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NOTA INTRODUTÓRIA

Este material pretende analisar aspectos relacionados às origens e o


desenvolvimento do campo científico da sociologia da educação: como um
processo intelectual e como um fenômeno histórico-social. Nesta lógica de
pensamento, identificou-se as tendências teórico-metodológicas de prestígio
do campo da sociologia da educação e suas relações com o contexto político-
social, priorizando, nessa análise, os aspectos relacionados com as mudanças
na função social assumida pela escola ao longo do tempo.

Após as consultas realizadas em vários manuais, conclui-se que no interior do


campo científico da sociologia da educação convivem, na atualidade, teorias
voltadas para a ação quotidiana, em que predominam, por um lado, temas
relacionados à representação social, à acção do sujeito no quotidiano, e, por
outro, teorias voltadas para o sistema social mais amplo, em que predominam
as abordagens dos nexos entre a estrutura social e as interações que formam
os sujeitos individuais e colectivos e as desigualdades existentes no sistema
educacional.
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UNIDADE DIDÁCTICA: ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

1.1. Conceito

A sociologia da educação é uma disciplina que estuda os processos sociais


relacionados com o ensino e aprendizagem. A sociologia da educação analisa
os processos institucionais e organizacionais nos quais a sociedade se baseia
para prover a educação aos cidadãos.

1.2. Paradigmas da sociologia da educação

A Sociologia da Educação, divide-se em diversas correntes teóricas, que


abordam uma diversidade de temas que definem o seu campo de estudo.
Assim, destacam-se na actualidade cinco paradigmas da sociologia da
educação:

1.sociologia da educação crítica baseada sobretudo no modelo de análise


marxista (Karl Marx, Friedrich Engels, Louis Althusser e António Gramsci;

2-Sociologia da educação fortemente inspirada pelo modelo de análise


funcionalista, com base em metodologias de pesquisa empírica (Émile
Durkheim);

3-Perspectivas desociologia da educação que rejeitam, ao mesmo tempo a


sociologia da educação crítica e sociologia da educação funcionalista, que se
articulam em torno de modelos inspirados no interacionismo simbólico que
surgiu na escola de Chicago durante as décadas de 1920 e 1930. A
abordagem interacionista percebe a sociedade como o produto da interação
quotidiana dos indivíduos. Nesta lógica de pensamento o interacionismo
simbólico concebe a sociedade como uma realidade compartilhada que as
pessoas constroem conforme interagem umas com as outras. (Max Weber,
Herbert Blumer) na fenomenologia (AlfredSchutz)e na etnometodológica
(George Herbert Mead, ErvingGoffmane HaroldGarfinkel).
4-Sociologia da educação que prioriza as análises de caráter
macrosociológico, que estabelecem relações entre a economia capitalista e a
produção das desigualdades na escolarização (Bordieu);

5-Sociologia da educação de enfoques microsociológicos voltados para a


análise de processos sociais produzidos no nível de pequenas unidades
sociais, como por exemplo a sala de aula. Fundada por Georg Simmel (1858-
1918) tem com principal percursor o sociólogo alemão Max Weber (1864-
1920). Os seus principais representantes no século XX são George Herbert
Mead e ErvingGoffman (Etnometodologia), AlfredSchultz (fenomenologia) e
Herbert Blumer (interacionismo simbólico).

1.3. Origens da sociologia da educação

Os estudos sociológicos da educação se situam, originalmente, na primeira


metade do século XX. Neste período, predominava o chamado enfoque
moralista de orientação geral positivista. Apesar de contribuir grandemente
para a legitimação da sociologia da educação, como campo específico de
estudos, o enfoque moralista mesclava filosofia e ciência, confiante em que o
entendimento sociológico da educação influenciasse o progresso social.

Nos estudos sociológicos da educação deve-se destacar a importante


contribuição de Durkheim, na tentativa de consolidar esta área de
estudo.Apesar da existência de inúmeros estudos sobre educação, com
abordagens sociológicas vinculadas à contribuição de Durkheim, formulados
no início do século XX, podemos afirmar que foi a partir dos anos 1940, e
principalmente nos anos 1950 e 1960 do século passado, que a sociologia da
educação se constituiu como um campo de pesquisa específico, afirmando-se
como um dos principais ramos da sociologia, sobretudo nos países
industrialmente desenvolvidos.

1.4. Desenvolvimento da sociologia da educação

As razões que justificam o desenvolvimento da sociologia da educação são de


duas ordens. Em primeiro lugar, a ampliação do aparelho escolar e, em
particular, a universalização do ensino médio. Este processo colocou ao Estado
a necessidade de um maior conhecimento, sobre a população escolar e sobre
o funcionamento dos sistemas de ensino, que permitisse o seu planeamento e
controlo.

Em primeiro lugar, a demanda pela educação fez com que o Estado amplia-se
os financiamentos para a pesquisa educacional, principalmente em países
como a Inglaterra e os Estados Unidos, estimulando o desenvolvimento de
grandes levantamentos sobre os sistemas de ensino e produzindo as
condições essenciais para a institucionalização e consolidação da sociologia da
educação como campo de estudo específico. O crescimento do gasto público
na educação, justificou-se por se considerar como um instrumento
fundamental para o processo de modernização que ocorreu no período do
pós- II Guerra Mundial.

Em segundo lugar, associado a esse processo, surge um novo conjunto de


proposições com relação à função social da escola. O cerne desse novo ideal
estárelacionado com o problema das desigualdades sociais que marcou o pós-
guerra. Nesse momento, a educação surge como o cenário principal de um
intenso debate sobre as desigualdades educacionais e sociais e como uma das
condições principais para democratizar as oportunidades escolares. É nessa
direção que se desenvolve uma série de estudos, no âmbito da sociologia da
educação, buscando explicar as desigualdades entre os grupos sociais, face
aos sistemas de ensino.

Nesta ordem dos acontecimentos, podemos diferenciar, em função da


predominância dos enfoques, dois momentos bastante significativos da
produção no âmbito da sociologia da educação: Um primeiro momento, que vai
até a década de 1960, caracterizado por conceber a educação como factor de
democratização e de distribuição de renda. Destacam-se, nesse período, os
estudos de caráter funcionalista, principalmente nos Estados Unidos, com
ênfase nos trabalhos de Parsons (1951) e Davis e Moore (1945); e um segundo
momento, em que a educação passou a ser vista, predominantemente, como
um instrumento de manutenção do poder estabelecido e das desigualdades
sociais, uma vez que a educação não vinha satisfazendo as elevadas
expectativas em relação aos seus efeitos sociais de democratização e
modernização. Esta nova tendência surge especialmente em França, com a
eclosão dos conflitos sociais, principalmente nas décadas de 1960 e 1970.

No período dos pós II Guerra Mundial, nos países de capitalismo avançado,


surge um movimento acelerado de modernização vinculado ao
desenvolvimento tecnológico e produtivo acompanhado de um projecto de
renovação social. Neste projecto, o Estado aparece como instituição
fundamental para a sua consecução, constituindo o Estado do bem-estar social
(WelfareState). A educação constitui-se assim, como um dos espaços mais
importantes para a realização do bem-estar social. Nesta ordem dos
acontecimentos, a nível do discurso político, defende-se a democratização do
ensino e produziu acções concretas por parte dos Estados que
desencadearam um desenvolvimento acelerado do aparelho escolar em todas
as sociedades de capitalismo avançado.

As transformações eram justificadas com base no discurso da justiça social e


nos motivos económicos. Reconhecia-se, por um lado, o direito de todos a uma
formação segundo assuas aptidões e suas preferências e, por outro, a
necessidade de uma mão-de-obra qualificada como condição essencial para o
desenvolvimento económico. Essas ideias e princípios marcaram
profundamente o campo de estudo da sociologia e, principalmente, da
sociologia da educação.

Na conjuntura do pós-guerra a sociologia constrói parâmetros teóricos que


apresentam a sociedade capitalista como uma sociedade aberta e funcional a
caminho da modernidade. Nesse quadro, o funcionalismo constitui sua
referência teórico-metodológica principal.

Neste período, os estudos sociológicos, em sua maioria, tomam como


referência os trabalhos de Parsons, principalmente a partir de seu livro “A
Estrutura da Ação Social”, publicado em 1937. Parsons constrói o seu trabalho
a partir de um dilema crítico. A sociedade ocidental deposita uma grande fé na
capacidade de racionalidade do indivíduo, porém, o fenómeno da guerra e o
período entre as guerras jogaram por terra essa crença.

Em seu quadro teórico, Parsons define a educação a partir de dois aspectos


centrais: como espaço de socialização, com valores, normas e saberes que
asseguram a integração social, e como instância de selecção social que deve
contemplar, dentro da ordem e da harmonia, uma divisão do trabalho cada vez
mais complexa.

Além dos estudos de Parsons, nesse período, destacam-se, na mesma


direcção teórica, os trabalhos de Redfield (1947), Gouldner (1957), entre
outros. Apesar do predomínio de Parsons e da abordagem funcionalista na
sociologia e, principalmente, na sociologia da educação, há que destacar
outras importantes contribuições teóricas, numa óptica diferenciada da
funcionalista, mas que, no entanto, não foram incorporadas à sociologia da
educação nesse momento inicial da sua institucionalização como campo de
estudo. Entre estas contribuições destacam-se, em França, George Gurvitch,
com uma abordagem fenomenológica e Raymond Aron, com a sua análise a
partir da sociologia política weberiana.

Os críticos sociais do pré-guerra, como Theodor Adorno e Max Horkheimer,


continuaram sendo influentes na Alemanha, e C. Wright Mills, nos Estados
Unidos. Podemos afirmar que, nesse período, a opção teórica no âmbito da
sociologia da educação foia funcionalista, com suas variantes técnico-
funcionais e economicista da teoria do capital humano. A sua relação com a
Sociologia aparece no aspecto político e pragmático da área e se fortalece a
partir da função social da escola, que ganha importância com a possibilidade
de ampliação da ação estatal. Esta proposição se sustenta no facto de que, a
partir dos anos 1950, a educação passa a ser reconhecida como importante
instância de transformação e modernização social, e a questão escolar se torna
um objecto de análise importante, constituindo-se como campo especializado
da sociologia através da sociologia da educação. Embora no início do século,
uma abordagem sociológica da educação já contasse com algumas
contribuições importantes, com destaque para os trabalhos de Durkheim, a
sociologia da educação não tinha tido êxito em se instituir como disciplina. Foi
só a partir da década de 1950, que se institucionalizou definitivamente.

As análises de caráter sociológico sobre a problemática educacional, nesse


período, apesar de ter como paradigma dominante o enfoque funcionalista,
apresenta dentro deste enfoque duas variantes importantes: de um lado a
teoria técnico-funcional e de outro a teoria do capital humano.
O enfoque técnico-funcional valoriza a educação como um processo de
estratificação social e de modernização da sociedade. Neste caso, privilegiam-
se as exigências de uma sociedade tecnocrática e o papel da educação para
dar uma resposta às necessidades crescentes de formação técnica e científica
e às necessidades de mobilidade da mão-de-obra.

Podemos afirmar, em linhas gerais, que as proposições básicas dessa teoria


são as seguintes: 1) A mudança tecnológica exige progressivamente mais
habilidades para o trabalho. Isto significa que aumenta a proporção de
empregos que requerem mais alto nível de habilidade e que aumenta o nível de
exigência de habilidades pelos empregos em geral. 2) As crescentes
exigências de habilidades levam à maior demanda de educação por parte dos
empregadores. Isto significa escolarização mais longa e matrícula de maior
número de pessoas nas escolas. 3)As exigências mais elevadas de educação
levam à predominância da realização sobre a atribuição e à construção de
sociedades baseadas no mérito (Gomez, 1978).

A teoria do capital humano tem impacto ainda maior no âmbito da sociologia da


educação, uma vez que relaciona educação com investimento económico e
produtividade. A educação deixa de ser percebida como um bem de consumo
para ser vista como investimento, o que lhe dá grande legitimidade como
objecto de estudo, e consolida, em larga medida, o campo da sociologia da
educação. Nos anos pós-guerra, os sociólogos da educação recorrem
permanentemente a uma visão economicista da educação, o que lhes concede
uma dupla legitimidade, reconhecendo, por um lado, o papel impulsionador da
educação no processo de crescimento económico e, por outro, o de
instrumento de igualdade das oportunidades e de redistribuição de bens e
serviços. No início da década de 1960, a teoria do capital humano foi
desenvolvida e divulgada como demonstração do valor económico da
educação.

Em consequência, a educação passou a ser entendida como um aspecto


fundamental para o desenvolvimento da economia. Os principais temas de
pesquisa que se inserem no interior desta problemática são: a mobilidade
social; os mecanismos de seleção escolar que remetem à temática da
necessária democratização do ensino; análises dos processos diferenciais de
escolarização segundo as classes, os sexos ou as etnias. Essa problemática
mais crítica vai contribuir para pôr em evidência a persistência das
desigualdades escolares e para mostrar a necessidade de reformas dos
sistemas de ensino.

Estudos voltados para essas temáticas levaram à construção de trabalhos


críticos que contribuíram para evidenciar a persistência das desigualdades
escolares, apesar do discurso da igualdade das oportunidades.

Nesse primeiro momento do processo de institucionalização da Sociologia da


Educação como campo de estudo, esta constrói um discurso teórico que
apresenta e justifica a funcionalidade dos sistemas de ensino. Porém, o
discurso não é homogêneo, uma vez que as suas contribuições mais críticas
acabam revelando as desigualdades que continuam a se manifestar através
da escola.

Há que se destacar, ainda, que uma corrente especializada na pesquisa


educacional com base na abordagem sociológica era desenvolvida por
cientistas sociais com predomínio do empirismo metodológico, por se tratar de
investigações empíricas, geralmente de caráter quantitativo, o que, juntamente,
com o cuidado metodológico procurava atender às exigências de rigor científico
do modelo reconhecido naquele momento. Estratégia importante para a
consolidação do status epistemológico e para a legitimidade do campo
científico da nova disciplina.

A Sociologia da Educação encontra, assim, os caminhos para a construção de


seu espaço como campo científico a partir de duas direções principais:
internamente, através da busca do “rigor científico” de suas pesquisas e
construções teóricas e, externamente, a partir do reconhecimento e
legitimidade de seu objecto (a educação), que passa a ser priorizado em
função da sua significativa contribuição social.

As opções temáticas relaccionadas ao objecto de estudo específico geralmente


estavam voltadas para as desigualdades educacionais e para a problemática
da democratização do ensino. Buscava-se, dessa forma, definir as taxas de
escolarização, por categorias sócio-económicas, assim como as correlações
entre desempenho escolar e uma série de factores sociais tais como idade,
sexo, habitat, profissão e nível escolar dos pais, tamanho da família, etc. Esses
estudos se situam numa tradição de abordagem sociológica da educação num
nível macrosocial e buscam estabelecer as relações entre o sistema
educacional e as outras instituições sociais. A problemática das desigualdades
educacionais, segundo os grupos sociais, dominava a Sociologia da Educação
desse período. Temos aqui um exemplo importante de como fenómenos
sociais e políticos podem determinar os problemas de pesquisa. No campo de
estudo da Educação esse, processo não é difícil de ser percebido em
momentos históricos diferenciados. O período de prosperidade económica dos
anos 1950 a 1960, nas economias de capitalismo avançado, favoreceu o
avanço da sociologia em geral, e da sociologia da educação, em particular.
Esperavam-se, desse campo de estudo, respostas para as indagações que se
colocavam nas sociedades em processo de reconstrução, em plena mudança
social e em vias de modernização.

Na fase seguinte do pós-guerra, a visão das reformas, bem como da


capacidade renovadora da acção da escola, entra em crise e conduz a um
novo tipo de enfoque. No caso da sociologia da educação, esta será o palco de
um intenso e inovador debate, que mudará profundamente o seu perfil
conservador para um perfil construído com base numa teoria crítica da
educação. Um contexto de desencantamento se impõe a partir do final dos
anos 1960. As promessas de estabilidade, desenvolvimento económico e
distribuição da riqueza não se realizaram. Nesse momento, emergiram
movimentos sociais de protesto e surgiram novas teorias explicativas da
realidade e das relações entre escola e estrutura social.

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