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Palavra da professora-autora

Olá estudante, seja bem-vindo, seja bem-vinda à disciplina Fundamentos


Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil!
Para a sua prática profissional, é imprescindível conhecer os fundamentos
teóricos e metodológicos que embasam a educação infantil. Por meio desse
conhecimento, que o influenciará ao longo da vida, você entenderá a importância
dessa etapa para o desenvolvimento do sujeito.
Durante o módulo, será de grande relevância expor as reflexões
adquiridas ao longo da disciplina. A sua participação no ambiente virtual de
aprendizagem contribuirá com a sua instrução e a dos seus colegas. Lembre-se,
as mídias disponibilizadas pelo curso o ajudará a se tornar um grande
profissional. Portanto, não deixe de acessá-las.

Bons estudos!

Profa. Grazielle Tavares


Aula 1 – Concepção de educação infantil
Olá! Esta é a nossa primeira aula da disciplina Fundamentos Teóricos e
Metodológicos da Educação Infantil. Nesse encontro, você conhecerá diferentes
concepções de educação infantil, bem como as mudanças desse processo na
história. Aprenderá sobre os diferentes conceitos de crianças abordados ao
longo do tempo, que influenciaram a educação. Vamos à aula?

Figura 1.1: Crianças e a educação Fonte: © Freepik

Ao longo do tempo, as concepções sobre Educação Infantil (EI) passaram


por alterações, em função dos diferentes entendimentos sobre esses conceitos.
Dessa forma, se modificou o percurso da EI em todo o mundo.
Concepção de infância
A concepção sobre a infância em séculos anteriores é distinta da
empregada atualmente, pois houve uma construção histórica e social para que
se alterasse esse tratamento. Em cada período histórico a criança era vista com
uma abordagem diferenciada.
Causa estranheza tratar a criança de forma indiferente, ou percebê-la
como um adulto em miniatura, no entanto, era algo natural nos séculos
passados. Dessa forma, a organização social de um período, é fator
preponderante para o sentimento relacionado à criança. As alterações ocorridas
no decorrer dos tempos influenciaram o modo como atualmente é concebida a
primeira infância.
Por meio da arte é possível observar o modo como a infância e a família
eram vistas da sociedade medieval até os dias atuais. O historiador francês
Philippe Ariès, dedicou-se a esse estudo, por meio da análise de obras de arte,
ou seja, a iconografia de vários séculos. Tal estudo foi publicado no livro História
Social da Criança e da Família (2006).

Glossário
Iconografia: repertório de imagens próprio de uma obra, gênero de arte, artista
ou período artístico.

Com base nesse estudo de Ariès, Kramer (1987) distingue a criança em


três categorias, conforme o contexto social:

 evolução histórica do sentimento de criança, relata a forma como o infante


era percebido conforme o contexto social, econômico e político;
 a descoberta da infância, desvenda sentimentos de infância diferenciados da
fase anterior, pois está embasado nos pensamentos pedagógicos
tradicionais e da escola nova;
 a concepção atual de infância, que demonstra a criança como um sujeito que
possui direitos.

A seguir será relatado, minuciosamente, as particularidades de cada uma


dessas concepções.
Evolução histórica do sentimento de ser criança

O conceito de infância ao longo dos séculos foi fonte de estudo do


historiador Philippe Ariès, que, para observar como as crianças eram
representadas, investigou minuciosamente obras de arte.
Ariès (2006) constatou que, durante a Idade Média, a criança era pouco
representada, inclusive nas pinturas. Provavelmente, isso não ocorria pela falta
de habilidade dos pintores, mas sim porque acreditavam que não havia espaço
para a criança no mundo dos adultos. O autor complementa que a criança em
diferentes cenários era vista como adulto em escala menor, não havia
diferenciação em traços ou modo de ser. Nas raras obras em que era
apresentada a nudez, o artista exprimia músculos na composição dos pequenos
sujeitos. Observe a figura a seguir e perceba essas características.

Figura 1.2: Domenico Ghirlandaio (1449–1494)


Fonte: © Bass Museum of Art / Wikimedia Commons

Crianças com características de adultos são representadas em outras


obras. Ariès (2006, p. 17) analisou o quadro O Evangelho, em que Jesus pede
que deixe vir às criancinhas e observou os personagens representados pelo
artista da seguinte forma: “agrupados em torno de Jesus oito verdadeiros
homens, sem nenhuma das características da infância; eles foram simplesmente
reproduzidos numa escala menor. Apenas seu tamanho os distingue dos
adultos”.
É notório o sentimento relacionado à infância, diferenciado da concepção
atual, uma vez que não se refere ao sentimento de acolhimento, mas ao modo
como o adulto pode se distinguir da criança. Ariès (2006) aponta em seus
estudos que a infância era um período de passagem, que logo até mesmo as
lembranças eram perdidas. No entanto, o pesquisador relata que aos poucos é
possível observar representações da infância mais próxima ao sentimento atual.
A respeito de uma percepção da infância similar à da atualidade, Kramer
(1987) comenta que o sentimento para representar a infância é contraditório,
pois os adultos consideram a criança inocente, ingênua e graciosa, ao mesmo
tempo a infância é percebida como o momento em que é necessário cuidados,
já que as crianças são vistas como imperfeitas e incompletas, por essa razão
necessitam de cuidados para crescer de forma saudável e aprender habilidades
sociais para viverem em sociedade.
Na Idade Média, a criança era um mistério que não podia ser profanado
pelos adultos, ao mesmo tempo em que não possuía humanidade, que só
conseguiria chegar ao patamar social se fosse levada ou conduzida à casa de
outra pessoa, que promoveria seu aprendizado. Esse costume de distanciar o
infante da família ocorreu até aproximadamente o final da Idade Média (século
XV).

A descoberta da infância

A concepção da infância sofreu profundas alterações ao longo dos


séculos. Nas sociedades mais antigas, quando uma criança era abandonada,
buscava-se dentro do próprio parentesco, alguém que assumisse a
responsabilidade de cuidar dela. Na Idade Antiga, o papel da mãe mercenária
foi criado com o intuito de cuidar dos infantes, no entanto, na maioria dos casos,
por falta de saúde e higiene, eles acabavam falecendo.
Pelo percurso histórico é possível observar nas obras analisadas por Ariès
(2006), que demonstram nitidamente a falta de afeição com os pequenos, pelo
menos na Inglaterra, pois logo que completavam sete anos, eram enviados para
casa de outras pessoas, para fazerem serviços pesados, onde permaneciam por
aproximadamente nove anos. O intuito dessa ação era proporcionar às crianças,
oportunidades de aprenderem boas maneiras. Nesse período, o serviço
doméstico estava intrinsicamente ligado à aprendizagem.
Nas Idades Média e Moderna, a prática utilizada era de transferir os
rejeitados para as igrejas e hospitais de caridade. Nos muros destes locais, havia
as “rodas dos expostos” (cilindros giratórios feitos de madeira), que serviam para
expor os rejeitados, no intuito de serem doados.
É importante ressaltar que algumas mães que não podiam ficar com os
filhos, ou não os queriam, os entregavam nesse espaço. Era uma forma de se
livrar do problema, de forma oculta, sem ser observada. Nas cidades que não
dispunham desse mecanismo, os desprezados eram deixados na porta da igreja.

Figura 1.3: Roda dos expostos


Fonte: © Fiore Silvestro Barbato / Wikimedia Commons

A cultura criada naquela época, em relação ao modo como as crianças eram


tratadas, disseminava a ideia de precariedade no atendimento voltado a elas,
como se estivessem substituindo o papel da família. Infelizmente, essa
concepção sobre os espaços destinados a esse atendimento, perpetua nos dias
de hoje. Tanto é que muitos acreditam que não é necessário uma formação para
atender o público infantil, dando a impressão de que é um atendimento fácil e
que qualquer pessoa está habilitada a exercer.
A análise detalhada da Idade Média até a Modernidade, realizada por
Ariès, possibilita o entendimento sobre a infância e as mudanças de sua
concepção ao longo dos séculos. Observa-se o reflexo desses conceitos nos
dias atuais, pelo modo como as crianças eram trajadas. No século XIII, logo que
a criança deixava o cueiro (pano macio utilizado para enrolar o corpo do bebê),
era vestida como as demais pessoas de sua condição. Assim, pode-se observar
que não havia distinção entre a infância e os adultos.
Sobre o vestuário infantil Ariès (2006) chegou à conclusão que no século
XVI, as crianças eram vestidas como adultos em miniatura, passando para as
roupas utilizadas nos dias atuais. A mudança no traje beneficiou primeiramente
os meninos, no segundo momento, as meninas puderam utilizar vestimentas
conforme sua faixa etária. Durante muito tempo a infância foi contemplada e
vivenciada pelos meninos nobres ou burgueses. Os demais, filhos de
camponeses, artesãos ou crianças do povo, não mudaram sua forma de se
vestir, bem como continuavam a serem tratados como adultos em miniaturas.
Estudante, esse ponto é importante para refletir sobre os trajes da
atualidade. Muitas crianças, especialmente as meninas, usam roupas com
características de adulto. Parece que a sociedade está retrocedendo, uma vez
que leva a criança para o mundo adulto, sem que ela esteja preparada para
vivenciar atitudes que não fazem parte do universo infantil.
Ao longo dos séculos, a concepção de criança se alterou. Inicialmente, a
sociedade não dispensava atenção a elas. Até mesmo quando falecia, a mãe
tratava com naturalidade, pois o índice de mortalidade infantil era muito alto,
devido às condições sanitárias precárias. “Era extremamente alto o índice de
mortalidade infantil que atingia as populações e, por isso, a morte das crianças
era considerada natural” (KRAMER, 1987, p.17). Em razão dessa situação, os
pais não se apegavam aos seus filhos, uma vez que havia grandes chances de
eles não ultrapassarem a primeira infância, por isso o pequeno que morria, logo
era substituído por outro ser humano. Como disse anteriormente, a criança era
considerada adulto em miniatura e pouca atenção lhe era oferecida.
Essa situação começou a se alterar a partir do século XVI, com os
avanços científicos que contribuíram para amenizar tal realidade, ao menos
entre a classe dominante. Período em que a escola se tornou a instituição
responsável por atender a criança. Dessa forma, ela era separada do convívio
com o adulto, para ser orientada visando o seu futuro. Os pais, ao menos das
classes mais abastadas, começam a ver os filhos da mesma forma e a oferecer
as mesmas condições para que tivessem boas oportunidades na posteridade.
Essa situação, proporcionada principalmente pelas reformas religiosas
católicas e protestantes, trouxe um novo olhar sobre a criança e sua
aprendizagem. O movimento trouxe a paparicação da criança, como se ela fosse
a diversão do adulto, ou até mesmo um animal de estimação. Contudo, havia o
cuidado para as crianças não ficarem sempre na presença dos adultos, até
mesmo durante as refeições, pois acreditava-se que o fato de estarem próximas
poderia torná-las mal-educadas e mimadas.
No século XVII, a prática da paparicação estava sendo deixada de lado
pelas pessoas que possuíam mais posses, pois receberam recomendações dos
educadores e moralistas, preocupados com a disciplina, para não mimarem as
crianças, para elas não ficarem “mal criadas”. Contudo, os sujeitos com menos
recursos, por não terem acesso a essa nova forma de pensar, não aplicavam na
educação de seus filhos. Logo, essas crianças apresentavam atitudes
inadequadas, que não condiziam com o esperado no âmbito social. Os pais
receberam o rótulo de não se importarem com os seus descendentes.
O modo como é concebida a família se altera, a criança, além de receber
atenção, precisa de guarita e orientação. Para tanto, foi conduzida para o meio
escolar, onde ficou protegida, ao mesmo tempo em que foi educada para
conviver em sociedade.
Conforme aponta Àries (2006), a partir do século XVII a elite de
pensadores e moralistas recomenda uma nova forma de pensar a infância.
Afirmavam que as crianças bem educadas, ou seja, aquelas provenientes de
família de posses, deveriam ser poupadas da imoralidade, isto é, deveriam ser
separadas da convivência com os adultos. A falta de preparo e a rudeza seriam
traços específicos das camadas populares.
Estudante, perceba que ainda nos dias de hoje muitos conhecimentos
inovadores restringem-se à elite. Dificilmente pessoas com menos condições
financeiras, têm acesso a essas informações. Logo, o movimento que existia
anteriormente, continua nos dias de hoje.
Figura 1.4: Pierre-Auguste Renoir (1841–1919)
Fonte: © Google Cultural Institute / Wikimedia Commons

Nesse âmbito, foi percebida a necessidade de estudos psicológicos e


morais relacionados ao educar, pois havia a necessidade de corrigir as crianças
que não apresentavam o comportamento desejado, ou seja, que não possuíam
boas maneiras. Esse sistema escolar preocupa-se com o comportamento de
seus alunos e procura modos de contribuir com a sua disciplina fora de sala de
aula.
Com o aumento do número de crianças, uma nova estrutura familiar
começa a ser formar, pois aumentou o total de filhos no mesmo núcleo. Eles
tornaram-se importantes para seus pais, que se preocupavam com seu
desempenho, com a educação, com a carreira e com seu futuro. No entanto,
essa família própria do século XVII, ainda não definiu a criança como
personagem principal da casa. Apesar dessas mudanças, ainda é possível
verificar que o grupo familiar conservava a sociabilidade ao seu redor.
A partir do século XVIII, a família passa a se preocupar com a criança,
principalmente no que tange à saúde e à educação, situação que promoveu a
diminuição dos índices de mortalidade. Tais cuidados a princípio beneficiaram a
burguesia, as crianças mais pobres ainda eram direcionadas para o trabalho.
Com o decorrer do tempo, todos tiveram acesso a essa visão, mas nem todos
puderam se beneficiar dessas melhorias. Kramer (2003) aponta que tal mudança
ocorreu devido ao contexto social no qual o sujeito se encontrava. Ela destaca
dois pontos que promoveram as seguintes alterações:
1º) representa o avanço científico que levou à diminuição da mortalidade
infantil, no século XVIII;
2º) retrata o sentimento moderno de infância, ao perceber a criança como
um ser humano frágil e ingênuo, que precisa de carinho e atenção.

Figura 1.5: Pierre-Auguste Renoir (1841–1919)


Fonte: © Domínio Público / Wikimedia Commons

Na medida em que as relações sociais, familiares e de trabalho se


alteraram, a infância passou a ser compreendida de outra forma. A princípio a
criança deveria ser produtiva desde a tenra idade. Com o passar do tempo, a
criança passa a ser vista como quem precisa ter suas necessidades atendidas e
respeitadas, sua concepção torna-se particular, com especificidades diferentes
das dos adultos.
Estudante você observou que nessa etapa, os pais passaram a ver a
criança como investimento. Por isso, a família preocupa-se com a formação e
com a aprendizagem escolar dos filhos. Dessa forma, os pais ocupam os filhos
com atividades diferenciadas e programações culturais, que os tornem
competitivos para o mundo do trabalho.
Concepção da infância atual
A concepção atual da infância altera-se com o modo como a família é
concebida. Anteriormente, era compartilhada pela comunidade, atualmente, é
uma ação singular pertencente ao núcleo familiar. A ideia era passar valores
relacionados à obediência e às boas maneiras, ou seja, a preocupação com o
cuidar. Uma nova estrutura familiar surge, pois aumentou o número de crianças
vivendo na mesma residência. Com esse novo olhar, a família foca-se em sua
intimidade e nas próprias vinculações.
Somente com a família moderna, é possível ver um grupo solitário,
constituído pelos pais e filhos, em que o desenvolvimento da criança é visto
como importante para prepará-la para o mundo adulto. Por essa razão, os pais
se esforçam para oportunizar formação de qualidade para seus descendentes.
Tal sentimento é similar ao padrão burguês, que se tornou universal.
A ideia da infância aparece com a sociedade capitalista, conforme aponta
Kramer (2003). Na sociedade feudal, assim que passava o período de alta taxa
de mortalidade, a criança precisava contribuir com a família, por isso exigia que
ela produzisse como um adulto. Já na concepção burguesa, a criança precisava
ser cuidada, ir para a escola e se preparar para exercer o ofício conforme a sua
formação. Ou seja, o filho é encaminhado após a sua formação.
As relações sociais e de compartilhamentos das responsabilidades são
disseminados em prol dessa nova estrutura. A família se fecha, ou seja, há
preocupação com os membros que fazem parte dessa constituição. Os pais
passam a centralizar suas atenções nos filhos, e preocupam-se em desenvolvê-
los para obterem bom desempenho escolar.
Segundo Ariès (2006), no contexto familiar atual, os pais e filhos primam
pela vida privada, e afastam-se das relações sociais, ou seja, distanciam dos
vizinhos, das amizades e das tradições. Esse esforço em separar-se de outras
pessoas, denota a dificuldade em viver em um meio que a pressão social com
cobranças e imposições são grandes, por isso, a dificuldade em suporta-las. A
infância concebida pela classe dominante baseia-se na padronização da
infância, criada por meio do critério de idade e atitudes relacionadas a essa faixa
etária. Essas características representam o papel da infância assumida
socialmente. Por isso, a partir da Industrialização, as mães começaram a
necessitar de um local para deixar seus filhos enquanto estivessem trabalhando.
Com apoio de associações, por exemplo, conquistaram esse lugar formal e
menos insalubre.
A família da atualidade passou a viver de forma isolada e se preocupa
com as próprias necessidades. Ela também preserva as crianças de situações
que possam ferir sua inocência, e as direcionam a espaços que possam adquirir
conhecimentos e habilidades que colaboram com o seu desenvolvimento. Em
decorrência dessa nova postura, há a necessidade de terceirizar a
responsabilidade da educação de seus filhos e orientá-los para receber
formação adequada. Dessa forma, os pais buscam instituições de ensino, para
contribuir com a formação de seus descendentes.
Após o final da Primeira Guerra Mundial (1918), prospera a ideia de
respeito ao desenvolvimento infantil. Tal situação culmina no movimento
denominado Escola Nova, que tinha como norte o respeito às especificidades
das crianças, com intuito de desenvolver características do pensamento infantil.
Essa concepção referente à educação entende a igualdade entre todas
as crianças, independente da classe social, que proporciona as mesmas
condições escolares, padroniza a faixa etária, cria padrões de comportamentos
esperados conforme os anos de vida do aluno. Logo, a família é responsável por
qualquer conduta fora dos parâmetros desejados, pois o “reduto familiar, então,
torna-se cada vez mais privado e, progressivamente, esta instituição vai
assumindo funções antes preenchidas pela comunidade” (KRAMER, 1987, p.
18).
Figura 1.6: A criança na modernidade Fonte: ©Freepik

Do início dos anos 1920 até fins dos anos 1930, surgem pesquisadores
que produzem visões diferenciadas sobre o mundo da criança, apropriando-se
gradativamente das concepções psicológicas, para entender e aprender como
atuar com os pequenos.
A partir do fim da Segunda Grande Guerra (1945), a criança começa a ser
entendida como um ser que possui direitos que devem ser respeitados, para
desenvolver-se plenamente. Tal fato é confirmado com a Organização das
Nações Unidas (ONU) que promulga em 1959, a Declaração dos Direitos da
Criança.
Na concepção atual ressalta a criança como possuidora de direitos, que
precisam ser conhecidos para serem respeitados. Há leis que regulamentam as
ações que podem ou não ser realizadas, para que adultos e crianças tenham
conhecimentos desses itens para não terem seus direitos violados. Dessa forma,
é visível que essas mudanças visam proteger e cuidar das crianças para que se
desenvolvam saudavelmente.

Nessa aula, você conheceu diferentes concepções da infância e como


elas se alteraram ao longo dos séculos. É importante lembrar que, a princípio,
os pais não nutriam pela sua prole o sentimento de filho; após o desmame, o
pequeno era conduzido para aprender com outra família. O atendimento a essa
faixa etária acontecia de forma espontânea e improvisada, uma vez que uma
família atendia aos filhos de outra. Esse era o meio de ensinar as atitudes
necessárias para viver em sociedade.
Você também viu que somente a partir do século XVII, famílias com mais
condições recebiam orientações de moralistas e educadores para modificar o
modo como estavam educando seus filhos. Para que essas crianças fossem
consideradas bem educadas era necessário encaminhá-las para as instituições
escolares. Nesses locais, a infância podia ser vivenciada, ao mesmo tempo em
que recebiam formação para exercer uma profissão. Não se esqueça de que
mesmo com esses avanços ainda permanecia o contato com grupo, vizinhos,
sociedade em geral. Tal ruptura só ocorreu na sociedade moderna.
Durante a aula você também pôde perceber que nos dias atuais, a família
vive de forma privada. Além disso, você aprendeu que a criança possui
importância para seus pais, que passam a percebê-la como um investimento,
que necessita de cuidados com a saúde e preparo na área educacional, para ter
uma bela carreira e colher bons frutos no futuro. Os infantes frequentam escolas
e são preparados para a vida em sociedade. A institucionalização familiar tornou-
se responsável por ações anteriormente realizadas pela comunidade.

Atividade de aprendizagem
Com base na aula apresentada, elabore um breve texto refletindo sobre as
condições de vida da criança no período que ela era considerada adulto em
miniatura.
Aula 2 – O processo histórico da
educação infantil no Brasil
Olá! Seja bem-vindo, seja bem-vinda à segunda aula da disciplina Fundamentos
Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a aula, você aprenderá
sobre o processo histórico de educação infantil no Brasil. Então, vamos para o
aprendizado?

Figura 2.1: Educação infantil Fonte: © Freepik

As concepções sobre a educação infantil no Brasil sofreram modificações


ao longo dos anos. Para entendê-las é necessário conhecer o conceito de cuidar
e os modelos educacionais criados e implantados ao longo dos anos.
O conceito relacionado à infância no Brasil e a atenção despendida ao
atendimento da criança, sofreram mudanças desde o descobrimento, em 1500,
até os dias de hoje. Na história do país é possível verificar as iniciativas
relacionadas à criança, compreender o motivo que levou ao seu aparecimento e
identificar as propostas relacionadas às classes com maior poderio econômico.
Para fins didáticos, esse percurso é distinguido nas seguintes etapas:
 chegada dos portugueses a 1930;
 década de 1930 a 1980;
 anos 1980 aos dias de hoje.

Da chegada dos portugueses a 1930


No período compreendido do Descobrimento do Brasil até 1884, o
foco era o atendimento às crianças de 0 a 6 anos, sem o objetivo de desenvolvê-
las. Nesse primeiro momento, aconteciam: a roda dos expostos para os
pequenos e a Escola de Aprendizes Marinheiros para maiores de 12 anos
(KRAMER, 1987).
O papel de educar estava direcionado à família, especialmente à mulher,
que tinha a função de conduzir a criança para o mundo do adulto. Caso a criança
não tivesse mãe, essa atribuição era transferida para algum parente; não
havendo, era entregue a uma instituição, normalmente religiosa, que cuidava da
criança. Nesse local, era utilizada a roda dos expostos, também conhecida como
a roda dos rejeitados. A grande maioria das crianças colocadas ali eram brancas
e eram destinadas para a adoção, porém, com relação às crianças negras, o
objetivo era tão somente evitar que elas fossem escravizadas.
Os higienistas foram os primeiros a se preocupar com a infância. Para
eles os altos índices de mortalidade infantil estavam ligados aos filhos ilegítimos,
ou à falta de conhecimento da mãe. “Os poucos projetos desenvolvidos durante
aquele 20 período tinham, portanto, um caráter preconceituoso e valorizavam
diferentemente as crianças negras (filhas de escravos) e as elites (filhas de
senhores)” (KRAMER, 1987, p. 52). .

Glossário
Higienista - médicos especialistas em resguardar a saúde, criando medidas para
a prevenção de doenças.

Entre 1874 e 1889, iniciou a preocupação com as crianças em grupos


privados e distintos como os das damas e dos médicos, mas não na
administração pública. “A ideia de proteger a infância começava a despertar, mas
o atendimento se restringia a iniciativas isoladas e que tinham, portanto, um
caráter localizado” (Kramer, 1987, p. 53). Sugeria-se o atendimento aos
desvalidos, mas ocorria de forma isolada. Essas ações não conseguiam atingir
o grande número de casos de saúde no Brasil.
A partir do início do século XX, com a vinda de imigrantes europeus para
trabalhar nas fábricas brasileiras, principalmente italianos, muitos com
qualificação profissional e politizados pelo contato com movimentos operários
que aconteciam na Europa, os trabalhadores passam a reclamar por melhores
condições de trabalho e de vida. Para acalmá-los, seus patrões oferecem
benefícios como a criação de vilas operárias, clubes esportivos e creches, que
eram indicadas por sanitaristas para manter as crianças saudáveis, ou seja, livre
das epidemias. Na realidade, a preocupação era com a reprodução e
preservação da mão de obra operária.
Algumas damas de classes mais abastadas reuniam-se em associações
e prontificavam-se a ensinar as mulheres com menos condições, a serem boas
donas de casa e a cuidarem de seus filhos. Essas senhoras criaram inúmeras
creches, mas acreditavam que o melhor caminho era a educação direta com a
mãe.

Concomitantemente a essa situação, surge o movimento em função da


puericultura e escolarização, que começam a criar envergadura. Tal
característica era de alguns grupos, que tinham a intenção de diminuir a apatia
frente aos problemas da infância. Diante de tal situação, foi fundado em 1899, o
Instituto de Proteção à Infância do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Seu
objetivo era elaborar leis, regulamentar o serviço de ama de leite, atender as
crianças com até oito anos e criar creches e jardins de infância. “A fundação do
instituto foi contemporânea a uma certa movimentação entorno da criação de
creches, jardins de infância, maternidade e da realização de encontros e
publicações” (KRAMER, 1979, p. 54).

Glossário
Puericultura - conjunto de noções e técnicas voltadas para o cuidado médico,
higiênico, nutricional, psicológico etc., das crianças pequenas, da gestação até
quatro ou cinco anos de idade.

Em 1919, por iniciativa da equipe do Instituto, foi criado o


Departamento da Criança no Brasil. o local foi “criado e mantido em termos de
recursos por Moncorvo Filho, sem receber qualquer auxílio do Estado ou da
municipalidade [...]” (KRAMER, 1987, p. 55. Com todas as ações direcionadas
para as pessoas menos favorecidas, esse espaço tinha como função apoiar
iniciativas voltadas às crianças e às mulheres grávidas; promover
conhecimentos e congressos; e aplicar leis.
Os órgãos governamentais modificaram suas ações a favor dos pobres e
desvalidos, em razão do preparativo para a comemoração do Centenário da
Independência, em 1922. Ocasião em que foi organizado o Primeiro Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância. O objetivo dessa ação foi tratar de pormenores
que envolviam a criança, direta ou indiretamente e, suas relações com a família,
a sociedade e o Estado. Acreditava-se que o atendimento direcionado à infância
resolveria os problemas sociais e renovaria a sociedade.
Nos anos 1920, a educação das crianças pequenas era de
responsabilidade da família, que se responsabilizava em desenvolvê-las para
viver em sociedade. Cartaxo (2013, p. 31) aponta que: Naquele período
(transição para o período industrial), o papel da mãe e das outras mulheres era
o de cuidar da criança, atendendo-lhe no seu desenvolvimento físico a fim de
que essa crescesse e assumisse seu papel social no mundo dos adultos.
(CARTAXO, 2013, p. 31)
No período seguinte, a mão de obra feminina passa a ser exigida no
ambiente profissional, devido ao momento de industrialização e urbanização dos
centros urbanos, “a criança passa a ser atendida por terceiros, ficando a maior
parte do tempo fora do contato com os pais” (CARTAXO, 2013, p. 32). As
mulheres ficam parte de seus dias trabalhando fora do lar e, o contato com os
filhos se torna cada vez mais escasso.
O atendimento à criança foi terceirizado pelas instituições religiosas e
filantrópicas, com o intuito de ajudar a mãe com os cuidados dos filhos. Nessa
época a educação infantil estava voltada ao assistencialismo, não havia
programa para o atendimento dessas crianças. “Para responder a essa situação,
creches e pré-escolas foram criadas. Porém, o atendimento visava,
prioritariamente, combater a pobreza e a mortalidade infantil” (CARTAXO, 2013,
p. 35).
Figura 2.2: Alunos na sala de aula
Fonte: © Freepik

Esse atendimento era destinado para as mães trabalhadoras, ou seja,


eram essencialmente assistencialistas. A prioridade eram os cuidados básicos
com a higiene, segurança e nutrição da criança. A educação, quando havia, era
voltada para o “adestramento” das crianças, ou seja, eram educadas para a
disciplina e a obediência. Vale ressaltar que “[...] o papel da mãe e das mulheres
era o de cuidar da criança, atendendo-lhe no seu desenvolvimento físico a fim
de que essa crescesse e assumisse seu papel social no mundo dos adultos”
(CARTAXO, 2013, p. 31).
Inicialmente, a mão de obra feminina dirigiu-se para a indústria, já que a
masculina estava voltada para a lavoura. Por haver a necessidade de um espaço
para deixar os filhos, os sindicatos lutaram para conquistar um local, onde os
filhos pudessem ficar até o fim do horário de trabalho. “Para responder a essa
situação, creches e pré-escolas foram criadas. Porém, o atendimento visava,
prioritariamente, combater a pobreza e a mortalidade infantil” (CARTAXO, 2013,
p. 35). Ressalta-se que a origem da educação infantil, nasce com o conceito de
ajudar e não no sentido de educar.
Década de 1930 a 1980
Na década de 1930, Getúlio Vargas instaura o Estado Novo, refletindo na
concepção das instituições dirigidas à educação, saúde e política. Assume de
modo compartilhado com instituições particulares e religiosas, a
responsabilidade direcionada a esses setores. Valorizou-se a criança, pois a ela
cabia desenvolver-se para transformar o país. Ainda hoje é possível ouvir no
âmbito escolar frases direcionadas à criança: “O país está em suas mãos”.
Kramer (1987, p. 57) aponta que o infante era considerado sem classe social e
que “[...] o Estado que se tinha em vista engrandecer era uma entidade
apresentada como se não tivessem ligadas aos interesses de uma classe social,
e como se pudesse superar conflitos e divergências existentes entre as classes
sociais que a compunham”.
A educação anteriormente direcionada à elite, torna-se democrática. O
discurso proferido é que a ascensão social ocorre por meio do ensino, direito
adquirido por todos. Concomitantemente, a esse período articulam-se
fundamentos direcionados a psicologia do desenvolvimento, em especial o da
Escola Nova. Esse movimento não tratava especificamente da primeira infância.
Ressalta-se que “naquele momento, as crianças de zero a seis anos, porém,
eram assistidas basicamente por instituições de caráter médico, sendo muito
poucas as iniciativas educacionais a elas destinadas” (KRAMER, 1987, p. 57).
O Estado se mostrava autoritário e preocupado com as crianças de baixa
renda, por isso ele defendia o cuidado com os infantes, reforçando a
necessidade da criação de pessoas fortes e sadias, que contribuiriam com o
país.
O discurso oficial da época do Estado Novo era que [...] têm relacionado
permanentemente a assistência médico-pedagógica à criança com o
desenvolvimento da nação. Há, no entanto, diferença significativa no que diz
respeito aos setores que se devem responsabilizar pelo atendimento: ora a
ênfase recai sobre a iniciativa oficial, ora sobre a particular, ora sobre ambas,
ora sobre a própria população. (KRAMER, 1979, p. 59).
Salienta-se que, nessa época, a preocupação com a criança mantem-se
na concepção abstrata de infância. Contudo, cresce o número de setores
destinados a esse atendimento, com a criação de espaços como jardins de
infância, lactários e maternais.
A tônica de tal momento é médica, que tinha o intuito de prevenir e
remediar possíveis situações relacionadas à criança. No entanto, qualquer
situação diferente relacionada ao meio, a família era responsabilizada por essas
situações desgastantes. Não se levava em conta as disparidades entre
diferentes núcleos familiares, oriundos de classes sociais diferentes. Com essa
situação, o governo mantinha-se neutro, e se eximia de situação que pudesse
culpá-lo.
Na década de 1940, foram criados diferentes órgãos oficiais voltados à
assistência infantil. Você verá a seguir, a forma como as crianças eram atendidas
por esses órgãos.
 Departamento Nacional da Criança: criado em 1940, vinculado ao
Ministério da Saúde, seu objetivo era coordenar ações relativas à
proteção da infância, adolescência e maternidade. “A tendência de
suas ações era médico-higiênica e desenvolveu várias campanhas de
vacinação e de combate à desnutrição, pesquisas de cunho médico e
palestras populares para mães, fortalecendo o papel da mulher no lar
com o cuidado com os filhos” (Cartaxo, 2006, p. 45).
 Serviço de Assistência a Menores: criado em 1941, vinculado ao
Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores, dirigido ao atendimento
aos menores de 18 anos, abandonados e delinquentes. Em 1964,
foi extinto, por não conseguir cumprir com suas tarefas. Com as
mesmas atribuições, surge a Fundação Social do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM).
 Legião Brasileira de Assistência (LBA): criada em 1942, seu objetivo
era disponibilizar serviços sociais à família e às crianças. Essa ação
seria conjunta entre a esfera particular e pública. Em 1974, tornou-se
uma fundação, com unidades implantadas em todo o Brasil, nas quais
eram assistidas crianças de 0 a 6 anos, por meio de um projeto
denominado Casulo. Atendia carências nutricionais e realizava
atividades recreativas.
 Organização Mundial para Educação Pré-Escolar (OMEP): criada em
1953, no Rio de Janeiro. Atendia crianças de 0 a 7 anos, independente
da classe social, com ações direcionadas à consciência sobre a
necessidade da criação da educação infantil.
 Coordenação de Educação Pré-Escolar (COEPRE): originada em
1975, pelo Ministério da Educação e Cultura. Tentativa de criar um
programa escolar para crianças pequenas. Realizou seminários para
diagnóstico da educação pré-escolar no Brasil, com intuito de provocar
a existência de programas para nortear o país.
Em 1950, o Departamento Nacional da Criança identificou que a
mortalidade infantil era resultado da incompetência das mães. Ou seja, era
necessário “domesticar” as pessoas das classes menos favorecidas, com os
princípios da classe média, a fim de torná-las mais “civilizadas”. Em nenhum
momento, a real situação econômica, que envolve moradia, alimentação e outros
itens necessários para o bem viver, foi verificada e discutida.
Nessa época, chega às creches a vertente psicanalista, que defendia a
importância do afeto da mãe com o filho, para o desenvolvimento saudável da
criança. As mães que precisavam deixar seus pequenos sentiam-se culpadas,
pois acreditavam que tal atitude poderia promover danos irreparáveis. “A relação
entre a situação econômica precária e o ato de delegar a outrem a educação das
crianças propiciou o surgimento da conotação negativa do atendimento à criança
fora da família” (CARTAXO, 2013, p. 37).
Na década de 1960, surge a educação compensatória, que nada mais é
que um modelo de criança média, que deveria ser seguido pela sociedade.
Aquele que não se enquadrava nesse padrão era estigmatizado como carente e
inferior. Nessa época verificou-se que [...] a homogeneidade da escola tem
excluído muitas crianças do processo de ensino-aprendizagem. Começam a ser
valorizadas as diferenças no modo como são selecionados os conhecimentos, a
consideração pelas riquezas e experiências socioculturais, as diferenças
subjetivas das crianças e suas histórias de vida”. (BARBOSA; HORN, 2008, p.
29).

Acreditava-se que para desenvolver-se era necessário frequentar a


creche, agora responsável por promover essa mudança. Entretanto, tal
responsabilidade não é dever da escola, envolve outros eixos mais complexos,
que exigem mudanças políticas e sociais que não cabe à instituição escolar.
Na década de 1970, eleva-se o número de movimentos sociais que
exigem maior quantidade de creches, por parte do Estado. Em alguns lugares,
como São Paulo, houve gradativamente a expansão de instituições que atendem
crianças.
Ressalta-se nesse período, a criação do Projeto Casulo, que tinha como
objetivo “atender às crianças [...], proporcionar às mães tempo livre para
ingressar no mercado de trabalho, de modo a que possam elevar a renda
familiar” (Kramer, 1987, p. 76).
Implantadas em todo o território nacional, as unidades atendiam as
crianças de quatro a oito horas diárias, conforme as condições locais. Promovia
atividades recreativas específicas a sua faixa etária, sem foco direcionado à
escolarização futura, e preocupava-se com as carências nutricionais. A falta de
recursos humanos foi o maior desafio desse projeto.

Anos 1980 aos dias de hoje

Na década de 1980, universalizou-se a ideia de que todas as crianças


pequenas, independente da classe social, devem ser beneficiadas com o
atendimento promovido pela creche. Com a pressão realizada por movimentos
sociais e feministas, a Constituição de 1988, reconheceu a educação das
creches como direito da criança e dever do Estado.
Nos anos 1990, “[...] o MEC realizou vários seminários e debates,
envolvendo a participação de vários segmentos da sociedade, com o propósito
de construir uma nova concepção para a educação de crianças de 0 a 6 anos”
(Cartaxo, 2013, p. 48). A legislação foi revisada, para atender com maior
qualidade a educação infantil, pois a concepção da criança alterou-se. Momento
em que as pessoas percebem a importância das instituições infantis para o
desenvolvimento do sujeito, e o estado assume tal responsabilidade.
Figura 2.5: Educação infantil acessível para todos Fonte: ©Freepik

Vários documentos são elaborados visando à melhoria da educação:

 Estatuto da Criança e do Adolescente.


 Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
 Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil.
 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica.
 Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil – 2006.
 Política Nacional de Educação Infantil.
 Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício em Educação
Infantil.
 Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil.
 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

Os documentos visam ampliar e garantir a educação infantil e oferecê-la


com qualidade. Dessa forma, “[...] a escola deve sair da sua função de
transmissora de conhecimentos a serem acumulados para assumir a capacidade
de atuar e organizar os conhecimentos em função das questões que se
levantem” (BARBOSA; HORN, 2008, p. 28). Para tanto, é necessário que os
profissionais que atuam com essa faixa etária tenham qualificação e preparo
acadêmico. Assim, conseguem proporcionar atividades embasadas em estudos
relacionados a essas áreas, saindo do improviso e de ações relacionadas ao
senso comum.
Passou-se de uma concepção segundo a qual as crianças eram vistas
como seres em falta, incompletos, apenas a serem protegidos, para uma
concepção das crianças como protagonistas do seu desenvolvimento, realizado
por meio de uma interlocução ativa com seus pares, com os adultos que as
rodeiam, com o ambiente no qual estão inseridas (BARBOSA; HORN, 2008, p.
28).
A concepção de educação infantil atual proporcionou mudanças
significativas na utilização dos espaços, nas atividades empregadas, na
formação dos professores e principalmente no modo como é entendida a criança.
Agora é um local direcionado ao aprendizado e ao desenvolvimento do sujeito.
Todas as ações estão direcionadas para garantir que o aluno evolua em seu
aprendizado e obtenha bons resultados.
A educação infantil no Brasil foi marcada pelo caráter preconceituoso, a
princípio utilizada por pessoas desfavorecidas economicamente e consideradas
ignorantes pela classe dominante. Da Roda dos Expostos às ações empregadas
até o início da década de 1980, evidencia-se que as crianças mais pobres eram
levadas a esses espaços com o intuito de seus progenitores se livrarem de um
problema, ou trabalhar para garantir melhor renda para a família. Somente a
partir do fim dos anos 1980, a educação infantil passa a ser entendida como o
espaço direcionado ao desenvolvimento do sujeito. Após esse período, vários
estudos, pesquisas, congressos são proferidos com o intuito de refletir sobre o
ensino das crianças pequenas. Tais ações culminaram na elaboração de
documentos por parte do Estado, que finalmente assume a responsabilidade de
garantir ensino de qualidade para a educação infantil.
Atividades de Aprendizagem
A partir de 1980, algumas mudanças ocorreram no âmbito relacionado à
educação infantil. Quais foram as principais transformações?
Aula 3 – Determinações Legais para a Educação Infantil no
cenário educacional brasileiro

Olá! Seja bem-vindo à terceira aula da disciplina Fundamentos


Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a aula, você
conhecerá o Estatuto da criança e do Adolescente e as Leis de Diretrizes e
Bases da Educação. Estudante, que tal irmos para o aprendizado?

As determinações legais orientam o sistema educacional brasileiro,


apontam como deve ser conduzido o ensino no país e os avanços em relação à
educação infantil.

Estatuto da Criança e do Adolescente

Historicamente, a concepção de criança sofreu alterações. Atualmente, o


infante é considerado um sujeito com direitos, portanto, necessita que a
legislação reze sobre tal conceito e dirija a ele atenção e proteção necessárias
para viver em ambiente salutar e digno, que contribua plenamente para o seu
desenvolvimento. Por isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado
em 1990, determina os direitos e deveres correspondentes a essa faixa etária.

Glossário
Rezar: fazer uma determinação; dar uma ordem: isto é o que reza a lei.

O ECA surge com o intuito de regular a Constituição Federal de 1988,


mais especificamente o art. 227, que trata sobre a proteção integral e o princípio
da prioridade absoluta. Sua formulação apresenta duas propostas fundamentais:
a primeira concerne direito à criança, tratada anteriormente como mero sujeito
que sofria intervenção da família e do Estado; a segunda, aponta para a
necessidade da criação de uma nova política pública de atendimento a esse
público, com a descentralização política administrativa, ou seja, a sua
municipalização, aliada a ações da sociedade civil.

1
Tais ações serão essenciais para oferecer o alicerce necessário para
minimizar os efeitos relacionados à marginalidade para um público desprovido
de assistência, vulnerável e envolto na exclusão social.
Diante desse contexto, a falta de cuidados com as crianças, por diferentes
sujeitos que a negligenciaram, seja em nível familiar, social ou mesmo do
Estado, faz-se necessário proporcionar aos infantes atenção e proteção, e que
lhes sejam concedidos seus direitos fundamentais, minimizando os efeitos
relacionados ao abandono social.

Glossário
Exclusão social: é o distanciamento de uma pessoa ou grupo que esteja em
situação desfavorável ou vulnerável em relação aos demais indivíduos e
grupos da sociedade.

Esses apontamentos podem ser observados no Estatuto da Criança e do


Adolescente, conforme os artigos abaixo:

Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até
doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos de idade.

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.

Assim, no referido Estatuto observa-se o apontamento claro e


objetivo sobre a faixa etária considerada como criança e adolescente. Tais
idades podem sofrer alterações se forem observadas sobre o crivo da psicologia
e da pedagogia.
Além disso, nota-se outro ponto interessante, quando refere a substituição
da designação anterior de menor, que era discriminatória e pejorativa, para a
aplicação da denominação de criança e adolescente, que concede a esse sujeito
o direito à cidadania e à dignidade.

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

2
Nesse ponto está evidente a necessidade da ação conjunta de todas as
esferas sociais, para propiciar meios de oportunizar a promoção e defesa dos
direitos das crianças e dos adolescentes.
Vale ressaltar que a família foi a primeira a ser selecionada para
desenvolver tal ação, haja vista que todo o empenho às ações deve ocorrer
preferencialmente nesse âmbito.
Ademais, aponta como direito a convivência familiar, pois é considerada
como essencial para o progresso integral do sujeito.
A proteção à criança e ao adolescente, estabelecida no Art. 70 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, consiste em dar proteção à vida e à saúde dessas
pessoas, oportunizar o desenvolvimento harmonioso e condições dignas de
existência. Ademais, o Estatuto reza sobre a atenção despendida para o bem-
estar da gestante e da parturiente, de modo que sejam oportunizados meios para
o desenvolvimento saudável do bebê. Nesse sentido, considera-se o cuidado
com a vacinação, a odontologia e os tratamentos médicos.

Figura 3.1: Vacinação de crianças

Fonte: Istockphoto

Atenção!
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um documento importantíssimo em
sua totalidade, pois versa sobre questões específicas da criança e do
adolescente.

3
Em relação à liberdade, o art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente
prevê que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas
leis. Dessa forma, é inviolável que essas ações sejam respeitadas. No próximo
artigo é tratado de forma específica o direito que rege a liberdade.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir,vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários,


ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;

V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Assim sendo, o referido artigo evidencia o cuidado com os sujeitos


menores de dezoito anos, no que tange à liberdade e à participação da vida
social e interação com seus pares. Ressalta-se a preocupação do inciso III, ao
apontar a liberdade de crença e culto religioso. Dessa forma, ações dirigidas ao
público mais vulnerável não podem ter como pano de fundo a religiosidade. Em
caso de atividades beneficentes, os órgãos religiosos não podem impor sua
forma de pensar às crianças ou aos adolescentes, tampouco utilizarem de
barganhas para oferecer o serviço. Devem, sim, zelar para que as ações
desenvolvidas sejam laicas e ecumênicas, em qualquer espaço, principalmente
na escola.
Veja o que prevê o artigo do Estatuto que segue:
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Cabe a todos zelar
pela integridade física e humana de todos os sujeitos com menos de
dezoito anos. Respeitar essas pessoas e agir em sua defesa, caso seja
violada. Os sujeitos que descumprirem esse ponto do Estatuto
poderão ser encaminhados para programas oficiais, a tratamento

4
psicológico, a cursos ou programas de orientação ou receber
advertência. Tais ações serão encaminhadas pelo Conselho Tutelar.

No art. 53 do Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente são


apontados o Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer. Nesse
capítulo, particularmente, são evidenciados aspectos relacionados à educação.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao


pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da
cidadania e qualificação para o trabalho.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do


processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas
educacionais.

Como pode observar, esse artigo enfatiza a atenção à cidadania e ao


desenvolvimento pleno do sujeito, oportunizando ações pedagógicas destinadas
a tal fim.
Ressalta-se a importância da participação da família nesse processo, de
forma a contribuir com definições importantes para esse processo, uma vez que
é indelegável o papel da família no preparo dos sujeitos para a sociedade.
Assim, nada mais justo que a cooperação na elaboração de regimentos
escolares e outras ações próprias da escola.
O próximo artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se à
educação infantil.
“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente:
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero
a cinco anos de idade”.

Esse ponto sofreu alteração após o ensino de nove anos ser promulgado.
Ao Poder Público cabe se adequar para atender à demanda da matrícula na pré-
escola. Talvez seja pelo fato da educação infantil não ser obrigatória que o artigo
56 menciona como responsabilidade dos dirigentes do ensino fundamental
comunicar sobre casos envolvendo maus-tratos. Em nenhum momento se dirigiu
para as instituições que atendem crianças de zero a cinco anos. Dá a entender
que a preocupação recai no Ensino Fundamental, desconsiderando outras
etapas, principalmente a infantil.

5
Os artigos mencionados são os mais empregados no âmbito educacional,
principalmente na Educação Infantil.

Você sabia?
Que o ECA coloca o Brasil em posição de destaque entre os demais países do
mundo por ser considerado uma das leis mais avançadas na defesa dos direitos
das crianças e dos adolescentes.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) de 1996


regulamenta o fundamento, a estrutura e a normatização do sistema educacional
no âmbito nacional. A primeira versão ocorreu em 1961 (Lei nº 4.024/61), a última
em 1996 (Lei nº 9.394/96). Tal caminho foi trilhado no final do Estado Novo, em
1946, mas somente com a Constituição de 1988 concedeu à União o direito de
legislar sobre a educação nacional. A LDB 9.394/96 regulamenta todos os níveis
de ensino, reitera o direito à educação garantido pela Constituição Federal,
determina os princípios da educação e os deveres do Estado, em se tratando
das responsabilidades entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios.
Quando criada, a LDB de 1996 respaldou-se na Constituição
Federal de 1988, nela consta os “direitos sociais à educação, saúde,
alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e infância e à assistência aos desamparados”. Essas legislações
foram essenciais para o sistema educacional brasileiro, uma vez que aponta para
ascensão em relação às conquistas relacionadas ao bem comum, denotando a
preocupação em regulamentar esse processo e a busca em proporcionar tais
direitos. Ressalta-se que, durante esses anos, a LDB sofreu inúmeras
alterações.
O art. 205 da Constituição Federal estabelece que:

“A educação, é direito de todos e dever do Estado e da família,


será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A educação infantil, entendida como dever do Estado e da família, deve
buscar diálogos constantes com a sociedade, para oportunizar troca de

6
informações sobre a criança. No entanto, é papel específico das instituições
escolares ampliar as vivências das crianças e enriquecê-las com saberes
diferenciados para expandir suas referências pessoais. Ademais, também é
papel da escola propiciar a integração social, por meio da convivência com seus
pares e com adultos.

Figura 3.2: Capa da Constituição do Brasil de 1988


Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bandeira_do_Brasil_Constiti%C3%A7%
C3%A3o_do_Brasil.JPG

Com o intuito de pensar na educação e garantir a sua qualidade, o


Estado assume a responsabilidade de delimitar sobre a formação e
sistematização do conhecimento no âmbito nacional. Dessa forma, a mesma
temática poderia ser trabalhada em diferentes lugares do país, uma vez que se
parte “[...] do pressuposto que uma lei é um ornamento jurídico de aplicação
universal que deve ser obedecida por todos os membros de uma sociedade”
(NASCIMENTO, 2005, p. 101). Assim, ocorreu a reestruturação e
renormatização do sistema educacional brasileiro.

Com a criação da LDB não se encerrou o assunto sobre o sistema


educativo, pois havia a necessidade de refletir sobre o processo envolto em suas

7
especificidades. Essa abertura oportunizou reflexões acerca de suas nuances
com enfoque na educação. De modo geral, não há dúvidas que o discurso dessa
lei denota progressivos avanços educacionais no Brasil, pois há interesse em
oferecer qualidade no ensino, sem distinguir classes sociais. Tal interesse
observa-se no art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases:

“Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na


escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a


cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei


e da legislação dos sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as


práticas sociais”.

Os princípios acima perpassam todos os níveis de educação, inclusive a


infantil. Dessa forma, esses conceitos precisam ser aplicados no âmbito escolar,
em se tratando da documentação vigente dessas instituições. Logo, são regras
preestabelecidas pelo Ministério da Educação que devem ser aplicadas no dia a
dia, aliando as especificidades locais. Tais orientações devem nortear o Projeto
Político Pedagógico (PPP) do ambiente escolar que de forma alguma pode se
dissociar da LDB/1996. Aos Estados e Municípios cabem deliberar sobre a
Proposta Pedagógica de suas instituições. Essas especificações podem ser
verificadas no art.15 da LDB:

8
[...] essa lei deixa explícito que às unidades escolares
públicas de educação básicas integradas ao sistema
serão assegurados graus de autonomia pedagógica e
administrativa, além de autonomia financeira, desde que
sejam seguidas as normas gerais de direito financeiro
público (CARTAXO, 2013, p. 168).

Ao verificar o processo histórico, é visível o posicionamento do Estado


brasileiro que se eximia de assumir a responsabilidade pela garantia da
educação. Na LDB/1996 é possível observar claramente a mudança dessa
atitude, por meio do seu art. 40:

I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17


(dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma:

a) pré-escola;

b) ensino fundamental;

c) ensino médio;

A inserção da pré-escola na educação infantil denota o reconhecimento


de que os princípios educacionais na tenra idade são importantes para o
desenvolvimento do sujeito. Nascimento (2005, p. 102) corrobora esse
entendimento ao afirmar que “A educação infantil integra a educação básica
juntamente com o ensino fundamental e médio. Ou seja, por lei, a educação
infantil é um nível de ensino [...]”. Apesar de tais avanços, que incube o poder
público de garantir a educação básica gratuita, ela não contempla as fases
iniciais da educação infantil. Assim, as crianças de menor faixa etária não são
enquadradas nessas especificações.
Em outro ponto da lei, mais especificamente no art. 21, novamente é
ressaltada a composição da educação escolar, sendo o ensino infantil integrado
à educação básica:

I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino


fundamental e ensino médio;

II – educação superior.

Na LDB/1996 é possível observar a importância que a Educação Infantil


assume na contemporaneidade, uma vez que uma nova concepção de infância
é instaurada socialmente.

9
Dessa forma, a criança é concebida de forma única e, neste sentido,
torna-se necessário pensar no ensino direcionado para a sua faixa etária.
Por isso, a educação infantil foi colocada em destaque, inexistente nas
legislações anteriores, sendo criada a Seção II, do Capítulo II da Educação
Básica, específica para ela, levando em conta as particularidades próprias do
infante e atribuindo significado às ações que consideram o desenvolvimento
integral do sujeito. Tal aspecto pode ser observado no artigo que segue:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem


como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco)
anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.

Figura 3.3: Desenvolvimento integral da criança

Fonte: Shutterstock

Sabendo-se das singularidades das crianças referentes a cada etapa de


seu desenvolvimento, a LDB no seu art. 30 procurou segmentar a oferta do
atendimento ao infante da seguinte forma: creches, ou entidades equivalentes,
para crianças de até três anos de idade; pré-escolas para as crianças de 4 a 5
anos de idade. “Embora a educação infantil seja parte integrante da educação
básica, sua especificidade é pouco reconhecida, para não dizer desconsiderada.
Aliás, com relação à especificidade, a única diferença apontada pela lei entre a
creche e a pré-escola diz respeito à faixa etária” (NASCIMENTO, 2005, p. 107).
Ações referentes à escolarização na educação infantil, apontadas na LDB,
precisam ter posicionamento cauteloso, uma vez que é necessária a junção do
cuidado e da assistência no processo educativo, quando se refere a crianças
pequenas.

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Além disso, é importante propiciar reflexões acerca do processo educativo
que ocorre na creche, para não correr o risco de primar somente pelos aspectos
referentes ao cuidar.
Assim, “O assentado na LDB corre o risco de desconsiderar as ações de
assistência e do cuidado pelo fato de privilegiar o educativo por meio da
escolarização” (NASCIMENTO, 2005, p. 108). Esse posicionamento pode ser
identificado no artigo abaixo:

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as


seguintes regras comuns:

I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento


das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao
ensino fundamental;

II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída


por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional;

III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para


o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral;

IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar,


exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de
horas;

V - expedição de documentação que permita atestar os processos de


desenvolvimento e aprendizagem da criança.

Glossário
Assentado: que é membro de um assentamento, local onde estão acampados
trabalhadores rurais.

Na LDB é claro o posicionamento sobre as práticas de avaliação


referentes à promoção, seleção e classificação, principalmente no que tange às
práticas que retêm a criança que não está alfabetizada na educação infantil,
impedindo sua ida para o ensino fundamental.
O processo avaliativo pressupõe atitudes referentes à observação e ao
modo como será registrado o desenvolvimento do infante. Essas atitudes
promovem reflexões sobre a prática que deve ser adotada para atingir os
objetivos propostos, bem como refletirá no aperfeiçoamento do profissional.
A LDB utiliza sete artigos para fazer considerações importantes sobre o
papel do profissional da Educação, passando a privilegiar o perfil do professor.
Assim sendo, o art. 62 determina que “a formação de docentes para atuar
na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,

11
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade normal”.
Desse modo, é possível observar na legislação que o magistério é a
formação mínima exigida ao profissional que atuará na educação infantil e na
primeira etapa do ensino fundamental.
Para os outros níveis, a exigência é o ensino superior, apesar da
LDB/1996 apontar que, se o professor tiver apenas o nível médio, na modalidade
normal, pode lecionar nas etapas referidas. Esse posicionamento dá a entender
que não é necessário diploma para atuar com as crianças pequenas.
Dessa forma, identifica-se com o modo como historicamente a educação
é concebida, ou seja, está intrinsecamente ligada ao fazer doméstico. Por esse
viés, parece que o ensino infantil é desvalorizado, pois não há a necessidade de
utilizar os conhecimentos presentes no mundo acadêmico nesse tipo de
trabalho. “Embora a educação infantil seja parte integrante da educação básica,
sua especificidade é pouco reconhecida, para não dizer que é desconsiderada”
(NASCIMENTO, 2005, p. 107).
Atualmente, a LDB/1996 foca-se na questão específica dos professores e
procura valorizar o profissional, por meio de planos de carreiras, progressão
funcional, aperfeiçoamento contínuo, piso salarial, período reservado para
estudos, planejamento e avaliação dos conteúdos ministrados.
Para promover essa valorização, a legislação estabelece o regime de
colaboração entre União, Estados e Municípios, de modo que haja colaboração
entre eles para a organização de seus sistemas de ensino.
A esse respeito, Nascimento (2005, p. 105) afirma que “A questão, no
entanto, diz respeito à ausência de uma definição precisa das fontes de recursos
que farão com que a educação infantil efetivamente se constitua em um
atendimento de caráter nacional”.
Nesse sentido, notam-se avanços significativos em relação a pontos
sobre a educação infantil na LDB/1996. As suas especificidades denotam o
reconhecimento dessa etapa da educação, principalmente em se tratando do
modo como são expostos pontos importantes na legislação.
Desse modo, a legislação tem o intuito de formar cidadãos, mas há que
ter o cuidado para não escolarizar o ensino infantil, ou voltar-se ao

12
assistencialismo. Logo, há a necessidade de trabalhar harmoniosamente com o
cuidar ao mesmo tempo que emprega propostas relacionadas ao educar.
A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro documento a apontar a
educação como dever do Estado Brasileiro. Em 1990, o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), foi criado para nortear novas concepções relacionadas
com a infância. Depois, surgiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
promulgada em 1996, que determina sobre o sistema educacional brasileiro.
Suas orientações concernem ao modo como deve ser conduzido o ensino no
país.
Nesse contexto, notam-se avanços significativos em relação à concepção
relacionada com a criança, principalmente quando se refere às determinações
legais. Da Constituição de 1988 às Leis de Diretrizes e Bases de 1996, é notória
a preocupação em perceber as nuances direcionadas à educação de torná-la
obrigatória, com clareza e equidade para o ensino nacional.
Assim, o caráter doméstico e desprovido de profissionalismo é rechaçado,
ou seja, é orientado para o fazer, o trabalho, pelo viés pedagógico. As leis
mencionadas são referências bibliográficas imprescindíveis para compor seu
acervo profissional e orientá-lo em seu trabalho pedagógico.

Atividade de aprendizagem

1) Segundo a LDB, quais diferenças podem ser apontadas entre a creche e a


pré-escola?

13
Aula 4 – As Diretrizes e o Referencial Curricular Nacional da
Educação Infantil

Olá! Seja bem-vindo, seja bem-vinda, à quarta aula da disciplina


Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a
aula, você conhecerá as Diretrizes e o Referencial Curricular Nacional da
Educação Infantil. Então, vamos mergulhar neste aprendizado?

O Referencial Curricular Nacional (RCNEI) foi criado para embasar as


ações referentes à educação infantil, apresentando-lhe possibilidades
diferenciadas das empregadas no âmbito escolar.

Características do Referencial Curricular Nacional

14
Figura 4.1: Capa da Introdução do Referencial Curricular Nacional

Fonte: Portal do MEC

O Referencial Curricular Nacional (RCNEI), criado em 1998, constitui um


conjunto de referências e orientações que buscam propiciar práticas educativas
de qualidade. Sua função visa socializar informações, promover discussões e
pesquisas e contribuir para a educação infantil em seus diferentes sistemas.
Nesse documento a proposta é aberta, flexível e não é obrigatória, ou seja, pode
ser adaptada conforme as especificidades de cada recôndito do país.
A primeira versão foi analisada por quinhentos especialistas que
apontaram as conquistas políticas referentes à educação infantil e a inseriram
no sistema de ensino regular, atualmente conhecido como Educação Básica.

Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação


infantil, socializando informações, discussões e pesquisas,
subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais
profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino
estaduais e municipais (MEC, 1998, p. 15).

O Referencial aponta a importância de a educação infantil ser reconhecida


e apoiada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no entanto há muito
a ser conquistado.
Assim, entre os estudiosos sobre o Referencial destaca-se a crítica de
que “A estrutura do documento foi considerada complexa. O excesso de
divisões, títulos e subtítulos prejudica a compreensão do todo. Alguns tópicos
estão fora de lugar, alguns repetidos” (CERISARA, 2005, p. 25).
O documento é a primeira proposta voltada para a educação infantil,
constituído por objetivos gerais e específicos, conteúdos e ações didáticas
direcionadas para crianças de 0 a 6 anos de idade, e refere os aspectos
históricos, relacionados ao assistencialismo e ao educar, de forma superficial e
polarizada.
A concepção do RCNEI está embasada nas teorias de Piaget, Vygotsky
e Wallon. Logo, a fundamentação baseia-se na psicologia cognitiva, quase que
prioritariamente de base piagetiana.

15
O termo empregado pelos seus autores é “construtivismo socialmente
determinado”, respaldado no construtivismo do desenvolvimento, do ensino e da
aprendizagem. Muitos pesquisadores, que avaliaram o referencial, comentam
que a sua base teórica é confusa e pouco aprofundada. Algumas vezes, as
abordagens são contraditórias, simplificadas ou até mesmo mal-empregadas.
Tais situações geram problemas de coerência e entendimento,
principalmente por dar a impressão de que o processo de ensino-aprendizagem
tradicional pode ocorrer antes do tempo da maturidade da criança (CERISARA,
2005).
A estrutura do documento apresenta-se da seguinte forma:

 Volume 1: Documento introdutório


 Volume 2: Formação pessoal e social
 Volume 3: Conhecimento de mundo

No primeiro documento, é apresentada a diferença entre creche e pré-


escola, sendo que a primeira se refere a crianças de 0 a 3 anos e a segunda de
4 a 5 anos. Ele relata, brevemente, sobre o preconceito existente quando se faz
referência à creche, destinada a crianças oriundas de famílias humildes, e ao
jardim de infância, voltado para a classe privilegiada.
No segundo momento, enfatiza os seguintes aspectos: criança, educar,
cuidar, brincar, professor de educação infantil, organização por idade,
organização em âmbitos e eixos, bem como a instituição e o projeto educativo.
Refere também as relações familiares, os objetivos gerais da educação infantil,
a importância da observação, o registro e a avaliação.
Nos volumes dois e três, em cada área de trabalho, pode se verificar
alguma variação, mas em sua maioria são apresentados os seguintes tópicos:
as concepções vigentes nas instituições de educação infantil; a concepção do
eixo ou da área; a aprendizagem na área; os objetivos, os conteúdos, os critérios
de avaliação e as orientações didáticas para crianças de 0 a 3 anos e de 3 a 6
anos; e a bibliografia.
O segundo volume, denominado “Formação Pessoal e Social”, é
composto pelos seguintes assuntos: Conhecimento de si e do outro; Movimento

16
e Brincar, que tratam de vivências relacionadas ao desenvolvimento afetivo e
global e seus esquemas simbólicos.
O terceiro volume intitulado “Conhecimento do Mundo”, é constituído
pelos temas: Artes Visuais; Língua Escrita e Língua Oral; Música; Matemática;
Natureza e Sociedade. As linguagens são escolhidas por representar parte da
produção cultural, enfatizando-se as diferentes linguagens em contato com a
cultura.
No que concerne à divisão em eixos de trabalho e em áreas, é priorizado
o aspecto cognitivo sobre os demais aspectos relacionados ao ser humano,
como ser integrado e único.
Esse rompimento pode levar ao equívoco de trabalhar com o
conhecimento de forma fragmentada, ou então, levar os profissionais da área
que atendem “crianças de 0 a 6 anos a usarem o documento ‘Desenvolvimento
Pessoal e Social’, e aqueles que atendem crianças de 4 a 6 anos o de ‘Ampliação
do Universo Cultural” (CERISARA, 2005, p. 32).
Os conceitos abordados no RCNEI propõem oportunizar práticas que
favorecem o pensar, o sentir e o compreender a realidade na qual a criança está
inserida.
No entanto, a sua estrutura baseia-se no modelo tradicional escolar,
pautado pelo modo instrumental de trabalho dos professores. E em cada eixo, o
documento organiza-se por meio de objetivos, conteúdos, critérios de avaliação
e orientações didáticas.
Assim sendo, os conceitos dessa organização podem levar o professor a
tratar as crianças como pequenos alunos e a exigir o comportamento e a
aprendizagem equivalente ao ensino fundamental, situação essa que fere o
desenvolvimento do infante.
No documento nota-se, ainda, o intuito de tratar a educação infantil da
mesma forma que a do ensino fundamental, ou melhor, foca-se o ensino e o
modo como se trabalha com essa etapa de desenvolvimento.
Contudo, tal concepção é um “[...] retrocesso em relação ao avanço já
encaminhado na educação infantil, de que o trabalho com crianças pequenas em
contexto educativo deve assumir a educação e o cuidado enquanto binômios
indissociáveis, e não o ensino” (CERISARA, 2005, p. 28).

17
Logo, nessas concepções há especificidades claras que as distinguem,
mas que não são respeitadas, pois a educação deve focar o respeito às etapas
de desenvolvimento e criar situações lúdicas, prazerosas para que ocorra o
aprendizado pleno do sujeito.
Em vários trechos do texto é possível identificar a terminologia que dá a
impressão do desejo de promover a escolarização do aluno desde os primeiros
dias de vida.
Contudo, o eixo principal refere-se à criança e a todo o seu entorno, que
precisa ser acolhedor e criativo, sem a burocracia e o controle mantido pela
intervenção do adulto.
Quanto ao texto escrito, não há clareza em relação ao interlocutor, ou
seja, para quem foi escrito o documento? Em alguns momentos da leitura, dá a
entender que o destinatário é a equipe gestora, em outros parece que é dirigida
aos professores.
Assim, enfatiza-se a linguagem simplificada e o teor que se assemelha a
receitas que devem ser seguidas, e não promovem reflexões que favorecem o
aprendizado (CERISARA, 2005).
O referencial refere as concepções históricas da criança em um processo
histórico, a princípio destinado às famílias humildes. Anteriormente, o
assistencialismo estava fortemente presente, sendo que esse documento propõe
modificar tal conceito.
Para tanto, são necessárias reflexões sobre a criança e a classe social,
bem como a responsabilidade assumida pelo Estado e pela sociedade. Cerisara
(2005, p. 29), acerca do parecer, considera que:

[...] predomina no RCNEI uma concepção abstrata e reducionista que


a vê unicamente como aluno, pois apesar de ter uma concepção de
histórico-social, o documento não toma a criança como princípio
educativo, uma vez que privilegia mais o “sujeito escolar” que o “sujeito
criança”.

O entendimento de que a criança possui direitos fica alheio a essa


concepção; dessa forma, não há menção à importância da felicidade e da
cidadania em relação à criança.
O documento considera o infante como ser abstrato que frequenta a
instituição escolar, e não o coloca como sujeito que tem desejos, sonhos,

18
vontades e constrói a singularidade de sua história, sem deixar de ser criança,
independentemente de sua condição financeira, histórica, física, ou qualquer
especificidade pertinente a ela.

Figura 4.2: Criança em situação lúdica

Fonte: PublicDomainPictures

No decorrer do documento, há diversas concepções referentes à primeira


infância. Parte-se do modo como cada um entende o que é necessário trabalhar
para o desenvolvimento da tenra idade.
Alguns pareceres tiveram a intenção de apontar as diferentes concepções
de criança e de contextualizá-las. Cerisara (2005, p. 30) afirma que “Em vários
pareceres é indicado que no transcorrer do documento há várias concepções de
criança sem que seja possível relacionar as concepções teóricas apresentadas
com o conteúdo das demais partes da referida proposta”.
Alguns consideram que o atendimento à infância deve ser iniciado com os
procedimentos físicos, uma vez que o infante é frágil e precisa de cuidados, o
que significa priorizar o aspecto relacionado ao cuidar.
De acordo com o RCNEI (1998, p. 18), “Essas práticas tolhem a
possibilidade de independência e as oportunidades de as crianças aprenderem
o cuidado de si, do outro e do ambiente”.
Todavia, as concepções que não se restringem a esse olhar entendem
que esses cuidados não se referem somente à proteção, à saúde e à
alimentação da criança, mas também à interação, à segurança, ao brincar, ao
explorar o espaço e descobrir as possibilidades que o local apresenta.

19
Há ainda concepções que concentram as práticas no aspecto emocional,
nesse caso, a cobrança recai sobre os profissionais, que são induzidos a ter a
mesma postura que os pais das crianças.
Em alguns casos, o foco das relações da criança é apenas o adulto, sem
o ampliar para outros contextos. Diante dessas concepções, observa-se um
contraste entre a relação do cuidar e a do educar: ora o cuidado é enaltecido,
num momento, ora o educar é reverenciado, no momento seguinte.
Para tanto, é preciso repensar as concepções de criança, como um sujeito
histórico e social que faz parte de um contexto familiar que, por sua vez, está
inserido em um contexto cultural e histórico.
Assim, além das características comuns às crianças, importa conhecer e
respeitar as particularidades individuais delas, no que se refere à forma única
como sentem e pensam o mundo.
A análise do processo histórico possibilita observar que, inicialmente, as
concepções do cuidar foram predominantes, pois a tônica era colocada no
assistencialismo.
O cuidado estava relacionado com atitudes, auxiliar as crianças nas
tarefas que não desenvolviam sozinhas, proteção, higiene e nutrição. Ora, tais
ações podiam ser executadas por qualquer pessoa, não necessitavam de
profissionalização para realizá-las.
No entanto, o ato de cuidar, entendido como elemento essencial na
interação com a criança pequena, possibilita criar vínculo afetivo.
Ao profissional da educação cabe desvendar as nuances que podem ser
expressas pelo aluno, por meio do cuidado, “principalmente, as necessidades
das crianças que, quando observadas, ouvidas e respeitadas, podem dar pistas
importantes sobre a qualidade do que estão recebendo” (RCNEI, 1998, p. 25).
Desse modo, ao perceber as pistas deixadas pelo infante, o professor
consegue perceber suas necessidades e avanços. Ademais, quando demonstra
gentileza ao ser solicitado pelos alunos, revela a importância de se respeitar as
dificuldades e necessidades do próximo.
Tal ação será enraizada no infante, uma vez que, ao aprender com os
exemplos dos adultos, os reproduzirá.

20
Apesar da importância do ato de educar, pouco valor é dado ao
profissional que irá atuar nesse âmbito, como se não precisasse de formação
para lecionar para crianças pequenas.
Logo, “[...] não há consenso na área, se deve ser educador ou professor,
mas alguns chamaram a atenção para o fato de que a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) define que todos os profissionais que atuam com crianças em creches e
pré-escolas deverão ser considerados professores, leigos ou não” (CERISARA,
2005, p. 30).
Percebe-se claramente a abertura de brechas na lei, para que algumas
instituições não tenham cuidados em relação ao grau de exigência na seleção
dos profissionais que atuam na educação infantil.
Dessa forma, percebe-se por meio da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que
qualquer um pode atuar nessa área, pois é uma função ligada ao convívio
familiar, o que desconsidera a concepção pedagógica ligada ao educar e
reconhece somente o valor relacionado ao cuidar.
Quase sempre, essa visão leva os profissionais que atuam com crianças
a receberem salários inferiores aos demais professores, por não possuírem
formação equivalente à sua área de atuação.
Apesar da formação precária, quando existe, das pessoas que atuam na
área infantil, a instituição escolar e os pais exigem qualidade no trabalho delas,
e espera-se que seja oferecido às crianças conhecimento de qualidade e o
aprendizado seja significativo. A esse respeito, o RCNEI (1998, p.30)
complementa:

Nessa perspectiva, o professor é mediador entre as crianças e os


objetos de conhecimento, e capacidades afetivas, emocionais, sociais
e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos prévios e aos
conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento
humano. Na instituição de educação infantil o professor constitui-se,
portanto, no parceiro mais experiente, por excelência, cuja função é
propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável e não
discriminatório de experiências educativas e sociais variadas.

Quando o professor tem formação condizente com a sua área de atuação,


entende que a concepção de educar refere-se aos meios que possibilitam o
desenvolvimento integral do sujeito, ou seja, o aprendizado nos aspectos físico,
cognitivo, social e afetivo.

21
Para isso, é necessário propiciar situações que levem à criatividade e
imaginação da criança, por meio da sua interação com o outro e com objetos
diferenciados, permitindo ampliar o conhecimento social, pedagógico, afetivo e
lúdico.
Nesse sentido, o Referencial (p. 23) explicita que “Na instituição de
educação infantil, pode-se oferecer às crianças condições para as
aprendizagens que ocorrem nas brincadeiras e aquelas advindas de situações
pedagógicas intencionais ou aprendizagens orientadas pelos adultos”
O educar compreende o modo como o professor planeja as atividades,
com o intuito de que seus alunos participem, de forma integrada, das atividades
que contribuem para o aperfeiçoamento de habilidades de relacionamento, ou
seja, aprender a aceitar, respeitar, confiar e interagir com o próximo.
Esse aprendizado volta-se para o âmbito social, logo, o educar integrado
ao cuidar envolve a integração de profissionais de diferentes áreas do
conhecimento. Esse entendimento é corroborado pelo RCNEI (1998, p. 24), ao
complementar que:

O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais,


que envolvem a dimensão afetiva e dos cuidados com os aspectos
biológicos do corpo, como a qualidade da alimentação e dos cuidados
com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e
das oportunidades de acesso a conhecimentos variados.

Ao profissional da educação cabe propiciar espaços que favoreçam o


despertar das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas
da criança.
A brincadeira é uma forma de desenvolver tais potencialidades, por isso
é importante incluí-las e valorizá-las no cotidiano do aluno. Por meio do brincar,
os pequenos vivenciam pais sociais, ou seja, podem ser pai, mãe, tio, madrasta,
ou exercer qualquer profissão. “Nessa atividade, as crianças podem estabelecer
relações entre novos conteúdos e os conhecimentos prévios (conhecimentos
que já possuem), usando para isso os recursos de que dispõem” (RCNEI, 1998,
p. 33).
As situações criadas na hora do brincar são um campo fértil de
observação para o professor, que pode intervir e propor situações novas, ampliar
experiências e o aprendizado.

22
Nesse momento, a criança constrói o conhecimento, e o internaliza por
meio das práticas criadas, amplia sua concepção e vivências relacionadas ao
mundo. Tais contribuições favorecem a formação de crianças felizes e
saudáveis.

Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação, isto


implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem simbólica.
Isto quer dizer que é preciso haver consciência da diferença existente
entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo
para realizar-se. (RCNEI, 1998, 27).

O ato de brincar é muito importante, pois, através dele, a criança


ressignifica a sua aprendizagem, atribuindo-lhe novos significados, por meio da
imaginação e imitação da realidade.
Assim, esse ato permite ao infante refletir sobre as situações vivenciadas
e reelaborá-las, experimentar as sensações do mundo, bem como internalizar os
conceitos vividos e compreendê-los.

Glossário
Ressignificar: atribuir um novo significado a; dar um sentido diferente a alguma
coisa.

No entanto, é preciso fazê-lo desvinculado do preceito escolar, sem


conceitos relacionados a conteúdos sistematizados e à avaliação. Aliás, o
processo avaliativo na educação infantil não pode ter o enfoque de reprovação
ou aprovação para a próxima etapa, mas sim ser empregada como meio de
observar o desenvolvimento do sujeito.

23
Características das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil

Figura 4.3: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

Fonte: MEC (2010)

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),


criadas em 2010, foram fixadas pela Resolução n0 5, de 17 de dezembro de
2009, composta por 36 páginas.
De forma resumida, seu teor promove a educação infantil a uma etapa de
ensino, com possibilidade de receber recursos do FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação).
Além disso, concebe o currículo e o processo avaliativo de forma
diferenciada, dando-lhe a devido importância. Torna-se uma etapa de ensino,
com a obrigatoriedade de matrícula para crianças a partir de 4 anos de idade.
A proposta visa direcionar as propostas curriculares, o Projeto Político
Pedagógico (PPP) e regulamentar as modalidades de ensino, sejam elas
quilombolas, indígenas, rurais, entre outras, promovendo a inclusão.

Glossário
Quilombola: pessoa escrava que, sendo privada de sua liberdade, submetida à
vontade de outra pessoa e definida como propriedade, se refugiava no quilombo,
local que abrigava escravos fugidos.

24
Com a proposta objetiva-se “[...] estabelecer as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil a serem observadas na organização de
propostas pedagógicas na educação infantil” (DCNEI, 2010, p. 11). Nela é
ressaltada a importância de estar em consonância com as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica e com as legislações estadual e municipal,
com vista a tornar a proposta equânime.
As DCNEI regulamentam o espaço de atendimento da educação infantil,
como um local institucionalizado não doméstico, que precisa ser supervisionado,
com regras claras e específicas sobre o local.
A faixa etária atendida nesses ambientes passa a ser de crianças de 0 a
5 anos de idade, no período diurno, parcial, com no mínimo 4 horas diárias e
integrais acima de 7 horas.
Nas DCNEI (2010, p. 12) fica explícito que “É dever do Estado garantir a
oferta de educação infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de
seleção”.
Na resolução referida, a criança é entendida como sujeito histórico e de
direitos, que se desenvolverá por meio de vivências, interações e brincadeiras.
E o currículo passa a ser entendido como uma forma mais abrangente, levando
em conta os conhecimentos prévios provenientes das vivências trazidas pela
criança que serão somados ao conteúdo sistematizado oferecido pela instituição
de ensino. Porém, os conceitos não se anulam e essas duas formas se
complementam para favorecer o aprendizado do sujeito em sua integralidade.
As propostas pedagógicas da educação infantil devem contemplar os
princípios éticos (correspondem ao respeito à identidade e singularidade da
criança, por meio das manifestações culturais, religiosas, etc.), políticos
(concernem ao direito à cidadania, à ordem e à democracia) e estéticos (referem-
se à liberdade de expressão e manifestação cultural).

A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter


como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação,
renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de
diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à
liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à
convivência e à interação com outras crianças (DCNEI, 2010, p. 18).

25
A proposta pedagógica precisa oferecer meios, espaços, tempos e
materiais para oportunizar o cuidar em harmonia com o educar, bem como
maneiras para o desenvolvimento integral do sujeito em todas as suas
dimensões, respeitando as singularidades de cada faixa etária, através do
contato com materiais diferenciados e do acesso a locais distintos dentro do
âmbito escolar.
Em relação às especificidades das crianças, sejam elas do campo,
indígenas, ou de qualquer etnia, faz-se necessário respeitá-las e valorizar sua
cultura, sem as expor a situações constrangedoras.
Nas DCNEI o brincar e as interações são fatores importantes relacionados
ao desenvolvimento do sujeito, pois as contribuições dessas atividades
favorecem seu aprendizado. Assim, por meio das brincadeiras, e das inúmeras
situações apontadas, é possível verificar o desenvolvimento do indivíduo.
Tal momento pode ser avaliado, mas não no sentido de promoção,
seleção e classificação. O importante é registrá-lo por meio de fotos, relatórios,
desenhos, etc.
Dessa forma, há subsídios para avaliar o trabalho da instituição e
demonstrar a aprendizagem da criança, propiciando os meios para o seu
desenvolvimento, sem que haja antecipação dos conteúdos relacionados ao
ensino fundamental.
Para a elaboração das DCNEI, foi estabelecida a colaboração mútua com
a Universidade do Rio Grande do Sul, a fim de construir um texto-síntese com
ponto básico, para apresentar a estudiosos da área da educação e depois ser
levado ao debate que aconteceria em audiência pública.
Logo, percebe-se a intenção de elaborar uma proposta que tivesse a
contribuição de conhecedores da área, com o intuito de se pensar em conceitos
relevantes para o ensino dessa faixa etária.
Assim, o Referencial Curricular Nacional (RCNEI), como primeiro
documento da área da educação, surge com o objetivo de romper com o modo
como era entendida a educação infantil, e de atender a demanda das pessoas
que atuavam na área, sendo sua intenção propiciar modificações no que tange
à concepção de infância dentro da instituição de ensino.

26
No entanto, alguns pontos divergentes no documento, mostram a
necessidade de mais debates e estudos para avançar, pois essa área está ainda
em construção.
No documento é possível verificar que o Estado se responsabiliza pela
educação infantil, um avanço marcante na história do Brasil que irá promover a
reformulação das concepções assistencialistas, e dar os primeiros passos para
formar o conceito do educar concomitante com o do cuidar.
Ademais, ainda existem alguns pontos que precisam ser revistos, como a
antecipação do ensino fundamental aplicado ao infantil, retirando da criança o
direito de desenvolver-se em sua plenitude, de forma integrada com seus pares
e vivenciar as particularidades próprias da infância.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEI), elaboradas por estudiosos
no assunto, surgem como alento ao ensino infantil, ao proporem concepções
mais atuais e maduras sobre o ensino na primeira infância e repensarem o modo
como alguns conceitos e práticas são aplicados no âmbito escolar.
Além disso, orientam reflexões acerca do ensino direcionado à tenra
idade, deixando clara a intenção desse documento em garantir que as
especificidades da educação infantil sejam vivenciadas de forma saudável pelos
pequenos sujeitos.

Atividade de aprendizagem

1) Discorra sobre as principais contribuições dadas pelo Referencial


Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) e pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI).

27
Referências

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2006.

BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. da G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil.


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_______. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


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CARTAXO, S. R. M. Educação Inclusiva: pressupostos da educação infantil. Curitiba:


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CERISARA, Ana Beatriz. A produção acadêmica na área da educação infantil com


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28
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2008.

SOUZA, G. de. Educar na infância: perspectivas histórico-sociais. São Paulo:


Contexto, 2010.

29
Currículo da professora autora

Grazielle Tavares

Mestre em Letras (UPF) e Graduada em Pedagogia (UFPR), possui três


pós-graduações na área educacional (Educação em Valores Humanos,
Arteterapia e Educação Especial e Inclusiva). Leciona há 13 anos no Ensino
Básico e há 7 anos no Ensino Superior em cursos de pós-graduação.
Atualmente, trabalha em uma clínica de atendimento a crianças com
necessidades educacionais especiais.

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