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Resenha do texto “ A Evolução da noção de "indivíduo perigoso" na psiquiatria Legal

no século XIX”

BELÉM/2021
1- INTRODUÇÃO
O texto, A Evolução da noção de "indivíduo perigoso" na psiquiatria Legal no século
XIX, de Michel Foucault do livro intitulado Ética, Sexualidade, Política (Coleção Ditos
e Escritos, vol. 5, pg 1 a 25). Rio de Janeiro: Forense Universitária (Publicação
Original de 1978), vem trazendo à margem uma visão sobre como eram vistos os
criminosos que possuíam alguma doença mental e como se deu a evolução do uso
da psiquiatria no âmbito jurídico.
2- RESENHA
A psiquiatria, no começo, não era utilizada com tanto afinco como hodiernamente.
Ela veio conquistando seu espaço com o passar dos tempos, tanto no medicina por
ser considerada uma área recente, quanto no campo do direito.
A utilização desse saber na área jurídica se dava em casos onde era "óbvio" que
havia algum tipo de patologia presente no indivíduo e que isso levou-o a cometer
tal(is) delito(s). Contudo, por ser requisitada apenas em casos evidentes serviu
apenas como meio de confirmar o que já se sabia. Ou seja, não tinha qualquer tipo
de aproximação e nem importância extraordinária nesse meio.
Com o tempo, foi-se percebendo casos onde a explicação já não parecia ser tão
simples e precisavam ter uma justificativa plausível para assim poder se fazer
justiça. Logo, magistrados precisam se apoiar na psiquiatria para achar algum tipo
de resolução para suas dúvidas, trazendo consigo essa mudança acerca dos crimes
cometidos por pessoas que têm algum tipo de psicopatologia.
Por conta do pouco conhecimento na época e da situação precária que muitos
países passavam, situações desumanas aconteciam e eram relacionadas a
doenças mentais. Um exemplo é a história de Sélestat que comeu a perna da filha
em um ensopado:
Caso de Sélestat: na Alsácia, durante o inverno muito rigoroso de
1817, no qual a miséria ronda, uma camponesa se aproveita da
ausência de seu marido que havia saído para trabalhar e mata sua
filinha, corta-lhe a perna e a cozinha na sopa ( FOUCAULT,1978 pg.
3).

Essas questões econômico-sociais perpassavam pelo direito e sem dúvida também


pela psiquiatria, nesse caso, por exemplo, houve um embate entre a presença de
uma doença ou fome como possíveis causas que levaram ao crime, isso porque a
situação de mulher era miserável. Questões como essas mobilizaram tanto a justiça
que, como supracitado, fez com que aceitasse e abrisse espaço para a psiquiatria,
mesmo que a contragosto e por apenas interesse.
E, obviamente, como uma estratégia política que prevalecia a burguesia/elite, essa
adição tinha como pano de fundo a higiene social. Haja vista, que doentes mentais
também se encaixam na parte da sociedade que é renegada e excluída. Tal
preconceito fez com que em qualquer crime o qual fugisse um pouco mais da
“normalidade” o criminoso era enquadrado como louco e por associação “loucos”
seriam perigosos e deveriam ser afastados do convívio com a sociedade. E pode-se
ver reflexo dessa estratégia até hoje, onde pessoas que possuem algum transtorno
são vistas como loucas, sem fé e perigosas.
O principal diagnóstico utilizado pelos médicos da época reforçava essa relação
entre loucura e crime. Ao criar o conceito de monomania a psiquiatria fez
exatamente o que o sistema judiciário queria, ela deu uma resposta do porquê
crimes hediondos e considerados não naturais eram cometidos, o que abriu espaço
para que essa ciência entrasse e fosse reconhecida na área do direito. A
monomania seria então a loucura que possui como único sintoma o próprio crime
sem ter nenhum tipo de motivo ou relação com a vida do criminoso.
Foi a partir de 1870 que esse diagnóstico deixou de ser utilizado e foi substituído por
uma noção mais ampla sobre as chamadas doenças mentais, as quais começaram
a ser tratadas como sendo mais complexas e possuindo certa evolução em graus
diferentes de perturbação. Essas mudanças deram espaço a psiquiatria não apenas
em casos de homicídios onde não havia respostas, mas também em casos de
pequenos delitos.
É importante destacar as mudanças no contexto jurídico acerca da relação entre
crime e punição, o que também está interligado com a noção de responsabilidade.
Segundo Foucault, as modificações do pensamento penal tem base no direito civil
que ajudou a criar a responsabilidade sem culpa, onde a causa do crime é mais
importante do que o erro em si, considerando os fatos e razões individuais do
sujeito.
3- Como a psiquiatria avalia os casos e de como a justiça se utiliza desses
conceitos.
Como dito anteriormente, a psiquiatria evoluiu bastante ao longo do tempo acerca
da forma com que avalia e reconhece os casos de doença mental. A falta de
profundidade no conhecimento sobre o que de fato caracteriza uma doença mental
ajudou na criação de termos como a monomania, que posteriormente foram
refutados por uma noção mais complexa de transtorno. Esses conhecimentos
deram base para que o campo jurídico utilize-se dos diagnósticos de doença mental
para decidir a forma de punição dos criminosos.
No primeiro momento os tribunais utilizavam os conhecimentos da psiquiatria para
confirmar se determinado sujeito possuía o que chamavam de demência mental,
situação essa em que se fosse confirmado era possível colocar o sujeito como
irresponsável pelos seus atos, o que o impossibilitava de ser punido. Pois segundo
o saber da época esses indivíduos não eram capazes de controle e discernimento
do que é real.
Em Viena, Catherine Ziegler mata seu filho bastardo. No tribunal,
explica que uma força irresistível a impeliu a isso. Considerada
louca, é absolvida e liberada da prisão. Mas ela declara que seria
melhor mantê-la ali, pois recomeçará (FOUCAULT, 1978 pág.4).

Como o avanço dos conhecimentos e pesquisas acerca das doenças mentais,


houve uma mudança também a respeito do que torna um indivíduo responsável ou
irresponsável por seus atos. Perguntas que questionavam se de fato era correto não
punir esses sujeitos. No caso de Catherine fica óbvio esse problema no sistema
judiciário da época.
Um exemplo dessas mudanças em relação ao que era considerado doença mental,
foi a criação de uma escola chamada “antropologia criminal”, que propôs para o
direito o fim da noção de responsabilidade e a necessidade de focar acerca da
periculosidade dos indivíduos. Essa foi uma das proposições, entretanto ao todo
essas ideias foram desconsideradas na época e chamadas de ingênuas. Havendo
posteriormente o possível enraizamento dessas ideias radicais dentro da prática
penal.
Ao todo pode se dizer que a principal discussão realizada entre as ciências
psiquiátrica, psicológica e do direito estão relacionadas a essa noção de "indivíduo
perigoso”, a qual sofreu diversas modificações com o passar do tempo. "O
verdadeiro problema, aquele que foi efetivamente elaborado, foi o de indivíduo
perigoso. Há individualmente intrinsecamente perigosos? Como é possível
reconhecê-los e como podemos reagir a sua presença? “ (FOUCAULT, 1978 pg.23)
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na leitura do texto de Foucault e dos entendimentos acerca do assunto é
possível perceber o longo caminho em que a psiquiatria teve que percorrer para
obter seu lugar notório dentro do direito, tendo que abrir caminho a “força” e em
como ela contribuiu para uma nova visão das psicopatologias dentro e fora do
cenário jurídico.

Se observa que, hodiernamente, essa visão de que os loucos são perigosos se


perpetua e possui certa força dentro da sociedade. Dificultando que essas pessoas
que são acometidas por doenças sejam vistas como seres humanos dignos de
julgamento e tratamento como tal.

Então, pode-se concluir que com a evolução dessas ideias sobre o indivíduo louco e
criminoso a sociedade e, principalmente, a área jurídica começaram a identificar de
forma diferente o que de fato seria o objetivo da punição legal. Aquilo que antes era
visto como forma de se realizar justiça e de certa forma vingança aqueles aos quais
o crime foi cometido, evoluiu para ser uma forma de proteção para a sociedade,
considerando o risco que essas pessoas podem representar.

Tudo isso leva a reflexão trazida tanto no início quanto no final do texto onde
Foucault afirma a necessidade apresentada pelos juízes de julgar não somente o
crime cometido, mas também o sujeito e sua subjetividade levando em
consideração o seu grau de periculosidade para si e para sociedade.

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