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CULTURA AFRO-BRASILEIRA
E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS E CULTURAIS
Unidade 1
Diretoria Geral
Professor Frederico Lucas Diretoria Administrativa - Financeira
Gláubia Domiciano Barbosa
Diretoria Acadêmica
Antonio Cannas Neto Coordenadoria do Núcleo de Educação
a Distância
Secretaria Acadêmica Maria Rita Almeida Gonzaga
Aurília Miranda Silva
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Iconografia
Atenção
Indica pontos de maior relevância no texto.
Curiosidade
Curiosidade sobre o assunto ou uma dica de como trabalhar com
determinado conceito.
Saiba mais
Oferece novas informações que enriquecem o assunto e notícias
recentes relacionadas ao tema estudado.
Reflita
Um momento de uma pausa na leitura para refletir/escrever sobre
pontos importantes e/ou questionamentos.
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Apresentando a Unidade
Vamos iniciar nossa primeira unidade de estudo com um espaço para aprofundar
questões sobre raça e etnia, conceitos fundamentais para a compreensão das relações
étnico-raciais em nosso país. Dessa forma poderemos dimensionar como a sociedade
brasileira criou-se a partir do mito da democracia racial.
Objetivo Específico
Bons estudos!
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1.1 Raça e Etnia: conceituando
A carne mais barata do mercado é a carne negra”, dizia a música que tocava no rádio,
mas pouca gente se importava com isso. Talvez essa música explique um pouco o
número de jovens negros mortos no país. Aliás, você já se atentou para a cor dos
jovens mortos que aparecem nos noticiários? Já parou para ouvir o que a família
daquele jovem que morreu assassinado por policiais falava sobre ele?
Sabe o medo que uma mãe negra sente ao ver seus filhos saírem para a rua? Todas
essas indagações, que parecem soltas, estabelecem um elo, tem o objetivo de
instigar nosso pensamento, a maneira como vemos e vivemos nesse mundo.
Lançamos aqui a seguinte pergunta: por que brancos e negros ocupam lugares tão
diferentes na sociedade? Talvez seja a somatória do legado da escravidão com o
racismo atual, aquele racismo à brasileira – pautado no Mito da Democracia Racial,
que por sua vez sugere que em nosso país não há discriminação por raça ou cor -
que coloca a discriminação racial para baixo do tapete. Trata-se, muitas vezes, de
uma discriminação subliminar, que não deixa marcas visíveis, mas é violenta e ataca
direitos, inclusive impedindo o acesso a eles.
1.1 Raça
A partir do século XIX, espalhou-se a ideia de que a humanidade estava também
dividida em tipos raciais, fenótipos, que não tinham as mesmas capacidades. Essa
teoria justificou, durante um grande período da História, a segregação racial, a
escravidão negra e, de certa maneira, continua até os dias de hoje.
Apesar de, atualmente, não ser possível, do ponto de vista científico, falar em raças
humanas é imprescindível reconhecer a existência do racismo. Você mesmo já deve
ter conversado com pessoas ou assistido a programas tratando dessa temática em
que, de maneira geral, todos se manifestam contrários às atitudes racistas.
Por mais estranho que possa parecer hoje, o racismo já foi considerado uma teoria
científica. Obviamente a ciência contemporânea comprovou o que já sabemos: a cor
da pele ou o grupo étnico ao qual pertencemos em nada muda nossas capacidades
físicas ou intelectuais.
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Figura 1.1: O mito da democracia racial é vendido como um dos atributos do país
O fato é que quando permanece em vigor, por força da repetição, por ignorância
científica ou simplesmente preconceito, no senso comum essa ideia de que algumas
“raças” são naturalmente superiores às demais, aí sim temos um problema.
Uma das principais características do racismo, é justamente ser uma doutrina que
pretende se apresentar como objetiva, sustentando-se na suposta teoria da natureza
das coisas, como se fosse possível dizer que “é assim por que sim” ou “porque sempre
foi assim”, reforçando seus pilares de repetição, ignorância e preconceito.
De forma equivocada, ainda se utiliza o termo raça em seu sentido biológico, questão
há muito tempo discutida e comprovada como não existente. Nesse sentido, precisamos
entender raça como “[...] uma construção sociológica e político-ideológica, pois embora
não exista cientificamente, a raça persiste no imaginário coletivo e na cabeça dos
racistas” (MUNANGA, 2010, p. 192), o que faz o racismo ser perpetuado e milhões de
pessoas serem vítimas dele.
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1.2 Etnia
Você sabia que etnia não é sinônimo de raça? Pois o termo refere-se a uma noção
social em torno de aspectos culturais. Em outras palavras, etnia trata de um grupo de
pessoas com ancestral comum e que compartilham da mesma língua, religião, cultura e
tradições, além do território e/ou condições históricas. Um grupo étnico consiste em um
conjunto cultural, com tradições, técnicas, conhecimentos, habilidades, língua e
comportamento.
A palavra etnia significa “gentio”, com origem no grego ethnikos, derivado de ethnos,
com significado de gente ou nação estrangeira. Segundo Santos et al. (2010, p. 122),
trata-se de um conceito “[...] polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo
resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além
da aparência física”.
Então, lembre-se de que raça e etnia não são termos sinônimos, pois raça envolve
características fenotípicas, como a cor da pele e o tipo do cabelo, enquanto etnia
comporta fatores culturais, como a nacionalidade, a religião, a língua e as tradições de
um determinado grupo. Como exemplo de etnias, podemos citar os judeus, os
japoneses, os esquimós, os hereros e tantos outros grupos.
Um olhar mais atento percebe que essas três categorias indicam problemas presentes
ainda hoje em nossa sociedade e com os quais necessitamos lidar diariamente. Por
isso a importância de discutir os conceitos e as aplicabilidades na realidade social
brasileira, visto que provocam desigualdades tanto materiais quanto simbólicas.
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É o caso das comunidades remanescentes quilombolas, culturas de matrizes africanas
reorganizadas em territórios de luta, configuram resistências culturais. Esses espaços
de lutas políticas e sociais e de revivências são formas de manutenção de diferentes
culturas africanas e de seus descendentes ao longo do tempo, desde antigos quilombos
em épocas coloniais.
Tais heranças são pautadas ainda hoje e fazem parte de demandas de comunidades
quilombolas em torno do direito à terra, à memória, a direitos fundamentais de
sobrevivência física e cultural.
O artigo 216 da Constituição Brasileira de 1988 trata de maneira direta, quando faz
menção expressa ao tombamento de todos os documentos e sítios que guardem
memórias dos antigos quilombos, sendo reconhecidos, portanto este conjunto como
passíveis de proteção pelo Estado, devendo salvaguardá-lo tendo em vista a
importância que lhe foi reconhecida pela Lei Maior.
Podemos utilizar alguns dados, retirados das pesquisas IBGE (2010), para facilitar a
compreensão. O primeiro é o índice de violência. Enquanto o número é de 2.6% para
pessoas brancas, para as negras é de 3.5%, ou seja, a população negra é vítima de
violência em proporção maior que a branca.
Outra forma de compreender isso: na nossa vida temos diversos ciclos, sendo cada um
deles determinante para o ciclo seguinte. Assim, a origem familiar, com seus membros,
trajetória socioeconômica, condições de moradia e escolaridade, modifica a estrutura de
oportunidades do indivíduo.
Dos recursos que a escola pode utilizar na formação dos alunos, os mais comuns são
os livros e as apostilas didáticas, e neles encontramos muitos dos silêncios que
garantem a perpetuação das desigualdades, quando não o que vemos são uma
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inferiorização de negros e indígenas e a supervalorização do homem branco.
Na área educacional estão sendo realizados esforços para combater o racismo e formar
referências de qualidade para tratar da temática étnico-racial. Recentemente, como dito
anteriormente, a história e a cultura negra e indígena tornaram-se conteúdo obrigatório
nas escolas. Mas que mudanças na sociedade essa obrigatoriedade pode provocar?
É verdade que nenhuma lei pode decretar uma boa relação ou a integração entre
grupos, mas pode proibir a segregação e regulamentar os comportamentos. A
Constituição de 1988 foi fundamental para o início dos debates acerca da inclusão do
estudo de diferentes culturas e etnias, e a partir daí vários outros processos iniciaram.
Por fim, em 2016, saiu um parecer que tratou de maneira particular sobre a
implementação da história e da cultura indígena na educação básica brasileira que, em
linhas gerais, apresenta meios de abordagem da história e da cultura indígena na sala
de aula.
A partir destes marcos legais, vários olhares têm se voltado para as questões das
relações e situações que emergem em sala de aula e refletem nosso cotidiano social. A
legislação, e os referenciais produzidos pelo Ministério da Educação, permitiram ampliar
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os debates sobre as avaliações dos livros didáticos, a garantia de acesso e
permanência da população negra nas universidades, a realização de campanhas de
combate ao racismo e à discriminação, assim como programas de formação de
educadores.
Não se espera que as Leis e as Diretrizes acabem com toda prática excludente que há
na educação do país, mas são passos importantes, especialmente na mudança do
imaginário que criamos a respeito desses grupos e que temos como naturais.
Figura 2.1: Representação da diversidade cultural no mundo
Esta é uma questão importante: o olhar sobre o continente africano e sua população
tem uma série de benefícios à educação. A partir disso temos a inclusão da nossa
própria história nos currículos escolares, visto que a África é o berço da humanidade;
rompemos com o silêncio que foi incutido à população negra; superamos a visão do
continente africano como um lugar sem história ou como lugar de miséria e fome;
reconhecemos a contribuição do continente africano para o mundo e para o Brasil;
trazemos elementos para compreender as desigualdades étnico-raciais e possíveis
caminhos para sua superação.
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Figura 2.2: A representação de negros em livro didáticos: escravos e passivos.
Claro que não bastaria que esses parâmetros estivessem em vigor se eles não fossem
aplicados de maneira efetiva nas escolas do nosso país. Para isso, é necessário tratar a
história da África com a mesma importância que se trata qualquer outro processo
histórico, reconhecer a história e a complexidade do continente africano pré-colonial,
analisar a herança que o colonialismo deixou na África, considerar a interação entre os
milhares de grupos étnicos do continente, identificar e valorizar a presença do negro na
literatura, na arte, na história e incluir a História da África nos currículos das
universidades.
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Tivemos um processo colonizador pautado na força militar e na imposição ideológica. A
soma da visão eurocêntrica e racista explorou e dizimou as populações indígenas, o
tratamento não foi muito diferente em relação ao tráfico negreiro.
Essa herança não acabou com o fim da escravidão ou com o surgimento de marcos
legais no que se refere à garantia de direitos e à criminalização do racismo, mas
perdura até os dias atuais e se manifesta mesmo com grupos que são parte da mesma
nação, como nordestinos ou nortistas. Contraditoriamente, parece que o país teima em
construir uma nação homogênea a partir de uma formação amplamente diversa como a
nossa.
Figura 3.1: O racismo nosso de cada dia.
Não podemos falar de racismo no Brasil sem citar o mito da democracia racial.
Possivelmente você já ouviu falar nele, ou ao menos do que ele trata: ele sugere
que o Brasil é um país onde não há discriminação por raça ou cor e onde essas
diferenças são respeitadas e a convivência entre diferentes grupos é harmônica.
Ao ler isso, nos damos conta da inconsistência dessa teoria, porém, nós vemos
isso diariamente quando nos perguntamos se as cotas universitárias são mesmo
necessárias, se aquele crime foi mesmo cometido por ódio e racismo, se é
verdade aquela história de alguém que sofreu discriminação pela sua cor.
Quer saber mais sobre racismo institucional? Leia o artigo Racismo Institucional – O
Ato Silencioso que Distingue as Raças, disponível em:
https://www.geledes.org.br/racismo-institucional-o-ato-silencioso-que-distingue-as-
racas.
Outra questão histórica a ser analisada trata da formação do povo brasileiro sobre
a tríade portugueses, indígenas e negros. Você também já leu e ouviu falar sobre
esses três grupos e é inegável a contribuição deles para a constituição do Brasil
como nação.
Assim, essa definição de miscigenação não coloca cada grupo no mesmo plano,
mas os tipifica como raças diferentes e atribui qualidades distintas a cada uma
delas, além de hierarquizar supostas características morais. Portanto, podemos
afirmar que, em nosso país, tanto o Estado quanto a sociedade foram pensados
de um ponto de vista eurocêntrico e racista.
4. A branquitude
Enquanto de um lado da balança temos os efeitos do racismo, do outro temos um
termo que atualmente está muito presente nessas mesmas discussões: a
branquitude. O homem branco sempre foi apontado como o ser ideal, cidadão
hegemônico, universal, o que lhe garantiu privilégios ao longo da história e,
mesmo com tantos esforços de políticas de enfrentamento ou questionamento do
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racismo, continua mantendo seu lugar: o topo da hierarquia social. Os estudos
críticos sobre a branquitude são bastante recentes, iniciaram-se por volta da
década de 1990 e tratam do tema como uma ideia sobre o privilégio ou a
vantagem estrutural de ser branco.
Ou, então, quantas vezes você foi atendido por um médico ou dentista negro? E
confundir a médica negra com a faxineira da unidade de saúde? Parece que
existem espaços delimitados, papéis e profissões em que é mais ou menos
coerente ver um negro. Essas indagações refletem a necessidade de revermos
nossos conceitos, de repensarmos nossas relações e os privilégios que as
pessoas possuem pelo fato de serem brancas.
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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2017.
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www.fanap.br