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UNIDADE 11
Se por um lado, então, a diversidade e a diferença estão nas raízes da nossa forma-
ção, por outro, é certo que a história e a realidade brasileiras são marcadas pela desi-
gualdade e discriminação, em particular contra grupos étnico-raciais, isto é, de origens
indígenas e negras.
Com isso, percebemos que as formas diferenças entre as pessoas e os grupos, a partir
da perspectiva racial, constituíram-se em desigualdade de oportunidades e acesso à ci-
dadania plena, revelando a profunda exclusão racial, o racismo e a falta de diversidade
étnico-racial em diferentes espaços da sociedade, entre eles, no mercado de trabalho e
no acesso desigual aos bens, serviços e direitos sociais e econômicos.
Uma das definições para amálgama, segundo o Dicionário Michaelis, refere-se à mistu-
ra ou ajuntamento de coisas ou pessoas diferentes que formam um todo, uma mescla.
Nesse sentido, a cultura brasileira resultaria da fusão entre outras culturas de povos e
IMPORTANTE
Essa tese produziu ao menos dois grandes debates nas ciências humanas: de um
lado, a ideia de que na sociedade brasileira se estabeleceu efetivamente a integra-
ção racial, diferentemente de países como Estados Unidos e África do Sul, que são
marcados pela segregação, ou seja, pela separação entre os grupos étnico-raciais.
Essa é a perspectiva central da obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, uma
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das referências nas Ciências Sociais e que teve grande impacto entre intelectuais e
políticos na própria cultura brasileira, principalmente na primeira metade do século XX.
Por outro lado, a ideia de a cultura brasileira ser um mix de culturas outras acabou por
camuflar o reconhecimento das profundas desigualdades e das práticas discriminató-
rias e racistas que marcaram e marcam a realidade, servindo para a criação do mito e,
posteriormente, da ideologia, de que a sociedade brasileira por ser miscigenada seria,
de fato, uma democracia racial.
Essa última abordagem tem sido desenvolvida, ao longo da segunda metade do sécu-
lo XX até os dias atuais, graças à força e às demandas dos movimentos negros, mas
também de intelectuais, como Florestan Fernandes. Na obra Significado do Protesto
Negro, publicada pela primeira vez em 1989, Fernandes afirma que o racismo é um
dos males da formação brasileira e está entranhado nas instituições sociais, de forma
que não é possível pensarmos em uma efetiva democracia brasileira enquanto não
houver plena igualdade racial.
Enquanto a noção de raça funciona como a categorização das pessoas a partir das
características físicas/biológicas, a noção de etnia, por sua vez, fundamenta-se no
IMPORTANTE
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de raça e aos horrores dos ideais de limpeza racial produzidos pelo holocausto. Bus-
cava-se definir as diferenças entre os povos não mais pela raça, mas pela cultura. O
professor e filósofo Kabengele Munanga (2004, [n. p.]) afirma que tal mudança, entre-
tanto, não significou o fim do racismo, uma vez que também funciona como uma forma
de hierarquização e classificação.
Prática e teoria são dois aspectos que convergem para a construção da realidade,
inclusive quando falamos de discriminação ou racismo. Qual o impacto das teorias
raciais na construção de práticas racistas?
SAIBA MAIS
A antropóloga Lilia Schwarcz explica, neste breve vídeo indicado a seguir, a origem e
os impactos concretos da entrada das teorias raciais na sociedade brasileira.
SCHWARCZ, Lilia. A entrada das teorias raciais no Brasil. Vídeo (6min 11s). Postado
no Canal Lili Schwarcz. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=93f7nkbD-
7tY Acesso em: 23 ago. 2021.
Você sabia que entre um grupo de mil chimpanzés, em um parque da Nigéria, há mais
variabilidade genética do que entre os 7 bilhões de humanos? O biólogo e pesquisa-
dor Átila Iamarino trata dessa questão e de outros temas importantes que demonstram
como o desenvolvimento das teorias sobre a raça humana utilizaram-se da ciência
CURIOSIDADE
para justificar formas de exploração e desigualdade que não eram naturais, mas, sim,
sociais.
IAMARINO, Átila. Qual a raça do brasileiro? Vídeo (16min 36). Postado no canal Atila
Iamarino, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DBC29cUHxYg&-
t=272s. Acesso em: 12 jul. 2021.
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Podemos, portanto, concluir que o conceito de raça na atualidade perdeu sua validade?
Sim e não. Do ponto de vista da ciência biológica, a partir dos conhecimentos que hoje
possuímos, não faz sentido dividir a humanidade em outras subdivisões como raças,
pois as diferenças internas na espécie humana são muito pequenas. Ou seja, usada
durante séculos como um conceito para explicar a diversidade humana, a noção de
raça não se sustenta como realidade biológica e, portanto, não possui validade biologi-
camente científica.
Por outro lado, se a categoria raça não existe enquanto realidade biológica, ela existe
como construção social, como elemento de distinção, classificação e hierarquia nas
diferentes sociedades. Além disso, a identificação do indivíduo a uma das raças, ou
mesmo às etnias, é um importante elemento de constituição da sua identidade social e
do sentimento de pertencimento.
Raça não é um termo fixo e estático. Seu sentido está inevitavelmente atre-
lado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre
há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um
conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a his-
tória da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas
(ALMEIDA, 2019, [n. p.], grifos do autor).
Desse modo, apesar das diferenças entre os indivíduos não serem significativas do
ponto de vista biológico, elas se configuram como traços distintivos no meio social e fun-
cionam como justificativas para determinados comportamentos e ações que promovem
a exclusão, a exploração, a desigualdade, o racismo e o preconceito. Logo, fragilidade
da noção biológica de raça não significa a inexistência de relações e estruturas sociais
pautadas pela questão racial.
Posto de outro modo, no campo das ciências humanas e nos debates sobre o racismo, a
concepção de raça não é pensada como um elemento biológico ou genético, mas, sim, como
fator essencialmente político e que ainda nas sociedades contemporâneas é utilizado para
naturalizar e legitimar desigualdades sociais e formas de exclusão de grupos específicos
(ALMEIDA, 2019, [n. p.]).
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ções e sentidos, inclusive para termos mais recentes, como colorismo e branquitu-
de. A matéria completa pode ser acessada via:
RIOS, Flávia; MILANEZI, Jaciane; ARRUTI, José Maurício; MACHADO, Marta. Ques-
tão racial. Nexo Jornal, jun. 2020. Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/glossa-
rio/Quest%C3%A3o-racial. Acesso em: 17 jul. 2021.
Estereótipos são ideias, rótulos ou opiniões generalizadas sobre uma pessoa, uma
etnia, um povo ou uma cultura que nascem do senso comum, ao longo das vivên-
GLOSSÁRIO
A discriminação racial, no entanto, pode se revelar ainda de modo mais indireto, quan-
do são construídas práticas e teorias que não reconhecem a existência de diferenças
e desigualdades sociais significativas pautadas pela questão racial. Por exemplo, a
existência de normas ou regras que se pretendem neutras, mas que, na prática, dis-
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Há uma perspectiva sobre a discriminação que a analisada também sob o aspecto po-
IMPORTANTE
sitivo. Nesse caso, são atribuídos tratamentos ou vantagens diferenciadas para gru-
pos que foram histórica e socialmente prejudicados por sua condição. A discriminação
aqui funciona como um meio para compensar tais desigualdades (MOREIRA, 2017, p.
37-41). Ações afirmativas, políticas públicas, como as cotas para ingresso no ensino
superior, são exemplos da discriminação positiva. Nessa perspectiva, a finalidade é
compensatória e não excludente.
2.2 RACISMO
O racismo, via de regra, compreende formas e práticas sistemáticas de discriminação
racial conscientes ou não, que acabam por conceder acessos, direitos e privilégios
desiguais aos diferentes grupos que formam a sociedade. Nessa perspectiva, a raça
aparece como uma construção para justificar as desigualdades sociais dando a elas um
caráter de naturalidade.
Essa é uma definição do racismo como algo estrutural, isto é, que está nas bases e
nas estruturas da sociedade e que orienta todo o conjunto de relações sociais, econô-
micas, políticas e jurídicas, expressando-se concretamente como desigualdade. Assim,
o racismo não se explica apenas pelos comportamentos individuais ou institucionais e,
tampouco, se restringe às formas de discriminação e preconceito, mas é estrutural. O
conjunto de práticas e relações sociais são racistas porque a sociedade, quer dizer, sua
a estrutura, é racista.
sora Lilia Schwarcz, Almeida explica a concepção do racismo como estruturante das
relações sociais e reflete sobre o impacto dessa concepção nas formações universitá-
rias, na economia, nas subjetividades e nas relações sociais e políticas.
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Filme
O filme M8 – Quando a morte socorre a vida, do diretor Jeferson De, é uma alegoria do racis-
mo estrutural na sociedade brasileira. Na trama, um jovem negro, Maurício, ingressa no curso
de Medicina em uma instituição federal por meio das políticas de cotas. A narrativa recons-
trói o cotidiano desse jovem e das diversas práticas de discriminação racial que ele sofre,
como o estranhamento causado pela presença de um negro em um curso de Medicina, até
a perseguição de um colega que acredita que ali não é lugar dele. Um dos momentos mais
emblemáticos da trama está nas aulas de anatomia, quando todos os corpos são negros,
identificados apenas por códigos.
3. RACISMO E DESIGUALDADE
Em sociedades racistas, ser diferente é ser desigual, uma vez que pertencimento ou
não às determinadas categorias étnico-raciais produzem condições desiguais de exis-
tência. É sabido que, no Brasil, as características raciais das pessoas e grupos impli-
cam níveis distintos, mas profundos, de desigualdades.
Formas de dominação
Discriminação
étnico-racial
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Na Figura acima, o eixo central, Raízes do Brasil, faz referência ao livro de mesmo título
do historiador Sérgio Buarque de Holanda, escrito em 1936. Nele, o autor defende que
o legado da colonização portuguesa deixou marcas na estrutura social brasileira que
deveriam ser superadas para que o país pudesse estabelecer uma democracia plena
(HOLANDA, 2016, p. 12-19). Por isso, a escolha do termo raiz, como algo que está
enraizado nas bases e nas estruturas da sociedade.
Nas últimas décadas, essa perspectiva tem sido retomada por diferentes estudos que
buscam compreender as relações étnico-raciais mais contemporaneamente. Sob esse
olhar, o racismo é compreendido como um dos principais elementos estruturantes da
sociedade brasileira, isto é, que está em nossas raízes, e um dos caminhos pelos quais
é possível compreender as desigualdades sociais, políticas e econômicas.
Esses são fatos que mostram como opera o racismo estrutural sendo elemento definidor de
lugares sociais, principalmente como um processo que cria as condições sociais e políticas
para que grupos identificados a partir de suas raças sejam sistematicamente discriminados.
Caso de aplicação
Confira as reportagens abaixo, em que a primeira é da Revista Exame, que apresenta os dados
referentes à ocupação de negros e pardos em cargos de chefia nas empresas. Já a segunda trata
dos impactos da pandemia no acesso ao mercado e ao emprego formal pelos indígenas.
` GRANATO, Luísa. Pesquisas mostram abismos no mercado de trabalho para profissionais ne-
gros. Revista Exame, 17 set. 2020. Disponível em: https://exame.com/carreira/pesquisas-mos-
tram-abismo-no-mercado-de-trabalho-para-profissionais-negros/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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Como um conceito tão ultrapassado tal como raça continua servindo de marcador so-
cial? Essa é uma questão que nos leva necessariamente a pensar na construção social
e histórica da raça e do racismo, nas teorias e dinâmicas que se construíram sobre as
diferenças raciais para justificar e normalizar discriminações e desigualdades social-
mente construídas.
Objetos de aprendizagem
Elaborar um vídeo sobre o histórico das cotas raciais para ingresso no ensino superior.
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