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CURRÍCULO
Introdução
Para entender o currículo enquanto documento orientador, é preciso co-
nhecer as bases que dão suporte para a sua elaboração, reconhecendo,
primeiramente, que nenhum currículo consegue ser neutro, visto que variados
componentes teóricos, políticos, culturais e ideológicos sempre influen-
ciam sua construção. Também é preciso ter consciência de que o currículo
representa os desejos da formação de um ideal de cidadão e de sociedade,
adaptando-se e modificando-se de acordo com a transformação desse ideal.
Por todas essas razões, podemos dizer que o currículo é “vivo”, acom-
panhando e promovendo o desenvolvimento da sociedade na qual ele se
apresenta. Dialeticamente, o currículo influencia e é também influenciado
pelos desejos e necessidades da sociedade.
Neste capítulo, você vai identificar as principais concepções ideológi-
cas que amparam a construção de um currículo, diferenciando-o de uma
simples listagem de conteúdos disciplinares ou de objetivos educacionais
e conhecendo questões políticas e culturais que se relacionam com a sua
proposição. Por fim, vai ver o currículo sob a perspectiva de um produto
político e sua conexão com elementos como conhecimento, ensino e
poder no campo da educação.
2 O currículo e suas concepções ideológicas
Você deve ter em mente que essas teorias do currículo tratam de questões
sociais nas relações humanas. Portanto, ao estudar o currículo educacional
das sociedades ocidentais, não se esqueça das características sociopolíticas,
econômicas e culturais que as caracterizam, ou seja, são capitalistas, apre-
sentam grande desigualdade social e econômica, destacam a cultura clássica
como majoritária e oferecem oportunidades diferenciadas de acesso à educação
aos seus cidadãos — e são exatamente essas marcantes desigualdades criadas
pelo sistema capitalista que as teorias do currículo vão analisar.
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É importante que você perceba que, embora as teorias sobre o currículo tenham se-
guido um caminho cronológico em seu surgimento, com uma teoria aparecendo como
um julgamento sobre a proposta anterior, isso não significa que as mais novas tenham
eliminado as anteriores. Atualmente, as três principais concepções têm adeptos em
todo o mundo, com diferentes possibilidades de interpretação sobre cada uma delas.
Teoria tradicional
Esta teoria foi a primeira a dominar o Ocidente e parte de um currículo cien-
tífico, objetivo e hipoteticamente neutro. Seu conteúdo comporta a cultura
geral de maneira descontextualizada e mecânica, fragmentada em disciplinas
apartadas entre si. Sua organização é rígida e metódica, para formar os futuros
cidadãos como trabalhadores especializados e eficientes. Para isso, planeja e
elabora mecanismos de avaliação e mensuração precisos e comparativos. O
aprendizado é mensurado por meio de avaliações que exigem dos alunos a
capacidade de reprodução sobre o que lhes foi ensinado, e o professor é centro
da autoridade e do saber — o ato do ensino é a prioridade.
Essa teoria do currículo pretende ser neutra porque não questiona os pro-
blemas e as desigualdades que o sistema econômico capitalista promove na
sociedade. Como ponto positivo, fruto de seu contexto histórico, foi o movi-
mento responsável por promover a escola pública, universal, laica, gratuita e
obrigatória para todos (SAVIANI, 2011).
Alguns dos autores que se destacam nessa teoria são: John Dewey (1976), Franklin
Bobbit (2004) e Ralph Tyler (1983).
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Teoria crítica
Elabora várias críticas às teorias anteriores, mas não propõe ações que pro-
movam uma reorganização educacional para o sucesso escolar. Proclama que
o currículo não é neutro, já que toda teoria está baseada em relações de poder
econômico e cultural. Esse poder está inculcado na escolha dos temas, tempos
e lugares para a educação formal, que acabam reproduzindo as desigualdades
do sistema capitalista. A teoria crítica possui bases sociológicas, filosóficas e
antropológicas, com destaque para as ideias marxistas. A partir dessas ideias,
o currículo foi entendido como um espaço de poder, um meio pelo qual a
ideologia dominante é reproduzida ou refutada, promovendo a subserviência
ou a autonomia e liberdade dos cidadãos.
O currículo e suas concepções ideológicas 7
Alguns dos autores que se destacam nessa perspectiva são: Pierre Bourdieu (1998),
Louis Althusser (1987), Paulo Freire (2005), Michel Apple (2015), Dermeval Saviani (2008)
e José Carlos Libâneo (2013).
Ideias marxistas se referem às ideias formuladas e propagadas por Karl Marx (1818-1883),
alemão, filósofo, político, economista, sociólogo e jornalista, filho de judeus da classe
média que estudou profundamente a oposição entre as classes dentro do sistema
capitalista. Marx dedicou-se a tentar observar na história humana como ocorreram
as diferentes mudanças sociais nas sociedades europeias anteriores ao capitalismo.
Sua teoria tem como objeto de estudo a sociedade burguesa de sua época, mas do
ponto de vista do trabalho e dos trabalhadores.
Conheça um pouco de seu legado para a educação no artigo disponível no link
a seguir.
https://qrgo.page.link/tDXoL
Veja, a seguir, proposições nas quais a ideologia da teoria crítica está presente.
https://qrgo.page.link/1jNR1
Teoria pós-crítica
Para esta teoria, a subjetividade dos estudantes e dos professores é predo-
minante e, portanto, seu foco está nos sujeitos e nas diferenças. Para isso,
engloba estudos de diferentes áreas do saber, como os culturais, filosóficos,
antropologia, de gênero, entre outros, para explicar o que o sujeito é e poderá
ser. Nessa teoria, as ideias fixas e absolutas não têm espaço porque partem
do pressuposto de que as relações humanas as modificam a cada instante.
Por isso, não representa uma teoria concisa e unificada, mas um conjunto de
várias perspectivas sobre diversos campos do saber.
Essa teoria debate as relações de gênero, raça, etnia, orientação religiosa e
as desigualdades de classes sociais, apresentando um currículo multiculturalista
no qual se destaca a diversidade das formas culturais do mundo contemporâneo.
Segundo Silva (2017), o multiculturalismo não pode ser separado das relações
de poder, pois é uma reivindicação dos grupos culturais minoritários que são
obrigados as viver em um mesmo espaço e tempo com diferentes culturas, raças,
etnias e nacionalidades, representando um importante instrumento de luta
política (SILVA, 2017). O currículo deve promover nos alunos a compreensão
de que o significado das coisas está nas relações de poder que lhe conferem
valores positivos ou negativos, e não nas coisas em si.
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A cultura viking engloba em sua religião várias divindades, como Thor, Odin e Loki,
entre outros. Além disso, a mitologia desse povo também cita anões, duendes e elfos
e é alvo de curiosidade e homenagens na indústria cinematográfica. Entretanto, a
cultura africana, que também conta com diversas divindades, denominadas orixás,
normalmente tem um status menor, sendo alvo de intolerância e até mesmo de
violência. A diferença na aceitação entre os dois grupos de divindades fica ainda
mais constrangedora quando encaramos o fato de que o povo africano faz parte da
formação do povo brasileiro de uma maneira muito mais intensa do que a nórdica, que
representa os vikings. Portanto, era de se esperar que a cultura africana e sua religião
fossem incorporadas à nossa identidade de maneira mais natural e efetiva.
Tipos de currículo
Para entender os tipos de currículo, é preciso destacar o posicionamento teórico
sobre o papel da educação e do ensino na sociedade e para os indivíduos,
como se percebe a relação entre currículo e prática, qual é a crença sobre
conhecimento e ensino, entre outras características que se referem ao ensino
formal. A partir da análise desses valores, podemos listar os tipos de currículo
de acordo com as características mais proeminentes em dois grandes grupos:
currículos abertos e currículos fechados.
Currículo fechado:
■ disciplinas isoladas, grade escolar;
■ professores devem seguir os objetivos e conteúdos prescritos;
■ não se consideram os saberes e competências docentes, que não
participam da elaboração do currículo.
Currículo aberto:
■ integração entre as disciplinas;
■ flexibilidade na definição de objetivos e conteúdos;
■ participação ativa dos professores na elaboração das propostas.
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As teorias sobre o currículo se diferenciam pela visão que têm sobre a neutralidade
da organização escolar e dos conteúdos escolhidos para o ensino, sobre a natureza
humana, a aprendizagem, o conhecimento, a cultura, o sistema econômico, as de-
sigualdades sociais e a formação da própria sociedade. Por isso, essas concepções
norteiam as diretrizes de formação docente e interferem na prática cotidiana de
todos os professores, estejam eles conscientes disso ou não (GIMENO SACRISTÁN,
2013; SAVIANI, 2011; SILVA, 2017).
Para saber mais sobre a sociologia do currículo, acesse o link a seguir.
https://qrgo.page.link/FC5s7
ignorar o poder que esse sistema certamente tem a seu favor para que estratégias
possam ser mais elaboradas e colocadas à disposição para experimentação.
Cabe destacar que cada uma das teorias curriculares retratadas têm pontos
positivos e negativos, levados pela intencionalidade de formação humana
que guardam em si. Assim, cada uma dessas teorias espera formar um tipo
diferente de cidadão e de sociedade, com maior ou menor aproximação com
a que já temos.
É importante ressaltar que nenhuma teoria pedagógica ou do currículo é
neutra e apartada de sua perspectiva histórica e cultural. Por isso, todas as teo-
rias estão ligadas a uma ideologia, e é imprescindível que todo educador saiba
disso, para que desenvolva a consciência de que o trabalho docente também
sempre está em uma luta ideológica no campo da educação. Compreendendo
isso, o educador poderá fazer escolhas coerentes com sua pretensão sobre a
educação e sua prática efetiva.
A pedagogia tradicional foi a primeira a influenciar de modo decisivo
os primeiros sistemas nacionais de ensino público na Europa e na América
do Norte no começo do século XIX. Nesse contexto, a escola pública, laica,
universal, gratuita e obrigatória foi eleita como possível instrumento de conso-
lidação do sistema capitalista e também do caráter nacional pretendido naquela
época. Na escola, o papel do professor é direcionado para sanar a ignorância
da população por meio da transmissão dos conhecimentos acumulados pela
humanidade e sistematizados logicamente. Segundo Saviani (2008), nessa
proposta, o conhecimento é fundamental para (re)introduzir o sujeito na so-
ciedade capitalista e no projeto liberal da construção da democracia.
O movimento de resistência a esse modelo, segundo Saviani (2008), é
denominado pedagogia da Escola Nova. Nessa proposta de ensino, a escola
procura articular o ensino com o desenvolvimento da ciência, de modo que o
aprender a aprender se torna o norteador das práticas pedagógicas, sistemati-
zando o aprender como uma técnica científica (SAVIANI, 2008).
Pouco tempo depois, o tecnicismo no Brasil aparece como um movimento
com forte influência dos EUA e ganha força após golpe militar de 1964.
Partindo da crença na neutralidade científica, na eficácia da técnica, na efici-
ência e na produtividade, o movimento busca transformar a educação em um
processo objetivo e operacional (SAVIANI, 2011). No contexto escolar, essa
caracterização se faz presente na ampliação da burocratização, na comparti-
mentalização de cada disciplina, na disseminação dos estudos dirigidos e no
modelo dos questionários para a memorização dos conteúdos pelos alunos.
Veja, no Quadro 3, alguns dos desdobramentos das teorias pedagógicas.
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Pedagogia da
Pedagogia tradicional Tecnicismo
Escola Nova
Leituras recomendadas
BRASIL. Ministério da Educação. Relatório educação para todos no Brasil 2000-2015: versão
preliminar. Brasília, DF: MEC, 2014.
MATTOS, A. P. Escola e currículo. Curitiba: InterSaberes, 2013.
MCKERNAN, J. Currículo e imaginação: teoria do processo, pedagogia e pesquisa-ação.
Porto Alegre: Atmed, 2009.
MELLO, G. N. Currículo da educação básica no Brasil: concepções e políticas. 2014. Dis-
ponível em: http://movimentopelabase.org.br/wp-content/uploads/2015/09/guio-
mar_pesquisa.pdf. Acesso em: 20 jan. 2020.
MORGADO, J. C. Currículo e profissionalidade docente. Portugal: Porto Editora, 2005.
PAULA, D. H. L.; PAULA, R. M. Currículo na escola e currículo da escola: reflexões e pro-
posições. Curitiba: InterSaberes, 2016.
22 O currículo e suas concepções ideológicas
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