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Obras infantis
"Metaforicamente, podemos dizer que Narizinho e Pedrinho
tinham duas avós. A de sangue, que incessantemente buscava
repassar seu conhecimento formal para seus netos. E a tia
Nastácia que era a responsável pelos ensinamentos advindos
de sua experiência de vida. As duas avós eram igualmente
importantes na criação e na formação de seus 'netos'. As
referências à tia Nastácia na obra refletem o pensamento da
época e isso nos choca tremendamente hoje", analisa Palermo,
sobre o universo infantil de Lobato.
A Companhia das Letras, outra editora que tem publicado
obras de Lobato, afirma à reportagem que opta por notas de
rodapé para que os mediadores da leitura — sejam eles
professores, sejam eles pais — contextualizem a questão às
crianças. "Ficou estabelecido que todos os livros viriam com
notas que pudessem contribuir às discussões das questões
problemáticas da obra dele", afirma a assessoria de
comunicação da editora.
Sobre O Presidente Negro, a editora afirma que a polêmica
obra "não está e não estará em catálogo".
O racismo na obra infantil de Monteiro Lobato chegou até o
Supremo Tribunal Federal. A história começou em 2010,
quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou
que o livro Caçadas de Pedrinho não fosse mais
disponibilizado às escolas do sistema público, por conta do
conteúdo racista. "Tia Nastácia, esquecida dos seus
numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de
carvão" e "Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que
tem carne preta" foram trechos utilizados para justificar a
medida.
Diante de recurso do Ministério da Educação, o caso chegou
ao Supremo. Os debates foram encerrados apenas no mês
passado.
"Tratava-se de mandado de segurança do STF com o qual se
pretendia obter indiretamente a anulação de pareceres do
Conselho Nacional de Educação. Referidos pareceres trataram
da aquisição de obras literárias pelo Ministério da Educação
destinados ao Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Alegavam os impetrantes que o Ministério da Educação, ao
autorizar a aquisição de livros que contenham expressões
reforçadores de estereótipos raciais, viola frontalmente as
normas gerais da Administração Pública e a legislação
internacional sobre o racismo", contextualiza à BBC News
Brasil o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito.
"A tentativa de proibir os livros de Lobato parece estar
baseada na ideia de que a ficção literária não poderia, sob
pena de praticar crime, tratar do racismo sem fazer sua crítica
explícita. É uma visão que reclama que toda literatura, para
ser lícita, seja militante. A visão é compreensível em função de
nosso grave problema, não superado, com o racismo. Mas não
há fundamento jurídico para a proibição de livros em casos
assim, o que seria incompatível com a liberdade, um valor
fundamental, cuja prevalência justifica uma orientação muito
restritiva quanto ao poder de o Estado intervir no mundo das
palavras", afirma Sundfeld.
"Para que se proíba a circulação de um livro não basta que ele
incorpore, nos personagens, nas situações, nas frases ou nas
palavras, algum tipo de elemento que, sem condená-lo, remeta
ao racismo. É preciso que se trate de um caso extremo, difícil,
aliás, de ocorrer em obras apenas literárias, de apologia e
incitação inequívoca e grave ao racismo."
CRÉDITO,GLOBOLIVROS/ DIVULGAÇÃO -Legenda da foto -
"As referências à tia Nastácia em 'Reinações de Narizinho' refletem o pensamento
da época e isso nos choca tremendamente hoje", analisa o editor Mauro Palermo
O assunto foi encerrado no Supremo em 22 de maio, mas sem
julgar o mérito. "O STF entendeu que não lhe cabia analisar o
assunto, pois o que se estava impugnando era o ato de
homologação, pelo Ministro da Educação, desses pareceres.
Mas o STF não tem competência originária para julgar
mandados de segurança contra atos de ministros de Estado",
explica o jurista.
Especialistas e educadores acreditam que a obra infantil de
Lobato deve ser lida e debatida em escolas. "Não se trata de
retirar suas obras do mercado. Muito melhor do que isso é
que a obra venha acompanhada por notas que problematizem
a questão do racismo", defende Schwarcz. "Sempre acho que
em história precisamos problematizar esses termos para que
eles não passem 'em branco', com muitas aspas. É preciso
fazer com que fique evidente o racismo presente nessa obra,
isso é fazer muito mais do que censurar o autor."
Ela defende a necessidade de, no ambiente escolar, formar e
informar os professores, para que eles saibam como tratar
livros assim. "Que o professor alerte o aluno a todo momento
em que houver personagens ou situações ou contextos
racistas. Chamar a atenção, perguntar por que a Tia Nastácia
tinha apenas saberes localizados enquanto os personagens
brancos conheciam história, ciência, civilização. Por que
personagens negros foram descritos a partir de seus beiços
alargados e sua cor, enquanto os brancos, não, como se
brancura fosse uma não cor. Minha atitude como professora
nunca é de censura, e sim de interpelar essas narrativas com
outras questões, que são as questões do nosso momento",
afirma.
"Os livros de Lobato devem estar em catálogo, com notas de
rodapé", prossegue. "E essas notas precisam servir de gatilho
para que a classe discuta a questão do racismo no Brasil. Isso
é fundamental em um país que vive um racismo estrutural e
institucional."
"Sou favorável às edições críticas", complementa Reginaldo.
"Parece que há algumas iniciativas nesse sentido neste
momento, o que mostra a importância e ressonância do
debate iniciado em 2010. Há tempos, circula uma nota crítica
nas Caçadas de Pedrinho sobre a proibição da caça das onças.
Num artigo publicado em 2010, Ana Maria Gonçalves chama a
atenção para a a mea culpa de Lobato reconhecendo seu
preconceito contra os camponeses representados pelo
personagem Jeca Tatu, que foi incorporado na quarta edição
de Urupês. Mas como já confessei em outra ocasião, ao
ler Caçadas de Pedrinho e outros para meu filho com então 6
anos, me vi na obrigação de mãe de protegê-lo. Editei e omiti
termos que me soavam impronunciáveis. Mas sei que isso
também foi praxe nas versões televisivas do Sítio do Picapau
Amarelo."
Importância de Lobato para crianças
"Não tenho nenhuma ressalva — na verdade acho
fundamental — que se publique a obra de Lobato na íntegra.
Lobato deve ser lido", comenta Reginaldo.
"Como historiadora, vejo aí uma fonte preciosa para os
estudiosos e para reflexão crítica sobre o Brasil. Com outras
preocupações e recursos analíticos, em razão do seu valor
literário — que aliás, aqui não se discute, também é fonte para
os estudiosos da literatura e de outras áreas. No ambiente
escolar, especialmente para jovens e adolescentes,
acompanhado de boas edições críticas, pode ser lido. Mas nas
mãos do público infantil, no qual a literatura é sobretudo
expressão do lúdico, mas que ao mesmo tempo introjeta
valores, creio que não se pode ignorar o debate que vem
sendo feito desde 2010, pelo menos. Ouvi muita gente dizendo
que leu Lobato na infância e não se tornou racista. Mas acho
que, por meio de processos indiretos sem ódio, sem
truculência, podem ter aprendido a naturalizar as hierarquias
raciais, se colocarem como personagens centrais e
protagonistas da história, tornado-se, por conseguinte,
insensíveis às dores e humilhações alheias. Defender
ardorosamente a aura de Lobato é um lugar de privilégio!"
CRÉDITO, DIVULGAÇÃO/ TV GLOBO - Legenda da foto -Série do Sítio do Picapau
Amarelo, remake feito pela TV Globo dos anos 2001 a 2007
Para a especialista em Educação Infantil Clarissa Brito, é
preciso atentar para o fato de que expressões da obra de
Lobato — como "negra cor de lodo", "carne preta" ou próprio
uso do termo "negra" no vocativo — sejam compreendidas
como ferramenta de reprodução do racismo. Ela defende que
as obras do autor sejam utilizadas em escolas, mas não na
Educação Infantil, tampouco nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. É para alunos mais maduros, opina.
"Monteiro Lobato pode atravessar salas de aula no momento
em que são estudadas as marcas da opressão colonial e os
recursos políticos, sociais e econômicos para a perpetuação da
segregação racial", defende ela.
"Acredito que as crianças não precisam entrar em diálogo com
uma obra que por anos vem estigmatizando figuras negras,
reproduzindo um imaginário social que agride a estima de
tantos homens e mulheres negras", completa. "Vejo a
iniciativa de comentário e notas, como uma questão forte que
assola nossa sociedade, que são os recursos que tratam de
minimizar o racismo e buscar caminhos de não legitimar o
crime de injúria racial."
Editor da Globo Livros, Palermo acredita que livros de Lobato,
sejam os infantis, seja o polêmico O Presidente Negro, "podem
ser usados como subsídio à discussão do racismo em escolas".
"Proibir me parece a negação da existência", comenta ele.
"Entender o passado é o melhor atalho para mudarmos o
presente e melhorarmos o futuro."
Um 'best-seller' internacional
Desde o seu lançamento, Urupês foi um sucesso estrondoso:
mais de 30 mil exemplares vendidos em sucessivas edições
até 1925, sendo também traduzido para o espanhol e inglês.
Em 1919, Jeca Tatu foi citado em discurso de Rui Barbosa
durante sua campanha presidencial. "Por tudo isso, podemos
perceber a força e a vitalidade desse livro, que veio remexer
as águas mornas do então mercado editorial nacional", diz
Marcia Camargos.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL - Legenda da foto - O livro não foi apenas um sucesso
literário, mas também um sucesso de público, diz a especialista Marcia Camargos
"Além da novidade de cenário e de personagens, os contos
de Urupês são narrados em uma linguagem coloquial e cheia
de lances de oralidade. É como se o leitor 'ouvisse' alguém
contando histórias", explica Marisa Lajolo, sobre o sucesso da
obra nos anos seguintes ao seu lançamento.
Até morrer, em 1948, Lobato abraçou diversas causas
nacionalistas, como a campanha do petróleo, e lançou
diversos livros adultos e infantis. Sua obra mais conhecida do
público juvenil é Narizinho Arrebitado, lançado em 1921 pela
Monteiro Lobato & Cia Editora e que deu início à turma
do Sítio do Picapau Amarelo. Lobato tornou-se um dos
escritores mais consagrados da história da literatura infantil e
juvenil brasileira.
Atualmente, Urupês é editado pela Editora Globo, que prepara
uma edição especial para ser lançada até o fim do ano. No ano
que vem, toda a obra do escritor cai em domínio público e
deve ser relançada por outras grandes editoras.
Uma nova biografia juvenil de Lobato também está sendo
preparada por Marisa Lajolo junto com a historiadora Lilia
Schwarcz. A previsão é que obra seja lançada em 2019 pela
Companhia das Letras. "Será um livro bastante divertido, pois
será como se ele contasse a vida dele. Apresentaremos Lobato
como uma grande figura, e não como um nerd", adianta
Marisa.
Ela revela aspectos curiosos e poucos conhecidos do escritor
de Taubaté que estarão no novo livro, como o fato dele nunca
ter sido bom aluno e adorar sentar junto com a "turma do
fundão" nas aulas do colégio. Isso não o impediu de tornar-se
um intelectual respeitado, autor ídolo das crianças, precursor
da indústria editorial nacional e autor da célebre frase: "Um
país se faz com homens e livros".
SOCIEDADEBRASIL
Dia do Índio dá lugar ao Dia dos
Povos Indígenas
Edison Veiga
Pela primeira vez, Brasil celebra Dia dos Povos Indígenas,
atualizando nomenclatura dos anos 1940. Para escritor
Daniel Munduruku, "índio é palavra vazia; indígena é
palavra cheia de significado".
O Brasil dedica o 19 de abril aos povos originários desde os
anos 1940 — a data foi criada por decreto em 1943. Mas se
antes era Dia do Índio, a partir deste ano o nome foi
atualizado para Dia dos Povos Indígenas.
O projeto de alteração na nomenclatura oficial da data havia
sido apresentado em 2019 pela então deputada federal Joenia
Wapichana, hoje presidente da Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai) — antes chamada de Fundação Nacional do
Índio.
Depois de aprovado no Senado, acabou vetado integralmente
pelo então presidente Jair Bolsonaro. Em sessão conjunta no
Congresso Nacional, os parlamentares derrubaram o veto
presidencial e a lei finalmente entrou em vigor.
Tanto estudiosos do assunto como representantes de povos
originários consideram a mudança positiva, pois o termo
"índio" historicamente acabou assumindo um papel
pejorativo. "A palavra 'índio' acabou perpassando a história e
foi colocada na escola como uma data a ser comemorada com
um viés ideológico, como que para convencer as pessoas que
n~o existiam mais os tais ‘índios', que estavam extintos ou
próximos da extinção. Era uma política de Estado e nas
escolas se passava a figura do índio como alguém ligado ao
passado ancestral do Brasil", comenta o escritor e ativista
Daniel Munduruku.
"O correto é sempre chamar o indígena pelo nome. Eu sou
Munduruku, mas sou indígena de origem. Índio é uma palavra
vazia de significado, indígena é uma palavra cheia de
significado. Índio não significa nada, indígena significa
originário", acrescenta ele.
História
A data foi instituída na América Latina porque entre 14 e 24
de abril de 1940 ocorreu no México o Congresso Indigenista
Interamericano. Os representantes de povos indígenas
inicialmente decidiram boicotar o evento, temendo ficarem
sem participação ativa. No dia 19, contudo, compareceram e
passaram a integrar as discussões.
"Ali começaram os esforços para a celebrar a cultura e a
história dos povos indígenas", afirma o pedagogo Alberto
Terena, ex-coordenador da Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (Apib).
Participaram do congresso 55 delegações oficiais. O
representante brasileiro foi o médico, antropólogo e etnólogo
Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) — ele não era indígena,
mas estudava povos originários na região amazônica. O
evento mexicano acabou definindo medidas em defesa de
indígenas e o estabelecimento do "Dia do Aborígene
Americano em 19 de abril". O Brasil foi um dos países que não
aderiram inicialmente às deliberações do congresso — e a
data acabaria criada por aqui apenas três mais tarde.
Outro fruto importante do evento foi a criação do Instituto
Indigenista Interamericano, uma entidade que depois se
tornaria órgão ligada à Organização dos Estados Americanos
(OEA).
"O indigenismo [desde então] vem contribuindo muito para o
fortalecimento do direito e da cultura indígena, mas muitas
vezes cai no contraditório, porque falar ‘índio' é falar apenas
uma categoria, e hoje somos mais de 300 povos no Brasil,
mais de 200 línguas diferentes. E com diversas culturas", diz
Terena.
De acordo com o último censo, de 2010, o Brasil tem 897 mil indígenas, de 305
etnias.Foto: imago images/ZUMA Press/S. Jianxin
"Os colonizadores colocaram o nome de 'índio' nessas
populações e virou uma alcunha, um apelido para todas as
pessoas que pertenciam a povos de origem", diz Munduruku.
"Não se falava em diversidade, mas sim em uma unidade. E
essa palavra unificada todas essas culturas, na figura do
'índio', desse 'índio' genérico."
No Brasil, o termo "índio" para designar os povos originários
começou a ser questionado a partir dos anos 1970, com o
surgimento de forma mais sistemática de um ativismo
indígena. Para o historiador André Figueiredo Rodrigues,
professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o
principal ponto é que a denominação, embora "usada até
hoje", causa "uma impressão errada dos povos originários,
como se uma única palavra designasse um único povo, com
uma só cultura e até com o mesmo tipo físico".
"O nome 'índio esconde centenas de nações independentes,
que falavam ou ainda falam línguas diferentes, muitas delas
não-intercomunicantes entre si”, ressalta ele, lembrando que
estimativas demográficas indicam que quando os portugueses
chegaram ao Brasil, em 1500, havia pelo menos 3 milhões de
nativos, distribuídos entre mais de 1 mil etnias distintas — de
acordo com o último censo, de 2010, hoje são 897 mil
indígenas, de 305 etnias.
O professor Rodrigues enfatiza que o termo "indígena", por
significar "originário" ou "uma pessoa que é nativa de um
local específico", define com "mais exatidão os povos que
habitam o nosso país desde antes da chegada do europeu em
terras americanas". "O termo 'índio', hoje, evidencia uma
carga de preconceito e discriminação", afirma.
Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para
subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata,
vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho,
banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito
usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns
alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos
dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja
do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades
foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos
últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo
descontrolado estão entre os principais impactos relatados
pelos indígenas com essa mudança na paisagem.
Foto: DW/N. Pontes
DIREITOS HUMANOSBRASIL
Por que a demarcação de terras é
vital para indígenas
Nádia Pontes
Prevista na Constituição e paralisada sob Bolsonaro,
demarcação de territórios indígenas deverá ser retomada
no governo Lula. Segundo a Funai, mais de 200 terras
ainda não foram reconhecidas.
https://p.dw.com/p/4N3LJ
"Somos a terra"
Segundo relatório entregue pelo grupo que atuou na transição
antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
processos relativos a 13 novas TIs poderiam ser finalizados
imediatamente com a homologação, que é o registrado
fundiário da área como propriedade da União com usufruto
exclusivo dos indígenas.
Dados da Funai apontam a existência de pelo menos 680
territórios indígenas no país. A maior parte delas, 443 áreas
(65%), está regularizada, e as demais 237 ainda estão sob
análise.
Dinamam Tuxá diz que não há separação entre indígena e a
terra. "Índio é a própria terra. Para os povos indígenas, sem
território demarcado, não há como haver a reprodução
sociocultural, reprodução física. Quando brigamos,
reivindicamos esse direito para garantia da nossa própria
sobrevivência, da existência da diversidade de povos, de
línguas, de crenças e tradições", explica.
Para os yanomami, por exemplo, a terra é um ser que respira,
que tem coração, algo que se confunde com o seu próprio ser.
Essa cosmovisão está detalhada no livro A queda do
céu, assinado pelo xamã Davi Kopenawa e o antropólogo
francês Bruce Albert.
"É a terra que dá sustento ao modo de vida dos indígenas.
Quando vivem segregados, continuam indígenas, mas vão
perdendo seus atributos, aspectos culturais. A gente [não
indígenas] tem uma relação de produção com a terra, eles têm
uma relação de vida. Não é material, é espiritual", comenta a
antropóloga Maria Melo, com vasta experiência em processos
de demarcação como servidora da Funai.
Estimada em 3 milhões de indivíduos quando os portugueses
chegaram no Brasil, em 1500, a população indígena era, em
2010, data da última publicação do Censo pelo IBGE, de cerca
de 818 mil pessoas, o que representava 0,4% da população
total. À época também foram contabilizadas 305 diferentes
etnias e 274 línguas indígenas.
Dentre as cinco regiões brasileiras, a Norte é a que abriga
mais indígenas (306 mil), seguida por Nordeste (207 mil),
Centro-Oeste (130 mil), Sudeste (98 mil) e Sul (75 mil).
Obstáculos à demarcação
Os processos de demarcação, no entanto, costumam
enfrentar muitos percalços. Alguns levam décadas para ser
concluídos, como ocorreu com a TI Raposa Serra do Sol, em
Roraima. Iniciada em 1977, a demarcação foi homologada
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro
mandato, em 2005. Arrozeiros, garimpeiros e outros grupos
não indígenas resistiram à desintrusão, o indígena macuxi
Aldo da Silva Mota foi assassinado, e houve uma série de
atentados.
A história da TI Yanomami, no centro da atual crise
humanitária, não foi muito diferente. Maior terra indígena do
país, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela,
enfrentou resistência de militares e parte da sociedade civil
de Roraima, interessada em explorar ouro e cassiterita.
Em 1992, o então presidente Fernando Collor de Mello,
assinou o decreto a favor dos indígenas e teve início a retirada
dos garimpeiros. "Colocamos para fora de 40 mil a 42 mil
invasores. Foi a Funai que pagou as horas de trabalho das
aeronaves", relembra Sydney Possuelo, que presidia a
fundação à época, em entrevista à DW.
"Os dois pelotões do Exército que estão lá poderiam ter feito o
mesmo agora. Mas nada fizeram, e o garimpo provoca essa
crise que estamos vendo hoje", critica.
'Rotuladores'
Esses homens e mulheres realizam uma tarefa tediosa — e
potencialmente prejudicial à saúde mental, como
abordaremos adiante — mas que é essencial para que
programas como o ChatGPT funcionem.
Eles rotulam milhões de dados e imagens para ensinar a IA a
agir.
Tomemos, por exemplo, o chatbot do momento.
Quando você faz uma pergunta ao ChatGPT, o programa usa
cerca de 175 bilhões de "parâmetros" ou variáveis para
decidir o que responder.
Como já mencionamos, esse sistema de IA usa como fonte
principal as informações obtidas na internet. Mas como
distinguir os conteúdos? Graças às referências "ensinadas"
por seres humanos.
"Não há nada de inteligente na inteligência artificial. Ela tem
que aprender à medida que é treinada", explica Enrique
García, co-fundador e gerente da DignifAI, empresa americana
com sede na Colômbia.
A empresa contrata esses "rotuladores" de dados (data
taggers).
Na indústria de tecnologia, esse tipo de atividade é chamado
de "enriquecimento de dados".
Ironicamente, apesar de ser um trabalho essencial para o
desenvolvimento da IA, o enriquecimento de dados é o elo
mais pobre da cadeia produtiva das grandes empresas de
tecnologia.
Um fato que foi reconhecido pela organização Partnership on
AI.
"Apesar do papel fundamental que esses profissionais de
enriquecimento de dados desempenham, um crescente corpo
de pesquisa revela as precárias condições de trabalho que
esses trabalhadores enfrentam", disse a organização, a qual a
OpenAI, empresa que criou o ChatGPT, faz parte.
Menos de US$2 a hora
Impacto social
García também destaca que existem várias empresas do setor,
como a sua, que têm impacto social e o objetivo de "aumentar
a produtividade e a dignidade das pessoas".
O lema do DignifAI é "terceirizar a dignidade através da
inteligência artificial".
A empresa está sediada em Cúcuta, na fronteira entre a
Colômbia e a Venezuela, e busca dar trabalho aos migrantes
venezuelanos e a colombianos que migraram internamente.
"Muitos deles, antes de trabalhar conosco, ganhavam US$ 4 ou
US$ 5 por dia. Para essa população vulnerável e sem opções
de mercado de trabalho, ganhar 1,8 vezes o salário mínimo
colombiano é bastante atraente", afirma.
Ingrid, uma venezuelana de 42 anos que chegou à Colômbia
no final de 2018, ratifica isso.
Licenciada em pedagogia, Ingrid, que preferiu não fornecer
seu sobrenome, disse à BBC que atualmente não pode dar
aulas porque ainda não validou seu diploma na Colômbia.
Saúde mental
Além do salário, outra questão sobre as condições de trabalho
dos data taggers é o efeito na saúde mental.
Não é o tédio da tarefa que mais preocupa alguns especialistas
— embora esta seja outra crítica que se faz a este trabalho —
mas o material tóxico ao qual alguns deles estão expostos.
Uma das funções desses trabalhadores é ensinar ao programa
de IA quais informações não são adequadas para publicação
— mergulhando nos cantos mais sombrios da internet e
rotulando os materiais violentos, sinistros e perversos que ali
estiverem, de forma a ordenar que a máquina ignore tudo
isso.
De acordo com Martha Dark, da organização Foxglove, fazer
esse trabalho "pode causar estresse pós-traumático e outros
problemas de saúde mental para muitos trabalhadores".
Por outro lado, vendo que é cada vez mais difícil recrutar
jovens trabalhadores na fábrica, a maioria dos funcionários da
linha de produção está na casa dos 40. Li Mingyang também
aumentou o investimento na automação da produção, usando
máquinas de parafuso automáticas, máquinas automáticas de
embalagem, manipuladores, luminárias automáticas e outros
equipamentos de automação.
Números comerciais
De fato, o fenômeno visto na atual Feira de Cantão confirma o
que podemos ver nos números gerais do comércio da
China. No primeiro trimestre, as exportações da China para a
União Europeia caíram 7,1% em relação ao ano anterior,
enquanto as exportações para os EUA caíram 17%, de acordo
com os números denominados em dólares divulgados pela
Administração Geral das Alfândegas em 13 de abril.
“Por que uma instituiç~o como o Banco dos BRICS não pode
ter uma moeda para financiar as relações comerciais entre o
Brasil e a China, entre o Brasil e todos os outros países do
BRICS?” Lula perguntou. “Quem decidiu que o dólar era a
moeda [comercial] após o fim da paridade do ouro?”
Empurrão em Washington
Mas a maneira real de entrega é fazer com que o líder da
superpotência da América Latina torça o nariz para a
economia do presidente dos EUA, Joe Biden – e em um
momento crucial, quando Washington aperta os parafusos em
Pequim no comércio e no acesso à tecnologia vital.
Declínio imperial
Em terceiro lugar, nas últimas décadas, o império dos EUA
atingiu o pico e começou seu declínio. Assim, segue o padrão
clássico de nascimento, evolução, declínio e morte de todos os
outros impérios (grego, romano, persa e britânico).
O império dos EUA emergiu e substituiu o Império Britânico
no último século e especialmente após a Segunda Guerra
Mundial. Anteriormente, em 1776 e novamente em 1812, o
Império Britânico tentou e falhou militarmente em impedir ou
impedir o desenvolvimento de um capitalismo americano
independente.
RICARDO D WOLFF
Richard D Wolff é professor emérito de economia na University of Massachusetts, Amherst, e professor
visitante no Graduate Program in International Affairs da New School University, em Nova York. Seus três
livros recentes com Democracy at Work são The Sickness Is the System: When Capitalism Fails to Save Us
From Pandemics or Itself, Understanding Marxism, and Understanding Socialism. Mais de Richard D. Wolff