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VERO NARA STEFANO

CULTURA AFRO-BRASILEIRA
E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS E CULTURAIS
Unidade 1

Os conceitos de raça e etnia e o


debate em torno da educação para as
relações étnico-raciais
FACULDADE NOSSA SENHORA APARECIDA - FANAP

Diretoria Geral
Professor Frederico Lucas Diretoria Administrativa - Financeira
Gláubia Domiciano Barbosa
Diretoria Acadêmica
Antonio Cannas Neto Coordenadoria do Núcleo de Educação
a Distância
Secretaria Acadêmica Maria Rita Almeida Gonzaga
Aurília Miranda Silva

Produção do Material Didático - Pedagógico


NEaD – Núcleo de Educação a Distância
Professor Conteudista: Adailton Lopes
Torres da Silva

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Iconografia

Atenção
Indica pontos de maior relevância no texto.

Curiosidade
Curiosidade sobre o assunto ou uma dica de como trabalhar com
determinado conceito.

Saiba mais
Oferece novas informações que enriquecem o assunto e notícias
recentes relacionadas ao tema estudado.

Reflita
Um momento de uma pausa na leitura para refletir/escrever sobre
pontos importantes e/ou questionamentos.

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Apresentando a Unidade

Vamos iniciar nossa primeira unidade de estudo com um espaço para aprofundar
questões sobre raça e etnia, conceitos fundamentais para a compreensão das relações
étnico-raciais em nosso país. Dessa forma poderemos dimensionar como a sociedade
brasileira criou-se a partir do mito da democracia racial.

A partir do conteúdo aqui apresentado, entenderemos como as relações sociais


constroem hierarquias, poderes, preconceitos, racismo e impedimentos ao acesso a
bens simbólicos e materiais, bem como uma construção baseada em relações de poder
desiguais e injustas que permaneceram por muito tempo que resultaram à limitação da
cidadania, ao alcance de direitos fundamentais e como essas situações resultam em
desigualdades raciais e sociais no Brasil.

Nesse sentido, é necessário discutir as relações étnico-raciais e o papel da educação


na formação de uma sociedade emancipada e atuante no combate a toda e qualquer
forma de discriminação e preconceito.

Prepare seu caderno de anotações e vamos aos estudos!

Objetivo Específico

 Compreender os conceitos de raça e etnia no contexto social e o debate em torno


da educação para as relações étnico-raciais, analisando as raízes e
consequências da discriminação, preconceito, racismo e seus impactos na
sociedade.

Bons estudos!

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1.1 Raça e Etnia: conceituando
A carne mais barata do mercado é a carne negra”, dizia a música que tocava no rádio,
mas pouca gente se importava com isso. Talvez essa música explique um pouco o
número de jovens negros mortos no país. Aliás, você já se atentou para a cor dos
jovens mortos que aparecem nos noticiários? Já parou para ouvir o que a família
daquele jovem que morreu assassinado por policiais falava sobre ele?

Sabe o medo que uma mãe negra sente ao ver seus filhos saírem para a rua? Todas
essas indagações, que parecem soltas, estabelecem um elo, tem o objetivo de
instigar nosso pensamento, a maneira como vemos e vivemos nesse mundo.

Lançamos aqui a seguinte pergunta: por que brancos e negros ocupam lugares tão
diferentes na sociedade? Talvez seja a somatória do legado da escravidão com o
racismo atual, aquele racismo à brasileira – pautado no Mito da Democracia Racial,
que por sua vez sugere que em nosso país não há discriminação por raça ou cor -
que coloca a discriminação racial para baixo do tapete. Trata-se, muitas vezes, de
uma discriminação subliminar, que não deixa marcas visíveis, mas é violenta e ataca
direitos, inclusive impedindo o acesso a eles.

Há algumas décadas, em especial, têm se consolidado no Brasil, influenciado também


por movimentos de negritude e direitos civis nos EUA, na África do Sul e na Índia
principalmente, uma autoafirmação da identidade negra, retomando aspectos culturais
de matrizes africanas e assumindo características físicas e socioculturais, como
religião, danças, no caso das mulheres, a aceitação do cabelo crespo, constituindo
formas de fortalecer e visibilizar essa autoafirmação.

1.1 Raça
A partir do século XIX, espalhou-se a ideia de que a humanidade estava também
dividida em tipos raciais, fenótipos, que não tinham as mesmas capacidades. Essa
teoria justificou, durante um grande período da História, a segregação racial, a
escravidão negra e, de certa maneira, continua até os dias de hoje.
Apesar de, atualmente, não ser possível, do ponto de vista científico, falar em raças
humanas é imprescindível reconhecer a existência do racismo. Você mesmo já deve
ter conversado com pessoas ou assistido a programas tratando dessa temática em
que, de maneira geral, todos se manifestam contrários às atitudes racistas.
Por mais estranho que possa parecer hoje, o racismo já foi considerado uma teoria
científica. Obviamente a ciência contemporânea comprovou o que já sabemos: a cor
da pele ou o grupo étnico ao qual pertencemos em nada muda nossas capacidades
físicas ou intelectuais.

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Figura 1.1: O mito da democracia racial é vendido como um dos atributos do país

Fonte: Plataforma Deduca (2018).

O fato é que quando permanece em vigor, por força da repetição, por ignorância
científica ou simplesmente preconceito, no senso comum essa ideia de que algumas
“raças” são naturalmente superiores às demais, aí sim temos um problema.

Uma das principais características do racismo, é justamente ser uma doutrina que
pretende se apresentar como objetiva, sustentando-se na suposta teoria da natureza
das coisas, como se fosse possível dizer que “é assim por que sim” ou “porque sempre
foi assim”, reforçando seus pilares de repetição, ignorância e preconceito.

Saiba Mais: Para compreender os ideais de raça e os impactos sobre povos e


culturas considerados diferentes e, por isso, inferiores, assista ao vídeo “A época
bizarra dos zoológicos humanos”, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=3xwy_AsIIjE.

De acordo com Munanga (2010), qualquer tentativa de explicar o racismo implica em


compreender o significado de raça. Assim, os estudiosos que lidam com “a ideologia
racista, entre eles os envolvidos, hoje, com o debate nacional sobre cotas para negros
nas universidades públicas, não conseguem fugir do uso da palavra raça, mesmo
aqueles que combatem as cotas” (MUNANGA, 2010, p. 191).

De forma equivocada, ainda se utiliza o termo raça em seu sentido biológico, questão
há muito tempo discutida e comprovada como não existente. Nesse sentido, precisamos
entender raça como “[...] uma construção sociológica e político-ideológica, pois embora
não exista cientificamente, a raça persiste no imaginário coletivo e na cabeça dos
racistas” (MUNANGA, 2010, p. 192), o que faz o racismo ser perpetuado e milhões de
pessoas serem vítimas dele.
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1.2 Etnia
Você sabia que etnia não é sinônimo de raça? Pois o termo refere-se a uma noção
social em torno de aspectos culturais. Em outras palavras, etnia trata de um grupo de
pessoas com ancestral comum e que compartilham da mesma língua, religião, cultura e
tradições, além do território e/ou condições históricas. Um grupo étnico consiste em um
conjunto cultural, com tradições, técnicas, conhecimentos, habilidades, língua e
comportamento.

A palavra etnia significa “gentio”, com origem no grego ethnikos, derivado de ethnos,
com significado de gente ou nação estrangeira. Segundo Santos et al. (2010, p. 122),
trata-se de um conceito “[...] polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo
resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além
da aparência física”.

Então, lembre-se de que raça e etnia não são termos sinônimos, pois raça envolve
características fenotípicas, como a cor da pele e o tipo do cabelo, enquanto etnia
comporta fatores culturais, como a nacionalidade, a religião, a língua e as tradições de
um determinado grupo. Como exemplo de etnias, podemos citar os judeus, os
japoneses, os esquimós, os hereros e tantos outros grupos.

1.3 Desigualdades Raciais


Para compreender o que é desigualdade, precisamos entender alguns conceitos que
incidem sobre a questão, como é o caso de discriminação, preconceito e racismo.
Discriminação é o tratamento diferente e excludente atribuído a pessoas em função de
suas diferenças (gênero, cor, etnia, orientação sexual, religião). Neste caso, não se
atribuem qualidades ou defeitos ao indivíduo por seu caráter ou desempenho, e sim
pelo grupo social do qual faz parte.

O preconceito, assim como a discriminação, opera de modo a distribuir de forma


desigual status, prestígio e poder, reproduzindo hierarquias sociais, cuja origem, no
Brasil, vincula-se ao passado colonial e escravista. O preconceito tem como base o
julgamento prévio, feito de forma negativa a partir de opiniões pré-concebidas e
informações estereotipadas.

E o que caracteriza o racismo? É um fenômeno histórico pautado na ideia de que os


grupos humanos possuem hierarquias. Diferenças culturais ou de aparência física
servem de base para a atribuição de valores intelectuais e morais distintos aos seres
humanos, classificando-os e considerando alguns grupos mais desenvolvidos e aptos
do que outros.

Um olhar mais atento percebe que essas três categorias indicam problemas presentes
ainda hoje em nossa sociedade e com os quais necessitamos lidar diariamente. Por
isso a importância de discutir os conceitos e as aplicabilidades na realidade social
brasileira, visto que provocam desigualdades tanto materiais quanto simbólicas.
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É o caso das comunidades remanescentes quilombolas, culturas de matrizes africanas
reorganizadas em territórios de luta, configuram resistências culturais. Esses espaços
de lutas políticas e sociais e de revivências são formas de manutenção de diferentes
culturas africanas e de seus descendentes ao longo do tempo, desde antigos quilombos
em épocas coloniais.

Tais heranças são pautadas ainda hoje e fazem parte de demandas de comunidades
quilombolas em torno do direito à terra, à memória, a direitos fundamentais de
sobrevivência física e cultural.

O artigo 216 da Constituição Brasileira de 1988 trata de maneira direta, quando faz
menção expressa ao tombamento de todos os documentos e sítios que guardem
memórias dos antigos quilombos, sendo reconhecidos, portanto este conjunto como
passíveis de proteção pelo Estado, devendo salvaguardá-lo tendo em vista a
importância que lhe foi reconhecida pela Lei Maior.

De acordo com Henriques (2001), no Brasil, o contexto da desigualdade


socioeconômica e da pobreza deve ser articulado às questões raciais. Nosso país é
reconhecido como extremamente injusto e isso implica no significativo número de
populações empobrecidas, principalmente negros e indígenas, indicando que a pobreza
tem cor.

Podemos utilizar alguns dados, retirados das pesquisas IBGE (2010), para facilitar a
compreensão. O primeiro é o índice de violência. Enquanto o número é de 2.6% para
pessoas brancas, para as negras é de 3.5%, ou seja, a população negra é vítima de
violência em proporção maior que a branca.

O segundo item está relacionado ao quesito vulnerabilidade social. Pesquisas


apontaram que em cada dez famílias que recebem o Bolsa Família, sete são chefiadas
por pessoas negras. É também muito comum ouvirmos que quem tem bons salários e
empregos teve boas oportunidades ou boa qualidade de ensino, no entanto, mesmo
com as mesmas condições e formação, as mulheres e os negros continuam a receber
salários menores que os homens e brancos.

Se a escolarização é igual e as capacidades as mesmas, como isso é possível? Será


que a educação escolar é mesmo igual? Segundo dados do IBGE, enquanto a
população branca tem, em média, 8,8 anos de estudos, a população negra tem 7,2, isso
no ano de 2013. A taxa de analfabetismo também não é diferente, ou seja, é maior
quando relacionada aos negros, 11,5%, quase duas vezes maior quando comparada
com os brancos, 5,2%.

Tratando-se do Brasil, há algumas particularidades a serem observadas. Temos


elevados níveis de pobreza e uma das piores distribuições de renda do mundo; as
desigualdades regionais são cruciais para o fortalecimento das diferenças sociais, a
desigualdade social é extremamente estável, visto que nas últimas duas décadas se
manteve praticamente inalterada. Assim, as desigualdades, que são estruturais,
somam-se às discriminações, que não são individuais, mas institucionais.
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Saiba Mais: A respeito de oportunidades distintas, ou seja, de desigualdades
resultantes do racismo, da discriminação e do preconceito, assista ao vídeo “Por uma
infância sem racismo”, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BfkZLkSHWR8.

Outra forma de compreender isso: na nossa vida temos diversos ciclos, sendo cada um
deles determinante para o ciclo seguinte. Assim, a origem familiar, com seus membros,
trajetória socioeconômica, condições de moradia e escolaridade, modifica a estrutura de
oportunidades do indivíduo.

Depois vêm as possibilidades de saúde e educação as quais as crianças e


adolescentes estão sujeitos e, na sequência, o acesso ao mercado de trabalho e a
possibilidade de formação de uma nova família. Finalmente, o indivíduo atinge a
realização do seu status, ou seja, sua posição na estrutura socioeconômica vigente.
Isso vai determinar a sua situação familiar e o ciclo inicia novamente.

2. Educação das relações étnico-raciais: um debate em


torno de uma educação transformadora da sociedade
Trazendo a nossa análise para o ambiente escolar, e sabendo da importância do
processo educativo na vida de todo indivíduo, temos que nos perguntar: será que a
escola está rompendo ou reforçando as imagens preconceituosas e discriminatórias?

Há muito se discute sobre o papel da escola na nossa organização social, e mostra-se,


cada dia mais, que ela não pode ser pensada separada do restante da sociedade. Ao
contrário, como instituição social, a escola está sujeita às mesmas interações que
aparecem em qualquer outro ambiente.

Assim, não podemos pensar em caminhos que levem ao questionamento e ao


entendimento do etnocentrismo, do preconceito e do racismo sem refletir sobre como
eles são discutidos no ambiente escolar.

A escola tem a função de promover a transmissão e a construção do conhecimento.


Para isso, ela tem um espaço diferenciado e profissionais que devem se dedicar a esse
papel com afinco e responsabilidade. Vale lembrar que, nas últimas décadas, a temática
da cultura africana e afro-brasileira e dos povos indígenas ganhou respaldo legal por
meio de leis que garantem a obrigatoriedade de seu ensino em sala de aula.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a escola é um espaço privilegiado para


promover a igualdade e eliminar qualquer forma de discriminação e racismo. Até
porque, diferentemente de outras instituições sociais, a escola tem uma atuação
intencional, constante e obrigatória.

Dos recursos que a escola pode utilizar na formação dos alunos, os mais comuns são
os livros e as apostilas didáticas, e neles encontramos muitos dos silêncios que
garantem a perpetuação das desigualdades, quando não o que vemos são uma
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inferiorização de negros e indígenas e a supervalorização do homem branco.

Os livros didáticos, por vezes, perpetuam a discriminação, as ilustrações de famílias,


que sempre apresentam a mulher negra em uma posição inferior da mulher branca, por
exemplo ela sempre é a babá, empregada.

Na área educacional estão sendo realizados esforços para combater o racismo e formar
referências de qualidade para tratar da temática étnico-racial. Recentemente, como dito
anteriormente, a história e a cultura negra e indígena tornaram-se conteúdo obrigatório
nas escolas. Mas que mudanças na sociedade essa obrigatoriedade pode provocar?

É verdade que nenhuma lei pode decretar uma boa relação ou a integração entre
grupos, mas pode proibir a segregação e regulamentar os comportamentos. A
Constituição de 1988 foi fundamental para o início dos debates acerca da inclusão do
estudo de diferentes culturas e etnias, e a partir daí vários outros processos iniciaram.

Em relação à educação indígena, tivemos grandes avanços, como a estruturação de um


sistema que respeita o modo de vida, as necessidades e interesses dos indígenas. Um
marco importante ocorreu em 1991, com a incorporação das escolas indígenas ao
sistema educacional nacional, passando elas a serem parte integrante do Ministério da
Educação, onde se criou um Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena.

Como consequência, foi lançado, em 1993, o documento “Diretrizes para a Política


Nacional de Educação Escolar Indígena”, que desencadeou várias outras iniciativas que
garantiriam o acesso, a visibilidade e a voz aos diferentes grupos indígenas do território
brasileiro. Outro importante avanço é o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas (RCNEI), publicado em 1998, apresentando as bases para uma educação
intercultural, diferenciada e bilíngue no cenário escolar indígena.

Ao tratarmos da temática racial, temos a Lei nº 10.639/2003, que inclui a história e a


cultura da África e dos afro-brasileiros na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), mostrando-se um passo importante no avanço de uma pedagogia que
valoriza a cultura e a diversidade étnico-racial brasileira. Em 2008, com a promulgação
da Lei nº 11.645, a história indígena foi também incluída.

A presente lei gerou inúmeros debates no setor da educação, principalmente, no que


diz respeito à metodologia de formar não apenas os alunos, mas, também, professores.
Era preciso formação na temática, rever e problematizar conceitos arcaicos e
ultrapassados.

Por fim, em 2016, saiu um parecer que tratou de maneira particular sobre a
implementação da história e da cultura indígena na educação básica brasileira que, em
linhas gerais, apresenta meios de abordagem da história e da cultura indígena na sala
de aula.

A partir destes marcos legais, vários olhares têm se voltado para as questões das
relações e situações que emergem em sala de aula e refletem nosso cotidiano social. A
legislação, e os referenciais produzidos pelo Ministério da Educação, permitiram ampliar
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os debates sobre as avaliações dos livros didáticos, a garantia de acesso e
permanência da população negra nas universidades, a realização de campanhas de
combate ao racismo e à discriminação, assim como programas de formação de
educadores.

Não se espera que as Leis e as Diretrizes acabem com toda prática excludente que há
na educação do país, mas são passos importantes, especialmente na mudança do
imaginário que criamos a respeito desses grupos e que temos como naturais.
Figura 2.1: Representação da diversidade cultural no mundo

Fonte: Elaborada pelo Autor (2018).

Esta é uma questão importante: o olhar sobre o continente africano e sua população
tem uma série de benefícios à educação. A partir disso temos a inclusão da nossa
própria história nos currículos escolares, visto que a África é o berço da humanidade;
rompemos com o silêncio que foi incutido à população negra; superamos a visão do
continente africano como um lugar sem história ou como lugar de miséria e fome;
reconhecemos a contribuição do continente africano para o mundo e para o Brasil;
trazemos elementos para compreender as desigualdades étnico-raciais e possíveis
caminhos para sua superação.

Precisamos romper com o estereótipo, ou seja, a maneira como os negros são


representados em nossos livros didáticos. Romper com as imagens de escravos
passivos, de pessoas sem cultura própria, permissivos à violência, afinal, os estudos
sobre escravidão e cultura afro-brasileira nos mostram a pluralidade da cultura negra, a
força e a dignidade de pessoas que lutaram veementemente por sua liberdade. Uma
nova maneira de ver e representar os negros. É isso que precisa ser repensado quando
da produção de material didático.

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Figura 2.2: A representação de negros em livro didáticos: escravos e passivos.

Fonte: Elaborada pelo Autor (2018).

Claro que não bastaria que esses parâmetros estivessem em vigor se eles não fossem
aplicados de maneira efetiva nas escolas do nosso país. Para isso, é necessário tratar a
história da África com a mesma importância que se trata qualquer outro processo
histórico, reconhecer a história e a complexidade do continente africano pré-colonial,
analisar a herança que o colonialismo deixou na África, considerar a interação entre os
milhares de grupos étnicos do continente, identificar e valorizar a presença do negro na
literatura, na arte, na história e incluir a História da África nos currículos das
universidades.

Os educadores, tendo as bases anteriormente sugeridas, podem colocar-se diante de


seus educandos com várias possibilidades de trabalho. Cada vez mais chegam às
escolas novas bibliografias com experiências de inclusão e igualdade, novas formações
para professores, materiais específicos, sites e muitas outras iniciativas.

Essas práticas ampliam a participação da comunidade escolar, estimulam a pesquisa,


valorizam as múltiplas identidades, a oralidade e as histórias pessoais. Acreditamos que
o objetivo dessas mudanças e dessas ações deve ser o de sensibilizar as pessoas para
que lutem por políticas públicas que culminem com um mundo mais justo.

3. Impasses do racismo e seus correlatos


Agora, vamos aproximar esse prisma da nossa realidade. Partimos do Brasil, um país
sabidamente constituído por múltiplas etnias, que tem uma cultura diversa. Será que,
mesmo assim, existe preconceito ou discriminação racial por aqui? Certamente você já
tem essa resposta. Mas como chegamos a isso?

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Tivemos um processo colonizador pautado na força militar e na imposição ideológica. A
soma da visão eurocêntrica e racista explorou e dizimou as populações indígenas, o
tratamento não foi muito diferente em relação ao tráfico negreiro.

Essa herança não acabou com o fim da escravidão ou com o surgimento de marcos
legais no que se refere à garantia de direitos e à criminalização do racismo, mas
perdura até os dias atuais e se manifesta mesmo com grupos que são parte da mesma
nação, como nordestinos ou nortistas. Contraditoriamente, parece que o país teima em
construir uma nação homogênea a partir de uma formação amplamente diversa como a
nossa.
Figura 3.1: O racismo nosso de cada dia.

Fonte: Elaborada pelo Autor (2018).

Não podemos falar de racismo no Brasil sem citar o mito da democracia racial.
Possivelmente você já ouviu falar nele, ou ao menos do que ele trata: ele sugere
que o Brasil é um país onde não há discriminação por raça ou cor e onde essas
diferenças são respeitadas e a convivência entre diferentes grupos é harmônica.

Ao ler isso, nos damos conta da inconsistência dessa teoria, porém, nós vemos
isso diariamente quando nos perguntamos se as cotas universitárias são mesmo
necessárias, se aquele crime foi mesmo cometido por ódio e racismo, se é
verdade aquela história de alguém que sofreu discriminação pela sua cor.

A mídia e as campanhas publicitárias, especialmente voltadas ao turismo, utilizam


dessa ideia e vendem um país onde a mistura é um chamariz, onde a convivência
fraterna prevalece e o respeito às diferenças étnicas é natural.

Saiba Mais: Conheça o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288/2010,


disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12288.htm.

Isso despertou interesse e curiosidade, tornando o país um objeto de estudo até


mesmo para a Organização das Nações Unidas (ONU) que, preocupada com as
catástrofes humanas resultantes da Segunda Guerra Mundial, pretendia apresentar
ao mundo o modelo brasileiro.
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Como você pode imaginar, o resultado foi muito diferente do que se esperava.
Embora não houvesse nenhuma base legal para a segregação racial, descobriram
que as atitudes preconceituosas eram mescladas por relações de cordialidade e
que, aqui no Brasil, a pobreza tem, sim, cor.

Atenção!: Diferentemente de outros países aonde a discriminação e o racismo


chegaram a ser institucionalizados, no Brasil, a ideia de democracia racial ganhou o
mundo. Assim, no nosso país, as práticas racistas nem sempre são explícitas e o
racismo toma diferentes proporções e contornos. É o caso do racismo institucional que,
para Pellizaro (2017, s.p.), é o

[...] tratamento diferenciado entre raças no interior de organizações, empresas, grupos,


associações e instituições congêneres. Em resumo, e de forma coloquial,
considerando a problemática singular entre negros e brancos, é você tratar o negro de
uma forma e o branco de outra. É você optar por um em prejuízo do outro, ou mesmo
preferir, ou até, de forma indireta, ofertar tratamentos diferenciados, de modo a
privilegiar um em detrimento do outro, sem qualquer respaldo legal.

Quer saber mais sobre racismo institucional? Leia o artigo Racismo Institucional – O
Ato Silencioso que Distingue as Raças, disponível em:
https://www.geledes.org.br/racismo-institucional-o-ato-silencioso-que-distingue-as-
racas.

Outra questão histórica a ser analisada trata da formação do povo brasileiro sobre
a tríade portugueses, indígenas e negros. Você também já leu e ouviu falar sobre
esses três grupos e é inegável a contribuição deles para a constituição do Brasil
como nação.

O problema está em compreender o povo brasileiro como produto resultante da


mistura do índio (preguiçoso e arredio), do negro (melancólico e bom para o
trabalho) e do português (valente e desbravador).

Assim, essa definição de miscigenação não coloca cada grupo no mesmo plano,
mas os tipifica como raças diferentes e atribui qualidades distintas a cada uma
delas, além de hierarquizar supostas características morais. Portanto, podemos
afirmar que, em nosso país, tanto o Estado quanto a sociedade foram pensados
de um ponto de vista eurocêntrico e racista.

4. A branquitude
Enquanto de um lado da balança temos os efeitos do racismo, do outro temos um
termo que atualmente está muito presente nessas mesmas discussões: a
branquitude. O homem branco sempre foi apontado como o ser ideal, cidadão
hegemônico, universal, o que lhe garantiu privilégios ao longo da história e,
mesmo com tantos esforços de políticas de enfrentamento ou questionamento do
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racismo, continua mantendo seu lugar: o topo da hierarquia social. Os estudos
críticos sobre a branquitude são bastante recentes, iniciaram-se por volta da
década de 1990 e tratam do tema como uma ideia sobre o privilégio ou a
vantagem estrutural de ser branco.

Atenção!: Vale a pena assistir à palestra sobre a branquitude “Porque


queremos olhos azuis”, de Lia Vainer Schucman, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=EC-IywB3dEA

O comportamento de não aceitação que o branco continua a operar no que diz


respeito aos benefícios que ele tem pelo simples fato de nascer branco colabora
com a perpetuação do racismo, pois nega o desfavorecimento dos negros em
relação aos brancos. Desfavorecimento por ser negro, como assim? Pense um
pouco: quantos professores negros você teve durante a sua graduação?

Ou, então, quantas vezes você foi atendido por um médico ou dentista negro? E
confundir a médica negra com a faxineira da unidade de saúde? Parece que
existem espaços delimitados, papéis e profissões em que é mais ou menos
coerente ver um negro. Essas indagações refletem a necessidade de revermos
nossos conceitos, de repensarmos nossas relações e os privilégios que as
pessoas possuem pelo fato de serem brancas.

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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2017.

HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na


década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

MUNANGA, K. Teoria Social e Relações Raciais no Brasil Contemporâneo.


Cadernos PENESB – Revista do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade
Brasileira. Faculdade de Educação – UFF. Especial ERER. Rio de Janeiro/Niterói,
n. 12, , p. 169-204, 2010. Disponível em: . Acesso em: 1 jan. 2017.

PELIZZARO, V. U. Racismo Institucional – O ato silencioso que distingue as raças.


Geledés – Instituto da Mulher Negra, São Paulo, 7 nov. 2017. Artigos e Reflexões.
Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2018.

SANTOS, D. J. da S; et al;. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar.


Dental Press J Orthod.,Maringá, , v. 3, n. 15, p. 121-124, 2010. Disponível em: .
Acesso em: 3 jan. 2017.

18
www.fanap.br

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