicóloga, psicanalista. Unidade de Pesquisa em
Psicologia : Subjetividade, Conhecimentos e Laço Social (EA 3071), Universidade Louis Pasteur.
Strasbourg - France. Endereço eletrônico: anne.thevenot@psycho-ulp.u-strasbg.br
Resumo
A morte de um ente querido leva a processos de luto dolorosos e, no caso de crianças que perdem uma figura parental,
esse sofrimento pode se agravar pelo fato de serem ainda dependentes física e emocionalmente de seus pais. Neste
artigo, procurou-se compreender como a criança reage à situação de luto e como esta pode se refletir em seu processo
de relacionamento. Para tanto, foi utilizado um caso atendido em psicoterapia, em que a abordagem ludoterápica possi-
bilita ao indivíduo expressar com maior facilidade seus conflitos e dificuldades, o que ocorre de forma simbólica.
Palavras-chave: Luto. Criança. Ludoterapia.
1 INTRODUÇÃO
A Ludoterapia é a psicoterapia destinada a crianças e tem como objetivo proporcionar ao indivíduo a capaci-
dade de resolução de seus problemas de forma saudável, permitindo que a criança seja ela mesma, sem que se sinta
pressionada a mudar ou agir diferente. Há um reconhecimento e esclarecimento das atitudes expressas a partir da
reflexão sobre o que é apresentado pela criança.
Klein (1981, p. 31) afirma que:
As crianças, frequentemente, expressam, em seus brinquedos, a mesma coisa que acabaram de nos
contar em um sonho; ou fazem associações a um sonho no brinquedo que se lhe segue, pois brincar
é o meio de expressão mais importante da criança. Ao utilizarmos essa técnica lúdica, logo descobri-
mos que a criança faz tantas associações aos elementos isolados de seu brinquedo quanto o adulto
aos elementos isolados de seus sonhos.
A brincadeira é universal e é própria da saúde, o brincar promove o crescimento e, assim, a saúde, conduzindo
aos relacionamentos grupais e sendo uma forma de comunicação na psicoterapia (WINNICOTT, 1975).
Conforme Ribeiro (2002, p. 56), “[...] através das atividades lúdicas a criança assimila valores, adquire com-
portamentos, desenvolve diversas áreas de conhecimento, exercita-se fisicamente e aprimora habilidades motoras.”
Machado e Paschoal (2008, p. 57) afirmam que:
Podemos dizer que o brincar é um meio pelo qual a criança se relaciona com o mundo adulto, pro-
curando descobrir e ordenar as coisas ao seu redor. Ao vivenciar as brincadeiras, a criança desenvol-
ve afetividade, interage com o mundo em que vive, mediante a fantasia e o encanto.
Segundo Axline (1984, p. 22), a “[...] ludoterapia é baseada no fato de que o jogo é o meio natural de auto-
-expressão da criança. É uma oportunidade dada à criança de se libertar de seus sentimentos e problemas através do
brinquedo.”
Almeida (2003, p. 37-38) afirma: “O brinquedo faz parte da vida da criança, simboliza a relação pensamento-a-
ção e torna possível o uso da fala, do pensamento e da imaginação. O mundo do brinquedo é um mundo composto,
que representa o apego, a imitação, a representação e faz parte da vontade de crescer e desenvolver-se.”
*
Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina; marilise.rocha@yahoo.com.br
**
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professora do Curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina;
jorgiana.bau@unoesc.edu.br
7
Pesquisa em Psicologia | Anais Eletrônicos
Marilise Vanusa Rocha, Jorgiana Baú Mena Barreto
É importante que a criança se sinta segura e adaptada ao ambiente do consultório e ao próprio terapeuta. O
processo terapêutico pode não ter efeito positivo sem que antes ocorra a formação de vínculo. Para Fiorini (1985), a
formação do vínculo na relação terapêutica deve ser entendida sob duas vertentes: a adequação do vínculo às necessi-
dades particulares de cada paciente e a utilização das competências e atitudes reais do terapeuta a serviço do processo.
Segundo Coppolillo (1990, p. 212), há cinco importantes conquistas na primeira fase da psicoterapia:
1. A criança atinge um grau de bem-estar que a permite ser produtiva nas sessões;
2. A criança se comunica normalmente;
3. A criança e o terapeuta atingem uma aliança de trabalho ou aliança terapêutica;
4. A criança se torna consciente de que algumas das suas atividades mentais são geradas interna-
mente, em vez de tiradas do mundo externo;
5. A criança e o terapeuta começam a dividir modos de representar seus estados internos com pa-
lavras, imagens e símbolos.
Dessa forma, as atitudes de cada um, terapeuta e paciente, surgem por meio do vínculo terapêutico. As trans-
formações que ocorrem estão ligadas à interação profissional, que detém consigo ampla parcela da responsabilidade
sobre o bom andamento de uma psicoterapia, assim, a possibilidade de sentirem-se em sintonia promove o esta-
belecimento do vínculo terapêutico, que se estabelece em um dos subsídios essenciais para aumentar o sucesso da
terapia (OTERO, 2001).
Quando uma criança é encaminhada para atendimento psicológico, durante as primeiras sessões é esperado
que demonstre comportamento oprimido e desconfiado, pois imagina que o terapeuta atue da mesma forma que os
demais adultos. De acordo com Axline (1984, p. 35), “[...] nota-se que a criança mora num mundo todo seu e poucos
são os adultos que a compreendem realmente.”
Grunspun (1997, p. 2) coloca que “O processo terapêutico é a intenção dinâmica de todos os aspectos feno-
menológicos do procedimento da terapia, englobando todas as expressões abertas ou encobertas dos sentimentos,
pensamentos e ações ocorridas durante um tempo.”
A ludoterapia estabelece um ambiente em que a criança seja encorajada “[...] a ser criativa mantendo seu pró-
prio jogo mesmo com um mínimo de verbalização ou interpretação do terapeuta. Brincar facilita o desenvolvimento.”
(GRUNSPUN, 1997, p. 21).
Garbarino (1992 apud BOMTEMPO, 1997, p. 69) destaca:
Pedro el al. (2007, p. 112) consideram que “O brincar deve auxiliar a criança a superar as adversidades. Além
disso, pode ser um recurso capaz de fortalecer relações e estreitar o contato humano entre o profissional de saúde e
o usuário.” Françani et al. (1998, p. 28) reiteram que:
A criança chega ao atendimento trazendo as representações de seu cotidiano para se comunicar, diante
disso, “[...] a ludoterapia criou condições para aproveitar os momentos importantes deste jogo cotidiano infantil. A
suposição é de que a criança se empenha em jogar para fora seus problemas se lhe for dada esta oportunidade.”
(GRUNSPUN, 1997, p. 17).
Torna-se necessário um espaço adequado e aconchegante, que possa proporcionar ao paciente conforto e
segurança quanto à manifestação de seus conteúdos.
De acordo com Axline (1984, p. 28):
8
Pesquisa em Psicologia | Anais Eletrônicos
A ludoterapia...
A sala de ludoterapia é um bom lugar de crescimento. Na segurança dessa sala, onde a “criança” é a
pessoa mais importante, onde ela está no comando da situação e de si mesma, onde ninguém lhe
diz o que deve fazer, ninguém critica o que faz, ninguém importuna, faz sugestões, estimula-a ou
intromete-se em seu mundo particular, subitamente ela sente que pode abrir suas asas, pode olhar
diretamente para dentro de si mesma, pois é aceita completamente.
É importante destacar que a Ludoterapia se faz de grande valia em casos de crianças que perderam algum
familiar, pois a criança enlutada sofre implicações psíquicas com o luto familiar, tornando-se mais marcante quando
é de um membro da família nuclear.
De acordo com Kovács (2007), a psicoterapia com crianças enlutadas apresenta-se como forma de cuidado, já
que a comunicação das crianças não se restringe à forma oral, a comunicação é fundamental e requer uma maneira
especial de escutar a criança e acompanhá-la em suas brincadeiras, desse modo, o contato deve ser livre de censura
ou julgamentos prévios, proporcionando um espaço para expressão de sentimentos, uma vez que a criança se sente
acolhida e compreendida e percebe que seus sentimentos estão sendo respeitados.
2 ESTUDO DE CASO
O caso aqui apresentado se refere a uma criança, aluno de uma escola particular do Município de Joaçaba,
SC. A tia dessa criança buscou atendimento na Clínica de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina de
Joaçaba. Essa Clínica tem caráter eminentemente social, com o compromisso de atender à população carente da
região, que necessite de auxílio psicológico, o que não significa que não possa atender a outras pessoas que necessi-
tem. A Clínica tem como objetivos servir de local de estágio e aprendizagem para os alunos, para aplicação de conhe-
cimentos; servir à comunidade externa, prestando serviços psicológicos a crianças, adolescentes, adultos e idosos,
por meio de aplicação de técnicas terapêuticas e preventivas, tanto individual quanto grupal; desenvolver trabalho
interdisciplinar mediante intercâmbio com outros profissionais e instituições e promover a saúde mental e a melhora
na qualidade de vida da população.
A tia de V. F. (9 anos de idade) buscou atendimento relatando que o paciente perdeu a mãe quando tinha sete
meses de vida, vítima de leucemia, a partir de então, morou com tias e avós maternos até os quatro anos, quando os
avós faleceram, então foi morar com o pai, pois as tias precisavam trabalhar. O pai de V. F. trabalha em uma empresa
em que os horários são alternados, sendo períodos diurnos e noturnos, sábados e domingos, dessa forma, ele não
dispõe do tempo necessário para cuidar do filho. Para amenizar a situação, pai e filho foram morar com uma tia, irmã
paterna, a qual é separada e tem uma filha de nove anos de idade. O paciente começou a apresentar medo de dormir
sozinho com a luz apagada, acorda chorando durante a noite e agride a prima. Diante das queixas relatadas pela tia,
cria-se a hipótese que o paciente apresenta tais comportamentos por não saber lidar com a situação da morte da mãe
e do rompimento de vínculo com a tia que o criou até os quatro anos. Assim, pode-se compreender que essas manei-
ras de se comportar são a forma encontrada por ele para expressar seus sentimentos, principalmente, na casa da tia.
Por meio do acolhimento inicial, observou-se que existia outra questão a ser trabalhada, além do sonambu-
lismo e da agressividade. Ao iniciar esse atendimento, com uma estagiária de Psicologia da Clínica, primeiramente
foi lido e explicado à tia do paciente sobre o Contrato Terapêutico, o qual apresenta cláusulas a serem seguidas em
relação a faltas, atrasos, dia de atendimento e duração da sessão; em específico, destaca-se que, por se tratar de uma
clínica-escola outros acadêmicos e professores do Curso de Psicologia poderão assistir ao processo psicoterapêutico
que acontecerá na sala de espelho, sempre respeitando o Código de Ética da Psicologia, mas sem, necessariamente,
a comunicação prévia.
Iniciando o tratamento psicoterápico, as queixas sobre V. F. se referiam, principalmente, à agressividade com
a prima e ao medo de dormir sozinho. O comportamento do paciente era fechado, não conversava muito, porém,
no decorrer das sessões começou a se soltar e a conversar; reclamava muito da prima, que pega no seu pé, irrita-o o
tempo todo e fala que aquela casa é dela e de sua mãe. Em determinada sessão, V. F. relatou que havia perdido a mãe
quando ainda era bebê e que sente saudades dela, contou que morou um tempo na casa da tias maternas e depois
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Marilise Vanusa Rocha, Jorgiana Baú Mena Barreto
foi morar com o pai, agora mora na casa da tia, irmã de seu pai, relatou que não fica muito tempo com o pai e às vezes
fica triste, porque já perdeu pessoas demais em sua vida e por não lembrar de sua mãe.
No que se refere à sua história de vida, analisou-se que V. F. vem de uma família desestruturada, pois ocorreu
uma quebra de vínculos duas vezes, não tem a figura da mãe, o relacionamento com o pai é pobre e ocorrem brigas na
casa da tia. Em horários vagos, o paciente se prende ao computador ou videogame, e acredita que a melhor solução
seria morar em outra casa, para pararem as brigas. Percebe-se uma grande tristeza quando se abordam assuntos rela-
cionados à morte da mãe, ele demora para se abrir, mas de alguma forma, mesmo sucinta, colabora com as sessões.
O objetivo principal da terapia foi buscar maneiras de auxiliar o paciente nas questões relacionadas às brigas
com a prima, ao medo de dormir sozinho, e a superar o sofrimento escondido pela morte da mãe e dos avós. Por meio
de jogos, brincadeiras de quebra-cabeça, recorte e colagem, desenho livre, leituras de livrinhos terapêuticos, além de
cartinhas para a mãe e para os avós, o paciente pôde sentir-se acolhido, em um espaço único para ele realizar suas
brincadeiras, aproximar-se de sua mãe e dos avós, mesmo que por meio de cartas e expressar seu sentimento de an-
gústia e preocupação em saber se estavam bem. V. F. relata que depois que iniciou o atendimento fez um juramento
que nunca mais iria bater na prima, pois aprendeu o quanto é importante amarmos as pessoas. O paciente encontra-
-se em atendimento semanal, apresentando uma melhora significativa de comportamento.
3 LUTO INFANTIL
É sabido que a morte acontece com todas as pessoas, o que torna necessário que ela seja abordada com impor-
tância e como algo concreto, considerando-se a idade e o estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra.
Segundo Torres (1999, p. 119):
O processo e os resultados das reações da criança ao luto dependerão de vários fatores, tais como a
idade, a etapa do desenvolvimento em que a criança se encontra, de sua estabilidade psicológica e
emocional e da própria significação da perda, isto é, da intensidade e diversidade dos laços afetivos.
Bromberg (2000) explica que o conceito de morte pode variar segundo duas abordagens: a forma como os
adultos encaram a morte e a relação que a criança tinha com a pessoa falecida. Pode-se entender, então, que a criança
precisa de uma atenção especial ao perder um dos pais, pois de acordo com Raimbault (1979), quando a criança per-
de um dos genitores, além de perder um objeto de amor, ela também perde uma base identificadora.
A morte repentina de um genitor gera, ainda, uma série de mudanças que transpõem o desaparecimento da
pessoa, a criança perde também os pais da maneira como eram anteriormente, visto que o sobrevivente se modifica
em seus aspectos emocionais, comportamentais e nos papéis que necessitam ser readaptados (RAIMBAULT, 1979).
O primeiro e mais persistente vínculo afetivo é o da mãe e seu filho, é o vínculo que nem mesmo a morte
dissocia. Para Winnicott (1982), a ausência materna e a falta de apego provocam na criança uma necessidade da busca
de um objeto transitório; essa criança pode apresentar comportamentos desajustados, como insônia, comportamen-
tos de regressão, tendência antissocial, carência e até uma propensão à delinquência.
Confrontar-se com a morte de alguém que se ama é um processo difícil em qualquer idade, sobretudo, quan-
do ainda não se possuem recursos internos para superar esse momento. Segundo Raimbault (1979), quanto mais
jovem é a criança, maiores serão os efeitos que essa morte acarretará.
Para que a criança consiga assimilar de fato o que é morte, é necessário que ela entenda dois conceitos
fundamentais: o de irreversibilidade e o de universalidade. Segundo Torres (1999), a irreversibilidade diz respeito à
compreensão de que o corpo físico não pode viver depois da morte, ou seja, quando se morre não se torna a viver,
e a universalidade refere-se à compreensão de que tudo que possui vida está suscetível à morte. As crianças que vi-
venciam a morte são afetadas de diferentes formas e o problema não é a morte em si, mas o que se segue após ela,
ou seja, o luto.
Schoen et al. (2004 apud LIMA, 2007, p. 26) apresentam uma definição pertinente de luto quando afirmam:
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A ludoterapia...
Luto é o processo pelo qual alguém passa quando uma perda é experienciada. As experiências que
fazem parte desse processo ocorrem em diferentes sequências e intensidades e, assim como sua
duração, dependem do indivíduo. Respostas de luto vão também depender de quão significativa
é a perda.
O processo de luto é diferente para cada indivíduo e, para a criança, torna-se ainda mais complexo.
Segundo Bromberg (2000, p. 60):
Conforme Viorst (1986), a lamentação da perda de um ente querido é relativa ao modo como sentimos a per-
da, o que depende da idade tanto de quem sofreu a perda quanto daquele que partiu e, ainda, de toda uma história
compartilhada. Embora possa existir uma fase de aceitação e novas buscas, a saudade e a tristeza podem retornar “[...]
tornando o luto gradual e nunca totalmente concluído.” (KOVÁCS, 1992, p. 157).
A dificuldade de falar sobre a morte tem relação direta com a nossa cultura, pois representa perda, abandono,
medo, desconhecido. E do mesmo modo é difícil falar sobre os sentimentos despertados pela morte, uma vez que se
necessita “falar com o coração.” (HISATUGO, 2000, p. 16).
Não falar da dor não significa não a sentir, muitas vezes, as crianças podem estar sofrendo e não lidando com
a perda de modo saudável. Para que isso ocorra, é necessário que a criança vivencie os sentimentos do luto; ela deve
ser encorajada a falar sobre o que está sentindo, para conseguir elaborar esse luto, impedindo que ele se mantenha
indefinidamente (MAZORRA, 2001).
Conforme Del Prette e Del Prette (2007, p. 119), falar sobre sentimentos e nomear as emoções são habilida-
des importantes, pois “[...] ajudam a criança a transformar uma sensação assustadora e incômoda em algo definível e
natural, o que pode ter um efeito calmante imediato.”
Para Ferreira e Wiezzel (2005), perder alguém importante implica a necessidade de adaptação a viver sem ela,
e, para a criança, a perda de um dos pais influencia em seu desenvolvimento. Essas influências podem ser tanto na
convivência social, na forma de encarar a vida, quanto na área emocional e afetiva, podendo desencadear um senti-
mento de inferioridade por acreditar que somente ela não possui um pai ou uma mãe.
Segundo Ferreira e Wiezzel (2005, p. 8):
O bebê privado de certas coisas, como o contato afetivo, tende a desenvolver perturbações no seu
desenvolvimento emocional que serão reveladas futuramente através de dificuldades pessoais. A
mãe é necessária como pessoa viva que apresenta o mundo ao bebê (sua presença causa bem-estar
e segurança) e também à tarefa de desilusionamento (os desejos nem sempre são saciados quando
se quer).
Entretanto, na ausência da figura da mãe existe alguém que também é muito importante para a criança: o pai.
Conhecê-lo, saber o que ele é capaz de fazer, perceber seus defeitos, saber mais sobre sua vida e trabalho são aspectos
importantíssimos para qualquer criança (WINNICOTT, 1982).
Bowlby (1985) destaca que o rompimento de uma relação ou uma perda desencadeia sentimentos e compor-
tamentos diversos, podendo levar o enlutado ao entorpecimento e à melancolia, em um período de desorganização
e prostração, até que possa iniciar um trabalho de elaboração desta perda, retomando a organização da própria vida.
Segundo Nunes (1998, p. 15), nas semanas seguintes à perda, as crianças podem apresentar tristeza profunda
ou acreditar que o familiar que morreu permanece vivo. Se, no entanto, evitar mostrar tristeza ou persistir em longo
prazo negando a morte de seu familiar querido, poderá ter sérios problemas no futuro.
Segundo Raimbault (1979), o sofrimento não elaborado pode se traduzir em distúrbios de atenção, diminui-
ção da acuidade escolar, distúrbios da fala, ou ainda em todo um conjunto de sinais de ansiedade, como fobias, ritos,
tiques, agressividade, apatia e medo do escuro e do estranho.
Hisatugo (2000, p. 18-19) afirma que:
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Marilise Vanusa Rocha, Jorgiana Baú Mena Barreto
Falando claramente sobre a morte de alguém, permite-se maior segurança e amadurecimento in-
fantil. Enganar a criança é privá-la de desenvolver-se e pode causar sérios danos psicológicos. A
idéia de poupar a criança sobre a morte muitas vezes é um argumento adulto para não tratar do
assunto. É claro que não há necessidade de contar fatos mórbidos ocorridos com o falecido, mas é
importante explicar sobre a finitude humana, a irreversibilidade e nossos sentimentos em relação
à morte.
Para elaborar o luto, conforme Kovács (2007, p. 74), é indispensável que as crianças recebam informações
abertas sobre a morte de uma pessoa querida, do contrário, abre-se espaço para o medo e para a culpa, ou seja, “[...]
as tentativas de ocultar o fato ou diminuir sua importância tendem a dificultar a compreensão.”
De acordo com Torres (1999), a maneira mais saudável de ajudar as crianças que perderam alguém significa-
tivo é promover uma comunicação aberta e segura, proporcionando a elas o tempo suficiente para expressar seus
sentimentos.
Segundo Franco e Mazorra (2007), além do apoio psicológico à criança, em ocorrência de luto infantil por
morte de genitores, seria necessário também um atendimento à família, pois ela se encontra em um momento de
crise e desorganização, uma vez que, de forma geral, a possibilidade de a criança elaborar o luto está associada ao
processo de elaboração do luto familiar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo de caso refere-se à importância da Ludoterapia no processo de luto infantil; a criança ao seu
modo compreende a morte desde o início da infância, mas essa compreensão pode não ser identificada pelos adul-
tos, porque é sempre expressa com os recursos próprios da idade, nem sempre a criança fala sobre morte, mas pode
representá-la lúdica ou graficamente, ou, até mesmo, na forma de um sintoma. Por meio da Ludoterapia, é possível
avaliar aspectos emocionais, afetivos, sociais, familiares e outros nos pacientes. Por meio do lúdico, a criança pode
expressar seus sentimentos e emoções que ainda não consegue verbalizar. O brincar torna-se instrumento para a
criança expor situações ou vivências que a afligem.
A vida consiste de várias perdas e separações e uma perda no início da infância pode ocasionar à criança trau-
mas posteriores. Ao se estudar o luto infantil, percebe-se que a maior perda que uma criança pode sofrer é a morte
de um dos pais. Faz-se necessário, independentemente da idade da criança, informá-la sobre o evento, adaptando o
linguajar e a complexidade da explicação ao seu nível de compreensão. Para que haja a elaboração da perda, é ne-
cessário, portanto, que o indivíduo possa expressar e lidar com os mais diferentes sentimentos suscitados pela morte.
Por intermédio da revisão de literatura, associada ao estudo de caso, pode-se perceber a importância do
apoio psicológico à criança que perdeu um ente querido, oferecendo-a um ambiente específico para tratar dos sen-
timentos, por vezes pouco demonstrados, respeitando seu tempo e suas limitações, auxiliando-a a alcançar um equi-
líbrio emocional e promovendo a capacidade ela desenvolva essas competências e se torne psicologicamente mais
saudável.
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Lucia Costa
luciabrcostta@gmail.com
RESUMO
Este artigo aborda o uso de brinquedos cantados no processo terapêutico a partir do que a
literatura cientifica evidencia sobre o quanto esse recurso pode ser essencial ao processo
terapêutico de crianças para ajudá-las a melhorar a interação com o mundo que a cerca e
consigo mesmo. A questão/problema do estudo busca saber de que modo a utilização dos
brinquedos musicados, no processo terapêutico, pode influenciar os diferentes aspectos da
formação do indivíduo, incluindo as dimensões humana, física, social e cognitiva. Por isso, a
hipótese do estudo afirma que a riqueza de experiências com os brinquedos e,
consequentemente, com as atividades baseadas nesse recurso constituirá o banco de dados de
imagens culturais utilizados nas situações interativas. Os objetivos do estudo consistem em
compreender a eficácia dos brinquedos cantados no processo terapêutico, além de se
descrever as ações terapêuticas que podem ser colocadas em pratica pelo psicólogo com base
nos brinquedos musicados. A metodologia do estudo baseou-se na revisão da literatura com
foco em autores que se reportam à centralidade do tema no contexto da Psicologia Infantil e
da Ludoterapia. Após o estudo, inferiu-se que a realização de um trabalho terapêutico, com
base nesse recurso, requer um projeto pessoal maior do profissional quanto à sua proposta,
além de um envolvimento efetivo quanto às mudanças para se adaptar às necessidades da
criança, bem como de um maior investimento em recursos lúdicos avançados, pois, durante o
desenvolvimento desse estudo, detectou-se que apesar da eficácia dos brinquedos cantados no
processo terapêutico, atividades baseadas nesses expedientes ainda não são utilizadas com a
frequência necessária o que poderia apresentar maior resolutividade para o trabalho
desenvolvido junto à criança atendida pelo psicólogo infantil.
ABSTRACT
This article discusses the use of toys sung in the therapeutic process from which the scientific
literature evidences how much this resource can be essential in the therapeutic process of
children to help them to improve the interaction with the world that surrounds it and with
itself. The question / problem of the study seeks to know how the use of musical toys in the
therapeutic process can influence the different aspects of the formation of the individual,
including the human, physical, social and cognitive dimensions. Therefore, the hypothesis of
the study states that the wealth of experiences with toys, and consequently with activities
based on this resource, will constitute the database of cultural images used in interactive
situations. The objectives of the study are to understand the effectiveness of toys sung in the
therapeutic process, as well as to describe the therapeutic actions that can be put into practice
by the psychologist based on the musical toys. The methodology of the study was based on a
review of the literature focusing on authors who report on the centrality of the theme in the
context of Child Psychology and “Ludoterapia”. After the study, it was inferred that the
accomplishment of a therapeutic work based on this resource requires a greater personal
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project of the professional regarding its proposal, besides an effective involvement in the
changes to adapt the needs of the child, in addition to greater investment in advanced play
resources, because during the development of this study it was detected that despite the
effectiveness of the toys sung in the therapeutic process, activities based on these dossiers are
still not used with the necessary frequency which could present greater resolution for the work
developed with the child attended by the child psychologist.
1 INTRODUÇÃO
competências das crianças, não só no campo cognitivo, mas afetivo, cultural, histórico. É com
base nessa condição que o processo terapêutico com base na utilização dos brinquedos
cantados surge como uma estratégia capaz de auxiliar no desenvolvimento do individuo e seu
equilíbrio psicológico e emocional.
Em razão desses pressupostos, pode-se afirmar que o estudo possui relevância para o
curso, uma vez que será possível contribuir para que o conhecimento a respeito do tema seja
ampliado e aprofundado a ponto de estimular outros acadêmicos a dar continuidade ao debate
em torno do assunto, tornando-o um dos aspectos importantes que o psicólogo deve dar
atenção no desenvolvimento de seu trabalho cotidiano.
Para a academia a abordagem da temática também se justifica, pois é necessário
produzir literatura atualizada para que pesquisadores tenham a disposição material relevante a
ser utilizado em outros estudos voltados para a utilização da Ludoterapia no processo
psicoterapêutico infantil.
Finalmente, a elaboração e divulgação do trabalho beneficiam a sociedade, uma vez
que, ao tomar conhecimento do conteúdo, a comunidade passa a compreender que a formação
e o desenvolvimento da criança passam por questões que precisam ser debatidas de modo a
favorecer a aquisição do conhecimento a respeito dos processos que desencadeiam sua
compreensão do mundo e a aquisição da autonomia.
Assim, a questão/problema que norteia o estudo busca saber: O uso de brinquedos
cantados pode contribuir no processo psicoterapêutico infantil? Como hipótese, pressupõe-se
que os brinquedos cantados tornam-se recursos apropriados no processo terapêutico infantil,
porque combinam prazer, ludicidade e criatividade, estimulando a criança a se mostrar
receptiva ao trabalho do Psicólogo.
Os objetivos do estudo consistem em compreender a eficácia dos brinquedos cantados
no processo psicoterapêutico infantil; descrever a origem e desenvolvimento da ludoterapia na
prática psicoterapêutica; apontar as dificuldades que o psicólogo enfrenta para utilizar os
brinquedos cantados no processo psicoterapêutico infantil e apresentar os brinquedos cantados
e suas variadas formas de utilização pelo psicólogo na prática terapêutica.
2 MÉTODOS
3 RESULTADOS
3.1 LUDICIDADE
terapeuticamente não podendo ficar alheios ao brinquedo, ao jogo, às brincadeiras, pois tais
atividades são o veículo do crescimento da criança, possibilitando-a explorar o mundo,
descobrir-se, entender-se e posicionar-se em relação a si mesma e à sociedade de uma forma
natural. Segundo Santos (2012), um dos aspectos que marcam a infância é o brinquedo, e este
é para a criança aquilo que o trabalho é para o adulto, isto é, sua principal atividade.
Portanto, os jogos, brinquedos e brincadeiras fazem parte do mundo das crianças, já
que o brincar está presente na humanidade desde tempos imemoriais. Para Didonet (2014), o
brincar antecede à humanidade, “pois os animais também brincam, embora o ser humano, ser-
de-cultura, brinque diferente”. Desde os povos primitivos já eram desenvolvidas essas práticas
na forma de dança, música, pesca, caça e lutas.
Na contemporaneidade, vários teóricos de renome buscaram compreender e difundir
suas descobertas em relação às fases de desenvolvimento da criança. Entre estes um dos mais
importantes foi Piaget. Este teórico ofereceu grande contribuição com sua teoria construtivista
e dedicou-se a estudar os jogos e brincadeiras, chegando a estabelecer uma classificação deles
de acordo com a evolução das estruturas mentais que são: jogos de exercício – 0 a 2 anos –
sensório-motor; jogos simbólicos – 2 a 7 anos – pré-operatório; jogos de regras - a partir de 7
anos (PICONEZ, 2012)
Compreende-se que esse conhecimento sobre a evolução das estruturas mentais da
criança, de acordo com cada faixa etária, quando, aplicado ao contexto de uso dos brinquedos,
possibilita àquele que os utilizam junto à criança conhecer algo a mais do ser em
desenvolvimento: aquilo que não está dado simplesmente pela estrutura cognitiva, mas que se
insere no seu mundo subjetivo.
Na realidade, esse conhecimento amplia a ação do profissional que lida
terapeuticamente com a criança, na medida em que possibilita ao profissional psicólogo ou
terapeuta infantil, estabelecer uma sequência lógica e sistematizada de intervenções
psicológicas que resultam em transformações progressivas no comportamento da criança no
decorrer do processo terapêutico de modo a subsidiar a adoção de outros procedimentos para
melhorar o comportamento infantil (MOURA; VENTURELLI, 2014).
Atualmente, profissionais que trabalham no campo do desenvolvimento infantil
analisam várias teorias para seguirem seu trabalho. É importante que se faça um breve
comentário sobre Piaget, que diz que o brincar deve obedecer alguns estágios. Verderi (2012,
p. 55) cita:
4 DISCUSSÃO
Nessas situações, o imaginário entra em ação, pois torna as relações mais ou menos próximas,
podendo ser expressas como forma de acesso aos conflitos. Nessa perspectiva, o brincar
associado ao cantar é considerado como um meio de promover a relação da criança com seu
inconsciente tornando-o pronto para evidenciar suas alegrias suas tristezas, seus desejos e
angústias.
Sendo assim, é importante refletir a respeito das contribuições da atividade com os
brinquedos cantados mediante à perspectiva terapêutica. Para entender isso é essencial
recorrer a Winnicott (2012) que, com sua obra “O Brincar e a Realidade”, estabeleceu
parâmetros realistas em relação às possibilidades que o brinquedo tem de tornar as
experiências da criança muito mais enriquecedoras.
Não se deve ficar indiferente ao fato que os brinquedos utilizados no processo
terapêutico, especialmente quando apresentam-se com características musicais, podem
auxiliar a manter sob controle atitudes agressivas, ajudar a manter o equilíbrio da criança
evitando-se a ansiedade, facilitar o contato com seus pares, realizar a integração da
personalidade, para que o contato verbal com os outros ocorra de forma inteligível. Além
disso, o uso dos brinquedos cantados pode favorecer muito a compreensão dos aspectos
referentes aos objetos transicionais (PARSONS, 2011).
A respeito disso, é importante compreender, também, que os brinquedos cantados
transportam a criança a um imaginário que a auxilia a estabelecer correlações entre a
realidade e os conteúdos musicais. Conti e Souza (2010, p. 80), explicam que os brinquedos
cantados podem assumir características de elementos reais, porém, transformam-se em
instrumentos para o controle de acontecimentos que geram traumas.
Desse modo, o brinquedo passa a assumir uma importância estratégica para vivenciar
situações prazerosas e doloridas que a criança não tem possibilidade, por si mesma, de
reproduzir no mundo concreto
Ciente disso, o profissional que utiliza os brinquedos cantados precisa entender que
existem modalidades diversificadas para se atender uma criança no contexto terapêutico. Mas
isso deve ser determinado a partir de uma avaliação inicial feita junto a criança. O objetivo
principal será, então, o de identificar os problemas ou necessidades daquela criança e dos
elementos que aprofundam sua dificuldade, levando em consideração sempre seu nível de
aprendizagem e sua faixa etária, sua vivência familiar e/ou social, além de variáveis genéticas,
culturais, familiares, psicológicas (PARSONS, 2011).
Uma vez que se tenha certeza da dificuldade da criança, o profissional deve saber
reconhecer a extensão em que aquilo está afetando a aprendizagem ou as relações que o
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indivíduo estabelece com aqueles que fazem parte do seu cotidiano. Para que se conheça
então até que ponto isso está interferindo em sua vida. Para isso, existem critérios que o
psicólogo deve levar em consideração. Esses indicadores seriam capazes de orientar o
profissional para prestar o devido apoio à criança, dando destaque ao processo terapêutico
com os brinquedos cantados.
Schimidt e Nunes (2014) informam que é necessário analisar alguns fatores para que
se utilize adequadamente os brinquedos cantados na prática terapêutica com crianças. Entre
eles pode-se mencionar o tipo de brinquedo ou brincadeira que podem evidenciar a maneira
como o ego vai demonstrar a função simbólica que sistematiza a atividade de brincar. Além
disso, a personificação atribuída ao brinquedo deve ser levada em consideração, bem como a
motricidade, a criatividade e a capacidade simbólica que é evidenciada no ato de brincar.
Com base nesses critérios, o profissional estará preparado para atender adequadamente
na medida em que novos aspectos e mudanças estruturais surgem com base na ação do
terapeuta e com base nos brinquedos cantados. Desse modo, levando-se em conta a
necessidade da introdução dos brinquedos cantados no processo terapêutico, enquanto uma
linguagem legítima de desenvolvimento, torna-se imprescindível a formulação e efetivação de
propostas que transformem em conhecimento prático e acessível aos profissionais diretamente
responsáveis por utilizar os brinquedos cantados ao realizar o atendimento de crianças, ou
seja, os psicólogos e todos aqueles interessados em compreender a ludicidade enquanto
recurso eficiente e mediador, nas interações com indivíduos de diferentes faixas etárias na
infância (ALVES, 2010).
Por esse motivo é de suma importância que, no ambiente onde a criança é atendida,
exista um espaço rico em atividades com brinquedos cantados e um ambiente que seja um
reflexo do ambiente social. Esse ambiente com recursos materiais suficientes e uma atmosfera
social é que permitirá à criança comprovar ter uma formação sólida (CONTI; SOUZA, 2010).
Os materiais do ambiente onde se desenvolve um processo terapêutico com o uso dos
brinquedos cantados podem consistir em objetos já elaborados ou em outros produzidos pelas
próprias crianças. Assim, a utilização de uma bola, de um bastão, de cones ou mesmo de
brinquedos eletrônicos pode ajudar a criança a desenvolver-se cognitivamente, culturalmente
com base em atividades significativas fundamentadas nos brinquedos cantados.
A iniciativa de usar os brinquedos cantados e essencial para consolidar o processo
terapêutico marcadamente lúdico, mais resolutivo, principalmente, no que se refere à
superação de traumas ou mesmo de perdas afetivas que a criança porventura tenha provado.
Apesar de se reconhecer a importância das atividades terapêuticas é comum que muitos
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Revista Eletrônica Estácio Papirus, v.5, n.1, p. 54-68, jan./jun. 2018. ISSN 2448-2080
5 CONCLUSÃO
Entretanto para que isso se concretize e necessário que outros trabalhos acadêmicos
sejam elaborados e divulgados ajudando outros pesquisadores a trilhar caminhos possíveis no
contexto da ludo terapia para auxiliar crianças no processo de desenvolvimento global. Além
disso, a própria revisão da literatura indica a necessidade de se buscar a capacitação
profissional contínua, investindo sempre em recursos diferenciados para atender ao público
infantil
REFERÊNCIAS
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Paulo: Instituto Langage, 2010.
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