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ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL

Sumário
1- INTRODUÇÃO ......................................................................................... 4
2-A ÉTICA E A MORAL ............................................................................... 6
3-A HISTÓRIA ............................................................................................ 10
4 – CARACTERÍSTICAS DA ÉTICA PROFISSIONAL HOJE .................... 18
5 - COMO OS CÓDIGOS DE ÉTICA PROFISSIONAL DEVERIAM SER .. 22
6 – CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DE UMA CONDUTA ÉTICA . 25
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 27

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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um


grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade
oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos
que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino,
de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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1- INTRODUÇÃO

Etimologicamente, a palavra “ética” vem do grego Ethos que significa morada


coletiva e vida coletiva. Daí o conceito ser usado para ações que promovam o bem
comum ou a justiça no meio social. Devido ao fato de que os gregos a utilizavam no
sentido de hábitos e costumes que privilegiassem a boa vida e o bem viver entre os
cidadãos, com o tempo tal palavra passou a significar modo de ser ou caráter.
Enfim, um modelo de vida que deveria ser adquirido ou conquistado pelo homem
por meio da disciplina rígida que lhe formaria o caráter e que seria transmitida aos
jovens pelos adultos. Na Grécia, o homem aparece no centro da política, da ciência,
da arte e da moral, uma vez que para sua cultura até os deuses eram humanos com
seus defeitos e qualidades. O primeiro filósofo que escreveu sobre ética foi
Aristóteles. Com esse título, Aristóteles escreveu duas obras: ética a Nicômaco (seu
filho) e ética a Eudemo (seu aluno).

Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidade da vida


presente e de soberano bem. Nos textos antigos, ética quase sempre parece estar
relacionada com desejo inato ao homem de busca da realização do supremo bem. A
filosofia grega preocupa-se com a reflexão sobre ética desde os primórdios. Isso

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porque ética, ou a sede de justiça, é uma das três dimensões da filosofia. As outras
duas seriam a teoria e a sabedoria. Em Roma, ética passa a ser denominada

“mores”; que significa “moral”. No direito romano a palavra ética refere-se a normas
de conduta ou princípios que regem a sociedade ou um determinado grupo e em
uma determinada época. Numa palavra: lei.

A ética é histórica, o que se deve ao fato de estar solidificada em noções de valor,


que mudam à medida que se descobrem novas verdades. O agir ético não será
apenas uma simples reprodução de ações das gerações anteriores, mas uma
atividade reflexiva que oriente a ação a seguir num determinado momento de nossa
vida pessoal. Quando surgem questionamentos sobre a validade de determinados
valores ou costumes, e a realidade exige novos valores que possam orientar a ética,
surge a necessidade de uma teoria que justifique esse novo agir, uma vez que é
impossível a ação ética sem que o agente compreenda a racionalidade dessa ação.
Aqui aparecem os filósofos que produzem uma reflexão teórica que oriente a prática
ou a crítica do viver ético.

Assim, não é possível o agir ético sem uma reflexão entre o que eu devo fazer e o
que eu gostaria de fazer em um determinado momento. A ação ética sempre deve
buscar o bem comum e consiste na recusa de todas as ações que propiciem o mal.
O agir ético vai além de um conjunto de preceitos relacionados a cultura, crenças,
ideologias e tradições de uma sociedade, comunidade ou grupo de pessoas. Muitas
vezes nossa ação vai ao sentido oposto a essas crenças, pois sendo a noção de
dever seu principal valor estrutural, em algumas ocasiões, o nosso dever é
justamente indignar-se com tais crenças. Uma vez que guiada pela razão e não
pelas crenças, a ética, via de regra, está fundamentada nas ideias de bem e virtude,
que nossa civilização considera como valores que devem ser perseguidos por todo
ser humano para a promoção da vida, da maneira e onde quer que ela se manifeste.

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2-A ÉTICA E A MORAL

Frequentemente se confunde ética com moral e isso tem uma razão de ser. É que a
palavra “moral” vem do latim mos (singular) e mores (plural), que significa

“costumes”. E a palavra “ética” vem do grego e possui o mesmo significado, ou seja,


“costumes”. Por isso, muitos utilizam a expressão “bons costumes” como sinônimo
de moral ou moralidade. Ética e moral são sinônimos perfeitos, só modificados
semanticamente devido às diferentes línguas de origem das duas palavras. Até o
século XVIII, já que a língua oficial do saber acadêmico era o latim, a palavra usada
é moral.

Alguns filósofos modernos passam a usar as duas palavras com sentido diferentes.
Kant, por exemplo, define como moral o conjunto de princípios gerais (valores
civilizatórios) e ética sua aplicação concreta. Portanto, ética é sempre um agir ético.
Outros filósofos concordarão em designar por moral a teoria dos deveres para com
os outros, e por ética a doutrina de salvação e sabedoria desvinculada de crenças

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religiosas. Hoje nós temos duas palavras usadas por muitos autores com o mesmo
significado: “ética” e “moral”.

Devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma importância medular para quem
se interessa pela reflexão sobre ética no mundo capitalista, preferimos compreender
que ética se diferencia de moral. Moral está mais relacionada a crenças
estruturadas em valores acumulados desde a mais tenra infância e transmitidos
pelos grupos sociais de interação afetiva, tais como a família e a Igreja. Moral está
diretamente relacionada à consciência de que é o lócus privilegiado dos valores,
enquanto que a ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além
disso, desde o início os pensadores liberais preferiram a palavra “ética” para
expressar normas de conduta de grupos organizados, como, por exemplo, as
categorias profissionais e seus códigos de ética.

Compreendemos que a moral está muito ligada à cultura e à religião.

Assim, em uma cidade como São Paulo, em que convivem muitas culturas, podem
também coexistir diversos tipos de moral. Esses diversos grupos de moral
específicos sempre se reportam aos valores éticos fundamentais que, na verdade,
são os traços comuns da civilização. Portanto, ética é um conjunto de valores
morais que permitem a permanência da civilização. Sem esses valores a civilização
como conhecemos desapareceria. Seus fundamentos foram construídos durante
todo o processo civilizador, e são iguais para todos os cidadãos do mundo ocidental,
independentemente de cultura ou religião. Ela carrega fundamentos que tiveram
origem no pensamento cristão na medida em que esses fundamentos contribuíram
para a formação do pensamento ocidental. Contudo, não é a transposição pura e
simples dos valores da religião para o campo civilizatório.

Hoje a imprensa costuma usar a palavra “ética” com muita frequência, às vezes até
de forma abusiva. Essa insistência com que se fala de ética hoje se deve ao fato de
o capitalismo ter-se mundializado pois sem os valores éticos é impossível a
reprodução da sociedade capitalista. Isso porque o capitalismo é irmão gêmeo da

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democracia, uma vez que ambos nascem do pensamento liberal e um não vive sem
o outro. Como os pilares basilares da democracia são a liberdade pessoal, a busca
da felicidade e o individualismo, não há espaço para a vigilância constante das
ações individuais numa sociedade de direitos plenos. Tal sociedade é a única
possível para o bem-estar do Capital.

Para a mentalidade moderna, ética não pode ser entendida como algo que resulta
de um poder punitivo explícito, como é o caso da Moral. A punição que a
transgressão do agir ético traz é de consciência individual, portanto, absolutamente
individual, e essa consciência é formada no processo educativo. Se nossa
consciência não considerar a apropriação da propriedade alheia, por exemplo, como
um mal e sim como uma esperteza, isto é, um bem; não haverá como impedir que
façamos uso indevido do que não é nosso.

Assim, a sociedade capitalista e democrática aceita a existência de diferentes


formas de conduta moral no aspecto privado, desde que a conduta pública esteja
em conformidade com as virtudes que a estruturam, ou seja, dentro da ética.
Entende que a sociedade tem um conjunto de regras, normas e valores, que não se
identifica com os princípios e normas de nenhuma moral em particular, mas com os
valores formadores do núcleo da civilização, sem os quais a civilização entra na
barbárie, a luta de todos contra todos em que os direitos, inclusive à propriedade e
ao lucro são destruídos, pois não há como obrigar as pessoas a cumprirem seus
deveres. A ética é, nesse sentido, a própria defesa da civilização.

Sendo cultural, a moral é o conjunto de regras que se impõem às pessoas pelo


grupo ao qual pertencem, numa ação coletiva que tende a agir de determinada
maneira, sendo a consolidação de práticas e costumes observados no geral pelo
receio de uma reprovação social (a pressão é externa). Partindo desse pressuposto,
todo ser humano é moral ao cumprir normas de conduta oriundas de um conjunto de
crenças inquestionáveis dentro de sua cultura. No entanto, ética envolve reflexão,
por isso não significa apenas um conjunto de normas, mas vai além. Ela é um
conjunto de juízos valorativos (racionais) construídos pela civilização, assumidos e

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manifestados na ação individual de cada um (a pressão é interna). Está estruturada
em valores de conduta. É sempre civilizatória.
Como ao tratar de ética sempre nos referimos ao conceito de valor, é importante um
olhar, ainda que breve, sobre esse conceito. Ele aparece pela primeira vez no
sentido que hoje damos nos primeiros trabalhos sobre economia. A ciência
econômica moderna difere das demais ciências sociais pela capacidade de
quantificar, senão a atividade econômica, pelo menos seus frutos, ou seja, o produto
social. Está estruturada em leis universais tais como: lei da oferta e da procura, a lei
do valor da moeda, entre outras. O que torna possível de medição e avaliação das
relações econômicas, como acontecem e em que medidas acontecem, é o conceito
de valor, cuja ideia essencial foi, segundo Weber, retirada da ética protestante
cristã.

A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é incorporado à


mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência Econômica: Adam Smith e
David Ricardo. Tal conceito foi transportado puramente da filosofia moral para o
âmbito econômico. A axiologia ou “teoria do valor” tem suas raízes no solo
econômico e somente nos sécs. XIX e XX vai expandir-se como expressão infinita
daquilo que “deve ser”, abrangendo todas as criações do espírito humano.

É o conceito de valor que permite atualização de uma unidade de medição essencial


para praticamente todos os fenômenos do mundo econômico. Há duas maneiras de
definir valor, uma delas retira o valor da relação do ser humano com a natureza e
parte do pressuposto de que as pessoas têm uma série de necessidades materiais
básicas e procura satisfação dessas necessidades na produção de produtos que
possam satisfazê-las. Essa é a atividade econômica básica à natureza humana. Ao
transformar um objeto qualquer da natureza em algo que possa melhorar de algum
modo sua vida, o ser humano incorpora nessa transformação o valor
essencialmente humano: o valor trabalho e, dialeticamente, transforma o objeto em
valor-utilidade, também chamado de valor de uso. Essa é a teoria do valor do
trabalho.

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A outra maneira de compreender valor é como os pensadores que buscam refletir
sobre a ética entendem o conceito. Para eles, valor é sempre coletivo, uma vez que
valores são construções mentais elaboradas pela visão de mundo de nossa cultura,
podem ser ensinados e formam nossos juízos de bem, mal, justo, injusto, belo e
feio.

3-A HISTÓRIA

Para muitos autores a experiência ética fundamental ocorre quando sentimos que o
agir das pessoas está desconectado dos valores caros à civilização. É a experiência
de „estranhamento‟ frente à realidade, de sentir-se estranho (fora da normalidade)
diante do modo como funciona a sociedade, ou até mesmo em relação ao modo de
ser e agir de outrem. Cada vez que a sede de justiça, o que deveria ser ou o que se
deveria fazer para buscar o funcionamento justo da sociedade, se estabelece, há
um avanço da ética.

A história da ética, portanto, se confunde com o próprio processo civilizatório. É a


própria história das ideias morais da humanidade, desde os tempos pré-históricos
até nossos dias, isto é, a história da reflexão humana de como instituir normas que
regulem a conduta social, na busca da felicidade individual e ao mesmo tempo o
bem comum, e, portanto, instaurem a diminuição da violência. Os filósofos faziam a
crítica da realidade social de sua época e a partir dessa crítica ofereciam saídas de
como teria de ser a conduta das pessoas para evitar os infortúnios que levariam ao
desaparecimento do ethos comum.

A sociedade, então, considerando aquelas ideias úteis, passou a educar as novas


gerações para aqueles valores. Muitas vezes, por ser um novo dever, o Estado
transformava tais normas em leis até que tais condutas fossem incorporadas às
consciências individuais e, assim, lentamente, foram estruturados os valores que
hoje consideramos essenciais. Nesse sentido, a ética não é imutável, mas, ao

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contrário, a humanidade vai abandonando valores e adquirindo outros que antes
não pensava serem essenciais.

Antes de Sócrates não houve, ao menos que se saiba, uma reflexão metódica sobre
a ética e o “homem moral”, por isso é que se diz que ele é o “pai da ética”.
Entretanto, é preciso ponderar que desde períodos mais antigos havia uma
identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente
grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser
concebida. Só a dissociação entre bem comum e bem individual (o público e o
privado), que começa a ocorrer durante o período da decadência grega, é que
justifica a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade.

Nossa visão de ética, hoje, deve muito, também, a Platão. Na verdade, como
Sócrates nada escreveu, é em seus textos que aparece pela primeira vez o conceito
de ética. Platão constrói idealmente a “Cidade Perfeita”; nela tudo e todos são
guiados por uma ética muito semelhante ao ideal de perfeição social de hoje.

A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia política, porque,
para ele, a polis (cidade-estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim,
buscou um Estado ideal, um estado-modelo, utópico, cujo modelo seria o corpo do
ser humano. Daí vem o costume de dizermos até hoje o “corpo social”, como
sinônimo de sociedade. Assim como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre,
também o Estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e
trabalhadores. O bom Estado é sempre dirigido pela razão em busca da prática da
justiça, que seria o equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos na
construção de uma polis virtuosa. Portanto é necessária a prática das virtudes. As
virtudes são funções da alma humana, determinadas pela sua natureza e pela
divisão de suas partes. Tais virtudes seriam todas aquelas que produzem a beleza,
o bem e a verdade absoluta. Para tal prática seria necessário, à vontade, o ânimo, o
que para Platão significava o domínio das paixões pela razão.

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Pela razão, faculdade superior característica do homem, a alma elevar-se-ia,
mediante a contemplação, ao mundo das ideias. O fim último da razão seria
purificar-se ou libertar-se da matéria para contemplar o que realmente é, acima de
tudo, a ideia do bem. Para alcançar a purificação seria necessário praticar as várias
virtudes que cada alma possui. Platão julgava que as partes da alma possuíam um
ideal ou uma virtude que deveriam ser desenvolvidos para seu funcionamento
perfeito. A razão deveria aspirar à sabedoria, a vontade deveria aspirar à coragem e
os desejos deveriam ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das
partes da alma, com suas respectivas virtudes, estaria relacionada com uma parte
do corpo. A razão manifestara-se na cabeça, a vontade, no peito, e o desejo, no
baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem pudessem agir como um
todo é que teríamos o indivíduo harmônico. A harmonia entre essas virtudes
constituiria uma quarta virtude, a justiça.

Devido ao fato de ter sua teoria adotada como parcialmente verdadeira pela Igreja
Católica, a ética de Aristóteles finca vínculos indeléveis em nossa compreensão de
ética. Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, coragem, fortaleza e
sinceridade, a felicidade pessoal e o bem comum), tidas como propensas tanto a
provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age, quanto
simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. Portanto, a felicidade pessoal
só é possível onde o bem comum também o é. A ética aristotélica compreende a
humanidade como parte da ordem natural do mundo, por isso é denominada: ética
naturalista.

Segundo Aristóteles, toda atividade humana, em qualquer campo, tende à busca do


bem supremo ou sumo bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão,
função própria do homem. Assim, o homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e
escolher o que é mais adequado para si e para os outros, movido por uma
sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a escassez.

Na antiguidade o conceito de sábio era entendido como um homem virtuoso ou que


busca uma vida virtuosa, e que assim consegue estabelecer, em sua vida, a ordem,

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a harmonia e o equilíbrio que todos desejam. Essa harmonia é conseguida se
vivermos de acordo com a natureza, o cosmos para os gregos, e o justo é viver de
acordo com o seu lugar na natureza, uma vez que compreendiam que o cosmos,
por si só, é sempre justo e bom. Uma das finalidades da vida humana seria
encontrar seu lugar no seio dessa ordem cósmica, tal viver seria a vida ética. Assim,
a prática da justiça, a virtude geral, de onde se originam todas as demais, nos
tornaria semelhantes ao divino, àquilo que transcende o próprio homem, ao imortal
e sábio que está no próprio homem.

Os principais filósofos organizadores da ética cristã são: Santo Agostinho em A


cidade de Deus e Confissões, e São Tomás de Aquino em Suma teológica. Durante
a Idade Média, o cristianismo se estabelece como teoria no campo filosófico; a
representação ocidental do “divino” não é mais a natureza e passa a encarnar uma
pessoa: Jesus Cristo. Essa nova visão dos logos provoca mudanças profundas na
compreensão do que é o bem e, portanto, da ética. O cristianismo traz uma
concepção revolucionária que cristaliza até nossos dias: a nova concepção de amor.

A moral passa a ser entendida como a busca da perfeição “à imitação de Cristo”


como característica de cada ser humano Essa nova concepção da pessoa humana,
do indivíduo, é o próprio cerne do processo civilizador ocidental, resultando em
todos os direitos da pessoa humana; contudo, é na compreensão do que é a
liberdade que o cristianismo vai promover uma revolução, se comparada ao
conceito da Antiguidade Clássica.

Enquanto que para os antigos a liberdade só se realizava no campo político e era


entendida como sinônimo de cidadania, no cristianismo ela é deslocada para o
interior de cada ser humano. A ética cristã articula liberdade e vontade; apresenta
essa última como essencialmente dividida entre o bem e o mal. Foi o cristianismo
que subordinou o ideal de virtude à ideia de dever e de obrigação. Fez da humildade
uma virtude essencial, o que era desconhecido pelos antigos. Mais do que isso, o
cristianismo também exigiu a submissão da vontade humana à vontade divina,
tornando problemática e quase impossível a finalidade ética dos antigos, isto é, a

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autonomia, a capacidade de escolha por si só dos valores que norteiam as ações
humanas. Se para os gregos antigos a virtude era um talento natural, para o
cristianismo o que é moral ou não é o uso que se faz desses dons naturais; essa
liberdade de escolha vai ser chamada pelos filósofos de “livre-arbítrio”. Aparece aqui
a ideia do “mérito”, tão cara ao capitalismo. Não importa mais os talentos que
recebemos da natureza, mas o que faremos com esses talentos; por meio deles
podemos sair do estado de desigualdade natural para entrar na igualdade por nós
construída. Portanto, a liberdade torna-se fundamento da moral.

Uma vez que todos são livres e iguais porque filhos do mesmo Deus e com direito à
salvação vinda de Cristo, logo, toda a humanidade é composta por irmãos, fraternos
entre si. Essa nova noção de fraternidade era desconhecida pelos antigos. No
cristianismo a noção de responsabilidade individual é ao mesmo tempo universal e
faz surgir uma virtude também desconhecida pelos antigos que é a caridade, ou
seja, a responsabilidade pela salvação do outro, material e espiritual, seja o outro
quem for. O amor passa de uma noção pessoal e carnal, o amor paixão, para um
amor de compaixão, o amor ao próximo, sendo o próximo o outro em geral, já que
todos são irmãos. A compaixão, a benevolência, a solicitude, para com os outros,
até mesmo com outras formas de vida, passam a ser regras de comportamento
ético.

Ser virtuoso, portanto ético, passa a ser agir em conformidade com a vontade de
Deus, e esse agir é um dever, e, como Deus se manifesta na pessoa humana, a
responsabilidade com o outro passa a ser um valor ético. Portanto, a autonomia tão
cara aos gregos antigos dá lugar ao conceito de dever, como limite da liberdade.

A modernidade inicia quando começa a desaparecer a ideia de ordem universal de


hierarquia natural dos seres, cedendo para as ideias de universo infinito, desprovido
de centro e de periferia, e de indivíduo livre, átomo no interior da natureza, para o
qual já não possui a definição prévia de lugar próprio e, portanto, de suas virtudes
próprias. A ordem do mundo não é mais dada de fora do mundo, quer seja pelo
cosmos, como queriam os gregos, quer seja por Deus, como pensavam os cristãos

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na Idade Média. Assim, a modernidade afasta a ideia medieval de um universo
regido por forças espirituais secretas que precisam ser decifradas para que com
elas entremos em comunhão. O mundo desencanta-se como escreveu Weber e
passa a ser governado por leis naturais racionais e impessoais que podem ser
conhecidas por nossa razão e que permitirão aos homens o domínio técnico sobre a
natureza.

No livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber relaciona o papel do


protestantismo cristão à formação do comportamento típico do capitalismo moderno.
Weber descobre que os valores do protestantismo, tais como a disciplina ascética, a
poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a valorização do trabalho como
instrumento de salvação da ética protestante promovem o surgimento do
capitalismo. Para Weber, tais valores são incorporados na ética ocidental como
estrutura da confiança, valor essencial à manutenção da sociedade do contrato, que
é a sociedade burguesa.

Durante o período compreendido entre os séculos XVII e XX, pouco a pouco, a ética
deixa de estar em conformidade com a Natureza ou com Deus para centrar sua
reflexão na condição humana. No século XVIII, Rousseau faz uma crítica ao
pensamento de Aristóteles, segundo o qual o homem se diferenciaria dos animais
por ser racional. Para Rousseau o que diferencia o ser humano dos animais é sua
capacidade de decisão por si só: a liberdade e a capacidade de aperfeiçoar-se ao
longo da História. Como consequências dessa nova definição de humanidade: a
historicidade, a igual dignidade entre os seres humanos. Por ser livre e por não ter
nada a dirigir suas ações é que o ser humano é moral. É seu espírito crítico que vai
dotar o homem de valores morais, pois o ser humano sempre busca o bem e nasce
intrinsecamente bom.

O maior representante da ética nos últimos séculos foi sem dúvida Immanuel Kant
(1724 – 1804), talvez o mais importante filósofo da modernidade, sobretudo para
quem se interesse pelo estudo da ética e mais ainda pela ética profissional. Seu
pensamento talvez seja aquele que mais contribuiu para a forma de pensar ética tal

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como pensamos hoje. O homem é livre, diz Kant, porque não está sujeito às leis
físicas da natureza. Sua virtude reside na ação ao mesmo tempo voltada para
interesses individuais e universais. Esses são os princípios basilares da ética
kantiana: o desinteresse e a universalidade. A ação moral é a única ação
verdadeiramente humana, e a liberdade consiste na faculdade de transcender as
tendências naturais. Uma vez que as tendências naturais nos levam sempre ao
egoísmo é preciso resistir a essas tendências. Tal resistência é denominada por ele
de “boa vontade”, ponto que ele vê como princípio de toda a moralidade verdadeira.

Para Kant, na natureza há leis, na ética, deveres; e a existência do dever me diz


que sou naturalmente livre. Do “dever”, porque, pelo fato de ser livre e ter boa
vontade e preocupação com o interesse geral, há algo em nós que ordena uma
resistência e até mesmo um combate contra a naturalidade ou animalidade que
exista em nós. E Kant dá um exemplo: se um tirano obriga alguém a testemunhar de
modo falso contra um inocente, ele pode ceder e dizer o que é falso; mas depois
teria remorso, pois algo em nós nos orienta para o bem que é a voz da razão. Isto
demonstra que a testemunha sabia que podia dizer a verdade: sabia, devia, podia.
E sabia por que seria irracional, uma vez que num mundo em que todos dissessem
o que é falso, seria impossível viver, sendo, portanto, para nossa razão, obrigatório
dizer a verdade. Essa é a prova da universalidade e necessidade da norma ética.
Essa voz da razão, que aparece sob a forma de ordens indiscutíveis, é chamada por
Kant de imperativo categórico: imperativo, porque não se pode subtrair a ele, não é
um conselho; e categórico, porque não admite o contrário daquilo que está
mandando. Com a concepção de perfectibilidade, a ética kantiana vai propor que a
liberdade humana consiste justamente na nossa capacidade de ir além das
determinações naturais, de satisfazer nossos interesses particulares, para agir de
acordo com os interesses gerais, isto é, universais. Por isso, a ética moderna vai
repousar na ideia do mérito, ou seja, todos nós temos dificuldades em realizar nosso
dever, em seguir os mandamentos da moral, apesar de todos nós o considerarmos
legítimos. Daí nosso mérito em agir em conformidade com o bem comum e não em
conformidade com nossos desejos e paixões. A modernidade vai valorizar toda a

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ação de dever, é a ética moderna fundamentalmente meritocrática de inspiração
democrática.

A partir de Kant, passa a vigorar, no campo de estudo da ética, o que se


convencionou chamar de humanismo moderno. Não só no plano da moral, mas no
político e no jurídico, o fundamento está unicamente na vontade dos homens, desde
que se aceite como restrição a vontade dos outros. A liberdade de cada um termina
onde começa a liberdade dos outros. É apenas essa limitação pacífica que pode
permitir uma vida social harmônica e feliz. E essa harmonia é uma construção
humana e não mais um fato pronto pela natureza ou dada por Deus, ou seja, os
homens vivendo em liberdade, mas com a vontade dirigida pelo dever
(responsabilidade), na construção de uma sociedade com valores comuns que Kant
chama de “reino dos fins”. Como seres dotados de dignidade absoluta, os homens
não poderiam ser tratados como meios usados para objetivos pretensamente
superiores, ou seja, o fim absoluto digno de respeito absoluto: o centro do universo
é a humanidade.

Kant elaborou um imperativo categórico da razão do agir ético: “age tendo a


humanidade como fim e jamais como meio” (não tratar os sujeitos como coisas) e
“age como se a máxima de tua ação pudesse ser realizada por todos os homens e
para qualquer homem” (a universalidade da razão garante a universalidade do
sentido da ação). Isso significa que a pessoa deve agir espontaneamente, por sua
vontade e não sob coação ou por vontade alheia, só sob essa forma o
comportamento será eticamente valioso. Tal comportamento terá valor universal. O
que o imperativo categórico pede é que a máxima (princípio subjetivo) seja de tal
natureza que possa ser elevada à categoria de lei de universal, construindo assim o
conceito de igualdade como princípio ético.

Kant propõe um valor absoluto para servir como fundamento objetivo dos
imperativos. E esse valor absoluto é a pessoa humana. O objeto de nossos desejos
tem valor relativo, é apenas um meio de alcançar nossos objetivos, pois só o
homem tem valor absoluto. Sob dois prismas as pessoas diferem dos demais seres.

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Primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e objetivos, as outras coisas têm
valor para elas em relação aos seus projetos, as meras coisas, e isto inclui os
animais, que não são humanos, considerados por Kant incapazes de desejos e
objetivos conscientes. Segundo, e ainda mais importante, os seres humanos têm
um valor intrínseco, isto é, dignidade, porque são agentes racionais, ou seja,
agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer
os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão. Uma vez que a lei
moral é a lei da razão, os seres racionais são as encarnações da lei moral em si. E
a única forma de bondade moral poder existir são as criaturas racionais
apreenderem o que devem fazer e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo.

Kant deixou para o Ocidente a ideia de que o ser humano é a única coisa com valor
moral; assim, se não existissem seres racionais a dimensão moral do mundo
simplesmente desapareceria. Tal reflexão foi essencial para que a humanidade
deixasse de considerar seres humanos como coisa e abandonasse a ideia da
escravidão de outros seres humanos como direito de propriedade, além de
estruturar teoricamente a luta por direitos iguais, independentemente de diferenças
físicas, psicológicas, culturais e étnicas. E como são os seres cujas ações são
sempre conscientes? Kant conclui que o seu valor tem de ser absoluto, e não
comparável com o valor de qualquer outra coisa. Se o seu valor está acima de
qualquer preço, segue-se que os seres racionais têm de ser tratados sempre como
um fim e nunca como um meio para atingir um determinado fim. Lança, aqui, numa
construção racional, a ideia cristã da igualdade entre os homens e que será o
núcleo do Estado democrático.

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O Estado democrático é o conjunto de iguais dentro de um determinado espaço
geográfico. Isto significa que temos o dever estrito de buscar a prática do bem, não
só para nós mesmos como para as outras pessoas. Temos de lutar para promover o
seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar fazer lhes mal, e, em
geral, empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos fins dos
outros.

Somente se reveste de valor ético a conduta autônoma, fruto da vontade do agente.


A conduta heterônoma é aquela que nos faz agir pela vontade alheia, é desprovida
de valor moral. “A dignidade humana exige que o indivíduo não obedeça mais
normas do que as que ele mesmo se impôs, usando de seu livre-arbítrio”. Os
valores kantianos de liberdade, de responsabilidade, de autonomia e de culto ao
dever foram incorporados na ética ocidental como valores essenciais à civilização.

Na modernidade conservou-se do cristianismo a ideia de que é virtude a obediência


à razão contra o império caótico das paixões; que a virtude é dever e obrigação em
face de normas e valores universais; e que a liberdade é o poder humano para
enfrentar com suas próprias forças as contingências e a adversidade; que a
responsabilidade é marca da honradez virtuosa, pois não há liberdade sem
responsabilidade. Mas todos esses termos perderam a universalidade pretendida,
pois, lhes falta o centro ordenador: o cosmos antigo ou a providência medieval.
Somente com a ideia de civilização será possível definir um novo centro que
permitiria o surgimento de uma razão prática com pretensões ao universal no campo
ético. Ou seja, há que se viver de acordo com um conjunto de valores expressos por
deveres ou imperativos que nos pedem respeito pelo outro, sem o qual uma vida
pacífica é impossível.

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4 – CARACTERÍSTICAS DA ÉTICA PROFISSIONAL HOJE

O termo deontológico, usado como sinônimo de ética profissional, surgiu para definir
um tipo de conhecimento que pretendia orientar os indivíduos a irem ao encontro do
prazer, evitando o desprazer e a dor. Jeremy Bentham, adjudicava a ele a tarefa de
ensinar aos homens administrarem suas emoções, usando-as em benefício próprio.

Assim, ele a definia como a ciência dos deveres.

Etmologicamente, o termo vem do grego "déon" que quer dizer o obrigatório, o justo,
o adequado – ou de "déontos", também do grego, que significa necessidade.
Percebemos que em ambas as definições, fica evidenciado o caráter finalista da
deontologia, ou seja o pressuposto de que é preciso seguir normas para se atingir
fins. A evolução desse entendimento levou a identificá-Ia, presentemente, como "o
tratado dos deveres" a ser seguidos em determinadas relações sociais,
principalmente nas de caráter profissional.

A necessidade de se erigir normas que orientem as relações humanas remonta á


origem da vida comunitária. Desde que os homens passaram a viver em
comunidades perceberam que assim como os animais irracionais, eles possuíam
impulsos e paixões nem sempre utilizados em seu proveito ou em proveito dos seus
semelhantes. A inteligência indicava-lhes que era preciso canalizar esses impulsos

individuais a fim de promover uma adaptação aos desejos sociais e criar condições
para unia vida societária Essa necessidade estende-se a qualquer agrupamento
social, como aqueles de caráter profissional, tão comuns nas sociedades modernas.

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A deontologia ou clica profissional, caracteriza-se como um conjunto de normas e
princípios que tem por fim orientar as relações dos profissionais com os seus pares,
destes com os seus clientes, com a sua equipe de trabalho, com as instituições a
que servem entre outros. Como a sua margem de aplicação é limitada ao círculo
profissional, faz com que essas normas sejam mais específicas e objetivas.

A praticidade que envolve os códigos de ética profissional não os exime de um


compromisso com os interesses da categoria e com o projeto global da sociedade,
fazendo com que os mesmos oscilem a depender das oscilações sociais e, deste
modo, eles seguem orientações teóricas também diferentes. Se a sociedade é
regida por unia orientação metafisica, os códigos de ética profissional tendem a
seguir princípios também metafísicos. Se por outro lado ela admite que o homem é
um microcosmos capaz de construir, transformar e criar, eles tendem a valorizar
esses aspectos, se a sociedade segue uma orientação individualista e egoísta, os
códigos colocarão em prática esses valores.

Decorrente dessa vinculação, verificamos que os códigos de ética profissional em


vigor nas sociedades modernas, como a nossa, tendem a seguir três orientações
básicas, todas elas a serviço da manutenção das desigualdades sociais, do culto ao
capital e da tranquilidade das consciências de quem as coloca em prática.

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A primeira delas, e a mais difundida, é identifica por alguns teóricos como mero
exercício tautológico no sentido de servir apenas para sacralizar a prática exercida.
As normas são orientadas por uma posição positivista onde o que vale são os fatos.
Assim, se no dia a dia o profissional usa o seu cliente como meio de ganhar dinheiro
e não como o fim último da sua ação, essa prática será vista como legítima e
assegurada oficialmente. Esse tipo de código visa tão somente apaziguar a
consciência dos profissionais e protegê-los fazendo com que os mesmos sintam-se
honestos, humanos e justos mesmo quando só prestem seus serviços a quem
possa pagá-los.

Outra tendência bastante comum é aquela que se diz disposta a enfrentar as


práticas estabelecidas e colocar-se diante delas com olhar crítico e questionador.
Alicerçando em um discurso lógico e referendado na literatura mais avançada, essa
tendência pretende ser séria e verdadeira, todavia, o que se constata é uma total
falta de objetividade e de clareza no texto da norma, a ponto de não viabilizar, na
prática, a sua execução, como exemplifica o professor A. A. Andery em relação a
um código de ética da área da saúde,
" ... devemos ater-nos á maior cientifieidade possível nas nossas atividades
profissionais; ao maior rigor técnico científico; devemos esforçarnos por
escolher as práticas mais honestas, as mais eficazes possíveis; as mais
respeitosas para com o ser humano. Devemos humanizarão máximo as
relações profissional-cliente ... "

O que podemos entender como maior rigor científico. Em que consiste humanizar as
relações profissionais? O que é possível exigir do profissional? Responder essas
questões é uma missão difícil, senão impossível. Na impossibilidade de saber o que
exigir, acaba-se exigindo o mínimo, questionando pouco e não proporcionando as
mudanças necessárias. Assim, resta-nos saberem que essa tendência difere da
anterior? Na nossa avaliação, apenas no aspecto de escamotear a verdade. Pois,
além de legitimar o comportamento habitual ela se apresenta como diferente, como
estando comprometida com os princípios de justiça e honestidade e isto serve para
desarticular os possíveis focos de inconformismo, de crítica e de confronto que
poderiam proporcionar o salto.

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A terceira tendência não chega, ainda, a ter grande repercussão e apresenta-se
como uma ensaiar raticente e desconfiado. A mesma consiste em uma tentativa real
de avaliação dos códigos elaborados e da prática cotidiana dos profissionais, tendo
em vista verificar os seus méritos e os seus defeitos a fim de sugerir as alterações
necessárias. Esse processo de análise parte do princípio que não existem verdades
absolutas, nem mesmo no campo da ciência, pois também ela é um fazer humano
comprometido ou, no mínimo, permeado pela subjetividade. Sua preocupação não é
fazer da norma um escudo para o profissional e sim um instrumento paro o exercício
correio da profissão e da descoberta da verdade. Com esse fim, busca entender o
exercício profissional nas suas relações sociais e econômicas, desvelar o seu
vínculo com o poder instituído, bem como entender até que ponto essa prática está
servindo para a manutenção das relações sociais de manipulação.

É fácil entender que essa terceira orientação deveria ser aquela seguida por todas
as éticas profissionais. Porém, longe de ser, ainda é atacada pelo poder constituído,
pelas lideranças conservadoras e pelos seus pares. Isto porque, ela acena com a
desarticulação da moral instituída e com o advento de uma moral instituinte,
elaborada a partir das relações sociais de trabalho e das condições histórico-sociais
e da consciência dos indivíduos. Tal passagem só é possível quando se admite
viver a contradição, quando se permite viver a crise, pois só assim será possível
realizar uma revisão nos valores tradicionais e, se preciso, construir novos valores.

Como a nossa prática consiste em seguir fórmulas prontas e códigos morais


cristalizados, podemos dizer que a maioria dos tratados de deveres seguidos pelas
categorias profissionais são apenas normas de administração do mercado de
trabalho e não possuem um caráter verdadeiramente ético, deontológico.

5 - COMO OS CÓDIGOS DE ÉTICA PROFISSIONAL DEVERIAM SER

Não propomos, aqui, dar nenhuma receita ou colocar princípios que devam ser
seguidos dogmaticamente: ao contrário, nossa intenção é continuar no caminho da
reflexão. Para tanto, levantaremos alguns pontos que julgamos servirá continuação

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desse caminhar. Neste sentido, alguns questionamentos básicos se impõem:
porque, apesar do imenso poder que o homem moderno conquistou, ele não se
apresenta como um ser feliz? O que explica a tendência, cada vez maior, dos
homens irem de encontro aos valores estabelecidos? Em que se balizam os valores
morais da modernidade?

A primeira pergunta julgamos ser possível responder, entre outros argumentos, pela
situação de transitoriedade em que o homem se instalou. Diria Karel Kosik:

"vive-se uma insaciabilidade absoluta que transforma os homens, as coisas,


os valores em simples objetos passageiros e estados provisórios, sem
significado próprio interior".

Esta situação não se caracteriza como ausência de valores e sim como o advento
de uma nova concepção, onde foram deixados de lado alguns "universais
concretos" do campo político e social e escolhidos outros. Esta substituição fez do
homem moderno um ser insatisfeito e em contínua busca, vivendo uma vida sem
sentido no plano do ser, pois elegeu o ter como a meta prioritária. Além disto, ele
vive uma inversão entre os meios e os fins e não consegue identificar a verdadeira
felicidade.

No que diz respeito á insatisfação coletiva com os valores estabelecidos, nota-se


uma recusa a aceitar as bases absolutistas, racionalistas e dogmáticas em que eles
se articulam, uma vez que elas produzem valores meramente moralistas, baseados
na obrigação e na obediência á lei. Valores que, em observância aos interesses
sócio-econômicos, reprimem, neurotizam e levam a condutas aberrantes e até
contraditórias.

Como registra Pierre Weil em nome da paz se faz a guerra, em nome da


desigualdade combatem os orgulhosos, em nome do amor, criticam os que se
mostram insensíveis.

A última questão que se coloca é: em que os valores da modernidade se balizam?


Diríamos que no interesse econômico e político, ou seja, em aspectos da realidade
deixando de lado a totalidade e o ser humano enquanto agente e fim da moralidade.

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Procedendo na prática a ideia de que os fins justificam os meios, ou que meios e
fins se adequam racionalmente. Estes são de fato dois grandes equívocos.
Moralmente falando, os fins não justificam os meios e estes últimos não podem
estar em desacordo com a meta prevista. Se partimos do princípio que a prática
moralmente correta é aquela que visa o bem para o maior número de indivíduos, os
carninhos a serem seguidos também devem ser bons e moralmente corretos.
Certamente este é um grande problema na sociedade moderna onde são
estimulados a competição, o individualismo e o egoísmo, a ponto de cada um visar
apenas a realização dos seus objetivos usando para isto qualquer método.

A infelicidade, a desarmonia, a inversão dos valores, entre outros, exigem uma


avaliação nas bases morais que orientam as condutas nas sociedades em geral, e
as profissionais, em específico. Os homens anseiam por uma certa estabilidade nos
valores e algo em que se possa confiar e nisto se frustram, pois perderam o
referencial de alguns elementos aglutinadores e escapatórios, como a fé. Como a
razão não tem dado conta dessa exigência, acabam caindo num niilismo, numa falta
de sentido que possa motivar a vida.
Desse modo, de nada adianta querer mudar esse quadro conservando as bases e
os caminhos que o criaram. É preciso romper com essa ética imposta pelos
interesses sócio-econômicos e usar as lições do passado apenas como meio de
entendê-la, para reescrevê-la a partir dos seres humanos e para os seres humanos,
mudando a nossa prática pedagógica baseada na manipulação e na repressão por
um exercício verdadeiramente educacional, voltado para a orientação das novas
gerações, sem anulá-las. Onde cada um possa fazer, com responsabilidades, a sua
escolha. Isto significa uma alteração de base no campo da moralidade, removendo o
seu centro da exterioridade das imposições sociais para a interioridade dos
indivíduos, de onde os valores devem emergir.

Essa reinvenção da ética pressupõe a possibilidade de se aceitar o diferente, ditado


pelas motivações subjetivas as quais devem ser respeitadas, enquanto expressões
de seres livres, dotadas da faculdade de escolher e de criar. O respeito aos valores
individuais não significa a instalação de um mundo onde tudo seja possível; ao
contrário, essa tolerância estaria alicerçada no reconhecimento dos contrários, sem
julgamentos e sem antagonismos. Assim, antes de levar ao conflito e à violência,

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admitir o pluralismo é condição de garantia de paz social. O que leva à força, à
pressão e à violência é o culto do único, é a imposição de uma determinada forma
de ser, de viver, de agir e de morrer.

Entende-se, este deve ser o paradigma também das relações de trabalho e da vida
profissional. Respeitando as individualidades, reconduzindo os homens a uma vida
mais humana, onde o culto ao lucro possa ser substituído pelo culto à vida,
contemplação, lazer, etc. e onde o progresso não seja identificado com acumulação
material e sim com uma melhor qualidade de vida individual e coletiva. Onde a
humanidade possa utilizar os avanços científicos e tecnológicos, tão ricos na
modernidade, para acabar com a fome, a ignorância e a desigualdade. Onde o
Estado possa servir, de fato, ao progresso humano, assegurando aos homens as
suas condições de existência.

Acredita-se que seguindo essa orientação os códigos de ética profissional


conseguirão dar o salto, passando de meras regras de orientação do mercado, para
uma prática reflexiva e crítica que lhes daria o status deontológico. Uma prática
onde os valores morais fossem endógenos, ou seja, tendo como fonte a
interioridade humana e não como algo imposto de fora para dentro; onde o exercício
profissional fosse comprometido com o homem, com o seu crescimento e a sua
realização. Para isto, os profissionais devem estar atentos aos progressos no campo
da ciência e da tecnologia que possam representar melhoria na qualidade dos
serviços prestados ao próximo, colocando a técnica como importante, porém
entendendo-a como auxiliar, como meio e não como fim. E preciso entender que
cada indivíduo é único cliente, colega, colaborador e tem o seu ritmo próprio, por
isso faz-se necessário cultivar a paciência, deixar que cada um caminhe, se
desenvolva e cresça no tempo que lhe for apropriado, sem a ânsia de fazê-los
queimar etapas a fim de adquirir resultados imediatos.

A verdadeira ética profissional deve, também, facilitar a substituição do egoísmo, do


individualismo e da competição entre os profissionais, por um comportamento amigo
e solidário. Solidariedade que não deve ser interpretada como conivência e
corporativismo e sim como o exercício da verdade que é a única forma de
crescimento individual e coletivo.

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Finalmente, se queremos ter uma sociedade mais justa, humana e menos
discriminatória, devemos ver os homens como seres vivos, capazes de pensar e de
criar valores e não como seres que devem ser modelados e manipulados. Partindo
deste princípio, os códigos de ética profissional devem assumir um compromisso de
vida e com a vida; enfrentando as práticas tradicionais e inadequadas e
colocandose abertos ao novo, à revisão constante, pois só assim eles se tornariam
verdadeiras práticas deontológicas e deixariam de ser subterfúgios para práticas
desonestas e comportamentos moralmente inadequados.

6 – CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DE UMA CONDUTA


ÉTICA

Alguns conceitos são fundamentais para construir o comportamento ético. Sendo


eles:
 Altruísmo: a preocupação com os interesses do outro de uma forma
espontânea e positivista.

 Moralidade: conjunto de valores que conduzem o comportamento, as


escolhas, decisões e ações.

 Virtude: essa característica pode ser definida como a “excelência humana”


ou aquilo que nos faz plenos e autênticos.

 Solidariedade: princípios que se aplicados às relações sociais e que


orientam a vivência e convívio em harmonia do indivíduo com os demais.

 Consciência: capacidade ou percepção em distinguir o que é certo ou errado


de acordo com as virtudes ou moralidade.

 Responsabilidade ética: consenso entre responsabilidade (assumir

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consequências dos atos praticados) pessoal e coletiva.

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