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ÉTICA E CIDADANIA

UNIDADE 11

SER DIFERENTE É SER DESIGUAL?

1. AS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL


Sabemos que a formação do povo brasileiro é constituída pela diversidade de culturas e
por grupos étnico-raciais. Antes mesmo da colonização, habitavam por aqui, em média,
8 milhões de indígenas divididos em quase mil nações distintas entre si (CUNHA, 2012,
p. 16-17). A chegada dos europeus e o processo de colonização portuguesa, fundado
na escravidão de e na inferiorização de povos negros originários de países africanos,
instituiu novos elementos à formação brasileira, constituindo as bases da sociedade
que, desde então, têm se construído.

O estabelecimento dessa sociedade e da identidade da população brasileira nascem,


assim, de um amálgama de culturas, etnias, crenças e costumes diversos, os quais nos
caracterizam como um dos povos mais miscigenados do mundo. Essa formação não se
deu de forma pacífica, mas, sim, violenta, conflituosa e marcada pela discriminação sis-
temática de grupos sociais inteiros, levando, inclusive, ao extermínio de povos e etnias
ao longo dos últimos séculos e até nos dias atuais.

Se por um lado, então, a diversidade e a diferença estão nas raízes da nossa forma-
ção, por outro, é certo que a história e a realidade brasileiras são marcadas pela desi-
gualdade e discriminação, em particular contra grupos étnico-raciais, isto é, de origens
indígenas e negras.

Com isso, percebemos que as formas diferenças entre as pessoas e os grupos, a partir
da perspectiva racial, constituíram-se em desigualdade de oportunidades e acesso à ci-
dadania plena, revelando a profunda exclusão racial, o racismo e a falta de diversidade
étnico-racial em diferentes espaços da sociedade, entre eles, no mercado de trabalho e
no acesso desigual aos bens, serviços e direitos sociais e econômicos.

Uma das definições para amálgama, segundo o Dicionário Michaelis, refere-se à mistu-
ra ou ajuntamento de coisas ou pessoas diferentes que formam um todo, uma mescla.
Nesse sentido, a cultura brasileira resultaria da fusão entre outras culturas de povos e
IMPORTANTE

grupos étnico-raciais distintos, constituindo-se como uma cultura miscigenada e única.

Essa tese produziu ao menos dois grandes debates nas ciências humanas: de um
lado, a ideia de que na sociedade brasileira se estabeleceu efetivamente a integra-
ção racial, diferentemente de países como Estados Unidos e África do Sul, que são
marcados pela segregação, ou seja, pela separação entre os grupos étnico-raciais.
Essa é a perspectiva central da obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, uma

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das referências nas Ciências Sociais e que teve grande impacto entre intelectuais e
políticos na própria cultura brasileira, principalmente na primeira metade do século XX.

Por outro lado, a ideia de a cultura brasileira ser um mix de culturas outras acabou por
camuflar o reconhecimento das profundas desigualdades e das práticas discriminató-
rias e racistas que marcaram e marcam a realidade, servindo para a criação do mito e,
posteriormente, da ideologia, de que a sociedade brasileira por ser miscigenada seria,
de fato, uma democracia racial.

Essa última abordagem tem sido desenvolvida, ao longo da segunda metade do sécu-
lo XX até os dias atuais, graças à força e às demandas dos movimentos negros, mas
também de intelectuais, como Florestan Fernandes. Na obra Significado do Protesto
Negro, publicada pela primeira vez em 1989, Fernandes afirma que o racismo é um
dos males da formação brasileira e está entranhado nas instituições sociais, de forma
que não é possível pensarmos em uma efetiva democracia brasileira enquanto não
houver plena igualdade racial.

1.1 A DIFERENÇA COMO UM DADO DE CLASSIFICAÇÃO


Figura 18. Diversidade humana Há distintas teorias sobre a origem
etimológica da palavra raça, mas, de
modo geral, um ponto de concordância
é que o termo surge primeiro como for-
ma de classificação das plantas e ani-
mais para posteriormente também clas-
sificar e hierarquizar os seres humanos.
Essa noção de raça como um elemento
que distingue as diferentes categorias
de seres, a partir das suas diferenças
físicas, é relativamente nova na história
Fonte: 123RF. da humanidade, remontando ao século
XVI (ALMEIDA, 2019, [n. p.]).

Em um primeiro momento, esse recurso servia para categorizar e classificar a diversi-


dade humana, afinal, esta é incontestável. Há diferenças visíveis entre um oriental e
um senegalês ou entre um indígena sul-americano e um norueguês ou, ainda, entre um
aborígene australiano e um pigmeu africano. A diversidade humana é visível, entretan-
to, não compõe elementos suficientes para a distinção biológica em raças.

Enquanto a noção de raça funciona como a categorização das pessoas a partir das
características físicas/biológicas, a noção de etnia, por sua vez, fundamenta-se no
IMPORTANTE

compartilhamento de uma mesma cultura, língua, religião e ancestralidade por um


povo que o diferencia dos demais grupos.

O uso de referenciais étnicos como forma de classificação de indivíduos e grupos


assume maior importância após a Segunda Guerra Mundial, como oposição à noção

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de raça e aos horrores dos ideais de limpeza racial produzidos pelo holocausto. Bus-
cava-se definir as diferenças entre os povos não mais pela raça, mas pela cultura. O
professor e filósofo Kabengele Munanga (2004, [n. p.]) afirma que tal mudança, entre-
tanto, não significou o fim do racismo, uma vez que também funciona como uma forma
de hierarquização e classificação.

Categorizar as pessoas e os grupos servia ao pensamento e como forma para facilitar a


compreensão da enorme diversidade humana. O reconhecimento das diferenças entre
os seres humanos, entretanto, desembocou na hierarquização dos diversos grupos com
base na raça a qual pertenciam, dando origem às teorias racistas, à discriminação e ser-
vindo como justificativa para a exploração de um grupo sobre outro. Tais teorias buscavam
atribuir causas naturais às desigualdades que são social e historicamente produzidas.

Prática e teoria são dois aspectos que convergem para a construção da realidade,
inclusive quando falamos de discriminação ou racismo. Qual o impacto das teorias
raciais na construção de práticas racistas?
SAIBA MAIS

A antropóloga Lilia Schwarcz explica, neste breve vídeo indicado a seguir, a origem e
os impactos concretos da entrada das teorias raciais na sociedade brasileira.

SCHWARCZ, Lilia. A entrada das teorias raciais no Brasil. Vídeo (6min 11s). Postado
no Canal Lili Schwarcz. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=93f7nkbD-
7tY Acesso em: 23 ago. 2021.

Com o desenvolvimento da genética e da Antropologia, essa noção biológica da raça


perde sua validade. Geneticamente, as diferenças entre cor de pele, tamanho do nariz,
dos lábios ou do crânio, tipo de cabelo, estatura etc. Elementos esses que serviam
como base para a classificação das pessoas em brancas, negras e amarelas. Porém,
essas características são muito pequenas para que possamos considerar a distinção
dos grupos humanos em raças específicas. A ciência hoje comprova que pode haver
uma maior variedade genética no interior de um mesmo grupo, ao passo que as diferen-
ças entre um congolês e um alemão podem ser mínimas.

Você sabia que entre um grupo de mil chimpanzés, em um parque da Nigéria, há mais
variabilidade genética do que entre os 7 bilhões de humanos? O biólogo e pesquisa-
dor Átila Iamarino trata dessa questão e de outros temas importantes que demonstram
como o desenvolvimento das teorias sobre a raça humana utilizaram-se da ciência
CURIOSIDADE

para justificar formas de exploração e desigualdade que não eram naturais, mas, sim,
sociais.

Verifique o vídeo do estudioso, explicando sobre essa temática, referenciado abaixo:

IAMARINO, Átila. Qual a raça do brasileiro? Vídeo (16min 36). Postado no canal Atila
Iamarino, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DBC29cUHxYg&-
t=272s. Acesso em: 12 jul. 2021.

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1.2 A CATEGORIA RAÇA EM QUESTÃO


Tão visível aos olhos de todos, a diversidade humana não corresponde às diferenças
genéticas profundas que justifiquem a divisão das pessoas em grupos menores ou em
raças. Há mais similaridades biológicas/genéticas entre os seres do que diferenças.

Podemos, portanto, concluir que o conceito de raça na atualidade perdeu sua validade?
Sim e não. Do ponto de vista da ciência biológica, a partir dos conhecimentos que hoje
possuímos, não faz sentido dividir a humanidade em outras subdivisões como raças,
pois as diferenças internas na espécie humana são muito pequenas. Ou seja, usada
durante séculos como um conceito para explicar a diversidade humana, a noção de
raça não se sustenta como realidade biológica e, portanto, não possui validade biologi-
camente científica.

Por outro lado, se a categoria raça não existe enquanto realidade biológica, ela existe
como construção social, como elemento de distinção, classificação e hierarquia nas
diferentes sociedades. Além disso, a identificação do indivíduo a uma das raças, ou
mesmo às etnias, é um importante elemento de constituição da sua identidade social e
do sentimento de pertencimento.
Raça não é um termo fixo e estático. Seu sentido está inevitavelmente atre-
lado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre
há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um
conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a his-
tória da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas
(ALMEIDA, 2019, [n. p.], grifos do autor).

Desse modo, apesar das diferenças entre os indivíduos não serem significativas do
ponto de vista biológico, elas se configuram como traços distintivos no meio social e fun-
cionam como justificativas para determinados comportamentos e ações que promovem
a exclusão, a exploração, a desigualdade, o racismo e o preconceito. Logo, fragilidade
da noção biológica de raça não significa a inexistência de relações e estruturas sociais
pautadas pela questão racial.

Posto de outro modo, no campo das ciências humanas e nos debates sobre o racismo, a
concepção de raça não é pensada como um elemento biológico ou genético, mas, sim, como
fator essencialmente político e que ainda nas sociedades contemporâneas é utilizado para
naturalizar e legitimar desigualdades sociais e formas de exclusão de grupos específicos
(ALMEIDA, 2019, [n. p.]).

2. AFINAL, O QUE É RACISMO?


Para compreendermos a noção de racismo, é importante, antes, diferenciá-lo dos ter-
mos discriminação e preconceito que costumam aparecer juntos para designar fenôme-
nos parecidos. Na verdade, são conceitos que possuem diferenças ainda que possam
se referir às mesmas realidades. Compreender cada um deles é basilar para que pos-
samos identificá-los no conjunto das relações sociais.

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O jornal Nexo elaborou um glossário com os principais conceitos e termos relaciona-


dos à questão racial, oferecendo algumas perspectivas históricas para suas constru-
SAIBA MAIS

ções e sentidos, inclusive para termos mais recentes, como colorismo e branquitu-
de. A matéria completa pode ser acessada via:

RIOS, Flávia; MILANEZI, Jaciane; ARRUTI, José Maurício; MACHADO, Marta. Ques-
tão racial. Nexo Jornal, jun. 2020. Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/glossa-
rio/Quest%C3%A3o-racial. Acesso em: 17 jul. 2021.

2.1 PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO RACIAL


Afirmamos que há preconceito quando estereótipos são usados para definir e caracteri-
zar os indivíduos pertencentes a um grupo específico. Tais estereótipos são fundamen-
tados em juízos de valor, em generalizações ou opiniões que atribuem determinadas
características às pessoas a partir da sua identificação a um grupo. São ideias como
“indígenas são selvagens”; “negros são violentos”; “judeus são avarentos” etc.

Estereótipos são ideias, rótulos ou opiniões generalizadas sobre uma pessoa, uma
etnia, um povo ou uma cultura que nascem do senso comum, ao longo das vivên-
GLOSSÁRIO

cias e da história, funcionando como forma de pré-julgamento. Por exemplo, quando


se comenta que “baianos são preguiçosos”, “indígenas são selvagens”, “judeus são
avarentos” etc., recorre-se aos estereótipos. Eles podem ser vistos como “inocentes”
(exemplo: “o Brasil é o país do futebol”), mas também podem configurar-se como fon-
tes de preconceito, discriminação e violência.

O preconceito racial, em particular, faz-se tomando o pertencimento a um grupo racial


como referência e pode ou não resultar em atitudes discriminatórias, como nas abor-
dagens policiais que costumam ser mais frequentes e agressivas contra negros do que
contra brancos.

Já a discriminação se refere a um processo de marginalização e diferenciação social,


econômica e cultural da pessoa pertencente a um determinado grupo. No caso da dis-
criminação étnica e/ou racial, o critério de diferenciação se fundamenta na identificação
do pertencimento da pessoa aos grupos racial ou etnicamente identificados como tal.

Reconhecemos um fenômeno de discriminação racial, quando negros são proibidos


ou constrangidos ao entrar em determinados lugares, como shoppings, lojas e bancos
ou de usar o mesmo elevador que outros grupos (prática comum até poucas décadas
atrás) – proibições que se são feitas apenas com base na cor da pele. Essa é uma
EXEMPLO

forma mais direta e intencional de discriminação.

A discriminação racial, no entanto, pode se revelar ainda de modo mais indireto, quan-
do são construídas práticas e teorias que não reconhecem a existência de diferenças
e desigualdades sociais significativas pautadas pela questão racial. Por exemplo, a
existência de normas ou regras que se pretendem neutras, mas que, na prática, dis-

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criminam grupos mais vulneráveis, como os processos e testes para preenchimento


de vagas que, apesar do discurso da igualdade, acabam selecionando sempre certos
tipos de pessoas, enquanto estigmatizam outras.

As discriminações, assim, podem se dar de diferentes formas. Mas, de modo geral,


todas envolvem algum mecanismo de poder, pois atribuem vantagens e permissões,
desvantagens e proibições distintas às pessoas e grupos.

Há uma perspectiva sobre a discriminação que a analisada também sob o aspecto po-
IMPORTANTE

sitivo. Nesse caso, são atribuídos tratamentos ou vantagens diferenciadas para gru-
pos que foram histórica e socialmente prejudicados por sua condição. A discriminação
aqui funciona como um meio para compensar tais desigualdades (MOREIRA, 2017, p.
37-41). Ações afirmativas, políticas públicas, como as cotas para ingresso no ensino
superior, são exemplos da discriminação positiva. Nessa perspectiva, a finalidade é
compensatória e não excludente.

2.2 RACISMO
O racismo, via de regra, compreende formas e práticas sistemáticas de discriminação
racial conscientes ou não, que acabam por conceder acessos, direitos e privilégios
desiguais aos diferentes grupos que formam a sociedade. Nessa perspectiva, a raça
aparece como uma construção para justificar as desigualdades sociais dando a elas um
caráter de naturalidade.

Essa é uma definição do racismo como algo estrutural, isto é, que está nas bases e
nas estruturas da sociedade e que orienta todo o conjunto de relações sociais, econô-
micas, políticas e jurídicas, expressando-se concretamente como desigualdade. Assim,
o racismo não se explica apenas pelos comportamentos individuais ou institucionais e,
tampouco, se restringe às formas de discriminação e preconceito, mas é estrutural. O
conjunto de práticas e relações sociais são racistas porque a sociedade, quer dizer, sua
a estrutura, é racista.

O filósofo e jurista Silvio de Almeida é um dos mais importantes pensadores sobre a


noção de racismo estrutural na atualidade. Em uma entrevista à antropóloga e profes-
SAIBA MAIS

sora Lilia Schwarcz, Almeida explica a concepção do racismo como estruturante das
relações sociais e reflete sobre o impacto dessa concepção nas formações universitá-
rias, na economia, nas subjetividades e nas relações sociais e políticas.

Assista à entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0TpS2PJLprM.


Acesso em: 3 ago. 2021.

O racismo condiciona o conjunto de relações e das desigualdades sociais que se mani-


festam de diferentes formas nas sociedades, algumas mais consciente outras, menos.

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Filme

O filme M8 – Quando a morte socorre a vida, do diretor Jeferson De, é uma alegoria do racis-
mo estrutural na sociedade brasileira. Na trama, um jovem negro, Maurício, ingressa no curso
de Medicina em uma instituição federal por meio das políticas de cotas. A narrativa recons-
trói o cotidiano desse jovem e das diversas práticas de discriminação racial que ele sofre,
como o estranhamento causado pela presença de um negro em um curso de Medicina, até
a perseguição de um colega que acredita que ali não é lugar dele. Um dos momentos mais
emblemáticos da trama está nas aulas de anatomia, quando todos os corpos são negros,
identificados apenas por códigos.

3. RACISMO E DESIGUALDADE
Em sociedades racistas, ser diferente é ser desigual, uma vez que pertencimento ou
não às determinadas categorias étnico-raciais produzem condições desiguais de exis-
tência. É sabido que, no Brasil, as características raciais das pessoas e grupos impli-
cam níveis distintos, mas profundos, de desigualdades.

Há um consenso e um reconhecimento na atualidade – e já há algumas décadas – de


que o racismo e a conjuntura racial existentes no Brasil condicionam e estruturam a
sociedade. Desse modo, evidenciamos, no mapa mental a seguir, termos, discrimina-
ções raciais e o próprio racismo, tendo como origem os processos de colonização que
inferiorizaram negros e indígenas.

Mapa conceitual – raízes do Brasil

Formas de dominação

Violência física e sexual Escravidão Tráfico negreiro Exploração

Diversidade e diferença Miscigenação Colonização portuguesa

Desigualdade Submissão e extermínio de povos


indígenas
RAÍZES DO BRASIL

Desigualdade e exclusão Lei Áurea


Racismo estrutural Sistematização da discriminação

Discriminação
étnico-racial

Fim da escravidão? Se revela nas diferentes relações


Preconceito racial Econômicas
Culturais
Teorias raciais Políticas Sociais

Falta de diversidade Jurídicas

Fonte: elaborada pela autora.

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Na Figura acima, o eixo central, Raízes do Brasil, faz referência ao livro de mesmo título
do historiador Sérgio Buarque de Holanda, escrito em 1936. Nele, o autor defende que
o legado da colonização portuguesa deixou marcas na estrutura social brasileira que
deveriam ser superadas para que o país pudesse estabelecer uma democracia plena
(HOLANDA, 2016, p. 12-19). Por isso, a escolha do termo raiz, como algo que está
enraizado nas bases e nas estruturas da sociedade.

Nas últimas décadas, essa perspectiva tem sido retomada por diferentes estudos que
buscam compreender as relações étnico-raciais mais contemporaneamente. Sob esse
olhar, o racismo é compreendido como um dos principais elementos estruturantes da
sociedade brasileira, isto é, que está em nossas raízes, e um dos caminhos pelos quais
é possível compreender as desigualdades sociais, políticas e econômicas.

3.1. O RACISMO E O MERCADO DE TRABALHO


Mesmo na atualidade, após mais de um século do fim da escravidão, as desigualdades
sociais e o acesso à cidadania plena permanecem fortemente marcados pela ques-
tão racial e, também, étnica. Esse certamente não é um problema apenas brasileiro.
A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais, promulgada em 1998 pela
Organização Internacional do Trabalho – OIT –, por exemplo, traz como um dos quatro
princípios fundamentais a eliminação da discriminação em relação ao emprego e à co-
brança de atores sociais e governos para a criação de políticas e práticas de combate
às formas de discriminação no mercado de trabalho, sejam elas motivadas por precon-
ceito de raça, étnicas, gênero ou outras.

No Brasil, a questão da discriminação étnico-racial é percebida no mercado de trabalho


tanto da iniciativa privada como do serviço público. Negros são minoria em cargos de
chefias e também em determinadas profissões, sobretudo de maiores rendas ou posi-
ções de poder, apesar de comporem a maioria da população brasileira. Consequen-
temente, as funções, profissões e cargos informais, de menor renda e precarizados
tendem a ser ocupados pelas populações negras, em especial, mulheres.

Esses são fatos que mostram como opera o racismo estrutural sendo elemento definidor de
lugares sociais, principalmente como um processo que cria as condições sociais e políticas
para que grupos identificados a partir de suas raças sejam sistematicamente discriminados.

Caso de aplicação

Confira as reportagens abaixo, em que a primeira é da Revista Exame, que apresenta os dados
referentes à ocupação de negros e pardos em cargos de chefia nas empresas. Já a segunda trata
dos impactos da pandemia no acesso ao mercado e ao emprego formal pelos indígenas.

`  GRANATO, Luísa. Pesquisas mostram abismos no mercado de trabalho para profissionais ne-
gros. Revista Exame, 17 set. 2020. Disponível em: https://exame.com/carreira/pesquisas-mos-
tram-abismo-no-mercado-de-trabalho-para-profissionais-negros/. Acesso em: 23 jul. 2021.

`  MARCHESAN, Ricardo. Indígenas tiveram maior queda no emprego e renda na pandemia,


diz FGV. Economia. UOL, 14 out. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/
redacao/2020/10/14/pandemia-indigenas-mercado-trabalho.htm. Acesso em: 23 jul. 2021.

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Como um conceito tão ultrapassado tal como raça continua servindo de marcador so-
cial? Essa é uma questão que nos leva necessariamente a pensar na construção social
e histórica da raça e do racismo, nas teorias e dinâmicas que se construíram sobre as
diferenças raciais para justificar e normalizar discriminações e desigualdades social-
mente construídas.

A consciência dessa perspectiva é que nos possibilita compreender o racismo como


algo estrutural e que opera no conjunto das relações que todos estabelecemos no
cotidiano. Provavelmente, um dos grandes desafios na atualidade é desestabilizar e
transformar essas estruturas, dando lugar às ações afirmativas da identidade negra e
indígena e à construção de práticas antirracistas, nas quais as diferenças raciais não se
constituam desigualdades.

Objetos de aprendizagem

Podcast – produzido pela USF

Produzir um podcast sobre o conceito de “lugar de fala”.

Produção de Vídeo – USF

Elaborar um vídeo sobre o histórico das cotas raciais para ingresso no ensino superior.

Texto Complementar

Leia o texto Persistentes desigualdades raciais e resistências negras no Brasil contemporâ-


neo, das pesquisadoras Zelma Madeira e Daiane de Oliveira Gomes, que trata do racismo
como um dos eixos centrais das estruturas sociais brasileiras e traçam um panorama da pós-
-abolição até a atualidade para demonstrar como as desigualdades resultantes do racismo
estrutural impactam as diferentes formas de sociabilidade e inserção dos negros. As autoras
apresentam, especialmente, a questão das mulheres negras, grupo que está entre os mais
vulneráveis na realidade brasileira.

MADEIRA, Zelma; GOMES, Daiane de Oliveira. Persistentes desigualdades raciais e resis-


tências negras no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 133,
p. 463-479, set./dez. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/FmSRPNQZhrqz-
9mMVWTJnwqP/?lang=pt. Acesso em: 13 jul. 2021.

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