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DADOS DE ODINRIGHT

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Não tem j eito. É hora de m arcar seu espaço com energia. É
desgastante. Deve ser o últim o recurso. Você deve avaliar
se precisa envolver a direção ou não.

Infelizm ente chegam os, por vezes, a esse ponto em que a


diplom acia não funciona. Aí é a guerra e vence quem tiver
m ais força e estratégia. Com o diz um

dos grandes autores sobre o tem a (von Clausewitz), a


“guerra é a continuação da política por outros m eios”. Pelos
seus custos pessoais e pelos seus riscos, essa guerra aberta
e polarizada deve ser evitada o m áxim o possível. Tal atrito
é com o um a am putação a que subm etem os um a parte
do corpo apenas quando ela, totalm ente infectada, não
apresenta possibilidade de recuperação e ainda arrisca
outros m em bros do corpo. A decisão de am putar, com a
de rom per abertam ente com um colega, deve sem pre ser
a últim a e desesperada alternativa.

PARA ENCERRAR…

Há algo que aj uda m uito j ovens professores no em


aranhado descrito neste capítulo. No m eio da cam inhada,
pode lhe ocorrer a pergunta m elancólica:

“serei o único que quer ensinar”? Por quê? Porque, m uitas


vezes, quando você dá um livro essencial para os alunos
lerem , eles reclam am e protestam . A coordenação e a
direção dizem que o livro é grande dem ais. Os pais, na
reunião, dizem que não encontraram o livro ou que leram j
unto e não gostaram . Na sala dos professores, alguns
colegas observarão que, no passado, tentaram dar esse
livro, m as desistiram depois. De repente, isolado e triste,
você será levado a pensar se vale a pena.

No m om ento em que você estiver com aquela pergunta na


cabeça, pare um m inuto. Sentim entos m essiânicos e
salvacionistas são estranhos. Se você se sentir possuidor
isolado de um a verdade fulgurante que nenhum outro ser
hum ano ao seu redor percebe, avalie com delicadeza a
situação. A diferença entre rem édio e veneno, ensina o
criador da hom eopatia, é a dose. Não faça com o tantas
vezes fiz no passado: quanto m ais m e diziam que aquilo
era excessivo, m ais eu m e convencia de que era um herói
solitário a percorrer o deserto. Isso pode ser interessante na
fundação de grandes religiões ou nas vanguardas artísticas.
No m agistério, deve se ter cuidado com a genialidade
solitária e isolada. Volto à história que narrei do pai que
supunha ser o gerador de um ser especial. Se você é um
gênio acim a da m édia e dispõe de um a visão das coisas
que ninguém consegue entender… sej a discreto a respeito.

***

FILME

Mister Holland: adorável professor ( Mr. Holland’s


Opus). Direção de Stephen Herek. EUA, 1995.
O ator Richard Drey fuss interpreta um m úsico que,
necessitando de m ais dinheiro, decide com eçar a lecionar
m úsica num a escola dos EUA, em Portland, Oregon. Ele
não se sentia atraído para o m agistério, m as entrou para a
função por absoluta contingência. Suas experiências iniciais
são desastrosas. Ele detesta os alunos e a recíproca é
verdadeira. Com o com enta

sua diretora com ele, ele é o único professor que chega ao


estacionam ento para ir em bora m ais rápido do que os
alunos. A diretora, interpretada por Oly m pia Dukakis, tem
conversas m uito interessantes com Mr. Holland.

Com enta, por exem plo, que ser professor não é apenas
fornecer inform ações para os alunos, m as form ar redes
que perm itam reter essas inform ações. A relação dele com
a direção com eça áspera e vai se tornando produtiva. Há
atritos com colegas, com o o treinador esportivo, que acaba
se tornando um am igo. A vida do professor é ainda atorm
entada por problem as privados, com o o filho ter nascido
surdo. Ele vai descobrindo cam inhos para se com unicar
com os alunos, m as, na m esm a proporção que se encanta
com seus alunos, se afasta do seu filho deficiente. Ao final,
após 30 anos de m agistério, ele se sente derrotado porque
os burocratas não veem m ais sentido nas aulas de m úsica
e fazem um a reform a curricular, cortando a área de Mr.
Holland. Quando ele se sente derrotado, há um a reação de
ex-alunos, incluindo a atual governadora do Estado que ele
aj udara com o clarinete quando adolescente, que voltam
para a escola. No final, com apoio de tantos ex-alunos, ele
descobre que a grande obra dele, o “opus” m áxim o não
era, exatam ente, a sinfonia que ele tanto alm ej ara, m as a
própria influência e ação j unto aos alunos. Ao contrário de
outros film es, não m ostra um professor genial e carism
ático que chega com o um raio num dia de sol, m as um ser
hum ano com m uitos problem as que vai se descobrindo na
profissão.

APERTEM OS CINTOS, CHEG OU O DIA DA PROVA O


DIA DA PROVA…
Os exércitos falam de “batism o de fogo”. Ao j ovem piloto,
dá-se um banho inaugural de óleo. Os antigos guerreiros
orgulhavam -se da prim eira cicatriz em com bate. Para
você, j ovem professor, a linha divisória será a prim eira
avaliação aplicada num a turm a.

Chegou, por fim , o dia da prova. Haverá um clim a especial


na sala, por vezes, em toda a escola. Se for sem ana
especial de avaliações, colegas entrarão na sala dos
professores com um sorriso m ais denso. Você ouvirá, a
princípio com certo constrangim ento, m ultiplicarem -se
frases com o “agora eles vão ver” ou “chegou o dia da
vingança” etc.

Aqui com eça o prim eiro ponto da reflexão. Nunca a


avaliação pode ser oportunidade de “revide” ou “troco”.
Nenhum m édico sério vai cortar o paciente sem anestesia
porque ele é chato ou disse algo ruim na consulta. Nenhum
professor deveria utilizar avaliação com o form a pessoal de
afirm ação. É um erro grave e um desvio profissional. É
natural que um a voz inquieta, no fundo do coração do
professor, peça essa vingança. Não escute essa voz. Há m
uitos espaços para resolver problem as com a turm a. A
prova não é um deles.

Ao longo de sua vida com o professor, haverá atritos com


alguns alunos. Alguns deles serão sérios. Você perceberá
que crianças e j ovens têm habilidades para desestruturá-lo
que vão além da im aginação. Quando um colega disser,
com orgulho enorm e, que “nunca teve problem a com
nenhum aluno”, não acredite.

Ele está m entindo. Sorria e vá se afastando aos poucos


dessa pessoa. Só um desequilibrado pode pensar um a
coisa dessas.
Mas voltando ao foco do capítulo: a avaliação é um m om
ento para esquecer de todos os atritos. Se algum dia, um
aluno que o irritou não atingiu a nota final por pouco, sem
pre prefira aprová-lo. Na dúvida, diz um ditado latino,
devem os ser favoráveis ao réu. Um aluno que teve problem
as com igo e não atingiu nota é alguém que, autom aticam
ente, coloca em dúvida m inha avaliação.

CHEG OU O DIA...

O dia da prova m uda a relação professor/aluno. Ele


estabelece bem quem é quem e quais os papéis de cada um
. Pior: é o dia em que sua função policialesca será dem
andada por todos, alunos inclusive. Finalm ente, quando
você entregar a prim eira prova corrigida, o processo estará
com pleto. Você passou para o outro lado… Vam os
destrinçar estas linhas indicadas até aqui.

PREPARANDO A PROVA

Elaborar um a avaliação exige m uito cuidado. Nunca deve


ser atividade rápida ou im provisada. Um a avaliação ruim
pode im plodir todo o esforço que você realizou ao longo do
bim estre ou trim estre. É um m om ento que exige o m
áxim o da sua capacidade profissional e sabedoria. Para ser
prático, aqui vão indicações tópicas para preparar a
avaliação. Vej a quais se aplicam ao seu am biente de
trabalho.

1. Variar a form a. Toda avaliação m ede um aspecto e pode


favorecer ou não um tipo específico de habilidade m ental.
Avaliar sem pre da m esm a form a é lim itar isso. É com o
se houvesse um a escola de Educação Física que
trabalhasse apenas natação. Seria, no m ínim o, lim itado.
Assim , se você fez um a prova sem consulta, experim ente
fazer um a com consulta. Fez um a avaliação com m ais
interpretação de textos, faça outra com m ais im agens.

Não hesite, onde for possível, em substituir a tradicional


prova por um a apresentação oral. Perca o fetiche da prova
de m odelo com um . Utilize um trabalho ou até, em casos
raros em que o núm ero de alunos possibilite, um a
entrevista com o professor. Toda avaliação é parcial.
Variando, ao m enos, você varia o foco da parcialidade.

2. Coloque as instruções essenciais na prova. Evite m


ultiplicar avisos ou m uitas instruções. Quanto m ais
instruções você colocar, m ais os alunos encontrarão
brechas nas ordens. Não m ultiplique o que não é o foco da
prova. Mas não estabeleça instruções orais ditas quando
está entregando as provas. Coloque por escrito. Tenha o
costum e de registrar quanto vale cada questão. Quanto m
ais transparentes forem os critérios, m elhor.

3. Com ece a prova com um a questão fácil ou algo m ais


lúdico. Isso dará confiança para seu aluno chegar aos tem
as m ais com plexos. Tom e isso com o um princípio.
Precisam os que nosso aluno estej a o m ais tranquilo
possível para que ele coloque tudo o que sabe. Com eçar
pelo m ais fácil pode aj udar.

4. Calcule bem a quantidade de questões para o tem po da


prova. Alguns entregarão em 10 m inutos. Outros ficarão
com a prova por 4 horas se houver este tem po. Pense num
a m édia. Um a prova com poucas questões cobre pouco do
que foi trabalhado. Um a prova im ensa é cansativa. Adquira
consciência de que, se você vai aplicar um a avaliação ao
longo de um a aula de 50 m inutos, consum irá quase 15
preparando a sala para a prova. Com a experiência, você
aprenderá que não im porta o núm ero de questões da
prova nem o tem po que a turm a dispõe, você terá de
arrancar das m ãos de um aluno ao final. Ah, e a propósito:
será sem pre o m esm o aluno. Um a criança ou um j ovem
levam m ais tem po do que você im agina. Eles pegam a
prova, observam de form a geral, depois colocam o nom e
com certa

lentidão, pensam no núm ero, distraem -se pela prim eira


vez, observam as instruções, distraem -se pela segunda
vez, com eçam a responder a prim eira, m ordem a caneta,
distraem -se de novo, riscam a resposta, cham am o
professor para um a dúvida, obervam os colegas do lado
para ver se j á responderam m uitas questões, m ordem de
novo a caneta, e assim vai. Por que falo isso? Porque você,
professor, colocou quatro pequenas questões e pensou:
cinco m inutos para cada um a, tenho 50 de aula, o tem po
é suficiente. Esse cálculo, que leva em conta apenas a
quantidade das questões, é ingênuo.

5. Tranquiliza a você aplicar um a prova com m ais de um m


odelo. Mas é um problem a, pois nem sem pre os m odelos
apresentam a m esm a dificuldade.

Cuide m uito disso. Nessa hora, os alunos serão advogados


exam inando contratos com olhar de um a agudeza que
você não im aginaria possível. E

não se esqueça: se você aplicou um a prova no “segundo B”


na prim eira aula da m anhã, ao entrar no “segundo E” duas
horas depois, todos saberão de cor toda a prova que a turm
a anterior realizou. Leve isso em conta.

6. Difundiu-se um conceito cham ado “prova operatória”. De


algum a form a, o Enem seria a concretização desse
conceito, ao m enos na intenção. Antes, dom inavam as
provas do patam ar da m em ória, utilizando variações do
verbo identificar. O futuro aponta para a habilidade m ental
e m enos para a repetição. A prova deve trabalhar essa
capacidade de elaborar pensam entos, abstrair, deduzir,
com parar, criticar etc. O m undo que trabalha cada vez m
ais com inform ações prontas ao toque do teclado, tende a
valorizar m ais a capacidade crítica de avaliar essas inform
ações do que reproduzi-las. Você é um professor que nasceu
no século passado, assim com o eu. Porém , lem bre-se de
que estam os form ando gente para estar no m undo do
futuro.

Aposte no farol, não no retrovisor. Entenda a estrutura da


sua área de conhecim ento. Entenda as habilidades fundam
entais que j ustificam que o currículo inclua a sua disciplina
e não outra. Fazer um a boa prova operatória im plica
conhecer a epistemologia da sua área, ou sej a, a estrutura
que gera o conhecim ento e seus discursos de com
provação. Quem não conhece a fundo sua área acaba
perguntando tudo que é secundário e aparente. Para usar
um exem plo sim ples da m atéria que eu trabalho:
entender o conceito diversificado de Revolução e sua
construção na História é m uito m ais im portante do que
definir um integrante do grupo cham ado “pântano” na
Revolução Francesa de 1789.

7. Ainda no cam po da cham ada prova operatória. Dialogue


com suas aulas.

Escreva na prova a experiência que você utilizou. Isso


colabora para am bientar o aluno. Pense num a questão
assim : “No início de abril, no laboratório da escola, utilizam
os o papel tornassol para m edir o pH de um a substância…”
Ou então: “Quando lem os, no início do ano, um trecho de

Iracema, de José de Alencar, identificam os que o rom


antism o brasileiro…”
Pode parecer bobagem , m as esse pequeno diálogo aj uda
a orientar o aluno para a aula e a dialogar com ela. A prova
fica m ais orgânica e, por consequência, m ais “operatória”.
O sistem a aparece m ais equilibrado e alguns alunos, enfim
, entendem que você tinha obj etivos e que ele está no m
eio de um processo.

8. Sej a intensam ente claro no que você quer. Evite verbos


vagos com o

“com ente”. Se você disser, num a prova, “com ente o


cubism o” e o aluno disser “não gostei”, ele fez um com
entário. Pense m uito no verbo principal de cada questão.
Ele vai determ inar o sucesso da com preensão. Seria útil
colocar o verbo central da questão em negrito e sublinhado.

9. Term inado o m odelo de prova, releia várias vezes. Som


e para ver se os valores estão corretos. Revise a num
eração. Revej a o português e a digitação. Erros em prova
causam tum ultos desnecessários. Se possível, ao term inar
um a prova, deixe para relê-la no dia seguinte.

10 .Entregou as provas para que sej am reproduzidas na


escola? Ao recebê-

las, confira tudo. Você vai ficar chocado com o núm ero de
vezes que folhas são gram peadas erradas ou faltam folhas
no caderno de provas.

APLICANDO A AVALIAÇÃO

Organize a sala do j eito que você acha m ais tranquilo para


a prova. Separe carteiras se quiser. Faça com a m áxim a
rapidez. Adote um a posição firm e com o que você desej a.
Separe os alunos que você acha que podem causar m ais
problem as. Afaste duplas que se notabilizam pela troca de
inform ações. Quando as coisas estiverem em ordem ,
distribua as avaliações.

Se a prova é sem consulta, verifique antes quais os


procedim entos da escola com fraude. Há estabelecim entos
que indicam a punição dentro de um a norm a fixa. Essas
norm as devem ser claras. Olhar para a prova do colega
com insistência im plica perda da prova e zero? Ter um
papel com dados im plica perda da prova e zero? Existe um
a advertência prévia e zero na reincidência? Isso, m uitas
vezes, é estabelecido pela escola. Se não for assim ,
estabeleça os seus critérios e deixe-os claros para os
alunos.

Jam ais com pactue com a fraude. O professor que ignora a


cola pelos problem as políticos e pessoais de punir um
fraudador colabora para o m undo do estelionato aberto e
da im punidade que grassam entre nós. É um acinte à
educação e à cidadania. Você não acredita que seu papel
sej a cuidar ou reprim ir fraudes? Sem problem as: escolha
avaliações de outro tipo. Mas nunca transm ita a sensação
de que tanto faz. Se você anunciou que a existência de
papeizinhos auxiliares im plica retirada da prova, cum pra
essa regra e guarde o papelzinho apreendido. Com firm eza
e sem hum ilhação, retire a prova. Preferencialm ente, diga
pouco ou nada. Não discuta durante a prova, pois
atrapalhará os outros e, pior, será ocasião para m uitos
aproveitarem e colarem tam bém .

Sem pre haverá tentativas de burlar o sistem a. Celulares,


smartphones, aparelhos sonoros em geral e outros aum
entaram a capacidade de trazer inform ações de diferentes
fontes. Tem os de nos atualizar a esse respeito.

Mas… hora de avaliar a avaliação. Se for possível “colar”


todas as respostas da sua prova de um livro, o problem a
não está na ética cediça do aluno, m as na prova. Se for
possível tirar nota m áxim a apenas copiando, é porque a
prova está inteiram ente repetitiva, não elabora reflexão e
apresenta um defeito estrutural.

Reflita sobre a fraude tam bém , ela indica m uito sobre a


sua prova.

Parece ser um pacto secreto. Quando o professor senta para


aplicar um a prova, os alunos entendem , por algum a
tradição m uito antiga, que é possível colar. O fundo da sala,
de pé, é a posição m ais estratégica para cuidar de um a
prova. Circular um pouco aj uda. Lem bre-se de que seus
alunos são boas pessoas, m as costum am com binar antes
da prova que um cham ará o professor num canto com um a
dúvida com plexa, enquanto dez outros fazem algo ilícito.
Existe um a regra quase sem pre válida: os olhos do aluno
m al-intencionado procurarão sua posição na sala. Aluno
que o procura com insistência pelo seu olhar, saiba, pode
ter um afeto especial pela sua figura, m as é bastante
provável que estej a com intenções de fraude.

Volto a insistir. Se você não acredita em prova individual e


sem consulta, se você j am ais quer exercer esse papel de
vigia, se lhe desagrada um dia ter de retirar um a prova de
um aluno, não faça avaliações que im pliquem isso. Mas j
am ais j ogue um j ogo em que eles percebam que você não
está j ogando a sério.

Isso pode irritar bem m ais do que a punição de um


fraudador.

CORRIG INDO

Talvez sej a a parte m ais cansativa do m agistério. Trazer


10 pacotes, de 50
provas cada um , para casa. Poucas funções têm tanto
serviço fora do local de trabalho com o a do professor.
Cinquenta m inutos de prova em um a turm a podem
significar, facilm ente, quatro horas de correção em casa.

Você chega, coloca aqueles pacotes sobre a m esa,


descansa um pouco e com eça. Perdi a conta dos sábados à
noite e dos dom ingos de m adrugada que atravessei
corrigindo coisas. Há um m om ento em que com eçam os a
contar o núm ero de provas que faltam . É quase sem pre
verdade que corrigim os com m ais cuidado crítico as prim
eiras provas e com olhos m ais rápidos a centésim a.

O que fazer?

Prim eiro, saiba que há diferenças. Provas das áreas exatas


são m ais rápidas de serem corrigidas. Redações e provas
dissertativas da área de hum anas levam m ais tem po. Faz
parte da estrutura de cada área de conhecim ento.

Tanto na área de exatas com o na de hum anas, convém


fazer um gabarito m uito preciso do que você espera. Para
isso, leia algum as provas antes. Ao com eçar a corrigir,
escolha um a m esm a questão e corrij a até o fim do pacote
aquela questão. Não interrom pa no m eio. Anote, nas
respostas, o m áxim o possível de indicações. Se for
executável, escreva coisas pessoais do tipo:

“Rafael, você poderia ter desenvolvido o conceito de


ecologia que trabalham os”, ou “Daniela, faltou levar em
conta o hidrogênio na equação”, ou ainda “Teodoro: suas
frases, na redação, não apresentam pontos finais ou
vírgulas”. Nem sem pre é possível esse grau de cuidado, m
as, se você puder, faz m uita diferença. Jam ais escreva
coisas com o “que absurdo” ou “NÃO!!!!!” com caneta verm
elha e pontos de exclam ação. São com entários inúteis e
que não levam a um a reflexão sobre o erro.

Corrigir im plica atenção, paciência e concentração. Cada


pessoa desenvolve um sistem a. Aprendi a pegar as provas
assim que eu chegava em casa. Deixar para corrigir no dom
ingo à noite causa, em m im , ansiedade. Não relaxo no
sábado e no dom ingo porque ainda não corrigi. Ao corrigir
na véspera da entrega, fico ainda m ais tenso. Então, parei
de “enrolar” e tom ei com o m eta: o quanto antes é m
elhor. Mas não tem j eito. Haverá m om entos em que o
calendário de provas vai obrigá-lo a entrar fundo na m
adrugada. É um dos m om entos ruins do m agistério.
Professores chegam rapidam ente ao vício do café.

ENTREG ANDO

Alunos são ansiosos com o resultado das provas. Saiba que


eles perguntarão no dia seguinte se você j á corrigiu todas e
continuarão perguntando. Entregue o m ais rápido possível.

O m om ento da entrega é um pouco delicado. Há alunos


que rasgam a prova na sua frente. Outros, em gesto
silencioso, pegam , olham com desdém , e colocam no lixo
da sala. Tenha paciência. Cada um lida com o negativo e
com o positivo da avaliação de um j eito. Não se abale. Não
é com você. Não é pessoal.

Aproveite para com entar o que você esperava. Indique os


critérios da correção. Torne o processo o m ais transparente
possível. É um direito dos alunos.

Eu tive um colega que dava aulas de redação e, quando um


a aluna perguntou o m otivo de ter tirado a nota 7,0 (sete),
ele soltou esta pérola: “porque você tem cara de sete”. A
frase correu com o piada entre os professores. Todos
concordávam os: a aluna tinha, de fato, cara de sete. Mas
não é um critério válido.

Errou a som a das notas? Deu errado para um a questão


que estava correta?

Sem dram as: peça desculpas e pegue a prova de volta.


Desfaça o erro e entregue novam ente. Não ignore seu erro
nem o prolongue com o um a catástrofe.

Pode parecer bobagem , porém com o m eu público


preferencial é o j ovem professor: não se esqueça de anotar
antes as notas das provas. Tente ter cópia de todas as listas
de notas. Busque planilhas de com putador para calcular m
édias.

Tenha cópia física e cópia na m em ória do com putador. É


um desastre perder notas ou provas de um a turm a. Tenha
cuidado ao levar pacotes de provas para casa de praia, cam
po ou de outras pessoas.

OS CUIDADOS

Por vezes, eu acho que os professores som os a única


categoria profissional na qual existem m em bros que se
orgulham de ser incom petentes. Existem incom petentes
em todas as áreas, da Medicina ao Senado da República.
Mas, não consigo im aginar um profissional de outra área
batendo no peito e se orgulhando de trabalhar m al ou
errado. Vej am os.

Você concebe um m édico dizendo aos colegas: “Eu não


lavo m ãos antes da cirurgia, acho um a bobagem .”?
Consegue supor um engenheiro afirm ando: “Eu não faço
cálculos para fazer um a ponte, tenho m ais o que fazer na
vida.”? Não existe isso, ainda que engenheiros façam obras
defeituosas e m édicos m atem pacientes por engano. Mas
eles não se orgulham disso, pelo contrário.

Passei a vida ouvindo colegas se orgulhando de fazer provas


de qualquer j eito.

Outros não escondiam que corrigiam em plena sala de aula,


quando não há concentração suficiente e ainda retira o tem
po precioso de explicação de um a aula. Um a colega dava
para outros alunos corrigirem a prova e ainda disfarçava
com suprem o cinism o que era um recurso pedagógico para
reforçar o conhecim ento. O m ais gritante é que nenhum
deles fazia isso com o um desvio de caráter ou sim ples
vagabundagem , m as com entavam em alto e bom som .

Há um pacto de m ediocridade m uito sinistro na educação.


Se você for um péssim o professor, der aulas ruins, m as os
resultados forem bons nas notas, os alunos ignorarão todos
os seus defeitos, pois é m elhor ficar com um m edíocre que
dá notas altas do que arriscar um bom profissional que
possa rebaixá-las.

Além dos alunos, infelizm ente, esse pacto pode existir tam
bém com a própria escola: “Aquele professor não ensina m
uito, m as não dá trabalho... vam os m antê-lo lá.”

Educar é bonito, no entanto exige esforço e pode doer por


vezes. A prova é um desses m om entos. Elaborar, aplicar,
corrigir e devolver com entando é coisa para profissionais.
Encare esse processo com a m áxim a seriedade. É possível
que, em inúm eras ocasiões, contam inados pela sua
seriedade, os alunos respondam tam bém com seriedade.
Mas não espere m uito não. Faça porque deve ser feito,
porque é um a dem anda pessoal, profissional e política.
Internalize essa ideia.
Repita a todo m om ento e vá em frente. Não trabalhe para
ser popular ou querido da turm a. Lógico que você não deve
trabalhar para ser antipático ou duro.

Trabalhe para fazer um bom trabalho. Por vezes, isso incom


oda, m as qual seria o sentido de estar lá na frente
ensinando se não fosse para ser bom ?

O DIA DO CONSELHO

O Conselho de Classe é um m om ento privilegiado da


educação. Em tese e com o ideal, é o instante de reunir
todos os professores e oferecer a cada um um a visão do
conj unto. Com o todo ser hum ano é um universo com
plexo, eu tenho a chance de ver m eu aluno a partir de
diversos olhares. Em tese e com o ideal…

Cada escola estabelece um a dinâm ica para o Conselho de


Classe. Há as m ais técnicas, que passam rapidam ente
pelas turm as. Há conselhos m uito dem orados, em que
cada detalhe desde a concepção biológica do aluno é lem
brado. Cada escola apresenta um a cultura e um a prática.
Observe atentam ente antes e, se você for um novo
professor, espere um pouco antes de falar m uito.

Evite com entários que não traduzam um obj etivo


pedagógico. Sej a ético com seus alunos ao ouvir e ao falar.
Ao tom ar conhecim ento de questões pessoais, trate-as
com m uito respeito. Ao inform ar algo que possa aj udar na
avaliação, estabeleça um padrão não crítico ou de j ulgam
ento m oral. Você verá que, infelizm ente, alguns colegas se
referem aos alunos com o “o vesgo do fundo”, a

“gorda da prim eira fileira” ou o “drogadinho que chega


atrasado”. Sim , assim com o os alunos, há professores que
fazem esse tipo de coisa e são m uito desrespeitosos com
apelidos e classificações. Por achar isso ruim e pouco form
ador de caráter e cidadania, evite repetir gestos de crianças
e adolescentes.

No Conselho há, além dos colegas, representantes da


direção ou da m antenedora. Tenha cuidados políticos ao
falar. Críticas públicas a procedim entos da escola pegam m
al, exatam ente porque o público m agnifica tudo.

Depoim entos abertos pej orativos são gravados com força


na m em ória de quem decide os rum os da escola, inclusive
sua m anutenção nela. Pense seriam ente que, além de
avaliação de alunos, o Conselho é um m om ento de
avaliação dos professores.

Pergunte m uito. Obtenha inform ações para que sua


decisão sej a a m ais j usta possível. Ouça. Pondere. Afaste a
passionalidade e vote com sua consciência.

Por sua consciência não ser absoluta, você precisa ouvir


todo m undo. Por sua consciência ser o seu valor m oral m
ais im portante, ao final, tom e a decisão m ais equilibrada
possível.

Sem pre e para encerrar: no caso de dúvida, absolva. Erre


sem pre pelo excesso de clem ência. Reprove se necessário,
m as que isso sej a o m ais consensual possível e nascido do
desej o genuíno de que será m elhor para o aluno. Não para
a escola e nem para você, m as exclusivam ente para o
aluno. Na dúvida, absolva.

É um erro m édio aprovar quem não m erece. É um erro


gigantesco reprovar quem não m erece.

Meu pai, que além de advogado foi professor de Latim ,


Português e Inglês por m uitos anos, contava um a história a
esse respeito. O fato ocorreu num a prova de segunda
época, m ecanism o antigo de avaliação em que o aluno
fazia um exam e final no período de férias. Após ter
corrigido um a folha frente e verso de um a

prova, havia um a seta que indicava: “continua na próxim a


folha”. Não havia próxim a folha. Meu pai a procurou m uito
e ela não existia. Todo professor sabe com o é fácil perder
um a folha entre centenas. Tom ado pela reflexão sobre o m
elhor cam inho, aplicou o princípio do Direito Rom ano: in
dubio pro reo (Na dúvida, a favor do réu). Meu pai concedeu
ao aluno os pontos que faltavam por não ter certeza se a
resposta na folha suplem entar eram ou não suficientes
para a aprovação. O aluno foi aprovado.

Chegada a form atura, na hora de apertar a m ão de cada


aluno, m eu pai, paraninfo, foi cum prim entado pelo
referido aluno. Ao abraçar o professor naquele m om ento
de alegria, o aluno teria dito: “Ainda procurando a folha,
professor?” Sim , o aluno era um m alandro que conseguira
ludibriar m eu pai.

O que eu quero dizer ao lem brar essa história do m eu pai?


Que o dr. Renato Karnal estava correto. Ele fez o que eu
faria e tentarei sem pre continuar fazendo.

É m elhor ser enganado por m uitos do que um a única vez


ter sido inj usto. Ser professor tam bém é estar disposto a
esse papel. Na dúvida, sem pre, absolva.

Você será feito de bobo por vezes? Com toda certeza. Ainda
defendo que ser um bobo m ovido por sentim ento de ética
e j ustiça é superior a ser um orgulhoso inj usto que prefere
sacrificar um inocente a colocar em risco seu orgulho. Há
professores que preferem colocar em prim eiro plano seu
orgulho. Esses últim os são sem pre e ao fim os únicos e
definitivos im becis.

***

FILMES

A onda ( The Wave). Direção de Alex G rasshoff. EUA,


1981./ A onda ( Die

Welle). Direção de Dennis G ansel. Alemanha, 2008.


O autor de livros Tod Strasser, sob o pseudônim o Morthon
Rue, escreveu um a obra para j ovens cham ada A onda (
The Wave, 1981) baseada, com liberdade ficcional, num a
experiência ocorrida num a escola em Palo Alto, Califórnia.
No livro, um professor quer explicar a força da propaganda e
do grupo para que os alunos entendam o que foi a
experiência do nazism o. O

tem a gerou um docum entário para a televisão feito por


Alex Grasshoff. Em 2008, surgiu o film e alem ão com o m
esm o enredo: Die Welle, dirigido por Dennis Gansel. No film
e alem ão, com o nas obras anteriores, os alunos vão sendo
reunidos por um professor e sentindo a força de pertencer a
um grupo com identidade clara e sentim ento de união
protetora. O experim ento sai de controle porque a energia
liberada é m aior do que os obj etivos puram ente didáticos.
É um m om ento interessante para refletir sobre o papel do
professor, o papel da propaganda, a força da identidade e
os riscos inerentes a tudo isso.

TECNOLOG IA E SALA DE AULA

Quando eu com ecei a dar aulas, o mimeógrafo que


utilizava álcool era um aparelho universal e todos
aprendíam os a utilizá-lo para reproduzir textos e provas. Ao
m esm o tem po, difundia-se o retroprojetor, aparelho que
proj etava transparências na parede. Chegou a ser tão
utilizado que, dizia-se (talvez com o piada) que alunos
convidavam o retroproj etor para paraninfo nas form aturas.

Havia sido quem m ais tinha conversado com eles. Por anos,
o proj etor de slides m arcou sua presença e, a partir dos
anos 1980, cresceu a utilização de film es em videocassete
com fins didáticos, quase ao m esm o tem po em que o
xérox substituía o m im eógrafo.

Há dois aspectos a considerar agora. Um foi a transform


ação do com putador e da internet com o recursos didáticos.
Essa m udança é visível e im portante. O
outro, m enos palpável, é a transform ação na cabeça dos
alunos e na m aneira de aprender. Essa é m ais im portante
ainda.

AINDA APOCALÍPTICOS E INTEG RADOS

A m etáfora usada por Um berto Eco descreve as duas


atitudes básicas diante da tecnologia. Um a refere-se aos
apocalípticos, aqueles que lam entam o surgim ento dos
novos recursos e anunciam um declínio profundo e um fim
próxim o. Outra atitude está nos integrados, os que utilizam
, aproveitam e vivem , com prazer, a tecnologia. Quase sem
pre, no m agistério, essa linha é cronológica. Professores m
ais velhos apresentam m ais dificuldades com certos
recursos m odernos e os m ais j ovens costum am ser
integrados. Entre os alunos, nunca encontrei quem lam
entasse as m odernas tecnologias, m as apenas os que
deploram não ter ainda o aparelho m ais recente em m ãos.

Com o este livro foca em quem está com eçando a dar aula,
suspeito que você, colega leitor, sej a um integrado. Logo,
não é necessário descrever ou defender qualquer novo
recurso. Há um risco de você o utilizar m ais e com preender
m elhor do que este autor.

Mas, a m elancolia de um passado perfeito que nunca


existiu, estará presente na sala dos professores e na direção
das escolas. É quase um a atitude bizarra.

Quem passou décadas utilizando giz e quadro, falará que,


“naquele tem po” é que se dava aula. Saíam os, às vezes,
cobertos com um a cam ada de pó de giz tão onipresente
que parecíam os um obj eto arqueológico escavado e
trazido à luz após m ilênios num a tum ba secreta.
Provavelm ente, quem diz a você que
“naquele tem po” é que se dava aula, não tolera que você a
dê sem ter passado por esse sofrim ento paleolítico do giz.
Essa lógica é com o a do trote em universidades. Por que
fazer? Porque fizeram com igo. Fecha-se o círculo de giz…

A confusão parece nascer sobre o papel da tecnologia.


Máquinas não m elhoram , em si, o conhecim ento ou a
criatividade. Dante não conheceu a im prensa, m as a
Divina Comédia não parece sentir falta disto. Dante não
escreve m elhor ou pior do que Cervantes, que publicou seu
Quixote pelo recurso m oderno da im pressão. Mas a im
prensa foi poderoso instrum ento de divulgação de obras e
ideias. Com certeza, quando um obscuro alem ão im prim iu
um a coleção de Bíblias no século XV, deveria haver m uito
professor a torcer o nariz e dizer que agora tudo pioraria e
ninguém m ais praticaria a boa arte de ser copista. O fim
dos m anuscritos m edievais deve ter sido lido por
“apocalípticos” da época com o o fim do conhecim ento
sério.

Toda tecnologia gera certo receio. Fundados ou não, esses


m edos costum am traduzir quem se form ou no uso de
determ inadas ferram entas e vê o desaparecim ento delas
com o o fim de um a época, e de si com o usuário
conhecedor das ferram entas. Afinal, se eu fiz datilografia e
tenho diplom a disso, com o entender que ninguém m ais
faça e, pior, digitem ainda m ais rápido do que eu?

Quando a caneta esferográfica surgiu no Brasil, alguns


bancos resistiam que os

cheques fossem feitos com elas, j á que o poder dos bancos


estava nas m ãos de quem só utilizava canetas-tinteiro. Hoj
e, quando algum as escolas dos EUA abandonam os
cadernos físicos e as canetas para utilizar apenas com
putadores pessoais, inclusive para alfabetização, um grupo
grande pensa que se trata de um declínio e que essas
crianças terão um a falta, um hiato, um déficit. Voltam os ao
círculo de giz.

Sim , m eu j ovem colega, você conviverá m uito com esses


neolu-ditas. Os luditas eram operários revoltados com o
surgim ento das m áquinas de tecer a vapor no fim do
século XVIII e no século XIX. Acusavam as m áquinas de
causarem o desem prego e queriam im pedir o dram a que
viviam quebrando as m áquinas. Há neoluditas por todo
lado hoj e.

Ao lado desses apocalípticos e neoluditas, você encontrará


variantes da

“síndrom e de Frankenstein”: as pessoas que acham que,


um dia, as m áquinas nos destruirão e nos tornarão
escravos de um a batedeira ou de um liquidificador.

Com o o ser-hum ano-m onstro inventado por Mary Shelley,


nossa criação virá contra nós.

Não preciso desenvolver m uito essa resistência porque,


provavelm ente, você não a tem . E os outros? Bem , a m
orte tem um efeito m uito renovador sobre a espécie hum
ana. É só aguardar um pouco.

Mas há outro polo desse problem a. São as pessoas que


acreditam que o uso do com putador em si; o acesso à rede
m undial em si; cada aluno portando um tablet e um a lousa
m idiática garantem um a aula capaz, de novo em si, de
produzir um bom aprendizado. Não! Definitivam ente, não!
Trata-se de um a fantasia ingênua e deslum brada. Assim
com o há novos-ricos que im itam de form a ridícula os m
odos dos endinheirados m ais antigos, há novos-cibernéticos
que exibem com orgulho parafernálias com o se fossem um
a nova cornucópia da abundância.
Há algo que valia na Academ ia de Platão ou no Liceu de
Aristóteles e vale hoj e, no século XXI: um a boa aula é
aquela que faz pensar, provoca reflexão e traz, com isso,
um a nova percepção das coisas. Um a boa aula atinge seu
obj etivo, seduz e instiga. Um a boa aula diz, de form a clara
e sintética, o que deve ser dito. O elem ento central de um
a boa aula envolve o conhecim ento j á form ado
(vocabulário, procedim entos, habilidades etc.) e sua
interação com novos procedim entos do aluno. Um a boa
aula transform a quem se envolve nela.

Sem pre é necessário repetir: um a boa aula não precisa de


tecnologia. A tecnologia é um a ferram enta privilegiada, j
am ais o obj etivo em si. O

com putador funciona com o alavanca: m ove m elhor a


pedra pesada, m as o obj etivo continua sendo m over a
pedra.

Vou dar um exem plo num a área que não é a m inha. Um


dos obj etivos do ensino da língua é despertar um a
capacidade m aior de expressão daquilo que eu quero dizer.
Para isso, norm alm ente, os professores de Português estim
ulam boas leituras e produção de texto. A linguagem da
internet fez surgir padrões novos de

com unicação. Elim inação de vogais, abreviaturas, uso de


onom atopeias, linguagens gráfico-concretas fazendo
sorrisos com parênteses e pontos, entre outros.

Diante da em ersão desse novo padrão, tenho certeza, m


uitos professores de Português torceram o nariz (eu tam
bém , creiam -m e). Tornaram -se apocalípticos e com
param alunos ideais que liam A Guerra da Gália, de Júlio
César, em latim , há 50 anos, com esse aluno que m anda m
ensagens com o “rs naum vi rs rs rs”.
Aquele seria o protótipo do hum anista culto e refinado ao
declinar o genitivo e o ablativo; este, um a escória
analfabeta e im becilizada pelo lixo tecnológico da m
odernidade. É um a oposição infeliz, ressentida e, acim a de
tudo, falsa.

O problem a de sim plesm ente dizer não à form a de com


unicação dos alunos é que se cria um am biente dividido:
existe o m undo real, vibrante e com unicativo, e existe a
escola, que fala um a língua que ninguém m ais usa.
Reforça o estereótipo j á forte nos j ovens de que a escola é
arcaica e inútil. Tom ar um m odelo do passado aperfeiçoado
pela m em ória parece servir apenas para desacreditar o m
undo atual, criar saudosistas e m elancólicos e, acim a de
tudo, ignorar o aluno que está na nossa frente com
necessidades e procedim entos distintos daquele que era
corrente na era do vapor.

Ora, não se trata de o professor com eçar a dar aula


utilizando a linguagem de um adolescente. Nada m ais
patético do que isso. Tam bém não é o caso de tornar a sala
de aula um sim ples espelho refletido do que se passa no m
undo e negar à educação seu papel transform ador. O
professor que, sim plesm ente, quer reproduzir em sala o
que há de m ais recente, estim ula um a sala a reboque e
reforça que o m undo pertence à m ídia e que ela deve
transform ar, cabendo à escola seguir autom aticam ente. É
um a atitude em pobrecedora do ensino. De todos os
defeitos de um a aula, a opção pela m ediocridade talvez sej
a o pior.

Nunca se esqueçam : nenhum a aula pode concorrer com


espetáculos televisivos.

O show business sem pre estará, em recursos e dinam ism


o, à frente do que eu posso fazer na m inha sala.
Mas voltem os à língua. Eu posso fazer aquilo que não está
nos obj etivos da grande m ídia. Posso fazer pensar. Ao
invés de negar (atitude apocalíptica) ou de colocar a
reboque (atitude de integrado), eu posso utilizar a m eu
favor e para m eus obj etivos. Exem plo: posso fornecer aos
alunos um a declaração de am or clássica contida, por exem
plo, num soneto de Cam ões. Ao lado, peço que eles criem a
m esm a ideia em linguagem de Twitter, com no m áxim o
140 caracteres, e que depois, com parem os 14 versos do
soneto cam oniano com o que escreveu.

O que se ganha e o que se perde em cada expressão? Você


pode lem brar aos alunos que assim com o existe um
padrão para o soneto de m odelo clássico, o padrão do
Twitter é um a herança do velho telex. Para m anter o
Twitter acessível aos celulares m ais sim ples que com
portavam apenas 160 caracteres num torpedo (140 + 20
para o nom e do usuário), o Twitter m anteve esse lim ite.
Com o

o lim ite da versificação cam oniana é o lim ite das sílabas


poéticas, o lim ite do SMS e do Twitter tem regras e estim
ula m udanças na linguagem . Se Olavo Bilac coloca rubim
ao invés de rubi por m otivos poéticos, o Twitter estim ula vc
em vez de você. Curiosam ente, a form a m ais sintética
(apocopada) vc é um a tradição que nasce antes, quando
vossa mercê j á deu origem a você. A língua é viva e não
parou com Cam ões. Com o toda pessoa m ais velha, desej
aria que ela não parasse no SMS tam bém , m as isso
apenas revela m inha idade.

Dei um exem plo sim ples. Penso num a transform ação m


aior. O acesso à internet e os recursos com o a Wikipédia
tornaram , positivam ente, o velho m odelo de trabalho de
pesquisa m ais ultrapassado ainda. Um professor que m
anda fazer um trabalho com as seguintes diretivas:
“pesquise a origem do zero na história da m atem ática” ou
“pesquise o feudalism o”, está pedindo, indiretam ente, que
o aluno copie tudo da internet sem ter o trabalho de ler ao
m enos. Esses trabalhos descritivos e sem problem as j á
eram ultrapassados quando a m inha geração retirava tudo
da Enciclopédia Barsa. A internet apenas escancarou a
inutilidade desse tipo de conhecim ento.

Penso num trabalho de Biologia. O professor lança um a


questão que pode interessar a j ovens: refrigerante light e
diet podem provocar câncer? Se ele apenas lançar essa
questão com o trabalho (que j á é boa), ainda corre o risco
de m uitas cópias. Porém , ele pode pedir algo m elhor: que
argum entos, com quais pesquisas e com provações, que
evidência determ inado site fornece para que essa questão
sej a respondida? Qual o duplo obj etivo aqui? Um pode ser
o m ais estritam ente biológico, o estudo sobre o que vem a
ser o câncer. O outro é m ais da estrutura do conhecim
ento: com o se valida um a inform ação em biologia e qual o
grau de confiabilidade de um site? Com isso, o professor
estaria trabalhando um m elhor uso das inform ações da
internet e poderia dem onstrar com o teorias científicas e
bem estudadas se m isturam , na rede m undial, a teses
alarm istas e histéricas. Ensinar o aluno a distinguir
conhecim ento científico de outros é algo m uito im portante
e serve com o ferram enta para o resto da vida.

O professor de Física pede aos alunos que acessem no You


Tube cenas de desenhos anim ados que contrariam , por
exem plo, a lei da gravidade. Pede que eles identifiquem
princípios da Física clássica que o desenho esgarça ou
ignora.

Anim ais que perseguem outros e ficam parados no ar até


que se deem conta de que estão sem chão; explosões
barulhentas num espaço sideral onde não existe ar para que
o som se propague, e assim por diante.

Por vezes, um a questão absurda, em si, estim ula o pensam


ento e a criatividade. O Inferno seria endotérm ico ou
exotérm ico? Com o o Inferno poderia deter a entropia? A
partir de um a prem issa não tradicional, podem os estim
ular o aluno a am pliar, ao invés de repetir, o conhecim
ento.

O leque é infinito. Selecionar um a cena de transform ação


geo-lógica para um a aula de Geografia. Escolher um
grande artista recitando um poem a para a

aula de Redação. Mostrar um a cena de Olim píada para


testar um princípio de Física. Indicar quadros para a aula de
Artes. Buscar grandes disputas esportivas para exem plificar
regras na aula de Educação Física. Trazer um vídeo que
ilustre a Revolução Industrial. Pegar um a anim ação que
desenvolve um princípio de Geom etria ou Matem ática.
Todos os cam pos do conhecim ento podem ser estim
ulados. Mas sem pre tenha presente: use o recurso, não
apenas ilustre um a aula. Trabalhe o que aparece e tenha
um plano para isso. Deixe claro que aquilo é um a ferram
enta e que você é o professor que utiliza, não que serve ao
com putador. Restaure a prim azia do hum ano sobre a m
áquina e, ao m enos, aj udarem os a retardar o dia em que
os liquidificadores se voltarão contra nós.

NÃO APENAS MÁQ UINAS, MAS CÉREBROS

Até aqui falam os da internet com o aliada do ensino. Mas


há algo m ais sutil a pensar num a educação para o século
XXI. Utilizar ou não utilizar recursos m idiáticos é apenas a
parte m enor do problem a. Houve um a m udança
estrutural na m aneira de ver o m undo e de aprender.
Em prim eiro lugar, ainda antes da onda com putacional, o
m undo m ental dos alunos (e nosso tam bém ) é um m
undo de im agens. Inform ações são acom panhadas de im
agens. Jovens fotografam tudo e com partilham tudo. A
noção burguesa de intim idade, criada após o declínio da
aristocracia, deu lugar à vida exposta. Sem pre nos
fascinaram os signos abertos das im agens, m as, hoj e, ver
é absoluto.

As im agens, onipresentes, tam bém ganharam velocidade.


Elas não apenas estão lá, m as m udam a todo instante.
Assim , transform ou-se a capacidade e a tipologia da
atenção. A m édia dos alunos sim plesm ente não consegue
acom panhar um a longa explicação oral ou um a dem
orada dem onstração de teorem a. É um a questão
estrutural.

Essa nova percepção provoca, geralm ente, alunos m uito


rápidos na percepção das coisas, m uito atentos à im agem
e com dificuldades na concentração prolongada. Im plica
novas atitudes para educadores. Basicam ente, duas novas
atitudes seriam :

1. Dividir as partes de um a explicação em unidades m


enores, sintéticas e bem claras. De um a form a otim ista,
eu diria que um j ovem tem 10 m inutos (sei, sou superotim
ista) de atenção m ais concentrada. Provavelm ente, é um
pouco m enos do que essa m inha avaliação. Então pense
para um a boa e clara explicação que vá de 5 a 10 m inutos.
Feito isso, tom e a atitude de recapitular, m ostrar um a im
agem , explorar outro recurso.

2. Utilizar, sem pre que possível, recursos sensoriais com o


im agens e m úsica.
Escolha bem , trabalhe o recurso e utilize com obj etividade.
Im agens não são ilustrações: são parte do processo de
aprendizado. Utilize-as para construir a explicação, não para
colorir a aula.

Agora, de algum a form a, vou contradizer tudo o que eu


vim dizendo. Insisti num novo m undo de percepção ao qual
o professor não pode estar alheio.

Defendi adaptações estruturais na m aneira de conceber o


ensino e a aprendizagem . Agora, preciso m atizar tudo isso.

É verdade que os alunos são capazes de abrir várias “j


anelas” no com putador ao m esm o tem po. Muitos focos m
arcam a m aneira atual de acessar a rede m undial. Porém ,
isso não é algo que deva ser defendido ou im itado. Não é
possível m anter um a profunda atenção em oito j anelas ao
m esm o tem po. Posso ver ou abrir, m as não posso exam
inar nenhum a de verdade. Logo, apesar de

existir essa tendência j ovem de abrir m uitas j anelas, os


professores devem estim ular algo no sentido oposto.
Devem os estim ular a concentração. Devo levar em conta
que m eu aluno tem dificuldade com esse foco. Logo, devo
partir desta realidade, m as não dirigir o ensino a ela. Há
traços da cultura “internética” que devem ser com batidos.
Navegar a esm o, acessar dezenas de sites em cinco m
inutos, abrir m uitas j anelas, ver vídeos e som e im agens
ao m esm o tem po: isso é um processo m ais hipnótico do
que educativo. Seduz, de form a apática e com m ais
frequência, m ais do que ensina ou desafia.

Im portante ressaltar: m eu aluno precisa saber que, sim ,


ele pode correr, chupar picolé, ouvir som , digitar torpedos e
outras atividades ao m esm o tem po, m as isso aum entará
a chance de tropeçar na corrida. Sim , podem os fazer m
uitas coisas sim ultanea-m ente, m as há um preço nesse
esgarçam ento. Um j ovem de 14 anos pode fazer ainda m
ais do que o professor, m as não podem os ter atenção total
em m uitas coisas ao m esm o tem po. Logo, partir da
realidade desfocada do m eu aluno é m uito im portante, m
as ficar nela com o obj eto e m eta é um erro.

Partir do aluno para chegar a um m undo m ais desafiador.


Essa parece ser um a boa m eta. Eu posso e devo
questionar a necessidade de ver m ensagens a cada dois m
inutos. Eu posso e devo refletir sobre os lim ites da
exposição pública nas redes sociais. Eu posso e devo
ensinar que, por m ais que o aluno considere um am igo
virtual com o um am igo m esm o, em bora não saiba seu
nom e verdadeiro nem nunca o tenha encontrado, a am
izade real e concreta continua existindo.

Assum ir a tecnologia com o ferram enta não significa im


portar j unto, no pacote, o que ela tem de ruim , lim itado ou
deform ador.

Outra coisa j á foi indicada. Ensinar a avaliar os dados, a ser


crítico em relação aos sites, a pensar com seriedade a
construção do conhecim ento. Alfabetizar o aluno sobre os
discursos da im agem . Mostrar que um a foto, um quadro
ou um film e é um a escolha subj etiva, que traduz um a
realidade subj etiva e a escolha de um autor, de um a com
panhia ou de um a rede. Indicar ao aluno com o é fácil m
anipular im agens não apenas pelos óbvios recursos atuais,
m as pela própria escolha de im agens. Essa é um a tarefa
m uito im portante neste século XXI.

A coerência desta explicação é que a internet e os com


putadores não são elem entos que devem ser evitados nem
idolatrados. Desenvolvi, na prim eira parte, com o é im
portante utilizar a nosso favor esses recursos. Alertei com o
é perigoso colocar a escola com o atrelada a esses recursos.
Indiquei que cabe ao educador utilizar, com inteligência,
todo esse universo, evitando dem onizá-los ou divinizá-los.
No fim , com o sem pre, restam as escolhas do professor
tendo em vista o aluno.

UM CASO DE SUCESSO

Ele chegou a ganhar capa num a revista nacional com o “o


m elhor professor do m undo”. Título forte e, com o todo
título, alvo de debate entre as diversas torcidas.

Mas, para quem am a ou odeia, sugiro a análise em detrim


ento da paixão.

Salm an Khan nasceu nos EUA, com ascendência indiana.


Seu site (http://www.khanacadem y.org) recebe m ilhões de
acessos por dia. Tudo é gratuito. As aulas cobrem quase
todos os setores do conhecim ento. Se preferir em

português,

m uitas

aulas

em

(http://www.fundacaolem ann.org.br/khanportugues).
O enfoque do conteúdo não é revolucionário. Eu diria que é
conservador. Os recursos são lim itados. De onde vem o
sucesso? Eu acredito, prim eiram ente, que da ideia de um a
aula acessível pela internet. Mas o m érito é a clareza
direta, curta e obj etiva. Alguns podem achar excessiva. Há
um a explicação e essa explicação é dada em m enos de
dez m inutos, geralm ente m enos. O enfoque é didático,
claro e com exem plos. Este parece ser o m aior m érito.

As aulas são um pouco do que eu queria dem onstrar. Não é


a internet em si que revoluciona, m as ele adaptou o
conteúdo a um a percepção que, em últim a instância, vem
do m undo do com putador. Supera-se o fetiche do
presencial, outro debate que daria um livro à parte. O
acesso caseiro perm ite um ritm o adaptado a cada um . Há
várias décadas houve a defesa do ensino “m odular”, com
apostilas individuais e autoexplicativas. De algum a form a,
ele adaptou essa ideia para a internet. O m eio é novo, a
renovação é um pouco m ais velha e o enfoque é ainda m
ais velho. Porém , funciona m uito. Despertou a atenção e o
dinheiro de Bill Gates, o m ago da Microsoft.

Assista e tire suas próprias conclusões. Estej a aberto para o


novo, m as sem pre m unido do senso crítico. Volto a insistir:
algum as aulas só com um professor e sua turm a dentro de
um a sala tradicional podem ser m ais revolucionárias do
que essas. O enfoque conservador do conteúdo continuará
sendo arcaico em 3D, pela internet e com softwares de
anim ação sofisticados. Nunca é tarde para lem brar que o
Estado que m ais insistiu na presença de tecnologia na sala
de aula, com proj etores de film e e outros “avanços”, foi a
Alem anha nazista.

***

FILME
O sorriso da Mona Lisa ( Mona Lisa Smile) . Direção
de Mike Newell. EUA, 2003.
Julia Roberts interpreta um a professora de Artes (Katherine
Ann Watson) que chega a um a escola fem inina m uito
tradicional, o fam oso Wellesley College. Para os padrões da
década de 1950, a utilização de slides em todas as aulas é
m uito inovadora. Porém , a sofisticação e a eficiência da
escola escondem um proj eto reacionário. A escola é para
que as j ovens se

preparem para serem donas de casa, sem outra perspectiva


além de cuidar da fam ília e do m arido. As aulas e tudo o m
ais se voltam a um obj etivo: adaptar as m eninas ao seu
papel “sagrado”. Após ficar im pressionada com a eficácia
daquele m undo, a professora vai se rebelando. Utiliza um a
im agem de carne esquartej ada de Rem brandt para
questionar o padrão estético das alunas. Finalm ente, leva-
as a um a obra recente de Jackson Pollok e surpreende suas
discípulas com um novo padrão de pensam ento. É

curioso com o as alunas ficam m ais atentas e são m ais


abertas à transform ação quando a professora abandona a
tecnologia de ponta (no caso, o slide). A partir das aulas de
Artes, a professora inicia um processo, algo traum ático, de
questionam ento dos padrões vigentes.

Você j á deve ter percebido que um a fascinação do cinem a


estadunidense é colocar professores carism áticos em cena
que desestruturam um m undo ordenado e abrem novas
perspectivas. São professores revolucionários, m as no
padrão com o os am ericanos m édios entendem revolução:
libertação psicológica e íntim a, j am ais social. São
revoluções individuais, não francesas ou russas. Im plicam
abrir-se para si e não para o outro, necessariam ente.

O m ais rico no debate sobre esses film es é que nossos


alunos j á são excessivam ente abertos para si e pouco
inclinados aos valores vigentes. A sociedade calvinista de
horários e deveres é o que o professor dos film es dos EUA
deve enfrentar. Já m e surpreendi várias vezes desej ando m
ais aquela turm a com portada e quadrada do início de O
sorriso da Mona Lisa ou de Sociedade dos Poetas Mortos do
que revolucionários abertos ao novo.

Professores ficcionais com o a Julia Roberts deste film e


libertavam seus alunos fazendo-os sair da escola. Seria dem
ais sonhar no Brasil que nossos alunos entrassem na
escola?

DISCIPLINA

por Rose Karnal

Decidi ser professora aos 5 anos de idade.

Adorava dar aulas para as bonecas, que perm aneciam


sentadas, quietas e nada questionavam .

Um a adm irável sala de aula sem barulho, sem reclam


ações, sem desafios e m uito m enos conflitos. O tem po
passava rápido e tudo era m uito prazeroso para m im . Que
m aravilha!, pensava com igo m esm a... É isso que eu
quero ser quando

“crescer”: professora.

Um pouco depois, passei a exercer o m agistério com alunos


reais: m eus irm ãos m ais novos (pobre deles!) e um a
vizinha m ais “velha” (lem bro-m e de que ela tinha 7 anos
na época). Igualm ente, a sala de aula lúdica era
surpreendente: eles obedeciam e faziam os exercícios.

O tem po passou, os 5 anos ficaram vivos em m inha m em


ória, m as a vontade de “dar aula” para crianças perm
anecia intensa dentro de m im .
Estudei, fiz o curso Norm al (assim era cham ado naquela
época) e continuava encantada com o exercício docente:
sabia que apareceriam alguns obstáculos, no entanto. “A m
issão era algo m uito m aior, um a verdadeira vocação para
os que a abraçavam ”, dizia para as colegas.

Depois de estudos, trabalhos, leituras, inúm eros planos de


aula, desenhos, apresentação de resenhas, recolhim ento de
todo tipo de m aterial (lata, papel, garrafas, lã, tam pinhas,
figurinhas... haj a espaço para guardar tanta coisa!), de sem
inários, substituições na própria instituição ou em escolas
da periferia, chegou a fatídica hora do estágio
supervisionado de seis m eses. Um turbilhão de em oções
tom ou conta de todos nós (sim , havia um representante do
sexo m asculino na turm a). Estágio?? Já??? Sim , era o m
om ento de m ostrarm os que a teoria aprendida ao longo
de três anos seria, finalm ente, aplicada na prática. (O

que nós não sabíam os era que a teoria nem sem pre é
condizente com a práxis.) O início do estágio era im inente,
as dores no corpo se intensificavam a cada dia (garganta,
coração, estôm ago...), m ais e m ais m ateriais concretos
para levar no “prim eiro dia”, planos coloridos, dinâm icos e
interativos... tudo estava sedim entado com a certeza de
que o m elhor tinha sido feito. E o m ais im portante nessa
situação: tudo daria certo! (Pelo m enos, era o esperado.)
Ufa, o sabor de dever cum prido pairava na atm osfera dom
iciliar!

Qual não foi a m inha surpresa, ao chegar à série determ


inada para a m inha atuação, constatar que os alunos não m
e queriam ali e que desej avam a volta da outra estagiária
que havia dado aula para eles no prim eiro sem estre.

A prim eira frase que ouvi foi: “Quando você vai em bora?”
E continuaram : “A outra professora era legal! Por que ela
não ficou com a gente?”

Hoj e, certam ente, reagiria diferente, m as naquele dia foi


bastante frustrante concluir que m inha presença não era
benquista ali.

Pensei em todos os planos caprichados e elaborados com


tanto cuidado; lem brei-m e do m aterial confeccionado
durante o tem po do curso; das teorias estudadas; da im
portância da postura do professor diante dos desafios,
porém era bem j ovem e, apesar de inúm eras substituições
durante os anos de m agistério, ainda bastante
inexperiente.

Conversei com os alunos, expliquei que cada pessoa tinha


um j eito de dar aula e que era m uito im portante respeitar
isso, pois eles ainda teriam vários professores ao longo da
traj etória escolar. Salientei, tam bém , que nesse m odo
peculiar de cada um se m anifestar em relação à form a de
aprender, fazia com que pensássem os diferente, e isso era
a oportunidade de conhecerm os outras óticas, novos rum
os e perspectivas do assunto. Enfim , tudo pode ser crescim
ento, m as precisam os estar dispostos a fazer essa viagem
de construção.

Falei isso e os problem as se resolveram ? Que nada! Eles m


e olharam e disseram que preferiam que a outra professora
voltasse im ediatam ente.

Eu não fazia ideia, no entanto, que o cam inho seria longo,


m uito longo.

Para m ostrar que não desej avam a m inha presença na


turm a, conversavam sem parar, cam inhavam pela sala a
todo instante, não queriam realizar as atividades propostas
(e preparadas com todo o cuidado), olhavam com desdém
para o m aterial trazido... Resum indo: não m e queriam ali!
Com o não adiantava ficar no patam ar das lam entações, o
j eito foi sair em busca de alternativas. As visitas das
supervisoras aconteceriam m ais cedo ou m ais tarde, então
haveria m uito trabalho pela frente.

Depois do sinal para o térm ino da aula no prim eiro dia,


reuni m inhas coisas e fui em bora chorando. Sensação
concreta de fracasso e de im potência. Fiquei pensando,
pelo cam inho, “que não tinha nascido para ser professora”.
Precisava achar logo outra profissão, pois esta não era para
m im . Ao m esm o tem po, desistir de um proj eto logo no
início, parecia não com binar com os sonhos traçados por
tanto tem po.

A turm a não m e desej ava lá, isso era fato notório, incom
odavam a todo instante, reclam avam por qualquer coisa,
eu estava ansiosa, era inexperiente... O

que fazer então?

No m eu caso, a prim eira providência foi continuar


trabalhando apesar das

“caras feias” e da pouca receptividade às atividades diárias.

Aprendi, com o passar dos anos, que a disciplina em sala de


aula é um a conquista diária e tam bém um a repetição de
pequenas ações im prescindíveis para que se tenha um clim
a tranquilo de aprendizagem . A prim eira prem issa, nesse
contexto, talvez sej a o próprio conceito da palavra. O que
eu entendo por disciplina? Silêncio absoluto? Ordens cum
pridas rapidam ente? Obediência ao professor? Ninguém
pedindo para sair da sala? O que fazer quando tudo parece

perdido?
Com o não há um único cam inho a percorrer, vam os por
partes...

Quando eu era aluna das séries iniciais, bastava o professor


entrar no recinto, que a turm a inteira ficava quieta. Quem
“ousasse” dizer algum a palavra diferente de “bom -dia!”
não era visto com bons olhos pelos próprios colegas.

Hoj e, as coisas são diferentes, outra época, outro contexto,


porém o quesito respeito não sai de m oda, independentem
ente do teórico que surgir ou das descobertas espetaculares
que o ser hum ano for capaz de fazer.

Há m uita diferença entre ser autoritário e ter autoridade. O


aluno precisa perceber essa distinção e reconhecê-la na
figura do professor. A legitim ação da autoridade só ocorre
se há um a intensa energia e disposição investidas nisso,
coerência constante entre o que é dito e as ações
provenientes desse discurso. Ela deve fazer parte da vida do
professor, caso contrário, nos perderem os no percurso,
ficarem os sem norte. Com o estou há m uito tem po dentro
da sala de aula, j á observei colegas que, em um a tentativa
de aproxim ação com os alunos, usam as suas gírias, com
portam -se com o tal, apropriam -se de um a linguagem
gestual tipicam ente j uvenil com o intuito de sentir-se
aceito e querido pelos alunos. É im portante lem brar que
não som os mais um na turm a, som os o professor, alguém
que se preparou (e ainda continua nesse processo) para
isso, que escolheu livrem ente essa profissão (ou não) e que
tem a autoridade para exercer seu trabalho. Não sou contra
a aproxim ação com o aluno, ela é benéfica, pode aj udar na
aprendizagem , desde que eu m e aproxim e com o
professor e com toda a dim ensão que o nosso papel possui:
colaboram os intensam ente para a transform ação do aluno
em cidadãos que podem fazer a diferença na sociedade.
E, certam ente, direm os isso com autoridade...

Outro aspecto im portante referente à disciplina é que o


aluno está atento aos detalhes, aos fatos que passam im
perceptíveis aos nossos olhos, m axim izam -se na ótica
discente. Então, por m ais sim plório que possa parecer, ao
proferir que

“da próxima vez, você receberá uma punição” , sej a ela


qual for segundo as norm as escolares de cada instituição,
essa deverá, realm ente, acontecer. Se ficar na am eaça não
realizada, rápidos nas conexões neurais com o são,
perceberão que a alocução é infrutífera e, im ediatam ente,
associarão ao não cum prir da prom essa. Resultado
previsível: não acreditarão m ais nos seguintes prenúncios,
farão de novo e provocarão tum ulto.

No início do ano, principalm ente se você for um professor


novo na escola, é bom lem brar que aluno adora “teste”...
Hein? Com o assim ? Bem , não o exercício de avaliação, m
as aquele que eles fazem com os professores. Aí está um m
om ento crucial que funcionará com o um divisor de águas
em seu espaço de trabalho: ou você será “reprovado”, ou
sej a, cairá nos engenhosos artifícios articulados para a
distração da turm a (causando a indisciplina), ou será

“aprovado”, revelando sua m aturidade profissional,


reduzindo o im pacto disso de

form a considerável. Porém , com toda a experiên-cia que se


possa ter, a criatividade dos alunos é im pressionante e, m
esm o os m ais “antigos”, acabam sendo “reprovados”
algum as vezes. Caso isso aconteça com você, tente levar o
foco para outra instância, a fim de que o tum ulto causado
pelo grupo não acabe com a sequência da aula. Se for algo
de procedência grave, as sanções cabíveis devem entrar em
cena. Ignorar o acontecido não é prudente. Assim com o é
inaceitável qualquer tipo de violência ao professor e/ao
aluno. Acom panham os, através da televisão, redes sociais,
j ornais, a ocorrência de inúm eros atos de verdadeira
tirania em relação ao outro, e não podem os perm anecer
calados diante disso. Se for o caso, busque aj uda na escola,
na com unidade, em outros órgãos públicos, m as não
receba, com naturalidade, essas ações.

Sou da opinião que não se deve deixar passar as coisas


pequenas, para não surgir a necessidade de se corrigir as
grandes no futuro. Transportando para o dia a dia, se
ignorarm os a prática da observação em nossos alunos,
contribuirem os, m esm o que indiretam ente, para o surgim
ento da indisciplina. Se estam os atentos ao que acontece
durante os períodos de aula, passam os m ensagens sublim
inares, tais com o: “estou presente aqui”, “faço parte desse
m om ento”, “você(s) tam bém faz(em ) parte desse m om
ento”, entre outras. Não significa que precisam os assum ir
a postura de um integrante do seriado norte-am ericano
sobre investigações policiais CSI ( Crime Scene
Investigation), procurando m inudências a fim de detectar o
culpado pelo início da desordem , m uito m enos cham ar a
atenção repetidam ente. Às vezes, não falar fala m ais do
que a própria fala. O

olhar do educador exprim e m uito, porém , se este vier


acom panhado de raiva, será recebido da m esm a form a
pelo outro. Difícil, não? Relações, de m odo geral, são
exigentes, pois prescindim os sair da zona preferencial de
conforto e aí principiam os conflitos. O conflito pode, certam
ente, ser um a oportunidade de verificar o problem a e/ou
dificuldade sob outro ângulo, m as a vida diária nos leva ao
estresse por diversos fatores, som os hum anos, portanto
erram os m esm o não desej ando ou trabalhando intensam
ente para que isso não aconteça.
Resgatar a disciplina em sala de aula é um exercício que
“reclam a” nossa presença afetiva, nosso tom firm e de voz
e o bom -senso nas decisões im ediatas.

Para isso acontecer, lem brem o-nos de que todos têm


direito à apropriação do conhecim ento em um am biente
adequado para esse fim , independentem ente se a escola é
pública ou privada. Não estou sozinho no m undo, nesse
caso, respeitar as pessoas que com põem a escola, bem
com o o espaço destinado a esse fim , sintetizam a
extensão desse preceito. Escola deveria ser esse lugar para
a construção e vivência de experiências e valores
significativos.

Inúm eras situações com plexas acom panham o cotidiano


escolar, desde a falta de m ateriais, núm ero de alunos por
turm a, falta de m otivação, violência verbal ou física, a
indisciplina... Sabem os com o funciona a sala de aula... Se
você possui um ano de experiên-cia docente ou m uito m
ais, j á teve a sensação de ter um a

classe inteira lhe observando, analisando sua m etodologia,


seu j eito de falar, a indum entária escolhida para o dia,
seus m ovim entos airosos (ou não) diante do grupo. A sua
determ inação ao entrar na turm a (no prim eiro ou no últim
o período) será facilm ente constatada pelos alunos. Em
síntese, se a turm a está desorganizada, desm otivada,
inquieta e nós m ergulham os nessa sintonia hom ogênea,
certam ente a indisciplina surgirá com um a velocidade im
petuosa.

Para que ocorra um a reversão favorável, urge que nossa


postura e vontade sej am diferentes da observada na da
sala de aula. Com o dinam ism o e a energia do professor, a
“quebra” do m arasm o acontece, o que é bastante
significativo para o fortalecim ento da disciplina, pois
apareceram elem entos diferenciados nesse contexto. Se o
resultado obtido nessa etapa for positivo, a continuidade do
trabalho exige propostas que desafiem o aluno, que o levem
a pensar e buscar soluções. Nem sem pre conseguirem os m
aravilhosos planej am entos diários ou que provoquem , de
im ediato, o gosto pela descoberta do conhecim ento, no
entanto, aí reside um ponto vital e que não pode ser
esquecido: existe o desafio para o aluno e para nós,
professores, tam bém . A disciplina talvez, hoj e, m ereça
um olhar m ais atento e cuidadoso por parte de todos, visto
que a m ídia anuncia, constantem ente, casos e m ais casos
de problem as referentes ao tem a deste capítulo por todos
os cantos do Brasil.

Se o seu desej o for, com o o da m aioria dos colegas,


exercer seu ofício com um a turm a disciplinada, prepare-se:
você terá m uito, m as m uito trabalho pela frente.

Vam os recapitular um pouco: você é professor, estudou,


preparou-se para esse fim , j á constatou que a disciplina é
im portante para o andam ento das atividades, tam bém j á
pôde vivenciar algum as situações não agradáveis com
alunos e/ou a turm a, j á teve vontade de sair correndo da
sala e nunca m ais voltar, j á organizou um a aula
sensacional (e “perdeu” m uito tem po com isso) que não
surtiu efeito algum , além do tédio exalado pelos inquietos
estudantes.

Você conseguiu observar, tam bém , dentro da proposição


deste capítulo, que alguns de seus colegas conseguem
conviver com m ais “barulho e indisciplina” do que outros.
Há certo e errado, então? Alguns são m ais “durões” e os
alunos fazem aquilo que lhes é solicitado? Não é bem assim
...
Certas disciplinas, de acordo com sua especificidade,
contribuem para que a aula sej a m ais “m ovim entada”,
causando, a priori, m ais ruídos, deslocam entos, com o é o
caso da Educação Física. Difícil im aginá-la em com pleto
silêncio...

Existe, no entanto, o “barulho produtivo e contextualizado”,


que ocorre, principalm ente, quando os alunos se reúnem
em grupos, discutem suas ideias, elaboram algum tipo de m
aterial, socializam inform ações e questionam o professor.
Quem passa pelo corredor e vê essa atividade, tem a im
pressão de que tudo não passa de caos; porém , para quem
planej ou, acom panhou o desenvolvim ento e, ao m esm o
tem po, está avaliando sua turm a, tem a convicção

de que esse “caos” é criativo e criador de novas


interpretações para as questões apresentadas. O professor,
nesse tipo de proposta, precisa estar ainda m ais atento e
presente j unto à turm a (por essa razão, o trabalho em
grupo é um a das atividades que m ais exigem do
professor). Pode ser caos para quem vê do lado de fora, m
as é um a elaboração conj unta e viva de m uita
aprendizagem .

Um a dica que uso há bastante tem po e que, por m ais sim


ples que possa parecer, dá certo, é reservar um tem po para
organizar a sala. Fica m ais agradável trabalhar quando há
um m ínim o de organização. Se tudo está de qualquer j
eito, acaba acom odando o nosso olhar em relação ao am
biente, favorecendo o surgim ento da indisciplina.

Procuro, ao preparar as aulas da sem ana, elaborar


atividades a m ais, para evitar sua criação repentina
durante os períodos. Isso não significa que o professor não
possa apresentar questões propostas a partir de um
acontecim ento peculiar na turm a ou reforçar, naquele m
om ento, determ inado conteúdo que não foi bem entendido
pelo aluno. No entanto, se só utilizam os essa m aneira de
agir, há possibilidade de não vir logo à tona um esboço
daquilo que desej am os fazer...

E aí a turm a sente o im passe, e a indisciplina surge volátil


e instantaneam ente.

Outra questão que devem os levar em conta é a grande


diferença de ritm os produtivos em um a série: existem
alunos m uito rápidos; outros, nem tanto. Quem term ina
suas tarefas, não gosta de ficar parado, sem fazer nada. E,
quando o aluno está ocioso, com eça a pensar em
alternativas para preencher esse “vazio”

tem poral.

Mesm o que sua escola tenha poucos recursos m ateriais,


pode-se organizar um a caixa (ou estante, se for possível)
com livros (doados, angariados com am igos, vizinhos...),
revistas, j ornais, fichas com artigos, reportagens, poesias
para uso coletivo. Ocupar o aluno com outra tarefa vai aj
udá-lo na disciplina com a turm a. Há necessidade de
cuidado, tam bém , quanto à orientação para o uso desse
recurso: as atividades planej adas pelo professor devem ser
concluídas, para depois servir-se daquilo que está disponível
ao grupo. Pode ocorrer dos alunos m ais lentos não
conseguirem ter acesso ao m aterial, pois, devido ao seu
ritm o, não term inam as tarefas em tem po hábil. Então,
cabe a você, em outra oportunidade (final do m ês/bim
estre/trim estre), oferecer um a parte da aula para que
todos possam desfrutar do prazer da leitura.

FIZ O POSSÍVEL, MAS ESTE ALUNO...

Não conheço nenhum professor que não tenha encontrado,


em algum a série ou escola, um (ou m ais) aluno(s)
difícil(ceis) de conviver. Se com eçam os a falar com
profissionais dessa área, sem pre há um caso com plicado
para relatar, um colega que “quase” enlouqueceu quando
deu aula para “aquele anj inho”, outro que soltou fogos de
artifício ao saber que o referido aluno pediu transferência
para um a escola bem distante da sua... Há tantas histórias
que dariam vários e vários livros.

O fato assum e um contorno particularizado quando este


aluno está no caderno de cham ada, fará parte da sua turm
a durante todo o ano letivo e você, gostando ou não, será
professor dele.

Existem infindáveis causas para j ustificar ou entender


determ inados com portam entos indisciplinados na sala de
aula. A questão é distinguir o que nos com pete no espaço
escolar. Não podem os dar diagnósticos, sugerir rem édios
e/ou indicar terapias. Isso é da alçada de outros
profissionais. Precisam os trabalhar com a criança ou j ovem
que está à nossa frente. Um a coisa é indiscutível: quanto m
ais indisciplinado um aluno for, m ais ele necessitará de
nossa atenção. Às vezes, o sim ples m ovim ento de se
colocar à disposição para ouvi-lo ou para lhe aj udar em
exercícios m ais com plexos faz baixar a posição defensiva
que ele assum e na m aioria das aulas.

O elogio, sem dissim ulação ou disfarce, dado em um a


circunstância específica, auxilia m uito no fortalecim ento da
autoestim a do aluno indisciplinado, quando você observar a
necessidade disso. Erroneam ente, avaliam os que o

“bagunceiro”, aquele do “fundão” que está rindo à toa,


acredita m uito em si e não precisa de nenhum incentivo.
Em diversas ocasiões do exercício do m agistério, pude
observar que esse aluno estava fazendo m uito barulho para
que ninguém se aproxim asse dele. A m ensagem passada
era: “Eu m e basto!”.

Quando conseguim os chegar m ais perto, conhecê-lo m


elhor, constatarem os grandes surpresas. E, quem sabe, m
udanças...

Certa vez, tive um aluno bastante difícil, pois vivia sorrindo


para os professores (e aprontando...), conquistando as m
eninas da turm a com galanteios e enaltecendo as
qualidades dos m eninos. Era com plicada a repreensão,
pois a turm a o tinha no m ais alto conceito de idolatria;
então, ao adverti-lo por algum m otivo, eles vinham tirar
satisfações com o professor. “Por que você está pegando no
pé do Fulano? Ele é tão legal!” Eu ficava com raiva da
situação, no entanto, não encontrava um j eito de “quebrar”
as alianças. Resolvi, então, construir o cam inho inverso:
aproxim ei-m e, gradativam ente, dos m elhores am igos
dele. Fui conversando com um , com outro, solicitei a
opinião em debates e sem inários, valorizei as ações
adequadas em sala de aula, incentivei-os para que m
elhorassem as notas no trim estre... Passado certo tem po,
no quinto período

de um a sexta-feira, esse aluno com eçou a atrapalhar a


aula e, quando eu pensei em tom ar um a providência, um
de seus grandes am igos falou bem alto: “Cara, a professora
tá falando!”. A turm a toda parou e olhou para quem estava
dizendo a frase. Tentei fazer cara de paisagem, e ia m e
pronunciar, quando outro colega continuou: “Depois a gente
conversa, agora não vai dar!” E prossegui a aula, com a
turm a colaborando e participando das propostas. Os
colegas terem cham ado a sua atenção calou m ais fundo do
que todas as vezes em que tive de parar um a explicação
para fazer isso.
Minha experiência com várias turm as, de diferentes níveis,
ensinou-m e que não há um “segredo” ou “toque m ágico”
para resolver os problem as disciplinares: o que funciona
com determ inado aluno (ou turm a) pode ser desastroso
com outro. O que vale é o bom-senso. E um a grande dose
de hum ildade quando extrapolam os nos xingam entos ou
em acusações inverídicas.

Reconhecer o erro é um dos sinais de m aturidade do bom


professor.

Um m édico m e falou, durante um a consulta de rotina, que


alguns de seus colegas prescreviam a m edicação m ais
forte para o paciente, a fim de que seu m al fosse logo
sanado. Porém , acrescentou: “Se j á com eçam os com a
últim a etapa, perdem os a chance de resolver o problem a
com algo m ais brando.”

Assim é na dinâm ica da escola: se colocam os um aluno


para fora da sala na prim eira sem ana de aula, o que vam
os fazer em outubro? Claro que, dependendo da gravidade
do ato com etido, ele não pode perm anecer no recinto, m
as com eçar por essa estratégia não m e parece o m ais
adequado.

Certam ente, o problem a da disciplina não vai term inar nas


escolas. Ouvim os relatos a respeito de acontecim entos
graves e violentos ocorridos entre alunos e professores:
“Com o isso foi acontecer?” Muito dessa problem ática
ultrapassa os m uros da instituição, está além de nós a
solução possível. Por m aior que sej a a nossa dedicação,
não conseguirem os atingir alguns alunos (infelizm ente). E
posso lhes garantir, por experiência de longos anos, a
sensação que paira no ar, quando um aluno sai da escola ou
desiste de estudar, é de fracasso. Todavia, existem inúm
eros outros que estão diante de nós e que precisam da
nossa presença, atenção e, por que não, de que acreditem
os na m udança, o que torna o professor um profissional ím
par em sua função.

Podem os observar, nas escolas pelas quais passam os, que


alguns professores são extrem am ente carism áticos,
conquistam os alunos j á na prim eira aula.

Parecem que têm o dom de encantar a plateia discente.


Essa habilidade especial para interagir com crianças e/ou
adolescentes não é inerente a todos. Já observei colegas
prepararem “aquela aula” (isso aconteceu várias vezes com
igo tam bém ), com m aterial e recursos diversificados, e os
alunos não se sentirem

“contagiados” pelo m estre. E conversaram , fizeram


perguntas sem pertinência com o assunto tratado,
frustrando aquele que se capacitou para isso, ao m esm o
tem po que im pediu a turm a de debater e aprender o novo
conteúdo.

Ter carism a favorece a consolidação da disciplina, pois a im


pressão que passa aos dem ais é que esse professor possui,
acoplado em seu universo interior, todos os itens
apropriados para um a aula que m otive e desafie o aluno:
conhecim ento; tom de voz adequado; sensibilidade;
capacidade de observação; afeto; firm eza para sustentar as
decisões tom adas; liderança. Além disso, o bom professor
tam bém sabe ouvir; respeita o outro porque tam bém quer
isso para si; tem bom hum or (nem sem pre é possível...) e
gosta do que faz. Talvez, um dos grandes segredos na
escolha de um a profissão nasça dessa prem issa: fazer o
que se gosta.

E quem gosta, não desiste, pode até cansar, m as vai à luta.


Recom eça se for preciso, a cada dia. Dá passos lentos com
o as tardes m orm acentas de um verão escaldante. Reflete,
ensim esm ado nas m anhãs nubladas de inverno, a traj
etória feita nos m eses letivos. Planej a, proj eta, traça
probabilidades pedagógicas em noites chuvosas do outono.
E renasce através de seus sonhos, assim com o o despertar
das flores na prim avera. Precisam os (e m uito!) de m ais
professores acreditando que é possível sonhar com um a
educação de qualidade. Precisam os de m ais professores
trabalhando com salários j ustos e dignos. Precisam os de m
ais professores que continuem se sensibilizando com a
dificuldade de aprendizagem de alguns alunos. Precisam os,
genuinam ente, de m ais professores!

Antes de concluir este capítulo, retom o alguns dos fundam


entos essenciais para que se estruture a disciplina em sala
de aula:

a) Ter em m ente a clareza de seu papel: você é o professor


e deve ter autoridade.

b) Sou um professor, logo, sou hum ano e posso errar.


Reconhecer nossas lim itações é direção certeira para o
crescim ento profissional.

c) Quando estiver na sala de aula ou em outro local com


alunos, estej a inteiram ente ali. Observe, reavalie, preste
atenção nos sinais dados a todo m om ento pela turm a.

d) Tecnologia, am bientes diferentes, m aterial diversificado


aj udam a tornar as atividades m ais atraentes e m
otivadoras, porém , o fio condutor dessa m istura toda é o
professor.

e) Ritm os diferentes na turm a: tenha algum m aterial para


oferecer aos alunos que concluem suas tarefas à frente dos
dem ais.
f) Procure não esgotar o “arsenal de sanções” im ediatam
ente, pois o ano letivo não term ina no m ês de m aio...

g) Não sej a, de form a algum a, conivente com a violência


(verbal ou física), com deboches ou hum ilhações. Se a
situa-ção está difícil, busque auxílio rapidam ente.
Desenvolva parceria com os colegas, socialize suas
angústias com os profissionais da escola, não tente resolver
tudo sozinho.

h) Toda pessoa gosta de elogio. Se você pratica o exercício


da observação com seu aluno, descobrirá qual a m elhor
ocasião para fazer isso

(principalm ente

se

ele

vier

dem onstrando

crescim ento),

sem

superficialidade nem dem érito para os dem ais.

i) Evite com parações de qualquer espécie: “Esta é a pior


turm a da escola”;
“Nunca tive um a turm a assim , que não vai para a frente!”;
“Você é igual ao seu irm ão!”. O efeito, com esse tipo de
com entário, geralm ente é avassalador, pois reforça a parte
negativa e desperta, em m uitas circunstâncias, um certo ím
peto no aluno e/ou turm a, ratificando, assim , sua

“profecia” derradeira.

j ) Organize a sala antes da entrada da turm a. Um am


biente agradável aj uda a m anter a disciplina. Às vezes,
perder esse tem po é, na verdade, ganhá-lo m ais adiante...

k) Mesm o na segunda-feira de m anhã ou na sexta-feira à


noite, um toque de bom hum or irá auxiliá-lo a conquistar a
disciplina, pois existe naquilo que realizam os com o m ínim
o de alegria que sej a a extraordinária possibilidade de
cativar seus alunos e a aula fica m ais leve e agradável.

l) Não desista!

E para finalizar, transcrevo um texto bastante significativo,


do m ineiro Carlos Drum m ond de Andrade, do qual gosto
m uito:

“Doze m eses dão para qualquer ser hum ano se cansar e


entregar os pontos.

Aí entra o m ilagre da renovação e tudo com eça outra vez,


com outro núm ero e outra vontade de acreditar que daqui
pra diante vai ser diferente.”

***

FILME

Escritores da liberdade ( Freedom Writers). Direção


de Richard La G ravenese. EUA, 2007.
Este film e é baseado em um a história real, talvez, sim ilar
à nossa ou a de tantos outros colegas espalhados por inúm
eros lugares do país.
Erin Gruwell é um a professora cheia de ideais e proj etos
que vai ensinar Língua Inglesa e Literatura para um a turm
a de ensino m édio de um a instituição pública.

Os alunos representam um universo de violência, rej eições,


ausência da fam ília, poucas condições econôm icas, sofrem
preconceito por parte dos colegas e professores, são
indisciplinados, não querem “nada com nada”...

Ela quebra vários paradigm as, propõe atividades


diferenciadas, luta pela perm anência de seus alunos na
escola, é firm e nas com binações estabelecidas e, em
nenhum m om ento do percurso escolar, desiste de seus
alunos.

Erin acaba cativando os j ovens e ganha, de quebra, o olhar


crítico e invej oso da m aioria de seus colegas.

Sua batalha pela aprendizagem significativa, o acreditar na


capacidade de evoluir de cada um , o olhar direto e afetivo
fizeram com que a turm a, outrora tachada de “ruim e desm
otivada”, m udasse esse perfil ao longo da narrativa. Erin
Gruwell foi um a professora que fez a diferença na vida
deles.

POR Q UE CONTINUO SENDO PROFESSOR?

Esta pergunta é com um em quase todas as experiências


hum anas. Por que continuo neste casam ento? Por que não
rom po com este am igo? Por que não interrom po este livro
aqui m esm o? Por que não procuro outra operadora de
celular?

Vou tentar com eçar pelo m ais positivo. Quando tem os


dúvida sobre perm anecer com alguém ou em algum lugar,
é porque a som a das coisas negativas não é tão terrível
que elim ine a dúvida. Quando estam os num inferno total,
não tem os dúvida: querem os sair. Dúvida revela, por
vezes, que há coisas boas.

Outro ponto im portante: a dúvida pode revelar que tem os


um ideal positivo do que deveria ser a relação, o em prego
ou a operadora. Acreditam os que exista um a boa
operadora, um bom trabalho ou um bom casam ento. Se
assim não fosse, estaríam os conform ados com o que tem
os.

A resposta deveria ser um pouco lógica: perm aneço sendo


professor porque o total de coisas boas supera a som a das
ruins. É preciso com eçar pelas ruins para avaliar. Quais
são?

É ruim entrar num a sala e, por vezes, sentir que só você


quer ensinar. É ruim ganhar m al. É ruim sentir-se um
obstáculo à felicidade daquelas pessoas que prefeririam
estar fazendo qualquer coisa, m enos estar ali. É ruim
interrom per 15

vezes o sim ples ato da cham ada para pedir silêncio. É ruim
aplicar um a prova e sentir-se um policial na “cracolândia”
com todos transgredindo ao seu redor. É

ruim passar todo o dom ingo corrigindo aquela prova


enquanto sua fam ília, tranquila, vê televisão e conversa. É
ruim entregar aquela m esm a prova que você levou m uitas
horas corrigindo e, em vez de ser louvado pelo trabalho
benfeito, receber caras de desdém ou de raiva. Alguns
alunos rasgam e am assam a prova na sua frente, aquela m
esm a prova que você corrigiu até de m adrugada.

É ruim perceber que o colega que deu nota alta para todos
está feliz e leve e é louvado pela coordenação. É ruim fazer
conselho de classe. É ruim encontrar-se com alguns pais
que acreditam na genialidade dos filhos. É ruim ser cham
ado à coordenação e ouvir que sua aula deveria ser m ais
interessante, isso dito por um a pessoa absolutam ente
desinteressante e incapaz de ficar com um a turm a por 15

m inutos.

De novo: é ruim ganhar m al. É ruim repetir a m atéria em


cinco turm as no m esm o dia. É ruim ficar em pé m uito
tem po e ter pó de giz até nos ossos (giz talvez sej a o único
m al com perspectiva de acabar em m édio prazo). É ruim
viaj ar com alunos, m as, se tudo der certo, ponto para a
escola e seu proj eto pedagógico; se algo sair errado, você
está ferrado… Por vezes, é ruim ouvir a conversa na sala
dos professores e, pior ainda, descrever um êxito na sala de
aula

e receber um a reação que m istura despeito e invej a. É


ruim dar m uitas aulas e não conseguir ler coisas novas na
sua área. É ruim ter este tem po, m as ter dúvida se você
precisa ler algo a m ais para aqueles alunos que enfrenta. É
ruim constatar que alguém , com a m etade ou um terço da
sua idade, conseguiu perturbá-lo a ponto de você gritar. É
ruim envelhecer diante de um público sem pre j ovem e
renovado na sua j uventude a cada ano. E, por fim , de
novo: é ruim ganhar m al.

Um único parágrafo com o o anterior serviria para afastar a


m aioria dos pretendentes ao m agistério. Sem pre tem o
quando se prom ovem cursos de atualização de professores
e chegam os ao inevitável ponto do professor com o j
ardineiro de alm as. De todas as m etáforas da m inha
profissão, essa é a que reúne dois defeitos graves: é cafona
e esconde a dura realidade do cotidiano da sala de aula.

Eu preciso reclam ar de um a coisa m uito ruim , universalm


ente ruim , estruturalm ente ruim no m agistério: as
reuniões. Em nenhum lugar elas são m ais dem oradas,
inúteis e tediosas do que no m agistério. As em presas m
odernas contratam assessorias para m elhorar reuniões.
Quem lida com dinheiro, quer que ela sej a rápida, pois
atrapalha a ação. Nas escolas, nada disso acontece.

Preciso dizer a você, caro e j ovem professor: você passará


horas sentado e ouvindo bobagens. E, quando um a decisão
im portante for tom ada, saiba, cada um vai fazer do seu j
eito. Tenho um a teoria. Coordenadores e a direção precisam
cum prir horário em geral. Não são regulados pela obrigação
da hora-aula.

Norm alm ente, chegam antes dos professores retornarem


das férias e cum prem plantões durante o recesso escolar.
Na m inha teoria conspiratória, esses chefes,
coordenadores, supervisores e diretores têm raiva de tudo
isto e… convocam reuniões. Reunião só pode ser um a form
a de punir professores. Só isso explicaria o m otivo da m
aioria absoluta ser m al preparada, longa, sem pauta e com
decisões que não obrigam a ninguém .

SOMOS TODOS “CHORÕES PROFISSIONAIS”?

Você vai descobrir logo: nós, professores, reclam am os m


uito da nossa profissão. Reconheço: há certo narcisism o em
toda reclam ação. Nossa vaidade exige que até nossos
problem as sej am os m aiores do m undo. Ninguém sofre
tanto com o o professor, pelo m enos na nossa versão de
professores. É preciso um pouco de perspectiva. Cada
função tem um a carga positiva e negativa a considerar. Os
m édicos são despertados, com frequência, no m eio da
noite por pacientes ansiosos. O erro de um m édico leva à
cadeia. O engano do engenheiro pode tirar vidas. Você se
acha tenso cuidando da prova de 45 adolescentes?
Im agine a tensão do controlador de voo com 45 aviões
piscando na sua tela. Seu aluno é difícil? Im agine a função
do responsável por um presídio. Alcoolism o, suicídio e
outras form as de escape de funções estressantes são m ais
frequentes entre m édicos do que entre professores. Só há
um a reclam ação com um a todas as profissões: ganha-se
pouco em troca do esforço.

Se você está com eçando, a m aioria desses problem as não


aparecerá de im ediato (fora o salário). Por exem plo: é
provável que você tenha desenvolvido certa curiosidade
com o aluno sobre o funcionam ento do conselho de classe.
O

que será que eles discutem lá dentro? Então, o prim eiro


conselho de classe será com o entrar no “Santo dos santos”,
a parte m ais cheia de m istério e força do Tem plo de
Jerusalém . Profissionais, adultos, discutem e votam o
destino de m uitos, por vezes centenas, j ovens estudantes.
Com o transcorrerá isto? Eu diria que de m uitas form as. Às
vezes, são m uito boas. Consigo um a visão m ais am pla do
aluno. Sei que ele é preguiçoso em Matem ática, todavia
adora Português. O

conselho pode ser (e tantas vezes foi para m im ) um a


chance de conhecer m ais m eu aluno e ser m ais j usto com
ele. Mas, m uitas vezes, o conselho é ruim m esm o,
cansativo, dem orado, com m ais fofocas pessoais sobre os
alunos do que debates pedagógicos. Alguns professores
deixam claro que o m om ento do conselho é um a vingança
pessoal contra alguns alunos. Outros, em redes de ensino
pagas, negociam sua perm anência no cargo aprovando
todos e defendendo a direção. Alguns deixam claro que não
conhecem absolutam ente ninguém . Com o tem po, você
deixará de am ar conselhos de classe. O mistério está
desfeito. Resta o cotidiano…
Talvez isso sej a o m ais difícil de definir. Com o num a
relação, o com eço tem dificuldades, m as predom inam as
descobertas. Você, pela prim eira vez em fam ília, escuta
alguém lhe cham ar de “professor”. O título é algo notável.

Im plica respeito. Na rua, um a senhora aponta para você e


anuncia: você dá aula para m inha filha. Isso é bom no com
eço. Mas preciso predizer aqui: haverá um dia em que você
não ouvirá você dá aula para m inha filha, m as… você deu
aula para m inha m ãe. Segundo um professor m eu da
universidade, o dram ático é quando você ouve: o senhor
deu aula para m inha vó…

Este é o ponto para avaliar um a função. Vale a pena de


verdade? Difícil

responder com um a palavra apenas. No entanto, é preciso


lem brar que toda função entra num ritm o de repetição.
Quase todo professor passará por m uitas escolas. São raros
os que ficam a vida inteira em um a única instituição. Sej a
por escolha do profissional ou da m antenedora, sej a por
resultado de um concurso ou casam ento, sej a por m
udança ou tédio: você peregrinará por m uitas instituições.

A cada nova instituição, especialm ente nos anos j ovens da


carreira, você sentirá renovações. Algum as coisas são m
elhores do que na experiência anterior. Mas haverá um m
om ento sério e dram ático que quase nada novo se
apresentará.

Todos nós procuram os um a zona de conforto. Desej am os


coisas que transm itam segurança. Isso im plica, quase sem
pre, que você entrará num m om ento em que a repetição
dom inará sobre a criação. Claro que, alguns colegas,
reagindo ao declínio físico e m ental, bradarão com energia
que, apesar da idade, são m uito m ais dinâm icos que m
uito j ovem professor. Fuj a deles: esta frase é um sintom a
claro do fim …

A zona de conforto ocorre de m uitas m aneiras para o


professor. A prim eira é que você estereotipa, padroniza os
com portam entos. A aluna que nada faz, o

“nerd”, a aluna genial, aquela que se insinua para os


colegas, o brigão, o esforçado, o bonitinho, o riquinho, o do
fundão, o de letra incom preensível, o reclam ão, o
psicopata: todos estarão em m oldes conhecidos depois de
um a década ou duas. Alguns professores chegam a
confundir significado e significante: “todo Rafael para m im
é bagunceiro”… ou “toda Ludm ila é estranha”… O m esm o
ocorrerá com colegas, diretores, orientadoras vocacionais,
sem ana de planej am ento, conselhos de classe e pais
furiosos. É

quase autom ático. A luz original dá lugar ao clichê.

A outra form a de “acom odação” é fruto de certa sabedoria.


Um j ovem professor com eça a carreira com am biguidades
sobre qual lado da trincheira ele habita. Os j ovens se
escandalizam quando observam um velho colega gritando
com um aluno, porque um a parte deles ainda tem raiva
dessas histerias. Um j ovem professor é, em parte, um velho
aluno. Inevitavelm ente, a m aioria, por experiên-cia ou
corporativism o, passa para o outro lado. Torna-se, para o
bem e para o m al, inteiram ente professor.

O que acontece? Dim inui, sem dúvida, a vontade de m


udança radical. Na m aioria de nós, essa vontade acom
panha os anos am bíguos da j uventude. O

j ovem professor ensina m ais do que sabe. Significa que ele


tem um a energia superior tanto ao seu conhecim ento com
o a sua capacidade de transm iti-lo.
Vam os percebendo que as coisas m udam pouco, ou lentam
ente, ou não m udam .

Vou dar um exem plo. Tive um orientando que escrevia m al


do ponto de vista da clareza e da regra form al. Assustado
com o resultado diante de um a banca, passei dias com ele
corrigindo, linha a linha, a bendita dissertação. Fiz o que,
profissionalm ente, seria um serviço de revisão. Não era m
inha função, m as decidi que era o que eu faria. Deu m uito
trabalho. Líam os a frase em voz alta

para ver se ela tinha adquirido, enfim , sentido. Feita a


defesa, dois professores elogiaram o texto, dizendo que era
raro um texto daquela qualidade no m estrado.

Resposta do m eu orientando: “É, m as m eu orientador


acha que eu escrevo m al”… Vontade de esganar o infeliz.
Im pulsos hom icidas afloram com intensidade. O que
aconteceu? Mesm o sabendo que isso era um caso isolado,
foi difícil indicar soluções de texto na próxim a dissertação
ou tese. Em determ inado m om ento, todo professor que eu
conheço sente que prega no deserto, que fala para ninguém
, ou que é pouco efetivo o que faz. Quando isso se repete ao
longo de m uitos anos, fica difícil, m uito difícil m udar de
atitude.

Em algum m om ento, som os invadidos pelo “grande


cansaço”. Não é apenas o cansaço físico que, sim , aum
enta ano a ano. Mas é um cansaço com o próprio essencial
da educação. Claro que a m aioria não vai declarar isso.
Pega m al falar que não vale a pena. Em público, especialm
ente diante de pessoas com cargos na instituição, anorm al
é dizer o quanto você se entusiasm a hoj e m ais do que há
35
anos. Exem plo m uito concreto: as prim eiras provas bim
estrais que eu corrigi foram lidas logo após o térm ino da
avaliação. Eu estava m uito curioso para saber com o eles
tinham ido. Claro, com o todo j ovem , tinha tam bém
colocado um a questão de avaliação das aulas que eu lia
com avidez. Hoj e, dem oro m ais para ler provas. Tento sem
pre corrigir com a honestidade e o rigor, m as confesso que
a pilha dim inui m ais lentam ente do que eu gostaria.

Isso, lógico, deve ser com um a todas as funções. É preciso


dizer a quem quer seguir qualquer carreira: há m om entos
de cansaço estrutural. Atinge m ais a uns do que a outros,
m as quase ninguém está isento. No entanto, preciso tam
bém dizer que, com parando com outras funções, as que
lidam com seres hum anos em form ação vivem isso em
grau m enor. Aquele peso que Kafka coloca nos burocratas
da sua obra, aquele tédio pétreo e uniform e, é quase im
possível no m agistério.

Lidar com j ovens é lidar com a novidade. Quem trabalha


com crianças e adolescentes, ou m esm o com j ovens
adultos, descobrirá que está m ais atualizado com gírias,
com aparelhos eletrônicos, com cantores e outras coisas
que a m édia das pessoas com a m esm a idade. Sim ,
existe cansaço e existe repetição, m as sej am os j ustos:
grande parte desse cansaço pertence à vida e não ao m
agistério em particular.

Há funções de criação (com o pintores ou com positores)


que resistem à aposentadoria. Quem cria, em geral, m orre
criando e encontra sentido nisto até o final. Pensando em
gênios de prim eira linha, com o Beethoven e Monet, eles
vão até o fim lutando e produzindo. Beethoven surdo e
Monet cego, dois im pedim entos para suas funções de m
úsico e pintor, lutaram com energia até o m om ento
derradeiro. Precisavam trabalhar porque aquilo era m ais do
que trabalho, era vida e era sua com unicação consigo e
com o m undo.

No outro oposto disso, estão as funções repetitivas, m


ecânicas e m al pagas. É o

operário de Tempos modernos de Charles Chaplin, que


interrom pe o que faz no instante exato do apito de fim de
expediente. É o burocrata cinza que conta os dias e m eses
para a aposentadoria, carim bando e m orrendo um pouco a
cada vez. São zum bis que m orreram há anos, porém
aguardam o laudo oficial cham ado aposentadoria.

O m agistério encontra-se no m eio desses dois polos. Por


um lado, contém criação, invenção, lida com o novo e com o
conhecim ento. É algo vivo porque im plica sensibilidades do
espírito e é renovado pela própria renovação dos alunos.

Todo professor é obrigado a dar respostas originais ao


desafio de ensinar e, m esm o sem o traço da Nona Sinfonia
ou das Ninfeias do im pressionista, fazem os sons e criam os
cores m uito interessantes.

Por outro lado, há algo de repetitivo e de burocrata no m


agistério. Diários, m édias, relatórios, padrões, reuniões:
isso nos em purra para baixo, aproxim a-nos do m ecânico-
burocrático. Os baixos salários tam bém nos solidarizam
com o operário de Chaplin.

Assim , estam os entre os artistas e os burocratas, pagando


nosso preço a cada um destes universos. Pesquisadores de
ponta de grandes centros, que tam bém dão aulas,
conseguem usufruir um pouco m ais do lado artístico
criador. Um professor de ensino m édio que tem 60 horas
sem anais de aulas consegue entender m ais o burocrata.
No m eio, a m aioria de nós.
HÁ ALG O DE BOM?

Voltam os à questão inicial: por que eu continuo sendo


professor? Eu tenho clareza sobre alguns pontos dessa
questão. O prim eiro ponto é de curto prazo: gosto de estar
entre pessoas e de lidar com elas. Sim , o inferno são os
outros, ensinou-nos o am argo Sartre. O que o francês
esqueceu-se de afirm ar é que o paraíso tam bém está no
outro. Lidar com gente, com alunos, em geral m ais j ovens
do que eu, traz um a energia inovadora. Saio de um a aula
(quase sem pre…) m elhor do que entrei. Ali, ocorre um a
interação, nem sem pre fácil, m as sem pre m uito forte.

Lidar com gente pode ser bom , pelo m enos para os que
gostam desse tipo de trabalho, m as não m e m anteria no
m agistério. Há m uitas profissões que lidam com gente, de
m assoterapeuta a recepcionista. Eu lido com gente, com
alunos, m as lido transform ando e sendo im portante na
vida deles. Acredito que o conhecim ento transform a. Por
quê? Porque m e transform ou. Minha visão de m undo, m
inhas form as de interagir com os outros, m inhas opções
políticas, m inhas convicções religiosas: não existe um único
aspecto da m inha existência que não dialogue com m eus
anos de estudo e form ação. Quando sou professor, eu
quero, em últim a instância, que m eus alunos tam bém
saiam transform ados.

Sei que, com o a m orte pode derrotar o m édico, a


ignorância pode frustrar m eus esforços. Há coisas que não
controlo. Há resultados que não obtenho, no entanto luto
para obter.

Eu brinco com m eus alunos dizendo que há m om entos de


reações “bovinas”. É
quando você desvenda um m istério para um aluno. Ele
entendeu finalm ente a equação de Euler? Ele percebeu a
origem dos term os direita e esquerda na política a partir da
Revolução Francesa? Ele conseguiu ler um a expressão com
plexa em inglês? É a hora que m uitos fazem : hum m m m .
É a hora da reação bovina.

Há o choque im ediato do conhecim ento. Aquele que nasce


de um a inform ação clara e direta ou de um a habilidade
nova. Mas há um m om ento m ais interessante. Este
precisa de m ais sensibilidade. É a m udança de m édio e de
longo prazos que, por vezes, podem os acom panhar. É um
aluno que entrou conosco fazendo pouco ou nada e cresce
diante de nós. É algo m ais estrutural no intelecto ou no
corpo dele que só podem os notar com certo distanciam
ento. Esta, talvez, sej a a parte m ais tocante do m
agistério. Deve ser sim ilar ao m om ento que o oncologista
anuncia ao paciente: agora, após cinco anos, posso afirm ar
que você está curado do câncer que o afligia.

Tantas vezes, ao final do terceiro ano do ensino m édio ou


ao final da graduação, eu pude indicar a um aluno: lem bra
com o você entrou aqui? Lem bra-se das suas dificuldades?
Lem bra com o essa coisa sim ples o assustava e agora você
faz com toda facilidade?

Sem pre estou diante de um a opção subj etiva e pessoal.


Sem perder m eu senso

de realidade, opto por apostar no m elhor possível. O que


significa isso? Meus fracassos m e educam e m e alertam .
As vezes em que, em vez de educar, eu fui grosseiro ou m
au professor; ações que existem em grande quantidade.
Cada fracasso m eu (por culpa m inha, ou da escola, ou do
sistem a ou de tudo um pouco) serve com o indicação e
advertência. Mas, deliberadam ente, opto por não m e
prender aos fracassos. Opto por lem brar as coisas boas e
positivas. Se eu fosse m édico, estaria dizendo: j á perdi
pacientes, m as opto por lem brar as vidas que salvei. Se eu
fosse Jesus, estaria elogiando a fidelidade de João e não a
traição de Judas.

Falei do curto prazo. Mas quem dá aulas há m ais tem po,


tem um a outra experiência: o longo prazo. Profissão de
resultados lentos, o m agistério é quase im perceptível nos
seus frutos ao final de um ano, ainda que eles existam . Falo
daquela coisa pela qual todos os professores com 10 ou 20
anos de trabalho j á passaram . Encontrar um aluno, m uitas
vezes que lhe deu um trabalho louco, dizer a você num a
esquina da vida: suas aulas m e m arcaram para sem pre.
Um aluno m eu que brigou m uito com igo no ensino m édio
m e disse exatos 20 anos depois, num reencontro: queria
que m eus filhos tivessem aula com você. Bem , não
conheço os filhos dele e isso pode até ser um a form a
sofisticada de vingança póstum a, m as quero entender que
ele j ulgou im portante ter tido aula com igo e queria que
seus filhos, seu bem m ais precioso, tivessem a m esm a
experiência.

Minha ação foi com preendida nos seus obj etivos… vinte
anos depois. Superadas provas, superadas tensões,
superadas as brigas por disciplinas (ou por drogas ou por
violência e outras coisas), surge um a visão m ais clara do
que eu propunha.

O centro da reflexão talvez sej a este. O brilho de ser


professor é a nossa relevância. Não existe sociedade sem
aulas. Não é possível fazer nada no m undo sem
professores. Todos os m édicos, engenheiros, políticos,
operários especializados foram , por alguns ou m uitos anos,
alunos. Todos tiveram professores. É um exército invisível.
Vem os as obras prontas: o paciente curado, a m áquina
construída, o texto escrito e esquecem os que atrás de cada
autor há um professor. Som os a m alha invisível que dá
coesão social.

PARA ENCERRAR

Um a vez vi um film e bonito: Filadélfia. A obra é dirigida por


Jonathan Dem m e. Tom Hanks fazia um advogado portador
de um a doença grave e que processava o escritório do qual
fora dem itido.

A história é tocante e vai ficando m ais dram ática porque a


personagem está m orrendo. Acreditando que sua dem
issão foi ocasionada por preconceito, ele inicia a ação j
udicial. Denzel Washington faz o advogado de defesa de
Tom Hanks e deve enfrentar seus próprios preconceitos para
tratar com o cliente.

Durante o j ulgam ento, Andrew Beckett (o advogado vivido


por Hanks) é indagado sobre por que havia se dedicado ao
Direito. A personagem dá um a resposta m uito bonita. Diz
que, às vezes, m uito raram ente, o Direito encontrava a
Justiça, e, quando isso acontecia, era m aravilhoso.

Gosto dessa ideia. Passei a repeti-la para m im com um a


adaptação. Posso dizer de form a m uito clara: às vezes, m
uito raram ente, o conhecim ento encontra a educação.
Quando isso acontece é um a das experiências m ais m
arcantes para um professor. No olhar de um aluno, ou de m
uitos, ocorre aquela ilum inação de sentido, aquela epifania
que m encionei. O conhecim ento surge com a força original
e transform adora que ele possui. Esse m om ento j ustifica
tudo e apaga todos os contratem pos, com o o sorriso de
um a criança elim ina o cansaço dos pais. Naquele exato m
om ento, você passou a fazer parte da vida daquele aluno e,
m esm o que ele esqueça o sentido exato da ilum inação,
houve algo que estará lá para todo sem pre. Naquele
instante, eu fiz diferença. Fiz para sem pre.

Às vezes, conseguim os ensinar. Para um j ovem , este “às


vezes” pareceria quase um a crítica ao ser professor. É um a
defesa. É tam bém um alerta: grande parte do seu tem po
com o professor será tom ado por atividades secundárias ou
até contrárias ao ato de ensinar. Mas… às vezes… Bem ,
para levar ainda m ais adiante a ideia. Se é lindo quando
conseguim os ensinar, é ainda m ais interessante quando
esta transform ação é um cam inho de ida e vinda, quando
fecham os um círculo no processo e eu tam bém aprendo
com o professor. Grande parte do que eu sou hoj e, aprendi
com m eus alunos. Sou m uito devedor deles.

Por que eu continuo professor? Porque eu faço m uita


diferença na vida de m uita gente. Por m ais babaca que
pareça para m uitos, esse é m eu tij olo na parede da
cidadania que estam os construindo no Brasil. Essas coisas
m e fazem feliz. Sou professor porque sou feliz. Para m im ,
tem bastado ao longo dessas décadas. Basta para você?

***
FILME

Ao mestre, com carinho ( To Sir, with Love). Direção


de James Clavell.
Reino Unido, 1967.

Em 1967, o aclam ado autor dirigiu o film e inglês Ao


mestre, com carinho.

Mark Thackeray (Sidney Poitier) faz um professor negro na


periferia de

Londres. A obra m istura os problem as da explosão j ovem


da década de 1960 com questões raciais e o pano de fundo
educacional. Na verdade, Sidney Poitier é engenheiro, m as
faz um bico com o professor para sobreviver, enquanto
aguarda um em prego “real”. Os resultados iniciais na sala
são desastrosos. Os alunos são indisciplinados. Os colegas
dividem -se entre os que desprezam os alunos com o
delinquentes desinteressados e outros que tem em esses j
ovens. Ao longo de um ano tum ultuado e enfrentando m
uitas dificuldades, Poitier vai se descobrindo com o
professor e ensinando. Ao final, ele sente que fez a
diferença e seus alunos tam bém m udaram m uito. Após
esse período difícil na escola, ele recebe a proposta de em
prego na sua área original. Está prestes a aceitar quando
entram novos alunos que, com o os antigos, chegam
arrogantes e indisciplinados. Ele tom a, então, um a decisão
e você deve ver o film e para saber. O que eu gosto neste
film e é que a sala de aula não é boa, a escola tem enorm
es dificuldades e o m undo ao redor do professor é m uito
árduo. O film e não constrói am bientes rom ânticos. Mais
interessantes: há m ais de 40 anos, na velha Europa, um
grupo de professores afirm a que os j ovens não querem
nada com nada e que do j eito que vai não existirá próxim a
geração que saiba ler. O professor Mark não acreditou nisso.
É um bom film e para encerrar este livro.

CONCLUSÃO
Todo ano com eço um novo curso de graduação e um novo
curso de pós-graduação na Unicam p. Preciso confessar um
a coisa... Apesar de ter com eçado turm as dezenas de
vezes, sinto um a certa tensão antes da prim eira aula. Com
o será a classe? Acho que disfarço bem , m as continua um
incôm odo que se repete todo prim eiro dia de aula, e que
reproduz um certo j ovem nervoso há 30 anos num a sala de
professores. Talvez, para dim inuir o incôm odo, tenho
pensado que esse sentim ento dem onstra que ainda dou m
uita im portância para aquilo que faço, que ainda penso na
recepção da m inha aula e da m inha pessoa com o algo im
portante. Talvez. Pode ser apenas tim idez e certa covardia
tam bém , disfarçadas, encobertas, m as existentes. Mas m
eu m edo traz um a certeza para você: não tem j eito, com
eçando hoj e pela prim eira vez, com 2 anos de m agistério
ou com 20, a experiência de enfrentar 50 j ovens olhando
para você não é fácil. Acho que quem salta de paraquedas
(nunca fiz), deve ter um m edo especial na prim eira vez,
com o eu tive na m inha prim eira turm a. Mas im agino que,
m esm o aquele que salta toda sem ana, ainda tem um m
inuto de ansiedade: e se não abrir desta vez? A coragem
absoluta parece ser um a form a de insanidade.

Um pouco de m edo tensiona a corda do violão e produz m


elodia. Solta, a corda é pouco útil.

Sim , o m edo continua e pode ser um bom sinal. Mas não


im porta a profissão que você escolha. Haverá um m om
ento em que o brilho inicial vai desaparecer.

O m édico lutou para entrar na universidade, arduam ente.


Fez um curso longo.

Dedica-se a aliviar a dor e salvar vidas: um a profissão acim


a de quase todas. A palavra médico provoca reações nas
pessoas, com o se elas estivessem diante de alguém
especial. Mesm o o m édico, saiba, passa por crises diante
da sua profissão. Ao entrar o paciente núm ero 8.000 e
contar a m esm a história; ao enfrentar a m ãe histérica de
núm ero 7.653, ele suspira, pensa no que o levou a escolher
aquele cam inho e com eça de novo a explicar que o picolé
não provoca infecção na garganta. O m édico, ao m enos,
tem um cam inho para não ouvir gente chata: especializar-
se na autópsia de cadáveres. Professores não têm essa
opção. Nossos alunos sem pre são vivos, incrivelm ente
vivos.

Glam ourizam os as outras profissões. Em vez da nossa


rotina repetitiva e desgastante, supom os com o seria ser
um astro de rock fam oso ou um j ogador m ilionário aos 20
anos. Mas tantos astros se m atam j ovens, ricos e fam osos
que resta um a questão quase óbvia e antiga: fam a e
dinheiro, evidentem ente, não garantem o paraíso. Dado
ruim : a falta absoluta de reconhecim ento e de dinheiro
pode garantir o inferno…

Se você tiver contatos com profissionais de outras áreas,


verá que as reclam ações de todos se assem elham :
pacientes/clientes/alunos chatos; chefes difíceis; governos
insensíveis e horários crescentes. A gram a do vizinho sem
pre

m ais verde e m ais bonita. Hoj e, eu j á estou acostum ado,


m as, certa vez, há m uitos anos, estourei num a sala de
professores. Um a colega reclam ava pela m ilésim a vez
com o ganhava m al, sofria com alunos e não via sentido
naquilo. Eu j á a tinha ouvido dem ais. A ladainha parecia
um a estalactite pingando fel sobre m inha cabeça. Tudo era
ruim , azedo e sem cor. Um dia em que o azedum e dela
encontrou o m eu, respondi à queim a-roupa: “Por que você
não troca de profissão, então?” Silêncio m ortal na sala. Eu
havia enunciado o óbvio. Nem ela lutava para m elhorar
nem abandonava o que parecia detestar. Ficava sobre um m
uro de acidez e dor, algo m uito perverso quando se
trabalha com j ovens. Um professor am argo é com o um
pneum ologista que fum a ou um personal trainer obeso: é
um a contradição em term os. Mas ela ficou em silêncio.
Murm urou algo inaudível. A pergunta estava no ar naquele
intervalo. Se estou infeliz no casam ento, por que não m e
separo? Se odeio fazer o que faço, por que não escolho
outra coisa?

Custei a entender que algum as pessoas reclam am sem


parar e não agem .

Encontram prazer em reclam ar apenas. Reclam ar bastante


traz certa gratificação: pressupõe que não faço parte
daquilo, que não sou responsável, que não colaboro para o
estado das coisas. Se reclam o que os alunos não aprendem
, estabeleço que eu ensino da m inha parte e que o problem
a está na recepção e não na em issão. Se o governo ou a m
antenedora pagam m al, deixo claro que trabalho m uito e
bem e que o pagam ento inviabiliza m elhoria. Se a direção
é confusa ou sem diretriz, reclam o disso e no fundo m e
tranquilizo: eu faço a m inha parte, alunos, direção e
governo não. Reclam ar é um a form a de dizer: o que está
ao m eu alcance, eu fiz. O que possa existir de ruim vem
dos outros; o m érito da algum a qualidade é m eu. Om ite a
m im , com o suj eito e agente histórico, e m e vitim iza. Sou
um m ártir da educação, um suj eito honesto e trabalhador
distribuindo pérolas aos porcos. Quem reclam a sente o
prazer de encarnar um a Joana d’Arc básica: eu vej o coisas
que vocês não conseguem ver e por isso vocês m e
perseguem . Essa posição m essiânica é perigosa e pouco
produtiva.

Este livro foi feito para conversar com a parte que nós,
professores, podem os alterar. Foi pensado para nossa
responsabilidade e nossa ação. Foi feito sem pretensão de
m udar a crônica indiferença dos poderes públicos com a
educação ou a cupidez de alguns em presários da educação.
Escrevi pensando apenas no que está sob m inha
responsabilidade direta e im ediata. Com o disse na
Introdução, era este o espaço que eu acho que fazia falta.
Era esta a m icrofísica do poder que eu procurei atingir. Toda
educação é política e a m inha política com eça (m as não
se encerra) num a aula bem dada, que estim ula o senso
crítico e m ira num m undo m elhor, m as a partir de um a
aula, de um a prova bem organizada e de um plano de
curso coerente.

Já foi dito, com densa acidez, que o m aterial escolar m ais


barato é o professor.

Sem pre m e revoltei com essa ideia e considerei que o prim


eiro passo para eu reivindicar m elhorias é ser, cada vez m
ais, um professor m elhor.

Um pensador do Ilum inism o am ericano, Benj am in


Franklin, dizia algo m uito profético no século XVIII: “Diga-m
e e eu esquecerei, ensina-m e e eu poderei lem brar,
envolva-m e e eu aprenderei”. O desafio é envolver. Mas
não apenas envolver o aluno, m as envolver m inha vida
para que eu a sinta significativa, im portante, transform
adora e útil. Ensinar é envolver e, para envolver, eu preciso
tecer esses fios entre m eu saber, m inha prática
profissional e m inha vivência com o pessoa e cidadão.

Estam os, com o queria Sartre, condenados à liberdade.


Para que essa liberdade exista de form a intensa, para você,
para m im e para nossos alunos, o conhecim ento é fundam
ental.
Para encerrar, apenas isto: PARE e PENSE. PARE o que está
fazendo logo após a leitura deste parágrafo. Concentre-se e
PENSE: estudar, saber, conhecer –

estes verbos transform aram a sua vida? Você se tornou


alguém m elhor, que vê m ais, que sente outras coisas, que
integra links com o m undo? Seu olhar ganhou agudeza?
Sua sensibilidade está m aior? O m undo tem lógicas que
você passou a perceber e antes não via? Você realm ente se
hum anizou ao estudar? Tornou-se um a pessoa m elhor
para falar e ouvir, para ver e sentir? Seu senso crítico aum
entou com o conhecim ento? Você está vendo m ais longe?
Você m elhorou em relação ao que era?

A experiência é im portante e ela virá a seu tem po. Nada


ensinará m ais do que a sucessão de salas, alunos e
reuniões. Os espanhóis gostam de afirm ar que o

“diabo sabe m ais por ser velho do que por ser diabo”. A
idade traz m uitas luzes e algum as dores nas articulações.
Envelhecer traz repertório e perspectiva, m as o ponto de
partida está nas perguntas que fiz antes. Você realm ente
acha que o conhecim ento pode m elhorar as pessoas? A
chave de ignição está na crença do conhecim ento. Se você
acredita no que você sabe, se tem consciência do poder
revolucionário do saber, é o início e é o fundam ental. Então
de novo: você acredita no conhecim ento?

Se a resposta for sim para essa ou para a m aioria das


questões feitas antes; se acredita que esta experiência
libertadora do conhecim ento pode ser transm itida com o
foi a você por professores, textos e experiências, então,
parabéns, colega: VOCÊ JÁ É UM PROFESSOR. E o resto? O
resto virá com o tem po, creia-m e.
Se a certeza que eu citei existe em você, essas ideias fazem
sentido para você.

Bem -vindo ao m eu m undo e parabéns pela escolha. Não


houve um único dia nestes 30 anos em que eu não sentisse
um a em oção por ser professor. Nem sem pre fui feliz em
todos os cam pos da m inha vida. Mas o cam po profissional,
sem a m enor som bra de dúvida, foi um eixo norteador
bonito e intenso. Eis o segredo final: descobriu o lugar em
que você é feliz? Entre nesse lugar e nele fique. Vai com
eçar m ais um a aula e você estará nela com o professor. Vai
fundo,

professor! Há um desafio de vida a sua frente. Vai encarar?

LIVROS PARA PENSAR MAIS

Estes poucos livros são m aneiras de você aprofundar os


tem as tratados ao longo do livro. Leia um ou todos e faça
um a nova j ornada de reflexão.

01) DIDÁTICA MAGNA

Autor: Com enius – 1592-1660

São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011

Este professor do conturbado século XVII no centro da


Europa escreveu um a obra que faz pensar m uito. Com o
ensinar rapidam ente e com eficiência? Todas as pessoas
podem aprender? Tem as tão inovadores hoj e com o a
interdisciplinaridade j á constam nas propostas dele. Qual o
papel da experiência prática para a sala de aula? Essas
questões ocuparam a m ente de Com enius e podem aj udar
a pensar sobre o exercício do m agistério.

02) A ESCOLA COM QUE SEMPRE SONHEI


Autor: Rubem Alves

Cam pinas, Papirus, 2005

A preocupação de Com enius era m ais técnica e prática. A


de Rubem Alves é m ais filosófica e poética. Seus livros não
trazem coisas m uito dirigidas ao concreto im ediato, m as
falam de questões gerais e im portantes de um novo hum
anism o na educação. Aqui aparece a Escola da Ponte, um
conceito para um novo espaço escolar. Dele tam bém você
pode ler: O aluno, o professor, a escola (Papirus, 2011). A
alegria de ensinar (Papirus, 2001) e Conversas com quem
gosta de ensinar (Papirus, 2000).

03) DISCIPLINA: LIMITE NA MEDIDA CERTA

Autor: Içam i Tiba

São Paulo, Gente, 1996

A linha aqui é m ais psicologizante. Içam i Tiba reflete sobre


horários, regras e as novas concepções de disciplina. Um
dos grandes desafios do m agistério é a questão da
disciplina. Para enfrentá-la, seria bom ler m uitas coisas.

04) EDUCAÇÃO ESCOLAR: POLÍTICAS, ESTRUTURA E


ORGANIZAÇÃO

Autores: Mirza Seabra Toschi, José Carlos Libâneo e João


Ferreira de Oliveira

São Paulo, Cortez, 2007

Livro com perfil m ais técnico sobre escola e estrutura


escolar e as diversas reform as do ensino.

05) COLEÇÃO “50 GRANDES”


Autora: Joy Palm er

São Paulo, Contexto

Há dois livros m uito im portantes nesta coleção. O volum e


50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey (2005) trata
dos clássicos. Sem pre com um a biografia breve e trechos e
ideias im portantes dos educadores. É um a m aneira
prática e boa de saber m uito sobre um a vasta rede de
pensadores da educação. O

outro volum e vai de Piaget e Paulo Freire e trata dos 50


grandes educadores modernos (2006).

OS AUTORES

Leandro Karnal é professor, historiador, graduado em


História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP).
Leciona há 30 anos, tendo passado por ensino fundam
ental, m édio, escolas públicas e privadas, cursinhos pré-
vestibulares, universidades variadas e hoj e leciona na
Universidade Estadual de Cam pinas (Unicam p).

Trabalha há m uitos anos com capacitações para


professores da rede pública e publicação de m aterial
didático e de apoio para os professores. Pela Contexto
publicou com o autor, coautor ou organizador Estados
Unidos, História da cidadania, As religiões que o mundo
esqueceu, O historiador e suas fontes, História na sala de
aula e História dos Estados Unidos. Viaj a bastante e
observa professores e alunos em m eios com o com
unidades indígenas no México, escolas da França, aulas no
Norte da Índia, Vietnã e China. Sua m eta de vida é ser lem
brado com o alguém que tentou ser um bom professor.
Rose Karnal é professora, form ada em Letras pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em 1985,
e pós-graduada em Literatura Infanto-Juvenil.

Leciona em ensino m édio e fundam ental há 32 anos.


Iniciou sua vida profissional na rede pública. Atualm ente,
trabalha no Colégio São José, em São Leopoldo.

Fazer a diferença na vida do aluno, levando as


possibilidades de conhecim ento e convivência saudável...
eis algum as das razões para continuar no m agistério.

Table of Contents

INTRODUÇÃO

A AULA-INTRODUÇÃO AO JOGO E SUAS REGRAS

A aula

Prim eira linha: você

Segunda linha: conteúdo

Terceira linha: condições externas

Quarta linha: o aluno

Aula e teatro

O que deve ser preparado na prática

Eu fiz tudo, m as...

AS PEDRAS DA NOSSA ESTRADA

Erro 1: Quem é adulto nesta sala?


Erro 2: Agora vocês vão ver…

Erro 3: Decifra-m e ou te devoro

Erro 4: Sou um professor, não um aluno m ais adiantado

Erro 5: Desistir de um aluno

A TAL DA CRIATIVIDADE

Método criativo?

PAIS, COLEGAS E DIRETORES

Os pais, m anual de instruções

Direção e Coordenação

Os colegas

Para encerrar…

APERTEM OS CINTOS, CHEGOU O DIA DA PROVA

O dia da prova…

Chegou o dia...

Preparando a prova

Aplicando a avaliação

Corrigindo

Entregando

Os cuidados

O dia do Conselho
TECNOLOGIA E SALA DE AULA

Ainda apocalípticos e integrados

Não apenas m áquinas, m as cérebros

Um caso de sucesso

DISCIPLINA, por Rose Karnal

Fiz o possível, m as este aluno...

POR QUE CONTINUO SENDO PROFESSOR?

Som os todos “chorões profissionais”?

Há algo de bom ?

Para encerrar

CONCLUSÃO

LIVROS PARA PENSAR MAIS

OS AUTORES
Document Outline
INTRODUÇÃO
A AULA-INTRODUÇÃO AO JOGO E SUAS REGRAS
A aula
Primeira linha: você
Segunda linha: conteúdo
Terceira linha: condições externas
Quarta linha: o aluno
Aula e teatro
O que deve ser preparado na prática
Eu fiz tudo, mas...
AS PEDRAS DA NOSSA ESTRADA
Erro 1: Quem é adulto nesta sala?
Erro 2: Agora vocês vão ver…
Erro 3: Decifra-me ou te devoro
Erro 4: Sou um professor, não um aluno mais adiantado
Erro 5: Desistir de um aluno
A TAL DA CRIATIVIDADE
Método criativo?
PAIS, COLEGAS E DIRETORES
Os pais, manual de instruções
Direção e Coordenação
Os colegas
Para encerrar…
APERTEM OS CINTOS, CHEGOU O DIA DA PROVA
O dia da prova…
Chegou o dia...
Preparando a prova
Aplicando a avaliação
Corrigindo
Entregando
Os cuidados
O dia do Conselho
TECNOLOGIA E SALA DE AULA
Ainda apocalípticos e integrados
Não apenas máquinas, mas cérebros
Um caso de sucesso
DISCIPLINA, por Rose Karnal
Fiz o possível, mas este aluno...
POR QUE CONTINUO SENDO PROFESSOR?
Somos todos “chorões profissionais”?
Há algo de bom?
Para encerrar
CONCLUSÃO
LIVROS PARA PENSAR MAIS
OS AUTORES

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