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TEORIAS DO

CURRÍCULO

Eliane de Godoi Teixeira Fernandes


O currículo e suas
concepções ideológicas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as principais correntes ideológicas e teóricas que perpassam


a construção do currículo.
 Reconhecer as razões políticas e culturais nas formas como o currículo
é proposto e implementado.
 Analisar as conexões entre conhecimento, ensino e poder no campo
da educação, entendendo o currículo como um produto da política
e de grupos de interesse.

Introdução
Para entender o currículo enquanto documento orientador, é preciso co-
nhecer as bases que dão suporte para a sua elaboração, reconhecendo,
primeiramente, que nenhum currículo consegue ser neutro, visto que variados
componentes teóricos, políticos, culturais e ideológicos sempre influen-
ciam sua construção. Também é preciso ter consciência de que o currículo
representa os desejos da formação de um ideal de cidadão e de sociedade,
adaptando-se e modificando-se de acordo com a transformação desse ideal.
Por todas essas razões, podemos dizer que o currículo é “vivo”, acom-
panhando e promovendo o desenvolvimento da sociedade na qual ele se
apresenta. Dialeticamente, o currículo influencia e é também influenciado
pelos desejos e necessidades da sociedade.
Neste capítulo, você vai identificar as principais concepções ideológi-
cas que amparam a construção de um currículo, diferenciando-o de uma
simples listagem de conteúdos disciplinares ou de objetivos educacionais
e conhecendo questões políticas e culturais que se relacionam com a sua
proposição. Por fim, vai ver o currículo sob a perspectiva de um produto
político e sua conexão com elementos como conhecimento, ensino e
poder no campo da educação.
2 O currículo e suas concepções ideológicas

1 Ideologia, teoria e currículo


De acordo com Silva (2017), etimologicamente, o termo “currículo” tem
raiz no latim curriculum, derivado do verbo currere, que significa cami-
nho a percorrer ou já percorrido. Na organização da escola básica, esse
caminho estará sempre ligado às expectativas sociais para a educação da
população em cada etapa do ensino nas condições históricas do momento
em que ele é elaborado. Assim, quando ocorrem grandes mudanças na vida
em sociedade, o currículo também se modifica, espelhando os objetivos
para a educação para cada novo contexto socioeconômico. São exemplos
dessas mudanças o processo de industrialização, a democratização e a
universalização do ensino.
Resumidamente, podemos concluir que currículo é tudo o que a sociedade
considera necessário que as novas gerações aprendam ao longo da escolarização
para que se tornem integrantes ativos dela. O currículo define o que ensinar,
para que ensinar, como ensinar e como avaliar o que foi aprendido.

Chamamos “universalização e democratização do ensino” o movimento que insti-


tucionalizou a escola obrigatória para toda a população a partir da década de 1960.
Antes desse movimento, a escola era destinada apenas às classes economicamente
mais abastadas. No Brasil, até 1971, o ensino obrigatório e gratuito era de apenas
quatro anos (primário). Após 1971, passou a ser de oito anos e, em 2010, de nove, com
a decisão de iniciar o ensino fundamental aos seis anos de idade. A partir de 2016,
todas as crianças a partir dos quatro anos de idade deveriam obrigatoriamente estar
na escola, que passou a oferecer quatorze anos de duração.

A definição de currículo acontece em dois níveis: o macroeducacional,


formado por documentos que regulam e normatizam oficialmente a sistema-
tização e os conteúdos mínimos para a educação básica brasileira (BRASIL,
2010), e o microeducacional, que é formado por cada escola, ano escolar,
turma e aula em si.
O currículo e suas concepções ideológicas 3

Segundo Gimeno Sacristán (2013), o currículo:

[...] [tem] se mostrado uma invenção reguladora do conteúdo e das práticas


envolvidas nos processos de ensino e aprendizagem; ou seja; ele se comporta
como um instrumento que tem a capacidade de estruturar a escolarização, a
vida nos centros educacionais e práticas pedagógicas, pois dispõe, transmite
e impõe regras, normas e uma ordem que são determinantes. Esse instru-
mento e sua potencialidade se mostram por meio de seus usos e hábitos, do
funcionamento da instituição escolar, na divisão do tempo, na especialização
de professores e, fundamentalmente, na ordem da aprendizagem (GIMENO
SACRISTÁN, 2013, p. 20).

Apesar da aparente simplicidade da definição, diferentes autores formaram


linhas distintas de classificação do currículo de acordo com sua pesquisa e
entendimento. Portanto, você encontrará diversas possibilidades para classi-
ficar o currículo quanto a ideologia, concepção, teoria e tipo. Aqui, usaremos
a concepção mais usual nos estudos brasileiros sobre a educação, defendida
por Silva (2017), Saviani (2011), Gimeno Sacristán (2013) e Libâneo (2013).
Para esses estudiosos, há três grupos de teorias curriculares das quais
derivam todas as demais: teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Essas
teorias procuram explicar as concepções de currículo que influenciam a
formação da sociedade.
Segundo os estudiosos do currículo, a escola pode influenciar as relações
sociais porque escolhe determinados conteúdos, tempos, espaços, estratégias
e metodologias, elegendo-os como mais importantes e válidos em comparação
com outros. Dessa forma, o currículo faz mais do que ensinar os conhecimentos
acumulados pela humanidade por meio do tempo porque ensina também valores.
Segundo Libâneo (2013), é na década de 1970 que as pesquisas sobre o
currículo se intensificaram, em oposição ao padrão tradicional que dominava
o mundo ocidental. A partir de então, destacam-se as pesquisas que procuram
entender qual é o papel da escola na organização, conservação ou modificação
das relações sociais, visto que por meio dela são promovidos determinados
valores e conteúdos. Michel Apple, estudioso do currículo, afirma que “[...]
a escola, como agente bastante significativo da reprodução cultural e econô-
mica, torna-se, obviamente, uma instituição importante (afinal de contas toda
criança frequenta a escola e a escola tem efeitos importantes como instituição
de referência e socialização)” (APPLE, 2016, p. 66).
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Em um artigo para a Fundação Getúlio Vargas denominado As duas fases da história e


as fases do capitalismo, Luiz Carlos Bresser-Pereira faz um resumo interessante sobre as
principais características do capitalismo e do pensamento de Marx sobre o socialismo.
Para nós, que nascemos em um mundo organizado da maneira como está, pode ser
difícil perceber o quanto a ascensão do sistema capitalista influenciou o modo de
vida humana; por isso, essa visão do antes e do depois do surgimento desse sistema
é necessária para compreendermos o papel da educação (e dos professores) na
organização social. De acordo com Bresser-Pereira (2011, documento on-line):

A revolução capitalista é a transformação fundamental da história hu-


mana depois do surgimento da agricultura e da passagem das sociedades
nômades para as sedentárias e a formação das primeiras civilizações ou
impérios. No plano econômico, a revolução capitalista deu origem ao
capital e às demais instituições econômicas fundamentais do sistema – o
mercado, o trabalho assalariado, os lucros, e o desenvolvimento econô-
mico. No plano científico e tecnológico, é o tempo da transformação de
uma sociedade agrícola letrada em uma sociedade industrial. No plano
social, é o momento de duas novas classes sociais: a burguesia e a classe
trabalhadora. No plano político, a revolução capitalista deu origem às
nações e ao Estado moderno, e, somando a esses dois fenômenos um
território, ao Estado nação.

Você deve ter em mente que essas teorias do currículo tratam de questões
sociais nas relações humanas. Portanto, ao estudar o currículo educacional
das sociedades ocidentais, não se esqueça das características sociopolíticas,
econômicas e culturais que as caracterizam, ou seja, são capitalistas, apre-
sentam grande desigualdade social e econômica, destacam a cultura clássica
como majoritária e oferecem oportunidades diferenciadas de acesso à educação
aos seus cidadãos — e são exatamente essas marcantes desigualdades criadas
pelo sistema capitalista que as teorias do currículo vão analisar.
O currículo e suas concepções ideológicas 5

É importante que você perceba que, embora as teorias sobre o currículo tenham se-
guido um caminho cronológico em seu surgimento, com uma teoria aparecendo como
um julgamento sobre a proposta anterior, isso não significa que as mais novas tenham
eliminado as anteriores. Atualmente, as três principais concepções têm adeptos em
todo o mundo, com diferentes possibilidades de interpretação sobre cada uma delas.

Teoria tradicional
Esta teoria foi a primeira a dominar o Ocidente e parte de um currículo cien-
tífico, objetivo e hipoteticamente neutro. Seu conteúdo comporta a cultura
geral de maneira descontextualizada e mecânica, fragmentada em disciplinas
apartadas entre si. Sua organização é rígida e metódica, para formar os futuros
cidadãos como trabalhadores especializados e eficientes. Para isso, planeja e
elabora mecanismos de avaliação e mensuração precisos e comparativos. O
aprendizado é mensurado por meio de avaliações que exigem dos alunos a
capacidade de reprodução sobre o que lhes foi ensinado, e o professor é centro
da autoridade e do saber — o ato do ensino é a prioridade.
Essa teoria do currículo pretende ser neutra porque não questiona os pro-
blemas e as desigualdades que o sistema econômico capitalista promove na
sociedade. Como ponto positivo, fruto de seu contexto histórico, foi o movi-
mento responsável por promover a escola pública, universal, laica, gratuita e
obrigatória para todos (SAVIANI, 2011).

Alguns dos autores que se destacam nessa teoria são: John Dewey (1976), Franklin
Bobbit (2004) e Ralph Tyler (1983).
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Veja, a seguir, em quais escolas essa teoria está presente.

 Escola tradicional: tem como base o conteúdo humanista formado


pelas clássicas obras literárias e artísticas gregas e latinas, chamadas
de cultura geral. Considera-os como conteúdos importantes por si mes-
mos e imprescindíveis para o desenvolvimento intelectual dos alunos.
Esses conteúdos são ensinados pelos professores, depois aprendidos/
memorizados e reproduzidos sem questionamentos pelos alunos.
 Escola nova: critica o modelo clássico humanista que prevalecia. Utiliza
o método de ensino reflexivo e experimental, no qual as crianças vão à
escola para cozinhar, costurar, trabalhar a madeira e, assim, descobrir
e aprender de maneira indireta os conhecimentos necessários para
a vida social adulta. Entretanto, não propõe análise sobre o sistema
econômico e sobre como as oportunidades de experimentação e os
recursos podem ser muito diferentes para cada aluno dependendo da
classe social à qual ele pertença.
 Escola tecnicista: voltada para a formação técnica e científica, con-
siderando valores essenciais para o desenvolvimento da sociedade
capitalista. Seu objetivo é a preparação para a vida profissional e, por
isso, preconiza que a escola funcione como uma fábrica, especificando
claramente sua organização, suas metas e seus planos para avaliação
e mensuração de resultados. Divide o conhecimento em blocos que
funcionam uns como pré-requisitos de outros. Os alunos podem avançar
se alcançarem a pontuação satisfatória nas avaliações. Cabe ao professor
dominar técnicas, métodos e estratégias para transmitir o conteúdo aos
alunos, que serão treinados sistematicamente para aprendê-lo.

Teoria crítica
Elabora várias críticas às teorias anteriores, mas não propõe ações que pro-
movam uma reorganização educacional para o sucesso escolar. Proclama que
o currículo não é neutro, já que toda teoria está baseada em relações de poder
econômico e cultural. Esse poder está inculcado na escolha dos temas, tempos
e lugares para a educação formal, que acabam reproduzindo as desigualdades
do sistema capitalista. A teoria crítica possui bases sociológicas, filosóficas e
antropológicas, com destaque para as ideias marxistas. A partir dessas ideias,
o currículo foi entendido como um espaço de poder, um meio pelo qual a
ideologia dominante é reproduzida ou refutada, promovendo a subserviência
ou a autonomia e liberdade dos cidadãos.
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Alguns dos autores que se destacam nessa perspectiva são: Pierre Bourdieu (1998),
Louis Althusser (1987), Paulo Freire (2005), Michel Apple (2015), Dermeval Saviani (2008)
e José Carlos Libâneo (2013).

Ideias marxistas se referem às ideias formuladas e propagadas por Karl Marx (1818-1883),
alemão, filósofo, político, economista, sociólogo e jornalista, filho de judeus da classe
média que estudou profundamente a oposição entre as classes dentro do sistema
capitalista. Marx dedicou-se a tentar observar na história humana como ocorreram
as diferentes mudanças sociais nas sociedades europeias anteriores ao capitalismo.
Sua teoria tem como objeto de estudo a sociedade burguesa de sua época, mas do
ponto de vista do trabalho e dos trabalhadores.
Conheça um pouco de seu legado para a educação no artigo disponível no link
a seguir.

https://qrgo.page.link/tDXoL

Veja, a seguir, proposições nas quais a ideologia da teoria crítica está presente.

 Sistema de ensino como violência simbólica: percebe a educação como


um instrumento de discriminação social, na medida em que reforça
e legitima a marginalização de um tipo de cultural e alguns grupos
sociais. Um exemplo dessa marginalização está no fato de o Estado
priorizar historicamente o ensino primário e profissionalizante para as
classes trabalhadoras e o ensino secundário e superior para as classes
mais abastadas. Esse sistema coloca em debate o conceito de “violência
simbólica”, no qual os grupos de classes dominantes controlam a cultura
considerada legítima e valorizada pela escola. Esse conjunto de conte-
údos é chamado de “capital cultural” por Bourdieu (1998). Apesar das
críticas aos sistemas educacionais da época, não oferece sugestões de
como transformar essa realidade e, por isso, é classificada por alguns
autores como crítico-reprodutivista (SAVIANI, 2011).
8 O currículo e suas concepções ideológicas

 Escola como aparelho ideológico do Estado: destaca que algumas


instituições sociais auxiliam o Estado a manter a classe trabalhadora
sob pressão e controle por meio de regras e valores diferentes daqueles
que a classe dominante precisa seguir. Por isso, entende essas institui-
ções como aparelho repressivo do Estado (a polícia, os tribunais e as
prisões) e como aparelhos ideológicos do Estado (a igreja, a mídia e a
escola). Essa corrente ideológica também faz suas críticas à situação
da escola, mas não apresenta sugestões para mudanças efetivas ao
sistema educacional, sendo também considerada uma teoria crítico-
-reprodutivista (SAVIANI, 2011)
 Pedagogia libertária: com origem no movimento anarquista moderno,
faz oposição a qualquer forma de governo que levante a bandeira da
liberdade e igualdade para todos, partindo do pressuposto de que o povo
deve autogerir-se a partir de suas próprias vontades e necessidades.
Propõe uma nova organização social, em que a prática educativa fica
identificada como prática social de formação do novo homem, preparado
para a autogestão.
 Pedagogia libertadora: procede dos estudos de Paulo Freire (2005) a
partir da análise das condições marginalizantes da sociedade brasileira
e da alienação produzida por ela. Descreve e critica o modo de educação
bancária e propõe a conscientização crítica da população pobre por
meio da interpretação dos problemas sociais que a cercam e consomem.
 Pedagogia histórico-crítica ou crítico-social: propõe um currículo que
favoreça o entendimento sobre a cultura universal, criado e incorporado
pela humanidade ao longo do tempo. Entretanto, preocupa-se que esse
conteúdo seja apresentado, contextualizado e debatido, de maneira a
propiciar a autonomia e a liberdade das classes dominadas e oprimidas.
O conhecimento científico deve ser trabalhado criticamente, de modo
que os alunos compreendam como esse conhecimento é produzido,
como organiza a sociedade e a quem interessa. Destacam-se também os
debates sobre o currículo oculto, manifestado pelas relações sociais na
escola, em que o poder é hierarquicamente concretizado entre professor-
-aluno, entre disciplinas e entre séries escolares.
O currículo e suas concepções ideológicas 9

Conheça um pouco mais sobre as três vertentes de pesquisa de Dermeval Saviani no


campo educacional em sua entrevista para o programa Leituras Brasileiras acessando
o link a seguir.

https://qrgo.page.link/1jNR1

Teoria pós-crítica
Para esta teoria, a subjetividade dos estudantes e dos professores é predo-
minante e, portanto, seu foco está nos sujeitos e nas diferenças. Para isso,
engloba estudos de diferentes áreas do saber, como os culturais, filosóficos,
antropologia, de gênero, entre outros, para explicar o que o sujeito é e poderá
ser. Nessa teoria, as ideias fixas e absolutas não têm espaço porque partem
do pressuposto de que as relações humanas as modificam a cada instante.
Por isso, não representa uma teoria concisa e unificada, mas um conjunto de
várias perspectivas sobre diversos campos do saber.
Essa teoria debate as relações de gênero, raça, etnia, orientação religiosa e
as desigualdades de classes sociais, apresentando um currículo multiculturalista
no qual se destaca a diversidade das formas culturais do mundo contemporâneo.
Segundo Silva (2017), o multiculturalismo não pode ser separado das relações
de poder, pois é uma reivindicação dos grupos culturais minoritários que são
obrigados as viver em um mesmo espaço e tempo com diferentes culturas, raças,
etnias e nacionalidades, representando um importante instrumento de luta
política (SILVA, 2017). O currículo deve promover nos alunos a compreensão
de que o significado das coisas está nas relações de poder que lhe conferem
valores positivos ou negativos, e não nas coisas em si.
10 O currículo e suas concepções ideológicas

Autores em destaque na teoria pós-crítica são: Michel Foucault (2009), Jean-François


Lyotard (1986), Jean Baudrilhard (2005), Jacques Derrida (1991), Richard Rorty (1988) e
Tomaz Tadeu da Silva (2017).

Veja, no Quadro 1, os principais termos veiculados pelas teorias curriculares.

Quadro 1. Palavras-chaves das teorias curriculares

Ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia,


Tradicionais didática, organização, planejamento, eficiência,
objetivos, ajuste, resultados, reprodução.

Ideologia, reprodução cultural social, poder, classe social,


Críticas relações de produção, capitalismo, conscientização,
emancipação, currículo oculto, resistência, libertação.

Identidadade, alteridade, diferença, subjetividade,


Pós-críticas significação do discurso, saber-poder, representação
cultural, gênero, raça, sexualidade, multiculturalismo.

Fonte: Adaptado de Silva (2017).

Obviamente, nenhuma dessas teorias é infalível, exatamente pela própria


simplificação que cada uma tende a usar para explicar as relações huma-
nas. Fazendo a leitura sobre essas teorias com o conhecimento que temos
atualmente, é possível perceber pontos positivos e equivocados (ou não
concretizados) em cada uma delas. No Brasil, as tendências curriculares
que se sobressaem são a tradicional tecnicista (voltadas para a aprovação
nos exames vestibulares e ENEM) e a críticas do currículo libertário e
histórico-crítica (SAVIANI, 2011).
O currículo e suas concepções ideológicas 11

2 Cultura e política curriculares


Sendo o currículo um documento complexo e cheio de intencionalidade,
elementos como cultura e política fazem parte de sua elaboração de maneira
inseparável. Embora seja algo comum e corriqueiro em todas as instituições
educacionais, o currículo educacional guarda em si variados significados
e objetivos que podem ser observados quando avaliamos seu processo de
elaboração.
Para Libâneo (2013), o currículo “o elemento nuclear do projeto pedagógico,
é ele que viabiliza o processo de ensino e aprendizagem, [...] materializando
intenções e orientações previstas no projeto em objetivos e conteúdos” que serão
trabalhados durante o período escolar (LIBÂNEO, 2013, p. 169). Entretanto,
esse conjunto complexo não é convertido dos documentos norteadores para
as aulas na escola de maneira direta, mas sofre influências e se transforma
enquanto segue de documento formal (com as diretrizes legais expedidas pelo
Ministério da Educação) até o planejamento real do professor, guardando em
si características ocultas durante a prática docente efetiva.
Confira, no Quadro 2, os três níveis de currículo destacados por Libâneo
(2013).

Quadro 2. Níveis de currículo

Currículo formal Currículo real Currículo oculto

Estabelecido pelas É a efetivação do que Expresso pelos valores


instituições de ensino, foi planejado pelas culturais presentes
expresso nas diretrizes instituições por meio nas relações que se
e normas prescritas da prática do professor estabelecem entre
pelas escolas, pelos na sala de aula. professor-aluno, escola-
municípios, estados família, aluno-aluno, etc.
e governo federal.

Fonte: Adaptado de Libâneo (2013).


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Sobre o currículo formal, Libâneo (2013) alerta que:

Primeiramente é razoável supor que o currículo tem sempre uma dimensão


externa, ou seja, ele segue uma sequência que começa quase sempre na esfera
política e administrativa do sistema escolar, passa pelas crenças, significa-
dos, valores, comportamentos existentes na cultura, é retrabalhado pelos
professores, até chegar aos alunos. Isso significa que ele está impregnado de
influências sociais, econômicas, políticas, que precisam ser detectadas pelos
professores, inclusive para que compreendam que estas influências limitam
o poder de intervenção da escola (LIBÂNEO, 2013, p. 172-173).

Quanto ao currículo real, Libâneo (2013) destaca que a cultura particular


de cada escola interfere na sua concretização, já que as relações entre gestão,
professores, alunos e comunidade escolar sobre os valores propostos pelo
currículo formal serão interpretadas e reescritas de acordo com as crenças e
valores locais. Nessa oportunidade, a escola poderá exercer sua autonomia,
reorganizando o currículo formal (ampliando, reduzindo ou mesmo o distor-
cendo), ou, então, trabalhá-lo exatamente de acordo com as determinações
administrativas superiores (Secretaria Municipal de Educação, Secretaria
Estadual de Educação, Ministério da Educação).
Há, ainda, o aprendizado não regulamentado, fora da intencionalidade
proposta pelo currículo formal, que acontece por meio da “linguagem dos
professores, as atitudes que tomam em relação às diferenças individuais dos
alunos, o modo como os alunos se relacionam entre si, suas atitudes nas
brincadeiras, e jogos, a higiene e limpeza das dependências da escola, etc.”
(LIBÂNEO, 2013, p. 173). Esse é o chamado currículo oculto, que apresenta
características intencionais ou não, às vezes conscientes, outras não.
A seguir, você vai conhecer as características mais detalhadas de cada
concepção curricular. Tenha em mente as teorias ideológicas que perpassam
a construção do currículo e a transformação que esse documento sofre desde
sua elaboração formal até chegar às práticas em sala de aula.

Concepções de organização curricular


Seguindo as diretrizes teóricas e ideológicas curriculares, Libâneo (2013)
lista possibilidades de concepção curricular. Como você confere a seguir,
algumas concepções são bem marcadas por uma teoria específica, enquanto
outras aparecem com características mescladas.
O currículo e suas concepções ideológicas 13

 Currículo tradicional: seu viés religioso foi o modelo inicial de educa-


ção disseminado no Brasil pela Companhia de Jesus, desde a colonização
até 1760, quando foi expulsa do país. Nele, o professor, o conteúdo e a
disciplina recebem destaque, enquanto o aluno é considerado incapaz
moral e intelectualmente, devendo armazenar, memorizar e reproduzir o
conteúdo que lhe é apresentado de maneira fragmentada e descontextu-
alizada. Não são consideradas as diferenças e necessidades individuais
dos alunos, já que o produto é mais importante que o processo, e isso
se reflete na preferência pelas avaliações somativas.
 Currículo racional-tecnológico (ou tecnicista): define-se pela metodologia
técnica e objetiva, que procura desenvolver nos alunos habilidades impor-
tantes para o sistema de produção. O currículo é prescrito por especialistas,
com conteúdos, objetivos e padrões de desempenho determinados — por
isso a participação dos professores em sua elaboração é menor. A questão
é “como” ensinar, com foco no desenvolvimento do saber-fazer. Uma das
derivações dessa concepção é o currículo por competências, quando não
engloba em suas metas o desenvolvimento atitudinal e cognitivo.
 Currículo escola novista (ou progressista): baseado nas ideias de John
Dewey, este currículo é centrado no aluno e coloca a educação como
um processo interno de desenvolvimento e de constante adaptação ao
meio. Assim, os conteúdos são organizados e apresentados por meio de
experiências, como um elo entre a escola e a vida. O professor trabalha
como facilitador da aprendizagem, observando e adequando as expe-
riências às necessidades, interesses e ritmo dos alunos. “Valoriza-se a
atividade de pesquisa do aluno e o clima psicológico e social da escola
e da sala de aula” (LIBÂNEO, 2013, p. 176).
 Currículo construtivista: está diretamente associado aos estudos de
Jean Piaget, que privilegia a participação ativa do aluno em seu processo
de aprendizagem. Para tanto, o currículo deve oportunizar atividades
que estimulem a capacidade cognitiva e social dos alunos. O professor
atua como organizador e facilitador da aprendizagem, que é subordinada
ao processo de desenvolvimento cognitivo.
 Currículo sociocultural ou sócio-histórico: com base nos estudos de
Vygotsky, destaca o papel da cultura na formação e no desenvolvimento
dos alunos. A aprendizagem resulta na interação ente sujeito e objeto,
mediada pelas relações sociais. Assim, as funções psicológicas superiores
(linguagem, atenção, memória, abstração, percepção, capacidade de dife-
renciar e comparar, etc.) são internalizadas por meio das relações sociais.
14 O currículo e suas concepções ideológicas

 Currículo sociocrítico (ou histórico-social): conta com mais de uma


vertente, porém, todas convergem para a concepção de ensino como
compreensão da realidade e das relações políticas adjacentes a ela,
como forma de capacitar os alunos para transformar as relações de
desigualdade social. Destaca especial atenção para os efeitos do currí-
culo oculto na formação social dos alunos. Metodologicamente, utiliza
a problematização como meio de colocar o aluno como centro de seu
processo de aprendizagem e desenvolvimento de autonomia.
 Currículo integrado (ou globalizado): destaca a interdisciplinaridade
como forma de concretizar a inter-relação entre as disciplinas, promovendo
a integração dos conhecimentos. Propõe experiências que facilitem a
compreensão crítica e reflexiva sobre a realidade e se preocupa em de-
senvolver o aprender a aprender, como forma de compreensão sobre como
se produzem, elaboram e transformam os conhecimentos. Metodologica-
mente, utiliza a pedagogia de projetos para oportunizar essa experiência
globalizadora aos alunos, envolvendo muitas experimentações fora do
ambiente da sala de aula. Enfatiza os processos de aprendizagem, mas sem
ignorar a importância dos conceitos, das teorias e dos conteúdos culturais.
 Currículo como produção cultural: opõe-se às teorias do consenso,
criticando a maneira como os conteúdos escolares são construídos.
Defende que os conflitos e as discordâncias com a realidade são a
chave e as condições para a mudança social. A cultura é vista como
produção política e cultural, que ocorre a todo momento, de modo que
a diversidade cultural e as diferenças devem participar ativamente.
Por isso, desacredita os currículos disciplinares prontos utilizados
atualmente, propondo uma transição da ênfase no social para o cultual.
Seu discurso promove o multiculturalismo e as políticas de integração
das minorias sociais, étnicas e cultuais ao processo de escolarização.
Além disso, denuncia a escola como reprodutora da estrutura social.

Vale lembrar que a Resolução nº. 4 de 13/07/2010, que define as Diretrizes


Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, aponta em seu artigo
9º, inciso II, que:

[...] a escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a apren-


dizagem, o que pressupõe atendimento a, [...] consideração sobre a inclusão,
a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade
cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade
(BRASIL, 2010, documento on-line).
O currículo e suas concepções ideológicas 15

Apesar disso, ainda é possível perceber como o ensino da suposta su-


premacia de uma cultura sobre outra ainda esta presente no ideário popular.

A cultura viking engloba em sua religião várias divindades, como Thor, Odin e Loki,
entre outros. Além disso, a mitologia desse povo também cita anões, duendes e elfos
e é alvo de curiosidade e homenagens na indústria cinematográfica. Entretanto, a
cultura africana, que também conta com diversas divindades, denominadas orixás,
normalmente tem um status menor, sendo alvo de intolerância e até mesmo de
violência. A diferença na aceitação entre os dois grupos de divindades fica ainda
mais constrangedora quando encaramos o fato de que o povo africano faz parte da
formação do povo brasileiro de uma maneira muito mais intensa do que a nórdica, que
representa os vikings. Portanto, era de se esperar que a cultura africana e sua religião
fossem incorporadas à nossa identidade de maneira mais natural e efetiva.

Tipos de currículo
Para entender os tipos de currículo, é preciso destacar o posicionamento teórico
sobre o papel da educação e do ensino na sociedade e para os indivíduos,
como se percebe a relação entre currículo e prática, qual é a crença sobre
conhecimento e ensino, entre outras características que se referem ao ensino
formal. A partir da análise desses valores, podemos listar os tipos de currículo
de acordo com as características mais proeminentes em dois grandes grupos:
currículos abertos e currículos fechados.

 Currículo fechado:
■ disciplinas isoladas, grade escolar;
■ professores devem seguir os objetivos e conteúdos prescritos;
■ não se consideram os saberes e competências docentes, que não
participam da elaboração do currículo.
 Currículo aberto:
■ integração entre as disciplinas;
■ flexibilidade na definição de objetivos e conteúdos;
■ participação ativa dos professores na elaboração das propostas.
16 O currículo e suas concepções ideológicas

3 Conhecimento, ensino e poder


Antes de qualquer coisa, você precisa ter em mente que as teorias curriculares
refletem a ideologia dominante, o surgimento do que podemos chamar de
escolarização, ou seja, a ideologia liberal burguesa da sociedade capitalista
europeia. Assim, essas teorias refletem o pensamento e os interesses da classe
dominante nas relações que desenvolvem com os demais participantes da
sociedade.
O surgimento das teorias pedagógicas e curriculares também está ligado a
um contexto histórico específico, no qual um determinado grupo social tinha
um papel revolucionário, que modifica a história geral da humanidade. As
diferentes concepções sobre como se desenvolve o currículo e os objetivos para
os quais a educação deve servir partem de diferentes concepções de homem
e de sociedade desse contexto histórico.

As teorias sobre o currículo se diferenciam pela visão que têm sobre a neutralidade
da organização escolar e dos conteúdos escolhidos para o ensino, sobre a natureza
humana, a aprendizagem, o conhecimento, a cultura, o sistema econômico, as de-
sigualdades sociais e a formação da própria sociedade. Por isso, essas concepções
norteiam as diretrizes de formação docente e interferem na prática cotidiana de
todos os professores, estejam eles conscientes disso ou não (GIMENO SACRISTÁN,
2013; SAVIANI, 2011; SILVA, 2017).
Para saber mais sobre a sociologia do currículo, acesse o link a seguir.

https://qrgo.page.link/FC5s7

Questões como a razão para que se educam formalmente as novas gerações


ou qual a concepção de homem que norteia a teoria curricular trazem em si
significados e sentidos locais e globais, movimentando continuamente “dúvi-
das” e “certezas” sobre as respostas obtidas. O desconforto causado por esses
questionamentos leva ao movimento constante de observação, investigação,
análise, discussão e pesquisas na área da educação. Mesmo que a escola não
seja de fato uma reprodutora das desigualdades da sociedade, não se deve
O currículo e suas concepções ideológicas 17

ignorar o poder que esse sistema certamente tem a seu favor para que estratégias
possam ser mais elaboradas e colocadas à disposição para experimentação.
Cabe destacar que cada uma das teorias curriculares retratadas têm pontos
positivos e negativos, levados pela intencionalidade de formação humana
que guardam em si. Assim, cada uma dessas teorias espera formar um tipo
diferente de cidadão e de sociedade, com maior ou menor aproximação com
a que já temos.
É importante ressaltar que nenhuma teoria pedagógica ou do currículo é
neutra e apartada de sua perspectiva histórica e cultural. Por isso, todas as teo-
rias estão ligadas a uma ideologia, e é imprescindível que todo educador saiba
disso, para que desenvolva a consciência de que o trabalho docente também
sempre está em uma luta ideológica no campo da educação. Compreendendo
isso, o educador poderá fazer escolhas coerentes com sua pretensão sobre a
educação e sua prática efetiva.
A pedagogia tradicional foi a primeira a influenciar de modo decisivo
os primeiros sistemas nacionais de ensino público na Europa e na América
do Norte no começo do século XIX. Nesse contexto, a escola pública, laica,
universal, gratuita e obrigatória foi eleita como possível instrumento de conso-
lidação do sistema capitalista e também do caráter nacional pretendido naquela
época. Na escola, o papel do professor é direcionado para sanar a ignorância
da população por meio da transmissão dos conhecimentos acumulados pela
humanidade e sistematizados logicamente. Segundo Saviani (2008), nessa
proposta, o conhecimento é fundamental para (re)introduzir o sujeito na so-
ciedade capitalista e no projeto liberal da construção da democracia.
O movimento de resistência a esse modelo, segundo Saviani (2008), é
denominado pedagogia da Escola Nova. Nessa proposta de ensino, a escola
procura articular o ensino com o desenvolvimento da ciência, de modo que o
aprender a aprender se torna o norteador das práticas pedagógicas, sistemati-
zando o aprender como uma técnica científica (SAVIANI, 2008).
Pouco tempo depois, o tecnicismo no Brasil aparece como um movimento
com forte influência dos EUA e ganha força após golpe militar de 1964.
Partindo da crença na neutralidade científica, na eficácia da técnica, na efici-
ência e na produtividade, o movimento busca transformar a educação em um
processo objetivo e operacional (SAVIANI, 2011). No contexto escolar, essa
caracterização se faz presente na ampliação da burocratização, na comparti-
mentalização de cada disciplina, na disseminação dos estudos dirigidos e no
modelo dos questionários para a memorização dos conteúdos pelos alunos.
Veja, no Quadro 3, alguns dos desdobramentos das teorias pedagógicas.
18 O currículo e suas concepções ideológicas

Quadro 3. Desdobramentos das teorias pedagógicas

Pedagogia da
Pedagogia tradicional Tecnicismo
Escola Nova

Racionalização do Levantamento de Domínio da técnica,


trabalho pedagógico: problemas, hipóteses prática pedagógica
preparação, e experiência para altamente controlada e
apresentação, confirmar ou refutar as dirigida pelo professor
assimilação e hipóteses e aprender. com atividades
comparação, mecânicas para
generalização aprender a fazer.
e aplicação.

As teorias críticas ganham espaço com o fracasso das anteriores em pro-


mover uma educação de qualidade. A teoria crítico-reprodutivista, embora
não tenha uma proposta para acabar com o fracasso escolar produzido pelas
teorias anteriores, faz duras críticas a elas e coloca o fracasso do aluno como
o verdadeiro sucesso da escola transformada em aparelho reprodutor das
desigualdades sociais fomentadas pelo sistema capitalista.
Dessa maneira, as práticas de dominação e exploração repetidas pela escola
têm sua gênese na desigualdade social e na supremacia da classe dominante
sobre as demais (SAVIANI, 2008). Assim, as características principais dessas
teorias são a teoria do sistema de ensino como violência simbólica e a teoria
da escola como aparelho ideológico do Estado.
A partir das contribuições dessas teorias, surgem as críticas ao sistema
capitalista, mas sem as proposições de alternativas para desmontar a situação
educacional imposta. Ao contrário, segundo Saviani (2008), o que ocorreu foi
a desmotivação diante da sensação de incapacidade da escola em modificar a
sociedade. No entanto, apesar do caráter reprodutivista, essas teorias permi-
tiram o surgimento de outras proposições comprometidas com o rompimento
do papel da escola dentro do sistema capitalista, como a pedagogia libertária,
a pedagogia libertadora e a pedagogia histórico-crítica.
A pedagogia libertária surge da oposição do movimento anarquista moderno
a toda forma de governo que pretenda promover a liberdade e a igualdade
para todos. Isso porque o anarquismo parte do princípio de que o povo deve
O currículo e suas concepções ideológicas 19

estar consciente de suas necessidades para se autogerir e que a educação deve


garantir ao povo essa capacidade de autogestão.
A pedagogia libertadora é concebida pela análise de Paulo Freire (2005)
sobre as condições sociais brasileiras que marginalizam a classe trabalhadora e
de baixo poder aquisitivo. Freire (2005) cria o termo educação bancária para
caracterizar o ensino que tem como objetivo depositar informações na cabeça
dos alunos para depois sacá-las nas avaliações, sem que esses conhecimentos
tenham feito alguma diferença no empoderamento desses alunos. Assim, o
autor propõe o uso da interpretação dos problemas sociais como meio para a
conscientização crítica da população pobre.
A pedagogia histórico-crítica parte da análise dos problemas da educação
brasileira ao longo da história do país a partir da década de 1970 e discute as
possibilidades de a escola romper com o sistema vigente, partindo da filosofia
marxista e dos conceitos da teoria psicológica histórico-cultural de Vigotski.
De acordo com Saviani (2011), a produção humana capitalista se divide em
duas vertentes: a material, baseada no marxismo, que trata da fabricação de
produtos físicos e palpáveis, e a não material, ligada à produção do mundo
das ideias e valores e na qual a escola se encontra.
Para a pedagogia histórico-crítica, a educação tem o dever de garantir a
apropriação do conhecimento sistematizado historicamente pela humanidade
pelas novas gerações. O professor precisa conhecer o que o aluno já sabe
para ensinar aquilo que ele ainda não sabe, ampliando suas possibilidades
de conhecimento e de ação. Precisa, além disso, saber qual é a dimensão de
seu trabalho para a formação das novas gerações e as consequências dessa
educação na formação da sociedade.
Concluindo, fica muito claro como a escola tem a capacidade de influenciar
as práticas culturais e as relações sociais vigentes, influenciando inclusive a
organização econômica. O currículo tem a função de mostrar aos estudantes os
conhecimentos já elaborados e acumulados pela humanidade, mas também acaba
naturalizando algumas relações, crenças e valores. Dessa forma, ao acompanhar
determinados conteúdos por tantos anos de escolarização, os estudantes absorvem
maneiras específicas de pensar que podem fazê-los aceitar a organização social
tal qual se mostra atualmente, como uma realidade imutável e natural. Em outra
hipótese, os assuntos apresentados pelo currículo podem dar aos estudantes o
poder de analisar os sistemas de desigualdades que temos na sociedade atual,
promovendo sua reorganização de maneira mais justa e equitativa.
20 O currículo e suas concepções ideológicas

Todo esse poder de transformação social ou de manutenção do que já se


tem faz da escola uma instituição que merece que seus currículos e objetivos
sejam debatidos pela sociedade em prol de um bem-estar de maior amplitude
social. Afinal, a própria sociedade deve ter o direito e a responsabilidade para
decidir qual currículo formará as novas gerações.

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