Você está na página 1de 4

“raça” para capturar o modo como discursos que

atribuem essências e subordinam pessoas – em geral,


vinculando qualidades morais e intelectuais, entendidas
como negativas, a fatores considerados naturais – são
capazes de fabricar “raças sociais”.
2.Qual a diferença entre raça, cor e etnia?
Raça. Categoria do senso comum europeu
medieval, originalmente usada para descrever as
diferenças entre povos de linhagens e comportamentos
distintos, como os germânicos e os gauleses. A partir do
Aluno (a) ____________________________________ século 18, e em especial do século 19, ela foi associada
Turma:_____DATA_____/_____/ 2021 ao vocabulário científico da biologia para descrever as
diferenças entre as supostas subespécies da espécie
humana. Neste momento, as diferenças relevantes já
1. O que é raça? não eram aquelas entre povos europeus, mas entre estes
A principal resposta, e hoje a mais popular, que e os povos do resto do mundo.
a ciência forneceu sobre esse tema é que “raças” não Cor. O conceito de cor tem origem na
existem. Os traumas advindos do fascismo e do classificação proposta por Carl Linnaeus, que no século
nazismo no pós-Segunda Guerra Mundial ensejaram a 18 afirmou que a espécie Homo sapiens estaria dividida
formação desse consenso entre biólogos, antropólogos e em quatro subespécies, cada uma com origem em um
sociólogos. Os conflitos raciais que culminaram na luta continente e caracterizada por qualidades,
contra a segregação racial nos Estados Unidos nos anos temperamentos e cores próprias. Assim, os Americanus,
1960 e os efeitos nefastos do sangrento regime do Europeanus, Asiaticus e Africanus foram descritos,
apartheid na África do Sul, findo no início dos anos respectivamente, como vermelhos, brancos, amarelos e
1990, fortaleceram ainda mais a sensação de que as negros. Nascia desse modo, uma associação muito
pesquisas conduzidas sobre esse tema eram tanto mais popular entre a ideia de raça e as categorias de cor, que
científicas quanto mais banissem a linguagem da raça tornara-se fundamental na organização do mundo
de suas abordagens. A popularização do termo “étnico” colonial. Mas esta associação ganhará maior
tem muito a dizer a esse respeito. complexidade quando usada para pensar e organizar
Entretanto, a realidade de países como o Brasil internamente as novas sociedades coloniais, ao ser
ficava mal enquadrada sob esse aspecto. O país jamais adaptada, de formas variadas, ao fenômeno da
teve leis de segregação racial, nem antes nem depois do mestiçagem, o que deu origem ao que hoje chamamos
fim da escravidão. Sua ideologia nacional oficial, o de colorismo.
mito das três raças fundadoras (brancos, negros e Etnia. Em meados do século 19, o termo etnia é
indígenas), inspirava uma sociabilidade fraterna e isenta proposto como uma terceira forma de classificar os
de preconceitos. Ainda assim, os cientistas sociais povos, ao lado da raça e da nação (pertencimento a uma
flagravam uma desigualdade racial entre os chamados entidade política e sócio-histórica), para descrever
grupos de cor. Era um país em que não bastava ser grupos humanos a partir do compartilhamento de uma
antirracialista para ser antirracista. Por outro lado, as língua e de uma cultura. A partir de meados do século
dificuldades enfrentadas por “pretos” e “pardos” não 20, o sentido de etnia seria estendido para substituir o
eram “étnicas”, pois sua inferiorização não se de raça, na medida em que este perdia sua legitimidade
fundamentava num discurso da diferença dos valores e científica e social. A partir de então, o uso do termo
da cultura. Ao contrário, as práticas culturais associadas etnia deslocou a percepção e a definição da diferença
aos negros (samba, feijoada, capoeira) estavam entre os povos da biologia para a cultura.
simbolicamente integradas à identidade nacional. Raça, cor e etnia. Se as três categorias se
Problemas dessa natureza, enfrentados aqui e alhures, diferenciam histórica e cientificamente, por que o
levaram os cientistas sociais a notar que o racismo tinha Estado brasileiro as utiliza como equivalentes em nosso
o poder simbólico de fabricar e delinear fronteiras de quadro classificatório oficial? As pesquisas
grupos, à revelia do sentimento de pertença coletiva demográficas realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro
manifestado pelas pessoas alocadas naquela de Geografia e Estatística), em especial o Censo
coletividade. O dado autorizou a ciência social demográfico decenal, são os exemplos mais evidentes e
contemporânea a reconstruir um conceito nominal de relevantes do uso oficial e combinado das três
categorias. Apesar de a combinação parecer insólita, ela etnicidade. Assim, o movimento negro brasileiro passou
também se justifica política e historicamente. a insistir no uso da noção de raça como forma de
Primeiro, é necessário reconhecer que tal denunciar e descrever a continuidade da prática do
combinação é resultado do uso histórico de categorias racismo na sociedade brasileira. Quando os estudos
oficiais, que foi sendo corrigido e se estabilizando ao sobre desigualdades socioeconômicas no Brasil
longo das décadas. Como o Censo não é apenas o realizados a partir de 1980 demonstraram que as
retrato de um momento, mas é uma ferramenta características demográficas e socioeconômicas de
fundamental para pensar a mudança social no tempo. pretos e pardos eram insignificantes quando
Há certa tendência em se manter a continuidade de comparadas com as das outras categorias, isso reforçou
categorias para que seja possível construir as chamadas a demanda por reconhecer a validade de se falar sobre
“séries temporais”. fenômenos relativos à raça negra, no seu sentido
No primeiro Censo nacional, realizado em 1872, sociológico.
as categorias ditas de “cor” utilizadas para descrever a 3. O que é racismo?
população eram: branca, cabocla, parda e preta. O termo racismo apareceu no início do século
Caboclo, entretanto, não é cor, mas um termo usado 20. De lá para cá, esse termo tem sido usado para
para descrever o indígena “misturado” (critério racial) nomear representações, ideologias, atitudes,
ou “amansado” ou “civilizado” (critério sociocultural). comportamentos e ações que resultem em
No Censo de 1890, repetiu-se o uso dos termos branco, hierarquizações de grupos humanos a partir de suas
preto e caboclo, mas o pardo (ênfase na “cor”) foi características físicas e culturais. O racismo refere-se a
substituído pelo mestiço (ênfase na “raça”). Os censos qualquer forma de explicação e justificativa para
de 1910 e 1930 não foram realizados e os de 1900 e estabelecer diferenças, preferências, privilégios e
1920 não incluíram classificações de cor ou raça em sua desigualdades entre seres humanos, baseadas na ideia
coleta de dados. Essa ausência é, em si mesma, um de raça, cultura ou etnia.
discurso sobre cor e raça, na medida em que ela ocorreu A palavra racismo refere-se tanto à doutrina ou à
no período de auge da ideologia do branqueamento. ideologia que sustenta desigualdades quanto a
Quando as cores voltaram a ser incluídas no Censo preferências, atitudes, políticas públicas ou sistemas de
demográfico nacional, em 1940, as opções foram: governo baseados em critérios raciais. Trata-se,
branco, preto, pardo e amarelo. O caboclo saiu da portanto, de um conjunto de mecanismos que operam
pesquisa devido à sua suposta insignificância no plano individual, coletivo e organizacional para
demográfica e à certeza evolucionista de que manter determinados grupos em situação desvantajosa
desapareceriam, enquanto o amarelo entrava para do ponto de vista econômico, político, social, cultural e
contemplar as sucessivas levas de migração asiática. até subjetivo. Em sua dimensão individual, refere-se a
Tais categorias permaneceram estáveis até o Censo de condutas que discriminam pessoas com base na raça, na
1990, a partir do qual, ao lado de branco, preto, pardo e cultura ou na etnia e que, nas mesmas bases,
amarelo, passou a figurar a opção indígena. Finalmente, hierarquizam gostos e valores estéticos de modo a
em 2010, acrescentou-se mais uma pergunta para inferiorizar sistematicamente características de certos
aqueles que se autoatribuíram indígenas relativa à sua grupos. No plano social, observamos o racismo por
etnia. meio de mecanismos que se reproduzem
Assim, primeiro por meio da categoria indígena, cotidianamente e atuam pela sistemática inferiorização
e em seguida por meio da identificação dos seus de certas características dos indivíduos, pela
diferentes etnônimos, a noção de etnia entrou no Censo manutenção da baixa autoestima destes e pela
ao lado de raça e cor. Necessário reconhecer que tal reprodução de preconceitos em relação a eles.
combinação também é resultado de disputas políticas, Ao longo da história contemporânea,
na medida em que os dados produzidos pelos censos encontramos diversos modelos de sociedades racistas, a
são fundamentais para propor, discutir e implementar exemplo do Holocausto na Alemanha nazista, o
políticas públicas. Assim, ainda que, rigorosamente, no Apartheid na África do Sul, o sistema de Jim Crow nos
Censo atual constem categorias apenas de cor e de EUA ou mesmo o caso brasileiro, com sua política de
etnia, a noção de raça é mantida em função de seu embranquecimento no contexto de imigração. No
significado político. A partir de meados do século 20, a século 21, o racismo tem se manifestado mais
noção de raça perdeu sua legitimidade biológica, mas abertamente em modelos de políticas migratórias dos
ganhou o reconhecimento de um sentido sociológico e é EUA e Europa, por exemplo, mas também em formas
assumida como linguagem de luta social, baseada na
de seletividade penal do sistema Judiciário, a exemplo maioria negros e negras e restrições de circulação com
do caso brasileiro. avisos de propriedade privada.
4.Existe racismo no Brasil? Talvez a mais imperceptível forma de
Essa foi uma das perguntas que tomaram conta manifestação de racismo no Brasil seja a segregação
da agenda das ciências sociais brasileiras desde meados residencial nas nossas grandes cidades, desigualdade
do século 20. A resposta foi afirmativa e polêmica na invisível a olho nu e difícil de capturar com métodos
medida em que teve que enfrentar reflexões teóricas, etnográficos. O racismo também pode se manifestar nos
pesquisas empíricas e o senso comum de que o Brasil meios organizacionais, quando negros são preteridos
consiste numa democracia racial, isto é, onde o em processos de contratação ou de promoção em suas
preconceito racial não existe ou seus efeitos são carreiras, seja no setor público, seja no setor privado.
superficiais, sem grandes implicações para a cidadania Talvez o mais notável nas mídias seja a manifestação
dos negros. Daí a célebre formulação de Florestan verbal do racismo, por exemplo, nos campos de futebol,
Fernandes de que a existência do racismo no Brasil ou mesmo nos espaços mais elitizados do mercado
pode ser amplamente comprovada, desde que consumidor, a exemplo de shopping centers,
abandonemos o “preconceito de ter preconceito”. supermercados, etc. O insulto racista — que pode se
Hoje existem pesquisas que comprovam como o manifestar em piadas ou xingamentos — é uma prática
racismo incide em todas as dimensões de nossa vida frequente no Brasil e associa a imagem de negros e
social, nas diferenças de tratamento entre filhos negras a animais, as condutas marginais, à falta de
“claros” e “escuros” da mesma família, no modo como higiene ou à preguiça. O insulto racista serve, dessa
os negros são retratados nos meios de comunicação, no forma, para legitimar as hierarquias sociais com base na
audiovisual, como em programas de humor, séries, raça.
filmes e novelas. Há também um importante campo de Práticas abertamente segregacionistas foram
estudos sobre desigualdades raciais que revelam esporádicas no Brasil desde a redemocratização, mas
assimetrias de longa duração entre brancos e negros no passaram a ser mais frequentes com a ascensão de um
que tange às oportunidades educacionais, ao acesso à movimento de extrema direita, que ganharam
saúde e ao mercado de trabalho. Mais recentemente, os representação no governo federal a partir de 2018.
estudos também têm mostrado os efeitos do racismo no
território brasileiro, especialmente no que diz respeito à ANOTAÇÕES
segregação residencial. ____________________________________________
5. Como se manifesta o racismo no Brasil? ____________________________________________
Um fenômeno social estrutural como o racismo, ____________________________________________
persistente, duradouro e mutável, tem várias formas de ____________________________________
manifestação. Uma das mais flagrantes é sua ____________________________________________
manifestação ideológica: o conjunto de representações ____________________________________________
simbólicas e discursos sobre as “cores” no Brasil. ________________________
Como notou Clóvis Moura em seu pioneiro estudo ____________________________________________
sobre o preconceito de cor na literatura de cordel1, as ____________________________________________
associações entre o branco e o belo, o bom e o divino e ________________________
entre o negro enquanto mau, feio e diabólico estão ____________________________________________
arraigadas no nosso senso comum. ____________________________________________
Estudos mais recentes na área educacional têm ________________________
mostrado que esses estereótipos persistem nas escolas, ____________________________________________
afetando profundamente a subjetividade das crianças ____________________________________________
negras. A prática da discriminação racial, de restrição ________________________
dos direitos civis, como é rotineiramente noticiado nos ____________________________________________
jornais nos casos de tortura e mesmo de assassinato de ____________________________________________
jovens negros em supermercados, lojas e shopping ________________________
centers, é outra manifestação flagrante do racismo. O ____________________________________________
racismo velado se manifesta em anúncios de emprego ____________________________________________
que pedem “boa aparência”, na existência de elevadores ________________________
de serviço para uso de trabalhadores domésticos em sua
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________ ____________________________________________
____________________________________________ ____________________________________________
________________________ ________________________
____________________________________________
____________________________________________
________________________
____________________________________________
____________________________________________
________________________
____________________________________________
____________________________________________
________________________
____________________________________________
____________________________________________
________________________
____________________________________________
____________________________________________
________________________

Você também pode gostar