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ÉTICA

Sheila Ost
Ética e questões étnicas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Discutir questões éticas que enredam as etnias.


„„ Conceituar a pluralidade ética.
„„ Construir um raciocínio acerca do contexto atual da ética no que
tange às questões étnicas.

Introdução
A ética dedica-se ao estudo da moral, ou seja, os fenômenos morais, os
fatos sociais que são regulados pelas normas morais de uma sociedade,
ou seja, todas as regras de comportamento de uma sociedade são sub-
metidas a avaliações morais. A ética é uma construção social e nesse
sentido estão vinculadas as questões étnicas, ou seja, com os costumes
e normas morais de cada grupo de indivíduos, como, por exemplo:
indígenas, negros, europeus e asiáticos.
Neste capítulo, iremos abordar a questão étnica, sob uma perspectiva
ética. Discutiremos as relações entre diferentes etnias, as discriminações
e a questão da pluralidade étnica.

As questões éticas e as etnias


A discriminação em relação aos grupos étnicos ocorre muitas vezes de forma
velada e é tida como preconceito racial, que tem suas bases no comportamento
fundamentado no juízo de valores, que é socialmente construído por cada
grupo étnico. Tal discriminação ocorre de fato, quando grupos humanos são
considerados como raças ou ainda por traços raciais, como, por exemplo, cor
da pele, e que são tratados de forma diferente dos outros, do ponto de vista
social, cultural político e econômico.
Essas desigualdades ficam mais evidentes quando conseguimos perceber
que grupos que são considerados superiores, conseguem alguns privilégios,
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se comparados a outros grupos considerados inferiores. O racismo no Brasil,


enquanto construção social e histórica é repleto de discriminação e preconceito,
o que vem acarretando prejuízo a uma significativa parcela da população de
diferentes etnias, independente da camada social que ocupam.
No entendimento das ciências humanas e da política brasileira, por exemplo,
o conceito de raça traz consigo alguns problemas que precisam ser levados em
consideração. Tal conceito não está fundamentado nas questões biológicas, mas
traz consigo um sentido sociológico, que está relacionado a uma determinada
identidade cultural, que vem marcado por questões físicas e que está fortemente
associado a valores morais, culturais e intelectuais (CUNHA; SANTOS, 2014).
Como percebemos, é na esfera social que as questões relacionadas à raça
ganham destaque, que nem sempre é positivo, como, por exemplo, na forma que
essa população tem acesso à riqueza que é socialmente produzida, no acesso e
permanência ao mercado de trabalho, nas relações afetivas, na invisibilidade
escolar; enfim, é na vida cotidiana desses sujeitos que a diversidade racial
ganha os contornos de desigualdade social.
Já o conceito de etnia relaciona-se aos indivíduos que compartilham uma
herança social e cultural, que é transmitida de uma geração para a outra. Nesse
sentido, etnia se refere aos aspectos culturais e carrega um sentido político de
afirmação da diferença cultural enquanto valorização humana. Sujeitos que
podem ser relacionados a grupos raciais distintos, podem ser alocados num
mesmo grupo étnico, pois, além das características físicas, existe um resgate
do pertencimento e de um passado comum (SANTOS et al., 2010).
Diante disso, percebemos que os conceitos de raça e etnia não são os
mesmos, mas se complementam, razão pela qual em diversas produções
encontramos a associação raça/etnia. Nesse sentido, compreendemos que
o termo raça continua atual e que os aspectos culturais relacionados à etnia
são causadores de discriminação, principalmente quando associado à raça.
Desde 1988, com a publicação da Constituição Brasileira, a sociedade pas-
sou a aprofundar, debater e encaminhar propostas para a promoção dos direitos
que são garantidos pela Constituição e pela superação das desigualdades e
discriminações, incluindo aqui aquelas oriundas das classificações étnicas. O
racismo que se faz presente nas relações étnico-raciais (compreender as formas
como negros e brancos se relacionam em nosso país, refere-se ao conceito
de etnia), principalmente no Brasil, é um fator importante na construção de
desigualdades sociais e que vem causando humilhação e sofrimento para essa
camada social, que é a mais atingida (SANTOS; MARQUES, 2012).
Diante de tal panorama, devemos nos perguntar, quando construiremos
uma sociedade que respeite as diferenças e peculiaridades dos diversos grupos
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étnicos. Estamos vivendo uma situação social complexa, onde percebemos a


falta de muitas coisas, como, por exemplo, a ética que está ausente das pautas
políticas, a compra de votos; culturais, o jeitinho brasileiro para resolver as
situações, e sociais. Estamos vivendo um período de vazio ético.

Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há pelo menos 900 mil
índios espalhados pelo território nacional, que estão divididos em 305 etnias e falam
aproximadamente 274 línguas. Esses dados fazem do Brasil um dos países com maior
diversidade sociocultural do mundo. O IBGE fez um mapeamento sobre a localização
desses povos e sua movimentação durante as duas últimas décadas. Entre os anos
de 2000 e 2010, o percentual de indígenas que vivem nas regiões Sul e Sudeste caiu,
enquanto cresceu em outras regiões do país. Nesse período, a região Norte abrigou a
maior parcela de indígenas (37,4%), acompanhada pelo Nordeste (25,5%), Centro-Oeste
(16%), Sudeste (12%) e Sul (9,2%).
Ainda que a população indígena do Sudeste esteja em declínio, São Paulo ocupa o
quarto lugar na lista de municípios brasileiros com mais índios, chegando ao número
de 13 mil. Parte desse grupo vive em aldeias Guarani Mbya, nos arredores da cidade,
em territórios que ainda estão em processo de demarcação.
Fonte: Fellet (2016, documento on-line).

Pluralidade étnica
Os estudos sobre as relações étnico-raciais aumentaram com o final na Segunda
Guerra Mundial e com o final do Holocausto, pois a busca pela compreensão dos
fenômenos de intolerância racial e genocídio se intensificaram. Nesse sentido,
após o ano de 1940 houve um esforço por parte dos cientistas, psicólogos e
demais áreas das ciências humanas e sociais para a extinção da ideia de raça,
desautorizando seu uso como categoria científica. A partir daí, buscou-se
explicar as diferentes características físicas, intelectuais e psicológicas das
populações por meio de fatores ambientais, como, por exemplo, a condição
social e econômica, e não pelo pertencimento a diferentes grupos raciais.
Mesmo assim, a raça continua sendo uma construção sociológica, que
é efeito de um estudo que só faz sentido se analisado em um determinado
contexto histórico, ou seja, se trata de uma construção social que remete à
origem de um grupo com base na transmissão de traços fisionômicos, que são
transpostos para qualidades morais e intelectuais. Passa a ser também, um
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discurso sobre o lugar de onde se veio que nesse caso, nos remete ao conceito
de etnia. (BRASIL, 1997)
O Brasil, como sabemos, é um país que apresenta uma grande diversidade
étnica. De forma geral, podemos dizer que a composição étnica do Brasil é
basicamente formada por três grupos étnicos principais:

„„ indígenas: já habitam o território brasileiro antes mesmo do


descobrimento;
„„ europeus: basicamente formado de portugueses, além de franceses,
holandeses, italianos, espanhóis, entre outros;
„„ africanos: os negros africanos foram trazidos para o Brasil e aqui
escravizados.

A partir da mistura desses três grupos principais, deu-se a miscigenação do


povo Brasileiro, que se define pela mistura das diversas etnias, que deu origem
a novas populações que trazem consigo traços físicos e culturais, de suas ma-
trizes. A miscigenação entre brancos e negros deu origem aos povos que são
chamados de mulatos. A mistura entre índios e brancos formou os mamelucos.
A miscigenação entre negros e índios deu origem aos cafuzos (RIBEIRO, 1995).
De acordo com o IBGE, a classificação da população brasileira é feita com
base em cinco tipos diferentes de raças: os brancos, os negros, os pardos, os
amarelos e os indígenas. A Figura 1, a seguir, mostra alguns dados da com-
posição da população brasileira no ano de 2010.

Figura 1. Tabela de população residente, por cor ou raça, segundo o sexo e os grupos de
idade no Brasil.
Fonte: IBGE (2010, documento on-line).
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As etnias do mundo
Quando falamos em etnia, devemos lembrar também de quais grupos étnicos
é formada a população mundial e não somente a população de um país ou
região do globo terrestre. As principais etnias, de acordo com Nogueira (2015),
presentes no mundo são:

„„ branca ou caucasiana: compreende metade da população mundial e é


composta por europeus, os semítico-camíticos (semitas) e os indo-irânicos
(Oriente Médio);
„„ amarela: compreende dois quintos da população mundial e é composta
em sua maioria por asiáticos;
„„ negros: compreende um décimo da população mundial. Geralmente
são oriundos do Continente Africano.

Conquistas importantes na luta do negro no Brasil


Hoje em dia existem algumas leis que protegem os negros da discriminação racial.
A Lei nº 9.459/97, por exemplo, complementa a Lei nº 7.716/89, que define o racismo
como crime.
Outra conquista importante, no âmbito da educação e da preservação da cultura
dos negros, foi a Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei nº 9.394/96 das Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática de História e Cultura Afro-Brasileira.
Outra lei importante é a de cotas (Lei nº 12.711/2012) para negros nas universidades,
que assegura 20% das vagas em universidades para negros, pardos e indígenas.

Contexto atual da ética e as questões étnicas


A ética é um ramo da filosofia que estuda o que é bom ou mal, certo ou errado.
Na base etimológica, as palavras ética e moral possuem o mesmo significado.
A palavra grega ethos e a palavra latina moral, significam hábitos ou costumes.
Sendo assim, a ética como expressão do pensamento filosófico nos conduz
a ideia da universalidade moral, ou seja, a uma forma universal do comporta-
mento humano, que é expressa em princípios válidos para todo o pensamento
moral e sadio (CHAUÍ, 2000).
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Como podemos perceber, o termo ética assume diferentes significados,


dependendo do contexto em que estamos envolvidos. No caso do estudo das
etnias, a ética pode ser entendida como o respeito aos costumes e hábitos de
um dado grupo étnico, ou seja, o respeito às diferenças étnicas existentes não
só no Brasil, mas em todo o globo terrestre.

Tomemos o Holocausto como exemplo: ao analisar as barbáries que os alemães


realizaram na Segunda Guerra Mundial contra o povo judeu, é possível perceber que
não houve ética ou respeito a uma cultura, hábitos e crenças diferentes. Outra situação
que podemos observar é o fato de os alemães acreditarem na superioridade de uma
raça em detrimento de outras.
O Holocausto foi a perseguição e o extermínio, durante o governo nazista, de aproxi-
madamente seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Relembramos
que os nazistas chegaram ao poder na Alemanha acreditando que os alemães eram
uma raça superior; e que os judeus eram uma raça inferior. Dos aproximadamente dez
milhões de judeus que viviam na Europa antes do Holocausto, cerca de dois terços
foram dizimados; mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três
milhões de homens judeus morreram nesse período. O genocídio foi realizado em
etapas e eram utilizados os métodos mais bárbaros que resultavam nas mortes. Os que
ali estavam concentrados (por isso o uso do termo campos de concentração) além de
trabalhos forçados, eram submetidos a experiências que quase sempre eram processos
extremamente dolorosos, que possuíam principalmente o intuito de desenvolver
novas técnicas médicas e testar os limites de resistência do ser humano em atividades
de guerra. A fome e as condições insalubres colaboraram para o extermínio além das
câmaras de gás. Lembrando que durante o período da Segunda Guerra Mundial, o
termo utilizado era raça e não etnia.

Leia, na reportagem a seguir, uma descrição do Mu-


seu do da Imigração Judaica e do Holocausto, em
São Paulo. Acesse o link ou o código.

https://goo.gl/FQ5MUb
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Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pluralidade.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2018.
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scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642014000300317&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 09 abr. 2018.
IBGE. População residente, por cor ou raça, segundo o sexo e os grupos de idade – Brasil – 2010.
2010. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/english/estatistica/populacao/censo2010/
caracteristicas_da_populacao/tabelas_pdf/tab3.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2018.
NOGUEIRA, G. D. Olhares sobre raça, etnia e desigualdades. 2015. Disponível em: <ht-
tps://wp.ufpel.edu.br/legadolaclau/files/2015/07/guilherme-nogueira.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2018.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, D. J. S. et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental Press
Journal of Orthodontics, v. 15, n. 3, p. 121-124, maio/jun. 2010. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/dpjo/v15n3/15.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2018.
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rj.anpuh.org/resources/anais/15/1337560631_ARQUIVO_TEXTOANPUH-2012.pdf>.
Acesso em: 09 abr. 2018.

Leituras recomendadas
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de raça ou de cor. Braspilia, DF, 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 09 abr. 2018.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 09 abr. 2018.
BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universi-
dades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá
outras providências. Brasília, DF, 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 09 abr. 2018.
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