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PASSADO1.
RESUMO
Este artigo é parte integrante de uma pesquisa maior, intitulada “A Infância no Sistema
Faxinal: uma vida coletiva no campo”, que se encontra em andamento e tem por finalidade,
desvendar a concepção de infância presente nessa comunidade de um povo tradicional,
mas que, nesse momento, discorre inicialmente da visão de infância e o lugar da criança da
idade média à modernidade, notada através de registros que oferecem indícios sobre a vida
das crianças nesses contextos e, posteriormente, nos direcionamos à construção da infância
no Brasil, desde sua colonização, enfocando a vivência de diferentes infâncias a partir de
cada contexto. Dessa forma, esse artigo propõe a construção da infância na história,
assumindo a criança como um ser social, que se desenvolve a partir das relações com
outros seres humanos e pontua a infância como uma categoria social, influenciada por
condições sociais, que envolve crianças que vivem esse período.
INTRODUÇÃO
adota uma dimensão significativa, tendo essa perspectiva de alargar os horizontes e buscar
um _____________________
1
Este artigo é parte integrante da pesquisa intitulada “A Infância no Sistema Faxinal: uma experiência de
vida coletiva no campo”.
2
Acadêmica do curso de Pedagogia e membro do grupo de pesquisa “Práxis Educativa Infantil: saberes e
fazeres da/na educação infantil.
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Professora Mestre em Educação. Orientadora desse trabalho. Docente do DEPED/I- Unicentro. Líder do
grupo de pesquisa “Práxis Educativa Infantil: saberes e fazeres da/na educação infantil.
Tem- se como alvo entender a definição do que é criança e infância, que segundo o
Dicionário Globo (1998), a primeira é um ser humano no início da existência e, a segunda,
volta-se ao primeiro período da existência humana que vai do nascimento até a
adolescência. Para abrilhantar essa idéia, os estudos de Castro (200_) vem ressaltar que,
para alguns, a infância é a fase da vida onde reina a fantasia e a liberdade, enquanto para
outros, ela é definida como uma etapa da vida, no qual a criança é um adulto em estatura
pequena, e já outros entendem a mesma como uma fase de preparação para o futuro.
A partir desse princípio, volta- se o olhar para uma fase da vida humana, um
período de construção/apropriação de conhecimentos, que nos apresenta a criança não
como um corpo dócil e uma folha em branco, mas sim, um sujeito construtor de sua
própria história, enfim, um novo ser social que se constitui nas relações com os diversos
membros da sociedade, estando ela, assim ativa no processo de construção.
Após essas considerações em torno da definição de criança/infância, é possível
tratar da história da infância, a qual é pautada de acordo com Bernartt (2009), nos estudos
3
Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por muito tempo ainda nas
classes populares, as crianças misturavam- se com os adultos assim que eram
consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães e ou das amas, poucos anos
depois de um desmame tardio- ou seja, aproximadamente, aos sete anos de idade.
A partir desse momento, ingressavam imediatamente na grande comunidade dos
homens, participando com seus amigos jovens e ou velhos dos trabalhos e dos
jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma
torrente as idades e as condições sociais, [...]. (ARIÈS, 1981, p.275)
Com relação à concepção de infância, nessa sociedade que via a criança como
podemos chamar “um adulto em miniatura”, ignorando a presença da infância em suas
vidas, assim, vem de encontro a esse pensamento, Ariès (1981, p.156), ao mencionar que
[...] o sentimento da infância não existia- o que não quer dizer que as crianças
fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não
significava o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde a consciência da
particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança
do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a
criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua
ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes. [...].
Este pequeno trecho, nos faz pensar que a infância estava ligada ao sentido de mais
baixo grau de dependência, logo após, vindo esta se inserir no mundo adulto. Não podemos
deixar de transcrever as condições em que viviam as crianças até o século XIII, condições
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essas de higiene e saúde precárias, vindo por estes motivos alavancar um alto índice de
mortalidade infantil, como vem retratar Caldeira (200_, p.1), valendo- se dos trabalhos de
Heywood, “[...] Os bebês abaixo de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador,
com os pais considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um
‘pobre animal suspirante’, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca idade”.
Portanto, acrescentamos ainda, a visão de Ariès (1981) a respeito da mortalidade
infantil, a qual é retratada como naturais e já esperadas, pois nesse período, as crianças que
sobrevivessem estavam aptas a desenvolver o que lhes era solicitado naquele contexto,
sendo as mesmas consideradas uma perda eventual, pois morriam muito fácil, devido à
situação de negligência que viviam.
Desta forma, entendemos que parece não haver lugar para a infância, desde cedo a
criança fazia parte do mundo adulto, aprendiam profissões com as famílias e trabalhavam
em oficinas, realizavam serviços pesados se tornando aprendizes, não havendo nesse
momento lugar para a escola na transmissão de conhecimento, que era repassado de uma
geração a outra, assim, se evidencia que as crianças desde o momento de seu desmamado,
tornava- se o companheiro do adulto.
Foi a princípio no século XV, que a infância e o sentimento da família iria começar
a se transformar lentamente e profundamente, tendo no século XVI e XVII, percebido o
primeiro sentimento de infância, surgido quando a criança se torna um objeto de distração
e relaxamento dos adultos, sentimento que recebeu o nome de “paparicação”, maneira que
encontraram mães e amas para definir esse sentimento, posteriormente transmitido a outras
pessoas, segundo Ariès (1981).
Sentimento esse oriundo da família, no meio familiar, o qual teve como
conseqüência o aparecimento da criança sozinha em retratos no século XVII, favorecendo
a um maior interesse pela criança, agora, um outro sentimento de infância, proveniente do
exterior da família, mas dos moralistas e educadores, os quais recusavam- se a aceitar a
criança como um brinquedo engraçado. Criando uma preocupação em torno do
psicológico, da moral, dos hábitos higiênicos, com sua saúde física e com sua inocência,
preocupados ainda com a disciplina e a racionalidade de costumes, construindo um novo
modelo de família, segundo as palavras de Ariès (1981).
A casa da família medieval, de acordo com Ariès (1981), era um espaço aberto, no
qual tinham livre passagem pais, criados, vizinhos, amigos, podendo se dizer uma casa
grande, na qual a criança não possuía nenhuma consideração especial. Assim, Redin (1998,
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p.15) pontua que, “além da criança estar deslocada ou desconsiderada nas relações dessa
família medieval, desde cedo ela era afastada de sua família e colocada em outra família de
estranhos, como aprendiz para ser educada”.
Fica claro que neste contexto, a família prezava por valores mais sociais do que
sentimentais, perdendo esse caráter quando a família começa a perceber, por volta do
século XVIII, que era preciso ter um pouco de privacidade e intimidade, começando a
manter a sociedade à distância, passando a criança de acordo com Redin (1998), a
conquistar um espaço junto a seus pais, sendo agora pensado em seu futuro e educação.
Essa evolução da família medieval para a família do século XVII e para a família
moderna, durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses, aos artesãos e
aos lavradores ricos. Ainda no início do século XIX, uma grande parte da
população, a mais pobre e a mais numerosa, vivia como as famílias medievais,
com as crianças afastadas das casas dos pais. (ARIÈS apud REDIN, 1998, p.17)
de sobrevivência. Enfim, a criança passa a ser um indivíduo que tem importante papel para
a sociedade.
Nessa perspectiva, Oliveira (2002, p.45), traz à luz do exposto, a atual concepção
de infância
Com base nessa visão, a escola precisa aproximar cultura, linguagem, afetividade,
desenvolvimento humano, que se volte para a construção do lógico e imaginário,
sociabilidade e criatividade, reconhecendo a especificidade da infância, de cada criança.
Companhia de Jesus, que nasceu na primeira metade do século XVI, no Brasil, com o
intuito de ordem missionária, com o passar do tempo se transformou em uma ordem
docente. De acordo com Chambouleyron (2008) a dificuldade de evangelizar os nativos,
consolidou com o tempo uma nova convicção, de que os meninos índios se convertiam
mais fácil, considerados assim um meio breve para a conversão dos adultos. Tendo essa
educação implicado numa transformação radical dos jovens índios que, até então, tinham
costumes e ritos diferentes dos portugueses, agora seriam levados a assumir uma outra
cultura, costumes, aprender a ler, escrever e falar em português.
É nesse momento de transformação que Chambouleyron (2008) defende que a
infância estava sendo descoberta, resultando da transformação da relação entre o indivíduo
e o grupo, criando novas formas de afetividade e, dessa forma, afirmando um sentimento
de infância, no qual as crianças indígenas eram um papel branco, uma cera virgem, que se
desejava escrever e inscrever- se, por conseqüência, se tornavam o alvo da catequese
jesuítica. Com o estabelecimento da Companhia de Jesus, consolidou-se a conquista
portuguesa da América.
No período entre o Brasil Colônia e o Império, as crianças nasciam em suas
próprias casas e ali permaneciam. No Brasil como na Europa Ocidental, os mimos ao redor
da criança eram parecidos. Ambos de acordo com Del Priore (2008, p.96) “[...] Brincava-
se com as crianças pequenas como se brincava com animaizinhos de estimação [...] onde a
presença de crianças de todas as idades e colaterais era permanente, criava- se uma
multiplicidade de convivências que não deixavam jamais os pequeninos sós [...]”. Com
essas palavras, percebemos o amor materno, que começa a despontar no horizonte,
entrelaçado com a preocupação do bem estar de seu filho.
Scarano (2008) argumenta que a criança é mencionada marginalmente e vista como
secundária. A mesma autora deixa evidente ainda que, nas entrelinhas há algumas maneiras
de perceber que lhe davam valor, portanto, eram a continuação de uma família,
participavam de acontecimentos como festejos, tinham o afeto dos seus, por fim, tinham
presença na vida do momento. Embora tivesse presença, sua morte não era encarada como
uma tragédia, mas como uma fatalidade, pois tantas nasciam e morriam, sendo logo
substituída por outra.
Neste período, nas pequenas cidades e vilas, era normal encontrar crianças indo e
vindo pelas ruas, pois a mesma era parte da vida e vista como um espaço coletivo que
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integra- se o seu mundo. Mas para as crianças escravas a realidade era outra, como
descreve Scarano (2008, p.111)
[...] donas [...] acarinhavam e aceitavam as crianças negras que não tivesse ainda
atingido os sete anos, sobretudo os menores e, a partir daí, [...], eram entregues a
tirania dos outros escravos. As pequenas crianças negras eram consideradas
graciosas e serviam de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em
uma vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam de suas
cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos, deixavam que, enquanto
pequenos, participassem da vida de seus filhos [...].
Portanto, enquanto a criança branca vivia livre, a escrava tinha sua liberdade até
onde seu dono permitisse, criando uma diferença entre as crianças brancas e as crianças
escravas.
Para endossar essa afirmação, Bernartt (2009), amparado nos escritos de Pardal, esclarece
que as crianças brancas, em especial as ricas, eram entregues às amas de leite e, após os
seis anos, os meninos aprendiam o latim e boas maneiras em colégios religiosos,
preparando- se para o ingresso na vida adulta. Já as crianças escravas, cresciam praticando
funções e atividades que lhes eram destinadas, sendo que, aos doze eram vistos como
adultos, tanto na sexualidade como no trabalho. Nessa perspectiva, percebe- se que a
infância estava sendo firmada no século XVII, conforme a situação econômica da criança.
A infância brasileira oitocentista do início do século XIX preocupa-se com a
pobreza e reconhece a existência de “infâncias”, como pontua Gondra (20008).
O que nos fica transparente, é que a infância e a puerícia estão relacionadas aos
atributos da fala, dentição, físico e tamanho.
Paralelo a esse pensamento, surgia uma grande distinção entre a educação de
meninos, regidas por homens e uma educação para meninas, ministrada por mulheres. Os
meninos da elite, frequentavam a escola aos sete anos e terminavam seus estudos, dentro
ou até fora do Brasil, enquanto para as meninas, mantinhasse a valorização das habilidades
manuais e dotes sociais. Foi este um dos fatores mais marcantes que definiu os papéis
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sociais do homem, que deveria desenvolver uma postura viril e poderosa, enfim, uma plena
capacidade intelectual, enquanto à mulher cabia o universo doméstico e a maternidade,
como pontua Mauad (2008).
É interessante comentar que as duas primeiras décadas do regime republicano
tiveram grande influência na história da industrialização e urbanização, por conseqüência
do abalo do sistema escravo e a grande entrada de mão- de- obra imigrante, teve como
efeito uma enorme transformação do quadro social da cidade. Não seria exagero afirmar
que o Brasil buscava o progresso, um mundo moderno e industrial.
Agora nascia a criança operária, sendo sua mão- de- obra aproveitada pelas
fábricas, perdendo o direito à infância e adolescência, negada pelo ingresso no mundo
adulto e do trabalho.
Nas palavras de Moura (2008, p.259),
[...] Para muitos menores, a atividade produtiva traduziu- se, portanto em seqüelas
físicas irreversíveis e na morte prematura. Não foram poucas as crianças e foram
muitos os adolescentes vitimados em acidentes do trabalho, em decorrência do
exercício de funções impróprias para a idade, das instalações precárias dos
estabelecimentos industriais. Enfim, de condições de trabalho deploráveis [...].
A superação em parte desse período no século XX, nos revelou que a criança vem
conquistando seu lugar junto à vida familiar e social. Nesse período a criança ganha seu
espaço de tal maneira, que até sua morte é fato de afeição, pois muitos pais chegam a
escrever livros sobre sua vida, como explicita Figueiredo (2008), para narrar suas
aventuras e alegrias, desde o nascimento até sua partida.
Este século, podemos pontuar como o século em favor da proteção da criança e sua
infância e em um plano mais expressivo, percebemos a criança em todo lugar e em várias
situações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
REFERÊNCIAS:
DEL PRIORE, Mari. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império.
IN: DEL PRIORE, Mari (ORG). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto,
2008.
.MAUAD, Ana M. A vida das crianças de elite durante o Império. IN: DEL PRIORE, Mari
(ORG). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
OLIVEIRA, Zilma. Educação Infantil: fundamentos e métodos: São Paulo: Cortez, 2002,
Coleção Docência em Formação ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da
Família. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1981.
RAMOS, Fábio P. A história trágico- marítima das crianças nas embarcações Portuguesas
do século XVI. IN: DEL PRIORE, Mari (ORG). História das Crianças no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2008.
SCARANO, Julita. Criança esquecida de Minas Gerais. IN: DEL PRIORE, Mari (ORG).
História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.