Você está na página 1de 304

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................... 3
A LIDERANÇA FEMININA NAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA............................. 3
CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 11
DA “IDEOLOGIA” À PARIDADE DE GÊNERO NA POLÍTICA BRASILEIRA: uma relação
paradoxal ................................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................... 21
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: Brasil, um caso entre democracia e autoritarismo .............. 21
CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................... 36
CONFLITOS INTERGERACIONAIS SOB O VIÉS DA INTERDISCIPLINARIDADE:
reflexões e ponderações .............................................................................................................. 36
CAPÍTULO 5 ....................................................................................................................... 51
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL DO GÊNERO FEMININO À LUZ DO
PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO ............................... 51
CAPÍTULO 6 ....................................................................................................................... 55
A INFLUÊNCIA DA PORNOGRAFIA DIGITAL NO COMPORTAMENTO SEXUAL DOS
JOVENS .................................................................................................................................... 55
CAPÍTULO 7 ....................................................................................................................... 64
BULLYING DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: QUAL A SAÍDA? ....................... 64
CAPÍTULO 8 ....................................................................................................................... 72
UBER E MOTORISTAS: uma relação em crise .................................................................... 72
CAPÍTULO 9 ....................................................................................................................... 87
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, BULLYING E CYBERBULLYING: MECANISMOS DE
COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO .................................................................................. 87
CAPÍTULO 10 ..................................................................................................................... 97
O USO DE AGROTÓXICO NO SÍTIO RIACHO DO UMBUZEIRONO MUNICÍPIO DE SÃO
JOÃO–PE .................................................................................................................................. 97
CAPÍTULO 11 ................................................................................................................... 117
NOTAS CRÍTICAS À MINUTA DO PARECER DO NOVO ENEM: OLHARES DE JOVENS
PESQUISADORAS DA ÁREA DA EDUCAÇÃO ...................................................................... 117
CAPÍTULO 12 ................................................................................................................... 129
A FORMAÇÃO DO CIDADÃO E OS PRINCÍPIOS NEOLIBERAIS: vislumbrando
possibilidades ........................................................................................................................... 129
CAPÍTULO 13 ................................................................................................................... 139
LITERATURA DAS DIÁSPORAS AFRICANA: uma análise nos poemas sangue negro e mãe
preta de Noemia de Sousa e Bruno de Menezes ......................................................................... 139
CAPÍTULO 14 ................................................................................................................... 153
A RELAÇÃO ENTRE O USO DE ÁLCOOL POR ADOLESCENTES E ACIDENTES DE
TRÂNSITO EM CAXIAS – MA ................................................................................................ 153
CAPÍTULO 15 ................................................................................................................... 166
HERANÇA MEMORIAL DO CONFLITO DO JENIPAPO ................................................ 166
CAPÍTULO 16 ................................................................................................................... 177
A IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA PRÁTICA DE ALFABETIZAÇÃO PARA OS
ANOS INICIAIS ...................................................................................................................... 177
CAPÍTULO 17 ................................................................................................................... 189
A RELAÇÃO DO CUIDAR, EDUCAR E BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................................. 189
CAPÍTULO 18 ................................................................................................................... 201
EDUCAÇÃO E PANDEMIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS ........................................... 201
CAPÍTULO 19 ................................................................................................................... 211
O PAPEL DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E DOARTIGO 26 DA
RESOLUÇÃO NÚMERO 03 DO CNE/CEB .............................................................................. 211
CAPÍTULO 20 ................................................................................................................... 221
POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UM MECANISMO DE COMBATE À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM TEMPOS DE COVID-19 ............................................................................. 221
CAPÍTULO 21 ................................................................................................................... 233
VIOLÊNCIA SEXUAL NA COMUNIDADE ÍNDIGENA: Uma Visão Casuística Na Cidade De
Campinápolis Mato Grosso ....................................................................................................... 233
CAPÍTULO 22 ................................................................................................................... 249
DECOLONIALISMO FEMININO E A VISIBILIDADE DA MULHER NEGRA NAS REDES
SOCIAIS .................................................................................................................................. 249
CAPÍTULO 23 ................................................................................................................... 259
PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A COORDENAÇÃO MOTORA DAS
CRIANÇAS .............................................................................................................................. 259
CAPÍTULO 24 ................................................................................................................... 271
O PODER DA LINGUAGEM E DAS REDES NA MANIPULAÇÃO DOS DIRIGENTES
SOCIAIS: um alerta a respeito da imposição ideológica na obra 1984, de George Orwel, e no
Discurso sobre a servidão voluntária, de Étienne de La Boétie ................................................... 271
CAPÍTULO 25 ................................................................................................................... 283
CONTRIBUIÇÕES DA BIOPOLÍTICA NA ATUALIDADE ............................................... 283
CAPÍTULO 26 ................................................................................................................... 289
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO: UMA ANÁLISE DO ALINHAMENTO ESTRATÉGICO
EM UMA EMPRESA DO SEGMENTO BANCÁRIO................................................................ 289
3

CAPÍTULO 1
A LIDERANÇA FEMININA NAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Carlos Viana Pimentel1


Erika Verde Conceição Travassos2
Margareth Argemira de Almeida 3

INTRODUÇÃO

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 57,3


milhões de casas são chefiadas por mulheres, isto é, 38,7% dos lares. Nesses lares, o número
de mulheres negras que assumem a responsabilidade financeira da família chega a 55,2% do
total, ou seja, somos maioria. Apesar de ser uma situação comum, ser uma mãe solo é um grande
desafio. O desemprego nos atinge primeiro, as dificuldades com acesso à creche, educação e
moradia também são maiores e apesar dos avanços ainda somos maioria quanto em baixa
escolaridade, o que contribui para as dificuldades financeiras e manutenção da família.
As mulheres negras no Brasil vivenciaram experiências diferentes das mulheres
brancas. Primeiro, submetidas ao trabalho escravo e a outros tipos de exploração, elas
realizavam os piores trabalhos, os mais duros e mal-visto. "Desde os tempos da escravidão, as
mucamas e criadas dos sobrados eram negras e mestiças, pois tais funções eram consideradas
vis e inaceitáveis para a mulher branca.
Desde o período colonial, as práticas religiosas vinculadas aos negros são alvo de
perseguição por parte da igreja católica e mesmo pelo estado brasileiro.
Só a partir da República é que começa a ideia de pluralismo religioso no Brasil, visto
que as leis garantiam liberdade religiosa. O movimento afro-religioso se configurou a partir da
criação das primeiras entidades representativas dos umbandistas e/ou dos candomblecistas, na
década de 1930. Mas, 70 anos depois, na passagem do século 20 para o 21, ainda mantinha
como a principal pauta de sua agenda a defesa da prática religiosa de seus representados. Foi,
sobretudo, a partir da década de 1980 que integrantes do movimento negro se aproximaram dos

1 Especialista em Língua Portuguesa e Literatura, Especialista em Estudos Africanos, pela FAVENI, Pós-
Graduando em Direito Penal pela FAVENI, Beletrista pela FAFIBE, Graduando em Estudos Africanos-UFMA,
Bacharel em Assuntos Jurídicos- FUTURA, Graduando em Direito-FACSUR, Membro da Comissão da Verdade
da Escravidão Negra e da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/MA- profcarlos74@gmail.com
2 Bacharela em Direito pela Universidade Ceuma. Advogada inscrita na secional Maranhão. Especialista em
Direito do Trabalho pela Estácio de Sá. Vice-presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra OAB/MA,
Autora do livro: Empregados Domésticos, quais são seus direitos?
3 Advogada inscrita na secional Maranhão. Presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil-
OAB/MA. Graduanda em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros.
4

terreiros e passaram a incluir o universo afro religioso no discurso da construção de uma


identidade negra e de sua politização.
Como tantas outras expressões negras, as religiões afro-brasileiras são alvo de
discriminado e de forte preconceito. Considerando que até a metade do século XX o povo de
santo ainda era perseguido pela polícia no Brasil e seus cultos proibidos, cai por terra a ideia de
democracia racial no Brasil, se negros e negras não podem manifestar sua religião, era
considerada inferior por ser de preto. Como se pode afirmar não existe preconceito?
Os estudos sobre as religiões afro-brasileiras e de origem indígena, durante muito
tempo, foram quase que exclusivamente dedicados a pesquisar suas dimensões estritamente
religiosas. Mas esse cenário, felizmente, vem mudando. Patrícia Birman (2006) e Mattijs
Vander Port (2005) chamam atenção para a pertinência do estudo das religiões afro-brasileiras
através do que eles chamam de “novos nexos”. A partir disso, Birman faz uma crítica aos
modelos analíticos que pensam as religiões afro-brasileiras apenas na sua relação com a
sociedade nacional e que se limitam à “porta para dentro”.
Ao longo destes séculos de dominação, o povo negro encontrou subterfúgios para
exercer sua religiosidade. O candomblé resiste, principalmente nas periferias brasileiras, onde
a maioria da população é negra e mestiça.
Em 21 de março de 2003, data em que se comemora o Dia Internacional pela Eliminação
da Discriminação Racial, foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), vinculada diretamente à Presidência da República.3 Medidas contra o racismo vinham
sendo adotadas aos poucos no Brasil, desde a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988).
É por meio da promoção da igualdade racial que a partir de 2003 se apresenta e se
implementa, aos poucos, a agenda negra – ou seja, uma gama de demandas de uma pluralidade
de entidades que compõem o movimento negro que, a partir dos anos 1970, se reestruturou,
acompanhando a frente política que lutou pelo restabelecimento do estado de direito e do
respeito às liberdades civis e aos direitos humanos.
A reivindicação do movimento negro pelo cumprimento do direito à liberdade religiosa
estava vinculada, dessa forma, ao combate ao racismo. Uma ideia sustentada não apenas pelo
discurso dos movimentos afro-religioso e negro, no Brasil, mas também pelo debate que se
fazia em nível global.
O terreiro ocupa várias finalidades, dependendo das atividades religiosas desenvolvidas
no espaço, e por essa razão, em alguns momentos serve de casa, outras situações a exemplo das
funções e cerimônias é um templo. Conforme a disponibilidade de cada filho de santo, a
dedicação oscila durante a semana, exceto quando as funções religiosas mais importantes da
5

casa exigem um tempo maior dos iniciados. É uma dinâmica de ocupação do espaço
interessante, especialmente porque é dividido com os deuses. É comum em dias de cerimônias
religiosas, as atividades transcorrerem de forma natural e em meio a essa situação um filho
receber determinado orixá que tenha a ver com o momento ritualístico, funcional ou litúrgico.
Então, temos deuses e humanos dividindo um lugar de poder.
Os corpos iniciados são captadores, transportadores e emanadores das potências
cultuadas no terreiro. A naturalização dessas presenças faz-se com tanta força e permanência
que o indivíduo se percebe múltiplo, em si e enquanto comunidade. Múltiplo em si, por seus
caminhos de axé, nas encruzilhadas, por sua orixalidade, por seus protetores, por seus
padrinhos, pela ancestralidade que nele se manifesta. Múltiplo na comunidade porque em um
terreiro, todos os dias, em todas as tarefas, a primeira lição é de que “nada se faz sozinho” ou
de que “sozinhos não temos a dinamização do axé”. Axé é essa força vital capaz de transformar
a dinâmica da vida e da morte.
Embora o Brasil não venha conseguindo fazer cessar a violência religiosa a fim de
garantir que todas as pessoas que estejam em território nacional possam comungar e praticar a
sua fé, verifica-se que a elaboração de estratégias para o enfrentamento ao racismo religioso,
são desenvolvidas nos próprios terreiros, nos próprios locais em que se preservam esse
patrimônio cultural, nos templos religiosos de matrizes afro-brasileira e afro-indígena. Essas
estratégias de resistência que garantem a existência dessas religiões ainda hoje no Brasil,
também vão dando destaque às mulheres negras em lugares de representatividade, não apenas
nos lugares de comando e gestão, bem assim de líderes espirituais.

O SINCRETISMO RELIGIOSO

Nas terras brasileiras, as mulheres negras adotaram, além da fé nos deuses, o culto à
Nossa Senhora da Boa Morte e interessante registrar que após a realização da missa em
dedicação à Virgem Maria, elas se dirigiam aos barracões localizados nos fundos das igrejas
para louvar, tocar e dançar com seus Orixás. PRANDI (2003) ressalta que: ―desde o início as
religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades
africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a
frequência aos ritos e sacramentos da igreja‖ (PRANDI, 2003, p. 15).
Ribeiro (2012) explica que por força do processo colonizatório e seus males, o
sincretismo foi uma alternativa para os povos colonizados para pensar uma forma de manter
suas crenças africanas em um contexto brasileiro com imposições culturais e religiosas
6

europeias, foi fazer desta nova realidade a estratégia certa de continuidade da fé e da cultura
negra:

O sincretismo valeu como uma poderosa arma que de início os negros


habilmente manejaram contra a pressão esmagadora da cultura superior dos
povos escravizadores.” (SANCHES, 2001, p. 69)
Apesar dessas dificuldades, houve espaço para manutenção dos costumes e
crenças, ainda que escondidos. Segundo J. O. Beozzo, para os escravos, "não
houve na colônia portuguesa, nada semelhante ao esforço dos jesuítas na
catequese do índio", por mais fraca que esta última se revele ao historiador
moderno. Como já foi dito, a Igreja terminou confiando ao senhor dos
escravos a educação religiosa destes. Isso levou a certa folga, pois os senhores
de escravos não eram muito exigentes: apenas os batizavam e davam-lhes
nomes cristãos (RIBEIRO, 2012, p. 19).

Os povos africanos conseguiram manter a essência de sua cultura mesmo com todo o
sincretismo vivido. Uma prova disso é a mulher ser chefe de um Ilê, mesmo residindo em um
país onde o patriarcado prevalece, a mulher é o pilar das religiões afro-brasileiras, ocupando as
mais variadas posições hierárquicas, como elas, duplamente oprimidas, por serem mulheres
negras e conseguiram ocupas um lugar de destaque em uma casa de santo? (ELIDA, 2014).

MULHERES DE TERREIRO

Diferente das religiões Judaico-cristã, o candomblé dá posição de destaque para as


mulheres, cultuando deusas e tendo mulheres como sacerdotisas. A mulher é vista como
portadora de memória, pois quando a negra chegou como escrava no Brasil, ocupou locais como
cozinheira ou vendedora nos mercados, através dessa abertura ela tinha mais espaço para
manter vivos os contos que aprendeu em sua terra, sendo ela vendedora contava para os clientes,
sendo ela ama de leite ou cozinheira, contava para seus filhos de leite.
“Rainha Tereza”, como ficou conhecida Tereza de Benguela, em seu tempo, viveu na
década de XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Segundo os registros históricos, ela
comandou uma comunidade de três mil pessoas. Uniu negros, brancos e indígenas para defender
o território onde viviam, resistindo à escravidão por mais de 20 anos. Comandou a estrutura
política, econômica e administrativa da comunidade, criando uma espécie de parlamento. O
Quilombo de Quariterê existiu de 1730 a 1795, e a liderança de Tereza de Benguela resistiu até
1770, quando foi presa e morta pelo Estado, segundo historiadores.
Como Tereza são inúmeros as mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, de
terreiro, lideranças nas suas comunidades, na luta por direitos, por trabalho digno, por Justiça.
7

O gênero feminino no Candomblé é também uma busca por entender como aconteceram
os primeiros cultos aos Orixás26, sendo necessário considerar a vivência cotidiana de um ilê, o
relacionamento de seus membros, a sabedoria, experiência e os conhecimentos das yalorixás27
e seus filhos e, se for permitido, entender alguns fundamentos da religião:

Do final do século XIX, até o início do século XX, as mães de santo iniciaram
a organização de uma religião brasileira, de matriz africana, o candomblé.
Congregando um caráter sincrético fortíssimo, essas representantes religiosas
buscaram acima de tudo as alianças necessárias para o resgate, a manutenção
e o respeito às práticas religiosas de origem africana. As alianças eram
fundamentais, uma vez que a perseguição policial aos cultos africanos era
intensa. E, neste sentido, a criatividade mais uma vez prevaleceu na criação
de cargos ministeriais nos terreiros, atribuindo aos homens, muitas vezes
brancos, ocupantes de cargos de destaque na vida pública, a proteção e o
diálogo dos terreiros com as instituições constituídas. Os cargos religiosos
principais, tanto Bernardo quanto Amaral destacam bem: continuaram sob o
domínio das mulheres. (REIS; FREITAS, 2010, p. 12).

Quando o tema se refere aos cultos afro-brasileiros é possível encontrar uma vasta
bibliografia, especialmente as de cunho antropológico, psicológico e sociológico. Contudo,
quando se trata do tema de gênero dentro dessas abordagens, a bibliografia se mostra mais
restrita. Com relação a textos que destacam a atuação e papéis sociais desempenhados pelas
mulheres dentro de suas relações rituais, sociais e de gênero essa é ainda menor.
Ruth Landes (1947-1967) é a primeira autora a abordar a questão do gênero no
candomblé, mas, expressamente, traz em seu trabalho a afirmação de que os candomblés
da cidade de Salvador, na Bahia, funcionavam sobre o regime de matriarcado em que
as mulheres tinham plenos poderes e independência com relação aos homens.
Nas casas de culto de matriz africana do Maranhão definidas como Tambor de Mina a
mulher, além de ser maioria, costuma ter posição muito elevada, o que nem sempre ocorre em
outros contextos da sociedade brasileira marcada pelo machismo. Essa posição vantajosa da
mulher é também encontrada no Candomblé da Bahia e em outras denominações religiosas
afro-brasileiras.
Como lembra Maria Lina Teixeira:

Os terreiros de candomblé têm sido percebidos por estudiosos, literatos e


público de maneira geral como espaços primordialmente femininos. Desde
Nina Rodrigues e Xavier Marques permaneceu subjacente aos escritos de
Edson Carneiro, Ruth Landes, Roger Bastide, Pierre Verger e Jorge Amado,
entre outros (MOURA, 2000, p.197)
8

No Maranhão, na Casa das Minas-Jeje e na Casa de Nagô, fundadas por africanas em


meados do século XIX, só as mulheres entram em transe e dançam com entidades espirituais e
só elas podem chefiar o terreiro. E, na capital, nas duas casas abertas por homens na década de
1950 mais conhecidas – o Terreiro de Iemanjá e a Casa Fanti-Ashanti -, seus pais-de-santo e
fundadores foram coadjuvados por mulheres mais velhas, com muito tempo de dedicação à
Mina (pela mãe ou mãe de criação e por outras) e os cargos ou funções de guia e de contraguia
(de nível hierárquico logo abaixo do pai-de-santo) foram sempre exercidos por mulheres.
O trabalho de Rita Segato (1986/2005) também traz uma abordagem de fôlego sobre
as mulheres nos cultos afro-brasileiros. A autora efetivamente estudou os Xangôs do Recife,
mas logrou alcançar resultados também aplicáveis ao Candomblé. Ela salienta, em
concordância com o que alegou Ruth Landes (1967), que as mulheres negras tiveram mais
oportunidades e de certa forma sofreram menos com a escravidão que os homens negros e essa
maior participação em tarefas remuneradas e grande contato com as famílias brancas e os
senhores patriarcais fez com que desenvolvessem mais tato para as atuações como
comerciantes.
Além dos condicionantes históricos que levaram estas mulheres a chefia das casas de
candomblé, podemos trazer também o elemento do cosmo visão do povo de santo. "A "mulher",
na religião dos orixás, teve na mitologia papel crucial." (BASTOS, 2011, p. 50). Dentro do mito
de criação do mundo no candomblé coube a Oxum a tarefa de criar os seres humanos e sua
representação se dá de forma diferente da Virgem Maria. Oxum é a deusa da beleza, é sensual,
charmosa e cheia de astúcia. A todas as outras também são atribuídos papeis de liderança, força,
inteligência e autonomia. Iansã por exemplo é a único orixá que tem coragem de entrar no reino
dos mortos, Iemanjá é reverenciada com respeito e admiração. Existe uma forte identidade das
mulheres de terreiro em relação os seus orixás. "Oyá Igbalé, entidade feminina também
conhecida como Iansã Balé, é cultuada com os ancestrais; considerada rainha e mãe dos
egungun, é cultuada num assentamento especial.
Discutir sobre a visibilidade e invisibilidade das mulheres adeptas a religiões de matriz
africana é muito complexo. Não podemos ser tão radicais de dizer que essas mulheres são
totalmente visíveis, considerando os exemplos de Stella de Oxóssi, que além de escrever livros
ocupa uma vaga na Academia Baiana de Letras, ou Mãe Beata de Yemanjá que além de fazer
conferências, também tem livros publicados, ou ainda Macota Valdina, que fez vários
documentários e recentemente publicou seu mais novo livro, assim como Mãe Carmem, filha
mais nova de Mãe Menininha do Gantois e outras. É importante ressaltar que no universo de
9

tantas mulheres de santo, temos um número muito pequeno de mulheres visíveis na sociedade
brasileira.
Por essa razão, o aspecto histórico é fundamental para a compreensão do tema, evitando
assim de cair no esquecimento toda a trajetória que essas mulheres construíram ao longo dos
anos, o que não foi nada fácil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nós como membros da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil da


OAB/MA queremos buscar todas aquelas ações da escravidão que persistem até hoje e fazem
do país um campeão da luta contra a desigualdade, da discriminação e do racismo. É preciso
que investiguemos a fundo os fatos da escravidão, assim como a Comissão Nacional da Verdade
investigou fatos da ditadura e da tortura que persistem até hoje, a nossa comissão também
pretende abolir, encerrar, banir os fatos que existem na escravidão até hoje.
A OAB deve ser instrumento a favor da igualdade. O século passado abraçou a ideia da
liberdade, agora precisamos promovê-la. Não podemos ter medo de olhar para o nosso passado.
Precisamos revisitá-lo e entendê-lo, para que atrocidades contra a população negra não se repitam.
Acreditamos que nosso maior desafio enquanto pesquisadores ao abordar um tema tão
complexo como gênero feminino no candomblé é olhar para o passado, como uma forma de
compreender os valores culturais e civilizatórios que nos levam ao continente africano. Sem
essencialismos e romantismos, pensamos que é inquietante trazer um tema desta natureza para
a investigação, porque estamos falando a princípio de mulheres, mais que isto, mulheres negras,
indígenas, mestiças e brancas que são empoderadas dentro de uma religião que em pleno século
XXI ainda é alvo da intolerância religiosa, e que essa crença nasce a princípio através da fé e
resistência à exploração desumana proporcionada por um sistema econômico mercantil. Ainda
que as mulheres empoderadas constituam uma porcentagem muito pequena no universo das
religiões de matriz africana, nos perguntamos onde estão as mulheres líderes de outras crenças
religiosas.
Viver a comunidade do Candomblé é aprender a conviver com as diferenças, é vencer
seus ―demônios interiores‖, é abraçar a causa nobre da religião que é muito discriminada,
assim como aprender que pequenos gestos se transformam em atos nobres. Assim, pudemos
ver o comportamento das mulheres de axé durante vários finais de semana de funções e
obrigações religiosas.
Ser uma mulher de terreiro, é cuidar de uma comunidade toda. Dizemos isso, porque
um terreiro não é só um espaço físico onde se praticam ritos. Para além dos muros, existe uma
10

comunidade, que, muitas vezes, vê nos terreiros só seu porto seguro, onde pode buscar ajuda
para as suas demandas. É nos terreiros que, não raro, essa comunidade busca alimentação,
remédios, conselhos e um olhar e atenção que nem sempre encontra, seja por parte do Estado,
seja de outras instituições. Dito isso, acreditamos que as mulheres de terreiro são de
fundamental importância para o equilíbrio do terreiro/comunidade, por seu olhar amoroso para
com o seu povo e por sua capacidade de agregar valores capazes de transformara vida das
pessoas.
Que essa leitura nos inspire a seguir mobilizando uma produção intelectual que nos faça
transitar dos terreiros à universidade, em diálogo direto com os conhecimentos e teorias que as
mulheres de axé sempre criaram, mobilizaram e continuam mobilizando. Salve nossas
ancestrais! Axé!

REFERÊNCIAS

BASTOS, Ivana Silva. Mulheres Iabás: Sexualidade, transgressão no candomblé. - João Pessoa:
UFPB, 2011.
BIRMAN, Patrícia. Percursos afro e conexões sociais: negritude, pentecostalismo e
espiritualidades. in TEIXEIRA, F. & MENEZES, R. (org.) As Religiões no Brasilcontinuidades
e rupturas. Petrópolis, Vozes, 2006.
LIMA, Elida R.S. Mulheres do Axé: a liderança feminina nos terreiros de candomblé, 2014.
MOURA, Carlos Eugenio M. de (org.). Candomblé: religião do corpo e da alma: tipos
psicológicos nas religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2000
PRANDI, Reginaldo. Raça e Religião. Novos Estudos Cebrap, n. 42. pp. 113-129, São Paulo,
1995.
VAN DER PORT, M. Sacerdotes Midiáticos: O candomblé, discursos de celebridade e a
legitimação da autoridade religiosa na esfera pública baiana in Religião e Sociedade, 25 (2).
Rio de Janeiro, ISER. P. 32-61, 2004.
REIS, Joselia Ferreira; FREITAS, Rita de Cássia Santos. De matriz africana: o papel das
mulheres negras na construção da identidade feminina. Seminário Internacional Fazendo
Gênero, 9. UFSC, 2010
RIBEIRO, Arilda I. Miranda. Mulheres e educação no Brasil-Colônia: histórias entrecruzadas.
In: LOMBARDI et al. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas, SP:
Graf. FE: HISTEDBR, 2006.
SEGATO, Rita L. “Género, política e hibridismo en la transnacionalización de la cultura Yoruba”.
In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 2, pp. 333-363, 2003.
11

CAPÍTULO 2
DA “IDEOLOGIA” À PARIDADE DE GÊNERO NA POLÍTICA
BRASILEIRA: uma relação paradoxal

Cleidi Pereira4

INTRODUÇÃO

As mulheres brasileiras somente conquistaram o direito ao voto em 1932 – ou seja, passados 84


anos da conquista do sufrágio universal. Tal alijamento da política institucional fez com que até o início
da década de 1980, apesar da crescente participação feminina no mercado de trabalho, não mais que oito
parlamentares do sexo feminino fossem eleitas para a Câmara dos Deputados. Após 21 anos de ditadura
militar, a redemocratização do país favoreceu a participação feminina na política. O país teria a sua
primeira senadora apenas em 1990, a primeira governadora em 1994 e a primeira presidenta da
República em 2010.
A eleição de Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores) é um ponto de inflexão. Mesmo sem
avanços significativos em termos de direitos sexuais e reprodutivos, como a legalização do aborto, a
faixa presidencial no peito de uma mulher representava uma ameaça aos olhos de movimentos
conservadores e religiosos. Não por acaso o seu segundo mandato viria a ser interrompido, em 2016,
por um golpe parlamentar travestido de impeachment. Foi durante o governo Dilma que a agenda anti-
gênero, marcada pela retórica da “ideologia de gênero”, ganhou força no país, como uma reação a
iniciativas voltadas, principalmente, para os direitos da população LGBT, entre outros.
Uma década depois da eleição da primeira mulher para o cargo político máximo do país, o
pêndulo ideológico apontou para a extrema-direita. E paradoxalmente o suposto combate à “ideologia
de gênero” ajudou a alavancar a paridade de gênero na política brasileira, sem que tal avanço –
meramente numérico – fosse traduzido em políticas públicas de promoção de equidade. Neste artigo,
faremos um resgate histórico da trajetória da lei de cotas e demonstraremos que a nova direita cristã –
que catapultou Jair Bolsonaro ao poder – alimenta e dissemina a retórica anti-gênero como ferramenta
discursiva para mobilização do eleitorado, e como esta estratégia ajudou a eleger mais mulheres de perfil
conservador.

A SUB-REPRESENTAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA

Durante muito tempo, o pleno exercício da cidadania foi negado às mulheres, que só viriam a
ter direito ao voto muito mais tarde do que os homens. A desigualdade de gênero não é um fenômeno

4
Jornalista. E-mail: cleidicris@gmail.com
12

restrito à esfera política, contudo parece ser muito mais persistente nos lugares de decisão. Apesar do
significativo aumento na taxa global de participação feminina na força de trabalho nos últimos 20 anos,
elas ainda estão sub-representadas nos órgãos de poder político – fato que é interpretado como um défice
democrático que debilita a legitimidade do processo de tomada de decisão.
São inúmeros os fatores condicionantes da participação das mulheres na elite política, os quais
perpassam por questões sociais e históricas, socioeconômicas e de ordem política, o que reforça a
importância de se analisar a questão a partir de uma abordagem interdisciplinar. Afinal, “com a
complexificação e a hibridação da realidade contemporânea, torna-se cada vez mais evidente que as
dimensões humanas e materiais dos problemas aos quais a ciência se enfrenta estão estreitamente
intricadas” (RAYNAUT, 2014, p. 8).
O reconhecimento das assimetrias tem levado inúmeros países a adotar políticas de ações
afirmativas, como as cotas legislativas. Isso ocorreu de forma preponderante após a Declaração e
Plataforma de Ação de Pequim, aprovada na IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, que
estabeleceu a desigualdade em relação à participação no poder político e nas instâncias decisórias como
uma das doze áreas de preocupação prioritária. Embora tenha sido um dos primeiros países a estabelecer
o sufrágio feminino, em 1932, o Brasil permanece há muitos anos entre os últimos colocados no ranking
mundial de representação parlamentar feminina. O mau desempenho do país perdura mesmo duas
décadas após a adoção de uma política de cotas.
Nas últimas décadas, o tema da sub-representação feminina tem sido analisado por inúmeros
autores, tanto no campo dos feminismos como no da ciência política. Atendendo a orientações de órgãos
internacionais, como Nações Unidas, os países têm adotado políticas para promover a igualdade entre
homens e mulheres. Atualmente, 118 nações e territórios em todo o mundo – mais da metade do total –
possuem algum tipo de quota de gênero para os cargos eleitos (DAHLERUP et al., 2013).
A política de cotas está inserida no campo das chamadas ações afirmativas que buscam – como
medida compensatória em um primeiro momento – reconhecer discriminações existentes e atuar no
sentido de impedir que elas se perpetuem (GROSSI; MIGUEL, 2001). A maioria dos países adotou esta
política nos últimos 15 anos e os termos utilizados para designá-la variam (assentos reservados, cotas
partidárias e cotas legislativas). Conforme Franceschet, Krook and Piscopo (2012), há na literatura
quatro explicações sobre como o tema das cotas tem alcançado a agenda política, que são
resumidamente: a partir da mobilização das mulheres, por razões estratégicas da elite, devido a motivos
ideológicos dos próprios partidos ou como resultado de pressão de organizações internacionais.
Embora não seja o objetivo deste trabalho examinar profundamente as causas da baixa
participação feminina nas instâncias de poder e de tomada de decisão, vale citar algumas possíveis
explicações encontradas na literatura. Uma delas diz respeito à genderização assumida pela dicotomia
público-privado, fundamento das teorias liberais. Pateman (1993) afirma que tais esferas – também
interpretadas como feminina (natural) e masculina (civil) – “são contrárias, mas uma adquire significado
13

a partir da outra, e o sentido de liberdade civil da vida pública é ressaltado quando ele é contraposto à
sujeição natural que caracteriza o domínio privado” (p. 28).
Além disso, de acordo com Okin (2008), para entender as mais variadas esferas públicas, é
preciso considerar o fato de que “foram construídas sob a afirmação da superioridade e da dominação
masculinas e de que elas pressupõem a responsabilidade feminina pela esfera doméstica” (p. 320). Nesse
sentido, a autora questiona se as políticas seriam as mesmas se os que nela “estão engajados fossem
pessoas que também tivessem responsabilidades cotidianas significativas voltadas para os cuidados dos
outros” (p.320)
Referência no debate sobre desigualdade de gênero, Pateman foi quem introduziu na teoria
política, no início dos anos 1990, o conceito de “contrato sexual”, que faz uma reinterpretação do
contratualismo sob uma perspetiva feminista e bidimensional. Se o contrato social explica o governo
dos cidadãos pelo Estado, é o “contrato sexual” – inicialmente omitido, mas depois recuperado pelos
contratualistas por meio do contrato de matrimónio – que justifica “o governo das mulheres pelos
homens e, portanto, a estrutura patriarcal do Estado moderno” (PATEMAN, 2015).
Posteriormente, analistas passaram a citar a teoria do contrato sexual como um potencial
explicação para as desigualdades entre homens e mulheres. Bedia (2008) vai nesta linha ao analisar, a
partir da hermenêutica feminista, as teorias de Hobbes, Locke e Rousseau sobre o contratualismo e
concluir que nas obras destes autores estão as “chaves significativas sobre as origens do patriarcado
moderno e da exclusão das mulheres da democracia” (p.49).
Uma exclusão tão radical dessa nova distribuição de poder não poderia realizar-se por parte dos que
mais ativamente defenderam a igualdade natural dos indivíduos sem que se produzam quebras analíticas
em suas teorias. (…) Os três conceitualizam o homem como cidadão – com mais ou menos limitações
– e a mulher como súdita. Suas universais propostas de liberdade e igualdade deixam de ser universais
quando hão de ser aplicadas às mulheres.” (p.50)

A LEI “NATIMORTA” DE COTAS BRASILEIRA

O Brasil ocupa atualmente o 133° lugar no ranking mundial da União Interparlamentar sobre
representação parlamentar feminina em parlamentos nacionais, em uma lista composta por 193 países.
É um dos piores índices das Américas, embora a maioria do eleitorado seja composta por mulheres.
Enquanto em alguns países, sobretudo europeus, a percentagem de mulheres na política tem aumentado
desde os anos 1990, os resultados eleitorais dos últimos anos parecem demonstrar que a política de cotas
tem sido ineficaz no Brasil. Falsas candidaturas e ausência de punição para os partidos que descumprem
a regra são algumas das possíveis razões.
A evolução da paridade tem progredido, mas ocorre a um ritmo lento. Com a eleição que definiu
a composição do Congresso Nacional Constituinte, o percentual de mulheres na Câmara dos Deputados
passou de 1,7% em 1982 para 5,3% em 1986 e manteve-se relativamente estável nos pleitos
14

subsequentes, atingindo o recorde de 15% na eleição de 2018, como pode ser verificado no gráfico
abaixo.

Gráfico 01 - Parlamentares eleitas e percentagem em relação ao número de vagas:

90
80
77
70
60
50 51
46 44
40 42

30 32
29 29
26
20
15
10 8 8,2 9 8,6 9,9
4 5,3 5,8 6,2 5,7
0 1
0 1 1,7
1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018

Deputadas eleitas % em relação a vagas

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Antes de avançarmos para os efeitos mais recentes, apresentaremos a cronologia da trajetória


da implementação das cotas no Brasil, apontando as distorções já identificadas pela literatura. Inspirada
pela IV Conferência Mundial sobre a Mulher e pela experiência exitosa de outros países com as cotas
de gênero, a bancada feminina no Congresso Nacional articulou-se e conseguiu aprovar uma quota
mínima de 20% para as candidaturas de mulheres nas eleições municipais do ano seguinte. Depois desta
primeira experiência, os parlamentares aprovaram uma alteração na legislação eleitoral (Lei n.º
9.504/1997), que estendeu a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional (Câmara dos
Deputados, Assembleias Legislativas nos Estados e Câmara Distrital). O texto, no entanto, foi alterado
para assegurar não mais uma quota mínima para as mulheres, mas, sim, uma quota mínima de 30% e
uma máxima de 70% para qualquer um dos sexos.
Conforme Grossi & Miguel (2001), a norma foi aprovada pelo Congresso com o apoio de grande
parte da bancada masculina após uma negociação que garantiu também um aumento no número total de
candidaturas (de 100% para 150% das vagas). Na prática, segundo os autores, esta ampliação culminou
na redução do impacto da medida. Ainda há no caso brasileiro outras particularidades que merecem ser
destacadas: o sistema eleitoral é o de representação proporcional com lista aberta, em que os partidos
não determinam a ordem preferencial dos candidatos, e os partidos não são obrigados a preencher todas
as vagas reservadas para mulheres. Mas estes são aspetos a serem analisados no próximo tópico.
Uma primeira tentativa de corrigir eventuais distorções ocorreu em 2009, com a chamada
“minirreforma eleitoral”. O texto da Lei 9.504/97 foi alterado para obrigar os partidos e legendas a
“preencher” – e não mais apenas “reservar” – o mínimo das vagas com candidaturas femininas.
15

Entretanto, a norma continuou sem prever sanções para os casos de descumprimento, sendo incumbência
dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) avaliar as candidaturas apresentadas pelos partidos e
estabelecer eventuais punições.
O resultado foi que os partidos continuaram a lançar candidaturas de mulheres apenas para
preencher a quota, sem investir em suas campanhas, segundo avaliação do próprio TSE. Em uma nova
investida, com foco nas eleições gerais de 2018, o Tribunal determinou, através da resolução
23.553/2017, que as siglas destinariam ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo
30% do total de recursos do Fundo Partidário. E a medida surtiu efeito: nas eleições de 2018, o número
de mulheres eleitas aumentou 52,6% em relação a 2014. Segundo dados do TSE, 9.204 (31,6%)
mulheres concorreram a um cargo eletivo em 2018, sendo que, destas, 290 foram eleitas.

O IMPACTO DA MEDIDA NO BRASIL

Passadas pouco mais de duas décadas da adoção das cotas para todos os cargos eletivos no
Brasil, o que a literatura e os resultados das eleições demonstram é que, na prática, a legislação teve um
efeito incipiente. Entre os fatores apontados como possíveis explicações para a ineficácia da lei das
cotas, estão a ampliação do número global de candidaturas (de 100 para 150% das vagas, aprovada junto
com as cotas) e, principalmente, a ausência de punição para os partidos e as coligações que descumpram
as regras, como já mencionado anteriormente.
Os números relativos a candidaturas de mulheres no Brasil entre 1996 e 2018, conforme os
gráficos abaixo, indicam que o percentual mínimo estabelecido em lei somente começa a ser cumprido
a partir dos pleitos de 2012 (no âmbito municipal) e de 2014 (estadual/federal) e mais especificamente
no poder Legislativo. Tal mudança decorre da alteração no texto da lei das cotas de gênero, em 2009,
também já citada. Mesmo que ainda não estabeleça sanções, a nova roupagem da norma conferiu-lhe
um caráter de obrigatoriedade.
No entanto, ao voltarmos o foco para a quantidade de mulheres eleitas, observamos que a
legislação ainda se apresenta improfícua. Nas últimas eleições (2016 e 2018), apenas 13,5% dos
vereadores eleitos eram do sexo feminino, bem como 11,6% dos prefeitos, 15,5% dos deputados
estaduais, 3,7% dos governadores, 15% dos deputados federais e 13% dos senadores. Chama a atenção
o fato de que, nas Assembleias e Governos Estaduais, o aumento de candidaturas femininas resultou em
diminuição na quantidade de eleitas nos últimos pleitos.
Quando são projetados os panoramas futuros, a ineficiência da lei das cotas brasileira fica ainda
mais clara. Alves (2010) aponta três possíveis cenários para a paridade na Câmara dos Deputados: 1) no
mais otimista deles, que considera a média do número de deputadas eleitas entre 2006 e 2010, o país
teria metade do seu parlamento formado por mulheres no ano 2054; 2) no intermediário, com a média
de 1982 a 2006, a equidade seria atingida em 2150; 3) no mais pessimista, levando em conta a média
entre 1986 e 2006, a paridade seria alcançada somente em 2218.
16

Retomando às causas da fragilidade da lei das cotas brasileira, estudos verificaram já nas
primeiras eleições após a implementação da norma a resistência dos partidos em apoiar candidaturas
femininas. Grossi e Miguel (2001) coletaram testemunhos e identificaram casos em que, mesmo que as
mulheres tivessem mais chances de ganhar, prevaleceu a lógica sexista sob a eleitoral. Entre as
dificuldades encontradas pelas mulheres para uma maior participação na política, muitas destacaram “a
falta de apoio financeiro e de recursos materiais para as campanhas, colocando-as, também nesse
momento, em situação de desvantagem em relação aos homens” (p. 177).
Tal resistência possivelmente leva a outra questão relevante para a compreensão dos baixos
índices de feminização da política brasileira: as chamadas candidaturas “laranjas” ou listas falsas, em
que os partidos registram mulheres como candidatas apenas para preencher a quota mínima de 30%.
Nas eleições municipais de 2016, as mulheres representavam 89,4% dos 16.131 candidatos em todo o
país que não receberam um único voto no pleito, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) .
Mas ainda há um outro elemento que não pode ser ignorado: as características do sistema
eleitoral brasileiro. Rule (1994) concluiu que o sistema de representação proporcional tende a ser o mais
favorável para a eleição de mulheres, em comparação com o majoritário (menos favorável) e misto
(pouco favorável). O Brasil possui um sistema de representação proporcional, mas com lista aberta, que
não seria o formato mais benéfico para as mulheres, devido ao voto personalista.
De acordo com Araújo (2001), há uma relação estreita entre sistemas de lista e eficácia das cotas,
em que sistemas de listas fechadas ou semifechadas são mais positivos. A autora defende que, diante
dos limites observados, os estudos sobre gênero e política deveriam incorporar às suas análises,
geralmente centradas no tema da "resistência masculina", uma leitura crítica sobre as características do
sistema eleitoral brasileiro e da legislação aprovada.
ELEIÇÕES DE 2018: o avanço (numérico) rumo à paridade?
No ano em que o 57,8 milhões de brasileiros elegeram como 38º presidente da República o
candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, que se tornou conhecido por declarações machistas,
sexistas, racistas e homofóbicas, o país também viu aumentar significativa e paradoxalmente o número
de mulheres na elite política. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam para um crescimento
de 52,6% no número de mulheres eleitas nas Eleições Gerais de 2018, em comparação com o pleito de
2014.
Na Câmara dos Deputados, foram eleitas 77 parlamentares, atingindo o percentual recorde de
15% do total de cadeiras. Uma mulher, a ex-jornalista Joice Hasselmann (PSL), também foi a segunda
mais votada, superando a marca de 1 milhão de votos. Contudo, uma maior participação de mulheres na
política não necessariamente significa que as bandeiras da luta por igualdade de gênero serão levadas
adiante, ou, conforme Scott (2019), que elas “foram mobilizadas como mulheres”.
O caso da deputada que se tornaria líder do governo Bolsonaro é um exemplo emblemático. Nas
suas redes sociais, antes e durante a campanha eleitoral de 2018, Joice foi, nos termos de Miskolci e
Campana (2017), uma das “empreendedoras morais” responsáveis por amplificar o discurso da
17

“ideologia de gênero”, disseminando um “pânico moral” que, em última instância, visa a manutenção
do status quo, ou seja: “(…) o Estado como espaço masculino e heterossexual, portanto refratário às
demandas de emancipação feminina e de expansão de direitos e cidadania àqueles e àquelas que
consideram ameaçar sua concepção de mundo tradicional” (MISKOLCI e CAMPANA, 2017, p. 743).
Os autores, ao mapearem debates envolvendo questões de gênero e sexualidade na América
Latina, identificaram três elementos comuns, relativos aos contextos em que a discussões ganharam
relevância: ocorreram a partir da virada do milênio; emergiram em países que passaram a ter governos
de esquerda; e deflagraram-se em torno de reformas educacionais e legais. No Brasil, segundo eles, a
“ideologia de gênero” ganhou terreno a partir de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF)
reconheceu a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O caso de Joice remete ao fato de que o acesso a posições nos corpos representativos é um passo
importante, mas não suficiente. Miguel (2012) também acrescenta que, apesar de serem formalmente
iguais, dois representantes podem ter diferentes níveis de prestígio, influência e habilidade para legislar.
Uma das prováveis causas seria o comportamento feminino no Legislativo brasileiro, já que, conforme
o autor, as mulheres seriam mais “propensas” a focar em temas sociais do que em questões mais notórias
como economia e infraestrutura. Ou seja, mesmo no espaço público, é reservado às mulheres uma área
mais privada. Uma análise mais aprofundada sobre esta questão deveria considerar a relação entre afeto
e política, conforme Solana e Vacarezza (2020) sugerem.
Por outro lado, a ampliação da participação política mulheres no Brasil teve continuidade nas
eleições municipais de 2020 (o percentual nas câmaras passou de 13% para 16%), paralelo a um outro
fenômeno: uma espécie de apropriação do discurso da representatividade por setores conservadores.
Guardiã das pautas morais do governo Bolsonaro, Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, lançou a campanha “Mais Mulheres na Política” com o objetivo de eleger pelo menos
uma vereadora em cada cidade brasileira. “Eu tive todos os motivos do mundo para desistir da política,
mas não desisti. Hoje, eu tenho certeza de que se não fosse a persistência, teriam me tirado da política
porque nós víamos homens assumindo com maior facilidade. A vontade de lutar para que a mulher tenha
voz e vez fez com que eu continuasse”, afirmou durante o evento de lançamento.
Advogada e pastora evangélica, Damares é uma figura central do governo Bolsonaro, que
ostenta um dos piores índices de participação feminina no Executivo entre todos os países do mundo,
segundo União Interparlamentar. Se a nova direita cristã brasileira fosse representada por uma pessoa,
ela certamente seria uma mulher com uma bíblia embaixo do braço. Exatamente como Damares. Diante
do inevitável avanço da participação feminina na política partidária e representativa, os movimentos
conservadores e religiosos parecem ter optado por surfar na onda, subvertendo e apropriando-se de
discursos. A estratégia de disseminar o pânico moral a partir do suposto combate à “ideologia de gênero”
pode ser apontado como um dos fatores responsáveis, paradoxalmente, pelo aumento numérico de
mulheres na arena política.
18

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na prática, a lei de cotas brasileira foi uma espécie de “cavalo de Troia”, fruto da negociação
com a bancada masculina, que diluiu o efeito da lei de gênero, como demonstram as estatísticas e
resultados das eleições realizadas ao longo de duas décadas. Somam-se a isso as características do
sistema eleitoral brasileiro (representação proporcional e lista aberta) e de uma cultura política
clientelista, marcada por perceções de gênero que naturalizam as desigualdades (ARAÚJO, 2001).
Por um lado, a aprovação da lei sem que houvesse um debate público sobre a sub-representação
feminina e demais disparidades não contribuiu para conscientizar a sociedade brasileira sobre esta
problemática. Por outro, permite que a legislação permaneça ineficaz e sem alterações significativas no
sentido de garantir que os objetivos sejam atingidos, como a inclusão de sanções para partidos e
coalizões que descumpram as regras.
Autores como Araújo (2001) têm sugerido alguns desdobramentos práticos, como a formulação
de uma proposta normativa de sistema eleitoral que melhor responda às cotas ou, face às limitações
impostas pelo atual sistema vigente, repensar a política em termos do lugar que ocupa na agenda dos
movimentos feministas. Contudo, a resposta para a apatia legislativa da Câmara dos Deputados – cuja
composição é predominantemente masculina – pode estar na resistência à conquista do espaço público
pelas mulheres, na ausência de pressões externas e na heterogeneidade do próprio movimento feminista
brasileiro.
Quanto ao percentual de mulheres eleitas nas últimas décadas para os diversos cargos eletivos
no Brasil, chama atenção o fato de que a presença feminina é geralmente mais expressiva no Legislativo
(Câmaras Municipais, Câmara e Federal e Senado Federal) do que no Executivo (Prefeituras Municipais
e Governos Estaduais). A exemplo do trabalho de Lisboa e Teixeira (2016), cabe aqui recuperar a análise
do modelo de não-proporcionalidade de Maurice Duverger (1955) e afirmar que os dados também
“revelam um afastamento das mulheres, em termos proporcionais, das várias instâncias de participação
política, tanto maior quanto mais elevado o grau de poder de decisão” (p. 113).
Por fim, as estatísticas eleitorais corroboram com as análises que indicam que as instituições
são herdeiras de valores patriarcais e reproduzem hierarquias e relações de dominação, excluindo as
mulheres dos lugares de decisão (Riot-Sarcey, 1994; Viegas e Faria, 2001). Portanto, a desigualdade de
gênero no âmbito da política brasileira trata-se também de uma questão estrutural: mais do que cotas, é
necessário reformular as ideias sobre os papeis de gênero, o que, como diversos estudos sugerem, está
intimamente associado ao aumento de mulheres nos cargos eleitos. Mas é preciso ir além.
Partindo do pressuposto de que a igualdade de gênero é uma questão de direitos humanos e uma
condição para a justiça social, a conquista de uma representação política mais equilibrada é um desafio
a ser enfrentado em qualquer sociedade que busca ser democrática. Entretanto, mais do que
quantitativamente, a paridade precisa ser real e engajada. E é justamente nesse gap que as diferentes
19

vertentes do feminismo precisam atuar, encontrando pontos de convergência. Mais do que nunca, o
pessoal é político e se faz urgente reinventar a política como espaço feminista.

REFERÊNCIAS

ALVES, José Eustáquio Diniz. A sub-representação da mulher na política no Brasil e a


nova política de cotas nas eleições de 2010. MDH, 2010. Disponível em
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-
mulheres/arquivo/assuntos/poder-e-participacao-politica/programas-acoes/desigualdades-
entre-mulheres-e-homens/politica/mulher_na_eleicao_2010_ipg_.pdf . Acesso em 04 abr.
2020.
ARAÚJO, Clara. As Cotas por Sexo para a Competição Legislativa: O Caso Brasileiro em
Comparação com Experiências Internacionais. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, v. 44, n. 1, 2001. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=21844106 .
Acesso em 05 abr. 2020.
ARAÚJO, Clara, e ALVES, José Eustáquio Diniz. Impactos de Indicadores Sociais e do
Sistema Eleitoral sobre as Chances das Mulheres nas Eleições e suas Interações com as Cotas.
Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 3, p. 535-577, 2007. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/dados/a/b7x7pwPWdRPcsXd7hPmTghB/?lang=pt. Acesso em 05 abr.
2020.
BIROLI, Flávia, e MELLO, Janine. Gênero e representação política: hipóteses sobre as
diferenças entre a atuação de deputadas e deputados federais na 52ª. Legislatura (2003-
2006). Revista Ártemis, v. 11, p. 1-20, 2010. Disponível em:
https://biblat.unam.mx/hevila/RevistaArtemis/2010/vol11/1.pdf. Acesso em 07 abr. 2020.
BEDIA, Rosa Cobo. La democracia moderna y la exclusion de las mujeres. In: HENRIQUES,
Fernanda. Gênero, diversidade e Cidadania. Lisboa: Colibri, 2008, p. 49-61.
DAHLERUP, Drude et al. Atlas of electoral gender cotas. Stockholm: IDEA, 2013.
FRANCESCHET, Susan; KROOK, Mona Lena; PISCOPO, Jennifer M. The Impact of
Gender Quotas. New York: Oxford University Press, 2012.
GROSSI, Miriam Pillar; MIGUEL, Sônia. Transformando a diferença: as mulheres na
política. Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 1, p. 167-206, 2001. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ref/a/D3mtYCb7yv3yQkKqgkv4Xrn/?lang=pt . Acesso em 10 maio
2020.
LISBOA, Manuel; TEIXEIRA, Ana Lúcia. Gênero e tomada de decisão na esfera política em
Portugal. Falar de Mulheres, p. 7-121, 2016. Disponível em:
https://run.unl.pt/handle/10362/29724
MIGUEL, Luis Felipe. Policy Priorities and Women’s Double Bind in Brazil. In:
FRANCESCHET, Susan; KROOK, Mona Lena; PISCOPO, Jennifer M. The Impact of
Gender Quotas. New York: Oxford University Press, p. 103-118, 2012.
MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a
genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, v. 32, n. 3, p. 725-748,
2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/Ns5kmRtMcSXDY78j9L8fMFL/?lang=pt .
Acesso em 12 maio 2020.
OKIN, Susan Moller. Gender, the Public and the Private. Revista Estudos Feministas, v. 16,
n. 2, p. 305-332, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ref/a/4MBhqfxYMpPPPkqQN9jd5hB/?lang=pt. Acesso em 8 ago.
2020.
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
20

PATEMAN, Carole. Sexual contract. In: The Wiley Blackwell Encyclopedia of Gender
and Sexuality Studies. John Wiley & Sons, Ltd, 2015. Disponível em
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/9781118663219.wbegss468. Acesso em 5
abr. 2020.
PINTO, Céli Regina Jardim. Paradoxos da participação política da mulher no Brasil. Revista
USP, n. 49, p. 98-112, 2001. Disponível em:
http://www.periodicos.usp.br/revusp/article/viewFile/32910/35480
RANGEL, Patrícia Duarte. Série histórica: Mulheres e Eleições – 1996 a 2012. CFEMEA:
Brasília, 2014. Disponível em:
http://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/mulheres_nas_eleicoes_1996_2012_ser
ie_historica.pdf. Acesso em 13 mar. 2020.
RAYNAUT, Claude. Os desafios contemporâneos da produção do conhecimento: o apelo
para interdisciplinaridade. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, v. 11, n. 1,
p.1-22. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-
1384.2014v11n1p1. Acesso em 15 ago. 2020.
RIOT-SARCEY, Michèle. A democracia representativa na ausência das mulheres. Estudos
Feministas, p. 247-255, 1994. Disponível em http://www.jstor.org/stable/24327175. Acesso
em 8 ago. 2020.
RULE, Wilma. Women's underrepresentation and electoral systems. PS: Political Science &
Politics, v. 27, n. 4, p. 689-692, 1994. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/420369.
Acesso em 13 maio 2020.
VIEGAS, José Manuel Leite; FARIA, Sérgio. As Mulheres na Política. Oeiras: Celta, 2001.
SCOTT, Joan W. 2019. Outras reflexões sobre gênero e política. Revista Crítica Histórica,
v. 10, n. 19, p. 10-38, 2019. Disponível em:
https://www.seer.ufal.br/index.php/criticahistorica/article/view/8333. Acesso em: 7 ago. 2020.
SOLANA, Mariela; VACAREZZA, Nayla Luz. Sentimientos feministas. Revista Estudos
Feministas, v. 28, n. 2, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2020v28n272445. Acesso em
22 ago. 2020.
21

CAPÍTULO 3
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: Brasil, um caso entre democracia e
autoritarismo

Raiane Santos5
Ítalo Gordiano6

INTRODUÇÃO

As discussões acerca das vertentes propulsoras do sistema autoritário e do campo


democrático atravessam estudos e teorias investigativas sobre ângulos específicos. Ainda que
debates desse cunho estejam sendo desencadeados desde os antepassados, como o conceito de
democracia tendo surgido na Grécia Antiga e o fator autoritarismo tendo ganhado foco
principalmente nos estudos políticos na Alemanha do século XIX, estas discussões são
recorrentes e atuais também no século XXI, sobretudo quando existe o interesse em
compreender as razões pelas quais os modos de “fazer política” na contemporaneidade têm
ganhado novas performances.
A questão fundadora do presente artigo surge principalmente a partir da visão
consensual dos autores Francis Fukuyama (2018), Levitsky e Ziblatt (2018) ao afirmarem em
seus respectivos estudos que o principal objetivo da construção e interesse das reflexões
análiticas se deram a partir da eleição de Donald John Trump, 45º presidente dos Estados
Unidos, eleito em 2016. Um dos destaques diante da visão dos referidos autores, é que o sistema
democrático nos EUA parecia ser o modelo ideal, contudo, os autores supracitados, sobretudo
o cientista político Francis Fukuyama (2018), chama atenção para o fato de que são várias as
possibilidades de países democráticos vivenciarem práticas autoritárias a partir dos líderes
presidencialistas. Dentro desta perspectiva, o autoritarismo pode ser reproduzido de forma
velada, uma vez que se utiliza a faceta da democracia participativa 7 por meio do direito de
exercício ao voto.
Como delimitação, o trabalho aponta a eleição de Donald Trump paralelamente à
eleição de Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, eleito em 2018. É feito um comparativo

5
Mestranda em Sociologia pelo PPGS/UFS. Graduada em Ciências Sociais pelo DCS - UFS
6
Mestrando em Sociologia pelo PPGS/UFS. Graduado em Ciências Sociais pelo DCS - UFS
7
Conceito atribuído pelo teórico Boaventura de Sousa Santos. Segundo o autor, “[...] o primeiro elemento
importante da democracia participativa seria o aprofundamento dos casos nos quais o sistema político abre mão
de prerrogativas de decisão em favor de instâncias participativas.” (p.77)
22

entre ambos pela razão mútua a qual evidenciou a simpatia e semelhança entre as formas
adotadas de se governar. Fukuyama (2018) ressalta que representantes e simpatizantes pelo
autoritarismo se reconhecem uns nos outros.
O referencial teórico escolhido passa por autores que explanam a ideia de identidade
nacional e identidade cultural enquanto categoria representativa; teoria do reconhecimento
enquanto condição necessária para a visibilidade de identidades e dignidades; a política do
ressentimento como efeito pelo não reconhecimento de dignidades individuais bem como
grupais; tendência à submissão e a execução de fatores autoritários, e, ainda, autores que versam
sobre os dilemas do campo democrático e os fazeres necessários para evitar a desestabilização
de democracias em detrimento de sistemas autoritários.
Diante disso, o que se buscou através desse diálogo de abordagens foi compreender de
que modo o comportamento autoritário de representantes em governos presidencialistas pode
ser gerenciado a partir da conexão com que tais comportamentos possam estar colocando as
democracias em risco, sobretudo a democracia brasileira, a qual ganha foco na presente
discussão.

IDENTIDADE REPRESENTATIVA E RESSENTIMENTO: DUAS PERSPECTIVAS

Pensar as relações de identidade na era moderna implica diversas questões dentro do


universo sociopolítico, sobretudo quando estas questões estão pautadas a partir da
descentralização causada pelo advento da globalização. Embora diversos autores e autoras
tenham se dedicado aos estudos sobre cultura e identidade de forma não linear, existe uma
espécie de formato que imbrica a discussão de identidades dentro do fenômeno nacional e
cultural. Stuart Hall (2006) em sua obra “A identidade cultural na pós-modernidade” menciona
o filósofo Scruton (1986)8 ao afirmar que na perspectiva da modernidade, o indivíduo é sociável
intrinsecamente ainda que sua subjetividade seja resguardada. Desse modo, a identidade
cultural só é passível de pertencimento ao sujeito a partir de algum arranjo, esteja ele voltado
para classe, religião, nação ou qualquer outra dimensão em que exista o sentimento de
identificação.
A perspectiva em que Stuart Hall (2006) se debruça é a de que as identidades nacionais
não nascem dentro da condição biológica. Tal percepção acaba desmistificando a inerência de

8
SCRUTON, Roger. Authority and allegiance. ln Donald, J. and Hall, S.(orgs.) Politics andideology. Milton
Keynes: Open University Press, 1986.
23

determinada identidade à indivíduos como fator natural, onde, em muitos casos, o aspecto
cultural acaba sendo limitado. Em vias de compreensão, o autor visualiza a identidade como
um processo de formação e transformação a partir da representação, de modo que este conceito
atravessa também a ideia de cultura nacional a partir da representação. Posto isso, Hall (2006)
salienta que
[...] as culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais,
mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um
discurso - um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. (HALL, 2006, p.
50)

Pensar identidades sem considerar todas as transformações nas vertentes socioculturais,


implica no diálogo que o próprio Stuart Hall (2006) faz com o Benedict Anderson (1983) ao
citar que “a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”.” (p.51). A concepção de
Benedict Anderson é referenciada como categoria de afirmação de que identidades não se
concentram em campos sólidos. Se a identidade nacional é diagnosticada a partir da ideia de
nação, existe uma contingência no sentido de que pertencer a um determinado grupo torna-se a
condição primária de heranças e tradições, de modo a serem ampliadas e ressignificadas dentro
do campo moderno subjacente. Assim, Hall descreve, também, a identidade nacional como
representação primordial, pois, ainda que determinados vínculos estruturados dentro de
representações enquanto identidade cultural estejam em modo “ocioso”, ainda assim esta
identidade continuará existindo mesmo que aconteça numa dinâmica imagética.
O embasamento das discussões sobre identidade nacional, segundo o autor, não está
focado somente na era da modernidade, contudo, a representação de identidade ganha um foco
maior no âmago da modernidade em consequência das transformações a partir do advento da
globalização. No que diz respeito ao discurso de cultura nacional, o autor pondera que existe
uma ambiguidade entre o passado e o futuro, de modo que este percurso se equilibra “entre a
tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à
modernidade.” (HALL, 2006, p.56). O ato de tentativa de retorno a glórias passadas bem como
o impulsionamento para avanços e deslocamentos, pode ser entendido, também, como o ato de
reativar a condição de reconhecimento de identidades específicas a partir do que o filósofo e
cientista político Francis Fukuyama (2018) denomina como thymos, isotimia e megalotimia.
Tais denominações são atributos da condição do homem seja no sentido psíquico ou não, como
alguém que necessita de reconhecimento. Este sentimento pode surgir sobretudo em
consequência da necessidade de igualdade entre indivíduos ou comunidades em que
características de identificação são semelhantes.
24

Assim como Stuart Hall (2006) pré-determinou que a discussão sobre identidades é
múltipla, principalmente diante do fenômeno da modernidade, Francis Fukuyama (2018)
interage com essa ideia de multiplicidade na medida em que associa o conceito de identidade
ao reconhecimento de dignidades. Segundo o autor, “temos identidades definidas por raça,
gênero, local de trabalho, educação, afinidades e nação.” (FUKUYAMA, 2018, p.187).
Considerando parâmetros subjetivos diante das experiências que cada indivíduo ou grupo
vivencia, a condição de exigência por dignidades ocorre a partir da ausência de consideração
destas especificidades sejam elas individuais ou grupais, gerando, desse modo, ressentimentos.
O cientista político Javier Amadeo (2017) em seu estudo sobre o processo de
identidades e as interfaces do reconhecimento, faz uma análise destas perspectivas à luz das
teorias de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser – autores que dialogam sobre tais
questões em diferentes panoramas. Para Amadeo, o reconhecimento está pautado sobretudo na
circunstância de reivindicação de individualidades, seja de maneira interpessoal ou por
intermédio de instituições. À vista disso, o autor cita Charles Taylor (2000) ao delinear seu
pressuposto principal sobre a teoria do reconhecimento:

[...] nossa identidade é moldada em parte pelo reconhecimento ou por sua


ausência, frequentemente pelo reconhecimento errôneo por parte dos outros,
de modo que uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer reais danos, uma
real distorção, se as pessoas ou sociedades ao redor deles lhes devolverem um
quadro de si mesmas redutor, desmerecedor ou desprezível. O não
reconhecimento [sic] ou o reconhecimento errôneo podem causar danos,
podem ser uma forma de opressão, aprisionando alguém numa modalidade de
ser falsa, distorcida e redutora. (TAYLOR, 2000, p.241 apud AMADEO,
2017, p.246)

Levando em consideração a representação de identidade e sua transformação em


ressentimento quando não reconhecida, a dimensão autoritária enquanto reprodução pode ter
uma influência psíquica, como Adorno e colaboradores (1950) denominaram por “submissão à
autoridade”. Tal submissão representa o desejo ou a afinidade pela adoção de ações que
coloquem indivíduos (lideranças) em posição de endeusamento. Esta categoria de tendência à
autoridade está associada às pessoas que são acríticas no que diz respeito às tendências
autoritárias, contudo, existe uma teoria subjacente quanto a reprodução do autoritarismo por
vias de líderes políticos.
O sentido que Adorno (1950) em conjunto com seus colaboradores atribui à
personalidade autoritária, realça o vínculo existente entre o ato de agir de forma autoritária
como consequência de experiências passadas. Isto pode ocorrer em decorrência de todo e
qualquer ato em que relações de poder sejam estruturadas, gerando, dessa forma, um diálogo
25

vertical entre as partes. Um fato relevante é que a tendência assim como a afinidade pelo
autoritarismo surge no âmago de representações constituídas hierarquicamente. Fukuyama
(2018) ao falar sobre a política de ressentimento, menciona casos em que o autoritarismo surge
como uma “réplica” à ausência de dignidades. O autoritarismo desencadeado dentro de
parâmetros antidemocráticos é exemplificado quando o autor cita o caso do fundador da Al
Qaeda:

Quando o fundador da Al Qaeda, Osama Bin Laden, tinha catorze anos, a mãe
dele encontrou-o de olhos fixados na Palestina “lavado em lágrimas enquanto
via televisão na sua casa da Arábia Saudita.” A sua cólera pela humilhação
dos mulçumanos foi mais tarde ecoada pelos seus jovens correligionários que
se voluntariaram para combater na Síria em nome de uma religião que lhes
creem ter sido atacada e oprimida em todo o mundo. Esperavam recriar no
Estado Islâmico as glórias de uma anterior civilização islâmica. (2018, p.26)

Tal acontecimento nos remete ao direcionamento de dois polos diante da política do


ressentimento. O primeiro trata-se do caso mencionado acima, onde “o indivíduo, para salvar
o próprio equilíbrio ameaçado em sua raiz pelos impulsos em conflito, se agarra a tudo quanto
é força e energia e ataca tudo quanto é fraqueza.” (BOBBIO, et al., 1998, p.98). No segundo
polo, a exigência por dignidade é identificada a partir do fato ocorrido na Tunísia, quando o
ambulante Mohamed Bouazizi teve seu material confiscado, ele foi até o gabinete do governo
solicitar que devolvesse seu material de trabalho e subsistência, mas recusaram recebê-lo. A
humilhação e desconsideração pela individualidade de Bouazizi enquanto cidadão, gerou uma
revolta que lhe custou a vida. Bouazizi ateou fogo em si próprio enquanto gritava “como
esperam que eu ganhe a minha vida?”
Em conformidade com Norberto Bobbio, et al., (1998), a partir da concepção
democrática, “o autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade. Ela é uma
manifestação da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo
sua liberdade.” (p.94). Ainda em consenso com o autor, o autoritarismo pode ser delimitado a
partir de três contextos: “a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a
respeito do poder e as ideologias políticas." (p.142). Dentro do panorama psicológico, a
personalidade autoritária é composta por traços itinerantes de acordo com os interesses por trás
de cada ação específica, os autores chamam atenção para dois traços principais:

De uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores,


incluindo por vezes obséquio e adulação para com todos aqueles que detêm a
força e o poder, de outra parte, a disposição em tratar com arrogância e
desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm
poder e autoridade. (1998, p.94)
26

Em vista do que foi exposto até o momento, é importante destacar que autoritarismo e
democracia são dois conceitos divergentes e isso soa em tamanha obviedade, entretanto, dentro
do que David Runciman (2018) chama de “autoritarismo pragmático do século XXI” (p.156),
pode-se afirmar que personalidades autoritárias ganharam e continuam ganhando visibilidade
e poder dentro de novas facetas do autoritarismo em contraste com o autoritarismo enquanto
“corrente do pensamento político alemão do século XIX.” (BOBBIO, et al., 1998, p.96)
O chamado “autoritarismo pragmático'' têm ocorrido também a partir dos surtos de
aprovação de líderes populistas, como ressalta Fukuyama (2018). Acontece que candidaturas
baseadas em promessas gera um sentimento de mudança enquanto possibilidade alcançável.
Este mesmo efeito ocorreu nas eleições do Brasil, em 2018, quando Bolsonaro foi eleito. Uma
das principais razões para a justificativa da eleição de Bolsonaro dentro do senso comum é de
que os brasileiros estavam saturados do rumo que a política nacional estava tomando, sobretudo
no viés econômico, necessitando, portanto, de uma nova faceta. Para que de fato exista um bom
funcionamento das representações democráticas, é necessário um equilíbrio entre a igualdade
e a liberdade no sentido de coexistir participação política dos indivíduos paralelamente à
liberdade de posicionamento sem que a participação política seja considerada única e
exclusivamente a partir do exercício do direito ao voto.
O politicamente correto é apontado como um dos maiores problemas identitários, de
modo que o respeito e reconhecimento de dignidades individuais e grupais ocorre de forma
velada. Trump publicizou suas manifestações através de um diálogo que chamou a atenção de
muitos dos seus seguidores, afinal, o dito líder populista engajado de carisma, fala sobre fatores
que muitos outros se recusam em nome dos bons e velhos costumes, ou, muito provavelmente
para desviar do campo coercitivo em termos morais.
A simpatia do então presidente do Brasil, Bolsonaro, com o Trump não é um fator
eventual. Fukuyama (2018) ressalta que figuras autoritárias e simpatizantes pelo autoritarismo
se reconhecem uns nos outros. Ambos sinalizam a mesma condição de “fazer política”.
Enquanto o Trump, durante sua campanha eleitoral foi acusado de zombar de uma jornalista
deficiente e afirmar que havia apalpado algumas mulheres, o Bolsonaro em palestra realizada
no clube Hebraica no Rio de Janeiro, em 2017, afirmou ter ido em um Quilombo e que os
afrodescendentes não serviam nem para procriar. Além disso, fez comentários machistas e
sexistas onde ele afirmou: “Eu tenho cinco filhos, foram quatro homens, na quinta dei uma
27

fraquejada e veio uma mulher”.9 Mesmo diante destas e outras atrocidades ditas por Bolsonaro
e Donald Trump, ambos foram eleitos. O que é evidenciado com estes resultados em números
majoritários, é que os grupos os quais tem suas dignidades desconsideradas e reconhecimentos
não atribuídos, têm grandes apoiadores contrários e sentem-se representados quando vozes
importantes na visão hierárquica falam aquilo que muitos se recusam a verbalizar, não por
serem contrários, mas sim com o intuito de manterem-se numa bolha de proteção no sentido
moral.
O sistema eleitoral de ambos os presidentes citados acima, corresponde à democracia
de forma em que a população apta ao voto se manifesta de quatro em quatro anos durante as
eleições que colaboram para a manutenção institucional da democracia. Assim como Donald
Trump, seria Bolsonaro uma ameaça à democracia? Para tal pergunta, precisamos entender
como a democracia se comporta em situações como estas, de desestabilização e intolerância
dentro do jogo político.

AUTOPROTEÇÃO DEMOCRÁTICA

A democracia é um tema que vira e mexe torna-se o pivô de discussões e conversas no


dia a dia das pessoas, principalmente se forem brasileiros discutindo. Futebol e política são dois
assuntos que a língua arde ao falar. De alguma forma, talvez por ser o sistema institucional em
que vivemos, e por assim ser uma opinião que muito paira na “boca” do brasileiro, havendo
sempre uma opinião a apontar o que seria a democracia se questionado. Esta, que por sua vez
é um jogo, movida entre acordos e passes, assim como no muito conhecido futebol brasileiro,
com árbitros, tempo, um campo e jogadores. No período de dois em dois anos as eleições
institucionais são puxadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), onde é dada a largada da
corrida eleitoral que compõe dois dos três poderes reguladores da administração pública: o
executivo e o legislativo. O judiciário, que seria o então terceiro poder, é de instância não eletiva
de forma concedida ao povo, mas de acertos e concursos entre os bacharéis em direito que
ocupam o cargo de magistério.
Primeiramente, a democracia é um sistema político e em consequência elege
representantes a partir da escolha da maioria dos votos por meio da eleição direta,
principalmente no que tange o ocidente. Apesar de ser velha em sua construção, com suas raízes

9
Matéria em que as afirmações do presidente Jair Bolsonaro foram registradas. Disponível em:
https://revistaforum.com.br/noticias/bolsonaro-eu-tenho-5-filhos-foram-4-homens-a-quinta-eu-dei-uma-
fraquejada-e-veio-uma-mulher-3/ acessado em: 15/07/2021
28

em Platão, Aristóteles e o universo Grego, não se fez ausente na América latina e é


relativamente nova, tendo passado por algumas turbulências antes de ser reconhecida como
democrática.
Mas, o que é uma democracia? Para Bobbio (1998), é um sistema de regras e métodos
que tem por premissa a constituição do governo e o poder das decisões políticas que
caracterizam a construtividade do cotidiano material de uma população; âmbito econômico,
social, político e cultural. Ou seja, age diretamente em todas as esferas que compõem a
organização social, as quais são perceptíveis aos membros da sociedade, movida por uma
constituição, e entrelaçadas às diversas formas de apresentação em sua materialidade. Assim, a
democracia é a “organização social em que o controle político é exercido pelo povo, o qual
delega poderes a representantes periodicamente eleitos” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA,
1974, p. 92). Portanto, um sistema de representação, onde a figura máxima - no caso do
presidencialismo, o presidente - o chefe do governo, é a autoridade representativa da vontade
do povo e fiscalizador dos outros poderes em exercício de suas funções.
Contudo, chegando quase ao meio do fim de ¼ de século, temos, segundo o The
Economist 10, a partir de um senso tirado em 2020, dados analisados que demonstram serem
167 o número de países que fazem parte do sistema democrático eleitoral. No mundo são 195
países registrados pela ONU, onde bem mais da metade são adeptos do sistema democrático
como regime político. Não nos cabe aqui uma profunda pesquisa e reflexão acerca do porquê
de 32 países não aderirem ao sistema democrático na administração pública. Mas podemos nos
esforçar para trazer o debate ao âmbito contemporâneo e nos questionar sobre a possível ameaça
à democracia brasileira, partindo da premissa de que o chefe de estado tem se colocado
enquanto representante de medidas autoritárias diante o sistema democrático.
Portanto, existe um debate que busca elucidar circunstâncias difusoras da instabilidade
do sistema democrático. O que garantiria, então, que a democracia seja um jogo justo diante da
grande diversidade de grupos políticos e partidos que, acirradamente, competem pelo êxito na
disputa entre os poderes? Para Stanley Levitsky e Daniel Ziblatt (2018), autores do livro Como
as democracias morrem e professores de ciência política em Harvard, as democracias
Americanas são comprometidas com chamadas para as eleições locais e nacionais que definem
o futuro do executivo e do legislativo, responsáveis pela então preocupação com a
representação do povo diante das necessidades do cotidiano, envolvendo o econômico, político
e social. Desta forma, na medida em que tal consistência seja ameaçada de desestabilização

10
Disponível em: https://www.economist.com/graphic-detail/2021/02/02/global-democracy-has-a-very-bad-year
29

surgem medidas de proteção democrática para assegurar que não haja abuso de poder por parte
do representante chefe do estado, são essas “grades de proteção” chamados de pesos e
contrapesos que consistem em tolerância mútua e reserva institucional.
Esses pesos e contrapesos são medidas funcionais para contenção do executivo,
geralmente mais usadas em sistemas presidencialistas, portanto, uma medida de proteger
interesses e evitar ameaças à democracia por parte de uma figura autoritária. A organização
burocrática constitucional é imposta para que medidas de contenção sejam levantadas em
circunstâncias de abuso do poder presidencial, o que tem se mostrado eficiente nos Estados
Unidos, segundo os autores. Até a eleição de Donald Trump, nos EUA, a qual fez com que eles
discutissem a forma com que as democracias se comportam em situações envolvendo
demagogos e outsiders políticos, com inclinações autoritárias, quando empossados de cargo do
Estado.
Se a forma de tomar o poder no início do século XX foi feita de forma espetacular, como
demonstra David Runciman (2018) ao descrever sobre o golpe militar da cidade de Atenas em
1967, onde músicas marciais eram tocadas nas rádios e tanques pairavam pela cidade,
atualmente tem-se feito de forma diferente. O enredo militarizado foi sendo ofuscado, apesar
de sua relevância e atividade, assim, dando espaço para a forma autocrática de subversão do
status quo da democracia.
Figuras surgem do plano de fundo, por meio das eleições nacionais e geralmente estão
acompanhadas por uma crise econômica, política, social, sanitária e etc., como no Peru na
década de 90 com a eleição de Alberto Fujimori, do qual teve inflação e insegurança nacional
como pontos importantes de sua eleição (LEVITSKY e ZIBLATT, 2018) ou como no Brasil
em 2018 nas eleições nacionais após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em uma
crise política ideológica ocasionando a eleição do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, até
então deputado e ex-militar, eleito por uma série de fenômenos favoráveis ao fato dele surgir
em meio a uma crise da política nacional e centralizar seus interesses a fatores como
antipetismo, saudosismo militar e intolerância aos adversários políticos.
Portanto, Levitsky e Ziblatt (2018) apontam como as democracias tendem a rachar e
minar através do processo democrático eleitoral, assim, “uma abordagem comparativa também
revela como autocratas eleitos em diferentes partes do mundo empregam estratégias
notavelmente semelhantes para subverter as instituições democráticas.” (Levitsky; Ziblatt,
2018, p. 15). Os autores voltaram suas atenções para os estudos acerca da Europa nos anos 30
e a América Latina com ascensão autoritária na década de 70. Exemplos como Alberto
Fujimori, Hugo Chávez e Juan Perón, respectivamente no Peru, na Venezuela e na Argentina,
30

assim como na Europa, com Putin na Rússia, Recep Erdogan na Turquia e Viktor Orban da
Hungria, são situações políticas semelhantes das quais os autocratas têm em comum sobre as
jogadas políticas como aparelhamento do Supremo Tribunal, cooptação da mídia, dos cargos
públicos, desrespeito a mídia e ao establishment político. Desse modo, manipulando os cargos
públicos e colocando sectários para assumirem posições decisivas em órgãos reguladores e
fiscalizadores. Os autores descrevem sobre a infiltração do poder de forma que:

É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando


tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a
mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo
as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os
oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os
assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia –
gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la. (LEVITSKY; ZIBLATT,
2018, p. 20)

Concomitantemente, para uma contenção do abuso de poder por parte do presidente, os


autores vão citar as grades de proteção da democracia, e como elas funcionam para frear o
extrapolar as atividades presidenciais. Esses freios e contrapesos, alertam os autores, têm
também os traços informais em sua composição, ou seja, não estão escritos em lei e podem ser
lidos enquanto reservas institucionais. Assim, relatam os autores, na construção histórica do
sistema democrático Norte Americano, as reservas institucionais sempre se fizeram presente,
por exemplo, é citado o caso de Washington, em 1797, evento do qual abriu o precedente da
reeleição ser usada somente uma vez pelo presidente. De forma não constitucional, estabeleceu-
se que os então presidentes estariam duas vezes apenas no mandato do poder presidencial e
assim se seguiu até o caso de Theodore Roosevelt na primeira metade do século XX, em que
foi necessária uma intervenção judicial constitucional para frear a tentativa do presidente de ir
além dos dois mandatos.
Justificando as reservas institucionais, consistindo no respeito mútuo durante o
exercício da política, a ideia que vinga pela democracia é respeitar a atuação do oponente em
campo político. O que ferozmente não é respeitado e nem levado a sério pelos autocratas em
poder, os quais visam desestruturar para condicionar aos interesses próprios. Dessa forma,
buscam usar as instituições democráticas para fazer isso, sitiando seus oponentes e
desestabilizando os costumes da mutualidade, assim:

Normas de reserva institucional são especialmente importantes em


democracias presidencialistas. Como sustenta Juan Linz, governos divididos
podem facilmente levar a impasses, disfunções e crises constitucionais.
Presidentes sem comedimento ou controle podem aparelhar a Suprema Corte,
alterando a sua composição, ou contornar o Congresso, governando por
31

decretos. E congressos sem comedimento podem bloquear todos os


movimentos do presidente, ameaçando lançar o país no caos ao se recusarem
a financiar o governo ou ao votarem pelo afastamento do presidente com base
em motivos dúbios. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p.125)

Outro caso citado é o da tolerância mútua, que consiste no respeito ao adversário


político, respeitando-o durante a sua atuação no mandato. Os autores descrevem a importância
dessa regra mútua, pois é nela que reside o respeito, assim “dito de outra forma, tolerância
mútua é a disposição dos políticos de concordarem em discordar” (LEVITSKY; ZIBLATT,
2018, p. 119). Quando não há essa tolerância, esse respeito, ocorre a transformação do oponente
em inimigo. O legislativo pode querer intervir nas medidas presidenciais, como barrar a
indicação à vaga do Supremo Tribunal, ou por exemplo, alterar e/ou anular as Medidas
Provisórias levantadas pelo presidente. Os autores defendem que a ideia é de que os poderes
funcionem entre si sem a necessidade de um interferir no outro, e quando ocorre de forma
descontrolada significa que as grades estão sendo balançadas. Entretanto, a partir do
questionamento acerca da possibilidade do risco de subversão da democracia norte-americana,
os autores vão buscar na explicação da tolerância mútua e da reserva institucional os motivos
de prevenção do jogo político ao entorno da democracia.
Posto isto, voltando os olhares ao Brasil, podemos nos questionar: a representação de
Bolsonaro seria aspirante à autocracia? Quais medidas seriam tomadas pelas grades de
contenção da democracia para frear o avanço de atitudes autoritárias? Entendemos até aqui
quais pontos configuram uma democracia e quais contrapontos ameaçam a estabilidade.
Portanto, as grades de contenção podem, e são, facilmente balançadas por movimentos
autocráticos, o ataque à mídia, a captura de árbitros e a cooptação dos servidores públicos fazem
parte do empreendimento autoritário de minar e precária o sistema democrático. Podemos,
assim, fazer uma comparação ao atual governo brasileiro que se iniciou em 2018 para tentarmos
localizar semelhança com o diagnóstico de ameaça à democracia, o autoritarismo.

REPRESENTAÇÃO AUTORITÁRIA: UM CASO BRASILEIRO

Em 2018, um dos autores citados anteriormente, Steven Levitsky, esteve em uma


11
apresentação promovida pela Fundação Fernando Henrique Cardoso , encontro intitulado
com o nome do livro Como as democracias morrem. Propondo um exercício rápido, do qual
seria possível identificar os passos que caracterizariam o agir do autoritarismo em lupa do então

11
Disponível em: https://youtu.be/8bX7EdK0-1M
32

concorrente à presidência, Jair Messias Bolsonaro. Trouxemos este exercício aqui para
mostrarmos a não coincidência entre ações e narrativas expelidas por Bolsonaro durante sua
jornada política. Este, que ao ser expulso do exército brasileiro, conseguiu firmar-se enquanto
deputado e ficou em tal função até eleger-se presidente em 2018 com 57% dos votos nas urnas
durante as eleições nacionais.
Nesta palestra dada a Fundação FHC, foi possível coletar através da falar do autor, e
demonstrar neste artigo, pontos que traduzem o diagnóstico em passos dados pelos autocratas
em ascensão ao poder, estes passos se caracterizam por: (1) rejeição das regras democráticas,
(2) intolerância ou incentivo à violência (3) negação da legitimidade dos rivais partidários (4)
restringir a liberdade civil dos adversários, inclusive a mídia. Tais sintomas caracterizam a
representação de um autoritário em suas ações. E como este se apresenta e representa uma
identidade autoritária diante da vida pública, ou seja, agindo de acordo com o que acham ser
melhor para si, perante suas visões de mundo e acreditando em um apoio nacional.
A primeira regra se encaixa em uma entrevista dada em maio de 1999 ao programa
Câmera Aberta 12, onde Bolsonaro deixou claro que era a favor da ditadura militar, e que só
com a morte de 30 mil ou mais pessoas seria possível uma mudança no Brasil, afirmando, ainda,
que caso fosse eleito, prezaria pela dissolução do congresso e a instauração da ditadura. Na
mesma entrevista, propõe a tortura como método de punição e abertamente defende o porte de
armas, o que já configura a segunda regra descrita por Steven Levitsky.
Os insultos à mídia como traço comportamental da representação autoritária, não
deixaram de estar presentes na narrativa bolsonarista, ficando claramente aberta a rejeição ao
Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Lula – ex-presidente do partido opositor, incentivando a
violência e a prisão do mesmo, bem como dos membros filiados ao referido partido, chamando-
os de “vagabundos”. A terceira e quarta regra demonstram que a configuração da forma de se
comportar diante a política é uma representação fiel do comportamento autoritário do então
presidente do Brasil.
Embora medidas dentro do constitucionalismo sejam efetuadas e praticadas como
ferramenta para a contenção de regimes autoritários bem como o enfraquecimento gradativo
das democracias, Levitsky e Ziblatt (2018, p. 115) ressaltam que “constituições são sempre
incompletas. Como qualquer conjunto de regras, elas têm inúmeras lacunas e ambiguidades”.
Essas lacunas podem ser identificadas como um risco para a democracia, no sentido que o
cientista político Fukuyama (2018) pontua como a relação igualdade-liberdade. Em muitos

12
Disponível em: https://youtu.be/VRzVMcOdK1I
33

casos, falas que infringem indivíduos e/ou grupos já foram feitas a partir de linguagens com a
justificativa de que a liberdade de expressão é um direito constitucional, e de fato o é.
Para que de fato exista um bom funcionamento das democracias, é necessário um
equilíbrio entre a igualdade e a liberdade, no sentido de coexistir participação política dos
indivíduos junto à liberdade de posicionamento sem que a participação política seja considerada
única e exclusivamente a partir do exercício do direito ao voto. As chamadas grades de
contenção, a partir da interferência dos campos judiciário e legislativo possuem grande
finalidade quando analisamos esta perspectiva no campo nacional. Segundo o site jornalístico
Gazeta do Povo, em 2019 o então presidente Jair Bolsonaro queixou-se que o Congresso queria
torná-lo uma espécie de “rainha da Inglaterra” 13
, comparando seu governo ao sistema
monárquico britânico, que reina, mas não governa, isso porque o presidente teve medidas
barradas pela câmara de deputados, controlando, portanto, seus passos e minando seus
interesses.
Um caso que podemos trazer para elucidar essa questão foi a tentativa do presidente de
mudar a demarcação das terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura por meio
da Medida Provisória (MP) 807 em maio de 2019. A qual foi barrada pelo legislativo e,
determinando então que a demarcação das terras ficasse sob a responsabilidade da FUNAI,
junto ao Ministério de Justiça. Em junho a MP foi enviada novamente ao congresso, sendo
devolvida pelo senado sob o argumento de não poder haver uma edição na MP já rejeitada no
mesmo ano. Portanto, a demarcação das terras segue sob responsabilidade da FUNAI,
mostrando a possibilidade do frear dos passos presidenciais.
Com esses exemplos podemos mensurar como tem sido a representação de Bolsonaro
enquanto presidente. O modelo autoritário segue em fluxo a continuidade do exercício em
presidência, as grades de proteção mantêm-se na medida em que podem ser acionadas contra
as vontades perplexas do então presidente. O legislativo exerce sua função de posicionar-se
contramedidas descabidas do executivo, visando a proteção e continuidade da estabilidade
democrática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

13
Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/congresso-projetos-de-bolsonaro-barrados-
rainha-da-inglaterra/
34

A democracia no Brasil foi dominada no século anterior por regimes militares, passando
de Getúlio Vargas na primeira metade do século XX à ditadura militar de 1964 até 1985, quando
o então processo de democratização começa a atribuir ao povo o direito à escolha do
representante por meio do voto direto. Eleições diretas foram puxadas e os militares foram
colocados à retaguarda da administração do país. O esquecimento faz parte do processo de
nacionalização, e isso tem acontecido com o Brasil enquanto nação. É inimaginável pensarmos
que um país onde houve uma ditadura por tanto tempo, por cima de tantas vidas, pudesse,
atualmente, colocar um presidente com viés antidemocrático e abertamente autoritarista.
O ressentimento que faz parte da narrativa de Bolsonaro é apontar para supostos ladrões
da nação e comunistas que querem destruir a moral e os bons costumes da família tradicional
brasileira. As ameaças são de todos os lados e recentemente a maior tem sido no processo
eleitoral. O presidente tem insistido repetidamente em suas entrevistas que há fraude nas
eleições e que só dessa forma Lula voltaria a governar a presidência. O próprio STF (Supremo
Tribunal Superior) junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já admitiu não haver tal
possibilidade, assegurando a não necessidade de substituição do formato das eleições e mesmo
assim há constante ataque às instituições, tentando deslegitimá-las.
Contudo, a representação que Bolsonaro faz enquanto chefe de estado, na melhor das
hipóteses beira a insanidade, e não é repentino tal comportamento. Desde antes mesmo da
corrida eleitoral em 2018, o então deputado já se posicionava de forma bruta e áspera diante
das instituições democráticas, o sistema político e seus colegas de congresso, deixando explícito
qual tipo de representação era almejada, a autoritarista.
Desse modo, resta à nação brasileira o despertar de 2022, na esperança de que a figura
autocrata seja substituída e a democracia possa respirar de forma a não ficar aprisionada as
grades de contenção como medida extrema para evitar o abuso do poder executivo. Entretanto,
ao menos essa tem se mostrado eficiente, como acima citado.

REFERÊNCIA
ADORNO, Teodor. W., et al. The authoritarian personality. New York: Harper and Row, 1950.
ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. Londres: Verso, 1983.
AMADEO, Javier. Identidade, Reconhecimento e Redistribuição: uma análise crítica do pensamento de
Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. Política e sociedade, v. 16 n. 35, Florianópolis, 2017. p.
242-270.
BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad.
Carmen C. Varrialle, Gaetano Loiai Mônaco; coord. trad. João Ferreira; rev. geral: João Ferreira e Luis
Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1. ed., 1998.
Editora Globo. Dicionário de Sociologia. 1ª Edição. Porto Alegre. 1974.
FUKUYAMA, Francis. Identidades: a Exigência de Dignidade e a Política de Ressentimento. Lisboa:
Dom Quixote, 2018.
35

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira
Lopes Louro - 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
LEVITSKY S., ZIBLATT, D. Como as Democracias Morrem, Zahar, 2018.
RUNCIMAN, David. Como a democracia chega ao fim. Tradução: Sergio Flaksman, São Paulo:
Todavia, 1. ed., 2018.
SANTOS, Boaventura de S. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa.
Boaventura de S. S., organizador. - Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2002.
.
36

CAPÍTULO 4
CONFLITOS INTERGERACIONAIS SOB O VIÉS DA
INTERDISCIPLINARIDADE: reflexões e ponderações

Bárbara Cristina Kruse14


INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo analisar a geração da década de 90, intitulada de geração
“mimimi” e suas frequentes repercussões nas redes sociais. Se trata de um artigo reflexivo, que
utiliza a metodologia de revisão de literatura e observação empírica do espaço virtual e
midiático. É certo que a discussão aqui proposta não buscar esgotar o tema, até mesmo porque,
a geração assim intitulada é um fenômeno recente e que não conta com vasta literatura
acadêmica.
É papel das ciências sociais, nesse sentido, estudar e tentar compreender o tempo em
que se está inserto. Assim como é papel das ciências humanas analisar o comportamento
humano perante as diferentes condições de existência social entre os seres humanos (CASTRO
& DIAS, 1992). Esse artigo, deste modo, nasce no bojo do pensamento sociológico para
adentrar em outras áreas, como a geografia, o direito e a história.
A percepção da necessidade de se escrever a respeito, se deu, em especial pelos
embates acalorados adentrados nas redes sociais atualmente. O ano de 2021, em especial,
fomentou discussões de grandes proporções com o programa televisivo Big Brother Brasil. O
programa que já conta com várias edições, teve grande salto de audiência ao colocar na casa,
além de pessoas comuns que buscam fama e dinheiro, também outras que já são famosas no
meio televisivo e midiático.
Deste modo, o avistamento de que a televisão ainda é um dos meios de comunicação
de massa mais difundidos entre a sociedade, pode ser facilmente constatada graças a
visibilidade do programa supramencionado. Não obstante, a seleção dos participantes dele,
conta com pessoas imbuída de pensamentos, convicções e ideologias díspares, além de
diferenças étnico-raciais e sexuais. Ademais, devido ao grandioso tamanho do país, a
multiculturalidade regional é muito presente e notável entre os participantes do Big Brother

14
Doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG), Mestre em Gestão do Território (UEPG), Especialista em
Direito Aplicado (EMAP-PR), bacharel em direito e geografia. Licenciada em história.
37

Brasil. Tais vivências diversas, tornaram também o programa recheado de embates sociais, que
desencadeiam grandes repercussões entre os brasileiros “fora da casa”.
Os embates do programa, trazem para o espectador a absorção de mensagens que
instigam o induzimento de mensagens seletivas (porque o programa faz cortes do que acontece
durante o dia e o reduz a poucos minutos diariamente15) e ditames mercadológicos (em especial
pelas propagandas de marcas e produtos do programa). Para além do poder de persuasão da
mídia, as opiniões expostas nas redes sociais, em especial twitter, facebook e instagram, entre
os espectadores acerca de diversos temas fomentados no programa, é nítida.
A rapidez com que esses espaços virtuais dão vozes para seus usuários, acarretam
também em discussões e entendimentos divergentes em relação a situação abordada. Como
resultado, assuntos que outrora já foram considerados adjacentes e tabus no Brasil, como é o
caso do racismo, machismo, minorias, sexualidade e gênero, atualmente estão entre os mais
falados no país. O programa, deste modo, tem o papel fundante de alavanca dessas temáticas.
E, de certa forma, essa repercussão se mostra impreterível, na medida em que o embate
acerca desses temas faz parte do contexto atual e da geração pós-moderna. Ocorre que, o
público mais crítico no sentido da militância, tende a se posicionar contra os anseios mais
tradicionais e conservadores do país. Deste modo, constantemente esse público é taxado como
forma depreciativa de geração “mimimi”, ou ainda geração “nutella”.
Essa nomenclatura se refere a uma geração que não quer mais se calar diante de tantas
contradições e subjugações humanas do passado. No entanto, essa denominação pelos usuários
cibernéticos e difundida entre aqueles mais conservadores, tem caráter pejorativo, na medida
em que se refere como geração “chata”, geração que não tolera mais qualquer brincadeira, ou
ainda, a geração que tudo politiza e milita. Os mais conservadores e tradicionais ainda, apontam
que não podem mais falar nada que tudo é alvo de críticas, discordâncias e “mimimi”.
O termo geração “mimimi” certamente não está no dicionário. Trata-se de um termo
difundido atualmente e que retrata o choque de ideias entre a geração mais crítica (e, pode-se
dizer também, em grande parte, mais nova) em confronto com a geração conservadora e
tradicional (que também, por vezes, é a população de mais idade no país). Confronto, mais
especificamente de ideias, comportamentos, ideologias, tradições e que hão de refletir em
vestimentas, movimentos sociais e grupos que se identificam por uma causa ou pensamento.

15 Sabe-se que existe a opção de pagar o “Globo Play” para assistir o Big Brother Brasil 24 horas por dia. Porém,
além da maioria do público não assinar tal serviço, ainda existe a reclamação de vários assinantes que as vezes as
transmissões ficam fora do ar por determinado período, ou ainda, que as câmeras não ficam disponíveis para os
assinantes em determinados lugares.
38

A geração “mimimi” é aquela inquieta e, por isso, incomoda setores que auferem
vantagens na conformação e no silêncio social. É, portanto, a geração que não se cala mais e
não se conforma diante de atitudes e falas que reproduzem comportamento opressor. É a
geração do inconformismo e, consequentemente, se torna essencial para o rompimento de
paradigmas e também para a superação de pensamentos que submetem o ser humano em
condição desigual. É uma trajetória, por conseguinte, necessária, ainda que encontre resistência
e percalços entre aqueles que preferem os estagnantes e estratificantes sociais.

PÓS-MODERNIDADE, IDENTIDADE E ESPAÇOS VIRTUAIS

A complexidade do mundo atual é amplamente discutida na sociologia, geografia e


ciências humanas como um todo. As incertezas do futuro, em vários setores do conhecimento,
sejam na esfera econômica, política, científica, ambiental e até mesmo social são preocupações
contemporâneas. É certo que crise é um termo que paira atualmente.
Não apenas as crises econômicas que afetam o mundo como um todo e, em especial,
a qualidade de vida do ser humano. Atualmente, também é possível se falar em crise identitária.
Muito discutida na psicologia e na pedagogia, a forma com que o ser humano entende a si
mesmo e o mundo, é amplamente afetada também pelo contexto social em que se vive.
Ao contrário das ideias de cognição e comportamento cunhadas por Erik Erikson, por
exemplo, em que se analisa a personalidade intrínseca de cada ser humano e como o contexto
social interfere na sua forma de se posicionar perante o mundo, a identidade aqui analisada se
refere a sociologia (LEITE & SILVA, 2019).
A identidade, tal qual analisada nas ciências sociais, está intimamente ligada com as
preocupações e tribulações do ser humano com o tempo em que está inserto. Preocupações
estas, em especial com a precarização do trabalho atualmente, assim como o colapso do Estado
de bem-estar social. Tais situações, para além da insegurança, interferem no sentimento de
nacionalidade e na crença do Estado como garantia de continuidade e coesão da comunidade
nacional. O sentimento de que os anseios sociais estão órfãos se alastram pelas rotinas
fragmentadas e voláteis estruturas das empresas capitalistas (BAUMAN, 2005).
Ora, se o contexto econômico, político e social afeta a questão identitária, é certo
também que a rapidez com que as transformações sociais ocorrem, também acaba por afetar.
Se de lado, tem-se o sujeito pós-moderno marginalizado e precarizado pela configuração do
capital contemporâneo, de outro lado, tem-se o sujeito que vive em um mundo que se move em
rápida velocidade, com estruturas de conteúdos que constantemente tornar-se-iam obsoletas.
39

Os conteúdos passam a ser considerados velhos e programados para durarem até certa data
(BAUMAN, 2005; SANTOS, 2010).
Em meio a essa situação posta, a geração “mimimi” é aquela que nasce no âmago das
transformações mundiais revolucionárias tecnológicas, qual seja na década de 90. Os saltos
tecnológicos na Tecnologia da Informação (TI) possibilitaram a disseminação dos
computadores e das redes informacionais, assim como a propagação da internet. É certo,
portanto, que essa geração já nasce em um contexto mundial diverso de qualquer outro já
vivenciado até o momento.
As redes sociais, portanto, fazem parte da rotina dessa geração, que desde cedo têm
muito acesso a qualquer acontecimento em qualquer lugar do globo terrestre. A sensação de
que se tem mundo todo em suas mãos, é algo que muito presente nessa geração. E não é para
menos. A facilidade informacional e de fluxo atual é, de fato, impressionante. O que outrora
demorava-se dias, meses e até mesmo anos, recentemente em segundos pode-se obter o mesmo
resultado.
É fato então, que a geração dos anos 90 possui uma amplitude e facilidade
informacional nunca vista antes. Mas, vai mais além. O contexto da década de 80 e 90 também
é marcado por vários acontecimentos históricos, como é o caso, do já citado, esfacelamento do
Estado de bem-estar social. Para além disso, a onda do neoliberalismo e privatista se alastrou
mundo afora, em especial após a queda da União Soviética (URSS). Logo, a tendência de
comprimir os direitos sociais já conquistados é extremamente presente ainda hoje.
No caso do Brasil ainda, essa geração é a geração que nasceu em um mundo pós-
ditadura militar. A influência disso, é a liberdade de expressão muito valorizada. E não só isso!
É a que vive em uma democracia e em um governo sem censura. Logo, o extravasamento do
que já foi coibido e visto como conotação negativa, é, por certo, escancarado atualmente. O
choque cultural entre as gerações, evidentemente se torna inevitável.
Outro ponto que também é importante mencionar, é que a geração dos anos 90 gasta
boa parte do seu tempo em rede social. Ora, é por isso, que a própria geografia vem estudado a
remodelação do conceito de espaço, graças a amplitude digital e a forma de interação entre os
seus usuários byte a byte. A rede social, portanto, se tornou um novo estilo de vida, que além
de ditar tendências e abrir horizontes para novos mercados, tornou-se também um espaço de
exposição de ideias e debates calorosos.
Não é à toa, que a propagação de notícias falsas e ideias sem embasamento científico
ganharam amplitude nessa nova espacialidade, na medida em que qualquer um fala o que quer
e como pensa, sem qualquer repressão. O nível de exposição social tornou-se muito mais
40

intenso, na medida em que o público abrangido é diverso e a sensação de proximidade


independente das fronteiras territoriais também ocorre nessa espacialidade.
O que se antigamente falava em uma conversa descontraída ou em um bar para um
grupo restrito de colegas, atualmente pode ganhar uma amplitude irreversível. E mais, o que se
falava em grupos de pessoas que tinham ideias parecidas, hoje com tal amplitude acaba tendo
consequências muitas vezes inesperadas. Nesse sentido, as ambivalências das redes sociais são
muito presentes atualmente, o que o filósofo Umberto Eco (2015) denominou de “legiões de
imbecis”, ao se referir ao papel das novas tecnologias em dar vozes aos seus usuários.
Os espaços virtuais, portanto, são aqueles que promovem a integração eletrônica dos
territórios, potencializando os fluxos das relações sociais. Partindo de uma materialidade
liquefeita e virtual, o espaço virtual é aquele que modifica a estruturação do espacial, graças as
suas condições de rapidez que garantem a instantaneidade nas operações e a fluidez virtual que
por meio de cabos cibernéticos garantem sua interligação e conectividade (SANTOS, 2006;
2010).
Já a pós-modernidade refere-se ao tempo atual que estamos vivendo. De antemão,
pode-se dizer que tal nomenclatura não há um consenso nas áreas humanas, porém entende-se
por pós-moderno o mundo vivenciado em especial após a II Guerra Mundial, graças as suas
incertezas e inconstâncias. As atrocidades cometidas em prol da ciência e da modernização,
levaram o ser humano questionar a organização humana e os padrões vigentes.
O processo de compreensão e transformação do tempo, é retratado por David Harvey
em “Condição Pós-Moderna” (2007), também no quesito econômico, ao apontar a transição do
sistema fordista para aquele de acumulação flexível do capital. As novas relações
mercadológicas de produção em massa, requalificação dos empregados para o mercado de
trabalho, em como a marginalização do trabalho, fazem parte dessa nova modernidade. Harvey
também aponta na transferência da sede empresarial para países periféricos afim de maximizar
o lucro.
Todo o sistema econômico flexível, trás consigo novos valores, costumes, ideias,
trabalhos, técnicas de produção e assim por diante. É, por isso, então, que o tempo atual não é
o mesmo da modernidade industrial do século XIX e, por isso, pesquisadores humanos
esforçam-se para estabelecer um ponto de partida dessa transição social.
A geração “mimimi”, portanto, é aquela geração que nasce no bojo da pós-
modernidade, em uma sociedade complexa e com uma identidade volátil e fragmentada, diante
das circunstâncias instantâneas do mundo globalizado e virtual. Juntamente com a conjuntura
41

dessa geração, uma nova espacialidade informacional se fixa como habitual em seu cenário
diário.
É certo, portanto, que uma geração com essas características, acaba tendo resistência
de outra geração dotada de uma vivência histórica de censura, sem exposição, acrítica e alienada
no sentido da palavra de desconhecimento da realidade a sua volta. Qualquer movimentação
que saísse fora dos preceitos militares tendia a repressão. Deste modo, a geração anterior é a
geração da quietude, enquanto a geração mimimi é a geração da exposição.
Diante desse cenário, se analisa a geração “mimimi” no Brasil, um país que a
conjuntura global se insere nos traços étnicos-singulares próprios e marcantes. O choque de
ideias geracionais não poderia ser diferente. Até mesmo porque, a geração “mimimi” tem pais
e criadores que derivam de outras gerações, logo a colisão e formas de ver o mundo tornar-se-
iam evidentes e, por vezes, críticas.
Programas televisivos como o Big Brother Brasil, do ano de 2021, fomentam o debate
em torno de vários assuntos, tais como sexualidade, feminismo e, também, racismo. As opiniões
da internet são controversas e os debates são certeiros. O choque cultural e de posicionamentos,
é o que despertou o desejo desse artigo e a inquietude acerca de assuntos tão importantes, é o
que se pretende refletir e pontuar.

BERÇO ESCRAVOCRATA, MACHISMO, CONSERVADORISMO E


PATRIMONIALISMO: ESTE É O BRASIL

Que o Brasil tem suas raízes na escravidão, não é novidade para ninguém. Afinal,
foram quase quatrocentos anos de imposição de uma cultura eurocêntrica subordinadora em
face de outra, que por sua vez, passou a inferiorizar seus traços, costumes, religião, crenças e
assim por diante. Além da escravização indígena, ou seja, dos povos nativos aqui habitados, o
afrodescendente também foi tirado a força de sua terra natal visando tão somente o suprimento
de uma mão-de-obra que satisfizesse a economia capitalista europeia.
A estrutura social do Brasil, deste modo, já é emblemática desde a sua consolidação
como colônia de exploração de Portugal. O escravismo aqui, não foi simplesmente uma
imposição temporária, mas sim um processo histórico de longa duração. Desde a abolição da
escravatura, em 1888, não se vislumbraram medidas eficientes ou até mesmo capazes de
reverter o resultado da escravidão no país. Logo, não há como negar que um dos problemas do
Brasil é o racial, juntamente com o passado insuperado dos preconceitos e estratificações
humanas.
42

Para além da utilização da mão-de-obra escravocrata, a composição da classe social


brasileira é singular de qualquer outra parte do mundo. Ora, diversamente da Europa, em que a
ascensão da burguesia teve um papel importante de revolução e rompimento de um ideal
absolutista, no Brasil a classe burguesa não teve papel significativo enquanto revolucionária
(NOGUEIRA, 2010). Na prática, tal situação reflete na estrutura social brasileira, eis que, as
reformas sociais e políticas no Brasil, por vezes tiveram o condão de ocultar as contradições e
desigualdades advindas do próprio sistema que aqui se instaurou.
A falta de uma luta abolicionista refletiu também na concretude da abolição, eis que
não se burilou com a ordem social escravocrata já consolidada. A bestialidade brasileira foi
tanta com os escravos, que além da monarquia controlar o processo de abolição, ainda houve a
predisposição estatal em pagar indenização aos antigos proprietários de escravos16. Logo, a
escravidão no Brasil foi além da questão da cor, sendo também uma questão política e cultural
na medida em que os escravos possuíam baixo nível cultural (CARVALHO, 2016;
NOGUEIRA, 2010).
A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889 reflete o despreparo
brasileiro em constituir um sistema republicano, na medida em que politicamente somente 2,2%
da população brasileira podia votar, pois a Constituição Republicana de 1891 excluía os
analfabetos do voto, assim como as mulheres, mendigos, soldados e membros de ordens
religiosas também. Marco Aurélio Nogueira (2010), neste sentido, aborda o pensamento de
Joaquim Nabuco, intelectual importante que viveu na Primeira República Brasileira e que
também era favorável a absolvição da escravatura, na medida em que retrata a falta de instrução
educacional dos escravos. Logo, Nabuco questionava como haveria o Brasil ser República se
era um povo politicamente ausente e sem nação?
Nesta mesma linha de pensamento, José Murilo de Carvalho (2016) aponta o Brasil da
época como um país habitado por cidadãos em negativo, na medida em que não houve
experiencia política prévia que preparasse o cidadão brasileiro para o exercício de suas
obrigações cívicas. Ademais, a falta de amparo estatal com os ex-escravos, fez com que eles

16 É o que prevê a Lei do Ventre, ou Lei 2040, publicada em 28 de setembro de 1871. Dispõe o art. 1º, §1. Os
ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de
criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe
terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a
idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade
da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os
quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias,
a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo
arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
43

mantivessem suas condições análogas as de escravos. Aos recém-libertos, não foi dado escola,
terra ou emprego, o que fez com que, na prática, os ex-escravos tivessem que regressar as
fazendas e retomar seu posto ombreiro, em troca de salários baixos.
Aqueles libertos mais corajosos, restava a ida à cidade em troca de emprego, porém o
novo cenário social é a substituição da mão-de-obra escrava pelo imigrante europeu. Deste
modo, a ocupação imigrante em postos de trabalho na agricultura e nas indústrias, fez com que
os ex-escravos fossem expulsos ou ablegado a postos de trabalhos mais brutos e miseráveis.
Segundo Murilo de Carvalho (2016) consequência disso tudo, se perdura até os dias atuais, pois
o que se vê no Brasil é que a população negra ainda “ocupa posição inferior em todos os
indicadores de qualidade de vida” (p. 58).
A inferiorização da raça afrodescendente no Brasil, é uma realidade cultural que
infelizmente foi reproduzida durante muito tempo. A carência de políticas públicas voltadas
para dirimir essa discrepância social faz com que ainda na contemporaneidade haja uma
reprodução determinista social. Ou seja, a carência de ações positivas para os afrodescendentes
faz com que esses indicadores de qualidade de vida não consigam ser superados. O ambiente
social influencia no indivíduo, na medida em que, segundo Carvalho (2016) os negros ocupam
os mais baixos índices de escolaridade, os empregos menos qualificados, os salários mais
baixos e os piores índices de ascensão social.
Para além da questão racial, vejamos a questão das mulheres. As mulheres também
foram marginalizadas nas políticas públicas brasileiras. O direito ao voto, inclusive, só veio a
ser conquistado na Constituição Brasileira de 1934. Mais do que isso, a mulher teve seu trabalho
precarizado por muito tempo por todo o globo. A ideia incutida no american way of life (estilo
de vida norte-americano no mundo pós-guerras), trazia a ideia de padronização social de que a
mulher deveria ficar em casa enquanto o homem deveria trabalhar.
Para além desse pensamento inseminado no mundo moderno pós-guerra, a mulher
passa a ser vista como papel central dos afazeres domésticos. Há ainda, toda uma cultura de
indução de propaganda massiva, que colocava a mulher frente de revistas e catálogos de
eletrodomésticos, tais como ferro de passar roupa, liquidificadores e assim por diante. O papel
da mulher se resumia ao casamento, cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos. Isto fez
também com que mulher fosse “ignorada” da ciência no decorrer da produção do conhecimento.
No Brasil, o primeiro Código Civil, promulgado em 1916, foi fruto de uma obra
imperiosa confeccionado por Clóvis Beviláquia. No entanto, é certo que seu texto reproduzia
ideais condizentes com a época em que foi escrito. Deste modo, o papel da mulher no mesmo
é o de subjugação perante seu cônjuge, sendo que após a contrair matrimônio, precisava de
44

autorização do cônjuge para trabalhar. Até mesmo no cadastro de pessoas físicas (CPF) a
mulher perdia sua individualidade, passando a utilizar o mesmo do marido (DINIZ, 2012;
DIAS, 2010).
Preceitos conservacionistas e tradicionalistas são características dessa época e a figura
da mulher se mostra afetada como um todo. Se a mulher engravidasse e não fosse casada, seu
filho era considerado bastardo e a mulher mãe solteira, era onerada ao sustento sozinho do filho,
eis que sua desonra ao ter um filho bastardo deveria ser punida. E mais, se a mulher não fosse
considerada virgem na constância do casamento, poderia o marido pleitear em juízo a anulação
do casamento, em até dez dias (DIAS, 2010).
Para além de outras situações jurídicas, é fato que a mulher foi durante muito tempo
ao longo da história, considerada como ser inferior, inclusive tendo sua inferioridade
chancelada pelas normas do Estado. Ora, a mesma lei que atualmente prevê a igualdade, mostra-
se muito eficaz também em reproduzir condições de desigualdade. A propositiva inicial do
direito, neste sentido, é a de materializar condições desiguais na fábula de que o Estado busca
à igualdade dos seus cidadãos. O próprio artigo inicial da Constituição Federal “Art. 5º Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”, já se põe como
contraditório, na medida em que afirma a igualdade sem considerar as singularidades e
condições desiguais.
Tal propositiva inferiorizada feminina, fez com que a mulher tenha sido “ignorada” da
ciência no decorrer da produção do conhecimento. De fato, desde os mais renomados físicos,
matemáticos, filósofos, sociólogos, economistas, músicos, dentre outros campos de saber, o
papel feminino é muito pequeno. Desde Aristóteles, Einstein, Newton, Adam Smith, Hegel,
Marx, dentre tantos outros nomes importantes, o esquecimento da mulher é notório (SCOTT,
1990).
Esta posição sexista ao longo da história acabou por naturalizando os homens como
dominantes e as mulheres como dominadas, sendo que a dominação é socialmente construída
e não biológica. No artigo “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, Joan Scott (1990)
discorre que estudar as mulheres como se elas fossem separadas na história, apenas perpetua o
mito de que um sexo nada tem a ver com o outro.
O machismo, neste sentido, nada mais é do que uma reprodução de pensamento que
advém do passado histórico. É o pensamento de que o homem possui condição superior perante
a mulher. Ganha substância o machismo com o controle de comportamentos e subjugações da
existência da mulher e do seu papel. Através do machismo, corporaliza-se a apropriação do
45

tempo, do corpo e do trabalho da mulher, apontando a mulher como um objeto na sociedade


(CFESS, 2019).
A análise histórica permite reconhecer que o Brasil possui profundos traços estruturais
sociais marcantes. O racismo, machismo, patrimonialismo, são, portanto, estruturas sociais de
opressão, exploração e dominação que organizaram e continuam sendo reproduzidas
atualmente na sociedade brasileira. Evidentemente que, transformar esse pensamento histórico-
social reproduzido por tantos anos na sociedade brasileira não é uma tarefa rápida e, por isso,
coloca-se o conservadorismo nesse tópico também. O conservadorismo, é, portanto, a tentativa
das instituições sociais tradicionais de se manterem intactas no decorrer do tempo.
O Brasil, se põe como um país extremamente conservacionista, na medida em que a
desigualdade social é tratada com descaso pelo Estado. As políticas públicas sociais e
redistributivas, mostraram-se insuficientes e ineficazes para reverter o complexo quadro social
posto atualmente. A pobreza, ainda que não seja um fenômeno natural, escancara sua
manutenção graças aos interesses conservacionistas e em detrimento de alguns.
A ideia de conservadorismo no Brasil, pode ser tratada também em conjunto com a
noção de patrimonialismo, na medida em que a elite exerce grande influência nas esferas
políticas. O termo patrimonialismo carrega a ideia de forma de dominação política, em que os
interesses públicos e privados se difundem e não se mostram nítidas as divisões atividades entre
essas esferas (SCHWARTZMAN, 1988).
Deste modo, os resquícios de uma elite rural e latifundiária, que compunha o poder
local juntamente com o coronelismo, no final do século XIX e início do século XX, ainda se
mostram presentes atualmente. Conforme aponta Murilo de Carvalho (2016, p. 59): “o grande
proprietário e coronel político ainda age como se estivesse acima da lei e mantém controle
rígido sobre os seus trabalhadores”. As trocas de favores em várias esferas políticas também
ainda são vistas no Brasil.
Essas formas de dominação histórico-cultural visualizadas no Brasil, encontram aporte
de reprodução nos setores mais tradicionais e conservadores da sociedade. É fato que, as
gerações criadas por avós e pais de outra época ainda ouvem frequentemente pensamentos
abordados nesse tópico e é por isso que a superação e não reprodução desses pensamentos se
mostram tão importantes.
Em que pese a geração “mimimi” ser aquela nascida na década de 90, seus pais e avós
datas do início e da metade do século XX. A mudança de pensamentos ocorre gradualmente e
é por isso que ainda no ano de 2021 vemos posturas conservacionistas e que tentam de alguma
forma manter ideias de outras décadas. Evidentemente que tal pensamento conservador vai
46

encontrando cada vez mais obstáculos em uma geração nascida na era informacional. A
mudança faz parte da realidade e da rotina dessa geração.

A CONTRIBUIÇÃO DOS MODELOS EDUCACIONAIS PARA A MUDANÇA DE


PENSAMENTO

Para além das novidades tecnológicas e do contexto histórico-social, é importante


também mencionar que o modelo educacional adotado no Brasil, que também se configura
como muito importante para a formação crítica da geração “mimimi”. A construção de um
paradigma democrático educacional, compreendida como um direito social ocorreu após o
governo da ditatura militar.
A Constituição Federal assevera o dever de “assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” (Preâmbulo).
Neste sentido, a CF/88 abriu um novo período para a educação. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9394/96 também atribuiu a estrutura vertical da educação em ensino
infantil, fundamental, médio e superior. Outros assuntos importantes como a Educação de
Jovens e Adultos (EJA), educação especial e educação indígena também foram incorporados
na respectiva Lei.
A educação, portanto, passou a ser vista como universal e um direito de todos,
assegurada na Constituição Federal no artigo 205 como um direito de todos e dever do Estado
e da família. Os princípios em que a educação se baseia garantem a liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; igualdade de condições e acesso;
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; gratuidade do ensino; gestão democrática
do ensino público e assim por diante (BRASIL, 2015).
Por óbvio, a geração mimimi é aquela que teve acesso à educação baseada na
concepção emancipadora e libertadora, que tem como preceito a crítica e o conhecimento
continuado ao longo da vida. Em contrapartida, a geração anterior daquela nascida na década
de 90, estudou em modelos educacionais de caráter compensatório, voltados especificamente
para os ditames mercadológicos, como é o caso da utilização da Teoria do Capital Humano e
do ensino MOBRAL, implantado em 1967-1985 durante a vigência da ditadura militar. Tais
ensinos, tinham como caráter o controle ideológico educacional, na medida em que o país vivia
um período de censura generalizada (GODINHO, M. G; SCORZONIM M. F, 2014).
47

A inserção de um modelo educacional que fundamenta a prática pedagógica em uma


educação libertadora, ou seja, que atribui condições críticas daquele que foi oprimido durante
a história, refletir sobre a sua existência, descobrir-se como sujeito histórico e fomentar sua
conquista social, fez com uma nova geração ascendesse. Essa nova geração, outrora
denominada de “mimimi” tende a não aceitar mais uma cultura tecida como elemento fundante
a dominação. Segundo Paulo Freire apostar na educação emancipadora, significa recriar um
mundo sem a ambiguidade da condição humana e das contradições humanas, ao mesmo tempo
em que “provoca o esforço de superação libertadora da consciência humana” (FREIRE, 2015,
p.13).
Deste modo, em um horizonte futuro projeta-se a educação emancipadora e libertadora
como a saída para o desvinculamento social de pensamentos subjugadores, preconceituosos,
machistas, racistas e patrimonialistas. A educação é um dos pilares mais importantes de
rompimento de paradigmas e superação de conhecimento. É com a educação que se eleva a
consciência das classes e se projeta um mundo melhor.

RUPTURAS E TRANSIÇÕES: PONDERAÇÕES DO INCOMODO DA GERAÇÃO


“MIMIMI”

A sensação de perda de controle do mundo, ou talvez, dos freios do que outrora era
considerado tradicional e de “bom grado”, talvez seja uma explicação do porquê a geração mais
antiga e conservadora resiste tanto aos pensamentos da geração “mimimi”. Todo rompimento,
ruptura, quebra, traz consigo o sentimento de insegurança e incerteza. A impressão de mudança
rápida e brusca inverte a lógica da cultura do aprendizado que outrora dominava o pensamento
da modernidade sólida e duradoura que o mundo da metade do século XX vivenciava (HALL,
2001).
É certo que havia toda uma conjuntura mundial que possibilitava essa postura
reconfortante de que dava a impressão de que as coisas e rotinas duravam. Não obstante, o final
do século XX é aquele que corrobora e prega a cultura do esquecimento e não a cultura do
aprendizado. Essa cultura capitalista pós-moderna é a cultura da liquidez, da obsolescência
programada, da efemeridade e da inovação constante. É certo, portanto, que aquela geração
mais antiga tende a não acompanhar todas as inovações atuais (HALL, 2001).
Juntamente com as inovações desse mundo contemporâneo e complexo, uma nova
onda de pensamentos libertários e críticos invadem os modelos educacionais no Brasil.
Assuntos que antes eram considerados periféricos, tais quais a mulher ter o direito em se
48

divorciar, ou de continuar com o CPF próprio após o casamento, de escolher uma profissão e
exigir equiparação salarial com o homem, tomaram as pautas atuais. A mulher, inclusive, pôde
votar, se candidatar à presidência e até mesmo sair vitoriosa de uma eleição! Evidentemente
tais conjunturas eram impensadas há poucas décadas.
Além disso, no século XXI as relações acerca da sexualidade também estão sendo
amplamente debatidas. É comum pessoas homossexuais assumirem seus desejos, andarem de
mãos dadas pelas ruas e frequentarem lugares públicos assumidamente. Para além disso, temos
dois homens ou duas mulheres (no sentido do biológico da palavra) querendo casar-se, adotar
e andar com a vestimenta que melhor lhe convém. Ora, tais posturas são totalmente diferentes
daquelas consolidadas tradicionalmente décadas atrás. O Brasil, para além de um país machista
e patrimonialista, continua sendo também um país com fortes influências religiosas, em especial
o catolicismo.
Tais circunstâncias, fazem com que os espaços públicos frequentados por gerações de
diferentes pensamentos se mostrem, por vezes, tencionadas. Os espaços virtuais, por outro lado,
permitem maior visibilidade e exposição de ideias, fazendo com que mesmo aquele sujeito mais
conservador e de resistência, não tenha outra saída que senão aceitar em silêncio, “deletar” ou
“deixar de seguir” a pessoa ou ainda, fomentar debates virtuais.
A questão racial também aborda ideais de aceitação e exteriorização. A geração
“mimimi” não quer mais esconder seu cabelo biológico, ou ainda, permanecer a margem do
sistema. O discurso de que o negro faz parte historicamente da classe oprimida brasileira perfaz
presente na luta racial. E, por isso, a ocupação dos espaços educacionais, midiáticos, ou de
destaque qualquer, tendem gerar desconforto para aquela geração que estava acostumada com
o negro segregado e periférico. As políticas afirmativas, infelizmente, são insuficientes, mas
ainda assim necessárias dada a dívida histórica que o Brasil possui com este povo oprimido e
subjugado por tanto tempo.
De fato, as rupturas são impiedosas porque derivam de uma condição sem precedente.
Logo, a explicação da geração “mimimi”, incomodar tanto, deriva da própria complexidade
atual do tempo presente. O contexto mundial de insegurança já é próprio da pós-modernidade,
posta em um mundo global e rápido. Juntamente com as mudanças políticas, sociais e
econômicas que o capitalismo do século XXI conduz, há também pleitos de uma geração que
“mal nasceu”, mas já exige posturas libertárias, ações inclusivas, políticas redistributivas e
pensamento crítico.
Muito se fala que a geração “mimimi” é aquela que não tolera ao menos uma piada.
Pois bem, pode ser que em determinadas circunstâncias haja, de certa forma, uma militância
49

exacerbada por parte da geração aqui discutida. Entretanto, o que se deve ponderar, é que não
se trata de uma piada, de uma tiração de sarro ou de um comentário qualquer, mas sim de
situações reais e opressoras que ainda se mantém em um país desigual.
Por certo, a brincadeira ou a piada saudável deve existir, mas somente em uma hipótese
idearia de uma sociedade que já conseguiu reparar todas as mazelas subjacentes de um passado
segregador. Caso contrário, não se trata de uma piada, mas sim da reprodução de um
pensamento consolidado historicamente perante uma classe oprimida. Assim como comentários
machistas, racistas, xenofóbicos, apelidos depreciativos e dentre outros tantos passaram a
incomodar e devem ser combatidos. A empatia e o respeito devem caminhar em paralelo com
a luta social, assim como o combate à desigualdade e as injustiças daqueles reprimidos.

CONCLUSÃO

A resistência as rápidas mudanças sociais são situações muito presentes que a geração
mais consciente e esclarecida do contexto a sua volta enfrenta. A tentativa de retorno ao
tradicional e ao conservadorismo, é muito vislumbrada no contexto político atual, por exemplo.
O movimento bolsonarista no Brasil, nada mais é que um pensamento retrogrado, conservador
e patrimonialista, que tenta manter as velhas espacialidades brasileiras. Munido de um discurso
de volta aos bons costumes e a família tradicional, o bolsonarismo se põe como uma cultura de
resistência em face a geração “mimimi”.
A ruptura e a mudança paradigmática, portanto, geram desconfortos que transcendem
tão somente a condição de insegurança intrínseca da pós-modernidade. Isto pois, o medo do
desconhecido e da perda de privilégios é o moto próprio desse incômodo. Para além do passado
histórico-cultural brasileiro, a geração “mimimi” causa incômodos pela luta incessante de um
mundo livre de preconceitos e ideias que não condizem mais com o tempo presente.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BRASIL. Constituição Federal. Brasília, DF: Senado, 1988.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 21. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2016. 254 p.
50

CASTRO, A. M.; DIAS, E. F. (org). Introdução ao pensamento sociológico. 9 ed. São Paulo:
Editora Moraes, 1992.

CFESS (Conselho Federal de Serviço Social). Série assistente social no combate ao


preconceito: Machismo. Caderno 6. Brasília: SHS, 2019.

DIAS, Maria Berenice. A mulher no Código Civil. 2010. Disponível em:


http://www.mariaberenice.com.br/uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf. Acesso
em: 02 out. 2020.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. 622 p.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 59ª ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2015.

GODINHO, M. G; SCORZONIM M. F. Políticas públicas e organização da educação


básica. Rio de Janeiro: SESES, 2014.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. 16. ed. São Paulo: Loyola, 2007

LEITE, A. A. M; SILVA, M. L. Um estudo bibliográfico da Teoria Psicossocial de Erik


Erikson: contribuições para a educação. Debates em Educação, [S.L.], v. 11, n. 23, p. 148, 25
abr. 2019. Universidade Federal de Alogoas. http://dx.doi.org/10.28998/2175-
6600.2019v11n23p148-168.

NOGUEIRA, M. A. O encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desaventuras do


liberalismo. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: Record, 2010. 174 p.

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. - 4ª ed. 2. reimpr.


- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

SCHAWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro - 3. ed. revista e ampliada - Editora


Campus, 1988.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Nova
York, v. 15, n. 2, p. 71-99, jul. 1990. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667. Acesso em: 20 ago. 2020.

UOL. Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco. 2015. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/06/11/redes-sociais-deram-voz-a-
legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco.jhtm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 28 mar. 2021.
51

CAPÍTULO 5
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL DO GÊNERO FEMININO À
LUZ DO PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE
GÊNERO

Daynara Souza Da Costa17


Nayana Lopes da Silva Kwiatkowski18

INTRODUÇÃO

O presente resumo tem como objetivo, demonstrar as condutas reiteradas às mulheres


no ambiente de trabalho, ocasionando lesões comportamentais, a sua integridade física,
psicológica, à personalidade, à dignidade, consequentemente abalando sua reputação
(HIRIGOYEN, 1999).
As mulheres são as mais vitimizadas, são rechaçadas em um grau completamente
diferente dos homens, tanto o assédio sexual quanto o assédio moral humilham e objetificam,
visando atacar o mais íntimo do ser (HIRIGOYEN, 2010).
É importante uma discussão acerca da compreensão do assédio organizacional, sob o
viés do protocolo com perspectiva de gênero, para desmistificar estigmas e paradigmas
ocasionando uma consciência refinada no que tange sua aplicação com exequibilidade e
excelência fazendo jus ao Estado Democrático de Direito.
O protocolo nos diz que a divisão sexual do trabalho está intimamente ligada à violência
x assédio, colocando a mulher sob o viés do trabalho doméstico algo normal como sua tarefa
corriqueira, o que dificulta sua inserção no ambiente de trabalho, pois a dualidade família x
trabalho em sua maioria é incompatível com sua jornada laboral e a escola/creche de suas proles.
As mulheres estudam mais que os homens, porém com salários inferiores, consequência desta
divisão. Reduz a participação das mulheres frente as decisões importantes etambém o
combate da violência de gênero

METODOLOGIA

Como método de trabalho, foram feitas leituras multidisciplinares, pesquisas sobre

17
Acadêmica de Direito, do 6o período, pela Escola Superior da Amazônia - ESAMAZ.
18
Advogada, formada pela Faculdade de Direito de Itu, pós-graduanda em Advocacia Extrajudicialpela faculdade
LEGALE.
52

diplomas normativos e decisões judiciais concernentes à matéria, realizadas entrevistas com


vítimas de assédio moral e colhidas informações e dados estatísticos junto à Superintendência
Regional do Trabalho de São Paulo e ao Ministério Público do Trabalho.

ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL

O assédio moral organizacional é uma nova modalidade de assédio que decorre de uma
estrutura capitalista e neoliberal. Está diretamente ligado a organização, sendo os próprios
métodos de gestão adotados pela empresa, com o objetivo de aumentar a produtividade e
consequentemente os lucros.
O autor do assédio moral age com a intenção de prejudicar o trabalhador de alguma
forma, podendo agir de maneira isolada, ou seja, atingindo um trabalhador em específico, no
assédio organizacional, todo um grupo é atacado, não existe um ataque individualizado, mas
sim um ataque no coletivo, no entanto, mesmo nesse tipo de assédio que tem como alvo o
coletivo, verifica-se que as mulheres podem sofrer danos ainda maiores com esse tipo de
assédio.
A importância de se compreender o assédio moral organizacional a partir de uma
perspectiva de gênero é de extrema importância. A formação histórico-cultural reproduz a ideia
de que a mulher não deve estar inserida no mercado de trabalho, imputando-lhe o papel de
trabalho doméstico e não remunerado, exercendo também o seu papel reprodutor, pois a
reprodução fomenta o capitalismo.
Quando a mulher consegue uma posição no mercado de trabalho, não é raro que logo
sofra algum tipo de assédio, principalmente o sexual,refletindo a ideia que o corpo da mulher é
domínio público, reduzido a objetificação sexual, isso se agrava quando a mulher em pleno
século XXI, é coagida a usar uma roupa sensual, para que desta forma atraia mais clientes para
a instituição bancária. A recente decisão do TST condenou o Banco Itaú, pelo assédio moral
que uma funcionária sofria,ao ser coagida a usar roupas “sensuais”, batom vermelho e salto
mais alto, com a alegação de se tornar mais sensual e de atrair novos clientes,bem como seduzi-
los para que contratassem mais serviços bancários. Talcondenação é exemplo de um assédio
organizacional feminino, uma vez que tais exigências de vestimentas não seriam propostas à
algum funcionário do sexo masculino.
O Protocolo para Julgamento com perspectiva de Gênero 2021, lançado pelo Conselho
Nacional de Justiça, alcança esse entendimento colocando que “Violência e assédio no mundo
do trabalho têm estreita conexão com a perspectiva de divisão do trabalho, com bases sexistas”.
53

O assédio organizacional contra a mulher é mais um obstáculo à integração e à


permanência das mulheres na força de trabalho. Enfraquecendo a emancipação feminina que
também se dá pela sua independência financeira, pois muitas mulheres acabam pedindo
demissão de seus empregos, por não conseguirem mais suportar as cargas do assédio, temendo
denunciar os atos abusivos, por medo de serem prejudicadas no mercado de trabalho, optam
pelo silêncio, o que acaba agravando a prática abusiva na organização com outras (os)
profissionais.
Algumas mulheres optam ficar no emprego, mesmo nessas situações de abuso,
convencidas de que o abuso é “dos males o menor”, submetendo-se a situações de abusos
organizacionais, pois o ato de demissão pode repercutir em outras formas de violência, como a
violência doméstica por exemplo. Nesses casos a violência organizacional debilitam a
capacidade laborativa da mulher, fazendo comessa mulher renda menos, produza menos e pode
ocasionar em uma diminuição brusca de gorjetas ou comissões que são necessários para o seu
sustento e de sua família.
Pode-se destacar a normalização do assédio como algo corriqueiro e intrínseco ao
ambiente de trabalho hostil e degradante. Sob à ótica da economia, a manutenção da violência
de gênero e assédio abarca a continuidade da mulher subalterna, induzindo-a e colocando-a em
um local de inferiorização, consequentemente refletindo na discrepância salarial entre gêneros,
principalmente quando se tem saláriovariável, a intolerância do assédio por seus superiores
hierárquicos abala no recebimento de comissões e gorjetas as quais ajudam nas despesas
familiares. Diante disso, essa vítima deixa seu local de trabalho, por traumas ocasionados desse
cenário horrendo. Uma a cada seis mulheresassediadas pede demissão.

DISCUSSÃO DE RESULTADO

É importante ressaltar que a mulher em uma sociedade machista epatriarcal é alvo de


várias formas de violência, conhecer e identificar essas violências são as formas mais eficazes
de coibi-las e consequentemente de amparar as mulheres para que não sejam vítimas
reiteradamente.
O assédio organizacional é um tipo de violência que abrange todo um coletivo de um
local de trabalho, trazendo os mais diversos riscos à saúde física e mental dos trabalhadores é
de extrema necessidade que haja um recorte de gênero, pois mulheres quando sofrem esse tipo
de violência se tornam vulneráveis para que outras violências a atinjam. A emancipação
financeira da mulher é uma das principais formas para que ela deixe de conviver em um ciclo
54

de violência patrimonial por exemplo, no entanto, quando essa mulher ingressa no mercado do
trabalho e se depara com mais esse tipo de agressão, tira-se dela um direito a sub existir e resistir
dentro de uma sociedade pautada no machismo e no patriarcado.
Busca-se com esse resumo demonstrar a importância de se compreender não só os tipos
de assédio no local de trabalho, mas também, de compreender a importância de uma narrativa
de gênero, buscando-se o amparo legal adequado para que mulheres tenham seus direitos
garantidos e respeitados e quando preciso reivindicá-los que não será mais uma vítima
institucional, mas sim que vai ter ali um direito protegido.

CONCLUSÃO

A identificação do assédio moral contra as mulheres, traz à tona a problemática de tal


conduta, pois além de atingir o psicológico da mulher,também leva a problemas sociais como a
marginalização da mulher no mercado de trabalho, afasta a mulher da igualdade social e
profissional, pois tal ato leva muitas vezes as mulheres a pedirem demissão, deste modo, a
mulher fica em uma situação de vulnerabilidade financeira e social.
Com isso busca-se evidenciar a importância de um julgamento com perspetiva de
gênero, para que tais atos passem a ser cada vez mais repreendidos, trazendo segurança jurídica
para a mulher que sofre esse tipo de assédio, protegendo essa mulher de sofrer com outras
formas de violência.

REFERÊNCIAS

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (BRASIL). Protocolo para


julgamento com perspectiva de gênero [recurso eletrônico] / Conselho Nacional de Justiça. —
Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados — Enfam, 2021
(https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_242709/lang--pt/index.htm.).
DINIZ, Maria Ilidiana, Assédio Moral e Sexual como Violência Sexista no Cotidiano das
Trabalhadoras. In VII Jornada Internacional de Políticas Públicas 2015, Maranhão, Brasil.
(http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/assedio-moral-e-sexual-como-
violencia-sexista-no-cotidiano-das-trabalhadoras.pdf)
FIGUEIREDO, Patrícia Maria. Assédio Moral contra as mulheres nasorganizações. São
Paulo, Cortez, 2012.
GUIMARÃES, T.C; A Compreensão Jurídica das Políticas de Metas comoInstrumento para o
Assédio Moral Organizacional. Direito UNIFACS –
55

CAPÍTULO 6
A INFLUÊNCIA DA PORNOGRAFIA DIGITAL NO
COMPORTAMENTO SEXUAL DOS JOVENS
Bruna Maria do Nascimento
Jose Henrique Monte Galvão
Paloma da Silva Fernandes
Orientador(a): Juliana Linhares de Alencar

INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado de uma pesquisa produzida a partir do componente curricular


Projeto Integrador: Mídia e Comportamento Humano. Disciplina que tem como foco de análise
a Psicologia e a interação humana na relação midiática, e faz parte do quadro de unidades
obrigatórias para a formação em Psicologia no Centro Universitário Paraíso – UniFAP. Assim,
foi eleito como temática deste estudo, a influência da pornografia digital no comportamento
sexual dos jovens.
De acordo com Talissa (2021), a mídia é um instrumento fundamental e de muita força no
ambiente social da contemporaneidade. A partir dela informações e conteúdos são rapidamente
compartilhados e espalhados por todo o mundo. Os meios midiáticos são capazes de influir sobre o
comportamento humano das mais variadas formas, desde a formação de uma simples opinião até a forma
de ser, agir e se relacionar.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2006) a sexualidade é “um aspecto central do
ser humano ao longo da vida que engloba sexo, identidades e papéis de gênero, orientação sexual,
erotismo, prazer, intimidade e reprodução. É vivida e expressa em pensamentos, fantasias, desejos,
crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos” (WHO, 2006, p. 5 apud
Baumel, Cynthia Perovano Camargo et al, 2019, p. 131). Conforme dito por Lins (2012) cada indivíduo
experiencia a sexualidade de forma única, uma vez que, existem influências da interação entre os fatores
biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e
espirituais, que influem diretamente sobre a forma que as pessoas amam e se relacionam sexualmente.
Com o fim da ditadura no Brasil, foi possivel obervar um movimento de erotização nas midias
de comunicação em massa, onde programas de televisão passaram a apresentar conteudos de nudez e
sexo. (CARMO, 2011 apud TALISSA, 2021).
A pornografia para Grov, Gillespie, Royce, & Lever, (2011; Popović, 2011 apud
Baumel, Cynthia Perovano Camargo et al, 2019) está presente na sociedade e tem se tornado
cada vez mais popular, já que com o surgimento e massificação de tecnologias como a internet,
na década de 90, e smartphones, seu acesso ficou ainda mais facilitado, e portanto, esse tipo de
56

conteúdo tem conquistado bastante espaço, principalmente entre os jovens. Como demonstrado
por Muller et al (2021), o seu consumo é um comportamento adquirido e perpetuado na
sociedade. Sendo encontrada facilmente em fotos, revistas, músicas, vídeos, na televisão e
principalmente em plataformas online através de sites pornográficos. Fator esse que leva
também ao sexo um caráter comercial, uma vez que esse agora pode ser oferecido não somente
através de tais representações como também através de produtos e serviços. (SILVA, 2015 apud
TALISSA, 2021).
De acordo com Baumel et al (2019), as consequências do uso da pornografia são pouco
estudadas no Brasil apesar do alto consumo do conteúdo no país. “Informações divulgadas pelo
site Pornhub, que oferece conteúdo pornô gratuito, indicam que o Brasil é o 8º colocado no
mundo em número de visitantes por dia, com cerca de 200 milhões de acessos”. (PORNHUB
TEAM, 2015 apud BAUMEL et al, 2019).

Conforme o dicionário Michaelis (2020), pornografia é tudo que diz respeito


ao sexo obsceno e vulgar, atos de imoralidade, devassidão. A origem dessa
palavra vem do latim “pornographos”, que se traduz por “escritos sobre
prostitutas”, reportando à violência e subordinação sexual, sendo explícita e
ligada ao comércio, a objetificação do corpo. (MULLER et al, 2021, p. 359).

Em concordância a isso, Sá et al (2021), afirma que:

Apesar de alguns pesquisadores crerem num potencial libertador da


pornografia a partir da desconstrução de ideais sexistas para o corpo e a
sexualidade, as consequências mais notórias desta pesquisa, tanto nos relatos
quanto nas análises, são as negativas, desde a baixa autoestima até violências
diversas. (p. 316).

A pesquisa de Baumel et al (2019), teve como resultado a divisão em dois polos:

A pornografia aparece ora como negativa, estimulando comportamentos


violentos, idealizados ou levando ao vício, ora como positiva, contribuindo
com o aprendizado sobre sexualidade e fortalecendo as condutas sexuais e os
relacionamentos amorosos. (p. 140-141).

Já para Muller et al (2021), apresenta apenas aspecto negativo: considera-se que, o consumo de
pornografia condiciona comportamento degradantes, objetificando o corpo feminino e acentuando ainda
mais a submissão e a inferioridade, não favorecendo a vivência qualitativa da sexualidade.
Portanto, o acesso de forma indiscriminada por parte do jovem pode inferir na vivência da sua
sexualidade nessa fase do desenvolvimento que ainda é repleta de descobrimentos. Baumel et al (2019),
em sua pesquisa, aponta os malefícios do consumo de pornografia por jovens, dentre eles, violencia
contra a mulher, comportamento sexual agressivo, vicio, restrição dos meios de exitação, entre outros.
Muller et al (2021), afirma que os filmes pornograficos reforçam esteriotipos de beleza tanto
femininos como masculinos. Bem como a submissão feminina e a idealização do ato sexual, que se
57

apresenta bem diferente da realidade. Apresenta ainda, que esse reforço idealizado pode causar
frustrações, atrapalhar relacionamentos e ainda consolidar um imaginário de violência ligada ao prazer.
Diante disso, cabe o questionamento: Como a pornografia digital afeta o comportamento sexual dos
jovens?
Frente a tal questão problema essa pesquisa tem como objetivo geral sintetizar outros estudos
elucidando uma visão crítica acerca da influencia da pornografia digital no comportamento dos jovens,
já que a é um conteúdo de acesso considerávelmente facilitado pela tecnologia e um assunto
pouco discutido no Brasil. E como objetivos específicos, responder as seguintes hipoteses: “A
pornografia digital incita a violência?” e “Há uma distorção na representação pornografica de
como são as reais relações sexuais?”

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Pesquisa bibliográfica de teor exploratório, foi realizada acessando conteúdos das plataformas:
Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO)
e a Biblioteca Regional de Medicina (BIREME) e Livros. Foram abordados conteúdos nacionais e
internacionais. Os estudos foram selecionados a partir dos descritores “ Mídia”, “Pornografia”,
“Comportamento Sexual”, “Sexualidade” e “Jovens”. Como critério de inclusão utilizamos
conteúdos das, já citadas, plataformas com referências bibliográficas que respondem à questão
norteadora datadas entre 2013 e 2021.

REFERENCIAL TEÓRICO

A concepção da pornografia se dá por meio de materiais explícitos onde são


apresentadas cenas de submissão feminina, caracterizadas por um caráter punitivo e pelo
rebaixamento da mulher, e representadas por comportamentos e atos sexuais violentos.
(DEKESEREDY, 2015 apud TALISSA, 2021). Segundo uma pesquisa realizada na Inglaterra
com 130 participantes o principal motivo pelo qual praticam o sexo anal é para os homens
reproduzir aquilo que veem na pornografia, por mais que descrevessem como “doloroso,
arriscado e coercitivo” para as mulheres (MARSTON; LEWIS, 2014). Tal fato indica que a
pornografia além de estar presente nas relações, exerce significativa influência sobre estas e as
práticas sexuais entre os jovens.
Evidências como essas também “apontam que a pornografia apresenta uma significativa
degradação e abuso das mulheres, difundida massivamente nos meios de comunicação de alto
alcance”. (TALISSA, 2021, p. 10). As produções fictícias que compõem a pornografia se
58

fundamentam em estereótipos, estigmas e padrões muitas vezes inalcançáveis e totalmente


desconexos da realidade, como a exigência por estética pessoal para mulheres, o que pode afetar
a autoestima de quem consome tais conteúdos e levar a danos psicológicos e sociais maiores.
As consequências negativas, como já citado, não afetam apenas as mulheres, podemos observar
na música “Masculinidade” de Tiago Iorg, como a pornografia afetou sua visão de si mesmo,
sua autoestima e causou-lhe ansiedade:

E caí na pornografia
Essa porra só vicia
Te suga a alma, te esvazia
E quando vê passou o dia
E você pensa que devia
Ter outro corpo, outra pica
A ansiedade vem e fica
Caralho, isso não é vida!
(IORC, 2021)

A pesquisa de Silva (2019), destacou a pornografia como instrumento educativo para a


iniciação sexual dos jovens, mas desconexo com a realidade, apresentando, por isso, danos
psíquicos, emocionais e sociais. (p. 10).
Baumel et al (2019) aponta algumas das causas dessas negatividades:

A pornografia parece ser uma fonte de informação sobre sexo e ter uma
influência nas práticas sexuais. Os prejuízos apontados seriam decorrentes da
comparação de uma sexualidade cinematográfica com uma sexualidade real.
Essa discrepância aponta para a necessidade de incluir o uso de pornografia
como tópico de educação sexual, ensinando sobre as influências da mídia e o
não realismo desse material, sobre a sexualidade representada e a sexualidade
vivida, discutindo sobre o que leva ao uso e quais são os possíveis benefícios
e efeitos nocivos desse tipo de consumo, (p. 10).

De forma semelhante Prado (2021, p.1) diz:

A pornografia constitui o saber organizado sobre sexo mais acessível e de


maior circulação na atualidade. Primeira fonte de informação relacionada à
sexualidade para milhões de pessoas, ela apresenta ao espectador formas de
atuação que assumem função de roteiros para a prática sexual (DUARTE;
ROHDEN, 2016 apud DO PRADO, 2021, p.1)

A educação sexual pode ser entendida como um processo formal pelo qual se é possível
intervir e fornecer informações acerca da sexualidade. Podendo ser a mobilizadora das
discussões necessárias sobre tabus e preconceitos. Um espaço onde sua difusão seria possível é
a escola, por ser um ambiente humanizador e propiciador do pensamento crítico através do
processo educacional (MAIA et al, 2012).
59

Uma possível forma de mediação entre o caráter educativo que a pornografia tem e a
realidade das práticas sexuais fora do meio digital é a educação sexual, que deve ser
desmistificada como algo não científico e ilegítimo para a educação básica e os currículos
escolares. Pois, só a partir dela os sujeitos poderão compreender a si mesmos e aos outros com
os quais se socializam e relacionam-se (SILVA et al, 2013). Através da abordagem deste tema,
necessária a partir do desenvolvimento infantil, é possível que o indivíduo possa romper e gerar
novas ideias sobre relações humanas, de forma a questionar padrões comportamentais
relacionados ao sexo normalizados. (MEIRA; QUEIROZ; OLIVEIRA; MORAES;
OLIVEIRA, 2006).
Os países que apresentam menores taxas de coerção sexual possuem um plano de
ensino, no que se refere ao âmbito sexual, fundamentado na abordagem de temas como
responsabilidade social e equidade de gênero. Mostrando que intervenções vindas de programas
como este são capazes de desmistificar estereótipos propagados pela pornografia (LOTTES;
WEINBERG, 1996 apud TALISSA, 2021).
A internet é a maior fonte de exposição de pornografia. (Lude, Pittet, Berchtold, Akré,
Michaud, & Surís, 2011 apud Pacheco, 2014) De acordo com Da Silva (2019), o consumo de
representações sexuais fictícias tem tanto ou mais influência que algumas das instituições
tradicionais de formação do sujeito. E o que acaba por reforçar isso é a ausência do diálogo
sobre assuntos como gênero, sexualidade, orientação sexual e prática sexual pela família e
escola, criando a necessidade de busca por informações, espaço ocupado pelos meios de
comunicação com as revistas, televisão e, hoje, a internet como protagonista. (BISPO, 2017, p.
56)

[..] o consumo de material pornográfico tem relação com as chances dos


sujeitos de ambos os sexos sentirem dificuldades relacionadas à prática sexual,
projetando expectativas para além da realidade em que vive, o que pode
expressar que subjetividades espelhadas em representações fictícias podem ser
frustrantes. (DA SILVA, 2019, p.9)

Concordando com essa afirmação é citado por Takara (2021), que:

É preocupante, como a imitação das cenas das pornografias forma sujeitos que
não compreendem o que é e como funcionam os corpos, não são estimulados
a perceber seu corpo e suas vontades, seus limites e suas possibilidades e, por
vezes, sofrem com imposições e demandas que a própria mídia apresenta,
como o entendimento de sexo nesses aparatos midiáticos.

A influência que a indústria midiática possui lhe confere também muita responsabilidade pela
sexualização e objetificação do corpo feminino em suas campanhas publicitárias. Se essa indústria, por
60

si só, não usa seu poder para fortalecer a emancipação das mulheres, existem movimentos que discutem
tais questões. O feminismo através das Sex wars, traz a discussão a partir de dois pontos de vista opostos:
tanto pela visão das que veem o sexo com caráter libertador para as mulheres e por isso não deve ser
censurado, defendendo o direito de escolha, como pelo lado das que enxergam a pornografia como
perpetuadora da desigualdade de gênero e submissão feminina. (TALISSA, 2021).
Como pontuado por Bispo (2017), A pornografia na internet configura-se como um dos
espaços de reprodução e perpetuação dessa desigualdade de gênero, de diferentes maneiras.
(p.38). Prado (2021), nos lembra como os roteiros sexuais impostos e normalizados na
sociedade estão inteiramente relacionados à cultura machista predominante na sociedade.

É no nível cultural que o consumo da pornografia parece estar mais atrelado,


uma vez que ela promove roteiros em que o homem é privilegiado por uma
ideologia falocêntrica, ou seja; a prática sexual é representada através da
centralização no pênis, e vende a ejaculação e o orgasmo masculino
simultaneamente como clímax, encerramento e atestado de veracidade do
sexo, retratando-o como se sua finalidade fosse exclusivamente a satisfação
do homem (DUARTE; ROHDEN, 2016 apud DO PRADO, 2021, p.1).

Talissa (2021) nos traz informações relevantes acerca do documentário “Hot Girls
Wanted” que aborda como é e como lucra a indústria pornográfica, assim como o dia a dia das
pessoas que se inserem neste meio. Apontando que plataformas de streaming como Netflix e
Amazon juntamente a rede social Twitter juntas não somam mais acessos mensais do que sites
que armazenam conteúdos pornográficos. Por vezes, os vídeos mais vistos disponíveis nos sites
pornográficos contêm: agressão verbal e física contra mulheres, objetificação corporal,
subordinação feminina e prazer sexual focado apenas no homem Bispo (2017). Paulino (2021),
traz também em sua pesquisa a pornografia e suas problemáticas, ressaltando a forma como a
mulher perde seu caráter de indivíduo, passando a representar apenas um objeto sexual, e como
as violências sofridas pelas mesmas são normalizadas em tais conteúdos. (p.1) Corroborando
com essas afirmativas D’Abreu (2013) apud Bispo (2017), cita que a forma mais grave de
representação da desigualdade de gênero aparece na pornografia através da violência contra a
mulher.

A prolongada exposição a conteúdos de caráter pornográfico pode resultar,


por exemplo, em percepções erróneas acerca da sexualidade e em atitudes
anti-igualitárias, que conferem ao homem o poder de dominar sobre a mulher,
na relação sexual, mas também nas restantes áreas da vida (BAUMEL et al.,
2019; ZILLMANN & BRYANT, 1988 apud Castro & Lins, 2020 p.1).

Para Talissa (2021) “os conteúdos pornográficos têm a potencialidade de estabelecer


modelos de comportamentos e ideologias que podem ser replicados por quem está do outro lado
61

da tela”. Isso porque como apontado pela aprendizagem social quando há exposição ao
comportamento de outra pessoa o indivíduo pode ter seu comportamento afetado. Sobretudo,
se esse comportamento for socialmente aceito, sendo reforçados de acordo com as
consequências presentes. Em concordância, Prado (2021) ressalta que “emitir o mesmo
comportamento que outras pessoas aumenta a probabilidade de ser reforçado, o que poderá
explicar se o presente estudo constatar alguma tendência a reproduzir na prática sexual real o
que se assiste na pornografia”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a pornografia digital é uma fonte de informações bastante utilizadas pelos
jovens e que esses jovens a utilizam como referencial para suas relações sexuais. Essa pesquisa expõe a
problemática envolvida nessa questão. E ressalta a necessidade de maior atenção ao assunto, que é pouco
explorado no Brasil, levando a uma limitação na criação de propostas políticas e sociais no país
(TALISSA, 2021).
A maneira como cada indivíduo vivencia sua sexualidade é particular e engloba todos os fatores
biopsicossociais envolvidos no desenvolvimento do ser humano. Baumel, et al (2019) realizaram um
estudo com 20 brasileiros, sendo 10 homens e 10 mulheres entre 20 e 30 anos de idade, onde os
entrevistados de ambos os sexos relataram de modo semelhante os benefícios e prejuízos do uso de
materiais pornográficos, e sugeriram que características individuais podem ser elementos relevantes
neste tipo de investigação.
A pornografia digital estimula comportamentos violentos, a subordinação feminina (reforçando
a desigualdade de gênero) e traz uma perspectiva fantasiosa acerca de como ocorre as relações sexuais
na realidade. Portanto, afeta o comportamento sexual dos jovens de maneira majoritariamente negativa
(SÁ et al, 2021). Foi constatado que pessoas que consomem pornografia, independente do sexo,
possuem menos autoestima, mais insegurança e maior dificuldade com a prática sexual.
Os estudos produzidos até o momento apontam que formas de intervenção, prevenção
e mediação das consequências envolvidas no consumo da pornografia podem surgir de
discussões inseridas através de programas que envolvam a Educação Sexual seja nos períodos
escolares por meio da inserção da temática nos currículos escolares ou por meio de atividades
contraturno (BRANCALEONI; OLIVEIRA, 2016). Sendo o ambiente escolar o meio mais
propício para alcance de indivíduos de todas as idades e recortes sociais, e desconstrução de
ideias que de alguma forma, direta ou indiretamente, foram influenciadas pela pornografia.

REFERÊNCIAS
62

ANGELONI, Talissa de Assis. Consumo e efeitos da pornografia, práticas sexuais violentas


e desigualdade de gênero. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia)
– Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. Disponível em:
https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/14419. Acesso em: 07 out. 2021.
Baumel, Cynthia Perovano Camargo et al. Atitudes de Jovens frente à Pornografia e suas
Consequências. Psico-USF [online]. 2019, v. 24, n. 1 [Acessado 25 Agosto 2021] , pp. 131-
144. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-82712019240111>. Epub Jan-Mar 2019.
ISSN 2175-3563. https://doi.org/10.1590/1413-82712019240111.
BISPO, Larissa Pereira Bispo. Pornô online: o espaço na educação sexual e identidade de
adolescentes. Orientadora: Marialva Carlos Barbosa. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia
(Graduação em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo) – Escola de Comunicação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
BRANCALEONI, A. P. L.; OLIVEIRA, R. R. Educação sexual na promoção do respeito à
diversidade sexual e de gênero. v. 5, n. 2, p. 57-62. Viçosa: Revista ELO - Diálogos em
Extensão, 2016.
CASTRO, Rita; LINS, Samuel. Valores, atitudes e consumo de pornografia: analisando um modelo de
mediação. In: 13º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde: livro de atas. 2020.
D’Abreu, Lylla Cysne Frota. Pornografia, desigualdade de gênero e agressão sexual contra
mulheres. Psicologia & Sociedade [online]. 2013, v. 25, n. 3 [Acessado 25 Ago. 2021] , pp.
592-601. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-71822013000300013>. Epub 24 Jan
2014. ISSN 1807-0310. https://doi.org/10.1590/S0102-71822013000300013.
DA SILVA, João Pedro Lyra; JUNIOR, Clayton Martins dos Santos Silva; DE ALMEIDA PARENTE,
Maria Eduarda Soares. EDUCAÇÃO SEXUAL NA “CONTRAMÃO” À INDÚSTRIA
PORNOGRÁFICA NAS RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE. Editora Realize, 2019.
DO PRADO, Vitor Augusto; DE OLIVEIRA, Vitor Ferreira; ALEIXO, Carlos Alberto.
PORNOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM PARA O COMPORTAMENTO
SEXUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS. Revista Científica UMC, v. 6, n. 2, 2021.
IORC, TIAGO. MASCULINIDADE. Compositor: Tiago Iorc. YouTube: [s. n.], 2021. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=V5GUxCQ8rl4. Acesso em: 17 nov. 2021.
Lins, R. N. (2012). O Livro do Amor, Volume 1: Da Pré -história à Renascença. Rio de
Janeiro: Best Seller.
MAIA, A. C. B. et al. Educação sexual na escola a partir da psicologia histórico-cultural. v. 17, n. 1, p.
151-156. Maringá: Psicologia em Estudo, 2012.
MARSTON, C.; LEWIS, R. Anal heterosex among young people and implications for health
promotion: A qualitative study in the UK. BMJ Open, 2014.
MEIRA, M. E.; QUEIROZ, A. B.; OLIVEIRA, I. A.; MORAES, R. Q.; OLIVEIRA, T. H. Psicologia
Escolar, desenvolvimento humano e sexualidade: projetos de orientação sexual em instituições
educacionais. v. 2, n. 2. São Paulo: Revista Ciência em Extensão, 2006.
Muller, Heloísa Leal Carvalho et al. PORNOGRAFIA: INFLUÊNCIAS E CONSEQUÊNCIAS NA
VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE. In: CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E SUAS TECNOLOGIAS:
PERCEPÇÕES TEÓRICAS E APLICAÇÕES. [S. l.]: Uniedusul, 2021. cap. 28, p. 358-367. Disponível
em: https://www.uniedusul.com.br/wp-content/uploads/2021/08/E-BOOK-CIENCIAS-HUMANAS-E-
SOCIAIS-E-SUAS-TEC-PERCEPCOES-TEORICAS-E-APLICACOES.pdf#page=358. Acesso em:
22 set. 2021.
PACHECO, Joana M. Relação entre o consumo de pornografia online, fantasias sexuais e
comportamentos sexuais coercivos e agressivos. 2014. Tese de Doutorado. Instituto Superior de
Ciências da Saúde Egas Moniz.
PAULINO, Isabela Lima. A CONTRIBUIÇÃO DA PORNOGRAFIA NA SUSTENTAÇÃO DA
VIOLÊNCIA DE GÊNERO. ETIC-ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA-ISSN 21-76-
8498, v. 17, n. 17, 2021.
63

Sá, Maria Aline Arnaud de et al. AS CONSEQUÊNCIAS DO CONSUMO DE


PORNOGRAFIA PARA A SEXUALIDADE DA MULHER HETEROSSEXUAL.
REVISTA JRG DE ESTUDOS ACADÊMICOS, [s. l.], v. IV, ed. 9, jul/dez, 2021. DOI
https://doi.org/10.5281/zenodo.5500539. Disponível em:
http://www.revistajrg.com/index.php/jrg/article/view/306/391. Acesso em: 22 set. 2021.
Silva, João Pedro Lyra et al. EDUCAÇÃO SEXUAL NA “CONTRAMÃO” À INDÚSTRIA
PORNOGRÁFICA NAS RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE. Editora Realize.
Acessado em: 04 nov. 2021. Disponível em:
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2019/TRABALHO_EV127_MD1_SA7_ID14321_2
6092019214329.pdf.
Takara, SamiloPedagogias pornográficas: sexualidades educadas por artefatos da mídia.
Revista Brasileira de Educação [online]. 2021, v. 26 [Acessado 10 Novembro 2021] , e260054.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-24782021260054>. Epub 20 Ago 2021. ISSN
1809-449X. https://doi.org/10.1590/S1413-2478202126005
64

CAPÍTULO 7
BULLYING DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: QUAL A
SAÍDA?

Michel Canuto de Sena


Heloisa Helena de Almeida Portuga
Ady Faria da Silva
Graciele Silva
Vanessa Christ
Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos

INTRODUÇÃO

Os casos de bullying não ocorrem somente em ambiente escolar. As pessoas passam


por essa espécie de violência de modo constante e, em muitos dos casos, a brincadeira regada
pela não aceitação pode desencadear atos de violência física contra a mulher ou até mesmo
suicídio.
Mas, será que podemos justificar os atos de bullying de gênero e a violência doméstica?
A fim de responder a essa questão, o presente trabalho objetiva, além de conceituar essas
espécies de violências, averiguar quais são as ferramentas de combate.
A metodologia utilizada foi a de revisão narrativa. Assim, buscaram-se as principais
obras sobre o tema e ainda as plataformas de busca: PubMed, ScieLo e MedLine.
Todo e qualquer ato de desrespeito deve passar pelo crivo da conscientização, da
prevenção e do combate. Por outro lado, de uma forma infeliz, mesmo no ano de 2021, ainda
as pessoas perseguem as mulheres, batem e cerceiam a liberdade delas.
Desse modo, precisamos como sociedade civil realizar campanhas de combate à
violência ou até mesmo eventos de conscientização.

A MULHER E A SUA DIGNIDADE

Todas as pessoas nascem livres e com direitos e garantias, conforme garante o artigo
quinto da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, p. 1). Dessa feita, o valor atribuído à
pessoa humana, cuja base está nos direitos humanos, faz parte das garantias legais a todas as
pessoas (LAFER, 1988, p. 163).
Por outro lado, para que uma pessoa atinja uma vida digna, ela necessitará, além do
respeito, condições de trabalho que possam mantê-la em requisitos mínimos de sua vida, tais
65

como: moradia, alimentação, salário, segurança, entre outros. Percebe-se que a sociedade,
apesar das evoluções tecnológicas e sociais, ainda carrega o retrocesso no tocante ao gênero.
Em alguns casos, ocorre a exclusão da mulher de algumas categorias de trabalho, já
em outras, o salário é menor do que o recebido por homens. Esse fato gera desconforto e
indignação, pois uma pessoa altamente qualificada pode receber salário menor em função do
gênero.
De fato, essa igualdade constitucional passa por diversos questionamentos, pois o
direito ainda não conseguiu alcançar o fato social. Existe nesse caso um binômio a ser discutido:
a igualdade e a diferença. Assim, se as pessoas não fossem iguais, não haveria o entendimento
entre elas, mas, se não fossem diferentes, não necessitariam nem de palavras para travar
diálogos (LAFER, 1988, p. 209). No mesmo sentido:

[...] A história da mulher não é somente sobre sua opressão. É também uma
história de luta e resistência, na tentativa de banir preconceitos, recuperar sua
condição de vida como ser humano igual, autônomo e digno. Hoje, as
mulheres são a maioria da população brasileira. E como os homens
trabalham no campo ou nas indústrias, nos escritórios e órgãos públicos, são
empregadas ou empresárias e, por isso, merecem o mesmo respeito que o
homem (GITAHY, 2007, p. 74).

Desse modo, torna-se inexplicável colocar a mulher em situação de desigualdade com


os homens. Por mais que existam as teorias e justificativas sociais, nada é capaz de afirmar o
motivo real para esse desequilíbrio. O machismo estrutural é uma dessas posições que tentam
argumentar. Nesse diapasão:

[...] Neste contexto, bem refutando a tese de que a dignidade não constitui um
conceito juridicamente apropriável e que não caberia — como parece sustentar
Habermas —, em princípio, aos juízes ingressar na esfera do conteúdo ético
da dignidade, relegando tal tarefa ao debate público que se processa
notadamente na esfera parlamentar, assume relevo a percuciente observação
de Denninger de que — diversamente do filósofo, para quem, de certo modo,
é fácil exigir uma contenção e distanciamento no trato da matéria — para a
jurisdição constitucional, quando provocada a intervir na solução de
determinado conflito versando sobre as diversas dimensões da dignidade, não
existe a possibilidade de recusar a sua manifestação, sendo, portanto,
compelida a proferir uma decisão, razão pela qual já se percebe que não há
como dispensar uma compreensão (ou conceito) jurídica da dignidade da
pessoa humana, já que desta — e à luz do caso examinado pelos órgãos
judiciais — haverão de ser extraídas determinadas consequências jurídicas,
muitas vezes decisivas para a proteção da dignidade das pessoas
concretamente consideradas (SARLET, 2007, p. 365).

Os direitos das mulheres enfrentam diversos obstáculos, de forma geral, todos eles são
regados pela discriminação. Como se uma mulher não pudesse assumir as cadeiras mais
66

elevadas da sociedade, ainda, tivessem a sua capacidade cognitiva reduzida em função do


gênero. Essa situação passa por agravantes quando ocorrem os casos de bullying, stalking e
violência doméstica (SARLET, 2007).
Qual seria a ferramenta eficaz para acabar com isso? Ou melhor, qual seria o insumo
capaz de reduzir esses casos?

POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO

As políticas públicas são mecanismos que podem ser utilizados no combate à


violência. Aliás, o investimento em prevenção é um dos pontos altos quando o assunto é
violência. Desse modo, algumas dessas ferramentas serão estudadas a seguir.
A portaria 936 de 2004 dispõe sobre a estruturação da Rede Nacional de Prevenção da
Violência e Promoção da Saúde e a implantação de Núcleos de Prevenção à violência em
Estados e Municípios. Importante destacar que a violência não é somente um problema social
que assola as relações interpessoais, mas se trata de uma questão de saúde pública, tanto nos
atos de prevenção, quanto na consumação da violência (BRASIL, 2004, p. 1).
Tendo em vista que a vítima de violência necessita de assistência médica, psicológica,
psiquiátrica e assistencialista. Assim, não é possível estudar a violência somente no campo do
mapeamento e teórico (BRASIL, 2004, p. 1). Nesse sentido:

[...] Art. 2º Definir que a Rede Nacional de Prevenção da Violência e


Promoção da Saúde será constituída pelo Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas – Área Técnica de Prevenção da Violência e
Causas Externas – DAPES/SAS/MS, pelos Núcleos Estaduais e Municipais,
por organizações sociais e instituições acadêmicas conveniadas com o
Ministério da Saúde e Municípios e Estados com iniciativas que contribuam
para o desenvolvimento do Plano Nacional de Prevenção da Violência.
(BRASIL, 2004, p. 1).

O artigo segundo da presente legislação destaca a importância da atuação das


instituições de ensino superior credenciadas no combate à violência. As universidades, sem
dúvidas, possuem grande número de pesquisadores no âmbito do doutorado, o que facilita a
inserção dos projetos sociais das instituições de ensino superior na sociedade (BRASIL, 2004,
p. 1).
As universidades contam com equipes multidisciplinares, ou seja, aquelas formadas
por diversidades profissionais, a título de exemplo, uma equipe formada por médicos,
psicólogos, advogados, assistente sociais e outros profissionais. Além de ser uma equipe com
maior força de trabalho, ainda garante que, em uma ocorrência de violência escolar, os
67

atendimentos da vítima, os encaminhamentos e os demais trâmites de mediação de conflitos


escolares sejam realizados.
Ademais, a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde têm
objetivos, dentre eles se destacam: promover a gestão de conhecimento por meio de pesquisas
e formulação de indicativos (BRASIL, 2004, p. 1). Em outros termos, identificar os atos de
violência é um dos primeiros passos, pois as ações de prevenção de atos violentos necessitam
de um mapeamento. Esse mapeamento pode ser organizado da seguinte forma: idade dos
envolvidos; orientação sexual e identidade de gênero; fatores raciais; fatores socioeconômicos;
uso de álcool e drogas e casos de violência doméstica.

BULLYING DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE


PREVENÇÃO

No Brasil, já existem duas legislações específicas para o problema de Bullying


(BRASIL, 2015, p. 1) e para a violência doméstica (BRASIL, 2006, p. 1). Porém, para a
efetivação dessas ferramentas, far-se-á necessária a participação das entidades públicas e da
universidade.
A atuação do Sistema Único de Saúde é fundamental no combate à violência e na
prevenção de danos à pessoa humana. De tal modo, a portaria n. 737 de 2001 do Ministério da
Saúde (BRASIL, 2001) dispõe que os casos de violência são resultantes de ações ou omissões
humanas. Pelo fato de a violência ser complexa, polissêmica e controversa, a presente portaria
incute a violência como evento realizado de forma individual, em grupo de pessoas, de classes
que possam causar danos físicos, emocionais, morais uns aos outros (MINAYO; DESLANDES,
2009, p. 1643).
Dessa feita, percebe-se que, apesar da portaria ser do Ministério da Saúde, existe a
previsão da violência como uma das pautas de debate da saúde pública. Isso porque os impactos
da violência não geram somente dispêndios ou atenção das agendas de segurança e de
planejamento, por exemplo, os casos de violência doméstica, homicídios e suicídios que trazem
danos diretos ao setor da saúde. Ainda, a violência pode afetar outros seguimentos da saúde
pública, como é o caso da violência contra crianças e adolescentes, idosos, de gênero, de raça,
contra grupos étnicos, população de rua e LGBTQIA+19.

19 Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexo e assexuais.


68

O bullying é uma espécie de violência que pode ocorrer em diversos espaços sociais.
Um deles é a escola, mas nem sempre essa violência encerra após o período escolar, pois ele
retorna na universidade, nos programas de pós-graduação e no mercado de trabalho. No entanto,
qual a ligação do bullying com a violência doméstica?
Ocorre que o ciclo de violência atua como estimulante. Em outros termos, a criança
ou o adolescente que presencia violência doméstica em sua casa tenderá a replicar o ato. Essa
reprodução violenta e sem a mínima pacificação de conflitos pode gerar situações mais
complexas, uma delas é justamente o homicídio e o suicídio. A esse respeito:

[...] De acordo com Bandura et al. (1961), crianças e adolescentes podem


aprender por imitação e observação de modelos cognitivos e de condutas
parentais por meio da imitação da agressão física e verbal ou pela simples
repetição desses mesmos atos observados. Esses autores, ao compararem
grupos expostos ou não à agressividade (por meio do grupo controle),
constataram que os escores de imitação da agressão física e verbal eram
maiores para os grupos diretamente expostos aos modelos agressivos, sendo
ainda maiores os escores relacionados aos modelos masculinos de
agressividade. Nessa perspectiva, perceberam que os meninos tendem a
reproduzir mais facilmente um modelo de agressividade física, enquanto as
meninas repetem mais facilmente um modelo de agressividade verbal, o que
não é muito comum entre os meninos (SENRA; LOURENÇO; PEREIRA,
2011, p. 298).

No Estado de Mato Grosso do Sul, desenvolvemos um projeto social de prevenção ao


bullying escolar, por meio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O nome do projeto
é: Além da Sala de Aula (ASA-UFMS) 20 . O objetivo é estreitar os assuntos sociais e
acadêmicos, fazendo que o conhecimento possa ser acessível a todas as pessoas.
Uma das ações do projeto foi a capacitação sobre bullying escolar, composta por
profissionais da área jurídica, psicologia e educação. Foram certificados mais de 700
professores da educação básica. Assim, a intenção é justamente aproximar a população dos
profissionais que desenvolve projetos de prevenção à violência.
Outra ação executada pelo Professor Dr. Paulo Haidamus e pelo Professor Michel
Canuto de Sena é o Laboratório de Ética, Inovação e da Conduta Humana (LEICH – UFMS),
cujo objetivo é fomentar as pesquisas e as demandas sociais, haja vista que a universidade pode
e deve desenvolver a aproximação com a sociedade, identificar os problemas sociais, atuar com
ações de conscientização e intervenção.

20 Link de acesso do Projeto ASA – UFMS: https://www.projetoasa.net.br/


69

Também outra ação executada pela Professora Dra. Heloísa Helena de Almeida
Portugal, em parceria com o Professor Michel Canuto de Sena, é o Laboratório de
Desenvolvimento Humano (LDH – UFMS). Este tem como missão, além da realização dos
cursos de extensão para os alunos e a população, a identificação de problemas sociais e a
resolução por meio de equipes multidisciplinares, ou seja, composta por profissionais do direito,
medicina, psicologia e educação.
Ainda, no Estado de Mato Grosso do Sul, a casa da mulher brasileira 21 é uma
instituição de proteção a mulheres e é conhecida como uma política pública de combate. Dessa
forma, desde a inauguração da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (IDEAM), o
atendimento direcionado às vítimas de violência doméstica começou a funcionar 24 horas por
dia, além do atendimento de segunda a segunda (DE CARVALHO; BERTOLIN, 2016, p. 78). O
objetivo é de atendimento a mulheres vitimizadas, além das providências jurídicas cabíveis.
Dessa feita:

[...] A implementação do Programa ocorre por meio da assinatura de Termos de


Adesão com os Executivos Estaduais e Municipais, bem como, por meio de
Acordo de Cooperação com os Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e
Defensorias Públicas estaduais, que devem disciplinar o compromisso assumido
por essas instâncias. Daí a importância da interligação dos diversos atores
envolvidos com a problemática e a necessária estruturação da rede de
enfrentamento. Na perspectiva de ampliação dos serviços da rede de proteção,
a Casa da Mulher Brasileira corresponde a uma das ações previstas no
Programa “Mulher, Viver sem Violência”, sendo um espaço de
acolhimento e atendimento humanizado e tem por objetivo geral prestar
assistência integral e humanizada às mulheres em situação de violência,
facilitando o acesso destas aos serviços especializados e, garantindo
condições para o enfrentamento da violência, o empoderamento e a autonomia
econômica das usuárias (DE CARVALHO; BERTOLIN, 2016, p. 79).

Além disso, no ano de 2015, a Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande (MS)
inaugurou a primeira Vara Especializada em Medidas Protetivas e Execução de Penas do país.
A gestão é compartilhada, ou seja, a gestão está a cargo dos governos federal, estadual e
municipal e, ainda, das subsecretarias municipais de políticas para mulheres (SEMU) e da
prefeitura municipal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

2121 Link para acesso à Casa da Mulher Brasileira: https://www.naosecale.ms.gov.br/casa-da-mulher-brasileira/


70

Frente ao exposto, todas as ações que são executadas por meio de leis ou até mesmo
por intermédio de universidades no combate à violência são eficazes, tendo em vista que se
cada pessoa fizer a sua parte, ou seja, denunciando e tentando de alguma forma ajudar a vítima,
o cenário pode mudar.
Os casos de bullying de gênero e violência doméstica aumentaram com a pandemia de
COVID-19, o que pode justificar? Justamente o cenário violento que é colocado dentro das
casas, fazendo que crianças e adolescentes presenciem atos de violência em um lar que deveria
ser a base de construção de afeto e pacificação.
Orgulhamo-nos pelos projetos que desenvolvemos juntamente com diversos Estados
e municípios no combate à violência. Dessa forma, a cada evento e a cada intervenção, temos
a certeza de que a caminhada é longa, mas o caminho em conjunto pelo bem comum é maior.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 nov.
2021.
BRASIL. Portaria n. 936, de 19 de maio de 2004. Dispõe sobre a estruturação da Rede Nacional de
Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação de Núcleos de
Prevenção à Violência em Estados e Municípios. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2004/prt0936_19_05_2004.html. Acesso em: 25
nov. 2021.
BRASIL. Portaria n. 737, de 16 de maio de 2001. Dispõe sobre a necessidade de definição, no setor
saúde, de uma política decisiva no sentido da redução da morbimortalidade por Acidentes e
Violências. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2001/prt0737_16_05_2001.html. Acesso em: 25
nov. 2021.
BRASIL. Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015. Dispõe sobre a legislação de bullying.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm.
Acesso em: 25 nov. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre
a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 25 nov.
2021.
GITAHY, Raquel Rosan Christino; MATOS, Maureen Lessa. A evolução dos direitos da mulher.
In: Colloquium Humanarum, p. 74-90, 2007.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Companhia das letras, 1988.
MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira. Análise da implantação da rede de
atenção às vítimas de acidentes e violências segundo diretrizes da Política Nacional de Redução da
Morbimortalidade sobre Violência e Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, p. 1641-1649, 2009.
71

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma


compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista brasileira de direito constitucional,
v. 9, n. 1, p. 361-388, 2007.

SOBRE OS AUTORES

MICHEL CANUTO DE SENA


Graduado em Direito (FACSUL), especialista em Direito (UCDB), Mestre (UFMS),
Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-
Oeste (Faculdade de Medicina) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Professor de Direito Civil. Membro do Projeto ASA (UFMS). Membro do LEICH (UFMS).
Membro do LDH (UFMS). Coordenador do Projeto Bullying nas escolas (UFMS).

HELOISA HELENA DE ALMEIDA PORTUGAL


Docente Efetiva da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas;
Doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela PUC/SP; Pesquisadora em Direito
Digital e Inteligência Artificial. Coordenadora do Projeto Além da Sala de Aula (ASA-UFMS).

ADY FARIA DA SILVA


Graduado em direito, especialista em Direito e mestrando pelo Programa de Pós-graduação em
Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS).

GRACIELE SILVA
Graduada em Direito, especialista e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Saúde e
Desenvolvimento na Região Centro-Oeste da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS).

VANESSA CHRIST
Graduada em Matemática aplicada e computacional. Pós-graduada em gestão escolar.
Coordenadora Executiva de Ensino de Sidrolândia (MS).

PAULO ROBERTO HAIDAMUS DE OLIVEIRA BASTOS


Doutor e Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professor titular (full professor) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Professor visitante (visiting researcher) do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste. Professor sênior (UFMS). Membro do
LEICH (UFMS).
72

CAPÍTULO 8
UBER E MOTORISTAS: uma relação em crise

Fátima Christiane Gomes de Oliveira

INTRODUÇÃO

Este capítulo aborda aspectos do fenômeno mundial através do qual milhões de


trabalhadores têm utilizado a sua força de trabalho como motoristas parceiros de empresas que
intermediam o transporte individual e remunerado de passageiros, mediante o uso de
plataformas de compartilhamento, que realizam uma ponte, por meio de aplicativos, entre
usuários que desejam pagar pelo deslocamento em veículo particular e outros que desejam
prestar o serviço de transporte.
O estudo aponta a ausência de legislação nacional que trate a relação específica entre os
motoristas e as empresas que intermediam esse tipo de transporte, demonstrando que as regras
que regem esta avença são criadas unilateralmente pelas empresas, cabendo aos motoristas
interessados apenas se cadastrar e aderir aos termos de uso da plataforma.
Em um momento seguinte, a análise se detém no posicionamento que vem sendo
esposado pela Justiça Brasileira, se concentrando nas decisões dos tribunais superiores.
A importância dessa pesquisa teórica é revelar a desproporcionalidade existente neste
ajuste que, majoritariamente, se dá entre grandes empresas e pessoas que estão desempregadas
ou desalentadas e veem nessa inovação uma forma de obtenção de renda.
Registre-se que foi utilizada como referência a empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda,
por ser uma das maiores e mais conhecidas, não havendo qualquer intenção de avaliá-la
individualmente.
O que se busca aqui é iniciar um debate construtivo em direção a uma solução para a
crise que se instala na relação entre esses sujeitos, e que tem gerado múltiplas ações visando o
reconhecimento – inexitoso na maior parte dos casos – de vínculo de emprego entre eles, o que
demonstra a necessidade urgente de regulamentação desse trato de forma a torná-lo mais justo
e simétrico, garantindo um patamar mínimo de proteção social aos motoristas.

A UBERIZAÇÃO
73

Não é novidade o crescimento do número de pessoas que passaram a trabalhar como


condutores de aplicativo, seja no transporte de pessoas ou mercadorias. Esse fato é constatado
diariamente por qualquer observador que preste atenção no número de automóveis,
motocicletas e bicicletas identificadas com algum adesivo de uma das diversas empresas que
atuam no setor.
Segundo levantamento do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 31% dos
ocupados no setor de transporte, armazenagem e correio têm esse tipo de relação de trabalho
com empresas que atuam como intermediárias por meio de aplicativo:

Aproximadamente 1,4 milhão de trabalhadores em atividade no setor de


transporte de passageiros e de mercadorias no Brasil estão inseridos na
chamada Gig economy, termo que caracteriza relações laborais entre
funcionários e empresas que contratam mão de obra para realizar
serviços esporádicos e sem vínculo empregatício (tais como freelancers e
autônomos), principalmente por meio de aplicativos.
Até 31% do total estimado de 4,4 milhões de pessoas alocadas no setor de
transporte, armazenagem e correio no país estão na Gig economy. O tema foi
abordado em um estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), apresentado nesta quinta-feira (7), com base em dados divulgados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Continua) e na Pnad Covid-19.
Os dados coletados mostram que, no primeiro trimestre de 2016, o
número de pessoas ocupadas no transporte de passageiros na Gig
economy era de cerca de 840 mil. No primeiro trimestre de 2018, esse
quantitativo atingiu 1 milhão de trabalhadores e chegou ao ápice no
terceiro trimestre de 2019, com 1,3 milhão de pessoas. Por conta da
pandemia de Covid-19, houve redução ao longo de 2020, mas o número
logo se estabilizou nos dois primeiros trimestres de 2021 em 1,1 milhão de
pessoas ocupadas em transporte de passageiros no regime de conta
própria, valor 37% superior ao do início da série, em 2016.
Já para o transporte de mercadorias na Gig economy, o número passou de 30
mil trabalhadores em 2016 para 278 mil no segundo trimestre de 2021, uma
expansão de 979,8% no período. Além disso, a pesquisa do Ipea mostra que,
em média, entre o primeiro trimestre de 2016 e o segundo de 2021, 5% das
pessoas ocupadas nas atividades de transporte de passageiros e de
mercadorias, por conta própria, o faziam como um trabalho secundário. O
ápice dessa porcentagem foi no terceiro trimestre de 2019, antes da pandemia,
quando 7,4% dos trabalhadores faziam dupla jornada com outra ocupação
principal.
Com a ascensão das plataformas de aplicativos para entregas de
mercadorias ou transporte de passageiros e o consequente avanço
tecnológico que facilita mais contratações de curto prazo, é possível
perceber que a quantidade de pessoas com empregos não tradicionais
(como autônomos e trabalhadores temporários) teve um crescimento
exponencial nos últimos anos.
Dessa forma, a chamada “explosão dos aplicativos” de transportes permitiu o
surgimento de uma Gig economy por meio de tais plataformas digitais, que
contribuíram para uma transformação no mercado de trabalho pela
substituição de empregos em locais e horários fixos por formas mais flexíveis,
74

com trabalhos sob demanda e remuneração por serviços. (IPEA, 2021, grifo
nosso).

Abílio (2017, grifo nosso) analisa com precisão a realidade vivenciada por milhões de
trabalhadores do país:

Ser um trabalhador-perfil em um cadastro da multidão significa na


prática ser um trabalhador por conta própria, que assume os riscos e
custos de seu trabalho, que define sua própria jornada, que decide sobre
sua dedicação ao trabalho e, também, que cria estratégias para lidar com
uma concorrência de dimensões gigantescas que paira permanentemente
sobre sua cabeça [4].
A uberização, portanto, consolida a passagem do trabalhador para o
microempreendedor. Essa consolidação envolve novas lógicas que
contam, por um lado, com a terceirização da execução do controle sobre
o trabalho das empresas para uma multidão de consumidores vigilantes;
e, por outro lado, com o engajamento da multidão de trabalhadores com
relação à sua própria produtividade, além da total transferência de custos
e riscos da empresa para seus “parceiros”.
[...]
O motorista Uber tem com seu trabalho uma relação muito parecida com a da
revendedora Natura: um complemento de renda advindo de uma atividade que
não confere um estatuto profissional, um bico, um trabalho amador, que utiliza
o próprio carro, a destreza do motorista, suas estratégias pessoais e sua
disponibilidade para o trabalho.
Olhando para esses trabalhadores, vemos em ato a viração, tema atual e
ao mesmo tempo constitutivo do mercado de trabalho brasileiro desde
sua formação.
[...]
Hoje motoboy-celetista e entregador de pizza, amanhã motofretista-MEI,
ontem montador em fábrica de sapatos, manobrista, pizzaiolo, feirante,
funileiro, funcionário de lava-rápido. Motogirl hoje, antes diarista, copeira,
coordenadora de clínica para viciados em drogas. Motofretista, serralheiro,
repositor de mercadorias; confeiteiro e também ajudante de pedreiro.
Proprietário de loja de bebidas, trabalhador na roça, funcionário do Banco do
Brasil e hoje motofretista autônomo. Motoboy hoje, antes faxineiro, porteiro
e cobrador de ônibus. Este é o movimento com que grande parte dos
brasileiros tecem o mundo do trabalho.

A ideia inicial propagada é a de que os motoristas parceiros são empreendedores


autônomos uma vez que possuem autonomia para dirigir a sua própria atividade.
Na prática, o que se percebe é que essa nova forma de trabalho apenas atualiza a viração
ou bico que sempre fizeram parte do mercado informal de trabalho no Brasil, tornando-se a
fonte de renda de pessoas que ficam à margem da legalidade em suas relações de trabalho.
Não significa que todo motorista parceiro esteja desprotegido dos benefícios
previdenciários, pois, alguns deles, por possuírem um conhecimento maior a respeito do
assunto, optam por contribuir para o Instituto Nacional de Seguro Social como autônomos.
75

A grande maioria, no entanto, por falta de conhecimento ou condição financeira não o


faz, e passam a fazer parte da massa de trabalhadores informais que não gozam de nenhum
direito trabalhista ou previdenciário, que não gozam de qualquer proteção legal.
Não parecer ser adequado afirmar que a responsabilidade por essa situação é da Uber e,
sim, do Estado Brasileiro que permanece inerte diante do surgimento de novas modalidades de
relações no mundo do trabalho, omitindo-se na distribuição de informação aos trabalhadores –
a exemplo da necessidade de formalização como segurados previdenciários – seja na criação
de uma legislação que assista essa nova categoria de trabalhadores.

REGRAMENTO JURÍDICO APLICÁVEL

A atividade de transporte remunerado de passageiros, nos moldes daqueles realizados


pelo Uber e similares, se encontra legalizada no país desde 26 de março de 2018, através da Lei
Federal nº 13.640, que altera a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, para regulamentar o
transporte remunerado privado individual de passageiros.
Com a modificação referida, o Art. 4º da Lei 12.587 passou a prever:

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: [...]X - transporte remunerado


privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de
passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens
individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários
previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de
comunicação em rede. (BRASIL, 2018)

Até o presente momento, no entanto, não existe lei disciplinando a relação travada entre
os motoristas de aplicativos e as empresas que atuam através das plataformas e aplicativos.
Ao se cadastrarem como motoristas usuários da plataforma, cabe a eles tão somente
aderir aos termos de uso, elaborados de forma unilateral pela empresa. A relação travada entre
motoristas de aplicativos e Uber, aqui tomada como exemplo, é de natureza cível, como
esclarece os termos gerais de uso ao qual aderem os motoristas, em sua cláusula 2:

Os Serviços integram uma plataforma de tecnologia que permite aos(às)


Usuários(as) de aplicativos móveis ou sites de Internet da Uber, fornecidos
como parte dos Serviços (cada qual um “Aplicativo”), solicitar e programar
serviços de transporte e/ou logística e/ou compra de certos bens com terceiros
independentes provedores desses serviços, inclusive terceiros independentes
fornecedores de transporte, terceiros independentes fornecedores de logística
e terceiros independentes fornecedores de bens, mediante contrato com a Uber
ou com determinadas afiliadas da Uber (“Parceiros Independentes”). A menos
que diversamente acordado pela Uber em contrato escrito celebrado em
76

separado com você, os Serviços são disponibilizados para seu uso pessoal e
não comercial. VOCÊ RECONHECE QUE A UBER NÃO É
FORNECEDORA DE BENS, NÃO PRESTA SERVIÇOS DE
TRANSPORTE OU LOGÍSTICA, NEM FUNCIONA COMO
TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES SERVIÇOS DE
TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR
PARCEIROS INDEPENDENTES, QUE NÃO SÃO
EMPREGADOS(AS) E NEM REPRESENTANTES DA UBER, NEM
DE QUALQUER DE SUAS AFILIADAS. (UBER, 2021, grifo nosso)

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3055, de 01 de setembro de 2021,


que altera a Consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943 para dispor sobre as relações de trabalho entre as empresas operadoras de
aplicativos ou outras plataformas eletrônicas de comunicação em rede e os condutores de
veículos de transporte de passageiros ou de entrega de bens de consumo, e dá outras
providências, não tendo o mesmo tido qualquer movimentação desde a sua apresentação.
Diz o seu texto:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 235-I e 235-J:
“Art. 235-I. As relações de trabalho entre as empresas operadoras de
aplicativos ou outras plataformas eletrônicas de comunicação em rede e os
condutores de veículos de transporte individual ou, quando for o caso, de
transporte coletivo, de passageiros ou ainda de entrega de bens de consumo,
são reguladas pelos arts. 452-A a 452-H, que dispõem sobre o contrato de
trabalho intermitente e, no que com elas não colidirem, pelas demais normas
desta Consolidação e legislação correlata.
Parágrafo único. Define-se como empresa operadora de aplicativos ou outras
plataformas eletrônicas de comunicação em rede como aquela que organiza e
disponibiliza para usuários previamente cadastrados a mediação de transporte
individual ou coletivo remunerado de passageiros ou de entrega de bens de
consumo.
Art.235-J. As empresas referidas no parágrafo único do art. 235-I são
obrigadas a contratar, sem ônus para os condutores de veículos de transporte
de passageiros ou de entrega de bens que vierem a sofrer o infortúnio, no
exercício de suas atividades:
I - seguro privado de acidentes pessoais; e
SF/21851.83083-04
Página 2 de 5 Avulso do PL 3055/2021.
II - seguro dos veículos.
§ 1º O seguro de que trata o inciso I do caput terá cobertura
para as seguintes hipóteses:
I - morte acidental;
II - danos corporais;
III - danos estéticos; e
IV - danos morais.
§ 2º A contratação de seguro não excluirá a indenização a que
o empregador está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
77

(BRASIL, 2021)

É manifesta a boa intenção do legislador de inserir os motoristas de aplicativos dentre os


trabalhadores tutelados pela Consolidação das Leis Trabalhistas, mas, sem adentrar no estudo da
natureza jurídica desta relação, e, a julgar somente pelos últimos movimentos de flexibilização das
normas trabalhistas advindos daquelas casas legislativas, é de se esperar que o referido projeto não
obtenha o êxito que pretende.

A JUDICIALIZAÇÃO DA RELAÇÃO MOTORISTA X UBER

As discussões decorrentes do fenômeno da uberização das relações de trabalho têm gerado


milhares de reclamações trabalhistas nas quais os motoristas de aplicativos pleiteiam o reconhecimento
de vínculo de emprego e a garantia de todos os direitos que são assegurados aos trabalhadores tutelados
pela Consolidação das Leis do Trabalho, a exemplo do salário-mínimo, férias anuais remuneradas,
decimo terceiro salário, FGTS, jornada de trabalho sujeita a limites, seguro-desemprego, entre outros.
Não raramente, vemos notícias nos meios jurídicos e na mídia não especializada acerca de
decisões de juízes do trabalho, e mesmo de tribunais regionais trabalhistas reconhecendo a existência de
uma relação empregatícia entre os motoristas de aplicativos e as respectivas plataformas de transporte.
Recentemente, houve notícia, inclusive, de que o Ministério Público do Trabalho do Estado de
São Paulo, ingressou com uma ação civil pública no dia 08 de novembro de 2021 contra Uber, 99, Rappi
e Lalamove no intuito de que eles reconheçam vínculo empregatício de seus motoristas no país.
Sobre a referida ação:

O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ações contra as empresas


99, Uber, Rappi e Lalamove a fim de que o Poder Judiciário reconheça o
vínculo de emprego dos aplicativos com os motoristas e entregadores de
mercadorias.
Com as ações, que foram ajuizadas nesta segunda-feira (08/11), o MPT pede
a garantia de direitos sociais trabalhistas, securitários e previdenciários, além
da melhoria das condições de saúde e segurança do trabalho nas atividades
desenvolvidas por esses profissionais.
O órgão defende ainda a condenação das empresas para que elas registrem
imediatamente seus motoristas, independentemente de local de residência e da
inscrição como microempreendedor individual (MEI), em carteira de trabalho,
sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador encontrado em situação
irregular, a cada constatação.
As irregularidades são objeto de mais de 600 inquéritos em tramitação pelo
país e também de oito ações civis públicas. No total, 625 procedimentos já
foram instaurados contra 14 empresas de aplicativos: Uber (230), iFood (94),
Rappi (93), 99 Tecnologia (79), Loggi (50), Cabify (24), Parafuzo (14),
Shippify (12), Wappa (9), Lalamove (6), Ixia (4), Projeto A TI (4), Delivery
(4) e Levoo (2).
Para o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, as relações
profissionais são dinâmicas e precisam se adaptar, mas não ao custo da
78

precarização. "É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse
tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988
cheguem aos trabalhadores", observa Lima. (Revista
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA
LEI Nº 13.467/2017.
1. VÍNCULO DE EMPREGO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR
QUE DENEGA SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO
DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE
TRANSCENDÊNCIA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I.
Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos. II. Com relação ao
pedido de reconhecimento de “vínculo de emprego”, evidencia-se ter a Corte
Regional decidido a partir do exame da prova. Aplica-se a Súmula nº 126 do
TST. III. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação
da multa de 2% sobre o valor da causa atualizado pela SELIC, em favor da
parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. (BRASIL,
Tribunal Superior do Trabalho. (Ag-AIRR-101036-14.2017.5.01.0042, 4ª
Turma, Relator Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/10/2021 grifo nosso)
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.
VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER.
AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
RECONHECIDA. Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos
constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo
em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a
descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o
reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela
reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas
previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos
e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar
processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista
percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário.
O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo
como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos,
uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes
evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego.
Precedentes. Ante a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a
multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Agravo não provido, com
imposição de multa" (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Ag-AIRR-
1001160-73.2018.5.02.0473, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros,
DEJT 20/08/2021, grifo nosso).
RECURSO DE REVISTA OBREIRO - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE
O MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA PROVEDORA DA
PLATAFORMA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (UBER) -
IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA
DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
RECONHECIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência
jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de
reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de
contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de
plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta
Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da
questão. 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta
Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as
79

empresas detentoras da plataforma de tecnologia (Uber) e os motoristas que


delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC)
e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às
novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das
relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no
Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa
específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos
formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à
relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico
do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer
forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da
CLT, a relação existente entre a Uber e os motoristas que se utilizam desse
aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que:
a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência
predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo,
estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá
trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do
motorista em escolher os dias , horários e forma de labor, podendo desligar o
aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem
nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber ou sanções decorrentes
de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (v.g.,
valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento,
avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no
caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a
manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja
ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a
convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista
de aplicativo independente, como o motorista da Uber, no rol de atividades
permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos
termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c)
quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se
caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço
(manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por
eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a
empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada
solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela Uber, de
cota parte do motorista, entre 75% e 80% do preço pago pelo usuário , serem
superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar
a relação de parceria entre os envolvidos. 5. Já quanto à alegada subordinação
estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de
reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas
formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual
e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que
não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de
aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita
da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de
motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência
inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o
acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na
presente reclamação, sob o fundamento de ausência de subordinação jurídica
entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo Uber. Recurso de revista
desprovido. (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR-10555-
54.2019.5.03.0179, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho,
DEJT 05/03/2021, grifo nosso).
80

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA


INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL
PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017.
PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO.
RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO.
MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE.
TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO.
I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre
motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do
aplicativo de tecnologia "Uber" e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia
Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma
vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da
CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência
consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de
efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a
transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na
hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a
sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do
Reclamante. No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de
que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo
dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de
subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que "o autor não
estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré". Tais premissas
são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária,
conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação
de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de
trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho
devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não
pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego.
O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos
configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação
jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos
poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O
enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a
respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento
jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº
11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é
proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou
constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48,
Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a
possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido
pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não
atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-
motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de
transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho
mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo ,
sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como
constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter
a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento
sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o
trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de
oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para
a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de
emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de
emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o
81

que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição
Federal . VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega
provimento. (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. AIRR-10575-
88.2019.5.03.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT
11/09/2020, grifo nosso).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.
MOTORISTA DE APLICATIVO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DOS
SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. O
Tribunal Regional consignou que os elementos dos autos demonstram
autonomia do reclamante na prestação dos serviços, especialmente pela
ausência de prova robusta acerca da subordinação jurídica. Ademais, restando
incontroverso nos autos que, " pelos serviços prestados aos usuários, o
motorista do UBER, como o reclamante aufere 75% do total bruto arrecadado
como remuneração, enquanto que a quantia equivalente a 25% era destinada
à reclamada (petição inicial - item 27 - id. 47af69d), como pagamento pelo
fornecimento do aplicativo ", ressaltou o Tribunal Regional que, " pelo critério
utilizado na divisão dos valores arrecadados, a situação se aproxima mais de
um regime de parceria, mediante o qual o reclamante utilizava a plataforma
digital disponibilizada pela reclamada, em troca da destinação de um
percentual relevante, calculado sobre a quantia efetivamente auferida com os
serviços prestados ". Óbice da Súmula nº 126 do TST. Incólumes os artigos
1º, III e IV, da Constituição Federal e 2º, 3º e 6º, parágrafo único, da CLT.
Agravo de instrumento conhecido e não provido (BRASIL, Tribunal Superior
do Trabalho. AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, 8ª Turma, Relatora Ministra
Dora Maria da Costa, DEJT 31/01/2019, grifo nosso).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO
SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C.
REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR
MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO
NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA
CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência
ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras
espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica
da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em
juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito
a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam
a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A
pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de
aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas
tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade
de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing
economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos
particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de
tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam
como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a
empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum
Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos
materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a
reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo
e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente
a Justiça Estadual. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. CC nº 164544 /
MG (2019/0079952-0, Segunda Seção, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJE
04/09/2019, grifo nosso).
82

Tal convencimento parece, ainda, se encontrar em harmonia com aquele que já foi
exposto pelo Supremo Tribunal Federal, como explica Pinheiro e Veiga (2021, grifo nosso):

No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, o STF


decidiu ser constitucional a Lei 11.442/2007, que dispõe sobre o transporte
rodoviário de cargas por conta de terceiros. Na ementa do julgado, percebe-se
que o Plenário do Supremo reafirmou sua jurisprudência para dizer que a
terceirização de atividade-fim não é ilícita e que as empresas de transporte
rodoviário podem contratar como prestadores de serviço, sob um contrato de
natureza civil-comercial, motoristas autônomos que possuam veículo próprio
e que cumpram outros requisitos definidos na lei.
Até aí nada de inédito, porque o Supremo já havia decidido na ADPF 324 e
no RE 958.252 que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão
do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, solapando uma jurisprudência de
três décadas do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, que dizia
justamente o oposto.
A novidade agora, como um prenúncio de uma nova realidade, é que o
Supremo, pelo menos no caso de motoristas autônomos regidos pela Lei
11.442/2007, diz que a Justiça do Trabalho é incompetente para analisar
se a relação jurídica entre o motorista e seu contratante-empresa de
transportes. Como já dito, duas turmas do Supremo já decidiram nesse
sentido. Em resumo, o motorista autônomo que pretenda ver reconhecido
um vínculo de emprego, com todos os consectários previstos na CLT,
como férias, 13º salário, FGTS, hora-extra, entre outros, não pode acessar
a Justiça do Trabalho para fazer essa postulação. Terá de ir buscar a
Justiça comum estadual para que, se for o caso, um juiz cível, analisando
a existência dos requisitos do artigo 2º e 3ª da CLT, conclua pela
existência de uma relação típica de emprego.
Com esse novo entendimento, no dia 19 de março a ministra Carmen Lúcia
concedeu liminar em reclamação constitucional para cassar uma decisão da
juíza da Vara do Trabalho de Guaíba que, em uma ação com pedido de vínculo
de emprego de um motorista autônomo contra uma transportadora, declarou a
competência da Justiça do Trabalho para julgar a causa. A ministra decidiu
que a competência é da Justiça comum, porque "as relações envolvendo a
incidência da Lei 11.442/2007 possuem natureza jurídica comercial, motivo
pelo qual devem ser analisadas pela justiça comum, e não pela justiça do
trabalho, ainda que em discussão alegação de fraude à legislação
trabalhista, consubstanciada no teor dos artigos 2º e 3º da CLT".
Duas reflexões são necessárias sobre essa nova posição do STF. A primeira é
que a Justiça comum não está habituada a analisar o reconhecimento de
vínculo de emprego, porque esse tipo de pedido sempre foi dos juízes e
tribunais do Trabalho. O Direito Civil e o Comercial são regidos por princípios
e diretrizes diferentes. O Direito do Trabalho, como um microssistema
jurídico, tem regras de interpretação que lhe são próprios e foram construídos
por décadas, a exemplo da primazia da realidade, e da proteção do trabalhador
hipossuficiente.
A segunda é mais delicada. A prevalecer o entendimento do STF, é possível
que novas decisões de incompetência da Justiça do Trabalho sucedam. Da
leitura das razões que levaram a ministra Carmem Lúcia a julgar
procedente a reclamação, percebe-se que o STF está partindo de um
pressuposto de que a relação é lícita e que ela é de natureza civil. Apesar
de estar limitado aos motoristas autônomos, nada impede que, no futuro,
o STF comece a decidir que qualquer pedido de vínculo baseado em uma
alegação preliminar de nulidade de uma relação cível, também seja de
83

competência da justiça comum. E aí estamos a falar de um grande


universo que envolve desde contratados como pessoa jurídica sob um
contrato de prestação de serviços, como motoristas de Uber e todos os
trabalhadores de plataforma digital de crowdwork.
Esses pedidos genéricos de reconhecimento de vínculo de emprego, em
uma boa parte dos casos, são baseados em um contrato formal de
prestação de serviços de natureza cível ou comercial. O prestador, ao
entender que existem os requisitos da relação de emprego, vai à Justiça
do Trabalho e pede que seja reconhecida a nulidade desse contrato com
o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento de verbas de
natureza trabalhista. Note-se que a situação genérica é muito parecida
com a relação das transportadoras com os motoristas autônomos. Nada
impede, portanto, como dito, que no futuro o STF amplie o entendimento
para aplicar a todos os casos.

A exegese dessas decisões leva a crer, inicialmente, que o Tribunal Superior do


Trabalho não vislumbra a existência de relação de emprego nas ações entre motoristas de
aplicativo e Uber.
Num segundo momento, pode-se concluir que existe uma tendência de consolidação
da posição de que a Justiça do Trabalho não possui competência sequer para apreciar as
demandas envolvendo este tipo de litígio, uma vez que o contrato formal entre as partes é de
natureza cível, cabendo à Justiça Comum o julgamento das demandas em que há alegação de
fraude à legislação trabalhista.
Não se vislumbra, portanto, uma possibilidade, pela via judicial, de reconhecimento
de direitos trabalhistas aos motoristas parceiros da Uber em sede definitiva, ainda que existam
decisões em fase de recurso que assim entendem.
Sobre o tema:

Diante de todo o cenário envolvendo o fenômeno da Uberização, de um lado


estão as empresas alegando que os "parceiros" podem trabalhar quando e
quanto quiserem; de outro, está um indivíduo reduzido à força humana de
trabalho sem seus direitos trabalhistas garantidos.
[...]
ante a flexibilidade e a ausência de fiscalização, bem como ausência de uma
legislação e de diretrizes específicas sobre a temática, tudo aliado à ideia de
um modelo autônomo de trabalho, cresceu o espaço para a chamada
uberização, até porque hoje se tem notícia da possibilidade de alugar um carro
para um terceiro e este prestar o serviço para o aplicativo, pagando os aluguéis
do carro ao proprietário do veículo.
[...]
Diante desse quadro e das novas modalidades de trabalho referidas, além
da revolução atual vivida pelo avanço da tecnologia e do direito
disruptivo, e sem o intuito de colocar fim a presente discussão, impõe-se
a necessidade de regulamentação dos novos modelos trazidos sob a
justificativa de flexibilização das relações de emprego.
Em arremate, não se está a discutir aqui a simples natureza da relação
entre "parceiros" e plataforma, mas, sim, a necessidade de se impor
84

efetivas responsabilidades, para que sejam assegurados os direitos à


saúde, à segurança e à vida digna do trabalhador, bem como seja
elaborada uma legislação específica para essa categoria particular de
trabalhadores. (Calcini e Lepper, 2021, grifo nosso)

Tal como os autores defendem, impõe-se a necessidade de elaboração de uma


regulamentação que observe as peculiaridades deste novo modelo de trabalho, que difere
daquele modelo tradicional que serviu de referência para o regramento contido na Consolidação
das Leis do Trabalho, nos idos do ano de 1942.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, existem milhões de trabalhadores que exercem atividade remunerada como


motoristas de aplicativos de plataformas diversas, sendo inegável que a grande maioria deles o
faz de maneira informal e alijado do manto de proteção legal.
Muitos desses motoristas encontraram nesta forma de trabalho uma alternativa única
para o seu sustento num país que vem sendo assolado pelo desemprego, especialmente após o
advento da Pandemia do Covid-19.
É dentro deste contexto que, longe de se pretende culpar a empresa Uber e suas similares
pela uberização e pela falta de direitos aplicáveis à espécie, é salutar o reconhecimento de que
se trata de uma forma de trabalho que veio para ficar e que tem servido, muitas vezes, de único
sustento para trabalhadores que perderam suas rendas ou estavam desalentados.
Sabe-se que o entendimento dominante nos tribunais superiores pátrios é o de que a
relação entre motoristas parceiros e plataformas de compartilhamento não é de natureza
empregatícia, o que lhes exclui da incidência da Consolidação das Leis do Trabalho.
Outro não é o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça, que já se
posicionou quanto à ocorrência de uma relação de natureza cível entre esses sujeitos, posição
que será possivelmente adotada também pelo Supremo Tribunal Federal, com base em
julgamento anterior proferido em caso análogo.
O direcionamento advindo do Poder Judiciário, portanto, se inclina negativamente a
qualquer pretensão de se obter um arcabouço de direitos trabalhistas pela via do reconhecimento
de relação empregatícia.
E mais: não se percebe um movimento assertivo do legislador nesse ponto.
É urgente, portanto, o início de um debate que efetivamente leve a meios de se assegurar
uma proteção legal aos motoristas de aplicativos, mediante a criação de uma legislação própria
85

que observe as especificidades desta atividade e que seja capaz de lhes conferir segurança
jurídica no exercício de seus misteres e nos momentos de infortúnios, como doença,
incapacidade, acidentes de trabalho.
E que fique claro: a ausência do reconhecimento de uma relação empregatícia não
implica em exclusão da responsabilidade das empresas que exploram o transporte por
aplicativos em relação aos seus motoristas parceiros, é preciso se estabelecer clara e legalmente
os limites desta responsabilidade.

REFERÊNCIAS.

ABÍLIO, L.C. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Revista IUH on-line.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565264-uberizacao-do-
trabalho-subsuncao-real-da-viracao. Acesso em: 27 nov. 2021.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 01 mai. 1943. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 25 nov. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.640, de 23 de março de 2018. Altera a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, para
regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros. Brasília, DF: Presidência da
República, [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/lei/l13640.htm. Acesso em: 24 nov. 2021.

BRASIL. Projeto de lei nº 3055, de 01 de setembro de 2021. Altera a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 para dispor sobre as
relações de trabalho entre as empresas operadoras de aplicativos ou outras plataformas eletrônicas de
comunicação em rede e os condutores de veículos de transporte de passageiros ou de entrega de bens
de consumo, e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, [2021]
Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-
3055-2021. Acesso em: 26 nov.2021

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC nº 164544 / MG (2019/0079952-0, Segunda Seção, Relator


Ministro Moura Ribeiro, DJE 04/09/2019. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequenci
al=100496223&num_registro=201900799520&data=20190904&tipo=5&formato=PDF.
Acesso em: 25 nov. 2021.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Ag-AIRR-101036-14.2017.5.01.0042, 4ª Turma, Relator
Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/10/2021.
Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/ Acesso em: 25 nov. 2021

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Ag-AIRR-1001160-73.2018.5.02.0473, 5ª Turma, Relator


Ministro Breno Medeiros, DEJT 20/08/2021. Disponível em:
https://jurisprudencia.tst.jus.br/ Acesso em: 24 nov. 2021.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR-10555-54.2019.5.03.0179, 4ª Turma, Relator Ministro


Ives Gandra Martins Filho, DEJT 05/03/2021. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/.
Acesso em: 24 nov. 2021.
86

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR-10575-88.2019.5.03.0003, 4ª Turma, Relator


Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/09/2020. Disponível em:
https://jurisprudencia.tst.jus.br/ Acesso em: 24 nov. 2021.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, 8ª Turma, Relatora


Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 31/01/2019. Disponível em:
https://jurisprudencia.tst.jus.br/. Acesso em: 24 nov. 2021.

CALCINI, R.; LEPPER, F.A.O. As relações jurídicas uberizadas e os efeitos trabalhistas. Revista
eletrônica Consultor Jurídico, 01 abr. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-
01/pratica-trabalhista-relacoes-juridicas-uberizadas-efeitos-trabalhistas.

MPT ajuíza ACPs pedindo vínculo entre aplicativos e trabalhadores. Revista Consultor Jurídico, 08
nov.2021. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2021-nov-08/mpt-ajuiza-acps-pedindo-vinculo-entre-aplicativos-
trabalhadores. Acesso em: 24 nov. 2021.

Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Termos Gerais de uso, última atualização em19/07/2021. Disponível
em: https://www.uber.com/legal/pt-br/document/?country=brazil&lang=pt-br&name=general-
terms-of-use. Acesso em: 25 nov. 2021

PINHEIRO, L.A.; VEIGA, M.F.C. STF diz: Justiça do Trabalho é incompetente para reconhecer
vínculo de emprego. Revista Consultor Jurídico, 14 abr. 2021. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2021-abr-18/veiga-pinheiro-stf-competencia-justica-trabalho. Acesso em
27 nov. 2021

1,4 milhão de entregadores e motoristas no Brasil estão na Gig economy. Instituto de Pesquisa
Econômica aplicada, 07 out. 2021. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=38565&cat
id=3&Itemid=3. Acesso em: 28 nov. 2021

FÁTIMA CHRISTIANE GOMES DE OLIVEIRA


Juíza do Trabalho do TRT da 21ª Região
Mestranda em Resolução de Conflitos e Mediação pela FUNIBER
E-mail: Christiane@trt21.jus.br
87

CAPÍTULO 9

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, BULLYING E CYBERBULLYING:


MECANISMOS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Marcelo Cipriano do Nascimento


Michel Canuto de Sena
Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos

INTRODUÇÃO

As mulheres sofrem tanto em ambiente familiar quanto em ambiente institucional


as diversas espécies de violência. A violência, de modo geral, diminui ou pode até ceifar não
somente os direitos de gênero, mas a própria vida de um ser que necessita de igualdade para o
exercício de sua vida.
Assim, a dignidade da pessoa humana, prevista em Convenções Internacionais e na
Constituição Federal de 1988, prevê as condições mínimas de existência a todas as pessoas.
Deste modo, a questão isonômica deve prevalecer não somente em uma sociedade composta
e representada por homens. Questiona-se a quantidade de insumos de ferramentas para a
proteção das mulheres e, ao mesmo tempo, a possível ineficácia da fiscalização das leis. Por
mais que a sociedade passe por constantes evoluções, o desrespeito, a desigualdade, a
disparidade e a falta de harmonização entre as condições de gênero ainda são assuntos de uma
agenda mundial em pleno 2021. Diante disso, propõe-se a seguinte indagação: Será que em
2030 ainda estaremos discutindo a desigualdade de gênero e a violência doméstica?
Traduz-se como problema desta pesquisa as questões: Será que as normas existentes
têm eficácia para combater o problema social? Até quando a sociedade vendará os olhos para o
problema que é social?
Para responder a esses questionamentos, vale-se da metodologia da revisão
narrativa, buscando as principais fontes e banco de dados, tais como livros físicos, digitais, além
dos bancos de dados Pubmed, Scielo Medline.

AVANÇO TECNOLÓGICO E SUAS FRAGILIDADES

Com o avanço da tecnologia por meio da Internet e das mídias sociais, as


informações se tornaram acessíveis a todos, mas acarretaram um retrocesso quanto ao
desrespeito com as pessoas. Ainda assim, considera-se esse avanço um dos fenômeno da
88

humanidade, pois facilita a vida das pessoas, por exemplo, a velocidade para se comunicar; ler
informações interessantes; ter novas ideias fazer ou realizar negócios; aproximar pessoas;
encontrar amigos, familiares, colegas de trabalho e até relacionamento afetivo (MISKOLCI,
2011, p. 11).
No mesmo sentido, outras ferramentas utilizadas são vídeos e texto, por meio de
dispositivo eletrônico, com cunho informativo ou despretensioso, eles podem ser utilizados para
mobilizar as pessoas com uma velocidade inestimável e podem trazer benefícios ou malefícios.
Por exemplo, as recentes manifestações em redes sociais que mobilizam pessoas para
reivindicar direitos próprios ou direitos de outros (MISKOLCI, 2011, p. 14). No mesmo
sentido:

[...] A digitalização dos meios de comunicação, que ganhou evidência no final


do século XX, criou um cenário caracterizado pela potencialização da
circulação de informações, decorrente das estruturas labirínticas de redes, bem
como do multiplicar de mídias baseadas em uma plataforma única de
linguagem, a digital. Mais do que amplificar as possibilidades de emissão e
recepção, iniciou uma conversa global, causando um grande impacto nas
diversas áreas do conhecimento, nas relações sociais, e, de forma profunda,
nas relações empresariais (CARNIELLO; ZULIETTI, 2007, p.1).

Assim, uma das ferramentas usuais eram os aparelhos celulares, cuja função era
somente de realizar chamada, mas com a evolução das tecnologias novas funções surgiram e,
com elas, novas possibilidades de aproximação (KENSKI, 2003, p. 32). Esse movimento traz à
tona um novo tipo de comunicação, que mormente eram dominadas apenas pelos meios de
comunicação remota, por exemplo, rádio, televisão, mídias sociais dentre outros.
Verifica-se que as mídias sociais representam a evolução dos meios de
comunicação, aproximando as pessoas umas das outras, tanto profissionalmente quanto nas
relações interpessoais e institucionais (KENSKI, 2003, p. 34). Desta forma, as relações sociais
passam por momentos de fragilidade, tendo em vista que a Internet, ao mesmo tempo que traz
o avanço, por outro lado, traz o retrocesso por meio de ações ofensivas, ataques verbais e
sexuais regados de violência e, ainda, a violação dos direitos fundamentais da mulher, a título
de exemplo, direito à imagem, direito ao próprio corpo, direito à liberdade e, sobretudo, as
condições mínimas de uma vida digna em sociedade.

A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER NA ERA DIGITAL


89

Os direitos fundamentais da mulher são mecanismos invioláveis que não podem ser
corrompidos. No meio virtual, apesar da liberdade de expressão, existem limitações sobre as
manifestações que, em muitos casos, tornam-se verdadeiros ataques. Uma das vítimas é
justamente a mulher que, independentemente de sua classe social, de sua formação e de sua
capacitação, sofre violações dos seus direitos basilares. Assim, a infância, o desenvolvimento
da fase adulta, o casamento e o trabalho, em uma visão machista e enraizada, colocam a mulher
em posição de um ser inferior (NUNES; COSTA, 2020, p. 5).
No mundo virtual, duas formas de violência vêm se destacando, sendo elas, a
pornografia de vingança e o cyberbullying, também conhecido como cybervingança. Esta
modalidade ocorre com a disseminação de comentários discriminatórios ou compartilhamento
de vídeos, fotos, imagens íntimas e outros meios que são utilizados para a vingança
pornográfica. Assim esta exposição pode tomar uma proporção desenfreada, ganhando força e
alcançando centenas de sites e milhares de pessoas em um curto período (NUNES; COSTA,
2020, p. 7).
Por mais que na Constituição Federal de 1988 estejam assegurados, no artigo
quinto, estes direitos fundamentais: direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas, lamenta-se, cresce o número de mulheres que têm sua intimidade
violada. Por outro lado, estes casos de exposição da mulher na forma digital, além do
crescimento, trazem outro dado alarmante, pois, na maioria dos casos, o autor ou a autoria
envolve pessoas próximas à vítima (NUNES; COSTA, 2020, p. 6).
Esses casos de exposição da mulher por fotos ou vídeos íntimos, publicados na rede,
têm crescido alarmantemente e são provocados, frisa-se, por pessoas bem próximas à vítima,
ou seja, por parceiros que não aceitam o fim do relacionamento e procuram atingir a integridade
física, moral e psicológica (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 60).
Após a divulgação das imagens íntimas, a interatividade proporciona um
julgamento moral em que milhares de pessoas desconhecidas comentam as imagens,
compartilham e promovem um ciclo de violência contínua às vítimas, que não atinge
supostamente apenas a uma vida virtual, mas sobretudo a sua vida real, no seu cotidiano, por
meio de humilhações e ameaças virtuais ou físicas (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 62).
Por se tratar de um fenômeno novo, as ferramentas disponibilizadas ainda são
insuficientes para este tipo de agressão qualificada. Muitas vítimas não conseguem reagir
mediante a humilhação dos fatos, além da falta de apoio das pessoas próximas, da ausência de
leis com maiores abrangências e métodos que possam efetivamente punir autores
(CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 63). Isso pode provocar uma sensação de impunidade que
90

acaba por levar a vítima a terríveis momentos, não conseguindo enfrentar os familiares nem a
sociedade, pois essa ação de exposição da sua intimidade é algo irreversível, é um fardo que a
vítima terá de levar para a sua vida e com desfechos muitas vezes irreparáveis, como o suicídio.
A esse respeito, segue:

[...] Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,
conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e
privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei nº 13.772, de
2018).
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em
fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa
em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo (BRASIL,
1940, p. 1).

Segundo Saffioti (2001, p. 116), a violência pode se manifestar de várias formas,


mas a violência psíquica e a moral, comumente, são violências que, de imediato, não deixam
marcas, ou não são visíveis às pessoas do convívio da vítima, mas se tais violências afetarem o
psicológico da vítima, elas se tornam visíveis, acarretando prejuízos no desenvolvimento físico,
social, emocional, cognitivo ou afetivo. Muitas vítimas de violência carregam consigo marcas
profundas deixadas pelas agressões sofridas e, quando não tratadas, tendem a ser mais
suscetíveis a outras formas de violências, seja na sua vulnerabilidade ou na reprodução da
violência com outras pessoas.

LEI CAROLINA DIECKMANN

A lei Carolina Dieckmann (BRASIL, 2012, p. 1) dispõe sobre a tipificação


criminal de delitos informáticos e dá outras providências. Foi assim nomeada em referência à
atriz, cujas fotos íntimas foram divulgadas na Internet. Essa Lei não é específica para crimes
contra violência virtual contra mulher, conhecida também como pornografia de vingança ou em
inglês revenge porn, quando é divulgada ou compartilhada imagem íntima sem autorização,
embora estejam em trâmites projetos de Leis com o propósito de punições mais severas, como
o projeto que está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pretende alterar a Lei
n. 11.340 (BRASIL, 2006, p. 1) para incluir o combate de condutas ofensivas contra a mulher
na Internet. As presentes proposições possuíam a pretensão de punir autores e defender vítimas
da pornografia de vingança, modalidade de crime eletrônico que consiste em expor para grupos
ou de forma massiva, sem autorização da vítima, imagens, vídeos ou demais informações
íntimas, tomadas em confiança, em geral durante a fase em que autores do crime e as vítimas
91

mantinham relação afetiva; ou, de forma ainda mais violenta, expor imagens de atos perpetrados
contra a vítimas, muitas vezes estupros coletivos, tendo autores do crime eletrônico participado
ou assistido ao evento criminoso (SENA et al., 2020, p. 47).
O fato é que é impossível não reconhecer o avanço tecnológico, mas também a
discrepância na demora da legislação para prevenir e punir a violência sexual cometida contra
as mulheres nas mídias sociais. É importante salientar que, com o avanço tecnológico, não se
abandonaram as raízes patriarcais (SENA et al., 2020, p. 49).
Percebe-se que os criminosos são as mesmas pessoas da sociedade que fazem uso
da Internet, ou seja, a que a pessoa é na sua essência, no seu cotidiano social é o que a pessoa é
no mundo virtual, podendo ser chamado de um patriarcado contemporâneo ou moderno, em
que se transfere para o mundo virtual a relação desigual entre homens e mulheres, resultando
na opressão e exploração das mulheres, tendo em vista a demora em se criar punições que as
protejam da naturalização da violência virtual (DELFINO; DE PINHO NETO; DE SOUZA,
2019, p. 12).
As mídias sociais revelam ainda outros aspectos dos seres humanos, a sensação de
segurança e anonimato que o computador ou smartphone dá para quem fica por detrás dele, o
que agrava ainda mais o cenário virtual. A intimidação e a violência na Internet, utilizadas
geralmente pelas redes sociais, expõem a todo o tempo as mulheres. Em geral, o ex-
companheiro é envolvido nos atos violentos que podem gerar para a vítima situações
constrangedoras, por exemplo humilhações, ameaças e até mesmo o homicídio qualificado
(DELFINO; DE PINHO NETO; DE SOUZA, 2019, p. 13).
É importante enfatizar que a sexualidade da mulher ainda é vista pela sociedade
como um tabu. Desta feita, a mulher ainda carrega o estigma de servir sexualmente ao homem,
destinada aos serviços doméstico e à função de ser mãe independentemente de sua vontade
(DELFINO; DE PINHO NETO; DE SOUZA, 2019, p. 15). Esses fatores, além de trazerem
indignações, colocam em risco não somente a geração da mulher discriminada e excluída, mas
sim diversos ramos. Dentre eles, a educação, que necessita ser igualitária; a política que sofre
com disparidade, local predominantemente dominado por homens e a desigualdade salarial que
não possui parâmetros legais para justificar esta injustiça, sobretudo a igualdade de gêneros.

MECANISMOS DE COMBATE À INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA DE GÊNERO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, dispõe que o Estado tem o dever
de assegurar assistência à família e às pessoas integrantes dela. Ainda, tem o objetivo de garantir
92

mecanismos para uma vida pacificada e livre de conflitos, sobretudo de atos violentos
(BRASIL, 1988, p. 1).
A violência contra a mulher surge justamente para fortalecer uma cultura machista
e violenta, colocando a mulher em posição de vulnerabilidade. Por outro lado, além da garantia
constitucional, a lei n. 11.340 de 2006 surgiu como uma forma não somente de conscientizar as
pessoas, mas também de punir agressores (BRASIL, 2006, p. 1).
A lei Maria da Penha tutela os atos de violência física, psicológica, patrimonial,
moral e sexual. Essa ferramenta permite que a mulher, em caso de violação de seus direitos
fundamentais, recorra a uma legislação. Importante destacar que esta proteção, apesar de ser
apresentada como um avanço legislativo, ao mesmo tempo representa um retrocesso social, pois
a mulher que, assim como o homem, nasceu para ser uma pessoa dotada de direitos, passa
constantemente por atos que não somente agridem o seu corpo, mas colocam em risco todo o
seu desenvolvimento (DIAS, 2015, p. 64).
Percebe-se que todo mecanismo jurídico é dotado de um fato social e tem como
objetivos a prevenção, a assistência e políticas públicas em defesa das mulheres. Esse avanço
legislativo coloca em pauta um questionamento: Até quando o machismo vai servir para
justificar agressões?
Ainda sobre a lei Maria da Penha, foram criadas diversas ferramentas para
afastar ou comunicar os atos violentos. A título de exemplo, o aplicativo Maria da Penha,
desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o objetivo de agilizar e ofertar
medidas protetivas de urgência para as mulheres em situação de perigo, residentes no Rio de
Janeiro (DIAS, 2015, p. 67).
O aplicativo pode ser acessado por meio do link:
https://www3.tjrj.jus.br/mariapenhavirtual/, possibilitando assim menor contato com a vítima e com o
agressor. Vale lembrar que o Brasil passa por crises econômicas, esse fator pode levar, em
alguns casos, a dificuldades com relação à alimentação, vestimentas, moradia e a ausência de
uma ferramenta indispensável para a utilização do aplicativo, ou seja, o acesso a um dispositivo
eletrônico e acesso à Internet, pois é sabido que, além da vulnerabilidade, as
questões socioeconômicas podem impedir a utilização dessa ferramenta (ELIAS;
MACHADO, 2015, p. 90).
Outra ferramenta é o botão do pânico. Trata-se de um dispositivo no combate à
violência doméstica que, quando acionado em situações de iminente agressão, o equipamento
emite um sinal de alerta para que a vítima seja socorrida. Apesar de ser uma ferramenta eficaz,
ainda não é utilizada em todo o território brasileiro. O dispositivo é utilizado nos Tribunais de
93

Justiça do Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Maranhão e Pernambuco, mas se percebe que os
demais Estados ainda não contam com essa ferramenta (DE CAMPOS; TAVARES, 2018, p.
397). No mesmo sentido:

[...] De forma sistematizada, é possível identificar diferentes etapas até a


concessão do botão do pânico. Entretanto, deve-se ressaltar que, sendo o
Botão do Pânico um projeto piloto, não existiam regulamentos normativos
estabelecendo critérios objetivos para a sua concessão às mulheres em
situação de violência doméstica. Assim, durante a execução do projeto
experimental, coube ao próprio juízo da 1ª Vara Especializada de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher de Vitória, juntamente a sua equipe
multidisciplinar, composta por 02 (duas) Assistentes Sociais, 01 (um)
Psicólogo e 01 (uma). Psicóloga, analisar o caso concreto e proceder ao
deferimento do dispositivo de segurança para as mulheres vítima14. O projeto
experimental iniciou com cerca de 100 (cem) botões distribuídos às mulheres
que participariam da experiência. Entretanto, de acordo com os dados
descritos no relatório elaborado pela equipe muldisciplinar15, foram
concedidos pela Vara Especializada 62 (sessenta e dois) botões do pânico (DE
CAMPOS; TAVARES, 2018, p. 400).

Dessa feita, o botão do pânico poderia ser utilizado em todo território brasileiro com
dois objetivos: inibir agressores e encorajar as mulheres em situação de sensibilidade e
vulnerabilidade a retornarem às suas rotinas. De tal modo, a mulher que não tem tranquilidade
para exercer sua vida livremente passa constantemente por um processo de tortura física e
psicológica. Assim, espera-se que os demais Estados possam adotar essa ferramenta eficaz (DE
CAMPOS; TAVARES, 2018, p. 402).
Outra ferramenta que pode ser utilizada é a lei n. 13.185 de 2015, conhecida como
Lei de Bullying. A intimidação sistemática é uma das formas de violência e a presente legislação
dispõe de diversos verbetes, tais como intimidação, humilhação e discriminação. Ocorre que o
bullying também pode ser cometido em função de gênero, ou seja, os atos violentos e
intimidatórios contra a mulher (BRASIL, 2015, p. 1).
A presente lei não dispõe de atos que possam reeducar o agressor, bastando somente
do texto da lei passagem como diagnóstico e prevenção (BRASIL, 2015, p. 1). Talvez, a dor de
uma agressão não possa ser direcionada em um texto de lei, mas a ausência de regulamentação
e aprofundamento desse mecanismo faz que a vítima passe por isolamentos intermináveis
e, em muitos casos, passa por uma idealização suicida ou suicídio consumado.
Neste compasso, tem-se a necessidade, por meio da lei, de mudar a cultura de
tratamento dado à mulher, porque, de certo modo, ao sentirem-se repreendidos, os indivíduos
tendem a mudar seu comportamento. O rigor legislativo é apenas um ponto de partida para
94

abolir a violência contra a mulher e efetivar a proteção à mulher vítima de violência doméstica,
uma vertente forte da violência de gênero que vem se expandindo nas mídias sociais (BORGES;
LUCCHESI, 2015, p. 219).
Como um início da mudança legislativa e, consequentemente, cultural no
tratamento dado a mulher, será possível iniciar um novo processo social de igualdade de gênero,
porém ainda há de se reconhecer que demandará um longo caminho a ser percorrido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A desigualdade existente e a sensação de superioridade do homem sobre a mulher


têm agravado o cenário de violência contra a mulher. Como se não bastasse, a violência também
se alastrou para o mundo virtual, mulheres têm sido assombradas por homens por meio de
mídias sociais e muitas, não suportando, chegam ao suicídio.
O aumento de casos de violência leva a sociedade a repensar atitudes até então
toleradas. Um desses fatores é o tratamento desigual que a mulher recebe da sociedade não
somente por homens, pois parte das mulheres também age de forma machista.
Assim sendo, a prevenção da violência contra a mulher e a equivalência na
igualdade de direitos não serão resultados conquistados facilmente, de um dia para o outro.
Mesmo com os avanços tecnológicos que facilitam a comunicação e o conhecimento ou a
modernização das leis, ainda que sejam itens importantes, é necessário muito mais para a
verdadeira e radical transformação social, que transpasse as barreiras da religião, educação,
mídia, cultura, economia, classe, raça, entre muitos outros aspectos.
Sendo necessário que se rompa com raízes do patriarcado, absorvidas pela
sociedade com a necessidade capitalista de perpetuar seu domínio. Para além disso, para que
haja a prevenção da violência contra mulher, é necessário que, além das ações preventivas, a
sociedade deixe de ser omissa, pois, em muitos casos, a violência contra a mulher é presenciada,
mas quem está assistindo o ato violento age com omissão.
Esta omissão acarreta que se resumam a um cativeiro. Por fim, manifesta-se
gratidão por poder colaborar com esta obra, a qual trata não somente dos direitos das mulheres,
mas de suas violações. De tal modo, diante de um ato de violência contra a mulher, denunciar,
ligar para os números disponíveis ao auxílio, por exemplo, o 180, é o melhor caminho a seguir,
e início, quiçá, de uma mudança.

REFERÊNCIAS
95

BORGES, Clara Maria Roman; LUCCHESI, Guilherme Brenner. O MACHISMO NO


BANCO DOS RÉUS–UMA ANÁLISE FEMINISTA CRÍTICA DA POLÍTICA CRIMINAL
BRASILEIRA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Revista da
Faculdade de Direito UFPR, v. 60, n. 3, p. 217-277, 2015.

BRASIL. Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos
informáticos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em: 26 nov. 2021.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 26 nov. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 26 nov. 2021.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre a Lei Maria da Penha. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 26 nov. 2021.

BRASIL. Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015.


Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática ( Bullying ). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em: 26 nov. 2021.

CARNIELLO, Monica Franchi; ZULIETTI, Luis Fernando. Ferramentas de Comunicação


Organizacional na Era das Mídias Digitais. In: Congresso Brasileiro Científico de
Comunicação Organizacional e de Relações Públicas. 2007.

CAVALCANTE, Vivianne Albuquerque Pereira; LELIS, Acácia Gardenia Santos. Violência


de gênero contemporâneo: Uma Nova Modalidade através da Pornografia da Vingança.
Interfaces Científicas-Direito, v. 4, n. 3, p. 59-68, 2016.

DELFINO, Samyr Santos; DE PINHO NETO, Júlio Afonso Sá; DE SOUSA, Marckson
Roberto Ferreira. Desafios da sociedade da informação na recuperação e uso de informações
em ambientes digitais. RDBCI: Revista Digital De Biblioteconomia E Ciência Da
Informação, v. 17, p. 1 - 16, 2019.

DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da penha. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2015.

ELIAS, Maria Lígia Granado; MACHADO, Isadora Vier. A construção social da liberdade e
a Lei Maria da Penha. Revista Sul-Americana de Ciência Política, v. 3, n. 1, p. 88-109,
2015.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Papirus


editora, 2003.

MISKOLCI, Richard. Novas conexões: notas teórico-metodológicas para pesquisas sobre o


uso de mídias digitais. Revista Cronos, v. 12, n. 2, 2011.
96

NUNES, Karine Lopes; COSTA, Larissa Aparecida. A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER


NO ÂMBITO VIRTUAL. ETIC-ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA-ISSN 21-
76- 8498, v. 16, n. 16, 2020.

SENA, Michel Canuto de. et al. Mediação de conflito escolar como ferramenta de prevenção
ao bullying: ação em saúde pública. Multitemas, p. 45-69, 2020.

SOBRE OS AUTORES
MARCELO CIPRIANO DO NASCIMENTO
Graduado em direito pela Universidade de Franca (SP). Especialista em direito constitucional,
penal e processo penal (Damásio).

MICHEL CANUTO DE SENA


Graduado em Direito (FACSUL), especialista em Direito (UCDB), Mestre (UFMS),
Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região
Centro-Oeste (Faculdade de Medicina) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Professor de Direito Civil. Membro do Projeto ASA (UFMS). Membro do LEICH
(UFMS). Membro do LDH (UFMS). Coordenador do Projeto Bullying nas escolas (UFMS).

PAULO ROBERTO HAIDAMUS DE OLIVEIRA BASTOS


Doutor e Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professor titular (full professor) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Professor visitante (visiting researcher) do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste. Professor sênior (UFMS). Membro do
LEICH (UFMS).
97

CAPÍTULO 10
O USO DE AGROTÓXICO NO SÍTIO RIACHO DO UMBUZEIRONO
MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO–PE

Maria do Carmo dos Santos Silva.

INTRODUÇÃO

O uso de agrotóxico no Sítio Riacho do Umbuzeiro no Município de São João – PE tem


sido intensificado ao longo dos anos por diversos motivos, o principal pretexto desse padrão
agrícola de produzir, explica-se pelo modelo capitalista, onde se leva em conta a quantidade
não a qualidade. Os agroquímicos têm seus malefícios, mas, também apresenta seus benefícios,
de modo que existem todas as problemáticas ocasionadas pelo uso excessivo dos agrotóxicos
na produção agrícola, entretanto não existem nada que proíba a sua comercialização e utilização
em alta escala, pois há os benefícios para agricultura, para o produtor rural e para a sociedade
consumidora.
O objetivo de escolher o Sítio Riacho do Umbuzeiro, foi pela á ocorrência do intensivo
uso de agrotóxicos na produção agrícola, pelo fato do município de São João, ser o maior
produtor de feijão do Estado de Pernambuco, pela a falta de orientação aos agricultores e por
não existir nem um tipo de política pública para os agricultores, em relação ao uso dos
agrotóxicos no município. A pesquisa possibilitou identificar os tipos de riscos que os
agricultores estão expostos, ao manipularem os agrotóxicos no Sítio Riacho do Umbuzeiro, os
principais fatores de vulnerabilidade, as condições de trabalho, as manifestações na saúde dos
trabalhadores rurais e os benefícios do agrotóxico na produção agrícola. Para o
desenvolvimento da presente pesquisa foram utilizadas pesquisas bibliográficas e de campo. A
pesquisa bibliográfica baseou-se em publicações científicas da área da utilização de agrotóxico
na produção agrícola. O estudo de caso foi desenvolvido, em sua totalidade, através de pesquisa
de campo, envolvendo o perfil dos agricultores.
O presente trabalho estrutura-se em três capítulos, apresentando-se no primeiro as
características e história do município de São João e do Sítio Riacho do Umbuzeiro, baseado
no estudo de campo, bibliográfico e a partir de pesquisas em várias fontes. No segundo capitulo
é abordado o uso do agrotóxico no Mundo, no Brasil e no Sítio Riacho do Umbuzeiro,
abrangendo a origem, conceito e mencionando a problemática do uso intensivo dos agrotóxicos
98

na agricultura brasileira que se desenvolve num cenário econômico, social, ideológico e cultural
caracterizado pela intensa concentração fundiária, pelo aumento da produtividade, de
monoculturas, pela inclusão de tecnologias mecanizadas e o intensivo uso de agrotóxicos nas
lavouras com grande impacto sobre a saúde humana e ambiental. O terceiro capitulo caracteriza
o estudo de caso, com analise do objeto do estudo, envolvendo os efeitos dos agrotóxicos sobre
a saúde dos trabalhadores rurais que podem ser de diversas formas, por estarem expostos
diretamente a estes produtos, já que eles estão convivendo com todo tipos de exposição possível
aos agrotóxicos, desde o manuseio até o consumo de alimentos contaminados, podendo causar
sérios problemas de saúde de uma intoxicação até um tumor cancerígeno. Mas, os agroquímicos
têm como finalidade beneficiar o cultivo através do aumento da produção agrícola e eliminar
as pragas e ervas invasora.

METODOLOGIA

A pesquisa iniciou-se, com leitura bibliográfica em nível exploratório de dados como;


pesquisa em livros e artigos científicos em revistas eletrônicas, sobre o tema, o uso de
agrotóxicos. Através de consulta na internet, com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre
a utilização do agrotóxico na produção agrícola. A observação foi realizada no sítio riacho do
umbuzeiro município de São João-PE, através de pesquisa de campo, onde foi analisado o uso
dos agrotóxicos, os riscos à saúde do trabalhador rural e suas condições de trabalho. A análise
foi concretizada a partir do estudo em livros e artigos em revista eletrônica que serviu de
referências teóricas para o estudo de campo no Sítio Riacho do Umbuzeiro onde foi possível
identifica os problemas que prejudica a população do Sítio por causa do uso dos agrotóxicos na
produção agrícola. A finalidade deste trabalho foi especificamente identificar o perfil
socioeconômico e cultural dos trabalhadores rurais. Além de averiguar as condições de trabalho
e os fatores de vulnerabilidade decorrentes do uso dos agroquímicos pelos agricultores. O
método adotado para a execução da pesquisa, foi método quantitativo e observacional
estudando as características do perfil sócioeconômico e cultural dos trabalhadores rural, o
estudo é parte da análise que teve como objetivo avaliar à exposição dos agricultores aos
agrotóxicos.

JUSTIFICATIVA
99

Este trabalho e de grande relevância, pois tendo em vista toda a “problemática” dos
agrotóxicos na agricultura, sendo utilizado anualmente em alta escala pelos agricultores sem
nenhuma proteção segura, nem fiscalização dos órgãos competente. A importância do tema se
baseia no fato de que, os trabalhadores rurais, em sua maioria, não têm o conhecimento básico
sobre os riscos que os agrotóxicos oferecem a sua saúde, nem projetos de políticas públicas
voltadas para o desenvolvimento de ações alternativas, assim, surgiu à necessidade de realizar
está pesquisa como uma forma de contribuição e transformação na vida dos trabalhadores rurais
do sítio riacho do umbuzeiro município de São João - PE.
A pesquisa é expressiva, porque pode ser modificado o modelo de produção agrícola do
Sítio Riacho do Umbuzeiro através de uma conscientização aos agricultores do município
mostrando a sua realidade, em relação aos riscos à sua saúde, na exposição aos agrotóxicos,
promovendo o uso de alternativas e práticas ecologicamente corretas na produção agrícola. O
objetivo desta análise constitui em prevenir o trabalhador rural contra intoxicação e acidentes
que podem colocar sua vida em risco durante o manuseio dos agrotóxicos, determinando
práticas e estratégias de educação e informação que mobilizem os trabalhadores rurais na
discussão da questão da utilização dos agrotóxicos como uma forma de aprendizagem
constituindo em aprendizado, podendo assim contribui para uma vida mais saudável, reduzindo
os custos de produção das lavouras com o uso racional dos agrotóxicos e oferecendo alimentos
seguros à sociedade, e cuidando da preservação do meio ambiente.
Esse trabalho buscou agrega conhecimento aos trabalhadores rurais numa visão
esclarecedora, buscando trazer informações precisas e valiosas para delinear o caminho do
desenvolvimento sustentável do município analisando as informações estudadas; e formulando
sugestões e estratégias de desenvolvimento que possibilite o fortalecimento da economia da
região. Após as análises e interpretação dos resultados da pesquisa, este trabalho culminará
como uma relevância de estudo e de conhecimento para a sociedade. Pois, a pesquisa
contribuirá para o “conhecimento” e para sociedade, onde subsidiará o conhecimento científico
já existente, e para a sociedade de maneira geral, especificamente na sua prática, de trabalho
agrícola. E que possa ser uma contribuição futura para outras pesquisas.

OBJETO DE ESTUDO; SITIO RIACHO DO UMBUZEIRO SÃO JOÃO-PE

O município de São João divide-se em duas regiões com aspectos físicos caracterizados
por: Mata e Agreste, a área da Mata destaca-se pela pecuária bovina, a criação de gado para
100

corte, leite e a plantação de hortaliças por ser uma região fitogeográfica úmida e a área do
Agreste que se insere como o maior centro produtor de feijão do Estado de Pernambuco.

Figura 01: Mapa do município de São João-PE

Leg
enda:

Área de estudo Área Urbana do


Município de

São João-PE

Área do Agreste

no Município Área da Mata do


Município

Fonte: Organizador por Maria do Carmo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e do Instituto


Agronômico de Pernambuco - IPA, o município de São João, colhe safra recordes anualmente,
mas isso varia de acordo com o clima, que é o principal influenciador da safra. O município
destaca-se ainda como um grande centro produtor de mandioca do Estado. O milho também é
produzido, porém, em menor proporção. Há ainda algumas áreas na produção de tomate em
destaque no município, mas em menor dimensão. O calendário agrícola de plantio e colheita do
município, com base nas principais variedades plantadas, se inicia em abril com o plantio das
101

três variedades predominantes, estendendo-se até junho. Havendo novo plantio de feijão de
corda no segundo semestre, entre julho e setembro. A colheita do plantio realizado no primeiro
semestre ocorre entre os meses de julho e setembro, enquanto, há do segundo semestre ocorre
entre os meses de outubro e dezembro, conforme mostra a Tabela abaixo.

Tabela 01: Período de plantio e colheita do feijão no Município de São João


CULTIVOS J Fe M A Ma j J Ag S Ou No De
an. v. ar. br. i. un. ul. o. et. t. v. z.
FEIJÃO
PRETO
CARIOQUIN
HA/
CARIOCA
FEIJÃO DE
CORDA

OUTROS
TIPOS DE FEIJÃO

PLANTIO COLHEITA
Fonte: Tabela organizada Por Maria do Carmo a partir de dados coletados no IPA.

O clima é o principal influenciador tanto no plantio como na colheita, podendo ser


favorável para a produção ou não. Com base nas principais variedades plantadas, destacam-se
com maiores produções, o feijão carioquinha ou carioca, o feijão de corda e o feijão preto, de
maior valor comercial entre outras variedades existentes, que tem destaque na produção do
município. O município de São João é formado pela Sede e pelos povoados Volta do Rio;
Taquari e Freixeiras. O município está a 236 km da capital do Estado, Recife com acessos pelas
BR 423 e 232, via Garanhuns. Está situado na mesorregião do Agreste Meridional de
Pernambuco e localizado na Microrregião de Garanhuns. Possui uma altitude de 716 metros
acima do nível do mar e apresenta uma área territorial de 258,3 km², limitando-se a norte com
Jupi e Jucati, a sul com Palmeirina, a Leste com Angelim e a oeste com Garanhuns.

Figura 02: Mapa de localização do município de São João –PE.

Fonte: Rodrigues, 2017.


102

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população


em 2016 é de 22.518 habitantes. Possui densidade demográfica de 91,16 hab./km². A principal
base da economia do município é conduzida em torno da produção agrícola, sendo a cultura do
feijão a mais expressiva, recebendo o status de maior produtor de feijão do estado de
Pernambuco. Além do feijão, também, compreende o cultivo de mandioca e milho. O município
ainda destaca-se na pecuária de leite e corte. O Sítio Riacho do Umbuzeiro, tem uma população
predominantemente rural, com uma faixa de terra de aproximadamente 8 km², constituindo-se
de 287 pessoas e 68 famílias que trabalham na agricultura familiar no cultivo do feijão, milho
e mandioca.

Figura 03: Localização no Mapa do Sítio Riacho do umbuzeiro.

Fonte: Organizado por Maria do Carmo a partir de imagem coletada no IPA.

O modelo de agricultura no Sítio Riacho do Umbuzeiro é predominante à agricultura


familiar, que conta com áreas de pequenas propriedades e poucos recursos financeiros para
incrementar o processo, se comparado com a agricultura desenvolvida pelos os grandes e
médios produtores que têm uma quantidade de terras maior para a produção agrícola. Na
agricultura familiar predomina a utilização de adubos orgânicos e de adubos químicos. Os
agrotóxicos mais utilizados são os inseticidas e herbicidas. Aqueles produtores que mais utilizam
agrotóxicos têm altos índices de produtividade. O acesso a inovações tecnológicas, como
maquinários que aperfeiçoem a produção, constitui o fator principal que diferencia os
produtores e a participação destes na dinâmica produtiva do município.
Os maiores produtores do Sítio Riacho do Umbuzeiro têm acesso a vários
beneficiamentos para auxiliar na produção como: participação em congresso fora do Estado
para melhoramento genético da semente do feijão (os transgênicos), com objetivo de aumentar
a produtividade. Além de ter acesso a vários tipos de crédito do governo, estes produtores ainda
têm uma maior facilidade em acessar os créditos. Por outro lado, os pequenos produtores às
vezes enfrentam algumas dificuldades para ter acesso a esses programas do governo, por terem
103

algum tipo de receio para acessar esses créditos do governo, por falta de conhecimento e de
interesses bnos programas governamentais. De acordo com o IPA os transgênicos têm como
objetivo deixar a planta resistente às pragas, e produzir mais a partir da modificação genética
da semente utilizando principalmente agrotóxicos diretamente na semente alterando assim a
estrutura biológica da planta. O agricultor moderno, aquele que tem acesso a novas tecnologias
no exercício da atividade agrícola, ainda conta com uma importante ferramenta: a informação,
que passou a ser rápida e cientificamente fundamentada, para o produtor produzir cada vez
mais. No Sítio Riacho do Umbuzeiro no período de plantio sempre têm encontro de
representantes do IPA com os agricultores para explicar quais e como ter acesso aos tipos de
créditos que estão disponíveis, além de informar o melhor período para o plantio através de
estudos feitos tanto no clima como no solo.
Os principais programas desenvolvidos pelo IPA para beneficiar o plantio dos
produtores do município de São João são: distribuição de sementes de feijão para plantio;
programa terra pronta através da aração de terras com dispensa de custos, liberação de crédito
rural para a agricultura familiar pelo PRONAF, assistência técnica a agricultores, instalação de
beneficiamento de feijão pelo Pro rural para favorecimento de famílias, seguro safra que protege
de riscos causados por adversidades climáticas. Faz ainda, pesquisa através de testes no feijão
para melhoramento genético da semente com o objetivo de aumentar a produção, por meio de
um campo experimental de sementes de feijão e na unidade demonstrativa da mandioca.
Segundo o IPA, localizado no município de São João – PE, o tipo de agricultura predominante
no Sítio Riacho do Umbuzeiro, é o modelo convencional, caracterizada pelo uso intensivo de
agrotóxicos nas lavouras cultivadas e utilização de tecnologia mecanizada para plantio e
colheita. A agricultura convencional caracterizada pelo intensivo uso de agrotóxicos nas
plantações cultivadas no Sítio Riacho do Umbuzeiro visa acima de tudo á produção, deixando
em segundo plano a preocupação com a conservação do meio ambiente e a qualidade nutricional
dos alimentos. De acordo com informações coletadas no IPA, o próprio município faz o
melhoramento genético das sementes (transgênicos), através do Instituto Agronômico de
Pernambuco da cidade de São João. As plantas escolhidas para o melhoramento genético
geralmente são as que melhor respondem à adubação mineral e aos agrotóxicos. Os testes são
feitos, no campo experimental de sementes de feijão e na unidade demonstrativa da mandioca
localizados no município de são João.
Este processo tecnológico dos transgênicos faz com que seja necessária a aplicação
frequente de adubos químicos e agrotóxicos na lavoura, ocasionando desequilíbrio natural no
solo.
104

Segundo NODARI a tecnologia de transgenia na agricultura traz impactos


sociais, econômicos e culturais. Nesse tipo de tecnologia são inseridos genes
que dependem de um produto químico para que voltem a ter funcionalidade [...]
pode haver disseminação de sementes geneticamente modificadas para outras
plantações, devido à polinização natural. (NODARI, 2001, apud Dossiê
ABRASCO, 2012, p.39).

A tecnologia transgênica, através do melhoramento genético das plantas, para aumentar


a produtividade, traz consequências sérias para a sociedade, de modo que contaminam o
ambiente, as culturas, o trabalhador rural e a sociedade consumidora destes produtos
contaminados. O modelo produtivo do município, caracterizado pelo uso intensivo de
agrotóxicos, tem favorecido ao aparecimento de pragas mais resistentes, doenças como
ferrugem, e ervas invasora, sendo necessário, usar mais agrotóxicos, para conseguir produzir.
A degradação do solo é um grande desafio a ser vencido pelos produtores para viabilizar
o sistema de produção e de conservação ambiental. A erosão do solo pode ser considerada um
dos principais problemas ambientais no Sítio Riacho do Umbuzeiro decorrente do uso de
agrotóxicos. Devido aos desequilíbrios causados ao meio ambiente, ocasionando impactos
negativos nos recursos naturais, além de erodir o solo, há a necessidade, cada vez maior dos
fertilizantes, que nem sempre conseguem suprir todas as necessidades nutricionais da lavoura,
sendo mais agredida pelas pragas e doenças, havendo necessidade de maior consumo de
agrotóxicos. As consequências no meio ambiente resultam, na degradação lenta dos recursos
naturais em alguns casos irrecuperáveis, entre eles encontramos a morte de animais silvestre,
insetos, peixes, sapo, a contaminação das águas, o aumento no número de pragas resistentes e
a contaminação dos alimentos, com implicação direta na saúde humana. Os principais fatores
de vulnerabilidade que influenciam o uso intensivo dos agrotóxicos no Sítio Riacho do
Umbuzeiro e na intoxicação dos agricultores são: a falta de acesso à orientação técnica e a
informação quanto à toxicidade desses produtos, tipos de cultura, tempo de exposição,
frequência de doses, manejo com os agrotóxicos, falta de equipamento de proteção individual
(EPI), uso inadequado do EPI e o clima que influência no aumento e na frequência de uso de
agrotóxicos o que aumenta o risco de uso indevido destes produtos.

O USO DO AGROTÓXICO NO MUNDO

O uso dos agrotóxicos no mundo deu-se com a Revolução Verde que aconteceu na
década de 1940, e trouxe grandes mudanças no processo tradicional de produção agrícola
mundial, com aplicação e inserção de novas tecnologias visando o uso intensivo de agrotóxicos
105

na produção agrícola, com a finalidade de controlar pragas, aumenta a produtividade e combater


a fome. De acordo com (Matos, p.03, 2010) “Um objetivo consciente da Revolução Verde,
desde o início, era produzir variedades que pudessem ser cultivadas num amplo leque de
condições em todo o mundo em desenvolvimento”. A principal finalidade da revolução verde
foi modernizar-se e erradicar a fome no mundo, tendo em visto o capitalismo que estava em
pleno desenvolvimento, almejando aumento na produção agrícola, o fim da fome no mundo, a
introdução de máquinas moderna, e a utilização de insumos agrícolas potentes como os
agrotóxicos. Houve o aumento da produção agrícola, mas o problema da fome não foi resolvido,
pois a produção nos países em desenvolvimento é voltada principalmente para países já
desenvolvidos e com fortes indústrias.
Apoiada em uma promessa de aumento da oferta de alimentos que
proporcionaria a erradicação da fome, a Revolução Verde resultou em um novo
modelo tecnológico de produção agrícola que implicou na criação e no
desenvolvimento de novas atividades de produção de insumos (químicos,
mecânicos e biológicos) ligados à agricultura. (ALBERGONI & PELAEZ,
2007, p. 32).

Sugiram Problemas irreversíveis a partir do sistema de “monocultura” adotado em


vários países, ou seja, a produção de um único tipo de cultivo, o que não foi apropriado para o
ambiente. Áreas foram completamente transformadas em grandes plantações de lavouras de
um único tipo de cultivo. Os espaços ambientais que eram protegidos sofreram impacto. É
diversas florestas naturais tornaram-se pastagens para o gado e grandes plantações de um único
tipo de cultivo. Além disso, a intensa utilização de produtos químicos provocou a contaminação
das águas e do solo dos locais próximo ao uso destes produtos químicos. A inserção de
tecnologias no setor agrícola trouxe profundas mudanças para o campo. No entanto, também
ocorram grandes consequências principalmente para os pequenos agricultores que, por não
conseguirem se adaptar às novas técnicas de produção, não atingiram uma produtividade
suficiente capaz de disputar com as grandes empresas agrícolas, contraindo, portanto, dívidas
através de empréstimos bancários feitos com a pretensão de investir na mecanização das
atividades agrárias tendo, desta maneira, como única alternativa, vender suas terras para outros
proprietários agrícolas. A Revolução Verde também proporcionou grandes danos ambientais
tais como impactos ambientais provocados pelo uso de máquinas e fertilizantes químicos, como
agrotóxicos fungicidas e herbicidas. A Revolução Verde possuir seus aspectos positivos e
negativos através da inovação tecnológica na agricultura aumentou a produção agrícola, a
expansão dos alimentos proporcional à quantidade da população, e a redução de preços destes
produtos, beneficiando as populações mais pobres, consequentemente os problemas ambientais
106

apareceram devido ao uso extensivo dos agrotóxicos que proporcionou grandes danos
ambientais tais como impactos ambientais provocados pelo uso de máquinas e fertilizantes
químicos, como agrotóxicos fungicidas e herbicidas. No Brasil, a Revolução Verde foi
implantada durante a ditadura militar. Nesta época havia uma grande discussão a respeito do
caminho que o país deveria seguir para conseguir aumentar a sua produtividade agrícola.

O USO DE AGROTÓXICO NO BRASIL

A revolução verde surgiu no Brasil na década de 1960 a 1970, constituiu-se por meio
da determinação das fábricas de agrotóxicos e do governo nacional, a partir do financiamento
bancário para adquirir as sementes só seria concedido apenas se o agricultor adquirisse o
agrotóxico e o adubo químico, onde se pregava o desenvolvimento tecnológico e o fim da fome,
por meio dos agroquímicos. Mas essa atitude resultou em contaminação do solo e a fome não
acabou. A inserção de tecnologias no setor agrícola trouxe profundas mudanças para o campo.
No entanto, também ocorreram grandes consequências principalmente para os pequenos
agricultores que, por não conseguirem se adaptar às novas técnicas de produção, não atingiram
uma produtividade suficiente capaz de disputar com as grandes empresas agrícolas, contraindo,
portanto, dívidas através de empréstimos bancários feitos com a pretensão de investir na
mecanização das atividades tendo, desta maneira, como única alternativa, vender suas terras
para outros proprietários agrícolas, formando assim os grandes latifúndios. Houve sim o
aumento da produção agrícola. Mas o problema da fome não foi resolvido, pois a produção nos
países em desenvolvimento é voltada principalmente para países já desenvolvidos e com fortes
indústrias.
Esse ciclo de inovações se iniciou com os avanços tecnológicos do pós-guerra, embora
o termo revolução verde só tenha surgido na década de 1970. Desde esta época,
pesquisadores de países industrializados prometiam, através de um conjunto de técnicas,
aumentar estrondosamente as produtividades agrícolas e resolver o problema da fome
nos países em desenvolvimento (SANTOS, 2006, p. 02, Apud Gaspi, Lopes, 2007).

Existiam, neste período, duas possibilidades diferentes: a que era em prol da


produtividade através da reforma agrária e a que era a favor da implantação de pacotes
tecnológicos pelos produtores agrícolas. Neste caso, o governo militar tomou duas decisões
imprescindíveis: a de permanecer com a estrutura agrária vigente que já se encontrava
instaurada no país e a adoção da Revolução Verde juntamente com suas propostas de
modernização da agricultura. A modernização da agricultura brasileira também culminou em
107

uma série de consequências ambientais proporcionadas pelo desmatamento ocasionado pelos


produtores agrícolas, a extinção de espécies vegetais e animais, o surgimento de pragas
decorrentes da plantação de monocultura. Perante esta situação, uma consequência levou a
outra, pois, para combater as pragas que passaram a trazer uma série de prejuízos para as
culturas, os agricultores recorreram ao uso intensivo de agrotóxicos, fungicidas, herbicidas e
inseticidas sem terem noção que o uso frequente dessas substâncias torna as pragas cada vez
mais fortes, sendo preciso fazer uso cada vez mais intenso de substâncias químicas para
combatê-las. A agricultura brasileira se desenvolve num cenário econômico, social, ideológico
e cultural caracterizado pela intensa concentração fundiária, pelo aumento da produtividade, de
monoculturas, pela inclusão de tecnologias mecanizadas e o intensivo uso de agrotóxicos nas
lavouras com grande impacto sobre a saúde humana e ambiental e pelo crescimento das
exportações e do agronegócio.

Segundo a legislação vigente, agrotóxicos são produtos e agentes de processos


físicos, químicos ou biológicos, utilizados nos setores de produção,
armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, pastagens, proteção
de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes
urbanos, hídricos e industriais. (MMA, 2013).

O Brasil atualmente é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, na produção


agrícola, devido as grandes produções de lavouras, para atender as necessidades da população
e principalmente as econômicas do capitalismo, ocorrendo cada vez mais à exposição da
população a estes produtos químicos.

O uso do agrotóxico no sítio riacho do umbuzeiro em São João-PE.

A estrutura agrária no município de São João apresenta um módulo fiscal de 35 hectares


no município inteiro, onde se divide em Mata e Agreste: na área da Mata é praticada uma
agricultura de subsistência com algumas áreas de irrigação e uma maior representação no
cultivo de hortaliças, sendo a maior parte das terras destinadas a pastagens para a criação do
gado bovino. Na área Agreste predomina a produção agrícola, o cultivo praticado é todo no
sistema sequeiro, nas culturas de feijão e mandioca. A estrutura agrária do município de São
João é de mais de 80% das propriedades de pequenos produtores, classificados como agricultura
familiar.
De acordo com Hecht (2000, p. 52), A agricultura familiar caracteriza uma
forma de organização da produção em que os critérios utilizados para orientar
as decisões relativas à exploração não são vistos unicamente pelo ângulo da
produção/rentabilidade econômica, mas considera também as necessidades
108

objetivas da família. Ao contrário do modelo patronal, no qual há completa


separação entre gestão e trabalho, no modelo familiar estes fatores estão
intimamente relacionados.

As características básicas da agricultura familiar do município consistem na


administração da unidade produtiva que é exercida pela família, a área do estabelecimento não
ultrapassa quatro módulos fiscais, a mão de obra familiar é superior à contratada e a propriedade
dos meios de produção é da família.

De acordo com a Lei nº 8.629/93, no art. 4º, II, o módulo fiscal é o parâmetro
para a classificação fundiária do imóvel rural quanto a sua dimensão, sendo
entendido como minifúndio o imóvel rural de área inferior a 1 (um) módulo
fiscal; pequena propriedade o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um)
e 4 (quatro) módulos fiscais; média propriedade aquele de área compreendida
entre 4 (quatro) e 15 (quinze) módulos fiscais; e grande propriedade com área
superior a 15 (quinze) módulos fiscais.

Módulo fiscal é à área mínima necessária em uma propriedade rural para que sua
exploração seja economicamente viável. A agricultura familiar pode ser definida como o
conjunto das unidades produtivas agropecuárias com exploração em regime de economia
familiar, compreendendo aquelas atividades realizadas em pequenas e médias propriedades,
com mão de obra da própria família. A agricultura familiar corresponde a uma unidade de
produção agrícola onde propriedade e trabalhos estão profundamente ligados à família, ou seja,
os empreendimentos familiares tendo duas características principais: administração e trabalho
familiar. No Brasil, de acordo com Gehlen (2004, p.03), “parte da agricultura familiar
modernizou-se, incorporando tecnologias e entrando num mercado de competitividade e de
profissionalização”.
Segundo o Censo da Agricultura Familiar realizado pelo IBGE em 2006, a produção
total agrícola nordestina conta com a forte contribuição da agricultura familiar. 92,7% do total
de estabelecimentos rurais do Nordeste pertence a este segmento. Este dado quando
confrontado com a média nacional, que é de 87,5% dos estabelecimentos rurais, mostra como
a agricultura familiar é forte na região. Apenas uma pequena parte dos agricultores do
município de São João utilizam tecnologias como: sementes selecionadas, análise do solo,
plantio e colheita mecanizada, na produção do feijão e da mandioca. Essa tecnologia é acessível
primordialmente aquele agricultor que tem maior quantidade de terras para plantio de feijão e
mandioca, facilitando o cultivo das lavouras e consequentemente aumentando a produção
agrícola em números significativos. O pouco acesso nas modernas tecnologias pelos pequenos
produtores deve-se talvez à falta de interesse e, sobretudo aos custos que ainda são altos neste
tipo de tecnologia. De acordo com informações coletadas diretamente na sede do Instituto
109

Agronômico de Pernambuco – IPA localizado na cidade de São João, a pequena produção


agrícola do Sítio Riacho do Umbuzeiro destaca-se basicamente na produção de feijão, mandioca
e milho, sendo beneficiados por projetos que ajuda os pequenos produtores como: O crédito
rural que abrange recursos destinados ao custeio, investimento ou comercialização, fazendo
com que os agricultores tenham capital disponível para investir e ter um lucro maior.
A pequena produção agrícola do Sítio Riacho do Umbuzeiro consiste em plantações e
cultivos diferentes, em relação àquelas que são realizadas pela média e grande produção
agrícola. O pequeno produtor rural em virtude de possuir um espaço produtivo pequeno e
limitado que não lhes possibilitam opções de recorrer a alternativa de realizar suas plantações
em áreas separadas que possam lhes ofertar uma melhor produtividade, acaba fazendo o plantio
de cada uma de suas culturas em um único e limitado espaço agrícola, acarretando com isso
uma baixa produtividade pelo fato de uma cultura atrapalhar o desenvolvimento de outra. Os
plantios das lavouras efetuadas pelos pequenos produtores correm da seguinte maneira: há
agricultores que fazem o plantio de milho, feijão e mandioca em um mesmo local agrícola,
outros plantam apenas o feijão e o milho, e há aqueles que optam por plantarem apenas feijão
e mandioca. Essas etapas de plantações escolhida pelos produtores rurais acontecem pelo
motivo de cada cultura agrícola apresentar um perídio de colheita diferente, conforme mostra a
tabela abaixo.
Tabela 03: Tipos de cultura e tempo de colheita da produção agrícola.
TIPOS DE CULTURA TEMPO DE COLHEITA

Feijão 3 Meses

Mandioca 15 Meses

Milho 4 Meses

Fonte: Tabela organizada por Maria do Carmo.

É de suma relevância salientar que, o tempo de plantação e de colheita de cada uma das
culturas mencionada acima, não é determinado especificamente pelos produtores rurais, e sim,
pelos fatores climáticos que influenciam no desenvolvimento e tamanho da produção. A
pequena produção do Sítio Riacho do umbuzeiro tem características diversificadas, com o
cultivo de lavouras como feijão, mandioca e milho. Tendo o feijão como a principal base da
economia, obtendo, assim, uma significativa importância e representação, econômica e social,
compondo o cenário do município de maior produtor de feijão do Estado.
110

O USO DO AGROTÓXICO E A SAÚDE DOS TRABALHADORES RURAIS DO SÍTIO


RIACHO DO UMBUZEIRO

Os produtos mais utilizados na pequena produção agrícola do Sítio Riacho do


Umbuzeiro estão relacionados aos inseticidas pra matar as pragas que atingem as lavouras
como: as formigas (saúva) que quando atingem as lavouras podem destruí-la em pouco tempo
e os insetos que atingem diretamente a planta cultivada e as lagartas que tem atingido as
plantações de milho; herbicida pra eliminar as erva daninha, fungicidas no controle dos fungos,
acaricidas no combater de ácaros e adubos químicos para aumentar a produtividade da lavoura,
conforme se pode observar no quadro abaixo.

Tabela 04: Tipos de agrotóxicos utilizados no cultivo do Sítio Riacho do Umbuzeiro.


Tipos de agrotóxicos. Pragas a controlar

INSETICIDAS: Controle de formigas, ácaros, lagartas e os formigantes controle de insetos em


FORMICIDA S, ACARICIDAS, LARVICIDAS, sementes armazenadas de feijão, Citipir, controla diversas e Formitek, controle de
FUMIGANTES, CITIPIR, FORMITEK. formigas (saúva)
HERBICIDAS: Eliminar ervas invasoras.
GLIFOSATO, PARAQUAT, RAUNDUP,
AGLIFOSZATO.

FUNGICIDAS. Combater os fungos


ACARICIDAS Combater os ácaros
ADUBOS QUÍMICOS Aumentar a produtividade das lavouras

Fonte: Organizado por Maria do Carmo a partir de informações coletadas dos produtores rurais.

Há uma variedade grande de agrotóxicos utilizados, como se pode observar no quadro


acima, esses produtos são tóxicos e tornam-se mais perigosos a saúde quando são misturados.
Pois, no Sítio Riacho do Umbuzeiro os trabalhadores não só usam essa variedade de agrotóxicos
como fazem misturas desses produtos, pulverizando as lavouras com vários produtos juntos
como: Inseticidas, herbicidas e adubos químicos ao mesmo tempo para agilizar o trabalho, ou
seja, invés de fazer o serviço em três vezes faz em uma, colocando sua vida em risco. Esses
agrotóxicos têm oferece risco para o meio ambiente, através de impactos nos ecossistemas
gerados pela poluição da água, por ser aplicados diretamente no solo e nas plantações, sendo
que no Sítio Riacho do Umbuzeiro é uma localidade de fácil acesso de água no solo,
encontrando-se várias fontes de minas de água podendo está com o ambiente contaminado. Os
agroquímicos têm favorecido o surgimento de ervas resistente, Perda de fertilidade do solo,
aumento e resistência das pragas, além de dependência química nas culturas, o solo vem se
111

tornando menos produtivo pelo uso indiscriminado de agrotóxicos na produção agrícola, além
de deixar as culturas contaminadas pelos resíduos dos agrotóxicos. Os efeitos dos agrotóxicos
sobre a saúde dos trabalhadores rurais podem ser de diversas formas, por estarem expostos
diretamente a estes produtos, já que eles estão convivendo com todo tipos de exposição possível
aos agrotóxicos, desde o manuseio até o consumo de alimentos contaminados, podendo causar
sérios problemas de saúde de uma intoxicação até um tumor cancerígeno.
As exposições que os produtores estão sujeitados durante a pulverização podem,
influenciar nas manifestações agudas e crônicas pela falta do equipamento de proteção
individual (EPIs) e principalmente por falta de noção da realidade do perigo que ele está
vulnerável durante esse processo. Os fatores de vulnerabilidade que influenciam ao uso dos
agrotóxicos são: O sexo masculino, seguidos pelo perfil socioeconômico e baixa escolaridade
são as causas que contribuíram para que os agricultores, mesmo com a incidência de
intoxicação, ainda fazem uso destes produtos tóxicos frequentemente. Essas causas são
adotadas por falta de informação técnica e pela questão cultural.

Figura 06: Trabalhador rural do sítio Riacho do Umbuzeiro pulverizando a lavoura de feijão sem o EPI.

Fonte: Maria do Carmo, 2017.

As contaminações maléficas sentidas, pelos trabalhadores rurais são fatores de risco,


que vem sendo influenciado, por tipos de culturas, o tempo de exposição a estes produtos,
frequências de doses, o manejo com os agrotóxicos, uso inadequado do EPI e o clima que pode
promover uma necessidade maior de aplicações de agrotóxicos. Os produtores rurais não têm
nenhum preparo nem informação de técnicos agrícolas para o uso correto de agrotóxicos, não
sabendo a quantidade adequada de uso do produto, a maioria ignora os efeitos nocivos dos
produtos, a si próprio, podendo indicar um número crescente de intoxicação, na verdade os
agricultores são vítimas desta situação, como podemos observar na imagem acima. No Sítio
Riacho do Umbuzeiro, a dimensão das consequências na saúde entre os trabalhadores rurais
112

ainda não está bem estabelecida devido à falta de informação, tomando, como referência, que
os recursos naturais se esgotam e que o homem é o principal responsável pela sua degradação
e os efeitos nocivos na sua saúde. A população do Sítio Riacho do Umbuzeiro pode ainda não
ter percebido os efeitos maléficos de forma mais agravada dos agrotóxicos, mas no futuro
poderá sentir todas as consequências de ter se exposto aos seus efeitos como: impactos no meio
ambiente que já são perceptíveis e principalmente na saúde da população do Sítio. A falta de
informações no que diz respeito às consequências mais graves na saúde do trabalhador rural é
pela ausência de exames médicos dos produtores, segundo relatos de alguns agricultores quando
acontecem às intoxicações por agrotóxicos eles mesmos fazem a sua medicação como: tomar
leite ou água com açúcar, para eliminar os efeitos da intoxicação segundos os agricultores, em
vez de procura um médico para examiná-lo, isso mostra que as consequências podem ser muito
mais graves do que mostrar-se.

Segundo a (OPAS/OMS, 1997) “Os agrotóxicos podem causar três tipos de


intoxicações aos trabalhadores rurais. A aguda que é a intoxicação em que os
sinais surgem rapidamente, ou seja, algumas horas após a exposição excessiva
a produtos altamente tóxicos. Entretanto, a intoxicação pode ocorrer de forma
leve, moderada ou grave, dependendo da quantidade de substâncias tóxicas
absorvidas. Os sinais e sintomas por intoxicação são nítidos e práticos, o que
facilita o diagnostico desta forma patológica. A intoxicação subaguda ocorre
por exposição moderada ou pequena a produtos altamente tóxicos, e tem
evolução sintomática lenta. Os sintomas costumam ser subjetivos e vagos,
como: cefaleia, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência, entre
outros. A intoxicação crônica caracteriza-se por surgimento tardio, após meses
ou anos, por exposição pequena ou moderada a produtos tóxicos ou a
múltiplos produtos, causando danos irreversíveis aos trabalhadores rurais que
estão expostos”.

Os trabalhadores rurais aceitam a determinação do mercado quanto ao uso de


agrotóxicos e fertilizantes para aumentar e melhorar a produção da colheita. Mas não possuem
praticamente nenhum conhecimento sobre os perigos de tais produtos, acabam percebendo seus
efeitos maléficos quando ocorre algo grave com relação à saúde de seus usuários, geralmente
familiares. Na verdade, falta uma política pública voltada para a escola onde poderia ser
estudada, os efeitos dos agrotóxicos e a evolução científica e como este interfere na obtenção
dos recursos naturais e no desenvolvimento da própria sociedade podendo colocar a escola
básica como ponto de referência para a democratização de conhecimentos, inserindo os alunos
numa visão mais crítica dos acontecimentos e despertando seu interesse referente a essas
questões. Isso significa que promover uma educação científica de qualidade é uma tarefa que
exige esforço de todos os agentes envolvidos no processo educacional, para que no futuro
113

possamos formar cidadãos que não aceitem informações, ideias e teorias de modo passivo, sem
questionamento.

OS BENEFÍCIOS DO USO DOS AGROTÓXICOS

Os benefícios do uso dos agrotóxicos estão relacionados ao aumento na produtividade


da lavoura cultivada, ou seja, uma maior produção agrícola colhida em uma determinada área
plantada. Este aumento na produção agrícola diminuir a demanda por recursos naturais e por
recursos tecnológicos para a produção de uma mesma quantidade de produtos agrícolas a ser
ofertada, pois produz mais em uma área menor. Além disso, a possibilidade de redução de
custos e preços, tornou-se assim os produtores locais mais competitivos, permitindo que uma
parte da população, de nível de renda mais baixa, pudesse ter acesso a produtos que antes não
teria. O acesso dessa camada mais carente da população a certos alimentos que antes não tinha,
resultou em uma elevação nas condições de saúde dessa parte da população, pelo aumento na
quantidade e na qualidade de alimentos consumidos. De acordo com “DORNELES, p. 01, 2015.
Os defensores agrícolas maximizam a produção e ajudam a eliminar as pragas, que podem
acabar trazendo prejuízos aos produtores rurais”.
Os agroquímicos têm com finalidade beneficiar o cultivo através do aumento da
produção agrícola e eliminar as pragas e ervas invasora. Ou seja, do ponto de vista produtivo,
o uso de agrotóxicos possui vantagens extremamente eficiente. Por combater as pragas das
plantações de maneira eficaz, sua utilização possibilita uma redução de perdas da
produção agrícola e facilita também o manejo das culturas, que devido à proteção adquirida
passam a exigir menos mão de obra para o produtor rural. Além do barateamento do custo da
produção graças à redução da mão de obra necessária na produção agrícola, a possibilidade de
produção em ampla escala são também vantagens produtivas associadas ao uso intensivo de
produtos químicos. Porém, no caso do pequeno e médio agricultor, essa redução precisa ser
atenciosamente analisada já que ela só é representativa para aqueles que possuem canais para a
compra desse tipo de insumo com bons preços. Segundo (DORNELES, p. 01, 2015). “O uso de
produtos agrotóxicos [...] diminuir as “pragas” poderia render uma quantidade maior de
colheitas em um ano. Esses produtos têm funções específicas, combatendo desde ervas e fungos
até insetos”. Os produtos químicos utilizados com responsabilidade trazem benefícios tanto
para a produção agrícola como para a sociedade de forma geral. Pois o aumento na produção
faz o preço dos alimentos fica mais acessível, e o uso controlado dos agrotóxicos permitir a
114

qualidade dos alimentos e possibilita a saúde futura da população consumidora, principalmente


os produtores rurais que são os mais prejudicados na exposição direta aos agroquímicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo foi realizado no Sítio Riacho do Umbuzeiro, localizado no município de São


João – PE, por meio de pesquisa, onde foi possível averiguar os riscos que os agrotóxicos
apresentam a saúde do trabalhador rural e suas condições de trabalho. A pesquisa permite
refletir, sobre o uso intensivo de agrotóxicos na produção agrícola, que visa acima de tudo à
produtividade e o lucro, deixando em segundo plano a preocupação com e os efeitos maléficos
e as consequências na saúde do trabalhador rural e a conservação do ambiente.
Este trabalho buscou fazer uma análise nas condições e nas relações de trabalho dos
trabalhadores rurais do Sítio Riacho do Umbuzeiro, no município de São João – PE, visando
identificar os fatores relacionados ao uso intensivo dos agroquímicos na produção agrícola, e
os principais influenciadores de riscos nas manifestações agudas e crônicas na saúde do
trabalhador rural. Os principais fatores que influenciam no uso dos agrotóxicos são: o perfil
socioeconômico dos trabalhadores rurais, tipos de culturas cultivadas, o sexo masculino, falta
de orientação técnica e baixa escolaridade dos agricultores, ocasionando assim as intoxicações
agudas. O tema é de fundamental importância por apresentar-se como atual modelo de produção
agrícola do Sítio Riacho do Umbuzeiro, além da necessidade de discutir o papel dos agrotóxicos
na agricultura moderna e suas consequências no ambiente e na saúde dos trabalhadores rurais.
Na análise constatou-se que no Sítio Riacho do Umbuzeiro, o uso intensivo dos agrotóxicos
pelos trabalhadores rurais, tem ocasionado sérias consequências ao ambiente, como:
dependência química das lavouras e resistência das pragas, aumentando o uso de agrotóxicos
nas lavouras. Ressalta-se as consequências vulneráveis na saúde do trabalhador rural, os fatores
de riscos que no manuseio dos agrotóxicos como: o perfil socioeconômico dos trabalhadores
rurais, tipos de culturas cultivadas, o sexo masculino, falta de orientação técnica e baixa
escolaridade dos agricultores, acontecendo intoxicações agudas e crônicas por agrotóxicos com
frequência e alguns casos de câncer que têm surgido. No entanto, não se pode afirmar se os
casos de câncer estão relacionados ao uso de agrotóxicos, pois os trabalhadores não fazem
exames médicos periódicos.
A partir dos resultados obtidos pode-se concluir que as consequências maléficas tanto
no ambiente como na saúde do trabalhador rural, são ocasionada por falta de orientação, na
115

verdade, falta uma política pública voltada principalmente para os agricultores, destacando o
papel dos agrotóxicos no aumento e no barateamento da produção agrícola, a partir de
orientação e capacitação dos produtores rurais, visto que as manifestações agudas foram
totalmente comprovadas, já as manifestações crônicas têm algumas comprovações, mais faltam
dados concretos que realmente comprovem que as tais manifestações são ocasionadas pela
manipulação dos agrotóxicos. Que este trabalho possa contribuir para a redução dos riscos de
exposições e intoxicação por agrotóxicos aos agricultores, visando uma melhor qualidade de
vida para os trabalhadores rurais do Sítio Riacho do Umbuzeiro São João-PE, através de
orientação e capacitação por pessoas competente. Que está pesquisa possa ser uma contribuição
futura para outras pesquisas acadêmicas relacionadas aos agrotóxicos.

Bibliografia da autora
Licenciada em ensino de Geografia UPE/PE
Especialista no ensino de geografia UPE/PE
Email: carminha.santos@outlook.com

REFERÊNCIAS

AGROTÓXICOS - Ministério do Meio Ambiente, 2013. Disponível em:


<http://www.mma.gov.br/seguranca-quimica/agrotoxicos> Acesso em: 12. Abr. 2017.
ALBERGONI, Leide; PELAEZ, Victor. Da revolução verde à agrobiotecnologia: ruptura ou
continuidade de paradigmas. Revista de Economia. Paraná, ano 31, n. 1, jan/jun. 2007. Disponível em:
ojs. c3sl. ufpr. Br> capa> v.33, n.1. Acesso em: 05 Abr. 2017.
Art. 4 da Lei 8629/93 – JusBrasil- Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/.../artigo-4-da-lei-n-
8629-de-25-de-fevereiro-de-1993> Acesso em 28 mar. 2017.
DORNELES, Maria Teresa. Agrotóxicos: benefícios e malefícios. Diário da Manhã, Goiânia, 5 out.
2015. Disponível em:<
http://www.cmisp.com.br/sistemalocal/central_aluno/material/2016/redacao/3em/PROPOSTA%20DE
%20REDA%C3%87%C3%83O%204.pdf> . Acesso em: 12. Abr. 2017.
GASPI Suelen de, Lopes Janete LEIGE, SANTOS, Durvalina M. M. Revolução Verde.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E REVOLUÇÃO VERDE: UMA APLICAÇÃO
EMPIRICA DOS RECURSOS NATURAIS PARA O CRESCIMENTO ECONOMICO DAS
MESORREGIÕES DO PARANÁ, 2007. P. Disponível em:
<http://www.economiaetecnologia.ufpr.br/XI_ANPEC-Sul/artigos_pdf/a4/ANPEC-Sul-A4-
08-desenvolvimento_sustenta.pdf.> Acesso em: 12 abr. 2017.
GEHLEN I 2004. Políticas públicas e desenvolvimento social rural. Ciênc. saúde
coletiva vol.10 no. 4 Rio de Janeiro Oct./Dec. 2005. Agrotóxico e trabalho: uma combinação
perigosa para a saúde do trabalhador rural. São Paulo em Perspectiva 18 (2):95-103. 2004, p.03.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232005000400013>. Acesso em 28 Mar. 2017.
116

HECHT, S. A. Evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, M. Agroecologia: as


bases científicas da agricultura alternativa. 4. ed. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 2000, p.52.
Disponível em: <http://www.ufsm.br/desenvolvimentorural/textos/13.pdf>. Acesso em: 04
Abr. 2017.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2014. Histórico de São João.
Disponível em:
<http://<www1.ibge.gov.br/cidadesat/painel/historico>.php?<lang=&codmun=261320&searc
h=pernambuco|sao-joao|infograficos:-historico>. Acesso em: 04 nov. 2017.
IPA - Instituto Agronômico de Pernambuco- Agricultura e Pecuária São João - PE –
Disponível em: <http://www.apontador.com.br/em/pe_sao-joao/agricultura-e-
pecuaria/agricultura-e-pecuaria>. Acesso em: 03 Abr. 2017.
MATOS, Alan Kardec Veloso de. Revolução verde, biotecnologia e tecnologias alternativas,
artigo original Cadernos da FUCAMP, v.10, n.12, p.1-17/2010. Disponível em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:gS9K0zkYfA8J:fucamp.edu.br/edit
ora/index.php/cadernos/article/download/134/120+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.
Acesso. 29 de Março de 2017.
NODARI, Rubens O; GUERRA, M. P. Avaliação de riscos ambientais de plantas
transgênicas. Cadernos de ciência & Tecnologia, Brasília, vol. 18, nº 1, p. 81-116, 2001. Apud,
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Dossiê ABRASCO – Um alerta sobre os impactos dos
agrotóxicos na saúde. Parte 2 - Agrotóxicos, Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. AUGUSTO,
L. G. S.;CARNEIRO, F. F.; PIGNATI, W.; RIGOTTO, R. M.; FRIEDRICH, K.; FARIA,N. M.
X.; BÚRIGO, A. C.; FREITAS, V. M. T.; GUIDUCCI FILHO, E.. Rio de Janeiro: ABRASCO,
p.39, 2012. Acesso em: 12 Abr.. 2017.
PREFEITURA DE SÃO JOÃO. Dados gerais do município. Disponível em:
<http://saojoao.pe.gov.br/dados-gerais-do-municipio/_>. Acesso em: 01 Abr. 2017.
PTRP - Plano Territorial de Rede Produtiva. Rede Territorial Produtiva do Feijão: Agreste
Meridional e Central, Estado de Pernambuco. Recife, 2012. Disponível em:
<http://<www.prorural.pe.gov.br/downloads/PTRT%20Feijao/PTRP%20FEIJAO.pdf>.
Acesso em: 01 Abr. 2017.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Manual de Vigilância da Saúde de populações
Expostas a Agrotóxicos. Brasília: Representação do Brasil, 1997. Disponível
em:<http://pt.scribd.com/doc/38506178/Manual-de-Vigilancia-da-Saude-de-Populacoes-
expostas-a-agrotoxicos>. Acesso em: 01 Abr. 2017.
117

CAPÍTULO 11
NOTAS CRÍTICAS À MINUTA DO PARECER DO NOVO ENEM:
OLHARES DE JOVENS PESQUISADORAS DA ÁREA DA
EDUCAÇÃO22

Camila Ferreira da Silva


Ellen Belmonte Barros
Kassia Silva Almeida
Marlece Melo Fonseca
Meiry Jane Cavalcantes Rattes
Micaelle Cardoso de Souza
Rafaela Silva Marinho Caldas

INTRODUÇÃO

Este não é um texto acadêmico tradicional. Ele não é puramente fruto de uma
investigação científica específica. Trata-se, pois, de uma reunião de sete jovens pesquisadoras
da área da Educação (uma doutora, quatro doutorandas e duas graduandas) para analisar o
documento-base utilizado na mais recente consulta pública realizada pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE) em torno da construção do Novo Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). Nesse sentido, o presente capítulo é, na verdade, um movimento diferente dentro da
academia: um diálogo entre pesquisadoras que se dedicam a estudar diferentes questões sobre
a última etapa da educação básica, com vistas a garantir um importante elo entre ciência e
política por meio da participação nesta consulta.
Com edital de chamamento à consulta pública lançado em 11/11/2021, o CNE convocou
toda a sociedade a enviar suas contribuições fundamentadas e circunstanciadas até o dia
26/11/2021. A Comissão Bicameral que trata da Avaliação da Educação Básica disponibilizou
a Minuta que trata do Parecer e das Recomendações ao Novo ENEM por meio da página
eletrônica do Ministério da Educação (MEC)23. Desse modo, garantindo amplo acesso ao
documento e devida divulgação da chamada, as entidades representativas do campo educacional
foram convidadas a enviar seus destaques.

22
Este estudo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
23 O documento pode ser consultado em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=227221-proposta-de-
recomendacoes-ao-novo-enem&category_slug=novembro-2021-pdf&Itemid=30192.
118

Este foi, pois, o motivo que reuniu as autoras deste capítulo no exercício de analisar o
documento supracitado. São todas pesquisadoras ligadas à Faculdade de Educação (FACED) e
ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM), cujas investigações objetivam temas como reforma do ensino médio, avaliação da
educação básica, sucesso e insucesso escolar, juventudes, políticas curriculares, entre outros.
Com o objetivo de apresentar os destaques enviados ao CNE por este grupo de jovens
pesquisadoras, o presente capítulo ratifica a importância social da participação das mulheres
em dois campos sociais que historicamente são marcados por relações hierárquicas complexas
baseadas no sexo e no gênero dos indivíduos: o campo científico e o campo político.

BREVE NOTA METODOLÓGICA OU COMO SETE JOVENS PESQUISADORAS


DEBRUÇARAM-SE SOBRE O DOCUMENTO?

O exercício intelectual de análise da Minuta que trata do Parecer e das Recomendações


ao Novo ENEM foi construído de forma colaborativa e se baseou em três etapas
complementares, a saber: i) leitura do texto da Minuta; ii) apresentação e discussão dos
destaques ao texto; e iii) construção das justificativas e fundamentações para cada destaque
aprovado no grupo de pesquisadoras.
A leitura do texto foi realizada de forma individual pelos membros do grupo. Aqui vale
a pena chamar atenção para o fato de todas as pesquisadoras, direta ou indiretamente, estarem
envolvidas em projetos de pesquisa que se ocupam de temas afins ao ENEM, posto que este
elemento foi decisivo para a qualidade das miradas que dirigiram ao documento da Minuta. Já
a etapa de apresentação e discussão dos destaques foi realizada de forma conjunta em reunião
online, momento em que cada pesquisadora expôs as questões que chamaram sua atenção no
documento e a discussão coletiva ganhou centralidade. Por fim, com o objetivo de garantir a
construção de um documento a ser enviado para o Conselho Nacional de Educação, as
pesquisadoras passaram a construir as fundamentações para os destaques confirmados na etapa
anterior – a revisitação dessas fundamentações serviu de base para a construção deste capítulo.

O ENSINO MÉDIO COMO PONTO ESTRATÉGICO PARA A REESTRUTURAÇÃO


DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

Nos últimos vinte e cinco anos, o Ensino Médio brasileiro vem sendo tomado como
objeto de políticas públicas que visam reformá-lo e endereçar problemáticas históricas que se
119

colocam como imperativos para esta etapa da Educação Básica. Sua função social, suas
finalidades, sua ligação concomitante com as etapas que lhe precedem (Ensino Fundamental e
Educação Infantil) e com aquela que lhe sucede (Ensino Superior), bem como seus caráteres
propedêutico e profissionalizante são exemplos de questões que têm reverberado em uma
dualidade que se consolidou no Ensino Médio a partir de uma sociedade de classes.
A mais recente dessas reformas “[...] propôs uma mudança ampla que pretende alterar
desde aspectos de sua organização em termos de carga horária, até questões relativas ao
currículo e às suas finalidades” (FERREIRA; RAMOS, 2018, p. 1176). Estamos a falar da
reforma que homologou o chamado “Novo Ensino Médio” no Brasil, a qual demonstra um
processo complexo de lutas em torno do desenho para esta etapa de ensino, em que observamos
posicionamentos contrários ao texto e à dinâmica de construção e homologação da reforma por
parte de intelectuais da educação, de estudantes e docentes, sindicatos e movimentos sociais.
Nesse sentido, se a literatura especializada já apontava há bastante tempo a educação e
a escola como peças-chave na disputa social, incluindo aqui o campo e os agentes econômicos
nacionais e internacionais como parte interessada (MACEDO, 2018; COSTA; SILVA, 2019),
o Ensino Médio acaba figurando como um espaço estratégico para a hegemonia no sentido do
direcionamento das políticas educacionais. Com a ruptura institucional que o Brasil desenhou
com o golpe de 2016 e o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o aprofundamento do
neoliberalismo ganha terreno e se consolida por meio de medidas e reformas apressadas que
extinguem e/ou enfraquecem direitos em todos os setores da vida social. No âmbito da
educação,

Sob orientação e supervisão de organismos internacionais, entre eles o Banco


Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como
ocorrera com a reforma do ensino médio no México, o governo brasileiro
reorganiza sua nova agenda educacional voltada para atender a uma lógica de
mercado, ressuscitando a figura do professor com notório saber e retirando
e/ou flexibilizando disciplinas estratégicas, conforme veremos, e também ao
substituir a educação pela aprendizagem por competências, o que desqualifica
a formação geral e profissional dos mais jovens. Tal qual contextualizamos,
as reformas do ensino médio (Lei nº 13.415/17, que regulamentou o novo
ensino médio e a BNCC) não estão isoladas de um conjunto alargado de
mudanças no papel do Estado, da cidadania democrática e dos direitos sociais
perante um neoliberalismo ainda mais avançado que atropelaram políticas
educacionais em andamento, com destaque para o Plano Nacional de
Educação (em vigência no período 2014–2024), bem como os debates em
andamento sobre polêmicas curriculares (COSTA; SILVA, 2019, p. 7).
120

Velhas soluções são trazidas no bojo do que se pretende apresentar como “novo” no
âmbito do Ensino Médio e de sua base curricular, conceitos como competências, autonomia e
liberdade de escolha, conteúdos mínimos, educação integral, formação para o mercado de
trabalho, entre outros, são requentados nessas reformas. E, dessa forma, conforme Süssekind
(2019), temos que as reformas da BNCC e no Novo Ensino Médio vendem a solução para o
problema que fabricam.
A ideia de um currículo mínimo e de itinerários formativos diversificados é
propagandeada como uma solução miraculosa para os descompassos entre as culturas juvenis,
a escola e o mercado de trabalho. Porém, são ignoradas completamente as desigualdades sociais
que estão na esteira de problemáticas que atingem sobremaneira os/as jovens brasileiros das
classes baixas. As fantasias da livre escolha e da meritocracia, que se colocam na base do Novo
Ensino Médio, tornam turvas as reais condições da proposta de flexibilização que aí está
colocada, para Krawczyk e Ferreti (2017), estamos mais uma vez frente a uma solução
economicista para pensar a educação.
Os mecanismos de customização do Novo Ensino Médio e de seu currículo são
apontados como soluções para uma escola considerada “ultrapassada” – crítica recorrente no
campo empresarial para tratar da relação entre trabalho (no sentido histórico) e educação. Dessa
forma, vão se evidenciando os atores das reformas em questão, os quais vão desde organismos
internacionais ligados à cultura, educação e ao mercado financeiro até os empresários e o
terceiro setor nacional. A disputa, então, pelo desenho desta etapa da educação básica parece
expressar a compreensão do campo econômico do valor do nicho de mercado que o Ensino
Médio pode vir a representar, seja no âmbito da privatização, seja no âmbito da criação e venda
de “espaços de educação integral”, cursos preparatórios para o Novo ENEM, complementação
de itinerários formativos, entre outros.
A partir do entendimento da política pública como espaço de disputa, compreendemos
que o Novo Ensino Médio, a exemplo da BNCC, continua em construção pós-homologação
legal. Isso significa que as lutas em torno dos direcionamentos da política educacional para a
Educação Básica não se esgotam no texto da lei, elas continuam no cotidiano escolar e nos
processos de implementação em todo o território nacional, os quais podem representar espaços
de resistência e de criação para além da prescrição dessas reformas.
Ademais, a complementaridade entre Novo Ensino Médio, BNCC e Novo ENEM é
reveladora da rede de políticas educacionais que vem sendo acionada para reestruturação da
Educação Básica nacional no cenário contemporâneo. Este movimento não se esgota nessas
políticas, posto que a formação de professores/as, a concepção e organização das escolas, os
121

saberes aqui privilegiados e a relação com o Ensino Superior vão sofrendo paulatinas alterações
estruturais que desencadearão novas reformas de adequação a este processo de reestruturação.

NOTAS CRÍTICAS AO NOVO ENEM: UMA REESTRUTURAÇÃO EM


ANDAMENTO

Esta seção apresenta ao leitor/a os destaques que ganharam corpo na resposta à Consulta
Pública do CNE. Chamamos atenção para a organização da Minuta que serviu de base para o
apontamento dos destaques que ganham espaço mais abaixo: trata-se de um texto de 43
(quarenta e três) páginas, de autoria da Comissão Bicameral de Avaliação da Educação
Básica24 e está organizado em oito partes – i) Histórico; ii) A implementação do ENEM; iii)
Exames de acesso ao ensino superior: algumas experiências internacionais; iv) O que dizem os
especialistas em avaliação; v) Estado da arte dos itinerários formativos nos referenciais
curriculares estaduais do novo ensino médio; vi) O itinerário de formação técnica e profissional
e o Novo ENEM; vii) Lições do PISA: inspiração para a primeira etapa do ENEM (OECD,
2018); viii) Contribuições recebidas nas audiências públicas da comissão do ENEM.
Como nosso objetivo no capítulo vai de encontro à apresentação dos destaques que
conferimos ao texto da Minuta do Novo ENEM, vale a pena destacar que as notas críticas que
marcam esta seção trazem muito mais problematizações e apontamentos em torno de elementos
nebulosos do documento do que respostas. Ao leitor/a, portanto, trata-se de um convite à
reflexão em torno da reestruturação em curso do Exame Nacional do Ensino Médio.

Notas críticas: elementos para discussão

✓ Os chamados “ambientes da educação integral” aparecem de forma demasiado vaga no


documento, há a necessidade de explicitar alguns desses ambientes no texto, tendo em
vista o caráter indutivo que o Novo ENEM se propõe no sentido do desenho do Novo
Ensino Médio nas escolas brasileiras:

24 Composição da Comissão: Amábile Pacios (presidente); Maria Helena Guimarães de Castro (relatora); Alysson
Massote; Augusto Buchweitz; Fernando Capovilla; Gabriel Gianattasio; José Barroso Filho; Luiz Curi; Mauro
Rabelo; Mozart Ramos; e Suely Menezes (membros).
122

O documento em questão assevera que o marco legal do ensino médio tem como base
quatro pilares fundamentais que visam orientar as novas formas de oferta curricular, e no
terceiro pilar do novo ensino médio situa-se a formação integral. O tema da educação integral
está expresso e vem sendo discutido também nos documentos da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e nos chamados currículos subnacionais – a exemplo do estado do
Amazonas, com o seu Referencial Curricular Amazonense (RCA). Tanto na BNCC como no
RCA, a formação integral ou educação integral se revela como um princípio a ser desenvolvido
ao longo de toda a educação básica, com o intuito de formar e desenvolver os indivíduos em
seus múltiplos aspectos e dimensões.
O texto da Minuta ressalta que não se pode confundir o conceito de educação em tempo
integral com escola em tempo integral, e que segundo a Lei n° 13.415/2017 – que institui a
Reforma do Ensino Médio – ainda que se crie e estimule um programa de fomento para a escola
de tempo integral, reconhece-se que essa transformação de todas as escolas de ensino médio
em escolas de tempo integral seria algo inviável por diversos fatores, tanto econômicos como
culturais. Entretanto, para os autores da Minuta, essa lei se torna inovadora ao passo que
introduz diversos dispositivos que permitem que os processos de ensino e aprendizagem se
apresentem em ambientes diversos da escola de matrícula do aluno, possibilitando também a
computação de atividades extra escola como carga horária do estudante, mediante a relação
entre as competências e habilidades que o currículo do ensino médio da escola pretende
desenvolver. Com essa perspectiva se consolidaria assim o conceito de educação em tempo
integral.
Nesse sentido, nossas dúvidas consistem em: que ambientes diversos seriam estes
citados no documento da Minuta? Estes ambientes serão relacionados com o currículo do ensino
médio que os estados da federação e as escolas irão desenvolver? Quais seriam estes espaços
em cada itinerário formativo, dentre eles os eixos estruturantes I, II, III, IV, V e VI? A quem
caberia a incumbência para a elaboração e construção desses ambientes e atividades? E quem
forneceria os fomentos para essa construção? Pensando na realidade das escolas públicas, como
equiparar escolas que possuem diferentes turnos (matutino, vespertino e/ou noturno) com
escolas em tempo integral que, via de regra, já possuem uma estrutura de espaços e ambientes
minimamente adequados para uma formação integral dos estudantes?
Nossas questões estão pautadas na busca pelo esclarecimento e detalhamento dos
ambientes e atividades presentes na minuta como propostas inovadoras da Lei n° 13.415 de
2017, de forma a consolidar os conceitos de educação integral, educação em tempo integral e
ambientes da educação integral.
123

✓ Realização das provas diversas vezes ao ano, bem como não divulgação dos itens –
problematizamos aqui os argumentos utilizados para a definição dessas duas propostas
colocadas no documento da Minuta:

A Minuta traz a indicação de que o exame seja realizado até 3 (três) vezes em um mesmo
ano. Porém, não fica claro como esta proposta poderia se operacionalizar no que diz respeito
aos custos das aplicações das provas – esse esclarecimento nos parece relevante, posto que é
recorrente no documento uma argumentação em torno da necessidade de cortar custos ligados
à realização do ENEM. Além disso, questiona-se como se daria o acesso à universidade pública
por meio das três oportunidades de ingresso, visto que as universidades federais, em geral,
abrem novas turmas a cada semestre, portanto, no máximo duas vezes ao ano. No caso do estado
do Amazonas, por exemplo, este acesso ocorre apenas uma vez ao ano, e considera-se que um
aumento na frequência do ingresso ensejaria a necessidade da elevação da capacidade de
atendimento na Universidade.
O texto ainda apresenta como condição para viabilizar o aumento na frequência da
aplicação do exame a não divulgação dos itens das provas, como forma de reduzir custos.
Entende-se que, ao não promover tal publicidade, descumpre-se o que dispõe no Art.3º da Lei
nº 12.527/2011, a qual regulamenta sobre o acesso a informações. Conforme a Lei, na
administração pública, a observância da publicidade deve ser considerada preceito geral,
enquanto o sigilo deve ser apenas exceção. Além disso, a Lei preconiza que a divulgação de
informações de interesse público, como é o caso dos itens das provas do ENEM, deve ocorrer
independentemente de solicitações. Acredita-se que, ao manter a divulgação dos itens, preserva-
se a diretriz, também prevista na referida Lei, do desenvolvimento do controle social da
administração pública.
Ademais, considera-se que a não divulgação dos itens das provas pode comprometer o
processo formativo de professores e estudantes durante a preparação para esta avaliação.
Estudos como os realizados por Oliveira (2011) e Santos et al. (2016) demonstram que a prática
de estudar provas anteriores, dentre outros benefícios, pode gerar o efeito emocional de trazer
maior confiança aos participantes do ENEM. Nesse sentido, a não divulgação dos itens iria na
contramão de um processo formativo que se consolidou no Brasil nos bastidores cotidianos da
preparação dos nossos/as jovens para o ENEM, estamos a falar do uso das provas de anos
anteriores para fins de estudo e de preparação para as provas do ENEM.
124

✓ Itinerários técnicos e profissionais não se encontram contemplados nas áreas planejadas


para a segunda fase do Novo ENEM – compreendemos que algumas entidades já
apontaram essa questão, então nos somamos a este grupo que antevê nessa omissão um
aprofundamento da dualidade educacional no Ensino Médio brasileiro:

Sobre o itinerário da educação profissional, a reforma estabelece a priorização de uma


oferta nos moldes da modalidade concomitante, enquanto a alternativa mais adequada para o
Ensino Médio é a oferta na forma integrada, consubstanciado pela lei 13.415/2017 e
regulamentado pelas DCNNEM e pela BNCC etapa do Ensino Médio, prevendo que para
ofertar o itinerário técnico será possível realizar parceria com instituição de educação a
distância com “notório reconhecimento”, brecha que admite que o poder público se abstenha
de investir para qualificar sua própria oferta.
Em relação à operacionalização da reforma, mais da metade dos municípios brasileiros
têm apenas uma escola de ensino médio, esse cenário impõe muitas dificuldades para que as
unidades de ensino consigam ofertar todos os itinerários formativos. A tese de que o estudante
poderá “escolher” precisa de respaldo empírico no que tange à garantia de oferta e não pode ser
idealizada como uma panaceia do ponto de vista teórico. Em vista disso, a prova do Novo
ENEM, na segunda etapa, precisa atender de forma adequada e transparente os itinerários que
têm relação com nível de ensino do estudante. Somente assim, seria possível reduzir a grande
distância existente entre a Educação Profissional e o Ensino Superior.
Além disso, é preciso permitir a participação no Novo ENEM dos estudantes que
cursarem o itinerário de formação técnica e profissional, e não garantir instrumentos avaliativos
alinhados à formação recebida é uma decisão contraditória e excludente. A não contemplação
do itinerário de formação técnica e profissional na segunda etapa do Novo ENEM, transfere,
individualmente para os sujeitos que optarem por este itinerário, a responsabilidade pela busca
de capacitação para a realização do exame. E, nesse sentido, representa também a oportunidade
de fortalecimento do mercado para maior proliferação de cursinhos privados preparatórios para
as provas do ENEM.

✓ As questões dissertativas podem ser consideradas uma inovação significativa nas provas
para o Novo ENEM, contudo, não há maior detalhamento na Minuta em torno dessa
proposta:
125

Na parte do detalhamento da composição da prova, o documento aponta a possibilidade


de inserir neste Novo ENEM questões dissertativas, uma vez que o documento justifica a
necessidade de se avaliar as habilidades e competências da BNCC-EM referentes à capacidade
de o estudante relacionar os conteúdos por meio da escrita. Consideramos, alinhados aos
pesquisadores entrevistados para a construção da Minuta, que este tipo de questão pode
representar um avanço qualitativo importante nas provas do ENEM. Contudo, a falta de
definição de como seriam inseridas nas provas essas questões dissertativas nos fizeram destacar
esta questão para ampliar o debate no país.
Sobre esse elemento, o documento não esclarece se as questões dissertativas serão
aplicadas em todos os itinerários formativos, tampouco de que formas essas questões serão
avaliadas, ou seja, quais serão os critérios de avaliação para esse novo tipo de questão? Destaca-
se também a necessidade de explicação acerca do uso da Teoria de Resposta ao Item (TRI) e
da inteligência artificial como proposta de avaliar as questões dissertativas. Nosso destaque
aqui serve, afinal, de apelo para um maior detalhamento em torno dessa possível inovação no
tipo de questão que compõe as provas.

✓ Áreas profissionais da segunda etapa das provas do Novo ENEM – já indicamos


anteriormente no destaque de número 3 a necessidade de incluir uma área para os
itinerários técnico e profissional – aqui queremos chamar atenção para a necessidade de
construir um elo mais evidente entre os itinerários formativos do Novo Ensino Médio,
as áreas profissionais do Novo ENEM e as áreas do conhecimento presentes no Ensino
Superior:

Compreendemos que o Novo ENEM deseja cumprir um caráter indutivo no sentido de


complementaridade à BNCC e ao Novo Ensino Médio, por isso a definição das áreas
profissionais da sua segunda etapa é crucial para a constituição de diretrizes mais claras para as
escolas de educação básica em todo o país. A partir dessa compreensão, evidenciou-se na leitura
da Minuta um descompasso entre as 4 (quatro) grandes áreas profissionais propostas no
documento e as áreas do conhecimento consolidadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq).
Nossa indicação é que se leve em consideração as áreas definidas pela CAPES e pelo
CNPq, uma vez que elas são expressão dos cursos de graduação e pós-graduação no Brasil. Não
se trata de simplesmente transplantar as mesmas áreas definidas por essas duas agências para a
126

organização do ensino superior brasileiro e das pesquisas realizadas no interior das instituições
desse nível de ensino, trata-se na verdade da necessidade de uma interlocução mais profunda
entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, e acreditamos que o meio termo entre aquilo que se
consolidará como itinerários formativos na última etapa da educação básica e aquilo que já está
consolidado nas instituições de ensino superior passa necessariamente por uma mediação entre
os dois níveis de ensino do sistema educacional do país.
Acreditamos que a promoção desse diálogo pode deixar mais claro para os/as jovens
que farão o Novo Ensino Médio que caminhos se coadunam com seus planos formativos e
profissionais, além de apresentar um potencial para fazer avançar esse histórico hiato entre a
Educação Básica e o Ensino Superior.

✓ Prova Digital – nossa preocupação aqui vai de encontro à garantia de condições em todo
o território nacional para a realização dessa modalidade de prova, bem como ao
esclarecimento se caberá aos estudantes definir se desejam realizar a prova no formato
digital:

No documento da Minuta, mais especificamente no que se refere à Prova Digital,


constata-se a necessidade de um detalhamento em relação à capacidade instalada das diferentes
regiões e estados brasileiros com relação às tecnologias para a realização da prova nesse
formato. As singularidades dos municípios do interior não se encontram contempladas nessa
passagem do documento, pelo que destacamos a necessidade de se evidenciar os esforços por
parte da União no sentido da democratização do Novo ENEM frente às desigualdades regionais
que marcam o território nacional – a Educação do Campo, no cenário do interior amazonense,
pode ser apontada como um exemplo dos desafios que a avaliação em questão enfrentará no
que tange ao seu alcance.
Outro ponto a ser levado em consideração nesse debate é a falta de definição no
documento da Minuta acerca das provas digitais serem tornadas como uma escolha dos alunos
– ou seja, os/as estudantes poderão optar pela prova digital ou pela prova física?
Compreendemos que isso deve ficar evidenciado no texto da Minuta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar as reformas mais recentes destinadas à Educação Básica, e mais especificamente


ao Ensino Médio, constitui tarefa complexa em virtude tanto do cenário político no qual tais
127

reformas têm se materializado, quanto do fato de elas ainda estarem em andamento e, por isso,
em disputa. Neste capítulo buscamos unir ciência e política em um exercício analítico
enfrentado por sete jovens pesquisadoras da área da Educação: lançar uma mirada crítica para
o processo de reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio, que, frente ao chamado
“Novo Ensino Médio” e à Base Nacional Comum Curricular, passa a ser o mais novo alvo de
adequações a essa série de reformas voltadas para a Educação Básica brasileira.
Nossas análises incidiram sobre a Minuta que trata do Parecer e das Recomendações ao
Novo ENEM, ainda em discussão no Conselho Nacional de Educação e posta à Consulta
Pública em novembro de 2021. E nossos destaques englobam questões ligadas às necessidades
de melhor definição da segunda etapa das provas (ligadas aos itinerários formativos) e dos
conceitos de educação integral; do lugar dos itinerários técnico e profissional, que por ora não
estão contemplados no Novo ENEM; da parca ligação entre ensino médio e superior; da prova
digital e da novidade em torno das questões dissertativas; bem como da quantidade de provas
aplicadas a cada ano e da transparência envolvida na divulgação dos itens das provas.
Ademais, levando em consideração as dificuldades de promover uma análise em torno
do Novo ENEM, posto que ele se encontra em pleno processo de discussão e construção,
consideramos pertinente o registro do processo de debate com a sociedade em torno dos
contornos que esta avaliação externa de larga escala e que angariou como grande tarefa a
entrada no ensino superior no país vai ganhando. E ainda, destacamos a importância de estreitar
os laços entre os campos acadêmico e político no sentido da construção das políticas
educacionais, pelo que a participação de discentes e docentes de uma Faculdade de Educação e
de um Programa de Pós-Graduação em Educação, como esta que ensejou este capítulo, é crucial
para um entrelaçamento desses campos e para uma formação de pesquisadores e pesquisadoras
comprometidos/as com as lutas sociais que estão na base das políticas públicas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações


previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da
Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº
11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 28 nov. 2021.

COSTA, Marilda de Oliveira; SILVA, Leonardo Almeida da. Educação e democracia: Base
Nacional Comum Curricular e novo ensino médio sob a ótica de entidades acadêmicas da área
educacional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, p. 1-23, 2019.
128

FERREIRA, Rosilda Arruda; RAMOS, Luiza Olívia Lacerda. O projeto da MP nº 746: entre
o discurso e o percurso de um novo ensino médio. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de
Janeiro, v. 26, n.101, p. 1176-1196, out./nov. 2018.

KRAWCZYK, Nora; FERRETI, Celso João. Flexibilizar para quê? Meias verdade da
“reforma”. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 33-44, jan./jun. 2017.

MACEDO, Elizabeth. “A base é a base”. E o currículo o que é? In: AGUIAR, Márcia Ângela;
DOURADO, Luiz Fernandes (Orgs.) A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação
e perspectivas. Recife: Anpae, 2018. p. 28-33.

OLIVEIRA, D.S. Preparando Alunos do Ensino Médio para o Enem e para o Vestibular.
ANAIS DO SEMEX, 4(4). 2011. Disponível em:
https://anaisonline.uems.br/index.php/semex/article/view/490. Acesso em: 25 nov. 2021.

SANTOS, G.L.; PINTO, J.F.; GIL, M.; DREY, R. Entender para explicar: por que estudar a
prova do Enem? Viver IFRS. Nº4. 2016. Disponível em:
https://periodicos.ifrs.edu.br/index.php/ViverIFRS/article/view/1650/1293. Acesso em: 25
nov. 2021.

SÜSSEKIND, Maria Luiza. A BNCC e o “novo” Ensino Médio: reformas arrogantes,


indolentes e malévolas. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 13, n. 25, p. 91-107,
jan./mai. 2019.
129

CAPÍTULO 12
A FORMAÇÃO DO CIDADÃO E OS PRINCÍPIOS NEOLIBERAIS:
vislumbrando possibilidades

Larissa Landim de Carvalho


Veralúcia Pinheiro
Gizelly Braz Vieira dos Santos

INTRODUÇÃO25

O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi marcado pela reestruturação


financeira graças, principalmente, ao advento do plano real, instituído em 27 de fevereiro de
1994 com a publicação da Medida Provisória n.º 434, implantado no governo Itamar Franco e
implementado sob a coordenação de Fernando Henrique. À época, FHC era senador e, em
seguida, foi candidato à presidência do Brasil. O Estado estava passando por uma série de
dificuldades em razão das altas taxas de inflação que, por longo período, não se estabilizavam.
A fim de resolver essa situação, FHC propôs a privatização de muitas estatais e, somando isso
à nova moeda, fez com que o Brasil saísse da situação precária em que anteriormente estava.
Uma característica de seu governo foi a desregulamentação e a consequente
descentralização das atribuições do Estado, da responsabilidade e da receita que lhe são
adjacentes. Tal ação foi fundada, especialmente, nas mudanças que ocorriam no cenário
mundial como consequência dos princípios estabelecidos pelos Organismos Multilaterais, tais
como a Organização das Nações Unidas (ONU), a UNESCO, o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial (BM), conforme aponta a professora Olgaíses Maués (2003).
Essas mudanças tiveram uma influência significativa na educação, especialmente pelo
fato de que o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza – que ocupou esse cargo durante
todo o mandato de FHC – tinha ligação direta com esses Organismos e contribuiu sensivelmente
para essa operação; sobre elas, passaremos a discorrer.
Entre as mudanças, FHC instituiu as diretrizes expostas pelos Organismos que reviam
o foco nas competências necessárias ao bom desenvolvimento do trabalho; a redução de custos
da União – o que seria realizado através da descentralização de tarefas e da responsabilização

25
Este texto foi construído a partir do Resumo Expandido denominado As Reformas Educacionais e os Princípios
do Neoliberalismo: A Literatura em Foco publicado nos Anais do II Simpósio On-Line de Educação – Educação,
resistência e novos paradigmas: diálogos e possibilidades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte - Campos Ipanguaçu, no ano de 2021.
130

local pelos custos e pela qualidade do ensino; o estabelecimento da fixação do currículo que
privilegiasse o ensino da Matemática e do Português, matérias necessárias para a propriedade
da prestação de serviços; o chamamento da sociedade para o alcance de uma educação de
qualidade – o que leva os indivíduos a acreditarem que uma boa educação só será alcançada
por meio do empenho de todos e faz com que eles atraiam para si a responsabilidade pelo
sucesso ou não da educação. Por fim, estabelece a chamada performatividade, que permite ao
Governo um controle indireto da educação por meio do estabelecimento de um currículo e das
avaliações feitas aos alunos durante e ao final do período de estudo (OLIVEIRA, 2009).
A descentralização oferece à escola uma falsa autonomia, pois, em que pese tenha dado
maior liberdade à gestão, atribuindo-lhe um papel de destaque, o Estado restringe a
disseminação de conteúdos, ao passo que impõe aos alunos as avaliações externas que são feitas
com base no currículo previamente estabelecido com avaliações como o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Provão e, finalmente, o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Assim, o governo tem a possibilidade de controlar a educação como um todo,
ainda que tenha retirado de si a responsabilidade pela qualidade e pelo financiamento.
Importante pontuar que durante o governo de FHC houve um distanciamento entre a
educação e as garantias previstas pela Constituição da República Federativa do Brasil, que
estabeleciam uma preocupação equânime com a formação do indivíduo, ou seja, uma
preocupação com a educação completa, que agora passa a ficar em segundo plano, em razão da
priorização do ensino fundamental, necessário ao bom desempenho no trabalho. O que antes
era garantido a todos, agora passa a ser focalizado, direcionado apenas a uma parte da educação,
conforme expõe Oliveira (2009). Com isso, pudemos observar a priorização do ensino do
português e da matemática básicos, necessários para um bom desempenho no trabalho.
Ainda nesse sentido, o governo atribuiu à educação importante fator no
alcance/tratamento aos vulneráveis, isto é, os que estão em situação de extrema pobreza e,
consequentemente, que detêm um déficit na educação. Esse comportamento se clarifica por
meio de políticas públicas como a famigerada bolsa-escola, implementada em 2001 pelo
governo de FHC – que, no governo Lula, em 2003, foi incorporada aos programas Cartão
Alimentação, Auxílio-gás e ao novo Programa Bolsa Família, unindo-as a um único sistema de
mesmo nome.
É certo que FHC se valeu da situação em que o Brasil se encontrava bem como da para
empreender diretrizes neoliberais nas políticas educacionais brasileiras, mas com a chegada de
Luís Inácio Lula da Silva, o cenário educacional não se alterou. Tendo a possibilidade de romper
com as reformas estabelecidas no último governo ou andamentá-las, Lula optou pela segunda
131

opção ao passo que seu primeiro mandato foi marcado pela continuidade das reformas
educacionais segundo as diretrizes já mencionadas.
No segundo mandato, Lula se distanciou sensivelmente das propostas de FHC e
aproximou suas ações às garantias elencadas pela Constituição de 1988. Todavia, ao contrário
do esperado, conforme aponta Oliveira (2009), Lula manteve a ideia de priorização das
minorias/vulneráveis e sedimentou essas características às mais variadas políticas, fixando-as
como um modelo. A consequência para a educação a essa exposição foi a precarização, baseada
em resultados imediatos – o que seria ratificado pelas avaliações externas realizadas em
consonância com os princípios previamente estabelecidos – a fim de alcançar o bom
desempenho na educação em termos de números, no trabalho e melhorar a economia,
resolvendo o problema da miserabilidade com a transferência de renda direta.
Assim, surgem os currículos que visam a orientar a educação no Brasil, que são
visivelmente marcados pelos ideais que o país se propôs a alcançar. Libâneo (2019) faz um
trabalho profundo com a descrição e exposição dos diferentes currículos. Quanto ao currículo
do acolhimento e da integração, que segue a linha dos ideais já elencados, o autor o põe em
xeque, uma vez que percebe que o acolhimento se sobressai em detrimento do aprendizado. O
autor afirma que

se a escola é vista como instituição a serviço de funções econômicas, seu papel


se restringe à formação para o trabalho; vista como lugar de acolhimento
social, seu papel se restringe ao cuidado, deixando outras funções ao segundo
plano; se pensada como um direito, isso implica uma referência ao dever do
Estado, e assim por diante. Em síntese, critérios de qualidade de educação
decorrem de enunciados sobre finalidades educativas da escola, e orientam a
elaboração de políticas educacionais que estabelecem os objetivos e os meios,
inclusive legais, de pôr em ação suas pretensões acerca de qualidade de ensino
(p. 05).

Ressaltamos que o estabelecimento do currículo marcado pelo acolhimento e pela


integração garantiu aos pobres uma ascensão mínima no que tange a serviços elementares que
antes não podiam ser alcançados, em contrapartida, nele há uma visível relegação do
conhecimento e do aprendizado. Deste modo, temos uma divisão dos modelos de currículo: um
currículo do conhecimento e aprendizado para ricos, especialmente adotado por instituições
privadas, e um currículo do acolhimento e integração para os pobres. Assim, as escolas privadas
podem extrapolar o conteúdo previsto e garantir aos seus alunos um conhecimento maior,
enquanto as escolas que não têm essa conjuntura focam no conteúdo exigido nas avaliações
finais.
132

Ao analisar a forma em que as políticas educacionais são aplicadas na escola, Libâneo


aponta que os critérios de qualidade de ensino baseados em avaliações externas não promovem
a qualidade pretendida, aliás, ao contrário, influenciam a precariedade.
O autor ressalta que a obrigação de resultados somado ao currículo instrumental atendem a
um problema da economia e não ao desenvolvimento humano. Ele explica o currículo
instrumental como “um conjunto de conteúdos mínimos necessários ao trabalho e emprego, na
verdade um “kit” de habilidades de sobrevivência para redução da pobreza e adequar os
indivíduos às exigências do desenvolvimento econômico” (2014, p. 04).
Para o autor, o currículo instrumental se complementa ao currículo de convívio e
acolhimento social, que é

focado na experiência corrente dos alunos, na inclusão social, nos ritmos


individuais de aprendizagem, frequentemente reduzido ao provimento na
escola de vivências de integração e socialização social visando formar para
um tipo de cidadania baseado na solidariedade e na contenção de conflitos
sociais (2014, p. 04).

O autor afirma que muitas das orientações baseadas nesses modelos foram assumidas
pelo governo brasileiro desde 1990 e temos razões para acreditar que elas ainda estão
incorporadas às políticas educacionais oficiais brasileiras.
Outro fator contrário ao desenvolvimento humano é a exacerbação do tecnicismo
pedagógico e a consequente banalização do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
o indivíduo se torna um depositário do conhecimento, isto é, um mero recipiente, enquanto o
seu papel ativo – interativo desenvolvido por Vygotsky – é ignorado no processo de
aprendizagem. Nessa perspectiva, os fatores externos ao contexto escolar – saberes que fogem
do padrão instituído – são desconsiderados por completo e os alunos que não o detêm são
cobrados de igual forma, o que, sem dúvidas, prejudica os alunos que, por falta de condições
financeiras e/ou sociais, não tiveram acesso a esse capital intelectual que lhes é exigido.
Quanto à responsabilização do corpo docente, além das avaliações externas, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que foi criado em 2007, reúne em um único
indicador os resultados de dois conceitos importantes para demonstrar a qualidade da educação
são eles: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações. O IDEB foi criado pelo
MEC para monitorar o cumprimento de metas, tal como a garantia do acesso à educação para
as crianças até o ano de 2022. Ocorre que, mais uma vez, tal conquista não se reflete nos anos
finais da educação e por isso deve ser repensado.
133

Considerando os programas desenvolvidos pelo governo, as avaliações externas, o


índice de desenvolvimento e os modelos de currículos aqui apresentados, é notório o
afastamento da educação em relação às garantias constitucionais quanto à formação do
indivíduo de forma igualitária.
Lula, apesar de ter se aproximado das garantias em seu segundo mandato, não rompeu
com os ideais dos organismos multilaterais que promovem a educação para o trabalho. De igual
modo, resta claro o deslocamento da responsabilidade estatal e a consequente culpabilização
dos professores e das escolas pelo fracasso escolar. Esse cenário favorece o ensino meritocrático
e competitivo, que compromete a justiça social da escola e colabora com a
desprofissionalização do professor.
Ter como princípio a competência imediata e necessária à prestação de serviços afasta
a possibilidade de promoção da problematização pelos professores e também a possibilidade de
mudança dos conteúdos que serão trabalhados ao longo dos semestres considerando,
especialmente, as avaliações as quais os alunos serão submetidos durante e ao final da fase
escolar.

A ESCOLA E A EDUCAÇÃO POLITÉCNICA

Conforme apontado no tópico anterior, os princípios do neoliberalismo expostos, em


especial, em documentos do Banco Mundial e da UNESCO representam um distanciamento da
formação do cidadão, do desenvolvimento humano e do alcance da justiça social na escola.
A competência mercadológica afasta a possibilidade de reflexão por parte dos alunos e
dos professores e dificulta o alcance de estratégias para a promoção das mudanças necessárias
para a obtenção do desenvolvimento integral dos alunos.
Libâneo (2018) afirma que, para alcançar o desenvolvimento humano através das
escolas, é preciso uma escola justa, que lide com os mais variados indivíduos com respeito,
promovendo a inclusão e ofereça a esses o conhecimento cognitivo necessário para permitir a
igualdade entre os cidadãos, independentemente de suas raízes, sua formação, seu meio
sociocultural e, especialmente, socioeconômico, ou seja, proporcionando a eles um capital
cultural amplo, conforme definiu o sociólogo Pierre Bourdieu.
Para o autor, o capital cultural pode ser compreendido como as qualificações intelectuais
produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família, haja vista que ambos
fundamentam os critérios de diferenciação naquele tipo de sociedade (BOURDIEU, 1983). A
aquisição de cada tipo de capital obedece a uma lógica própria de cada campo específico.
134

Logo, é preciso ter sempre em mente a necessidade de se construir um ambiente


inclusivo e plural com a intenção de estabelecer de forma crítica e criativa diálogos pertinentes,
que sejam significativos para os alunos e considere a realidade, o presente, o passado e as
diferentes culturas a fim de oportunizar aos alunos o contato com uma gama de informações
que formarão o capital cultural de cada um deles.
Contudo, ao contrário do que o autor defende, o estabelecimento do currículo fundado
nos princípios neoliberais e na focalização gerou uma programação marcada pelo acolhimento
e pela integração, o que garante aos pobres uma ascensão mínima, no que tange a serviços
elementares que antes não podiam ser por eles alcançados através da escola e das políticas, e,
em contrapartida, relega a um segundo plano o conhecimento e o aprendizado. Deste modo,
estabelecem-se dois modelos de currículo, conforme aponta Libâneo: o currículo do
conhecimento e do aprendizado para ricos e o currículo do acolhimento e da integração para os
pobres.
Na obra A Reprodução, Pierre Bourdieu e Passeron questionam a função da escola e a
colocam como reprodutora das desigualdades sociais – haja vista que o que é cobrado pelas
escolas não é oferecido por elas, atingindo o capital cultural dos alunos, isso
prejudica/violenta26 os alunos que não tiveram acesso aos conhecimentos exigidos, e por isso
precisam se esforçar muito mais para alcançar o desempenho dos alunos que detém esse
capital27.
A escola tende a se deslocar da realidade comum enquanto, de forma concomitante,
apresenta as contradições da sociedade. Hodiernamente, ela vem se tornando essencial à
sociabilidade, ao passo que a ideia de segregação se torna mais forte. Diante da divisão social
do trabalho, a atividade intelectual e a manual se sobrepõem de forma expressiva, e a escola foi
encarregada para desempenhar essa função, formando seres unilaterais, afetados pelas marcas
do capitalismo.
Como formas de encarar essa realidade, Moura, Lima Filho e Silva (2015) propõem o
debate sobre a possibilidade de alcançarmos uma formação integral em uma sociedade
capitalista. Inspirando-se em Marx, os autores trazem à tona a ideia de substituição dos
indivíduos corrompidos, isto é, indivíduos que não detém conhecimento prático, intelectual e

26 Violência simbólica é a violência invisível, ignorada, não percebida como arbitrária e, portanto, legitimada
(BOURDIEU, 1983).
27 Esses alunos não se sentem à vontade com o ambiente escolar por não estarem acostumados com a formalidade
dispensada por ele, o que também o prejudica. Aliás, a própria linguagem formal utilizada na escola tem efeitos
distintos para cada aluno e muitos têm dificuldade de compreender o seu uso formal.
135

físico, por indivíduos multifacetados, capazes de exercer múltiplas funções dentro do mercado
de trabalho. Esse domínio de diferentes funções é alcançado por meio da formação integral.
Através dos escritos de Marx, Moura, Lima Filho e Silva (2015) concluíram que o
conceito de politecnia pode abarcar a ideia de formação humana integral. Assim, por intermédio
da formação politécnica alcançaríamos a formação intelectual, física e tecnológica. De acordo
com essa teoria, apenas com o domínio dessas três áreas que explicam e fundamentam o
trabalho produtivo seria possível levar a classe operária a um nível superior ao do nível das
classes superior e média.
Os autores sustentam que independente da visão adotada pelos autores que lidam com a
politécnica, em seus mais amplos conceitos, rupturas e aproximações, o ensino politécnico
compreende a formação direta dos indivíduos e a contribuição para o desenvolvimento de
condições objetivas de transformação da sociedade. Logo, tendo como pressuposto esse
formato de ensino, ambos os objetivos seriam alcançados de forma simultânea. Ademais,
defendem que a politécnica poderia ser utilizada como uma solução para a
compartimentalização pela qual as disciplinas passaram, tendo sido influenciada pelo
pensamento cartesiano, que teve grande impacto no desenvolvimento do conhecimento
científico, e foi impulsionada pela Revolução Técnico-Científica.
Nesse sentido, somos levados a crer que, do ponto de vista emancipatório, não há espaço
para a profissionalização, no sentido estrito, na formação de adolescentes. A verdade é que, a
exigência de uma profissionalização precoce, inviabiliza a possibilidade de escolha e de
formação intelectual por parte dos adolescentes, que integram a classe trabalhadora, o que a
leva a permanecer no status quo.
No Manifesto Comunista (1997), Marx e Engels revelam acreditar na possibilidade de
unificação entre a produção material e a educação em uma sociedade futura. Para tanto, a classe
trabalhadora deveria ter arrancado o poder da burguesia e concentrado os meios de produção
nas mãos do Estado. Apesar disso, diante das contradições próprias do movimento a partir do
conflito entre capital e trabalho, somos levados a compreender que seria possível avançar na
direção da unificação entre a educação e a produção, ainda na sociedade burguesa – visto que
a burguesia permanece no poder político até os dias atuais – aproveitando-se das contradições
do modo de produção capitalista. Isso poderia ser materializado por meio do ensino médio
integrado, que atingiria toda a sociedade.
Entretanto, na obra Crítica ao Programa de Gotha (1982b), escrita trinta anos depois do
Manifesto, Marx revela não acreditar na possibilidade de uma educação igualitária para todas
as classes, visto que essa igualdade não se daria sem o risco de redução da qualidade da
136

educação. No mesmo sentido, Gramsci nega qualquer possibilidade de profissionalização na


etapa final da educação básica. Voltado à formação humanista, Gramsci defende a ideia de que
o humanismo contribui para o desenvolvimento da capacidade de criação intelectual e prática
e para a compreensão da totalidade social, tendo o princípio educativo do trabalho como sua
base. Para tanto, o autor afirma que nessa escola não há espaço para a profissionalização. Nem
mesmo em caráter universitário a formação profissional deve ser posterior à escola unitária
humanista, de cultura geral.
Deste modo, resta claro que atualmente ainda não é possível materializar a politecnia e
a escola unitária em seus sentidos plenos para todos. A realidade brasileira é ainda mais
delicada, pois apresenta baixos índices de escolaridade, mesmo entre a população adulta, e o
pauperismo assola boa parte da nação, dificultando o alcance da formação integral.

CONCLUSÕES

É certo que para se alcançar o desenvolvimento humano através das escolas é preciso
que ela seja justa, que lide com os mais variados indivíduos com respeito, promova a inclusão
e ofereça a eles o conhecimento cognitivo necessário para permitir a igualdade entre os
cidadãos, independentemente de suas raízes, sua formação, seu meio sociocultural e,
especialmente, socioeconômico.
Logo, faz-se necessário rever os princípios da educação brasileira a fim de propiciar um
ensino de qualidade e viabilizar a reflexão e compreensão do mundo de forma holística. A
educação não deve se limitar aos interesses do mercado para apenas formar mão de obra barata,
ao contrário, deve guiar os sujeitos rumo à verdadeira cidadania.
Contudo, cientes de que isso demanda uma mudança estrutural e não apenas interna,
enquanto essa reforma não acontece, acreditamos que a literatura, tanto a narrativa quanto a
lírica, podem colaborar significativamente para a formação do ser humano, pois ela possibilita
novos olhares, novas sensações e novas interpretações. Tendo como principal função a função
humanizadora, a literatura nos faz viver ao passo que nos tira da zona de conformo e permite a
problematização da realidade.
A literatura viabiliza o que conhecemos como heterotopia, que nada mais é do que o
deslocamento do lugar de origem. Boaventura de Souza Santos (1999) sugere um deslocamento
radical dentro de um mesmo lugar, o nosso lugar. Um deslocamento do centro para a margem.
O autor afirma que o objetivo desta deslocação é “tornar possível uma visão telescópica do
centro e, do mesmo passo, uma visão microscópica do que ele exclui para poder ser centro.
137

Trata-se, também, de viver a fronteira da sociabilidade como forma de sociabilidade” (1999, p.


280).
Julgamos que a literatura possibilita esse deslocamento, tanto dos alunos quanto dos
docentes e demais membros do corpo escolar, e isso pode propiciar o reconhecimento de
conhecimentos diversos que fogem ao “padrão”, ao já naturalizado e estipulado pelo governo e
ratificado pelos autores de livros didáticos, produtores e estudiosos, garantindo aos alunos a
receptividade, a inclusão e a possibilidade de reflexão sobre a vida, ao mesmo tempo em que o
conhecimento viabilizado pela literatura forma um ser capaz de se conscientizar acerca da
realidade e, portanto, capacitado a lutar contra os aspectos negativos dela. A luta pela formação
humana onilateral deve permanecer e alcançar a todos, sobretudo os que não tiveram acesso a
ela.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do


sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia (organizado por Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.

GRAMSCI, Antonio. Caderno 12. Os intelectuais. O princípio educativo. In: Cadernos do


cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos. Finalidades educativas escolares em disputa, currículo e didática. In:
LIBÂNEO, J. C.; ECHALAR A. D. L. F.; SUANNO, M. V. R.; ROSA, S. V. L. (orgs.). Em
defesa do direito à educação escolar: didática, currículo e políticas educacionais em debate. VII
Edipe. Goiânia: Editora da UFG, 2019.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática e práticas de ensino e a abordagem da diversidade


sociocultural na escola. EdUECE, Livro 4, 2014. Disponível em:
<file:///C:/Users/User/Downloads/10.%20DID%C3%81TICA%20E%20PR%C3%81TICAS
%20DE%20ENSINO%20E%20A%20ABORDAGEM%20DA%20DIVERSIDADE%20SOC
IOCULTURAL%20NA%20ESCOLA.pdf>. Acesso em: 13 de fev. 2021.

LIBÂNEO, José Carlos; FREITAS, Raquel A. M. M. (orgs.). Políticas educacionais


neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita de educação escolar. Goiânia: Espaço
Acadêmico, 2018.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Prólogo de José Paulo
Netto. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1998.

MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. Lisboa: Avante Edições, 1982b. Disponível
em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/index.htm>. Acesso em: 18 ago.
2021.
138

MAUÉS, Olgaíses. Reformas internacionais da educação e formação de professores. Cadernos


de Pesquisa [online] n. 118, 2003, p. 89-177. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/cp/n118/16831.pdf>. Acesso em 22 de jan. 2021.

MOURA, Dante Henrique; LIMA FILHO, Domingos Leite e SILVA, Mônica Ribeiro.
Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições
históricas da educação brasileira. Revista Brasileira de Educação. v. 20 n. 63 out. - dez, 2015.
Disponível em: <
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/XBLGNCtcD9CvkMMxfq8NyQy/?format=pdf&lang=pt>.
Acesso em 18 ago. 2021.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e


permanências. RBPAE [online]. v. 25, n. 2, 2009, p. 197-209. Disponível em:
<https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/19491/11317>. Acesso em 14 de jan. 2021.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.


Porto: Edições Afrontamento. 1999, 7ª edição.

BIOGRAFIA DAS AUTORAS:

Larissa Landim de Carvalho


Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Unità Faculdade. Graduanda em Letras
Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Mestra em Educação, Linguagem e
Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás (PPGIELT – UEG). E-mail:
larissalandimcarvalho@gmail.com.

Veralúcia Pinheiro
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu Interdisciplinar
em Educação, Linguagem e Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás. E-mail:
veraluciapinheiro27@gmail.com.

Gizelly Braz Vieira dos Santos


Graduada em Gestão turística pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET-
GO) e Gestão Pública pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), especialista em História
Cultural pela Universidade Federal de Goiás (UFG), aluna do Mestrado Profissional em
Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT/IFG – e servidora do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). E-mail: giza.bv@gmail.com.

O PRESENTE TRABALHO FOI REALIZADO COM APOIO DA COORDENAÇÃO DE


APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - BRASIL (CAPES) -
CÓDIGO DE FINANCIAMENTO 001.
139

CAPÍTULO 13
LITERATURA DAS DIÁSPORAS AFRICANA: uma análise nos poemas
sangue negro e mãe preta de Noemia de Sousa e Bruno de Menezes

Jaqueline Mirian Muniz Bandeira28


Orientador Dr. Paulo Nunes29

INTRODUÇÃO

Donizeth Santos (2012), no artigo intitulado: “Representações da Mãe África nas


poesias moçambicanas e afro-brasileiras” afirma que nas literaturas africanas de língua
portuguesa a recorrência temática da Mãe África manifestou-se no período em que se iniciou
uma reação anticolonial ao governo português. Ao realizarmos um breve histórico sobre a
literatura africana de língua portuguesa, Magalhães (2014) afirma que essas literaturas, no
período que antecede as independências é marcada pelo domínio imperialista que consiste na
dominação econômica e despersonalização cultural dos povos africanos. Das viagens de
exploração realizadas pelos europeus ao continente africano surge a descrição das terras
africanas como exóticas, assim, o capital simbólico do continente africano era marcado pelo
“discurso colonial com o signo de exótico, do primitivo, do tribal, do selvagem (era preciso
fazer germinar um sentimento de inferioridade nos colonizados para que se legitimasse a missão
salvadora e civilizatória) atribuída aos colonizadores” (MAGALHÃES, 2014, p.416), por isso
essa fase é classificada como fase exótica.
A partir da década de 40 vai tomando forma uma “fase ideológica” em que se acentua
“a ação individual e coletiva de um povo que se julga superior a outro”. (fase exótica e
ideológica) Já no início da década de 60 há a chamada “fase cosmopolita”, pois as literaturas
nacionais rejeitam esses textos coloniais, entrando em “rota de colisão” com os valores que os
delineiam (NOA, 1999: 63-65 apud MAGALHÃES, 2014). No período da II Guerra Mundial,
acentuam-se os sentimentos políticos e culturais de descontentamento com a situação colonial,
que já se anunciavam no fim do século XIX nas colônias (a ruptura proposta por essa literatura
se insere num contexto político-cultural contra a dependência colonial). Esses textos passam a

28 Mestranda Bolsista no Programa de Pós- Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura


(PPGCLC/UNAMA/CAPES) Graduada em Letras- Português (UNAMA) e Pedagogia (UNIP). E-mail:
jaquelinebandeira16@hotmail.com
29 Doutor em Letras - Literaturas em Língua Portuguesa - pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MINAS). E-mail: pontedogalo3@gmail.com.
140

ser escritos num diálogo fecundo com a história e a memória desses povos, revitalizando o
passado e trazendo-o para a reflexão crítica.
Na literatura afro-brasileira, a imagem da Mãe-África surge nos textos dos escritores
negros após a difusão, no Brasil, das ideias oriundas dos movimentos culturais negros
panafricanistas, ocorrida na década de 50.
O panafricanismo é um complexo movimento de ideias, teorias, arranjos e
visões de mundo surgido na primeira metade do século XIX, a partir dos
contatos entre negros da Grã-Bretanha, Antilhas, EUA e lideranças do
continente africano. Trata-se uma resposta às teorias raciais desenvolvidas ao
longo do século XIX, a exemplo da poligênica e do darwinismo social
(HERNANDEZ, 2005; APPIAH, 1997; DECRAENE, 1962). O
panafricanismo tem como uma de suas principais questões a ideia de que a
África deveria ser transformada nos Estados Unidos da África,
preferencialmente usando a língua inglesa e professando o cristianismo. Os
teóricos do panafricanismo inventaram a África una, homogênea e indistinta,
que ainda hoje está presente nos textos de vários autores africanistas, que
tratam o continente no singular, esquecendo de suas diversidades e realidades
distintas. Esta África, nessa perspectiva, é tida como a origem de todas as
práticas, costumes, culturas e religiões dos negros e negras da diáspora
(LIMA, 2011, p.2).

Assim, tendo como base a África como berço da humanidade, das crenças, berço da
grande Mãe, os poemas a seguir buscarão refletir essa temática, com base nas teorias de
Gonzaga Motta e de Bakhtin.

O MATRIARCADO: Conceitos

No período chamado matriarcado, a centralidade da mulher na vida da comunidade era


evidente. Só ela detinha o poder de gerar e nutrir a vida. Ela era o cerne da humanidade. No
sistema matrilinear, a criança mantém um logo e íntimo contato com a mãe por toda a sua vida.
Os direitos políticos e/ou espirituais da mulher nas sociedades matrilineares por vezes lhe abrem
o caminho do trono e da regência, ou fazem dela sacerdotisa respeitada. Outra característica
desse sistema social é a veneração às rainhas mães (a mãe e/ou a irmã do rei), além da profunda
conexão da mulher à figura da mãe que vai do plano do indivíduo ao da nação.
Por outro lado, Cabot (1992 apud LONDERO; SILVA, 1992, p. 22), explica que “num tempo
em que o papel masculino na concepção não era entendido, ou só vagamente entendido, o corpo
da mãe era visto como a única fonte de vida, assim como a Terra era a única fonte de vida
biológica”. Desse modo, ao contrário do conceito de matriarcado, Mendes (2012, p. 102) aponta
o patriarcado como um sistema que justifica a dominação sobre a base de uma suposta
141

inferioridade biológica das mulheres, que tem origem na família, cujo comando por milênios
foi exercido pelo pai.
Engels em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, escrito
em 1884, relata que a valorização da propriedade privada fomentou o processo de
reconfiguração da organização familiar, que deixou de ser matriarcal - chefiada pelas mulheres
para ser patriarcal regida pelos homens. Assim, as mulheres foram impelidas a trocar a liberdade
sexual pela monogamia e pelo casamento e os homens passaram a requisitar a castidade
feminina, a fidelidade, para resguardar a sucessão dos bens aos filhos que possuíam laços de
consanguinidade (MENDES, 2012, p. 102)
Quanto à repressão sexual, esta é consequência de uma cultura baseada em uma moral
compulsiva, que nega e dessacraliza o sexo. A estrutura humana constrói-se no conflito entre
as necessidades humanas e a moral social. Assim, a repressão sexual é pré-requisito somente
para a formação da cultura patriarcal autoritária e não de toda cultura, haja vista que nas
estruturas sociais matriarcais, os códigos de conduta não possuem proibições sexuais.
Desse modo, cabe a pergunta? Qual a situação atual da Deusa? Como ela se manifesta na
África? Ford (1999) ressalta que após estudar os ritos de iniciação masculina e feminina entre
os ndembus da África Central nos anos 50, concluiu que a cultura ndembu se fundava em um
princípio maternal que permeia a sociedade e a natureza. A imagem da deusa passa então a ser
compreendida muito mais como um arquétipo: “uma imagem primordial que habita em nós e
se expressa em nossos sentimentos e atos” (FORD, 1999, p.170). A Grande Deusa, mãe da
criação, revela-se em três símbolos: árvore, terra e pedra e é através desses três símbolos que
se pode detectar a presença da Deusa no mito sagrado africano. Conforme mencionado acima,
a adoração à deusa foi quase que totalmente substituída pela adoração a um Deus ou a deuses,
portanto, escrever poemas exaltando à deusa grande mãe significa transcender o cânone
literário, assim como desconstruir colonialidades por meio da escrita. A seguir, observaremos
de que forma os autores em análise constroem a imagem da deusa em suas narrativas.
Observaremos de que forma a escrita foi costurada no intuito de desconstruir padrões de gênero
e colonialidades que subalternizam mulheres, principalmente as mulheres negras.

INSTÂNCIAS NARRATIVAS DE ANÁLISE

GONZAGA MOTTA: Análise crítica da narrativa


142

Luiz Gonzaga Motta (2013) afirma que a enunciação se constitui como ato produtor da
narrativa, pois representa a atividade de linguagem exercida por aquele que fala no momento
em que fala. Para o autor, os sujeitos interlocutores criam o sentido por meio das performances
linguísticas, ou seja, marcas de enunciação presentes no texto que demarcam a relação entre os
interlocutores, assim como seu lugar de fala.
O autor reitera que a narrativa é um dispositivo argumentativo que busca seduzir e
envolver o interlocutor, desvelando intencionalidades que lhe são implícitas. Assim, ela se
caracteriza por sua composição heterogênea, pluridiscursiva e dialógica e revela correlações de
poder em sua constituição.
A narratologia, de acordo com a metodologia de Motta, pode ser utilizada não apenas para
a crítica de textos ficcionais, mas também como um procedimento analítico que compreende os
valores subjetivos, as ideologias e a política de uma sociedade. Desse modo, utilizamos essa
metodologia para a análise de poemas, pois são narrativas, na medida em que possuem uma
intriga e uma intencionalidade. Nelas, o poder se manifesta nas relações discursivas e nas
situações narrativas e muda de lugar, pois passa a centralizar-se na imagem da grande deusa
mãe, revelando sua importância.
Motta ressalta que há elementos da estória e da narrativa que devem ser analisados,
assim como recursos argumentativos que apresentam diversas finalidades, tais como seduzir
sensibilizar, cooptar, surpreender, atemorizar e também divertir o interlocutor. Essas intenções
pragmáticas do narrador constroem o texto, direcionando-o a uma finalidade. Os recursos
retóricos são estrategicamente utilizados afim de convencer seus interlocutores de que aquilo
que falam é convincente Assim, no ato de configurar um discurso o narrador utiliza uma força
elocutória e perlocutiva, construídas a partir de recursos linguísticos, tais como as figuras e
jogos de linguagem, os dêiticos nos atos de fala, a retórica utilizada e a narratividade encoberta.
Paul Ricoeur explica que em toda narrativa existe uma intriga, haja vista que ela
possibilita que o texto tenha um contorno. Nela, existe o elo entre a ética (o mundo real) e a
estética (mudo imaginário) onde é possível observar o factual perpassado pela camada
imaginária, construída intencionalmente no enredo e substancializada nos personagens com a
intenção de provocar efeitos sobre o leitor/ telespectador, uma vez que o “persuasivo nasce da
interseção entre o dissonante e o verossímil: nasce das emoções trágicas que ocorrem no
espectador” (MOTTA, 2013, p76)
Dentre as instâncias de análise, Motta cita três planos que são: 1) plano da expressão, plano da
estória e plano da metanarrativa. No plano da expressão, serão observadas as linguagens: verbal, sonora,
visual e os recursos linguísticos usados estrategicamente na narrativa. No plano da estória, serão
143

analisadas questões como: enredo, intriga, personagens e cenários. Por fim, o plano da metanarrativa
realiza uma análise profunda do texto, observando os temas de fundo ético e moral que integram a
narrativa.
BAKHTIN E O ESTUDO DOS GÊNEROS DO DISCURSO

Bakhtin analisa o emprego da língua a partir de enunciados concretos e únicos que refletem as
condições específicas e as finalidades de cada campo por sua construção composicional. O autor observa
a existência de uma extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a existência de gêneros
discursivos primários (simples) e secundários (complexos). Os gêneros discursivos secundários
(romances, dramas, pesquisas científicas, etc.) surgem em situações de convívio mais complexo e
relativamente mais desenvolvido. No processo de formação eles “incorporam e reelaboram diversos
gêneros primários (simples)” (BAKHTIN, 2002, p.264).
A poesia pode ser considerada um gênero discursivo complexo, na medida em que há uma maior
elaboração discursiva em sua construção. Nas poesias em análise, o plano estilístico é construído a partir
da junção com o plano de conteúdo, entrelaçados ao subjetivismo do autor. Nem sempre uma poesia
concretiza temáticas, as vezes apenas serve para o deleite porém é um gênero complexo porque
conforme afirma Barthes (2002), a poesia moderna destrói a natureza espontaneamente funcional da
linguagem, pois ela contém “um encadeamento geológico de existencialidade [...] cada palavra poética
é um objeto inesperado, caixa de pandora onde surgem todas as categorias de linguagens” (BARTHES,
2002, p. 6). Os poemas de Bruno de Menezes e de Noémia de Sousa a seguir, em sua construção,
agregaram conteúdo em forma poética, costurando-os cuidadosamente nos textos. Como são poemas,
estão intrinsicamente ligados ao enunciado e às suas formas típicas, como por exemplo, à musicalidade,
ritmo e ênfase ao plano da expressão, diferentemente da novela que não costuma dispor do amplo uso
de metáforas e de musicalidade em sua construção.
Para Bachelard (1995), a poesia é uma metafísica instantânea, enquanto o tempo da
prosódia é horizontal, o tempo da poesia é vertical e o instante poético é uma relação harmônica
entre contrários, o qual o poeta “se despoja de toda vida inútil, experimenta a ambivalência
abstrata do ser e do não-ser” (BACHELARD, 1995, p. 3). Portanto, o gênero poético tem como
uma das suas características o uso conotativo da linguagem, predominantemente expressiva e
subjetiva, com o maior uso de recursos retóricos, conforme observaremos nos poemas em
análise.
Por outro lado, Bakhtin reitera que cada enunciado é um elo na corrente com outros
enunciados, ou seja, ele não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, delimitada da
alternância dos sujeitos do discurso. Os enunciados são construídos com “o auxílio das unidades
da língua: Palavras, combinações de palavras, orações; ademais, o enunciado pode ser
144

construído a partir de uma oração, de uma palavra, por assim dizer, de uma unidade do discurso”
(BAKHTIN, 2002, p.278).
Desse modo, cada obra está vinculada a outras obras- enunciados, ela está separada
daquelas pela alternância dos sujeitos dos discursos, muitas vezes implícitos na narrativa e
apresenta uma intenção discursiva que determina o todo do enunciado. Essa intenção, segundo
Bakhtin, revela o caráter dialógico do enunciado, assim como sua extrema heterogeneidade.
Um enunciado está organizado pela alternância dos sujeitos do discurso e reflete a realidade
extraverbal, materializando-se em um poema por suas peculiaridades estilístico-
composicionais, determinadas pelo elemento expressivo que consiste em uma relação subjetiva
do falante com o objeto do seu discurso, transfigurada pelo uso de recursos linguísticos, tais
como elementos lexicais, morfológicos e sintáticos que exprimem a posição emocional do
falante, é o que Motta ressalta como plano da expressão na narrativa.
Por fim, o gênero do discurso é uma forma típica do enunciado e inclui certa expressão
típica a ele inerente. Por meio dos enunciados, há uma constante interação com os enunciados
individuais dos outros, ou seja, todo o enunciado é pleno das palavras dos outros, portanto, a
seguir analisaremos esse constante dialogismo presente nos poemas em análise, observando os
diversos planos que os compõem.

ANÁLISE CRÍTICA DA POÉTICA DE NOÉMIA DE SOUSA

A poeta Carolina Noémia Abranches de Sousa nasceu em Maputo, Moçambique, em 20


de setembro de 1926, onde viveu até 1951, época em que circulou o seu caderno de poesias
intitulado Sangue negro, contendo 43 poemas, o qual somente 50 anos depois, em setembro de
2001, foi editado em livro. Apresentaremos, a seguir, um de seus poemas para a análise:

Sangue negro Ó minha África misteriosa, natural! minha virgem violentada!


Minha mãe! Como eu andava há tanto desterrada de ti, alheada distante e
egocêntrica por estas ruas da cidade engravidada de estrangeiros. Minha Mãe!
Perdoa! Como se eu pudesse viver assim, desta maneira, eternamente,
ignorando a carícia, fraternamente morna do teu luar ...Meu princípio e meu
fim ...[...] Como se não existisse para além dos cinemas e cafés a ansiedade
dos teus horizontes estranhos, por desvendar ... Como se nos teus olhos matos
cacimbados. não cantassem em surdina a sua liberdade, as aves mais belas
[cujos nomes são mistérios ainda fechados! [...] Como se teus filhos
intemeratos, sofrendo, lutando. À terra amarrados como escravos trabalhando,
amando, cantando, meus irmãos não fossem! - Ó minha mãe África Magna
pagã, escrava sensual mística, sortílega à tua filha desvairada Abre-te e
perdoa! Que a força da tua seiva vence tudo e nada mais foi preciso que o teu
feitiço impor dos teus tantãs de guerra chamando, dum-dum-dum-tam-tam-
145

tam dum-dum-dum-tam-tam-tam para que eu vibrasse para que eu gritasse


para que eu sentisse! – fundo no sangue a tua voz – Mãe! E vencida
reconhecesse os nossos erros e regressasse à minha origem milenar ... Mãe!
Minha mãe África, das canções escravas ao luar, não posso, NÃO POSSO
renegar o Sangue negro, o sangue bárbaro que me legaste ... Porque em mim,
em minha alma, em meus nervos, ele é mais [forte que tudo! Eu vivo, eu sofro,
eu rio, através dele, MÃE!... (SOUSA, 1975, p. 151-152)

Com base nos conceitos anteriormente estudados, cabe enfatizar que de acordo com a
teoria narrativa de Motta, é de fundamental importância observar dêiticos nos atos de fala, pois
estes fazem parte do plano da expressão e consisteem elementos linguísticos que indicam o espaço
físico, o tempo em que um enunciado é produzido, os participantes de uma situação do enunciado
(eu/tu/ele/nos), a hierarquia entre os sujeitos da enunciação e suas condicionantes na interlocução,
tais como suas identidades e intenções e as circunstâncias culturais, crenças, ideologias e
circunstâncias históricas em que o ato ocorreu.
No poema de Noémia de Sousa, ao observarmos os dêiticos de fala contidos no plano
da expressão, conforme afirma Gonzaga Motta, notamos a presença do pronome em primeira
pessoa (eu) unido ao pronome possessivo (minha). O eu-lírico, provido de existência real
assume sua identidade africana ao declamar seu amor pela nação africana: Ó minha África
misteriosa, natural! Minha virgem violentada! Minha mãe!
O uso da aliteração minha dá musicalidade ao poema e representa uma assunção
identitária do eu-poético, um reconhecimento de sua nação, violentada e abusada pelos
colonizadores, mas reconhecida por seus filhos.
Por outro lado, o uso da exclamação, de acordo com Bakhtin representa uma enunciação
valorativa que traduz sua exaltação pela nação africana. Na exclamação há uma força
ilocucionária, pois indica o teor de exaltação do eu-lírico à nacionalidade, à Mãe-África tão
desvalorizada pelo ocidente. No poema, observa-se um eu-lírico que outrora esqueceu sua
pátria, sofreu assimilação, esteve no entrelugar, mas reassumiu sua identidade étnica. Ele
ideologicamente busca desconstruir estereótipos e colonialidades estabelecidos na nação
africana. Por meio do uso do verbo no pretérito imperfeito (andava) é possível observar uma
condição do eu-lírico não mantida, ou seja, antes desvalorizava a Mãe-África, mas passou a
exaltá-la quando reconheceu suas raízes.
O uso da figura sonora [ó] de [ó minha África misteriosa] é uma onomatopeia que
representa graficamente sons e ruídos. Seu uso é muito comum no gênero poético, tem como
peculiaridade estilístico-composicional o uso de enunciados predominantemente conotativos e
expressivos que buscam preencher a ausência do recurso sonoro no texto escrito.
146

Ainda no plano da expressão, o uso das reticências denotam continuidade, indicam a


permanência de um ponto de vista e de um fato histórico, por exemplo, em “Meu princípio e
meu fim....” o eu lírico expressa o caráter sagrado e eterno da deusa-mãe- África, ela é o início
e o fim da criação, é eterna, pois o uso das reticências expressam que após o fim existe a
eternidade, ou seja, a deusa transcende a existência, ela é alfa e ômega, início e fim da
existência.
O uso da conjunção se subordinada a como (como se) indica um questionamento do eu-
lírico em relação ao suposto anonimato da Mãe-África que na verdade representa o grande berço
da humanidade, ele questiona estereótipos e denominações dadas a ela tais como, pagã, sensual
e mística e clama por seu perdão.
O ênfase dado às onomatopeias “dum-dum-dum-tam-tam-tam” no plano de expressão
dão força sonora aos enunciados, assim como musicalidade e expressividade ao poema,
juntamente ao uso da aliteração para que “para que eu vibrasse, para que eu gritasse, para que
eu sentisse! . O uso repetitivo da palavra Mãe, seguida de exclamação representa enunciados
exclamativos expressivos, vocativos, aclamações à grande Mãe-África.
No plano da estória, de acordo com a análise de Motta, a intriga se torna ponto
fundamental de observação. Desse modo, a intriga se instaura quando o eu-lírico questiona sua
condição de filho pródigo e decide assumir suas raízes africanas por meio da exaltação da
grande Mãe-África. Observa-se no plano da metanarrativa a busca de uma fundamentação
histórica para explicar a desvalorização da Mãe-África. Por meio do dialogismo intrínseco à
construção do enunciado, observa-se o eu-lírico argumentando contra as “vozes coloniais” que
constroem negativamente a imagem da negra africana e do matriarcado desde os primórdios da
colonização.
Bell Hooks descreve a experiência das mulheres negras escravizadas. A autora observa
que o sexismo sempre representou uma força opressiva nas vidas destas mulheres. O sexismo
institucionalizado, ou seja, o patriarcado, era uma parte integral da ordem social e política que
os colonizadores brancos trouxeram das suas terras da Europa e teve um impacto grave no
destino das mulheres negras escravizadas. A violação era um método comum de tortura, usado
para submeter as mulheres negras. Juntamente à violação, havia a docilização dos escravizados,
fato ironizado no poema de Noèmia de Sousa no trecho: Ó minha mãe África Magna, pagã,
escrava sensual, mística”. Os termos mencionados questionam estes estereótipos tão usados
desde a escravidão, uma vez que “A destruição da dignidade humana foi crucial para a
preparação do povo africano para o mercado de escravos, a remoção de nomes e status, a
147

dispersão de grupos para que não existisse linguagem comum e a remoção de qualquer sinal
visível de patrimônio africano” (HOOKS, 2010, p.18).
Quanto à mulher negra, era propriedade do seu dono, sendo obrigada a ser subserviente
a sua vontade. No ensino do fundamentalismo cristão, as mulheres eram retratadas como
sedutoras, trazendo o pecado ao mundo, por isso o uso do termo “escrava sensual” e “pagã” no
poema de Noemia de Sousa. A rememoração dos estereótipos tem como finalidade interrogar
sobre o papel exercido pela mulher negra, retrato da África, desde o processo colonizador.

A transformação da mudança da imagem da mulher branca como pecadora e


sexual para essa mulher branca senhora virtuosa ocorreu ao mesmo tempo que
a exploração sexual em massa das mulheres negras escravizadas – exatamente
ao mesmo tempo que a rígida moralidade sexual da Inglaterra Vitoriana criou
uma sociedade na qual a exaltação da mulher como mãe e companheira
subserviente aconteceu em simultâneo com a formação do massivo submundo
da prostituição. Enquanto os homens americanos idealizaram a natureza
feminina branca, assaltavam sexualmente e brutalizavam as mulheres negras
(HOOKS, 2005, p.25).

Bell Hooks no livro Não sou eu uma mulher afirma que foi a escravização do povo
africano na América que marcou o início da mudança do status social da mulher branca. Antes
da escravatura, a lei patriarcal decretou as mulheres brancas como seres inferiores, os mais
baixos da sociedade. A subjugação do povo negro permitiu-lhes, no entanto, desocupar essa
posição e assumir um papel superior. “Era na sua relação com a mulher negra escrava que a
mulher branca podia afirmar melhor o seu poder [...] se as mulheres brancas lutassem para
mudar o destino das mulheres negras escravizadas, sua própria posição social na hierarquia da
raça-sexo seria alterada”. (HOOKS, 2010, p.111)
Assim, para que a estrutura do apartheid fosse mantida, os colonizadores brancos,
homens e mulheres, criaram uma variedade de estereótipos para diferenciar mulheres negras de
brancas. Com isso, os racistas brancos e alguns negros que absorveram a mentalidade do
colonizador, caracterizaram a mulher branca como ícone da perfeita natureza feminina e
encorajaram as mulheres negras a se esforçarem para atingir este modelo usando a mulher
branca como modelo.
A dicotomia entre a mulher branca e a negra foi demonstrada na casa da senhora e do
senhor branco onde a mulher negra trabalhou como empregada doméstica. Destarte, os homens
brancos promoveram a hostilidade e divisão entre as mulheres brancas e negras por meio de um
sexismo institucionalizado, acatado até mesmo pela maioria das mulheres brancas que
148

alegavam, por meio da ideologia sexista, que as mulheres virtuosas não tinham impulsos
sexuais.
A autora afirma que os donos de escravos usualmente tentavam corromper as mulheres
negras, colocando-as como prostitutas. As escravas não podiam reclamar, muito menos resistir,
senão seriam penalizadas.

Havia atos de misoginia sádica de crueldade e brutalidade que iam muito além
da sedução- a violação, a tortura até o assassinato orgásmico e necrofilia. Há
uma atração pela perversão, pelo tabu, a associação à negritude com prazerosa
perversidade [...] pareceu haver uma medida de agressividade e até de sadismo
na sexualidade masculina. A passividade e a indefensibilidade pareciam ser
frequentes no realce da desejabilidade do objeto sexual, que era o que a mulher
negra representava para o seu dono branco. (HOOKS, 2010, p. 21)

A autora reitera que foram difundidos dois estereótipos para impedir o casamento inter-
racial entre negros e brancos: o estereótipo da mulher negra má e sexualmente perdida e o
estereótipo do violador negro. O estereótipo dos homens negros como violadores deixou de
dominar a consciência do público americano nos anos 70, porém perdurou o estereótipo da
mulher negra prostituta. Destarte, as imagens positivas das mulheres negras são aquelas que as
retratam como religiosas, sofredoras, figuras maternais que se sacrificam e se auto- negam em
prol dos que ama. Desse modo, muitos desses estereótipos afetaram a forma pela qual as
mulheres negras se autopercebiam.
Outro estereótipo bastante difundido, segundo Hooks, foi a noção de que as negras eram
todas criaturas sub-humanas masculinizadas devido a habilidade que tinham em sobreviver sem
a ajuda direta de um homem, além de sua capacidade em realizar tarefas que eram culturalmente
definidas como trabalho “másculo”. Com isso, foram denominadas “matriarcas” sem nunca
terem sido, na realidade, pois Angela Davis descreve que essa denominação é um termo que
ignora o profundo trauma que a mulher negra experimentou quando teve de desistir de
engravidar para servir ao interesse econômico desigual de servir aos senhores. O estereótipo da
matriarca foi empregado com o intuito de convencer as mulheres negras de que elas
ultrapassavam os vínculos da feminilidade porque trabalhavam fora de casa para prover apoio
econômico às suas famílias e por meio disso, elas desmasculinizavam os homens negros. Aos
homens negros foi dito que eram fracos, afeminados e castrados porque suas mulheres estavam
exercendo trabalhos servis.
Conclui-se, desse modo, que o caráter dialógico e heterogêneo do enunciado, citado por
Bakhtin, se materializa nas diversas abordagens da mulher negra escravizada, memória da Mãe-
África, oculta dos livros de história. O eu-lírico questiona esses estereótipos e busca elevar a
149

verdadeira matriarcalidade da África, para isso utiliza estratégias argumentativas, ironias,


repetições, onomatopeias e consegue, assim, elevar suas raízes culturais. O poema termina com
a repetição dos versos “Não posso, não posso renegar o sangue negro, o sangue bárbaro que me
legaste... Porque em mim, em minha alma, em meus nervos, ele é mais forte que tudo! Eu vivo,
eu sofro, eu rio através dele, Mãe! (SOUSA, 1975, p.151-152).
O uso constante de assonâncias, (Eu, eu) e de aliterações (em mim, em minha)
terminadas com o substantivo mãe, denotam a força elocucionária do enunciado que se propõe
a exaltar a Mãe-África, finalizando sua construção com um vocativo, uma aclamação a imagem
da deusa-mãe, vista pelo eu-lírico como uma virgem violentada, mas elevada ao patamar de
deusa pelos seus filhos.

ANÁLISE DE “MÃE PRETA” DE BRUNO DE MENEZES

Bento Bruno de Menezes Costa, ou literariamente, Bruno de Menezes, possui enorme


relevância social e acadêmica no que tange ao conjunto de sua obra. Os estudos sobre o literato
são vários e trazem discussões diversas acerca de sua poética, seu engajamento político e sua
vivência em prol da negritude e de uma literatura que revela as faces do sincretismo do povo
brasileiro. O poema abaixo faz parte da coletânea Batuque e será analisado a seguir:

Mãe Preta - Bruno de Menezes


No acalanto africano de tuas cantigas, nos suspiros gementes das guitarras,
Veio o doce langor de nossa voz, A quentura carinhosa do nosso sangue. És,
Mãe Preta, uma velha reminiscência. Das cubatas, das senzalas…Mãe do
Brasil, mãe dos nossos brancos? És, mãe preta, um céu noturno sem lua, mas
todo chicoteado de estrelas. Tu leites, que desenhou o Cruzeiro, escorreu num
jato grosso, formando a estrada de São Tiago… Tu que nas Gerais desforraste
o servilhismo, Tatuando-te com pedras preciosas, Que deste festas de
estrondar. Tu que criaste os filhos dos senhores, Embalaste os que eram da
Marqueza de Santos- Os bastardos do primeiro Imperador, E até futuros
Inconfidentes…Quem mais teu leite amamentou, Mãe Preta ? Luiz Gama?
Patrocinio? Marcílio Dias? A tua seiva maravilhosa sempre alimentou o ardor
cívico, O talento vivo e o arrojo máximo dos teus seios, Mãe preta, teriam
brotado o luar? Tu, que na Bahia alimentaste o gênio poético de Castro
Alves… No Maranhão, a glória de Gonçalves Dias? Terias ungido a dor de
Cruz e Souza Foste e ainda és tudo no Brasil, Mãe preta! Gostosa, contando
histórias de saci, ninando murucututu para os teus bisnetos de hoje! Contínuas
a ser a mesma Virgem de Loanda, Cantando e sapateando no batuque…
Quanto sinhô e sinhá moça chupou teu sangue, Mãe preta!!! Agora, como
ontem és a festeira do Divino, A Maria Tereza dos quitutes com pimenta e
com dendê…É, finalmente, a procreadora cor da noite, Que desde o
nascimento do Brasil te fizeste Mãe DE LEITE. Abençoa-nos, pois, àqueles
que não se envergonham de ti, que sugamos com avidez teus seios fartos,
150

bebendo a vida, E que nos honramos com teu amor. TUA BENÇÃO, MÃE
PRETA! (MENEZES, 2015, p.32-33).

Motta cita, conforme mencionado na análise anterior, a importância do uso de dêiticos


nos atos de fala, pois estes fazem parte do plano da expressão e expressam a literariedade dos
textos poéticos. No poema de Bruno de Menezes há o uso do pronome tu quando o eu-lírico se
refere à grande Mãe. O uso deste pronome demonstra o grau de intimidade expressa entre eu-
lírico e a grande deusa. Ele inicia o poema afirmando que o berço da humanidade é proveniente
da grande deusa-mãe africana, pois, da quentura de suas entranhas se originou também a nação
brasileira.
Mais adiante ele reitera, utilizando o pronome em segunda pessoa (tu és) nos versos “És
Mãe Preta, uma velha reminiscência” que a Mãe- África está no cerne da memória, ela originou
a nação brasileira e até mesmo foi mãe de leite dos brancos. Nesses versos é possível observar,
no plano da narrativa, o pensamento sincrético de Bruno de Menezes. O autor celebra o encontro
das “raças”, sem, no entanto, deixar de elevar a negritude. Aqui, a Mãe-África é a origem de
tudo, é a mãe das nações.
Ainda no plano da expressão, o eu-lírico afirma que a mãe preta é um céu noturno sem
lua. O uso simbólico do céu noturno sem lua denota a escuridão escondida por detrás da imagem
da Mãe-Preta, ela reflete a imensidão do céu, porém esse céu é escuro e sem brilho, ele
rememora as dores da mulher negra, violada por séculos e relegada à esfera do sensual, do
subalternizado, por meio do sexismo institucionalizado.
Para Eliade (2008), a lua é um astro que “cresce, decresce e desaparece” (ELIADE,
2008, p.127), está submetida à lei do devir, do nascimento e da morte. Como ela nasce e renasce
a cada fase, a lua é por excelência o astro dos ritmos da vida, símbolo da fertilidade e de
fecundidade, símbolo da regeneração. Mãe Preta é um céu sem lua, haja vista que até mesmo
seu direito à maternidade digna foi renegado pelo colonizador, ela foi usada como objeto sexual,
violada por séculos pelo colonizador, mas apesar da violação, a lua renasce “chicoteada de
estrelas”. A metáfora das estrelas reflete as muitas gerações provenientes da Grande Mãe
África, ela deu luz às nações do mundo.
O poema descreve o leite materno da Grande-Mãe gerando estradas, imperadores,
marqueses, inconfidentes, esse mesmo leite amamenta e revigora poetas como Castro Alves,
Gonçalves Dias e Cruz e Souza e assim representa a seiva que alimenta e o sangue que revigora
a nação brasileira. Mãe Preta se manifesta como griô, velha sábia que alimenta o mito, por meio
das narrativas orais. Ela narra histórias de saci, é também a mesma virgem santificada,
151

ressacralizada pela mitologia africana, ainda que sua sacralização não adentre nas mentes
colonialistas do Ocidente e na religião cristã, pois sapateia ritualmente no batuque do
candomblé e da umbanda e com isso reatualiza o mito e descoloniza o saber.
A intriga narrativa, dentro do plano da estória, é encontrada no confronto entre o caráter
sagrado e universal da Mãe Preta. Ora, vozes agregam seu valor, ora vozes o questionam, é uma
Deusa ou um Deus o padrão a ser seguido? O poema universaliza o sagrado feminino, a mãe
preta é quem nutre, quem cuida e quem sustenta a nação. Por fim, após sua ressacralização no
poema, o eu-lírico finaliza pedindo a bênção da Grande-Mãe. O uso dos enunciados
exclamativos expressivos e do vocativo, mãe, Tua Benção, Mãe Preta! conclamam a imagem
da grande deusa africana que subverte os padrões patriarcais e o sexismo institucionalizado e
assim, transcende padrões erroneamente instituídos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os poemas estudados buscaram representar a imagem da grande Deusa africana por


meio de mim-líricos que reconhecem sua negritude. O primeiro poema de Noèmia de Sousa
desmascara o processo colonizador que renegou o poder da grande deusa africana, levando-a
ao esquecimento e à substituição por um deus masculino. Nele, a Mãe-África desconstrói
estereótipos e se ressacraliza, ela reassume seu poder. Por outro lado, o segundo poema de
Bruno de Menezes eleva o poder da Grande-Mãe, sem, no entanto, se esquecer de sua
importância para a sobrevivência dos povos negros, indígenas e brancos no território brasileiro.
Nesse processo, vozes negras se reúnem, interagindo em um constante dialogismo, elas
se refugiam da máscara do silenciamento, conforme afirma Grada Kilomba. A máscara do
silenciamento e da docilização dos povos negros demarcaram o território colonial, desse modo,
as narrativas representam a desconstrução das fronteiras coloniais, elas ressignificam o papel
da (o) negra (o) na sociedade. Assim, transcender fronteiras coloniais significa também
ultrapassar colonialidades do saber e do poder e as narrativas são fundamentais nesse processo,
elas expressam as dores e denúncias de sujeitos e transfiguram novas crenças, valores e
nacionalidades e assim, deidades como a grande Deusa africana, a Grande-Mãe África
reassumem a posição uma vez roubada pelo patriarcado.

REFERÊNCIAS
152

BACHELARD, G. Instante poético e instante metafísico, em El derecho a soñar. FCE,


México,2005.
BAKHTIN, M. Marxismos e Filosofia da Linguagem – São Paulo: Hucitec, 2009.
BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: A Teoria do Romance – São Paulo:
Hucitec, 2002.
BARTHES, R. O Rumor da Língua – São Paulo: Martins Fontes, 2004.
ELIADE, M. Tratado de História das Religiões - São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FORD, Clyde.W. O herói com rosto africano – São Paulo: Summus, 1999.
HOOKS, B. Feminism is for Everybody. Cambridge, 2010.
HOOKS, B. Choosing the Margin as a Space of Radical Openness: from Yearnings: Race,
Gender and Cultural Politics, 1989.
HOOKS, B. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo. Plataforma Gueto, 2014.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação- Episódios de racismo cotidiano. Cobogó, 2019.
LIMA, Ivaldo Marciano de França. Todos os negros são africanos? O Pan-Africanismo e suas
ressonâncias no Brasil contemporâneo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
ANPUH • São Paulo, julho 2011.
LONDEIRO; Josirene Cândido, SILVA; Vinicius da. DO MATRIARCALISMO AO
PATRIARCALISMO: formas de controle e opressão das mulheres. Disponível em:
https://editorarealize.com.br/revistas/conages/trabalhos/TRABALHO_EV053_MD1_SA8_ID
48_21042016135430.pdf. Acesso em: 22 de fevereiro de 2019.
MAGALHÃES, Alessandra. Literaturas em diálogo com a história e a política. Rio de Janeiro:
Garamond, 2014.
MENDES, Soraia da Rosa. (RE)Pensando a Criminologia: Reflexões sobre um novo
paradigma desde a epistemologia feminista. Disponível em:
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/118 67/1/2012_SoraiadaRosaMendes.pdf Aceso em:
20 de fevereiro de 2019.
MENEZES, Bruno. Batuque. Belém, 2015.
MOTTA, Luís Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora UNB, 2013.
SANTOS, Donizeth. Representações da Mãe-África nas poesias moçambicana e afro-
brasileira- 2012.
SOUSA, Noémia de. Bibliografia. Maderazinco, Maputo, 2001. Disponível em Acesso em: 20
de abr. 2003.
______. Sangue negro. In. ANDRADE, Mário (org.). Antologia temática de poesia africana:
na noite grávida de punhais. Lisboa: Sá da Costa, 1975.
153

CAPÍTULO 14
A RELAÇÃO ENTRE O USO DE ÁLCOOL POR ADOLESCENTES E
ACIDENTES DE TRÂNSITO EM CAXIAS – MA

Pedro Henrique Medeiros Andrade


Bacharel em Enfermagem pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão
E-mail: pedro.medeiroscx@gmail.com

Kaio Germano Sousa da Silva


Bacharel em Nutrição pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão
E-mail: kaiogsds@hotmail.com

Ana Rosária Soares da Silva


Graduada em Letras/Português e Literaturas pela Universidade Estadual do Maranhão
E-mail: ana.rosaria@hotmail.com

Maria Eduarda Leal de Carvalho Santos


Bacharel em Enfermagem pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão
E-mail: eduardalealcs@gmail.com

Atalia Talita da Silva


Bacharel em Enfermagem pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão
E-mail: talitaatalia877@gmail.com

Celma Elita Martins Silva


Acadêmica de Educação Física pela Anhanguera
E-mail: elitadcoelho@hotmail.com

INTRODUÇÃO

O Brasil apresenta altas taxas de mortalidade decorrente de acidentes de trânsito, e em


sua grande maioria, proveniente de colisões motociclistas. Diversos fatores de risco interagem
para a ocorrência deles, como: velocidade (se tornando inapropriada ou excessiva), o uso de
álcool e drogas que atuam como coadjuvantes, a presença de um personagem vulnerável (como
crianças e idosos), más condições da estrada, além de alterações psicológicas que podem
interferir diretamente na atuação (como pensamentos suicidas, crises de depressão, atos
impulsivos relacionados a comportamentos violentos e destrutivos). Tem-se observado também
que uma grande quantidade é constituída de adolescente que atuam de forma irregular
154

provocando tais fatalidades (DAVOREN et al., 2016; PONCE et al., 2019; ROBISON et al.,
2020).
A presente pesquisa tem a pretensão de desenvolver um estudo sobre a relação entre o
uso de álcool por adolescentes e acidentes de trânsito em Caxias, município do estado do
Maranhão. Neste sentido, entende-se que o consumo de álcool reduz o reflexo corporal aos
estímulos externos. Além disso, grande parte dos acidentes de trânsito ocorre entre jovens e
adolescentes que não possuem habilitação e realizam a ingestão de bebidas alcoólicas (LOPES
et al., 2012).
No entendimento de Melo (2018) e Smailovic et al. (2019) recentemente pode-se
observar um aumento significativo no número de motocicletas e condutores de veículos, bem
como uma tendência decrescente na categoria de pedestres e um aumento da mortalidade em
todos os anos e em todas as categorias, especialmente para motocicletas e ocupantes de
automóveis. O aumento da taxa de mortalidade por acidentes de trânsito consiste em um
fenômeno mundial na última década, principalmente em países de baixa e média renda
A lei nº 9.503, de 23/09/97 que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
conceitua trânsito como o uso das vias terrestres por veículos, pessoas e animais, em grupos ou
isolados para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
Complementando, o Departamento de Informática do SUS (DATASUS) utiliza o conceito da
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde para
conceituar e classificar os acidentes de transporte (BRASIL, 1997).
Diante dessa realidade, este estudo tem como problemática: “Qual o impacto do uso de
álcool por adolescentes nos acidentes de trânsito?”. Desse modo, a pesquisa possui como
objetivo a caracterização da prevalência de acidentes de trânsito em adolescentes que realizam
o consumo de álcool, bem como a realização de um levantamento dos índices de acidentes de
trânsito entre pessoas com níveis de idades variados, além de analisar a relação entre a
incidência de AT e o uso de bebida alcoólica no município de Caxias – MA.
A escolha dessa temática se deu pelo fato de que o consumo de bebidas alcoólicas
aumenta consideravelmente as chances de um acidente de trânsito seja ele por meio de uma
colisão, atropelamento ou queda, no qual o consumo de álcool se caracteriza como responsável
pela redução da velocidade de reação aos estímulos externos, além de que o fator experiência
no trânsito se torna crucial para o desenvolvimento de um acidente. Cabe ainda ressaltar que
esse estudo é relevante para os mais diversos profissionais da saúde, bem como para a própria
população, tornando-se assim possível ampliar seus conhecimentos mediante os mais diversos
155

casos de adolescentes que acabam se envolvendo em um acidente de trânsito após o uso


irregular de bebidas alcoólicas.
O interesse de realizar esta pesquisa sobre a relação do uso de álcool e acidentes de
trânsito entre adolescentes no município de Caxias – MA, deu-se também pelo fato de
trabalharmos num hospital da cidade e termos percebido que este recebe continuamente casos
de adolescentes vítimas de traumas automobilísticos, provenientes de acidentes, colisões e
atropelamentos, índice esse que se apresenta em níveis elevados, no entanto em maior
quantidade em pessoas com faixa etária de doze até vinte anos, e em grande maioria,
demonstrando comportamento alterado devido ao uso de bebidas alcoólicas.

METODOLOGIA

TIPO DE PESQUISA

Trata-se de um estudo descritivo, documental, com abordagem quantitativa. O estudo


descritivo tem como por intenção analisar, registrar e fazer um julgamento dos fenômenos
observados, de forma que nesse tipo de estudo o pesquisador não pode vir a interferir na
ocorrência e resolução dos fatos, que foram observados (BARROS; LEHFELD, 2007;
POTTER; PERRY, 2013).
A pesquisa documental compreende o método que parte de um ponto no tempo em que
a pesquisa foi realizada, onde alguns eventos e processos foram analisados respectivamente, ou
seja, de um ponto no presente para o passado, com respeito ao seu significado para as histórias
de vida individuais ou coletivas, além de envolver a definição de grupos apropriados para
comparação, justificando os limites do tempo a serem investigados, checando a questão da
pesquisa e decidindo que fontes e documentos devem ser usados (DYNIEWICZ, 2009).
A pesquisa quantitativa é aquela em que se coleta e analisa dados quantitativos sobre
variáveis. Assim é possível identificar a natureza profunda das realidades, seu sistema de
relações, e sua estrutura dinâmica (FLICK, 2013).

LOCAL, PERÍODO DE COLETA E AMOSTRA

A pesquisa foi realizada no Complexo Hospitalar Municipal Gentil Filho que fica
localizado no município de Caxias, que está situada na região leste do estado do Maranhão a
156

374 km da capital maranhense, São Luís e 76 km da capital do Piauí, Teresina, com área
territorial em 2015 de 5.196,771 km².
De acordo com o hospital em questão, ele apresenta a capacidade de atender os mais
diversos pacientes do município e abrange a região (Aldeias Altas, Coelho Neto, São João do
Sóter, Buriti entre outros). Complexo Hospitalar Municipal Gentil Filho que fica localizado na
Rua Rio de Janeiro, na cidade de Caxias-MA, ressaltando que a unidade realiza
aproximadamente 300 atendimentos por dia. Foram parte do estudo as fichas dos pacientes
atendidos entre o período do dia 1 de agosto de 2019 a 31 de dezembro de 2019.

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO

Os critérios de inclusão foram: pacientes que tenham sofrido acidentes de trânsito entre
as datas de 1º de agosto de 2019 e 31 de dezembro de 2019.Os critérios de exclusão foram:
pacientes também que não possuam atendimento realizado no Complexo Hospitalar Municipal
Gentil Filho, fichas rasuradas ou que impossibilitem sua compreensão.

MÉTODOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Para a obtenção dos dados, foram utilizados questionários, prontuários, fichas


ambulatoriais, além da ficha de atendimento do Complexo Hospitalar Municipal Gentil Filho,
que contém dados como idade, sexo, cor da pele referida, procedência, horário de chegada na
unidade hospitalar, dia da semana e mês de atendimento, queixa principal de acordo com o
sistema orgânico comprometido, sinais e sintomas apresentados, antecedentes pessoais e
hábitos de vida, cor da classificação de risco ao final da avaliação realizada pelo enfermeiro,
setor de atendimento, perfil do usuário, circunstâncias de atendimento, demanda inadequada,
hipótese diagnóstica e exames solicitados.
Os dados foram coletados (atendimentos realizados conforme cada mês), depois
estratificados e em seguida analisados conforme CID (Classificação Internacional de Doenças)
de cada usuário, e depois foi realizado cálculo amostral para cada mês. Os dados foram
analisados em planilhas do programa Microsoft Office Excel for Windows, por meio de
estatística básica.

ASPECTOS ÉTICOS
157

A pesquisa acatou todos os aspectos éticos que envolvem os estudos dessa natureza,
conforme o deliberado pelo Conselho Nacional de Saúde, com o devido respaldo da resolução
466/2012. O presente estudo foi submetido à Plataforma Brasil e ao Comitê de Ética e Pesquisa
(CEP) do Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão – UNIFACEMA,
parecer: 3.896.266, aprovado com o CAAE: n° 28300620.2.0000.8007. Conforme a resolução
de n° 466/12, que tem o objetivo de garantir os direitos deveres dos participantes da pesquisa
(BRASIL, 2012).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme o resultado geral da pesquisa, foram analisados 457 prontuários hospitalares


e fichas ambulatoriais de pacientes que sofreram acidentes de trânsito, de forma que tiveram a
distribuição entre os meses de agosto a dezembro de 2019. Nos dados expostos na tabela 1,
pode-se observar que foram analisadas ao total de 36 fichas ambulatoriais, nas quais a maioria
destas se constituía de acidentes que ocorreram com indivíduos cuja faixa etária era entre 12 a
20 anos, com equidade de 58,3% da amostra, já entre 21 a 30 anos a quantidade amostral foi de
apenas 11,1%, logo, dentre os que possuem idade entre 31 e 40 anos o número amostral
correspondente foi de apenas 8,4%, e com um aumento, as pessoas entre 41 e 50 anos que
corresponderam com um valor de 16,6% dos casos estudados, apresentando 5,6% dos casos, as
pessoas com idade entre 51 e 60 anos, e com porcentagem zerada se apresentam os casos acima
de 61 anos.

Tabela 1. Demonstrativo dos acidentes de trânsito relacionados ao mês de agosto de


2019, (N=36). Caxias-MA.
Variável Frequência %
Idade Relativa
12-20 21 58,3
21-30 4 11,1
31-40 3 8,4
41-50 6 16,6
51-60 2 5,6
<61 0 0
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

Na tabela 2, correspondente ao mês de setembro, é visível o aumento na quantidade de


fichas ambulatoriais analisadas, pois se estabelece como finalizado o setor de pronto
atendimento hospitalar. Conforme o expositivo analisou-se 88 fichas, de forma que 43,2% da
amostra prevalecera os pacientes com idade entre 12 a 20 anos, número esse que decresce com
158

aqueles que têm idades de 21 a 30 anos, que é de 19,4%, com 15,9% as pessoas com idade entre
31 e 40 anos, já os pacientes com idade entre 41 e 50 anos possuem o número amostral de
10,2%, valor idêntico com aqueles que têm faixa etária entre 51 a 60 anos, e o valor de 1,1%
corresponde aos indivíduos que tenham acima de 61 anos.

Tabela 2. Demonstrativo dos acidentes de trânsito, relacionado ao mês de setembro de


2019, (N=88). Caxias-MA.
Variável Frequência %
Idade Relativa
12-20 38 43,2
21-30 17 19,4
31-40 14 15,9
41-50 9 10,2
51-60 9 10,2
<61 1 1,1
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

A tabela 3 relaciona a quantidade de fichas ambulatoriais com registro nos quais


constam 101 acidentes de trânsito do mês de outubro, com variáveis de gênero e idade, expõe-
se que esse resultado está relacionado à análise de todas as fichas, de forma que a amostra dos
pacientes com idade de 12 a 20 anos corresponde a 32,7% do valor total, já aqueles com idade
entre 21 a 30 anos, possuem 27,8% da frequência percentual do valor, os pacientes com idade
entre 31 e 40 anos apresentam uma explanação de 20,8%, maior que o valor exposto entre
aqueles com idade entre 41 e 50 anos, que é de 11,9%, os pacientes com faixa etária de 51 a 60
anos, evidenciam valor de 4,9%, e aqueles acima de 61 anos, compreendem apenas 1,9% de
representação total.

Tabela 3. Demonstrativo dos acidentes de trânsito, relacionado ao mês de outubro de


2019, (N=101). Caxias-MA.
Variável Frequência Relativa %
Idade
12-20 33 32,7
21-30 28 27,8
31-40 21 20,8
41-50 12 11,9
51-60 5 4,9
<61 2 1,9
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

Na tabela 4, pode-se observar que foram analisadas ao total 112 fichas ambulatoriais
correspondentes ao número de acidentes de trânsito ocorridos no mês de Novembro de 2019,
no qual, 23,3% representa o valor percentual da quantidade de pessoas entre 12 e 20 anos que
159

se envolveram em acidentes, com valor de 41,9% estão as pessoas com idade entre 21 e 30
anos, número esse que decresce em relação à quantidade de pacientes com faixa etária de 31 a
40 anos, que é de 18,8%, com idade entre 41 e 50, o valor representativo é de 9,8%, já aqueles
que possuem idade entre 51 e 60 anos, tem como valor característico 3,6%, e acima de 61 anos,
apenas 2,6%.

Tabela 4. Demonstrativo dos acidentes de trânsito, relacionado ao mês de novembro de 2019,


Variável Frequência Relativa %
Idade
12-20 26 23,3
21-30 47 41,9
31-40 21 18,8
41-50 11 9,8
51-60 4 3,6
<61 3 2,6
(N=112). Caxias-MA.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

Na tabela 5, foram observadas 120 fichas ambulatoriais, visto que as pessoas com idades
entre 12 e 20 anos apresentaram um percentual de 39,1% em relação ao total de acidentes
acorridos no mês de dezembro de 2019, entre os 21 e 30 anos, o valor cai para 27,5%, que
decresce à medida que a faixa etária parte para 31 a 40 anos, que corresponde apenas 9,1% do
valor total, assim como os pacientes que possuem idade entre 41 e 50 anos que expõem uma
parcela de 7,5%, as pessoas com idade entre 51 e 60 anos aumentaram significativamente em
relação ao seu antecessor, com uma taxa de 11,8%, e as pessoas acima dos 61 anos representam
apenas 5% do total da pesquisa.

Tabela 5. Demonstrativo dos acidentes de trânsito, relacionado ao mês de dezembro de


2019, (N=120). Caxias-MA.
Variável Frequência Relativa %
Idade
12-20 47 39,1
21-30 33 27,5
31-40 11 9,1
41-50 9 7,5
51-60 13 11,8
<61 6 5
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

No gráfico 1, têm-se uma representação geral dos dados analisados, a partir do mês de
agosto até dezembro de 2019, de forma que fez-se uma somatória total e sua divisão perante a
faixa etária amostral, como pode-se observar, foram coletados 165 fichas ambulatoriais, com
idades entre 12 e 20 anos, representando assim 36% no total dos dados presentes. A próxima
160

série de idades analisadas foi de 21 a 30 anos, tendo também grande representatividade, com
129 fichas ambulatoriais no total, portanto, apresentando um número amostral de 28%, já a
faixa etária de 31 até os 40 anos mostrou um total de 70 fichas analisadas, constituindo 16% de
todo o cálculo amostral, as idades de 41 até os 50 anos continuaram decrescendo, em vista que
o número de fichas ambulatoriais e prontuários examinados foram de apenas 47, fornecendo
assim apenas 10% de sua totalidade e com apenas 33 fichas observadas e constituindo 7% do
total das pesquisas ficaram as pessoas com idade entre 51 e 60 anos, e aquelas acima de 61 anos
representaram apenas 3% do total de acidentes, com 12 fichas avaliadas.

Gráfico 1. Demonstrativo do número de acidentes por faixa etária do período de agosto a


dezembro de 2019. (N=456). Caxias-MA.
3%

7%

10%
36% 12 - 20 ANOS
21 - 30 ANOS
16% 31 - 40 ANOS
41 - 50 ANOS
51 - 60 ANOS
<60 ANOS
28%

Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

Nesse enfoque, Andrade e Jorge (2016) e Rocha et al. (2019) demonstram que em suas
análises, as vítimas dos acidentes de trânsito ocorrem com mais frequência em jovens e adultos,
no qual essa situação pode ser explicada pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas, após isso,
se expõem ao risco de dirigir.
Muitas vezes o consumo de bebida alcoólica por adolescentes é influenciado pelo
próprio ambiente familiar, pois ele estimula o desenvolvimento da conduta e da personalidade.
Além disso, são influenciados também pelo grupo de amigos, por sentirem a necessidade de
serem aceitos (BENINCASA et al., 2018; FERREIRA et al., 2019).
Na tabela 6, apresenta-se o expositivo que relaciona o número de pessoas com faixa
etária de 12 a 20 que sofreram algum acidente de trânsito, com o número de adolescentes que
fizeram o uso de bebidas alcoólicas, em um período compreendido entre agosto e dezembro de
2019, de forma que, é possível observar que foram examinadas um total de 165 fichas
ambulatoriais, nas quais 93 abrangem pessoas que fizeram o uso de álcool, mostrando assim
uma amostra percentual de 53,3% da totalidade. Nos meses analisados, dezembro possui sua
161

maior quantidade com 47 acidentes de trânsito, destes, 34 são de adolescentes que consumiram
álcool, mostrando uma taxa de 20,6% do total analisado.

Tabela 6. Demonstração do número de adolescentes que consumiram álcool e se


envolveram em acidentes de trânsito no período de agosto a dezembro de 2019. (N= 165).
Caxias – MA.
N° de Acidentes de N° de adolescentes que %
Trânsito Relataram uso de álcool
Agosto 21 7 4,2
Setembro 38 16 9,7
Outubro 33 23 13,9
Novembro 26 13 7,8
Dezembro 47 34 20,6
Total 165 93 53,3
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

O uso do álcool com a ocorrência de acidentes e violências deixa claro que o seu uso
favorece a inclusão do indivíduo em comportamentos alterado, além do que, referem que jovens
que abusam de bebida alcoólica apresentam até três vezes mais chance de desenvolverem algum
acidente motociclístico, quando comparados aos que não fazem o consumo dessa substância
(SOARES et al., 2012; SANTOS, 2014).
O gráfico 2 e 3 constituem um comparativo, de forma que eles apresentam a disposição
dos dados obtidos entre o mês de agosto a dezembro de 2019, no entanto, expressando em
números a quantidade de homens e mulheres com faixa etária de 12 a 20 anos, acidentados entre
o período pesquisado, comparando assim com o número de pessoas com a mesma faixa etária,
que tenham realizado o uso de bebidas alcoólicas.
O mês de agosto teve apenas 21 acidentes de trânsito envolvendo pessoas com idade
entre 12 e 20 anos, dentre eles 16 homens (6 fizeram uso de bebidas alcoólicas) e 5 mulheres
(apenas 1 relata o uso de álcool), o mês de setembro teve um aumento, com 38 acidentes, sendo
31 homens (um total de 12 homens relatam o uso de bebidas) e 7 mulheres (um total de 4
confirmaram o uso de álcool), o mês de outubro verifica um total de 33 acidentes, com 22
homens (sendo que 18 ingeriram álcool) e 11 mulheres (apenas 5 descreveram o uso de bebidas
alcoólicas), no mês de novembro o número total de acidentes envolvendo adolescentes foi de
26, composto por 15 homens (10 referem o uso de álcool) e 11 mulheres (apenas 3 referem o
uso do álcool), em dezembro, o último mês estudado, apresentou-se um aumento perante o
número de acidentados, 47 no total, com prevalência de homens, com 39 indivíduos (28
constatam o uso do álcool) e apenas 8 mulheres (sendo que 6 relataram o uso de álcool).
162

Os adolescentes estão mais expostos, por conta que são movidos pela curiosidade e as
sensações de prazer, de forma que, apresentam-se com maior evidência no sexo masculino,
assim como a predominância no trânsito, explicado pelos mais diversos fatores, sejam sociais,
culturais e econômicos (ANDRADE; JORGE, 2016; MOISE, 2020). No Brasil, o risco de
acidentes com veículos associados ao uso de álcool pode ser considerado um importante
problema de saúde pública, com grande impacto na morbimortalidade (OLIVEIRA et al., 2020).

Gráfico 2. Expositivo do número de acidentes total do mês, com divisão de gênero.


Acidentes de trânsito envolvendo adolescentes
50 47
45
38 39
40
35 33
31
30 26
25 21 22
20 16 15
15 11 11
10 7 8
5
5
0
Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro
Total Homens Mulheres
Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

Gráfico 3. Expositivo do número de acidentes total do mês, entre adolescentes que


realizaram o consumo de álcool, com divisão de gênero.
163

Acidentes de trânsito envolvendo adolescentes que ingeriram álcool


40
34
35
30 28

25 23

20 18
16
15 12 13
10
10 7 6 5 6
4 3
5
1
0
Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro
Total Homens Mulheres

Fonte: Pesquisa de Campo, 2020.

CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu compreender o consumo de bebidas alcoólicas por


adolescentes, relacionando-as com acidentes de trânsito. Observou-se que o uso de álcool por
esta categoria, contribui consideravelmente para o aumento de acidentes de trânsito, tendo
aspectos como: inexperiência, a falta de habilitação e a imprudência, fatores condicionantes
para o desenvolvimento dessa causa.
O estudo ponderou a obtenção de todos os fins propostos, pois, possibilitou identificar
de forma mais abrangente todas as variáveis demonstradas estatisticamente nesta pesquisa, que
ainda há muito que melhorar em relação aos fatores diretos ou indiretos pautados entre os
pontos estudados, sendo eles, os adolescentes, acidentes de trânsito e a ingestão de bebidas
alcoólicas, onde se faz necessário a utilização de medidas que viabilizem a construção e
desenvolvimento de estratégias voltadas à melhoria da fiscalização diante das autoridades,
realizando as contenções cabíveis perante a lei, regulamentadas diante a “Lei Seca”.
Por fim, faz-se necessário desenvolver medidas de conscientização e combate ao uso
indevido de bebidas alcoólicas pelos adolescentes, e a elaboração de medidas de segurança
pública mais eficazes para combater essa prática, além do desenvolvimento de estudos mais
amplos e complexos, para que assim, seja possível a elaboração de políticas de educação em
164

saúde pública, que tenha como objetivo principal, minimizar o desenvolvimento dessa prática,
para obter, uma melhor perspectiva de vida e o bem comum em presença de todos.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, S. S C. A.; JORGE, M H. P. M. Estimativa de sequelas físicas em vítimas de


acidentes de trânsito internados no Sistema Único de Saúde. Rev. bras. epidemiol., São Paulo,
v.19, n.1, p. 100-111, 2016.

BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São


Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

BENINCASA, M. et al. A influência das relações e o uso de álcool por adolescentes. Rev.
Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog., [S.I.], v. 14, n. 1, p. 5-11, 2018.

BRASIL. Lei nº 9.503, 23 de Setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.


Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e


Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União:
Brasília, DF, 2012.

DAVOREN, M. P. et al. Alcohol Consumption among University Students in Ireland and the
United Kingdom from 2002 to 2014: A Systematic Review. BMC Public Health, [S.I.], v. 16,
n. 173, p. 1-13, 2016.

DYNIEWICZ, A. M. Metodologia da Pesquisa em Saúde para Iniciantes. 3. ed. São Paulo: Difusão
Editora, 2009.

FERREIRA, L. F. O. et al. Perception of adolescents about alcohol consumption. Rev Enferm UFPI,
[S.I.], v. 8, n. 2, p. 18-24, 2019.

FLICK, U. Introdução à Metodologia de Pesquisa: um guia para iniciantes. 1. ed. Porto Alegre: Penso,
2013.

LOPES, G. T. et al. Dinâmicas de criatividade e sensibilidade na abordagem de álcool e fumo


com adolescentes. Revis ta de Enfermagem, [S.I.], v. 20, n. 1, p. 33-38, 2012.

MELO, W. A. et al. Mortality trend due to traffic accident in young in the south of Brazil. Cad.
saúde colet., Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 360-368, 2018.

MOISE, I. K. Geographic gender differences in traumatic unintentional injury hospitalization


and youth drinking. Drug and Alcohol Dependence, [S.I.], v. 205, p. 1-35, 2019.

OLIVEIRA, J. B. et al. Alcohol use and risk of vehicle accidents: cross-sectional study in the
city of São Paulo, Brazil. São Paulo Med J., [S.I.], v. 138, n. 3, p. 208-215, 2020.
165

PONCE, J. O. et al. Comparison of traffic data and blood alcohol concentration among fatally
injured drivers in Norway and Sao Paulo, Brazil, 2005–2015. Traffic Injury Prevention, [S.I.],
v. 20, n. 7, p. 673-678, 2019.

POTTER, P.; PERRY, A. G. Fundamentos de Enfermagem. 8. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier,


2013.

ROBISON, T. et al. Screening for alcohol and substance use in pediatric trauma patients: A
retrospective review. J Pediatr Surg, [S.I.], v. 55, n. 5, p. 921-925, 2020.

ROCHA, M. B. et al. “Se beber, não dirija”: popularizando os efeitos do álcool em um evento
interativo. Interfaces - Revista de Extensão da UFMG, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 143-150,
2019.

SANTOS, R. O. M. Perfil epidemiológico dos acidentes de trânsito na cidade de Aracaju.


2014. 28 f. TCC (Pós-graduação) - Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Centro de
Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.

SMAILOVIC, E. et al. Factors associated with driving under the influence of alcohol. Traffic
Inj Prev, [S.I.], v. 20, n. 4, p. 343-347, 2019.

SOARES, R. A. S. et al. Caracterização das vítimas de acidentes de trânsito atendidas pelo


Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no Município de João Pessoa, Estado da
Paraíba, Brasil, em 2010. Revista Epidemiológica Serviço Saúde, Brasília, v. 21, n. 4, p. 589-
600, jan. 2012.
166

CAPÍTULO 15
HERANÇA MEMORIAL DO CONFLITO DO JENIPAPO

Evaniele Pereira Lages


Francisca Cibele da Silva Gomes
Sâmia Carislanda Melo da Silva
Verônnica Passos de Carvalho

INTRODUÇÃO

A memória situa-se como instrumento básico para relembrar o passado, com ela que
construímos nossa própria identidade, e nós constituímos no mundo, porém, não é possível
lembrarmos tal qual aconteceu apenas lapso do ocorrido, fragmentos que não se pode
reconstruir, podendo ser transmitida, segundo Pollack (p. 10, 1992) por meio da memória vivida
e herdada, respectivamente, a primeira refere-se aos acontecimentos vividos individualmente,
e o segunda relativa a fato que o indivíduo não presenciou, mas conheceu por meio da cultura
em que ele está inserido, construindo uma memória de pertencimento, conservada nas
lembranças permeadas em estruturas materiais ou imateriais como imagens, inscrições,
desenhos, documentos, monumentos, etc. que constitui a História de um povo. Segundo Paulina
Maria de Jesus e Francisco Alcides do Nascimento (2016, p. 213):

Os lugares de memória têm a função de representar, recordar e cristalizar


experiências vivenciados por pessoas em um determinado período, mas
também oferecem meios para entender um passado histórico ou ligar um
acontecimento do passado ao presente, como uma forma de legitimar
discursos, criar identidades, ou seja, identificar um determinado grupo.
(JESUS; NASCIMENTO, 2016, p. 213).

Sendo assim, a memória constitui a base para formação da História e consequentemente


a constituição do individuo dentro da sociedade. É um olhar para o passado ancorado nos
dilemas do presente, construído laços de identidade entre um individuo com o grupo. A
memória é seletiva de acordo com cada sujeito relacionado com a cultura em que está inserido,
são representações do passado que são modificadas pelos esquecimentos oriundos da ação do
tempo e das lembranças dos indivíduos que refletem os sentimentos, desejos e características
do presente, seriam então representações do que ocorreu, mas que foram interpretadas segundo
a lógica do presente.
O presente artigo foi desenvolvido com o intuito de ressaltar a herança da memória do
conflito do Jenipapo para a construção da história piauiense, enfatizando o legado da
167

reminiscência da própria população em relação a esse acontecimento. Pois, segundo, Delgado


(20006, p.6) “a memória ativa é um recurso para transmissão de experiência consolidadas ao
longo de diferentes temporalidades”. Sendo assim, a experiência rememoração baseia-se em
distintos momentos ao longo do tempo, podendo levar a lapsos de esquecimentos e incorporado
outras características no decorre do processo. O foco da análise baseia-se na relevância do
conflito para a consolidação da Independência do Brasil, como uma experiência regional de
insurreição e busca por liberdade, emancipação política e construção do nacionalismo.
A temática surgiu a partir da curiosidade em conhecer a História da Batalha do Jenipapo
e foi estimulada com a leitura da história em quadrinho, Foice e Facões do roteirista Bernardo
Aurélio e desenhista Caio Oliveira, este promoveu uma despertar em prós de mais de
informações sobre a mesma, pois a linguagem dos quadrinhos se tornou responsável pelos
primeiros passos para desenvolvimento dessa pesquisa, uma leitura até então movida apenas
por um prazer momentâneo, resultou em uma opinião sem incerteza de dar uma inicio a esse
projeto cientifico, dando certa responsabilidade a Biblioteca de História em Quadrinho criada
pelo Mestre em História Jordan Bruno localizada na UESPI núcleo Barras, que possibilitou a
leitura do exemplar da primeira edição, favorecendo uma construção de perguntas que apenas
seriam capazes de serem respondidas através de outras fontes, por isso essa produção, é
resultando em primeira estância de varias inquietações do suporto autores, somando a proposta
avaliativa da professora Mestre Andreia Andrade Rodrigues em trabalhar História do Período
Monárquico.
Nos estudos da história da Batalha do Jenipapo que foram realizados previamente antes
de dar início ao artigo, observou-se a necessidade de conhecer e investigar os conhecimentos
da própria história do conflito pela população de Campo Maior (local da batalha) e cidade
próxima de Barras (local onde está localizada a UESPI e onde estuda os autores do trabalho
acadêmico em questão), para investigar os motivos que levou falta de interesse dos cidadãos
pela memória da Batalha do Jenipapo e sua relevância para a identidade do Piauí, a partir de
uma analise quantitativa aplicando um questionário. Relacionando, também, ao objetivo de
identificar o papel das memórias em torno da Batalha do Jenipapo tendo em foco a formação
de uma identidade e registrar a relevância dos monumentos para a perpetuação das memórias a
cerca da Batalha do Jenipapo.
A Batalha do Jenipapo constitui-se como uma das manifestações em prós da
emancipação política brasileira após a Independência do Brasil em 1822. Quem diferente do
que se pensa a independência não foi um movimento pacífico e que terminou com no dia 7 de
setembro, quando D. Pedro deu grito às margens do rio Ipiranga conclamando liberdade e fim
168

da subordinação à metrópole portuguesa, mas um percurso histórico sangrento de luta e


resistência contra o domínio luso.

A PARTICIPAÇÃO DO POVO PIAUIENSE NA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

A Independência do Brasil, não foi uma mudança não estrutura sociopolítica brasileira
que se concretizou somente como a proclamação as margens do Rio Ipiranga, foi o resultado
de um percurso conturbado e violento que envolveu as regiões que constitui o país, em busca
de liberdade e autonomia de Portugal. Insuflar na população a unidade nacional foi só um desejo
que demorou em ser concretizado, tentado que custar a morte de muitos brasileiros que deram
a vida pela nação. O agitado período posterior à proclamação, recheado de conflitos, brigas em
torno de uma fragmentação territorial como na ex-colônia espanhola ocorrerá.
A diferença de como se deu a adesão das províncias do Brasil a independência foi
diferente, principalmente a discrepância entre as regiões do Norte e sul do país. Acentuada pelas
dificuldades de comunicação entre uma e outra, o que dificultava a expulsão dos portugueses
do território. Além do mais, a elite local estava fortemente ligada a Portugal e dominavam toda
a dinâmica política da época.
No Piauí, os portugueses, queria manter o domínio por se tratar, na época, de uma região
rica, que era conhecida por ser uma das maiores fornecedora de gado para as regiões do sul e
para o exterior. Fonte de riqueza para os lusos, que diante da eminente independência e após D.
João VI voltar a Portugal em 1821 e encontrar a região mergulha em problemas econômicos e
políticos, o rei português começa a articular um plano para manter o domínio no norte e nordeste
do Brasil, além disso, o Piauí era geograficamente uma posição estratégica, pois, ficava próxima
a duas províncias historicamente apoiadoras de Portugal, como Maranhão e Pará, nessa região
a resistência portuguesa a força da independência ganhariam folego. Diante do começo da
efervescência de ideais favoráveis à emancipação política pela elite piauiense, D. João VI,
nomeou, no dia 9 de dezembro de 1821, seu afilhado e veterano de guerra contra Napoleão
Bonaparte, o Major João José da Cunha Fidié como Governador das Armas do Piauí. Segundo
Neves (2006, p.59):

Julgava-se que a simples presença de um governador militar bastaria para


conter o impulso dos que pretendiam, na opinião da Junta,30 conturbar o

30 No dia 04 de fevereiro de 1822, recebeu o Governador Provisório uma portaria do Ministério de Estado dos
negócios da Marinha e Ultramar exigindo a formação de uma Junta Provisória do Governo, para auxiliar o
governador.
169

público sossego com arruaças e crimes. Mas a onda violenta das paixões
crescia, avolumada pelos escachôos dos ódios e desrespeitos e subia
grunhindo ameaças que tiveram a mais funesta consequência. Ainda não
estava declarada a luta e já as hostilidades se chocavam alarmantes e ruidosas.
Portugueses e brasileiros mediam-se, a distância, trocando mútuas
represálias... Fidié chegou a 8 de agosto e, no dia seguinte, empossou-se, no
meio do entusiasmo festivo de uns, e da retração cautelosa de outros. Como
era de prever, sua chegada trouxe uma trégua passageira, durante a qual a
província se manteve na expectativa dos seus primeiros atos. (NEVES, 2006,
p. 59).

Dessa forma, mesmo ante da Independência o Brasil, já passava por uma onda de
rejeição aos portugueses, considerados sinônimos de atrasos e empecilhos para o futuro da
região. E no Piauí não foi diferente, espalhou-se uma verdadeira guerra contra os lusos. Com a
vinda de Fidié entrou em um clima de apaziguamento dos ânimos raivosos.
A culminância da aversão aos lusos e o desejo pela emancipação política de Portugal no
dia 19 de outubro de 1822 quando a Vila de Parnaíba por meio de seus eleitores da paroquia da
Parnaíba, reunidos em número elevado no paço da Câmara programa a adesão a Independência
do Piauí de Portugal. Um dos líderes desse ato foi o alferes Leonardo de Carvalho Castelo
Branco e os maçons Simplício Dias da Silva e Cândido de Deus e Silva. Se os portugueses e
apoiadores de Portugal achavam que os piauienses estariam aéreos em relação à independência
pelo contrário como mostra Neves (2006, p.65):

[...] sabia-se de todos os acontecimentos que abalavam o Rio de Janeiro.


Sabia-se que, em Pernambuco, sangrava ainda o corpo das vítimas31, como
se sabia da viagem do Príncipe32 a Minas Gerais e a S. Paulo. Nem mesmo a
exposição do General Pedro Labatut, em auxílio dos patriotas baianos, era
desconhecida. (NEVES, 2006, p. 65)

Dessa forma, a independência foi sentida no Nordeste do país, sentida ao ponto de no


mesmo dia os piauienses líderes do movimento despachavam portadores da novidade para
Granja, Crato e Campo Maior, solicitando o apoio desta vila. Foi também nessa data que deu
início as festividades em comemoração a emancipação política, nada discreta. Contudo Portugal
não assistiu quieto o acontecimento, como afirma Neves (2006, p. 66):

[...] Portugal não pretendia cruzar os braços diante dos fatos, e o Piauí, por sua
situação geográfica, era um magnífico posto estratégico donde Pernambuco,
a Bahia e o Ceará seriam atacados. Desde que esta Província recebesse força
bastante para invadir as províncias limítrofes, em vão tentariam elas uma
resistência inútil, podendo ser feridas de uma vez e em diferentes pontos. O
bloqueio dos portos secundaria a ação das forças de terra e a emancipação
correria iminente o risco de ser jugulada. (NEVES, 2006, p. 66).

31 Referencia a Revolução Pernambucana de 1817.


32 Referência a D. Pedro.
170

Diante dos acontecimentos e comunicado da declaração ocorrida em Parnaíba que


rompeu as amarras do Piauí com Portugal, Fidié parte em direção à região no dia 13 de
novembro de 1822 com um exército de 1.500 homens, deixando Oeiras desprotegida. No dia
18 de dezembro de 1822, Fidié chegou a Parnaíba e encontrou a região quase deserta e sem
resistência. Os líderes do movimento e os demais revoltosos fugiram após saber da notícia do
numeroso exército que vinha ao comando de Fidié.
O primeiro choque entre as tropas portuguesas e piauienses ocorreu no dia 10 de março
de 1823, na vila de Piracuruca. Nas proximidades da Lagoa do Jacaré, encontraram uma força
cearense de 60 anos. Houve troca de tiros e as tropas de Fidié fugiram, deixando um dele, que
foi morto pelos patriotas.
Informado da adesão da capital piauiense a Independência, Fidié sai de Parnaíba rumo
a Oeiras para retomar o poder. Neves (2006, p. 145-146) caracteriza os combatentes dos
patriotas sendo:
E só loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iam partir ao
encontro de Fidié quase desarmados. As poucas espingardas tinham sido
distribuídas aos cearenses. Os piauienses, estes conduziam velhas espadas,
fações, chuços, machados, foices. De nada valia, contudo, para eles as faltas
de armas tão sugestionadas iam com a certeza do triunfo. Ninguém pensava,
aliás, na possibilidade de morrer. Todos sonhavam a glória do regresso à frente
da turbamulta sem fim dos prisioneiros. (NEVES, 2006, p. 45-146).

Como esse orgulho patriota que os piauienses foram ao encontro de Fidié e sua tropa,
marchado rumo às margens do rio Jenipapo, os revolucionários esconderam-se no próprio leito
do rio, que estava seco por causa da falta de chuva. Segundo Furquim (2011, p.20-21):

Ao raiar do dia 12, as tropas independentes, com cerca de dois mil


combatentes, composta por mais de mil piauienses de todas as classes sociais,
especialmente de vaqueiros e roceiros, alguns maranhenses e o restante
cearense, sob comando geral do capitão Luís Rodrigues Chaves, perfiladas em
frente da Igreja Matriz de Santo Antônio do Surubim, comandadas pelo som
marcial de uma corneta, marchavam em direção ao mesmo rio. Vindo na
direção oposta 1.100 soldados profissionais e bem-preparados para o combate,
alguns com experiências nas guerras europeias, comandados por Fidié,
marchavam em direção ao mesmo rio. O exército do comandante português
contava com um pelotão de cavalaria, onze peças de artilharia, carabinas e
espadas. (FURQUIM, 2011, p. 20-21).

As tropas patriotas eram, em sua maioria, homens simples que não tinha contato com os
treinamentos militares e encontram um grupo de soldados treinado para o exercício da guerra.
Parecia loucura mais era justificado pelo patriotismo que emanava da sua coragem para
enfrentar o exército luso. A estratégia utilizada para o enfretamento foi sobre comando de
171

Rodrigues Chaves que mandou patrulhar a estrada da direita, enquanto mantinha homens em
posição na estrada da esquerda. Por lá descia um pelotão de cavalaria de Fidié, destacado dos
demais integrantes do corpo de guerra português. Ao avista os patriotas abriu fogo contra eles.
Ao ouvir os tiros os demais não atenderam ao comando, abandonaram a posição defensiva e
foram ao ataque para o local dos disparos. Contudo, a cavalaria portuguesa retrocedeu temendo
enfrentar um combate sem saber quantos homens teria a frente. Quando os piauienses chegaram
não havia nada de cavalaria.
Fidié resolveu aproveitar-se do desespero brasileiro e assim transferiu suas tropas para ao
lado oposto do primeiro conflito, conseguindo estabelecerem uma posição favorável e defensiva
que antes era dos revolucionários, sendo tarde para rebelados para uma reação depois dos
equívocos, pois os 1100 portugueses estavam armados de granadeiros e 11 peças de artilharia
dispostos a apertar o gatilho. Segundo NEVES (2006, p. 148):

A fuzilaria e as peças varriam o campo. Que podiam fazer, armados de chuços


e foices, espadas e facões, espetos e espingardas velhas, contra a artilharia e o
armamento novo do chefe lusitano (colocar um ponto de interrogação) muitos
vieram morrer à boca das peças, com um desamor pela vida, que pasmava os
soldados, pouco afeitos a semelhantes atos de heroísmo! (NEVES, 2006, p.
148).

A desigualdade dos armamentos utilizados ajudou os portugueses a provocarem


matança rápida e como mais vítimas do lado dos piauienses. Segundo Neves (2006, p. 148): “E
o cansaço dominou-os primeiro que a consciência da derrota. As armas caíam-lhes das mãos
trêmulas. As pernas anquilosavam-se- lhes. O peito afarvalhes. Já não combatiam, arrastavam-
se para morte”.
Uma batalha que culminou em uma quantidade de morto que não se sabe ao certo, se
originou em torno de cinco horas de combate, mas precisamente das nove da manhã às duas da
tarde. Se configurando apenas como confirmação de que a vitória do comandante português
teve uma sensação de derrota, em virtude do saque de seus mantimentos mandados para o
Estado do Ceará. Assim os sertanejos perderam no campo, mas puderam deixar à tropa inimiga
a deriva da sorte, sem reserva de água, comida, roupa, armas e munições. Ao refletir o cenário
do fim do conflito destacado por Carvalho (2016, p.149) “o campo nas proximidades do rio,
mesmo encontrando-se ressequido pela seca, agora se encontrava regada pelo sangue e pelos
sonhos de muitos brasileiros anônimos que sucumbiram naquela luta” percebe mais do que uma
loucura e sim, um exemplo de bravura patriótica, que mesmo sem chance de vencerem lutaram
sem medo pela independência até as suas últimas forças, revertendo em suas mortes.
172

Desta forma, ao anoitecer do dia 13 o líder das tropas português marcha ao redor das
terras de Campo Maior sem ânimo e confiança para tomar a Vila ao seu poder, sendo o roubo
da bagagem o responsável pela decisão de não enfrentar um novo combate sem reservas, se
recrutando na fazenda Tombador, localizado nas a proximidades do local de conforto. Uma
estadia de duração de três dias, servido para descanso, recuperação dos homens feridos e
sepultamento das baixas, concluído que não havia como deter e reverter à onda das ideias
revolucionárias, assim partiu em direção ao rio Parnaíba com destino a Caxias no Maranhão
controlada pelos portugueses, desistindo de prosseguir para capital Oeiras.

ANÁLISE DE DADOS QUANTITATIVOS

A presente pesquisa é oriunda da análise quantitativa, sendo a mesma capaz de expor


uma visão mais ampla da realidade pesquisada e fornecer os subsídios necessários para uma
interpretação, onde abrange responder as dúvidas e inquietações iniciais. No entanto o uso da
tal requer uma compreensão e reflexão para saber manusear os dados em prol de uma análise
verídica, assim segundos os autores Falcão e Régnier (200, p. 232) a quantificação propicia “a
informação que não pode ser diretamente visualizada a partir de uma massa de dados poderá
sê-los se tais dados sofrerem algum tipo de transformação que permite uma observação de um
outro ponto de vista”.
Desde modo o campo desenvolvido contou com a possibilidade de fazer um
levantamento de fins analíticos sobre as heranças da memória da Batalha do Jenipapo
atualmente, além destacar a importância desse conflito para processo de independência
brasileira. Sendo dividida da seguinte forma: 07 perguntas objetivas consecutivas, destinado a
20 entrevistados agregando as seguintes cidades: Campo Maior, José de Freitas, Nossa Senhora
dos Remédios, Barras e Cabeceiras, onde a junção dos questionários realizada contabiliza em
montante de 100 entrevistados, valendo ressaltar que é 20 entrevistados de cada cidade
englobando desta forma um público geral. A seguir será divulgada a perspectiva análise do
questionário realizado com a população, onde as observações dos gráficos foram feitas a partir
do entrelaço de todas as cidades envolvidas na pesquisa.
Como se observa no conjunto de regiões analisadas 57% afirma conhecer o conflito
citado, porém ao indagar de onde vinha este conhecimento à resposta mais frequente era através
da escolar, diante disso é notório que o interesse individual pelo fato ocorrido não se mostra
presente, tornando o conflito ocorrido em Campo Maior, apenas mais um conteúdo da grade
curricular de historia, esquecendo-se de valorizar a participação desses homens comuns que
173

foram se jogar a morte em um campo de batalha contra uma tropa treinada em pros do sonho
de viver em país independente. Ao observar que 33% apenas ouviram comentários, expõem a
conclusão que mesmo havendo um tímido debate a acerca dela, ainda é vista de forma comum,
sem a preservação dos paradigmas da importância de se buscar conhecer a sua própria história,
pois a construção da memória como destaca Pereira (2001, p.20) “está estreitamente vinculada
ao acesso a informações, que por sua vez está vinculada à organização dos seus suportes
materiais”.
A maioria totalizado em 79% afirma que está conflito foi trabalhando durante o seu
percurso escolar e destacam que foi transmitida como um conflito muito importante, entretanto
não tiveram uma absolvição do que de fato se foi a Batalha do jenipapo, assim julga-se certa
ineficácia do meio educacional por não conseguir desenvolver uma aprendizagem cognitiva,
aonde o ensino seja voltado para conhecimento critico. Embora as escolas piauienses trabalhem
a batalha no seu dia a dia escola, não consegue promover no ensino de história esse elo presente
e passando, ficando as memórias presa nos livros, como a firma Barros e Amélia (2009. P. 57)
“deletou ao arquivo a função de mantê-la viva, de forma a desacelerar o desaparecimento de
sinais do que se deseja manter, em face da necessidade de lembrar”.
62% da população teve uma margem de acertos, sendo assim os outros 38% não
reconhece que essa luta foi ocorrida em Campo Maior. Vale salientar que os 20 entrevistados
de Campo Maior e de Cabeceiras tiveram sua margem de acertos total. Apesar da menor
quantidade de pessoas que não sabem a localização do conflito, é preocupante que haja tanto
desconhecedoras de uma informação considerada simples, podendo ser correlacionando com o
contexto que esse entrevistado está inserido, levando em conta que em Campo Maior há uma
política de valorização a data, por ser a sede do conflito, no entanto Cabeceira impressionada
por se diferenciar das demais, evidenciando assim que a memória é uma construção de acordo
Moreira (2005, p.1) “psíquica e intelectual que acarreta de fato uma apresentação seletiva do
passado, que nunca é somente aquela do individuo, mas de um indivíduo inserido num
contexto”.
Como mostra grande parcela dos entrevistados não tem conhecimento da Lei Estadual
n°5507, de 17 de novembro de 2005 que declara a data do conflito a ser estampada na bandeira
do Piauí, vale ressaltar o total de 75% dos abordados demostravam insegurança em responder,
em sua maioria afirmavam esta “testando a sorte”, ou seja, respondendo de maneira aleatória,
sem apresentar nenhum conhecimento prévio, evidenciando a ineficiência da divulgação da lei
programada com intuído de corresponder às reivindicações da classe acadêmica de dar maior
importância e reconhecimento da batalha do dia 13 de maio de 1883. No entanto mesmo com
174

as iniciativas os dados colhidos em 68% de erro demostram que a maioria da população


permanece sem saber de sua existência.
Como demostrar acima são 64% que puderam conhecer pessoalmente o monumento em
homenagem a Batalha do Jenipapo, sendo desde total 90% por fim escolar e os demais 36%
alegam não ter tido oportunidade, destacando desde questões econômicas até problema de falta
de tempo. Assim observam a importância da escola no desenvolvimento de caminho fornecedor
de conhecimento histórico e na valorização das memórias em torno da história, busca-se
aproximar através da visitação ao local conhecidos pela luta heroica, sendo o monumento uma
parte viva dessa história, segundo Choay (2006, p. 16) “o monumento tem por finalidade fazer
reviver um passado mergulhado no tempo”. Neste caso tem o papel de relacionar a memória
viva e o tempo. Mesmo tendo sido construindo em 1973, Memorial em homenagem aos heróis
Jenipapo permanece anônimo para alguns, como consta na porcentagem de 36%.
O conhecimento histórico sobre a batalha do jenipapo ainda se encontra muito vago,
somente 36% dos entrevistados souberam responder à pergunta em questão, ressaltando
também que grande parte dos envolvidos que souberam explicar foram os próprios da cidade
de Campo Maior. Destacando o quanto a história da Batalha do Jenipapo é negligenciada na
sua integra, mesmo no próprio Estado ainda se percebem uma falta de curiosidade e estímulos
para serem conhecendo da contribuição piauiense no processo de Independência. Construindo
uma gama de cidadãos incapaz de entender audácia desses homens ao enfrentar a tropas de
Fidié e alienado a visão dos livros didáticos que trabalham a Independência como um ato horada
e belo do D. Pedro. Embora descreva Furquim (2011, p.10) “O processo de separação de
Portugal mobilizou todo o Brasil. Custou muito sangue e sacrifício nas regiões Norte e Nordeste
onde milhares de pessoas pegaram em armas e morreram na Guerra de Independência”.
Prevalecem os registros os acontecimentos do dia 7 de setembro de 1882.
Neste gráfico, analisa-se que existe o desejo da transmissão desse legado histórico e que
a população do Estado do Piauí se sinta construtora da nossa Independência, sendo possível
com o apoio dos governantes ao trabalharem as memórias como fator de construção da
identidade do Estado, usando de variados meios, entre as sugestões mais impressivas do público
seria tornar a data um feriado Estadual. Esse 95% mostram uma consciência na importância da
preservação do marco histórico e do papel do Estado nesse processo. Todavia, a realidade
abrange uma política de descaso pela história de um povo, deixando a auxílio do tempo as
memórias. Assim, salientar Moreira (2005, p.1): “A Memória no sentido primeiro da expressão,
é a presença do passado”.
175

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto a herança memorial da Batalha do Jenipapo nas regiões pesquisadas


os entrevistados em sua maioria conhecem superficialmente a história e consideram importante
para que tenha mais visibilidade dentro do Estado, e que deveria, por parte do governo e a
sociedade, desenvolver projetos que vão além do ambiente escolar, como por exemplo, um
feriado Estadual.
Em relação aos resultados obtidos como os dados, Campo Maior destaca-se ao conhecer
a história do ocorrido, em razão das políticas públicas do Município que criou um feriado, a
própria batalha ocorreu na região e no local do conflito foi feito um monumento, seria uma
forma de manter viva a memória, onde os visitantes podem conhecer os objetos que foram
encontrados ao longo do tempo, ver pinturas sobre o acontecimento, pesquisar o histórico e
trajetória dos eventos que levaram o conflito, além do próprio ocorrido em si. Levando aos
pesquisadores, estudantes e público em geral que vão conhecer a construção arquitetônica em
memória debruçasse e análise as particularidades do acontecimento que são resultados de
pesquisa, relatos de memorias sobre o ocorrido.
Dessa forma, apesar da memória da Batalha do Jenipapo se constituí de enorme
relevância para construção do povo piauiense, essa concepção fica presa nas intuições escolar
e alguns grupos isolados da sociedade, sendo tratada em maior parte do meio dos entrevistados
com mais um conflito, desconhecendo a essência do ato e ficando a margem do papel do13 de
maio 1883 para processo de independência do Brasil.

REFERÊNCIAS

AURÉLIO, Bernardo; OLIVEIRA, Caio. Foices e Facões. A Batalha do Jenipapo. Teresina:


Núcleo de Quadrinhos do Piauí, 2009. 202p.
BARROS, Dirlene Santos; AMÉLIA, Dulce. Arquivo e memória: uma relação indissociável.
Campinas: TransInformação, 2009. Disponível em: < http://periodico.puccampinas.edu.b
r/sur/index.php/transinfo/artide/view/518/498>. Acesso em: 17dez. 2018
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de Carvalho. A Batalha do Jenipapo no contexto das
lutas pela emancipação política no Norte do Brasil. Revista do departamento de História e
do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI. Teresina, v. 5, n. 2, jul./dez.
2016.
CHAVES, Monsenhor. Obra completa. Teresina: Fundação Municipal de Cultura Mons.
Chaves, 2013. 639 p.
CHOAY, Françoise. A alegria do Patrimônio; tradução de Luciano Vieira Machado. 3 ed. São
Paulo: Unesp, 2006.
COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia Histórica do Estado do Piauí. 2. ed. Teresina: APL;
FUNDAC: DETRAN, 2012. 510 p. vol. 2 (Coleção Grandes Textos-vol. 9).
176

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral-memória, tempo, identidades. Belo


Horizonte: Autêntica, 2006.
FALÇÃO, J. T. da R; REGNIAR, J. Sobre os métodos quantitativos na pesquisa em ciências
humanos: riscos e benefícios para o pesquisador. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Brasília, v. 81, n. 198, p. 229-243, maio/ago. 2000.
FURQUIM, Gabriella Furtado. Batalha do Jenipapo: memória da guerra de Independência
Piauí. Orientador: Paulo José Cunha. Brasília (DF): Universidade de Brasília (UnB), Faculdade
de Comunicação (FAC), Departamento de Jornalismo (JOR). Dezembro de 2011.
GOMES, Laurentino. 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco
por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil-um país que tinha tudo para dar errado. Rio de
Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2010.
JESUS, Pauliana Maria de; NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Representações discursivas
em torno de um acontecimento: História e memória da Batalha do Jenipapo. In:
NASCIMENTO; Francisco Alcides de Sousa; SILVA; Rodrigo Caetano; SILVA, Ronyere
Ferreira da(Orgs.). História e Cultura: trajetos singulares. Teresina: EDUIFPI, 2016.
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I, um herói sem nenhum caráter. Companhia das Letras, 2006.
(coleção: perfis brasileiros). Disponível em: <https://bibliotecaonlinedahi
sfj.files.wordpress.com/2015/02/isabel-lustosa-d-pedro-i-um-heroi-sem-nenhum-carater.pdf>.
Acesso em: 19 dez. 2018.
MACHADO, Zethe Viana. A Batalha do Jenipapo e sua importância para a Independência
do Brasil. Disponível em: <https://www.acessepiaui.com.br/ck
finder/files/Batalha%20do%20Jenipapo.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2018.
MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira. História e Memória: algumas observações. 2015.
Disponível em: < http: //pablo.deassis.net.br/wp-content/uploads/Hist%B3ria-eMem%C3
%B3ria.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2018.
NEVES, Abdias. A Guerra do Fidié. 4. ed. Teresina: FUNDAPI, 2006. 335 p.
NUNES, Odilon. Pesquisa para a História do Piauí: lutas partidárias e a situação da
Província. Em busca de organização escolar e trabalho...Teresina: FUNDAPI; Fund. Mons.
Chaves, 2007. 344 p. (Coleção Grandes textos, v. IV).
PEREIRA, Fernanda Cheiran. Arquivos, memória e justiça: gestão documental preservação
de acervos judiciais no Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/ha
ndle/10183/31152>. Acesso em: 17 dez. 2018.
177

CAPÍTULO 16
A IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA PRÁTICA DE
ALFABETIZAÇÃO PARA OS ANOS INICIAIS

Poliana dos Santos Silva¹


Roberto da Silva²
Ana Paula dos Santos Silva³
Bruno Costa da Silva4

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como proposito levar a reflexão sobre: A importância do


letramento na prática de alfabetização para os anos iniciais. O projeto tem como finalidade em
fazer uma abordagem teórica, onde serão enfatizadas algumas conexões de letramento que é um
processo na qual ocorrem juntos que é o método de alfabetizar letrando. Sendo de suma
importância para os docentes que trabalham nos anos iniciais do Ensino Fundamental em ter
um domínio nos conceitos de Alfabetização e Letramento, onde é a base essencial para que os
mesmos possam entender como é o processo de letramento com as atividades em sala de aula
com os seus discentes na medida em que eles estão sendo alfabetizados e ao mesmo tempo
letrados.
A alfabetização é todo um processo de aprendizagem onde a criança desenvolve o ler e
o escrever, apenas, na qual começa todo o procedimento da escrita e da leitura sendo assim a
criança começa a dar entrada no mundo da escrita que se dá pela aprendizagem na modalidade
de linguagem verbal e oral, que por fim vai ser observado por meio do diálogo. A alfabetização
está vinculada no processo em que a criança aprende os elementos que compõem a sua escrita,
ou seja, é o desenvolvimento de suas competências quanto à sua memorização do alfabeto, o
reconhecimento das letras e as ligações entre as sílabas para a formação das suas primeiras
palavras, utilizando-as para colocar em prática e usufruir na leitura e da escrita dessas sílabas.
Já o letramento, por sua vez é designado na capacidade de suas competências para que o
discente possa adquirir a partir de uma função social de leitura e escrita no que diz respeito em
um contexto mais amplo, além da aprendizagem das letras e símbolos escritos, aprender a ler e
escrever requer compreender o mundo, o tempo, o espaço e a realidade em torno de si.
Sendo assim este estudo tem como objetivo contribuir de uma maneira positiva e de
forma eficaz para a educação no processo de alfabetização e letramento, enriquecendo a
dinâmica das relações sociais em sala de aula que é de suma relevância para o processo escolar
178

da criança ao longo de sua educação, aprendendo a ler e escrever, adquirindo assim,


conhecimento para o resto da vida. Mais especificamente foca:

• Analisar quais conceitos e métodos é adequado para o ensino e a aprendizagem em


ordem alfabética.
• Identificar as dificuldades de educadores e estudantes no processo de alfabetização.
• Compreender a importância da alfabetização e do letramento no desenvolvimento de
cidadãos críticos e reflexivos.
• Desvendar como os materiais de leitura ajudam seu filho nos principais aspectos da
aprendizagem no jardim de infância.
• Fornecer conhecimento e histórias infantis não é apenas uma forma de se divertir ou
distraírem-se as crianças, mas também uma forma de aprender conhecimento e treinar
novos leitores.
• Promover a troca de teoria e prática por meio dessa pesquisa, apontar alternativas
metodológicas, pois a leitura auxilia as crianças da Educação Infantil no processo de
ensino sobre o assunto, esclarecendo que ler histórias infantis não é apenas uma forma
de divertir ou entreter as crianças, mas aprender conhecimentos e treinar novos
leitores.
É sábio dizer que a educação é a maior herança que todas as famílias devem deixar
para os seus filhos na qual deve prolongar-se por toda vida afim, de compreender a sua
realidade e situar-se como educador transformador de conhecimentos no mundo em
que está inserido.

A IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA PRÁTICA DE ALFABETIZAÇÃO PARA


OS ANOS INICIAIS

• Alfabetização
• Letramento
• Dificuldade entre à Alfabetização e o Letramento
• Como transformar um educando alfabetizado em letrado

A aprendizagem no processo de escrita deve ser iniciada antes mesmo que a criança
frequente o espaço escolar, a criança precisa ser inserida no mundo letrado de uma forma sutil
e orgânica, seja visualizando objetos em casa ou até mesmo vendo seus pais conversando, que
os pequenos já começam a falar algumas palavras, porém, é na escola, mediante conhecimentos
sistematizados, que são alfabetizados e letrados. Para tanto o processo de alfabetização se dá
por ciclos que tem como objetivo fundamental em todo o percurso do Ensino Fundamental
conforme a divisão abaixo:

• A introdução do Maternal até o Infantil II


• O básico do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental
• A consolidação do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental
• Ampliação do 6º ao 9ºano do Ensino Fundamental.
179

Vale ressaltar que esses ciclos podem não se aplicar para alguns estudantes, pois cada
criança tem um ritmo para ser alfabetizada e letrada na qual eles precisam ser respeitados pelo
o mediador para que o seu aprendizado aconteça. Destacando outros pontos a serem levados
em consideração para o planejamento das aulas, são três tipos de desenvolvimento que
acontecem junto ao processo de alfabetização e letramento. São elas:
• Desenvolvendo a consciência fonológica
• Por meio da Psicogenética
• Promovendo o conhecimento das letras.

COMO TRANSFORMAR UM EDUCANDO ALFABETIZADO EM LETRADO

Além disso, esse processo de aprendizagem visa a contribuir para a alfabetização das
crianças no meio letrado de diversas formas, antes que ela aprenda efetivamente a ler e a
escrever. O intuito disso é tornar a leitura e a escrita em uma sequência de atividades que
são promovidas pelos pais e pela pré-escola. Assim, a criança terá um relacionamento e uma
afinidade maior com o mundo da escrita e da leitura e, assim, reconhecerá as palavras por
meio destas ações lúdicas do dia a dia visando em alcançar os objetivos propostos para o
processo de alfabetização por meio do letramento que caminha lado a lado na perspectiva de
alfabetizar.
Se esse hábito não existe para fazer parte de seu cotidiano, é inútil alfabetizar e deixar
que as crianças aprendam. Portanto, lembrar algumas palavras não é saber ler nem escrever,
assim como a criança sabe que as letras só são inúteis como expressão na pintura. Ele precisa
saber que é um som para formar uma palavra, uma frase e um texto. Existem sete fases que a
criança deve passar até estar apta a ler e escrever:

• Icônica
• Garatuja
• Pré-silábica
• Silábica sem valor sonoro
• Silábica alfabética
• Alfabética
• Ortográfica

PROBLEMATIZAÇÃO
180

Qual a dificuldade entre Alfabetização e Letramento?

O processo de alfabetização é aonde a criança aprende a decodificar os elementos que


compõem a sua escrita, portanto a decodificação passa pelo o processo de memorização do alfabeto,
visando o reconhecimento das letras e a ligação entre as sílabas. Mas o que as pessoas não sabem é que
a alfabetização por si só, não prepara o discente para o mundo letrado. Com o letramento em
andamento torna o indivíduo apto a organizar discursos, interpretar e compreender textos e uma reflexão
sobre eles uma pessoa que está sendo letrada por si só consegue escrever, ler qualquer tipo de
informações, seja uma notícia, um jornal, um livro.
Na qual o aluno é capaz de entender um texto, interpretar uma história, falar com clareza
e se expressar de forma eficiente por meio das palavras empregadas por ele, tornando-se assim,
um discente letrado. Sendo assim, a alfabetização junto com o processo de letramento da criança
precisa acontecer de forma natural, lúdica e divertida, onde as crianças aprendem com a forma lúdica
porque a ludicidade proporciona as variedades com os momentos de aprendizagens que vão além da
sala de aula.
Alfabetização e letramento, embora pareçam ter o mesmo significado à primeira vista, são
termos que se aplicam a diferentes práticas. A escrita é a transferência de habilidades necessárias e do
hábito de ler e escrever, enquanto a alfabetização se refere às habilidades de aprendizagem de
compreensão da linguagem sob o aspecto do conteúdo gramatical. No processo de letramento, os
indivíduos devem estar constantemente expostos à leitura, o que pode ser feito por meio de jornais,
revistas, livros, letras histórias em quadrinhos e quaisquer outras fontes que possam refletir sobre o que
leem. Durante o período de alfabetização, serão discutidos conteúdos de gramática e ortografia, bem
como sua relação com o som falado. Portanto, uma pessoa alfabetizada pode não ser letrada porque não
tem o hábito de ler e, logo, não pode responder adequadamente às necessidades sociais da escrita e da
leitura.
No processo de aprendizagem, a alfabetização deve andar de mãos dadas, pois de acordo
com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o ensino de línguas deve contemplar três
aspectos básicos: Leitura, interpretação e escrita. É importante alfabetizar por meio da escrita
para que as crianças se unifiquem ao contexto cultural da sociedade, que está fundamentalmente
relacionado à leitura. No processo de ensino / aprendizagem, o papel dos educadores é
fundamental, pois eles atuarão como facilitadores, incentivando e orientando as crianças ao
longo da vida escolar.

ALFABETIZAÇÃO
181

Conforme SOARES argumenta que:

Alfabetização é dar acesso ao mundo da leitura. Alfabetizar é dar condições


para que o indivíduo-criança ou adulto tenha acesso ao mundo da escrita,
tornando-se capaz não só de ler e escrever, enquanto habilidades de
decodificação e codificação do sistema da escrita, mas, é, sobretudo, de fazer
uso real e adequado da escrita com todas as funções que tem em nossa
sociedade e também como instrumento na luta pela conquista da cidadania
plena. (SOARES, 1998, p.33).

Fazer o uso da leitura e da escrita significa aprender a ler e a escrever, promovendo a


inclusão dos educandos sob os aspectos do convívio social, cultural, cognitivo, linguístico e
psicomotor.
SOARES complementa a definição de alfabetização como:

[...] um processo de representação de fonema e grafema, e vice-versa, mas é


também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do
código escrito. Não se considera “Alfabetizada” uma pessoa que fosse capaz
de decodificar símbolos sonoros, ‘lendo’, por exemplo, sílabas ou palavras
isoladas, como também não se considerariam “alfabetizada” uma pessoa
incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua
língua, ao expressar-se por escrito. (SOARES, 2010, P.16).

A alfabetização é deste modo um processo de aquisição da “tecnologia da escrita”, sendo


o conjunto das técnicas dos procedimentos, das habilidades necessárias para a prática da leitura
e da escrita. De tal maneira essas habilidades de codificação dos fonemas em grafemas,
possibilitam as decodificações de grafemas para as habilidades motoras, postura corporal e a
direção correta da escrita, sendo feita à organização espacial da escrita fazendo uma
manipulação adequada para a iniciação da leitura.
O desenvolvimento de letramento em uma criança que por si só já desenvolve a leitura
e a escrita ela compreende o que escreve e sabe fazer a leitura do que foi escrito, tendo uma
visão ampla do que está lendo e escrevendo para tanto tem o aprimoramento da sua leitura e
escrita ao mesmo tempo essa criança sabe o que está lendo, no mundo de hoje tem pessoas que
são alfabetizadas e poucas que são letradas, ou seja, são pessoas que tem o conhecimento da
leitura mais não compreende o que é ler, sendo assim essas pessoas escrevem mais não sabe o
que está escrevendo, para tanto não se têm aquela visão global, aquele olhar diferenciado para
a leitura e escrita.
Alfabetizar é oferecer condições para que as crianças ampliem a leitura e a escrita, através das
habilidades de decifrar os elementos que compõem a escrita, sendo assim o processo de alfabetização
ocorre através da mediação entre a criança e a linguagem oral ou escrita, aonde é fundamental a
182

Intermediação do professor, na qual ele é o alicerce para auxiliar os seus educandos no processo de
desenvolvimento da escrita e da leitura.
É por meio do desenvolvimento das competências onde se dá início ao processo de aquisição
do alfabeto, no prestígio das letras a sua ligação entre as sílabas e a formação das palavras na
decodificação da leitura por meio da escrita.
Entretanto o objetivo da alfabetização é ler com compreensão e escrever de forma que seja
compreensível para o leitor, pois as atividades de uma composição gráfica são partes fundamentais na
formação das palavras, pois escrever significa transitar entre o código oral (dos fonemas) e o escrito
(dos grafemas). Entretanto, existe a defasagem de crianças que não conseguem ser alfabetizadas
na idade certa do ensino fundamental I, entretanto não adquiriram o domínio da leitura e da
escrita, aonde essas crianças vão passando para uma nova série com várias dificuldades, pois não
tiveram uma base essencial no início de sua aprendizagem para decifrar os códigos que levam a
codificação das sílabas.

LETRAMENTO

O referido trabalho por sua vez é designado na capacidade de suas competências para que o
discente possa adquirir a partir de uma função social de leitura e escrita no que diz respeito em um
contexto mais amplo, além da aprendizagem das letras e símbolos escritos, aprender a ler e escrever
requer compreender o mundo, o tempo, o espaço e a realidade em torno de si. Visa buscar subsídios
para uma melhor compreensão do processo de alfabetizar letrando, por meio de coleta de dados,
informações, pesquisas, e procurar entender as dificuldades dos mesmos que ainda não
desenvolveram as competências necessárias para está apto do mundo letrado.
Vale ressaltar que os objetivos propostos para alfabetizar e letrar ao mesmo tempo é
reconhecer a importância da leitura e escrita no processo de alfabetização aonde a criança vai
memorizando ou decifrando os códigos do alfabeto até chegar ao momento em que está em
desenvolvimento da fase inicial de letramento, para tanto compreender esse processo é intender
como se dá o processo inicial de alfabetização nas séries iniciais. A alfabetização é a referência central
em que o indivíduo aprende algumas habilidades como: Codificar os códigos e decodificar as sílabas de
forma individual. Diante esse contexto as crianças ampliam novos horizontes na demanda em que vão
tendo novas descobertas para a sua aprendizagem o processo de alfabetização envolve a linguagem de
maneira espontânea que visam em um determinado contexto. Conforme ressalta Ferreiro, “O
desenvolvimento da alfabetização ocorre sem dúvida, em um ambiente social. Mas as práticas sociais,
assim são recebidas passivamente pela criança.”. (FERREIRO, 2004 P. 22):

O autor deixa claro que a alfabetização de uma criança acontece pausadamente


de acordo com o que ela assimila, sendo um processo que depende do
ambiente na qual está inserida, e como está sendo estimulada, pois a criança é
183

um ser ativo que enquanto está pensando seu pensamento está em


desenvolvimento. Uma criança alfabetizada consegue compreender o mundo
e tudo o que está em seu redor de forma cognitiva e participativa, tendo em
vista que para alfabetizar envolve o uso coloquial da língua em uma forma
significativa, para tanto alfabetizar é ensinar a ler e escrever. Ainda segundo
Ferreiro o desenvolvimento da alfabetização “Não é a informação, como tal,
que cria o conhecimento. O conhecimento é o resultado da construção de um
sujeito cognoscente conhecido”. (FERREIRO, 2004, P. 36).

Sobretudo fica evidente que o conhecimento para a criança acontece na medida em que
ela vai interpretando e construindo gradativamente o que lhe é ensinado, pois os discentes
associam as letras e as sílabas até chegar a sua totalidade de maneira que sejam compreensíveis
as informações que lhes são adquiridas no cotidiano. A alfabetização e o letramento são termos
que se complementam, onde a criança faz de suas práticas sociais a capacidade de interpretar,
compreender, opinar de forma espontânea no ambiente na qual está inserido. O processo de
alfabetização junto do letramento é a referência central em que o indivíduo aprende algumas
habilidades como: Codificar os códigos e decodificar as sílabas de forma individual. Eles/elas
ampliam novos horizontes na demanda em que vão tendo novas descobertas para a sua
aprendizagem.

ALFABETIZAR LETRANDO

Alfabetizar e letrar são mais do que ensinar a ler e escrever, é fazer o uso da leitura e
da escrita no convívio social, sendo uma prática que faz parte da realidade social de cada sujeito.
Ressaltando-o, que o processo de alfabetização se inicia nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Visando alcançar os objetivos propostos na perspectiva de alfabetizar letrando,
em um ambiente aconchegante que interligue com o planejamento do educador com o intuito
de contextualizar os fundamentos para enfatizar que a sala do primeiro ano dos pequenos seja
um ambiente lúdico e que ofereça materiais disponíveis que instiguem as crianças a aprender a
ler e escrever.
Além disso, o ambiente em que o discente está inserido representa uma variedade de
lugares com o que se depara cotidianamente, entretanto antes mesmo da criança ser capaz de
ler, no sentido convencional no termo alfabetizar e letrar as crianças tentam interpretar as
pequenas palavras dos textos que encontram ao seu redor (livros, embalagens, comerciais,
cartazes de rua), títulos (anúncios de televisão, histórias em quadrinhos, etc...).
Salientando que para as classes de alfabetização deve haver um “canto ou área de
leitura” na qual se tenha em sala de aula os livros paradidáticos que têm por essência o
184

aperfeiçoamento do incentivo das crianças na leitura. Para tanto é de extrema importância que
o professor junto com os pais seja a base fundamental para incentivar as crianças a desenvolver
a leitura deles.
Na visão de Soares que menciona:
“Um sujeito letrado compreende a importância dessa prática em seu meio social e tem
domínio sob a leitura e escrita, ou seja, é um sujeito que utiliza a leitura e escrita como uma
prática social”. (SOARES 2003, p.39).
Para tanto os educandos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental compreende a leitura
e a escrita em seu contexto social, salientado que a escola, junto com os educadores, os pais e
a sociedade em geral fazerem parte da aquisição desse processo de desenvolvimento cognitivo
da criança no processo de alfabetização e letramento.

METODOLOGIA

O presente estudo utilizou métodos de dados quantitativos com a finalidade de


identificar as dificuldades vivenciadas por crianças de 6 a 8 anos de idade que tem o publico
alvo do 3º ano dos anos iniciais desse modo, para ter a relação entre as dificuldades entre a
alfabetização e o letramento, aplicamos os seguintes procedimentos: Gamificação, sala de aula
interativa, leitura coletiva e individual, brinquedoteca e contação de histórias através de contos,
fábulas, recontos e entre outros.
O tema proposto está direcionado para o ensino e a aprendizagem da educação básica,
voltada para os anos iniciais do 3º ano do Ensino Fundamental assim sendo relevante a ideia
apresentada que focaliza principalmente em mostrar a importância de trabalharmos a
alfabetização junto do letramento, desta forma, é de suma importância que o pedagogo já tenha
uma bagagem de informações na qual ele é a pessoa resiliente para fazer dessas crianças uma
pessoa alfabetizada e ao mesmo tempo em letradas.

RESULTADOS OBTIDOS

O presente projeto está direcionado para estudantes do 3º ano do ensino fundamental I


com faixa etária de 06 a 8 anos de idade, conforme a Unidade Temática Leitura/escuta
(Compartilhada e autônoma) da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com a temática
Decodificação/ Fluência de leitura e formação de leitor na habilidade (EF35LP01) (EF35LP02);
As crianças têm muito tempo para aprender, é importante ressaltar que seu cérebro está pronto
185

para aprender a decodificar e codificar palavras. Portanto, é necessário que as crianças


desenvolvam cada uma dessas etapas mencionadas em seu processo de alfabetização até que se
alfabetizem. Cada um deles é importante e coopera entre si no desenvolvimento afetivo da
alfabetização. Quando pulamos essas etapas e deixamos a criança iniciar o processo de
alfabetização repentinamente, ela se tornará uma pessoa alfabetizada, mas não desenvolve. Por
meio desse conhecimento na sociedade, eles enfatizam as várias dificuldades associadas a cada
etapa da escrita.
Alfabetização é a aquisição da escrita e da linguagem, na apropriação, no domínio do
código linguístico do alfabeto e sua utilização para comunicação, é definida como um processo
no qual o indivíduo constrói seu conhecimento, tendo um tempo para começar e terminar. Esse
processo consiste na codificação e decodificação do ato de ler e na capacidade de interpretar,
compreender, criticar, produzir conhecimentos, oportunizando ao indivíduo sua socialização.
Letrado é o indivíduo que aprende a ler e escrever e faz uso da leitura e escrita nos diferentes
contextos sociais, adquire outro estado, uma nova condição, torna-se uma pessoa diferente em
vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico.
Segundo Freire:

Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado,


o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e
escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura
e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de
escrita. (FREIRE, 2001, p.34).

Entretanto, diante as informações de Freire esse processo de alfabetização envolve


muitos outros conhecimentos que têm por tema central a inter-relação entre os quais podemos
destacar: A imagem corporal, os aspectos neurológicos, a autoestima, afetividade, na qual
podemos citar alguns exemplos. Diante da afirmação que envolve também o aprender a segurar
em um lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para direita (linearidade
ocidental da escrita), conhecimento dos aspectos topológicos das letras.

AVALIAÇÃO

Para a avaliação utilizamos três maneiras. Na primeira avaliamos em grupo por meio
contação de história na sala de leitura e em biblioteca com jogos lúdicos utilizando a
Gamificação em jogos digitais. Para a segunda avaliação usamos a leitura individual e sua
186

participação. Já na terceira avaliação usamos o método da leitura partilhada e por fim os


estudantes foram avaliados com três formas para que assim, o educador analise a sua
alfabetização e letramento. Para tanto, esses meios de ferramentas são de suma importância
para transformar um educando alfabetizado em letrado, alcançando o objetivo proposto que
todos os pedagogos desejam alcançar nas crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa conclui-se pelo fato de que a Alfabetização e o Letramento caminham


lado a lado, na qual busca um repensar da aquisição da língua escrita, baseado no alfabetizar
letrando, que não deve ser trabalhado de maneira independente na realidade da Educação
Infantil, já que é essencial para a vida, a constituição e o desenvolvimento do ser humano, em
qualquer idade. A alfabetização é a prática da leitura de textos infantis, contos, histórias e
fábulas dentro ou fora da sala de aula que precisa ser estimulada pelo educador e pela família,
pois a leitura é de fundamental importância para o desenvolvimento dessa criança que se
encontra em processo de alfabetização.
Com o intuito de estudar, analisar, perceber e compreender como a leitura de textos e
histórias infantis, de maneira produtiva no processo de desenvolvimento e aprendizagem na
Educação Infantil e assim contribuir de uma maneira positiva e de forma eficaz para a educação
no processo de alfabetização e letramento, enriquecendo a dinâmica das relações sociais em
sala de aula que é de suma relevância para o processo escolar da criança ao longo de sua
educação, aprendendo a ler e escrever, adquirindo conhecimento para o resto da vida.
Neste contexto, a finalidade principal desta pesquisa é compreender a importância de
uma alfabetização voltada para a aprendizagem da escrita e da leitura, decifração da escrita
através da linguagem, enfatizando alguns elementos considerados de grande relevância para o
desenvolvimento de capacidades e amadurecimento da criança, por meio da leitura, se tornando
de grande importância aos educadores, pois, por meio dele, o mesmo conhecerá contextos
teóricos que relatam a Alfabetização e o Letramento e sua relação com a ampliação de
desenvolvimento da criança.
Destaco o estágio e a particularidade da educação infantil, destacando o que de fato
acredita-se a partir do trabalho de pesquisadores infantis, ou seja, é o ideal para existir no
cotidiano das crianças neste ambiente. Por isso, enfatizo a possibilidade de desenvolver cursos
baseados em princípios éticos, políticos e estéticos para garantir o desenvolvimento da
experiência e da vivência. Portanto, por meio dos cursos elaborados pelos educadores das
187

escolas pesquisadas, pode-se organizar um plano para atingir as metas e objetivos determinados
no projeto de política educacional. Para organizar, sugiro listar as áreas de experiência com
base na introdução da Base Nacional Comum Curricular.
Pode-se concluir que a alfabetização é um processo de natureza complexa, um fenômeno
de múltiplas facetas, que fazem objeto de estudo de várias ciências. Entretanto, só a articulação
e a integração dos estudos desenvolvidos no âmbito de cada uma dessas ciências podem
conduzir a uma teoria corrente da alfabetização.

REFERÊNCIAS

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NAS SERIES INICIAIS; Disponível em:


https://monografias.brasilescola.uol.com.br/educacao/a-importancia-leitura-nas-series-
iniciais-uma-conquista- Acesso em 30 jul. de 2021.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL A Leitura de textos e


histórias infantis e sua contribuição como recurso pedagógico no processo de ensino-
aprendizagem; Disponível em:
htmhttps://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/alfabetizacao-letramento-na-educacao-
infantil-leitura-textos-historias-infantis-contribuicao-como-recurso.htm Acesso em; 15 de
Ago. de 2021.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL; Disponível: http://conic-semesp.org.br/anais/files/2017/trabalho-
1000025051.pdf Acesso em 10 Ago. de 2021

ALFABETIZAÇÃO OU LETRAMENTO?. TRABALHO DOCENTE. Disponível em:


https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/alfabetizacao.htm. Acesso em: 13
fev. 2021.
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: ORGANIZANDO O TRABALHO PEDAGÓGICO Disponível
em; https://monografias.brasilescola.uol.com.br/pedagogia/alfabetizacao-letramento-organizando-
trabalho-pedagogico. Acesso em 10 de Set de 2021.

ALFABETIZAÇÃO: UMA HABILIDADE DE AQUISIÇÃO COGNITIVA BÁSICA. Alfabetização


– O que é? Entenda definitivamente. Disponível em:
https://institutoneurosaber.com.br/alfabetizacao-o-que-e-entenda-definitivamente/.

CAGLIARI, L. C. A respeito de alguns fatos do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita pelas


crianças na alfabetização. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento perspectivas linguísticas.
Campinas-SP: Mercado de Letras, 2009, Cap. IV-V, p. 61- 68.

DICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFATIL da mesma forma


que é desafiante para o professor, alfabetizar e letrar, para os alunos há, também, uma série de
dificuldades. Aprender um sistema. Disponível. Em https://blog.portabilis.com.br/dicas-de-
alfabetizacao-e-letramento-nas-series-iniciais/ Acesso em 18 de Set de 2021.

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo/ Emília Ferreiro: (tradução Sara Cunha Lima, Marisa
do Nascimento para). – 15. Ed. – São Paulo: Cortez, 2004. P.22- 36.
188

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo. 41ª ed. Cortez. 2001.p.34.
.
LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Alfabetizar?
Letrar? Ou alfabetizar letrando? Qual é a diferença entre alfabetização e letramento?
Disponível em: http://www.editoradobrasil.com.br/educacaoinfantil/letramento_e_alfab. aspx.
Acesso em: 20 mar. 2021.
LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO: ENTENDA AS DIFERENÇAS. Superautor – Um
Projeto Pedagógico Encantador. Disponível em: https://superautor.com.br/letramento-e-
alfabetizacao-entenda-as-diferencas/amp/ Acesso em: 28 de Ago. 2021.
LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO; Entenda as Diferenças- Superautor
Letramento e alfabetização: Entenda as diferenças. O processo de inserção da criança no mundo da
leitura e da escrita é muito importante Disponível em:.https://superautor.com.br/letramento-e-
alfabetizacao-entenda-as-diferencas/ Acesso em 28 de Ago. de 2021.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2010. P.16.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de


Educação, jan/fev/mar/abr, 2004 nº 25. Trabalho apresentado no GT Alfabetização, Leitura e
Escrita, durante a 26ª Reunião Anual da ANPED, realizada em Poços de Caldas, MG, de 5 a 8
de outubro de 2003. P. 39. Acesso em 30/01/2021

SOARES, Magda. Letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. p.33 Acesso em 30/01/2021.
Acesso em: 12 abr. 2021.

BIOGRAFIA DOS AUTORES:

Poliana dos Santos Silva; Polianasantos39@hotmail.com; Especialista em Psicopedagogia


clínica e Institucional- FAVENI-ES; Licenciada em Ciências Biológicas-UNOPAR/PE;
Cursando Licenciatura em Pedagogia-UFAPE.

Roberto da Silva; robertosecd@gmail.com; Licenciatura Plena em Ciências- Habilitação


Biologia- UPE/PE; Especialista em Psicopedagogia-UPE/PE; Especialista em Coordenação
Pedagógica- FAVENI-ES; Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica-FAVENI-
ES; Cursando Pós Graduação em Ensino de Biologia-FAVENI-ES.

Ana Paula dos Santos Silva; anapaullasantosilva2020@gmail.com; Graduanda em


Licenciatura em Pedagogia-UNOPAR/PE; Graduanda em Licenciatura em Pedagogia-
UFAPE.

Bruno Costa da Silva; brunocostadasilva0608@gmail.com; Graduando em Licenciatura em


Educação Física.
189

CAPÍTULO 17
A RELAÇÃO DO CUIDAR, EDUCAR E BRINCAR NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Poliana dos Santos Silva¹


Roberto da Silva²
Ana Paula dos Santos Silva³
Bruno Costa da Silva4

INTRODUÇÃO

Conforme ressalta no documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) o


cuidar, educar e brincar começa na entrada dessa criança na creche ou na pré-escola, pois em
muitas vezes esse é o primeiro momento que ocorre a separação dessas crianças dos vínculos
afetivos com os familiares. Compreende-se assim, que o educar e cuidar é ações importantes
que são indissociáveis no processo educativo. O presente trabalho se desenvolve com o objetivo
de diferenciar o processo de cuidar e educar, assim como em conhecer os desafios que os
professores enfrentram com relação ao cuidar e o educar das crianças. Mais especificamente
este estudo foca em:
• Saber como os docentes trabalham o cuidar e o educar na educação infantil.
• Identificar qual a importância do ato de cuidar, educar e brincar.
• Conhecer o papel do professor em relação ao cuidar e educar
• Especificar como ocorre o processo de cuidar e educar na educação infantil
• Registra os cincos campos de experiência para o cuidar e educar na educação infantil
• Descrever o cuidar e educar
Destacam-se aqui as aprendizagens e o processo de desenvolvimento das crianças para
a prática do diálogo diante o comportamento e responsabilidade entre a escola e a família. É
direito da criança na aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil e em conviver,
brincar, participar, explorar, expressar e conhecerem-se as crianças devem conviver com
crianças e adultos em grandes grupos ou pequenos para que tenham várias linguagens ao
ampliar o conhecimento de si e do outro, assim como o respeito e as diferenças entre as pessoas.

Considerando que, na educação infantil, as aprendizagens e o


desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes interações e as
brincadeiras, assegurando-lhes os direitos de conviver, participar, explorar,
expressar- se e conhecer- se, a currículo da Educação infantil na BNCC
estruturada em cinco campos de experiência, no âmbito dos quais são
definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. (BRASIL, 2017,
P.38).
190

É importante que elas brinquem de diversas maneiras em espaços e tempos diferentes


com crianças adultas para que dessa forma ampliem o conhecimento, a imaginação,
criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais e cognitivas participando assim no
ambiente escolar e das atividades solicitadas pelo educador sendo assim, as crianças exploram
movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras emoções, transformações, ou seja,
ampliam emoções, transformações, ou seja, ampliam seus saberes dentro e fora da escola. As
demais elas expressam-se por dificuldades linguagem no diálogo, nas emoções, sentimentos
descobertos.

O CUIDAR E O EDUCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Esse projeto de ensino tem como foco central em cuidar e o educar na educação infantil.
A educação infantil por si só é acolhedora, pois esse ambiente disponibiliza cuidados e
assistência para todas as crianças que estejam no contexto escolar, é valido afirmar que muitas
vezes os pais matrícula seu filho (a) muito cedo na creche ou pré-escola, muitos tem apenas
meses ou menos de 4 anos de idade, pois essas famílias precisam ir trabalhar e justamente por
não ter exatamente com quem deixar, elas contam com esse apoio da escola para que possam
ter cuidados com suas crianças. Conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nos
assegura sobre os campos de experiências no âmbito escolar que são divididos em cinco etapas
para que as experiências, os objetivos de ensino aprendizagem e desenvolvimento ocorram com
eficiência. Desse modo os saberes e o conhecimento dos campos de experiências são: O eu, o
outro e o nós; caracterizando em corpo, gestos, movimentos, traços, sons, cores e formas;
oralidade e escrita, espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
Perante esse contexto cuidar de crianças no ambiente escolar requer a integração de
conhecimentos nas diversas áreas além da cooperação de profissionais de diversas áreas. Já no
educar, os docentes criam métodos de aprendizagem para alcançar o desenvolvimento da
criança, assim como para as habilidades cognitivas, psicomotora e socioemocionais.

JUSTIFICATIVA

O presente trabalho tem como propósito em levar a reflexão sobre o cuidar e o educar
na educação infantil. Dessa forma sabemos que o cuidar e o educar andam lado a lado, para
ajudar na informação da criança como individuo e como aluno, pois a criança que se sente
191

cuidada tende a ser educada mais facilmente. De acordo com o foco que se deseja enfatizar, no
sentido de favorecer a compreensão das crianças, visto que o cuidar como um todo é cuidar da
higiene, segurança e alimentação. Já o educar está voltado para a relação do aprendizado, assim
como a maneira que essas crianças devem se comportar diante a sociedade.
É importante saber respeitar os limites, assim como, o direito do próximo, para que
assim, possam aprender que todos são iguais independentemente de gêneros, cor e etnia. Perante
esse contexto essas ações de cuidar e educar não podem ser separados, pois ambos se
complementam totalmente, sendo assim o cuidado é uma forma de educar e o educar é uma
maneira de cuidar. Justifica-se esse estudo pela importância da função dos pais, juntamente com
o apoio dos educadores durante essa etapa do desenvolvimento infantil dessas crianças.
Dessa forma quando as creches e as pré- escolas acolhem aquela criança, suas vivencias
e conhecimentos construídos pela família e pela comunidade que vive, quando é articulado para
essas informações nas propostas de ensino e aprendizagem no contexto pedagógico tem como
intuito em contextualizar o universo, suas experiências e conhecimentos na aprendizagem dessa
criança, conhecendo assim suas habilidades para que nesse contexto o educador possa
diversificar e consolidar nossas aprendizagens, complementado com a educação familiar e
principalmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, pois
envolve a relação de mãe, para filho (a) que ainda são muitos próximos tanto no contexto
familiar como no escolar, sendo a socialização, a autonomia e comunicação dessa criança.
Portanto, esse estudo tem como relevância em refletir com a relação ao cuidado e
educação da criança de 0 a 6 anos de idades. É valido ressaltar que o cuidado e a educação em
suma é o saber do espaço e do tempo da vida das crianças e isso requer um determinado esforço
dos adultos a propósito em proporcionar um ambiente que desenvolvam a criatividade dessas
clientelas. O cuidar e educar na educação infantil permite que o educador compreenda que o
espaço e o tempo que a criança vive exigem muito do seu esforço, o professor deve zelar pelo
desenvolvimento de cada criança, para que assim, elas possam ao longo do processo para
construir sua própria identidade.

PARTICIPANTES

O projeto de ensino está voltado para educação infantil sendo creche para escola com faixa etária
de crianças que são matriculadas na creche e ocorre duas etapas diferentes de 0 a 1 ano e 6 meses com
crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses. Crianças entre 4 anos e 5 anos e 11 meses são
matriculados na pré-escola e durante esse processo de aprendizagem que ocorre, ao vivenciar cada etapa
192

as crianças vão aprimorando sua bagagem de conhecimento e colocando em prática os cinco campos de
experiências.

PROBLEMATIZAÇÃO

Na educação infantil como ocorre o processo de cuidar e educar?

Salienta-se que o cuidar significa reconhecer que o desenvolvimento da construção do


conhecimento e a formação do ser humano não acontecem de forma instantânea, nem de forma
fragmentada. Sobretudo pode-se afirmar que a educação infantil, em relação ao cuidado e educação são
relações indissociáveis, sendo assim, não há como separar essas ações uma da outra.
Este trabalho reflete a partir da observação do cuidado e da educação, e explorar as bases se
sentido do cuidado e da educação da criança no ambiente escolar e familiar.
Nesse contexto pode-se mencionar que a principal dificuldade na educação infantil é a falta de
formação continuada para os professores, assim como, ter mais diálogos com a escola e a família, é
necessário que a equipe pedagógica com os professores desenvolva algumas estratégias para que as
crianças tenham mais atenção. Sendo assim, o educar é para a vida e o cuidar significa auxiliar a criança
nos seus primeiros passos iniciais, dessa forma o cuidar é uma dimensão afetiva que a criança ter que se
sentir segura, apoiada e incentivada pelo professor.
Diante esses meios à criança sabe-se sua identidade pessoal, social e cultural, formando
uma imagem positiva de si com relação a grupos, sejam nas cidades, interações, brincadeiras e
linguagens vivenciadas no contexto familiar e escola. Que o cuidar na educação infantil é um
ponto de grande relevância, pois os educadores devem ter conhecimento dos direitos das
crianças. Quando os professores estão cuidando e educando ao mesmo tempo eles reconhecem
o desenvolvimento e a construção dos saberes de cada criança, dessa forma o ato de cuidar e
educar são duas palavras que são indissociáveis, diante do que foi exposto fica claro que a
separação dessas duas ações é impossível.
Sabe-se que o cuidar na educação infantil é um ponto de grande relevância, pois
educadores devem ter conhecimento dos direitos das crianças. Quando os professores estão
cuidando e educando ao mesmo tempo eles se reconhecem o desenvolvimento da construção
dos saberes de cada criança, dessa forma o ato de educar e cuidar só duas palavras que são
indissociáveis, diante do que foi exposto fica claro que a separação dessas duas ações é
impossível.

OS CINCOS CAMPOS DE EXPERIÊNCIA PARA O CUIDAR E EDUCAR NA


EDUCAÇÃO INFANTIL
193

Diante as informações contidas na BNCC e conforme o documento citado pode- se dizer


que os campos de experiências contextualizam em nortear o modo de produção na atuação do
pedagogo. A educação infantil no contexto da educação básica argumenta sobre o eu, o outro e
o nos é a primeira etapa do campo de experiência ressalta-se que é quando as crianças
juntamente com o adulto constroem o próprio modo de agir, sentir e pensar, dessa maneira ela
descobre que existem pessoas e lugares diferentes e com isso obtém vários questionamentos
com si e com os outros.
Conforme a (BNCC) Base Nacional Comum Curricular, a competência eu, outro e o nós
focamos no respeito ao aprendizado da criança com relação a si mesmo, como podemos citar a
questão da relação sobre seu corpo, sendo comparadas com as diferenças de outras crianças que
podem ser comparadas entre si; como por exemplo, é magro, gordo, alto, baixo e entre outras
características.

[...] Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe


as situações as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus
saberes, entrelaçando-as ao conhecimento que fazem parte do patrimônio
cultural (BRASIL, 2017, P.38).

No segundo campo de experiência, iremos explanar o corpo, gestos e movimentos,


pode-se afirmar que nessa etapa as crianças desde pequenas exploram o mundo, o corpo e os
objetos ao seu redor estabelecendo relações, brincando e produzindo diversos conhecimentos
sobre si, assim como sobre o outro, o universo na relação cultural e social.
É válido destacar que esse campo de experiência nos traz um diálogo com o corpo, pois
essas crianças demonstram diálogo, explorando assim o espaço que vivem e os objetos que
estão, a sua volta, representando por meio de sentidos, gestos e movimentos. Nesse contexto
por meio das linhagens como, por exemplo, a música, dança teatro e brincadeiras que elas se
expressam - se brincam e produzem vários conhecimentos.
Já no campo de experiência que relata traços, sons, cores e formas, podemos vivenciar
ao trabalharmos com a arte, com uma finalidade para que as crianças mostrem a sensibilidade
e sua humanização, pois a convivência com diferentes manifestações artísticas e culturais na
escola visto que é por meio dessas vivências que elas demostram seu lado estético e critico na
sociedade que vive dessa maneira é de grande relevância na educação infantil o contato dessas
artes visuais, músicas, teatro e dança, portanto é dessa forma que as crianças desenvolvem suas
criatividades, sensibilidades tendo assim sua maneira de se expressar. No campo da oralidade
194

e escrita às crianças começam a expressar as ideias, argumentar, relatar fatos, compreender,


conhecer vários gêneros textuais.
Ao chegar ao quinto campo de experiência para a aprendizagem do desenvolvimento,
ressalta-se que as crianças já vivem em espaços e tempos tendo diferentes dimensões com
relação ao mundo, desde muito pequenos, são inseridos em ruas, bairros e cidades então as
crianças já sabem diferenciar dia e noite, hoje, ontem e amanhã, eles demonstram certa
curiosidade para o mundo físico, conhecendo seu corpo, alguns animais, plantas e
transformações da natureza, entre diversos conhecimentos nessa etapa as crianças se identifica
no meio as coisas que interagem.

CUIDAR E EDUCAR

A (BNCC) destaca sete conteúdos curriculares que menciona a relação do cuidar e


educar na educação infantil; pois as crianças constroem com o tempo noções de identidade seja
no contexto escolar, familiar ou na comunidade, assim professor e a peça principal para que as
crianças tenham ensino-aprendizagem de qualidade.
Conforme é ressaltado no documento Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil “Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro, com sua
singularidade, ser solidário com suas necessidades, confiando em suas capacidades” sendo
assim é necessário à construção de um vínculo afetivo com as crianças entre quem cuida e quem
é cuidado, assim como com quem educa e quem é educado. (RCNEI – vol.1. p. 15. MEC/SEF,
1988).
Por conseguinte, o conceito de cuidar está ligado á atitude de cuidar do professor que
pode ser expresso em várias situações no cotidiano da escola, por exemplo, quando os
professores demostram preocupação e entusiasmo com o espaço físico a fim de proporcionar
um espaço seguro. Esses são exemplos importantes para a aprendizagem na escola. Como
exemplo tem o momento quando o professor incentiva que as crianças sentem à mesa com seus
colegas quando forem fazer alguma refeição no ambiente escolar, isso faz com que as crianças
aprendam a cuidar de seus próprios corpos, pois eles estabelecem hábitos alimentares além de
aprenderem sobre a comunidade escolar.
É valido frisar que leis de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI), essas leis determinou que o cuidado e a educação não fossem ações separadas, pois
não são dimensões distintas, mais sim dois aspectos que tem a mesma experiência, diante esse
contexto a BNCC fortalece a concepção de que essas ações de cuidado esta interligada as ações
195

de reconhecimento e exploração de mundo, criando assim uma um campo favorável para a


sistematização do conhecimento que foi adquirido nas etapas da educação infantil.
Como forma de se livrar da não socialização entre cuidar e educar surgiu agora essa
ideia como papel social, a educação que deve proporcionar o desenvolvimento das crianças, em
situações de aprendizagem, pois, o documento menciona uma informação que é importante,
tendo em vista que os educadores é para cuidar de uma criança, e ao mesmo tempo ela deve ser
educada. Como caracteriza o documento, RECNEI (1998, p. 23) enfatiza que:

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e


aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e
estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança,
e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social
e cultural (RCNEI, 1998, p. 23).

De forma generalizada o cuidado e a educação das crianças também envolvem ações


integradas entre os professores, pois é com eles que aprende. Além disso, os professores que
trabalham com crianças precisam ter cuidado para não deixar sua prática de ensino se tornar
um comportamento mecanizado na sala de aula, as normas orientam, pois cuidado e educação
são duas práticas que devem estar juntos de uma forma inerente, agradável e criativa para que
ambas as partes possam tomar medidas para desenvolver plenamente a identidade e autonomia
das crianças envolvidas ambiente escolar.
Segundo afirma o documento da BNCC o termo educação infantil é entendido como a
primeira etapa da Educação Básica, que antes atendia crianças de 0 a 06 anos, subdividia-se
em: Creche (0 a 03 anos) e pré-escola (04 a 06 anos).
Do ponto vista para autor o cuidar e educar consiste em:
“Cuidar/educar crianças nesta faixa etária, desempenham um papel fundamental no
processo de desenvolvimento infantil, pois servem de intérpretes entre elas e o mundo que as
cerca [...]”. (FELIPE 1998, p. 8)
No entanto, com a nova redação de acordo com a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de
1996, a educação infantil tornou-se para uso por crianças menores de 5 anos de idade, conforme
descrito no Artigo 29 conforme a Lei nº 12.796 de 2013, as diretrizes e fundamentos da
educação nacional.

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade


o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade. (BRASIL. LEI Nº 12.796, de 2013).
196

Diante esse contexto podemos salientar que o conceito de educação para o cuidado no
cotidiano da educação infantil é indissociável entenda de forma fragmentada como trabalho a
ser desenvolvido as crianças devem se voltar para sua singularidade e indivisibilidade.
Atualmente encontramos grandes desafios, pois os pais acham que é obrigação da escola
ensinar a ser educado, a respeitar e não apenas ensinar, vale salientar que a educação vem de
casa e o ensino vem da escolar. Quando ajudamos uma criança a tomar banho, vestir-se,
alimentar-se estabelecendo com ela uma boa relação afetiva. Com isso desenvolvemos um ato
educativo que irá promover o seu pleno desenvolvimento como pessoa.
Desenvolvemos a operacionalização das ações que estão voltadas para as satisfações
mecânicas das necessidades básicas da alimentação, repouso e higiene da criança. E essa rotina
nos proporciona momentos para estreiar o contato interativo com a criança, nas conversas, nas
brincadeiras e acolhendo-as.
Segundo ressalta o RCNEI, “a base do cuidado humano é compreender como ajudar o
outro a se desenvolver como humano, cuidar significa valorizar e ajudar o desenvolver e suas
capacidades” (RCNEI, 1988, P.24).
De certa forma o cuidar e o educar implica em reconhecer que o desenvolvimento, com
a construção dos saberes e do ser não ocorre em momentos e de maneira compartilhada.

O PAPEL DO PROFESSOR NA RELAÇÃO DE CUIDAR E EDUCAR

É importante frisar que os professores devem buscar as informações necessárias para o


trabalho para que desenvolva o diálogo com as famílias, comunidades e colegas dos alunos a
profissão é fundamental para a qualidade do seu trabalho, visando aprender e Cuidar das
crianças. Os educadores devem ter em mente a importância do seu trabalho na educação infantil
vai muito além do cuidar atitude conscientemente atenciosa na educação.
Conforme menciona GARAHANI, “ser docente na Educação Infantil é ter sempre uma
atitude investigativa da própria prática e, consequentemente, fazer a sua elaboração por meio
de um processo contínuo de formação”. (GARAHANI 2010, p.196)
Assim, o autor deixa claro que o papel do professor de educação infantil no processo de
ensino é o seu compromisso com o cuidado diário e a educação, com vistas a ele quem faz seu
trabalho e toma decisões sobre as escolhas os objetivos e o conteúdo que as crianças desejam
alcançar de acordo com a faixa etária de idade e suas limitações, e os métodos e recursos que
serão usados para que a aprendizagem aconteça, o vínculo emocional entre professores e alunos
197

é essencial e intimamente relacionado à cognição.


Cuidar não é apenas cuidar, o professor deve investir tempo e proximidade para fazê-lo
perceber que a outra parte é um sujeito ativo, pode ser ouvido e respeitado e é uma pessoa
necessitada.
Desenvolver-se de forma completa e autônoma. Em outras palavras, o cuidado requer o
estabelecimento de uma conexão entre o cuidador e o destinatário, incluindo a capacidade de
observar os pontos fortes, a personalidade, os pensamentos e as emoções da criança e de
fornecer ajuda em todos os aspectos. De acordo com o Referencial da BNCC DE 1988:

O cuidar faz parte essencial das instituições de caráter educativo para crianças
pequenas, o RCNEI, corrobora que o cuidar envolve questões afetivas,
biológicas, como alimentação e cuidados com a saúde e higiene da criança
(RCNEI, 1988).

Deste modo, é valido ressaltar que o papel das instituições de educação infantil é
proporcionar condições para esse desenvolvimento, exigindo assim, atividades que passem por
um adequado planejamento, internacionalização, contextualização e atividades significativas,
para que as crianças possam usufruir da exigibilidade do cuidado, da educação e dos jogos.
Dessa maneira a criança pode fortalecer laços afetivos, sentir-se segura e acolhida no momento
de ser cuidada, mas ao mesmo tempo pode ser utilizada para ganhar novos aprendizados, e até
mesmo fazer com que os momentos de aprendizagem aconteçam de forma espontânea e
prazerosa. Salienta-se ainda que os jogos e as vivências sejam guiados por experiências
importantes e consistentes com sua faixa etária de cada criança.

METODOLOGIA

O presente estudo foi desenvolvimento numa perspectiva quantitativa, para melhor análise do
problema. A pesquisa aqui apresentada caracteriza-se por ser uma pesquisa do tipo bibliográfica em que
reúne as informações e dados que serviram como base para a construção dessa pesquisa que teve como
objetivo em identificar o processo de cuidar e educar, assim como em conhecer os desafios que os
professores enfrentam com relação ao cuidar e educar das crianças.
Este estudo é resultado de uma revisão bibliográfica que segundo Gil (2002, p.17) esse tipo de
pesquisa é “um procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos
problemas que são propostos”. Buscando aprimoramento em publicações cientificas da área no Google
Acadêmico e Scielo.
Conforme as analises bibliográficas podemos mencionar que o cuidar e o educar
metodologicamente são todo aquele processo que envolve desde o acolhimento, alimentação da
198

criança, a higiene, segurança, banho, descanso, o esperar a sua vez e brincar, quando estamos
cuidando da criança ela aprende, e ao brincar ela está sendo educada, dessa forma o cuidar,
educar e brincar na educação infantil é de grande relevância na qual pode contribuir
significativamente para a sua construção e desenvolvimento.

AVALIAÇÃO

A avaliação se dá pelas atividades que envolvem o cuidar, o educar e o brincar das


crianças, sendo assim teve três momentos para avaliação. No primeiro momento avaliamos as
crianças com atividades em grupo usando os fantoches para contação de história. Para o
segundo momento as crianças terão momentos para brincar com os jogos lúdicos e com diversas
brincadeiras na qual essa avaliação será individual. Já no terceiro momento as crianças serão
avaliadas durante a construção de instrumentos para usarem na peça teatral. Dessa forma será
avaliado tanto o desenvolvimento como a construção das habilidades que as crianças
desenvolveram em todo processo do cuidar e educar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se assim que a educação infantil é algo mágico, único e indispensável na vida
humana. Educação e diversão são mais do que cuidar. As três palavras funcionam bem juntas
eles constituem os cidadãos de amanhã. A experiência marcará a experiência de sua vida e
experiência vai fortalecer a autoconfiança, a cooperação, Unidade e responsabilidade.
Experiência de educação infantil intervir ativa e significativamente no desenvolvimento e na
formação humana. Cidadãos que são criticados / reflexivos devido às consequências de
determinadas ações Como: Brincar é uma forma de comunicação, por meio desse
comportamento, as crianças podem produzir seu cotidiano. O comportamento do jogo torna o
processo possível Aprendizagem das crianças porque promove reflexão, autonomia e
Criatividade, estabelecendo assim a relação entre brincar e aprender.
O cuidar e o educar na educação infantil são responsáveis por incentivar e trabalhar com
a família para proporcionar relações sociais e desenvolvimento emocional. Os educadores
precisam ter em mente qual é a sua função e o que esperam dos alunos, se querem mesmo
formar cidadãos, vemos neste trabalho que os professores estão cientes de sua importância no
desenvolvimento e construção para educar essas crianças, e todos estão comprometidos e
fazendo o seu melhor, pois se devem cultivar cidadãos críticos / reflexivos, comprometidos com
a construção de uma A humanização é melhor para todos.
199

REFERÊNCIA

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC. 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 03 fev.
2020.

BRASIL. Lei nº. 9394, de 23 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. 10. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.

Conheça 7 conceitos de aprendizagem essenciais para a BNCC de educação infantil.


Disponível em: HTTPS://NOVAESCOLA.ORG.BR/BNCC/CONTEUDO/54/CONHECA-7-
CONCEITOS-DE-APRENDIZAGEM-ESSENCIAIS-PARA-A-BNCC-DE-EDUCACAO-INFANTIL

DE FIGUEIREDO, FRANCISCO CLÉBIO; DE LIMA, VANDERLEI FRANCISCO; DE AMORIM,


JÚLIA LIDIANE LIMA. O PAPEL DO EDUCADOR NO ATO DE CUIDAR E DE EDUCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL. DISPONIVEL EM:
HTTPS://WWW.EDITORAREALIZE.COM.BR/EDITORA/ANAIS/CONEDU/2018/TRABALHO_E
V117_MD1_SA9_ID1828_09092018004655.PDF

DESAFIOS DO CUIDAR E EDUCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Disponivel em:


https://www.univale.br/desafios-do-cuidar-e-educar-na-educacao-infantil/

FELIPE, J. Aspectos gerais do desenvolvimento infantil. IN: CRAIDY, C. M. Convivendo com


crianças de 0 a 6 anos. Porto Alegre: Mediação, 1998. P. 7 -17.

GARANHANI, M. C. A Docência da Educação Infantil. IN: SOUZA, G. de. (org.) Educar na


Infância: perspectivas histórico-sociais. São Paulo: Contexto, 2010. P. 187 – 200.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, p.17, 2002.

MASULLO, Virginia Flora; COELHO, Irene da Silva. As dificuldades dos professores da educação
infantil: questões estruturais e pedagógicas. UNISANTA Humanitas, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 72-97,
2015.

MIGUEL, Ana Silvia Bergantini. “CUIDAR E EDUCAR”: UM NOVO OLHAR PARA A


EDUCAÇÃO INFANTIL. 2007.

NEZI, Tatiane. Cuidar e Educar na Educação Infantil. Disponível em: https://bit.ly/3fFsCed. Acesso em:
nov. 2020.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL (RCNEI),


MEC/SEF, Vol. 1, 1998.

RSCHULTZ, Andréia Moreira dos Santos. O cuidar e o educar como ações complementares
no desenvolvimento integral da criança na Educação Infantil. Revista FACEVV, Vila
Velha, n. 06, jan/jun. 2011.

RUFINO, Edilaine Andrade. A importância da A afetividade no processo de


ensino/aprendizagem. 2014. P.25. Projeto de Ensino (Graduação Pedagógica)- Centro das
Ciências Exatas e Tecnologia. Universidade Norte do Paraná, Ipatinga, 2014.
200

www.jusbrasil.com.br/busca?q=Art.+1+da+Lei+12796%2F13. Acesso em 01 de Setembro de


2016.

BIOGRAFIA DOS AUTORES:

Poliana dos Santos Silva; Polianasantos39@hotmail.com; Especialista em Psicopedagogia


clínica e Institucional- FAVENI-ES; Licenciada em Ciências Biológicas-UNOPAR/PE;
Cursando Licenciatura em Pedagogia-UFAPE.

Roberto da Silva; robertosecd@gmail.com; Licenciatura Plena em Ciências- Habilitação


Biologia- UPE/PE; Especialista em Psicopedagogia-UPE/PE; Especialista em Coordenação
Pedagógica- FAVENI-ES; Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica-FAVENI-
ES; Cursando Pós Graduação em Ensino de Biologia-FAVENI-ES.

Ana Paula dos Santos Silva; anapaullasantosilva2020@gmail.com; Graduanda em Licenciatura


em Pedagogia-UNOPAR/PE; Graduanda em Licenciatura em Pedagogia-UFAPE.

Bruno Costa da Silva; brunocostadasilva0608@gmail.com; Graduando em Licenciatura em


Educação Física.
201

CAPÍTULO 18
EDUCAÇÃO E PANDEMIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Gizelly Braz Vieira dos Santos


Larissa Landim de Carvalho
Hellen Steckelberg

INTRODUÇÃO

Neste artigo analisaremos o ensino remoto proposto às instituições educacionais – no


Brasil – devido às emergências sanitárias adotadas em razão da Covid-19. Após a declaração
da Organização Mundial de Saúde, em março de 2020, que o estado de contaminação da Covid-
19 foi elevado à pandemia, esta situação afetou o mundo provocando mudanças de hábitos,
abalando a sociedade e a economia mundial.
A paralisação das atividades econômica, social e educacional imposta diante deste
cenário provocou mudanças na rede de ensino em todo país, afetando diretamente as atividades
educacionais. Assim, o objetivo deste artigo é discutir os desafios enfrentados pelos alunos, as
dificuldades em lidar com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TCIs), as limitações
institucionais para efetivar as atividades educacionais conforme prevê a Lei nº 13.979, de 06 de
fevereiro de 2020, a Medida Provisória nº 934/2020 e a Lei 14.040 de 18 de agosto de 2020, as
desigualdades sociais e as dificuldades dos professores em elaborar novos métodos33 capazes
de viabilizar as atividades remotas.
A Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 estabeleceu medidas para o enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância internacional com o objetivo de proteger a
coletividade, como o isolamento, a quarentena, determinação compulsória de exames médicos,
testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas, vacinação, medidas profiláticas, tratamentos
médicos específicos e outras determinações para proteger e assegurar aos já afetados direitos à
assistência médica.
O que antes seria apenas um isolamento, definido no art. 2º da Lei 13.979 de fevereiro
de 2020 como separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de
transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a
contaminação ou a propagação do coronavírus – ampliou-se para uma quarentena – restrição
de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam

33
Procedimento organizado que conduz a certo resultado. 2. Processo ou técnica de ensino.
202

doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de


contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
(BRASIL, 2020)
Essas medidas restritivas não têm alcançado o resultado esperado e a realidade da
disseminação pandêmica da Covid-19 não tem data para acabar. Assim, persistir com a
dinâmica tradicional de trabalho poria em risco a vida da sociedade. Diante destas
circunstâncias, houve uma mudança drástica na forma de se desenvolver as atividades
relacionadas ao trabalho. O teletrabalho ou trabalho remoto passou a integrar a realidade do
brasileiro e esta alteração também alcançou as instituições educacionais, que aderiram ao ensino
a distância e o consequente ensino híbrido enquanto for necessário o cumprimento das medidas
sanitárias.
Devido ao isolamento social, uma nova dinâmica se instalou no cenário educacional
brasileiro e afetou diretamente alunos, professores e demais profissionais da educação. Estes
profissionais, assim como os discentes, tiveram que romper barreiras para se inserir em uma
nova dinâmica. Esta realidade trouxe à tona muitos desafios e desvelou as desigualdades sociais
que afetam diretamente parte dos discentes – tal como – professores e demais profissionais da
educação que não estavam preparados para lidar com as tecnologias da informação e
comunicação (TICs), já que o ensino presencial é tradicionalmente dominante no Brasil.
Para tornar possível prosseguir com a regularidade do ensino no país, a Medida
Provisória nº 934/2020, posteriormente convertida na Lei 14.040 de 2020, estabeleceu normas
sobre a educação básica e o ensino superior dispensando a observância da obrigatoriedade do
cumprimento de 200 dias letivos dias letivos, desde que observado o cumprimento da carga
horária mínima anual estabelecida na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. O art. 3º da Lei
14.040 de 2020, § 1º, possibilita o uso da tecnologia da informação para cumprir as atividades
acadêmicas:

§ 1º Poderão ser desenvolvidas atividades pedagógicas não presenciais


vinculadas aos conteúdos curriculares de cada curso, por meio do uso de
tecnologias da informação e comunicação, para fins de integralização da
respectiva carga horária exigida.

Outro ponto a ser relevado – na Lei supracitada – é a possibilidade de reorganização do


calendário escolar do ano letivo afetado pelo estado de calamidade pública. Isto posto, o ensino
remoto foi a alternativa encontrada pelo governo e pela sociedade acadêmica para prosseguir
com o ano letivo. Assim, o ensino remoto emergencial foi autorizado pelo Ministério da
203

Educação (MEC) e viabilizou o cumprimento do cronograma presencial anteriormente


estabelecido, mas que, momentaneamente, está sendo efetivado por meio das aulas online.
É importante ressaltar a diferença entre o ensino remoto autorizado pelo MEC, por meio
da Lei n.º 14.040, de 18 de agosto de 2020 – enquanto as medidas sanitárias permanecerem – e
a educação a distância definida pelo Decreto n.º 9.057, de 25 de maio de 2017. O ensino remoto
surgiu como uma alternativa para dar continuidade ao cronograma presencial estabelecido pelas
instituições de ensino presencial. São utilizadas as TICs para integralizar a carga horária
mínima, com aulas ao vivo, interação em tempo real e normalmente ocorrem no mesmo horário
em que as aulas presenciais eram cumpridas. Já a educação a distância, é uma modalidade
educacional em que a mediação didático-pedagógica ocorre, predominantemente, com a
utilização das TICs, com acompanhamento e avaliação compatíveis em que atividades
educativas são desenvolvidas por estudantes e profissionais da educação que estão em locais e
tempos diversos. Ademais, as aulas podem ser acessadas a qualquer horário pelo aluno, pois
estão disponíveis em um ambiente virtual.

DESCREVENDO EXPERIÊNCIAS

Após o governo estabelecer diretrizes mínimas que tornaram possíveis a continuidade


do ensino, foi necessário visualizar o cenário real em que alunos e professores estavam
inseridos. As dificuldades, a falta de estrutura e a construção de um novo calendário escolar
fizeram com que datas estabelecidas inicialmente para o início do ensino remoto fossem adiadas
para que houvesse mais tempo para planejar um novo formato de aula. No Distrito Federal, por
exemplo, Fraga (2020) afirma que a Secretaria do Estado e Educação do Distrito Federal
(SEEDF) adiou a volta às aulas do ensino remoto em atendimento a uma solicitação de
educadores para que pudessem adaptar e identificar possíveis problemas e dificuldades dos
alunos.
Ainda segundo a autora, na área rural, situada no Gama, no Centro de Ensino
Fundamental de Tamanduá (CEF Tamanduá), alguns professores tiveram dificuldades para
alcançar os alunos. Uma das professoras relatou que para chegar até eles, teve que bater de porta
em porta e constatou que muitos discentes não têm recursos financeiros para colocar créditos
no celular para receber as chamadas. A maioria não tem notebook ou computador, possuindo
apenas o celular dos pais para acessar a internet. Assim, foi criado um grupo no WhatsApp com
o número dos pais que tinham acesso à internet e os professores enviaram atividades
204

pedagógicas e montaram kits com apostilas para os alunos buscarem. Esta proposta teve como
objetivo auxiliar os discentes sem acesso à internet.
Sabemos que esta realidade alcança grande parte dos interiores e, inclusive, das capitais
do Brasil, causando desânimo em muitos estudantes devido à precariedade em que se encontram
e a impossibilidade das instituições públicas oferecerem os aparatos tecnológicos necessários
para que os conteúdos programáticos sejam disponibilizados aos discentes. Já os educadores,
têm inovado e aprendido a lidar com as ferramentas tecnológicas movidos pela necessidade do
cenário atual. Nesse sentido, tiveram que romper e adequar seus métodos ao ambiente virtual
ou online, mesmo não acreditando na efetividade dessa modalidade de ensino.
A pesquisa realizada pela Nova Escola34 entre os dias 16 e 28 de maio de 2020, buscou
mapear cenários vivenciados por educadores e identificar as necessidades dos professores e
gestores da educação básica. Ela foi dividida em quatro eixos: situação dos professores, situação
da rede, participação dos alunos e famílias nas atividades e perspectivas para o retorno das
atividades presenciais.
Os principais pontos desafiadores foram: a saúde emocional dos professores, já que
muitos relataram impacto na saúde emocional devido ao cenário instável e o crescente número
de mortos pela Covid-19; a falta de habilidade dos professores em lidar com as tecnologias
digitais e a consequente experiência negativa declarada por 30% dos pesquisados; a falta de
formação adequada para lidar com ensino remoto, já que mais de 50% dos educadores
afirmaram não ter recebido qualquer instrução; a baixa participação dos alunos da rede pública,
pois, na rede particular, os professores disseram que 58% das famílias estão participando do
que é proposto, enquanto na rede pública o número é de 36% e, quanto à volta às aulas, 74%
dos professores acreditavam que voltariam para as salas de aula no segundo semestre de 2020
e apenas 19% achavam que o retorno se daria em 2021. (BIMBATI, 2020).
Diante da impossibilidade de manter as aulas presenciais, os docentes, inicialmente
resistentes à nova realidade, não se adequaram ao que fora ordenado – continuidade imediata –
e por isso passaram alguns meses sem que houvesse aulas. Durante esse período, várias
pesquisas foram realizadas visando a conhecer a condição dos alunos para o acompanhamento
das aulas de forma remota.
A falta de habilidade em lidar com as tecnologias que possibilitam pôr em prática as
aulas remotas alcançou uma grande parcela dos docentes. Por outro lado, a familiarização, que

34
A pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia” foi realizada entre os dias 16 e 28 de
maio de 2020 por meio de um questionário on-line disponível no site de NOVA ESCOLA. Ao todo, foram
coletadas 9.557 respostas, sendo 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica.
205

só ocorre com o tempo e persistência, tem tornado possível a utilização de ferramentas como o
Google Meet e o Zoom, que viabilizam reuniões e encontros, especialmente no contexto das
Universidades.
Outra ferramenta importante para as aulas é o Google Classroom, que tem servido como
um ambiente apto para a postagem de atividades e deveres e como depósito dos resultados. O
Moodle, antes bastante utilizado como plataforma dos cursos a distância, se mostrou eficiente
inicialmente, mas em razão da intenção de se trabalhar com aulas síncronas – simultâneas –,
acabou perdendo espaço para o Google Meet, que permite esse tipo de interação.
Algumas disciplinas, estruturadas em textos e debates, sofreram menos prejuízos se
comparadas às demais, pois o material pôde ser disponibilizado on-line, seja pela
disponibilidade prévia do material ou pela digitalização e posterior partilha pelos professores
via WhatsApp, e-mail ou depósito nas salas virtuais. Logo, há instituições que seguiram com
as aulas e, apesar da forma tardia, tem colhido bons frutos.
Resta claro que ao longo do caminho inúmeras dúvidas surgiram e ainda surgirão, seja
por parte do corpo docente ou do corpo discente, mas elas estão sendo sanadas com o auxílio
dos próprios participantes quando as aulas acontecem em tempo real. Porém, embora existam
tecnologias disponíveis e tenha havido sucesso por parte de algumas instituições, há várias
barreiras que precisam ser rompidas. No caso dos alunos, além da falta de habilidade inicial, há
a questão econômica que afeta diretamente a vida acadêmica.
Não se pode perder de vista que as desigualdades regionais e locais são sempre um
desafio no que diz respeito ao processo de democratização do ensino. Tratando-se da atual
modalidade de ensino, essa desigualdade fica ainda mais evidente. Não são raras as exibições
de entrevistas em que os participantes alegam ter apenas um celular em uma casa com três ou
quatro filhos em idade escolar. Outros, não dispõem nem disso, e diante dessa realidade, os
filhos têm acesso apenas aos materiais que são deixados na escola. Assim, não há possibilidade
de superar dúvidas ou receber explicações.
Justamente nesse momento de fragilidade emocional e psíquica, a adoção do ensino
remoto por parte das instituições, sejam elas públicas ou privadas, explicitou as desigualdades
sociais, trazendo à tona os desafios e as dificuldades enfrentadas pelas instituições neste
processo.

ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS
206

Todas estas mudanças bruscas, além do alto nível de cobranças, têm causado nos
discentes, tal como nos profissionais da educação, alto grau de estresse, frustração e exaustão,
afetando, consequentemente, a saúde mental de todos os atores envolvidos neste processo.
É inquestionável o aumento das horas de trabalho realizadas pelos profissionais, não
apenas da educação, mas também de outros setores, que hoje executam suas atividades em
home-office. A dinâmica relacionada às atividades acadêmicas se mistura com outras
relacionadas ao trabalho doméstico, pois ambas estão, neste momento, em um mesmo espaço
físico. Acreditamos que fazer esta conciliação entre vida profissional e familiar tem sido mais
um desafio devido à sobrecarga de trabalho principalmente das mulheres, tendo em vista que,
culturalmente, as atividades domésticas e os cuidados com filhos são direcionados a elas.
Salas (2020) descreve alguns depoimentos sobre a saúde mental dos profissionais da
educação e em um deles, uma professora do Rio de Janeiro afirma estar fragilizada e com a
sensação de culpa por estar vivendo em meio a uma pandemia. A docente relata que o excesso
de trabalho tem abalado a saúde mental, causando estresse, insônia e ansiedade. A docente
acrescenta que esses relatos são comuns entre os colegas de trabalho.
Outra sensação frequente entre os profissionais é a frustração, visto que a falta de
acesso à internet ou acesso limitado a ela é uma realidade dos alunos e para minimizar o impacto
de frustração entre os discentes, ela disponibiliza conteúdos acessíveis com o intuito de não
provocar muitas dúvidas. Contudo, a profissional afirma que a sensação é de que os objetivos
não estão sendo alcançados. Em outro relato, uma professora afirma que se preocupa com a
saúde de seus alunos e de seu filho, que integra a linha de frente do combate à Covid-19. Declara
que tem receio em relação à volta às aulas presenciais, pois, segundo ela, não há diretrizes ou
orientações relacionadas aos protocolos de segurança a ser adotados.
A falta de um direcionamento nacional também tem causado impactos negativos no
combate à pandemia no país. O número de mortes tem atingido altos índices, os sistemas de
saúde não têm mais sustentado a crescente demanda de pessoas contaminadas pelo vírus e a
falta de profissionais da saúde, bem como de oxigênio em hospitais públicos e privados têm
contribuído para o caos da saúde no Brasil.
Governadores e prefeitos têm anunciado medidas de restrição ainda mais duras na
tentativa de diminuir o número de pacientes nas UTIs e alcançar uma estabilidade em relação
ao contágio. Todavia, o país tem superado a cada dia o número de mortos pela Covid-19, tendo
atingido, recentemente – 26/03/2021 – a marca de três mil e seiscentas mortes em apenas 24
horas.
207

Na tentativa de fazer cumprir os decretos estaduais, o governador do Estado de Goiás,


Ronaldo Caiado, em entrevista à TV Record, em 29 de março deste ano, afirmou que todos que
infringirem a Lei e que atentarem contra a saúde pública serão presos. Os organizadores de
eventos responderão a um processo e os responsáveis terão penas e período de prisão
estendidos. Caiado recomendou, ainda, o uso de máscara, a utilização de álcool em gel e o
distanciamento social, pois o índice de contágio da Covid-19, entre os jovens, aumentou 500%.
(Secretaria de Comunicação - Governo de Goiás, 2021).
As recomendações citadas são algumas das elencadas pelo Ministério da Saúde, que
acrescenta: lavar as mãos com frequência, com água e sabão, ou higienizá-las com álcool em
gel 70%; manter a distância mínima de 1 metro entre as pessoas; higienizar o celular; não tocar
nos olhos, nariz, boca, não compartilhar objetos pessoais; manter ambientes limpos e bem
ventilados; utilizar máscaras em todos os ambientes; se estiver doente, evitar contato com as
pessoas, principalmente idosos e doentes crônicos.
O uso da máscara passou a ser um símbolo da luta contra a Covid-19, sendo a mais
indicada, a N95, inicialmente utilizada por profissionais da saúde, mas que tem sido usada pela
sociedade na tentativa de se prevenir do contágio. As de tecido têm se destacado em relação à
adesão da população, pois são fabricadas em diversas cores e tamanhos, passando a integrar o
vestuário atual, além de serem mais acessíveis.
Apesar das orientações sobre prevenção em relação à pandemia, o número de pacientes
tem crescido assustadoramente e, na tentativa de suprir a demanda dos novos postos de
atendimentos, como UTIs e enfermarias, as cargas horárias dos profissionais da saúde têm
aumentado paulatinamente, conforme afirma Jardon (2021).
Com a abertura de novos leitos para pacientes acometidos pela Covid-19, a Secretaria
de Saúde decidiu reforçar o atendimento ampliando a carga horária de 44 servidores da pasta,
de 20 para 40 horas semanais. Os nomes dos contemplados foram publicados no Diário Oficial
do Distrito Federal (DODF).
Com a disseminação, além dos problemas de saúde ocasionados aos que conseguiram
vencer a doença, surgiu uma nova variante P.1 identificada inicialmente no Estado do
Amazonas, mas que já está presente em outros estados do país, assim como relata o Ministério
da Saúde:
Amazonas (60), São Paulo (28), Goiás (15), Paraíba (12), Pará (11), Bahia (11), Rio
Grande do Sul (9), Roraima (7), Minas Gerais (6), Paraná (5), Sergipe (5), Rio de Janeiro (4),
Santa Catarina (4), Ceará (3), Alagoas (2), Pernambuco (1) e Piauí (1). (MENGUE, 2021).
208

É neste cenário de tensão que a sociedade e profissionais da saúde têm pressionado o


governo para acelerar a vacinação no país, com o objetivo de diminuir o número de mortes e
contágio. Porém, este objetivo somente poderá ser alcançado quando a vacinação acontecer em
massa. Enquanto esta não é a realidade do Brasil, o teletrabalho, assim como o ensino a
distância, continuarão sendo as únicas alternativas para dar continuidade às atividades, pois a
vacinação contra a Covid-19 está a lentos passos.
O abalo mental e psicológico experiência neste momento de pandemia tem alcançado
grande parte da sociedade. Assim, Salas (2020) apresenta dicas de como cuidar da saúde mental
e alerta para a prevenção, pois, é importante não deixar para pedir ajuda apenas quando os
problemas se tornam difíceis de lidar. Outras dicas estão relacionadas ao estabelecimento de
rotinas – abrindo espaço para o trabalho, lazer, serviços domésticos, descanso – ter conexão
afetiva, compartilhar sentimentos, fiscalizar pensamentos – mudando forma de pensar
determinadas situações, tentando não maximizar os problemas – evitar o excesso de notícias,
não se automedicar (evitar a automedicação e compensações não saudáveis como por exemplo,
consumir bebida alcoólica para aliviar o estresse).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o estado de contaminação da Covid-19 ter sido elevado à pandemia pela


Organização Mundial de Saúde, em 2020, o mundo tem experiência mudanças culturais bruscas
relacionadas a hábitos e formas de se desenvolver o trabalho. Hoje – no Brasil – a realidade do
desenvolvimento das atividades laborais formal é o home-office.
Poucas empresas, sejam elas públicas ou privadas, eram adeptas ao teletrabalho. A
possibilidade de desenvolver as atividades laborais em casa era vista como um privilégio. Hoje,
diante das mudanças ocasionadas pelas medidas sanitárias compulsórias impostas pelo governo,
o que antes era um privilégio, tornou-se uma necessidade. Essas mudanças trouxeram consigo
desafios de adaptação à nova realidade – tal como – novas formas de planejamento que
viabilizam a execução das atividades profissionais. A sobrecarga de trabalho é inquestionável,
tendo em vista que as atividades domésticas estão presentes na vida destes profissionais, que,
hoje, desenvolvem o seu trabalho no mesmo ambiente físico em que as dinâmicas familiares
acontecem.
O ensino a distância também é uma realidade que ainda se prolongará. Os desafios em
lidar com as tecnologias que permitem executar as atividades acadêmicas têm sido superados,
mesmo que lentamente, por alunos e professores. Esta nova dinâmica evidenciou as
209

desigualdades sociais, já que parte dos discentes sequer tem acesso à internet e outra parcela
não conta com equipamentos que possibilitam acompanhar as aulas.
A saúde mental de parte da sociedade tem sido afetada durante a pandemia e conforme
relatos, tem sido comum os profissionais – da educação – declararem que estão estressados,
frustrados, exaustos e se sentindo sobrecarregados devido a cobranças e ao estado de tensão
relacionado ao Covid-19. É notório que este cenário tem afetado a saúde mental destes
profissionais e esta é mais uma barreira que deve ser superada enquanto o estado de pandemia
não é revertido.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Medida Provisória Nº 934, DE 01 DE ABRIL DE 2020. Estabelece normas


excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das
medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv934.htm. Acesso em: 22
jun. 2020.

BRASIL. LEI Nº 13.979, DE 06 DE FEVEREIRO DE 2020. Dispõe sobre as medidas para


enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735.
Acesso em: 01 mar. 2020.

FRAGA, Lorena. Ensino remoto emergencial na rede pública traz muitos desafios. Correio
Braziliense, Brasília, 2020, 16 set. 2020. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-
estudante/ensino_educacaobasica/2020/07/02/interna-educacaobasica-2019,868923/ensino-
remoto-emergencial-na-rede-publica-traz-muitos-desafios.shtml. Acesso em: 20 out. 2020.

BRASIL. LEI Nº 14.040, DE 18 DE AGOSTO DE 2020. Estabelece normas educacionais


excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de
2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Lei/L14040.htm. Acesso em: 17 set. 2020.

BRASIL. DECRETO Nº 9.057, DE 25 DE MAIO DE 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº


9.394, de 20 de dezembro de 1996 , que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Decreto/D9057.htm#art24. Acesso em: 24 fev. 2020.

BIMBATI. Ana Paula. Qual é a situação dos professores brasileiros durante a pandemia? Nova
Escola. 01 jul. 2020. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/19386/qual-e-a-
situacao-dos-professores-brasileiros-durante-a-pandemia. Acesso em: 23 out.2020.
210

SALAS, Paula. Ansiedade, medo e exaustão: como a quarentena está abalando a saúde mental
dos educadores. Nova Escola. 01 jul. 2020. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/19401/ansiedade-medo-e-exaustao-como-a-quarentena-
esta-abalando-a-saude-mental-dos-educadores# . Acesso em: 29 dez. 2020.

JARON, Carolina. Carga horária ampliada para reforçar combate à Covid-19. Agência Brasília,
Brasília, 15 jul 2020, I Edição. Disponível em:
https://agenciabrasilia.df.gov.br/2020/07/15/carga-horaria-ampliada-para-reforcar-combate-a-
covid-19/. Acesso em: 28 out. 2020.

ORGANIZAÇÃO Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. Agência Brasil,


Brasília, 11 mar. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-
03/organizacao-mundial-da-saude-declara-pandemia-de-coronavirus. Acesso em: 13 jun. 2020.

“TODOS que infringirem a lei serão presos”, diz Caiado sobre festas. Secretaria de
Comunicação - Governo de Goiás, Goiás, 29 mar. 2021. Disponível em:
https://www.goias.gov.br/servico/97-pandemia/124664-%E2%80%9Ctodos-que-infringirem-
a-lei-ser%C3%A3o-presos%E2%80%9D,-diz-caiado-sobre-festas.html%20. Acesso em: 29
mar. 2021.
O QUE é Covid-19? Ministério da Saúde. Brasil. Disponível em:
https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#como-se-proteger . Acesso em: 15 jan. 2021.

MENGUE. Angélica. Ministério da Saúde monitora novas variantes do vírus SARS-CoV-2.


Ministério da Saúde. Brasil. 23 fev. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-
br/assuntos/noticias/ministerio-da-saude-monitora-novas-variantes-do-virus-sars-cov-2.
Acesso em: 01 mar. 2021.

BIOGRAFIA DAS AUTORAS:


Gizelly Braz Vieira dos Santos
Graduada em Gestão turística pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET-
GO) e Gestão Pública pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), especialista em História
Cultural pela Universidade Federal de Goiás (UFG), aluna do Mestrado Profissional em
Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT/IFG – e servidora do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). E-mail: giza.bv@gmail.com.
Larissa Landim de Carvalho
Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Unità Faculdade. Graduanda em Letras
Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Mestra em Educação, Linguagem e
Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás (PPGIELT – UEG). E-mail:
larissalandimcarvalho@gmail.com.
Hellen Steckelberg

Advogada. Especialista em Direito do Trabalho. Graduanda em Letras Português/Inglês pela


Universidade Estadual de Goiás. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e
voluntária no Programa Institucional de Iniciação Científica. E-mail:
hellensteck@hotmail.com.
211

CAPÍTULO 19
O PAPEL DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E DO
ARTIGO 26 DA RESOLUÇÃO NÚMERO 03 DO CNE/CEB

Cassiane Nobre e Silva


Elida Maria Dias Pereira
Gleison Rodrigues de Sousa Guilherme
Vinicius Silva Romão
Jassyara Maria Castro dos Santos
Marcília Gomes Duarte
Antonio Lisboa de Aguiar Junior

INTRODUÇÃO

A Base Nacional Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que rege a


educação no Brasil. Nesse documento estão todas as normas que definem a aprendizagem
considerada essencial, ou seja, todas as habilidades que os alunos devem desenvolver ao longo
de sua vida escolar durante a educação básica, lembrando que essas vivencias deverão prepara
o aluno para a sociedade sendo responsável por garantir um desenvolvimento pleno de os
estudantes. A BNCC tem como principal objetivo promover a igualdade educacional, em
outras palavras, isso quer dizer que todos os alunos terão a oportunidade de aprender de forma
igualitária o que é considerado essencial para a sua formação como cidadão brasileiro.
Em relação ao art.26 da resolução de nº3, de 21 de novembro de 2018, pode-se dizer
que se baseia no pluralismo de ideias ligadas a uma visão pedagógica que visa estabelecer uma
relação entre a escola e o meio no qual está se inseri.

Art.26. com fundamento no princípio do pluralismo de ideias e de


concepções pedagógicas, no exercício de sua autonomia e na gestão
democrática, a proposta pedagógica das unidades escolares deve traduzir a
proposta educativa construída coletivamente, garantida a participação efetiva
da comunidade escolar e local, bem como a permanente construção da
identidade entre a escola e o território no qual está inserida. (BRASIL, MEC.
Conselho Nacional de Educação Básica. Resolução nº 3, 21 de novembro de
2018: atualiza as diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Brasilia,2018. ART.26. p.18.).

Neste sentido é possível observa e relação entre a BNCC e o art.26 da resolução nº 3,21
de novembro de 2018 ambos têm a ideia de promover uma educação inovadora que tenha o
foco de prepara o aluno para a vida criando assim indivíduos ativos dentro dasociedade
212

a qual pertence. Diante disso o presente artigo visa lançar um olhar analítico sobreo papel da
BNCC assim como o art.26 da resolução nº3,21 de novembro de 2018 buscando entender o
funcionamento do currículo: BNCC e Itinerários, destacar a importância da ária de ciências
humanas e sociais aplicadas a educação e investigar o artigo 26 da resolução nº,21 de
novembro de 2018.
O presente trabalho justifica-se pelo interesse em estudar e demostrar a importância da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do artigo 26 da resolução nº 3, 21 denovembro
de 2018 que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, na construção
de uma identidade educacional baseada na relação interativa entre a escola e a sociedade na
qual está inserida.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

A versão final homologada da BNCC - Base Nacional Comum Curricular conta com a
inclusão do Ensino Médio, que já era um objetivo a ser atingido, tendo como Base a
aprendizagem de qualidade para toda a Educação Básica brasileira. Desenvolvida por
especialistas de várias áreas, a base é um documento completo e contemporâneo, que
corresponde às demandas do estudante desta época, preparando-o para o futuro, possibilitando
a sequência de adequação dos currículos regionais e propostas pedagógicas das escolas
públicas e particulares brasileiras e garante o conjunto de aprendizagens essenciais
aos estudantes brasileiros, seu desenvolvimento integral por meio das dez competências gerais
para a Educação Básica, apoiando as escolhas necessárias para a concretização dos seus
projetos de vida e a continuidade dos estudos.
A BNCC é um documento que define o conjunto orgânico e progressivode
aprendizagens essenciais que as escolas devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades
da Educação Básica, tendo assegurados aos alunos o direito de aprendizagem e
desenvolvimento, em conformidade com o Plano Nacional de Educação (PNE), aplicando-se
exclusivamente à educação escolar que define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)1, que visam à formação humana integral e à
construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado
nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)2.
Na BNCC, a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores é definida
como competências estas inter-relacionam-se e desdobram-se no tratamento didático proposto
para as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
213

Médio), articulando-se na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de


habilidades e na formação de atitudes e valores, nos termos da LDB.
Essas competências gerais da educação básica resumem-se em: 1. Valorizar e utilizar
os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital
para entender e explicar a realidade; 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à
abordagem própria das ciências; 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e
culturais; 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal, corporal, visual, sonora e digital; 5.
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma
crítica, significativa, reflexiva e ética; 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências
culturais; 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias; 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e
emocional; 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação; e por
fim 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos,
inclusivos, sustentáveis e solidários.
Sobre os marcos legais que embasam a BNCC em seu Artigo 205. A Constituição
Federal de 19885 reconhece como direito fundamental a educação determinando que seja
direito de todos e dever do Estado e da família promover e incentivar a mesma. E para tal
a Carta Constitucional, no Artigo 210, reconhece a necessidade de fixar conteúdos mínimos
no ensino fundamental, assegurando a formação básica comum com valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais.
Dois conceitos decisivos que A LDB deixa claros para o desenvolvimento da questão
curricular no Brasil é: primeiro, estabelecer a relação entre o que é básico-comum e o que é
diverso em matéria curricular: são comuns as competências e diretrizes, são diversos os
currículos. O segundo refere ao foco do currículo. Consoantes aos marcos legais anteriores,
com o foco na aprendizagem como estratégia para fomentar a qualidade da Educação Básica
em todas as etapas e modalidades, o PNE afirma a importância de uma base nacional comum
curricular para o Brasil, referindo-se a direitos e objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento.
Em 2017, por força da Lei nº 13.415/2017, a LDB faz alteração e a legislação brasileira
passa a utilizar duas nomenclaturas para se referir às finalidades da educação que seriam: “Art.
35-A. A BNCC definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme
diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento [...]”, e
Art. 36. § 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respetivas competências e
214

habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino
(BRASIL, 20178). Tratando-se, de maneiras diferentes e intercambiáveis para designar algo
comum, ou seja, aquilo que os estudantes devem aprender na Educação Básica, o que inclui
tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los.

OS FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS DA BNCC

O foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos Estados e


Municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o
enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). A BNCC indica que ao adotar esse enfoque, as
decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências.
No novo cenário mundial, o compromisso com a educação integral requero
desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação
cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das
culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar
decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e
aprender com as diferenças e as diversidades. De acordo com isso a BNCC afirma, o seu
compromisso com as educações integrais, significando, assumir uma visão plural, singular e
integral dos sujeitos de aprendizagem, que são as crianças, adolescentes, jovens e adultos.

O PACTO INTERFEDERATIVO E A IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC

A BNCC desempenha um papel muito importante no processo de construção dos


currículos das redes de ensino visando às necessidades e os interesses dos estudantes
considerando a diversidade cultural e as desigualdades no Brasil. A mesma viabiliza as
aprendizagens fundamentais que os estudantes no geral devem desenvolver considerando as
singularidades que devem ser atendidas.
Como no Brasil ao longo do tempo se naturalizou as desigualdades educacionais com
relação ao acesso as escolas e ao aprendizado, cabe às decisões curriculares e as Secretarias
de Educação estabelecer um panejamento que leve em consideração à necessidade de
superação dessas desigualdades. O caminho para isso é se planejar com um evidente foco na
equidade, que visa admitir que as necessidades dos alunos têm realmente um caráter distinto.
A BNCC e currículos asseguram as aprendizagens indispensáveis da Educação Básica.
215

Para isso se concretizar é preciso tomar decisões que tenham intuito de adequar as
proposições da BNCC a realidade de cada região considerando as características das redes de
ensino e também as dos alunos.
Vale ressaltar que essas decisões precisam, igualmente, serem consideradas na
organização das distintas modalidades de ensino.
Nos últimos vinte anos mais de 50 % dos Estados e municípios veem criandocurrículos
para seus determinados sistemas de ensino buscando atender as especificidades de cada
modalidade. Se junta a isso a colaboração das escolas particulares e públicas, e as instituições
de ensino superior acumulando experiências com erros e acertos diante da criação de matérias
de apoio curricular. Assimilando assim práticas que culminaram em bons resultados.
Para alcançar seus objetivos a BNCC depende do adequado funcionamento do regime
de colaboração que foi formulado cobre coordenação do MEC. A partir da homologação da
BNCC, as redes de ensino e as escolas particulares irão ter que desenvolver currículos levando
em conta as atividades essências que consta na mesma.
No regime de colaboração, irá vigorar responsabilidades por meio dos entes federais
que complementem o processo que continuará sendo feito pela União, onde a mesma exerce a
função de coordenar ações para corrigir as desigualdades.
Por se tratar de um país com enormes dimensões e desigualdades a sustentabilidade da
BNCC depende do desenvolvimento de fortes instâncias técnico-pedagógicas, dando
prioridade aos que tem menos condições técnicas e financeiras. Algo que fica sob
responsabilidade do MEC junto com Undime e Consed.

CURRICULOS: BNCC E ITINERÁRIOS

A Lei nº 13.415 foi sancionada e regulamentou a Reforma do Ensino Médio


substituindo o antigo modelo curricular por um modelo diversificado e flexível. As alterações
na Lei nº 99394/ 1996 (LDB) pela Lei nº 13.415/2017 que amplia o tempo mínimo do
estudante na escola de 800 horas para 1000 horas anuais (até 2022) e definindo uma nova
organização curricular mais flexível que comtemple a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e a oferta de diferentes possibilidades de escola aos estudantes, os itinerários
formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. De
acordo com as alterações ficou decidido que:

O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Curricular e


por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de
216

diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local


e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I- linguagens e suas tecnologias:
II- matemática e suas tecnologias;
III- ciências da natureza e suas
tecnologias; IV-ciências humanas e
sociais aplicadas;
V- formação técnica e profissional (LDB, Art.36; ênfase adicionadas).
(BRASIL, 2018, p.475).

As novas alterações permitiram o surgimento da formação geral básica que


compreende ao currículo comum a todos os discentes e itinerário formativo o qual
corresponde a parte flexível do currículo do novo ensino médio, indissociavelmente
assegurados pela resolução nº 3/2018, art.10. Essa nova abordagem permitiu uma nova
divisão pautada em diferentes áreas do conhecimento.
Os itinerários foram estruturados em quatro eixos temáticos que buscam promover a
conexão entre as experiências vividas no ambiente escolar e o meio em que está inserido
sendo necessário passarem por um dos eixos temáticos. Os itinerários possibilitam aos
estudantes optarem por um plano de carreira, criarem um projeto de vida desde o início do
ensino médio. O capítulo I do artigo nº 3 da resolução CNE/CEB de 21 de novembro de 2018
fala dos sistemas de Ensino que devem garantir liberdade, autonomia e responsabilidade, além
de respeito à identidade própria de adolescentes. Além de falar sobre os recursos financeiros
emateriais necessários à ampliação dos tempos e espaços dedicados ao trabalho educativo nas
unidades escolares, aquisição, produção e/ou distribuição de materiais didáticos e escolares
adequados e professores com jornada de trabalho e formação, inclusive continuada,
adequadas para o desenvolvimento do currículo, bem como dos gestores e demais
profissionais da educação, com base em planos de carreira e outros dispositivos voltados para
esse fim acompanhamento e avaliação dos programas e ações educativas nas respectivas redes
e unidades escolares.

A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS

Essa área da Ciências Humanas é integrada a Filosofia, Geografia, História e a


Sociologia. Recomenda-se expandir e aprofundar a aprendizagem básica desenvolvida na
educação básica, que é sempre orientada de forma moral. Este compromisso educativo é
baseado na justiça, na solidariedade, Autonomia, liberdade de pensamento e escolha, ou seja,
a compreensão e o reconhecimento das diferenças, o respeito pelos direitos humanos e a
interculturalidade, além da luta contra qualquer preconceito.
217

A exploração desses problemas de uma perspectiva mais complexa tendo em vista as


maiores habilidades cognitivas dos jovens, é possível estar no ensino médio, o que lhes permite
expandir sua biblioteca conceitual e a capacidade de expressar informações e conhecimento.
A caminho de desenvolvimento e a combinação de funções de observação, memória e
abstratas pode ter uma compreensão mais precisa da realidade e um raciocínio mais complexo
-, “[...] além de um domínio maior sobre diferentes linguagens, o que favoreceos processos de
simbolização e de abstração”. (BRASIL, p. 561, grifo do autor)
“Portanto, no Ensino Médio, a BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas propõe que os estudantes desenvolvam a capacidade de estabelecer diálogos [...]”.
(BRASIL, p. 561, grifo do autor) - Entre indivíduos de diferentes nacionalidades, saberes e
culturas, grupos sociais e cidadãos - aceitação e adoção da alteridade Comportamento ético
social. “Para tanto, define habilidades relativas ao domínio de conceitos e metodologias
próprios dessa área”. (BRASIL, p. 561, grifo do autor) A operação de identificar, selecionar,
organizar, comparar, analisar, explicar e compreender um determinado objeto de
conhecimento é o processo de seleção, organização e conceituação da construção e
desconstrução do significado do conteúdo Inserido por um determinado sujeito ou grupo
social em um determinado momento, lugar e situação. Sendo assim:

De posse desses instrumentos, espera-se que os jovens elaborem hipóteses


eargumentos com base na seleção e na sistematização de dados, obtidos em
fontes confiáveis e sólidas. A elaboração de uma hipótese é um passo
importante tanto para a construção do diálogo como para a investigação
científica, pois coloca em prática a dúvida sistemática – entendida como
questionamento e autoquestionamento, conduta contrária à crença em
verdades absolutas. (BRASIL, 562, grifo do autor)

É necessário, ainda, que a Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas favoreça o


protagonismo juvenil investindo para que os estudantes sejam capazes de mobilizar diferentes
linguagens [...]. (BRASIL, 562, grifo do autor) Valorizar o trabalho de campo (entrevista,
Observação, consulta a coleções históricas, etc.), recorrem a diferentes formas de registro e se
engajam em práticas cooperativas para a resolução de problemas. Com isso:

Considerando as aprendizagens a ser garantidas aos jovens no Ensino Médio,


a BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas está organizada
de modo a tematizar e problematizar algumas categorias da área,
fundamentais à formação dos estudantes: Tempo e Espaço; Territórios e
Fronteiras; Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; e Política e
Trabalho. Cada uma delas pode ser desdobrada em outras ou ainda analisada
218

à luz das especificidades de cada região brasileira, de seu território, da sua


história e da sua cultura. (BRASIL, p. 562, grifo do autor)

“Tempo e Espaço explicam os fenômenos nas Ciências Humanas porque permitem


identificar contextos, sendo categorias difíceis de se dissociar”. (BRASIL, 563, grifo do autor)
No ensino médio, ao analisar eventos que ocorreram em diferentes situações, pode – se
compará-los, observar suas semelhanças e diferenças e compreender o processo caracterizado
por continuidade, mudança e ruptura. “Território e Fronteira, por sua vez, são categorias
cuja utilização, na área de Ciências Humanas, é bastante ampla”. (BRASIL, 564, grifo do
autor) Nota – se que:

A discussão a respeito das categorias Indivíduo, Natureza, Sociedade,


Cultura e Ética, bem como de suas relações, marca a constituição das
chamadas Ciências Humanas. O esclarecimento teórico dessas categorias
tem como base a resposta à questão que a tradição socrática, nas origens do
pensamento grego, introduziu: O que é o ser humano? (BRASIL, 565, grifo
do autor)

“As categorias Política e Trabalho também ocupam posição de centralidade nas


Ciências Humanas. A vida em sociedade pressupõe ações individuais e coletivas que são
mediadas pela política e pelo trabalho”. (BRASIL, 567, grifo do autor) Levando em conta
esses pressupostos, e combinando a capacidade geral da educação básica e a capacidade
humanística da educação básica, no ensino médio, as áreas de humanidades e ciências sociais
aplicadas devem garantir o desenvolvimento dos alunos [...] “de competências específicas.
Relacionadas a cada uma delas, são indicadas, posteriormente, habilidades a ser alcançadas
nessa etapa”. (BRASIL, 569, grifo do autor)
O art.26 da resolução nº 3,21 de novembro de 2018, vem para fazer a atualização das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, assistidas pelos sistemas de ensino e
suas unidades escolares na organização curricular, além de estabelecer a organização
curricular bem como suas formas de ofertas, e versa sobre os sistemas de ensino e suas
propostas pedagógicas. A resolução também traz ideias inovadoras, onde estudantes e
professores participam do processo de ensino aprendizagem como sujeitos históricos e de
direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade e singularidade. A resolução
propõe uma modalidade de ensino em que haja uma parceria entre escola e família.

CONSIDERAÇÕES
219

O artigo analisou de forma simples e objetiva o papel da Base Nacional Comum


Curricular (BNCC) bem como o art. 26 da resolução n° 3 de 21 de novembro de 2018.
Evidenciando pontos em comum entre elas como por exemplo a inovação do ensino
colocando os discentes como protagonistas e sujeitos históricos no processo de ensino
aprendizagem.
Mediante o conteúdo aqui explanado podemos afirmar que apesar de haver
documentos que asseguram diretos e deveres para com os discentes, não se pode garantir que
os mesmos estão sendo cumpridos. Estamos falando de um país com mais de 200 milhões de
habitantes onde nem todos usufruem de acesso à educação de qualidade. Um país onde se
investe cerca de 6 % do seu PIB em educação, a falta de investimentos contribui
significativamente para um fenômeno chamado evasão escolar e consequentemente para o
analfabetismo. Para que se atinja metas no ensino aprendizagem é necessário muito mais que
resoluções, documentos publicados, de nada adianta se não há investimentos educacionais,
valorização dos profissionais e parcerias entre pais e escola. A implantação de medidas
políticas educacionais a longo prazo dar certo sim, porem depende de vários fatores.
estabelecer um conteúdo similar nas instituições de ensino em todos país, de modo que alunos
das mesmas series possuam o mesmo conhecimento independente da região, tem sido
desafiador uma vez que o pais possui uma diversidade notável de no que diz respeito as
condições econômicas, dificultando o processo da alfabetização na idade certa como por
exemplo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível


em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/o-que.>. Acesso em: 11. abril.2021

BRASIL.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Base Nacional Comum Curricular:


Educação é a Base. Brasília: MEC/ CONSED/ UNIME, 2018.p.5-21;475-479, 561-570.

BRASIL, MEC. Conselho Nacional de Educação Básica. Resolução n° 3, de 21 de


novembro de 2018: atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Brasília,2018. (art.26)

BIOGRAFIA DOS AUTORES

JASSYARA MARIA CASTRO DO SANTOS


Graduada em Licenciatura plena em História- Universidade Estadual do Piauí- UESPI.
Pós-graduanda em Metodologia do ensino de História- FAVENI E-mail:
jassyaramaria18@gmail.com
220

CASSIANE NOBRE E SILVA


Graduada em Licenciatura Plena em História-Universidade Estadual do Piauí- UESPI. E-
mail:Cassianesilvanobre378961@gmail.com

GLEISON RODRIGUES DE SOUSA


Graduado em Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI.
E-mail: rodriguessousa1998@gmail.com

GUILHERME VINICIUS SILVA ROMÃO


Graduado em Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI.
PósGraduando em História do Brasil com Docência no Ensino Superior. E-mail:
guinicinho123@gmail.com

MARCILIA GOMES DUARTE


Graduada em Licenciatura plena em História- Universidade Estadual do Piauí- UESPI.
E-mail: maciliaduarte.27@gmail.com

ELIDA MARIA DIAS PEREIRA


Graduada em Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI.
Pós- graduanda em Identidade, Cultura e Região da Universidade Estadual de Goiás- UEG.
E-mail:0309elidamariadias@gmail.com Currículo
Lattes:http://lattes.cnpq.br/5338473921327962

ANTONIO LISBOA DE AGUIAR JUNIOR


Mestrado em Políticas Públicas concluído na Universidade Federal do Maranhão em maio de
2013 ligado à área de Gestão Pública, Serviço Social, movimentos sociais e avaliação de
políticas públicas. Especialista em História Social pela Faculdade Atenas Maranhense desde
2011. Possui licenciatura em História pela Universidade Estadual do Maranhão desde 2008.
Desde 2021 é graduado no curso de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do
Maranhão. E-mail tonyforever.jr@gmail.com
221

CAPÍTULO 20
POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UM MECANISMO DE COMBATE À
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE COVID-19

Daniela Costa Soares Mattar


Renata Carvalho Martins Lage
Fabrizia Angelica Bonatto Lonchiati
Naony Sousa Costa Martins

INTRODUÇÃO

No último ano, em razão da pandemia do Covid-19, a rotina das pessoas passou por
diversas mudanças na tentativa de conter a expansão e a transmissão da doença. Foi necessário
adotar o lockdown como uma medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde e isso
gerou impactos positivos para combater a doença, mas em contrapartida, gerou também
impactos negativos, como por exemplo, contribuindo para o aumento da violência doméstica
contra a mulher.
Nesse contexto, a mulher em muitos casos, teve a sua jornada de trabalho ampliada com
os filhos em casa em razão do fechamento das escolas; com o marido ou companheiro
trabalhando no regime de home office, e em algumas situações, ainda tendo a responsabilidade
de cuidar de idosos, que não puderam sair para realizar atividades diárias. Essas repercussões,
podem dificultar os relacionamentos interpessoais durante a pandemia, principalmente no que
se refere à suscetibilidade aumentada da mulher a sofrer a violência doméstica.
Entende-se que a violência doméstica é um problema de saúde pública anterior à
pandemia, mas que em razão da adoção de medidas de distanciamento social, criou-se o
contexto propício para que a situação piorasse, com o aumento exponencial do convívio dentro
de casa, da mulher e de seu agressor.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo relacionar que a falta de políticas públicas
voltadas para a mulher, pode contribuir para aumentar a violência doméstica durante a
pandemia. Para isso, este estudo foi dividido em três partes. A primeira, aborda a efetivação
dos direitos das mulheres à luz do princípio da igualdade substancial e da não discriminação; a
segunda trata da violência doméstica contra a mulher em tempos de Covid-19, e a terceira
elucida sobre a importância da política pública no enfrentamento à violência contra as mulheres.
222

A metodologia utilizada no presente trabalho foi, basicamente, uma revisão da


literatura existente, buscando o estado da arte sobre o tema e da respectiva proposta apresentada,
acrescida de um cruzamento das informações obtidas junto à análise da legislação. Como
técnicas de pesquisa, utilizou-se tanto a pesquisa bibliográfica, quanto à pesquisa documental.
Por fim, quanto aos métodos, foi utilizado, em especial, o método lógico-dedutivo.

EFETIVAÇÃO E DIREITOS DAS MULHERES À LUZ DO PRINCÍPIO DA


IGUALDADE SUBSTANCIAL E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO

A mulher, desde tempos remotos, foi condicionada e submetida a ocupar posição


secundária na sociedade face uma cultura machista e patriarcal advinda da própria norma
estruturante, que discriminava a mulher e esta inferioridade se permeia em tempos atuais.
A saída da mulher da casa para o trabalho, fez surgir uma chefe de família,
empreendedora, batalhadora, trabalhadora, estudante, passando a exercer um papel de
protagonista e de extrema importância na sociedade atual; fazendo com que há uma busca
incessante pela construção da igualdade efetiva e a desconstrução da desigualdade dos direitos
pautados na questão da identidade de gênero mulher. Todavia, essa nova realidade não é aceita
por essa sociedade machista, que ainda insiste na submissão das mulheres cometendo violências
aterrorizantes, invisíveis, covardes que precisam ser erradicadas, pois geram consequências
nefastas para toda a sociedade.
Dessa forma, persiste a desigualdade latente, advinda de uma norma estruturada no
machismo, fruto de um passado que deixou marcas na atualidade, em que a mulher basicamente
exercia função de procriação, educadora dos filhos e como complemento do homem, possuindo,
assim, uma posição de inferioridade, como já mencionamos. Diante desse cenário, necessário
se faz ir atrás de uma sociedade mais justa, mais inclusiva, menos violenta, mais igualitária,
abarcando todos os direitos e garantias constitucionais, que compreende a efetividade dos
direitos fundamentais em prol da justiça.
Portanto, o que se busca nesta luta pela igualdade entre homens e mulheres é o respeito
mútuo, o resgaste do direito à vida digna, uma sociedade que não cultive valores que incentivam
a violência, a discriminação, a desigualdade, o machismo estruturante da norma; isto é, a
igualdade, a solidariedade, a liberdade, a autonomia das mulheres; pautada numa sociedade
livre, justa e solidária de acordo com o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, o desafio
atualmente é a construção de mecanismos para que a isonomia e a não discriminação sejam de
223

fato e objetivamente aplicadas na construção de normas atinentes à identidade de gênero em


relação à mulher através dos princípios e das garantias fundamentais.
Nesse ínterim, sendo a isonomia o corolário indispensável à efetivação dos direitos
fundamentais garantidos no plano constituinte; urge, portanto, fazer o enfrentamento sobre as
barreiras reais e falhas que ainda existem no sistema normativo brasileiro, garantindo igual
amplitude de direitos e deveres entre homens e mulheres independentemente da condição de
gênero; uma vez que o maior desafio será a modificação da visão machista do homem.
Portanto, nesse contexto, é importante mencionar que a Constituição Federal de
198835, artigo 5º, ao dispor sobre as garantias e direitos fundamentais que todo cidadão possui,
ressalta o princípio da igualdade. Vista disso, usualmente se divide o conceito de igualdade em
igualdade formal e igualdade material. A igualdade material, ou a igualdade de fato de acordo
com Walter Claudius Rothenburg (2008, p. 85) “refere-se à realização efetiva da igualdade em
concreto”. Por sua vez, a igualdade formal, conforme conceitua José Emílio Medauar Ommati,
“[...] seria aquela que reconhece que todos são iguais perante a lei. Assim, para essa perspectiva,
pouco importam as diferenças fáticas entre os indivíduos.” (2018, p. 62).
Ainda, menciona OMMATI (2018, p. 63), ao dissertar sobre o tema igualdade formal:
“essa fórmula para compreender a igualdade, embora sedutora, é vazia de significado e traz
uma série de questões que não podem ser resolvidas a priori. Quem são os iguais? Quem são
os desiguais? E que medida é essa que permite a desigualdade?”
É sabido, portanto, que a igualdade é um dos princípios basilares de qualquer Estado
democrático moderno. Não há como conceber a ideia de um Estado de Direito sem que o
princípio da igualdade funcione como garantidor e mantenedor do princípio da dignidade da
pessoa humana. A construção de uma sociedade justa e fraterna, passa, necessariamente, pela
construção de uma sociedade baseada no respeito ao princípio da igualdade como garante da
dignidade da pessoa humana, fim último do Estado.
Ao lado do princípio da igualdade, está o princípio da não discriminação. Conforme
enfatiza José Joaquim Calmon de Passos36, em verdade, o princípio da não discriminação é
insuscetível de ser construído a partir dele próprio, pode-se dizer que é sempre um reflexo do
princípio da igualdade. Ainda segundo referido autor, a discriminação é uma atitude que fere o
modelo Estado Democrático de Direito.
A proibição da não discriminação implica uma distinção de qualquer tipo, exclusão,

35
Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 21 abril 2021.
36
Disponível em: www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=229. Acesso em 21 abril 2021.
224

preferência, limitação ou restrição entre as pessoas ou grupos que se encontram em situações


similares, a menos que exista uma justificativa objetiva e razoável e o grau da distinção seja
proporcional ao objetivo. Considera-se, portanto, que o princípio da não discriminação é
incompatível com a leitura formal do princípio da igualdade.
Isto exposto, superar as desigualdades de gênero é um dos primeiros passos para o
desenvolvimento da mulher. Assim, destaca Zygmunt Bauman:

[...] desigualdade existencial limita a liberdade de ação de certas categorias de


pessoas; são vítimas da desigualdade existencial as categorias sociais
humilhadas, desrespeitadas e inferiorizadas por terem arrancada de si uma
parcela fundamental de sua humanidade, como por exemplo as mulheres
(2011, p. 109).

Desta forma, ao tratar do princípio da igualdade ligado ao princípio da não


discriminação, faz-se uma constatação da presença de grupos minoritários ou vulneráveis num
contexto social, e nesta pesquisa, de forma especial, destaca-se a mulher. Assim o
reconhecimento de uma sociedade plural e desigual, pautada pela existência de grupos
vulneráveis é o primeiro pressuposto para se pensar em igualdade não apenas como um
princípio que exige considerações formais, mas sim, em um princípio apto a promoção e
efetivação de direitos dos referidos grupos.
A vulnerabilidade da mulher e a violência sofrida por elas, já enraizada há tempos,
ganhou maios expressividade durante a pandemia da Covid-19, como passa a expor no capítulo
a seguir.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER EM TEMPOS DE COVID-19

Objetiva-se, no presente item da pesquisa, discutir, de forma teoricamente


fundamentada, os impactos e os reflexos da pandemia da Covid-19 no que se refere a violência
doméstica contra a mulher. Conforme já destacado nesta pesquisa, a proteção da mulher é fator
essencial para se estabelecer uma igualdade substancial e, em especial, face aplicabilidade do
Princípio da não discriminação, bem como em decorrência do reconhecimento jurídico de uma
sociedade plural e desigual que é pautada pela existência de grupos vulneráveis e minoritários.
Em março de 2020, no Brasil, assim como em diversos países do mundo, iniciou-se os
protocolos sanitários para o combate a pandemia da Covid-19. Um destes protocolos trata-se
da medida de isolamento social que tem por principal objetivo evitar a propagação e o contágio
pelo vírus. Apesar de constituir medida necessária, o isolamento impacta em diversas questões
225

sociais e, especialmente, no que se refere a violência doméstica contra a mulher. Conforme


evidenciam Lucimara Fabiana Fornari et al., o isolamento social “levou ao aumento
exponencial do convívio, ampliando as possibilidades de tensionar relações interpessoais e
intensificar os desgastes familiares, inclusive da mulher com o agressor”.37
Diante deste cenário, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública editou no dia 24 de julho
de 2020, uma nota técnica com o objetivo de apurar a questão da violência doméstica durante
a pandemia de Covid-19, em especial no que se refere ao cenário do isolamento social. 38
Conforme evidencia referida Nota Técnica, a situação do isolamento social é extremamente
necessária, no entanto, fez com que mulheres que já se encontravam em situação de violência
ficassem em situação de maior vulnerabilidade, na medida em que permanecem no âmbito de
suas residências por um maior tempo com seu agressor e, em contrapartida, encontram uma
maior restrição ao acesso as redes de proteção da mulher e aos canais de denúncia. 39
A Nota Técnica apontou, no que se refere ao crime de lesão corporal contra a mulher,
que houve uma “[...] redução nos registros de lesão corporal dolosa entre março e maio de 2020
em comparação com o mesmo período no ano anterior”.40 Destacou, ainda, que “houve uma
queda de 27,2% no período acumulado, com as maiores reduções nos estados do Maranhão
(84,6%), Rio de Janeiro (40,2%) e Ceará (26%)”.41 Já no que tange ao crime de feminicídio,
apontou que “[...] entre março e maio de 2020 houve um pequeno aumento de 2,2% nos casos
de feminicídios registrados em comparação com o mesmo período de 2019 – foram 189 casos
este ano, contra 185 no ano passado”.42 Importante mencionar, ainda, que houveram reduções

37
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
71672021000800202&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em 24 abril 2020.
38
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
39
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
40
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
41
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
42
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
226

no que se refere ao “[...] número de medidas protetivas de urgência 43 concedidas no período


entre março e maio de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado”.44
Apesar da Nota Técnica apontar uma redução nos números de casos de violência
doméstica contra a mulher, deve-se verificar de forma crítica a situação, já que o acesso a
denúncia e as delegacias, ainda que feito de forma virtual, ficou mais dificultoso. Conforme
destaca Ana Tereza Basilio: “Constata-se o acerto dessa conclusão pelo fato de que, embora a
possibilidade de acusação de crimes tenha caído, a ocorrência de feminicídio aumentou no
Brasil de forma expressiva. Fenômeno similar foi constatado na Itália e divulgado pela ONU”.45
Somado a isso, deve-se destacar, ainda, que as subnotificações podem decorrer da “dificuldade
da denúncia, pois o autor da violência, na maioria dos casos, compartilha do mesmo espaço
físico da pessoa em situação de violência e, neste cenário de confinamento, a convivência passa
a ser em tempo integral” (BAGGENSTOSS; LI; BORDON, 2020, p. 345).
Importante mencionar, ainda, que para potencializar o combate à violência doméstica e
familiar contra a mulher e o enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas
idosas e pessoas com deficiência durante o período de emergencial de saúde pública de âmbito
internacional decorrente da Covid-19, foi publicada no dia 07 de julho de 2020, a Lei nº 14.022.
Mencionada legislação estabeleceu que os prazos processuais para a concessão de medidas
protetivas que tenham relação com atos de violência doméstica e familiar cometidos contra
mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência serão mantidos, sem
suspensão. Ademais, dispôs que o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar
contra a mulher e de crimes cometidos contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com
deficiência poderá ser realizado por meio eletrônico ou por meio de número de telefone de
emergência designado para tal fim pelos órgãos de segurança pública.
Verifica-se, portanto, que a violência doméstica contra a mulher em tempos de pandemia
é uma matéria que demanda atenção, especialmente ante a vulnerabilidade da mulher que é
potencializada pelo isolamento social. Desta forma, a criação e a implementação de políticas

43
Conforme evidencia a Nota Técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no que se refere a concessão
de medidas protetivas de urgência: “Em São Paulo, houve uma queda de 11,6% na concessão de medidas, que
passaram de 17.539 em 2019 para 15.502 em 2020. No Pará, o número de medidas concedidas foi de 1.965 em
2019 para 1.719 em 2020 – uma queda de 12,5%. Já no Rio de Janeiro o total de medidas protetivas concedidas
caiu 30,1%, passando de 7.706 em 2019 para 5.385 em 2020. Por fim, o Acre apresentou uma redução no de
30,7% na concessão de medidas do período acumulado, indo de 434 medidas concedidas entre março e maio de
2019 para 289 em 2020”. 43 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-ed03-v2.pdf. Acesso em 05 out 2020.
44
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
ed03-v2.pdf. Acesso em 5 out 2020.
45
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/ana-tereza-basilio-violencia-domestica-durante-covid-
19. Acesso em 05 out 2020.
227

públicas, durante e após o período da pandemia, constituem um mecanismo apto a promoção e


efetivação de direitos humanos e fundamentais para a proteção da mulher contra a violência
doméstica, como será destacado no próximo tópico do presente artigo.

POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS


MULHERES

A igualdade de gênero e o princípio da não discriminação já mencionados acima


embora seja um preceito fundamental, descrito do art. 5º, inciso I da Constituição da República
Federativa do Brasil impõe ao Estado a obrigatoriedade de criação de diversas ações para sua
efetividade.
É bem verdade que o processo de discriminação exige uma mudança de cultura social,
de padrões sociais, de postura machista, todavia, a implementação de ações estatais é
fundamental para a concretização dos objetivos constitucionais, em especial, os descritos no
art. 3º, inciso I do texto constitucional: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
como bem descreve a ministra Cármen Lúcia em voto descrito na ADI 2.649:

[...] Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbulo da Constituição,
no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de
1988 [...]. Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas
públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade
haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma
comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]46.

Se há a obrigação e atuação estatal para esta finalidade, como isso será possível? A
concretização das ações estatais ocorre por meio da construção de políticas públicas, que
segundo Maria Paula Dallari Bucci, são programas de ações governamentais que buscam
coordenar os meios à disposição do Estados e as atividades privadas, para a concretização de
objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados47. Nesse contexto, acrescenta-
se que política pública não é somente controle do Estado, ela tem que dar resultado, promover
uma mudança qualitativa na vida das pessoas.
Ainda, Norberto Bobbio ressalta que:

46
ADI 2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.] Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2>. Acesso em: 09 dez. 2018
47
BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 14.
228

A uma gama bastante ampla de ações que se reportam à coletividade estatal,


compreendendo, de um lado, as atividades de Governo, relacionadas com os
poderes de decisão e de comando, e as de auxílio imediato ao exercício do
Governo mesmo e, de outra parte, os empreendimentos voltados para a
consecução dos objetivos públicos, definidos por leis e por atos de Governo,
seja através de normas jurídicas precisas, concernentes às atividades
econômicas e sociais; seja por intermédio da realização de tais finalidades
(com exceção dos controles de caráter político e jurisdicional)48.

Tem-se que o Estado, portanto, possui uma obrigação positiva de promover políticas
públicas com o fim de promover melhorias na qualidade de vida da população, nos interessando
um enfoque para a minoria das mulheres, sendo vedado quaisquer tipos de retrocesso a esses
direitos sociais fundamentais garantidos, pois possíveis retrocessos poderiam gerar um abalo
na ordem jurídica, além de ferir de maneira brutal a dignidade de muitas pessoas necessitadas
da proteção estatal para garantia destes direitos.
Desta forma, não basta a legislação traduzir direitos é preciso vontade política e social
em fazer cumprir esses direitos garantidos, revelando muito mais uma questão política do que
jurídica, como bem descreve Konrad Hesse: “quanto mais intensa for a vontade de Constituição,
menos significativas hão de ser as restrições e limites impostos à força normativa da
Constituição”49.
De acordo com Pereira50, seguindo os ensinamentos de Howlett e Ramesh, esse ramo
do conhecimento possui três características principais:

[...] é multidisciplinar, porque rompe com os estreitos limites de estudos


sobre instituições e estruturas e abrange temas e questões tratados por
outras disciplinas científicas, como a economia, a sociologia, a ciência
política, o direito, o serviço social, dentre outras; é intervencionista,
porque não se contenta apenas em conhecer o seu objeto de estudo, mas
também procura interferir nele e modifica-lo; e é normativa, porque não
é pura racionalidade e se defronta com a impossibilidade de separar fins
e meios, bem como valores e técnicas, no estudo das ações dos
governos.

Assim, cabe aos detentores do poder político e a própria sociedade assumirem essa
responsabilidade de buscar políticas públicas e ações para efetivar os direitos garantidos e não

48
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010, v. 1, p. 10.
49
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 24-25.
50
PEREIRA, P. A. P. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania.
In: BOSCHETTI, Ivanete. Política social no capitalismo: tendências Contemporâneas. São Paulo: Cortez,
2008, p. 103.
229

fecharem os olhos para essa realidade, pois é as mulheres compõem uma classe vulnerável e
que precisa de cuidado.
A Lei Maria da Penha é a expressão do reconhecimento da necessidade de
implementação de política pública de combate à violência contra a mulher, como bem descreve
o art. 35 do referido diploma legal:

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar


e promover, no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e
respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em
situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de
perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de
violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e
familiar;
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Ainda que a Lei Maria da Penha tenha sido um grande avanço para o combate à
violência contra as mulheres, essa política de enfrentamento não pode ficar restrita, tão somente,
na construção de uma legislação. Pensando nisso, no ano de 2003, o Governo Federal reconhece
a importância da proteção das mulheres e cria a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres (SPM), embora fosse uma secretaria possuía status ministerial.
Mencionada Secretaria resgatou a atuação do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher da década de 1980, e avançou na interlocução dos movimentos de mulheres como uma
aliada na defesa de políticas públicas de mulheres51.
A violência, sendo um microproblema que resulta na dimensão macro da desigualdade
de gênero, situação assimilada como algo normal dentro da sociedade machista a que estamos
inseridos, a política pública de enfrentamento da violência doméstica passa a ser crucial,
principalmente porque o combate da violência é a via principal para a concretização do direito
fundamental à igualdade, uma vez que ela, por sua maioria, acaba ocorrendo por conta desta
desigualdade enraizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

51
Disponível em https://violenciaesaude.ufsc.br/files/2015/12/Politicas-Publicas.pdf. Acesso em 07 maio 2021.
230

O direito da mulher quanto ao reconhecimento de igualdade de gênero não pode ser


ignorado ou compreendido como algo a não ser enfrentado diante da assimilação social da
desigualdade. A ausência de políticas públicas efetivas para o combate de desigualdade de
gênero é a causa principal da ausência de concretização da igualdade material.
As medidas de contenção social como o lockdown e o distanciamento social, aliadas
com o fechamento de escolas e de locais que fazem parte de uma rede de apoio para as mulheres
são fatores que somados contribuíram para o aumento de casos de violência doméstica contra a
mulher durante a pandemia.
Além desses fatores, como demonstrado nesse estudo, a falta de políticas públicas
eficazes e direcionadas para esse público-alvo, culminou com um agravamento da
vulnerabilidade das mulheres e alavancou uma prática que já acontece há muito tempo, e que
foi de certa forma favorecida pelo aumento da convivência e da restrição domiciliar, que é a
violência contra a mulher.
Entende-se que todas essas estratégias são fundamentais para evitar que a doença se
alastre, mas esse contexto, analisado conjuntamente com a falta de políticas públicas e de
planejamento governamental se tornaram o cenário perfeito para que a situação de violência se
instaurasse e se agravasse.
Conclui-se, portanto, que é necessário o investimento em políticas públicas no
combate à violência contra a mulher em tempos de pandemia, principalmente por conta da
principal finalidade quanto à política pública: concretização dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: sociedade justa, livre e solidária.

REFERÊNCIAS

BAGGENSTOSS, Grazielly Alessandra; LI, Letícia Povala; BORDON, Lucely Ginani.


Violência contra Mulheres e a Pandemia do Covid-19: Insuficiência de Dados Oficiais e
de Respostas do Estado Brasileiro. Revista de Direito Público. v. 17, n. 94, jul./ago. 2020.
Disponível em:
https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/4409/Baggenstoss%3B
%20Li%3B%20Bordon%2C%202020. Acesso em: 21 de abril de 2021.

BASILIO, Ana Tereza. A violência doméstica durante a Covid-19. Disponível em:


https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/ana-tereza-basilio-violencia-domestica-durante-covid-
19. Acesso em 05 de outubro de 2020.

BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-
19. Nota Técnica. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
231

content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf. Acesso em 05 de outubro de


2020.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010,


v. 1

BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas.
São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de


1988. Disponível em http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em
21 de abril de 2021.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j.
8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.] Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2>. Acesso em: 09 dez. 2018.

COELHO, Elza Berger Salema; BOLSONI, Carolina Carvalho; CONCEIÇÃO, Thays Berger;
VERDI, Marta Inez Machado. Políticas públicas no enfrentamento da violência.
Florianópolis: UFSC, 2014.

FORNARI, Lucimara Fabiana et al. Violência doméstica contra a mulher na pandemia:


estratégias de enfrentamento divulgadas pelas mídias digitais. Rev. Bras. Enferm., Brasília,
v. 74, supl. 1, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
71672021000800202&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em 24 de abril de 2020.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Violência doméstica durante a


pandemia de Covid-19. Nota Técnica. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf. Acesso em 05 de outubro de
2020.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.


Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

OMMATI, José Emílio Medauar. Uma teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018.

PASSOS, José Joaquim Calmon de. O princípio da não discriminação. Disponível em


www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=229. Acesso em 21 de abril de 2021.

PEREIRA, P. A. P. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito
de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete. Política social no capitalismo: tendências
Contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008, p. 103.

ROTHENBURG Walter Claudius. Igualdade material e discriminação positiva: o princípio


da isonomia. Disponível em https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1441.
Acesso em 06 de outubro de 2020.
232

Daniela Costa Soares Mattar

Possui graduação em Direito pela Universidade de Itaúna (MG) - 2001. Especialista em Direito
Processual pelas Faculdades Integradas do Oeste de Minas - FADOM - Divinópolis (MG) -
2002; e Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (RS) - 2008. Mestre
em Direito das Relações Econômicas - Empresariais pela Universidade de Franca (2005).
Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2011).
Professora Universitária na área de Direito, com ênfase em Direito Privado (Direito Civil e
Direito Empresarial). Doutoranda em Direito em proteção e efetivação dos direitos
fundamentais, linha de pesquisa em organizações internacionais e a proteção dos direitos
fundamentais pela Universidade de Itaúna (MG) - 2020. E-mail: dcsmattar@terra.com.br

Renata Carvalho Martins Lage

Doutoranda em Direito em proteção e efetivação dos direitos fundamentais, linha de pesquisa


em organizações internacionais e a proteção dos direitos fundamentais pela Universidade de
Itaúna (MG) - 2020. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduação
da Escola Superior da Advocacia da OAB- MG na área de Advocacia trabalhista - EAD.
Graduação em Direito no IBMEC-MG. Graduação em Terapia Ocupacional pela Faculdade
Ciências Médicas de Minas Gerais. Especialista em desenvolvimento infantil pela UFMG e em
Fisiologia do exercício pela Universidade federal de São Paulo - UNIFESP. E-
mail:recmlage@yahoo.com.br

Fabrizia Angelica Bonatto Lonchiati

Advogada; docente formadora do EAD na Unicesumar; doutoranda em Direito pela


Universidade de Itaúna; mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Cesumar -
Unicesumar; pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Universidade Cesumar -
Unicesumar; pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional
- Uninter; pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola de Magistratura do Paraná; graduada
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. E-mail:
fabrizia@bcvadvocacia.adv.br

Naony Sousa Costa Martins


Doutoranda em Direito. Mestre em proteção e efetivação dos direitos fundamentais – Linha de
pesquisa em Processo Coletivo, pela Fundação Universidade de Itaúna/MG. Especialista pela
Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual do Instituto de Educação Continuada na
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais — IEC PUC Minas. Professora na Faculdade
Pitágoras Campus Divinópolis/MG. E-mail: naony.sousa@gmail.com. Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-9005-1749. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3918069033429128.
233

CAPÍTULO 21
VIOLÊNCIA SEXUAL NA COMUNIDADE ÍNDIGENA: Uma Visão
Casuística Na Cidade De Campinápolis Mato Grosso

Cíntia Aparecida de Souza Silva


Marcos Vinicius Ferreira Correa

INTRODUÇÃO

O Brasil possui um número alto relacionado a crimes de violências sexuais, e o Estado


De Mato Grosso está entre um dos estados que mais possui casos de violência sexual, crimes
estes divididos em categorias sendo, estupro, importunação sexual, violência doméstica e
feminicídio. As vítimas não tem distinção de cor, raça ou etnia, mas valha frisar que a grande
parte das vítimas são mulheres e crianças, e os autores são pais, parceiros, conhecidos, entes da
família e até mesmo seu próprio vizinho.
Importante ressaltar que uma parte da população brasileira é indígena e ocupa o País
desde os primórdios da civilização. Nesse contexto, os índios estão espalhados por todos os
cantos, cada qual com uma etnia e cultura diferente. Dessa forma, com a evolução da sociedade
brasileira, alguns indígenas se tornaram mais integralizados do que outros com a modernidade
do “homem branco”, e, com isso, os crimes cometidos por índios contra seus semelhantes,
devem ser punidos de acordo com a lei do homem branco, ou seja, não pode haver diferença
com o aborígene ao aplicar a lei para o seu benefício ou sanção.
Em uma realidade adjunta da Região do Vale do Araguaia, especificadamente em
Campinápolis, município do Estado de Mato Grosso, há casos de crimes sexuais ocorridos
contra indígenas, atuando o índio como autor e/ou vítima, porém a população da região tem
pouco conhecimento sobre isso, pois não é mencionado com frequência esse assunto com
figurantes indígenas. Uma das razões para não mencionar esse crime é que a própria etnia
indígena diz fazer parte da cultura deles, calando assim muitos crimes ocorridos. Além disso, a
própria legislação indigenista muito se fala em direitos territoriais e culturais, e pouco menciona
a integridade física do índio.
Assim, o tema proposto Violência sexual na comunidade indígena - com uma visão
casuística na cidade de Campinápolis-MT, buscou responder à indagação: por que os casos de
violência sexual cujo autor ou vítima seja indígena é pouco conhecido esvaindo as chances de
promover a justiça para aqueles que foram vítimas ou autores de um crime cruel como este?
234

Nesse ínterim, este trabalho ambicionou investigar a prática de violência sexual na


sociedade indígena na cidade acima mencionada, tendo como foco os Direitos Humanos e sua
aplicabilidade em face da integridade física do silvícola, e, concomitantemente, do papel do
Estado e do órgão responsável pela aplicabilidade da lei ante ao assunto. Para se alcançar esse
objetivo, verificou-se o papel do órgão responsável pela efetividade dos direitos indígenas, se
tem atuado de forma positiva ou negativa perante os índios e procedeu a análise das normas
regimentais dentro das aldeias, obtendo, portanto, amplo conhecimento sobre a etnia indígena
e percebendo o respeito que eles têm pela lei e vice-versa.
Trata-se de uma pesquisa básica, cujo objetivo é o conhecimento sobre crimes sexuais
praticados no meio social indígena e, ante as questões colocadas, a forma de abordagem de
pesquisa foi à qualitativa, pois o propósito foi analisar o comportamento da comunidade
indígena na cidade acima mencionada, diante de situações de violências sexuais praticadas
naquela região.
Além disso, optou-se também pela pesquisa explicativa, por que esta visou explicar as
atitudes que os indígenas tomam quando cientes da violência sexual sofrida e o que o Poder
Público junto com a FUNAI fazem a respeito para que possam garantir a proteção e a justiça
para as vítimas ou autores do aludido crime. No âmbito doutrinário, foi primordial o estudo da
Constituição Federal (1988), Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Indígenas
(2008), Legislação Indigenista (1973), e juntamente com o estudo da lei, a bibliografia de
Direito Constitucional de Ana Flávia Messa (2016) e Direitos Humanos cuja autoria é do
Senado Federal (2013), documentos estes que foram valorosos para o enriquecimento da
pesquisa em comento.
Foi realizada uma pesquisa de campo, onde houve uma entrevista com um cacique da
etnia Xavante do município de Campinápolis, Estado de Mato Grosso, para que se obtivesse
melhor compreensão do tema sobre a perspectiva do índio, o que possibilitou extrair
informações importantes que contribuíram para o engrandecimento do trabalho. A entrevista
também foi realizada com uma enfermeira que trabalha diretamente com os índios da mesma
localidade.
E, por fim, realizou-se uma entrevista com o coordenador geral da FUNAI da cidade de
Barra do Garças, Estado de Mato Grosso, para que demonstrasse a função da FUNAI em casos
de violência sexual na região. Assim sendo, o método de abordagem procedimental utilizado
foi o dedutivo, porque foi feita a análise de leis de uma forma geral para o específico, ou seja,
a análise da lei de forma geral e do indivíduo em particular, que, no caso em tela, é o índio.
235

No que tange ao método procedimental, o escolhido foi o monográfico, pois foi feita
uma análise detalhada sobre indagações referentes às condutas aderidas no meio social silvícola
diante das práticas de crimes sexuais e da conduta dos órgãos responsáveis nesses casos.
Em síntese, a pesquisa se justifica pela importância de demonstrar que não é incomum
casos de crimes sexuais em que o autor ou a vítima seja índio, e ainda, o que é feito a respeito
tanto dentro da comunidade de acordo com as normas de conduta da aldeia quanto à efetividade
da legislação indígena fora da base territorial aborígene. Desse modo, possibilitou-se verificar
o reflexo na sociedade ao abordar o tema violência sexual e seus efeitos sobre a ótica legislativa
e social.

O EFETIVO PAPEL DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELO CUMPRIMENTO DAS


NORMAS DE PROTEÇÃO DOS POVOS INDIGENAS.

É de conhecimento geral que o órgão competente para cuidar dos direitos indígenas é a
Fundação Nacional Do Índio (FUNAI), que está vinculada ao Ministério da Justiça para que
possam executar as políticas indigenistas. Este é um órgão federal que foi criado em 05 de
dezembro de 1967, através da Lei n° 5.371, com intuito de promover políticas de proteção aos
interesses dos silvícolas. Sua atuação está munida de princípios como a língua, costumes e
tradições dos índios, garantindo a eles um estado pluriétnico e democrático.
Até os anos de 1988, a FUNAI não considerava os indígenas absolutamente capazes de
responder por seus atos praticados civil e/ou penalmente, e era ela que respondia então por tudo
que era relativo aos índios. Entretanto, desde 1988 em diante, a FUNAI entendeu que os índios
integralizados na comunidade poderiam responder por atos que eles próprios praticassem.
Assim, ela passou a responder somente para aqueles que são totalmente isolados da sociedade,
apesar de que, ainda, há órgãos governamentais que acreditam que a FUNAI atua como total
responsável por atos referentes aos índios.
Ao se tratar do processo e julgamentos atinentes aos índios, a Constituição Federal de
1988, em seu artigo 109, inc. XI, elenca a competência atinente aos processos que envolvem
índios, e o referido dispositivo expõe da seguinte forma “Art.109. Aos juízes federais compete
processar e julgar: XI- a disputa sobre direitos indígenas” (BRASIL, 1988), mas o referido
artigo fomenta sobre a competência de julgar e processar os casos referentes a bens, serviço ou
236

interesses da União, em que o índio é uma das partes. Isto é, esse julgamento ocorre na maioria
dos casos de assuntos territoriais.
Ao se falar em crimes penais relacionados à integridade física do indígena, cabe à Justiça
Estadual processar e julgar casos em que o índio seja autor e/ou vítima, isso de acordo com a
Súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe o seguinte: “Compete à Justiça Comum
Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima” (BRASIL,
2007).
Percebe-se então uma divergência entre as competências, pois, segundo a Carta Magna,
é competência federal processar e julgar casos relativos aos índios somente quando houver um
interesse da União, e a Súmula referida diz que, por não haver interesses da União em casos de
lesão corporal ou homicídio praticado por ou contra o silvícola, compete à Justiça Estadual o
processo e julgamento do feito.
A título de exemplo de um entre várias atuações do Estado e da FUNAI relacionado ao
tema é o caso do índio Leandro, que foi denunciado pela sua filha por abuso sexual, e, conforme
o processo ia andando, a vítima apresentou duas versões diferentes: na primeira, dizia que havia
sido violentada sexualmente pelo pai e, na segunda versão, afirmou que a mãe a mantinha
confinada em casa e a obrigava a se prostituir.
A FUNAI, nesse caso, atuou como auxiliar da justiça e como apaziguadora de conflitos
entre os índios, pois um caso como esse haveria possibilidades de revolta entre as famílias.
Como a adolescente havia dado duas versões, a FUNAI, juntamente com os responsáveis pelo
caso, solicitou a presença de um psicólogo, para que averiguasse as duas versões. Esse caso
ocorreu na região de Barra do Garças-MT.
São poucos os casos que chegaram até o conhecimento do poder judiciário, por conta
da falta de denúncias por parte da vítima e da sua família. Entretanto, sabe-se que existem casos,
porém poucos foram registrados na região do Vale do Araguaia. Além do caso mencionado, há
um processo julgado no Tribunal de Justiça em Santa Catarina, onde o crime de estupro fora
praticado por um índio contra sua própria filha, que, na época, tinha 14 anos de idade.
O teor do processo conta que a vítima chegou ao hospital da cidade com dores
abdominais, e que, ao melhorar, foi liberada. Mas, já em sua residência, percebeu sangramentos
vaginais, e, ao voltar ao hospital, ficou internada até dia 24 de abril. Com os constantes exames
feitos, descobriu que a causa das dores e sangramento vaginal foram provocados pela perda de
um bebê. Após constantes indagações, a vítima confessou ter sido abusada pelo pai, que não a
deixava ir à escola, coagindo-a para ir com ele para o mato tirar cipó, e, ao chegarem lá, seu pai
a mantinha amarrada e praticava relações sexuais com ela.
237

O processo foi concluso com a prisão do réu. Conforme julgado abaixo mencionado:

PROCESSO PENAL. ESTUPRO PRATICADO POR SILVÍCOLA.


COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 140 DO
STJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO PRATICADO POR PAI
CONTRA FILHA MENOR DE IDADE. DEPOIMENTO DA VÍTIMA
QUE SE HARMONIZA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO.
AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. RECURSO
DESPROVIDO. (TJ-SC - APR: 128398 SC 2002.012839-8, Relator:
Sérgio Paladino, Data de Julgamento: 10/09/2002, Segunda Câmara
Criminal, Data de Publicação: Apelação criminal n., de Descanso)
(BRASIL, 2003).

O Código de Processo Penal, em seu artigo 213, diz que: “Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL, 1940). O artigo mencionado não faz distinção
de sexo, etnia, raça ou cor, portanto, ninguém ficará impune ao cometer atos como esse,
independentemente de quem seja o autor do crime.
Em relação aos casos citados, pôde-se perceber a efetividade dos órgãos responsáveis
por cuidar das devidas providências a serem tomadas em casos como esses, o Poder Judiciário
promoveu a Justiça e a FUNAI presenciou todo o andamento do processo em que o índio foi
uma das partes, não o tratando como ser humano diferente dos demais e a lei penal teve também
sua aplicabilidade em face do índio.

AS NORMAS DE CONDUTAS DENTRO DAS ALDEIAS

Cada sociedade possui um modelo padrão de organização de regras de condutas, pelas


quais demonstram os deveres e obrigações dos indivíduos que nela estão inseridos. Calha frisar
que há várias interpretações de normas de condutas, como a conduta religiosa, moral, jurídicas
e normas de condutas de acordo com a tradição e cultura de uma determinada etnia.
No caso das comunidades indígenas, as normas de condutas são diferentes das
comunidades não indígenas, pois a forma de aplicar os direitos e obrigações de cada um dentro
da aldeia é contrária às normas de condutas aplicadas pelos não índios quando se trata de uma
conduta repressora. Isso ocorre por conta da cultura e tradição deles, as quais vêm sendo
ensinada desde os primórdios da civilização e cada tribo tem uma cultura própria, ocorrendo
apenas algumas semelhanças entre elas.
238

Com respaldo na legislação, a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe


sobre Estatuto do Índio, confere proteção aos seus direitos e a sua cultura. O art. 2, inciso. VI
da referida Lei, expõe o seguinte:

Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos
das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para
a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a
coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos
e costumes (BRASIL, 1973).

Conforme exposto, os índios têm assegurado em lei a preservação de sua cultura, não
podendo o Estado ou outro ente qualquer interferir nos seus costumes por acharem que as
atitudes que os índios tomam são dignas de interferência. Dando continuidade, a Declaração
Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, no artigo 35, diz o seguinte “Os povos indígenas
têm o direito de determinar as responsabilidades dos indivíduos para com sua comunidade”
(BRASIL, 1993).
No mesmo diapasão, o artigo 18 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas esclarece que:

Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões


sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles
eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e
desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões (BRASIL, 2013,
p. 75).

Portanto, os índios podem criar as normas de condutas dentro da sua comunidade de


acordo com sua cultura e tradição, pois possuem amparo legal que dá poder e credibilidade a
eles para criarem suas próprias responsabilidades de uns para com os outros. Ocorre que
algumas condutas praticadas por eles são consideradas repressivas por alguns índios cujo grau
de conhecimento é mais elevado e por pessoas não indígenas, haja vista que ferem à integridade
física dos silvícolas.
Desse modo, percebe-se que a forma de aplicar a sanção a eles no seu meio social é
severa, e, na atualidade, alguns índios, com grau de conhecimento maior do que os demais
discordam da maneira pela qual é aplicada a punição entre eles, porém, mesmo que não
concordem, eles não interferem nos comandos que o cacique ou chefe da tribo ordena, por conta
239

do poder que este ainda possui e pela tradição de como sancionar seus demais membros, afinal
é a cultura deles e a forma como devem agir é ensinado desde o seu nascimento.
Assim, em virtude do que foi mencionado, deve sempre manter um equilíbrio ao se
falar da cultura indígena e do limite dela, porque determinados atos praticados em nome da
cultura ferem princípios fundamentais e intrínsecos da pessoa humana, índio ou não, pois os
indígenas falam que a forma como tratam o ato sexual, em alguns casos, é cultural
simplesmente para evitar que haja punição da justiça.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS

A Assembleia Geral das Nações Unidas abraçou e proclamou a Declaração Universal


de Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948, solicitando, em seguida, que os Estados-
Membros publicassem o texto da Declaração, com o intuito de mostrá-la e ser lida e explicada
em instituições educacionais, sem distinção política ou econômica dos países ou estados.
Os Direitos Humanos são aqueles direitos fundamentais inerentes ao ser humano, seu
conceito está ligado ao reconhecimento dos direitos da pessoa humana sem qualquer distinção
de sexo, cor, raça, etnia, religião, opinião política e origem social ou nacional, contudo, sua
delimitação está sempre em constante mudança, pois há sempre uma luta para o reconhecimento
de alguns direitos, e isso já vem ao longo do tempo por classes que se organizam para
reivindicarem garantias legislativas.
Os Direitos Humanos têm como fundamento exordial proteger o direito à vida,
liberdade, respeito, igualdade, justiça, liberdade de expressão, entre outros, tendo essa proteção
garantida na própria lei dos Direitos Humanos, cujo escopo é a proteção dos povos contra ações
que interferem na dignidade da pessoa humana, valorando-a, sendo aplicada a proteção
universal, sem qualquer discriminação.
A Constituição Federal de 1988 é regida por vários princípios fundamentais, e um
deles, exordial para criação de qualquer lei, é a dignidade da pessoa humana. Nesse prisma,
entende-se como dignidade da pessoa humana conforme posicionamento da autora Messa
(2016):

[...] Condições mínimas de sobrevivência e respeito aos direitos


fundamentais. É a garantia do conforto existencial das pessoas. Respeitar é
viver honestamente, não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é devido.
Além de vetor interpretativo, é direito individual protetivo e dever
fundamental de tratamento igualitário. A observância da dignidade
240

possibilita pacifica convivência social e desenvolvimento integral (MESSA,


2016, p. 140).

Portanto, deve haver em toda sua integralidade um tratamento igualitário de respeito


com o ser humano independente de quem o seja, visando sempre à paz social e pacífica por
força de um tratamento igualitário.

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SOBRE OS ÍNDIOS E O LIMITE DE SUA


INTERFERÊNCIA NA CULTURA INDÍGENA

Em relação aos direitos humanos dos índios, que tem todo um histórico antecedente
de muitas lutas para conseguir assegurar vários dos direitos que obtiveram até hoje. Os
indígenas, como quaisquer outros, mantém seus direitos fundamentais garantidos, assim como
o seu desenvolvimento e manutenção da sua cultura, costumes e tradição. Dessa forma, a
Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, no parágrafo operatório parte 1(um),
deixa explicito que:

1 - Os povos indígenas têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei


internacional. Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua
relação com os Estados nos quais vivem num espírito de coexistência com
outros cidadãos, e livremente procuram seu desenvolvimento econômico,
social, CULTURAL e espiritual em condições de liberdade e dignidade
(BRASIL, 1993).

No mesmo paradigma, o art. 8 expõe que “os povos e indivíduos indígenas tem direito a
não sofrer assimilação forçada ou destruição de sua cultura” (BRASIL, 1993). Isto posto,
observa-se que a cultura indígena aufere amparo legal que protege em papel a manutenção dos
seus costumes. Ainda com respaldo na Legislação, o art. 231 da Carta Magna de 1988, aduz
que:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988).

Entretanto, algumas culturas indígenas são severas quando se trata de punições, e isso
deixa um questionamento em aberto: Quando os Direitos Humanos irão intervir na cultura
indígena ao se tratar de desrespeito à sua integridade física? Não é fácil responder a essa
indagação, pois o ensinamento sobre costumes, tradições e culturas indígenas vem sendo
241

transmitido a eles desde o colo. Assim, o que, às vezes, para os não índios é errado, para eles é
certo.
Nessa linha de raciocínio, deve haver uma análise histórica grande em relação a atos
sexuais praticados entre eles, visto que fora forçada sua integralização com uma cultura
diferente da deles, havendo uma mudança radical de vida. Dessa forma, somente haverá a
interferência quando os limites forem ultrapassados e os atos desrespeitarem a lei que a eles
também tem eficácia e os ensinamentos ensinados por eles próprios.
Sobre a violência sexual nas comunidades indígenas, não se encontra muitas
discussões a respeito e muito menos amparo legal explícito sobre o assunto, porque alguns
casos, como já mencionado, são vistos como cultura pelos próprios índios e aceitas por seus
membros. Até o momento, na região do Vale Araguaia, não houve interferência do Estado na
cultura dos índios, pois, em casos relativos ao estudo, é quase zero o número de ocorrências
registradas e, consequentemente, não há repercussão, não havendo necessidade então de
interferência.
O que se observa é que é preciso verificar a gravidade do crime para que possa haver
uma interferência por parte do Estado para que não possa ocorrer atrito entre os direitos
conferidos aos índios de manterem sua cultura e a afronta à dignidade da pessoa humana ao
tratar da integridade física do índio, pois é sabido que, apesar de não levarem ao conhecimento
do poder judiciário, o número de abusos sexuais com crianças e adolescentes indígenas é muito
alto.

AS MEDIDAS QUE PODEM SER APLICADAS NAS COMUNIDADES INDÍGENAS


PARA O FÁCIL ACESSO À INFORMAÇÃO SOBRE COMO DENUNCIAREM AS
PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Não é muito fácil falar sobre crimes sexuais praticados nas comunidades indígenas,
visto que alguns são praticados fora das aldeias, e grande parte dos índios vive de forma isolada,
não tendo muito contato com os nãos indígenas, vivendo em grande parte nas aldeias em zonas
rurais, frequentando às vezes a zona urbana em casos de extrema urgência e necessidade.
Os índios encontram muita dificuldade para falar a língua portuguesa, mesmo que eles
tenham aulas nas aldeias para que possam falar o português de modo fácil e compreensível,
para que possam se comunicar com aqueles que não falam a língua indígena. E a maior
dificuldade em falar o português é das mulheres índias, pois são sempre tímidas e, devido à
timidez, encontram grande dificuldade em dialogar pela língua portuguesa assim como ter
contato com pessoas que não sejam da sua mesma etnia.
242

Além disso, na comunidade indígena, o machismo é muito forte, devendo as silvícolas


respeitar sempre a figura do homem, desse modo, a sua comunicação é limitada, respondendo
o homem pela mulher. Portanto, ao se falar em sexo sem a permissão delas, as índias não podem
questionar, por ser seu papel de esposa manter relações com o marido, ou até mesmo em casos
de punições, quando as índias devem manter relações sexuais com demais membros da aldeia.
Em vista disso, a FUNAI, por ser o órgão competente pela proteção dos direitos dos
índios juntamente com a Justiça, sempre que possível promove políticas públicas obtendo
maior participação dos índios, inclusive das mulheres. Essas políticas incluem o acesso fácil e
rápido de informações de como se portar mediante um ato de violência sexual, não deixando
atos repugnantes como esse à mercê da justiça da própria aldeia.
Ressalta-se que a FUNAI incentiva a participação dos índios nas decisões que forem
tomadas sobre direitos que a eles pertencem. Em continuidade, a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, em seu art. 7, dispõe:

Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias


prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida
em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual,
bem como as terras que ocupam ou na medida do possível, o seu próprio
desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos
deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e
programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los
diretamente (BRASIL, 2004).

Nesse sentido, ao se tratar de assuntos referentes aos índios, estes podem e devem
participar, objetivando sua integração com os respectivos responsáveis por assegurar seus
direitos e deveres, garantindo também que não haja lisura por parte do Estado com os direitos
que se referem a eles, além de auxiliar na criação de novos direitos conforme suas necessidades.

VISÕES REALÍSTICAS E ATUAIS DE PESSOAS QUE TRABALHAM E VIVEM O


AXIOMA DOS INDIOS

O tema proposto exigiu a necessidade de realizar pesquisas de campo por meio de


entrevistas para obter um levantamento de dados capazes de agregar informações reais e que de
fato acontecem na realidade indígena não ficando somente na teoria. A pesquisa foi realizada
com profissionais que trabalham diretamente com os índios e diretamente com um índio. Calha
243

frisar que as perguntas não visam à comparação das respostas deles; visam somente obter
conhecimentos sobre o crime mencionado na realidade atual.
A primeira entrevista de campo foi realizada na cidade de Campinápolis, Estado de
Mato Grosso, na localidade da CESAI, com a enfermeira Lucilene Alves de Oliveira,
profissional da área da saúde. Ressalta-se que ela autorizou citar o nome dela neste estudo; foi
escolhida para auxiliar nesta pesquisa por ter um contato direto e contínuo com os índios da
região e, assim, ter informações necessárias para o tema.
A segunda entrevista foi realizada também na localidade de Campinápolis-MT, só que
diretamente com o indígena Moacir Reiranawê, da etnia Xavante, cacique da Aldeia Campos
do Jordão, que só pôde se realizar, com a autorização dele. Como a pesquisa foi realizada com
foco nos índios, é e foi importante a entrevista feita com o próprio índio, para a análise mais
profunda do tema e adquirir conhecimentos através dele sobre eles mesmos.
A terceira e última entrevista foi realizada na cidade de Barra do Garças, também
Estado de Mato Grosso, diretamente na localidade da Coordenação Geral da FUNAI, com o
Senhor Carlos Henrique da Silva, Coordenador Geral Substituto da FUNAI, havendo a
necessidade de sua autorização, que, felizmente, fora positiva, e seu papel na pesquisa de campo
foi de extrema importância para demonstrar a função da FUNAI.
Na entrevista realizada com o cacique Moacir Reiranawê, pôde-se chegar a um
conhecimento mais claro de como funciona as normas de conduta dentro das aldeias. Ele
afirmou que o assunto sobre atos sexuais nas aldeias não é comentado com frequência, o que
ocorre é que, em casos de algum ato equivocado do índio, ele será reprimido pela aldeia, os
anciões mais velhos se reúnem para uma conversa no centro da aldeia, e só eles podem saber o
teor da reunião.
Logo após a reunião, e a aldeia se tornando ciente do assunto, ninguém da comunidade
pode tocar no índio infrator nem o machucar, mas apenas o amarrar com cordas e jogá-lo no
rio; ninguém da aldeia pode tirá-lo de dentro da água, nem mesmo a família, e, na maioria dos
casos, ele morre. Essa forma de punir acontece para quase todos os casos de desobediência nas
aldeias.
Esse método de punição não é igual para todas as comunidades indígenas, a cada caso
é uma forma de punir conforme a etnia e a aldeia. Há lugares em que os índios apenas batem e
aprisionam por uns dias ou, até mesmo, expulsam o índio que cometeu alguma falta grave
conforme a conduta da sua comunidade.
244

Em relação às mulheres indígenas, o cacique mencionou apenas uma forma de


punição. Acontece muito em casos de traição e quando as moças ativam a vida sexual antes da
hora conforme a cultura da aldeia. Nesses casos, quando a família da moça ou da esposa infiel
fica ciente da situação, é realizada uma reunião com os anciões mais velhos e eles decidem que
a índia deve ficar confinada por mais de 40 ou 60 dias em uma cabana, mantendo relação sexual
com os membros da aldeia.
Entretanto, em relação às vítimas de abusos sexuais, não há um tratamento positivo,
e, apesar de não denunciarem, há casos em que o autor do abuso sexual é o homem civil, no
caso, o não índio, chamado de arazul pelos indígenas, e, nesses casos, a família das vítimas
preferem trocas de favores tais como: dinheiro, comida, roupas, móveis etc., isso acontece com
frequência com os freteiros, homens responsáveis pelo trajeto dos índios da zona rural para a
urbana.
O cacique Moacir ainda menciona que, há vinte anos, as punições promovidas pelos
anciões eram mais severas, porque seguiam as normas como deveriam ser, mas, como os
anciões mais antigos já morreram todos, a tradição vem fracassando conforme o tempo passa,
e o cacique já não anda sendo respeitado como antigamente. A enfermeira Lucilene Alves de
Oliveira, que trabalha diretamente com os índios na aldeia, confirma os dados relatados pelo
cacique.
Além de confirmar os dados apresentados pelo cacique, a enfermeira acrescentou que
o chefe da FUNAI da região sabe de muitos casos de abuso sexual, mas se mantém em silêncio,
e inclusive afirmou que já chegou a participar de atos sexuais nos quais disseram ser punição.
Isso também ocorre com os caciques, que também se mantém omissos.
O Coordenador da FUNAI de Barra do Garças-MT, diz que existem muitos casos de
abuso sexual que envolve índios, mas há somente dois casos registrados na região dos quais ele
tem conhecimento, caso esses em que as vítimas são menores de idade. O Coordenador ainda
menciona que há mudanças ocorrendo ao se falar em crime de violência sexual nas aldeias e
fora delas e que, atualmente, acontecem alguns movimentos organizados por mulheres
indígenas para abordar sobre vários temas, inclusive, sobre o tema em estudo, movimento esse
que vem ganhando espaço entre as mulheres indígenas.
Desde o ano de 2014, a FUNAI vem trabalhando com uma ação chamada de Reunião
de Mulheres, na qual as participantes são mulheres indígenas. Essas reuniões têm como foco
vários temas, tais como: remédios anticoncepcionais, reprodução, violência doméstica, relação
245

sexual, entre outros. Nesses movimentos, sempre tem a presença de um psicólogo para
acompanhar os relatos das mulheres, inclusive há relatos armazenados em arquivos.
Vale mencionar que alguns órgãos, como as Coordenações Técnicas Locais (CTLS),
que tem como função planejar, implementar ações e promover a proteção dos direitos sociais
dos índios da região, têm a participação do trabalho de cinco mulheres indígenas, demonstrando
então uma mudança do papel das indígenas na sociedade.
A título de exemplo da atuação da FUNAI em casos de abuso sexual, cita-se o caso do
indígena Leandro, que atualmente se encontra preso. Como mencionado anteriormente, ele foi
acusado de abusar sexualmente da própria filha, e assim que a família ficou ciente da situação
procurou a FUNAI, que tomou as devidas providências juntamente com a polícia e Conselho
Tutelar por se tratar de uma vítima menor de idade.
Ocorre que, como já descrito, a menina contou duas versões diferentes, a primeira que
o pai havia abusado dela sexualmente, e, na segunda versão, disse que foi sequestrada pelos
avós paternos, e eles alegavam que havia salvado a menina, pois a mãe a mantinha em regime
fechado e a obrigava a se prostituir, ao mesmo tempo em que sofria ameaças dos tios maternos.
No final, a FUNAI chamou um especialista para analisar as duas versões que a jovem
havia dado, ela então confessou ter relatado duas versões diferentes, e que não queria ficar com
nenhum dos genitores. Assim, no decorrer do processo, a menina ficou sob a guarda dos avós
paternos. Além do mencionado, foi verificado que o órgão responsável por trazer justiça e
cuidar dos interesses dos índios, no caso a FUNAI, tem feito sempre que possível seu papel,
garantindo uma segurança de apoio e auxílio aos índios.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Dada à importância de falar sobre abusos sexuais nas comunidades indígenas da região
onde o índio figure como autor ou vítima, a pesquisa propôs como objetivo geral a verificação
de práticas sexuais ou de qualquer ato libidinoso praticado contra os silvícolas. O trabalho não
se restringiu somente à teoria, foram realizadas pesquisas de campo com o intuito de analisar a
repercussão sobre o tema nas aldeias e nos institutos que trabalham diariamente com os índios
para saber como são tratadas as vítimas e autores de violência sexual pela FUNAI, pelo poder
judiciário, família e pela própria aldeia.
Constatou-se uma precariedade em fazer com que crimes como esses cheguem até o
conhecimento do poder judiciário, havendo somente dois casos registados que ainda correm na
246

justiça, dos quais os autores índios estão presos. Essa falta de denúncia é consequência de
variados motivos, tais como: a Língua Portuguesa que não é totalmente compreendida pelas
mulheres índias; o machismo que é predominante nas aldeias devido aos ensinamentos que eles
recebem desde o colo; a cultura dos índios já não é respeitada por eles mesmos como era antes
e não há fiscalização dentro das aldeias para que facilite a denúncia.
O Código de Processo Penal tem efetividade para qualquer cidadão brasileiro que
cometa algum ato tipificado como crime, sendo assim, é valido para os indígenas também, mas
ocorre que alguns índios não têm ciência do certo e errado nesse caso, acreditam ser da cultura
deles, isso é muito comum nas aldeias ao redor da região do Vale do Araguaia, dificultando
então que denunciem e que a justiça passe a ter conhecimentos desses casos.
À vista disso, é importante criar meios pelos quais os índios comecem a denunciar
esses abusos como as palestras realizadas pelo movimento das mulheres indígenas que aos
poucos vem crescendo, mas essas palestras são feitas na zona urbana, devendo expandir para a
zona rural, ainda mais nas aldeias onde as mulheres indígenas não têm nenhuma iniciativa.
Deve-se também inserir nas aldeias fiscais e até mesmo a polícia para que melhore os dados de
ocorrências registradas a respeito desse assunto, só assim para reverter a obscuridade dos crimes
de violência sexual sofrida pelos indígenas.
É importante mencionar que a Carta Magna tem como escopo um dos princípios
fundamentais, que é tratar o ser humano como pessoa digna de respeito, portanto, os índios
merecem respeito igual a qualquer outra pessoa. Assim, ao ferir um direito intrínseco à sua
integridade física, deve haver consequências ao autor, sendo ele índio ou não índio, não o
deixando à mercê da justiça, pois já não se está mais na época onde a justiça era compreendida
como “olho por olho, dente por dente”, a chamada lei de talião ou lei de retaliação, em que
havia reciprocidade entre crime e pena. Pelo contrário, a justiça deve ser feita de forma justa e
correta para todos.
Por fim, o trabalho foi de suma importância acadêmica e social, pois pôde-se
aprofundar o conhecimento sobre a presente realidade dos índios e a forma como o órgão
competente trata os crimes sexuais em que o indígena figure como vítima ou autor; os direitos
indígenas relativos à integridade física deles, verificando que o Estatuto do Índio pouco
menciona sobre os direitos deles.

REFERÊNCIAS
247

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocom
pilado.htm>. Acesso em: 12 set. 2019.
_______. Decreto Lei n.2848. Institui o Código Penal de 07 de dezembro de 1940. In: Vade
Mecum Penal. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012, p.162-223.

_______. Comissão de Direitos Humanos e Minoria. Câmara Municipal. Distrito Federal.


[s.d]. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comis
soes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-
epoliticaexterna/DeclUniDir PovInd.html>. Acesso em: 25 set. 2019.

_______. Lei n. 6. 001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso em: 25 set.
2019.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 140. Compete à Justiça Comum Estadual
processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima. Brasília, DF, Superior
Tribunal de Justiça, []. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/busca?q=S%C3%9AMULA+140/STJ.+COMPET%C3%8ANCIA+DA+JUSTI%C3%8
7A+ESTADUAL>. Acesso em: 25 set. 2019.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Apelação Criminal. Santa Catarina. Crime praticado
por silvícola contra índia. Recorrente: Jesus Matos. Recorrido: Salete Matos. Relator: Sérgio
Paladino, data do julgamento 10/09/2002. Disponível em: <https://tj-sc.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/5073662/apelacao-criminal-reu-preso-apr-128398-sc-2002012839-8/
inteiro-teor-11555877?ref=juris-tabs>. Acesso em: 10 nov. 2019.

________. Senado Federal. Direitos Humanos, Atos Internacionais e Correlatados. 4. ed.


Brasília Coordenação de Edições Técnicas, 2013.

LIMA. Ianka Sandy Ferreira. O povo indígena e sua proteção legal. 03 jan. 2019. Disponível
em: <http://www.justificando.com/2019/01/03/o-povo-indigena-e-sua-protecao-legal-i/>.
Acesso em: 25 set. 2019.

MESSA, Ana Flávia. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo Rideel, 2016.

SOBRE OS AUTORES

No dia 30 de junho de 1997, minha mãe me deu a luz com apenas seis meses de gestação.
Nasci em uma pequena cidade conhecida como General Carneiro no Estado de Mato Grosso.
Como era muito pequenina, o médico do parto da minha mãe e que cuidou de mim, disse que
meu nome deveria ser Cíntia, pois era pequeno e forte assim como eu, pois devido as condições
da época, eu possuía poucas chances de sobreviver. E assim foi, me batizaram e registraram-
me com o nome de Cíntia Aparecida de Souza Silva.
248

Apesar de ter nascido em General, meu domicílio na infância foi na fazenda em que meus
avós moravam, na região de Campinápolis, também no estado de Mato Grosso, porquê em
poucos anos de vida, meus pais se separaram e minha mãe passou a morar sozinha, e com isso
precisava trabalhar, e por não aceitar ninguém cuidar de mim, meus avós me criaram até os 05
nos de idade. Ao completar a idade de adentrar na escola minha mãe me buscou para residir
com ela novamente, enquanto ela trabalhava eu estudava.
Os tempos se passaram e com o estudo veio a ambição de sair de uma vida simples para
uma vida melhor, com melhores condições. Com isso nasceu o desejo de me formar em um
curso superior, destarte, estudei e me formei na universidade de Direito na cidade de Barra do
Garças-MT, na Unicathedral. Grata à faculdade por me proporcionar momentos ruins no
processo de formação, pois estes momentos me proporcionaram forças e amizades que não
sabia existir, e por momentos incríveis como as homenagens e festas dedicadas aos alunos.
Minha vida foi e é difícil, mas o desejo de crescer e ser reconhecida por cada conquista é muito
grande. Minha biografia é muito extensa e cheia de muitas dores e percas. Acredito se
mencionar as tragédias da minha história, seria possível criar um livro extenso com vários
capítulos. Minha vida é cheia de superação, sei que a de todos são, mas a minha possui marcas
que jamais serão esquecidas e se eu possuísse a coragem de as mencionar, acredito fielmente
que vocês leitores gostariam de escrever ou fazer parte da escritura dela.
Meu artigo foi feito com base na minha vida cotidiana, na região que habito desde sempre
e por abusos que já passei. Me dediquei o máximo que consegui neste artigo com a cooperação
do professor Marcos Vinícius, e sei que possuo a capacidade de melhorar muito mais, ao ver a
publicação referente a oportunidade de publicar um artigo feito por ou com participação
feminina, vi uma oportunidade em demonstrar um pouco sobre os índios da minha região.
249

CAPÍTULO 22
DECOLONIALISMO FEMININO E A VISIBILIDADE DA MULHER
NEGRA NAS REDES SOCIAIS

Mônica Vaz da Silva


Kellyane do Nascimento Muniz
Letticiany Sanny Cruz da Costa
Nádia Cilene Pais de Arruda
Jhon Lenon Jardim da Silva

INTRODUÇÃO

Discutir sobre feminismo incorre, principalmente, em tratar de uma questão de


direitos, e não somente uma questão de gênero, pois há uma multiplicidade de conceitos e
situações que se agregam à expressão, que hoje, denota pluralismo e representatividade. De
acordo com Bezerra (2020) o “feminismo (do latim femĭna, significa “mulher”) é um conceito
que surge no século XIX, o qual se desenvolveu como movimento filosófico, social e político”.
Em uma primeira vista, compreender os conceitos, a origem, e os estudos ligados ao
feminismo tornar-nos-á aptos ao entendimento do quão significativo é a formação cultural de
um povo e suas bases histórico- sociais, uma vez que, é por meio dessas bases que se forma a
identidade e, consequentemente, as relações político-sociais e culturais de um povo, e isso
resulta em como as relações de gênero são expostas e afetadas por essas dinâmicas.
É fundamental a compreensão acerca do processo histórico e de desenvolvimento da
mulher em meio a uma sociedade altamente capitalista, machista e racista, e a forma como esses
processos implicam para superação de suas respectivas realidades, que se encontram associadas
a estereótipos e ao fato de que as mulheres negras sofrem violência em um maior grau.
Perceber e assimilar essas dinâmicas, tão presentes na atualidade, tem levado o
feminismo a alcançar espaços e grupos, até então, inviabilizados por uma parte da sociedade, e
hoje, se mostram para o mundo através das redes sociais, trazendo luz a diversas causas e
diferentes lugares de fala que essas mulheres ocupam.
A utilização das plataformas digitais tem se tornado um hábito comum entre as
mulheres, com isso, as ferramentas digitais transformaram-se em palco para narrar histórias de
vida e também como plataformas de trabalho, pois possibilitam grande alcance, propiciando
que muitas mulheres se tornem protagonistas, inclusive, as mulheres negras que, embora, os
processos históricos tenham contribuído para a exclusão e a falta de direitos, é notório que, no
250

espaço digital, essas mulheres estão desempenhando forte influência e tornaram-se referências
para seu público.

DECOLONIALISMO FEMININO: A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE PODER

De acordo com o dicionário Priberam da língua portuguesa, a palavra feminismo é


definida como “movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e
políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem.” Logo, sengundo Fraisse
(1989), o termo cunhado pela primeira vez em 1872 pelo escritor Alexandre Dumas Filho, já
trazia, àquela época, evocação jornalista e política, disseminando a retórica e a narrativa
negativa que recaiu sobre o vocábulo, posto que a expressão carrega, nos dias de hoje, o peso
de uma sociedade cisheteronormativa, capitalista e eurocêntrica.
Hodiernamente, afirmar-se feminista implica dois séculos de luta por reconhecimento
político e de direitos básicos; implica uma demanda social de admissão da sexualidade e do
corpo da mulher; implica a peleja pelo direito à educação e ao trabalho; implica a busca pela
aceitação das diferenças e da abertura para os debates de relação de gênero; implica,
principalmente, um feminismo plural, no qual se legitima as múltiplas identidades femininas,
suas culturas, costumes, gêneros, etnia, raça, idade, classe social e nível de escolaridade,
portanto, afirmar-se feminista é carregar o peso representatividade.
Consequentemente, essa representatividade, antes tolhida aos meios de imprensa
convencionais, controlados por homens, pensados por homens e para os homens, que
estabelecia a repetição de um padrão social considerado como normal ou natural de
heterossexualidade e levava a despersonalização do gênero feminino, até então, associado à
maternidade, ao lar e ao casamento, irrompe para os meios digitais como reflexo da libertação
de padrões sociais pré-estabelecidos.
Padrões esses, ditados por uma sociedade colonialista, cujas raízes estão
profundamente atadas ao capitalismo, que segundo a autora Ellen M. Wood, estabelece um
valor taxativo de mercado para todas as ações humanas, até mesmo os sentimentos, assim:

O capitalismo é um sistema em que os bens e serviços, inclusive as


necessidades mais básicas da vida, são produzidos para fins de troca lucrativa;
em que até a capacidade humana de trabalho é uma mercadoria à venda no
mercado; e em que, como todos os agentes econômicos dependem do
mercado, os requisitos da competição e da maximização do lucro são as regras
fundamentais da vida. Por causa dessas regras, ele é um sistema singularmente
voltado para o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da
produtividade do trabalho através de recursos técnicos. Acima de tudo, é um
251

sistema em que o grosso do trabalho da sociedade é feito por trabalhadores


sem posses, obrigados a vender sua mão-de-obra por um salário, a fim de obter
acesso aos meios de subsistência. No processo de atender às necessidades e
desejos da sociedade, os trabalhadores também geram lucros para os que
compram sua força de trabalho. Na verdade, a produção de bens e serviços
está subordinada à produção do capital e do lucro capitalista. O objetivo básico
do sistema capitalista, em outras palavras, é a produção e a auto-expansão do
capital [por meio da exploração massiva dos trabalhadores] (WOOD, 2001, p.
12).

Isto posto, compreende-se a lógica do sistema capitalista e sua relação com a


disseminação de ideologias de dominação e superioridade criadas pelo homem ao longo da
história, como uma forma de naturalizar a subjugação social como meio para expansão e
acúmulo de bens, daí o surgimento de códigos de comportamento, normas sociais como o
sexismo, o racismo, a misoginia, a homofobia, entre tantos outros que ainda emergem, no
constante desenvolver de um sistema de propriedade privada, no qual, a apropriação se faz,
inclusive, do outro, da cultura do outro, da identidade do outro; especificando um modelo de
sociedade colônia, marcada pelo processo de colonização sócio-histórica e cultural e que,
mesmo após a ruptura dos períodos imperiais, ainda guarda vivas as correntes que a aprisiona
(QUIJANO,1997).
Segundo Castro (2019) a teoria da “colonialidade do poder” do sociólogo peruano
Aníbal Quijano, introduziu a noção de “sistema moderno-colonial de gênero”, quando o
colonialismo é analisado sob o prisma do eurocentrismo, e explica as bases da colonização
europeia nas Américas, na África e na Ásia como uma teoria imaginária de raça, uma desculpa,
para explorar as terras, escravizar seres humanos e extinguir a cultura, a religiosidade e a
identidade de um povo, clarificando, de acordo com Castro (2019) os princípios de
colonialidade do saber, do poder e do ser, isto é, esses povos colonizados, mesmo libertos e
independentes, continuam a reproduzir os conceitos de raça, gênero e cultura do modelo
europeu.
Lugones (2008) retrata que os conceitos e regras de gênero criados pelos europeus
tinham o único objetivo de dominar e ocultar os saberes sociais de um povo, de modo que, se
faz urgente a quebra dos grilhões coloniais, para que o feminismo da diferença ocupe todos os
espaços antes renegados, seja no campo do trabalho, na família, na sociedade ou nas redes
sociais.
As mulheres têm nas redes sociais uma ferramenta poderosa de autoexpressão e
afirmação ante o mundo. É fundamental que, essa ferramenta seja usada de maneira assertiva,
pois se o século XX foi o século da imagem, o século XXI é o século da palavra que, manobrada,
em muitos casos, como uma arma, serve à guerra das narrativas na qual, conforme ilustra
252

Geertz, (1989, p. 25), interpretamos as informações que recebemos a partir da intencionalidade


do que nos é comunicado, em seguida aferimos significados e internalizamos essas
intencionalidades,
A visibilidade desse debate e os movimentos nas redes sociais têm promovido
conforme Sueth (2021), uma quarta onda do feminismo: a voz das ruas e das redes.
Nesse sentido, o movimento feminista objetiva fazer com que a justiça social e a
equidade de gênero sejam efetivamente conquistadas e permitam às mulheres o distanciamento
do estereotipado padrão social de objeto pertencente a uma sociedade patriarcal, o que lhes
assegurará um maior acesso ao conhecimento e, consequentemente, à políticas de
desenvolvimento e valorização da diversidade cultural, conforme assevera Lisboa (2010, p. 04)
, “para garantir os direitos humanos, principalmente o das mulheres, haja vista o alto nível de
violência e discriminação que padecem.”, Nessa perspectiva, levando em consideração o atual
cenário, é necessário reportar que, atualmente, existe um significativo aumento de violência
contra a mulher.
E padecendo dessa discriminação e dessa violência, que não é apenas física, mas cultural, se faz
necessário frisar que, o movimento feminista tem como protagonistas mulheres de resistência que
buscam discussões acerca dos cenários sociais em que estão envolvidas, e a partir delas, litigam pela
efetivação dos direitos humanos e implantação de ações afirmativas.
De acordo com Simone Beauvoir:

o que elas reivindicam hoje é serem reconhecidas como existentes ao mesmo


título que os homens e não de sujeitar a existência à vida, o homem à sua
animalidade. Uma perspectiva existencial permitiu-nos, pois, compreender
como a situação biológica e econômica das hordas primitivas devia acarretar
a supremacia dos machos (BEAUVOIR, 1980, p. 86).

Ou seja, a construção dos feminismos é, acima de tudo, uma relação social, “o pessoal
político” como assegura Sueth (2021), em que todas as ações que afetam diretamente o íntimo
da existência da mulher são de ordem política, e o próprio movimento é um campo de poder e
representação.

A VISIBILIDADE DA MULHER NEGRA NA INTERNET

Ser mulher na nossa sociedade já implica um desafio, porém, ser mulher e negra amplia
esse desafio. Discutir feminismo e suas expressões sem fazer o recorte de raça/etnia é
desconsiderar e invisibilizar todo processo histórico no qual estas premissas se inserem. De
acordo com Albuquerque (2016), a situação da mulher negra ainda é muito desigual, pois o
253

sexo oposto, até este tempo, traz consigo a visão de mundo da mulher negra como uma escrava,
empregada ou pessoa que está sempre para servir, servir o branco, por conseguinte, essas
concepções acarretam em produção e reprodução do racismo, que as afetará,
independentemente, dos espaços que estejam ocupando.
Atualmente, um espaço muito ocupado é o das redes sociais, que por trazerem grandes
avanços tecnológicos, tornaram-se ferramenta útil e que pode ser utilizada como estratégia para
aumentar a visibilidade de pautas e conteúdos, que antes eram inacessíveis à determinados
contextos, como as discussões de gênero, o racismo, o sexismo, entre outros. Através do
advento da internet foi possível acessar muitos lugares e chegar à muitas pessoas, mas, assim
como os demais espaços, as redes sociais, também, reproduzem o racismo.
As relações assimétricas retratadas nas redes sociais, revelam a sociedade racista que
temos, por centralizar um estereótipo negativo sobre a população negra, na qual, essa população
só é vista em condições subalternas e nunca como protagonista, como já ocorre no cenário
fictício das dramaturgias.
Vivemos em uma estrutura patriarcal, onde se estipula um modelo a ser seguido, que
tenta moldar a sociedade aos seus padrões, depositando na mulher negra estereótipos que negam
sua representativa intelectual tanto no espaço social físico quanto também no digital.

E o conceito ocidental sexista/racista de quem e o quê é um intelectual


elimina a possibilidade de nos lembrarmos de negras como
representativas de uma vocação intelectual. Na verdade, dentro do
patriarcado capitalista com supremacia branca toda a cultura atua para negar
às mulheres a oportunidade de seguir uma vida da mente e torna o domínio
intelectual um lugar interdito. Como nossas ancestrais do século XIX, só
através da resistência ativa exigimos nosso direito de afirmar uma
presença intelectual. O sexismo e o racismo atuando juntos perpetuam
uma iconografia de representação da negra que imprime na consciência
cultural coletiva a ideia de que ela está neste planeta principalmente para
servir aos outros. (HOOKS, 1995, p. 468 apud MALTA; OLIVEIRA, 2016,
p. 57).

As mulheres negras estão em desvantagem absoluta, pois se encontram na luta por


respeito e por seus espaços, numa realidade totalmente excludente, tendo que marchar contra
todas as formas de racismo que aparecem em seu cotidiano, precisando provar, sempre, a
qualidade de seu trabalho; como se essa mulher nunca pudesse errar, uma vez que, a mão da
sociedade é mais pesada com essa população.

As mídias sociais se tornaram instrumentos de produção e difusão de ideias,


mas também podem servir como espaço de ataques e ameaças, uma vez que a
internet ecoa debates, tanto online quanto off-line. Assim sendo, ser sujeito
254

nas mídias móveis reflete um processo de comunicação, de relacionamentos,


mas também um processo político. (COELHO, 2016, p. 219)

Boakari (2010, p. 1) afirma que neste mundo, as mulheres negras constituem o grupo
mais marginalizado e explorado. Como no período da escravidão, elas ainda têm que enfrentar
as consequências de sua desumanização racial, discriminação social, exploração sexual e
inferiorização por causa de questões de gênero.
É notório que, temos um público diversificado nas redes sociais, no que tange o mundo
das influenciadoras digitais, as mulheres negras ainda são a minoria dessa realidade, pois esse
público é limitado a certos tipos de comerciais, são estigmatizadas a exercerem papéis ou
publicidades subalternizas ou com menor protagonismo.
Existe, no país, grandes influenciadoras digitais negras que levantam a bandeira da
representatividade, como por exemplo, Djamila Ribeiro, filósofa e escritora de pautas
envolvendo a população negra, temos Gabi de Pretas, Nátaly Neri, Josy Ramos, Roberta Freitas,
Camila de Lucas, Camila Nunes, Juliana Luziê, Monalisa Nunes, Ana Lídia Lopes, entre outras
que se destacam na internet, não apenas por seus conteúdos relacionados ao marketing digital,
mas, por levantar ideologias políticas, culturais, motivacionais, pautas sobre racismo,
feminismo; por dialogar sobre autoestima e aceitação da mulher negra.

A influenciadora digital Nátaly Neri já foi convidada por outros influenciadores


da plataforma, quase sempre para expor suas vivências como mulher negra e
conversar sobre essas questões – como foi no canal JoutJout Prazer52,
comandado pela Julia Tolezano. A jovem foi uma das influenciadoras digitais
convidadas a participar e promover o Youtube Negro53 em 2016, além de ter
palestrado no TEDxSaoPauloSalon54com o discurso “A mulata que nunca
chegou” e aparecido na TV aberta, participando do programa Encontro com
Fátima Bernardes55, da TV Globo expondo a experiência com sua própria
negritude. Mesmo assim, quando as mídias de massa tradicionais concedem
espaço de fala, o discurso é mediado. Hoje, ela é uma embaixadora do Creators
For Change56 (em português, Criadores pela Mudança) pelo Youtube
Internacional. (OLIVEIRA, 2020, p. 66).

É essencial que, essas influenciadoras alcancem com seus conteúdos mais visibilidade,
e que sejam lembradas não apenas em datas alusivas ao movimento negro, ou, quando houver
genocídio do povo negro, mas, sobretudo, é fundamental valorizar e fortalecer essas criadoras
de conteúdo, seja contratando para publicidades com maior impacto social, seja remunerando
de forma justa o trabalho que elas exercem, da mesmo forma que as mulheres brancas fazem e
têm uma melhor remuneração salarial.
255

Diversos profissionais e artistas tiveram seu potencial contestado devido sua cor, sendo
possível, por meio das redes sociais, acompanhar os perfis que atacavam e também os que se
utilizavam da sua força para a eliminação de qualquer forma de racismo.
Em 2020 a apresentadora do Jornal Hoje, Maria Julia Coutinho, sofreu um ataque
racista do empresário e ex-diretor da Band Rodrigo Branco, ele chegou afirmar em uma live
que a apresentadora só estava ocupando o atual cargo devido sua cor, o que esvazia toda a
história e competência da apresentadora; isso demonstra o incômodo de ver uma mulher negra
em espaços, predominantemente, ocupados por pessoas brancas.

Maria Julia Coutinho na bancada do Jornal Hoje.

Segundo Malta; Oliveira (2016) o espaço virtual tem sido fundamental para criar
lugares de resistência para as mulheres negras, como também é um ambiente onde o racismo
tem ecoado sua voz opressora e discriminatória.
Percebemos que a apropriação das mulheres negras pelo espaço cibernético amplia e
reverbera as vozes que foram historicamente negligenciadas e silenciadas. Utilizar a ofensa
sofrida, e a partir dela, levar às pessoas a compreenderem como a estrutura racializada da
sociedade perpetua violências, é uma forma de abrir caminhos para novas frentes de disputas e
combates (ROCHA, 2017). Em outras palavras, a internet propicia às mulheres negras uma
ferramenta em que a escrita se torna um ato político e contribui para que elas contem suas
próprias histórias, dando visibilidade à sua causa, fortalecendo suas reivindicações e
desconstruindo o discurso racista, sexista e classista.

CONCLUSÃO
256

Pensar o feminismo, hoje, no Brasil, é, sobretudo, um ato político, uma forma de


resistência ao sistema e aos estereótipos impressos no corpo da mulher, e principalmente da
mulher negra. Por esse motivo, se faz fundamental a observação e o estudo acerca dos espaços
frequentados por essa mulher, que surge, mesmo que timidamente, como protagonista social.
As redes sociais trazem uma gama de possibilidades e alcance à diversos públicos,
entretanto, se faz necessária uma reflexão em relação as vozes ouvidas e aos conteúdos
valorizados, posto que, é essencial o reconhecimento do potencial intelectual das mulheres
negras nesses espaços.
Dessa forma, é relevante frisar a importância de por em xeque as representações que o
povo negro exerce, e que não deve se limitar, inferiorizar e estigmatizar essa população à papeis
subalternos nas mídias, mas sim, que se carece de uma compreensão sobre representatividade
positiva, e como sua identidade e sua historicidade podem tornar-se instrumento para
disseminação de conhecimento cultural dentro e fora das redes sociais, e comitantemente, faça
com que se multiplique o quantitativo de mulheres negras tendo visibilidade e ascensão nas
redes sociais.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, W. R. de; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no Brasil.Brasília:


Fundação Cultural Palmares, 2016.
BEHRING, E. BOSCHETTI, I., MIOTO, R e SANTOS, S.M M. Política social: tendências
contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2015.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980.
BOAKARI, Francis Musa. Mulheres afrodescendentes de sucesso: Confrontando as
discriminações brasileiras. Rev. Fazendo Gênero, Santa Catarina, ago. 2010. Disponível
em:<http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278155240_ARQUIVO_FAZEND
GENE RO9-2010-BOAKARI.TEXTO.pdf> Acesso em Maio de 2021.
CASTRO, Susana de. O feminismo decolonial. Revista Cult. 248 ed. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/o-feminismo-decolonial/ acesso em 02/06/2021
COELHO, Mayara P. Vozes que ecoam: feminismo e mídias sociais. Pesquisas e práticas
psicossociais, São João del-Rei, v. 11, n. 1, p. 214-224, jun. 2016. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
89082016000100017&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 02 de jun. de 2021.
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021,
https://dicionario.priberam.org/feminismo [consultado em 03-06-2021]
FRAISSE, Geneviève. Muse de la raison. Démocratie et exclusion des femmes en France,
1989. In: PRECIADO, Beatriz. Liberar o feminismo das políticas identitárias, Libération,
9/5/14 | Trad. Silvio Pedrosa. Disponível em: https://uninomade.net/tenda/liberar-o-
feminismo-das-politicas-identitarias/ acesso em 03/06/2021.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.
257

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (Org.) Explosão feminista: arte, cultura, política e
universidade. São Paulo: Companhia das letras, 2018.
LISBOA, T. K. Gênero, feminismo e Serviço Social: encontros e desencontros ao longo da
história da profissão. Katálysis. v. 13 n. 1 (2010): Desigualdades e gênero.Periódico UFSC.
Disponível em:https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/S1414-
49802010000100008. Acesso em 02/06/2021.
LUGONES, María. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista hoje:
perpectivas decoloniais. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2020.
MALTA, Renata Barreto; OLIVEIRA, Laila Thaíse Batista de. Enegrecendo as redes: o
ativismo de mulheres negras no espaço virtual. In: Dossiê Mulheres Negras: experiências,
vivências e ativismos. Revista Gênero, Niterói, v. 16, n. 2, p. 55-69, 1º sem. 2016. Disponível
em: <http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/view/811> Acesso em:
02 jun. 2021.
OLIVEIRA, Tauani Susi Da Silva Marques de. Representação De Mulheres Negras No
Instagram: Análise Narrativa Dos Comentários Do Feed De Nátaly Neri, Preta Gil E Talíria
Petrone No Dia Da Consciência Negra. 2020. Disponível em:
https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/15825/1/DISSERTA%c3%87%c3%83O%20FINAL%20T
AUANI%20OLIVEIRA%20PPGMC%20.pdf> Acesso em: 03 jun. 2021.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del Poder, Cultura y Conocimiento en América Latina. In:
Anuário Mariateguiano. Lima: Amatua, v. 9, n. 9, 1997
RIBEIRO, D.O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
ROCHA, Thalita Souza. Mulheres negras e internet: do racismo ao ativismo. 2017. 42 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília,
Brasília, 2017. Disponível em
<http://bdm.unb.br/bitstream/10483/17900/1/2017_ThalitaSouzaRocha_tcc.pdf> : Acesso em:
02 de jun. de 2021.
SUETH. Elaine Borges da Silva. Teoria feminista na atualidade: arte e cultura. Disponível
em: https://eventos.congresse.me/conbraletras/edicoes/489-conbraletras---1-
edicao/conteudos/teoria-feminista-na-atualidade-arte-e-cultura/sala-de-transmissao. Acesso
em 03/06/202.
VERGÈS, Françoise [1952–] Um feminismo decolonial / Françoise Vergès; traduzido por
Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. Título original: Un féminisme décolonial. São
Paulo: Ubu Editora, 2020.

WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001.

BIOGRAFIAS DAS AUTORAS

MÔNICA VAZ DA SILVA


Possui graduação em Serviço Social pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão (UniFacema) e especialização em Gestão de Políticas Públicas pelo Instituto de
Ensino Superior Múltiplo (IESM). Assistente Social no Centro de Apoio à Pessoa com
Deficiência Milca Gardênia Oliveira de Araújo. Atuou como docente na Faculdade de
Educação Memorial Adelaide Franco (FEMAF). Possui experiência em Serviço Social, com
ênfase em Saúde e Relações de Gênero.
258

KELLYANE DO NASCIMENTO MUNIZ


Possui graduação em Serviço Social pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão (UniFacema); pós graduanda em Políticas Públicas, Gestão e Política Social (FAR);
possui experiência no Serviço de Saúde CAPS tipo II; atualmente está como Assistente Social
na Secretaria de Educação. Segue as respectivas linhas de estudos: Relações de Gênero,
População LGBTQIA+, Movimentos Sociais, Educação, Gerontologia.

LETTICIANY SANNY CRUZ DA COSTA


Possui pós-graduação em Moderna Educação: metodologias, tendências e foco no aluno pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Bacharel em Direito pela
Faculdade do Vale do Itapecuru (FAI); Licenciatura plena em Letras-Língua portuguesa e
Literaturas pela Universidade Estadual do Maranhão UEMA. Atuando nas áreas de língua
portuguesa, literatura e redação, comunicação e linguagem, práticas pedagógicas e
aprendizagem, leitura e letramento literário; atua, ainda, na área jurídica em palestras, estudos
jurídicos e orientações.

NÁDIA CILENE PAIS DE ARRUDA


Possui graduação em Serviço Social pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do
Maranhão (UniFacema) e especialização em Libras pelo Centro Universitário FAVENI.
Especialização em Saúde pública com ênfase em saúde mental Pela Faculdade Adelmar Rosado
( FAR). Possui experiência em Libras.

JHON LENON JARDIM DA SILVA


Assistente Social. Graduado em Serviço Social pela Universidade Paulista – (UNIP, 2020).
Especialista em Gestão Pública pela Faculdade Educacional da Lapa – (FAEL, 2021).
259

CAPÍTULO 23
PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A
COORDENAÇÃO MOTORA DAS CRIANÇAS

Poliana dos Santos Silva¹


Roberto da Silva²
Ana Paula dos Santos Silva³
Bruno Costa da Silva4

INTRODUÇÃO

O presente artigo enfatiza a importância da motricidade para o desenvolvimento


humano, sobretudo podemos afirmar que a motricidade é a base fundamental para a construção
e desenvolvimento de todo ser humano, tendo como foco em auxiliar na aprendizagem escolar
dos estudantes, de certa forma conduz a criança para que ela tenha uma visão melhor sobre a
lateralidade de seu corpo, pois podemos identificar a lateralidade, localizando tanto no tempo
como no espaço, dessa forma as crianças vão adquirir habilidades motoras que são essenciais
para fluir na leitura e escrita.
Esse trabalho tem como propósito levar a reflexão sobre os movimentos que realizamos
de forma bem natural, assim como engatinhar, andar, correr, pular, saltar, rastejar entre outros.
São por meio desses movimentos que realizamos desde pequenos, que adquirimos a
motricidade. Sendo assim, diante de tantas informações a serem adaptadas que afirmamos que
esses movimentos naturais, são fundamentais para o desenvolvimento motor da criança.
A frente desse contexto, abordaremos a problemática de como um docente dos anos
iniciais deve trabalhar o esquema corporal e estimular a criança a explorar o mundo por meio
de experiências concretas? Explanaremos mais, sobre essa problemática nos resultados obtidos
com base em autores.
Visando alcançar os objetivos propostos, essa pesquisa tem como finalidade estimular
o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo da criança para que elas se conscientizem e
explorem diversas possibilidades de se expressar por meio do seu corpo. Mais especificamente
esse estudo foca em:
a) Desenvolver a lateralidade identificando os lados direito e esquerdo por meio do seu
próprio corpo.
b) Trabalhar o esquema corporal
c) Conhecer as habilidades e limitações das crianças.
260

Em seus estudos Koppity (1995), aborda que a motricidade ampla e fina leva a refletir
na consciência do próprio corpo, com um avanço na estrutura da formação no esquema corporal.
O autor busca sanar os problemas que envolvem a psicomotricidade da criança no ato de
desenvolver a escrita para obter uma boa coordenação motora fina ou ampla com o intuito em
fazer com esses movimentos repetitivos em movimentos que são trabalhados no decorrer do dia
a dia da criança.
Justifica-se a elaboração desse estudo por meio do aprimoramento e aperfeiçoamento
dando-lhe uma estrutura base para que a criança tenha todo o suporte ao desenvolver suas
habilidades motoras específicas na qual essas atividades mexem com o psicológico e o
emocional de cada criança, onde as mesmas vão desenvolver tal brincadeira até onde o seu fator
psicológico permitir, que podem ser dado apenas inicio ou até mesmo que a criança seja capaz
de desenvolver a atividade proposta até o final da brincadeira, sendo assim cada habilidade de
cada criança é única.
O artigo está estruturado da seguinte maneira, sendo demonstradas com o referencial
teórico, debatendo e compreendendo o desenvolvimento motor da motricidade na educação
infantil, falaremos também sobre a coordenação psicomotora e suas implicações, no decorrer
desse estudo explicaremos algumas atividades psicomotoras que devem ser desenvolvidas nos
anos iniciais, e por fim falaremos de habilidades motoras e práticas pedagógicas na educação
infantil.
Em seguida apresentaremos a metodologia de ensino aplicada nesta pesquisa, cuja
pesquisa foi explicativa através de um levantamento bibliográfico com pesquisas realizadas no
Google Acadêmico e Scielo para um aprofundamento teórico, para isso recorremos aos
conceitos de Velasco (1996), Maria (2012) e Gil (2007). Após análise nos artigos utilizados de
base, buscamos em realizar um questionamento contendo dez perguntas fechadas, na qual o
foco era saber o que o público alvo das redes sociais pensam sobre a psicomotricidade na
educação infantil, os resultados e discussão serão ilustrados por meio de porcentagem
demonstrando a quantidade do percentual de cada questão. E por fim finalizamos enfatizando
o enfoque central nas considerações finais.

COMPREENDENDO O DESENVOLVIMENTO MOTOR DA MOTRICIDADE NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

O propósito deste estudo é analisar a relevância da motricidade na qual o exercício fará


com que o seu corpo tenha um melhor desempenho e o manterá no espaço. Salienta-se assim
261

que o trabalho desses movimentos é muito importante, pois as crianças devem se exercitar e ter
essa estrutura, para passar por todas as etapas do processo de desenvolvimento, incluindo
cognição motora. Dessa forma, pode-se afirmar que uma das muitas tarefas dos educadores e
até dos pais é estimular e desenvolver a coordenação motora.
Ao pensarmos na palavra psicomotricidade logo, nos faz refletirmos em movimento,
corpo, mente, espaço e ação, sobretudo o objetivo da psicomotricidade é estimular os indivíduos
a localizarem o próprio corpo, leva-los também a conhecer todas as suas potencialidades ou
limitações, assim atendendo às suas necessidades afetivas ou emocionais dos estudantes,
auxiliando no desempenho escolar, obtendo melhoras na consciência corporal e na lateralidade
por meio da noção de espaço e tempo, pois auxiliar o educando a superar suas dificuldades, por
meio de atividades, ajudando as crianças em seu processo de desenvolvimento corporal e sua
afetividade.

O desenvolvimento motor está relacionado às áreas cognitiva e afetiva do


comportamento humano, sendo influenciado por muitos fatores. Dentre eles
destacam-se os aspectos ambientais, biológicos, familiares, entre outros. Esse
desenvolvimento é a contínua alteração da motricidade, ao longo do ciclo da
vida, proporcionada pela interação entre as necessidades da tarefa, a biologia
do indivíduo e as condições do ambiente. (GALLAHUE, 2005, p. 03).

Para que isso ocorra é necessário saber o que fazer, pois uma criança pode ter mais
facilidade do que outra. Há uma relevância da temática, porém, ao vivenciar a referida temática
tendo em vista as peculiaridades do desenvolvimento desse artigo é trabalhar o esquema
corporal que é uma estratégia de grande valia para facilitar a aprendizagem de nossas crianças,
tais considerações corroboram com o fato de que para muitos estudiosos, que contextualiza uma
deficiência de aprendizagem no esquema corporal podem gerar transtornos nas áreas motoras.
Vale mencionar que uma pessoa com deficiência no esquema corporal pode desenvolver
dificuldade de coordenação motora; assim como pode apresentar também uma postura
inadequada, tendo um ritmo mais lento na realização de atividades, além de demonstrar
dificuldade para localizarem-se no tempo e no espaço diante desse contexto as crianças
desenvolvem certa dificuldade em relacionarem-se com as pessoas devido problemas com a
afetividade.
Como afirma Le Boulch que a importância da psicomotricidade deve ser trabalhada na
escola nas séries iniciais:

A educação psicomotora deve ser enfatizada e iniciada na escola primária. Ela


condiciona todos os aprendizados pré-escolares e escolares; leva a criança a
tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, há
262

dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e


movimentos, ao mesmo tempo em que desenvolve a inteligência. (LE
BOULCH, 1984, p. 24).

Considera-se que o educador precisa ser um profissional competente dentro do ambiente


escolar, tendo um olhar crítico com atenção na aquisição da linguagem de cada criança,
estimulando ao máximo, percebendo se há algum problema no desenvolvimento da linguagem
e dialogar com os pais, para procurar ajuda de especialistas para auxiliar no que for necessário.
O autor deixa claro que é essencial estimular o desenvolvimento motor, psicomotor,
cognitivo, afetivo na criança nas séries iniciais da educação, pois, é de extrema importância
para o mesmo não ter dificuldades quando for adulto.
Conforme nos relata Fim e Barreto (2010), é essencial “ter um olhar crítico no
desempenho psicomotor das crianças durante os primeiros anos de escolarização”, sendo de
grande valia que essas dificuldades sejam encontradas no processo de alfabetização dos
educandos. Os autores abordam ainda a importância que o docente considera a criança como
um todo, visto que muitas vezes é analisado apenas o aspecto cognitivo não correlacionado com
o aspecto motor no ensino aprendizagem e sendo atingido em seu desenvolvimento motor e
psicológico.
Conforme explica Gallahue Ozmun (2003), “os movimentos podem ser divididos em
três estágios: estágio inicial, estágio elementar e estágio maduro”. Ressaltando que no estágio
inicial os movimentos são manipulados e estabilizadores, considerados fundamentais para as
crianças de dois anos de idade, pois seus movimentos são básicos com relação ao tempo e
espaço.
O autor supracitado acima conclui que no estágio elementar a criança desenvolve melhor
o controle e sua coordenação, assim a tendência de muitas pessoas é progredir evoluindo, mas
é válido salientar que existem aquelas crianças que não conseguem e por consequência
permanecem neste estágio até o fim da vida. Na terceira etapa o estágio maduro pode-se
considerar a melhor fase com relação a sua eficiência para adquirir os movimentos e a
coordenação motora, sendo atingido na faixa etária de cinco ou seis anos de idade, tendo em
vista que são nessa fase que as crianças possuem maior controle e execução dos movimentos.
A seguir iremos explanar um pouco sobre a coordenação psicomotora e suas implicações.

A COORDENAÇÃO PSICOMOTORA E SUAS IMPLICAÇÕES


263

Visando em conhecer a psicomotricidade é importante que o educador trabalhe o


esquema corporal com suas crianças, não é apenas analisar se existem músicas e brincadeiras
que facilitam este trabalho, podemos estimular o reconhecimento das partes do corpo e
interação com o mundo de forma lúdica.
Do ponto vista, Oliveira afirma que:
“A psicomotricidade pode ser definida como a ciência que estuda o homem através de
seu corpo em movimentos, suas relações internas e externas. Seu estudo está ligado a três
premissas principais: o movimento, o intelecto e o afeto” (OLIVEIRA, 2013, p.125 -146).
Vale salientar que uma pessoa com deficiência no esquema corporal pode desenvolver
dificuldade de coordenação motora; assim como pode apresentar também uma postura
inadequada, tendo um ritmo mais lento na realização de atividades, além de demonstrar
dificuldade para localizar-se no tempo e no espaço diante desse contexto o autor deixa claro
que as crianças desenvolvem certa dificuldade em relacionarem-se com as pessoas devido a
problemas com a afetividade.
Segundo argumenta Negrine (1987), "existem três aspectos que devemos ter
conhecimento; imagem corporal, conceito corporal e esquema corporal,”. O autor referenciado
sintetiza a imagem corporal que está relacionada com as sensações que temos de nós e do nosso
corpo com ligação nas experiências emocionais e sociais das pessoas. Podemos descrever que
o conceito corporal é contextualizado a tudo que sabemos e vivenciamos por meio do próprio
corpo, com seus significados relativos. Sendo assim o esquema corporal envolve diferentes
ações, com possibilidades ou dificuldades em realizar algum movimento diferente, assim como
equilibramos ou buscamos a coordenação motora.

ATIVIDADES PSICOMOTORAS DESENVOLVIDAS NOS ANOS INICIAIS E SUAS


HABILIDADES MOTORAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL.

De acordo com os pesquisadores, Vygotsky (2007) e Piaget (2009), que corroboram


com “o brincar faz parte do universo da criança, principalmente durante os primeiros anos de
escolaridade”.
Os autores afirmam que essa intervenção seja planejada e praticada por meios de jogos
e brincadeiras, pois é interessante realizar brincadeiras para que as crianças possam se dirigir à
direita ou esquerda, é válido mencionar que é essencial trabalhar a localização de certos pontos
de referência seja de cidade ou o lugar na qual a criança mora, permitindo assim que elas tenham
o comando para localizar e desenhar algo que esteja na direita ou esquerda, é válido destacar,
264

ainda, que é essencial trabalhar a localização de certos pontos de referência seja de cidade ou
de lugar, permitindo assim que elas tenham o comando para localizar e desenhar algo na direita
ou esquerda, assim como identificar acima e abaixo, para que isso aconteça é importante
contextualizar a lateralidade com trilhas como se estivessem no trânsito, pedindo para que os
estudantes virassem à esquerda ou à direita, entretanto deve-se utilizar o corpo para trabalhar,
o que podemos estar segurando com a mão direita ou esquerda, brincar de morto-vivo, baralho,
amarelinha, equilíbrio, dobraduras, entre outras diversas brincadeiras que podemos executar
para que as crianças desenvolvam sua psicomotricidade, pode-se dizer que a psicomotricidade
ela vem para auxiliar nos processos de aprendizagem, de forma integral, trabalhando com o ser
humano por meio de jogos e brincadeiras de uma maneira interativa, lúdica e prazerosa. Dessa
maneira os estudantes brincam, aprendem e desenvolvem sua coordenação motora.
Para Piaget (1971), “os jogos não são apenas uma forma de desafogo ou entretenimento
para gastar energias das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento
intelectual”. Piaget ressalta ainda que os jogos e as brincadeiras mexem com o raciocínio da
criança em diversas situações, pois ao executar um jogo ou uma determinada brincadeira, faz
com que essas crianças desenvolvam e conheçam suas habilidades e limitações.
Nesse contexto fica claro que quanto maior forem às vivências das crianças com o seu
meio, maior serão suas capacidades para a adaptação e aquisição no ensino aprendizagem.
Ressalta-se ainda que o brinquedo seja o suporte da brincadeira, sendo um meio indispensável
que leva a criança a mexer com sua imaginação além do faz de conta. Dessa forma temos o jogo
como uma ação lúdica, na qual é estruturada por meio de regras, que podem envolver diversos
tipos de matérias, deixando assim que o pedagogo (a) use sua criatividade para obter um
resultado satisfatório com relação à psicomotricidade de suas crianças.
Além disso, esse estudo visa em contextualizar a coordenação motora que pode ser
definida como a capacidade em utilizar os movimentos corporais, que podemos classificá-los
em movimentos amplos ou finos, em detrimento disso é a habilidade que nosso corpo permite
realizar diferentes movimentos assim como, desenhar, pintar, dançar, fazer dobraduras, brincar
de amarelinha, com bolas, correr com obstáculos, encher e esvaziar objetos, entrar e sair de
caixas, brincar com cantigas de roda, estátua, duro-mole, passar anel, além de brincar com pneus
e etc.

MATERIAIS E MÉTODOS
265

Ressaltando o nosso objetivo central desta pesquisa, esse estudo tem como intuito
estimular o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo da criança para que elas se
conscientizem e explorem diversas possibilidades de se expressar por meio do seu corpo. Para
o desenvolvimento da presente pesquisa foi utilizado um estudo explicativo, por meio de um
levantamento bibliográfico com pesquisas realizadas no Google Acadêmico e Scielo como
ferramentas para a obtenção do estudo de campo realizado por meio de perguntas fechadas por
meio de enquetes e formulários no Google Forms, para que os públicos-alvo das redes sociais
tivessem acesso a pesquisa de estudo. É válido mencionar que um dos métodos utilizados com
frequência para a realização de pesquisas acadêmicas é por meio de enquete, formulários no
Google Forms ou entrevistas.
Segundo Gil (2007) este tipo de pesquisa preocupa-se em identificar os fatores que
determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Ainda, a pesquisa explicativa
segundo Gil (2007, p. 43), pode ser a continuação de outra descritiva, posto que a identificação
de fatores que determinam um fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e
detalhado. Para a execução dos dados encontrados usamos a rede social (Instagram e o Google
formulário mais conhecido Google Forms). No questionário a seguir deixaremos entre
parênteses as opções colocadas para que as pessoas respondessem.

Questionário Sobre Psicomotricidade Na Educação Infantil


1. Qual a sua formação? (Pedagogia, Letras, Magistério ou outros).
2. Há quanto tempo você atua como professor? (Um ano, três anos, oito anos ou outros).
3. Pra você o que é a psicomotricidade na educação infantil? (Movimento mental da criança,
movimentos das crianças, movimentos estipulados pelo corpo, não sei opinar).
4. O que se devolve na psicomotricidade? (Mente e gestos, apenas os movimentos do corpo,
conhecimento e domínio, desenvolvimento da linguagem).
5. Você conhece o trabalho da psicomotricidade infantil? (estudei esse tema na faculdade, tenho
até um curso, pouco entendimento, não há necessidade de ter conhecimento).
6. Como é trabalhada a motricidade dos alunos da educação infantil? (cantigas de roda e jogos,
pinturas, andar e pular cordas, massinhas de modelar, encaixe com peças e músicas).
7. Qual o material pedagógico que é mais trabalhado em sala? (jogos, histórias, brincadeiras ou
outros).
8. Em sua opinião, como deveria agir um professor ao se deparar com crianças que apresentem
atraso motor? (trabalhar jogos e dinâmicas, planejar aulas envolva o tempo, espalho e a
alteridade, esquema corporal e estruturação corporal).
266

9. O jogo de brincadeira deve ocupar lugar em destaque na escola desde a educação infantil?
(para desenvolver as habilidades físicas e mentais, despertar o criar e auxiliar na formação
corporal é fundamental para a alfabetização).
10. A criança, durante o período da educação infantil, antes de iniciar a sistematização dos
conteúdos previstos no currículo, ao seu olhar: deve-se iniciar-se com? (a prática da
psicomotricidade deve ser vivenciada a psicomotricidade durante todo o processo de
desenvolvimento emocional, deve ser trabalhada a psicomotricidade apenas na educação
infantil, a psicomotricidade deve ser trabalhada em todas as séries, não sei opinar).
Fonte: Google

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para análise dos dados coletados pela enquete do Instagram e formulário do Google
Forms, visto que no quadro ilustrado acima, que consta dez perguntas e cada pergunta contém
quatro categorias para as respostas, sendo divididas em duas categorias para a enquete e as
outras duas categorias são destinadas para o Forms, dessa forma cada categoria terá um
percentual de 100%. Friso ainda, que a seguir nos resultados obtidos você terá dados que
compõem a enquete que serão os dois primeiros dados com percentual de 100% e
posteriormente na sequência, mais dois dados de percentual de 100% que compõem sobre o
formulário do Google Forms.
Perguntamos para esse público-alvo da rede social “Instagram” e pelo Google Forms-
formulário, dez perguntas das quais a primeira pergunta foi sobre a formação que essas pessoas
têm; diante das opções que foram destinadas obteve-se 57% para curso de Pedagogia, 43% para
Magistério, Letras apenas 19% e 81% para outros cursos. Com base na pergunta de número
dois dos quais com 91% atua como professor durante um ano, 9% atua há três anos, 92% atuam
em outras opções que não foram citadas e 8% lecionam na área de professor (a) a mais de oito
anos.
Na pergunta de número três perguntamos o que é a psicomotricidade na educação
infantil e 54% responderam que é o movimento mental da criança, 46% afirmam ser o
movimento das crianças, 29% não souberam opinar e 71% questionaram que são os
movimentos estipulados pelo corpo. Diante da pergunta anterior que está interligada com a de
número quatro, foi questionado o que se desenvolve na psicomotricidade, 93% responderam
para mente e gestos, com 7% apenas os movimentos do corpo, adquiriu-se empate de 50% para
conhecimento e domínio do próprio corpo, para desenvolvimento da linguagem.
267

Questionamos na pergunta de número cinco se as pessoas conhecem o trabalho da


psicomotricidade na educação infantil, 89% responderam que estudaram esse tema na
faculdade, 11% conhecem e tem até um curso, é válido mencionar que opinaram ter pouco
entendimento, sobre a psicomotricidade, salienta-se ainda que 7% argumentaram que não tem
necessidade em ter conhecimento sobre a psicomotricidade. Perguntamos como é trabalhar a
motricidade dos estudantes da educação infantil, e muitas pessoas falaram que trabalha por meio
de cantigas de roda e jogos didáticos (lúdicos), obtendo um valor de 44% nessa opção e 56%
trabalham por meio de pinturas, andar e pular cordas, 60% usam massinhas de modelar para
trabalhar a motricidade de suas crianças na educação infantil, e 40% praticam a motricidade
com encaixe com peças e músicas. Na pergunta de número sete abordamos qual o material
pedagógico que é mais vivenciado no ambiente da sala de aula, jogos, histórias, brincadeiras,
ou outro. Obtendo assim 100% para jogos, histórias e brincadeiras.
Interrogamos como deveria agir um professor ao se deparar com crianças que
apresentam um atraso motor como se deve trabalhar, com 50% por meio de jogos e dinâmica e
50% para planejar aulas que envolva o tempo, espaço e lateralidade, com 38% para trabalhar
com o esquema corporal, por meio da estruturação corporal obteve-se um percentual de 62%.
Com 100% na pergunta de número nove, foi questionado que o jogo e a brincadeira devem
ocupar lugar em destaque na escola desde a educação infantil, pois desenvolvem as habilidades
físicas e mentais, além de ser fundamental para a alfabetização e despertar o criar e auxiliar na
sua formação corporal. Sobretudo a criança durante o período da educação infantil, antes de
iniciar a sistematização dos conteúdos previstos no currículo, ao seu olhar; com 93% afirma-se
que se deve iniciar com a prática da psicomotricidade, com apenas 7% deve ser vivenciada a
psicomotricidade durante todo o processo de desenvolvimento emocional, deve ser trabalhada
psicomotricidade apenas na educação infantil, 23% para sim e 77% para não, a
psicomotricidade deve ser trabalhada em todas as séries com 92% opinaram para sim e 8% para
não. Com esta pesquisa espera-se articular uma reflexão que esse estudo corrobora com o que
Velasco, (1996) conceitua que:

O desenvolvimento psicomotor se processa de acordo com a maturação do


sistema nervoso central, assim a ação do brincar não deve ser considerada
vazia e abstrata, pois é dessa forma que a criança capacita o organismo a
responder aos estímulos oferecidos pelo ato de brincar, manipular a situação
será uma maneira eficiente de a criança ordenar os pensamentos e elaborar
atos motores adequados à requisição (VELASCO, 1996, p.27).

O autor deixa claro que cada criança, com diversas idades tem suas peculiaridades
diferentes, assim como seus estágios de aprendizagem, visto que é fundamental que o docente
268

elabore e planeje seus planos de aulas de acordo com as suas habilidades de cada estudante.
Para que dessa maneira o aprendizado seja satisfatório, pois quando o educador aplica uma
determinada aula com o público-alvo infantil, que as mesmas têm diversas habilidades na
coordenação motora algumas demonstram ter atraso em seu desenvolvimento psicomotor e com
isso esse aluno vai demonstrar certa dificuldade e ficam desmotivados, com isso, acaba
atrapalhando no avançar de estágio de aprendizagem.
Maria, (2012) descreve que “a prática psicomotora ainda é pouco adotada no âmbito
escolar por desconhecimento dos professores”.
A autora relata sobre a prática psicomotora tendo certo escasso no ambiente escolar, ela
menciona ainda que isso ocorre devido o desconhecimento dos professores com relação à
psicomotricidade e por consequência algumas crianças desenvolvem o desenvolvimento
psicomotor tendo assim dificuldades de aprendizagem, além de alguns atrasos motores.

CONCLUSÃO

Perante esse contexto concluímos que as atividades motoras são de suma importância
para o desenvolvimento das crianças, visto que é por meio da execução que elas desenvolvem
a coordenação motora seja ela a coordenação motora fina ou ampla.
É válido ressaltar que a psicomotricidade na educação infantil ela contribui na formação
e estruturação do esquema corporal da criança, ao trabalhar o desenvolvimento motor e
cognitivo estamos incentivando a prática do desenvolvimento em todas as etapas da vida de
uma criança.
Propõe-se que este estudo faz necessário destacar que a psicomotricidade é
contextualizada como a educação que estuda os movimentos de cada ser além de procurar
melhorar as capacidades psíquicas, por meio das atividades sejam por jogos ou brincadeiras os
estudantes da educação infantil brincam, se divertem, criam, interpretam, se relacionam com o
mundo em que vivem, aprendem e desenvolvem suas habilidades seja ela motora ou cognitiva.
Portanto a psicomotricidade na educação infantil pode ser entendida como um suporte
para que as crianças possam tomar consciência de si próprias, de seu corpo e do espaço que
cada criança ocupa no mundo, pois as crianças estão em fases de crescimento e aprendizagem.
Conclui-se que a psicomotricidade na educação infantil está relacionada ao processo de
maturação onde o corpo da criança é a origem das aquisições cognitivas e afetivas.
Come esta pesquisa foi possível perceber o quanto a psicomotricidade é importante para
o desenvolvimento da criança, sobretudo na primeira infância, em razão de que nessa etapa
269

existe uma grande interdependência entre os desenvolvimentos motores, cognitivos, afetivos e


intelectuais, pois a psicomotricidade é uma ação do sistema nervoso central na qual cria uma
consciência no ser humano com relação aos movimentos que é realizado por meio dos padrões
motores, como a velocidade, o tempo e o espaço.
Em suma, a coordenação pedagógica recomenda que os educadores utilizem em suas
aulas jogos e brincadeiras para que a psicomotricidade ocupe um lugar de destaque no ambiente
escolar desde a Educação Infantil. Diante do exposto, para construir um bom desenvolvimento
motor é necessário estimular a criança a explorar o mundo por meio de experiências concretas,
buscando maior compreensão para as necessidades das crianças, ao executar as atividades que
devem ser trabalhadas com o corpo e a mente de modo que a criança tenha assim, certo domínio
de seus movimentos e com isso melhore sua coordenação motora, sendo assim, os jogos e as
brincadeiras têm como propósito auxiliar na forma lúdica, é por meio desse processo que ocorre
uma aprendizagem satisfatória. É de grande relevância a discussão do tema “A
psicomotricidade na Educação Infantil: A Coordenação motora da criança” para que os
professores possam adquirir mais conhecimento sobre.
Perante esse contexto podemos afirmar que as atividades motoras são de suma
importância para o desenvolvimento das crianças, visto que é por meio da execução que elas
desenvolvem a coordenação motora.

REFERÊNCIAS

ALVES, Me Fátima. PÓS-GRADUAÇÃO PSICOMOTRICIDADE AVM FACULDADE


INTEGRADA.
DOS SANTOS SILVA, Adriana et al. A Psicomotricidade no Ensino Infantil.FIN, G.
BARRETO, D.B.M. Avaliação motora de crianças com indicadores de dificuldades no
aprendizado escolar, no município de Fraiburgo, Santa Catarina. Unoesc & Ciência –
ACBS, Joaçaba, v. 1, n. 1, p. 5-12, 2010.
GALLAHUE, David; OZMUN, John. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês,
crianças, adolescentes e adultos. Tradução de Maria Aparecida da Silva Pereira Araújo. 2. ed.
São Paulo: Phorte, p.03, 2003.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 2. ed. SP: Atlas, p. 42-43, 2007.

KOPPITZ, E.M. El Dibujo de l a Figura Humana en los Niños. Buenos Aires, Ed. Guadalupe,
1995.
LE BOULCH, Jean. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. Porto
Alegre: Artes Médicas, p24. 1984.

MARIA, T.L.C., S. Desenvolvimento psicomotor de alunos na Educação Infantil.


[Dissertação de Mestrado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2012.
270

NEGRINI, Airton. A coordenação psicomotora e suas implicações. Porto Alegre: Pallotti,


1987.
OLIVEIRA, Andreza, F, S; SOUZA, Jose, M. A importância da psicomotricidade no
processo de aprendizagem infantil. Revista Fiar: Revista Núcleo de Pesquisa e Extensão
Ariquemes, v.2, n.1, p.125-146, 2013.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança, imitação, jogo, sonho, imagem e
representação de jogos. São Paulo: Zanhar, 1971.

PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

ROSSI, Francieli Santos. Considerações sobre a psicomotricidade na educação infantil. Revista


Vozes dos Vales da UFVJM, v. 1, n. 1, p. 1-18, 2012.

SECRETTI, Gabriela Bauhmart; PETERMANN, Xavéle Braatz; MARQUES, Rosana


Niederauer. Atividades psicomotoras desenvolvidas nos anos iniciais do ensino fundamental.
Vivências, v. 15, n. 28, p. 43-49, 2019. Disponível em:
https://doi.org/10.31512/vivencias.v15i28.13. Acesso em 26 de ago.2021.

VELASCO, Cacilda Gonçalves. Brincar: o despertar psicomotor. Rio de Janeiro: Sprint, p. 27,
1996.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BIOGRAFIA DOS AUTORES:

Poliana dos Santos Silva; Polianasantos39@hotmail.com; Especialista em Psicopedagogia


clínica e Institucional- FAVENI-ES; Licenciada em Ciências Biológicas-UNOPAR/PE;
Cursando Licenciatura em Pedagogia-UFAPE.

Roberto da Silva; robertosecd@gmail.com; Licenciatura Plena em Ciências- Habilitação


Biologia- UPE/PE; Especialista em Psicopedagogia-UPE/PE; Especialista em Coordenação
Pedagógica- FAVENI-ES; Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica-FAVENI-
ES; Cursando Pós Graduação em Ensino de Biologia-FAVENI-ES.

Ana Paula dos Santos Silva; anapaullasantosilva2020@gmail.com; Graduanda em Licenciatura


em Pedagogia-UNOPAR/PE; Graduanda em Licenciatura em Pedagogia-UFAPE.

Bruno Costa da Silva; brunocostadasilva0608@gmail.com; Graduando em Licenciatura em


Educação Física.
271

CAPÍTULO 24
O PODER DA LINGUAGEM E DAS REDES NA MANIPULAÇÃO DOS
DIRIGENTES SOCIAIS: um alerta a respeito da imposição ideológica na
obra 1984, de George Orwel, e no Discurso sobre a servidão voluntária, de
Étienne de La Boétie

Larissa Landim de Carvalho


Hellen Steckelberg
Gizelly Braz Vieira dos Santos
INTRODUÇÃO

Em 1984 somos expostos a uma realidade dura, hostil e, especialmente na


contemporaneidade, significativamente verossimilhante. Orwell, mais uma vez, brilha ao expor
as consequências de um regime totalitário. Após a fábula denominada A Revolução dos Bichos,
o autor pesa a mão e atinge o âmago ao “prever” uma realidade próxima – posto que a obra fora
publicada em 1949 – em que o mundo restaria dividido em três grandes potências e, visando à
manutenção do poder, viveriam em guerra.
Dentro desse sistema, os homens seriam completamente dominados pelos dirigentes
sociais e, por fim, os dominados assumiriam o papel dos dominadores. Para tanto, diversos
recursos são adotados pelo governo. Os recursos de maior destaque são: a vigilância constante
– implementada por meio das chamadas teletelas, que, fazendo uma analogia, podem ser
compreendidas como notebooks, um tablets ou celulares, cuja tela permita a exibição de
informações governamentais e a câmera e o microfone permitam a observação e escuta pelos
sentinelas.
A alteração da história, que era adequada de acordo com as necessidades do governo; a
instituição do duplipensar – introdução de outra concepção para um objeto/termo já conhecido,
de modo a deixar os sujeitos com dúvida em relação ao verdadeiro significado; e a criação de
uma nova língua, a Novílingua, que, além de criar novos conceitos para coisas, peças, utensílios
e instrumentos, inviabilizaria a comunicação daquela geração com as próximas, dando fim à
história, à memória e ao passado. Trechos do livro revelam a percepção dessa conjuntura pelas
personagens “Como poderia se comunicar com o futuro? Era impossível, pela própria natureza”
(1949, p. 05).
A personagem principal da história, Winston Smith, era um membro do partido que
trabalhava no Ministério da Verdade. Ele era encarregado de deletar as informações
incongruentes que o Governo havia propagado e que não haviam saído da forma divulgada,
bem como outras informações que, àquela altura, não interessavam aos governantes. Até
272

mesmo pessoas eram deletadas, ou melhor, vaporizadas, e Winston e os demais empregados do


ministério ajudavam nesse processo. “Sem contar seus pais, Winston conhecia pessoalmente
umas trinta pessoas que haviam desaparecido” (1949, p. 21). Quando uma pessoa era deletada
tudo relacionado a ela também o era. Dessa forma, a inexistência dos sujeitos entraria na história
e viraria uma verdade.
Outros ministérios igualmente duvidosos tiveram destaque na obra. O ministério do
amor – que torturava os traidores do Big Brother até esvaziá-los de todo o sentimento de
resistência e desejo de revolução – é um exemplo. Curioso pensar na evidente inversão de
valores que pairava sob a história. Mesmo a nomenclatura dos ministérios, adotada pelos
dirigentes, era contraditória. O ministério da verdade é responsável pela mentira e o ministério
do amor é responsável pela tortura, pela dor. Isso está disposto nos próprios lemas do Partido:
“GUERRA É PAZ. LIBERDADE É ESCRAVIDÃO. IGNORÂNCIA É FORÇA” (1949, p.
03).
Aqui, a ideologia52, a inversão de valores, exposta na narrativa elaborada pelo autor
parece clara, pois é notório que os ministérios agem de forma antagônica em relação à forma
que se qualificam e são compreendidos. Contudo, ainda hoje frases como: “se quer paz, prepare-
se para a guerra” são ditas por integrantes do poder, o que leva muitos a acreditar que, para se
alcançar a paz, é preciso fazer uma guerra. Isso acontece no mundo todo e, no Brasil, tem sido
cada dia mais frequente.
A capa de um jornal de 1937 que fazia referência ao governo de Mussolini foi
relembrada recentemente nas redes sociais. A reportagem dizia que:

52
Compreendida a partir de uma leitura marxista como “idéias falsas que ajudam a legitimar um poder político
dominante; comunicação sistematicamente distorcida [...] falsa cognição, com a ideologia como ilusão, distorção
e mistificação” (EAGLETON, 2007, p. 15-16).
273

Isso nos leva a ratificar a compreensão de que a forma encontrada pelos governantes de
introduzir a concepção de mundo que eles detêm, ou a concepção de mundo que eles querem
criar, na sociedade se dá por meio da linguagem. E essa realidade se mantém. Os interlocutores
se constituem mutuamente por meio de práticas discursivas em meio a contextos históricos e
sociais. Para Bakhtin, “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (1997, p. 36). Logo,
as identidades são construídas através das relações socioculturais, que são perpassadas pelos
discursos propagados nas diversas esferas de atividade humana, especialmente nas instituições
sociais, que detêm maior lugar de fala e, consequentemente, maior visibilidade.
Assim, determinada concepção é imposta pelos dirigentes e veiculada pelas redes
sociais, ou pela imprensa, e isso é absorvido pela sociedade. Mesmo a mídia que tem o papel
de informar e despertar a consciência da sociedade, podendo contribuir, portanto, de forma
significativa para a obtenção da cidadania, tem se mostrado incoerente ao adotar discursos que
vão de encontro aos seus princípios basilares. Por meio de recursos linguísticos e demais
estratégias discursivas, a mídia é capaz de convencer; de criar; de manter ou de modificar
opiniões e crenças.
Nesse sentido, a população passa a consumir – de todos os lados – informações que
viabilizam a naturalização da violência, do ódio, ou do que quer que seja de interesse dos
dominantes, o que os leva a aceitar tais imposições. Na obra Discurso sobre a servidão
voluntária La Boétie (2017) demonstra que é fácil aceitar o absurdo se você já nasce em meio
274

a ele. Para as personagens da obra de Orwell (1949), a facilidade da aceitação é acompanhada


pelas torturas e punições que dão exemplos do destino que aguarda os opositores.
Os discursos e seus significados atravessam até mesmo os instintos sexuais. Na obra,
“O Partido estava procurando matar o instinto sexual, ou, se não fosse possível matá-lo, torcê-
lo e torná-lo indecente. Êle não sabia o porquê dessa conduta, mas assim era, e lhe parecia
natural que assim fosse” (1949, p. 30). Essa construção se dá através da linguagem e do poder
que ela detém. Os discursos são capazes de construir a realidade e as identidades dos sujeitos
envolvidos nas ações comunicativas.
Pêcheux (1998) defende a concepção de que a linguagem é produto do trabalho social e
histórico dos seres humanos, que se desenvolve em um processo de interação social/verbal, e
isso permite um ininterrupto movimento de agir e transformar do mundo, fazendo emergir
conflitos e contradições. Logo, a linguagem não pode ser compreendida como um simples meio
de comunicação bem como não pode ser considerada como um instrumento puro para transmitir
informações, pois se constitui como produtora de sentidos. Nessa perspectiva, a linguagem e o
discurso são atravessados pela ideologia, não existindo, portanto, discurso neutro.
Consequentemente, tanto o emissor quanto o receptor da mensagem encontram-se inseridos em
um determinado grupo social, cuja ideologia será materializada em seu discurso e em sua
posterior interpretação.
Partindo das teorias de Marx, que fora influenciado por Hegel, compreendemos que a
sociedade é uma totalidade composta pelo modo de produção e pelas formas de regularização.
Ocorre que essa regularização – aqui representada pelos discursos – apenas reflete as formas
que a sociedade, em sua maioria, pensa; mesmo porque a dominação não seria possível se o
dominado não assumisse o habitus53 dos dominantes, ou seja, esse conjunto de disposições
adquiridas pelas imposições das principais Instituições Sociais tais como Família; Igreja e
Escola, bem como dos Dirigentes Sociais, isto é, os dominantes.
No mesmo sentido, ao tratar sobre identidade, Giddens (2002) afirma que “o eu não é
uma entidade passiva, determinada por influências externas; ao forjar suas auto-identidades,
independente de quão locais sejam os contextos específicos da ação, os indivíduos contribuem
para (e promovem diretamente) as influências sociais que são globais em suas consequências e
implicações” (p. 09).

53
[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando a todas as experiências passadas,
funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização
de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983,
p. 65).
275

Desta forma, resta claro que a população adota essa composição e passa a reproduzir os
significados construídos pelos discursos dominantes. Bourdieu (1992) explica esse sistema ao
afirmar que, a sociedade, habituada a essa compostura, a reproduz, sem qualquer esforço.
Berger e Luckmann caminham na mesma direção e nos alertam para o fato de que “as ações
tornadas habituais conservam seu caráter plenamente significativo para o indivíduo, embora o
significado em questão se torne incluído como rotina em seu acervo geral de conhecimentos,
admitindo como certos por ele e sempre à mão para os projetos futuros. O hábito fornece a
direção” (2002, p. 78).
Bourdieu (1983) entende que a reprodução da ordem social se explica pelas múltiplas
estratégias de reprodução que os diferentes agentes sociais colocam em ação para manter ou
melhorar a sua posição social. Assim, “as instituições, pelo simples fato de existirem, controlam
a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam
em uma direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis”
(BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 80).
Nessa lógica, a educação formal, ou seja, a escola, é compreendida como um excelente
meio para a construção de uma identidade hegemônica. Na obra A Reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino, Bourdieu e Passeron (1992) tratam dessa questão e colocam a
ação pedagógica como uma violência simbólica na qual os indivíduos são conduzidos a aceitar
as imposições vigentes, sem perceberem que estão sendo manipulados por uma violência
encoberta.
A cultura dominante no sistema de ensino é posta pelas autoridades pedagógicas. Essas
autoridades realizam um “trabalho pedagógico”, ou melhor, fazem os alunos naturalizarem as
arbitrariedades que são colocadas para que se realize, deste modo, uma “formação durável”.
Bem como a distopia – 1984 – o sistema educacional pouco mudou desde 1992 e a reprodução
social e a legitimação das desigualdades sociais ainda é uma realidade54.
Na escola, esse cenário é reforçado pelos livros didáticos, que difundem uma identidade
predominante e oportunizam a sua internalização e a consequente repetição. Ao tratar da
construção das identidades nas práticas discursivas, Carvalho e Campos (2018) realizaram um
levantamento bibliográfico sobre estudos acadêmicos que analisaram questões de gênero e
sexualidade nos livros usados em salas de aulas e selecionaram quatro deles.

54
É certo que essa não é a única função da escola, pois, assim como tudo no sistema capitalista, a escola é
contraditória e, ao mesmo tempo em que reproduz desigualdades, oferta possibilidades. Isso foi admitido,
inclusive, por Bourdieu, um pouco depois da publicação da obra mencionada. Contudo, a reprodução permanece
e pode ser percebida também em outros setores.
276

Após a análise, as autoras constataram que as obras didáticas:

apresentam textos cujas cargas ideológicas manifestam o poder simbólico do


discurso dominante de construção das masculinidades, sobretudo da
masculinidade hegemônica. Tal discurso assegura as relações de poder que
pautam a construção de outras identidades, provocando sanções, através da
violência de gênero, ao que dele difere, podendo resultar em exclusão e
violação dos direitos de acesso e permanência na escola (p. 85).

Tendo em vista a atualidade da publicação, concluímos que a hegemonia ainda se faz


presente no contexto escolar, seja por meio das ações pedagógicas, seja por meio dos livros
didáticos. A despeito de as autoras terem adotado um recorte de gênero e sexualidade em sua
pesquisa, a realidade é a mesma em se tratando de outras questões. Tratando-se de política, há
inúmeros exemplos atuais que poderiam ser colacionados para demonstrar a mesma conjuntura.
Entretanto, não entraremos neste mérito. Dentro da religião, a estrutura é a mesma,
especialmente depois da onda neoconservadora atingir boa parte do mundo ocidental e se
consolidar com as eleições de seus líderes. A família segue uma linha idêntica, ao passo que a
própria religião e a escola a influenciam diretamente.
Destarte, apesar de a obra de Orwell ter sido escrita e publicada há mais de setenta anos,
ela continua atual. A imposição ideológica se mostra presente na construção das identidades
dos sujeitos em todas as frentes. Diante da austeridade da obra, se antes já tentávamos manter
um olhar atento para o mundo, a partir da leitura dela ficamos ainda mais alertas.
Consequentemente, passamos a enxergar essas intervenções e imposições de forma mais clara.
À vista disso, conseguimos visualizar exemplos dessas imposições sendo divulgados
diariamente pela mídia. A prudência instigada pela obra nos deixa mais vigilantes.
Explorada enquanto fonte de poder na obra, a língua mantém a sua importância na
atualidade. Pensamentos e palavras são receptáculos ou armas aptos a carregar poder, esse poder
pode criar, mas também pode destruir. A própria bíblia traz essa informação ao dispor que: “A
morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto” (PROVÉRBIOS
18,21). Logo, o conhecimento a respeito do poder da linguagem está diretamente relacionado
às formas de manipulação e convencimento. Cabe a nós, na qualidade de cidadãos conscientes
e, em especial, de cientistas da linguagem, enxergar essas nuances e intencionalidades para
evitarmos a implementação de políticas e de governos totalitários.

As redes sociais como instrumentos de manutenção e modificação dos discursos


hegemônicos
277

É notório que as redes sociais ampliaram significativamente a possibilidade de alcance


de sujeitos. Sujeitos estes com pensamentos e opiniões distintas, fundamentadas em teorias e
práticas há muito estudadas e experienciadas e, ainda, sujeitos que sequer compreendem os
conceitos veiculados, quiçá pararam para refletir sobre eles. Logo, a possibilidade de persuasão
aumenta e determinados grupos sociais, por meio dos especialistas, tecnólogos do discurso,
valem-se disso para criar, manter ou modificar opiniões e crenças.
Esse poder, isto é, a possiblidade de criar/manter/alterar opiniões é valiosa e muito
interessa aos atores sociais, em especial os sujeitos políticos, diante da necessidade de
convencimento em massa fundamental para alcançar os seus objetivos, muitas vezes pessoais.
É claro que outros sujeitos também precisam conduzir opiniões e práticas e usam o
discurso para alcançá-la. Atualmente, uma figura emblemática, que divide opiniões, e que está
diretamente relacionada ao tema, é o influenciador digital. Esses sujeitos, que levam uma vida
admirável por muitos, uma vez que, arriscamos dizer, projetam as suas rotinas, muitas vezes de
luxo e prazer, em suas vidas, alcançam e convencem multidões.
Para tanto, valem-se de recursos linguísticos e demais estratégias discursivas para
convencer, seja a realizar uma simples compra ou a seguir determinados comportamentos, o
que inclui ir contra constatações científicas, independentemente da área da ciência apresentada.
Hodiernamente, essa tem sido uma das formas mais utilizadas para a proliferação de
informações e manutenção/alteração de opiniões.
O alcance dos sujeitos cresceu de forma exponencial com o advento da internet e das
redes sociais. Diante da concepção de que os sujeitos são assujeitados, ou seja, de que não são
donos de seus discursos, indivíduos perspicazes, geralmente ligados/contratados por grupos
específicos, desfrutam desse vasto campo para espalhar discursos e torná-los hegemônicos.
Conforme afirma Foucault (1996), a educação formal viabiliza o conhecimento do
discurso. Contudo, mesmo nesse cenário, ele pode se manter ou se modificar. Mesmo porque,
ao mesmo tempo em que a escola oportuniza a ascensão dos indivíduos, ela os oprime, ao passo
que os trata de forma equivalente a despeito de pertencerem a contextos e realidades
completamente distintas.
Bourdieu (1983) entende que a reprodução da ordem social se explica pelas múltiplas
estratégias de reprodução que os diferentes agentes sociais colocam em ação para manter ou
melhorar a sua posição social. Nessa lógica, a educação formal, isto é, a escola, é vista como
um excelente domínio da reprodução social e de legitimação das desigualdades sociais. Os
campos da internet e das redes sociais não poderiam ser diferentes.
278

Informações ou desinformações têm sido lançadas ao vento, por diversos meios de


comunicação, sem que haja, por parte dos telespectadores, qualquer reflexão ou filtro; e a
tendência tem sido a de eleger um humano com ares de tirano para seguir cegamente e adorar,
independentemente dos absurdos que são ditos por ele.
Fairclough pondera que:

Quando chegamos aos textos como elementos de eventos sociais, a


‘superdeterminação’ da linguagem por outros elementos sociais torna-se
massiva: textos não são apenas efeitos de estruturas linguísticas e de ordens
de discurso, são também efeitos de outras estruturas sociais, e de práticas
sociais em todos os seus aspectos, de maneira que se torna difícil separar os
fatores que modelam textos (2003, p. 23).

Essa realidade tem sido experienciada por boa parte do mundo, em especial o ocidental,
marcado pela onda neoconservadora. Neste sentido, pode-se perceber a atualidade do discurso
escrito por La Boétie há mais de quatrocentos anos. A população segue acreditando de forma
cega em afirmações infundadas, sem questioná-las, submetendo-se a uma servidão
voluntariamente.
La Boétie pleiteia que "Se pudermos, então, busquemos entender, por conjectura, como
essa obstinada vontade de servir tornou-se enraizada de tal forma que nem mesmo o amor à
liberdade parece ora tão natural assim." (2017, p. 43). O que parece é que, deliberadamente, a
sociedade tem se colocado ao lado de ideologias que vão de encontro à ciência. É como se este
tipo de comportamento partisse de uma escolha própria do povo, que tem se submetido
intencionalmente à servidão, uma vez que não há armas e não há um privilégio justificável para
tanto. É a escolha por estar preso e se subjugar, mesmo que não fisicamente, mas
ideologicamente, resultando, assim, em uma servidão voluntária.
Por outro lado, Berger e Luckmann (2002) retornam à noção de sujeito assujeitado de
Foucault e afirmam que a sociedade, habituada a determinada realidade, a reproduz, sem
nenhum esforço. Aqui é como se a escolha não fosse real/própria, mas sim perpassada pelo
poder do contexto.

As ações tornadas habituais está claro, conservam seu caráter plenamente


significativo para o indivíduo, embora o significado em questão se torne
incluído como rotina em seu acervo geral de conhecimentos, admitindo como
certos por ele e sempre à mão para os projetos futuros. (...) Isto liberta o
indivíduo da carga de “todas estas decisões” dando-lhe um alívio psicológico
que tem por base a estrutura instintiva não dirigida do homem. O hábito
fornece a direção (...) e ofere[ce] um fundamento estável no qual a atividade
humana pode prosseguir com o mínimo de tomada de decisões durante a maior
parte do tempo (...) (p. 78).
279

Logo, concluímos que as instituições controlam e direcionam a sociedade, que, a partir


delas, tomam determinado partido e o reproduz. As redes sociais têm desempenhado o mesmo
papel, interferindo diretamente nas escolhas dos sujeitos. Assim, é evidente que essa questão é
muito mais complexa do que um simples gosto pela servidão ou subserviência.

Considerações Finais

A obra de Étienne de La Boétie, produzida no século XVI, se faz completamente atual,


pois levanta problemas sociais vivenciados contemporaneamente. O escritor questiona, ao
longo de sua escrita, como pode um único tirano – que, em sua concepção, com frequência, é
"o mais fraco e afeminado da nação", compreendido por alguns como infantilizado – dominar
toda uma nação, sendo ele um simples homem, mortal, com as mesmas características físicas
de seus servos.
A maior questão levantada é o fato de que para que a servidão cesse, basta que o povo
não tome nenhuma atitude, "não é preciso tirar-lhe algo, e sim dar-lhe nada" (LA BOÉTIE,
2017, p. 39), mas ainda assim, o povo, intencionalmente, opta pela servidão. Ou seja, não
impera que o povo tome nenhuma atitude, que imponha nenhum combate, mas sim a absoluta
torpeza seria capaz de livrar os servos da servidão. Todavia, o povo opta por permanecer
acorrentado.
Ao levantar este questionamento, o autor traz, de forma bastante ilustrativa, exemplos
práticos de diversas situações reais que podem facilmente ser reconhecidas nos dias atuais. Para
o ponto retro mencionado, La Boétie exemplifica a situação fazendo uma analogia com os
animais, que lutam até o fim por sua liberdade, "que dão continuidade à vida, mais para lamentar
a felicidade perdida que para contentar-se em servir” (2017, p. 45).
Na obra de Orwel, recente em relação à de La Boétie, publicada em 1949, também
podemos observar problemas sociais experienciados contemporaneamente. Tanto a questão das
redes sociais, acessíveis pelo que hoje chamamos de smartphones, mas na obra podem ser
compreendidos como teletelas, quanto à questão da veracidade propagada pela imprensa, na
obra retratada por meio do Ministério da Verdade.
Ora, é cediço que a mídia tem grande influência em todas as camadas da sociedade.
Contudo, referido fato tem impactos diferentes em cada um, a depender do contexto em que o
indivíduo está inserido. Atualmente, percebemos que a mencionada influência sofreu e ainda
280

vem sofrendo alterações no decorrer do tempo, estando a mudança diretamente ligada ao


desenvolvimento das tecnologias.
Especificamente no Brasil, em que há uma mídia televisiva dominante, considerando
que o poder esteve concentrado majoritariamente nas mãos de uma emissora por décadas, pode-
se perceber que, com a popularização das redes sociais e dos streamings, o modo de ação da
mídia não é mais o mesmo.
O povo passou a ter voz, não sendo esta mais de domínio de poucos. Ao tratar do tema,
Foucault considera que:

À primeira vista, as “doutrinas” (religiosas, políticas, filosóficas) constituem


o inverso de uma “sociedade de discurso”: nesta, o número de indivíduos que
falavam, mesmo se não fosse fixado, tendia a ser limitado; e só entre eles o
discurso podia circular e ser transmitido. A doutrina, ao contrário, tende a
difundir-se; e é pela partilha de um só e mesmo conjunto de discursos que
indivíduos, tão numerosos quanto se queira imaginar, definem sua pertença
recíproca. Aparentemente, a única condição requerida é o reconhecimento das
mesmas verdades e a aceitação de certa regra – mais ou menos flexível – de
conformidade com os discursos validados; se fossem apenas isto, as doutrinas
não seriam tão diferentes das disciplinas científicas, e o controle discursivo
trataria somente da forma ou do conteúdo do enunciado, não do sujeito que
fala. (FOUCAULT, 1996, p. 41-42).

O discurso não mais se concentra nas mãos de poucos. Todos se sentem no direito de
poder emanar suas opiniões, respaldadas ou não pela ciência. Muitas vezes os discursos têm
como fonte a fé, a inclinação político-partidária, e tantas outras ideologias, que atraem a
população, ou parte dela, com os seus ideais e encantos.
Tal fato desperta um alerta: atualmente, grande parte da elaboração das notícias não
parte de uma instituição jurídica passível de responsabilização. Temos ciência de que, mesmo
no passado, emissoras, revistas e jornais se valiam de técnicas para convencer ou desestimular
determinadas práticas pela sociedade que eles consideravam impertinentes. Hoje, o que
acontece é que, além dessas técnicas linguísticas e discursivas empregadas pela mídia, não há
uma preocupação legal, muito menos científica, com as matérias – que aqui devem ser
compreendidas como áudios, imagens, textos, memes e demais gêneros – que são divulgadas,
repassadas ou adotadas pela população.
Ainda hoje os animas e os homens agem da mesma forma. Em tom de revolta, La Boétie
questiona o motivo pelo qual o homem, que nasceu para viver em liberdade, se entrega,
enquanto os animais, que foram criados a serviço dos homens, não se acostumam com esta
situação de servidão. Outro ponto de destaque no texto é o fato de que quando os homens já
281

nascem sob o jugo, alimentados e criados na servidão, não sofrem como aqueles que tiveram
esta situação imposta a eles, destacando o fato de que o costume é mais forte que a natureza.
Podemos constatar essa ocorrência nos dias atuais. No contexto da educação, Monte
Mór explicita essa questão no livro The Development of Agency in a New Literacies Proposal
for Teacher Education In Brazil. Neste texto, a autora observou que três fortes influências da
história política no Brasil foram identificadas na educação: as perspectivas missionárias dos
jesuítas, o colonialismo que chegou com eles e outras pessoas que vieram depois e que
permaneceram no país, e, por fim, as visões autoritárias experienciadas no decorrer da ditadura.
Deste modo, para a autora, a população foi formada por estas três perspectivas e as
pessoas aprenderam a viver envolvidas por amarras trazidas por estas três vertentes, de modo
se tornou natural o desrespeito pela diversidade, a busca pela homogeneização, a desvalorização
da cultura local, dentre tantas outras marcas trazidas pela colonização.
Resta, para a atualidade, portanto, tanto para os pesquisadores quanto para os militantes
e afins, o desafio de romper com essas amarras, hoje naturalizadas, que impedem a liberdade
real do ser. A análise do discurso se mostra uma excelente ferramenta para o desvelar das
relações de poder que permeiam os discursos, muitas vezes hegemônicos. Como ensina La
Boétie (2017), devemos aprender a fazer o bem e erguer os olhos para o céu, seja por amor da
nossa honra, seja pelo amor da própria virtude...

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.

BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade. Petrópolis:


Vozes, 2002.

BÍBLIA SAGRADA. Bíblia Online. Disponível em:


https://www.bibliaonline.com.br/acf/pv/18. Acesso em: 31 ago. 2021.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do


sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia (organizado por Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.

CARVALHO, Bárbara Angélica Aparecida. CAMPOS, Elisabete Ferreira Esteves. A


construção das identidades sexuais nas práticas discursivas: o discurso escrito nos textos
escolares. Cadernos de Educação, v. 17, n. 34, 2018. Disponível em:
file:///C:/Users/User/Downloads/8962-31009-4-PB%20(1).pdf. Acesso em: 31 ago. 2021.

EAGLETON, Terry. Ideologia uma introdução (trad. Luís Carlos Borges e Silvana Vieira). São
Paulo: Boitempo, 2007.
282

FAIRCLOUGH, Norman. Analisando Discursos: Análise textual para pesquisa social.


Londres: II New Fetter Lane, 2003.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade (trad. Plínio Dentzien). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.

LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. São Paulo: Edipro, 2017.

MONTE MÓR, Walkyria. The Development of Agency in a New Literacies Proposal for
Theacher Education in Brazil, p. 126-146. In: E. S. Junqueira e M. E. K. Buzato (orgs) New
Literacies, New Agencies? A Brazilian Perspective on Mindsets, Digital Practices and Tools
for Social Action In and Out of School. Nova York: Peter Lang Publishers, 2013.

ORWELL, George. 1984. Companhia das Letras, 1949.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas:


Editora da Unicamp, 1998.

BIOGRAFIA DAS AUTORAS:

Larissa Landim de Carvalho


Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Unità Faculdade. Graduanda em Letras
Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Mestra em Educação, Linguagem e
Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás (PPGIELT – UEG). E-mail:
larissalandimcarvalho@gmail.com.

Hellen Steckelberg
Advogada. Especialista em Direito do Trabalho. Graduanda em Letras Português/Inglês pela
Universidade Estadual de Goiás. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e
voluntária no Programa Institucional de Iniciação Científica. E-mail:
hellensteck@hotmail.com.

Gizelly Braz Vieira dos Santos


Graduada em Gestão turística pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET-
GO) e Gestão Pública pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), especialista em História
Cultural pela Universidade Federal de Goiás (UFG), aluna do Mestrado Profissional em
Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT/IFG – e servidora do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). E-mail: giza.bv@gmail.com.
283

CAPÍTULO 25
CONTRIBUIÇÕES DA BIOPOLÍTICA NA ATUALIDADE

Ana Carolina Moraes de Castro


Ana Carolina Cadematori

Segundo os estudos de Bento (2016) sobre minorias sociais, o governo aparece como
um dispositivo desigual no reconhecimento da vida dos indivíduos. Assim, o conceito de
biopoder, construído por Michel Foucault (1976) sugere que as ações do Estado ocorrem de
uma maneira limitada, onde o direito de morte e de vida, é um direito histórico, absoluto e
assimétrico. Posto isso, dispor a morte de certos sujeitos tende a caracterizar-se como uma
técnica de poder que se encarrega da vida dos indivíduos.
Nesse contexto, os estudos sobre biopolítica compreendem que o foco central está em
torno da questão de uma política de vida ou modos de gerenciamento de vidas, onde sua
dinâmica se configura entre um fazer viver e, seu inverso, deixar morrer (FOUCAULT, 1976).
Ao que se refere ao biopoder, há a presença de autores importantes dentro desse campo como
Michel Foucault, Giorgio Agamben, Antonio Negri e Roberto Esposito. Pode-se compreender
que uma das críticas a um modelo de gestão biopolítico, diz respeito às formas de vidas
qualificadas e os configurados como não vivos, deixados a uma situação de descaso (SILVA,
2020).
Foucault (1976) conceitua a biopolítica em uma ideia de poder que se apoia em função
da regulação da vida e seu princípio seria sustentado por ações do Estado em torno das questões
biológicas da população. Além disso, seus papéis mais importantes são os de sustentar, garantir,
reforçar, multiplicar e colocar em ordem a vida. Justamente por se constituir um fenômeno
político, a vida adquire importância ao Estado onde são mortos aqueles que constituem um
perigo para a população.
Conforme o que foi exposto, Lima (2018) compreende a biopolítica como um
dispositivo político e, também, econômico, pois a questão central se encontra na regulação e
controle sobre a vida. Para o biopoder, a questão está relacionada a práticas majoritárias e
multiplicadoras sobre a vida dos indivíduos, onde medidas políticas são colocadas de maneira
controladas, vigiadas e reguladas (FOUCAULT, 1976).
A biopolítica, refere-se por uma “atuação do poder dirigida à produção, majoração e
multiplicação da vida biológica” (ARAÚJO, 2019, p.7). Se por um lado, a vida exige proteção,
proliferação e cuidado, a biopolítica também produz a exposição à morte para determinados
284

indivíduos. Através da regulação e da proteção, a ordem biopolítica age no intuito da


manutenção de um corpo social padronizado. Nesse sentido, há processos como a sujeição, a
estigmatização e a exclusão dos corpos (ARAÚJO, 2019).
Dentro da gestão do biopoder, também há a questão da construção de subjetividades
pautadas a partir de dicotomias, entre o nacional vs internacional; normal vs anormal; cidadão
vs estrangeiro. A ambivalência presente na vida humana, conforme Araújo (2019, p.6), diz
respeito “à proteção que esta inspira ao mesmo tempo em que encarna um risco em relação ao
qual a sociedade deve ser defendida. De fato, este é o cálculo do poder quando a vida ganha
centralidade”.
O final do século XVII é marcado por uma gestão da vida da sociedade. Além disso, o
nascimento da população e outros fenômenos, tais como: a mortalidade, natalidade, processos
de saúde e doença e expectativa de vida se inserem nesse contexto. (NIELSSON, 2020). Os
mecanismos de poder nesse sentido, vão se constituir como “nada menos do que a entrada da
vida na história” (FOUCAULT, 1976, p. 138).
Nesse sentido, os fenômenos da população são importantes para as técnicas políticas,
onde através do controle do corpo individual esteja presente não só a disciplina mas, também,
a regularidade e o equilíbrio da sociedade pela regulamentação do corpo biológico
(NIELSSON, 2020). Por esse viés, a questão se torna biológica, pois o poder se encontra no
que se refere à vida, espécie, raça e os fenômenos populacionais. Além disso, questões passam
a ser importantes para o Estado através de saberes instituídos, como: a Psicologia; a Psiquiatria;
a Medicina; a Pedagogia e o Direito Penal, cujo objetivos se encontram em torno do ato em
diagnosticar “comportamentos anormais”, pela segurança e higiene da população
(FOUCAULT, 1976).
Outra questão importante, refere-se ao biopoder se situar justamente na esfera da vida,
onde fenômenos como espécie, raça e população estão inseridos nesse contexto. O corpo, sendo
assim, situa-se em uma relação de adestramento, pela garantia que sua força através do seu
biológico será suprimida para uma utilidade ao sistema econômico. Sendo assim,
diferentemente do poder soberano, onde a ordem é a de autorização da morte, a biopolítica se
situa em um investimento sobre a vida (ARAÚJO, 2019).
Dentro desse contexto, existe a precariedade ao que se refere a vida dos configurados
não humanos, onde a desigualdade estrutural da sociedade interliga-se à pobreza. Além disso,
a biopolítica é um campo de estudos heterogêneo, onde suas investigações estão em constante
expansão e possuem vastas pesquisas e linhas de investigação. O conceito de bio, significando
285

corpo, vida ou ser humano vivo e a política (instituições, leis, governo, poder, etc) pode se
configurar como uma política que exerce sobre e se ocupa sobre as vidas (SILVA, 2020).
Conforme Araújo (2019) a biopolítica está relacionada à uma prática normalizadora,
onde a disciplinarização de corpos está presente nesse contexto. Tanto quanto regular o
indivíduo, através de técnicas disciplinares quanto a população pela gestão biopolítica. Nesse
viés, poder disciplinar e biopolítica são interligadas às técnicas do biopoder, onde o movimento
e a liberdade dependem das fronteiras biopolíticas ligadas aos sistemas de segurança
governados nesse ambiente.
Os dispositivos que darão conta da governabilidade da biopolítica constituem conjuntos
heterogêneos, através de instituições, discursos, decisões, leis, saberes filosóficos, morais,
científicos e etc, e também, o que não se exercerá por práticas e discursos mas pelo silêncio e a
indiferença (FOUCAULT, 1976). Por esse viés, a biopolítica terá como objeto o corpo
individual através de sua própria autorregulação, bem como o controle da população pelo
Estado (ARAÚJO, 2020).
Sob esse contexto, Agamben (2004) esclarece que as técnicas biopolíticas são práticas
sofisticadas da atualidade, pois elas se iniciam como uma possibilidade de autorizar o genocídio
e proteger uma raça ou nação que se caracteriza como superior à outra, “onde na biopolítica
moderna, soberano é aquele que decide sobre o valor ou sobre o desvalor da vida enquanto tal
(AGAMBEN, 2004. p.135). Sendo assim, Lima (2018) percebe que a compreensão acerca da
biopolítica é necessária para se construir ferramentas que possam ajudar na leitura e análise de
fenômenos contemporâneos, expressos pelas violências e opressões, podendo citar entre eles, o
racismo.
Em relação aos indivíduos imigrantes, podemos identificar zonas biopolíticas em
relação ao cenário migratório atual, visto que há uma construção social de suspeita ao indivíduo
imigrante tanto quanto uma não hospitalidade. Essa questão, refere-se a estratégias biopolíticas
que produzem zonas de risco e preocupação com a segurança para a população, devido à
diferença étnica, religiosa, identitária ou política do imigrante. Além disso, há a produção de
estigmas de doenças ou preconceito, onde a segurança da população também dependerá de qual
será o inimigo estabelecido na situação presente (ARAÚJO, 2019).
A compreensão de biopolítica por Giorgio Agamben, se dá através de uma crítica a um
contexto de práticas distintas entre vidas que são reconhecidas (bio, vidas qualificadas) e vidas
abandonadas (zoé, a vida nua) (AGAMBEN, 2004). O Estado de exceção produz a vida nua,
onde a biopolítica, de acordo com Agamben, caracteriza-se por definir o que se é uma vida ou
uma “mera” vida. Além disso, as técnicas políticas são indiferentes à vida nua, onde a
286

ilegalidade e a desproteção imperam nesse contexto (RUCOVSKY, 2019). Todavia, sua crítica
também está atenta para uma atenção à vida em sua forma inseparável, não sendo possível isolar
o contexto da vida nua dentro da sociedade.
Foucault (1976) ainda evidencia que o desenvolvimento da biopolítica não teria
ocorrido se não fosse pelo avanço do capitalismo, tendo em vista que a criação de tecnologias
de controle alargou desde seu aparecimento. Para o referido autor, os indivíduos e seus corpos
nesse ambiente, transformam-se em “os corpos dóceis”, pois a ação principal é a atuação da
norma, e as leis funcionariam como dispositivos de ameaça que autorizam a morte para os que
não se adequam. Portanto, pode-se perceber “cada vez mais num contínuo de aparelhos
(médicos, administrativos etc.) cujas funções são sobretudo reguladoras. Uma sociedade
normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida” (p. 137).
Silva (2020) analisa a construção do pensamento foucaultiano em momentos
específicos, nas quais estão os corpos individuais dentro da esfera do biopoder e o poder
disciplinar num âmbito maior, atuará através da governabilidade. Sendo assim, a biopolítica
dentro da esfera da governabilidade é definida como:

o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e


reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma de poder
que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a
economia política e por instrumento técnico essencial os dispositivos de
segurança”; o conjunto de “táticas de governo que, a cada instante, permitem
definir o que deve ser do âmbito do Estado e o que não deve, o que é público
e o que é privado, o que é estatal e não estatal”, de modo que o Estado em sua
sobrevivência e o Estado em seus limites só devem ser compreendidos a partir
das táticas gerais de governamentalidade (SILVA, 2020, p. 10).

As estruturas de poder para Foucault (1976) são resultado de uma sociedade


administrada por técnicas disciplinares e de controle, onde instituições como as prisões, as
fábricas e as escolas estão inseridas nesse contexto. Ademais, Silva (2020) compreende a
biopolítica baseada numa crítica das sociedades totalitárias contemporâneas. O respectivo autor,
ressalta que apesar das instituições não agirem da mesma forma, seus objetivos são os mesmos,
pois irão atuar no âmbito do controle e do poder. Nesse sentido, podemos relacionar a dinâmica
do biopoder pois,

Quando o poder se torna inteiramente biopolítico, todo o corpo social é


abarcado pela máquina de poder e desenvolvido em suas virtualidades. Essa
relação é aberta, qualitativa O poder é, dessa forma, expresso como um
controle que se estende pelas profundezas da consciência e dos corpos da
população – e ao mesmo tempo através da totalidade das relações sociais
(SILVA, 2020, p.43-44).
287

A construção de dicotomias, se dá através de um conjunto de práticas biopolíticas e


através do Estado, por problemas médicos, laborais, sanitários e financeiros que se
movimentam para classificar vidas. Nesse sentido, a biopolítica dará conta de hierarquizar a
humanidade, onde o direito age no intuito de escolher quais vidas merecem viver e vidas onde
a morte é indiferente ao resto da população. Sendo assim, construção de identidades
dicotômicas significa que certas vidas devem ser protegidas e, por outro lado, certas vidas
configurariam uma ameaça no qual o Estado necessita defender, como é o caso da proteção
exigida ao migrante e ao risco na qual ele provoca (ARAÚJO, 2019).
A criação de hierarquias sociais acaba determinando vidas humanas e vidas não
humanas, pois a proteção é tanto invocada que ao mesmo tempo que se deseja a segurança
também há a criação de dicotomias, zonas de risco, de regras de pertencimento e a determinação
de quais vidas merecem atenção. Em nome da unificação, da ordem e da nacionalidade, é criado
o risco pela invocação da proteção.
Nesse contexto, são criados “tantos pequenos muros – até transformar a própria ideia de
comunidade na forma de uma fortaleza assediada” ESPOSITO, 2017, p. 142).
Nesse sentido, a biopolítica conduz subjetividades que inspiram proteção e outras que
manifestam um risco ou repúdio para a população. É importante o compreendimento dos
mecanismos da biopolítica para identificar qual a pretensão da invocação da proteção, onde é
necessário o questionamento se a biopolítica não estaria atuando para hierarquizar humanidades
(ARAÚJO, 2019). Além do mais, Mbembe (2016) identifica o biopoder tendo sua expressão
no racismo, pois este funciona como um exercício de regulação e distribuição de mortes
legitimadas pelo Estado, no qual se localiza o controle sobre os corpos. Tal controle implica a
divisão populacional, distribuição dos indivíduos em grupos e definição de uma superioridade
biológica, sendo assim, rotulando o fenômeno chamado racismo.
Na contemporaneidade pode-se relacionar o neoliberalismo como um sistema que não
é apenas definido por uma ideologia, mas também como uma lógica governamental que
influencia em todas as esferas da vida dos indivíduos, na qual “tende a estruturar e organizar
não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos governados” (DARDOT,
LAVAL, 2016, p.7). Além disso, atualmente, o neoliberalismo tem as suas principais
características presentes, também, na conduta dos indivíduos, como a concorrência e a
internalização do trabalho em suas subjetividades (DARDOT, LAVAL, 2016).
O ser humano possui um caráter de interdependência por conta de sua vulnerabilidade,
seja econômica, social, biopolítica etc., onde a vida pode estar relacionada a sua sobrevivência
tanto quanto a violência (BUTLER, 2006). O corpo é vulnerável, por possuir uma finalidade,
288

mortalidade, necessidades físicas e biológicas. Todavia, é visto que alguns contextos são
diferenciados: alguns corpos são mais protegidos e outros mais expostos. Nesse sentido,
podemos atribuir esse contexto à historicidade das relações econômicas e sociais, além das
gestões que se ocupam da organização e proteção da vida e da sociedade (SILVA, 2020).
Nesse sentido, a biopolítica se insere dentro de “uma nova racionalidade centrada na
questão da vida: sua conservação, seu desenvolvimento, sua administração” (NIELSSON,
2020, p.2). Além disso, variáveis como raça, gênero, sexualidade, classe social e nacionalidade
são fenômenos importantes para a compreensão dentro da biopolítica de vidas humanas ou não
humanas. Portanto, esses recortes são necessários para a compreensão de que maneira o
biopoder irá agir sobre cada corpo humano

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. da UFMG,
2004.
ARAÚJO, D. F. M. da S. de; SANTOS, W. C. da S. Raça como elemento central da política de
morte no Brasil: visitando os ensinamentos de Roberto Esposito e Achille Mbembe. Rev.
Direito Práx., Rio de Janeiro , v. 10, n. 4, p. 3024-3055, Dec. 2019.
BENTO, B. Necrobiopoder: Quem pode habitar o Estado-nação?. Cad. Pagu, Campinas, n. 53,
e185305, 2018.
BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa
da assembléia. Tradução Fernanda Siqueira Miguens; revisão técnica Carla Rodrigues. - 1ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
DARDOT, P.; LAVAL, C.. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Editora Boitempo, 2016.
ESPOSITO, R. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo
Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. Cap: Direito de morte e
poder sobre a vida, p. 126-149. 21 ed. São Paulo: Graal, 1976.
LIMA, F. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arq. bras.
psicol., Rio de Janeiro, v.70, n. spe, p. 20-33, 2018.
MBEMBE. A. Necropolítica - Biopoder soberania estado de exceção política da morte. Arte &
Ensaios – Revista do PPGA. EBA / URFJ: n. 32, 2016.
NIELSSON, J. G. Corpo Reprodutivo e Biopolítica: a hystera homo sacer. Rev. Direito Práx.,
Rio de Janeiro , v. 11, n. 2, p. 880-910, Apr. 2020.
RUCOVSKY, M. de M. Como produzir sentido a partir da precariedade? Bios-precário e vida
sensível. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso. São Paulo , v. 15, n. 3, p. 34-56, Sept. 2020.
SILVA, L. da T. Indiferenciação por diferença: Implicações da governamentalidade neoliberal
para a teoria sociológica. Tempo soc., São Paulo , v. 32, n. 1, p. 247-264, abr. 2020.

Autor(as): Ana Carolina Moraes de Castro, acadêmica de Psicologia na Faculdade Integrada de


Santa Maria - FISMA. Email: anacarolinamdecastro@gmail.com
Ana Carolina Cadematori - Prof.ª Ms. docente no curso de Psicologia da Faculdade Integrada
de Santa Maria FISMA. Email: ana.cademartori@fisma.com.br
289

CAPÍTULO 26
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO: UMA ANÁLISE DO ALINHAMENTO
ESTRATÉGICO EM UMA EMPRESA DO SEGMENTO BANCÁRIO

Cristiane de Souza Marques


Márcia de Souza Damasceno

INTRODUÇÃO

As instituições sempre agregam novas pessoas para incorporar suas equipes, com o intuito
de substituir funcionários que se desligam ou para ampliar a quantidade de pessoal em períodos
de crescimento e expansão (CHIAVENATO, 2008). O sistema de ingresso de pessoas envolve
práticas relacionadas com o Recrutamento, a Seleção e a socialização das pessoas no contexto
organizacional em uma perspectiva de ação integrada da entrada de pessoas em uma estrutura,
dinâmica social e cultura organizacional específica (GONDIM; SOUZA; PEIXOTO, 2013).
Recrutamento e Seleção são procedimentos direcionados ao preenchimento de vagas em
aberto, ou seja, da admissão de pessoal sendo requisitados de acordo com a movimentação de
pessoas na empresa seja por transferência, promoção, demissão ou contratação. A fase inicial
do Recrutamento e Seleção dispõe de uma vaga aberta que envolve um processo de buscar
candidatos à empresa. A busca de novos candidatos, baseia-se em requisições encaminhadas
por supervisores ou demanda do mercado de trabalho, onde compete aos empregadores,
referente a condições de trabalho salário, e benefícios e de outros profissionais, em relação a
qualificação pessoal inclui-se o conhecimento, habilidades, experiências e personalidade. Um
importante variável está relacionado à imagem projetada pela empresa no mercado de trabalho,
pois aquelas reconhecidas como um bom lugar para trabalhar terá um maior número de
candidatos (LIMONGI-FRANÇA; ARELLANO, 2002).
Os processos de Recrutamento iniciam-se como uma necessidade interna da organização,
no que resulta na contratação de novos profissionais em níveis a curto, médio e logo prazo, seja
por motivos de substituição ou aumento de quadro previsto ou não no budget, isso significa,
que de imediato a organização necessita em termos de reposição de pessoas, bem como, quais
são seus planos futuros no desenvolvimento e crescimento. Sua finalidade é a busca de
candidatos externamente e internamente da organização, objetivando municiar o sistema de
Seleção de pessoal no seu acolhimento aos clientes internos da empresa (MARRAS, 2011).
Para Carvalho et al. (2005), o Recrutamento compõe-se por um conjunto de atração de
290

candidatos qualificados para o cargo em questão por meio do qual a organização divulga e
oferece ao mercado a oportunidade de emprego.
A realização do Recrutamento poderá ser feita de duas formas: atração de pessoas já
efetivadas na empresa, mas que atuam em outros cargos e/ou buscando-se candidatos que não
têm vínculo com a empresa no mercado de trabalho, Recrutamento interno ou externo a
organização. Ambos apresentam vantagens e desvantagens, cabendo ao gestor dos recursos
humanos, à análise do que é melhor para a empresa. De qualquer forma, o Recrutamento deve
ser transparente e ter normas definidas, e conhecidas por todos para a diminuição dos eventuais
problemas.
Para Marras (2011), o Recrutamento interno é a busca de candidatos para preencher uma
vaga aberta da própria empresa e deve ser sustentada em procedimentos e política elaboradas
de forma transparente para que haja uma divulgação garantindo sua abrangência em todos os
níveis da estrutura organizacional, na medida em que pode gerar competição interna e
descontentamento. Por outro lado, o Recrutamento interno tem seu estimulo ao
desenvolvimento profissional oferecendo perspectivas de desenvolvimento na carreira dos
funcionários. Suas principais vantagens são; a redução de custo direto; um prévio conhecimento
do perfil de desempenho dos candidatos, a valorização do funcionário, incentivo da
permanência do funcionário e a fidelização à organização.
Já, o Recrutamento externo, é um processo de captação de candidatos disponibilizados no
mercado de trabalho, por fontes especificas para a ocupação do cargo. As vantagens que
deverão ser consideradas levando-se em conta o contexto em que a empresa está inserida no
momento são: novos talentos no banco de dados; inovação da composição das equipes de
trabalho/ atualização de estilo e tendências de mercado. Em geral, os custos diretos de
Recrutamento externo são maiores que os do interno (LIMONGI-FRANÇA; ARELLANO,
2002).
Os processos de Seleção, por sua vez, investigam entre os selecionados aqueles mais
qualificados aos cargos com disponibilidade na empresa, para manter ou aumentar a eficiência
e o desempenho do pessoal, bem como a eficácia da organização (CHIAVENATO, 2002).
Assim, o processo de Seleção que tem por finalidade escolher baseando-se em métodos
científicos, candidatos atendendo as necessidades da empresa (MARRAS, 2011). Trata-se da
busca do candidato mais adequado para a instituição, dentre os recrutados, a avaliação e
comparação dos dados, são realizados por meio de vários instrumentos de análise. Desta forma
isto indica que aqueles que mais convêm a determinado plano de ação, pois na maioria dos
291

casos os escolhidos não são mais os talentosos e sim os mais adequados a uma função na
situação predeterminada (LIMONGI-FRANÇA; ARELLANO, 2002).
Os processos relacionados ao Recrutamento e Seleção se inserem na obtenção de pessoas
no âmbito das relações macroeconômicas para a captação de mão-de-obra, que ao ser realizado
com o conhecimento das futuras necessidades ou excessos presentes quanto ao quadro de
pessoas garante o alinhamento entre a estratégia da empresa e a gestão do movimento de
pessoas, além de permitir melhor utilização dos recursos disponíveis tanto interna quanto
externamente, já que a empresa precisa ter clareza de sua necessidade de pessoal ao longo do
tempo em termos quantitativos e qualitativos (LIMONGI-FRANÇA & ARELLANO, 2002).
Nesta perspectiva, o Recrutamento e Seleção passam a ter um papel fundamental na renovação
ou confirmação da estratégia adotada na organização no sentido de contribuir para a consecução
de objetivos organizacionais.
De acordo com Spector:

“[...] as decisões sobre procedimentos de seleção precisam estar alinhadas a


empresa, sugerindo estar baseados em experiência pessoal e na orientação de
manuais técnicos do que propriamente em pesquisas que visam testar o valor
preventivo dos instrumentos e das técnicas usadas [...]”. (SPECTOR, 2010 p.
201)

Corroborando com o autor, Gondim; Queiroga (2013), asseveram que a decisão sobre o
procedimento de Seleção precisa estar alinhada com a estratégia organizacional. Para que haja
uma metodologia validada e assertiva, os profissionais deverão ser capacitados considerando
os objetivos estratégicos da organização (BAYLÃO; ROCHA, 2014).
Embora o Recrutamento e a Seleção de pessoas sejam considerados atividades tradicionais
da atuação dos profissionais da área, historicamente foram abordados no domínio técnico
instrumental, sendo ainda frequentemente relacionadas a abordagens padronizadas onde
procurava-se a pessoa certa para o lugar certo desconsiderando suas dimensões políticas e
estratégicas. Na prática, isso significa conceber o sistema de ingresso como um fim em si
mesmo, enquanto sistema fechado, sem articulação com ações dos demais sistemas de gestão.
Dentro do modelo estratégico de gestão espera-se que um sistema de Recrutamento, Seleção e
socialização tenha um alinhamento entre as competências e os objetivos estratégicos da
organização (GONDIM; SOUZA; PEIXOTO, 2013).
Para que haja um nivelamento entre a área de Recursos Humanos (RH) e a integração
estratégica e os negócios da organização, é necessário que toda a atividade do RH seja
direcionada verticalmente, de modo a alinhar-se aos imperativos estratégicos da empresa.
292

Atualmente, a ênfase das práticas de Recrutamento apresenta maior envolvimento estratégico,


buscando candidatos para a organização, e não diretamente para um cargo específico,
considerando o quanto as competências apresentadas pelos candidatos alinham-se as
competências essenciais da empresa.
Caso a conduta estratégica exija que a organização vincule seus recursos a longo prazo, às
demandas e mudanças ambientais, o capital humano passa a ser uma relevante fonte de
vantagem competitiva para as organizações. Nesta lógica, o Recrutamento e Seleção assumem
funções eficazes dentro da área de RH para suportear à execução da estratégia da corporação.
(CESAR; CODA; GARCIA, 2006).
Para que a área de Recrutamento e Seleção seja considerada estratégica, precisam ser
atender a três condições primárias independentes: integração estratégica; foco no longo prazo;
e mecanismo para transformar demandas estratégicas em especificações apropriadas para
Recrutamento e Seleção. Baseando-se na perspectiva, que o papel das funções de Recrutamento
e Seleção está no abastecimento de candidatos com as competências como críticas para o futuro
ou, em outras palavras, em saber escolher as pessoas que “tocarão” a gestão da empresa no
futuro (CESAR; CODA; GARCIA, 2006).
Limongi-França e Arellano (2002) consideram o Recrutamento e Seleção como importante
ferramenta que integra a estratégia de negócios da empresa.

“Se a empresa necessita passar por mudanças e renovação, deverá buscar e


atrair pessoas com tal potencial. Se, pelo contrário, trata-se de uma empresa
conservadora e enrijecida, o perfil do profissional de que necessitará será
outro” (LIMONGI-FRANÇA e ARELLANO, 2002, p. 63).

O processo de R&S, tem sido uma das maiores dificuldades organizacionais, pelo fato
de ser realizado por vezes, erroneamente ou distante da estratégia da empresa. A busca por um
processo seletivo eficaz torna-se um dos pré-requisitos para que a organização possa gerar
resultados a partir da disponibilidade da vaga, até o início efetivo do candidato. Mas, há uma
necessidade que ocorra um alinhamento estratégico com a organização, caso ocorra o oposto, a
organização poderá ter perdas estimadas (SPECTOR, 2010).
Para que haja um processo de R&S em alinhamento com a organização, destaca-se os
seguintes requisitos: autonomia do líder de R&S para desenvolver sua equipe de acordo com as
decisões estratégicas da organização; atualização contínua quanto as decisões estratégicas da
organização para a equipe de R&S (BAGATINI, 2014).
Embora exista uma ampla literatura informativa disponível acerca dos procedimentos
técnicos de Recrutamento e Seleção, há uma carência nos textos que abrangem reflexões
293

teóricas e críticas sobre o assunto. Além disso, a produção nacional não se dedica a avaliar a
eficácia dos procedimentos adotados em processos seletivos, para fins de aperfeiçoamento, e
novos métodos a serem adotados, sobretudo para que estejam em alinhamento aos objetivos
estratégicos da organização (GONDIM; QUEIROGA, 2013).
É de suma importância para que o processo seletivo seja bem alinhado com os objetivos
estratégicos da organização, a sintonia principalmente de dois departamentos da empresa, de
um lado o gestor de RH juntamente com sua equipe de R&S, do outro, a diretoria da empresa
com sua visão estratégica de seu negócio, pois com toda essa mudança mercadológica é
necessário ter uma visão mais ampla de que hoje se contrata um colaborador não para ficar
muito tempo em uma função especifica, o mercado exige mais, e faz-se necessário ter essa visão
ampla de como extrair esse desejo e como contribuir para o desenvolvimento desse novo
profissional.
Nesse sentido, o objetivo do estudo é analisar e descrever a percepção da área de gestão de
pessoas de uma empresa do segmento bancário, quanto ao alinhamento estratégico das práticas
de Recrutamento e Seleção.

PERCURSO

Segundo Garnica (1997), a pesquisa qualitativa é entendida como uma trajetória circular
em torno do que se deseja compreender, voltando o olhar para a qualidade e para os elementos
que são significativos para o pesquisador. Assim, este estudo apresenta características da
pesquisa qualitativa e utiliza a entrevista como instrumento de coleta de dados.
Lócus e Participantes:
Por se tratar de Recrutamento de uma grande Instituição Bancária, foi analisado o modus
operandi dessa empresa no segmento de R&S de forma interna e externa à organização, e
analisado como ocorre essa Seleção, métodos utilizados e estratégia da empresa em relação ao
grande assédio mercadológico nesse segmento. Foram entrevistados a empresa prestadora de
serviços, o Gerente Geral da Agência e o Gerente Regional.

Instrumentos:

Para a coleta de dados, utilizou-se a ferramenta de Recrutamento e Seleção que a empresa


disponibiliza interna, e externa, pois os candidatos às vagas propostas a organização só passam
para a etapa seguinte do Recrutamento se acaso aprovados na prova de Português, Raciocínio
294

Lógico e Redação, antes mesmo de ser acionado pelo departamento de Recrutamento e Seleção
terceirizado, contratado para suporte as etapas da contratação. Algumas diretrizes estratégicas
do Recrutamento são usadas para a efetiva contratação; objetivos do Recrutamento; processo
de realização do Recrutamento; avaliação dos candidatos recrutados; contribuição da prática de
Recrutamento para a organização; definições e metas da área de Recrutamento; indicadores
monitorados pela área de Recrutamento; envolvimento, plano de ações e metas dos gestores
para o processo de Recrutamento e Seleção; o mapeamento dos custos dos processos seletivos.
Mais adiante, a entrevista, que para Gil (1999), é seguramente o mais flexível de todos
procedimentos de coleta de dados de que dispõem as ciências sociais, corroborando com o
autor, Marconi e Lakatos (2002), refere-se a entrevista como obtenção de informações sobre
determinado assunto por meio de conversa profissional.
Procedimentos de coleta de dados:
A coleta de dados foi realizada em uma das agências da organização, localizada na cidade
de Trindade - Go, onde foi feita recentemente a contratação de um agente de atendimento,
cargo que foi selecionado para esse estudo, demonstrando como foi o processo de contratação
desse colaborador. Seguiu-se o passo a passo que a organização utilizou para a efetivação desse
novo colaborador no sistema, solicitou-se à direção da agência utilizar o tempo da funcionária
para o procedimento da entrevista a colaboradora, a fim de coletar os dados específicos para a
execução do trabalho. Após a anuência foi selecionado a participante pela entrevistadora, que
disponibilizou seu tempo em horário de trabalho. A entrevista foi feita individualmente,
realizada na sala de operações de retaguarda da agência. Os dados foram coletados através de
entrevista gravada e transcritos posteriormente. A entrevista deu-se na própria organização.

RESULTADOS

Ao serem questionados se a área de R&S tinha diretrizes estratégicas formalmente


definidas, o participante que realiza o processo de R&S afirmou que sim, sob a justificativa de
que foi feito um estudo de mapeamento para a definição de conhecimentos e habilidades de
cada área para a implantação de um processo de R&S por competência na instituição conforme
pode ser identificado na sua fala: “Bom, então incialmente quando eu entrei no RH não tinha
muito bem, era mais ou menos uma entrevista semiestruturada (...). Então aí a gente realizou o
mapeamento, e definiu qual era os conhecimentos, habilidade e atitudes de cada área (...) nós
então começamos a desenvolver os processos seletivos através das competências, através da
entrevista por competência o processo dinâmico para conhecer melhor o candidato e a
295

elaboração de provas especificas para cada cargo”. De acordo com a fala da gerente de Agência,
as práticas da área do R&S: “a área de Recrutamento e Seleção tem as diretrizes que são as
etapas que são feitas no processo seletivo, é, as pessoas envolvidas no processo além de empresa
terceirizada onde se faz a captação dos candidatos, onde aplicam as provas específicas, e
levantam o perfil já identificado para a vaga proposta, fazendo com que o candidato seja após
esse levantamento, levado para a segunda fase das entrevistas onde os candidatos já pré
selecionados sejam então entrevistados pelo Gerente Regional de Atendimento e
posteriormente pelo Gerente da Agência onde o candidato irá efetivamente desenvolver sua
atuação”.
Recrutamento e Seleção juntamente com a firma terceirizada que começa a captura de
candidatos através de redes sociais voltadas para relacionamentos profissionais como exemplo
Linkedin, e as estratégias são, começando primeiro pela Seleção de prováveis candidatos
através de análise curricular, posteriormente aplicação de prova de conhecimento específicos,
Apenas a gestora de agência que mencionou que o R&S na instituição é desenvolvido de acordo
com a missão, visão e valores criados pela direção.
No que se refere aos objetivos do R&S, os participantes afirmaram que, os objetivos são
conhecer e identificar as pessoas mais qualificadas que se encaixem na organização e designá-
las para as funções mais adequadas baseando-se com o perfil da vaga e do líder. Processo
afirmado com a fala da gestora do R&S “Ele serve para tentar buscar o candidato de acordo
com o que a líder peça né, abre-se a vaga na agência o gerente conversa com seu líder regional
delimitando a vaga, perfil específico, envia um e-mail para a empresa terceirizada para que
assim ela delimite as competências da função especificada pela direção do banco. O
Recrutamento e Seleção vai tentar buscar o candidato de acordo com o perfil do líder”.
O processo de R&S é descrito como um processo baseado nas competências de cargos e
líderes que foram mapeados sem mencionar quais foram as diretrizes da organização que
orientaram ou que amparam tal processo. De acordo com a gerente da agência: “Ele se relaciona
com as diretrizes estratégicas porque as competências que são avaliadas são feitas, e foram
feitas pelo mapeamento de competências da empresa também”.
Quando questionadas se é utilizado técnicas diferenciadas relatou-se em geral que sim, mas
é definida de acordo com o local para qual será direcionado o candidato, confirmado pela fala
do gerente regional. “Cada um tem o perfil do local. Que igual, tem local que gosta de pessoas
um pouco mais novas, outras pessoas mais velhas, outras com experiência, e outras sem”. O
processo seletivo a gente faz a triagem dos currículos, primeiro de tudo a gente recebe a
solicitação da vaga né, recebe a solicitação, tem o perfil, faz a divulgação nas redes sociais, ai
296

depois faz a triagem dos currículos, chama os candidatos pra participar, no primeiro contato por
conta da pandemia fazemos a entrevista te mesmo pelo Skype ou vídeo chamada pelo próprio
WhatsApp, primeiramente com entrevista pelo recrutador terceirizado, se o candidato se
encaixar pelo perfil solicitado, nesse momento o candidato já efetuou as provas especificas de
raciocínio lógico, língua portuguesa e redação.
Quando se é perguntado como são avaliadas as competências e o desempenho dos
candidatos, há uma concordância entre as entrevistadas de que essa avaliação é feita a partir da
triagem dos currículos, uma avaliação baseando-se nas competências dos candidatos relatado
também pela responsável técnica do R&S: “Então as competências e o desempenho dos
candidatos é avaliado desde o Recrutamento dos currículos, passando pela entrevista e
aplicação das provas, que o onde o desempenho deles e avaliados pelas competências que foram
escolhidas pelo solicitante da vaga”.
Ao serem questionados em como as práticas de R&S contribuem para a obtenção dos
objetivos da organização a logo prazo, as respostas das entrevistadas foram parecidas, relatado
pela gestora do R&S que atualmente há um grande fluxo de demissão na empresa devido a isto,
há uma busca por perfis que vão conseguir desenvolver a função oferecida. A recrutadora relata
sobre a importância da realização de um processo bem feito, isto trará uma contribuição
externamente para a empresa: “Então eu acredito que a partir do momento que a gente trabalha
né, com o perfil especifico que ele vai conseguir ocupar bem, a gente começa a contribuir pela
qualidade que ela vai ter no mercado, deixando assim essa empresa, digamos, no mercado de
trabalho sendo mais concorrente, sendo mais bem vista, demonstrando que tem qualidade para
a diminuição considerável na rotatividade da empresa. Ou seja, foi relatado que, ao recrutar
candidatos mais qualificados e competentes se tem uma diminuição na rotatividade.
Quando perguntado sobre se a empresa apoia e estimula o processo de Recrutamento e
Seleção, foi relatado pela recrutadora que: “Então, hoje o processo e mais otimizado, fazemos
através de plataformas on-line, no primeiro momento, mas ainda existe a parte presencial que
deixamos para os gerentes gerais hoje a visão da empresa para isso é diferente, até mesmo da
gestão, que antes não participava dos processos e hoje a gestão acompanha. Então acho que isso
é fundamental para gente poder pegar, as estratégias que estão sendo colocadas em práticas e
modificar tudo que estamos fazendo”. Se é relatado pela gestora de R&S que há momentos que
a empresa disponibiliza um profissional para treinamentos de desenvolvimentos da equipe de
R&S; “ Igual, atualmente se tem movimentado as equipes através de um treinamento por
segmento, acreditamos que através de troca de experiências entre nossos colaboradores agente
poderá construir um atendimento de excelência aos nossos clientes, para isso semanalmente
297

colocamos nossas equipes em pelo menos uma hora todos os nossos gerentes na nossa
plataforma online onde os mesmos trocam experiências e tiram suas dúvidas, essa interação
tem sido muito rica e podemos perceber a motivação das equipes em se doar a esse momento,
mesmo sabendo que tem as metas eles param e se entregam buscando a melhoria contínua de
nossa organização ”.
Quanto as metas relacionadas ao R&S, foi relatado pela gestora do R&S que não se tem
metas definidas: “Assim, a agente não tem meta por enquanto, mas mesmo sem não ter, não é
exigido, nós temos o controle, então eu tenho tudo no computador, tenho os indicadores, tem
quantos processos foram realizados, quantos vieram, quantos não vieram, quantos desistiram”.
A responsável técnica reforça a fala da gestora ao afirmar que “cada vez que aparece uma vaga
ela é preenchida, então assim não tem uma data certa, não tem um processo, não tem uma meta
certa definida não”. A única meta afirmada diz respeito ao tempo de preenchimento de vagas
em aberto. Estas relacionam apenas ao preenchimento de vagas em aberto: “As metas que os
gestores colocam e justamente quando é aberto uma vaga pra que seja feito o mais rápido
possível né, então isso é cobrado pra que seja, seja breve, e não tem mais nenhum outro, nenhum
outro tipo de pedido”.
Referente aos indicadores que a área monitora para apoiar as decisões estratégicas, foi
reafirmado pela gestora que “então, como eu falei como não é cobrado a gente não tem”, mas
foi relato tanto pela responsável técnica quanto pela recrutadora que os indicadores são feitos
através das demandas e acompanhamentos da rotatividade da organização. Relatado pelos
entrevistados que, em geral se observa, mas não se é cobrado. Mas foi informado que, os
indicadores lhes passam informações sobre o índice de desligamentos, segue a fala: “Em geral,
a gente observa.
Ao se perguntar se os gestores e supervisores tem envolvimento com a estratégia do R&S
relata-se que não diretamente e que precisam ser estimulados para tal, relato de acordo com a
gestora do R&S: “Bom, eles, a gente tenta estimular eles a estarem envolvidos, mas assim,
relatou-se a responsável técnica que: “os gestores participam do mapeamento de competências”,
a recrutadora complementa afirmando que “então hoje a gente tem solicitado os líderes para
participarem do processo seletivo para acompanhar toda dinâmica, todo processo e ajudar na
avaliação e na escolha final do candidato, nos da R&S apenas fazemos a primeira parte do
processo cabendo aos Gestores Regionais juntamente com os Gestores imediatos baterem o
martelo, afinal eles quem estão na ponta do processo sabem melhor como agregar valores aos
perfis selecionados”.
298

Constata-se ainda a existência de planos de ações elaborados pelos gestores de diferentes


áreas para a melhoria do processo de R&S: “Nossos gestores têm total independência para traçar
seus planos, pois a realidade de cada agência são eles que enxergam, nós trabalhamos as metas,
agora a forma de gestão é da equipe em que está inserida, o papel do R&S é direcionar apenas,
dando essa liberdade de gestão e autonomia aos gestores de equipes”, conforme relato da
gestora do R&S.
Referente aos custos do processo de R&S se eles são mapeados, os entrevistados relataram
que sim, eles são mapeados e é repassado a direção: “é tudo mapeado, porque como a gente
trabalha para várias empresas, então a gente tem que ter o controle até mesmo porque igual,
testes psicológicos, procuramos fazer de forma que o profissional buscado do mercado tenha
suas competências bem desenhadas para a vaga, pois por se tratar de vagas onde precisamos de
profissionais capacitados temos que ter mais cuidado nessa Seleção.

DISCUSSÃO

Na perspectiva dos participantes, a definição das diretrizes estratégicas da área de R&S


refere-se a procedimentos técnicos vinculados aos processos de R&S por competência. O relato
dos participantes sugere um alinhamento da área de recursos humanos no que se refere as
diretrizes estratégicas para essas práticas, que são conduzidas sem considerá-las, indicando,
assim, que a área de R&S apenas faz a indicação do candidato, sendo que a tacada final é dos
gestores. Todavia, para Cesar et al. (2006) não há um enfoque estratégico das organizações em
busca de candidatos que se alinham com as estratégias da organização. Assim, Zanelli e Bastos
(2004) afirma que para se ter uma estratégia eficaz no processo seletivo, é crucial analisar os
seguintes aspectos: a cultura da organização, sua estratégia, a demanda de pessoal requerida
pela organização e as condições do mercado de trabalho.
Nesse sentido, é importante que as organizações tenham consciência de que não basta
apenas definir um perfil e selecionar, mas devem fazê-lo, após uma reflexão sobre o tipo de
profissional requerido à empresa, para então decidir qual o tipo mais efetivo para a escolha do
candidato a ocupar a vaga. (GUIMARÃES; ARIEIRA, 2005)
Relacionado aos seus objetivos, a área Recrutamento e Seleção , se tem um alinhamento
estratégico, os participantes obtiveram respostas parecidas referente ao objetivo do R&S, que o
candidato está direcionado ao perfil do líder, demonstrando uma ausência no direcionamento
na estratégia da empresa com o R&S (Cesar et al., 2006), adverte que, é de valia e de
importância que, haja um direcionamento estratégico das organizações buscando candidatos
299

que um perfil alinhado com as estratégias da organização. Sobre a participação da esta


informação é reforçada por (Baylão; Rocha, 2014), que o acompanhamento do gestor, permite
um resultado mais assertivo para o sucesso da integração do novo candidato. Devido a isto, a
dinâmica e um diálogo aberto de informações entre o chefe imediato e o candidato é de grande
validade (CHIAVENATO, 1999).
O desempenho do chefe atuante no processo de Seleção tem grande relevância, contribui
para que o RH, verifique se há uma conexão do candidato com o chefe imediato e com a vaga.
Esse papel está direcionado mais como facilitador ou mediador entre a organização e o
candidato. É importante que o gestor tenha conhecimento sobre as fases da Seleção, dentre elas,
quais as características devem ser analisadas, na tentativa de compreender as atitudes de cada
candidato. Assim, uma aprimoração e a qualificação das chefias imediatas, fornecerá as
ferramentas direcionadas para que obtenha êxito em suas novas atribuições, as quais também
passam a ser responsabilidade do RH (GUIMARÃES; ARIEIRA, 2005).
É igualmente relevante, que a empresa se ajuste, previamente, buscando um planejamento
estratégico verificando as carências e o quantitativo de pessoal para garantir recursos a serem
utilizados nos processos de Recrutamento e Seleção. Toda a organização deve ter seu foco nos
processos de recrutar pessoas: trata-se de responsabilidade que deve ser compartilhada por todas
as áreas e por todos os níveis. O Recrutamento e a Seleção não são atividades que devem ficar
somente com a área de Gestão de Pessoas. Quanto maior for a contribuição do órgão
requisitante, maiores serão as chances de obterem sucesso e de integração deste com sua nova
função.
As características para o cargo é, portanto, as que se buscam, no candidato, sendo estas,
claras e bem definidas (CHIAVENATO, 1999). Relacionado ao apoio e a participação dos
gestores no processo, Baylão (2014) afirma que este é um trabalho que deverá ter um
envolvimento de todas as equipes e níveis da empresa, para que se possa identificar o perfil e
as qualidades que os novos integrantes deverão ter.
Quanto a participação dos gestores, maior integração do órgão solicitante do novo
funcionário nos procedimentos utilizados, maiores são as chances de sucesso. As características
solicitadas para o cargo e, portanto, as que buscam e analisam, no candidato, devem ser bem
claras e objetivas.
Quanto ao processo de R&S, o relato dos participantes evidenciou que concebem o
sistema de ingresso como um fim em si mesmo, ou seja, um sistema fechado que não se articula
com as ações dos demais sistemas de gestão como o de desenvolvimento e o de valorização.
Essa constatação evidencia uma ausência de alinhamento tanto vertical quanto horizontal no
300

que se refere as práticas e Recrutamento e Seleção o que significa dizer que, há uma falta de
sintonia em relação aos diversos níveis hierárquicos da organização, no que se reflete aos
subsistemas do R&S, para que haja uma objetivação no entendimento do processo de R&S
(BARCELLOS, 2015).
Importante ressaltar, que mais do que preenchimento de vagas, o R&S é uma ferramenta de
gestão na medida em que uma empresa apenas atinge seus objetivos por meio de seu quadro de
pessoal, nesse sentido, as pessoas podem agregar valor organizacional, em um mundo de
negócios altamente competitivo. Sendo assim, tanto o Recrutamento quanto a Seleção
participam de um processo maior que é o de suprir a organização de talentos e competências
necessários de sucesso em um contexto altamente dinâmico e competitivo (BAYLÃO;
ROCHA, 2014).
Para além da importância do domínio de procedimentos técnicos relacionados à avaliação
de conhecimentos e habilidades dos candidatos Vargas (2005) diz que é importante que haja
ajustamento entre os mesmos e as estratégias organizacionais, porém não foi observado a
existência de uma consideração da estratégia do negócio sobre o planejamento e implementação
dos processos relacionados ao Recrutamento e Seleção. Além disso, a área de RH não possui
medidas de desempenho dos objetivos que sejam alinhadas aos objetivos do negócio. Para Cesar
et al. (2006), é preciso que a liderança da área de RH pense como gestores do negócio o que,
de acordo com os autores, tradicionalmente não ocorre, vez que gestores de RH ao não adotam
as crenças de outros altos gestores e não atuam como tal.
Neste contexto, a busca por elementos que contribuem para a efetividade e produtividade
de um processo de R&S estratégico torna-se uma meta direcionada ao RH, visando a
capacitação dos recrutadores para um processo seletivo mais eficaz, para que a organização não
seja prejudicada (GOMES, 2017). Um dos principais objetivos do RH é disponibilizar
candidatos para as vagas abertas na organização, mantendo pessoas qualificadas para aumentar
a eficiência do processo de R&S (RIBEIRO, 2013). Para tal, a área de RH deve adotar uma
função em destaque no desenvolvimento da estratégia da organização, para que possa
desenvolver as competências indispensáveis à concretização dos objetivos da organização
(ALBUQUERQUE, 2002).
Conclui-se que a área de Recrutamento e Seleção apresenta algumas falhas no processo, no
que se refere aos aspectos definidos como estratégicos. A área de RH precisa além de recrutar
dar um suporte maior aos gestores nessa parte que compete a eles, dando direcionamento a
buscarem o perfil do candidato alinhado ao perfil da empresa. Existem dificuldades para a
realização no quesito apoiar, acompanhar ou incluir-se na estratégia do negócio, a promoção, a
301

acepção e a implantação de uma política de comunicação eficaz; incluir e apoiar os


colaboradores com as alterações e com o projeto institucional, além de fomentar o
desenvolvimento das pessoas a longo-prazo.
Não foram abordadas preocupações quanto a otimização da alocação de pessoas dentro da
organização e à identificação do potencial individual para atender necessidades futuras da
organização. Entretanto, as instituições necessitam que as funções de RH permaneçam
alinhadas aos objetivos da organização, de maneira que as elas deem suporte à estratégia do
negócio até a visão atual, na busca pelo alinhamento da área aos resultados estratégicos. Tendo
ciência desta conduta, da visão estratégica em seus subprocessos é indispensável que a área de
RH monitore o impacto de suas ações nas consequências do negócio. Os gestores têm que lidar
com o desafio de repensar e reestruturar localmente como eles irão oferecer os serviços
prestados pela área de RH e que foram definidos em sua matriz (FICHER et al., 2005).
O estudo de Cesar et al. (2006) debate que o desempenho estratégico da área de Recursos
Humanos (RH), tem a percepção de uma mostra não probabilística de 445 analistas e gerentes
de nível superior, operando em organizações distintas e áreas funcionais e os profissionais da
área de RH. Os resultados obtidos constatam, na prática, uma discrepância entre os aumentos
teóricos para atuação da área de RH e a concretização da aplicação dos mesmos. Sendo assim,
o estudo mostra que a área de RH é bem vista com excelência em suas atividades operacionais,
não alcançando, na visão dos respondentes, executar o salto qualitativo que lhe concede um
desempenho efetivamente estratégico nas organizações onde estão inseridas.
Sobre o processo de gestão por competências implantado na empresa, Limongi-França
e Arellano (2002) afirmam que antes do processo seletivo ser iniciado há a necessidade de obter
informações sobre as atividades a serem desenvolvidas e as habilidades indispensáveis para sua
execução por meio de descrições e análises das competências necessárias. A decisão sobre o
preenchimento da vaga, a avaliação e a comparação dos candidatos e a decisão final sobre o
escolhido devem ser feitas pela pessoa ou área que receberá o empregado selecionado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa maneira, o trabalho contribui para demonstrar que a área de RH não conseguiu ainda,
na percepção dos entrevistados, efetuar o salto qualitativo que lhe confira um desempenho
efetivamente estratégico no que se refere ao processo de Recrutamento e Seleção. Tais achados
corroboram resultados de pesquisas realizadas no contexto brasileiro e que avaliaram práticas
de gestão.
302

Há estudos que contribuem sobre quais são os fatores que impedem a área de RH ser
estratégica, considerando inclusive o atual grau de capacitação dos responsáveis pela área para
atender esse desafio e a própria visão e concepção que possuem a respeito da área em que atuam.
Este é um primeiro passo, que carece a ser aprimorado para abranger o que necessita o
profissional dessa área, a fim de oferecer subsídios aos funcionários, para que a imagem interna
da área desfruta na instituição das ações exclusivas que empreendem, visto que estas, por vezes,
acabam por afetar todo o comportamento da organização. Reconhecer a posição paradoxal que
ocupam dentro das organizações, abrigando sua responsabilidade pela geração dos resultados
empresariais, ao mesmo tempo em que deve lidar com a obrigação de construir a confiança e o
comprometimento compartilhado dos empregados na administração desses mesmos desígnios.
Seria ainda interessante, investigar com os gestores de outras áreas que veem a área de RH
como contribuinte de maneira efetiva para gestão de transformações organizacionais.
No intuito de cuidar com mais propriedade, para manter e desenvolver as competências
imprescindíveis à realização dos objetivos organizacionais, faz-se importante a busca de novos
estudos que abordem a percepção de gestores, por ser esta uma forma extraordinária no
desenvolvimento da estratégia da organização, avaliando os métodos de Recrutamento
utilizados pela empresa. (ALBUQUERQUE, 2002)
Faz-se importante a implementação de critérios de mensuração de resultados para avaliação
do alinhamento da área de Recrutamento e seleção à estratégia da empresa, uma vez que permite
que os resultados sejam compartilhados dentro da organização, além de prover evidências da
contribuição da área. Ressaltando a importância de as organizações terem um planejamento
estratégico adequado e que inclua os processos de Recrutamento e Seleção.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, L. G. A gestão estratégica de pessoas. FLEURY, M. T. (coord.). As pessoas


na organização. São Paulo: Gente, 2002.
BAGATINI, D. Alinhamento e planejamento de recursos humanos às estratégias
organizacionais: estudo em uma empresa do comércio varejista. Trabalho de conclusão de
curso, Curso de administração, Centro Universitário Univates, 2016.
BARCELLOS, P. F. P; JUNIOR. B. F. A. Alinhamento Estratégico da Área de Recursos
Humanos: Um Estudo de Caso: XV Mostra de iniciação científica, 2015.
BAYLÃO, S. L. A.; ROCHA, S. P. A. A importância do processo de recrutamento e seleção de
pessoal na organização empresarial. Simpósio de excelência em gestão e tecnologia. Resende,
RJ, Brasil, 2014.
CARVALHO, M. et al. Gestão da Qualidade – teoria e casos. Rio de Janeiro: Campus,
2005.
303

CESAR, A. M. R.V. C; CODA, R; GARCIA, M. N. Um novo RH ?: avaliando a atuação e o


papel da área de rh em organizações brasileiras. FACEF Pesquisa, Franca, v. 9, n. 2, p. 151-
165, 2006.
CHIAVENATO, I. Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal. 4.ed. São Paulo: Atlas,
1999.
CHIAVENATO, I. Recursos humanos. 7 ed. Comp. São Paulo: Atlas, 2002.
CHIAVENATO, I. Recursos humanos: o capital humano das organizações. 8. ed., São Paulo:
Atlas, 2006.
CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações.
3 ed. Rev. Atual. Rio de janeiro: Elsevier, 2008.
FISCHER, A. L. et al. A utilização do conceito de competências e seus impactos na gestão de
pessoas: relatório de pesquisa. São Paulo: 2005.
GARNICA, A. V. M. Algumas notas sobre pesquisa qualitativa e fenomenologia. Interface.
Botucatu: UNESP/Fundação Kellogs. v.1, n.1, 109-122, 1997.
GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
GOMES. M; REIS,. C. R, CENTURIÓN. C. W. Recrutamento e Seleção Estratégico: Processos
Tradicionais e a Influencia das Mídias Sociais: Congresso de gestão, negócio e tecnologia da
informação (1º CONGENTI), 2017
GONDIM, S. M. G.; SOUZA, J. J.; PEIXOTO, A. L. A. Gestão de pessoas. In: O trabalho e as
organizações: atuações a partir da psicologia. Lívia de Oliveira Borges e Luciana Mourão
(Orgs.). Porto Alegre: Artmed, 2013.
GONDIM, S. M. G., QUEIROGA, F. Recrutamento e Seleção de Pessoas. In Borges, L.;
Mourão, L. (Org). O Trabalho e as Organizações. Atuações a partir da Psicologia (pp. 376-405).
Porto Alegre: Editora Artmed, 2013.
GUIMARÃES, M. F.; ARIEIRA, J. O. O processo de recrutamento e seleção como uma
ferramenta de gestão. Rev. Ciên. Empresariais da UNIPAR. Toledo, v. 6, n. 2, jul./dez., 2005.
Disponível em: http://revistas.unipar.br/empresarial/article/view/309 Acesso em: 18 mar. 2021.
LIMONGI-FRANÇA, A. C.; ARELLANO, E. B. As pessoas na organização. São Paulo:
Editora Gente, 2002.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas,
2002.
MARRAS, J. P. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. 3 ed. São
Paulo: Futura, 2011.
RIBEIRO M. C.; OLIVEIRA, F. H. Planejamento Estratégico no Processo de Recrutamento e
Seleção de Pessoal: Um estudo de caso em uma empresa no setor terciário: Curso de tecnologia
em gestão de recursos humanos. Brasília DF, 2013.
SPECTOR, P. E. Psicologia nas organizações. São Paulo: Saraiva, 2010.
VARGAS, R. V. Gerenciamento de projetos: Estabelecendo diferenciais competitivos. 6 ed.
Rio de Janeiro: Brasport, 2005.
ZANELLI, J. C ; BASTOS, A. V. B. Inserção profissional do psicólogo em organizações e no
trabalho. In J. C. ZANELLI, J. E. BORGES-ANDRADE; A. V. B. BASTOS (orgs.), Psicologia,
organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed, 2004.

BIOGRAFIA DA AUTORAS

Cristiane de Souza Marques - Graduada em Administração de empresas (IAESuP- Instituto


Aphonsiano de Ensino Superior) Pós-Graduada em Direito Administrativo e Processo
Administrativo (Atame - Universidade Cândido Mendes RJ) Graduada em Recursos Humanos
304

(faculdade Cambury) Bancária e Economiaria no Itaú, Trindade Goiás. E-mail:


crika_krika@yahoo.com.br

Márcia de Souza Damasceno - Mestranda em Ensino pelo Programa de Pós-graduação em


Ensino (PPGEn) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso
(IFMT). Especialista em Psicopedagogia Clínica pela Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin
(FTED). Licenciada em Letras (Português/Literatura/Espanhol) pela Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT). Professora no Centro Municipal de Educação Básica Helena Esteves
(CMEB Helena Esteves), Barra do Garças-MT. E-mail: marcinhadama@live.com.

Você também pode gostar