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FICHAMENTO

TEXTO

(1)GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências


Sociais hoje. ANPOCS, 1984, (p. 223-244).

TESE CENTRAL

A busca de respostas para explicar a identificação do dominado com o denominador -


problemática já analisada por Franz Fanon, porém a autora se debruça sobre o caso
brasileiro.

A AUTORA

Lélia Gonzalez nasceu em 1º de fevereiro de 1935, em Minas Gerais, filha do negro


ferroviário Accacio Serafim d’ Almeida e de Orcinda Serafim d’ Almeida Lélia de Almeida
González. Era a penúltima de 18 irmãos. Com a mãe indígena, que era doméstica, recebeu as
primeiras lições de independência. Mudou-se com a família em 1942 para o Rio de Janeiro,
acompanhando o irmão Jaime, jogador de futebol do Flamengo. No Rio de Janeiro, cidade
que amava, seu primeiro emprego foi de babá .Não raro se identificava como carioca, foi
torcedora incondicional do Flamengo.

Graduou-se em história e filosofia, exercendo a função de professora da rede pública.


Posteriormente, concluiu o mestrado em comunicação social. Doutorou-se em antropologia
política /social, em São Paulo (SP), e dedicou-se às pesquisas sobre a temática de gênero e
etnia. Professora universitária, lecionava Cultura Brasileira na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio). Seu último cargo na instituição foi de chefe do
departamento de Sociologia e Política.

Viúva de Luiz Carlos González, enfrentou o preconceito por parte da família branca do
marido. Através do candomblé, da psicanálise e da cultura afro-brasileira assumiu sua
condição de mulher e negra.

Lélia se destacou pela importante participação que teve no Movimento Negro Unificado
(MNU), do qual foi uma das fundadoras. Em 07 de julho de 1978 em ato público oficializou a
entidade em nível nacional.

Para ela,o advento do MNU “consistiu no mais importante salto qualitativo nas lutas da
comunidade brasileira na década de 70.”

Ativista incansável, militou também em diversas organizações, com o Instituto de Pesquisas


das Culturas Negras (IPCN) e o Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga, do qual foi uma das
fundadoras. Em Salvador fez-se presente na fundação do Olodum. Sua importante atuação em
defesa da mulher negra rendeu a Lélia à indicação para membro do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM). Atuou no órgão de 1985 a 1989. Filiou-se ao Partido dos
Trabalhadores (PT) e disputou vaga na Câmara Federal,em 1982, alcançando a primeira
suplência. Foi candidata à deputada federal em 1982. Em 1986, estava no Partido
Democrático Trabalhista (PDT), por onde se candidatou como deputada estadual, também
conquistando a suplência.

Nos últimos anos, estudava o que ela chamava “negros da diáspora”, dando origem ao
conceito de amefricanidade Escreveu Festas populares no Brasil, premiado na Feira de
Frankfurt, Lugar de negro, em coautoria com Carlos Hasenbalg, duas teses de pós-graduação,
além de diversos artigos para revistas científicas e obras coletivas. Faleceu vítima de
problemas cardíacos no Rio de Janeiro no dia 10 julho de 1994.

“(...)o que se percebe é a identificação do dominado com o


dominador”.(p.224)

Esta questão principal leva a outras, como:

…o porquê dessa identificação. Ou seja, que foi que ocorreu, para que o mito da democracia
racial tenha tido tanta aceitação e divulgação? Quais foram os processos que teriam
determinado sua construção? Que é que ele oculta, para além do que mostra? Como a mulher
negra é situada no seu discurso? (p. 224)

“Trata-se das noções de mulata, doméstica e mãe preta”.(p.224)

“o fato é que, enquanto mulher negra, sentimos a necessidade de aprofundar nessa reflexão,
ao invés de continuarmos na reprodução e repetição de modelos que nos eram oferecidos pelo
esforço de investigação das ciências sociais.”(p.225)

O texto fascina pela lucidez e a contundência com que Lélia Gonzalez lança-se sobre essas
análises, as questões que levanta, as ocultações que denuncia. Também, a apresentação de
elementos da africanidade na cultura brasileira são pontos fortes do texto. Apreende-se nele
seu ativismo negro, coerente e comprometido com a busca das raízes da perpetuação do
racismo e da violência racista; sua trajetória de descoberta de si e dos incômodos que atingem
às mulheres negras, em muito larga medida. Sua própria proposição interpretativa -“O lugar
em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e
do sexismo.” (224)- é uma demarcação de seu devir.

“ Na medida em que nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim
determina a lógica da dominação, caberia indagar via psicanálise”.(p.225)
Este e um texto que, apesar de ser apresentado no meio acadêmico e de desenvolver uma linha
de raciocínio lógico, é escrito de forma fluida e com uma linguagem que subverte os cânones
para esse universo formal.

“Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans, é aquele que não tem fala
própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste
trabalho assumimos nossa própria fala”(p.225).

“ A primeira coisa que a gente percebe, nesse papo de racismo é que todo mundo acha que é
natural. Que negro tem mais é que viver na miséria. Por que? Ora, porque ele tem uma
qualidade que não estão com nada: irresponsabilidade, incapacidade intelectual, criancice, etc
e tal.”(p.225)

Seu suporte epistemológico, ou seja, os referenciais teóricos que utiliza, são da psicanálise de
Freud e Lacan. Ao mesmo tempo que apresenta elementos da cultura brasileira,
especificamente ligados à africanidade e à vida da mulher negra, procede a análises desses
elementos tanto por meio de uma lógica argumentativa, como de momentos de livre
associação, ao modo

“Por isso a gente vai trabalhar com duas noções que ajudarão a sacar o que a gente pretende
caracterizar. A gente tá falando de consciência e memória”.(p.226)

Para Gonzalez, o mito da democracia racial seria uma estratégia pari passu como a ideologia
do branqueamento e teria seu sentido no que denomina “sintomática neurose cultural
brasileira”, que nega o racismo e busca ocultá-lo. Desse recalque transbordam manifestações
daquilo que não pode ser ocultado: a africanidade presente nas exaltações de simbolismos do
Brasil, assim como na violência cotidiana contra todos e todas não brancos.

“E logo pinta a pergunta. Como pode? Que inversão é essa? Que subversão é essa? A dialética
do senhor e do escravo dá pra explicar o barato”.(p.239)

“(...) De repente, a gente deixa de ser marginal pra se transformar no símbolo da alegria, da
descontração, do encanto especial do povo dessa terra chamada Brasil.”(p.239)

“Na verdade, para além de outras razões, reagem dessa forma justamente porque a gente pôs o
dedo na ferida deles, a gente diz que o rei tá pelado. E o corpo do rei é preto e o rei é
Escravo.”(p.239)

“ Quando se diz que o português inventou a mulata, isso nos remete exatamente ao fato de ele
ter instituído a raça negra como objeto a; e mulata é crioula, ou seja, negra nascida no Brasil,
não importando as construções baseadas nos diferentes tons de pele. Isso aí te mais a ver com
as explicações do saber constituído do que com o conhecimento”.(p.240)

“É também no carnaval que se tem a exaltação do mito da democracia racial, exatamente


porque nesse curto período de manifestação do seu reinado o Senhor-Escravo mostra que ele
sim, transa e conhece a democracia racial.(...) ficando em seu lugar as ilusões que a
consciência cria para si mesma.”(p.240)
“Ao caracterizar da função da escrava no sistema produtivo (prestação e serviços) da
sociedade escravocrata, Heleieth Saffioti mostra sua articulação com prestação de serviços
sexuais”.(p.230)

“Não adianta serem ‘educadas’ ou estarem ‘bem vestidas’ (afinal, ‘boa aparência’, como
vemos o anúncios de emprego é uma categoria ‘branca’, unicamente atribuível a ‘brancas’ ou
‘clarinhas’).(p.230)

“ Mas é justamente aquela negra anônima, habitante da periferia, nas baixadas da vida, quem
sofre mais tragicamente os efeitos da terrível culpabilidade branca. Exatamente porque é ela
que sobrevive na base da prestação de serviços, segurando a barra familiar praticamente
sozinha. Isto porque seu homem, seus irmãos e seus filhos são objeto de perseguição policial
sistemática(esquadrões da morte, ‘mãos brancas estão aí matando negros à vontade; observe-
se que são os negros jovens, com menos de trinta anos.”(p.231)

“(...) Quem responde pra gente é um banco muito importante (pois é cientista social, uai)
chamado Caio Prado Júnior. Num livro chamado Formação do Brasil Contemporâneo(1976),
ele diz uma porção de coisa interessantes sobre a escravidão:
Realmente a escravidão, nas duas funções que exercerá na sociedade colonial, fator trabalho e
fator sexual, não determinará senão relações elementares a muito simples(...) A outra função
do escravo, ou antes da mulher escrava, instrumento de satisfação das necessidades sexuais de
seus senhores e dominadores, não tem um efeito menos elementar.”(p.231)

(...) mas que se atente para os hospícios, as prisões, e as favelas, como lugares privilegiados
da culpabilidade enquanto dominação e repressão.”(p.240)

“Nome do Pai?

“Se a batalha discursiva em termos de cultura brasileira, foi ganha pelo negro, que terá
ocorrido com aquele que segundo os cálculos deles, ocuparias o lugar do senhor?” (p.241)

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