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Afonso Henrique de Lima Barreto nasceu no Rio de janeiro em 1881.

Mestiço, enfrentou
durante toda a vida preconceito e racismo. Aos 7 anos de idade perdeu a mãe e, pouco
tempo depois, seu pai foi trabalhar de almoxarife em um asilo de doentes mentais na Ilha
do Governador.

Impedido de concluir sua faculdade de engenharia devido ao estado de saúde do pai e


tendo que arcar com as despesas de casa, Lima Barreto nunca deixou de ler, tendo assim
uma produção textual de excelente qualidade, iniciando então sua colaboração com a
imprensa como jornalista. No entanto, o que o sustentava era o emprego como escrevente
na Secretaria de Guerra, onde aposentaria em 1918.

Autor negro, pré-modernista e alcoólatra, Lima Barreto utilizava de suas experiências e


histórias de vida para escrever suas obras. Sempre falando o que pensava a respeito de sua
época, Lima expunha o abandono o qual o subúrbio era submetido devido ao projeto
urbanístico civilizatório, que visava branquear a cidade do Rio de Janeiro, assim,
marginalizando os negros que se alojaram nos subúrbios, onde a vida era mais barata,
porém também era abandonada. Além disso, em suas obras também há o retrato de seus
vícios e da formação das favelas.

Sua obra, Clara dos Anjos, foi escrita em 1922, ano da semana da arte moderna, porém ele
não participa por questões territoriais, já que na época era extremamente difícil ir de Rio a
São Paulo. E, mesmo sendo em escrita em 1922, só foi ser publicada em 1948, anos após sua
morte. Assim, Lima Barreto nunca foi reconhecido em vida por suas obras literárias.

Nesta mesma obra, Barreto denuncia o racismo sofrido pelos negros e mestiços, além das
decisões políticas quanto a Primeira República.

Por definição, racismo é conjunto de crenças e teorias que estabelecem uma hierarquia
entre raças e/ou etnias. Este se dá de diferentes formas, seja mais velada ou de forma
extremamente explícita, sendo, de ambas maneiras, fortemente cruel.

Não podemos resumir racismo a preconceito, visto que preconceito pode se dar de
diferentes maneiras, seja por local de origem, orientação sexual, gênero e etc. Mas, sem
dúvidas, racismo é uma forma de preconceito.
O preconceito racial não se restringe somente ao Brasil, sendo, infelizmente, ainda muito
comum em vários outros países, sejam os colonizadores ou os colonizados. Também é
importante ressaltar que uma ação de preconceito somente é considerada racista quando
há uma utilização sistêmica e baseada em uma estrutura de poder e dominação contra a
etnia da vítima.

A descriminação dada pela origem pode ser reportada desde de a Antiguidade, quando os
povos gregos classificavam os estrangeiros como seres “bárbaros”. Mais tarde, nos séculos
XVI e XVII, alavancou o preconceito diante as diferentes etnias devido à expansão marítima
e às colonizações, que utilizaram a hierarquia de raças para justificar o genocídio dos povos
nativos e a escravização de povos africanos. Toda essa ideologia gerou consequências que,
até hoje em dia, se fazem presentes.

Há diferentes formas em que o racismo se manifesta, como o crime de ódio racial. Nesta
forma direta de racismo, um indivíduo ou um grupo de pessoas agride diretamente outros
indivíduos ou grupos, seja verbalmente ou fisicamente, somente por conta da etnia e/ou
raça.

Há o racismo institucional. De maneira mais velada, este racismo manifesta-se através de


instituições (sejam públicas ou privadas), do Estado e das leis, que podem segregar e/ou
tirar direitos promovendo assim, um preconceito.

Além desses, há o racismo estrutural. Sendo mais brando ainda que o racismo institucional,
o racismo estrutural tende a ser ainda mais perigoso, por ser menos perceptível e assim,
passando livre das punições. Esta categoria do racismo consiste em um conjunto de
práticas, hábitos, falas, situações e etc., que são inseridos no nosso cotidiano, promovendo
uma proliferação da naturalização do racismo.

No Brasil, ao ser proibida a escravização, não se criou políticas públicas que ajudassem os
negros a se inserirem na sociedade, garantindo a eles, no mínimo, direitos básicos. Assim, os
negros foram marginalizados e suas histórias continuaram a ter a forte presença da
violência e da morte.

Em clara dos anjos o racismo como crime de ódio racial é extremamente presente, como
quando a mãe de Cassi utiliza em sua fala a frase “meu filho branco não vai se envolver com
alguém negro”. Clara, personagem principal do livro, menina mestiça, percebe toda a
insignificância social que negros e mestiços têm naquela sociedade e, ao fim do livro diz a
sua mãe “mamãe, mamãe, nós não valemos nada”

Em seu livro, Lima utiliza do título “Clara dos Anjos” para passar a ideia de uma menina
branca, com olhos e cabelos claros. Porém quebra as expectativas dos leitores ao descrever
sua personagem sendo mestiça e de família extremamente pobre. Com uma forte marca de
oralidade para representar o âmbito e que os personagens do livro estão inseridos, Clara
dos Anjos retrata uma geografia física e humana, contando, também, com histórias
secundárias que faziam panoramas da vida do subúrbio e de todo o descaso sofrido por seus
moradores. Tudo isto fez com que o livro fosse uma espécie de autorretrato dos pobres.

Chama atenção a opção do autor por uma Clara dos Anjos mestiça (que ele apresenta como
mulata, segundo a terminologia mais em voga na época) e não negra, simplesmente. O que
se pode depreender é que o mulato, naquele contexto histórico, estava exposto à mesma
condição desfavorável do negro, como alvo de preconceitos e da falta de acesso a direitos
básicos de cidadania.

Esse aspecto é interessante, em primeiro lugar, por revelar uma nítida vivência do próprio
autor. E também por trazer à luz a necessidade de desconstruir o discurso que celebra a
mestiçagem como sinal de ausência de discriminação e de conflitos raciais. Pelo contrário,
muitos autores inclusive já denunciam o discurso do elogio à mestiçagem como elemento
supressor da identidade afrodescendente. Como diz o escritor e compositor Nei Lopes em
entrevista à Revista de História da Biblioteca Nacional: “Eu discuto muito essa questão da
mestiçagem, porque ela tem sido uma forma de negar a africanidade”.

Retratando Clara como uma menina inocente, superprotegida pela família e criada para ser
a mulher da época (submissa e pronta pra casar), Lima Barreto também expõe a vida a qual
as mulheres são submissas e como as negras, em especifico, sofrem ainda mais, tendo que
lidar com um racismo junto ao machismo. Assim tem-se a história de Clara que, ao
engravidar e ser abandonada, tem seu destino fadado à infelicidade já que, perder a
virgindade fora do casamento era uma das maiores tragédias das mulheres do século XX,
ainda mais sendo negra.
Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance Clara dos Anjos é uma forte
denúncia do preconceito racial e social, vivenciado por uma jovem mulher do subúrbio
carioca.

O grande historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, já apontava, escrevendo


sobre “Clara dos Anjos”, que é muito difícil “escrever sobre os livros de Lima Barreto sem
incorrer um pouco no pecado do biografismo”. Poucos escritores brasileiros foram tão
obsessivos na investigação da temática do preconceito quanto Lima Barreto. Até por razões
pessoais, e por viver exatamente nesse período, sempre retratando-o de forma crítica e até
ressentida, o autor de Clara dos Anjos seria o escritor que mais sentiria o preconceito e o
retrataria de maneira mais fiel em nossa literatura.

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