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VOZES NEGRAS IMPORTAM:

ensaios para uma psicologia antirracista

www.editoraexpressaofeminista.com.br
RAIMUNDO CIRILO DE SOUSA NETO
LIANA ROSA ELIAS
MAYARA RUTH NISHIYAMA SOARES
CAMILA RIBEIRO DE OLIVEIRA
JOSÉ DAVI DE ALMEIDA LIRA

VOZES NEGRAS IMPORTAM:


ensaios para uma psicologia antirracista

1.ª edição

SÃO LUÍS/MA
EDITORA EXPRESSÃO FEMINISTA
AGOSTO – 2021
Os conteúdos dos capítulos são de responsabilidades das autoras.

Edição, projeto gráfico, capa e diagramação: Maynara Costa de Oliveira Silva.

Revisão: Laurinda Fernanda Saldanha Siqueira.

Conselho Editorial da Editora Expressão Feminista:


Profa. Ma. Ademilde Alencar Dantas de Medeiros Neta (UFRN); Profa. Dra. Elaine Ferreira do Nascimento
(FIOCRUZ-PI); Profa. Ma. Emilly Mel Fernandes de Souza (UFRN); Profa Ma. Joely Coelho Santiago (UFR);
Profa. Dra. Laurinda Fernanda Saldanha Siqueira (IFMA); Profa. Ma. Maynara Costa de Oliveira Silva (UFMA);
Profa. Ma. Muranna Silva Lopes (UFMA); Profa. Ma. Regina Alice Rodrigues Araújo Costa (UFPE); Profa. Ma.
Renata Caroline Pereira Reis (UNESA); Profa. Dra. Thayane Cazallas do Nascimento (MMM).
SUMÁRIO
PREFÁCIO 1
APRESENTAÇÃO 2
Capítulo 1. Epistemicídio 5
Capítulo 2. Decolonialidade 7
Capítulo 3. Ética e Raça 13
Capítulo 4. Ética e Clínica 16
Capítulo 5. A vivência estudantil 21
Em busca de reconhecimento e pertencimento 21
Capítulo 6. Somos além do que querem fazer de nós 23
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 26
Capítulo 8. Branquitude e o papel do branco no antirracismo 31
Capítulo 9. Racismo e Saúde Mental 34
Capítulo 10. Colonialidade 38
REFERÊNCIAS 40
BIOGRAFIA DOS AUTORES 43
PREFÁCIO 1

PREFÁCIO

O Programa de Educação Tutorial (PET), a partir da Portaria MEC 976/2010, opera em grupos
organizados a partir de cursos de graduação das instituições de ensino superior brasileiras e congregam estudantes
que se comprometem em atividades de ensino, pesquisa e extensão de natureza coletiva e interdisciplinar. Dois
dos objetivos do programa são: estimular o espírito crítico, bem como a atuação profissional pautada pela
cidadania e pela função social da educação superior; e contribuir com a política de diversidade na instituição de
ensino superior, por meio de ações afirmativas em defesa da equidade socioeconômica, étnico-racial e de gênero
(BRASIL, 2010).
O grupo PET Psicologia, da Universidade Federal do Ceará, em sua configuração no ano de 2020, contou
com 12 bolsistas e eu tenho a gratidão em estar como tutora destes. As atividades propostas pelo grupo falam de
nossa dinâmica, dos nossos objetivos acadêmicos, mas especialmente, dos nossos compromissos éticos e
políticos. A Psicologia possibilita diversos recortes de análise e intervenção. Nossas vivências pessoais permitem
articular as experiências acadêmicas com nossos valores e compromissos éticos. Num grupo de 12 jovens
potentes, com experiências heterogêneas, muita motivação para criar e modificar práticas e modos de relações
opressivos, o projeto “Vozes Negras Importam” foi forjado.
Lembro das tutorias no início da pandemia em 2020, momento em que estávamos perplexos com tamanhas
mudanças e mortes, ainda perdidos sobre como reinventar os nossos espaços em meio remoto. Lembro da
proposta da atividade “Fora da Grade” de falar de temas pouco explorados na grade curricular do curso de
Psicologia da UFC. Lembro do “Vozes Negras Importam” surgindo de experiências pessoais de racismo
vivenciada pelos alunos, do incômodo de práticas institucionais excludentes, da revolta e angústia em vermos
tantas notícias de jovens negros e pobres sendo assassinados, dos protestos americanos que ganharam visibilidade
mundial, da dor de ver que a pandemia mata mais negros, pobres e periféricos na grande Fortaleza.
Tudo isso possibilitou ver com clareza o compromisso social e o nosso papel enquanto ocupantes desse
espaço de visibilidade. Nesse ínterim, destaco o protagonismo de Cirilo, que lindamente se apresenta como
“estudante de Psicologia negro, dissidente sexual. Bicha epistemologicamente incomodada e metodologicamente
teimosa”. Cirilo transforma sua dor em potência. Com maestria, sensibilizou o grupo na defesa deste projeto. Nós
te agradecemos, Cirilo!
Vozes negras precisam ser ouvidas e seus ecos encontrarem mais e mais pessoas. A transformação de
realidade que (inicialmente) alcançou um seleto número de pessoas em um grupo de estudos, passou a atingir um
grupo um pouco maior nas plataformas digitais do Instagram do PET Psicologia, e agora, com esse e-book, ecoa
a um grupo significativamente maior.
Liana Rosa Elias
Tutora PET Psicologia da Universidade Federal do Ceará
APRESENTAÇÃO 2

APRESENTAÇÃO

A explosão não ocorrerá hoje. É muito cedo… ou tarde demais.


Não chego armado de verdades categóricas.
Minha consciência não está permeada de fulgurações precípuas.
No entanto, com toda a serenidade, acho que seria bom que certas coisas fossem ditas.
(FANON, 2020, p.21)

Numa primeira leitura deste trecho que abre o célebre Pele Negra, Máscaras Brancas, podemos ter a
sensação de que Fanon nos enche de desesperança, como se nos acusasse de atraso ou antecipação desmedida.
Mas o que ocorre como efeito é o contrário, é uma advertência e um chamado ativo. O psiquiatra antilhano nos
convoca a uma crítica constante, perene e forte do mundo, ao mesmo tempo que nos adverte acerca das ilusões
das grandes revoluções unitárias. Nos aponta a potência da insistência, da permanência, da luta cotidiana, diária
e local. O presente e-book é uma insistência, uma teimosia, uma pequena contribuição ao mundo que queremos
construir para nós, à vida que queremos viver juntes/juntas/juntos.
2020 foi um ano difícil, que na verdade parece ainda não ter se encerrado. Um ano onde a precariedade
da vida se mostrou em sua forma mais bruta, crua, não apenas pela pandemia ocasionada pela COVID-19 - que
já nos fala, aos gritos, sobre nossa relação predatória e destrutiva com a terra e a vida -, mas também pelos
emblemáticos casos de racismo, em suas inúmeras e cruéis facetas, midiatizados intensamente em todo o mundo.
Episódios com o de George Floyd - negro, 46 anos, norteamericano, assassinado pela polícia em maio de 2020 -
, Breonna Taylor - negra, 26 anos, norteamericana, assassinada pela polícia em março de 2020 -, João Pedro -
negro, 14 anos, brasileiro, assassinado pela polícia em operação policial em São Gonçalo, RJ, em maio de 2020
-, acionaram inúmeras manifestações antirracistas ao redor do mundo reivindicando respeito às vidas negras e o
fim da violência policial e institucional.
É nesse ínterim de insurgências, questionamentos, ações políticas e epistêmicas, criamos o projeto Vozes
Negra Importam, um eco ancestral que continua a se atualizar e se somar às lutas que não começaram agora, mas
que acontecem na encruzilhada da história, a se perder de vista sem perder suas potências. Vozes Negras
Importam, faz referência direta ao Black Lives Matter palavra de ordem que acompanhou os protestos nos EUA
e foi traduzido por todo o mundo. O título ainda nos aponta em direção à valorização da nossa produção científica,
cultural e popular brasileira.
O projeto surgiu vinculado ao eixo de Ensino-Aprendizagem do Programa de Educação Tutorial (PET)
da graduação de Psicologia da Universidade Federal do Ceará e os objetivos traçados para o mesmo foram: 1)
discutir o papel do racismo e da branquitude na produção de subjetividades e desigualdades no Brasil; 2) pensar
no papel da Psicologia e da universidade como perpetuadora dessas desigualdades; 3) funcionar como dispositivo
potente para a quebra desse paradigma em direção à construção e produção de saberes e práticas emancipatórios.
APRESENTAÇÃO 3

Tais objetivos foram pensados levando em consideração as lacunas perversas que encontramos na formação em
psicologia. É irresponsável e inadmissível que desconsideremos a realidade e simplesmente contornemos os
engendramentos e efeitos que o racismo tem em nossos corpos, hipervalorizando epistemologias que se
pretendem universais e que reforçam opressões sutis, mas nem por isso pouco violentas. Queremos assim,
lateralizar nossa formação, abrí-la aos fluxos da realidade social brasileira e latino-americana.
Num primeiro momento, o projeto foi operacionalizado por meio de postagens semanais de vídeos,
produzidos por convidades/convidadas/convidados - pessoas racializadas e com diferentes formações, mas tendo
o tema da raça como o fio condutor de suas pesquisas e atuações - no Instagram do PET-Psicologia
(@psicologiapet), no formato IGTV.
Com o grande alcance e engajamento do projeto e entendendo a necessidade e a urgência dessas
discussões chegarem a um público maior, confeccionamos, a partir da transcrição dos vídeos, este e-book, com
o desejo de ampliar os ecos e ressonâncias das vozes que compuseram os vídeos. Além de reafirmar o
compromisso ético, estético e político do PET com a luta antirracista, ou seja, lutamos e resistimos por um fazer
comprometido com as tessituras sociais e as questões do contemporâneo.
Ainda fazendo menção aos sentidos que o título do projeto suscita, preferimos manter e preservar as
marcas de oralidade das falas proferidas. Essa necessidade nasce do meio em que o este livro foi planejado, em
que vozes negras, originárias, mulheres, bichas, e afrodiaspóricas são perversamente e sistematicamente
silenciadas, de forma violenta, mas também com convenções estruturalmente estabelecidas. Propomos uma
conversa afetiva com o leitor, estabelecendo uma conexão íntima, fugindo do escopo metódico e frio que vemos
normalmente na academia e ativando potências revolucionárias.
O primeiro capítulo, produzido por Cirilo de Sousa Neto e Antonio Angelo Lopes Alves, inicia os debates
acerca do “Epistemicídio”, abordando questões como: porque não estudamos autores negres na universidade?
Que mecanismo opera no silenciamento das múltiplas vozes e existências? Por que isso se configura como
epistemicídio? E afinal, o que é e como opera esse dispositivo de racialidade e biopoder nos campos de
conhecimento?
O segundo capítulo, escrito por Eduardo Miranda, com o tema “Decolonialidade”, traz questionamentos
como: o que é e por que uma decolonialidade é necessária? Como ela tenciona o imperialismo geopolítico que
configura as relações de poder? Como a decolonialidade se constrói na América Latina e que diferenças ela traz
em relação a pós-colonialidade?
O terceiro capítulo, com a presença de Maia Neto, discute "Ética e raça”, aborda questões como: por que
precisamos pensar raça, ética e psicologia? Afinal, o que é raça? Como as teorias raciais ajudaram a moldar o que
seria o "psiquismo" do brasileiro? E como isso envolve a colonialidade, a branquitude? Como nomear a norma
implicaria nos questionamentos, dilemas e possíveis respostas que nossas referências psicológicas dão às questões
raciais?
APRESENTAÇÃO 4

O quarto capítulo contou com a participação de Tauanaiara Nogueira, trazendo questões sobre "Ética e
clínica", com os seguintes questionamentos: como abordar uma ética de cuidado com pessoas negras na clínica?
Por que entender o contexto brasileiro diante do racismo é tão necessário para que se possa buscar a compreensão
da experiência negra? Que diferenças existem no cuidado quando o psicólogo é negro, ou branco?
O quinto capítulo é uma colaboração entre Geovana Monteiro e Renan Braga trazendo experiências
heterogêneas, mas que se entrecruzam em determinados aspectos. Dessa forma, a vivência negra estudantil na
universidade é um processo que diz respeito a dinâmica da qual vivemos em sociedade, logo, falar de autores
negros na universidade e o encontro pessoal com essa literatura, é falar sobre como se desenrola o racismo
estrutural. São abordadas questões como: Por que temos uma falta de representatividade negra tanto discente
como docente? Como isso engendra processos de falta de pertencimento e desconexão de um local? Por que
temos uma classe e uma cor dentre os marginalizades desse sistema-mundo?
O sexto capítulo, de Vera Rodrigues, pensa sobre “Universidade e antirracismo”, trazendo
questionamentos como: qual o percurso histórico das teorias racialistas e suas consequências para o fazer
científico dentro da Universidade? Quais implicações afetivo-teórico-políticas essas duas dimensões representam
dentro da academia? Por que é importante entender a gênese da luta antirracista na universidade com a construção
das ações afirmativas no século XXI?
O sétimo capítulo, outra colaboração, agora entre Isabelle Galeazzi e Luiz Cabral de Melo, apresenta
"Branquitude e o papel do branco no antirracismo", Isabelle inicia abordando questões como: Por que a pessoa
branca atribui à pessoa não branca questões que ela não atribuiria a si própria? O que seria a fragilidade branca?
E como isso implica na subjetividade de pessoas brancas? Em seguida, Luiz mostra alguns pontos importantes
de serem debatidos: a desconstrução do branco como sujeito universal, o mecanismo de projeção da pessoa branca
sobre a negra, a culpa e a responsabilização.
O oitavo capítulo de autoria de Luis Fernando Benício, debate sobre “Racismo e Saúde Mental", tendo
como propósito a necessidade de racializar o contexto socio-político e o cenário sanitário brasileiro trazendo
implicações que irão se desdobrar em uma saúde mental de forma ampliada, fora do escopo psicopatológico e da
clínica tradicional.
O e-book se encerra no seu nono capítulo, de Cirilo de Sousa Neto, Aline Paiva Martins e Milena Cruz
Raposo, discutindo “Colonialidade” e traçando questionamentos como: O que é a colonialidade? E como ela
opera? Que diferenças existem entre o colonialismo e a colonialidade? Que pontos o mito da modernidade
encontra para tentar ocultar ou justificar a colonialidade?
Capítulo 1. Epistemicídio 5

CAPÍTULO 1. EPISTEMICÍDIO

Raimundo Cirilo de Sousa Neto


Antonio Angelo Lopes Alves

Olá, pessoal, eu sou o Cirilo de Sousa Neto, bolsista do Programa de Educação Tutorial, PET-Psicologia
e hoje eu venho apresentar e abrir o nosso mais novo projeto que é o “Vozes negras importam: uma ação fora da
grade”. Então, nas próximas semanas nós vamos estar fazendo uma série de postagens, de vídeos produzidos por
convidades bem especiais - estudantes, professores, profissionais e artistas - sobre temas que fazem com que a
Psicologia seja tensionada diretamente sobre o racismo, a colonialidade e a branquitude que são marcas tão
importantes, tão nocivas na constituição social e subjetiva do Brasil.
Entendemos que é impossível uma Psicologia que fecha os olhos às marcas sociais e subjetivas que o
racismo deixa em corpos não brancos, por isso, aproveitamos o momento de intensas movimentações antirracistas
em todo mundo, e sem negar que essa luta acontece desde muito tempo em cada ato de resistência e recusa.
Amplificamos vozes sistematicamente silenciadas, vozes negras, vozes mulheres, vozes bichas, vozes originárias,
latino-americanas, vozes que importam.
Primeiramente, é importante entender como essas vozes foram sistematicamente silenciadas através da
história pelos mecanismos de poder da branquitude. É necessário que a gente faça alguns questionamentos
básicos, por exemplo, por que nós não estudamos autoras ou autores negros na universidade? Por que os nossos
cânones de conhecimento são quase que exclusivamente formados por homens brancos europeus ou norte-
americanos, heterossexuais e burgueses? Será que só esses sujeitos são capazes de produzir um conhecimento
dito válido? O que se esconde por trás de uma certa e propensa neutralidade científica? Será que nenhuma
produção científica, tecnológica ou filosófica vem de países não europeus como a África ou América do Sul? Ou
de corpos que habitam esses territórios?
Para entender um pouco esse processo a gente pode pensar junto com a filósofa, escritora e ativista Sueli
Carneiro que, apoiada no trabalho de Boaventura de Sousa Santos, vai chamar esse contexto de apagamento de
narrativas, silenciamento e negação a fala e ao acesso aos espaços de conhecimento de Epistemicídio. Segundo
Carneiro (2005), um constituinte do dispositivo de racialidade biopoder funciona como um dos instrumentos mais
eficazes da dominação étnico-racial, pela negação da legitimidade das formas de conhecimento produzido pelos
grupos dominados e consequentemente de seus membros enquanto sujeitos de conhecimento. Ainda segundo a
autora o Epistemicídio, vai funcionar através de uma produção persistente da pobreza cultural e científica e da
inferiorização intelectual pela sistemática negação de acesso à educação de qualidade e por mecanismos de
deslegitimação do negro como produtor de conhecimento. (CARNEIRO, 2005)
Capítulo 1. Epistemicídio 6

A gente tem que entender como tudo isso está atrelado aos processos coloniais de produção de uma
subalternidade ontológica. O que é “subalternidade ontológica”? Então, desde a aventura colonial, levado a cabo
pela Europa, que resultou no sequestro, saqueamento, estupro e violação de territórios e corpos não europeus,
toda uma epistemologia, toda uma operação lógica foi construída para colocar a Europa como modelo universal,
um lugar de iluminação política e intelectual, de racionalidade pura. No mesmo movimento, tudo aquilo que não
é europeu, ou seja, que está na África, que está na América do Sul ou que está nos países do Oriente, foi jogado
no campo do irracional, do animalesco, do mágico, do bárbaro, do violento, do primitivo, foi uma espécie de um
duplo movimento: de um lado a afirmação branca e do outro a negação do negro.
Precisamos ter em vista também o papel que a academia desempenha na reprodução dessas estruturas
racistas do conhecimento, por exemplo, quando privilegia autores brancos, europeus e ignora perversamente
autoras e autores negros e de povos tradicionais, ou ainda quando não garante a permanência de estudantes da
universidade, aprofundando ainda mais as desigualdades que já são quase obscenas no nosso país.
É preciso garantir uma universidade democrática onde todos os saberes possam ser levados em conta,
onde todos os corpos possam produzir conhecimento, conhecimentos pretos, tradicionais, conhecimentos bichas,
uma universidade que produz vida e não que reproduz estruturas de mortificação científica e tecnológica.
Capítulo 2. Decolonialidade 7

CAPÍTULO 2. DECOLONIALIDADE

Eduardo Oliveira Miranda

Olá, querides, espero que esteja tudo bem com vocês. Eu sou o professor Eduardo Miranda da
Universidade Estadual de Feira de Santana, interior da Bahia, há mais ou menos 1 hora e 20, 1 hora e 30 minutos
da capital baiana, que é Salvador. E eu fui convidado pelo PET Psicologia da Universidade Federal do Ceará pra
ter um diálogo com vocês sobre essa perspectiva decolonial, um diálogo bem embrionário, porque é um tempo
mais curto, uma plataforma que não temos muito tempo pra dialogar, a gente não consegue trocar muito, mas
vamos lá tentar dialogar um pouco sobre essa perspectiva decolonial. E eu sou pesquisador do grupo de pesquisa
“Corpo-Território decolonial”, que fica situado na mesma instituição da qual eu faço parte, que é a Universidade
Estadual de Feira de Santana, onde eu trabalho com a formação de professores e professoras, e tenho buscado
também em toda essa formação, fazer um trânsito, fazer um diálogo pelas perspectivas decoloniais.
Quando a gente começa a discutir a decolonialidade, vem uma série de curiosidades das pessoas, primeiro
porque elas acham que o termo tá escrito de uma forma equivocada, muita gente fica na dúvida se é um (de) ou
se é um (des)colonialidade, o que se está mesmo querendo dizer com esse jogo, se tem um s ou se não tem, mas
isso vamos guardar um pouco mais pra frente. Quero fazer um convite para vocês de olhar para essa imagem que
está projetada na tela, que é um mapa da América do Sul de cabeça pra baixo. Ela tem ganhado muita visibilidade
de uns 3 anos pra cá, em alguns países da América do Sul, se você circula você encontra essa imagem em escolas,
universidades, hotéis e praças públicas. Muitas pessoas utilizam essa imagem para justamente colocar a América
do Sul num plano invertido. Aí, eu faço até um jogo e uma brincadeira e pergunto às pessoas: “quantas vezes
você já ouviu falar que você precisa dar um norte na sua vida, que você precisa nortear a sua vida? Ou, às vezes,
quando estamos escrevendo algum projeto, alguma coisa na academia e aí colocamos: “para nortear a construção
desse conhecimento”, “para nortear a escrita desse texto”. Esse norte é geopolítico, é um norte de relações de
poder. Se você pega um mapa tradicional, onde o imperalismo americano e a Europa estão no norte do globo
terrestre, que é um norte inventado também, pois, quem determina quem está acima ou abaixo do mapa? Isso é
uma convenção, uma construção histórica.
Capítulo 2. Decolonialidade 8

Figura 1 - A América Invertida de Joaquim Torres Garcia (1943)

Fonte: Google Imagens

A decolonialidade vem justamente tensionando essa construção onde o imperialismo sempre vai estar
acima, pois eles estão no norte, onde é a produção do conhecimento, e nós, que estamos abaixo da linha do
Equador, somos o sul da produção do conhecimento, como Santos e Meneses (2010) colocam, que em diversas
partes do mundo do norte, nós que estamos no Sul, somos compreendidos como a periferia da produção da
existência, a periferia da produção do conhecimento. Quando Joaquim Torres Garcia produz esse mapa, inverte
essa lógica, coloca a América do Sul como um plano invertido geopoliticamente, ele está tensionando o fato de
que o norte da nossa vida tem que ser o nosso próprio sul. As próprias epistemologias é que dão base pro que
compreendemos como a América do Sul. E pra termos noção de quais são essas epistemologias, é que entra a
decolonialidade. A decolonialidade entra nesse processo porque ela se constitui a partir de 1997, 1998, por aí,
com um grupo de pesquisadores latino-americanos, que inclui Henrique Dussel, Catarina Walsh, Walter Mignolo,
Aníbal Quijano e tantos outros homens e pouquíssimas mulheres, vale ressaltar, sendo uma das mulheres que
mais tem destaque, Catarina Walsh. Eles se articulam em universidades latino-americanas como Peru, México,
Uruguai, Argentina, enfim, diversas contribuições que se distribuem nesses diversos países da América Latina
como um todo, e também da América do Norte pois alguns já estavam situados nos Estados Unidos.
A proposição da decolonialidade era justamente construir um eixo e um princípio de investigação que
abarcasse uma categoria básica que é colonialidade do poder, do ser e do saber. Existiu também naquele período
um grupo muito forte que era o dos “pós-coloniais”, que ainda existem e tiveram sua base construída na Índia,
com alguns pesquisadores específicos daquela localidade, entre eles podemos citar Spivak, Homi Bhabha, entre
outros teóricos. O que chama a atenção é que o pós-colonialismo teve a sua fundação na Índia, e o problema de
utilizar a pós-colonialidade na América Latina é que a colonização na Índia teve uma estrutura e formatação
Capítulo 2. Decolonialidade 9

diferente da colonização das Américas, por isso que, escrever a partir de um repertório teórico importado de uma
outra localidade para compreender as relações sociais, econômicas, políticas e educacionais na América Latina,
é como se pegássemos mais uma vez um conceito alienígena criado por alguém que não viveu, não reconhece e
não se debruça sobre as realidades que acontecem na América Latina, e a gente tentasse mais uma vez inserir um
conceito, uma perspectiva teórica para tentar compreender a construção histórica da América Latina.
O grupo constituído de pesquisadores latino-americanos se denominaram de
“modernidade/colonialidade”, nisso tiveram a preocupação de estudar a subalternização dentro da América
Latina, possuindo um aparato teórico criado e sistematizado por pesquisadores latino-americanos. O grupo não
desmerece ou desqualifica o que foi produzido pela pós-colonialidade; se trata de não substituir a teoria europeia,
eurocentrada, por uma teoria produzida em outra parte do mundo para tentar compreender realidades específicas,
contextos específicos da colonização na América Latina. Vale ressaltar que a colonização mais forte se deu na
América Latina, se deu através dos espanhóis e portugueses. Se pensamos na América Latina, ela foi quase toda
constituída por uma colonização espanhola. Pensar na questão da colonização fez o grupo pensar não mais no
colonialismo, mas sim na colonialidade. A distinção entre colonialismo e colonialidade se deve ao fato de que o
colonialismo se deu até o momento em que a América Latina ainda era uma colônia administrada por países
europeus, e a partir do momento em que essas colônias começaram a reivindicar sua independência e a Europa
começou timidamente, e por muita pressão - pois não podemos esquecer que por mais que tenham sido 500, 600
anos de exploração e colonização, sempre aconteceram resistências, sempre aconteceram insurgências, pois se
não acabamos invisibilizando e apagando as potências de resistências dos grupos e dos povos originários, e
também dos povos que foram escravizados a partir das diásporas africanas.
Quando a gente pensa colonialismo, o colonialismo ele se aplica até o momento em que a América Latina
ainda era colônia de extrativismo, de produção de todo tipo de mercadorias que davam lucros aos países europeus.
Com o rompimento dessas colônias - rompimento, vale se dizer né, apenas administrativo - e com a
independência desses países, o colonialismo teoricamente, ele deixa de existir, só que a sua articulação para a
produção das existências, para a produção das intersubjetividades dessas pessoas ainda existe e com muita força
até os dias atuais. Então o colonialismo, ele passou a ser substituído pela colonialidade.
A colonialidade, ela tem alguns marcadores específicos, mas eu vou tentar abordar alguns deles com vocês
aqui hoje. Um desses marcadores específicos da colonialidade é a sustentação, através do capitalismo. Só que o
capitalismo na América Latina, pegando o contexto da América Latina, ele não trabalha sozinho. O Capital, ele
está intimamente relacionado à questão racial. Então o capitalismo, ele só existe na América Latina, no formato
que ele existe, porque ele é uma ideologia, uma estrutura que se beneficia da exploração racial, tanto dos
descendentes dos grupos originários, que já existiam e que são os verdadeiros donos da América Latina, quanto
à exploração da existência dos grupos das etnias e dos grupos civilizatórios africanos que foram forçadamente
retirados seus territórios na África e colocados para serem mão de obra em países da América Latina.
Capítulo 2. Decolonialidade 10

Então, a colonialidade se baseia nesse processo de Capitalismo + Raça, intrínsecos, imbricados, mas
também tem uma outra questão que, não é que seja a consequência, mas que está intimamente relacionado com
essa outra que eu falei, que é a produção das intersubjetividades. O que seria essa produção dessas
intersubjetividades dentro do processo da colonialidade, que é um filho ou uma filha, um legado do colonialismo?
Então, essa produção dessa intersubjetividade está pautada em uma constituição teórica, mas também muito da
práxis, que até o pesquisador Grosfoguel - aqui fica mais uma sugestão de bibliografia para vocês. Ele é muito
preciso quando demarca que a colonialidade, que vem do colonialismo, deixa um legado, que ele chama de um
legado da presença de um homem que é um homem branco, cis, hétero, cristão e que, como eu falei anteriormente,
tem uma relação muito intrínseca com as opressões que são as marcas do capitalismo e das relações de
sexualidade e gênero (QUIJANO, 2007).
Então, pensar essa construção desse sistema mundo, que também é outra categoria que é utilizada dentro
da colonialidade, que é o sistema mundo de produção da América Latina, a gente só consegue compreender
quando a gente começa a tensionar e ressignificar o nosso olhar para toda construção social que está ao nosso
redor. Então, se eu tô conversando nesse exato momento com futuros e futuras psicólogos e psicólogas através
do PET, mas também estou aqui dialogando com psicólogas e psicólogos que já estão exercendo a função, que já
estão exercendo a sua profissionalização, dentro de uma constituição latino-americana, vocês atendem grupos
que foram e que são constituídos por uma bagagem civilizatória que nem sempre abarca as suas ancestralidades.
Quando eu trago ancestralidade, eu e um grupo de brasileiros, quando a gente traz essa questão da
ancestralidade para dentro da decolonialidade, nós estamos demarcando e exigindo mesmo dentro do sistema da
colonialidade, da decolonialidade precisamente, que não tem como a gente discutir a realidade do nosso povo se
a gente não pauta, para além do capitalismo, para além das questões raciais, as questões da ancestralidade, por
que a ancestralidade, na nossa concepção, não é o que ficou perdido lá no tempo, não é o que ficou estático, não
é o que aconteceu. Se eu, neste exato momento, estou dialogando com vocês, estou tendo essa oportunidade, é
porque estou representando aqui uma variedade incrível de ancestralidades, porque ancestralidade é o que dá o
movimento e a existência desse exato momento aqui no nosso corpo. Então, se hoje eu na condição que tenho,
com os marcadores que possuo estou aqui conversando com vocês, é porque eu trago comigo uma ancestralidade.
E fica uma pergunta para vocês: de que forma a formação de psicólogos e psicólogas, estão se constituindo, se
forjando, ou se reconstituindo para abarcar as ancestralidades dos povos indígenas, dos povos ciganos, dos povos
negros, das condutas ou das práticas não heteronormativas, das ancestralidades travestis, das ancestralidades
transexuais?
Então, pensar tudo isso é perspectivar uma ruptura dentro de uma constituição civilizatória que tende, a
todo tempo, ser forjada no padrão de corporeidade que na vida cotidiana da gente, para além dos muros da
universidade, para além das páginas dos livros, não atende essas demandas, porque o nosso corpo, pensando
ancestralidade, não é um corpo que é fabricado para atender a um sistema, por mais que o sistema se imponha,
Capítulo 2. Decolonialidade 11

por mais que o sistema exija da gente uma fabricação de corpos dóceis, de corpos controlados pela rigidez do
sistema do capital, nós temos uma centralidade viva. Então, quando a gente está pensando a perspectiva que eu
venho escrevendo com uma amiga, colega que também é coordenadora do nosso grupo de pesquisa, que é a
professora Marta Alencar, nós estamos nesse exato momento, há alguns meses já, sistematizando a
decolonialidade afro-brasileira, que ela está pautada, para além de tantas outras questões e marcos civilizatórios,
nós estamos pautando a constituição de um corpo-território que tem o princípio ancestral, que aí precisa
compreender qual é a ancestralidade desse corpo. Só que a colonialidade é tão fortalecida pelo neoliberalismo,
que o neoliberalismo é um sistema de apagamento, de negligências, é um sistema de epistemicídios, como pauta
(Carneiro, 2005). Então, se é um sistema de epistemicídio, não tem a possibilidade de existências e de
provocações que estão para além do que é formatado na moralidade hétero, patriarcal e cristão.
Então pessoal, escolher transitar pela decolonialidade é escolher um caminho de provocar fissuras,
rupturas, conflitos. Não é uma zona de estabilidade, muito pelo contrário, nós estamos o tempo todo tendo que
ter a consciência de que este Eduardo que está conversando aqui com vocês nesse exato momento, foi forjado
dentro de uma concepção de homem, de sociedade, e que o tempo todo eu tenho que estar pensando como eu
posso decolonizar esse corpo-território que tá aqui dialogando com vocês. Não é um processo fácil, é um processo
intersubjetivo, é um processo que requer uma ressignificação através de um exercício mesmo psicológico, então,
eu volto a dizer, de que forma nós estamos pensando a profissionalização dos novos ou dos atuais psicólogos e
psicólogas, que abarque também essa ruptura das normas de se pensar de se fazer os atendimentos psicológicos,
de fazer as consultas psicológicas. Então, será que nós estamos perspectivando outras formas ou quem sabe até
uma psicologia decolonial? Fica aí as provocações, né?!
E já chegando nos momentos finais do nosso diálogo, como eu falei, é um diálogo embrionário porque a
gente não tem muito tempo pra pensar a decolonialidade, ela é uma perspectiva contra-hegemônica. Por que ela
é contra-hegemônica? Porque ela foge de uma regra, ela foge de um princípio, de um princípio neoliberal,
capitalista, racial, e ela exige a humanização de corpos que historicamente não tiveram o direito a serem
compreendidos como seres humanos. Então, a decolonialidade ela não aceita a objetificação dos corpos, ela não
aceita a hierarquia entre grupos humanos, ela não aceita a exploração e a rivalidade e o conflito e os laços do
processo de racialização das civilizações.
Então, tudo isso vai ter rebatimento sim, nas construções desses povos e desses outros corpos e dessas
outras existências. E aquela provocação que eu fiz no início para vocês, se é decolonial ou se é descolonial, a
professora Catarina - que é outra referência que eu deixo para vocês da decolonialidade - ela chamou a atenção
que, o descolonial com s, descolonial, é um processo que subentende-se que nós já ultrapassamos a colonialidade,
então nós estamos criando algo novo, nós já conseguimos ultrapassar a colonialidade e agora a gente vai criar
algo que é supostamente inédito (Walsh, 2005). Só que o decolonial tem a certeza que nós ainda, sociedade,
formação de psicólogos, formação de professores, tudo que a gente compreende como sociedade nós ainda, no
Capítulo 2. Decolonialidade 12

contexto latino-americano, nós ainda estamos alimentando com muita força a colonialidade, nós ainda somos
corpos colonizados, existências colonizados, psicologias colonizadas.
Então a decolonialidade é perceber que o processo de romper com esse sistema ele começa onde? Ele
começa dentro de cada um. Então a decolonialidade é um processo mesmo de constituição interna para depois
projetar para fora, só que essa constituição interna, que é o que eu trabalhei na minha tese e que eu venho
trabalhando também que a construção desse corpo território que eu tô aqui dialogando com vocês, precisou
inicialmente compreender que é um corpo colonizado, isso é uma constituição interna, trabalhar essa
decolonização do corpo e depois projetar em outros espaços de socialização do conhecimento, que não é só
academia, não é só a escola, é a vida diária. Então pessoal, eu já chegando mesmo nos momentos finais, eu
agradeço novamente ao PET pelo convite, espero ter colocado algumas pimentas aí na cabeça de vocês, algumas
inquietações, e vamos exercitar a decolonialidade da nossa existência. Um axé, um abraço e um beijo a todes!
Capítulo 3. Ética e Raça 13

CAPÍTULO 3. ÉTICA E RAÇA

José Raimundo Maia Neto

Olá, gente, tudo bem? Eu sou Maia Neto, sou psicólogo formado pela UFC. Eu fui convidado pelo PET
para falar com vocês sobre “Raça, Ética e Psicologia”, então eu vou trazer algumas referências, alguns estudos
que são referências, mas também são filiações, são pensamentos que me filio pra poder falar e trazer aquilo que
vou trazer para vocês hoje. Eu já trago dizendo que esse caminho que a gente vai trilhar é um caminho que vai
ser de topadas. Vão ter assuntos que eu não vou estar tão preparado para falar com vocês, têm assuntos que eu
vou estar mais embasado e vão ter assuntos que não vão ter respostas, mas de qualquer maneira “Raça, Ética e
Psicologia” são assuntos muito complexos, que merecem, na verdade, mais que um vídeo curto. Eu vou tentar
traçar caminhos junto com vocês, como uma caminhada mesmo, então, essa metáfora eu queria trazer de começo.
Primeiro, Raça. Eu queria saber muito de vocês, o que vocês pensam em relação à raça. “Raça” pode ser
compreendido enquanto a raça humana, “raça” enquanto diferenciação entre grupos. Eu vou trazer para vocês o
caminho que é também levantado por uma referência minha, que é, gente, Janderson Silva, da UFC, do
NUCEPEC [Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança], formado em 2003. Então, na monografia
dele, ele vai falar sobre as Teorias Raciais e como isso vai moldar o pensamento que a gente tem sobre o
psiquismo do brasileiro. É uma monografia muito, muito boa, e o Janderson vai ajudar a gente a pensar, por
exemplo, a ciência na ética e na epistemologia. Apesar de eu falar sobre raça, eu vou tá falando sobre vários
assuntos.
Então, Raça, mesmo tendo algumas diferenciações entre autores de como surgiu primeiro ou para que o
termo que foi utilizado, ela vem para diferenciar grupos, especialmente diferenciar, subalternizar um grupo.
Então, Raça é um conceito que, na verdade, ele é muito implicado eticamente, é implicado politicamente. É um
conceito que envolve manejo de vida, que envolve exploração e que envolve colonialidade. Eu tô lembrando
agora, mas não sei referenciar, mas existiam museus etnográficos ou enológicos, que eram museus do começo do
século XX em que algumas populações de algumas sociedades africanas eram colocadas ali para serem vistas
como animais de zoológico.
Então, Raça é usada para dizer isso: a raça é o outro. Então quando eu falo sobre o outro, eu lembro muito
de Fanon. Frantz Fanon foi um psiquiatra, que tem uma colaboração muito boa nas Teorias Raciais - e eu tô
fazendo referência a um livro dele chamado Pele Negra, Máscaras Brancas (2006). Ele vai dizer assim “o negro
não é um homem” (FANON, 2006, p. 26). Ele se utiliza disso pra dizer que o homem negro perde o estatuto de
humanidade, eternamente negro. “Negro” enquanto aquele que é apontado para uma sociedade, para uma
estrutura, para um grupo, de que ele não é um homem, ele é um homem negro, somente. Habitar uma negritude
Capítulo 3. Ética e Raça 14

ou habitar uma questão racializada também pode ser habitar uma desumanização. Então, isso também é revisto
nos movimentos negros, nos movimentos feministas, que aí já é outro assunto. De qualquer maneira, Raça vem
para dar um vocabulário de subalternização, ela vem para dizer que existe “a raça negra”, que existem grupos
asiáticos, que existem sociedades indígenas. Ou seja, ela vem para dizer que existe o outro, mas, na verdade, ela
está invisibilizando o grande grupo que vai poder narrar e dizer isso.
Raça é, na verdade, para falar sobre branquitude, aquele que nomeia, uma estrutura que nomeia. E tem
um procedimento que é muito interessante das branquitudes, e aqui eu já estou falando de uma outra referência
que é da Iray Carone e da Maria Aparecida Bento, é que eu estou como livro aqui, mas ele vai ficar espelhado se
eu mostrar pra vocês, que é chamado Psicologia Social do Racismo (2017). Elas vão narrar sobre as branquitudes
e as branquidades por um conceito chamado “pacto narcísico”. Pacto narcísico, ele veio para dizer que as pessoas
brancas têm alguma ciência do impacto racial, mas não se implicam enquanto participantes dessas desigualdades
(CARONE & BENTO, 2017).
Se a gente fosse pensar numa cena, como se fosse o racismo, haveria uma vítima, as pessoas negras,
tivessem acontecimentos [racismos], mas nunca existe quem comete esses atos ou quem se beneficia
esteticamente, simbolicamente e materialmente [as pessoas brancas], então isso não existe ou não é visibilizado.
Um processo que a gente pode fazer é nomear a norma. Nomear e dizer “branquitude”. E aqui eu já vou falar de
uma Ética, Ética da Psicologia. Nomear a norma é perguntar, por exemplo, qual é a raça, quais são os dilemas,
as questões e as possíveis respostas que as nossas referências psicológicas dão às questões raciais. Eu posso mais
ou menos dizer que as referências, o que elas têm em comum, é que elas são europeias ou norte-americanas,
brancas e homens. Então, que questões, que dilemas e que respostas esses autores e essas teorias conseguem dar.
A gente está fazendo um translado também que algumas questões nossas não fazem tanto sentido, algumas
respostas que eles dão não dão muito sentido aqui.
Pensar sobre Raça e Ética é pensar como é formado o nosso corpo docente agora de você da UFC ou você
de qualquer outra universidade. “Quem são as pessoas negras que fazem parte desse corpo docente?”, também
estou falando sobre Ética, sobre epistemologia, sobre aquilo que é válido enquanto conhecimento, enquanto quem
produz. Eu tô falando sobre os nossos alunos: quem são os alunos negros do nosso curso? Quais são as temáticas
dos nossos laboratórios de pesquisa? Raça é mais do que o recorte temático. Aliás, Raça não é recorte temático,
é a nossa linguagem, como a gente se estrutura enquanto pessoa, é aquilo quando a gente está, por exemplo,
pensando em “por que eu tô falando português?”. Isso já é uma questão racial. Por que a maioria da população
brasileira é negra, mas isso não é correspondente nas Universidades? Ou quais são as questões da negritude aqui
no Ceará ou aqui em Fortaleza? São outras questões que englobam outras questões. Então, é pensar também se
as pessoas negras são maioria que compõem um grupo de risco - a gente está num país que é violentamente negro,
um país que Veiga (2019), que é um psicólogo junguiano, vai dizer que é um “país antinegro”. Quais são os
impactos disso na saúde mental? E aqui eu trago uma questão que é muito pessoal: se a gente está num país
Capítulo 3. Ética e Raça 15

antinegro, como é que a gente cuida dessas pessoas se elas não chegam na clínica? Qual o nosso trabalho diante
disso? E aqui eu também estou falando de Ética, estou falando de Epistemologia, estou falando de Estética
enquanto validade estética.
Esse é o caminho que queria oferecer a vocês hoje. Recomendo também a leitura da minha monografia
chamada “Eu não estou aqui”: texto testemunho para Psicologias anti-racistas”, (NETO, 2019). Nela eu vou
conseguir falar sobre esses assuntos de maneira mais pormenorizada, mas principalmente sobre a minha
experiência enquanto aluno de Psicologia, principalmente da Universidade Federal do Ceará. Esse também é um
convite. Então, é isso, gente. De novo, PET [Programa de Educação Tutorial da Psicologia], muito obrigado pelo
convite. Obrigado!
Capítulo 4. Ética e Clínica 16

CAPÍTULO 4. ÉTICA E CLÍNICA

Tauanaira Nogueira de Morais

Olá, meu nome é Tauanaiara Nogueira. Eu sou psicóloga especialista em Saúde Mental Coletiva na
modalidade Residência e pesquisadora sobre saúde quilombola e saúde da população negra. O PET Psicologia
me convidou para conversar com vocês sobre questões raciais e impactos na clínica, a partir também de uma
compreensão do racismo e outras questões. É um tema de imensa relevância e eu quero agradecer o PET pelo
convite. Irei focar principalmente no contexto clínico, abordando algumas questões que dizem respeito ao
contexto social, mas também a essa relação que se constitui a partir do encontro na clínica que se dá muitas vezes
entre dois sujeitos, um psicólogo, um psicoterapeuta, um analista e uma pessoa que busca cuidado.
Para começar, uma das questões colocadas foi como abordar uma ética de cuidado com pessoas negras
no contexto clínico. Antes de tudo, a gente precisa compreender o racismo como um fenômeno profundo e
estruturante da nossa sociedade. Não é à toa que existe uma compreensão do racismo enquanto racismo estrutural,
ou seja, é uma questão que atravessa diversas dimensões da vida e a própria forma como a sociedade se constituiu.
O racismo está na base, na própria estrutura de como as relações são tecidas, de como algumas formas de produção
e de reprodução da vida vão acontecendo na sociedade. O contexto brasileiro tem suas particularidades quanto à
experiência do racismo, assim como os lugares do mundo vão ter outras características.
Falando sobre a questão da ética de cuidado no contexto da Clínica, eu acho que uma das questões
principais é a gente ter uma compreensão mais aprofundada do racismo. Infelizmente, nas graduações de
psicologia e de outros cursos, no contexto acadêmico, o racismo ainda é um tema que não tem tanta visibilidade
assim, não é tão debatido, não é tão proposto nas ementas, apesar de ser um tema que é transversal a muitos outros
temas que interessam à psicologia e que muitas vezes estão presentes nas ementas. Alguns exemplos: o racismo
atravessa as políticas públicas em saúde, atravessa as práticas em saúde, atravessa a vivência da cidade, atravessa
a vivência de território, atravessa o acesso à educação e ao trabalho. Entre muitas outras questões que poderia
trazer, inclusive acesso à lazer e acesso à memória. Porque temos também uma compreensão de que a história
que é escolhida para ser contada e ser repassada adiante nos vários espaços sociais, não é a história do Povo afro-
brasileiro, a história do povo africano em diáspora e logo eu vou explicar o que seria o povo africano em diáspora.
O primeiro ponto que eu acho importante ter em mente é isso: que o racismo é um processo profundo e
que precisamos aprofundar nossos estudos também em relação a ele, de uma forma dinâmica, entendendo que ele
se reatualiza, se ressignifica, e exige uma implicação de fato com isso, que diz respeito também a possibilidade
de transformação social, a uma possibilidade de prática psicológica que seja contra-hegemônica também. Um
segundo ponto que é muito importante é termos em mente também que a própria psicologia como um campo de
Capítulo 4. Ética e Clínica 17

produção de conhecimento é epistemicamente atravessada pelo eurocentrismo e pela negação de algumas


culturas, de algumas possibilidades, de outros olhares sobre os fenômenos da vida.
Se você for estudante de psicologia ou psicóloga e parar para pensar sobre os autores e autoras que você
estudou durante a faculdade, em sua grande maioria, você vai perceber que os cânones da psicologia são homens
brancos e que viviam em contexto europeu. Isso quer dizer que pessoas negras não produziram sobre a psicologia,
não produziram sobre as outras áreas de conhecimento? Não, isso não é uma verdade, a população negra vem
produzindo há muito tempo nas mais diversas áreas e tem produzido coisas muito importantes que, às vezes, são
estudadas por autores brancos que refazem, reformulam e pegam elementos para fazer sua própria teoria, sua
própria abordagem, sua própria possibilidade de olhar a partir de elementos que são de culturas africanas ou de
culturas indígenas, e nem sempre dão o devido crédito no sentido de dizer “olha, essa referência vem daqui”.
Justamente porque existe um contexto global e ocidental de apagamento das culturas africanas, das culturas
negras e das culturas que não estão naquele eixo Europa-Estados Unidos.
Outro ponto que eu queria trazer também a partir das provocações que o PET me trouxe foi sobre esse
encontro do psicólogo com um paciente negro na clínica. Em duas perspectivas: quando o psicólogo é branco e
chega um paciente negro e quando o psicólogo é negro e lhe chega uma pessoa negra em busca de cuidado. Eu
acredito que a possibilidade de um cuidado que acontece na clínica se dando entre um psicólogo branco e uma
pessoa negra tem algumas questões que precisam ser discutidas. É necessária uma implicação do psicólogo branco
em compreender os fenômenos que dizem respeito ao racismo e a vivência de uma pessoa negra no seu contexto,
que tem a ver com as formas como as tramas raciais vão se dando e isso, como já trouxe aqui, vai variando de
lugar para lugar. Primeiro é se ater ao seu contexto e perceber de que forma o racismo vai atravessando as
vivências variadas das pessoas negras. Porque um psicólogo branco, por ser uma pessoa branca, não vai ter a
experiência e a vivência de uma pessoa negra dessa estrutura racista, ele vai ter uma outra perspectiva e isso traz
muitas vezes algumas dificuldades na clínica. Já ouvi alguns relatos de pessoas negras acerca dessas dificuldades
de acessar de fato esse acolhimento na clínica porque o psicólogo branco não entendia muito bem ou achava que
a pessoa estava exagerando, estava se sentindo perseguida demais por questões que diziam respeito ao racismo.
Outra questão que eu queria trazer é que existem populações que são racializadas e existem populações
que não são racializadas. As populações racializadas são a população negra, a população indígena, a gente pode
trazer outras populações também, mas vamos nos prender a essas duas. Existe toda uma leitura social do que é a
população negra e do que é uma pessoa negra, assim como uma pessoa indígena. Existe uma compreensão de
que uma pessoa indígena, para que ela seja indígena, tem que praticar certos rituais, tem que ter determinadas
características, tem que ter um apego a certos tipos de elementos e com a pessoa negra também existem uma série
de estereótipos ou de percepções sobre o que ela é. A pessoa negra, por exemplo, tem que sambar ou tem que
saber jogar capoeira, é uma pessoa que muitas vezes é colocada por várias instituições no perfil de criminalidade,
é colocada nesse lugar também de uma pessoa que não vai ter acesso a possibilidades econômicas mais elevadas.
Capítulo 4. Ética e Clínica 18

Até o acesso ao trabalho é negado às pessoas negras pela questão do racismo, por ter aquela velha história que se
fala: “nós queremos alguém com boa aparência”. O que é a boa aparência na sociedade racista? Então, tem essa
questão das populações que são racializadas, mas se você for partir para a população branca, dificilmente você
vai achar elementos que vão colocá-las neste lugar também de uma população que é racializada.
Você não escuta falar “todo branco é assim”, “você, pessoa branca, o que acha dessa fala de outra pessoa
branca?”. São situações inimagináveis, mas que acontecem com pessoas negras. Porque existe uma compreensão
de que pessoas negras têm que responder por um todo. Como se a população negra fosse uma massa sem divisões,
uma massa que um representa a todos, que um significa todos e isso traz um efeito de compreensão de que pessoas
negras não tem a sua individualidade e muitas vezes podem estar completamente em desacordo com outra pessoa
negra.
E isso acontece porque também há uma certa negação de estatuto de humanidade, isso a gente pode
perceber facilmente quando nem todo mundo empatiza quando vê uma pessoa negra que foi assassinada pela
polícia. Muitas vezes o pensamento que vem, e isso é fácil de encontrar nas redes sociais, a gente tem acesso a
esse tipo de comentário, é: “mas o que a pessoa estava fazendo? Por que isso aconteceu com ela?” Mesmo que
seja uma criança negra, mesmo que seja um adolescente ainda, coisas que se você for pensar em situações que
perpassam a vivência de pessoas brancas vai perceber que funcionam de outro modo. Existe uma capacidade
maior da população de se empatizar quando uma pessoa branca é assassinada por exemplo. Isso traz a
compreensão de que a pessoa negra é menos humana, de que ela tem menos direito a existir, menos direito a viver
com qualidade. Como se ao branco fosse reservado esse lugar de possibilidades, uma pessoa branca poderia ser
o que ela quisesse, poderia ter a profissão que ela quiser, não é deslegitimada nos espaços que ela frequenta de
maior acesso econômico, tem certos privilégios.
Voltando para a questão do psicólogo branco atendendo uma pessoa negra na clínica, é importante que o
psicólogo branco esteja atento para o que ele representa enquanto pessoa branca para essa pessoa negra, o que
ele pode representar. E acho que um conceito muito importante para as pessoas brancas se compreenderem na
dinâmica das relações raciais, da forma que se dão no Brasil, é o conceito de branquitude.
Esse conceito é trabalhado por algumas autoras na psicologia, e um livro para quem quiser se aprofundar
no conceito é Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (2017) que
tem como organizadoras Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (CARONE & BENTO, 2017). Em relação
ao encontro entre o psicólogo negro e uma pessoa negra que busca na clínica um Espaço de cuidado, creio que é
um encontro que traz possibilidades de reinvenção, pelo próprio fato de serem pessoas que muitas vezes vão se
identificar em algumas vivências. O Lucas Veiga, um psicólogo que trata muito sobre questões raciais e pesquisa
“Psicologia Preta” - inclusive dá curso sobre isso se você quiser acompanhar, conhecer um pouco mais sobre
psicologia preta -, fala que esse encontro entre um psicólogo negro e uma pessoa negra que chega na clínica é um
encontro que produz pertencimento.
Capítulo 4. Ética e Clínica 19

Voltando para a ideia de população em diáspora, Veiga (2019) traz também que as pessoas de origem
africana que fizeram esse movimento diaspórico, de serem retiradas de seu continente de origem, do território de
origem e trazidas para o Brasil no processo de escravização, se viram em um contexto de completa desfiliação e
desterritorialização. Elas traziam consigo as referências culturais, de si e de seu povo, mas ao mesmo tempo se
depararam com essa cultura opressora, com a escravização e com vários outros processos que produziram um
sentimento de não-pertencimento, o que faz muito sentido já que a pessoa foi arrancada do local de origem contra
a própria vontade. Esse sentimento de não pertencimento, essa sensação de não estar no lugar que parecia ter sido
pensado para si, essa vivência de exclusão, pode-se dizer que atravessa a experiência das pessoas negras até hoje.
Nós somos excluídos de alguns espaços e isso varia de pessoa para pessoa a partir de outros elementos como
classe social, como gênero.
Acredito que esse encontro pode proporcionar uma sensação de maior pertencimento, de identificação, a
possibilidade da construção de uma relação que se dê por uma via que seja de ressignificar, de reconstruir laços,
de ver para si também um lugar de acolhimento, um lugar do qual você possa se apropriar, e isso é muito rico e
muito possibilitador de reinvenções, de criatividade e outras possibilidades para a clínica também.
E aí, por último, o PET me colocou um questionamento sobre qual seria o lugar da clínica ou quais seriam
as possibilidades da clínica nesse encontro com essas subjetividades que são tão marcadas pelo racismo e eu
acredito que alguns elementos já foram trazidos, mas eu queria retomar. Primeiro, é a clínica se repensar em
vários aspectos e isso vai exigir muitas vezes algumas pequenas e grandes rupturas e a abertura para se pensar
outras possibilidades, já que a clínica, como a gente trouxe, ela é muito demarcada por referenciais europeus ou
por referenciais que nem sempre se propõe a pensar sobre a subjetividade das pessoas negras, das pessoas
indígenas eu acredito que é realmente um processo de recosturar a clínica, de repensar a clínica e criar novos
formatos, novas possibilidades.
Uma coisa que eu lembro durante a graduação de psicologia que me marcou muito é que quando a gente
falava de psicologia social a gente pensava muito num corpo que passava por leituras sociais apesar de não tratar
de racismo, na minha graduação não lembro do racismo ter sido pautada nessas disciplinas, mas sobre gênero às
vezes a gente falava, de situações de vulnerabilidade socioeconômica e, muitas vezes, era nesses espaços que a
gente conseguia perceber essas marcas que vem nesses determinantes sociais, partindo da presença do existir das
pessoas no mundo. Mas, eu sentia que na clínica isso estava em falta. Às vezes, quando se falava de corpo, vinha
o aspecto biológico, vinha algumas outras questões, mas os sofrimentos causados por esse encontro de um corpo
específico com o social e os efeitos subjetivos disso era algo que eu sentia falta e eu acho que é um bom norte
para a clínica se repensar também.
Quando a gente se propõe a pensar na cor do psicólogo que vai atender o paciente que chega ou a pessoa
que chega é também uma forma de pensar a presença do corpo na clínica. Eu espero que a clínica possa para as
pessoas negras ser também esse espaço de pequenas inovações, de pequenas e grandes rupturas, ampliação de
Capítulo 4. Ética e Clínica 20

outros espaços, de outras possibilidades. A clínica, eu acredito, que é esse lugar de poder repensar a reinvenção
de si, então eu acredito que é muito por aí que a psicologia, de alguma forma, pode contribuir, mas é isso, a
psicologia clínica tem que se abrir e se propor a repensar o seu contexto de forma mais aprofundada e algumas
implicações.
Para finalizar, eu queria deixar para vocês mais algumas referências, eu queria pontuar a importância dos
psicólogos se apropriarem do documento Relações Raciais: Referências Técnicas para a Prática da(o)
Psicóloga(o) elaborado pelo CFP e publicado em 2017. Esse documento traz, dividido em nichos, o resgate
histórico de como o racismo foi se dando a partir da colonialidade, como existem efeitos até hoje e de como a
psicologia deve se apropriar disso, deve se apropriar dessa compreensão e atuar diante disso (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2017). Além disso, eu queria retomar a indicação do Lucas Veiga, procura um
pouco sobre psicologia preta, vale a pena, oferece alguns referenciais que a gente pode se beneficiar muito.
Retomar também algumas psicólogas negras que construíram um arcabouço muito importante, trabalhos muito
interessantes, mas que acabaram não ganhando tanta visibilidade também pela questão do racismo e pela questão
de saírem um pouco de certos cânones ou de certos direcionamentos que eram colocados na academia. Da
psicanálise, nós temos duas referências bem interessantes: uma é a Virgínia Bicudo e a outra Neusa Santos Sousa.
A Neusa Santos Sousa fez um trabalho sobre o ser negro e se propõe a pensar na clínica questões que dizem
respeito da vivência social da pessoa negra e efeitos subjetivos (SOUZA, 1983). É um livro que você acha fácil
na internet. Além dessas indicações eu vou deixar mais algumas pra vocês e indicações de alguns projetos também
e quem quiser se aprofundar mais na temática pode acompanhar.
Acho interessante também a gente estar ligado nos movimentos que acontecem na cidade a partir de
perspectivas racializadas, nos movimentos negros e movimentos periféricos, nos movimentos indígenas e aí trazer
de que forma a psicologia pode contribuir também chegando junto desses movimentos de repente ofertando
espaços de cuidado. Gente é isso, queria, para finalizar, agradecer mais uma vez o convite do pet e pontuar, mais
uma vez, a importância desse debate e que bom que esse espaço foi proposto e espero que tenha gerado algumas
reflexões e também o desejo de se aprofundar nesse tema, conhecer e dar atenção pra importância desse tema não
só para o profissional de psicologia, mas para uma compreensão mais ampla de mundo e para uma possibilidade
de transformação social mais efetiva.
Capítulo 5. A vivência estudantil 21

CAPÍTULO 5. A VIVÊNCIA ESTUDANTIL


EM BUSCA DE RECONHECIMENTO E PERTENCIMENTO

Geovana Monteiro de Noronha Feitosa

Oi, meu nome é Geovana, eu sou estudante de economia do último período e vou falar um pouco sobre a
minha vivência na UFC. Eu entrei na UFC e foi apenas uma extensão do que vem acontecendo na minha vida
estudantil: ou eu era uma das únicas negras da sala ou apenas a única. No sentido representativo, isso foi algo
que me fez falta nesse período acadêmico, havia poucas pessoas negras e eu não me reconhecia, poucos
professores negros então não tinha aquele sentimento de pertencimento de um local. Mas eu entrei em economia
e você começa a estudar relações, as interações entre os agentes econômicos, e você consegue perceber que a
classe em que eu me situava sempre estava muita à margem da sociedade, com muita dificuldade para acessar
aos direitos básicos, e essa classe tinha uma cor, sabe? E com o tempo a gente vai entendendo. Isso me
incomodava bastante, mas eu não sabia pôr em palavras, eu não sabia o que era que estava me incomodando, com
o tempo a gente começa ter consciência de o quanto o racismo, como ele foi construído ao longo da história e
como isso reflete muito claramente no espaço acadêmico.
Eu tô no último período da faculdade e durante quase cinco anos eu só tive acesso a um autor negro e que
também não era economista, ele era geógrafo, que foi o Milton Santos. Milton Santos para mim foi uma grande
revelação, porque ele é um cara extremamente inteligente, uma joia brasileira que a gente não tinha consciência
do trabalho. Eu acho que o trabalho dele ainda não é tão reconhecido como ele merece, um professor super
premiado e eu tive contato com ele em um vídeo disponível no YouTube, que é sobre a globalização. Vista do
lado de cá, ele tem uma crítica muito forte a esse sistema capitalista, ele mostra os pontos negativos dessa
globalização e isso foi algo que me tocou profundamente, porque a gente começa a entender o mundo a partir das
desigualdades e esse autor realmente é um autor que me fez questionar o que todo mundo acha como um sistema
modelo de crescimento, um sistema modelo que é o capitalismo, e ele começa a mostrar aqui que não é aquilo
que se espera, não é aquilo que a sociedade acredita que seja, mostra o ponto de vista da globalização do ponto
de vista das pessoas que estão à margem da globalização (SANTOS, 2011).
E esse foi o único autor negro que eu que eu estudei nesse período de faculdade, depois de desenvolver
essa consciência social da minha classe, onde eu pertenço eu consegui me atentar mais a isso, e buscar e procurar,
ler e me conhecer, conhecer a história do meu povo que não é contada, que é ocultado dos livros de história. E
com isso participo hoje de um projeto de extensão, um projeto da UECE pela “Nuafro” que é o projeto mulheres
negras resistem, que é muito dessa formação de mulher enquanto negra, de saber o seu local, de ocupar todos os
espaços, entender a importância de saber ocupar o seu local e outros lugares da sociedade que foi negado por
Em busca de reconhecimento e pertencimento 22

muito tempo e aprender com outras mulheres negras sobre a nossa história, sobre políticas públicas e sobre
diversos assuntos que ajudam na nossa formação. Então, tive outro símbolo para mim que é a professora Vera,
que faz parte desse projeto. Hoje em dia eu faço parte dele e tô super feliz e quero seguir, seguir na vida
acadêmica, esse projeto me fez ver que eu posso chegar a um doutorado, eu posso chegar a um mestrado, apesar
de toda a dificuldade que foi chegar até aqui, eu posso chegar mais longe ainda. então, é isso, obrigada!
Capítulo 6. Somos além do que querem fazer de nós 23

CAPÍTULO 6. SOMOS ALÉM DO QUE QUEREM FAZER DE NÓS

Renan Braga Alves

A universidade, assim como qualquer tipo de instituição, faz parte da sociedade e está sujeita à toda a sua
dinâmica. E provavelmente essa é a forma mais genérica que eu poderia iniciar este texto, mas escolhi começar
assim para cumprir a seguinte função: deixar explícito que não faz sentido algum eu falar da minha vivência
dentro da universidade como uma coisa desgarrada. Eu não tenho como falar de uma experiência como coisa
destacada, ainda mais quando estou falando sobre questões que definem não só minha experiência na
universidade, mas na vida como um todo: Sou um jovem preto sobrevivendo em espaços que não foram feitos
para mim, e a própria construção deles foi feita com a exclusão de gente como eu. É a partir daqui que eu vou
seguir pelo texto, falando principalmente por dois pontos: O primeiro, que é o motivo de eu estar escrevendo
aqui, é falar sobre autores negros dentro na universidade e o meu encontro pessoal com eles dentro da grade
curricular comum do curso de psicologia da Universidade Federal do Ceará em Fortaleza; e o segundo ponto
dando uma leve tangenciada no assunto para falar sobre algo que penso ser bem relevante.
Um dos primeiros teóricos negros que eu lembro de ter lido dentro da grade comum curricular da
universidade foi o Achille Mbembe em seu ensaio sobre a Necropolítica. A versão que eu li na época foi a da n-
1, aquela verdinha de bolso que é a mais comum. Eu fui apresentado a ele na disciplina de Psicologia Social II,
bem no comecinho da graduação. E foi principalmente nessas disciplinas com o foco circunscrito em social que
teóricos negros apareceram. Foi lá que eu vi Frantz Fanon, Édouard Glissant, o próprio Achille Mbembe, Grada
Kilomba, Abdias Nascimento, Silvio de Almeida, Jota Mombaça e outras pessoas tão grandes quanto essas. Todos
esses teóricos que apareceram na grade tinham uma coisa em comum: Falar sobre raça em algum momento da
sua obra e isso ser usado como centro dela. A única vez que eu lembro de um teórico negro aparecendo na grade
comum curricular de disciplina, como texto obrigatório, que não estava falando especificamente de raça foi a
Djamila Ribeiro no texto O que é lugar de fala? (2017). O texto fez parte da disciplina “Métodos e Técnicas de
Pesquisa Qualitativa”. No texto da Djamila, que é riquíssimo, é feita citações a outras autoras como a própria
Patricia Hill Collins e a Grada Kilomba. O texto não tem como foco falar de racismos, identidade raciais e coisas
afins, mas utiliza os fenômenos para defender a tese filosófica e social sobre o lugar de fala (RIBEIRO, 2017). A
raça não está necessariamente no centro, mas obrigatoriamente precisa estar lá. E foi justamente pensando em
como esse texto se construiu que eu pensei algumas coisas que talvez sejam interessantes de externalizar aqui.
A psicologia é uma ciência extremamente nova com as configurações que a gente conhece hoje, mas
dentro dessas configurações ela é bem plural. Absolutamente qualquer coisa que envolva um organismo
complexo interagindo em um ambiente é campo para o estudo da psicologia. Então temos um campo diverso e
Capítulo 6. Somos além do que querem fazer de nós 24

novo que está germinando em muitos pontos, mas que já tem uma produção de conhecimento minimamente
consolidada em algumas áreas. E um desses conhecimentos é o comportamento social. Sem entrar muito em
explicações técnicas, uma coisa que é bem improvável de ocorrer é uma comunidade que todo mundo age de
forma igual espontaneamente sem que tenha algum tipo de coisa condicionando, como algum dispositivo
controlador que seja baseado principalmente em punição e controle social. Se essa afirmativa é verdadeira não
tem como pensar que autores negros só queiram falar sobre a experiência de ser negro ou que a sua excelência só
esteja nisso. Então como se explica que autores negros só apareçam dentro da grade curricular de uma disciplina
falando sobre a experiência de ser negro? É só sobre isso que eles falam? É só sobre isso que a gente pode falar?
Esse é o único lugar do preto dentro da universidade? Nós não produzimos só sobre isso, por mais que só sejamos
reforçados para tal. Como é que se explica que todas as áreas, conhecimentos e prateleiras de honra da psicologia
sejam compostas majoritariamente de pessoas brancas, principalmente homens?
A universidade, assim como qualquer tipo de instituição, faz parte da sociedade e está sujeita à toda sua
dinâmica. A sociedade é racista, a universidade também. Não faz sentido algum eu falar de teóricos negros dentro
da universidade como uma coisa desgarrada e desconsiderar que nela o racismo sempre foi a membrana que não
nos deixa acessar seus espaços como estudiosos e produtores de conhecimento. A universidade só é receptiva
para preto quando precisa utilizar como sujeito experimental, como objeto de estudo.
Dando uma puxada na memória e levantando um pouco a cabeça para olhar em volta pode-se chegar em
diversos pontos para explicar tudo isso. E, sendo reducionista, a maioria vai convergir em dois pontos: racismo e
epistemicídio.
O epistemicídio se constrói de diversas formas, e tem uma fase muito evidente quando se para e perceber
que o teórico negro sequer tem a oportunidade de teorizar pra outra coisa pra além do rótulo racial que a
branquitude pôs nele.
Onde está essa pretensa universalidade, se pretos e pretas não têm direito à aquisição de conhecimento e
nem de sua livre produção? Mesmo quando, apesar de tudo, conseguem comungar dessa pretensa universalidade,
somente são reforçados ao falar de como é a experiência de ser aquilo que a branquitude pôs nele. Onde está essa
universalidade?
Agora é o momento da tangente, mas ainda continuar no mesmo eixo. Quando eu fui convidado para
produzir esse material, a minha primeira reação não foi de felicidade. Eu aceitei o convite para dizer que eu não
gostaria de ter aceitado. E não me entendam mal, não é nada contra o PET, muito pelo contrário. Eu aprecio muito
o trabalho e fico muito feliz que pessoas estejam usando seu espaço para ecoar algumas vozes. Mas é que se ainda
hoje pessoas como eu precisam ser convidadas para falar de coisas como essas é sinal de que existem coisas
muito erradas. Quando um branco foi convidado para falar da experiência com autores brancos? Quando branco
fala é sobre a experiência, não tem adjetivação. Ele é o universal, o normal. Se tais questões existem nessa
magnitude dentro da universidade, é sinal de que ela não foi feita pra mim, não é pensada pra mim e não é
Capítulo 6. Somos além do que querem fazer de nós 25

desejável que eu seja parte dela. E não falo isso sendo fatalista e me conformando, falo isso para que a partir do
real possamos nos organizar e produzir o contrário.
Eu posso escrever um algoritmo que resolva problemas na tua vida e torne ela bem mais simples, e posso
ensinar sobre ele como o Hallison Paz e a Kizzy Terra fazem. Eu posso escrever músicas que te embalem em
momentos felizes e te confortem em momentos tristes, do jeito que Liniker faz. Eu posso pesquisar outras coisas
pra além da minha experiência de ser negro. Eu sou uma pessoa que estuda, que pesquisa, que escreve e sabe
falar sobre muitas outras coisas além desse rótulo racial que a branquitude pôs em mim. Nós podemos fazer outras
coisas, mas o único holofote que normalmente ilumina a gente parece não se mover, só fica ali estático e piscando.
Preto é refém de uma identidade que não compõe o que realmente é. Precisamos falar de raça diariamente por
uma questão de sobrevivência, mas precisamos existir, viver, além de sobreviver. Espero estar em outros espaços
falando de outras coisas para além disso, e que um dia não seja preciso estar em grito constante para que possamos
ter o mínimo. Espero estar vivo e vivendo outras coisas com pretos do meu lado.
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 26

CAPÍTULO 7. UNIVERSIDADE E ANTIRRACISMO

Vera Regina Rodrigues da Silva

Olá, grata ao convite que me foi feito pelo PET psicologia para estar aqui com vocês no projeto “Fora da
Grade”. Meu nome é Vera Rodrigues, sou professora de Antropologia nos cursos de bacharelado e mestrado da
Unilab - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. O tema dessa fala é o papel da
academia na luta anticolonial e antirracista. Vamos lá então. Bem, a luta anticolonial parte do reconhecimento de
uma colonialidade nas relações sociais, ou seja, algo que permaneceu na estrutura da sociedade decorrente de um
evento crítico, como foi o colonialismo. E, também, temos a luta antirracista, onde se pede um reconhecimento
do racismo estrutural que perpassa a sociedade como um todo. Ambos os reconhecimentos, ou seja, o
reconhecimento da existência e perpetuação tanto da colonialidade quanto do racismo estrutural, são frutos de
uma tomada de posição que eu enquadro como afetiva, teórica e política. Afetiva porque reconhece a humanidade
inerente a qualquer ser humano, e isso significa o compromisso de respeito mútuo e combate a tudo que possa
ferir a dignidade humana. Também insiro essa tomada de posição na esfera teórica porque entendo que reconhece
a validade e pluralidade de epistemologias constitutivas de visões de mundo e produção de conhecimento.
Também é uma tomada de posição política porque atua na dimensão das relações de poder. É na tomada de
decisões, que vão incidir no enfrentamento das desigualdades, no fomento à vida digna e no acesso à garantia de
direitos fundamentais, que se encontra a concretude da vontade política.
Pois bem, essa tomada de posição ela vai na contramão de um processo de negação da colonialidade e de
racismo estrutural. Digo isso inspirada na artista e escritora Grada Kilomba, que alguns dias atrás, durante uma
entrevista, enfatizou que o Brasil é uma história de sucesso colonial (KILOMBA, 2020). Vejam que forte isso:
uma história de sucesso colonial. Por que ela disse isso? Ela disse por que, segundo ela, vivemos em estado de
absoluta negação. Não passamos por um processo de descolonização como Angola, Guiné Bissau e São Tomé e
Príncipe, por exemplo. Segundo a entrevistada, o antirracismo passa pela capacidade de escutar, aprender e
construir. É preciso também sentir culpa, vergonha e, por fim, o reconhecimento para alcançar um estado de
absoluta reparação. Nós, brasileiros e brasileiras, apenas negamos de forma naturalizada as opressões. Jogamos
tudo na vala rasa e comum da vitimização pura e simples. Em uma frase, é que se ouve por todo lado: “não passa
de um mimimi”, "não passa de uma vitimização”.
Então, quando pensamos esse cenário em relação à criação das instituições educacionais de ensino
superior do país, temos o seguinte quadro: até o século XIX, o Brasil teve apenas faculdades, como a de Medicina,
na Bahia, inaugurada em 1808, por ocasião da vinda da família real portuguesa; e faculdade de direito, inaugurada
em 1827 em Recife-PE. Ambas as faculdades foram profundamente influenciadas pelas teorias racialistas
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 27

européias da época. Que teorias eram essas? Eram teorias que tinham como tema o determinismo biológico, o
determinismo geográfico, a eugenia, ou seja, esse conjunto de teorias racialistas constituíram uma pseudo base
científica, que legitimava desigualdades e hierarquização racial. Sobre isso, eu sugiro para um aprofundamento
maior e perceber como essas teorias racialistas do século XIX elas praticamente formataram os espaços
acadêmicos em cursos como Medicina e Direito, o livro da antropóloga Lilia Schwarcz: O espetáculo das raças
(1993). Ele faz um apanhado muito interessante sobre esse tema.
Então, veja, se no século XIX foi assim, como que se deu no século XX com a expansão do ensino superior
do país? Pois bem, no século XX nós vamos ter como primeira Universidade, a entender uma Universidade a que
reúne ensino, pesquisa e extensão, a Universidade de São Paulo (USP), inaugurada em 1934. E essa Universidade,
a USP, ela foi criada dentro de uma lógica de atender a uma elite local desejosa dos títulos acadêmicos e dos
aportes dados por professores europeus, que vieram por exemplo na chamada Missão Francesa. Um desses
professores que veio foi Levis-Strauss, antropólogo, ele relata a experiência de ter sido professor na USP e de
como a elite local o tratava com tamanho deferência, que lhe causava estranheza, no livro Tristes Trópicos (1981).
Recomendo esse livro, além de ser muito interessante por que ele faz um relato de um Brasil que ele esperava
encontrar que era ainda intocável, com os povos indígenas e ele começa a perceber os efeitos cada vez mais de
uma urbanização e que vai trazer como consequências genocídios dos povos indígenas (LEVIS-STRAUSS,
1981). Enfim, vale a pena a leitura.
Seguindo, a tentativa de enfrentamento a esse legado que mencionei a pouco, ou seja, esse legado das
teorias racialistas do século XIX, de uma Universidade elitizada e eurocêntrica do século XX, ele só vai encontrar
um enfrentamento no século XXI. No século XXI, gente, no que estamos agora. Pois bem, que enfrentamento é
esse? É um enfrentamento que vem com a adoção de ações afirmativas nas Universidades públicas brasileiras.
Então é aí que talvez possamos colocar a gênese da luta decolonial e antirracista no ambiente acadêmico. Esse
foi o grande avanço. Por quê? Porque pela primeira vez nesse país se tenciona um ambiente historicamente
ocupado pela branquitude brasileira. Isso nunca tinha ocorrido antes. Como é que isso ocorre? Bom, pensemos o
seguinte: no primeiro momento, isso não se deu sem limitações, sem desafios. Engana-se quem imaginou que a
branquitude não reagiria a uma reconfiguração desse espaço. Lembremos que as ações afirmativas começam no
Brasil com a demanda do movimento negro brasileiro por cotas raciais. Ou seja, por reserva de vagas para negros
e negras na Universidade pública. Isso porque se não me engano até início do século XXI, até 2002, por aí,
universitários negros eram um percentual de 2%, não mais que isso. Imagine esse percentual em um país cuja
população negra é no mínimo metade da população do país. Metade. Estava sub representada no cenário
acadêmico brasileiro, os índices melhoraram, ainda há uma caminhada a ser feita, mas no início do século XXI
éramos apenas 2%.
Aí vocês podem estar se perguntando de onde veio as resistências a essa reconfiguração das universidades
públicas brasileiras. Eu vou dar um exemplo para vocês. O primeiro deles foi do Manifesto Anti-cotas que foi
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 28

lançado em 2008. Foi um manifesto assinado por intelectuais, artistas e políticos contrários à instauração da
política de cotas nas universidades públicas brasileiras. E os argumentos iam de coisas do tipo que isso iria criar
ou acirrar o racismo até então inexistente. Ou de essa era uma demanda fruto de uma lógica apenas de importação
do que ocorria em outros países, especialmente o caso estadunidense, ou seja, a realidade brasileira não
necessitava de um combate às desigualdades raciais, simplesmente não havia desigualdade racial a ser combatida.
Essa era a leitura do momento. Imaginem isso em 2008. Isso gerou uma série de embates. Em 2012 é que vamos
ter, por exemplo, uma decisão do supremo tribunal federal, que vai colocar como constitucional a adoção de
ações afirmativas no país. Mas a coisa não parou por aí não. Recentemente, agora, em 2020, nós tivemos, há mais
ou menos duas semanas atrás, a tentativa de revogação de uma portaria, a portaria número 13 de 2006, que era
um estímulo, ou seja, uma tentativa de dar um amparo legal à adesão de afirmativas na pós-graduação. Essa
portaria servia justamente como uma ideia de amparo legal para que os cursos de pós-graduação adotassem ações
afirmativas. Porque a legislação atual ela previa a adoção de ações afirmativas na graduação. Na pós-graduação
é uma questão de autonomia universitária, das decisões de colegiados, das decisões dos superiores das
universidades. E isso se concretiza na vontade política de adotar ações afirmativas.
Nesse sentido, gostaria de deixar a referência de dois textos sobre o tema da branquitude no espaço
acadêmico, porque é disso que a gente tá falando: de como a branquitude se manifesta em oposilção à luta
anticolonial e antirracista. Primeira indicação é o livro Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil
(2018) do professor Lourenço Cardoso, meu colega na Unilab. Segundo o autor, “A branquitude significa a
pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial,
um poder de classificar os outros como não-brancos, colocando-os, assim, como inferiores aos brancos. Ser
branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura, e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser
proprietário de vantagens/privilégios raciais simbólicos e materiais” (CARDOSO, 2019). Em forma também acho
que complementar ao trabalho do professor, gostaria de indicar também o artigo Teorias críticas e estudos pós-
coloniais e decoloniais brasileiras: como a branquitude acadêmica silencia a raça e gênero (2020). Esse artigo
foi lançado recentemente, mais ou menos uma semana atrás, ele é de autoria das professoras da Universidade
Federal de Santa Catarina, Fernanda da Silva Lima e Karine de Souza e Silva. É um artigo que nos convida a
uma desobediência epistêmica. Trata-se de uma análise teórica e crítica de duas professoras, duas mulheres
negras, em que vão justamente analisar como se dá a branquitude no espaço acadêmico (LIMA & SOUZA E
SILVA, 2020). Eu recomendo fortemente a leitura.
Pois bem, se nós temos, diante desse quadro, como a universidade pode romper com o modelo colonial
de ciência e epistemologia. Eu diria para vocês que é por onde tudo começou, pelas ações afirmativas. O
investimento em ações afirmativas gera recomposição do quadro discente, docente e de servidores no geral. Então
nós precisamos ampliar o escopo das ações afirmativas. Nós vamos ver como essa questão fica já que temos agora
em 2022, a revisão das ações afirmativas por que é uma campanha de dez anos, aí é preciso fazer uma análise de
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 29

como essas afirmativas incidiram na sociedade. Pois bem, o incremento às ações essas as quais estou me referindo
ela faz que a partir do ingresso desses sujeitos nós tenhamos uma reformulação por dentro. É isso que é necessário.
Não é possível fazer uma mudança social sem a presença dos sujeitos, não tem como. E isso impacta diretamente
a produção científica e tecnológica, porque esses sujeitos, cada sujeito, quilombola, indígena, negro, ele carrega
uma bagagem sociocultural e a nossa bagagem sociocultural ela nos acompanha por onde nós vamos. Pensem em
quantas agendas de pesquisa elas estão sendo impactadas já pelas ações afirmativas. É agora nós vemos estudos
sobre comunidades quilombolas, sobre a solidão da mulher negra, sobre as desigualdades estruturais e veremos
com certeza estudos que vão analisar os efeitos da pandemia do Covid-19 a luz das desigualdades estruturais
brasileiras, ou seja, é justamente isso os sujeitos que outrora foram objetos de estudo, são hoje sujeitos de estudo.
Hoje, produtores de conhecimento. E é por aí que começa um embate do ponto de vista anticolonial e antirracista
porque também teríamos que ter uma reformulação de projetos de cursos pedagógicos e ementas das disciplinas.
Não é possível que nós continuemos a reproduzir um conhecimento basicamente ancorado em apenas uma visão
de mundo, uma visão eurocêntrica ou uma visão de mundo branco eurocêntrica como alguns autores(as) colocam.
Obviamente, que não se pretende deixar de fazer nenhuma leitura de nenhum autor ou autora europeu
nem nada do tipo, não se trata disso. Não se trata de substituir uma coisa pela outra, mas se alinhar visões de
mundo, de contrapor, de dialogar. Porque é assim que o conhecimento se torna cada vez mais eu diria plural, cada
vez mais amplo, cada vez mais inclusivo. E isso se faz necessário se, de fato, queremos uma luta antirracista e
decolonial. Porque ser antirracista como está sendo colocado nesse momento, é muito mais do que dizer uma
frase efeito como “vidas negras importam”. Significa se comprometer socialmente com essa luta, significa
discutir privilégios, e a Universidade precisa discutir esses privilégios. Ela foi conformada de uma forma que
somente uma parcela da população teve um grande acesso. E os demais como ficam? Se a gente continuar
prosseguindo nesse cenário, nós não teremos um futuro para todos e todas. Não, não teremos. Continuaremos
ainda perpetuando desigualdades.
E para que não perpetuemos desigualdades e para que tenhamos cada vez mais referências para pensar
nisso, eu vou deixar também a indicação de um livro, também mais recentemente lançado, se chama
Epistemologias e Metodologias Negras, Descoloniais e Antirracistas (2020), organizado por Míriam Cristiane
Alves e Alcione Correa Alves. Essas referências que eu compartilhei aqui com vocês é porque eu acredito muito
na produção de conhecimento alinhada a como uma espécie de teoria vivida porque essas referências são de
intelectuais negros e negras, esse é um compromisso político que eu tenho. Eu acho que cada vez mais nós
podemos inclusive aprender a citar os nossos e valorizar os nossos, porque dentro do papel que se espera de um
intelectual e de uma intelectual que está na universidade é produzir essa questão, a produção de conhecimento.
A questão é produção de conhecimento de quem, para quem, como, compartilhamos ou não compartilhamos.
Então são caminhos, caminhos de enfrentamento a uma questão que não pode mais ser adiada. Nós precisamos
Capítulo 7. Universidade e Antirracismo 30

sem dúvida nos comprometer em nível pessoal e institucional com a luta anticolonial e antirracista. Sigamos.
Grata a todos por esse espaço, por esse momento.
Capítulo 8. Branquitude e o papel do branco no antirracismo 31

CAPÍTULO 8. BRANQUITUDE E O PAPEL DO BRANCO NO ANTIRRACISMO

Isabelle Lopes Galeazzi e Luiz Cabral de Melo Neto

Oi, meu nome é Isabelle Galeazzi e eu sou graduanda em psicologia, também sou responsável pela
fundação e pela gestão do coletivo de Psicologia Denegrida, assim como da casa Mutuê que é nosso espaço sede.
E no começo desse ano de 2020 nós ofertamos dois grupos de estudo e um deles foi sobre racismo e branquitude,
os efeitos da culpa branca, onde a gente se propôs a estudar e debater sobre o papel da branquitude na manutenção
do racismo, principalmente nos dias de hoje. E é sobre isso que eu tô aqui pra falar um pouco com vocês hoje,
que é sobre branquitude.
Então, a branquitude está atrelada à uma identidade racial branca. Porém ela não se refere apenas a um
fenótipo caucasiano. A branquitude na verdade diz sobre um caráter político-social que acompanha essa
identidade. Então, é um lugar de privilégios simbólicos, um lugar de privilégios subjetivos e objetivos que
colaboram para a construção social, da reprodução do preconceito racial, da discriminação racial e do racismo.
Ruth Frankemberg (2004) define a branquitude como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros e
a si mesmo. Então, é um lugar confortável, é um lugar de poder no qual se pode atribuir ao outro, aquele não
branco, o que não atribuiria a si mesmo.
E a Grada Kilomba (2019) em Memórias da plantação, ela exemplifica isso muito bem quando ela diz
que no imaginário branco o outro não branco é alvo de projeção de tudo aquilo que não atribuiria a si mesmo, né,
a branquitude. Tendo em vista que tendem a se entender como uma própria materialização da moral. Isso fica
muito nítido quando a gente pensa no próprio período escravocrata. A forma como os brancos europeus viam
pessoas pretas e indígenas, os estereótipos que lhes eram dados, né, de agressivos, de ladrões e etc; quando na
verdade foram os brancos europeus que invadiram, escravizaram, que estupraram, etc. Então, fica muito claro,
né, essa projeção, essa projeção que deturpa também o outro.
Então, com isso a gente pode entender que a branquitude significa uma pertença étnico-racial atribuída à
pessoa branca. Então, sujeitos brancos, eles dispõem de um lugar mais elevado na hierarquia social e de até
mesmo de um poder de classificar os outros como não brancos, que dessa forma no caso significa ser menos que
ele. Um dos aspectos que também caracteriza a branquitude é a fragilidade. Para a gente falar de fragilidade, a
gente precisa citar essa bolha protetora do indivíduo branco, né. Ou seja, através de um acúmulo de privilégios e
status é construído um ambiente social que protege essas pessoas de um possível estresse. É um estresse muito
específico, que é o estresse racial. Um dos aspectos desse ambiente é justamente lidar com a branquitude como
um parâmetro universal de humanidade, entendendo a racialização como algo desnecessário, tendo em vista que
Capítulo 8. Branquitude e o papel do branco no antirracismo 32

esse sujeito vai simplesmente se entender como ser humano, negando dessa forma seu lugar social de privilégio
enquanto branco, porque ele vai tender a perceber suas conquistas como um fruto do próprio esforço.
No livro Por que eu não falo mais com pessoas brancas sobre raça, Reni Eddo-Lodge (2019) pontua que
o privilégio branco não quer dizer que essas pessoas brancas tenham tido uma vida fácil, que nunca tinham vivido
na pobreza. Não é isso, o privilégio branco é o fato de que se você é branco, sua raça quase certamente vai afetar
positivamente na sua trajetória de vida de alguma forma. E que talvez essa pessoa branca nem perceba e é
justamente esse não perceber, isso é um produto dessa proteção social que contempla a branquitude.
Robin DiAngelo (2018) fala sobre essa pauta no artigo Fragilidade branca, onde ela pontua que os
brancos raramente ficam sem esses travesseiros protetores e quando eles tão sem eles, normalmente isso é
temporário e por opção. Então, esse ambiente isolado de privilégio racial cria expectativas brancas de conforto,
conforto racial. Ao mesmo tempo que diminui a capacidade de lidar com o estresse racial e eu comento aqui com
um raciocínio da Grada Kilomba (2019) de novo, porque é justamente nesse momento, nesse cenário, em que os
mecanismos de defesa do ego branco se constroem a fim de afastar da subjetividade branca a culpa que teria
como consequência ideal a responsabilização.
Oi, pessoal. Eu vou começar aqui falando sobre a desconstrução do sujeito universal, um pouco sobre
projeção e vou encerrar falando sobre culpa e responsabilização; como a Isabelle trouxe no final do vídeo. Meu
nome é Luiz, eu sou estudante da graduação de psicologia, frequentei o grupo de branquitude coordenado pela
Isabelle, sou membro do Quilombolar, do Nucepec, do Advir e de coletivos de psicologia analítica.
A desconstrução do sujeito universal passa por nós enxergamos enquanto sujeito localizado, isto é,
racializado. De reconhecer que nós, pessoas brancas, nas relações sociais ocupamos um lugar de privilégio, que
é o lugar de pessoas brancas. Uma possibilidade de desconstrução desse sujeito universal, como propõe Cida
Bento (2002), é estudarmos a trajetória de autores que pensaram branquitude e que são brancos, para vermos
outras formas de desenvolvimento de identidade. Segundo Schucman (2012, apud Maia Neto, 2019), orientarmos
por obras científicas ou culturais de autores negros ou indígenas, faz com que possamos ir além das imagens e
narrativas que nós brancos produzimos sobre as pessoas.
Agora eu vou falar sobre isso, né. A característica da branquitude é a projeção. Como a Isabelle antecipou,
nós as pessoas brancas historicamente tendemos a projetar nos outros. Um precedente foi que na bula papal de
1493, se dizia que era possível escravizar pessoas não brancas, porque segundo essa bula elas não tinham moral
ou alma. Estavam ligadas a instintos animalizados como a agressividade e sexualidade e tinham que por isso ser
civilizadas. Gambini e Kilomba vão dizer que isso foi uma projeção do que o branco não aceitava em si mesmo
(GAMBINI, 2000, p.24; KILOMBA, 2019, p.79; KRENAK, 2017, p.11). Isabelle deu o exemplo de que o sujeito
marginal foi dito como agressivo, sendo que quem era agressivo na verdade éramos nós brancos do centro.
Vou falar agora de como isso acontece numa relação e num nível menor. Pensando junto de Munanga
(2011), quando uma pessoa pontua que uma pessoa branca está sendo racista e a pessoa branca diz que não foi
Capítulo 8. Branquitude e o papel do branco no antirracismo 33

racista, que não teve essa intenção, que na verdade quem tá pontuando é que é raivoso, agressivo e que ele que tá
sendo racista, o que está acontecendo aqui? Nós pessoas brancas não estamos admitindo a violência do racismo
que cometemos e projetando nessa outra pessoa essa agressividade que não queremos reconhecer. Então, uma
coisa interessante a se fazer é recolher essa projeção, assumir que essa violência foi cometida e se responsabilizar
diante dela.
Então, eu vou falar sobre privilégio branco, culpa e antirracismo. Há uma discussão sobre o termo “branco
antirracista”, porque possuir privilégios materiais e simbólicos construiu um marcador social de ser branco. E se
torna contraditório se dizer branco antirracista porque usufruiríamos de privilégios, e ter privilégios indica
desprivilégios para outros (NASCIMENTO, 2019). Como diz Tatiana Nascimento (2019), considerando que
estamos pensando sobre justiça social e não sobre como nós sujeitos brancos nos classificamos, nós reconhecemos
que o antirracismo é uma tarefa diária e contínua, como afirma Lourenço Cardoso (CARDOSO, 2018).
Então, o antirracismo possível é de nos colocarmos como aliados nas pautas de movimentos negros, sem
protagonizarmos essa luta, com diz Malomalo (MALOMALO, 2018). Passa também por deslegitimar o lugar da
expressão da culpa porque ela exige uma movimentação de pessoas negras, enquanto deveria ser uma
movimentação de pessoas brancas. Porque o ato de expressar culpa faz o centro de atenção ser o sujeito branco e
não o sujeito negro que sofreu racismo, como diz Tatiana Nascimento, Cida Bento e Grada Kilomba
(NASCIMENTO, 2019, p.15; KILOMBA, 2020, p.13; DIANGELO, 2018, p.49). A expressão da culpa assim
tenta libertar nós brancos do desconforto que não queremos habitar de sermos brancos num país com passado
colonial, como diz Tatiana Nascimento (NASCIMENTO, 2019). Como se a responsabilidade fosse da vítima de
nos abster do crime do racismo, né, quando na verdade a responsabilização somos de nós, pessoas brancas, através
de atos concretos, como diz Djamila Ribeiro (RIBEIRO, 2019, p.52).
Uma aposta que Tatiana Nascimento (2019) faz é, para pensarmos mudanças nas nossas relações é, onde
é que o racismo acontece no cotidiano? Com colegas de trabalho, amigos, pessoas amadas, família. E nós que
estamos inseridos na universidade, pensamos e estudamos raça de que maneira em nossas pesquisas?
Capítulo 9. Racismo e Saúde Mental 34

CAPÍTULO 9. RACISMO E SAÚDE MENTAL

Luís Fernando de Sousa Benício

Olá, eu sou Luís Fernando Benício, estou aqui a convite do PET-Psicologia UFC para debater as relações
entre racismo e saúde mental. Inicialmente gostaria de dizer que estou muito feliz pelo convite, pela possibilidade
de contribuir com esse incrível projeto que é o Vozes Negras Importam, que tem oportunizado diversos encontros
e colocado a relevância das questões raciais na formação em Psicologia. Antes de iniciar, gostaria de situar um
pouco o meu lugar de fala, compreendendo a importância de dizer de onde eu falo e com quem eu falo, e nesse
sentido penso lugar de fala com Djamila Ribeiro que diz que este não deve ser reduzido a uma descrição
individual, mas a um compartilhamento de experiências coletivas agenciada por comuns, seja nas violências que
marcam os nossos corpos ou nas (re) existências que nos movimentam e movimentam nossos corpos dissidentes.
Sou psicólogo, com formação em psicologia hospitalar, com mestrado e doutorado em andamento pela
Universidade Federal do Ceará. No âmbito profissional trabalhei no Sistema Único de Saúde (SUS), como
apoiador institucional da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município de Fortaleza, como apoiador da
política cearense de educação permanente, e contribuo com alguns projetos no Ministério da Saúde no âmbito
das juventudes e do controle social. Em termos de militância eu integrei durante um tempo o Fórum Cearense da
Luta Antimanicomial, atualmente estou como pesquisador do VIESES (UFC) e pesquisador do Instituto Oca,
além de ser professor substituto do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará.
Em 2019, por conta da tese, elaboramos enquanto VIESES (UFC) um curso sobre racismo, saúde mental
e práticas de cuidado, e a partir desses encontros e dessas conexões que quero pensar algumas reflexões iniciais
sobre essa relação racismo e saúde mental. Pensar a relação racismo e saúde mental tem me colocado um desafio
que é o de racializar o cenário sociopolítico brasileiro e consequentemente racializar o cenário sanitário brasileiro.
E isso nos coloca um exercício de compreensão das dinâmicas que operam nos racismos e nos impactos na vida
de negros e negras no nosso país. Trago algumas referências nesse primeiro momento, onde vou introduzir e
trazer alguns elementos nacionalmente e internacionalmente sobre essa relação, e no segundo momento trarei
questões para pensarmos na nossa prática no campo da saúde mental, pensando saúde mental de forma ampliada,
não reduzindo ela à uma dimensão psicopatológica ou á uma clínica individual.
Para iniciar, gostaria de trazer nacionalmente uma pesquisa de grande importância, pesquisa essa
publicada no ano de 2019 pela Universidade de Brasília (UNB) em parceria com o Ministério da Saúde, que diz
que: a cada 10 jovens que cometem suicídio, 6 são jovens negros/negras. 90% desses casos poderiam ser evitados
se houvesse um conjunto de intervenções de cuidados primários, de cunho primário. Nesse mesmo estudo, é
possível acompanhar num acúmulo de 4 anos, o número de pessoas brancas que cometem suicído permaneceu o
Capítulo 9. Racismo e Saúde Mental 35

mesmo, ao mesmo tempo que o número de pessoas negras cresceu consideravelmente. Isso nos dá uma pista para
entender que há uma intensificação do racismo, ou dos racismos, na vida cotidiana do nosso país.
Existem dois outros estudos, a nível nacional, que gostaria de situar. O primeiro deles é de duas
professoras da Universidade Estadual de Feira de Santana, Smolen e Araújo (2017), em que elas fizeram uma
relação a partir de um estudo de revisão no campo da literatura brasileira, da relação: raça, cor da pele e
transtornos mentais. Elas apontam de forma considerável que quando negros e negras adoecem, e quando
conseguem chegar ao serviço de saúde mental, eles chegam muito debilitados portando diversas comorbidades
clínicas. O mesmo estudo aponta que há uma dificuldade de acesso dessa população e desse segmento às políticas
de saúde mental. Um outro estudo, de professoras da UNB, foi realizado através de uma revisão sistemática da
relação racismo e saúde mental pensando o lugar da Psicologia, elas fizeram uma revisão de 15 anos, e elas
apontam alguns dados para falar da inexistência de pesquisas voltadas para essa relação (Damasceno e Zanello,
2018).
Alguns estudos internacionais, como o de Cuevas et all (2013), nos colocam que racismo e discriminação
geram disparidades em saúde mental, que há uma relação, associação, entre racismo percebido e discriminação
com alguns quadros em saúde mental como depressão, fobia social e ansiedade, se tornando urgente um debate
em torno dos cuidados primários pra prevenir os quadros em saúde mental em decorrência do racismo. Gostaria
de retomar algumas discussões das pesquisas mencionadas anteriormente e fazer alguns diálogos, especialmente
com a pesquisa da UnB que nos coloca em um panorama de 15 anos para pensar essa relação racismo e saúde
mental na literatura científica do nosso país. Eu pensei em quatro tópicos, o primeiro tópico ele fala de um regime
de ausências e da produção científica de pesquisas voltadas para saúde mental de negros e negras. Um outro ponto
diz da permanência das teorias raciais, da eugenia e do racismo científico na formação da psiquiatria e da
psicologia brasileira, isso se materializa, por exemplo, na ausência histórica de professores e professoras negras,
de pesquisadores e pesquisadoras negras, impactando epistemologicamente nas noções de cuidado, de clínica, de
sujeito, de território, saúde e doença que nós temos.
Um outro aspecto a se considerar diz da formação profissional na qual não tem sido tomado o racismo
como objeto de reflexão e intervenção dentro do Sistema Único de Saúde, não tomando a educação permanente
como um horizonte para produzir práticas no enfrentamento das iniquidades em saúde, e por fim, diante dos
efeitos nocivos do racismo surge-nos o desafio de interseccionalizar nossas análises e as nossas intervenções,
isso quer dizer que o racismo não atua sozinho, que é necessário uma compreensão da existência de diversos
outros marcadores sociais como gênero, como classe, como território, que potencializa a precarização da vida
desses usuários e dessas usuárias do Sistema Único de Saúde. Pensando nessa discussão, eu gostaria de fazer uma
provocação de perguntar qual tem sido o lugar da política nacional de atenção integral à saúde da população negra
no nosso país, para quem não sabe essa é uma política de equidade, é uma política transversal publicada em 2009
Capítulo 9. Racismo e Saúde Mental 36

que tem como objetivo reduzir as iniquidades em saúde e os movimentos têm colocado que essa política não
chegou a ser operacionalizada.
Ela não chegou a ser implementada pelos Estados, pelos municípios á partir desse conceito do Ministério
da Saúde e isso nos coloca em um desafio de compreender como essa política poderia nos ajudar no nosso trabalho
enquanto trabalhadores e trabalhadoras do campo da saúde, aliançados na questão racial e na luta antirracista.
Então vou trazer alguns objetivos dessa política e depois eu vou pensar como a psicologia poderia atuar nesses
territórios. Um dos objetivos dessa política diz do fortalecimento e da participação dos movimentos negros no
controle social, ou seja, nas decisões das políticas e dos programas, das práticas e dos protocolos clínicos, um
outro objetivo diz da inclusão dos temas do racismo, da interseccionalidade, da saúde mental da população negra
nas reuniões das equipes nos processos de educação permanente no qual esses vão produzir ali um conhecimento
no cotidiano/com o cotidiano e para esse cotidiano.
Além disso, a referida política coloca o desenvolvimento e a implementação de diversas ações de
informação e educação em saúde a fim de afirmar a identidade negra nos territórios e desconstruir preconceitos
e estigmas que interferem na saúde desses povos, desses segmentos (Brasil, 2013). Por fim, a política ainda nos
coloca o desafio de considerar a necessidade de financiamento para o enfrentamento dessas iniquidades,
considerando a especificidade de cada território. No último momento, já tentando aqui contemplar o tempo
estipulado pela organização do programa, eu gostaria de pensar como nós poderemos atuar no diálogo dessas
duas coisas que eu trouxe que seria a partir da referência técnica da atuação do psicólogo e da psicóloga no campo
das relações raciais. Eu não sei se vocês conhecem, mas essa é uma publicação do conselho federal de Psicologia
do ano de 2017 e um dos capítulos eles e elas trazem algumas pistas para esse enfrentamento da discriminação
institucional no serviço, nas políticas públicas no qual o psicólogo e a psicóloga atuam.
No primeiro momento, é trazido um diagnóstico das discriminações raciais, então ao profissional é
colocado aí a necessidade de identificar “Onde estão os negros e as negras desse serviço?" "Quais são os
principais quadros em saúde mental?" "Como tem sido a participação desses e dessas dentro do serviço da
organização do serviço?" "Quem são os profissionais de saúde?" É importante saber como a branquitude tem
operado no cuidado desses e dessas. Um outro momento diz aí nas práticas de enfrentamento, então, após
identificar, faz-se necessário produzir práticas de cunho afirmativo ou práticas afirmativas que vai trazer pro
cotidiano do cuidado o protagonismo, considerando e tomando esses negros e essas negras como sujeitos. Como
Grada Kilomba nos coloca, deixando de ser objetos e passando a operar politicamente nesses cotidianos
(Kilomba, 2019). Um outro momento que se coloca para o profissional que atua com as populações negras, diz
de uma sensibilização junto a gestores e gestoras, pois estes e estas estão aí cuidando do financiamento das ações
direcionadas para as pautas e para as necessidades reais das populações de nossos país.
Por fim, finalizando, precisamos considerar o quesito cor e raça nos documentos, nas fichas, nos
protocolos de anamnese, nos relatórios, a fim de produzir informações que dizem da real necessidade da Saúde
Capítulo 9. Racismo e Saúde Mental 37

Mental dos nossos povos. Então,é isso. Gostaria de agradecer ao PET Psicologia, através do programa Vozes
Negras Importam, e dizer que eu estou muito feliz e fico aberto para desdobramentos e interlocuções.
Capítulo 10. Colonialidade 38

CAPÍTULO 10. COLONIALIDADE

Raimundo Cirilo de Sousa Neto


Aline Paiva Martins
Milena Cruz Raposo

A colonialidade é um conceito criado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano no final dos anos 1980.
Primeiramente sobre o nome de “Colonialidade do Poder”, a noção ganhou espaço fundamental no
desenvolvimento das teorias decoloniais latino-americanas, principalmente dentro do Grupo
Modernidade/Colonialidade que reúne um expressivo número de pesquisadores sociais dedicados a elaboração
dessas teorias.
É preciso primeiramente diferenciar colonialismo e colonialidade. Por colonialismo, a gente entende um
modelo econômico, político e subjetivo de exploração e dominação, onde uma nação invasora, colonizadora e
civilizadora tem controle total ou parcial sobre os meios e recursos de outra. Falamos aqui de um acontecimento
histórico, de um período com uma certa duração, como, por exemplo, a colonização das américas (Abya Yala)
pelas nações ibéricas.
O colonialismo nem sempre está ligado a uma relação racista do poder e é bem mais antigo do que a
colonialidade. Já a colonialidade se trata de uma lógica, de uma racionalidade, de uma dimensão simbólica que
se funda no colonialismo, mas o ultrapassa temporalmente, mantendo suas marcas e modos de funcionar até hoje.
Ela se sustenta numa classificação hierárquica e moral entre as populações por meio do delírio da raça que ordena
politicamente, economicamente, subjetivamente e epistemologicamente as relações de poder. É operada, então,
uma espécie de naturalização das hierarquias territoriais, raciais, econômicas, políticas, epistêmicas e de gênero
que possibilitam e legitimam a violência e a exploração.
A colonialidade precisa ser entendida como um dos pilares de um padrão global do poder capitalista
originado na América a partir da invasão colonizadora em 1492, permitindo, assim, uma primeira acumulação
primitiva do capital. Mas também como lado obscuro da modernidade que serve de apoio para a própria
constituição da comunidade europeia, branca, heterossexual e burguesa.
Então, o mito da modernidade, que é criado a partir da colonialidade, serve para ocultá-la e justificá-la e
se desenvolve a partir de alguns pontos que nós vamos elencar aqui: 1) autodescrição da Europa como auge do
desenvolvimento da civilização; 2) da criação de um primitivo, oposto radical à civilização, encarnada no
colonizado; 3) da necessidade do ideal eurocêntrico como único caminho possível e obrigatório ao
desenvolvimento de uma civilidade por parte dos primitivos; 4) autorização da violência e da brutalidade em caso
de resistência ao processo colonizador; 5) ritualização da morte e da violência contra o colonizado como um mal
necessário e nobre; 6) apresentação da modernidade e da eurocentricidade como uma espécie de redenção da
Capítulo 10. Colonialidade 39

culpa pela resistência à colonização e seu projeto; 7) e por último, a interpretação de todo sofrimento causado
pelo colonizador como inevitável.
Por fim, a colonialidade funciona pela constituição de uma matriz colonial de poder e opressão que se
entremeia em outros âmbitos, não só o do poder. Muitos autores desenvolveram outras teorias acerca dos efeitos
das lógicas coloniais em diversos outros âmbitos, como por exemplo: a economia, ao impor um modelo capitalista
de produção; a autoridade, ao prolongar um modelo de democracia representativa baseado no direito Romano e
invisibilizando outras formas de organização orientadas pelo coletivismo; da natureza ao reduzir a relação do
homem com a natureza á uma relação de expropriação, alienação e exploração; do gênero e da sexualidade ao
reproduzir a hétero cisnormatividade e o patriarcado como universais; da subjetividade e do conhecimento ao
invisibilizar e inviabilizar conhecimentos e formas de vida outras que se encontram radicalmente fora dos padrões
eurocêntricos.
REFERÊNCIAS 40

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BIOGRAFIA DOS AUTORES 43

BIOGRAFIA DOS AUTORES

Aline Paiva Martins - Estudante de Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Programa
de Educação Tutorial (PET). Mulher preta e alternativa, resistindo e buscando liberdade genuína em todos os
espaços sociais possíveis. Meus temas de interesse são: decolonialidade, feminismos, antirracismo, ciências
humanas, cultura alternativa e psicologia analítica. Email: alinemartins121094@live.com.

Antonio Angelo Lopes Alves - Estudante de Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do
Programa de Educação Tutorial (PET). Preto e com poucos recursos financeiros venho me desafiando todos os
dias para sair da visão eurocêntrica que costumeiramente estava me violentando, busco emancipação minha e dos
meus. Tenho interesse em cultura, saúde e temas raciais. E-mail: angelo.lop.alv@gmail.com

Eduardo Oliveira Miranda - Sou um corpo-território-viado, do interior da Bahia, preto, cisgenero que busca se
decolonizar, também, por dentro da docência em espaços de educação escolar e não escolar. Sou professor na
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), onde coordeno o Grupo de Pesquisa Corpo-território
Decolonial e participo como professor permanente no Mestrado em Educação (PPGE/UEFS) e no Mestrado em
Desenho, Cultura e Interatividade (PPGDCI/UEFS). Realizei Doutorado em Educação na Universidade Federal
da Bahia, cuja tese originou o livro Corpo-território e Educação Decolonial (EDUFBA). E-mail:
eduardomiranda48@gmail.com.

Geovana Monteiro de Noronha Feitosa - Estudante de ciências econômicas pela UFC e cursista no projeto
“Mulheres Negras Resistem”. E-mail: geovanaufc@gmail.com.

Isabelle Lopes Galeazzi - Graduanda em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), fundadora e
coordenadora do Coletivo de Psicologia Denegrida: um grupo formado por estudantes e psicólogos pretos que
têm como objetivo promover articulações antirracistas de cuidado e saúde mental da população preta. E-mail:
isabellegaleazzi@gmail.com

José Raimundo Maia Neto - Bixa cearense, cuidador negro, palavrista. Deformação acadêmica como Bacharel
em Psicologia, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e como Mestrando Profissional em Saúde da
População Negra e Indígena, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail:
maianeto.mn@gmail.com.
BIOGRAFIA DOS AUTORES 44

Liana Rosa Elias – Psicóloga (CRP: 11/3740). Neuropsicóloga. Mestre em Psicologia. Doutora em Ciências
Médicas. Professora efetiva do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Tutora do
Programa de Educação Tutorial – PET Psicologia. Coordenadora do Laboratório Integrado de Neurociências e
Comportamento – LINCs. E-mail: liana.elias@ufc.br

Luís Fernando de Sousa Benício - É um entusiasta de construções solidárias, engajadas e coletivas. Aposta no
encontro como ferramenta de transformação e emancipação dos corpos dissidentes. Nos últimos anos, resistindo
como homem cis, bicha, negro e ativista dos direitos humanos, tem se dedicado no enfrentamento das violências
e iniquidades. Por isso, graduou-se em psicologia, trabalhou no SUS, cursou mestrado e doutorado (UFC) e
tornou-se professor (UECE). Como pesquisador, está vinculado ao VIESES-UFC e ao Instituto OCA, tendo
contribuído com importantes investigações no âmbito dos processos psicossociais. E-mail:
luisf.benicio@gmail.com.

Luiz Cabral de Melo Neto - Estudante de psicologia na Universidade Federal do Ceará. Seus temas de interesse
são; saúde mental em relação à educação e relações étnico raciais. Atua em rodas de conversa com adolescentes
e jovens. E-mail: luizcabralmelo@gmail.com.

Milena Cruz Raposo - Graduada em Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e ex-membra do
Programa de Educação Tutorial (PET). Meus temas de interesse são: psicologia analítica, educação, saúde
coletiva, antropologia, feminismo e temas raciais. Email: micr.98@gmail.com

Raimundo Cirilo de Sousa Neto - Estudante de psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), negro,
dissidente sexual. Bicha epistemologicamente incomodada e metodologicamente teimosa. Ex-integrante do
Programa de Educação Tutorial (PET-Psicologia) onde idealizei e coordenei atividades como o Grupo de Estudo
Torções Fanonianos e Ôrí - Feminismos Decoloniais e o Projeto Vozes Negras Importam.Atualmente membro
do Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violências, Exclusão Social e Subjetivação (VIESES), do Programa
Promoção de Arte, Saúde e Garantia de Direitos (Pasárgada) e do Laboratório de Estética e Filosofia da Arte
(LEFA). Desenvolvo estudos e pesquisas nos campos da Filosofia da Diferença, teorias contra coloniais e
Esquizoanálise. Email: xrcirilox@gmail.com.

Renan Braga Alves - Sou Renan Braga Alves, sou da classe de pretos periféricos de 1999. Nasci e fui criado no
Curió, em Fortaleza-CE. Desde o começo de 2018 estou dentro do curso de Psicologia da Universidade Federal
do Ceará; e desde 2020 no VIESES. Faço parte do coletivo Enegrecendo AC e do Núcleo Capacita Skinner. Não
BIOGRAFIA DOS AUTORES 45

sei bem para onde quero ir, mas sei que quero estar perto de gente, e tentando promover saúde. E-mail:
renanbragalves@gmail.com.

Tauanaira Nogueira de Morais - Tauanaiara Nogueira de Morais é Graduada em Psicologia (UFC); Especialista
em saúde mental coletiva (ESP/CE), Mestranda do Mestrado Profissional em saúde da população negra e indígena
(UFRB), faz parte do grupo de estudos e pesquisa Quilombolar (UFC), pesquisa saúde da população negra e
quilombola e atua como psicóloga em CRAS do município de Quixeramobim-CE. Email:
tauanaiara@hotmail.com.

Vera Regina Rodrigues da Silva - Professora no Programa Associado de Pós-graduação em Antropologia


Universidade Federal do Ceará (UFC) - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
(Unilab). Professora no seminário "O Brasil contemporâneo sob a ótica de pensadores(as) negros(as): o que temos
a dizer sobre democracia, fascismo e racismo”, promovido pelo ALARI - Afro-Latin American Research Institute
at the Hutchins Center -Harvard University. Vice-coordenadora do Comitê de Antropólogos(as) Negros(as) da
ABA - Associação Brasileira de Antropologia. Diretora de Áreas Acadêmicas da ABPN - Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros(as). Coordenadora do projeto de extensão "Mulheres Negras Resistem: processo
formativo teórico-político para mulheres negras". E-mail: vera.rodrigues@unilab.edu.br.
BIOGRAFIA DOS AUTORES 46

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