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DE AZEVICHE
dez escritoras negras que estão
renovando a literatura brasileira
Contos e cronicas
tale
OLHOS
DE A Z E V I C H E
estão
escritoras negras que
dez brasileira
literatura
renovando a
Contos e crönicas
male
Copyright © 2017by Editora Mal
Todos os direitos reservados.
ISBN 978-85-92736-07-1
Os textos
apresentados nesta coletânea foram cedidos pelas suas autoras
à Editora Malê
para uso exclusivo na composição desta obra.
Dados internacionais de
catalogação na publicação (CIP)
Vagner Amaro CRB-7/5224
045 Olhos de azeviche: dez escritoras
rabrasileira- contos e crónicas/ negras que estão renovando a literatu-
Ana Paula
de
ção Vagner Amaro Rio de Lisboa._ et al|; organiza-
160 p; 21 cm. Janeiro: Mal, 2017.
ISBN 978-85-92736-07-1
CDD- B869.301
Indice para catálogo sistemático:
I.Conto: ILiteratura brasileira B869.301
2017
Todos os direitos reservados à Malè Editorae Produtora
Cultural Ltda
www.editoramale.com.br | contato@editoramale.com.br
Sumário
Apresentação 1
FERNANDA FELISBERTO
CONCEIÇÃO EVARISTO 33
Di Lixão 35
Os amores de Kimbá 39
CRISTIANE SOBRAL 47
Das águas 49
O outro lado da moeda 53
ESMERALDA RIBEIRO 61
Guarde segredo 63
Mulheres dos espelhos 71
FÁTIMA TRINCH 77
Lembranças 79
Arlinda 85
GENI GUIMARÁES 95
Primeiras lembranças 97
Metamorfose 105
Selfie
eu mulher negra escritora
Fernanda Felisberto
8 Olhos de Azeviche
Certa vez bell hooks, feminista negra, estadunidense, problema-
tizou o lugar da intelectualidade feminina negra, e que neste caso
enfrentamento ao racismo.
As possibilidades de respostas são inúmeras, entre elas devolver
ahumanidade a todos nós negros e negras, começando por nossos
Fernanda Felisberto
memória,
léxicoe da nossa
foranm removidos do nosso
africana, que
destas escritoras
vao sendo incorporados ao tazer literário
datam do século
Os primeiros registros da
autoria negra
estudos,
XVIll, com Rosa Egipcíaca, que ainda possui poucos
nos-
século XIX temos publicado
sobre sua biografia e obra, no dos
romance, Ursula, da maranhense Maria Firmina
so primeiro numa tra-
não revelou
reis, em 1859, porém esta publicação se
reduzido
consolidada no século XX, ainda é
dição romanesca
fenòmeno que n a o
o número de romancistas negras brasileiras,
nesta modalidade
literária en-
Ocorre c o m o genero conto, pois
contramos um número signihcativo de escritoras.
Esta formanarrativa concisa, de revelar atetos e dramas negros,
estas mulheres
estálonge do ideal, o que de certa maneira conduz
a publicações coletivas, as antologias, como forma de se fortalecer
e visibilizar sua obra, além de uma brecha de driblar as questões
economicas, que demandam uma publicação individual.
Este compromisso se revela dentro desta nova antologia Olhos
de azeviche: dez escritoras negras que estão renovando a literatura
brasileira-contosecrònicas ,
que a editora Mal de forma sen-
sível e conmprometida, uma vez mais, se debruça em torno dos 20
10 Olhos de Azeviche
Odesafio destas autoras negras, de diferentes gerações é que a pro
no
imaginário de seu público.
Boa leitura
Referências
DALCASTAGNE, Regina- "Uma voz ao sol: representação e legiti-
midade na narrativa brasileira contemporânea'. Estudos de Literatura
Brasileira Contemporânea, no 20. Brasilia, julho/agosto de 2002, Pp
33-87, disponível https://dialnetunirioja.es/descarga/articulo/4846244pdf
EVARISTO, Conceição. Fêmea fênix. In: Maria Mulher --Infor-
mativo, ano 2, n. 13, 25 jul. 2005.
Fernanda Felisberto
Di Lixão
Di Lixão abriu os olhos sob a madrugada clara que já se tornava
dia. Apalpou um lado do rosto, sentindo a diferença. mesmo sem
tocar o outro. O dente latejou espalhando a dor por todo o céu da
boca. P'assou lentamente a lingua no canto da gengiva. Sentiu que
a bola de pus estava inteira
O companheiro de quarto-marquise levantou um pouco o cor
po e entre o sono olhou espantado, meio adormecido, para ele. Di
Lixão encheu rápido a boca de salivae deu uma cusparada no ros
to do menino O outro, num sobressalto, acordou de seu sono todo
instinto de detesa Pulou inesperadamente, acabando de se levantar
Di Lixão acompanhou o gesto raivoso do menino, levantando tam-
bém. Numa fração de segundos recebeu um pontapé nas suas partes
baixas. Abaixou desesperado, segurando os ovos-vida. E foi se enco-
hendo, se enroscando até ganhar a posição de feto. Pela primeiravez
depois de tudo, se lembrou da mae. Ainda bem que aquela puta tinha
morrido! Ele sabia quem havia matado a mulher. Tinha visto tudo
direitinho. Na policia negou que estivesse por perto, que suspeitasse
de alguém. Depois de très ou quatro idas à delegacia, os policiais aca-
baram por deixálo em paz. Ele sabia quem. Pouco importava. Que
deixassemo homem solto. Não gostava mesmo da mae. Nenhuma
falta ela fazia. Näo aguentava a falação dela. Di, vai para a escola! Di
nào fala com meus homens! Di, eu nasci aqui, vocè nasceu aqui, nas
dá um jeito de mudar o seu caminho! Puta safada que vivia querendo
ensinar a vida para ele. IDepois, pouco adintav.a. Zona por zona, hea
Va ali mesmo. Lá fora, o outro mundo também era uma zona Sabia
quem unha matado a mae. E dai? O que eletinhacom isso?
As partes de baixo de Di Lix.ao doim C dente contuuaaa
Jatejar. Será que ele ia morer? Seri que a dor de cuma ia se enon
trar com a dor de baixo? Ser que o encontro seia umm doOr so:
havia sido
menino
quarto-marquise.
O
O u n0 colega de mundo Jä
tinha bas
Ganhara o
no seu
anho.
bulavam pela rua, cada qual muito.
Falavam de tudo. Até
conversavam
na vida. Tinha
levado um
Agora ele era grande, experimentado
chute no saco, nos ovos. E doía para cacete. A vontade de mijar
bimbinna
se confundia com a dor. Naquela época, pensava que a
a
não! Tinha crescido,
sO servia
para mijar, mijar, mijar. Agora
havha
bimbinha se transformado em pau, cacete. Há muito tempo
outro fazer. Tinha
descoberto que bimbinha grande, em pé, tinha
experimentado isto nos quartos daquelas putas.
Foi também no quarto ao lado do de sua mãe, com uma n
na da idade dele, que como ele havia nascido ali, que expe
orreu
tou o primeiro prazer a dois. Quando acabou tudo, quasein
Olhos de Azeviche
de vergonha. Estava na cama aindae não conseguia parar. Nao
tumorzinho na boca, junto ao dente, doía que ele não podia co-
mer quase nada.
Fez um esforço. Sentou. Pegou a bimbinha dolorida e fez xixi.
Assustou-se. Estava urinando sangue. Passou a lingua no canto da
boca. O carocinho latejou. Num gesto coragem-desespero levou
o dedo em cima da bola de pus e apertou-a contra a gengiva. Cus-
pu pus e sangue. Tudo doía. A boca, a bimbinha, a vida.. Deitou
novamente, retomando a posição de feto. Já eram sete horas da
manh. Um transeunte passou e teve a
impressão de que o garoto
estava morto. Um filete de sangue escorria de sua boca entrea-
berta. As nove horas o rabecão da polícia veio recolher o cadáver.
O menino era conhecido ali na área. Tinha a mania de chutar os
latoes de lixo e por isso ganhara o apelido. Sim! Aquele era o Di
Lixão. Di Lixão havia morrido.
Conceição Evaristo 37