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Dica de leitura– Radar

geográfico2023

Leia nesta edição:


 Editorial
 A frustrada tentativa de Monteiro Lobato em ganhar mercado nos EUA
com livro considerado racista
 Como Monteiro Lobato transformou crítica social usando 'Jeca Tatu' em
sucesso literário
 Dia do Índio dá lugar ao Dia dos Povos Indígenas
 A vida no Parque Indígena do Xingu
 Por que a demarcação de terras é vital para indígenas
 Ileísmo: a antiga técnica que nos ensina a pensar de forma mais sábia
 Os milhares de trabalhadores em países pobres que abastecem
programas de inteligência artificial como o ChatGPT
 Parlamento Europeu adota lei que veta importação de produtos
provenientes do desmatamento
 Mudanças nos principais clientes de eletrodomésticos na Feira de Cantão
 Grandes marcas se globalizando: Oriente Médio e América Latina são foco
de expansão
 Sanções dos EUA afastam compradores ocidentais da Feira de Cantão
 Como o Lula do Brasil acrescentou uma mola ao passo de Xi Jinping
 Macron não tem interesse em 'desvincular' da China
 A nova economia mundial emergente
Editorial
A volatilidade dos mercados mundiais tem sido uma realidade
constante nos últimos anos, e as recentes mudanças climáticas
e a guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia estão
agravando essa situação. As incertezas criadas por esses
eventos estão afetando as bolsas de valores de todo o mundo,
fazendo com que os investidores fiquem nervosos e indecisos.
Os eventos climáticos extremos, como enchentes, incêndios
florestais e furacões, estão causando danos significativos à
infraestrutura e ao meio ambiente em todo o mundo. Essas
catástrofes naturais estão afetando as cadeias de suprimentos,
interrompendo a produção e causando escassez de
commodities e matérias-primas. Esses fatores têm um
impacto significativo no mercado de ações, já que as empresas
dependem de um fluxo constante de recursos para manter
suas operações em funcionamento.
A guerra em curso na Ucrânia também está afetando os
mercados mundiais. A Rússia é uma das maiores produtoras
de petróleo e gás natural do mundo, e qualquer interrupção
nas exportações desses recursos pode ter um impacto
significativo nos preços do petróleo e nas bolsas de valores
em todo o mundo. Além disso, a incerteza política e a
possibilidade de uma escalada militar estão deixando os
investidores nervosos e incertos quanto ao futuro.
A nova estrutura geopolítica que está se formando com a
guerra na Ucrânia pode ter implicações significativas para a
economia global a longo prazo. As relações comerciais e
políticas entre os países podem mudar drasticamente, o que
pode afetar o comércio global e a estabilidade econômica em
todo o mundo facilitando o surgimento de novos atores.
Em conclusão, os eventos climáticos extremos e a guerra na
Ucrânia estão contribuindo para a volatilidade dos mercados
mundiais. Os investidores devem estar atentos a esses fatores
e considerar as implicações a longo prazo desses eventos ao
tomar decisões de investimento. É importante que os
governos e as empresas adotem medidas para mitigar os
efeitos desses eventos e trabalhem juntos para construir uma
economia mais resiliente e estável
A frustrada tentativa de Monteiro
Lobato em ganhar mercado nos EUA
com livro considerado racista

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO / WIKIMEDIA COMMONS


Monteiro Lobato (1882-1948) já tinha vários livros
publicados — entre os quais Cidades Mortas, Urupês e O
Saci e contos que depois seriam incluídos no
famoso Reinações de Narizinho, de 1931 — quando
vislumbrou fazer sucesso no mercado editorial anglófono.
Sonhando se tornar um novo H. G. Wells (1866-1946),
cultuado pelo A Guerra dos Mundos, de 1898, passou cerca
de quatro anos nos Estados Unidos, na segunda metade
da década de 1920.
Na bagagem carregava sua esperança: o romance O Presidente
Negro — originalmente O Choque das Raças ou O Presidente
Negro. Com um enredo fortemente racista, a obra não teve
aceitação entre os editores americanos. De acordo com o
livro Um País se Faz com Tradutores e Traduções: A
Importância da Tradução e da Adaptação na Obra de Monteiro
Lobato, do escritor e tradutor britânico John Milton, Lobato
bateu à porta de pelo menos cinco editoras nos Estados
Unidos — e colecionou nãos.
"Lobato se via como um novo H. G. Wells, mas os temas
centrais (a segregação completa entre brancos e negros, a
tentativa dos brancos de esterilizarem os negros e a influência
da eugenia, sugerindo que os brancos fossem superiores aos
negros) eram sensíveis demais para qualquer editora norte-
americana se arriscar", escreve Milton.
No segundo semestre de 1927, uma carta escrita a ele pelo
editor da agência literária Palmer, de Hollywood,
sacramentou sua frustração, alegando que "o enredo central
se baseia em uma questão particularmente difícil de ser
abordada neste país, porque certamente resultará no tipo
mais amargo de sectarismo". "E, por esse motivo, os editores
são invariavelmente avessos à ideia de apresentá-lo ao
público leitor", prossegue a carta. "Nem mesmo o fato de estar
ambientado 300 anos no futuro mitigaria esse fato na mente
dos leitores negros."
A avaliação do editor ainda alerta a Lobato que "os negros são
cidadãos americanos, parte integrante da vida nacional" e
promover "seu extermínio por meio da sabedoria e habilidade
da raça branca" seria endossar uma "divisão violenta".
O escritor brasileiro não parece ter se convencido a mudar
suas ideias. Em carta enviada ao escritor Godofredo Rangel
(1884-1951), seu amigo e correspondente ao longo de 40
anos, Lobato reclamou que O Presidente Negro não havia sido
aceito porque "acham-no ofensivo à dignidade americana".
"Errei vindo cá tão tarde", escreve. "Devia ter vindo no tempo
em que linchavam os negros."
"Tinha lido há muito tempo [esse livro] e reli, mais
recentemente. Tenho duas considerações, na verdade duas
impressões fortes que me ficaram da obra. Primeiro, do ponto
de vista de uma análise externa, fiquei impressionada com a
certeza, seguida da decepção, de Lobato de que a obra seria
bem recepcionada, um grande sucesso nos Estados Unidos.
Lobato fica perplexo porque seu livro não encontra editor,
não entende por que os americanos o acharam ofensivo",
comenta à BBC News Brasil a historiadora Lucilene Reginaldo,
professora de Estudos Africanos na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
"Do ponto de vista da construção da obra, é surpreendente
como Lobato se instrumentaliza das ideias eugenistas, das
quais ele era um entusiasta confesso. Mas ele tinha plena
clareza que a literatura era uma forma sutil, indireta e
eficiente de promover a eugenia."

CRÉDITO,GLOBOLIVROS/ DIVULGAÇÃO - Legenda da foto - Ilustração de 'A chave


do tamanho', um dos livros mais populares de Lobato
Enredo
O Presidente Negro começa no Brasil dos anos 1920. Ayrton
sofre um acidente e acaba resgatado por um cientista
excêntrico que lhe apresenta sua grande invenção: o
porviroscópio, uma máquina que mostra o futuro.
Assim, os personagens acompanham a vida nos Estados
Unidos de 2228, em plena campanha eleitoral. A sociedade
futurista americana é descrita como uma utopia modelo. Mas,
segundo a história criada por Lobato, esse sucesso era devido
a algumas medidas que haviam sido tomadas: o fim da
imigração, a execução de todos os recém-nascidos com
malformações e a esterilização dos "doentes mentais" —
balaio no qual o autor inclui prostitutas, ladrões, preguiçosos
e desocupados. Outra medida implementada por esse governo
futurista era a intervenção estatal na reprodução. Para poder
ter filhos, o casal precisava se submeter a uma análise oficial
de suas características. A ideia era garantir que apenas os
melhores passassem seus genes adiante.
É nessa sociedade que Lobato insere uma campanha eleitoral
norte-americana. E vence um candidato negro, Jim Roy. Trata-
se do gatilho para que Lobato apresente os negros como "o
único erro inicial contido naquela feliz composição".
O livro aponta que a sorte dos Estados Unidos era que ali,
devido ao ódio racial, ao contrário do Brasil não ocorreu a
miscigenação — que para o autor causaria uma "degeneração"
racial irreversível —, mantendo os negros segregados.
Por outro lado, segundo o livro, os negros teriam uma
propensão maior a se reproduzir. O que fazia com que sua
população aumentasse em um ritmo superior a dos brancos.
Algumas "soluções" são apresentadas para esta questão. Os
negros pedem a divisão do país em dois. Os brancos sugerem
extraditar todos os negros para o Amazonas.
Mas a Suprema Convenção Branca cria um plano, chamado de
"solução final" para o "problema negro". Eles desenvolvem
uma tecnologia para alisar os cabelos dos negros — mas
instalam no aparelho um componente que esteriliza quem
usa.
"É um livro claramente racista na ideia, na proposta, no
desenlace. É um livro que ficou datado, por demais
preconceituoso. Não vejo motivo para ser estudado em
universidades nem escolas, muito diferente do universo
infantil de Monteiro Lobato", afirma à BBC News Brasil a
historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, professora
da Universidade de São Paulo (USP) e coautora do
livro Reinações de Monteiro Lobato, uma biografia do escritor.
"É um livro que serve apenas para teses e dissertações que
analisam o racismo do Brasil. Não é um livro para ser adotado
com alunos."
CRÉDITO,PETE SOUZA - Legenda da foto - Com a eleição de Barack Obama, o livro
O Presidente Negro voltou a ter uma edição no Brasil
Autora do artigo Você Já Pensou no Impacto da Obra de Lobato
na Construção da Estima Negra?, a psicopedagoga Clarissa
Brito, especialista em Educação Infantil, enfatiza à BBC News
Brasil que considera O Presidente Negro a "expressão explícita
de seu posicionamento político, defensor da eugenia e seu
desejo de extermínio do povo negro".
Quando Barack Obama disputava a Presidência dos Estados
Unidos, em 2008, a editora Globo Livros relançou o romance.
À BBC News Brasil o editor Mauro Palermo enfatiza que
Lobato precisa ser lido considerando que ele "escreveu suas
obras entre 1920 e o fim da década de 1940". "Creio que
leitores atuais encontrarão nessas histórias, além do
entretenimento, uma oportunidade rica de entender e discutir
como se comportava a sociedade brasileira há um século e, a
partir daí, refletir sobre o quanto já caminhamos na luta
contra o racismo e o tanto que ainda precisamos nos
desenvolver e aprimorar", diz. "Infelizmente nos entristece
perceber que essa longa caminhada está longe de chegar ao
fim."
"Não me julgo competente para opinar, de formar mais
circunstanciada, sobre a tipificação do crime de racismo na
produção artística em geral e literária em particular. É
evidente que minha postura de cidadã diante de um texto ou
autor contemporâneo que propaga ideias racistas, xenófobas,
homofóbicas, machistas é de firme repúdio, denúncia e
execração", avalia Reginaldo. "Creio que é diferente tratar de
textos e autores contemporâneos e de textos e autores do
passado, embora para mim o racismo seja execrável, um
cancro maligno, no século 19, no século 20 e nos dias atuais."
Ela ressalta, contudo, que como historiadora, lê obras que
formularam e propagaram ideias racistas. "São fontes de
pesquisa. Por exemplo, como dever de ofício e também por
interesse, li mais de uma vez o livro Africanos do Brasil, de
Raimundo Nina Rodrigues. Este e outros livros deste autor
são fundamentais para a compreensão do ideário racista que
está na base do pensamento social brasileiro do século XIX e
início do XX. Mas a obra de Rodrigues informa muito mais, por
exemplo, para os estudiosos das religiões afro-brasileiras e
dos africanos no Brasil. Um olhar crítico sobre estas
produções me permite analisar texto e contexto;
singularidades, diálogos intelectuais, sub-textos. Poderia dizer
o mesmo sobre clássicos da literatura ocidental e brasileira. Aí
também se inscreve parte da polêmica e resistência sobre o
reconhecimento do racismo na obra de Monteiro Lobato.
Querem lhe preservar uma aura insustentável e, quero crer,
desnecessária."
Até janeiro do ano passado, quando Monteiro Lobato entrou
em domínio público, a Globo detinha a exclusividade da
publicação de suas obras — de acordo com Palermo, foram 7
milhões de livros vendidos, considerando todo o catálogo do
escritor, nos últimos 12 anos. As insinuações preconceituosas
de Lobato não se restringem ao romance O Presidente Negro.
Estão presente em toda a sua obra, inclusive nos clássicos
infantis que compõem a coleção Sítio do Pica-pau Amarelo.

Obras infantis
"Metaforicamente, podemos dizer que Narizinho e Pedrinho
tinham duas avós. A de sangue, que incessantemente buscava
repassar seu conhecimento formal para seus netos. E a tia
Nastácia que era a responsável pelos ensinamentos advindos
de sua experiência de vida. As duas avós eram igualmente
importantes na criação e na formação de seus 'netos'. As
referências à tia Nastácia na obra refletem o pensamento da
época e isso nos choca tremendamente hoje", analisa Palermo,
sobre o universo infantil de Lobato.
A Companhia das Letras, outra editora que tem publicado
obras de Lobato, afirma à reportagem que opta por notas de
rodapé para que os mediadores da leitura — sejam eles
professores, sejam eles pais — contextualizem a questão às
crianças. "Ficou estabelecido que todos os livros viriam com
notas que pudessem contribuir às discussões das questões
problemáticas da obra dele", afirma a assessoria de
comunicação da editora.
Sobre O Presidente Negro, a editora afirma que a polêmica
obra "não está e não estará em catálogo".
O racismo na obra infantil de Monteiro Lobato chegou até o
Supremo Tribunal Federal. A história começou em 2010,
quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou
que o livro Caçadas de Pedrinho não fosse mais
disponibilizado às escolas do sistema público, por conta do
conteúdo racista. "Tia Nastácia, esquecida dos seus
numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de
carvão" e "Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que
tem carne preta" foram trechos utilizados para justificar a
medida.
Diante de recurso do Ministério da Educação, o caso chegou
ao Supremo. Os debates foram encerrados apenas no mês
passado.
"Tratava-se de mandado de segurança do STF com o qual se
pretendia obter indiretamente a anulação de pareceres do
Conselho Nacional de Educação. Referidos pareceres trataram
da aquisição de obras literárias pelo Ministério da Educação
destinados ao Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Alegavam os impetrantes que o Ministério da Educação, ao
autorizar a aquisição de livros que contenham expressões
reforçadores de estereótipos raciais, viola frontalmente as
normas gerais da Administração Pública e a legislação
internacional sobre o racismo", contextualiza à BBC News
Brasil o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito.
"A tentativa de proibir os livros de Lobato parece estar
baseada na ideia de que a ficção literária não poderia, sob
pena de praticar crime, tratar do racismo sem fazer sua crítica
explícita. É uma visão que reclama que toda literatura, para
ser lícita, seja militante. A visão é compreensível em função de
nosso grave problema, não superado, com o racismo. Mas não
há fundamento jurídico para a proibição de livros em casos
assim, o que seria incompatível com a liberdade, um valor
fundamental, cuja prevalência justifica uma orientação muito
restritiva quanto ao poder de o Estado intervir no mundo das
palavras", afirma Sundfeld.
"Para que se proíba a circulação de um livro não basta que ele
incorpore, nos personagens, nas situações, nas frases ou nas
palavras, algum tipo de elemento que, sem condená-lo, remeta
ao racismo. É preciso que se trate de um caso extremo, difícil,
aliás, de ocorrer em obras apenas literárias, de apologia e
incitação inequívoca e grave ao racismo."
CRÉDITO,GLOBOLIVROS/ DIVULGAÇÃO -Legenda da foto -
"As referências à tia Nastácia em 'Reinações de Narizinho' refletem o pensamento
da época e isso nos choca tremendamente hoje", analisa o editor Mauro Palermo
O assunto foi encerrado no Supremo em 22 de maio, mas sem
julgar o mérito. "O STF entendeu que não lhe cabia analisar o
assunto, pois o que se estava impugnando era o ato de
homologação, pelo Ministro da Educação, desses pareceres.
Mas o STF não tem competência originária para julgar
mandados de segurança contra atos de ministros de Estado",
explica o jurista.
Especialistas e educadores acreditam que a obra infantil de
Lobato deve ser lida e debatida em escolas. "Não se trata de
retirar suas obras do mercado. Muito melhor do que isso é
que a obra venha acompanhada por notas que problematizem
a questão do racismo", defende Schwarcz. "Sempre acho que
em história precisamos problematizar esses termos para que
eles não passem 'em branco', com muitas aspas. É preciso
fazer com que fique evidente o racismo presente nessa obra,
isso é fazer muito mais do que censurar o autor."
Ela defende a necessidade de, no ambiente escolar, formar e
informar os professores, para que eles saibam como tratar
livros assim. "Que o professor alerte o aluno a todo momento
em que houver personagens ou situações ou contextos
racistas. Chamar a atenção, perguntar por que a Tia Nastácia
tinha apenas saberes localizados enquanto os personagens
brancos conheciam história, ciência, civilização. Por que
personagens negros foram descritos a partir de seus beiços
alargados e sua cor, enquanto os brancos, não, como se
brancura fosse uma não cor. Minha atitude como professora
nunca é de censura, e sim de interpelar essas narrativas com
outras questões, que são as questões do nosso momento",
afirma.
"Os livros de Lobato devem estar em catálogo, com notas de
rodapé", prossegue. "E essas notas precisam servir de gatilho
para que a classe discuta a questão do racismo no Brasil. Isso
é fundamental em um país que vive um racismo estrutural e
institucional."
"Sou favorável às edições críticas", complementa Reginaldo.
"Parece que há algumas iniciativas nesse sentido neste
momento, o que mostra a importância e ressonância do
debate iniciado em 2010. Há tempos, circula uma nota crítica
nas Caçadas de Pedrinho sobre a proibição da caça das onças.
Num artigo publicado em 2010, Ana Maria Gonçalves chama a
atenção para a a mea culpa de Lobato reconhecendo seu
preconceito contra os camponeses representados pelo
personagem Jeca Tatu, que foi incorporado na quarta edição
de Urupês. Mas como já confessei em outra ocasião, ao
ler Caçadas de Pedrinho e outros para meu filho com então 6
anos, me vi na obrigação de mãe de protegê-lo. Editei e omiti
termos que me soavam impronunciáveis. Mas sei que isso
também foi praxe nas versões televisivas do Sítio do Picapau
Amarelo."
Importância de Lobato para crianças
"Não tenho nenhuma ressalva — na verdade acho
fundamental — que se publique a obra de Lobato na íntegra.
Lobato deve ser lido", comenta Reginaldo.
"Como historiadora, vejo aí uma fonte preciosa para os
estudiosos e para reflexão crítica sobre o Brasil. Com outras
preocupações e recursos analíticos, em razão do seu valor
literário — que aliás, aqui não se discute, também é fonte para
os estudiosos da literatura e de outras áreas. No ambiente
escolar, especialmente para jovens e adolescentes,
acompanhado de boas edições críticas, pode ser lido. Mas nas
mãos do público infantil, no qual a literatura é sobretudo
expressão do lúdico, mas que ao mesmo tempo introjeta
valores, creio que não se pode ignorar o debate que vem
sendo feito desde 2010, pelo menos. Ouvi muita gente dizendo
que leu Lobato na infância e não se tornou racista. Mas acho
que, por meio de processos indiretos sem ódio, sem
truculência, podem ter aprendido a naturalizar as hierarquias
raciais, se colocarem como personagens centrais e
protagonistas da história, tornado-se, por conseguinte,
insensíveis às dores e humilhações alheias. Defender
ardorosamente a aura de Lobato é um lugar de privilégio!"
CRÉDITO, DIVULGAÇÃO/ TV GLOBO - Legenda da foto -Série do Sítio do Picapau
Amarelo, remake feito pela TV Globo dos anos 2001 a 2007
Para a especialista em Educação Infantil Clarissa Brito, é
preciso atentar para o fato de que expressões da obra de
Lobato — como "negra cor de lodo", "carne preta" ou próprio
uso do termo "negra" no vocativo — sejam compreendidas
como ferramenta de reprodução do racismo. Ela defende que
as obras do autor sejam utilizadas em escolas, mas não na
Educação Infantil, tampouco nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. É para alunos mais maduros, opina.
"Monteiro Lobato pode atravessar salas de aula no momento
em que são estudadas as marcas da opressão colonial e os
recursos políticos, sociais e econômicos para a perpetuação da
segregação racial", defende ela.
"Acredito que as crianças não precisam entrar em diálogo com
uma obra que por anos vem estigmatizando figuras negras,
reproduzindo um imaginário social que agride a estima de
tantos homens e mulheres negras", completa. "Vejo a
iniciativa de comentário e notas, como uma questão forte que
assola nossa sociedade, que são os recursos que tratam de
minimizar o racismo e buscar caminhos de não legitimar o
crime de injúria racial."
Editor da Globo Livros, Palermo acredita que livros de Lobato,
sejam os infantis, seja o polêmico O Presidente Negro, "podem
ser usados como subsídio à discussão do racismo em escolas".
"Proibir me parece a negação da existência", comenta ele.
"Entender o passado é o melhor atalho para mudarmos o
presente e melhorarmos o futuro."

Como Monteiro Lobato transformou


crítica social usando 'Jeca Tatu' em
sucesso literário

CRÉDITO, DOMÍNIO PÚBLICO / WIKIMEDIA COMMONS - Legenda da foto - 'Jeca' é


hoje um termo pejorativo, mas o personagem criado por Monteiro Lobato tinha o
objetivo de criticar políticas de governo
Conhecido por sua fina ironia, o escritor Monteiro Lobato
costumava brincar ao dizer que seus livros não passavam
de "umas tantas lorotas que se vendem". Agora, uma das
principais "lorotas" de Lobato completa um século de
vida: o livro de contos Urupês, editado em 1918, tornou
famoso o personagem Jeca Tatu.
Símbolo de um país agrário, pobre, injusto e atrasado, o Jeca,
que virou sinônimo do caipira ingênuo brasileiro, chega ao
centenário tão atual como na época em que foi lançado,
segundo os especialistas na obra de Lobato.
"Urupês pode ser um bom começo para entender o contexto
histórico que levou ao Brasil de hoje. A perspectiva política
em que Lobato representa o Brasil das primeiras décadas do
século 20, mais criticando do que aplaudindo medidas
governamentais, é extremamente atual", afirma Marisa Lajolo,
professora da Universidade Mackenzie e organizadora do
livro Monteiro Lobato, Livro a Livro (Editora Unesp, 2014),
que reúne artigos que analisam a obra adulta do criador
do Sítio do Picapau Amarelo.
As raízes de Jeca Tatu estão em dois artigos escritos por
Monteiro Lobato para o jornal O Estado de S.Paulo, em 1914.
Neles, o autor condenava as queimadas praticadas por
caboclos nativos no Vale do Paraíba, interior de São Paulo,
onde o escritor tocava a Fazenda Buquira, herdada do avô, o
Visconde de Tremembé.
Urupês é focado no personagem principal, o Jeca. O nome da
obra é inspirado no urupê - um tipo de cogumelo parasitário
que destrói a madeira -, e o Jeca Tatu é descrito como um
caipira indolente, desleixado, sempre de cócoras e pés
descalços, nenhuma educação, cultura, ambição ou mesmo
disposição para melhorar de vida. Vive do que a natureza
derrama aos seus pés e flerta o tempo todo com a preguiça, a
cachaça e as crendices populares.
CRÉDITO, DIVULGAÇÃO - Legenda da foto - O 'urupê' era um tipo de cogumelo que
danificava a madeira. Na imagem, a capa original do livro de 1918
Jeca Tatu é o homem do campo real, que leva uma vida
miserável nos rincões brasileiros e é praticamente ignorado
pelos governantes. É lembrado pelos políticos apenas no
momento do voto nas eleições. "O fato mais importante da sua
vida é votar no governo. (...) Vota. Não sabe em quem, mas
vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol
de gatafunhos e que chama 'sua graça''', diz Lobato, em um
dos trechos do livro.
"Pobre Jeca tatu! Como és bonito no romance e feio na
realidade", completou Lobato, distanciando-se da figura
romantizada que havia do interior do país e os seus
moradores, muito cultuada nas rodas literárias nas primeiras
décadas do século 20. Nessa época, era comum escritores e
estudiosos cultuarem uma vida caipira sem problemas,
marcada pelo contato com a natureza e distante do cotidiano
real vivido na zona rural.
"Lobato lança um olhar crítico e ácido sobre a realidade
brasileira, algo incomum entre os escritores da sua época. É
muito importante celebrar o centenário dessa obra
demolidora, que questiona valores e não deixa pedra sobre
pedra no panorama da literatura do século 20", afirma a
jornalista Marcia Camargos, biógrafa de Lobato e coautora
de Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia (Edições Senac).
A redenção do personagem pelo seu criador viria pouco
depois em outro livro, a coletânea Problema Vital, também de
1918, onde Lobato reúne uma série de artigos escritos para a
imprensa e afirma categórico: "O Jeca não é assim; está
assim", deixando claro que o estado lastimável em que se
encontrava o caipira era culpa do descaso das autoridades
públicas.

CRÉDITO, ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL / REPRODUÇÃO - Legenda da foto -


'O Brasil é a terra onde o certo dá errado, e o errado dá certo', diz Monteiro Lobato
ao escritor Lima Barreto numa carta de 1918, ano da edição de 'Urupês'.
"Há no Jeca uma mudança contínua, que evolui de acordo com
a conscientização de Lobato a respeito das péssimas
condições de vida do povo. Jeca é um símbolo, ele encarna o
trabalhador brasileiro, sempre no lado mais frágil na luta de
classes", explica Marcia Camargos, que possui pós-doutorado
em História pela USP.
Outros personagens criados por Lobato posteriormente, como
o Zé Brasil, em 1947, reforçam essa tese. "Em toda a obra
adulta dele percebemos um crítica muito forte à política
brasileira. Estamos em um momento político que torna muito
oportuna a releitura de Urupês", completa a professora do
Mackenzie, referindo-se às eleições de outubro.
Ao editar e imprimir Urupês por conta própria na Revista do
Brasil, que comprou com o dinheiro da venda da Fazenda
Buquira e transformou em uma grande editora nacional,
Lobato também praticamente inaugurou o mercado editorial
no Brasil. Até então, grande parte dos livros era impressa na
Europa.

Um 'best-seller' internacional
Desde o seu lançamento, Urupês foi um sucesso estrondoso:
mais de 30 mil exemplares vendidos em sucessivas edições
até 1925, sendo também traduzido para o espanhol e inglês.
Em 1919, Jeca Tatu foi citado em discurso de Rui Barbosa
durante sua campanha presidencial. "Por tudo isso, podemos
perceber a força e a vitalidade desse livro, que veio remexer
as águas mornas do então mercado editorial nacional", diz
Marcia Camargos.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL - Legenda da foto - O livro não foi apenas um sucesso
literário, mas também um sucesso de público, diz a especialista Marcia Camargos
"Além da novidade de cenário e de personagens, os contos
de Urupês são narrados em uma linguagem coloquial e cheia
de lances de oralidade. É como se o leitor 'ouvisse' alguém
contando histórias", explica Marisa Lajolo, sobre o sucesso da
obra nos anos seguintes ao seu lançamento.
Até morrer, em 1948, Lobato abraçou diversas causas
nacionalistas, como a campanha do petróleo, e lançou
diversos livros adultos e infantis. Sua obra mais conhecida do
público juvenil é Narizinho Arrebitado, lançado em 1921 pela
Monteiro Lobato & Cia Editora e que deu início à turma
do Sítio do Picapau Amarelo. Lobato tornou-se um dos
escritores mais consagrados da história da literatura infantil e
juvenil brasileira.
Atualmente, Urupês é editado pela Editora Globo, que prepara
uma edição especial para ser lançada até o fim do ano. No ano
que vem, toda a obra do escritor cai em domínio público e
deve ser relançada por outras grandes editoras.
Uma nova biografia juvenil de Lobato também está sendo
preparada por Marisa Lajolo junto com a historiadora Lilia
Schwarcz. A previsão é que obra seja lançada em 2019 pela
Companhia das Letras. "Será um livro bastante divertido, pois
será como se ele contasse a vida dele. Apresentaremos Lobato
como uma grande figura, e não como um nerd", adianta
Marisa.
Ela revela aspectos curiosos e poucos conhecidos do escritor
de Taubaté que estarão no novo livro, como o fato dele nunca
ter sido bom aluno e adorar sentar junto com a "turma do
fundão" nas aulas do colégio. Isso não o impediu de tornar-se
um intelectual respeitado, autor ídolo das crianças, precursor
da indústria editorial nacional e autor da célebre frase: "Um
país se faz com homens e livros".

SOCIEDADEBRASIL
Dia do Índio dá lugar ao Dia dos
Povos Indígenas
Edison Veiga
Pela primeira vez, Brasil celebra Dia dos Povos Indígenas,
atualizando nomenclatura dos anos 1940. Para escritor
Daniel Munduruku, "índio é palavra vazia; indígena é
palavra cheia de significado".
O Brasil dedica o 19 de abril aos povos originários desde os
anos 1940 — a data foi criada por decreto em 1943. Mas se
antes era Dia do Índio, a partir deste ano o nome foi
atualizado para Dia dos Povos Indígenas.
O projeto de alteração na nomenclatura oficial da data havia
sido apresentado em 2019 pela então deputada federal Joenia
Wapichana, hoje presidente da Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai) — antes chamada de Fundação Nacional do
Índio.
Depois de aprovado no Senado, acabou vetado integralmente
pelo então presidente Jair Bolsonaro. Em sessão conjunta no
Congresso Nacional, os parlamentares derrubaram o veto
presidencial e a lei finalmente entrou em vigor.
Tanto estudiosos do assunto como representantes de povos
originários consideram a mudança positiva, pois o termo
"índio" historicamente acabou assumindo um papel
pejorativo. "A palavra 'índio' acabou perpassando a história e
foi colocada na escola como uma data a ser comemorada com
um viés ideológico, como que para convencer as pessoas que
n~o existiam mais os tais ‘índios', que estavam extintos ou
próximos da extinção. Era uma política de Estado e nas
escolas se passava a figura do índio como alguém ligado ao
passado ancestral do Brasil", comenta o escritor e ativista
Daniel Munduruku.
"O correto é sempre chamar o indígena pelo nome. Eu sou
Munduruku, mas sou indígena de origem. Índio é uma palavra
vazia de significado, indígena é uma palavra cheia de
significado. Índio não significa nada, indígena significa
originário", acrescenta ele.
História
A data foi instituída na América Latina porque entre 14 e 24
de abril de 1940 ocorreu no México o Congresso Indigenista
Interamericano. Os representantes de povos indígenas
inicialmente decidiram boicotar o evento, temendo ficarem
sem participação ativa. No dia 19, contudo, compareceram e
passaram a integrar as discussões.
"Ali começaram os esforços para a celebrar a cultura e a
história dos povos indígenas", afirma o pedagogo Alberto
Terena, ex-coordenador da Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (Apib).
Participaram do congresso 55 delegações oficiais. O
representante brasileiro foi o médico, antropólogo e etnólogo
Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) — ele não era indígena,
mas estudava povos originários na região amazônica. O
evento mexicano acabou definindo medidas em defesa de
indígenas e o estabelecimento do "Dia do Aborígene
Americano em 19 de abril". O Brasil foi um dos países que não
aderiram inicialmente às deliberações do congresso — e a
data acabaria criada por aqui apenas três mais tarde.
Outro fruto importante do evento foi a criação do Instituto
Indigenista Interamericano, uma entidade que depois se
tornaria órgão ligada à Organização dos Estados Americanos
(OEA).
"O indigenismo [desde então] vem contribuindo muito para o
fortalecimento do direito e da cultura indígena, mas muitas
vezes cai no contraditório, porque falar ‘índio' é falar apenas
uma categoria, e hoje somos mais de 300 povos no Brasil,
mais de 200 línguas diferentes. E com diversas culturas", diz
Terena.
De acordo com o último censo, de 2010, o Brasil tem 897 mil indígenas, de 305
etnias.Foto: imago images/ZUMA Press/S. Jianxin
"Os colonizadores colocaram o nome de 'índio' nessas
populações e virou uma alcunha, um apelido para todas as
pessoas que pertenciam a povos de origem", diz Munduruku.
"Não se falava em diversidade, mas sim em uma unidade. E
essa palavra unificada todas essas culturas, na figura do
'índio', desse 'índio' genérico."
No Brasil, o termo "índio" para designar os povos originários
começou a ser questionado a partir dos anos 1970, com o
surgimento de forma mais sistemática de um ativismo
indígena. Para o historiador André Figueiredo Rodrigues,
professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o
principal ponto é que a denominação, embora "usada até
hoje", causa "uma impressão errada dos povos originários,
como se uma única palavra designasse um único povo, com
uma só cultura e até com o mesmo tipo físico".
"O nome 'índio esconde centenas de nações independentes,
que falavam ou ainda falam línguas diferentes, muitas delas
não-intercomunicantes entre si”, ressalta ele, lembrando que
estimativas demográficas indicam que quando os portugueses
chegaram ao Brasil, em 1500, havia pelo menos 3 milhões de
nativos, distribuídos entre mais de 1 mil etnias distintas — de
acordo com o último censo, de 2010, hoje são 897 mil
indígenas, de 305 etnias.
O professor Rodrigues enfatiza que o termo "indígena", por
significar "originário" ou "uma pessoa que é nativa de um
local específico", define com "mais exatidão os povos que
habitam o nosso país desde antes da chegada do europeu em
terras americanas". "O termo 'índio', hoje, evidencia uma
carga de preconceito e discriminação", afirma.

Aquilo que os une


Embora o termo "povos indígenas" pareça ser o mais
consagrado hoje em dia, ainda é possível dar um passo além.
"'‘Indígena' tem sido usado h| bastante tempo, mas considera-
se mais correto dizer povos originários devido ao fato de que
formam no seu conjunto a origem deste país continental",
salienta o escritor e ambientalista Kaká Werá.
Werá ressalta que dentro da diversidade de todos os povos
originários, é possível determinar elementos em comum que
formam, segundo ele, "uma base de princípios e visão de
mundo”. "Destaco três princípios: a Terra é viva e somos
filhos da Terra; a nossa ancestralidade inclui o
reconhecimento de que as comunidades dos animais, das
plantas e dos minerais também fazem parte de nossa matriz
de origem; e cuidar da natureza é cuidar do futuro", explica
ele.

A vida no Parque Indígena do Xingu


Criado em 1961 por decreto presidencial, ele está
localizado no norte de Mato Grosso e, atualmente, é casa
de 16 etnias. A principal via de ligação entre as aldeias é o
rio Xingu.
Foto: DW/N. Pontes

Convívio com o rio Xingu


O Parque Indígena do Xingu foi a primeira área demarcada no
país. Com cerca de 27 mil quilômetros quadrados, atualmente
é casa de 16 etnias: aweti, ikpeng, kaiabi, kalapalo, kamaiurá,
kĩsêdjê, kuikuro, matipu, mehinako, nahuku|, naruvotu,
wauja, tapayuna, trumai, yudja, yawalapiti. O rio Xingu, onde
os indígenas pescam, tomam banho e lavam roupas, é a
principal via de ligação entre as aldeias.
Foto: DW/N. Pontes
Terra demarcada
Criado em 1961 por decreto presidencial como Parque
Nacional do Xingu, a área incide sobre 10 municípios do norte
de Mato Grosso. Embora os principais idealizadores tenham
sido os irmãos Villas Bôas, o projeto foi escrito pelo
antropólogo Darcy Ribeiro. As primeiras expedições datam de
meados de 1880, comandadas pelo etnólogo alemão Karl von
den Steinen. Hoje é chamado de Parque Indígena do Xingu.
Foto: DW/N. Pontes

Esforço logístico na floresta


O acesso a maior parte das aldeias do Xingu é feito por meio
de barco. Existem poucas estradas que levam à área. Uma
delas sai da cidade de Canarana (MT) e vai até a aldeia
Kalapalo, num percurso de 250 km de estrada de terra. Para
os indígenas, o transporte é difícil e caro: para cada viagem de
barco é preciso calcular a quantidade de combustível
necessária, que é trazido em galões da cidade.
Foto: DW/N. Pontes

Diaurum: o início do Parque


Os pés de manga foram plantados por Claudio Villas Bôas
quando a aldeia Diauarum começou a ser formada (foto). Ela
foi o segundo ponto de apoio com serviços do governo, como
escola. Susana Grillo, a primeira professora a dar aula para
crianças no território, entre 1975 e 1978, disse à DW Brasil
que, na década de 1990, a aldeia foi o primeiro centro de
formação de professores indígenas.
Foto: DW/N. Pontes
Cultura forte do povo kaiabi
Os kaiabi que fundaram a aldeia Ilha Grande, médio Xingu,
foram trazidos da região do rio Teles Pires, onde sofriam com
a invasão de empresas seringalistas. Atualmente, 250 pessoas
moram na aldeia, que conta com posto de saúde e escola até o
quarto ano fundamental. Na foto, cacique Sinharo se prepara
para uma apresentação cultural com mulheres kaiabi.
Foto: DW/N. Pontes

Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para
subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata,
vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho,
banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito
usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns
alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
Foto: DW/N. Pontes

Cacica Mapulu Kamayurá


Cacica Mapulu Kamayurá é uma das lideranças femininas
mais antigas no Xingu. Detentora de conhecimentos
ancestrais, ela recorre à medicina tradicional indígena para
cuidar dos moradores. Na foto, ela conta a outras mulheres as
suas principais preocupações: ameaça da perda de terra e
desmatamento. Ela ganhou, em 2018, o Prêmio de Direitos
Humanos, do ministério que hoje é gerido por Damares Alves.
Foto: DW/N. Pontes
Floresta preservada às margens do Xingu
O Parque do Xingu é marcado por grande biodiversidade e fica
numa região de transição ecológica, com cerrados, campos,
florestas de várzea, florestas de terra firme e florestas em
Terras Pretas Arqueológicas. Entre duas usinas hidrelétricas,
Paranatinga 2 e Belo Monte, os indígenas dizem sofrer com a
queda do número de peixes. O tucunaré, um dos mais
consumidos, está mais difícil de ser fisgado.
Foto: DW/N. Pontes

Fundo Amazônia no Xingu


Diversos projetos de desenvolvimento sustentável e
preservação da floresta têm o apoiao de recursos do Fundo
Amazônia no parque. Um deles é a Rede de Sementes do
Xingu, que oferece sementes nativas para plantios de
restauração, unindo comunidades indígenas, pesquisadores,
organizações governamentais e não governamentais,
prefeituras, movimentos sociais, agricultores familiares e
produtores rurais.
Foto: DW/N. Pontes

Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos
dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja
do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades
foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos
últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo
descontrolado estão entre os principais impactos relatados
pelos indígenas com essa mudança na paisagem.
Foto: DW/N. Pontes
DIREITOS HUMANOSBRASIL
Por que a demarcação de terras é
vital para indígenas
Nádia Pontes
Prevista na Constituição e paralisada sob Bolsonaro,
demarcação de territórios indígenas deverá ser retomada
no governo Lula. Segundo a Funai, mais de 200 terras
ainda não foram reconhecidas.
https://p.dw.com/p/4N3LJ

Primeira mulher indígena a ocupar o posto, Joenia


Wapichana assumiu a presidência da Fundação Nacional dos
Povos Indígenas (Funai) no dia 03 de fevereiro com a missão
de reativar o órgão.
Com experiência como advogada e deputada federal, ela
trabalha num plano de ação para atuar após o desmonte da
Funai e a paralisação das demarcações de terras indígenas
durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Com
pouco dinheiro em caixa, o desafio de destravar os processos
será grande.
"A Funai está se reerguendo, reativando seu compromisso",
diz Joenia à DW. Com orçamento anual precário e servidores
se sentindo desvalorizados, a busca por recursos adicionais
será urgente, adiciona.
Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz estar
ciente do cenário. "Esperamos que o governo busque
mecanismos para garantir apoio institucional à Funai, para
que tenhamos garantia de demarcação, fiscalização e
promoção dos direitos", afirma.
Além da prioridade de seguir com a delimitação dos
territórios, é preciso enfrentar a atual crise humanitária na
Terra Indígena (TI) Yanomami. "É necessário uma atuação
urgente", destaca Joenia.

"Somos a terra"
Segundo relatório entregue pelo grupo que atuou na transição
antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
processos relativos a 13 novas TIs poderiam ser finalizados
imediatamente com a homologação, que é o registrado
fundiário da área como propriedade da União com usufruto
exclusivo dos indígenas.
Dados da Funai apontam a existência de pelo menos 680
territórios indígenas no país. A maior parte delas, 443 áreas
(65%), está regularizada, e as demais 237 ainda estão sob
análise.
Dinamam Tuxá diz que não há separação entre indígena e a
terra. "Índio é a própria terra. Para os povos indígenas, sem
território demarcado, não há como haver a reprodução
sociocultural, reprodução física. Quando brigamos,
reivindicamos esse direito para garantia da nossa própria
sobrevivência, da existência da diversidade de povos, de
línguas, de crenças e tradições", explica.
Para os yanomami, por exemplo, a terra é um ser que respira,
que tem coração, algo que se confunde com o seu próprio ser.
Essa cosmovisão está detalhada no livro A queda do
céu, assinado pelo xamã Davi Kopenawa e o antropólogo
francês Bruce Albert.
"É a terra que dá sustento ao modo de vida dos indígenas.
Quando vivem segregados, continuam indígenas, mas vão
perdendo seus atributos, aspectos culturais. A gente [não
indígenas] tem uma relação de produção com a terra, eles têm
uma relação de vida. Não é material, é espiritual", comenta a
antropóloga Maria Melo, com vasta experiência em processos
de demarcação como servidora da Funai.
Estimada em 3 milhões de indivíduos quando os portugueses
chegaram no Brasil, em 1500, a população indígena era, em
2010, data da última publicação do Censo pelo IBGE, de cerca
de 818 mil pessoas, o que representava 0,4% da população
total. À época também foram contabilizadas 305 diferentes
etnias e 274 línguas indígenas.
Dentre as cinco regiões brasileiras, a Norte é a que abriga
mais indígenas (306 mil), seguida por Nordeste (207 mil),
Centro-Oeste (130 mil), Sudeste (98 mil) e Sul (75 mil).

O que diz a lei


Paralisado durante a administração Bolsonaro, que nomeou
militares para tomarem conta da Funai, o reconhecimento e
delimitação dos territórios habitados pelos indígenas é uma
garantia prevista na Constituição Federal de 1988. O texto,
promulgado depois de mais de duas décadas de ditadura
militar, dedica um capítulo todo (VII) aos indígenas, vítimas
de violência desde a colonização.
O artigo 231 reconhece a organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições desses povos e garante a eles o
direito originário – ou seja, antes mesmo da criação do
próprio Estado brasileiro – sobre as terras que ocupam
tradicionalmente. A lei afirma ainda que é dever da União
demarcar esses territórios, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens.
No campo legal, o passo a passo para identificação e
demarcação física da terra, assim como o devido registro
fundiário, é detalhado no Decreto no 1.775, de 1996. Todo o
processo, composto por nove fases, depende da iniciativa da
Funai.
Da identificação do território, etapa inicial, até o registro das
terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, última
fase, há um longo e complexo trabalho. As informações
sistematizadas que justificam os limites da terra solicitada
vêm de diversas áreas do conhecimento, como arqueologia,
história, economia, agronomia, antropologia, cartografia e
meio ambiente.
"Nossa missão é, junto à população indigena, perceber qual a
necessidade da terra que eles precisam para manter a vida,
quais são os pontos fundamentais para manter a cultura, os
costumes. É como desvendar a máscara social de uma cultura
completamente diferente, colocar isso em mapa, reunir todas
as múltiplas visões que eles têm e passar tudo isso de forma
cartesiana para que seja aceita por essa sociedade", resume
Maria Melo.

Obstáculos à demarcação
Os processos de demarcação, no entanto, costumam
enfrentar muitos percalços. Alguns levam décadas para ser
concluídos, como ocorreu com a TI Raposa Serra do Sol, em
Roraima. Iniciada em 1977, a demarcação foi homologada
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro
mandato, em 2005. Arrozeiros, garimpeiros e outros grupos
não indígenas resistiram à desintrusão, o indígena macuxi
Aldo da Silva Mota foi assassinado, e houve uma série de
atentados.
A história da TI Yanomami, no centro da atual crise
humanitária, não foi muito diferente. Maior terra indígena do
país, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela,
enfrentou resistência de militares e parte da sociedade civil
de Roraima, interessada em explorar ouro e cassiterita.
Em 1992, o então presidente Fernando Collor de Mello,
assinou o decreto a favor dos indígenas e teve início a retirada
dos garimpeiros. "Colocamos para fora de 40 mil a 42 mil
invasores. Foi a Funai que pagou as horas de trabalho das
aeronaves", relembra Sydney Possuelo, que presidia a
fundação à época, em entrevista à DW.
"Os dois pelotões do Exército que estão lá poderiam ter feito o
mesmo agora. Mas nada fizeram, e o garimpo provoca essa
crise que estamos vendo hoje", critica.

"Sem demarcação, yanomami não


estariam mais aqui"
O indigenista destaca o impacto da demarcação, em especial
para os yanomami. "Acho que eles não estariam mais aqui
hoje se a terra não tivesse sido demarcada. Eles não existiriam
mais, com grande certeza – não como uma grande
comunidade. Antes da demarcação, eram cerca de 10 mil a 12
mil. Hoje, são 30 mil", pontua.
O número de mortes de crianças e idosos vítimas de
desnutrição e doenças como malária nos últimos quatro anos
não é uma coincidência, diz Possuelo. "O que vemos hoje é o
resultado dos últimos quatro anos, quando começou a
indiferença do governo e a retirada de pessoas que
trabalhavam em prol dos indígenas. O desmonte teve essa
consequência. É o resultado da política anti-indigena de
Bolsonaro."
Ao menos 570 crianças yanomami morreram
de desnutrição nos últimos quatro anos, segundo a ministra
dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, com base num
levantamento do Ministério da Saúde.

Mais do que reparação histórica


Mesmo com a sinalização do governo Lula de priorizar a
política indígena, Dinamam Tuxá diz esperar dias difíceis pela
frente. "Bolsonaro saiu do poder, mas a ideologia bolsonarista
se perpetua. Não só na força política, partidária, dentro do
Congresso, mas dentro de muitas instituições. Há bancadas
que vão contra a demarcação, como do agronegócio,
mineração e extração de madeira. Grandes corporações
financiam essas bancadas", afirma.
É por isso, segundo ele, que invasões, grilagem e violência
contra os povos indígenas devem continuar ocorrendo nos
próximos anos. "O governo e as instituições precisam de um
plano forte para combater esses crimes", diz.
Demarcar os territórios, defende Dinamam, vai além de
reparar um direito constitucional. "A ciência mostra que
as terras mais bem preservadas são indígenas. Demarcar é
mitigar efeitos das mudanças climáticas, é garantir a
proteção da biodiversidade, é fazer um bem a toda a
humanidade que vive neste planeta", argumenta.

Ileísmo: a antiga técnica que nos


ensina a pensar de forma mais sábia

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Falar de si na terceira pessoa é por


vezes motivo de chacota na sociedade moderna, mas também pode trazer benefícios
cognitivos
David Robson da BBC Worklife

Como alguém que escreve sobre psicologia, já me deparei com


centenas de estratégias baseadas em evidências para pensar
melhor. Poucas se mostraram tão úteis para mim quanto o
ileísmo.
De forma simplificada, o ileísmo é a prática de falar sobre si
mesmo na terceira pessoa, em vez da primeira. É um recurso
retórico frequentemente usado por políticos para tentar dar
às suas palavras um ar de objetividade.
Em seu relato da Guerra da Gália, por exemplo, o imperador
Júlio César escreveu "César vingou o povo" em vez de "Eu
vinguei o povo".
A pequena mudança linguística parece colocada de modo a
fazer com que a declaração se aproxime mais com um fato
histórico, registrado por um observador imparcial.
Para o ouvido moderno, o ileísmo pode soar um pouco bobo
ou pomposo – a ponto de ridicularizarmos celebridades que
optam por falar de si na terceira pessoa.
Pesquisas recentes na área de psicologia apontam, contudo,
que ele pode trazer benefícios cognitivos concretos. Se
estamos tentando tomar uma decisão difícil, falar de nós
mesmos na terceira pessoa pode ajudar a neutralizar as
emoções que podem desviar nosso pensamento, permitindo-
nos encontrar uma solução mais sábia para o nosso problema.
CRÉDITO, GETTY IMAGES - Legenda da foto - Representação do paradoxo de
Salomão em manuscrito alemão do século 15
Paradoxo de Salomão
Para compreendermos esses benefícios, devemos primeiro
examinar as maneiras pelas quais os cientistas medem o grau
de sabedoria do raciocínio.
Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no Canadá, foi
um dos pioneiros do estudo científico sobre a sabedoria.
Grossmann baseou-se no trabalho de numerosos filósofos
para catalogar uma série de "componentes metacognitivos" –
humildade intelectual, reconhecimento dos pontos de vista
dos outros e busca por resolução, por exemplo – que são
comumente considerados essenciais para uma tomada de
decisão sensata.
Em um de seus primeiros estudos, o pesquisador pediu aos
participantes que pensassem em voz alta sobre vários dilemas
mundanos enquanto psicólogos independentes avaliavam
suas respostas a partir desses critérios.
Grossmann percebeu que esses testes de "raciocínio sábio"
eram melhores do que os testes de QI para prever a satisfação
geral das pessoas com a vida e a qualidade de seus
relacionamentos. Uma observação que indicava que a
pesquisa estava capturando algo único sobre as habilidades
de raciocínio humano.
Os estudos posteriores de Grossmann revelaram que o nível
de sabedoria do raciocínio das pessoas pode depender do
contexto. Mais particularmente, ele descobriu que as
pontuações que ele atribuía ao raciocínio sábio tendiam a ser
muito mais altas ao considerar as situações das pessoas sobre
terceiros do que em relação a seus próprios dilemas pessoais.
O cientista chamou esse fenômeno de "paradoxo de Salomão",
em referência ao famoso rei bíblico por aconselhar os outros
com sabedoria, enquanto tomava uma série de decisões
pessoais desastrosas que acabaram deixando seu reino no
caos.
O problema parece ser que, ao fazermos escolhas pessoais,
ficamos muito imersos em nossas emoções, que obscurecem
nosso pensamento e nos impedem de colocar nossos
problemas em perspectiva.
Se recebi feedback negativo de um colega, por exemplo, meu
sentimento de constrangimento pode me levar a ficar
excessivamente na defensiva. Isso poderia me induzir a
descartar os conselhos que ele me deu sem mesmo avaliar se
poderiam me ser úteis a longo prazo.

Como ser mais sábio


O ileísmo poderia ajudar a resolver o paradoxo de Salomão?
A ideia faz sentido intuitivamente: ao mudarmos a chave para
a terceira pessoa, nossas descrições dos problemas
começarão a soar como se estivéssemos falando de outra
pessoa, e não de nós mesmos. Essa sensação de
distanciamento nos permitiria analisar a situação em
perspectiva mais ampla, em vez de ficarmos presos em nossos
próprios sentimentos.
E foi exatamente isso que Grossmann descobriu em um
estudo com Ethan Kross na Universidade de Michigan. Eles
observaram que as pessoas que empregam o ileísmo para
falar sobre seus problemas mostraram maior humildade
intelectual, capacidade de reconhecer a perspectiva dos
outros e disposição para chegar a um acordo – aumentando
suas pontuações gerais de raciocínio sábio.
Os estudos mais recentes apontam que o uso regular do
ileísmo pode trazer benefícios duradouros ao nosso
pensamento.
Em um experimento feito com Abigail Sholer, Anna Dorfman e
outros pesquisadores, Grossmann pediu aos participantes que
mantivessem durante um mês um diário no qual
descrevessem situações que estavam vivenciando no
momento.
Metade do grupo foi instruído a escrever em terceira pessoa,
enquanto a outra metade foi instruída a escrever na primeira
pessoa. O raciocínio dos participantes foi avaliado no início e
no final dos testes. Como esperado, os pesquisadores
descobriram que, ao longo do processo, os participantes que
foram encorajados a usar o ileísmo em seus diários viram um
aumento em suas pontuações de raciocínio sábio.
Ao nos estimular a colocar nossos problemas em perspectiva,
o uso do ileísmo também pode nos ajudar a chegar a respostas
mais equilibradas para as tensões diárias. As pessoas que
completaram o diário na terceira pessoa relataram emoções
mais positivas após eventos desafiadores, em vez de se
concentrarem apenas em sentimentos como tristeza,
frustração ou desapontamento.
Com base nessas descobertas, hoje aplico o ileísmo a todas as
decisões, pequenas e grandes. Quer esteja enfrentando
provações no trabalho, conflito com meus amigos ou com
familiares, descubro que alguns momentos contemplando
meus problemas a partir de uma perspectiva em terceira
pessoa me ajudam a ver o problema com mais clareza.
*David Robson é um escritor de ciência e autor de The Expectation Effect: How Your
Mindset Can Transform Your Life (“O Efeito da Expectativa: Como sua Mentalidade
Pode Transformar sua Vida”, em tradução literal), publicado pela Canongate (Reino
Unido) e Henry Holt (EUA).
Leia a íntegra desta reportagem no site BBC Worklife.
Os milhares de trabalhadores em
países pobres que abastecem
programas de inteligência artificial
como o ChatGPT

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - O ChatGPT utiliza a inteligência


artificial para responder perguntas de usuários

Veronica Smink da BBC News Mundo

Desde que foi lançado, no final de 2022, o programa de


inteligência artificial ChatGPT despertou admiração pelo
avanço tecnológico que representa — mas, também, temores
sobre seus impactos futuros.
Diante desse chatbot capaz de responder a quase todas as
perguntas do usuário e de produzir textos que parecem ter
sido escritos por um humano, surgiram perguntas como: os
estudantes vão usá-lo para fazer o dever de casa? E os
políticos para escrever seus discursos?
Será que esse artigo que você está lendo foi escrito por um
humano ou um robô?
Esse tipo de programa despertou ainda preocupações com os
trabalhos que deixarão de existir por conta da automatização
e com os direitos autorais, já que essas ferramentas obtêm
informações da internet e geralmente não citam fontes.
Mas existe uma outra polêmica até agora pouco falada: ela
tem a ver com as centenas de milhares de trabalhadores,
muitos de baixa renda, sem os quais sistemas de inteligência
artificial (IA) como o ChatGPT não existiriam.
Estamos falando da "força de trabalho oculta", como chamou a
organização sem fins lucrativos Partnership on AI (PAI), que
reúne representantes de universidades, de organizações da
sociedade civil, da mídia e da própria indústria envolvida com
a IA.
Essa força oculta é composta por pessoas subcontratadas por
grandes empresas de tecnologia, geralmente em países pobres
do Hemisfério Sul, para "treinar" sistemas de IA.

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Centenas de milhares de pessoas, a


maioria sem vínculos empregatícios, são contratadas para ensinar programas de
inteligência artificial a trabalhar

'Rotuladores'
Esses homens e mulheres realizam uma tarefa tediosa — e
potencialmente prejudicial à saúde mental, como
abordaremos adiante — mas que é essencial para que
programas como o ChatGPT funcionem.
Eles rotulam milhões de dados e imagens para ensinar a IA a
agir.
Tomemos, por exemplo, o chatbot do momento.
Quando você faz uma pergunta ao ChatGPT, o programa usa
cerca de 175 bilhões de "parâmetros" ou variáveis para
decidir o que responder.
Como já mencionamos, esse sistema de IA usa como fonte
principal as informações obtidas na internet. Mas como
distinguir os conteúdos? Graças às referências "ensinadas"
por seres humanos.
"Não há nada de inteligente na inteligência artificial. Ela tem
que aprender à medida que é treinada", explica Enrique
García, co-fundador e gerente da DignifAI, empresa americana
com sede na Colômbia.
A empresa contrata esses "rotuladores" de dados (data
taggers).
Na indústria de tecnologia, esse tipo de atividade é chamado
de "enriquecimento de dados".
Ironicamente, apesar de ser um trabalho essencial para o
desenvolvimento da IA, o enriquecimento de dados é o elo
mais pobre da cadeia produtiva das grandes empresas de
tecnologia.
Um fato que foi reconhecido pela organização Partnership on
AI.
"Apesar do papel fundamental que esses profissionais de
enriquecimento de dados desempenham, um crescente corpo
de pesquisa revela as precárias condições de trabalho que
esses trabalhadores enfrentam", disse a organização, a qual a
OpenAI, empresa que criou o ChatGPT, faz parte.
Menos de US$2 a hora

CRÉDITO, GETTY IMAGES - Legenda da foto -A maioria dos 'rotuladores' ganha


salários baixos e trabalha em condições precárias
Uma investigação da revista Time revelou que muitos dos
"rotuladores" terceirizados pela OpenAI para treinar seu
ChatGPT recebiam entre US$ 1,32 e US$ 2 por hora (cerca de
R$ 6 a R$10) .
Segundo reportagem do jornalista Billy Perrigo, a empresa de
tecnologia, que tem a Microsoft entre seus principais
investidores, terceirizou o trabalho de enriquecimento de
dados por meio de uma companhia chamada Sama, com sede
em San Francisco — que por sua vez contratou trabalhadores
no Quênia para a atividade.
Através de um comunicado, um porta-voz da OpenAI disse
que a terceirizada era responsável pela gestão dos salários e
condições de trabalho dos taggers contratados para trabalhar
no ChatGPT.
"Nossa missão é garantir que a IA beneficie toda a
humanidade, e trabalhamos duro para construir sistemas de
IA seguros e úteis que limitem o viés e o conteúdo nocivo",
disse o porta-voz.
A Sama também contrata para o Google e a Meta "rotuladores"
em outros países de baixa renda, como Uganda e Índia. A
empresa se apresenta como uma "IA ética" e afirma ter tirado
mais de 50 mil pessoas da pobreza.
No entanto, Martha Dark, diretora da organização ativista
britânica Foxglove — cujo objetivo é "enfrentar gigantes da
tecnologia e governos, por um futuro onde a tecnologia seja
usada para beneficiar a todos, não apenas os ricos e
poderosos" —, avalia que as empresas de tecnologia usam a
terceirização para pagar aos trabalhadores muito menos do
que deveriam.
"Todas essas empresas são multibilionárias e é francamente
inadequado que estejam pagando US$ 2 por hora para as
pessoas que tornam essas plataformas possíveis", disse ele.
Mas para Enrique García, do DignifAI, a polêmica sobre os
sal|rios “é uma quest~o de perspectiva”.
Na Europa e nos Estados Unidos, pode-se entender que
ganhar essa quantia não é suficiente, mas em outras partes do
mundo, este pode ser um bom salário, argumenta.
"Muitas pessoas criticam nosso setor pela questão salarial,
mas na DignifAI nosso piso salarial é de US$ 2,30 a hora, o que
representa 1,8 vezes o salário mínimo na Colômbia", diz.
"Se o projeto for mais complexo e exigir profissionais
especializados, como arquitetos ou médicos, o salário pode
chegar a US$ 25 por hora", diz García.
Embora reconheça que existem empresas que pagam abaixo
do salário mínimo, o empresário considera injusto focar
apenas neste setor.
"Existem dinâmicas de terceirização em muitos setores, não
apenas neste, então também não é justo nos rotular por
'exploração digital'", diz ele.

Impacto social
García também destaca que existem várias empresas do setor,
como a sua, que têm impacto social e o objetivo de "aumentar
a produtividade e a dignidade das pessoas".
O lema do DignifAI é "terceirizar a dignidade através da
inteligência artificial".
A empresa está sediada em Cúcuta, na fronteira entre a
Colômbia e a Venezuela, e busca dar trabalho aos migrantes
venezuelanos e a colombianos que migraram internamente.
"Muitos deles, antes de trabalhar conosco, ganhavam US$ 4 ou
US$ 5 por dia. Para essa população vulnerável e sem opções
de mercado de trabalho, ganhar 1,8 vezes o salário mínimo
colombiano é bastante atraente", afirma.
Ingrid, uma venezuelana de 42 anos que chegou à Colômbia
no final de 2018, ratifica isso.
Licenciada em pedagogia, Ingrid, que preferiu não fornecer
seu sobrenome, disse à BBC que atualmente não pode dar
aulas porque ainda não validou seu diploma na Colômbia.

CRÉDITO, DIVULGAÇÃO/DIGNIFAI - Legenda da foto - 'Rotuladores' da DignifAI,


empresa americana baseada na Colômbia
Ela afirma que trabalhar como "rotuladora" para o DignifAI
lhe permitiu ganhar a vida e também se preparar para outra
profissão.
"Eu trabalho quatro horas por dia e tenho conseguido usar o
tempo restante fazendo um curso de design", diz a pedagoga.
Apesar de não trabalhar mais como data tagger, por ter sido
promovida ao cargo de supervisora de projetos, ela não hesita
em recomendar esse trabalho.
"É mais gratificante, menos cansativo e mais bem pago do que
ser garçonete, auxiliar de meio período ou fazer trabalhos
físicos", avalia, acrescentando que a maioria de seus colegas
são donas de casa, vendedores ambulantes ou estudantes.

Saúde mental
Além do salário, outra questão sobre as condições de trabalho
dos data taggers é o efeito na saúde mental.
Não é o tédio da tarefa que mais preocupa alguns especialistas
— embora esta seja outra crítica que se faz a este trabalho —
mas o material tóxico ao qual alguns deles estão expostos.
Uma das funções desses trabalhadores é ensinar ao programa
de IA quais informações não são adequadas para publicação
— mergulhando nos cantos mais sombrios da internet e
rotulando os materiais violentos, sinistros e perversos que ali
estiverem, de forma a ordenar que a máquina ignore tudo
isso.
De acordo com Martha Dark, da organização Foxglove, fazer
esse trabalho "pode causar estresse pós-traumático e outros
problemas de saúde mental para muitos trabalhadores".

CRÉDITO, GETTY IMAGES - Legenda da foto - Assistir a material violento e tóxico


pode desencadear estresse pós-traumático nos 'rotuladores' de dados, diz Martha
Dark, da organização Foxglove
Sua organização dá assistência a um ex-funcionário da Sama
que trabalhou como moderador do Facebook no Quênia. Em
2022, ele processou a Sama e a Meta, dona da rede social,
pelos danos psicológicos que sofreu. O caso ainda tramita na
Justiça de Nairóbi.
"Esses trabalhos têm um custo para a saúde mental de quem
os faz e devem fornecer tratamento psiquiátrico adequado,
além de um salário mais justo", disse Dark à BBC.
Segundo a ativista, as grandes empresas de tecnologia têm
muitos recursos financeiros para prestar esse tipo de
assistência, mas não o fazem porque "colocam o lucro acima
da segurança de seus trabalhadores".
Enrique García reconhece que as grandes empresas poderiam
investir mais na contratação de taggers, mas afirma que exigir
muito delas pode levá-las a procurar trabalhadores em outros
lugares.
"Pode ser que a grande tecnologia possa pagar mais, mas
estamos muito gratos pelas oportunidades", diz ele.
"Pelo menos estamos trazendo oportunidades de geração de
renda para cá onde, sem essa alternativa, não existiriam."
- Este texto foi publicado
em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gze230pj1o
Parlamento Europeu adota lei que
veta importação de produtos
provenientes do desmatamento

Vista aérea de área desmatada nas proximidades de Uruara, Pará, em 21 de janeiro


de 2023. REUTERS - UESLEI MARCELINO
O Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França, adota
definitivamente nesta quarta-feira (19) a lei contra a
importação de produtos provenientes do desmatamento.
O texto inédito deve representar um grande avanço,
garantindo que nenhum produto consumido na Europa
terá contribuído para a destruição de florestas na Ásia, na
África ou na América.
Daniel Vallot, enviado especial da RFI a Estrasburgo
A partir de agora, não será mais possível importar produtos
do desmatamento para a Europa. Esta é a ambição
manifestada pelos defensores da nova legislação, aplicada
pela primeira vez no mundo. Entre os produtos no visor estão
café, cacau, óleo de palma e de soja, borracha, carvão e papel.
A União Europeia pretende barrar as importações através de
controles nas fronteiras do bloco, como explica à RFI Pascal
Canfin, eurodeputado francês do grupo Renew e presidente da
Comissão de Meio Ambiente do Parlamento de Estrasburgo.
“Quando você for importar, por exemplo, café ou chocolate
para a União Europeia, terá que mostrar que esses produtos
não vêm de hectares recentemente desmatados", diz. "Através
de coordenadas de GPS, funcionários da alfândega europeus
verificarão, olhando fotos de satélite das coordenadas
fornecidas, se havia ou não uma floresta tropical no local de
onde veio o café ou o chocolate. É extremamente simples", diz.
O Parlamento Europeu e os estados-membros da União
Europeia (UE) chegaram a um acordo sobre o assunto em
dezembro passado. O texto foi proposto em novembro de
2021 pela Comissão Europeia e amplamente adotado pelos
estados-membros, mas os eurodeputados votaram para
fortalecê-lo significativamente, expandindo a gama de
produtos em questão.
O importador pego em flagrante terá seu produto rejeitado, e
multas, que podem chegar a 4% do faturamento realizado na
Europa pelo operador ou comerciante em questão, estão
previstas na nova lei.

Europa responde por 16% do


desmatamento global
Segundo a ONG World Wild Fund for Nature (WWF), que
comemora a adoção da lei, com suas importações, a Europa
contribuiu para 16% do desmatamento global. Dois terços são
provenientes apenas do consumo de soja e óleo de palma.
Na terça-feira (18), o Parlamento aprovou os acordos
alcançados com os estados-membros no final de 2022, que
inclui cinco textos sobre emissões da aviação e do transporte
marítimo, mecanismo de ajuste de fronteira de carbono e um
novo fundo social para o clima.
As novas regras fazem parte do pacote legislativo "Fit for 55",
o ambicioso plano da UE para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030 em
comparação com os níveis de 1990, de acordo com a
legislação climática da UE.

Mudanças nos principais clientes de


eletrodomésticos na Feira de Cantão:
grandes marcas e pequenos e médios
fabricantes se movimentam para
enfrentar a queda nas exportações

Notícias de Negócios da China

A conta oficial do China Business News, um criador de alta


qualidade na área de finanças e economia
A Feira de Cantão, conhecida como o "barômetro do comércio
exterior da China", está de volta à popularidade.

Em 15 de abril, a maior Feira de Importação e Exportação da


China (doravante denominada "Feira de Cantão") começou em
Guangzhou. A exposição é dividida em três fases, e a área total
se expandiu para 1,5 milhão de metros quadrados, um
recorde. Cerca de 35.000 empresas participaram da exposição
e comerciantes de mais de 220 países e regiões marcaram
presença para comprar. Um repórter do China Business News
soube de muitos expositores e compradores que as
exportações de eletrodomésticos da China estão aumentando,
e o Oriente Médio, a Rússia e a América Latina são o foco da
expansão.

Como responsável por uma pequena empresa de exportação de eletrodomésticos,


Li Mingyang, gerente geral da Zhongshan Lotto Electric, voltou à Feira de Cantão
após 14 anos. A última vez que montou um estande na Feira de Cantão em 2009.

"Nos últimos anos, devido à epidemia, os pedidos de


exportação da empresa para ventiladores elétricos caíram
significativamente. A Feira de Cantão também suspendeu
temporariamente as exposições off-line e os comerciantes
estrangeiros não compareceram. Nossos pedidos de clientes
americanos representaram 85%. Mudanças nas relações
internacionais fizeram os clientes se preocuparem com a
cadeia de suprimentos. Instável, alguns pedidos foram
transferidos para o Vietnã, Indonésia, Tailândia e México,
entre os quais uma proporção relativamente alta foi
transferida para o Vietnã." Li Mingyang disse.

Participando da Feira de Cantão deste ano, Li Mingyang


convidou antigos clientes do exterior para discutir a
possibilidade de cooperação em novos projetos; ao mesmo
tempo, ele espera desenvolver mais clientes de outras regiões,
como a Europa.

Grandes marcas se globalizando: Oriente Médio


e América Latina são foco de expansão
Zhang Qingfu, vice-presidente da Haier Overseas Electrical
Appliances Industry Co., Ltd., disse ao primeiro repórter
financeiro que, da perspectiva da situação geral de exportação
da indústria de eletrodomésticos da China, todo o ano de 2022
diminuirá e o declínio não parar nos dois primeiros meses de
2023; Durante todo o ano de 2022, as exportações crescerão
contra a tendência, mas cairão em dezembro, e começarão a
se recuperar em fevereiro e março deste ano. No primeiro
trimestre de 2023, as exportações alcançar um pequeno
aumento geral.

As principais razões para a queda nas exportações da


indústria de eletrodomésticos no ano passado foram,
primeiro, a baixa demanda dos terminais e, segundo, o alto
custo do frete. Zhang Qingfu disse que as contramedidas da
Haier são, por um lado, aprofundar o layout "trinitário" de
P&D, fabricação e vendas em mercados estrangeiros.
Recentemente, a pedra fundamental do Parque Ecológico
Egípcio da Haier foi lançada; Uma loja de experiência de
marca.

"Desde o segundo semestre do ano passado, o mercado de


exportação de eletrodomésticos tem estado relativamente
fraco, especialmente os mercados europeu e americano. Isso
continuou no primeiro trimestre deste ano. A julgar pelos
pedidos atuais, melhorou em maio e junho este ano." Chen
Kaibin, chefe dos negócios no exterior da Galanz, disse ao
primeiro repórter financeiro.

Esta Feira de Cantão é a primeira Feira de Cantão da


Primavera a retomar as exibições off-line após a epidemia de
três anos. Chen Kaibin disse que, a julgar pelo fluxo de
passageiros na manhã de 15 de abril, havia relativamente
poucos comerciantes europeus e americanos, e espera-se que
mais comerciantes europeus e americanos venham à Feira de
Cantão de Outono em outubro deste ano. Existem muitos
comerciantes da Rússia no local. A Rússia é atualmente o
principal mercado para os fabricantes de eletrodomésticos
chineses expandirem, e o Sudeste Asiático, o Oriente Médio e
a América do Sul também são o foco de desenvolvimento.

No estande da Haier, Yaku, um comprador da Turquia, disse


ao repórter da Yicai que a última vez que ele veio à China foi
em 2016. Ele queria participar da Feira de Cantão desta vez
para ver quais novos produtos estão disponíveis na China e
quais novas cooperações com empresas chinesas Way. Yaku
abriu uma fábrica de lâmpadas LED em Guzhen, Zhongshan,
Guangdong de 2013 a 2016. Desta vez, ele acompanhou seus
sócios para ver se poderia cooperar com uma empresa
chinesa para abrir uma fábrica de ar condicionado na Turquia.
Um repórter do China Business News encontrou um comprador da Jordânia no
estande da Hisense, que queria comprar aparelhos de ar condicionado para venda
na Arábia Saudita, Líbia e outras regiões do Oriente Médio.

Wang Bao, vice-gerente geral do departamento de marketing


da Hisense International Marketing Company, disse a
repórteres que os mercados europeu e americano estavam
fracos no ano passado, mas os mercados de exportação na
Ásia-Pacífico, Oriente Médio e África ainda estão
melhorando. As exportações da Hisense no primeiro trimestre
deste ano mantiveram um bom ritmo de crescimento, e as
exportações de TVs em cores e linha branca tiveram
crescimento de dois dígitos.

"Do ponto de vista da situação econômica no mercado global,


a situação de exportação em 2023 é severa, mas nossas
exportações de TV em cores devem aumentar de 20% a 30%
de janeiro a maio." Liu Liu, vice-gerente geral do exterior sede
de marketing e gerente geral de negócios regionais da
Skyworth-RGB Electronics Co., Ltd. Dangdang disse ao
primeiro repórter financeiro que, como o preço dos painéis de
TV LCD parou de cair e se recuperou, o preço das TVs
coloridas começou a subir em janeiro deste ano. trimestre. Os
pedidos de produtos da linha branca da Skyworth nos últimos
dois meses também estão cheios. Além disso, o frete marítimo
era muito caro nos últimos dois anos, mas agora o frete
marítimo caiu de 80% a 90% em comparação com o nível alto,
voltando a uma faixa razoável.

“Diferente do comércio puro de 20 anos atrás, a marca e o


layout do canal da Skyworth no exterior estão sendo
constantemente fortalecidos.” Liu Dangdang disse que o
Oriente Médio, África, Sudeste Asiático, Sul da Ásia e América
Latina são os principais mercados da Skyworth.

"Estamos cautelosamente otimistas sobre a situação das


exportações este ano. No geral, é mais forte do que no ano
passado. Haverá pressão no primeiro trimestre deste ano e
aumentará a partir de abril". disse aos repórteres do
Yicai.com que as empresas chinesas precisam aumentar o
valor agregado de seus produtos. Gree vai exportar este ano.
O negócio vai otimizar a estrutura do canal e a estrutura do
produto. A fábrica brasileira da Gree vai expandir seus
negócios de ar condicionado comercial.

A nova fábrica da Midea no Brasil, com um investimento de


mais de 700 milhões de yuans, lançou a pedra fundamental
em 12 de abril e deve iniciar a produção em julho de 2024.
Estima-se que a capacidade de produção anual de geladeiras e
máquinas de lavar pode chegar a 1,3 milhão de unidades. E a
TCL também pretende aumentar os investimentos no Brasil
este ano.

Pequenas empresas de eletrodomésticos:


pressão para buscar transformação
A 133ª Feira de Cantão também deu às PMEs mais
oportunidades de exibição. Um repórter do China Business
News descobriu que as pequenas empresas de exportação de
eletrodomésticos foram muito impactadas pela realocação da
capacidade de produção nos últimos anos.

Li Mingyang disse ao China Business News que algumas das


pequenas empresas de eletrodomésticos do Vietnã foram
transferidas de empresas chinesas e investiram em novos
equipamentos com alto grau de automação. Atualmente, os
clientes americanos compraram motores no Vietnã. Como a
nova fábrica local usa equipamentos de estampagem
totalmente automáticos de alta velocidade, a capacidade de
produção é o dobro do equipamento tradicional e mais de 50
pessoas podem produzir 5 milhões de motores por ano. Além
disso , Os produtos vietnamitas são exportados para os
Estados Unidos, que podem Isenção de direitos aduaneiros.

Depois que parte da capacidade de produção doméstica de


ventiladores de baixo custo foi transferida para o Vietnã, a
Lotto acelerou a atualização e a transformação do produto e
desenvolveu novos produtos, como ventiladores elétricos
móveis e fixos de dupla finalidade, condicionadores de ar
externos recarregáveis e purificadores de ar junto com
parceiros locais em Zhongshan . Li Mingyang acredita que,
atualmente, ventiladores elétricos inteligentes e sofisticados e
outros aparelhos ambientais são produzidos basicamente na
China, porque é mais conveniente conectar-se com P&D e
produção experimental.

Por outro lado, vendo que é cada vez mais difícil recrutar
jovens trabalhadores na fábrica, a maioria dos funcionários da
linha de produção está na casa dos 40. Li Mingyang também
aumentou o investimento na automação da produção, usando
máquinas de parafuso automáticas, máquinas automáticas de
embalagem, manipuladores, luminárias automáticas e outros
equipamentos de automação.

Como alcançar o desenvolvimento inteligente tornou-se um


tema quente nesta Feira de Cantão.A Feira de Cantão deste
ano também criou uma zona de vida inteligente.

Em 16 de abril, a cidade de Zhongshan, província de


Guangdong, anunciou na Feira de Cantão que sediará a 4ª
Competição de Desenvolvimento de Cenários de Aplicativos
Inteligentes, na esperança de ajudar o desenvolvimento
inteligente da indústria de eletrodomésticos. A Feira de
Cantão deste ano, a cidade de Zhongshan tem 230 empresas
participantes da feira, abrangendo eletrodomésticos,
hardware, energia nova, veículos conectados inteligentes e
outras indústrias, atualizando a escala histórica das empresas
de Zhongshan que participam da Feira de Cantão offline. Em
2022, a exportação de eletrodomésticos na cidade de
Zhongshan será de cerca de 46,4 bilhões de yuans,
representando cerca de 16,7% do valor de exportação da
cidade. No futuro, os eletrodomésticos serão incorporados a
uma indústria local com escala de 100 bilhões de yuans, e a
inteligência será uma arma poderosa para fortalecer a
competitividade industrial.
He Yaqing, diretor de pesquisa da Euromonitor International,
acredita que em 2023, a taxa de inflação global chegará a
6,5% e a taxa de crescimento do PIB global diminuirá. A alta
inflação diluirá o aumento da renda média do consumidor, a
expectativa é que a renda disponível global per capita cresça
apenas 0,1% neste ano, e todos estarão mais cautelosos no
consumo. Nesse contexto, sustentabilidade, saúde e
inteligência serão as grandes tendências em que os
consumidores estarão atentos aos produtos.

Niu Liqun, presidente e CEO da Shanxi Jiashida Robot


Technology Co., Ltd., está otimista sobre o mercado de robôs
domésticos de limpeza de vidro. Ele disse que, nos últimos
anos, robôs de limpeza de vidro, robôs de lavagem de piscinas,
robôs de corte de grama, robôs de entrega de água para hotéis
e outros mercados que atendem às necessidades de mercados
subdivididos explodiram, e entrar em mercados subdivididos
pode formar uma competitividade diferenciada.

Fang Zhihua, presidente da Zhejiang Tianluo Cloud Kitchen


Technology Co., Ltd., coloca sua energia em robôs de cozinha
para promover a padronização da comida chinesa, a herança
da digitalização e a disseminação da globalização. Com a ajuda
do modelo grande de IA, a Tianluo Cloud Kitchen lançou o
COOKGPT na Feira de Cantão, que pode criar receitas de IA de
acordo com hábitos alimentares pessoais, necessidades de
sabor e estado de saúde para atender às necessidades
individuais.

Xu Kang, diretor da linha de produtos de robôs domésticos da


EZVIZ Networks Co., Ltd. acredita que, com o
desenvolvimento explosivo de modelos de IA em grande
escala, os robôs de serviço doméstico poderão fazer avanços
na interação ativa no futuro e interagirão ativamente e enviar
informações apropriadas. Por exemplo, em dias de chuva,
lembre as crianças de pedir aos pais que preparem guarda-
chuvas antes de sair; outro exemplo é fornecer serviços
humanos digitais de acompanhamento.

Shi Libin, diretor sênior de compras corporativas da loja


global da Amazon, disse que existem vários tipos de produtos
inteligentes na Amazon que são altamente aceitos pelo
mercado. O primeiro é iluminação inteligente e interruptores
inteligentes; o segundo é segurança inteligente, incluindo
câmeras inteligentes e fechaduras inteligentes; o terceiro são
robôs de limpeza, incluindo robôs de varredura, robôs de
limpeza de janelas, robôs de limpeza de piscinas e robôs de
corte de grama; e o quarto é produtos portáteis de
armazenamento de energia. Ele sugeriu que (para ganhar
oportunidades de negócios) tenha uma vantagem de custo ou
faça produtos diferenciados para necessidades segmentadas,
e também pode expandir do mercado ToC para o mercado
ToB.
GUERRA COMERCIAL EUA-CHINA

Sanções dos EUA afastam


compradores ocidentais da Feira de
Cantão
A inflação e os custos de viagem também afetam a
participação, mas o foco está na diminuição do interesse do
comprador à medida que a dissociação continua
JEFF PAO

Duas sessões da Feira de Cantão, ou Feira de Importação e Exportação da China,


são realizadas anualmente em Guangzhou. Foto: Weibo

Os fabricantes chineses ficaram desapontados ao ver um


declínio no número de compradores da Europa e dos Estados
Unidos na Canton Fair desta semana, a maior feira comercial
da China, já que a demanda ocidental foi atingida pela alta
inflação e aumento das taxas de juros.

Alguns exportadores reclamaram que pagaram taxas de


estande mais altas, mas foram abordados por menos
compradores europeus e quase nenhum novo cliente
americano. Eles disseram que viram mais compradores da
América Latina, África, Sudeste Asiático e Rússia, mas esses
clientes podem fornecer margens menores.

Uma análise feita por comentaristas chineses é que algumas


empresas ocidentais tentam fazer pedidos com fábricas em
outros países do mundo emergente, como Índia e Vietnã, em
vez da China, pois não querem ser afetadas pela intensificação
da dissociação sino-americana.

Desde 1957, tem sido política do Ministério do Comércio da


China e do governo de Guangdong realizar duas sessões por
ano da Feira de Cantão (ou, mais formalmente, Feira de
Importação e Exportação da China), em Guangzhou. A sessão
da primavera deste ano, entre 15 de abril e 5 de maio, cobre
uma área de exposição de 1,5 milhão de metros quadrados,
em comparação com 1,19 milhão de metros quadrados da
sessão de outono pré-pandêmica em 2019.

Como todas as seis sessões de exposições em 2020-2022


foram realizadas online, muitos fabricantes chineses tinham
grandes esperanças de encontrar seus clientes estrangeiros
de longa data cara a cara novamente nesta Feira de
Cantão. Mas muitos ocidentais não compareceram por
motivos que incluíam não apenas preocupações políticas, mas
também altos custos de viagem, acomodação e vistos.

“Nos últimos anos, os pedidos estrangeiros de nossos


produtos caíram significativamente devido { pandemia”, disse
Li Mingyang, gerente geral da Letu Electrical Appliance,
fabricante de Zhongshan, ao Yicai.com .

“Cerca de 85% de nossos pedidos vieram de clientes dos EUA,


mas alguns deles passaram a fazer seus pedidos no Vietnã,
Indonésia, Tailândia e México, pois temem que a cadeia de
suprimentos global seja afetada por mudanças nas relações
internacionais”, disse Li .
“As exportações de eletrodomésticos chineses permaneceram
fracas desde o segundo semestre do ano passado,
especialmente para a Europa e os EUA”, disse Chen Haibin,
gerente de vendas da Guangdong Galanz Enterprises. “A
tendência continuou no primeiro trimestre.”

Chen disse que havia mais clientes vindos do Sudeste Asiático,


Oriente Médio e América do Sul, bem como da Rússia, mas
menos da Europa e dos EUA, na Canton Fair desta semana.

O salão de exposições da Canton Fair foi construído para receber grandes


multidões e uma grande multidão apareceu desta vez - mas não exatamente da
composição que alguns exportadores esperavam. Foto: Wikipédia

Intenção de compra em declínio


Os organizadores disseram que 370.000 pessoas entraram no
local em 15 de abril, primeiro dia da Feira de Cantão, cerca de
67.000 delas estrangeiras. Eles disseram que 410.000 pessoas
se juntaram ao evento pela Internet.
Os últimos dados comparáveis foram divulgados na sessão de
outono de 2016, quando 167.000 pessoas entraram no local
no primeiro dia.

Wu Xiaobo, um colunista baseado em Zhejiang, diz que alguns


expositores reclamaram que os organizadores reduziram a
taxa de inscrição para aumentar o número de visitantes, mas
não conseguiram administrar o fluxo de pessoas na
entrada. Wu diz que alguns compradores ocidentais não
puderam comparecer porque acharam difícil obter vistos e
passagens aéreas para visitar a China.

Ele diz que não era incomum para um pequeno fabricante


relatar ter sido abordado por apenas três a seis novos clientes
que demonstraram intenção de compra durante os dois
primeiros dias da exposição atual, em comparação com uma
dúzia a 20 clientes igualmente ansiosos na sessão de outono
em 2019.

Ele diz que os compradores europeus e americanos estão


menos ativos do que os de outras regiões, já que a demanda
dos países desenvolvidos foi atingida pela alta inflação,
enquanto alguns clientes estão preocupados com a separação
sino-americana.

No final de fevereiro, o Bureau of Industry and Security (BIS)


do departamento de comércio dos EUA sancionou cinco
empresas chinesas e as acusou de fornecer serviços e
produtos aos militares russos. Entre elas, a AOOK Technology,
de Hong Kong, comercializa peças eletrônicas como circuitos
integrados, transistores, diodos e capacitores.

Em 12 de abril, o BIS sancionou 12 empresas chinesas por


remessas para a Rússia. A maioria delas são empresas com
sede em Shenzhen que vendem circuitos integrados,
capacitores e chips de memória. Algumas empresas ocidentais
tentam fazer pedidos em outros lugares porque não sabem se
seus fornecedores chineses serão sancionados um dia,
disseram alguns comentaristas.

Números comerciais
De fato, o fenômeno visto na atual Feira de Cantão confirma o
que podemos ver nos números gerais do comércio da
China. No primeiro trimestre, as exportações da China para a
União Europeia caíram 7,1% em relação ao ano anterior,
enquanto as exportações para os EUA caíram 17%, de acordo
com os números denominados em dólares divulgados pela
Administração Geral das Alfândegas em 13 de abril.

A queda foi amplamente compensada pelo aumento das


exportações para os países da ASEAN (+18,6%), África
(+19,3%) e Rússia (+47,1%).

As exportações totais da China cresceram 0,5% para US$ 821


bilhões durante o primeiro trimestre em relação ao ano
anterior. Se denominado em renminbi, a taxa de crescimento
foi de 8,4% no período, devido à desvalorização da moeda
chinesa.

“O crescimento das exportações da China se recuperou para


14,5% ano a ano em março, superando a expectativa do
mercado de uma queda de 5%”, disse Zhu Chaoping,
estrategista de mercado global do JP Morgan Asset
Management em Xangai, em nota de pesquisa na terça-
feira. “No entanto, quando as demandas das economias
desenvolvidas forem moderadas, o crescimento das
exportações pode cair novamente.”

Lu Daliang, porta-voz da Administração Geral das Alfândegas,


disse no mês passado que o comércio externo da China
continuará sofrendo com a fraca demanda no Ocidente e
conflitos geopolíticos pelo resto deste ano. Mas ele
acrescentou que a China ainda desfruta de uma forte
vantagem nas exportações de seus veículos elétricos, baterias
de lítio e produtos de energia solar.

Como o Lula do Brasil acrescentou


uma mola ao passo de Xi Jinping
Reduzir o domínio do dólar no comércio global tem sido um
dos principais objetivos da China
WILLIAM PESEK

Visita do presidente brasileiro Lula da Silva e do presidente chinês Xi Jinping (à


esquerda), em recepção oficial em abril de 2023. Foto: Wikipedia / Ricardo
Stuckert

Para Xi Jinping, a semana passada foi facilmente uma das


melhores que o líder chinês teve em muito tempo.

Primeiro, o presidente francês Emmanuel Macron apareceu


para falar sobre os méritos da Europa em abrir um caminho
diplomático independente dos EUA. Para garantir, Macron
deu a Pequim a impressão de que Paris não está interessada
em sair em defesa de Taiwan caso o conflito ecloda.
Em seguida, foi a vez do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula
da Silva fazer manchetes globais às custas de
Washington. Lula visitou a Huawei Technologies, alvo de
sanções dos Estados Unidos. Ele também considerou o cessar-
fogo de Xi na Ucrânia, algo que Washington rejeitou
categoricamente.

No entanto, o verdadeiro vento favorável que Lula trouxe para


a cidade está relacionado ao antigo desejo de Xi de reduzir o
papel do dólar americano.

Ao visitar Xangai, Lula pediu às economias do BRICS – Brasil,


Rússia, Índia, China e África do Sul – que acelerassem os
esforços para suplantar o dólar no comércio e finanças
globais. Ele disse que o Novo Banco de Desenvolvimento
criado pelo BRICS deveria assumir a liderança na luta contra o
poder financeiro de Washington.

“Por que uma instituiç~o como o Banco dos BRICS não pode
ter uma moeda para financiar as relações comerciais entre o
Brasil e a China, entre o Brasil e todos os outros países do
BRICS?” Lula perguntou. “Quem decidiu que o dólar era a
moeda [comercial] após o fim da paridade do ouro?”

Foi música para os ouvidos de Xi. Reduzir o domínio do dólar


no comércio global tem sido um dos principais objetivos
desde 2012, quando Xi subiu ao poder pela primeira
vez. Desde então, a China fez incursões constantes para
aumentar o uso do yuan em transações, pagamentos e
emissões de títulos – incluindo vendas de petróleo da Rússia e
da Arábia Saudita.

No mês passado, Pequim e Brasília estreitaram a cooperação


na liquidação do comércio exterior em yuan ou reais. Ao fazer
isso, as maiores economias da Ásia e da América Latina
reduzirão muito os custos ao eliminar uma terceira moeda.

Em Xangai, o ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad,


destacou o aumento do uso de moedas locais em
instrumentos de comércio bilateral, como recebimentos de
crédito. A ênfase agora, disse Haddad, é eliminar
gradualmente o uso de uma terceira moeda por meio de
novos mecanismos e meios de comércio.

“A vantagem é evitar a camisa de força imposta por


necessariamente ter as operações comerciais liquidadas em
moeda de um país não envolvido na transaç~o”, disse ele a
repórteres.

O impulso de Lula {s ambições do “ Sul Global ” de Xi n~o deve


ser minimizado. Em seu terceiro mandato, Xi está colocando
maior ênfase em transformar o Sul Global, ou países em
desenvolvimento nas regiões da América Latina à África, à
Ásia e à Oceania, em uma força econômica e diplomática
maior.

Para Xi, o aumento das tensões com o Ocidente – o Norte


Global – significa que “a diversificaç~o comercial é um
componente crítico desse esforço”, diz a analista Lily McElwee
do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).

A visita do líder brasileiro rendeu outros dividendos. Lula


aderiu ao texto favorecido por Moscou e Pequim de que, na
Ucr}nia, a negociaç~o é “a única saída vi|vel para a crise”,
evitando as palavras “invas~o” ou “guerra”.

Empurrão em Washington
Mas a maneira real de entrega é fazer com que o líder da
superpotência da América Latina torça o nariz para a
economia do presidente dos EUA, Joe Biden – e em um
momento crucial, quando Washington aperta os parafusos em
Pequim no comércio e no acesso à tecnologia vital.

O presidente brasileiro se reuniu com Biden em


fevereiro. Assim, “o interesse de Lula em relações mais
próximas com a China não é um indicador de diminuição do
interesse nas relações com os EUA e aliados ocidentais, mas
introduz maiores complexidades”, diz a analista Anna Ashton
do Eurasia Group.

Aqui, porém, o apoio de Lula a uma alternativa do dólar pode


ser um incentivo particularmente poderoso para Xi. Até
mesmo o ex-economista do Goldman Sachs, Jim O'Neill, que
cunhou a sigla inicial BRIC em 2001, acha que a influência do
dólar cresceu demais para as calças de Washington.

“O dólar americano desempenha um papel muito dominante


nas finanças globais”, diz O'Neill. “Sempre que o Conselho do
Federal Reserve embarcou em períodos de aperto monetário,
ou o oposto, afrouxamento, as consequências sobre o valor do
dólar e os efeitos indiretos foram dram|ticos.”

Oito anos depois que o conceito BRIC de O'Neill chamou a


atenção do mundo em desenvolvimento, Brasil, Rússia, Índia e
China começaram a institucionalizar o agrupamento. Em
2009, a infraestrutura do BRIC foi estabelecida, incluindo a
realização de reuniões de cúpula anuais. Em 2010, o bloco
adicionou a África do Sul para se tornar o BRICS.

Hoje, O'Neill argumenta que o BRICS ampliando sua base para


incluir outras “nações emergentes com super|vits
persistentes” poderia criar um “sistema global multimoedas
globalmente mais justo” para equalizar a din}mica do poder
econômico.

Daí o poder – e o timing – da adesão de Lula. Durante sua


passagem anterior como líder brasileiro, Lula esteve na
primeira cúpula do BRIC em Yekaterinburg, na Rússia. Isso foi
quando o predecessor de Xi, Hu Jintao, liderava o Partido
Comunista da China (PCC).

A cúpula de 2009 ocorreu em meio às consequências


financeiras da implosão de Wall Street nove meses antes. Em
Yekaterinburg, as nações do BRIC refletiram sobre como as
autoridades em Pequim, Brasília, Moscou e Nova Delhi
poderiam cooperar melhor nas prioridades econômicas e
compartilhadas nos assuntos globais.

Lá, os líderes concordaram com a necessidade de uma nova


moeda de reserva global oferecendo qualidades “diversas,
estáveis e previsíveis” que o dólar exibia cada vez menos.

Essa declaração enviou brevemente o dólar para baixo em


relação às principais moedas. Na época, o então presidente
russo Dmitry Medvedev disse que “o [processo] de cúpula do
BRIC deve criar as condições para uma ordem mundial mais
justa”.

Em Yekaterinburg, h| 14 anos, Medvedev disse que “o


conjunto existente de moedas de reserva, incluindo o dólar
americano, falhou em desempenhar suas funções. Não vamos
prescindir de moedas de reserva adicionais.”

Ele falou de uma nova moeda de reserva supranacional em


um momento em que o programa de “ direitos especiais de
saque ” (SDR) do Fundo Monet|rio Internacional ganhou um
papel maior nos círculos financeiros.

Nas semanas anteriores a Yekaterinburg, Moscou pediu uma


expansão do universo SDR, ao qual a China ingressaria em
2016. Em 2009, Roberto Mangabeira Unger, então ministro de
assuntos estratégicos do Brasil, disse que “todos est~o
preocupados com a delicadeza desse assunto. Ninguém quer
dizer coisas ou fazer coisas que aumentem a volatilidade nas
circunst}ncias da crise.”

Centros de poder em deslocamento


Muito mudou desde entao. Lula retomou o poder da era
caótica e isolacionista do governo de Jair Bolsonaro. Vladimir
Putin está oficialmente de volta ao controle do estado russo e
mais antiocidental do que nunca.
O reinado do nacionalista hindu Narendra Modi na Índia faz
com que Nova Délhi se aproxime de Moscou em busca de
petróleo barato. E Xi, após uma década no poder, agora está
colocando a expansão do papel internacional da China no topo
de sua lista de prioridades.

McElwee, do CSIS, observa que “neste impulso, o comércio


aprimorado com a Rússia é útil”, j| que Putin “depende cada
vez mais da China para obter tecnologia avançada que agora
tem capacidade muito limitada de comprar oficialmente de
nações ocidentais, como semicondutores e equipamentos de
telecomunicações, mesmo permanecendo apenas uma parte
de um impulso de diversificação das exportações chinesas de
longo prazo que também inclui muitos países do Sul Global .”

Da mesma forma, explica McElwee, “{ medida que o ambiente


internacional da China piora, Pequim busca cada vez mais
aumentar a autoconfiança em tecnologias essenciais. Apenas
algumas semanas atrás, em Pequim, por exemplo, os
formuladores de políticas sinalizaram a centralidade dessa
prioridade ao lançar uma nova comissão do CPC projetada
para aprimorar as capacidades de pesquisa e inovação da
China”.

Esse “objetivo pode estar aumentando o status de p|ria de


Moscou”, diz McElwee. “Embora o maior acesso {s principais
faculdades científicas e instalações de pesquisa e
desenvolvimento da Rússia seja um objetivo há muito tempo,
joint ventures recentes sugerem que Pequim está
alavancando sua estreita parceria com Moscou para melhorar
a qualidade do ecossistema de educação científica e
tecnológica da China.”

Enquanto Xi está aumentando a independência das cadeias de


suprimentos chinesas das sanções de Biden, o retorno de Lula
ao poder brasileiro está adicionando impulso às ambições
mais amplas de substituir o dólar de Pequim.
Maior cooperação se mostrou difícil durante a presidência de
Bolsonaro de 2019-2022, durante a qual políticos de direita
acusaram empresas chinesas de “comprar” o Brasil. Agora
Lula, que voltou ao cargo em janeiro, está trabalhando em
pelo menos 20 projetos bilaterais com Pequim em áreas que
vão da agricultura ao meio ambiente, da educação à
tecnologia e uma miríade de negócios.

Entre as narrativas de negócios que Lula estava apresentando


na semana passada estão os planos da fabricante chinesa BYD
de assumir uma antiga fábrica da Ford no nordeste do
Brasil. Em outubro, a BYD assinou um protocolo de intenções
com o governo da Bahia para investir mais de US$ 600
milhões na produção de veículos elétricos, gerando cerca de
1.200 empregos.

Conceber a logística e a mecânica de uma moeda do BRICS é


infinitamente mais fácil falar do que fazer. A China, que reluta
até mesmo em permitir que o yuan seja totalmente
conversível, está pronta para se juntar a um gigante bloco
monetário?

Claro, as perspectivas de curto prazo para o dólar estão


ameaçadas por temores de recessão que só foram
exacerbados pelo colapso do Silicon Valley Bank e seus pares.

“Esperamos que o dólar americano enfraqueça { medida que o


crescimento dos EUA e o prêmio da taxa de juros em relação
ao resto do mundo diminuem nos próximos meses”, observa
Solita Marcelli, diretora de investimentos para as Américas do
UBS Global Wealth Management.

O dólar tem problemas muito maiores, no entanto. Eles


incluem os mercados mundiais enervantes do Federal
Reserve dos EUA com aumentos agressivos das taxas de juros,
a dívida de Washington subindo para US$ 32 trilhões e
preocupações de que a Casa Branca de Biden esteja
exagerando nas sanções contra a China e a Rússia.
E agora, o Lula do Brasil está ajudando a busca de Xi para
aumentar a influência do Sul Global e lembrar aos
comerciantes que o tempo não está do lado do dólar.

Uma ótima semana, de fato, para as ambições mais amplas de


Xi.
FRANÇA
Macron não tem interesse em
'desvincular' da China
Líder francês coloca negócios antes da política durante
viagem a Pequim que garantiu grandes novos negócios para a
Airbus e outras empresas nacionais
Por SCOTT FOSTER10 DE ABRIL DE 2023

O Presidente chinês Xi Jinping (E) e o Presidente francês Emmanuel Macron (R)


visitam o jardim da residência do Governador de Guangdong, a 7 de abril de 2023,
onde viveu o pai do Presidente chinês XI Jinping, XI Zhongxun. Foto:
Pool/AFP/Twitter Screengrab

A recente visita de Estado do presidente francês Emmanuel


Macron à China foi duramente criticada por seu fracasso em
promover a paz na Ucrânia, mas talvez isso não estivesse
realmente no topo da agenda de Macron em Pequim.

A viagem de alto nível, no entanto, resultou em acordos para


expandir os negócios da Airbus e de outras empresas
francesas na China – um desenvolvimento significativo para a
economia da França e sua diplomacia independente e um
revés notável para os esforços da Boeing e dos EUA para
restringir a China.

O CEO da Airbus, Guillaume Faury, um dos cerca de 60


executivos franceses que se juntaram à comitiva de Macron,
assinou um acordo com a Tianjin Free Trade Investment
Company e a Aviation Industry Corporation of China para
estabelecer uma segunda linha de montagem do A320 na
fábrica da Airbus em Tianjin. A cerimônia de assinatura,
realizada em 6 de abril, foi testemunhada por Macron e pelo
presidente chinês, Xi Jinping.

Tianjin é um dos quatro locais de montagem final da Família


A320 em todo o mundo. As outras estão localizadas em
Toulouse, na França, Hamburgo, na Alemanha e Mobile, no
Alabama, nos Estados Unidos. A fábrica de Tianjin entregou
mais de 600 aeronaves A320 desde que iniciou suas
operações em 2008.

A Família A320 é uma série de jatos de passageiros de corpo


estreito (corredor único). Introduzido pela primeira vez em
1988, agora supera o Boeing 737.

O primeiro A321neo montado em Tianjin foi entregue em


março de 2023, ampliando a linha de produtos. O A321neo é a
aeronave de fuselagem mais longa da linha A320,
acomodando de 180 a 220 passageiros em uma configuração
típica.

A Airbus também assinou um acordo com a China Aviation


Supplies Holding Company (CAS) cobrindo a compra de 160
jatos de passageiros.
Houve algum otimismo em relação às vendas adicionais de
aeronaves Airbus de carga e de passageiros de longa distância
para a China, mas uma decisão foi adiada enquanto se aguarda
um estudo mais aprofundado das “necessidades das
companhias aéreas chinesas, dependendo da recuperação e
desenvolvimento do mercado de transporte aéreo da China”. e
frota”, de acordo com um comunicado oficial.

Além disso, a Airbus assinou um memorando de


entendimento com o China National Aviation Fuel Group
(CNAF) para intensificar a cooperação na padronização,
produção e uso de combustíveis de aviação sustentáveis.

Em setembro de 2022, a Airbus e a CNAF concordaram em


apoiar o uso de combustíveis sustentáveis em voos na
China. Até o final de março, 18 desses voos haviam sido
realizados. Até 2030, as empresas esperam que os
combustíveis sustentáveis representem 10% do consumo
total de combustível de aviação na China.

O avião A320neo em construção para a China. Crédito: Airbus

A Airbus espera que o tráfego aéreo da China cresça a uma


taxa média anual de 5,3% nas próximas duas décadas,
superando a média mundial de 3,6%. Em seus cálculos, isso
deve levar a uma demanda de 8.420 aeronaves até 2041, ou
mais de 20% das vendas futuras projetadas de aeronaves
globais.

No final de março de 2023, mais de 2.100 aeronaves Airbus


estavam em serviço na China, representando mais de 50% da
frota total do país.

A Airbus gostaria de manter esse nível de domínio e o


governo dos EUA está fazendo tudo o que pode para ajudar
com suas sanções econômicas e com a disseminação do medo
à segurança nacional. A Boeing , que tinha (e talvez ainda
tenha) grandes esperanças para o mercado chinês, está no
limite tentando competir com a Airbus.

A comitiva de Macron também incluiu executivos da


Electricite de France (EDF), especialista em gestão de água e
resíduos Suez SA, companhia de navegação CMA CGM,
fabricante de material ferroviário e ferroviário Alstom,
empresa de cosméticos L'Oréal e muitos outros.

A EDF assinou acordos para renovar sua parceria com o China


General Nuclear Power Group no projeto, construção e
operação de usinas nucleares; estender a cooperação com a
China Energy Investment Corporation em energia eólica
offshore; e cooperar com a State Power Investment
Corporation da China no desenvolvimento da energia eólica
onshore em Yunnan.

A Suez assinou um acordo com o Wanhua Chemical Group e o


China Railway Shanghai Engineering Bureau para projetar e
construir uma usina de dessalinização de água do mar para
uso industrial em Shandong.

A CMA CGM assinou um acordo com a China Ocean Shipping


Company (COSCO) e o Shanghai International Port Group para
o fornecimento de combustíveis biometanol e e-metanol.
A Alstom fornecerá sistemas de tração elétrica para o metrô
de Chengdu em cooperação com a CRRC (antiga China
National Railway Locomotive & Rolling Stock Industry
Corp). A Alstom possui 11 joint ventures e oito subsidiárias
integrais na China.

A L'Oreal firmou um contrato de marketing de três anos com


o Alibaba e chegou a um acordo com o Shanghai Oriental
Beauty Valley para estabelecer uma plataforma de incubação
para empreendimentos cosméticos franceses na China.

A França e a China também concordaram em facilitar a


emissão de vistos para estudantes, reiniciar projetos de
pesquisa científica interrompidos pela pandemia de Covid e
organizar um ano de turismo cultural para comemorar o 60º
aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas
entre a França e a China em 2024 Este último incluirá uma
exposição de objetos de Versalhes na Cidade Proibida.

Um jato Boeing 737 MAX da Air China estacionado no centro de conclusão e


entrega da fabricante de aviões americana em Zhoushan, perto de Xangai. Foto:
Apostila
A visita de Macron à China e as reuniões com Xi irritaram
muitos comentaristas e meios de comunicação americanos e
britânicos. O New York Times publicou uma manchete
dizendo “A diplomacia francesa prejudica os esforços dos EUA
para controlar a China”.

O Telegraph escreveu “Macron humilhou a si mesmo – e a


UE. Tanto para a unidade ocidental.” A Política Externa
chamou a viagem de Macron de “uma tarefa para tolos”.

Talvez fosse se o objetivo principal fosse influenciar a política


da China em relação à Rússia e trazer paz à Ucrânia. Mas isso
não é claramente o que estava na mente de Macron em
Pequim.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia,


visitou a China ao mesmo tempo que Macron, mas ficou
apenas um dia.

Uma defensora da redução do risco de dependência


econômica da China – embora não da dissociação – ela
recebeu uma recepção fria enquanto Macron tomava chá com
Xi e era cercado por estudantes chineses que o adoravam.
OPINIÃO

A nova economia mundial emergente


O agrupamento BRICS pode formar o núcleo da nova ordem
mundial, mas o futuro ainda não está definido
RICHARD D. WOLFF
As bandeiras dos países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –
ondulam ao vento. Outras nações estão procurando se juntar ao bloco. Foto: iStock

O novo emergente sempre assusta e inspira o velho que se


desvanece. A história é evidência dessa unidade de
opostos. Rejeições afiadas do que é novo se chocam com
celebrações entusiásticas disso.

O velho é afastado mesmo quando as negações amargas dessa


realidade surgem. A emergente nova economia mundial exibe
exatamente essas contradições.

Quatro grandes desenvolvimentos podem ilustrá-los e


enfatizar suas interações.

Mudança para o nacionalismo econômico


Primeiro, o paradigma globalizante neoliberal é agora o
velho. O nacionalismo econômico é o novo.

É outra inversão de suas posições anteriores. Impulsionado


por sua célebre motivação do lucro, o capitalismo em seus
antigos centros (Europa Ocidental, América do Norte e Japão)
investiu cada vez mais em outros lugares: onde a força de
trabalho era muito mais barata; os mercados estavam
crescendo mais rápido; as restrições ecológicas eram fracas
ou ausentes; e os governos facilitaram melhor a rápida
acumulação de capital.

Esses investimentos trouxeram grandes lucros de volta aos


antigos centros do capitalismo, cujas bolsas de valores
explodiram e, assim, suas desigualdades de renda e riqueza se
ampliaram (uma vez que os mais ricos possuem a maior parte
dos títulos).

Ainda mais rápido foi o crescimento econômico desencadeado


após a década de 1960 no que rapidamente se tornou os
novos centros do capitalismo (China, Índia e Brasil). Esse
crescimento foi potencializado ainda mais pela chegada de
capitais deslocados dos antigos centros.

A dinâmica do capitalismo já havia deslocado seu centro de


produção da Inglaterra para o continente europeu, depois
para a América do Norte e o Japão. Essa mesma dinâmica
voltada para o lucro a levou para a Ásia continental e além
durante o final do século XX e início do século XXI.

A globalização neoliberal na teoria e na prática tanto refletiu


como justificou esta relocalização do capitalismo. Ele celebrou
os lucros e o crescimento trazidos para empresas privadas e
estatais em todo o mundo.

Minimizou ou ignorou os outros lados da globalização: (1)


aumento das desigualdades de renda e riqueza dentro da
maioria dos países; (2) a mudança da produção dos velhos
para os novos centros do capitalismo; e (3) crescimento mais
rápido da produção e dos mercados nos novos centros do que
nos antigos.

Essas mudanças abalaram as sociedades dos antigos


centros. As classes médias ali se atrofiaram e encolheram à
medida que bons empregos se mudaram cada vez mais para
os novos centros do capitalismo.
As classes patronais dos antigos centros usavam seu poder e
riqueza para manter suas posições sociais. Na verdade, eles
ficaram mais ricos colhendo os maiores lucros provenientes
dos novos centros.

No entanto, a globalização neoliberal provou ser desastrosa


para a maioria dos trabalhadores nos velhos centros do
capitalismo. Neste último, a classe patronal não apenas obteve
lucros crescentes, mas também descarregou os custos do
declínio dos antigos centros do capitalismo para os
empregados.

Cortes de impostos para empresas e ricos, salários reais


estagnados ou em declínio (auxiliados pela imigração),
reduções de “austeridade” dos serviços públicos e negligência
da infraestrutura produziram uma desigualdade cada vez
maior.

As classes trabalhadoras de todo o Ocidente capitalista


ficaram chocadas com a ilusão de que a globalização
neoliberal também era a melhor política para elas. A crescente
militância trabalhista nos EUA, como revoltas em massa na
França e na Grécia e mudanças políticas de esquerda no Sul
Global, implicam rejeições da globalização neoliberal e de
seus líderes políticos e ideológicos.

Além disso, o próprio capitalismo está sendo abalado,


questionado e desafiado. De novas maneiras, os projetos para
ir além do capitalismo estão novamente na agenda histórica,
apesar dos esforços do status quo para fingir o contrário.

Expansão do poder do estado


Em segundo lugar, nas últimas décadas, a intensificação dos
problemas da globalização neoliberal forçou o capitalismo a
fazer ajustes. À medida que a globalização neoliberal perdeu
apoio de massa nos velhos centros do capitalismo, os
governos assumiram poderes e fizeram mais intervenções
econômicas para sustentar o sistema capitalista.

Em suma, o nacionalismo econômico surgiu para substituir o


neoliberalismo. Em vez da velha ideologia e políticas laissez-
faire, o capitalismo nacionalista racionalizou o poder de
expansão do estado.

Nos novos centros do capitalismo, o aumento do poder do


Estado produziu um desenvolvimento econômico que
superou notavelmente os antigos centros. A receita dos novos
centros era criar um sistema no qual um grande setor de
empresas privadas (de propriedade e operadas por
particulares) coexistisse com um grande setor de empresas
estatais de propriedade do Estado e operadas por seus
funcionários.

Em vez de um sistema capitalista majoritariamente privado


(como o dos EUA ou Reino Unido) ou um sistema capitalista
majoritariamente estatal (como o da URSS), lugares como a
China e a Índia produziram híbridos. Governos nacionais
fortes presidiram a coexistência de grandes setores privados e
estatais para maximizar o crescimento econômico.

Tanto as empresas privadas quanto as estatais e sua


coexistência merecem o rótulo de “capitalistas”. Isso porque
ambos se organizam em torno da relação patrões e
empregados. Em ambos os sistemas/empresas privadas e
estatais, uma pequena minoria de empregadores domina e
controla uma grande maioria de empregados.

Afinal, a escravidão muitas vezes também exibia


empreendimentos privados e estatais coexistentes que
compartilhavam a relação senhor-escravo definidora. Da
mesma forma, o feudalismo tinha empresas privadas e
estatais com a mesma relação senhor-servo.

O capitalismo não desaparece quando exibe a coexistência de


empresas privadas e estatais organizadas em torno da mesma
relação empregador-empregado. Assim, não confundimos
capitalismo de estado com socialismo.

No último, um sistema econômico diferente, não capitalista,


desloca a organização empregador-empregado dos locais de
trabalho em favor de uma organização comunitária
democrática do local de trabalho, como nas cooperativas de
trabalhadores. A transição para o socialismo nesse sentido
também é um resultado possível da turbulência atual em
torno da formação de uma nova economia mundial.

O híbrido estatal-privado na China atinge taxas de


crescimento do PIB e dos salários reais notavelmente altas e
duradouras, que continuaram nos últimos 30 anos. Esse
sucesso influencia profundamente os nacionalismos
econômicos em todos os lugares para se mover em direção a
esse modelo híbrido.

Mesmo nos EUA, a competição com a China se torna a


desculpa para intervenções governamentais maciças. As
guerras tarifárias – que aumentavam os impostos domésticos
– podiam ser entusiasticamente endossadas por políticos que,
de outra forma, pregavam a ideologia do laissez-faire.

O mesmo se aplica às guerras comerciais dirigidas pelo


governo, ao direcionamento do governo a corporações
específicas para punição ou proibição, subsídios do governo a
indústrias inteiras como tantos estratagemas econômicos
anti-China.

Declínio imperial
Em terceiro lugar, nas últimas décadas, o império dos EUA
atingiu o pico e começou seu declínio. Assim, segue o padrão
clássico de nascimento, evolução, declínio e morte de todos os
outros impérios (grego, romano, persa e britânico).
O império dos EUA emergiu e substituiu o Império Britânico
no último século e especialmente após a Segunda Guerra
Mundial. Anteriormente, em 1776 e novamente em 1812, o
Império Britânico tentou e falhou militarmente em impedir ou
impedir o desenvolvimento de um capitalismo americano
independente.

Após esses fracassos, a Grã-Bretanha tomou um rumo


diferente em suas relações com os Estados Unidos. Depois de
muito mais guerras em suas colônias e com colonialismos
concorrentes ao longo dos séculos 19 e 20, o império da Grã-
Bretanha acabou.

A questão é se os EUA aprenderam ou podem aprender a


principal lição do declínio imperial da Grã-Bretanha. Ou
continuará tentando meios militares, cada vez mais
desesperada e perigosamente, para manter uma posição
hegemônica global que declina implacavelmente?

Afinal, as guerras dos EUA na Coréia, Vietnã, Afeganistão e


Iraque foram todas perdidas. A China agora substituiu os EUA
como o principal pacificador no Oriente Médio. Os dias do
dólar americano como moeda global suprema estão
contados. A supremacia dos EUA nas indústrias de alta
tecnologia já deve ser compartilhada com as indústrias de alta
tecnologia da China.

Mesmo os principais CEOs corporativos dos EUA, como Tim


Cook, da Apple, e a Câmara de Comércio dos EUA, querem os
lucros de mais fluxos comerciais e de investimento entre os
EUA e a China. Eles olham com consternação para as
crescentes hostilidades politicamente motivadas do governo
Joe Biden dirigidas à China.
O que o futuro guarda?
Em quarto lugar, o declínio do império dos EUA levanta a
questão do que vem a seguir à medida que o declínio se
aprofunda.

A China é o novo hegemon emergente? Irá herdar o manto do


império dos EUA como os EUA o tiraram da Grã-Bretanha? Ou
alguma nova ordem mundial multinacional emergirá e
moldará uma nova economia mundial?

A possibilidade mais interessante, e talvez a mais provável, é


que a China e todo o agrupamento de nações BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) se encarreguem da
construção e manutenção de uma nova economia mundial.

A guerra na Ucrânia já aumentou as perspectivas de tal


resultado ao fortalecer a aliança BRICS. Muitos outros países
se inscreveram ou se candidatarão em breve para entrar na
estrutura do BRICS.

Juntos, eles têm população, recursos, capacidade produtiva,


conexões e solidariedade acumulada para ser um novo pólo
de desenvolvimento econômico mundial. Se eles
desempenhassem esse papel, as partes restantes do mundo,
da Austrália e Nova Zelândia à África, Europa e América do
Sul, teriam que repensar suas políticas econômicas e políticas
externas.

Seus futuros econômicos dependem em parte de como eles


navegam na disputa entre as organizações econômicas do
velho e do novo mundo. Esses futuros também dependem de
como os críticos e vítimas do capitalismo
neoliberal/globalizante e do capitalismo nacionalista
interagem dentro de todas as nações.
Este artigo foi produzido pelo Economy for All , um projeto do Independent Media Institute, que o forneceu ao
Asia Times.

RICARDO D WOLFF
Richard D Wolff é professor emérito de economia na University of Massachusetts, Amherst, e professor
visitante no Graduate Program in International Affairs da New School University, em Nova York. Seus três
livros recentes com Democracy at Work são The Sickness Is the System: When Capitalism Fails to Save Us
From Pandemics or Itself, Understanding Marxism, and Understanding Socialism. Mais de Richard D. Wolff

Dica de Leitura 2023 – Radar geográfico


Edição: Oscamacedo.macedo

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