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Tem-se que o currículo escolar constitui importante instrumento que articula


e incorpora de maneira planejada o processo de ensino e aprendizagem a partir do
contexto das políticas públicas educacionais que levam em consideração uma
variedade de fatores no momento de sua produção. No caso brasileiro, deslinda-se o
aspecto da diversidade que permeia a formação cultural da população, bem como as
características específicas que marcam a identidade de determinados indivíduos ou
grupos e que, por sua vez, possuem suas próprias demandas e anseios diante do
poder estatal, o qual deve esforçar-se por reconhece-los e promover a proteção de
que necessitam. Estas circunstâncias que são tanto de natureza política e social
quanto de caráter pessoal e subjetivo incidem sobre a questão da produção do
currículo escolar na perspectiva promotora da dignidade da pessoa humana e suas
peculiaridades diferenciadoras, bem como levando-se em consideração os aspectos
sócio-políticos da comunidade educacional do qual decorre sua elaboração.
O percurso desenvolvido pelas teorias do currículo evidenciam a
versatilidade conceitual acerca do debate sobre seus fundamentos e objetivos.
Nesse sentido, o conceito de currículo pode ser expresso da seguinte maneira:
Currículo é o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos (saberes,
competências, representações, tendências, valores) transmitidos (de modo
explícito ou implícito) nas práticas pedagógicas e nas situações de
escolarização, isto é, tudo aquilo que poderíamos chamar de dimensão
cognitiva e cultural da educação escolar. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,
2005, p. 362).
Do exposto, é possível perceber que esta, ainda que correta, constitui uma
noção restrita da concepção de currículo, uma vez que este conceito não é capaz de
demonstrar as diferentes dimensões que compõe este instrumento. A partir da
compreensão dos fatores sociais, políticos e econômicos que fundamentam a
construção do currículo, será possível compreendê-lo em consonância com as
forças, interesses e necessidades que estão implícitos no seu processo de
concretização. Deste modo, considera-se a abrangente assertividade do conceito de
currículo elaborado por Tomaz Tadeu Silva, que nestes temos afirma:
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O
currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa
vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é
texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade. (SILVA,
2003, p. 50).
Partindo-se da concepção de currículo apresentada pelo autor fica evidente
o caráter identitário formador deste importante instrumento pedagógico e seu
arcabouço de interesses políticos fundantes. Significa entender o currículo em sua
gênese formativa adstrito ao lugar de sua produção, como um reflexo da cultura e
das condições materiais de existência de uma determinada comunidade, bem como
representado o amálgama dos valores socialmente compartilhados. Assim, o
currículo converte-se também em instrumento de poder quando utilizado para a
manutenção da desigualdade das relações sociais ou, na hipótese de engajar-se em
um projeto de construção da autonomia e valorização da diversidade, pode vir a ser
instrumento de emancipação do sujeito. Afirmar que currículo é discurso não
significa que este seja uma mera enunciação de palavras destituída de força
perlocucionária. Ao contrário, o currículo enquanto discurso representa a hegemonia
de um saber construído de acordo com o objetivo de consolidar efetivamente um
projeto educacional para determinada sociedade.
Assim, o currículo enquanto reflexão crítica dos fatores sociopolíticos e das
vivências educacionais que o compõe faz exsurgir questionamentos a respeito de
quem o que se deve ensinar. Portanto, as teorias sobre o currículo, buscam dar
respostas diferentes a estas questões e a partir de suas proposições tem-se a
possibilidade de pensar o currículo de maneiras diversas. Deve-se ter em mente o
tríplice aspecto caracterizador do currículo que o define como formal, real e oculto. O
aspecto formal do currículo diz respeito ao discurso oficial construído pelo sistema
formal de ensino. O currículo real refere-se às vivências práticas cotidianas das
instituições de ensino em decorrência das propostas contidas no Projeto Político
Pedagógico. Já a característica oculta faz alusão às influências que afetam o
processo de ensino-aprendizagem e que não estão previstos em documentos
formais. Portanto, é relevante destacar que o currículo não deve estar restrito aos
conteúdos formais de aprendizagem, devendo-se também dar enfoque nas
aprendizagens informais que permeiam o cotidiano das experiências da comunidade
escolar.
A concepção de currículo de acordo com a teoria tradicional o compreende
como um instrumento de diferenciação social. Tendo sua origem no século XIX nas
obras do estadunidense John Dewey, esta concepção do currículo estabelecia
conteúdos diferentes para as diversas classes sociais em que a sociedade está
dividida. Desta maneira, aos filhos das famílias mais abastadas era destinado um
conjunto de ensinamentos clássicos, às classes mercantis enfatizava-se o caráter
prático (técnico/profissionalizante) do ensino, e aos filhos dos proprietários agrícolas
e comerciantes o currículo estava atrelado aos conhecimentos elementares da
alfabetização como o ato de ler e escrever e realizar contas aritméticas. Neste
contexto, sob o currículo havia forte influência do processo de especialização das
áreas de conhecimento como uma decorrência da organização hierárquica do
trabalho. Ou seja, dentro desta perspectiva de uma sociedade organizada de acordo
com o modo de produção capitalista dividida em classes sociais:
A emergência do currículo como campo profissional ocorreu com base na
teoria da eficiência social e administração científica imprimindo ao campo
uma perspectiva pragmática e técnica com ênfase nas metodologias
científicas e racionais de elaboração e planejamento. De fato, as primeiras
obras de teoria do currículo buscaram construir um campo epistemológico
no qual a seleção e ordenação do conhecimento escolar tornaram-se objeto
de intervenção científica e política. (SOUZA, 2005, p. 79).
Com o advento da Revolução Industrial, o currículo passou a apresentar
características tecnicistas fundamentadas na ideia de neutralidade social. Isto
significa que as relações sociais marcadas por fortes disparidades eram encobertas
e o currículo não abrangia esta realidade no momento de sua construção. A
educação, neste sentido, era descontextualizada e, por isso, perdia muito do seu
potencial transformador para adequar-se ao modo de produção capitalista vigente. É
no confronto destas ideias que as teorias críticas sobre o currículo incidiram,
propugnando pelo papel revolucionário da educação quando comprometida com a
redução das desigualdades sociais. Neste sentido, o currículo será produzido de
maneira participativa e integrada ao meio em que se encontra, constituindo-se
enquanto reflexo imediato da realidade circundante.
Dentre os principais expoentes desta perspectiva teórica do currículo,
destaca-se o trabalho de Paulo Freire. Há no pensamento deste filósofo da
educação uma constante preocupação com o entorno da comunidade escolar no
sentido de aprimoramento dos conteúdos curriculares, empregando ao currículo um
viés revolucionário que se desvincula da análise concreta da atuação das
instituições de ensino que pretendiam apenas reproduzir aos disparidades
socioeconômicas e políticas e caracterizam a sociedade tão peculiar ao período do
desenvolvimento da industrial que inspirou o modelo fabril de construção curricular.
No encalço deste entendimento, Michael Apple, analisando criticamente o
caráter reprodutivo do currículo escolar, faz a seguinte ponderação:
[...] a escola é interpretada de uma maneira diferente da que é geralmente
empreendida pelos educadores. Em lugar de interpretá-la como “os grandes
agentes da democracia” (embora haja nisso um elemento de verdade),
veem-se as escolas como instituições que não são necessariamente ou
nem sempre forças progressistas. Podem desempenhar funções
econômicas e culturais e incorporar regras ideológicas que preservam e
aumentam um conjunto de relações estruturais existentes. Essas relações
operam a um nível fundamental para ajudar alguns grupos e servir de
obstáculo a outros. (APPLE, 1982, p. 99).
Já as teorias pós-críticas do currículo são marcadas pela heterogeneidade,
pois debruçam-se sobre variadas temáticas que configuram demandas específicas
dos grupos e dos indivíduos que integram uma determinada comunidade.
Influenciado pelo pensamento pós-estruturalista e pós-modernista, tem-se em
Tomaz Tadeu Silva um de seus principais expositores, apresentando uma
concepção do currículo escolar enquanto mecanismo de ruptura com o paradigma
anteriormente analisado. A ênfase neste contexto recai sobre a questão da
inventividade desvencilhada da preocupação com comprovações daquilo que foi
sistematizado na área educacional. De acordo com Corazza (2010):
Na perspectiva da teoria pós-crítica, o currículo está em tudo, em todos os
espaços, faz questão de ser exercido em qualquer comunidade formal ou
informal: local de trabalho, de lazer, campo, cais, ilhas, praças, pátios,
associações, ginásios, ruas, assentamentos, parques, viadutos e até em
escolas. Faz questão de ser experienciado em qualquer lugar, onde lhe seja
dada a oportunidade de produzir e contestar verdades, confrontar narrativas
e experiências [...]. (CORAZZA, 2010, p. 107).
Pensando-se a respeito das temáticas transversais que perpassam o
currículo formal das escolas do sistema de ensino brasileiro, é possível aduzir sobre
a conveniência da perspectiva pós-crítica na construção das práticas pedagógicas. A
exemplo, cite-se as questões de gênero encabeçadas pelos movimentos feministas,
a valorização da história e cultura africana e afro-brasileira enquanto
comprometimento dos espaços educacionais no combate ao racismo, e, também, os
temas pertinentes à educação sexual nas escolas como tentativa de erradicação da
exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Um currículo
escolar que compreenda tais temas e os inclua no planejamento das ações
educativas, tanto nos espaços de aprendizagem formal e informais, lança um olhar
de sensibilidade e respeito para com as diferenças, enaltecendo-as ao em vez de
suprimi-las. Esta abertura às questões pertinentes ao gênero, sexualidade, cultura,
etnia, dentre outros, é o que torna viável a efetiva consolidação de currículo escolar
pela enriquecedora contribuição nos debates sobre as políticas públicas
educacionais.

REFERÊNCIAS

APPLE, M. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

CORAZZA, S. M. Diferença pura de um pós-currículo. In: LOPES, A. C. M. E.


Currículo: debates contemporâneos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. D.; TOSCHI, M. S. As áreas de atuação da


organização e da gestão escolar para melhor aprendizagem dos alunos. In:
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. D.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas,
estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2005.

SILVA, T. T. D. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.


2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SOUZA, R. F. Cultura escolar e currículo: aproximações e inflexões nas pesquisas


históricas sobre conhecimentos e práticas escolares. In: XAVIER, L. N. et al. Escola,
cultura e saberes. Rio de Janeiro: [s. n.], 2005.

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