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Olá!
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Refletir sobre os diversos significados da palavra “currículo” e analisar o sentido dessa polissemia conceitual;
3. compreender a relevância das contingências políticas, históricas e sociais na constituição dos discursos sobre
1 O que é currículo?
Questões referentes ao currículo têm-se constituído em frequente alvo da atenção de autoridades, professores,
gestores, pais, estudantes, membros da comunidade. Quais as razões dessa preocupação tão nítida e tão
persistente?
Será mesmo importante que nós, profissionais da educação, acompanhemos toda essa discussão e nela nos
envolvamos? Não será suficiente deixarmos que as autoridades competentes tomem as devidas decisões sobre o
A quem cabe discutir questões sobre o currículo? Qual a sua relevância para a formação de educadores e para a
prática educativa?
O currículo tem sido de fato objeto de discussão nas escolas? Em caso afirmativo, como ele se dá?
O que se entende por currículo e como ele entra no cenário escolar: como protagonista ou figurante? As
indagações feitas por Moreira e Candau (2007) são um bom ponto de partida para iniciarmos nossas reflexões
sobre o currículo.
Se analisarmos as práticas escolares ao longo dos tempos, podemos constatar que as respostas a essas questões
podem variar, pois, de acordo com os diferentes contextos, tempos, atores e espaços, o currículo assume papéis e
Você pode verificar isso, na prática, se fizer uma entrevista informal com algumas pessoas, do campo
O que é currículo?
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É muito provável que as respostas variem bastante e tragam noções muito distintas. É importante observarmos
que o que se entende por currículo, hoje, provavelmente traz uma “herança conceitual” dos múltiplos sentidos
atribuídos ao currículo em outros contextos. E essa polissemia não acontece por acaso.
Diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem para que o currículo seja entendido como:
- os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos
Essa multiplicidade se revela não só nos discursos informais sobre currículo, seja na escola ou fora dela.
Também expressa diferentes concepções teóricas sobre currículo e o que cada uma delas privilegia. Assim,
chegamos a uma primeira conclusão: os estudos sobre currículo não se pautam em uma única teoria do
currículo, mas em “teorias do currículo”. Mas cabe outra pergunta antes de analisarmos os porquês dessa
problematiza a noção de teoria como descoberta do real. Segundo o autor, essa concepção parte de um
pressuposto de que há, a priori, uma realidade a ser encontrada ou desvendada. A teoria apenas a refletiria, a
representaria. Assim, uma teoria do currículo teria a função apenas de descrever e explicar o currículo como algo
já existente.
Tendo como referência a perspectiva pós-estruturalista, segundo a qual a teoria não é o desvelamento de uma
realidade preexistente, mas está implicada na própria produção da realidade, este autor afirma que faria mais
sentido falarmos em discursos e textos sobre o currículo, ao invés de falarmos em teorias do currículo, pois as
representações e significados atribuídos ao currículo não são meras descrições e, sim, construções.
De acordo com essa visão, é impossível separar a descrição simbólica, linguística da realidade, isto é, a teoria de
seus "efeitos de realidade". A "teoria" não se limitaria, pois, a descobrir, a descrever, a explicar a realidade: a
teoria estaria irremediavelmente implicada na sua produção. Ao descrever um "objeto", a teoria, de certo modo,
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inventa-o. O objeto que a teoria supostamente descreve é, efetivamente, um produto de sua criação. Nesta
direção, faria mais sentido falar não em teorias, mas em discursos ou textos. Ao deslocar a ênfase do conceito de
teoria para o discurso, a perspectiva pós-estruturalista quer destacar precisamente o envolvimento das
descrições linguísticas da "realidade" em sua produção [...]. Um discurso sobre o currículo, mesmo que pretenda
apenas descrevê-lo "tal como ele realmente é", o que efetivamente faz é produzir uma noção particular de
Partindo dessas premissas, em nossas aulas, ao tratarmos de “teorias do currículo”, as conceberemos como
Assim, nos diferentes discursos ou teorias sobre currículo, estão implicadas diferentes concepções de sujeito, de
homem, de sociedade e de cultura, e não aleatoriamente. Sendo construções, e não apenas descrições de uma
Tomando metaforicamente a etimologia da palavra currículo (curriculum = pista de corrida), entendemos que os
“rumos” e “trajetos” desse campo do saber são múltiplos e complexos, resultantes dos diferentes contextos, dos
diferentes paradigmas, das diferentes funções que ele vem assumindo na prática pedagógica, ao longo dos
forma, desde os primórdios da instituição escolar o currículo teve um papel relevante na docência, pois nele se
Partindo-se da ideia de currículo como “[...] as experiências escolares que se desdobram em torno do
conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos(as)
estudantes.”, (MOREIRA ; CANDAU, 2007, p.18), torna-se evidente que em qualquer tempo e espaço, é em torno
Discutir currículo é, portanto, discutir a ação educativa em suas diferentes instâncias. Refletir sobre o currículo
implica analisar criticamente cada ação que constitui o “educar”, considerando essa palavra em seu sentido
amplo.
Nesse sentido, é fundamental refletir sobre as relações entre currículo, formação e atuação docente, já que os
professores têm um papel importante no processo curricular por estarem, muitas vezes, em suas mãos as
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selecionam os conteúdos que serão trabalhados com seus alunos;
definem as abordagens que serão dadas a esses conteúdos, isto é, que conhecimentos, visões de mundo, de
planejam o modo como serão trabalhados os conteúdos: que enfoque metodológico será utilizado; que
posicionam-se frente aos conhecimentos e experiências prévias de seus alunos, valorizando-os ou não;
avaliam a aprendizagem: como encaram os erros e acertos dos alunos, o que e como privilegiam em suas
avaliações, que instrumentos utilizam; como comunicam para os alunos, suas famílias e instituição o que
Em cada uma dessas ações cotidianas, o currículo se configura a partir da forma como se concebe a sociedade, os
restringe ao domínio técnico--metodológico, visto que é um artefato social e cultural, no qual cada um desses
atos de currículo pode assumir diferentes nuances, dependendo do contexto em que é produzido, das intenções e
conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, transmite visões sociais
transcendente, atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de
Assim, as escolhas e ênfases dadas na construção do currículo implicam uma ação política, pois elas são
responsáveis pela formação de sujeitos, isto é, pela formação das identidades desses sujeitos. Formamos para a
submissão ou para a transformação. Os alunos aprendem muito mais do que disciplinas através dos atos de
O que se ensina e como se ensina, a forma como o processo de ensino-aprendizagem é entendido e mediado, o
que, como e por que se avalia são fatores que determinarão o que serão os alunos. Se o conhecimento, que
constitui o currículo, não é neutro, então este assume uma importância vital na constituição dos sujeitos e de
suas subjetividades.
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4 Sobre alguns sentidos da polissemia do termo “currículo”
A diversidade de sentidos que a palavra currículo apresenta no cotidiano escolar ou na sociedade é reflexo,
também, dos processos de construção do currículo como campo de saber. As ênfases dadas por esses estudos
revelam tensões, conflitos e concepções que transcendem a abordagem epistemológica, o entendimento sobre o
que é conhecimento.
O que é privilegiado em cada um desses estudos, a forma como concebem a “realidade” se relaciona com
questões de poder. Assim, a seleção dos conhecimentos que configurarão os estudos e a preponderância de uma
identidade ou subjetividade sobre outras são operações de poder e situam as teorias do currículo num campo
epistemológico social, em um território contestado, no qual há uma luta que vai além das ideias, das “teorias”,
uma luta de poder, onde têm um papel central na atividade de garantir o consenso, de obter hegemonia. (SILVA,
2004).
É nessa “luta” epistemológica, ideológica e política que o campo do currículo vem se constituindo e emerge como
Assim, vamos ver o currículo transitar por diferentes enfoques, cada qual imprimindo a ele sentidos diferentes. O
que nos interessa, nesta aula, é compreender que, seja no período anterior à emergência do currículo como
campo de saber, seja depois, as tendências e concepções são múltiplas e estreitamente vinculadas às relações
O que nos interessa é aprofundar o entendimento do currículo, entendendo que o movimento pendular do
currículo tem sentidos que são complexos e envolvem posicionamentos ideológicos e políticos. É fundamental,
portanto, entendê-lo como artefato social e cultural, determinado social e historicamente, cujos “artesãos”
protagonistas são os professores, que têm em suas mãos o pensar e o fazer educação, a práxis pedagógica.
A polissemia do currículo deve ser objeto de análise e reflexão de educadores, pois o entendimento de que o
fazer pedagógico transcende o pensar sobre “como se faz currículo”, sobre os seus aspectos técnico-
metodológicos, nos aponta para novas dimensões e reflexões - ideológicas, intercríticas e multirreferenciais – e
nos instiga a pensar sobre “o que o currículo faz com as pessoas e com as instituições” e sobre o compromisso
Assim, “[...] entender a criação de um currículo é algo que deveria proporcionar mapas ilustrativos
das metas e estruturas prévias que situam a prática contemporânea.” (GOODSON, 1998, p.21, apud
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Entender e refletir sobre a polissemia do currículo é tomar posse dos “mapas conceituais” que constituem as
referências da trajetória dos discursos do currículo e da construção desse campo de saber. É ter em mãos os
caminhos percorridos e a possibilidade de escolher novos caminhos, ter consciência da importância desse
CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Compreendeu que a polissemia da palavra “currículo” revela diferentes maneiras de conceber os
sujeitos, a sociedade, o conhecimento, a cultura;
• refletiu sobre a importância do papel da escola e dos educadores nos processos curriculares e na
formação dos sujeitos e, consequentemente, na reprodução ou transformação da sociedade;
• aprendeu que, mesmo antes do currículo se constituir como campo, essa diversidade de sentidos já
permeava os discursos sobre currículo e que as teorias do currículo revelam distinções que transcendem
a abordagem epistemológica, pois expressam uma luta pela hegemonia e estão relacionadas com
questões de poder;
• analisou a importância das reflexões sobre o currículo e sobre os sentidos dessa polissemia na formação
docente, na medida em que os educadores têm um papel relevante na construção do currículo e na
concretização desse artefato cultural através da prática educativa;
• analisou, também, a dimensão sócio-histórica e política da prática docente e sua relevância na
construção das identidades e subjetividades dos estudantes.
Referências
GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e história. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MOREIRA, A. F. B. e SILVA, T. T. (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994.
__________ e CANDAU, V. M. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério
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SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
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