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RESUMO: Partindo da análise de algumas obras do cânone brasileiro, o artigo se propõe a analisar
como a literatura foi usada em diversos momentos da história brasileira como elemento de depre-
ciação e dominação do negro, e como essa situação começa a se modificar a partir da ascensão dos
movimentos negros no país, quando é iniciada uma reconstrução da imagem do afro-descendente,
que toma para si a missão de fazer sua própria literatura.
PALAVRAS-CHAVES: Literatura negra, afro-descendência.
Falar sobre literatura negra é também falar sobre a condição social do afro-descen-
dente dentro da sociedade brasileira. Pode-se traçar um paralelo entre a forma como
o negro era mostrado na literatura brasileira desde seus primórdios e a maneira como
essa figuração foi se transformando, na medida em que os movimentos pela igualda-
de étnica e social foram se fortalecendo, e o afro-descendente pôde assumir a narra-
ção de sua própria história. Este trabalho procura mostrar o processo de construção
e reconstrução da imagem do negro na literatura brasileira, constantemente retra-
tado como servil e digno de pena, supostamente necessitado de outros que falem
por ele, e que a partir da ascensão dos movimentos negros no Brasil, passa a ter sua
própria voz. É claro que não se pode ignorar autores como Domingos Caldas Barbosa,
Lima Barreto, Solano Trindade, Luís Gama e Maria Firmina dos Reis, que certamen-
te confirmam que desde o século XVIII já existia uma literatura negra, conforme diz
Eduardo de Assis Duarte: “não só existe como se faz presente nos tempos e espaços
históricos de nossa constituição enquanto povo; não só existe como é múltipla e di-
versa” (Duarte 2004: 01). Mas só partir da década de 50, inspirada pelos movimentos
negros dos Estados Unidos e da França, a literatura negra no Brasil passa a ter maior
visibilidade na sociedade, e é usada também como instrumento de denúncia contra
o desrespeito aos direitos sociais dos afro-descendentes, além de ter demonstrada
também sua qualidade literária intrínseca.
Está claro que na música nenhuma das duas religiões é considerada como tal e
tratada com respeito. Haja vista o tratamento que o compositor dá à mãe-de-santo.
O termo feiticeira sugere não uma sacerdotisa de um culto, mas uma figura pitoresca
que faz feitiços e vinganças. A frase Deus me perdoe, mas eu vou me vingar também
associa a religião afro-brasileira a uma idéia de vingança pessoal, desconsiderando-a
como culto legítimo e manifestação cultural, contribuindo para que as religiões de
raiz africana continuem a ser vistas por algumas pessoas com desconfiança e medo.
No início do século XIX a temática negra passa a ser vista mais freqüentemente na
literatura. A escola romântica traz as primeiras incursões em uma literatura abolicio-
nista, representada principalmente na figura de Castro Alves, com seu famoso Navio
Negreiro. Mas a literatura anterior a Castro Alves já retratava o escravo, especialmen-
te na poesia. A tônica, porém, desta poesia é descrever o escravo africano como um
ser indefeso, melancólico e saudoso de sua pátria, vítima passiva dos maus-tratos da
escravidão. Em Suspiros Poéticos e Saudades, publicado em 1836 e considerado o
livro que marca o início do romantismo no Brasil, Gonçalves de Magalhães mostra o
arquétipo do negro triste e indefeso, o qual se repetirá em diversos outros poetas,
conforme o trecho abaixo do poema Invocação à saudade:
Embora bem intencionado, o autor apenas acentua a falsa noção de que o afro-
descendente não tem condições de se expressar, e que, por estar em um estágio
de evolução inferior ao do branco, necessita de sua compreensão. Macedo parece
ignorar também as características culturais que são inerentes ao afro-descendente,
considerando negro apenas o homem de pele escura.
Com a ascensão dos movimentos de consciência negra no Brasil, como o Movi-
mento Negro Unificado, do Rio de janeiro, a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África
(SINBA), em 1972, e outros movimentos a partir de então, a literatura negra ganha
destaque. Engajada na luta em prol dos direitos do cidadão afro-brasileiro, ela suplan-
ta a literatura sobre o negro e faz agora uma literatura do negro e para o negro, com
todas as particularidades sonoras, visuais e temáticas que a caracterizam, mas sem
limitá-la a ser apenas um instrumento de resistência, como ocorre, por exemplo, nos
manifestos comunistas. A literatura e a arte negra em geral estão sim, a serviço de
uma luta contra o preconceito, mas a sua riqueza ultrapassa o âmbito do engajamen-
to e seguem por uma série de inovações estéticas que mostram de maneira criativa
o orgulho que o afro-brasileiro tem de suas origens, de sua religião, de sua cultura,
de sua sexualidade. Acerca deste engajamento, Luciano Rodrigues Lima cita em se
artigo Poesia negra contemporânea: O redescobrimento do Brasil:
Um exemplo da reversão dos valores que até então eram usados para se falar do
negro são os poemas Outra nega Fulô, de Oliveira Silveira, e O que não dizia o poemi-
nha do Manuel, de Márcio Barbosa. Ambos falam da mulher negra, mas ao ironizar
os poemas “Essa nega Fulô”, de Jorge de Lima, e “Irene”, de Manuel Bandeira, dão
voz a uma mulher não mais submissa, mas altiva e consciente de seu direito de ser
respeitada:
Irene preta!
Boa Irene um amor
Mas nem sempre Irene
Está de bom humor
Outro poeta que faz uma ressignificação de um dos ícones do preconceito racial
é Henrique Cunha Júnior, quando fala com delicadeza e respeito sobre os cabelos
encaracolados da mulher afro-brasileira:
Cabelos enroladinhos
Cabelos de caracóis pequeninos
Cabelos que a natureza se deu ao luxo
De trabalhá-los e não simplesmente deixá-los esticados ao acaso
Cabelo Pixaim
Cabelo de negro. (Cunha Júnior 1978: s/n)
Os cabelos da mulher negra, tão rechaçados pelo padrão europeu de beleza im-
posto ao Brasil, aqui associados ao termo pixaim (que normalmente é usado pejo-
rativamente), assumem um significado de luxo, requinte e exaltação da beleza da
mulher afro-brasileira.
As poesias eróticas também merecem destaque na poética negra. Contradizendo a
visão preconceituosa que freqüentemente retrata a mulher e o homem negros como
objeto sexual, nestas poesias o negro liberta sua sexualidade do moralismo que reina
desde o império, quando os senhores saciavam seus desejos sexuais com as escravas,
mas escondiam o fato a sete chaves. A poesia erótica negra atua como elemento li-
bertador da repressão física a que os negros foram continuamente submetidos:
Te amo
A lembrança é concreta
Teu hálito roça-me a face
Num poema-ebó
a palavra é a pemba
A: PALAVRA:PEMBA: NO: POEMAEBÓ
[MAPEIA:UM:PONTO
no terreiro pontos são riscos
marcas de giz
PONTOS.SÃO.RISCOS. – fundamentos
Fundam e a
f
u
n
d
a
m até a raiz
numpoemaebóapalavrapemba
funde guerra e abraço
arrianopeito-roncó
pomba girando que só
explodememdançasguerreiras
a palavra pemba facho
éalegriamacumbeira
é um imenso despacho
(Barbosa 1992: 63)
Obras Citadas
BARBOSA, Márcio. 1992. “O que não dizia o poeminha do Manuel”. Cadernos Negros
15. São Paulo: Quilombhoje.
_________. 1992. “Poema-ebó”. Cadernos Negros 15. São Paulo: Quilombhoje.
BERND, Zilá. 1987. Negritude e literatura na América Latina. Porto Alegre: Mercado
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CONCEIÇÃO, Sonia Fátima da. 1994. “Te amo”. Cadernos Negros 17. São Paulo: Qui-
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MACEDO, Sérgio D.T. Crônica do negro no Brasil. Rio de Janeiro: Record Cultural,
1974.
ABSTRACT: Based on the analysis of some works of the Brazilian literay canon, the article aims to show
how literature was used in different moments of brazilian history as part of depreciation and domina-
tion of Blacks, and how this situation begins to change from the rise of Black movements in the coun-
try when it starts a reconstruction of the image of african descent, which takes upon itself the task of
making their own literature.
KEYWORDS: Black literature, african descent.