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Descolonizações Literárias:

e a insubmissão da autoria
negra contemporânea

Profa. Dra. Fernanda Felisberto


2016
Um debate escolar

A escola brasileira apesar de toda blindagem está


passando por mudanças estruturais irreversíveis,
para o bem das novas identidades estudantis,
fruto das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que
favorecerá a criação de novos laços e redes de
combate ao racismo e aos estereótipos étnicos
(Lins; Oliveira: 2013, p. 15) em seu interior.
Um debate escolar

Já não cabe mais no cenário atual uma estrutura


escolar que não dialogue com seus atores
sociais, que não repense a formação do seu
corpo docente, seus programas, materiais
didáticos e praticas pedagógicas, que não
rivalize e nem descontrua as múltiplas
identidades de seus(as) alunos(as), e sim
possibilite a construção de fato: a de uma escola
plural.
Um debate escolar

Os treze anos da lei 10.639/2003 revelaram uma vez


mais a luta incansável do movimento social negro,
de pesquisadores(as) autônomos(as) e de coletivos
acadêmicos organizados em torno desta frente
comum de descolonizar currículos e mentes, pois a
Lei coloca o desafio também para a necessidade de
construção de uma história não somente da África e
dos negros no Brasil, mas também uma outra
história do mundo (Gomes: 2008, p. 526).
Um debate escolar

Este processo de (re)significar os currículos escolares passa


também pela (re)elaboração de práticas pedagógicas, e neste
caso a literatura negro-brasileira é um conteúdo possível de se
trabalhar nas subjetividades, no imaginário de seus leitores(as) e
alterar a sua representação social, ou seja, uma transformação no
processo de formação de conduta em relação ao outro
representado[...] na medida que esta representação não
apresentar  objetos de recalque e inferiorização desse outro
(Silva: 2011, p. 31), o que estará em curso é uma representação
social da população negra construída pelos próprios negros, livre
de estereótipos e subordinações.
 
Um debate escolar

Construir práticas pedagógicas a partir da


literatura negro-brasileira atende a duas
demandas dentro do chão da escola, tanto
estimula ao corpo docente a conhecer e utilizar
esta literatura, assim como aproxima e valoriza a
experiência de alunos(as) negros(as) com os
relatos dos autores(as).
Afirmando um lugar de fala

Literatura Brasileira

Literatura Negro-Brasileira
O local do negro
Literatura Brasileira

Representação

Não construída pelos próprios negros

Imagem negativa cristalizada no imaginário nacional


O local do negro
Literatura Negro-brasileira

Autoria

Protagonismo

Empoderamento
Por uma história rizomática

A emergência de novos atores sociais permite supor a


necessidade, experimentada por esses mesmos atores, de
reconstruir uma história própria esquecida pelo discurso da
comunidade hegemônica. A mesma necessidade de alguns
movimentos sociais e políticos de apresentar ou inscrever suas
raízes na história de seus países os têm levado a procurar nomes,
imagens ou figuras emblemáticas que fundaram nacional, ou de
forma continental sua ação e seu discurso. Essas raízes histórico-
discursivas supõem, na maioria das vezes, um novo relato da
história nacional, ou uma nova narrativa sobre o nacional, uma
história rizomática e, pelo mesmo motivo, democrática.
(ACHUGAR,2006:162)
Outras percepções do ato
de escrever

Gosto de escrever, na maioria das vezes dói, mas depois do


texto escrito é possível apaziguar um pouco a dor, eu digo
um pouco ... Escrever pode ser uma espécie de vingança, às
vezes fico pensando sobre isso. Não sei se vingança, talvez
desafio, um modo de ferir o silêncio imposto, ou ainda,
executar um gesto de teimosia esperança. Gosto de dizer
ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto
que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu
acesso o mundo.
Conceição Evaristo
Percurso
Percurso
• O eu enunciador é coletivo;
• Corpos produzindo discurso;
• Personagens apresentados a partir da valorização
da pele, dos seus traços físicos de suas marcas
africanas;
• Inserção/Exclusão dos negros da sociedade
brasileira;
• Discurso alinhado com os movimentos anti-
racismo;
Percurso
Percurso
• Rasura no projeto hegemônico no cânone
literário brasileiro;
• (Re)significa a história oficial;
• Humanização de personagens e narrativas;
• Enfrentamento do racismo;
• Valorização das mulheres negras;
• Visibilidade de novas latitudes autorais, novas
epistemologias;
Literaturas Negro-diásporicas
Negro-Diaspóricas
consideramos como literaturas negro-diaspóricas as
diferentes literaturas negras que trazem marcas da
afirmação, inclusão e valorização do ser negro e da sua
origem africana, do vínculo com as religiões de matrizes
africanas, o uso da oralidade e de expressões africanas no
texto literário, a revisão crítica da história, a denúncia
incansável da discriminação racial em seus países, o olhar
solidário e consciente para os problemas dos negros na
diáspora e em África em diálogos incessantes, trocas
ininterruptas com os textos de negras e negros desses
países. (RISO: 2014,102)
Interseccionalidade
A interseccionalidade é uma conceituação do
problema que busca capturar as consequências
estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou
mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente
da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a
opressão de classe e outros sistemas discriminatórios
criam desigualdades básicas que estruturam as
posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e
outras (CRENSHAW, 2002: 177).
Encruzilhadas

A encruzilhada atua como operador teórico-


conceitual de interseções, inscrições e
disjunções, fusões e transformações, rupturas e
relações, desvios, origens e disseminações,
transformação e atualização das linguagens e
das expressões da singularidade e das
alteridades negras (MARTINS, 1997).
(Re)significando a História
José Carlos Limeira
Escritor baiano, faleceu em 2016.
Para Domingos Jorge Velho
DOMINGOS, bem que você VELHO, o que me dói
É o fato de teres com alguns milhares
poderia De porcos dizimado um sonho
Ter sido menos canalha! Justo de Liberdade.
Está certo que eras um filho da E ainda por cima voltaste com
Coroa, Três mil orelhas de negros,
Súdito leal, TRÊS MIL!
Ontem senti um tremendo nojo
E os negros de Palmares ...
Quando te vi como herói no livro
Ora, negro é negro. de História do meu filho.
Mas foi no fim muito bom
Porque veio de novo a vontade
Jorge meu caro
De reescrever tudo
Entendo que estivesses vendo E agora sem heróis como você
seu lado Que seriam, no máximo, depois de
Ouro, carne-seca, farinha, revistos,
eram bem pagos Assassinos, e bem baratos.
Atenciosamente
UM NEGRO
Salgado Maranhão
Caxias (Maranhão), atualmente mora no Rio, formado
em Comunicação pela PUC-Rio.
HISTORINHAS DO BRASIL PARA
PRINCIPIANTES

chegaram de canhões e caravelas


chamando tupis de índios.
no primeiro dia brindaram ao redor  da cruz, não
conheciam a terra, mas já eram donos.
Mais tarde voltaram procurando pedras,
abrindo ruas,  fundaram
As capitanias das sífilis hereditárias.
Enfrentamento ao
racismo
Arnaldo Xavier
Cuti
Pseudônimo de Luiz Silva, doutor em
Literatura Comparada pela Unicamp,
escritor.
Quebranto

às vezes sou o policial às vezes sou o meu próprio


que me suspeito delito
me peço documentos o corpo de jurados
e mesmo de posse deles a punição que vem com o
me prendo veredito
e me dou porrada
às vezes sou o amor
às vezes sou o zelador que me viro o rosto
não me deixando entrar o quebranto
em mim mesmo o encosto
a não ser a solidão primitiva
pela porta de serviço que me envolvo com o vazio
(...)
Ferro

Primeiro o ferro marca


a violência nas costas
Depois o ferro alisa
a vergonha nos cabelos
Na verdade o que se precisa
é jogar o ferro fora
e quebrar todos os elos
dessa corrente
de desesperos
Ricardo Aleixo
Poeta, músico de Belo Horizonte, nasceu
em 1960.
Rondó da Ronda Noturna

(LIMA, 2013, p. 45)


Livia Natalia
Nasceu em Salvador, (1979) Professora de Teoria
da Literatura na UFBA, escritora.
Quadrilha

Maria não amava João. 


Apenas idolatrava seus pés escuros.
Quando João morreu,
assassinado pela PM,
Maria guardou todos os sapatos.”
Mulheres negras
estéticas e afetos
Conceição Evaristo
Mineira, escritora, ganhadora do Prêmio Jabuti, doutora
em Literatura Comparada pela UFF, professora
convidada da UFMG.
Todas as manhãs
Todas as manhãs acoito sonhos Todas as manhãs junto ao nascente
e acalento entre a unha e a carne dia
uma agudíssima dor. ouço a minha voz-banzo,
âncora dos navios de nossa
Todas as manhãs tenho os
memória.
punhos E acredito, acredito sim
sangrando e dormentes que os nossos sonhos protegidos
tal é a minha lida pelos lençóis da noite
cavando, cavando torrões de ao se abrirem um a um
terra, no varal de um novo tempo
até lá, onde os homens enterram escorrem as nossas lágrimas
a esperança roubada de outros fertilizando toda a terra
homens. onde negras sementes resistem
reamanhecendo esperanças em
nós.
Crisitane Sobral
Carioca, moradora de Brasília, escritora e
professora de teatro.
.
Pixaim Elétrico
Pixaim Elétrico
Naquele dia Meu cabelo escuro, crespo, alto
Meu pixaim elétrico gritava e grave
alto Quase um caso de polícia
Provocava sem alisar ninguém Em meio à pasmaceira da cidade
Meu cabelo estava cheio de si Incomodou identidades e pariu
Naquele dia novas cabeças
Preparei a carapinha para Abaixo a demagogia
enfrentar a monotonia da Soltei as amarras e recusei
paisagem da estrada qualquer relaxante
Soltei os grampos e segui Assumi as minhas raízes
De cara pro vento, bem Ainda que brincasse com alguns
matizes
desaforada
Confrontando o meu pixaim
Sem esconder volumes nem
elétrico
negar raízes Com as cores pálidas do dia.
Pura filosofia
Obrigada!

Profa. Fernanda Felisberto


Contato: fefelisb@ufrrj.br

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