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CURRÍCULO OFICIAL NO BRASIL: UMA DISCUSSÃO INICIAL

Benedito Gonçalves Eugênio


Doutorando do PPGE/UNICAMP.
Prof. da UESB

INTRODUÇÃO

O presente texto objetiva discutir como historicamente o currículo oficial vem sendo
pensado no Brasil. Para isto, detemo-nos no estudo de alguns períodos históricos,
consubstanciado em determinados documentos, pois aqueles registram as concepções
decorrentes do contexto social mais amplo.
Tal estudo tem como orientação a periodização proposta por SAVIANI (2001). Não
é nossa intenção realizar uma análise profunda da temática, mas tecer algumas
considerações iniciais que nos auxilem na compreensão de nosso objeto de estudo- as idéias
curriculares propostas nos variados momentos da história educacional brasileira.
Acreditamos que ao recuperar essa história, teremos uma clareza maior para
compreender o processo atual que levou à construção e à definição de um currículo
nacional por meio de diretrizes para toda a educação básica.
Aqui estamos trabalhando com a noção de currículo oficial, ou seja, aquele que foi
planejado oficialmente para ser trabalhado nas diferentes disciplinas e/ou séries de um
curso.
O termo currículo é um vocábulo polissêmico, apresentando conotações diversas de
acordo com sua aplicação e, também, com os teóricos a que nos referimos.
Como nos mostra SILVA ( 2000), as teorias do currículo podem ser analisadas com
base em três grandes eixos: as concepções tradicionais, as concepções críticas e as pós-
críticas, cada uma, a seu modo, evidenciando posicionamentos filosóficos, isto é, a forma
de cada educador ver e pensar o mundo, o homem, a escola, o aluno, a educação, a
sociedade.
Etimologicamente, segundo GOODSON (1995) currículo deriva da palavra latina
scurrere e refere-se a um curso, um percurso que deve ser realizado. Além de expressar os
conteúdos de ensino, também estabelece a ordem de sua distribuição, perpassando uma
concepção de currículo como prescrição.
Em relação ao campo pedagógico, tradicionalmente o currículo significou uma
relação de matérias/ disciplinas com seu corpo de conhecimentos organizados numa
seqüência lógica, conotação que guarda estreita relação com plano de estudos.
Currículo e prescrição apresentam vínculos de ligação desde sua origem, relação
que veio fortalecer-se ao longo do tempo.
Contudo, numa fase posterior às teorias tradicionais, o currículo evolui de plano de
estudos para tornar-se a totalidade das experiências vivenciadas pela criança. Dewey e
Kilpatrick, seus representantes, contribuíram para o desenvolvimento das teorias
progressivistas, influenciando no Brasil o desenvolvimento da concepção escolanovista.
Nessas teorias, o foco do currículo é deslocado do conteúdo para a forma, isto é, a
preocupação é centrada na organização das atividades, com base nas diferenças individuais,
experiências e interesses da criança.
É, contudo, em 1918, com a publicação da obra The Curriculum, de Bobbitt, cuja
ênfase está na construção científica de um currículo que desenvolvesse os aspectos da
personalidade adulta então considerados “desejáveis”, preconizando a especificação de
objetivos e seus respectivos conteúdos, que o currículo firma-se como campo de estudos e
de reflexão.
Essa visão tradicional de currículo foi latente nos Estados Unidos dos anos 1920 a
1960. Em nosso país, a visão escolanovista influencia o pensamento educacional e
curricular a partir dos anos 1920.
Em relação às teorias tradicionais de currículo, seu objetivo é adaptar a escola e o
currículo à ordem capitalista que se consolidava, com base nos princípios de ordem,
racionalidade e eficiência. As questões centrais do currículo foram os processos de seleção
e organização dos conteúdos e das atividades, privilegiando um planejamento rigoroso,
baseado em teorias científicas do processo ensino-aprendizagem, ora numa visão
psicologizante, ora numa visão tradicional.
Nos anos 1970 desenvolvem-se nos Estados Unidos e Inglaterra estudos no campo
do currículo que inauguram as teorias críticas, isto é, a negação das perspectivas
behaviorista e empiritista. O planejamento do currículo, sua implementação e controle não
estavam mais no centro das atenções; buscam-se outras formas de produzir conhecimento.
Duas correntes foram mais divulgadas e influentes no campo da teoria crítica de
currículo no Brasil: a sociologia do currículo, com origem nos Estados Unidos e orientação
neomarxista, cujos maiores expressões entre nós são Michael Apple e Henry Giroux e a
nova sociologia da educação (NSE), com origem na Inglaterra e cujo maior representante é
Michael Young.
A partir dos anos 1990, a teoria curricular vem buscando compreender como o
conhecimento é produzido em diferentes ambientes institucionais, em práticas sociais,
formações culturais e contextos históricos específicos (SANTOS E MOREIRA, 1995).
Grande parte da produção recente no campo curricular tem sido influenciada pelo
pensamento pós-moderno e pós-estruturalista, com ênfase na análise da relação entre
currículo, subjetividades e construção de identidades. Dessa forma, o currículo vem sendo
entendido como artefato cultural e os estudos que se voltam para o entendimento da cultura
escolar, da cultura da escola (FORQUIN,),das diferenças culturais dos grupos sociais
(MCLAREN ;SACRISTÁN; SANTOMÉ; SILVA ) e as relações entre esses elementos
têm sido crescentes no campo curricular.
Pelas considerações iniciais, percebemos o quanto o conceito de currículo é
multifacetado. A análise histórica de seu desenvolvimento nos possibilita entender que ele
se modificou atendendo a realidades sociais distintas, assim como tempos e espaços
específicos e, em conseqüência, precisa ser compreendido no contexto social em que está
inserido.

A periodização: alguns pressupostos

Reconstruir as concepções curriculares na perspectiva da história, requer uma das


tarefas mais difíceis da historiografia: a periodização. Para SAVIANI (2001), está é uma
questão teórica que se põe ao pesquisador quando ele se depara com a necessidade de
organizar os dados e explicar o fenômeno investigado.
Na história da educação brasileira, a periodização guiou-se por um bom tempo pelo
parâmetro político (ALMEIDA, 2000) e, em seguida, muda-se o enfoque, passando a
adotar-se as determinações econômicas RIBEIRO (1998) e ROMANELLI (1998), como
parâmetro.
RIBEIRO (1998:16) propõe uma periodização em oito períodos, abrangendo os
anos de 1549 a 1968 e a justifica da seguinte forma: “A divisão dos períodos foi feita
seguindo o critério de destacar os instantes de relativa estabilidade dos diferentes modelos –
político, econômico e social- dos instantes de crise mais intensa e que causaram
substituições dos modelos referidos”.
A periodização proposta por SAVIANI (2001) leva em consideração as idéias
pedagógicas para o estudo da educação brasileira. Articulando três níveis de análise- os da
filosofia da educação, da teoria da educação e da prática pedagógica-, o autor identifica as
principais concepções de educação. Ressalta-se que o referido autor em trabalho anterior
(1998) distingue idéias educacionais de idéias pedagógicas.
As idéias educacionais referem-se à educação, quer sejam elas decorrentes da
análise do fenômeno educativo para explica-lo, quer sema derivadas de determinada
concepção de homem, de mundo ou de sociedade, sob cuja luz se interpreta o fenômeno
educativo. Já as idéias pedagógicas são as idéias educacionais, não em si mesmas, mas na
forma como se encarnam no movimento real da educação, orientando e constituindo a
própria substância da prática educativa.
A periodização efetuada por SAVIANI foi construída e amadurecida em distintos
trabalhos (1983a, 1984,2001). Segundo o autor, “ a distribuição das idéias pedagógicas se
baseia na noção de predominância ou hegemonia, [ uma vez que ] a cada período
corresponde a predominância de determinadas idéias pedagógicas, sendo isso o que
diferencia os períodos entre si” (2001:9).
A periodização atual tenta guardar uma certa correspondência com a classificação
das grandes concepções de filosofia da educação que subsumem as principais correntes
pedagógicas (propostas pelo autor em 1984) e baseia-se nos seguintes períodos:
1º período: (1549-1759): monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional,
subdividido em duas fases, a pedagogia de Nóbrega e a pedagogia jesuítica;
2º período (1759-1932): coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da
pedagogia tradicional, subdividido em duas fases, a pedagogia pombalina e a pedagogia
leiga;
3º período (1932-1969): predominância da pedagogia nova, subdividido em três
fases, quais sejam: o equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova,
predomínio da pedagogia nova e a pedagogia tecnicista;
4º período (1969-1996) : confronto entre as pedagogias críticas e a pedagogia do
capital humano, subdividido em três fases: predomínio da pedagogia tecnicista e
desenvolvimento da concepção crítico-reprodutivista (até 1980), emergência da pedagogia
histórico-crítica e propostas alternativas (1980-1991), neoconstrutivismo, neotecnicismo e
neo-escolanovismo (1991-1996).
É com base nessas considerações que passamos à identificação das concepções de
currículo presentes nas reformas educacionais brasileiras.

O currículo no período 1549-1759

Podemos dizer que uma primeira idéia de currículo no Brasil encontra-se na


proposta educacional do Pe. Manoel da Nóbrega, cujo principal objetivo era formar adeptos
ao catolicismo. A matriz curricular era composta pelo ensino da doutrina cristã, dos bons
costumes e das primeiras letras. O ensino de português foi a primeira necessidade
educacional da Colônia, assim como ao evangelizador coube o aprendizado da língua
indígena.
A doutrina cristã era o conteúdo da catequese, ministrada diariamente por meio de
aulas expositivas e de exemplos vivos, com o objetivo de traduzir lições de moral com base
em fatos acontecidos (TOBIAS, 1986). Somente depois de falar o português e estar iniciado
na doutrina cristã, é que os índios e os demais iniciavam a escola de ler e escrever,
considerada a escola primária. Nessa escola também se ensinava o canto orfeônico e a
música instrumental, que constituíam componentes curriculares opcionais. Na seqüência de
estudos era prevista, aos que se destacavam, o ensino da gramática latina visando à
preparação para as humanidades superiores, a filosofia e a teologia, culminando com uma
viagem de estudos à Europa, e, aos demais, o ensino agrícola, profissional ou
manufatureiro. Essa etapa correspondia ao atual ensino médio e já parece apontar para uma
estrutura dual .
A partir de 1556 a proposta de Nóbrega começa a encontrar sérias dificuldades e
resistências, entrando em conflito com as orientações da Companhia de Jesus. Sua proposta
resiste até 1570, ano de sua morte. A partir daí incentivou-se a criação de colégios
localizados nos centros urbanos mais importantes e próximos do litoral. Nessa segunda
fase, a educação jesuítica tem como funções: formar padres para a atividade missionária,
formar quadros para a administração do empreendimento colonial e educar as classes
dominantes.
As normas dos colégios jesuítas foram oficialmente publicadas em 1599 na Ratio
Studiorum, um plano curricular e pedagógico, em que tudo estava previsto e
regulamentado, uma verdadeira coleção de regras e prescrições práticas e detalhadas, como
nos mostra FRANCA (1952). Segundo PONCE (1990) até hoje, a Ratio pode ser
considerado
“ a mais perfeita organização que se conhece para quebrar nos alunos o
mais tímido assomo de independência pessoal e, para conseguir, portanto,
nas esferas mais distintas do governo, das finanças e das universidades,
colaboradores ativos, zelosos e, freqüentemente, insuspeitos” (p.122).
Os jesuítas especializaram-se no ensino secundário e superior, com currículos muito
precisos e pormenorizados, cuja ênfase era educação literária, filosófica e teológica. No
Brasil havia quatro graus de ensino sucessivos e propedêuticos: o curso elementar (escola
de ler, escrever e contar); o curso de humanidades (nível secundário); o curso de artes
(também chamado de ciências naturais ou filosofia) e o curso de teologia (nível superior)
(FRANCA, 1984).
A matriz curricular humanista correspondente ao curso secundário, abrangia cinco
classes: retórica, humanidades e gramática superior, média e inferior, sendo realizado todo
em latim. Em 1751, a proposta da Ratio foi alterada e novas disciplinas introduzidas no
modelo curricular, como línguas vernáculas e ciências naturais.

Currículo no período 1759- 1932


Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, temos o início das reformas pombalinas. No
entanto, é somente em 1772 é que são instituídas as aulas de primeiras letras, de gramática,
de latim e de grego no Rio de Janeiro e nas principais cidades das capitanias.
O ensino secundário passa a ser fragmentado e disperso em aulas avulsas, cada uma
com um professor. Com o subsídio literário, o número de aulas alcançou alguma
diversificação em matérias como retórica, hebraico, matemática, filosofia e teologia, tudo,
porém, de forma muito precária. Não havia um currículo regular com objetivos claramente
definidos.
Com a instalação da Corte Portuguesa no Brasil, em 1808, são providenciadas
diversas medidas de consumo cultural que acabam influenciando significativamente toda a
vida intelectual do país.
Em relação à educação, o decreto imperial de 15 de outubro de 1827 é a primeira lei
de instrução elementar do país durante o período em estudo e única até 1946. No que se
refere ao currículo, a lei aponta os conteúdos a serem ensinados: ler, escrever, as quatro
operações de aritmética, práticas de quebrados, decimais e proporções, noções gerais de
geometria, gramática da língua nacional, princípios de moral cristã e de doutrina da religião
católica, ensino da Constituição do Império e História do Brasil (XAVIER, 1992).
É preciso frisar que esta mesma lei apontava conteúdos diferentes para meninos e
meninas. No caso das meninas, substituía-se o ensino de geometria pelo de prendas
domésticas e limita-se o ensino de aritmética.
O método de ensino adotado é o de estudo mútuo, cuja responsabilidade pela
condução do ensino é dividida entre o professor e os monitores.
Das reformas que houve neste período, a mais inovadora é a de Leôncio de
Carvalho, de 1879, que estabelece a obrigatoriedade do ensino para todas as crianças
brasileiras, de ambos os sexos, dos 7 aos 14 anos e elimina a proibição da freqüência de
escravos. A matriz curricular toma como fonte de inspiração o positivismo. Muitas de suas
propostas, entretanto, não chegaram a ser implementadas e o currículo não passou de aulas
de leitura, escrita e cálculo.
Em relação ao ensino secundário, a composição do currículo foi fortemente
influenciada pelo ensino superior e o Colégio Pedro II acabou impondo um modelo de
organização curricular padrão para esse nível de ensino, com disciplinas organizadas
quanto ao número de aulas e série em que seriam oferecidas, como nos mostra HAIDAR
(1972).
A Constituição de 1891 reafirmou a descentralização escolar, já definida em 1834,
cabendo agora aos estados a responsabilidade de manter e legislar sobre o ensino primário e
o ensino profissional. Na Primeira República temos uma farta produção de legislação sobre
o ensino superior para todo o país e os ensino secundário e primário no Distrito Federal.
Das reformas ocorridas nesse período, a de Benjamin Constant, em 1890, foi a única
que atingiu o ensino primário, mais ficou restrita ao Distrito Federal. Assim até 1920 o
ensino primário ficaria restrito ao ensino da leitura, escrita e cálculo, definido no decreto
imperial de 1827. Constant incluía no currículo de primeiro grau as disciplinas de geografia
e história, desenho e trabalhos manuais e, no segundo grau, português passa a ser uma
disciplina individualizada, sendo acrescentadas as disciplinas de álgebra, trigonometria,
direito pátrio e economia. A educação religiosa é substituída em ambos os graus pela
instrução moral e cívica, pois a Constituição de 1891 institui o ensino leigo nas escolas.
Segundo MOREIRA (1990), é só a partir dos anos 1920 que podemos falar de
campo do currículo no Brasil. Com as reformas promovidas pelos Pioneiros da Educação
Nova em vários estados brasileiros, temos a emergência de novas perspectivas curriculares
e uma preocupação acentuada com o seu desenvolvimento. Nas reformas ocorridas na
Bahia (Anísio Teixeira), São Paulo (Sampaio Dória), Minas Gerais (Mário Casasanta e
Francisco Campos) e Distrito Federal (Fernando Azevedo) a questão do currículo aparece
de forma contundente e, segundo MOREIRA (1990), representam um importante
rompimento com a escola tradicional, por sua preocupação em renovar o currículo,
modernizar métodos e estratégias de ensino e avaliação e, ainda, por sua insistência na
democratização da sala de aula e da relação professor-aluno. Este autor ressalta, no entanto,
que a maior contribuição dessas reformas acabou por limitar-se a novos métodos e técnicas.
O livro de Teixeira Pequena introdução à Filosofia da Educação contém um
capítulo específico sobre currículo e programa escolar com base nas idéias escolanovistas.
TEIXEIRA (2005) define currículo como o conjunto de atividades nas quais as crianças se
engajarão em sua vida escolar. O currículo é visto como um processo que dura toda a vida.
Ele deve ser centrado em atividades, projetos e problemas e, antes de tudo, ser extraído das
atividades naturais da humanidade. Mas somente experiências positivas devem ser
selecionadas.
Currículo no período 1932-1969

No período 1930-1960, três grandes reformas acarretaram mudanças na organização


curricular do ensino secundário: a Reforma Francisco Campos, que dispõe sobre a
organização do ensino secundário (decreto n. 19.890, de 18/4/1931); a Reforma Capanema,
que reformulou alguns ramos do ensino, conforme a Lei Orgânica do Ensino Secundário
(decreto-lei n. 4244, de 9/4/1942) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei
n. 4024, de 20/12/1961).
A Reforma Francisco Campos definiu como finalidade do ensino secundário a
formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional. Isto tem como
conseqüência a implantação de um currículo enciclopédico.
A matriz curricular,no ciclo fundamental, era constituída pelas seguintes disciplinas:
Português, Francês, Inglês, Latim, Alemão, História, Geografia, Matemática, Ciências
Físicas e Naturais, Física, Química, História Natural, Desenho e Música, subdividido em
cinco séries.
Já para o curso complementar, as disciplinas variavam de acordo com o curso
superior a ser seguido.
A reforma estabeleceu, também, o currículo seriado, organizado em dois ciclos
distintos, o fundamental e o complementar, ambos indispensáveis ao ingresso no ensino
superior. O ciclo fundamental, com duração de cinco anos, constituía o ciclo comum,
idêntico para todo, com o qual se pretendia garantir a função formativa do indivíduo como
um todo. O ciclo complementar, com duração de dois anos, objetivava a adaptação dos
candidatos aos cursos superiores e dividia-se em três seções: área de humanidades (estudos
jurídicos), área biológica (medicina, farmácia e odontologia) e área técnica (arquitetura e
engenharia).
Percebe-se que o currículo proposto é extremamente elitista e, por conseqüência,
excludente. Nessa análise, precisamos levar em consideração que a maioria da população
vivia na zona rural e era analfabeta e até mesmo a população urbana não tinha acesso à
educação primária.
Segundo ROMANELLI (1998: 136-7), “ o currículo enciclopédico, aliado a um
sistema de avaliação extremamente rígido, controlado do centro (...) fez com que a
seletividade fosse a tônica de todo o sistema”.
Ainda na década de 1930, é organizado o ensino comercial (Decreto n. 20.158, de
30/06/1941). Este decreto estruturou os cursos médios em dois ciclos e o ensino superior
contava com um curso de Finanças, com duração de três anos, acessível apenas para os
concludentes dos cursos técnicos de segundo ciclo de Atuário e Perito Contador, ambos
com duração de três anos.
Os programas desses cursos estavam previamente especificados. Afora isso, essa
reforma organizou um sistema fechado, sem articulação com os outros ramos do ensino e
terminal em alguns casos.
A Reforma Capanema organizou o ensino em dois ciclos, o ginásio, de quatro anos,
e o colegial, de três anos. A matriz curricular do primeiro ciclo ficou organizada da
seguinte forma: Português, Latim, Francês, Inglês, Matemática, Ciências Naturais, História
do Brasil, Geografia Geral, Geografia do Brasil, Trabalhos Manuais, Desenho e Canto
Orfeônico. As disciplinas de Latim e Grego estavam presentes somente no curso clássico e
a disciplina de Desenho somente no curso científico.
No caso do segundo ciclo, as disciplinas variaram de acordo com o curso: clássico
ou científico. Importante ressaltar que nesta reforma Geografia e História do Brasil ganham
status de disciplinas autônomas, visando garantir um estudo mais aprofundado da realidade
do país e que reflete, de certa forma, o espírito nacionalista presente na conjuntura
econômica e política do país.
A disciplina Ciências também adquiriu um outro caráter, qual seja, formar o espírito
científico . O método de ensino estava centrado na atividade do aluno, tal qual proposto por
Dewey. Houve nessa reforma um certo equilíbrio entre humanidades e ciências.
Outro decreto importante é o de n.8529, de 2/01/1946, que organizou o ensino
primário. Para ROMANELLI (1998), apesar das reformas implementadas nos anos 1920
terem se preocupado com a escola primária, elas foram reformas isoladas, pois não havia
diretrizes centrais e cada Estado agia de acordo com sua política própria.
O ensino primário foi dividido em duas categorias (curso primário elementar e curso
primário supletivo). É interessante observar que em relação às disciplinas, havia uma
disciplina exclusiva para o sexo feminino- Economia doméstica e Puericultura.
Esse dado é interessante porque nos aponta para a necessidade de articularmos a
história das disciplinas escolares às questões de gênero.
A outra reforma importante é a implementada em 1961, com a Lei de Diretrizes e
Bases 4024.Com essa lei, o ensino primário contou com outra matriz curricular que deveria
ser adotada em estados e municípios, constando das seguintes disciplinas: leitura e
linguagem oral e escrita, aritmética, geografia e história do Brasil, ciências, desenho, canto
orfeônico e educação física, além de ensino religioso, que era opcional.
Em relação ao ensino médio, a LDB preocupa-se em definir diretrizes quantitativas
e atores responsáveis pela regulamentação deste, que deveria traduzir-se em disciplinas,
práticas educativas e iniciação artística. Não há nessa lei uma concepção de currículo em
seu sentido dinâmico. De acordo com as orientações do Conselho Federal de Educação, de
1962, o currículo deveria ser organizado de acordo com quatro componentes: disciplinas
intelectuais, práticas educativas artísticas ou úteis, práticas educativas físicas e educação
moral e cívica e religiosa.
Esse aspecto ainda demanda investigação, visando compreender como os
componentes acima citados foram entendidos e postos em prática nas escolas.

CURRÍCULO NO PERÍODO 1969-1996

Neste período, as idéias que orientam as determinações curriculares são variadas.


Temos a pedagogia tecnicista, visível na LDB 5692/71, a emergência de outras concepções,
como a pedagogia libertadora e a pedagogia crítico social dos conteúdos. Todas essas
tendências vão exercer influência no pensamento e na formulação curricular do período em
questão.
Nos anos de ditadura militar, o currículo servirá aos propósitos ideológicos do
regime, através da implantação de disciplinas cujo objetivo era servir aos seus interesses,
como Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira, Estudo de
Problemas Brasileiros e a própria Educação Física.
Nesse período, os currículos da educação básica também foram determinados,
constando, inclusive, os conteúdos, metodologia, estratégias de avaliação, uma vez que o
foco foi o controle científico de tudo o que ocorria na sala de aula, como propunha Bobbitt,
em 1918. As perspectivas curriculares voltadas para as camadas populares também
estiveram presentes.
Em anos recentes, temos a emergência de outras discussões no campo do currículo,
com a incorporação de novas categorias de análise e o surgimento de abordagens que
objetivam trabalhar principalmente com perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas,
valendo-se de contribuições dos Estudos Culturais, Multiculturalismo, Estudos de gênero,
raça/etnia, Pós-colonialismo e de teóricos como Foucaul, Deleuze, Derrida e Hommi
Bhabha .
No campo de pesquisa da história do currículo, ainda é necessário articular as
tendências acima citadas e suas repercussões no cotidiano da escolar, assim como
compreender a maneira pela qual suas idéias aparecem nos documentos oficiais. Nesse
sentido, o conceito de transferência educacional (MOREIRA, 1990) parece continuar atual
e com um potencial analítico ainda interessante.
Investigar as idéias curriculares no espaço da escola auxilia-nos na compreensão da
recontextualização (BERNSTEIN,1996) dos discursos e a incorporação das propostas pelos
docentes.
Finalmente, cabe salientar que a investigação ainda está em processo e o presente
texto é apenas uma sistematização das idéias iniciais. Novos estudos certamente trarão
elementos que nos ajudem a pensar o quadro teórico-metodológico. Para isso, necessário se
torna o estudo de outras periodizações possíveis, tendo em vista o objeto aqui estudado.

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