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1Luciana Alves é gestora de projetos no Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades
(CEERT); diretora de educação básica na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e doutoranda
em educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
europeu. Este, por sua vez, passou a designar a si também em termos raciais e
não mais geográficos ou nacionais, autodenominando-se branco e superior.
Portanto, durante a expansão colonial europeia, brancos criaram um
sistema de significação e dominação que explicava as diferenças físicas
observadas recorrendo à ideia de raça. Nesse sistema, a posição social dos
sujeitos e grupos estava associada à sua aparência física, sendo a cor da pele,
a textura dos cabelos e a apreciação de alguns traços faciais suficientes para
designar a pertença racial dos sujeitos e para explicar as posições sociais
desiguais ocupadas por eles.
Vê-se que a branquitude é a primeira de todas as identidades raciais, uma
identidade não apenas poderosa o suficiente para dizer aos outros grupos quem
eram ou deveriam ser (negros, amarelos, vermelhos), mas também para fazer
valer a violenta imposição de identidades raciais inferiorizadas, apagando e
silenciando (ou tentando) histórias e memórias que lembravam aos sujeitos
quem eles eram antes da dominação colonial.
Todas as identidades raciais que conhecemos estão, portanto,
assimetricamente em relação umas com as outras, com privilégios em favor dos
brancos. Isso porque, com a criação da raça, brancos passaram a se descrever
como civilizados, inteligentes, bonitos, honestos... sempre em contraposição a
outros grupos raciais, vistos como atrasados, feios, intelectualmente limitados e
moralmente impróprios.
A característica relacional das identidades raciais implica que ao falar em
branquitude estejamos sempre a falar sobre a subjetividade branca e sua
imbricação com as relações de poder que sustentam hierarquias raciais ou, dito
de outro modo, que sustentam o racismo.
Harris (1993) salienta que um dos resultados da relação entre branquitude
e racismo foi a associação entre brancura e propriedade. Ao longo da história
moderna e contemporânea, brancos praticamente monopolizaram a posse de
terras e de expectativas sociais. Haja vista as estatísticas de acesso a direitos
sociais como educação, saúde e moradia, ou mesmo aquelas relacionadas à
remuneração e acesso à carteira de trabalho assinada, todas elas evidenciam
que reconhecer-se branco, seja em nosso país ou em outros contextos
nacionais, equivale a gozar de melhores condições de vida em comparação com
sujeitos de outros grupos raciais.
Segundo o IBGE2, em 2018, por exemplo, um trabalhador branco recebia
em média 68% a mais que um trabalhador negro (soma de pretos e pardos);
34% dos trabalhadores brancos atuavam sem carteira de trabalho assinada,
enquanto 47,3% dos negros estavam na mesma condição; 27% dos brancos
moravam em casas sem rede de esgoto, enquanto 44,5% dos negros não tinham
esgoto tratado; Na educação o quadro não é diferente: enquanto 73% dos jovens
brancos com até 19 anos concluíram o ensino médio em 2018, apenas 53,4%
dos jovens pretos e 57,8% dos pardos o fizeram.
Comumente, seguindo a tradição inaugurada por Florestan Fernandes
(1965), essas desigualdades são explicadas como reminiscências do passado
escravista e da desigualdade de oportunidades para a ocupação de postos de
trabalho entre negros e brancos no contexto pós-abolição. Contudo, se é fato
que a escravização impôs sérias restrições não apenas à liberdade, mas também
às oportunidades de escolarização e especialização profissional aos
escravizados, também é fato que ela reservou aos brancos e a seus herdeiros
uma série de privilégios convertidos em vantagem competitiva na nova ordem de
trabalho livre que sucedeu a abolição. Assim, ao reconhecer o peso da
escravidão sobre as oportunidades sociais da população negra, é preciso
considerar também o privilégio conferido aos descendentes brancos,
decorrentes da exploração de mão-de-obra escravizada.
Mas não apenas de reminiscências vive o presente. Desde os estudos
estatísticos de Carlos Hasenbalg (1979), há evidências da criação de novas
clivagens sociais baseadas na raça, ilustradas especialmente pela piora nas
condições de vida da população negra em certos indicadores, ou ainda, pelo
deslocamento das desigualdades a novos patamares, caso do acesso ao ensino
superior que sequer configurava um sistema à época de Florestan,
anteriormente citado.
Assim, o racismo e as desigualdades raciais não são apenas expressões
de um passado que tende a ficar cada vez mais distante, mas são
constantemente atualizados, visando a manutenção de privilégios materiais e
simbólicos daqueles que se beneficiam dessas hierarquias.
Referências
ALVES, Luciana. Ser branco – no corpo e para além dele. São Paulo: Hucitec, 2012.
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Carvalho e Claudia Viana (orgs.) Gênero e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
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FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Cia
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FRANKENBERG, R. White women, race matters: the social construction of whiteness.
Mineapolis: University of Minnesota Press, 1993.
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MARTINS. Roseli Figueiredo. A Identidade de meninas negras: o mundo do faz de contas.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), 2006.
OLIVEIRA, Fabiana de. Um estudo sobre a creche: o que as práticas educativas produzem e
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SANTIAGO, Flavio. "O meu cabelo é assim... igualzinho o da bruxa, todo armado":
hierarquização e racialização das crianças pequeninhas negras na educação infantil.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
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STEYN, M. Novos matizes da “branquidade”: a identidade branca numa África do Sul
multicultural e democrática. In: WARE, V. (Org.). Branquidade, identidade branca e
multiculturalismo. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
Para refletir
Em 2017, a mãe de uma criança de 3 anos utilizou as redes sociais para realizar
uma denúncia de racismo presente nas ilustrações do livro didático adotado pela
instituição de educação infantil, frequentada pela criança. Na ilustração que originou a
denúncia, solicitava-se que as crianças relacionassem figuras humanas aos objetos
comumente utilizados no exercício de suas profissões, como segue:
Como a imagem acima se relaciona aos debates sobre branquitude e educação? Em
sua resposta, busque dissertar também sobre negritude e racismo.