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1 INTRODUÇÃO
É sabido que produzir e ter acesso à Literatura Brasileira tem raça, classe e gênero. A
Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), publicada em 1996, em sua
versão original pouco abordava as questões étnico-raciais. No entanto, a Lei 10.639 de 2003,
alterou a LDB e tornou obrigatória a inclusão da História e da Cultura afro-brasileira na grade
curricular do Ensino Fundamental e Médio.
Como se não bastasse, existe ainda a crença da democracia racial difundida no século
XX, pelo sociólogo Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala (1933), contribuindo
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Doutora em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante Grupo de Pesquisa em Direito,
Cidadania e Sustentabilidade – GPDCS.
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para que nossa matriz curricular reproduza o cânone da mestiçagem, ou seja, da harmonia racial.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Conceição Evaristo (2009) afirma que a elite branca reconhece as referências dos negros
na música, na culinária, contudo, cria-se um impasse que vai da dúvida à negação, quando a se
trata da literatura. Nesse sentido, a autora de Insubmissas lágrimas de mulheres (2011),
questiona se a escrita literária brasileira pertence a determinados grupos de sujeitos.
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Ainda segundo a pesquisadora, quando se trata da homogeneidade racial, os dados
são gritantes: “São brancos 93,9% dos autores e autoras estudados (3,6 não tiveram a cor
identificada e os ‘não brancos’, como categoria coletiva, ficaram com menos de 2,4)”.
(DELCASTAGNÉ, 2008, p. 206). Mesmo diante da pouca representatividade negra na
literatura brasileira em relação à branca, escritores como Lima Barreto, Luís Gama, Maria
Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus não se calaram diante de uma sociedade que
insiste em excluir o negro da literatura.
Quando eles aparecem na literatura, são estigmatizados, como é o caso das personagens
Bertoleza, da obra O Cortiço (1881), um verdadeiro painel social do Segundo Império, ou
Raimundo, do livro O Mulato (1890), ambos de Aluísio de Azevedo. A primeira é uma ex-
escrava que se apaixona por João Romão, trabalha para enriquecê-lo e pratica suicídio, quando
ele a descarta para se casar com uma mulher branca. O segundo; é um advogado, de olhos azuis,
formado na Europa, que sofre preconceito da sociedade maranhense ao se aproximar de uma
mulher também branca, Ana Rosa.
Quanto à literatura contemporânea, Delcastagné afirma que ela refle “nas suas
ausências, talvez ainda mais do que naquilo que expressa, algumas das características centrais
da sociedade brasileira. É o caso da população negra, que séculos de racismo estrutural afastam
dos espaços de poder e de produção de discurso” (2008, p. 1). Não é à toa que o cânone
brasileiro é, eminentemente, formado por homens brancos.
Eduardo de Assis Duarte (2013), destaca várias vozes potentes dessa literatura, dentre
elas, Conceição Evaristo, criadora de um “brutalismo poético” (p. 151) – termo que o crítico
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diz ter tentado caracterizar – a função do realismo cru e ternura que marcam as narrativas da
autora.
Maria estava parada há mais de uma hora no ponto de ônibus. Estava cansada
de tanto esperar... Os ônibus estavam aumentando tanto.... No dia anterior, no
domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos...
Ganhara as frutas e uma gorjeta. O osso a patroa ia jogar fora. Estava feliz,
apesar do cansaço... (EVARISTO, 2016, p. 39)
Ou seja, Maria é explorada em seu ambiente de trabalho, mas, ainda se sente feliz por ganhar
frutas e ossos para os filhos. A subalternidade da personagem é física e mental.
Já dentro do ônibus ela se encontra com o pai de um de seus três filhos. “Ela, ainda sem
ouvir direito, adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E logo após,
levantou rápido sacando a arma. Outro lá atrás gritou que era um assalto” (EVARISTO, 2016,
p. 39). Percebemos o duplo sofrimento da personagem: abandonada pelo companheiro, que se
tornou um assaltante. Todos têm seus pertences roubados, exceto Maria.
Quando os ladrões saem do ônibus, Maria se ver ameaçada pelos outros passageiros que
a ofendem gritando: “puta, negra e safada”. Eles acreditavam que ela fazia parte do grupo dos
assaltantes, já que um dos homens se sentou ao seu lado e nenhum de seus bens foi subtraído.
Mulher, negra, pobre, ou seja, Maria reúne as condições necessárias para ser linchada pela
sociedade. Por mais que tentasse explicar ou que o motorista do ônibus procurasse defendê-la,
Maria já tinha sido condenada por uma sociedade que vê na mulher (negra) um agente
infeccioso da sociedade. Dessa forma, ela é morta pelas mãos de uma sociedade que brada que
não existe racismo no Brasil. Ou você acha que se ela fosse branca, cabelos e olhos claros, teria
tido o mesmo fim?
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Produzir narrativas protagonizadas por sujeitos negros, especialmente mulheres, é uma
forma de transgressão à cultura eurocêntrica da qual somos herdeiros.
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS