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Bianca Santana
convite para estar aqui hoje. Agradeço também pelas trocas, reflexões e aprendizados
neste seminário.
compartilhar com vocês uma cena que me pertubou por algum tempo. Ao final de uma
morreram naquele cais do Valongo, não foram enterradas com dignidade, seus corpos
não receberam tratamento fúnebre adequado e suas almas seguem vagando. Enquanto
Estive atenta à formulação, mas pensei que ele manifestasse algum adoecimento
psíquico. Mas repetidamente pensava na imagem evocada por ele. Eu ainda não
conhecia o livro “Ghosts of Slavery: A Literary Archaeology of Black Women 's Lives”,
Slaves believed that their earthly shadows lingered behind unless the
appropriate burial rituals were performed. Their lost stories can be thought of
Precisei da autora norte-americana para admitir que aquele senhor tinha razão e
traçar um paralelo com meu tema de pesquisa. Enquanto as histórias de pessoas negras
Brasil.
Brasil. Tenho me dedicado a olhar para a resistência de mulheres negras que narram
nossas histórias escondidas. Mulheres que têm despachado o que nos assombra por
meio daquilo que Conceição Evaristo, uma escritora brasileiras das mais importantes,
chamou escrevivência.
Surge a fala e um corpo que não é apenas descrito, mas antes de tudo
205).
“Escrevivência: imagens e espelhos”. Ela trouxe abebês de Oxum e Iemanjá para nos
mostrar como esses espelhos, ferramentas de orixás femininos das águas, permitem não
apenas ver os copos negros nele refletidos, mas acessar o reflexo de nós. A
subjetividade dos corpos de mulheres negras tão negada pelo racismo. Não é sobre o
espelho de Narciso, que afoga. Mas sobre o espelho de Oxum, que contempla a beleza,
percebe os inimigos antes que se aproximem, devolve o que vem em sua direção. É
Casa Grande, repete Conceição Evaristo com frequência, mas sim acordá-los de seus
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Em conjunto com uma instituição de ensino, o Insituto Singularidades, convidamos duas autoras e dois
autores negros brasileiros, todos com mais de 70 anos de idade, a gravarem conferências. Dedicamos um
mês de encontros síncronos e assíncronos para debater, em um grupo de cerca de 90 pessoas, cada uma
das conferências.
sonhos injustos. O corpo vivido se apresenta na escrita, sem distância entre enunciador e
objeto narrado. “Palavras cozinhadas pacientemente por quem vive a violência racial e
brasileiras como resistência ao racismo. Só ali conheci autoras que deveriam compor o
escravizada, enviou uma carta, escrita por ela, ao então governador do Piauí
estavam submetidas. No século 18 nem as pessoas brancas donas de tudo sabiam ler no
Brasil. Esperança Garcia lia, escrevia e ao narrar as experiências terríveis de seu corpo
da escrevivência.
palestra: “entendi, escrevivência é sobre nós”. E por ter conhecido uma apropriação tão
simples e exata do que é a escrevivência, de que ela é sobre nós, peço licença para
Esta biografia, que conta a história de Sueli Carneiro e, de algum modo, a vida
movimento negro contemporâneo, foi editada pelo Ricardo Teperman, que também está
Companhia das Letras. E para me dedicar a esta escritam recebi uma bolsa do Instituo
Ibirapitanga, no Brasil, dirigido por Iara Rolnik, que também está aqui. Inicialmente eu
não tratri esta biografia como exemplo de escreviência, mas pensando nessa escrita de
Infelizmente não terei tempo – nem inglês – para contar de toda a pesquisa e
processo de escrita para vocês. Mas deixo exemplares do livro, em português, aqui na
família Carneiro.
pesquisa genealógica faça pouco sentido. Mas no Brasil, pessoas negras admitem como
impossível saber nossas origens, o que é parcialmente verdadeiro. A narrativa oral das
famílias negras não costuma ir além da terceira geração. E acreditamos no mito de que
escravidão legal. Minha família, como exemplo: sei o primeiro nome das minhas avós e
avôs, sei o nome das cidades onde nasceram e só. Para trás, sei que há mistura racial
da Península Ibérica. E só. Sueli Carneiro também sabia apenas o primeiro nome dos
avós e a região de Minas Gerais de onde seu pai, José Horácio Carneiro, avô da Luanda,
em çivros que contam das famílias brancas que escravizaram. O resultado dessa
negros, mas deixou a sensação de que não é impossível. Com mais tempo e mais
ter mais facilidade em acessar documentos. Há inúmeros arquivos privados que não
O povo negro brasileiro não tem uma terra para onde voltar. Também não
traremos sacerdotes de diferentes regiões africanas para cuidar dos corpos violentados e
despejados em valas comuns. Mas a busca pelas origens, aprendi recentemente com
Saidya Hartman, nutre nossa resistência e nossa capacidade de imaginar não apenas
quem somos, mas quem queremos ser. Narrar nossas histórias cuida das feridas
Referências bibliográficas:
EVARISTO, Conceição. Gênero e etnia: uma escre (vivência) de dupla face. Mulheres
HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe: Uma jornada pela rota atlântica da escravidão.
Paulo, 2020.