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A Imagem Corporal

Brasília-DF.
Elaboração

Aline F. Bezerra Vilela

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 6

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8

UNIDADE I
IMAGEM CORPORAL............................................................................................................................ 11

CAPÍTULO 1
A EVOLUÇÃO DO MODELO DE CORPO NA SOCIEDADE.......................................................... 11

CAPÍTULO 2
ONDE O BELO É DETERMINADO PELA CULTURA E PELO MOMENTO HISTÓRICO......................... 21

CAPÍTULO 3
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CORPO NA PSICOLOGIA...................................................... 25

UNIDADE II
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE................................................................... 34

CAPÍTULO 1
COMPREENDENDO O CONCEITO DE IMAGEM CORPORAL..................................................... 34

CAPÍTULO 2
DO ESQUEMA CORPORAL À FORMAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL......................................... 40

CAPÍTULO 3
IMAGEM CORPORAL E A CONSCIÊNCIA DO PRÓPRIO CORPO: AUTOPERCEPÇÃO,
AUTOESTIMA E AUTOCONSCIÊNCIA......................................................................................... 45

UNIDADE III
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA.................................................................. 53

CAPÍTULO 1
O EGO CORPORAL DE FREUD................................................................................................. 53

CAPÍTULO 2
A REPRESENTAÇÃO CORPORAL DAS EMOÇÕES EM REICH...................................................... 56

CAPÍTULO 3
PROCESSOS MENTAIS E CORPORAIS EM JUNG........................................................................ 61
UNIDADE IV
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA.................................................................................................... 65

CAPÍTULO 1
O CORPO SIMBÓLICO E A POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO DA IMAGEM CORPORAL......... 65

CAPÍTULO 2
A PERCEPÇÃO DO CORPO E O CONTATO COM O OUTRO: EXPERIÊNCIA DE EUTONIA............ 71

CAPÍTULO 3
TRANSTORNOS ALIMENTARES E ESTÉTICA.................................................................................. 75

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 85
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Esta disciplina pretende abordar conceitos que nos faça refletir acerca do corpo e da
construção mental que fazemos durante o percurso de nossas vidas. Falaremos da
concepção do corpo para psicanálise, abordaremos os conceitos de imagem corporal,
imagem especular e imagem mental. Ainda, iremos compreender sobre representação
mental, a construção e o entendimento do eu.

De modo acessível e didático iremos divagar sobre a importância do conhecimento do


corpo simbólico e da imagem do corpo que nós podemos formular de acordo com as
influências vivenciadas e a nossa adaptação às questões sociais e aos estímulos que vem
do mundo externo.

Entendendo a importância da compreensão do corpo para a psicoterapia contemporânea


foi que desenvolvemos essa apostila. Muito trabalhado pela psicanálise, mas também
não deixada de lado por tantas outras áreas da psicologia, umas das quais abordaremos
aqui, pretendemos formular um pensamento clínico que nos permita, na prática,
olhar para o nosso paciente, seus traumas, complexos e segredos, com o olhar que
escuta, se é que isso seja possível. Voltar a escuta apurada para o paciente que sofre e
compreende-lo para além do sofrimento, é nos comunicarmos com a natureza dos seus
conflitos, penetrar em seu desejo de comunicar a dor e facilitar esse caminho a ele.

Veremos ainda que a teoria será neste caso, um norteador, empolgante e desafiador para
o nosso incansável interesse em alcançar o paciente em sua totalidade. Aqui poderemos
voltar o pensamento para a criança e a construção do seu mundo, o modo como ele
passa a conhecer-se como sujeito e de que forma a sua Psique vai se desenvolvendo
diante dos tantos desafios que ela enfrenta na fase do desenvolvimento corporal e
consequentemente mental.

Esse material ajudá-lo-á a abrir os seus horizontes, a buscar as informações mais


complexas nas fontes levantadas e a desvendar o mundo da formulação inconsciente
da imagem corporal.

Por fim, é necessário relembrar que esse caderno de estudo serve como um guia
para orientar a sua pesquisa mais aprofundada sobre os temas levantados, uma vez
que a bibliografia é vasta e lhe será apresentada. Aconselhamos ao aluno, quando
possível, pesquisar diversas fontes e aprofundar suas leituras, a fim de aprimorar seu
conhecimento, estabelecer conexões com as teorias apresentadas e escolher o seu
próprio caminho.

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Objetivos
»» Facilitar a compreensão de conceitos complexos sobre imagem corporal
e construção da Psique ou processo mental.

»» Abordar mais de uma teoria sobre os temas apresentados a fim de


possibilitar comparações entre teorias e pensadores.

»» Sugerir materiais que levem o aluno a aprofundar seu conhecimento.

»» Incentivar a troca de conhecimentos e experiências no decorrer da


disciplina.

»» Envolver o estudante de modo participativo na construção de sua


aprendizagem a partir das leituras e reflexões propostas voltadas às
experiências cotidianas.

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IMAGEM CORPORAL UNIDADE I

CAPÍTULO 1
A evolução do modelo de corpo na
sociedade

Figura 1.

Fonte: <http://gordativismo.com.br/2015/06/23/onde-esta-a-linha-entre-magro-e-gordo-ou-quem-tem-privilegio-magro/>
Acessado em: maio de 2016.

“A beleza se define como a manifestação sensível de uma ideia”.

Hegel

A história do corpo humano é determinada a partir do modelo de cada sociedade e da


forma como cada cultura observa o corpo e determina suas particularidades, atribuindo
importância a determinados padrões e não a outros, criando, contudo, seus próprios
padrões que se enraizarão nesta sociedade e que com a chegada de algum choque
cultural - que se apega na mudança do discurso - modifica o padrão. (ROSÁRIO, 2006).

Barbosa et al (2011) reflete que para o conhecimento de tudo que foi construído acerca
do corpo humano no presente é preciso que haja um retorno, ainda que breve, pela
história, a fim de observar as formas diferenciadas com as quais foram tratados o corpo,
a sexualidade e os gêneros.
11
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

A imagem do corpo grego, ainda hoje atraente e considerada uma


referência, é bastante revelador da existência e dos ideais estéticos
veiculados na altura. Na verdade, este corporal radicalmente idealizado,
treinado, produzido em função do seu aprimoramento, o que nos indica
que ele era, contrariamente a uma natureza, qualquer que ela fosse, um
artifício a ser criado numa civilização que alguns helenistas chamam de
“civilização da vergonha” por oposição a judaico-cristã que será uma
“civilização da culpa”.
(BARBOSA et al, 2011, p. 24)

BARBOSA, R. M.; MATOS, P. M.; COSTA, M. E. Um olhar sobre o corpo: o corpo


ontem e hoje. Psicologia & Sociedade, 23, 24-34, 2011.

A idealização do corpo: a Grécia antiga


A imagem idealizada corresponderia ao conceito de cidadão, que deveria
tentar realizá-la, modelando e produzindo o seu corpo a partir de exercícios e
meditações. O corpo era visto como elemento de glorificação e de interesse do
Estado.

O corpo nu é objeto de admiração, a expressão e a exibição de um corpo nu


representava a sua saúde e os gregos apreciavam a beleza de um corpo saudável
e bem proporcionado. O corpo era valorizado pela sua saúde, capacidade atlética
e fertilidade. Para os gregos, cada idade tinha a sua própria beleza e o estético,
o físico e o intelecto faziam parte de uma busca para a perfeição, sendo que o
corpo belo era tão importante quanto uma mente brilhante.

A moral quanto ao corpo e ao sexo não era rigidamente organizada e autoritária,


apenas estabelecia algumas normas de conduta para evitar os excessos, que
significavam a falta de controle do indivíduo sobre si mesmo, prescrevendo o
“bom uso” dos prazeres (bebida, comida, sexo) (ROSÁRIO, 2006). Estes, porém,
eram considerados apenas para os cidadãos, isto é, para os homens livres,
estando excluídos tanto os escravos como as mulheres. A estas cabia cumprir
funções como obediência e fidelidade aos seus pais e maridos e a reprodução.
Os prazeres eram do domínio masculino, não do feminino. De fato, a civilização
grega não incluía as mulheres na sua concepção de corpo perfeito, que era
pensado e produzido no masculino. As normas para os homens eram mais
soltas, permitindo a bigamia e a homossexualidade como práticas naturais
(ROSÁRIO, 2006). As leis da cidade aplicavam, inclusive, normas diferentes aos
corpos masculinos e femininos, sendo que aos primeiros corresponderiam

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IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

o andarem nus nos ginásios e o andar na cidade com vestes soltas por serem
capazes de absorver calor e manter o equilíbrio térmico, dispensando o uso da
proteção das roupas; aos corpos femininos, impunha-se o uso de roupas em
casa, considerando-se que estas seriam suficientes e para a saída à rua os seus
corpos deviam ser cobertos (TUCHERMAN, 2004).

Vemos hoje as figuras humanas expostas no Partenon, nuas, simbolismo de


juventude, da perfeição. Cada cidadão era livre de atingir o corpo perfeito,
idealizado e, depois, expô-lo. Os corpos eram trabalhados e construídos, como
objetos de admiração que começavam a ser “esculpidos” e modelados nos
ginásios, fundamentais nas pólis gregas, e que acabavam por ser mostrados,
muitas vezes, nos Jogos Olímpicos. A saúde, a expressão e a exibição de um corpo
nu estavam associadas, os gregos apreciavam a beleza de um corpo saudável e
bem proporcionado.

O grego desconhecia o pudor físico, o corpo era uma prova da criatividade dos
deuses, era para ser exibido, adestrado, treinado, perfumado e referenciado,
pronto a arrancar olhares de admiração e inveja dos demais mortais. Mas não se
tratava apenas de narcisismo, de paixão desmedida por si mesmo. Os corpos não
existiam apenas para mostrar-se, eles eram também instrumentos de combate.
Tudo na natureza era luta, era obstáculo a ser transposto, era espaço ou terra a
conquistar. A vida, diziam os deuses, não era uma graça, mas sim um dom a ser
mantido. As corridas, os saltos, os halteres, os discos, os dardos, os carros, eram
as provas que as divindades exigiam deles para que se mostrassem dignos de
terem sido premiados. Os deuses pagãos, afinal, não passavam de seres humanos
melhorados, eram a excelência do que era possível alcançar. Saliente-se que,
por meio desta forma idealizada de pensar e viver o corpo se define, também,
formas de estar na sociedade e princípios filosóficos e sociais que assentam na
visão como sentido primordial, no olhar, no espelho, como fundamentais para o
funcionamento de uma sociedade (CUNHA, 2004).

É interessante verificar como esta forma de ler a realidade ainda hoje se mantém,
esta primazia do olhar. Segundo Foucault (1994), nos séculos I e II, os filósofos
enfatizavam a necessidade dos indivíduos terem cuidado consigo mesmos,
pois seria dessa forma que alcançariam uma vida plena. Eles cuidavam tanto
do corpo como da alma, recomendando a leitura, as meditações e a regimes
rigorosos de atividade física e dietas. Ressalva, ainda, que esse cuidar de si
provocou no mundo helenístico e romano um individualismo, no sentido em
que as pessoas valorizavam as regras de condutas pessoais e voltavam-se
para os próprios interesses, tornando-se menos dependentes uns dos outros
e mais subordinadas a si mesmas. Instaura-se então o que Foucault chama de
cultura de si.

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UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

Sabemos que os gregos se expunham, e celebravam os seus corpos à luz


do dia, enquanto que os romanos já não o faziam. O poder de Roma, e mais
concretamente do Imperador, deveria ser evidenciado e exibido por meio dos
grandiosos monumentos construídos, para que todos olhassem, acreditassem
e obedecessem, o que se prendia com o mal-estar com o corpo (TUCHERMAN,
2004). Roma acolheu as formas artísticas gregas, mas tornou-as mais pesadas,
embora sólidas, com uma robustez que lhes dava duração, apesar da banalização
em que caíram (KÖNIG, 1969). As representações artísticas adquiriram maior
dramaticidade, evidenciando um contraste entre o nu e o vestido, a vida e a
morte, a força e a debilidade física. A força física, demonstrada pelos gladiadores,
estava agora associada ao seu destino, à morte, à escuridão.

Assim, enquanto que os gregos celebravam a exposição, a força, os romanos,


por seu lado não se expunham à luz. Todavia, no momento em que o domínio
político do Império Romano se impôs, a construção do pensamento filosófico,
e, por conseguinte, as acepções corporais instituídas por ele, foram alteradas
(PELEGRINI, 2006). De fato, embora tenha sido atribuído ao culto do corpo um
valor pagão, a arte romana manteve-se orientada pela expressão do ideal de
beleza grego. Nos períodos posteriores, as representações do corpo adquiriram
outras dimensões, subjugando-o a temas que potencializavam as questões
místicas e religiosas (GOMBRICH, 1999; In: PELEGRINI, 2006).

Um corpo em silêncio, proibido: o cristianismo

Com o cristianismo assiste-se a uma nova percepção de corpo. O corpo passa da


expressão da beleza para fonte de pecado, passa a ser “proibido”. O cristianismo
e a teologia por muito tempo foram reticentes na interpretação, crítica e
transformação das imagens veiculadas do corpo. Uma das razões será porque
o cristianismo possui uma história própria e de difícil relação com o corpo.
Durante muito tempo foi central a espiritualização e o controle de tudo o que
é material. Foi um morador do deserto, Santo Agostinho, o bispo de Hipona,
a Tunísia de hoje, quem lançou o mais pesado manto da vergonha sobre
a nudez do paganismo. Perante o Deus cristão, o deus que estava em toda a
parte, os homens e as mulheres deviam ocultar o corpo. Nem entre os casais, na
intimidade, ele deveria ser inteiramente desvelado.

O pecado rondava tudo. O cristianismo reprime constantemente o corpo (o


“corpo é a abominável vestimenta da alma” diz o papa Gregório Magno). Por
outro lado, é glorificado, nomeadamente por meio do corpo sofredor de Cristo.
A dor física teria um valor espiritual. A lição divulgada era a morte de Cristo, o

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IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

lidar bem com a dor do corpo, que seria mais importante do que saber lidar com
os prazeres (TUCHERMAN, 2004). Evidencia-se a separação do corpo e da alma,
prevalecendo a força da segunda sobre o primeiro.

O cristianismo resume a atitude de recusa; cabia ao homem descobrir-se como


mais do que o seu corpo, descobrir-se como alma que deve lutar contra os
desejos para escapar da morte e conquistar a eternidade e a salvação (VAZ,
2006). O bem-estar da alma deveria prevalecer acima dos desejos e prazeres
da carne. O corpo, prisão da alma, era pois um vexame, devia ser escondido.
Então, durante os mil e quinhentos anos seguintes – do decreto de Teodósio
suprimindo em 393 com os jogos olímpicos até à sua restauração pelo Barão de
Coubertin em 1896 – o Ocidente, vexado de si mesmo, carregado de culpas por
ser feito de carne e de sexo, assaltado por pudores, encobriu os seus membros e
os seus músculos.

Assistimos também à renúncia da alimentação, por largos períodos de tempo,


com um quadro semelhante àquilo a que hoje denominamos de anorexia
nervosa. Contudo, está recusa da comida prendia-se, essencialmente, com a
vontade de abandonar o material e alcançar o espiritual (CARMO, 1997). Não será
errado afirmar que nestas culturas, assim como em muitas religiões orientais,
por oposição à nossa tradição ocidental, produz-se uma cultura para o corpo
(TUCHERMAN, 2004). Tal como nos mostram os trabalhos de Michel Foucault, a
experiência religiosa de uma época e a sua história social reenviam a um centro
uma espécie de código subtil, que restringe certas formas de experiênciar,
estimula outras e transforma, em sentido amplo, o contexto social, modificando
não apenas a tensão ou diferença entre espaço público e o privado, mas também
a relação com a natureza e desta com a cultura.

O desprezo e mortificação do corpo/ o corpo


paradoxal: a Idade Média

Na Idade Média o corpo serviu, mais uma vez, como instrumento de consolidação
das relações sociais. A característica essencialmente agrária da sociedade feudal
justificava o poder da presença corporal sobre a vida quotidiana; características
físicas como a altura, a cor da pele e peso corporal, associadas ao vínculo que o
indivíduo mantinha com a terra, eram determinantes na distribuição das funções
sociais. O homem medieval era extremamente contido, a presença da instituição
religiosa restringia qualquer manifestação mais criativa. O cristianismo dominou
durante a Idade Média, influenciando, portanto, as noções e vivências de corpo
da época. A união da Igreja e Monarquia trouxe maior rigidez dos valores morais

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UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

e uma nova percepção de corpo. A preocupação com o corpo era proibida,


começando-se a delinear claramente a concepção de separação de corpo e
alma, prevalecendo a força da segunda sobre o primeiro (ROSÁRIO, 2006).

O corpo, ao estar relacionado com o terreno, o material, seria a prisão da alma.


Torna-se culpado, perverso, necessitado de ser dominado e purificado por meio
da punição. Para o cristianismo, o corpo sempre teve uma característica de fé; é
o corpo crucificado, glorificado e que é comungado por todos os cristãos. Como
sabemos, as técnicas coercitivas sobre o corpo, como os castigos e execuções
públicas, as condenações pelo Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição – oficializada
pelo papa Gregório IX), o autoflagelo marcam a Idade Média.

A Inquisição, inicialmente com o intuito de salvar a alma aos hereges, passou


a empregar, mais tarde, a tortura e a fogueira como forma de punição, com
autorização do Papa Inocêncio IV, em 1254. Estes eram acontecimentos e
cerimónias públicas, cujo objetivo era o de expor à população a sentença
recebida pelo réu, era um verdadeiro ato festivo assistido não só pela população,
mas pelas autoridades religiosas. Uma boa visualização deste período da nossa
história pode ser vista no filme e/ou livro O Nome da Rosa de Umberto Eco
(Realizado por Jean-Jacques Annaud, 1986). Um outro exemplo de percepção do
corpo no final da Idade Média (dos sécs. XIV a meados de XVIII) está nos “processos
de bruxaria” , foram mortas e reprimidas milhares de mulheres. A ideia central
da bruxaria era a de que o demónio procurava fazer mal aos homens para se
apropriar das suas almas. E isto era feito essencialmente através do corpo e esse
domínio seria efetuado por meio da sexualidade. Pela sexualidade o demónio
apropriava-se primeiro do corpo e depois da alma do homem. Como as mulheres
estão ligadas essencialmente à sexualidade, e “porque nasceram de uma costela
de Adão”, nenhuma mulher poderia ser correta, elas tornavam-se “agentes do
demónio” (feiticeiras). De fato, os processos inquisicionais sobre acusações de
bruxaria enfocavam, principalmente, os corpos das bruxas: elas eram despidas,
os cabelos e os pelos eram rapados e todo o corpo era examinado à procura
de um sinal que as pudesse comprometer. É também na Idade Média que
aparece a nova figura literária do cavaleiro andante, do amor cortês, refletindo,
deste modo, uma visão muito diferente do corpo e das suas relações. Embora a
medicina e a erótica cortês concordassem com a definição de dualismo sobre
o qual se construía toda a representação do mundo, discordam, no entanto,
quanto ao seu tratamento (TUCHERMAN, 2004). Assim, não se duvidava que a
pessoa fosse formada por um corpo e por uma alma, portanto partilhada entre
a carne e o espírito.

16
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

Encontramos, assim, uma visão dupla do corpo na Idade Média, que se prende
essencialmente na forma como encara o corpo feminino. De fato, embora ambas
as noções de corpo estejam ligadas ao mundo material, a versão feudal, ligada
aos princípios cristãos, considera isso bastante negativo, daí a persistência das
mulheres em viver uma vida religiosa e em transcender o corpo material. Por
outro lado, numa versão mais popular, da poesia trovadoresca e do amor cortês,
o valor da mulher é ampliado, havia um corpo a exaltar, objeto de experiências
que o libertam (CUNHA, 2004; TUCHERMAN, 2004). O amor provençal opunha-se
a todas as morais e basicamente a moral cristã, criando um sistema de valores
independente, que libertava o corpo para uma experiência de intensidade
e artifício. Como nos diz Tucherman (2004, p. 67) “em diferentes épocas e em
diferentes sociedades, o amor foi inventado e reinventado, assim como o
corpo que o suporta e o experimenta.” Finalmente, e no que se refere ao corpo,
de meados da Idade Média até ao final do séc. XVIII, não parece haver uma
modificação profunda do seu significado, o que não indica que não tenha sido
submetida a diferentes vivências e movimentos.

O Cristianismo, por possuir uma história difícil e paradoxal na sua relação com o
corpo, foi, por muito tempo, reticente na interpretação, crítica e transformação
destas imagens duplamente globalizadas do corpo, independentemente e para
além do discurso do pecado e do controle do corpo, este é um tema essencial da
teologia e da espiritualidade cristã.

O novo corpo: a Era Moderna

No Renascimento, as ações humanas passaram a ser guiadas pelo método


científico, começa a haver uma maior preocupação com a liberdade do ser
humano e a concepção de corpo é consequência disso. O avanço científico e
técnico produziram, nos indivíduos do período moderno, um apreço sobre
o uso da razão científica como única forma de conhecimento (PELEGRINI,
2006). O corpo, agora sob um olhar “científico”, serviu de objeto de estudos e
experiências. Passa-se do teocentrismo ao antropocentrismo. O conhecimento
científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista: o corpo investigado,
descrito e analisado, o corpo anatómico e biomecânico (GAYA, 2005). A
redescoberta do corpo, nessa época, aparece principalmente nas obras de arte,
como as pinturas de Da Vinci e Michelangelo, valorizando-se, deste modo, o
trabalho artesão, juntamente com o pensamento científico e o estudo do corpo
(ROSÁRIO, 2006). A disciplina e controle corporais eram preceitos básicos. Todas
as atividades físicas eram prescritas por um sistema de regras rígidas, visando

17
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

a saúde corporal. Agora, com o declínio final dos sacerdotes que condenavam
a vida na terra, vemos a sua redenção. Um neopaganismo ressurge e a carne
intensa, ativa, ainda carregando cicatrizes do estigma, volta a ser soberana, quer
mostrar-se. A obtenção do corpo sadio dominava o indivíduo: a prática física
domava a vontade, contribuindo para tornar o praticante subserviente ao Estado
(PELEGRINI, 2006). O dualismo corpo-alma norteava a concepção corporal do
período, demonstrando a influência das concepções da antiguidade clássica.
Na realidade, o filósofo Descartes parece ter instalado definitivamente a divisão
corpo-mente; o homem era constituído por duas substâncias: uma pensante, a
alma, a razão e outra material, o corpo, como algo completamente distinto da
alma. Mesmo se já se pensasse o ser humano como constituído por um corpo
físico e uma outra parte subjetiva, a partir de Descartes essa divisão foi realmente
instituída e o físico passou a estar ao serviço da razão.

De fato, no século XVIII, também os ideais iluministas acabaram por acentuar


a depreciação do corpo, dissociando-o da alma, retomando a dicotomia
corpo-alma, arquitetada na Antiguidade Clássica. O pensamento iluminista
negou a vivência sensorial e corporal, atribuindo ao corpo um plano inferior.
Paralelamente, as necessidades de manipulação e domínio do corpo concorreram
para a delimitação do Homem como ser moldável e passível de exploração.
O corpo passa a servir a razão.

Com o crescimento e aperfeiçoamento da produção agrícola e dos meios de


transporte da sociedade feudal, assim como o acréscimo da produtividade
agrícola aliado à expansão comercial, promovem-se algumas das condições
necessárias para o desenvolvimento da indústria moderna. Estas modificações,
aliadas a mudanças sociais, desembocaram no surgimento do sistema capitalista.
A forma de produção do sistema capitalista, a partir do século XVII, causou uma
mudança drástica nas relações com os trabalhadores.

Com o início da Revolução Industrial a divisão técnica do trabalho acabou por


reduzir o trabalho a uma simples ação fisiológica, desprovida de criatividade (o
trabalho em série). Nesta lógica de produção capitalista o corpo mostrou-se tanto
oprimido, como manipulável. Era percebido como uma “máquina” de acumulo
de capital. Deste modo, os movimentos corporais passaram a ser regidos
por uma nova forma de poder: o poder disciplinar. Esta nova forma de poder
instalou-se nas principais instituições sociais, como nos refere Foucault na sua
obra “Microfísica do Poder” (1979/2002), com o objetivo de submeter o corpo,

18
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

de exercer um controle sobre ele, atuando de forma coerciva sobre o espaço, o


tempo e a articulação dos movimentos corporais. Assim, o movimento mecânico
– reações nervosas e fluxo sanguíneo – deu origem a uma compreensão secular
do corpo, contestando a antiga noção de que a fonte de energia era a alma.

Com a expansão do capitalismo, no século XIX, propaga-se a forma de


produção industrial. A padronização dos gestos e movimentos instaurou-se
nas manifestações corporais. As novas tecnologias de produção em massa
desencadearam um processo de homogeneização de gestos e hábitos que
se estendeu a outras esferas sociais, entre elas a educação do corpo, que
passou a identificar-se não só com as técnicas, mas também com os interesses
da produção (HOBSBAWM, 1996 In: PELEGRINI, 2006). Assim, o ser humano é
colocado ao serviço da economia e da produção, gerando um corpo produtor
que, portanto, precisa ter saúde para melhor produzir e precisa de adaptar-se
aos padrões de beleza para melhor consumir (ROSÁRIO, 2006).

A evolução da sociedade industrial propiciou um elevado desenvolvimento


técnico-científico. As novas possibilidades tecnológicas propiciaram à elite
burguesa moderna, um crescimento de técnicas e práticas sobre o corpo. O
aumento da expectativa de vida, os novos meios de transporte e comunicação
expandiram as formas de interação e realização de atividades corporais. De fato,
o fácil acesso à informação trouxe infinitas possibilidades ao conhecimento.
Com efeito, nos séculos XVIII e IX, o saber passa a ocupar um papel de destaque,
havendo a preocupação com a formação de indivíduos ativos e livres, com
ênfase na liberdade do corpo, contrariando as práticas mecanicistas (PAIM;
STREY, 2004). No entanto, a padronização dos conceitos de beleza, ancorada
pela necessidade de consumo criada pelas novas tecnologias e homogeneizada
pela lógica da produção, foi responsável por uma diminuição significativa na
quantidade e na qualidade das vivências corporais do homem contemporâneo.
De fato, com a comunicação de massas, a reprodução do corpo não se reduz
agora ao âmbito da pintura ou do desenho, mas pode atingir um vasto número
de indivíduos. O corpo pode ser reproduzido em série através da fotografia, do
cinema, da televisão. Como refere Tucherman,

Chegando ao século XIX, temos uma sociedade anónima, uma vasta população
de gente que não se conhece. O trabalho, o lazer, o convívio com a família são
atividades separadas, vividas em compartimentos a ela destinados. O homem
procura proteger-se do olhar dos outros… (2004, p. 69)

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UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

Parece surgir uma nova forma de solidão, o sentimento do próprio corpo, um


novo isolamento que não é protegido pelo espaço privado, mas posto à prova
no meio da multidão, um corpo que deve administrar a ausência de contatos.
Esta vivência passiva e defensiva é notória na forma como as pessoas caminham,
no modo como se movem e evitam o contato físico, criando guetos individuais.

Fonte: BARBOSA, R. M.; MATOS, P. M.; COSTA, M. E. Um olhar sobre o corpo: o corpo ontem e
hoje. Psicologia & Sociedade , 23, 24-34, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/
v23n1/a04v23n1>. Acesso em: maio 2016

20
CAPÍTULO 2
Onde o belo é determinado pela
cultura e pelo momento histórico

Figura 2.

Fonte: <http://guia.uol.com.br/belo-horizonte/noticias/2014/01/23/intervencoes-e-pinturas-de-manuel-carvalho-estao-em-
exposicao-gratuita.htm>. Acessado em: maio 2016.

Como vimos o corpo é visto e pensado de várias formas ao longo da história da


humanidade. Dentro dessa história é notório que fomos construindo diferentes formas
de nos relacionar com ele, isso porque todas as questões que envolvem o corpo são
influenciadas pela sociedade, cultura, ciência, religião e política. Deste modo devemos
pensar no corpo, ou no modo como queremos conceituar o corpo, imerso em um
contexto histórico que nos impele a reconhecê-lo não somente como matéria biológica,
mas como um modelo contextualizado e idealizado cujo funcionamento orgânico se
mescla a partir da definição que é dada no contexto de cada época.

Vimos na cultura Grega, por exemplo, que a estética, a beleza e a perfeição do corpo
eram essenciais tanto na construção das relações sociais como para obtenção do poder.
Os valores corporais, a força, a agilidade eram itens importantes não só para obtenção
de uma vida política de sucesso e reconhecimento, mas também como atributo de
pessoas vencedoras, socialmente aceitas e bem-sucedidas.

Quando no advento do pensamento dicotômico que dividia o homem entre mente e


corpo foi que o foco sobre o corpo passou a sair do primeiro plano, então, na Idade
Média o corpo volta a entrar em evidência juntamente com outros valores que na
sociedade com características essencialmente agrária faziam sentido, como os dotes,
as terras, a família a qual se pertencia, a cor da pele, a altura, todos esses aspectos

21
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

eram determinantes para as condições sociais. Mais a frente com as mudanças de uma
sociedade capitalista, com relações trabalhistas, foi que o corpo passou a ser visto numa
perspectiva de ganho econômico, cuja depreciação levou a importância do corpo para
um plano subjugado.

Nos parece na atualidade que a ideia de felicidade, sucesso, dinheiro e aceitação perpassa
pelo caminho da beleza estética em que a boa saúde já não é mais contemplada com
interesse, uma vez que o corpo é visto como algo de projeção social.

Quanto mais perto corpo estiver da Juventude, beleza, boa forma, mas
autuação valor de troca (FEATHERSTONE, 1991). A imagem veiculada
pela mídia usar corpos de homens e mulheres esculturas para vender
através de anúncios publicitários. “Músculos perfeitos” impulsionando
seres perfeitos a vender produtos perfeitos. O músculo hoje é um
modo de vida. Os meios de comunicação contribuem incentivando a
batalha pelo “belo”. Atualmente ao ligar a televisão ou folhear uma
revista o jornal, garotas perfeitas com curvas delineadas ligar o Toes
de porte atlético tentam vender um carro, um eletrodoméstico, um
tênis, estabelecendo os padrões estéticos. Isto faz com que as pessoas
tornam-se escravas de um ideal, ressaltando o narcisismo e impondo
para si mesmas Uma disciplina extremamente severa, por vezes
dolorosa.

(RUSSO, 2005, p. 82)

A época atual, pois nos destaca em relação ao belo a percepção, vista de fora, de que
estamos enraizados a padrões que uma vez dentro dos mesmos somos vistos como iguais,
ao contrário somos segregados à uma classe menosprezada pelo que não conseguiu
ou optou pelo melhor, pelo padrão. Veiga-Neto (2002), neste sentido, afirma que essa
época somos continua e maciçamente massacrados por marcadores de identidade
que eximem os que estão fora dos padrões estabelecidos, vivemos no lugar em que os
sentimentos de pertença estão em constante mudança tornando-os de difícil analise.

Deste modo, não há, em nenhum período ou época, uma representação


homogênea que serve para categorizar indistintamente a todos os corpos.
O que se percebe é que as representações são inventadas, produzidas
e que, por sua repetição, tornam-se hegemônicas e hierarquizam os
sujeitos na escala social de acordo com diversos atravessamentos
como gênero, classe, etnia, geração etc. As representações circulam na
esfera do social e legitimam o direito de capturar, nomear, enfim, de

22
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

representar os sujeitos, pois somos prisioneiros das representações e do


nosso próprio tempo já vivido e ainda por viver.

(VEIGA-NETO, 2002, p. 55)

É interessante notar como os discursos que normatizam o corpo – seja científico,


tecnológico, publicitário, médico, estético etc. – vão, pouco a pouco, tomando conta da
vida simbólica/subjetiva do sujeito. Nas palavras de Daniels (1999):

As instâncias que normatizam o corpo invadem as dimensões expressivas


e simbólicas da corporeidade, fornecendo imagens e informações que
reconfiguram o próprio âmbito do vivido corporal. O leitor é sempre
aquele que possui um conhecimento muito limitado e confuso de seu
corpo (p. 50).

Com efeito, os cuidados físicos revelam-se, invariavelmente, como uma forma de estar
preparado para enfrentar os julgamentos e expectativas sociais. Da mesma forma, todo
o investimento destinado aos cuidados pessoais com a estética vincula-se à visibilidade
social que o sujeito deseja atingir – evitar o olhar do outro, ou a ele se expor, está
diretamente relacionado às qualidades estéticas do próprio corpo!

Segundo Malysse (1997), esforçamo-nos o ano todo com exercícios massacrantes, para
no verão termos a recompensa de poder ir à praia expor nosso corpo sem vergonha.
Disciplinamos o corpo a frequentar uma academia de ginástica, a fim de que, às custas
de muito suor e calorias perdidas, consigamos reconhecimento social e aprovação
(NOVAES, 2003, p. 17).

Por reviravolta completa, o corpo transforma-se em objeto ameaçador


que é preciso vigiar, reduzir, mortificar para fins “estéticos”, com os olhos
fixos nos modelos emagrecidos da Vogue, onde é possível decifrar toda
a agressividade inversa de uma sociedade da abundância em relação ao
próprio corpo e toda a recusa veemente dos próprios princípios.

(BAUDRILLARD, 1970/1981, p. 175).

Faz-se mister perceber que vivemos uma fase em que a sociedade reconhece um
modelo padrão de os corpos perfeitos que se estabeleceram na mentalidade da vida
moderna. As pessoas passaram a criar expectativas em relação aos padrões de beleza
que de algum modo relacionam-se com fenômenos patológicos surgidos nos últimos
tempos, como é o caso dos transtornos alimentares, atividades físicas realizadas em
acesso e cirurgias plásticas e estéticas viralizadas.

23
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

Diversos autores estudam não apenas os transtornos baseados na modificação dos


padrões de beleza, mas também estudam a medicalização da aparência uma vez que
métodos diferentes de se obter facilmente a beleza apregoada vêm sendo elaborados no
decorrer dos anos.

Figura 3.

Fonte: <http://www.livrariacultura.com.br/p/historia-da-beleza-22297957#>. Acesso em: maio de 2016.

Se a Beleza está nos olhos de quem vê, é certo que esse olhar é influenciado
pelos padrões culturais de quem observa. Afinal, o que é beleza? O que é arte?
Gosto se discute? A Beleza deve ser analisada friamente ou livre das amarras da
razão? Umberto Eco propõe essas indagações em seu livro, “História da Beleza”,
um ensaio sobre as transformações do conceito do Belo através dos tempos.

24
CAPÍTULO 3
A evolução do conceito de corpo na
psicologia

Figura 4.

Fonte: <http://www.atribunamt.com.br/2014/04/percepcao-dos-jovens-sobre-a-imagem-corporal/>. Acesso em: maio 2016.

Vimos que o corpo pode ser compreendido de diversas formas dependendo do campo
de investigação, por exemplo, se no situarmos na história do mundo veremos que a
compreensão sobre o corpo é utilizada para entendimento de diversas áreas da sociedade
como foi no caso da Grécia. Tudo isso porque a cultura é capaz de diferenciar e pontuar
várias concepções sociais, inclusive a do corpo.

Neste sentido, ao que estamos buscando, pensar em corpo como matéria exclusivamente,
não satisfaz o debate que aqui nos propomos. Vimos em algum ponto que a linguagem
atribui valor a conceituação, a compreensão e a elaboração do significado do corpo, pois
o corpo não é uma matéria de significantes orgânicos quando se trata de uma concepção
psicológica.

Os seres humanos em sua corporeidade criaram-se a si mesmos em uma linguagem


e é por meio dela que ao corpo é possível existir. Falade (1974) aponta que o real vem
antes da linguagem, ou seja, o real do corpo, que se exemplifica através da carne, do
pelo, das cavidades, dos órgãos, das unhas e da pele é o real sem significado, que passa
a fazer sentido quando for invadido e atravessado pela linguagem. O que quer dizer
que o simbólico e o imaginário se instalam no real a partir de uma realidade corpórea
linguageira, como disse Dolto noutro momento, assim como, o real é conhecido pela
presença do simbólico, imaginário e fantasiado.

25
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

Paim e Kruel (2012, p.162) explicam que o corpo no registro do imaginário delineia-se no
estádio do espelho. É de suma importância ter em mente que a construção da imagem
corporal se dá graças à relação que o ser humano experimenta nos primeiros momentos
de vida, no estádio do espelho, por volta dos seis aos dezoito meses. Nesse período, a
criança contempla sua própria imagem no espelho, e recebe de um outro, no caso a
mãe, a autenticação de que aquela imagem que se reflete no espelho é sua. Essa imagem
unificadora do corpo vai antecipar na criança uma percepção da forma total de seu corpo,
mesmo que seu aparato neurofisiológico ainda não esteja inteiramente desenvolvido.

Falamos da noção de imagem corporal e para isso nos utilizamos diversos conceitos
da psicanálise uma vez que é uma linha teórica que observa o corpo embutido de
significados individuais relacionados ao que a Psique constrói em relação ao que sente
sobre o mesmo. Essa construção se dá mediante as percepções, as representações, as
fantasias mentais, os investimentos libidinais e a pulsão. (NASIO, 2009)

É fato que a concepção de corpo está enraizada em uma estrutura sociológica que
percebe as tendências do grupo social cuja valorização de modelos corporais, funções
e papeis sociais, vestimentas, comportamentos e atitudes são formadores de uma
comunicação inconsciente coletiva. Portanto, a experiência que se tem com a imagem
do corpo em si está diretamente relacionada a experiência com o outro e a relação ao
seu próprio corpo.

Em nossa sociedade atualmente o padrão de beleza pode gerar na mente coletiva


sinônimos de sucesso, de apropriação e de segurança, no contrário, conforme Cury
(2005) a pessoa cujo padrão de beleza não alcança o padrão estabelecido pode associar
sua vida ao fracasso de tal modo que se torne vulnerável a algum tipo de transtorno
por apresentar sentimentos de autoestima baixa, de insegurança, de inapropriação, de
imagem corporal negativa e outros sintomas.

“No corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os


valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato
primário do indivíduo com o ambiente que o cerca.”
Daolio, 1995, p. 105

Sabemos ainda que a psicologia não se esgota por si só no fenômeno psicológico, uma vez
que dentro dela mesma podemos encontrar várias linhas de raciocínio que induzem ao
pensamento. No caso do conceito do corpo, iremos apreciar a posição fenomenológica
acerca do que estamos tratando com profundidade psicanalítica.

A anatomia do corpo não deve ser compreendida como totalidade


fechada sobre si, que um belo dia esbarra num universo intrinsecamente

26
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

diferente dela. (...) O corpo só existe como suporte e medianeiro de uma


vida que, mediante ele, abarca o mundo inteiro.
Gusdorf, 1960, p. 265 apud Bueno 1997.

Para tal pensemos que a fenomenologia, que tem como método a descrição das
experiências vivenciadas pelo sujeito respeitando os aspectos idiossincráticos e o
significado central das questões particulares, veria o corpo diferentemente dos métodos
psicanalíticos cujo foco na interpretação das introjeções ou vivencias subjetivas a partir
de um processo contratransferencial, ou seja, com a visão do que aquele fenômeno
acende no outro. Por assim dizer a visão sobre a sensação ou conceituação do corpo
fenomenológico faz com que o sujeito elabore o significado de sua vivência corporal
sujeitando a sua reflexão a consciência atual.

O filósofo fenomenólogo Merleau-Ponty se propõe a fazer uma análise dos dados


experimentais e principalmente clínicos da patologia nervosa e mental. Para ele “o corpo
exprime a existência total, não porque seja acompanhamento exterior dela, mas porque
ela, existência, se realiza nele” (MERLEAU-PONTY, 1945; citado em GUSDORF, 1960,
p. 265 apud BUENO 1997). Nesse contexto, Bueno ainda traz o pensamento de Gusdorf
que observa a expressão a partir da filosofia e revela que, “o corpo, que interessa ao
filósofo, é este corpo objeto de solicitude por parte do biólogo e do médico, nunca um
corpo vazio de substância. Contudo este corpo é, ao mesmo tempo, o corpo sujeito de
uma existência a que está indissoluvelmente ligado, é o corpo próprio de um indivíduo,
centro de um universo pessoal” (GUSDORF, 1960, p. 264 apud BUENO, 1997). Já
em Luria (1979 apud BUENO 1997) a psicologia tem como tarefa “estabelecer as leis
da sensação e percepção humana, regular os processos de atenção e memorização,
de realização do pensamento lógico, formação das necessidades complexas e da
personalidade, considerando todos estes fenômenos como produtos da história social”,
mas “sem separar este estudo da análise dos mecanismos fisiológicos que lhes servem
de base”.

A Psicossomática

Psicossomática é um termo que se refere à inseparabilidade e interdependência dos


aspectos psicológicos e biológicos da humanidade. Essa conotação pode ser chamada de
holística, na medida em que ela implica uma visão do ser humano como uma totalidade,
no complexo mente corpo imerso no ambiente social. (LIPOWISKI, 1984, p. 167 apud
RAMOS,1994, p. 47)

[...] assim como não é possível tentar a cura dos olhos sem a da cabeça,
nem a da cabeça sem a do corpo, do mesmo modo não é possível tratar

27
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

do corpo sem cuidar da alma, sendo essa causa de desafiarem muitas


doenças o tratamento dos médicos helenos, por desconhecerem estes
o conjunto que importa ser tratado, pois não pode ir bem a parte
quando vai mal todo. É da alma que saem todos os males e todos os
bens do corpo e do homem em geral, influindo ela sobre o corpo como
a cabeça sobre os olhos. É aquela, por consequente, que antes de tudo
precisamos tratar com muito carinho, se quisermos que a cabeça e todo
o corpo fiquem em bom estado. As almas, meu caro, são tratadas com
certas fórmulas da magia: essas fórmulas são os belos argumentos.
Tais argumentos geram na alma a sofrosine ou temperança e uma vez
presente a temperança, é muito fácil promover a saúde da cabeça e de
todo o corpo. O grande erro de nossos dias no tratamento do corpo
humano é que o médico separar a alma do corpo.
Platão, 380 a.C.

Não iremos aqui adentrar muito na história e nos aspectos médicos que outrora já
estudamos, mas iremos nos prender na história médica-psicológica em que o corpo é
visto de maneira mais integrada após passar pela ideia do dualismo mente-corpo de
Descartes.

Lieberman (2015) reflete sobre o passado humano enfocando a importância do corpo


dentro da história. Para ele todo corpo tem várias histórias sendo elas a história de sua
vida que são como seus pais se conheceram, onde você cresceu, e com o seu corpo foi
moldado pelas vicissitudes da vida.

A ideia que Lieberman nos traz é a de que a evolução do corpo na história da sociedade
passou por algumas transições, dentre a que nos interessa nesse contexto pensaremos
sobre as advindas da Revolução Agrícola (quando as pessoas começaram a cultivar
seus alimentos) e a Revolução Industrial (quando máquinas começaram a substituir
o trabalho humano e a produzir alimentos). É possível pensar que essas revoluções
tiveram grande importância dentro da história do corpo humano uma vez que alteraram
consideravelmente o modo como nos alimentamos, trabalhamos, dormimos, nos
movimentamos, interagimos e consequentemente pensamos acerca do nosso próprio
corpo. Sem dúvidas não estamos falando apenas de transformações maléficas, uma vez
que benefícios foram alcançados por meio das transformações ocorridas com a evolução
do mundo e a transformação do modo de vida e suas influências para com o corpo, no
entanto, o autor é enfático quando trata o nosso modo de vida adaptado. Em entrevista
à Revista Época, o autor diz: “Se quisermos prevenir doenças em vez de apenas tratar
os sintomas, precisamos refletir sobre nosso passado evolutivo”. Ainda nessa mesma
matéria ele comenta:

28
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

Não evoluímos para ser saudáveis. Fomos selecionados para ter o maior
número possível de filhos sob condições desafiadoras. Adaptações são
características moldadas por seleção natural que promovem relativo
sucesso reprodutivo. As adaptações só evoluem para promover saúde,
longevidade e felicidade na medida em que essas qualidades beneficiam
a capacidade de um indivíduo de ter mais filhos sobreviventes.

Lieberman, 2015.

Para alguns pensadores do século XIX o corpo era um pedaço de matéria, um feixe de
mecanismos. O século XX restaurou e aprofundou a questão da carne, isto é, a questão do
corpo animado. Aprimorando a referência da mente, como processo estrutural ocorrido
no cérebro e que vai além da concepção mecânica do pensamento e comportamento,
mas de uma concepção psicológica.

O termo psicossomático, na expressão mais comum, pode reportar-se tanto ao quesito


da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto às repercussões
afetivas do estado de doença física no indivíduo, como até confundir-se com
simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo. (CARDOSO, 1995, p. 5
apud CERCHIARI, 2000). Por isso é importante que tenhamos a compreensão da
psicossomática nos aspectos psico-orgânicos das doenças que permeiam o transtorno
mental, e assim, tentar fazer uma separação se é que isso é possível.

Pensemos que a medicina psicossomática trabalha com a ideia de que mente e corpo
estão interligados sendo que o organismo explica a patologia de origem psíquica, ou
melhor, somática. No entanto, ao entender essa união a medicina anuncia a necessidade
de integrar igualmente o tratamento e aliar a medicina orgânica com a psicologia
dos sintomas psicológicos prevalentes no corpo. Assim, dividiu-se a história da
psicossomática, em duas vertentes: de um lado, as inspiradas nas teorias psicanalíticas
que se baseavam no conceito de doença psicossomática; de outro lado, a de orientação
biológica, alicerçada no conceito de stress. (CERCHIARI, 2000).

A evolução da psicossomática ocorreu em fases. A primeira, denominada


de fase inicial ou psicanalítica, sob a influência das teorias psicanalíticas,
teve seu interesse voltado para os estudos da origem inconsciente das
doenças, das teorias da regressão e dos ganhos secundários da doença.
A segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada pelo
modelo Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como
em animais, deixando assim grande legado aos estudos do stress.

29
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

A terceira fase, denominada de atual ou multidisciplinar, valorizou o


social, a interação e interconexão entre os profissionais das várias áreas
da saúde.

Cerchiari, 2000, s/p.

Segundo Romero (2008, p. 704) se partirmos de uma visão clínica é importante


compreender as diferentes linhas da psicossomática que versa como uma ciência básica,
de orientação médica e prática clínica. A psicossomática como ciência básica trabalha
com aspectos da observação e interpretação das relações entre estados, processos e
acontecimentos psicológicos e biológicos e o modo como estes são influenciados pelo
meio ambiente físico e humano, na saúde e na enfermidade. No entanto, é preciso que nos
atentemos que a relação entre a psicossomática como ciência básica e a prática médica
e clínica é muito íntima, uma vez que como orientação médica ela representa o estado
de opinião que considera o paciente em sua totalidade, muitas vezes desconsiderando,
ou não voltando o olhar para o paciente em seu contexto, em suas vivências, em suas
experiências, enfim. Já como a prática clínica a psicossomática constitui o estado de
enfermidade em que se encontra o paciente, no entanto, esse estado ocorre como um
processo que necessita de intervenção psicológica a fim de beneficiar o processo que
se desenvolve segundo aspectos mentais e o desenvolvimento da enfermidade, deste
modo é possível o trabalho de desaceleração, reabilitação e prevenção da enfermidade.
É possível observar as características psicossomáticas do aparecimento das seguintes
psicopatologias: transtornos de conversivo, dissociativo e somatoformes – localizados
no DSM-IV (APA, 2003). Atualmente com a reformulação do manual diagnóstico
temos o DSM-5 (APA, 2014) que surgiu e substituiu alguns transtornos. A categoria
dos transtornos conversivos foi pouco alterado e passou a ser chamado de transtorno
conversivo (transtorno de sintomas neurológicos funcionais), no entanto, os critérios
diagnósticos estão mais especificados nesse novo manual; os transtornos dissociativos
permanecem saindo a fuga dissociativa, já os transtornos somatoformes na nova
classificação estão localizados nos transtornos de sintomas somáticos e transtornos
relacionados.

Sofrimento corporal e (a ausência de)


significado simbólico
Diante do exposto, é possível concluir que o acionamento dos mecanismos
de produção dos sintomas corporais apresentados por pacientes somáticos
pode ser facilitado, segundo Marty (1993), pela execução de investimentos
libidinais arcaicos, ou, conforme McDougall (1991), pela utilização de recursos
defensivos primitivos. Evidencia-se, assim, que há uma divergência importante

30
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

entre as propostas teóricas dos referidos autores. Todavia, ambos postulam que
esses sujeitos se caracterizam por uma marcante restrição da capacidade de
elaboração psíquica. Em função disso, tanto Marty quanto McDougall entendem
as afecções orgânicas potencializadas pelo pensamento operatório ou pela
desafetação como manifestações desprovidas de valor simbólico.

Como se sabe desde o advento do inconsciente, a histeria possui um significado


metafórico, posto que a repressão — mecanismo de formação de sintomas do
qual decorre — tem uma natureza exclusivamente psíquica. Por essa razão,
o modelo etiológico de tal psicopatologia não é empregado por Marty e
tampouco por McDougall na tentativa de compreensão dos fatores emocionais
associados ao adoecimento de pacientes somáticos. Em última análise, ambos
defendem que os sujeitos em questão são vítimas de um fenômeno análogo
àquele que, segundo Freud (1926/1996), engendra o desenvolvimento das
neuroses atuais, a saber: a transformação direta da excitação em angústias
automáticas.

A literatura psicanalítica clássica preconiza que os sintomas físicos da neurose


de angústia, da neurastenia e da hipocondria, isto é, dos quadros clínicos que
compõem a referida classe nosográfica, têm como fator desencadeante a ação
de processos totalmente somáticos, de modo que não podem ser considerados
uma expressão simbólica. Tendo em vista que esses processos são causados por
lacunas no aparelho mental que favorecem a tradução corporal de uma história
sem palavras, Marty e McDougall propuseram que, em termos etiológicos, a
somatização está muito mais próxima da neurose atual do que da histeria. Com
essa tese, a propósito, revolucionaram a psicossomática e ampliaram os limites
da metapsicologia.

Os referidos autores também assumem posições teóricas semelhantes ao afirmar


que a expressão corporal de conflitos emocionais se afigura nas neuroses,
como uma medida eventual, funcional e dotada de pouco poder destrutivo.
O funcionamento operatório e a desafetação, em contraste, implicam cada qual
a seu modo, a utilização recorrente do artifício em questão, o que favorece o
surgimento de enfermidades mais severas. Dessa maneira, ambos defendem
que indivíduos que possuem essas características são portadores de uma
vulnerabilidade psicossomática acentuada e não devem ser comparados com
aqueles que apresentam sintomas orgânicos ocasionais (PERES; SANTOS, no
prelo).

31
UNIDADE I │ IMAGEM CORPORAL

Ressalte-se ainda que, para Marty (1993), a utilização do termo “psicossomático”


como adjetivo remete ao antigo dualismo cartesiano. Seguindo esse raciocínio,
afirmar que uma dada doença é psicossomática encerra uma marcante falácia.
McDougall (1991) compartilha dessa opinião, o que torna patente que ambos
concordam que a unicidade mente-corpo faz do homem um ser psicossomático
por definição. Não obstante, os referidos autores reconhecem a multicausalidade
do adoecimento e não atribuem exclusivamente a determinantes psíquicos
a eclosão de enfermidades somáticas. Em virtude da complexidade de tal
processo, contudo, inegavelmente privilegiam a análise dos fatores emocionais
associados a esse processo.

Essa opção metodológica cumpre assinalar, não se apresenta como um


reducionismo psicológico semelhante àquele forjado nos primórdios da
psicossomática psicanalítica, mas, sim, como um recorte necessário diante
das múltiplas facetas do fenômeno que se propõem analisar. Ou seja: é
perfeitamente compatível com o modelo biopsicossocial de compreensão do
processo saúde-doença vigente nos dias de hoje. Ademais, as proposições de
Marty e McDougall não excluem outras tentativas de explicação da gênese de
enfermidades orgânicas — sejam elas médicas, culturais, sociais ou de outro
caráter — apoiadas em elementos conceituais de raciocínio distintos (PERES,
2004).

Por fim, vale destacar que Marty e McDougall estão de acordo que, nos casos
em que a figura materna não cumpre de forma apropriada a função de para-
excitação, os sinais pré-verbais que o bebê emite não são inseridos em um
código linguístico. As experiências que a criança vive não serão, portanto,
devidamente simbolizadas e seu corpo se apresentará como a via privilegiada
de exteriorização de seus conflitos, engendrando o desenvolvimento de
somatizações. Em suma: para ambos, o corpo anatômico se torna erógeno como
resultado de um processo gradativo e complexo que tem início nos primeiros
meses de vida.

O presente estudo aponta que a articulação entre as contribuições teóricas


de Marty e McDougall é um recurso pertinente para a elucidação do papel
dos fatores emocionais tanto no surgimento quanto no curso das doenças
orgânicas. Obviamente, porém, essa aproximação não deve ser executada de
forma ingênua, já que existem importantes incongruências entre o pensamento
dos referidos autores. É preciso reconhecer também que nenhum deles tem a

32
IMAGEM CORPORAL │ UNIDADE I

pretensão de esgotar o assunto. Todavia, suas proposições são dotadas de um


valor inquestionável, pois, no atual estágio do conhecimento, as relações entre
o biológico e o psicológico podem ser consideradas tão fascinantes quanto
misteriosas.

Fonte: PERES, Rodrigo Sanches. O corpo na psicanálise contemporânea: sobre as concepções


psicossomáticas de Pierre Marty e Joyce McDougall. Psicol. Clin., Rio de Janeiro , v. 18, no
1, pp. 165-177, 2006 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-56652006000100014&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em: 10 maio 2016.

33
A EVOLUÇÃO DO
CONCEITO DO CORPO UNIDADE II
NA SOCIEDADE

CAPÍTULO 1
Compreendendo o conceito de
imagem corporal

Figura 5.

Fonte: <http://fashionatto.literatortura.com/2015/03/16/o-misterio-da-mulher-espelho-de-pablo-picasso/> Acessado em: 27 de


abril, 2016.

O conceito de Imagem Corporal foi tratado desde muito cedo não apenas pelos autores
psicanalistas ou ligados à área da psicologia. Falar sobre imagem corporal estava
dentro da rotina médica nos tempos do século XVI na Europa, quando na França um
médico explorou a questão, trazida por seu paciente, acerca da sensação da existência
de um membro amputado. A alucinação do membro fantasma, como é chamado até
os dias de hoje, levou os médicos a pensarem que a imagem que o cérebro tem deixa
marcas corpóreas, e a ideia então era descobrir modos de tratá-las (GORMAN, 1965).
E então, na Inglaterra os estudos sobre imagem corporal foram sendo analisados com
maior profundidade nos ramos da neurologia, e psicologia. Com o neurologista Henry
Head descobriu-se um padrão de esquema corporal que nada mais seria do que a ideia
que cada sujeito teria de si próprio, ajudando-os no processo de manutenção de uma
aprendizagem e padronização dos movimentos corporais.

34
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

Nasio (2009) relata que o psicanalista Paul Ferdinand Schilder utilizou o a expressão
“imagem do corpo” por volta de 1930 antes mesmo de Freud aludir ao termo em
suas teorias. Para Schilder esse fenômeno psicológico explica o modo como a mente
compreende o corpo, uma vez que a sugestão do autor preconiza que a imagem que se
é construída do próprio corpo na mente se dá a partir dos sentidos, do toque da pele,
das sensações causadas que em sua maioria são formações inconscientes que se iniciam
desde cedo e se transformam ao longo da vida, sendo, pois, um fenômeno psíquico
contínuo e multifacetado. Schilder revela que a imagem corporal passa do orgânico
para o psicológico e social. Pois não é apenas uma construção que permeio a escopo da
cognição, mas envolve uma relação direta com os desejos pessoais, atitudes emocionais
e as interações ambientais. (FISHER, 1990)

Em se tratando de Freud (1914) podemos observar que com a criação do termo


inconsciente ele abre espaço para que surja o complexo conceito de eu. Abordado em
suas obras com pensamentos complexos que desmembram várias ideias, grosso modo
o “eu” seria uma formação dos conteúdos que habitam a consciência e despontam na
percepção, uma tentativa de resultar um corpo unificado, integral. Em sua obra podemos
destacar que esse processo não transcorre por meio de um processo de maturidade
cognitivo, mas se dá pela soma de propriedades vivenciais dentro do que ele chamou
eu ideal e ideal de eu. O eu ideal, explica o autor, seria aquele carregado dos conteúdos
advindos do narcisismo dos pais e, quem sabe, introjetados no bebê como sujeito
“possuidor de toda perfeição e valor”; já o ideal de eu está contaminado pelos valores
socioculturais presentes a todo tempo na constituição psíquica formadora desse “eu”
em questão. Sendo assim, essa miscelânea de informações advindas do que ele crê que
seja ideal de eu, mais o que ele pretende ser de acordo com as regras, normas e pressões
externas voltadas para ele, fazem com que o sujeito agregue os valores da perfeição
que não podem se perder em sua totalidade, aos valores alcançados e idealizados,
construindo um eu narcísico. De todo modo a discussão não para por aí, pois Freud
insinua que nessa profusão de adequações, instituídas para a formação do “eu”, o
fenômeno do recalque prevalece. Uma vez que a formação do eu é um conteúdo modelo
que leva condicionalmente ao recalque, os padrões requeridos para o eu ideal não serão
realmente alcançados, ficarão no imaginário e se tornarão conteúdos recalcados a fim
de evitar sofrimento psíquico.

Sobre a ideia do recalque, apenas para não passar em branco podemos apontar ao que
nos disse Freud em uma de suas obras Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas.

A simples imprecisão da recordação não desempenha aqui um papel


considerável, em vista do alto grau de intensidade sensorial de que as

35
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

imagens são dotadas e da eficiência da função da memória nos jovens;


a investigação detalhada mostra, antes, que esses falseamentos das
lembranças são tendenciosos - isto é, que servem aos objetivos de
recalque e deslocamento de impressões abjetáveis ou desagradáveis.
Segue-se, portanto, que essas lembranças falsificadas também devem
ter-se originado num período da vida em que se tornou possível
conferir um lugar na vida mental a esse tipo de conflitos e aos impulsos
ao recalcamento - muito posterior, portanto, ao período a que pertence
seu conteúdo. Mas também nesses casos a lembrança falsificada é a
primeira de que tomamos conhecimento: a matéria-prima dos traços
mnêmicos de que a lembrança foi forjada permanece desconhecida
para nós em sua forma original.
(FREUD, 1901-1905. Vol. III, pp. 303-304)

Apropriando-se da ideia de toda experiência corporal é significada numa mente que


recebe os estímulos e interpreta-os de modo consciente e inconsciente, veremos ainda
os conceitos trazidos pelos psicanalistas que sucedem a Freud e acreditam que essa
imagem mental do corpo é um acontecimento sensorial percebido pelo sujeito que as
representa.

“Os estudiosos do psiquismo do bebê defendem que a pele funciona


como um ‘envelope’, dando o sentido da continuidade do existir, pois
seu reconhecimento é anterior ao da imagem do corpo como um todo.”
Lima et al, 2007, p. 87

Então o que seria Imagem Corporal?

Para tal poderíamos nos perguntar: o que é imagem? E imediatamente responder que
seria tudo aquilo que podemos ver, perceber, sentir, tocar, tudo aquilo que nos provoca
algum tipo de emoção ou sensação e fica guardado em nós, como uma marca, poderia
ser entendido como imagem. Nasio nos aponta para uma visão interessante e difundida
no meio psicanalítico sobre três tipos de imagem: uma mental, uma visual e outra que
ele chama imagem-ação.

Se utilizarmos do pensamento de Carl Gustav Jung acerca do conceito de imagem


veremos que a imagem “É uma expressão tanto do inconsciente quanto da consciência.
Portanto, a interpretação deve ser feita pelas relações recíprocas entre os dois”. (JUNG,
1991, apud MAURI, 2011). Portanto, vale ressaltar que Jung também corrobora com
outros autores que analisam a imagem por meio dos sentidos e das percepções, desse
modo, Jung pensa que a construção da imagem está muito além do que os olhos podem

36
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

ver, uma vez que o cérebro e toda sua gama de representações compactuam para o
feito de uma imagem completamente influenciável. Então, para finalizar, diríamos que
a “imagem corporal e a representação simbólica podem ser analisadas em conjunto no
trabalho constante do ser humano ou no desenvolvimento psíquico de qualquer um que
queira obter um crescimento constante”. (MAURI, 2011. p. 193)

Nasio nos recorda que Françoise Dolto se utilizou de um conceito de imagem


inconsciente do corpo utilizando-se como base da ideia de uma imagem mental
do corpo. Nasio explica essa última ideia como sendo o corpo real recebendo um
acontecimento sensorial, a partir daí o sujeito o recebe esse acontecimento através de
uma representação psíquica que pode ou não ser consciente. Nasio completa com a
ideia de que os psicanalistas compreendem o corpo, não em um espaço existente, mas
sim na cabeça de quem o carrega. O corpo é o que você pensa que ele é. Em suma,
fazer uma separação da imagem mental e imagem do corpo neste momento parece
apropriado já que uma complementa a outra.

A imagem do corpo propriamente dita é aquela que você observa a partir do espelho,
como bem explica Lacan no “estágio do espelho” é o como você se vê a partir do espelho.
Já a imagem mental é aquela que não é necessariamente observada por você, mas a
imaginada, a construída por suas impressões sensoriais, seus sentimentos a respeito do
corpo registrado em sua consciência.

Segundo Thompson et al. a utilização do termo imagem corporal seria


uma maneira de padronizar os diferentes componentes que integram a
imagem corporal. Dentre eles, tem-se: satisfação com o peso, acurácia
da percepção do tamanho, satisfação corporal, avaliação da aparência,
orientação da aparência, estima corporal, corpo ideal, padrão de corpo,
esquema corporal, percepção corporal, distorção corporal e desordem
da imagem corporal, dentre outras.
(DAMASCENO; VIANNA et al., p. 82)

Para uma melhor compreensão sobre o entendimento da imagem do corpo Nasio (pp.
54-55) explica que a considera como substância do nosso “eu”, para ele “Nós somos
nosso corpo em carne e osso, somos o que sentimos e vemos de nosso corpo: sou o
corpo que sinto e o corpo que vejo” aponta ele. Portanto, podemos inferir que a imagem
mental que temos, ou melhor, a idealização ou representação mental do que sentimos
e percebemos como nosso corpo, que são continuamente influenciadas pela imagem do
copo – aquela do espelho – são ambas as que nos formam como modelo de nós mesmos.

No entanto, vale ressaltar que o “eu” é parte do que construímos para além desse
modelo de imagem corporal e não é por si só a imagem corporal. Ou seja, o “eu” ou

37
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

Ego, é muito mais complexo, pois envolve sentimentos que vão além das sensações,
e perpassam por campos subjetivos que qualificam o sujeito como um ser existente,
dotado de sentimentos intermináveis e inconstantes e dependentes das experiências.
Por isso o “eu” é individual, e consequentemente a imagem corporal, que envolve o
“eu”, ou o modo como esse “eu” age no funcionamento da percepção dessa imagem do
corpo, é igualmente subjetiva.

O “eu” segundo Nasio (2009) “é um conjunto de imagens de si mutantes e frequentemente


contraditórias... A imagem do corpo é a substância deformante do nosso eu. Não existe
eu puro; o eu resulta sempre de interpretação pessoal e afetiva do que sentimos e do
que vemos de nosso corpo... Interpretação pessoal e afetiva, porque as imagens de nosso
corpo, sejam as de nossas sensações ou de nossa aparência, são imagens alimentadas
no amor e no ódio que tempos por nós mesmos”. (p. 56 grifos do autor)

Figura 6.

Fonte: <http://devaneiosecrisesdesanidade.blogspot.com.br/2015/04/a-sala-de-espelho.html>. Acessado em: 27 de


abril 2016.

Voltando para Dolto (2015) a fim de agregar mais conteúdo a nossa tentativa de
compreensão sobre Imagem Corporal, vamos nos remeter a imagem do corpo trazida
por ela como um processo elaborado “como uma rede de segurança linguageira com
a mãe. Esta rede personaliza as expectativas da criança, quanto ao olfato, a visão, a
audição, as modalidades do tocar, segundo os ritmos específicos dos aspectos exterior
materno. Mas, ela não individualiza a criança quanto a seu corpo” (p. 122, grifos do
autor).

Neste caso Dolto nos demonstra que o início desse processo, lá na primeira infância, tem
aspectos fundamentais ainda no tempo em que criança e mãe vivem simbioticamente,
ou seja, não há uma separação entre os limites do bebê enquanto ao que ele é e pertence

38
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

a ele e ao que é da mãe e pertence a mãe. Somente após as rupturas (vivenciadas pelos
períodos de desmame, separação etc.) que podem ser vistas como castrações, é que
há uma relativa individuação capaz de separar mentalmente a criança fazendo-a
perceber-se um ser dissociado do outro com uma própria estrutura corporal em
construção, assim como estará a sua própria imagem inconsciente.

Então para que serve falar de Imagem Corporal?

Acreditamos na imagem corporal, assim como disse Nasio, como um código íntimo,
idiossincrático a cada um e que deve ser compreendida pelos psicanalistas na intenção
do acesso a compreensão da construção do próprio modelo de eu da pessoa ou paciente.
Teria sua importância na psicanálise como ponte de acesso transferencial, quando o
psicanalista é levado a intervenção, e, no entanto, necessita de uma intervenção segura,
eficaz, que seja fidedigna ao sentimento e vivência do paciente. Sendo assim, recorrer à
imagem do inconsciente do corpo, assinalado inúmeras vezes pelo próprio paciente de
modo inconsciente, e acessar as emoções expressadas por ele, sentindo-as num processo
de identificação, captura e tradução é o que irá estabelecer o diálogo e a comunicação,
grosso modo.

39
CAPÍTULO 2
Do esquema corporal à formação da
imagem corporal

Figura 7.

Fonte: <http://devaneiosecrisesdesanidade.blogspot.com.br/2015/04/a-sala-de-espelho.html>. Acessado em: 27 abril


de 2016.

“Lacan introduziu o conceito que se tornou indispensável à nossa


clínica, o de imagem especular, conceito que se refere à imagem do
espelho e seu poder de fascinação.”
Nasio, 2009, p. 11.

Vimos em Dolto que o processo de individuação se dá após a castração ou momento


em que o bebê se dissocia da mãe e passa a tomar consciência do seu “eu” como um
ser separado, deste modo pensemos, que ainda antes do estádio do espelho, e na fase
linguageira com a mãe é que a criança inicia-se no processo de descoberta do seu corpo
como partes, no entanto, independe dessa relação. Quando às vezes eu sou uma mão,
outras eu sou um pé, as vezes posso ser uma boca, e assim por diante é que vai se
constituindo o que chamamos de Esquema Corporal.

O esquema corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma


nosso viver carnal no contato com o mundo físico. Nossas experiências
de nossa realidade dependem da integridade do organismo, ou de suas

40
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

lesões transitórias ou indeléveis, neurológicas, musculares, ósseas


e também, de nossas sensações fisiológicas viscerais, circulatórias -
também chamadas de quinestésicas.

Dolto, 2015. pp. 11-12

Ainda conforme Dolto o esquema corporal representa o indivíduo como espécie, o faz
ser parte de algo, de algum lugar, de uma época e lhe permite as condições nas quais
ele vive. Seria, pois, um fenômeno que se forma de modo consciente, pré-consciente e
inconsciente.

Nesse aspecto Nasio deixa claro que esquema corporal não é o mesmo que imagem
corporal inconsciente uma vez que “esquema corporal é a representação pré-consciente
que cada um faz de seu corpo e que lhe serve de referência no espaço” (p. 140)

Um apontamento importante para enfim situarmos o que é esquema corporal é pensar


que é um fenômeno comum a todos os humanos, ou seja, tem a ver com o próprio corpo.
É um dado neurofisiológico, cujos aspectos estruturantes da engrenagem do homem
fundamentam essa perspectiva. É tido como um aspecto da realidade vem da existência
de um corpo real, é a existência de um corpo orgânico, funcional, saudável ou não,
mas repleto de sensações musculares, ósseas, viscerais, circulatórias etc. Está ligado
ao pré-consciente ou a consciente. E proporciona aprendizagem para a experiência
motora. O esquema corporal ainda é um processo que se realiza ou desenvolve de
maneira independente das relações uma vez que mesmo em condições não favoráveis
e de desgaste físico haverá uma construção própria de esquema corporal. É o esquema
corporal quem situará o sujeito no tempo-espaço e suas estruturas protegem o homem,
ou melhor, o corpo dos perigos que estão fora dele. (NASIO, 2009)

O esquema corporal é a representação das relações espaciais entre as


partes do corpo percebidas cinestesicamente e proprioceptivamente.
Uma interação neuromotora que permite o indivíduo estar consciente
do seu corpo no tempo e espaço. Fator biologicamente determinado
e diretamente relacionado com a organização neurológica e com o
homúnculo cortical (FREITAS, 2004). Le Boulch (1984) classifica o
esquema corporal como o reconhecimento imediato do nosso corpo em
função da inter-relação das suas partes, com o espaço e com os objetos
que o rodeiam tanto no estado de repouso como de movimento (LE
BOULCH, 1984).

Fonseca, 2008, p. 28

41
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

Figura 8. Homúnculo de Penfield. A representação do chamado “Homem Pequeno”. Disponível on-line.

Fonte: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAJAMAD/nocoes-fundamentais-neuroanatomia-relevantes-a-psicologia-visao-
funcional-a-evolucao-teorica-tentativa-correlatos-neurais-a-subjetividade?part=5> Acessado em: 29 abril de 2016.

O “homúnculo de Penfield” é uma representação artística de como


diferentes pontos da superfície do corpo estão “mapeados” nos dois
hemisférios do cérebro, algumas vezes, por meio de traços deformados
para indicar que tais partes do corpo têm localização específica em
alguma das regiões. A ideia é a de que o cérebro corresponde a um
mapa genérico de várias partes do nosso corpo, sendo o homúnculo,
portanto, um mapa neural. O mapa cerebral, representado pelo
“homúnculo”, reflete a capacidade que o cérebro tem de discriminação
sensorial, bem como a importância motriz referente a cada uma das
partes de nosso corpo, visto que ele está distribuído ao longo de todo
o córtex cerebral nos dois hemisférios. A ocorrência de um membro
fantasma ilustra, portanto, a capacidade do cérebro de perceber, agir
e gerenciar cognitivamente a imagem do corpo, dado que ele é
uma máquina sensório-motora, ou seja, possui a função de discernir
os estímulos das respostas, decidir, tomar decisões etc., fazendo com
que a representação corporal se prolongue por toda a sua superfície em
ambos os hemisférios.
Silva, 2013, p. 173

Para encerrarmos essa compreensão de esquema corporal iremos apresentar o


pensamento de Jerusalinsky (1996) que aborda esse conceito a partir do real orgânico,
que se distingue de real simbólico e imaginário. Para ele o esquema corporal está dentro
da concepção do saber pré-consciente de um corpo com limites de movimentação,
corroborando com a ideia dos demais autores expostos até agora.

42
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

Sobre a imagem corporal Dolto (2015) aborda o conceito da imagem inconsciente do


corpo como uma imagem imaginada, percebida antes mesmo do encontro com o espelho,
uma imagem que se forma juntamente com o esquema corporal e que irá constituir o
narcisismo fundamental. Essa fase suponha-se numa construção perfeita à integração
do ser que se percebe como ser imaginário, simbólico e também perfeito, que com as
vivências dos pequenos traumas vai se constituindo mais real, e ou até mesmo vivencia
algum aspecto traumático de ruptura, produzindo algum tipo de transtorno. Dolto (p.
15) explica: “É graças à nossa imagem do corpo sustentada por – e que se cruza com
– nosso esquema corporal que podemos entrar em comunicação com outrem”. Então
“se o lugar, fonte das pulsões, é o esquema corporal, o lugar de sua representação é a
imagem do corpo.” (p. 28)

De todo modo a imagem corporal nos parece vinda dos aspectos simbólicos que se
originaram na vivencias e foram significando as experiências sentidas pelo corpo, e
portanto, a imagem corporal entra no contexto da fantasia, da imagem que se forma no
simbólico. (JERUSALINSKY, 1996)

Nasio desdobra o conceito de imagem inconsciente do corpo proposto por


Dolto, pontuando que esse constructo se forma pelo conjunto das primeiras
impressões gravadas no psiquismo infantil, pelas sensações corporais que um
bebê, até mesmo um feto, sente ao contato carnal, afetivo e simbólico com a
mãe. São sensações que foram experimentadas pela criança antes do domínio
completo da palavra e anteriormente à descoberta de sua imagem no espelho,
isto é, antes dos três anos. No contato afetivo com a mãe, o bebê consegue
receber o mapeamento erógeno de seu corpo, pois as suposições que a mãe lhe
lança vão investindo o corpo da criança de sentido, primeiro momento em que
a imagem corporal vai sendo construída.

São dois elementos distintos, mas inseparáveis, que constituem a imagem


inconsciente do corpo, a saber, uma sensação percebida e sentida e a
imagem que dessa sensação se imprime no inconsciente. Sempre que o bebê
experimenta uma sensação viva, agradável ou dolorosa quando a mãe interage
nas percepções corporais, essa sensação imprime simultaneamente uma
representação psíquica. Toda experiência afetiva e corporal intensa, consciente
ou não, deixa seu traço indelével no inconsciente (NASIO, 2009).

Dolto (1991) considera a segunda descoberta da criança como um verdadeiro


trauma, um abalo no psiquismo infantil, pois, nesse momento, a criança vai
constatar que o que acreditava ser ela, na verdade, não passa de uma aparência
de si mesma. Nasio acrescenta que, no momento dessa segunda descoberta, a

43
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

criança esquece as imagens inconscientes do corpo, pois percebe que a imagem


que ela dá a ver aos outros é sua imagem do espelho, e que essa imagem não
é ela. Percebendo que os outros só têm acesso a ela pela imagem especular,
a criança passa a privilegiar as aparências e a negligenciar suas sensações
internas, relegando-as ao inconsciente. Esse é o momento de transição no qual
a criança passa da convicção de que sou o que sinto ser para sou o que minha
imagem é.

Nasio (2009) destaca que, embora a imagem inconsciente do corpo tenha


sido recalcada, esta permanecerá vigorosamente ativa ao longo de toda a
existência do sujeito e se manifestará em todas as expressões espontâneas do
corpo adulto. É essa imagem inconsciente do corpo infantil que determinará os
comportamentos corporais involuntários, as mímicas, os gestos e as posturas, que
marcará os traços do rosto, o fulgor do olhar, a forma de se dirigir corporalmente
ao outro e todas as manifestações psíquicas ligadas ao corpo, em todas as suas
dimensões de imagem e esquema corporal.

Nasio, (2009) definirá o corpo inscrito no registro do simbólico como “corpo


significante”, pois ele será designado por um nome, é um corpo nominado; nesse
registro, o corpo será sempre fragmentário. O corpo no simbólico será evocado
por uma característica parcial, como exemplo, o sujeito que traz de nascença
um lábio leporino será marcado por esse traço de seu corpo. Essa característica
corporal será representada especificamente pelo nome que é dado a esse traço,
que marca um significante corporal e que passa a representar o sujeito na sua
singularidade. A imagem do corpo significante é uma imagem nominativa.

Explicitadas essas dimensões em que o corpo se apresenta configurado por


vários aspectos, é possível compreender do que se trata a imagem corporal e,
dessa forma, começar a compreender a relação que se estabelece entre corpo,
imagem corporal e esquema corporal. (PAIM: KRUEL, 2012, p.163)

Fonte: PAIM, Fernando Free; KRUEL, Cristina Saling. Interlocução entre psicanálise e fisioterapia:
conceito de corpo, imagem corporal e esquema corporal. Psicol. Cienc. Prof., Brasília ,
v.32, no 1, pp. 158-173, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1414-98932012000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: maio de 2016

44
CAPÍTULO 3
Imagem Corporal e a consciência
do próprio corpo: Autopercepção,
Autoestima e Autoconsciência

Figura 9.

Fonte: <http://fisioterapiaquintana.blogspot.com.br/2010/06/o-que-e-consciencia-corporal.html>. Acessado em: 29 de


abril de 2016.

Tavares (2003) aborda a imagem corporal por um prisma neurológico e considera esse
fenômeno como parte de um procedimento psíquico que ocorre a partir da estimulação
em diferentes áreas do cérebro na zona cortical. Esse fenômeno que ocorre a partir das
imagens mentais que se formam a partir da estimulação dos objetos ou da relação entre
eles com uma carga emocional presente ativam o reconhecimento e a identificação das
experiências vividas anteriormente e estimulam a revivência do que essas experiências
trouxeram e deixaram como marcas emocionais.

Para nos dar uma visão dos aspectos trazidos por Paul Schilder um dos pioneiros da
ideia de imagem corporal que a partir de suas reflexões de casos clínicos levantou as
seguintes proposições, conforme Tavares (2003):

»» Os sentidos influenciam a mobilidade e esta interfere nos sentidos; mas,


além disso, a mobilidade é dirigida por porções, tendências e desejos.

»» No sonho, o corpo se contrai ou se expandi conforme nossas necessidades


emocionais.

45
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

»» A imagem corporal varia segundo as tendências e psicossexuais do


indivíduo. Quando o desejo está aumentado, a zona erógena do corpo
relacionada ao desejo estará no centro de sua imagem corporal.

»» Os contatos e o interesse dos outros pelo nosso corpo são de grande


importância para o desenvolvimento do modelo postural do corpo.

»» A estrutura libidinal da imagem corporal só pode ser compreendida no


contexto da história de vida do indivíduo, estudando seu desenvolvimento
libidinal desde a infância e levando em conta, até mesmo, sua base
constitucional ou orgânica.

»» A construção da imagem corporal ocorre pelo contato com o mundo


externo. Além do interesse que temos pelo nosso corpo, temos
interesse pelo corpo do outro. É importante o interesse em nosso corpo
demonstrado pelas pessoas mediante ações, palavras ou atitudes, mas
também é importantíssimo o que as pessoas que nos rodeiam fazem com
seus próprios corpos.

»» A alteração da imagem corporal que ocorre na despersonalização e


consequente à retirada da libido da imagem corporal; o indivíduo não
ousa colocar sua libido nem em seu corpo nem no mundo externo.

[...] A sensação de integridade do corpo não é produto do acaso, e sim


do amor próprio. Quando as tendências destrutivas prevalecem, o
corpo se dispersa pelo mundo [...]. Estamos sempre reconstruindo a
imagem corporal. Há forças do ódio dispersando a imagem de nosso
corpo, e forças do amor reorganizando-a [...]. Precisamos construir
o conhecimento de nosso corpo [...] precisamos construir lá como se
déssemos forma a um material vago. Essa modelagem se dá segundo as
necessidades biológicas.

(SCHILDER, 1994, p.146 apud TAVARES, p.71)

As sensações que nos colocam em contato com o mundo e com nós mesmos ficam
memorizadas em nosso córtex cerebral e em nosso corpo, criando uma espécie de
mosaico perceptivo. Esse mosaico contém sensações táteis, auditivas, visuais, olfatórias,
proprioceptivas, motoras e tantas quantas forem as experiências corporais armazenadas
combinadas com componentes emocionais e cognitivos que se contextualizam no tempo
e espaço. Todos esses fatores são acionados quando captamos a imagem corporal na

46
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

nossa mente. A regulação desse processo depende do sistema límbico que se encontra
distribuído em diferentes áreas corticais. Fazem parte desse sistema áreas do diencéfalo
(tálamo, hipotálamo e epitálamo), telencéfalo e componentes corticais como giro do
cíngulo, hipocampo, área pré-frontal, relacionadas com a memória, as emoções e com
as atitudes de comportamento social. As áreas temporoparietal, responsáveis pela
noção de esquema corporal também participam da formação da imagem corporal, já
que a imagem corporal se constrói sobre o esquema corporal (TAVARES, 2003).

Consciência do próprio corpo o que seria?

Poderíamos começar essa discussão baseando-nos no entendimento de que na


atualidade as pessoas, em sua maioria, estão cada vez mais conscientes das condições
que vão para além delas mesmas, como por exemplo, a consciência sobre a quantidade
de trabalho a se realizar, a consciência sobre a vida financeira, a consciência sobre o
próximo passo a tomar na vida profissional etc. No entanto, a consciência do próprio
corpo e suas limitações que deveria ser a prioridade do sujeito na tentativa da redução
das cargas que o impedem de vivenciar experiências positivas, adoecer menos e obter
qualidade de vida, está ficando cada vez mais para trás. Para elucidar o que falamos
podemos destacar o pensamento de Perls que diferencia a consciência exterior da
consciência interior.

A consciência exterior seria a consciência do conjunto dos estímulos do mundo exterior


por meio dos cinco sentidos; já a consciência interior se referia a toda sensação física,
sentimento, desconforto ou conforto dentro do próprio corpo. Deste modo a consciência
corporal se daria quando houvesse parte da nossa consciência voltada para as reações
corporais provocadas pelas tensões internas e as advindas do mundo exterior. (DAVIS
et al, 1996)

A fim de localizar e explorar essas tensões corporais a Gestalt elaborou exercícios que
seriam realizados a partir da utilização de um inventário.

Inventário do corpo

(DAVIS et al, 1996, p. 23)

Os seguintes exercícios favorecem a consciência corporal e irá ajudá-lo a identificar


áreas de tensão.

47
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

Consciências

1. Primeiramente focalize a sua atenção no mundo exterior. Comece


sentenças, “Eu estou consciente de...” (por exemplo, “Eu estou consciente
dos carros que passam do lado de fora da janela, de folhas de papel se
movimentando, do café borbulhando, da brisa soprando e do tapete
azul”).

2. Após ter consciência de tudo que acontece à sua volta, concentre a


atenção no seu corpo e nas suas sensações físicas, no seu mundo interno
(por exemplo, “Estou consciente de me sentir aquecido, dos ruídos em
meu estômago, da tensão no meu pescoço, da coceira no nariz e de uma
câimbra no pé”).

3. Alterne entre consciência exterior e interior (por exemplo, “Estou


consciente da cadeira pressionando as minhas nádegas, do círculo de luz
amarela da lâmpada, dos meus ombros, do cheiro de bacon”).

4. Feito nos momentos de folga durante o dia, este exercício permitirá que
você separe e avalia a diferença real entre os mundos interno e externo.

Examinando o corpo

Figura 10.

Fonte: <http://www.infoskep.com/subject-como-obter-o-controle-de-suas-emoc%C3%B5es.html>. Acesso em: maio de 2016.

Feche os olhos... Comece com os dedos dos pés e vá subindo pelo corpo...
Pergunte-se: “Aonde estou tenso?”... Sempre que descobrir uma área de tensão,
intensifique-a ligeiramente para poder ficar consciente dela... Perceba os músculos
que estão tensos... Então, diga-se “Estou tensionando os músculos do pescoço...
Estou me prejudicando... Estou criando tensão em meu corpo”... Observe que
toda tensão muscular é criada por nós mesmos... Neste ponto, fique consciente

48
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

de qualquer situação que possa estar provocando tensão no seu corpo e o que
você pode fazer para modificá-la.

Soltando o corpo

Figura 11.

Fonte: <http://www.infoskep.com/subject-como-obter-o-controle-de-suas-emoc%C3%B5es.html>. Acesso em: maio de 2016.

Deite-se em um cobertor ou cama firme e fique confortável... Flexione os joelhos até


os pés ficaram totalmente apoiados na superfície... Feche os olhos... Procure ficar
confortável... Isso pode exigir uma mudança de posição... Perceba sua respiração... Sinta
o ar entrando pelo nariz, boca e garganta até chegar aos pulmões... Concentre-se no seu
corpo e deixe que todas as suas partes venham espontaneamente à sua consciência...
Que partes você percebeu primeiramente?... Que partes você percebe menos?... Observe
quais as partes do seu corpo você consegue sentir facilmente e quais as partes do seu
corpo tem poucas sensações... Você percebe qualquer diferença entre os lados direito
e esquerdo do seu corpo?... Agora, torne-se consciente de qualquer desconforto físico
que esteja sentindo... Torne-se consciente deste desconforto até conseguir descrevê-lo
em detalhes... Concentre-se e perceba o que acontece com este desconforto... Ele pode
mudar... Deixe que o seu corpo faça aquilo que desejar... Continue assim de 5 a 10
minutos... Deixe o seu corpo assumir o controle.

A busca constante de crescimento pessoal demonstra superação


do estado de onipotência primitivo e representa a possibilidade de
continuar a expansão da consciência corporal e do contato consigo
mesmo e com o mundo.
Tavares, 2003, p.123.

A consciência corporal passa a ser percebida como imagem corporal por alguns
autores existencialista, no entanto, a retórica é diferente quando com William James,
por exemplo, falar sobre consciência corporal é citar uma consciência que flui, uma

49
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

consciência que não é estática e vai acontecendo, assim como a realidade. Para ele
é preciso tomar consciência da consciência, e isso é apenas uma questão de técnica.
Como sair da corrente da consciência a fim de poder perceber como se estivéssemos
fora dela? Nesses termos podemos inferir que de uma maneira singular a consciência
que flui como uma corrente de um rio vai captando as passagens relacionadas às falas,
aos pensamentos, as visões... Talvez como anteriormente tenhamos visto na percepção
simbólica de uma imagem inconsciente do corpo. (GAIARSA, 2006)

Autopercepção

Figura 12.

Fonte: <http://www.clinicaacolher.com/2012/10/beneficios-do-autoconhecimento.html>. Acesso em: 29 de abril 2016

Não é muito difícil de entender que a autopercepção é um termo usado para definir o
modo como nos percebemos, como nos avaliamos. Um termo que segundo os autores
está ligado a diversos fatores, dentre eles ao próprio corpo, a autoimagem e ao que
pensamos ser por meio das percepções que temos de nós mesmos.

Harter (1993, p,1 apud PAPALIA; OLDS, 2000) exemplifica o autoconceito como a
percepção de nossa própria imagem, sendo, pois, uma construção do que acreditamos
ser, aquilo que não é mais apenas como somos visualmente, mas que abrange um
conjunto do nossos traços e personalidade. Esse processo cognitivo, portanto, com
aspectos emocionais e que permeia o mundo do comportamento influenciando-o e
sendo influenciado, determina como nos sentimos sobre nós mesmo e nos orienta em
virtude das ações que tomamos. O autopercepção que seria essa consciência, então,
de que “eu” como ser único, apresento traços particulares, gostos distintos, ideais e
opiniões que podem partir tão somente de mim devido ao que aprendi, vi, ouvi ou
percebi.

50
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE │ UNIDADE II

A autoimagem e a relação com a autoestima também sofrem mudança uma vez que
os aspectos sociais se tornam relevantes e os amigos assumem um importante papel
nesse contexto. Há uma notável separação de gênero entre as amizades femininas que
geralmente são mais intensas e íntimas e as masculinas que fazem amizade em maior
número e menor intensidade de afetos.

AutoEstima

Figura 13.

Fonte: <http://www.clinicaacolher.com/2012/10/beneficios-do-autoconhecimento.html>. Acesso em: 29 abril 2016.

Autoestima é o julgamento que uma pessoa faz de si própria, não acerca de suas
habilidades ou traços de personalidade, mas acerca de seus valores.

A autoestima não se desenvolve de maneira consciente até aproximadamente os 8


anos, ou seja, até aqui a criança não é capaz de elaborar um conceito de valor sobre
ela própria, no entanto, o modo que elas têm de expressar esse conceito é por meio do
comportamento. A autoestima de uma criança nessa idade se caracteriza pelo grau de
diferenciação entre o que a criança pensa ser e o que deseja ser, no que implica dizer que
quanto menor essa diferenciação maior autoestima dela. Assim como, quanto maior a
percepção da criança em relação à rede de apoio que ela tem, maior a probabilidade
de apresentar um nível de autoestima satisfatório. Para Erickson um dos fatores
determinantes da autoestima é a opinião da criança enquanto a sua própria capacidade
para realização de tarefas. A visão neopiagetiana acredita que na idade pré-escolar a
criança ainda não é capaz cognitivamente de se comparar com o outro, nem tampouco
fazer julgamentos sobre si. O que acontece aqui é uma dependência da aprovação dos
pais, cuidadores ou professores para que a criança se sinta motivada a realizar.

51
UNIDADE II │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA SOCIEDADE

Autoconsciência

Figura 14.

Fonte: <http://mensageirodosonho.blogspot.com.br/2013_04_28_archive.html>. Acesso em: 20 de abril 2016.

A autoconsciência é o entendimento de nós mesmos como seres separados do outro.


Essa compreensão vem agregada de emoções tais como empatia, ciúmes, embaraço,
vergonha, culpa e orgulho, e se desenvolvem a partir do terceiro ano de vida (PAPALIA;
OLDS, 2000). Alguns autores entendem que desse processo do desenvolvimento em
que se tem uma ideia de si próprio como sujeito único, com consciência dos valores
morais, subjetivos e objetivos, regido por normas, regras e leis que se apresentam e
somam a parte da estrutura de quem somos.

Esses são processos fundamentais para a construção da personalidade. A partir


do momento que a consciência de si irá se desenvolvendo a criança se fortalece,
toma posições voltadas para os relacionamentos sociais, estabelecendo limites e
desempenhando papéis.

52
A EVOLUÇÃO DO
CONCEITO DO CORPO UNIDADE III
NA PSICOLOGIA

CAPÍTULO 1
O Ego Corporal de Freud

Figura 15.

Fonte: <http://vanessareis.com.br/psicanalise-a-estrutura-da-personalidade/>. Acesso em: maio 2016.

A figura anterior é uma caricatura bem-humorada do que pensamos compreender da


teoria da personalidade de Freud. Para o nosso contexto devemos pensar, pois, Freud
lá em seus tempos áureos nos incitava a ter uma visão bastante sexualizada e um
tanto encaixotada do que ele conceituou como premissa da psicanálise a divisão do
psiquismo em o que é consciente do que é inconsciente que nos permite a compreensão
dos processos mentais. Vejamos que para aquela época, a genialidade de Freud deixou
atônito todo e qualquer profissional que ansiava compreender a mente.

53
UNIDADE III │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA

A ideia de que haveria conteúdos que rompiam a barreira psíquica do consciente para
uma zona desconhecida chamada inconsciente já alertava os curiosos, tanto mais vinda
juntamente com a ideia de que esse processo se dá devido a fenômenos patológicos.
Para Freud a teoria psicanalítica intervém e assevera que a razão pelas quais as ideias
não podem tornar-se conscientes é que uma certa força se lhes opõe. Um meio pelo
qual essas ideias podem vir à tona é por meio da técnica psicanalítica, meio pelo qual a
força opositora é removida e as ideias tornam-se conscientes. É com essa exposição que
Freud apresenta o termo da repressão, que são os conteúdos levados à inconsciência e
que permanecem lá por meio de outra força chamada resistência, força que durante a
análise é a força opositora para os conteúdos virem à tona. (FREUD, 1923-1925)

Visto que exploramos superficialmente um pouco da teoria do inconsciente tentaremos


vagar pela ideia da representação de Ego, Id e do conteúdo reprimido dada por Freud a
fim de explicar que o Ego e o Id são fundamentalmente os mesmos, no entanto, o Ego é
a parte do que entrou em contato com os conteúdos do mundo.

Figura 16.

Fonte: Freud, 1923-1925, v. XIX, p. 38.

Assim como podemos analisar na figura, o Ego parece exercer uma força ao Id, numa
outra leitura, como se fosse todo o peso que ele recebe do mundo externo, tentando
aplicar parte desse peso ao Id, que guarda todo o conteúdo do prazer, ao que Freud
chamou “princípios de prazer”. Ou seja, o Ego força o Id a receber uma parte do
“princípio da realidade”, mas ao Id cabe o instinto e não a realidade, ainda, a ele cabe a
satisfação. A partir dessa compreensão vemos o Ego representando o que chamamos de
razão, o senso da realidade é função, portanto, do Ego, àquele que mantem o controle.
Enquanto ao Id coube a área dos prazeres, das paixões, dos desejos instintuais e
primitivos. Muitos dos quais por eventos traumáticos foram reprimidos ou tornaram-
se sintomas.

54
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA │ UNIDADE III

O eu, portanto, visto em Freud, é um Ego corporal

Não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio,


a projeção de uma superfície. Se quisermos encontrar uma analogia
anatômica para ele, poderemos identifica-lo melhor com o “homúnculo
cortical” dos anatomistas, que fica de cabeça para baixo no córtex, estira
os calcanhares, tem o rosto virado para trás e, como sabemos, possui
sua área da fala no lado esquerdo.
Freud, 1923-1925, p. 39

Esse eu, formado pelo conjunto de representações psíquicas do simbólico e do real, que
não são constantes em termos de equilibração, mas que tem uma função reguladora
do sujeito (eu) em termos das relações que mantem com ele próprio e com o mundo.
Para isso, toma posse dos atributos da memória que registrarão as marcas deixadas
pelas sensações. E por isso podemos concluir que temos um Ego corporal, que se
utiliza das relações que estabelece no mundo real e no mundo paralelo (do fantástico
e do simbólico) e que fazem projeções mentais das marcas registradas na pele, pelas
sensações corporais causadas de maneira endógena ou exógena. (DE-CAMPOS, 2010)

Freud trabalha com a ideia de que a constante tensão produzida pelas necessidades
do Id leva a pessoa desenvolver respostas próprias que a conduzem a redução dessa
tensão, modo de adaptar-se a questão realística trazida pelo Ego. E assim, nesse
processo, a personalidade do homem vai se desenvolvendo, concomitantemente
com suas experiências corporais vivenciadas ao longo das fases da vida que ele vai
registrando. Alguns autores especulando sobre as formulações teóricas de Freud em
direção a construção da teoria de personalidade como George Klein, precursor da teoria
freudiana, comenta que a mesma parece mecanicista e organicista não se enquadrando
nos preceitos de uma psicologia mais humanizada, que busca conhecer o homem em
sua totalidade. Allport (1967, p. 679) arrisca dizer que a vida exige que nós conheçamos
o pior da pessoa e com isso façamos o melhor. Deste modo, pensando numa teoria
existencialista, podemos buscar estabelecer um contraponto entre a teoria freudiana a
fim de encontrar um novo tipo de psicologia, uma psicologia integradora que preserve
a existência da concepção do homem como um ser que não apenas reage as pressões
externas, mas que se mistura consigo mesmo, corpo e mente, pensamento e sensações,
argumentos e sentimentos, voracidade e serenidade, capacidade e medo, e tantos outros
conflitos, fatores e aspectos que o formam esse ser complexo e corporal.

55
CAPÍTULO 2
A representação corporal das emoções
em Reich

Figura 17.

Fonte: <https://psiqueobjetiva.wordpress.com>. Acesso em: maio de 2016

Wilhelm Reich desafiou o pensamento original da psicanálise freudiana que entendia


que toda a energia do homem vinha de uma geração de impulsos internos mobilizados
pela relação do Ego com o mundo externo, cujos conteúdos traumáticos levados ao
inconsciente, só poderiam ser acessados com da fala. Foi então, partindo do pressuposto
psicanalítico que Reich percebeu a “estrutura de caráter” do homem como a resultante
das relações do Ego com o Id e do Ego com o mundo exterior. No entanto, para ele,
nem todos os dilemas estavam congelados por traumas sexuais, uma vez que acredita
que os pensamentos e emoções caminham juntos e se influenciam na medida em
que o sujeito recebe esses conteúdos e processa por meio da representação corporal.
(MALUF Jr, 2000) O autor dá ênfase aos traumas vivenciados na infância, pois tanto os
traumas físicos quanto emocionais são respondidos durante uma contratura muscular
(blindagem), ou seja, o corpo é o sinalizador dos sintomas traumáticos. A blindagem
é a forma como o Ego se paralisa diante da situação estressora, a fim de se proteger
das forças que são dirigidas contra ele. É durante o evento traumático que o cérebro
responde ao organismo responsável pelas respostas instintivas e o corpo se mobiliza
e investe contra a dor física e psíquica, de modo a limitar a redução das habilidades e
capacidades do sujeito que sofre (ROMERO, 2008).

A blindagem de caráter corresponde a uma couraça muscular que


aprisiona a pulsação vital, a espontaneidade corporal, mas é, ao mesmo
tempo, uma defesa contra os ataques vindos do contexto social. Ora, se

56
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA │ UNIDADE III

há uma relação entre blindagem e couraça, é de se esperar que exista


uma ligação entre mente e corpo, unificados e vistos a partir desse
momento como único organismo.
(CÂMARA, 2009, p.102.)

Reich mapeou o corpo humano e passou a ser reconhecido por utilizar-se de uma técnica
de terapia corporal. O corpo seria então a representação da história do indivíduo e iria
revelar que o caráter de uma pessoa se forma a partir dos traumas sofridos em etapas
do desenvolvimento psicoemocional. São esses traumas que irão definir o caráter da
pessoa e sua forma de responder às demandas da vida, de modo a expressá-las no corpo.

Figura 18.

Fonte: ANARUMA, 2010. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/Anaruma/teoria-de-wilhelm-reich>. Acesso em: maio de 2016

Os anéis segmentares como nos mostra a figura representam os bloqueis energéticos


no organismo devido as tensões provocadas pelo meio externo ou interno em forma
de contraturas musculares. O que ocorre é que o organismo diante da emoção contida
(repressão) se relaciona com o significado que essa representação simbólica aciona nas
devidas partes do corpo (rigidez).

O segmento visual, que representa a couraça dos olhos, é representado pela expressão
“vazia” dos olhos e a contratura no musculo da testa, expressão de uma rigidez facial que
pode ser transponível com a mobilização dos músculos que envolvem a região ocular
por meio de exercícios comandados.

57
UNIDADE III │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA

O segmento oral inclui as musculaturas do maxilar, garganta e parte de trás da


cabeça. Podemos perceber a rigidez em pessoas que travam o maxilar, mordem forte,
ou tem afrouxamento dessa região, assim como são contidas no ato e chorar, morder,
gritar e sugar são todas contidas e podem ser liberadas quando o paciente é motivado a
imitar as emoções, produzir sons, mobilizar lábios, morder e vomitar.

O segmento cervical inclui os músculos do pescoço e língua, quando há repressão


a couraça segura a raiva e o choro, assim, a pressão sobre os músculos do pescoço
colabora para o afrouxamento da couraça.

O segmento torácico abrange os músculos longos do tórax, ombro e omoplatas,


de acordo com a teoria toda a área peitoral quando afetada pelas tensões inibem a
emoções da raiva, sorriso, tristeza e desejo. Neste caso o trabalho da respiração com a
conscientização das emoções reprimidas e estimulação dos sentimentos e sentidos para
liberação da couraça.

O segmento diafragmático envolve o diafragma, estômago, plexo solar e órgãos


internos e musculatura vertebral baixa, neste caso a couraça é expressa pela curvatura
da espinha baixa, neste caso se percebe a dificuldade em expirar. A couraça inibe a
raiva extremada. Deste modo é necessário liberar o segmento anterior e trabalhar com
a libração do diafragma por meio da respiração e reflexo do vômito.

O segmento abdominal inclui os músculos abdominais longos e os músculos das


costas estão contraídos provocando tensão na musculatura lombar, ligada ao medo de
ataque. A couraça desse segmento promove instabilidade, inibição, rancor e dificuldade
de se relacionar, deste modo é necessário abrir a couraça dos níveis mais altos.

O segmento pélvico abrange toda musculatura da regão pelvica e mombros inferiores,


neste caso a musculautra dos gluteos são doloridos, a pelve é rígida e assexuada.
A couraça pelvica inibi a raiva, a ansiedade e o prazer. Para experimentar o prazer
sexual essas áreas devem estar desobstruída. Portanto, é importante liberar a couraça
mobilizando a pelve com movimentos de sobe e desce com o corpo deitado no colchão
e levantamento dos pés com chutes em repetição. (ANARUMA, 2010.)

Ao conjunto de contrações musculares advindos da blindagem de caráter denominou-se


couraça muscular. Segundo Câmara (2009, p.42) “Couraça é a paralisia da pulsação vital
por força das pressões dos meios, interno (Id) e externo”. Deste modo o que se pretende
na terapia corporal é a flexibilização existente entre a couraça muscular que pretende
o resgate da pulsação vital diminuindo com tratamento a rigidez de caráter. O que a
Terapia de Reich propõe é o aumento da energia corporal com exercícios respiratórios
profundos; desobstrução da musculatura cronicamente tensa, a fim de liberar a energia

58
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA │ UNIDADE III

que deve fluir pelo corpo (a compressão e a pressão de pontos tensos da musculatura);
e por fim, buscando motivar o paciente a lidar com todas as suas resistências ou
restrições emocionais de modo mais flexível, menos resistente e mais consciente.
(ROMERO, 2008)

Figura 19.

Fonte: <http://pt.slideshare.net/Anaruma/teoria-de-wilhelm-reich>. Acesso em: maio de 2016.

O que para Reich parecia distinto no contexto psicanalítico era que os analisados nem
sempre conseguiam resolver seus dilemas ou externalizar suas angústias e acessar suas
lembranças reprimidas, com base nas expressões reprimidas de algum comportamento
instintual. Por isso, ele iniciou sua investigação tentando encontrar a cura por meio do
uso da percepção das relações vivenciadas no corpo, e não na estrutura do caráter, na
posição do Ego corporal. Reich então justificava que alguns pacientes apresentavam
sintomas que quando tratados na base da representação corporal, cuja mente não se
dissocia do corpo, de tal modo que, as expressões corporais representam a própria
pessoa e o sintoma. É quando há uma busca de conteúdos igualmente inconscientes,
como na teoria psicanalítica freudiana, mas que aqui se dá não pela compreensão da
linguagem falada, mas pela expressão do corpo, atitudes, gestos, que seriam, pois,
evidências do processo emocional. (VOLPI; VOLPI, 2003)

Seria então o conjunto de contrações musculares advindos da blindagem de caráter ao


que Reich denominou couraça muscular. Entretanto a flexibilização existente entre a
couraça muscular que pretende o resgate da pulsação vital e da rigidez de caráter, com
o passar dos tempos, e a repetição dos traumas primários se transformam em sintomas
– defesas psicológicas – que se corporificam. Portanto, o trabalho com o corpo propõe
romper as armaduras (defesas) e liberar os sistemas musculares, que armazenam os
traumas, a partir do acesso ao inconsciente.

59
UNIDADE III │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA

Podemos pensar em psicossomática quando lemos as articulações da prática com


a teoria propostas por Reich, uma vez que essa perspectiva pode ser observada
em experiências vitais no estado dos transtornos de conduta alimentar, processos
emocionais e cognitivos que influenciam o funcionamento do corpo e da saúde mental.
É com a técnica de vegeto terapia, que ajuda na liberação das couraças a partir da
respiração que vamos ser influenciados com a teoria reichiana.

60
CAPÍTULO 3
Processos Mentais e Corporais em Jung

Figura 20.

Fonte: <https://psiqueobjetiva.wordpress.com/tag/jung-e-o-corpo/>. Acesso em: maio de 2016.

Jung com a vivência experiência com pacientes psicóticos cujo consciente parecia
fragmentado e distorcido, passou a pensar numa organização psíquica unificada. Ao
colocar o psiquismo numa extensão fora da psicose apurou que o sujeito é um Complexo
de Ego e consciência que se formam a partir de um conjunto de representações afetivas
com base na aquisição de experiências, lembranças, afetos e aspectos relacionados a
hereditariedade. (HUMBERT, 1985)

Para Jung o Ego é o organizador da esfera consciente da Psique e é o responsável pelo


sofrimento de identidade, de continuidade e de coerência. “Do ponto de vista somático
o Ego é a expressão psicológica da conexão firmemente associada de todas as sensações
corporais elementares.” (HUMBERT, 1985, p.66). Para ele o Ego não é apenas o
sujeito, mas também um conteúdo da consciência, e por isso, o Ego faz parte de um
conjunto complexo que forma o psiquismo e desenvolve a personalidade empírica. O
Ego compõe-se de um conjunto de representações mentais, afetos, bases hereditárias e
aquisições da experiência.
61
UNIDADE III │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA

Figura 21.

Self (essência incognoscível)

Ego Psiquismo
Consciência
Si-mesmo....
Realidade
Hereditariedade
C
O
R
P
O

Fonte: Aline Vilela, 30 jun 2016.

Jung (1985) escreveu sobre o processo de individuação e apontou que o crescimento da


personalidade se dá a partir do inconsciente uma vez que as informações coletivas serão
ativadas no inconsciente e com as lembranças e as associações arquetípicas que agem
de maneira constante no psiquismo. Essa ação se desenvolve a partir do crescimento
individual e natural, que ele chama de processo de humanização. Nesse sentido Jung
elabora a dinâmica do conceito “processo de individuação” acontecimento que ocorre
lenta e imperceptivelmente no psiquismo, formando uma personalidade mais ampla e
amadurecida que pouco a pouco se faz mais efetiva e perceptível ás outras pessoas. De
todo modo para que isso ocorra é necessário que o homem se relacione com o coletivo,
sendo esse mais que um relacionamento sujeito-objeto, mas um relacionamento
sujeito-arquétipos (sistemas herdados).

O ser humano possui muitas coisas que nunca adquiriu por si mesmo,
mas que herdou de seus ancestrais. Não nasce tabula rasa, mas
simplesmente inconsciente. Traz ao nascer sistemas organizados
especificamente humanos e prontos a funcionar, que deve aos milhares
de anos da evolução humana... ao nascer, o homem traz o desenho
fundamental de seu ser, não só de sua natureza individual, mas
também de sua natureza coletiva. Os sistemas herdados correspondem
às situações humanas que prevalecem desde os tempos mais antigos, o
que significa que há juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e
filhas, pais e mães, a acasalamento... etc. A consciência individual vivi
esses diversos fatores pela primeira vez. Para o sistema corporal e para
o inconsciente, não é novidade.
Humbert, 1985, p. 95

62
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA │ UNIDADE III

Em seus seminários Jung (1985) abordou vários aspectos da compreensão de Nietzsche


uma delas foi a elaboração do “si-mesmo” quando o autor considera que é possível no
corpo identificar-se com o si-mesmo. No entanto, Jung julga o corpo como manifestação
exterior, e o si-mesmo seria tanto o corpo quanto a Psique. Sendo assim, quando o
sujeito não consegue viver dentro de seu próprio corpo, aceitando o si-mesmo é quando
ele irá atuar por meio dos sintomas.

Ao tratar o corpo como dimensão do si-mesmo, Jung não está fazendo


referência apenas à modalidade fisicamente experimentada, como
ocorre atualmente no mundo moderno. Diz-se que há uma dedicação
abusiva com relação ao corpo e todo tipo de exercícios e cremes para
mantê-lo, conservá-lo. Não se trata disto. Trata-se do “corpo sutil”, ou
seja, do sintoma como símbolo; do somático como lugar de revelação
do psíquico, porque o corpo e a Psique são dois aspectos de uma mesma
realidade.
Lyra, 2005.

O Self e o Ego em Jung


A experiência de Jung tida com pacientes psicóticos o levou a questionar-se sobre
a constituição do sujeito. Embora os sujeitos analisados tivessem a consciência
fragmentadas eles possuíam um dinamismo que levou o pesquisador médico a crer
na unidade e organização do psiquismo. Considera, portanto, que o psiquismo é um
conjunto de complexos que se opõem uns aos outros e são dependentes entre si. Deste
modo o Ego não seria o centro da Psique, mas o centro da consciência totalizando em
mais um dos complexos que formariam a Psique.

Vemos o Ego em Jung como um centro contínuo de consciência, cuja presença se faz
sentir desde os tempos da infância. Ele, portanto, não é o sujeito, mas é o conteúdo da
consciência, e dentro do complexo está composto por um conjunto de representações,
afetos, lembranças, hereditariedade e experiências adquiridas.

Do ponto de vista somático “o Ego é a expressão psicológica de conexão


firmemente associada de todas as sensações corporais elementares”. Do
ponto de vista psíquico, “Ego parece nascer primeiro do embate entre os
fatores somáticos e seu ambiente; uma vez estabelecido como sujeito,
continua a desenvolver através dos conflitos com os mundos externo e
interno”.
Humbert, 1985, p. 66.

63
UNIDADE III │ A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DO CORPO NA PSICOLOGIA

Para Jung e col (2001, p.197) o self é o núcleo mais profundo da Psique. Ele não
está inteiramente contido na nossa experiência consciente de tempo (dimensão
espaço-tempo), no entanto é onipresente, ou seja, manifesta-se como um ser humano
gigantesco e simbólico que envolve e pode representar todo o cosmo. Para melhor
entendermos, toda a realidade psíquica interior de cada um de nós é orientada, em
última instância, em direção a este símbolo arquetípico do self.

O self é, muitas vezes, simbolizado por um animal, que representa a


nossa natureza instintiva e a sua relação com o nosso ambiente... esta
relação do self com a natureza à sua volta e mesmo com o cosmos vem,
provavelmente, do fato de o “átomo nuclear” da nossa Psique estar,
de certo modo, interligado ao mundo inteiro, tanto interior como
exteriormente.
Jung, 2001, p. 207.

O self central (arquétipo - origem primeira) representa tudo o que está relacionado
ao Ego sendo a união do consciente e inconsciente. Já o inconsciente pessoal é o que
está reprimido por serem experiências não cabíveis ao Ego, que requer uma ordem
do sentido de identidade, continuidade e coerência. Dessa forma podemos perceber
o self como uma entidade que ultrapassa a forma e não está contido nos aspectos da
personalidade, mas que vai muito além do inteligível.

Uma apresentação de fácil compreensão que poderemos analisar é a levantada


pelo site Psiquiatria Geral. Veja a seguir:

O self é o arquétipo do Ego; ele é o potencial inato para a integridade, um


princípio ordenador inconsciente direcionando a vida psíquica geral que dá
lugar ao Ego, faz acordos com e é parcialmente moldado pela realidade externa.
Na metapsicologia junguiana, o inconsciente dá lugar à integração, ordem e
individuação. O self surge do inconsciente em sonhos, fantasias e estados de
consciência alterada para dar direção. Na primeira metade da vida, o Ego tenta
identificar-se com o self e apropriar o poder do self a serviço do crescimento e
diferenciação do Ego. Durante este tempo, o Ego pode tornar-se inflado com um
sentimento irrealista de poder - a arrogância da juventude. Se cortado do self, o
Ego pode ser alienado e deprimido.

Fonte: <http://www.psiquiatriageral.com.br/psicoterapia/carl.html>. Acesso em: maio de 2016

64
TRANSTORNO
ALIMENTAR E UNIDADE IV
ESTÉTICA

CAPÍTULO 1
O corpo simbólico e a possibilidade de
reconstrução da imagem corporal

Figura 22.

Fonte: <https://bollog.wordpress.com/2012/03/29/espelho-meu/>. Acesso em: maio 2016

O corpo biológico não reflete exclusivamente a nossa proposta de discussão uma vez que
pretendemos aqui construir ou refletir sobre o conceito de um corpo que vai além da
matéria. Esse corpo dividido em corpo físico e corpo simbolizado por meio da experiência
e captado pela Psique do indivíduo é o mesmo corpo sujeitado aos ataques midiáticos e
a simbolização maciça criada por um modelo inacessível e despersonalizado. Vivemos,
pois, em tempos que não basta ter um corpo, é preciso ter um corpo que atinja padrões
de exigências, é preciso ter um corpo esculpidamente perfeito, mesmo que para isso
sejam usadas ferramentas.

Enquanto o corpo é cuidado com esmero, segundo as exigências


mercadológicas em vigor, ele se torna estranho ao próprio indivíduo na
medida em que é ignorado na sua corporeidade. O trabalho psíquico,
na clínica, visa oferecer ao sujeito a possibilidade de simbolização,

65
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

pela qual o corpo recalcado pode ser reconsiderado, na medida em que


passa a ser falado. Desse modo, o sujeito se reconhece, no corpo, como
instância psíquica.

Barbosa, 2013.

Quando falamos de corpo podemos voltar o olhar para conceituações multidisciplinares


que o definirão em suas diversas representações e trarão múltiplos entendimentos, no
entanto, quando falamos de um corpo e sua representação simbólica pretendemos
analisar sob a ótica psicológica que concebe o corpo como um corpo sentido, um corpo
cujas expressões revelam algo do psiquismo.

Nasio (2009) trabalha com a ideia de corpo real para descrever o corpo que sente
por meio das sensações internas e externas, um corpo constituído por pulsão, fantasia,
que se define no erógeno, que se usa dele mesmo para atingir um outro e mergulhar
nas sensações do que o outro causa. O corpo do prazer, do gozo, que emana energia
psíquica e somática.

O corpo são as pulsões de vida que nos ligam ao mundo, bem como
as pulsões de morte que nos separam de tudo que ameaça nossa
integridade; os dois grupos de pulsões, de vida e de morte, trabalham
a serviço da vida. É o corpo pulsional que denominamos corpo real ou
corpo sentido.

Nasio, 2009, p. 122.

O corpo imaginário se constitui a partir do espelho e alguns autores abordam essa


questão. Para Lacan (1998) o eu simbólico se dá após o contato da criança com a sua
imagem no espelho, provavelmente um contato introduzido pela mãe (cuidadora) quem
irá nomeá-la diante do espelho revelando uma imagem e um nome ao qual ela inicia
no processo de apropriação - que só irá fortalecer-se com o investimento da mãe que
significará a imagem e integrará o eu no simbolismo psíquico. É o eu simbólico quem
irá criar um senso de identidade social na criança, fazendo-a sentir-se dentro de um
contexto familiar e social existente. O eu simbólico age na formação da individualidade,
do sentimento de singularidade, quando aprendemos que fazemos parte de um contexto
significativo. Essa formação que tem a participação especial da mãe como precursora de
um sentido de realidade dado a criança e as sensações corpóreas que agora tem nome e
se situam em algum lugar chamado corpo, dá lugar ainda ao que Lacan chamou de eu
especular, que dentro desse processo é a própria imagem reconhecida no espelho, é a
sensação da qual falei anteriormente: de habitar em um local que suporta as sensações,
é o sentir-se fora do outro e dentro de si mesmo.

66
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

Psicologicamente falando é importante salientar que o bebê ainda vive em sua Psique
dentro de um espaço confuso e sem delimitações quando o seu eu ainda não formado
se confunde com o eu existente na mãe e até, digamos “emprestado” ao bebê. Neste
caso Winnicott (1971) revela que a mãe inspira confiança ao bebê e essa confiança
quando vivenciada por um período suficientemente longo, será fundamental para esse
momento de separação entre o não-eu e o estabelecimento de um eu (self) autônomo
no estádio inicial.

Ainda, segundo Nasio (2009), a criança experimenta dois momentos no estádio do


espelho, um que diz respeito ao contentamento ao ver e reconhecer sua imagem guiada
pelo apreço e afeto da mãe que o apresenta e nomeia. O outro momento é quando por
volta do terceiro ano a criança se depara com o fato de não se reconhecer ao se ver,
que está representado pela forma como ela se sente. Essa imagem refletida então lhe
parece distante do que ela pensa que vê em relação ao como ela sente ser. Esse segundo
momento vivenciado pela criança ao se deparar em estágio mais avançado de idade com
o espelho é visto por Dolto (2015) como a vivência de um trauma que abala o psiquismo,
uma vez que haverá uma constatação de que sua crença sobre si mesma estava errada,
pois a criança que ela reconhece no espelho não é ela mesma, mas apenas uma imagem
de si mesma. Esse trauma configura um recalque das imagens inconscientes do próprio
corpo, uma vez que ela percebe que o seu corpo real, é o eu especular, aquela imagem
do espelho que é vista pelo outro, sendo essa a imagem que ela acredita não ser ela.
Deste modo a criança passa a reconhecer o valor da imagem especular, é quando ela
fortalece o investimento de sua imagem externa e deixa de lado suas sensações internas.
(NASIO, 2009)

Nunca percebemos nosso corpo tal como é, mas tal como o imaginamos;
o percebemos como fantasia, isto é, mergulhado nas brumas de nossos
sentimentos, reavivado na memória, submetido ao julgamento do Outro
interiorizado e percebido através da imagem familiar que já temos dele.
Nasio, 2009, p. 63

Quadro 1. Quadro comparativo entre a imagem inconsciente do corpo concebida por Dolto e a imagem

especular concebida por Lacan.

Imagem inconsciente do corpo, de Dolto Imagem especular, de Lacan


A imagem inconsciente do corpo é uma imagem mental que não se
A imagem especular é uma imagem exterior refletida no espelho.
reflete no espelho
A imagem inconsciente do corpo é uma representação psíquica. A imagem especular é o reflexo no espelho da silhueta de nosso corpo.
As fontes da imagem inconsciente do corpo são as múltiplas sensações
A fonte da imagem especular é a aparência de nosso corpo.
proprioceptivas, interoceptivas e erógenas.
A imagem inconsciente do corpo é uma imagem multissensorial e
A imagem especular é uma imagem visual monomórfica.
polimorfa.

67
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Imagem inconsciente do corpo, de Dolto Imagem especular, de Lacan


A imagem inconsciente do corpo começa a se formar durante o período A criança descobre sua imagem especular entre seis e dezoito meses e
do intrauterino e termina sua maturação por volta dos três anos. a redescobre por volta dos três anos.

Primado da imagem inconsciente do corpo até os três anos, depois Primado da imagem especular desde sua descoberta e durante toda a
recalcamento em prol da imagem especular. vida.

Desde a diva intrauterina até a idade de três anos, a imagem


inconsciente do corpo assenta as bases do sentimento de si. Em A imagem especular contribui muito cedo para a formação do Eu
seguida, já recalcada, a imagem inconsciente do corpo é suscetível de simbólico e do Eu imaginário
modificar o curso dos fatos marcante de nossa existência.

A imagem especular mostra à criança que ela tem uma forma humana,
fazendo-a sentir que ela é uma entidade distinta e acreditar que é uma
unidade.

Fonte: Nasio (2009, p. 130)

Resumidamente pensemos sobre o que Lacan (1998) explorou em uma de suas


conferências acerca do estádio do espelho. O primeiro eu formado na criança bebê -
em sua primeira aparição ao espelho – é o modelamento do seu Eu imaginário que
antecede ao seu Eu simbólico. Nasio (2009) nos traz uma excelente elaboração quando
retrata o pensamento de que o eu é um conjunto de toda nossa imagem corporal interna
e externa, vivida e marcada ao longo da nossa existência, tão fortemente misturada
com todos os aspectos do que é nosso, do que vem de nós e vem de fora, que não tem
começo, meio e fim.

Parafraseando as ideias advindas do eu freudiano, como sendo a imagem do corpo


das sensações Nasio (2009) extrapola acrescentando a partir dessa ideia o conceito
de Lacan que aperfeiçoa a ideia de Freud, uma vez o eu passa a ir além das imagens
mentais das sensações e toma para si a imagem mental que os desejos, o gozo e a
fantasia formulam. Portanto, o “eu existe em nós, mas também fora de nós, no espelho
e no nosso semelhante, vibrando tanto dentro quanto fora” (p. 107).

Figura 23.

Fonte: <http://tvoymalysh.com.ua/view/16981>. Acesso em: maio de 2016

68
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

A Possibilidade de Reconstrução da Imagem


Corporal
A consciência corporal faz parte de um processo de elaboração do esquema corporal.
Como vimos em Dolto (2015, p. 11) o esquema corporal é uma realidade de fato, sendo
de certa forma nosso viver carnal no contato com o mundo físico. Nossas experiências de
nossa realidade dependem da integridade do organismo, ou de suas lesões transitórias
ou indeléveis, neurológicas, musculares, ósseas e também, de nossas sensações
fisiológicas viscerais, circulatórias - também chamadas de quinestésicas.

A medicina genética, a psicologia e a psicanálise nos despertaram para o conhecimento


para o processo de experiências que passamos com o nosso próprio corpo desde os
primeiros anos de vida. Deste modo descobriu-se que a vivência das sensações internas
e externas e todas as respostas que elas provocam em nós fazem parte de um processo
que podemos chamar de pertencimento do próprio corpo, formação do nosso eu. Tudo
isso começou a partir dos toques, pele a pele, sucção, reações corpóreas diversas e todo
tipo de experiências que ensinaram progressivamente e fizeram parte de um sistema
natural do desenvolvimento, para o propósito do reconhecimento corporal individual.
Essa identificação do corpo permite distinguir o mundo externo de um mundo à parte
cujas fronteiras estão no meu corpo e no que o meu corpo é capaz de realizar.

Nasio (2009) revela que a imagem do nosso corpo não é apenas inconsciente, mas
evolutiva, porque se constrói, desenvolve, se renova e regenera ao longo da vida.
Importante destacar as quatros características trazidas por Nasio da imagem:

I. ela é inconsciente;

II. é evolutiva;

III. é eficaz pois induz efeitos precisos na realidade, e em especial, no corpo


do qual é imagem;

IV. é uma formação psíquica alimentada e animada pela libido. A libido


precisa da imagem assim como a imagem precisa da libido.

Assim como a imagem mental que trazemos do nosso corpo sofre mudanças constantes
e está sempre em evolução assim também é o nosso processo que carregamos ao longo
da vida acerca de nossa imagem corporal, uma vez que está em constante processo de
construção. Até mesmo quando pensamos que há uma adequação acerca da construção
da imagem corporal com a qual estamos vivendo que se enquadram nos padrões
estabelecidos por nós, pela sociedade, suprindo nossas necessidades, ainda assim,
haverá um espaço aberto no tempo real em que iremos nos remodelar em relação a
essa imagem.

69
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Schilder (1999, p. 240) aborda um fator muito importante em relação ao trabalho da


psicologia a despeito da Imagem Corporal, pois para ele, embora haja um atrativo
no cuidado e preservação da imagem corporal do outro sendo esse um valor ético, é
possível que nesse percurso haja a destruição de uma imagem corporal idealizada, ou
fantasmática, uma imagem corporal deformada. E então ele pergunta: “Mas a destruição
não é meramente um modo de renovar a construção que, afinal, é o significado da vida?”.

Não há imagem corporal sem personalidade. Mas o desenvolvimento


pleno da personalidade do outro e de seus valores só é possível através
da imagem corporal. Assim, a preservação, a construção e a estruturação
da imagem corporal deste outro se torna signo, sinal e símbolo do valor
de sua personalidade integrada.
Schilder (1999, p. 240)

Portanto, para nós cuidadores, responsáveis pelos nossos filhos, pelos nossos pacientes
e desejosos por adentrar no mundo da fantasia, ou melhor, do fantasiado, do recalcado,
do outro, devemos ter em mente que, internamente, na relação sujeito-objeto,
observaremos uma imagem marcada pelos aspectos de um objeto ora amado, ora odiado,
ora desejado, ora rejeitado, ora querido, ora temido. Portanto, no âmbito psicológico e
utilizando das diferentes técnicas possíveis para o tratamento com pessoas em situação
de distorção de sua imagem corporal, iremos seguir o pensamento de Dolto (2015) e
nos atermos a clínica da escuta. O psicanalista, por exemplo, irá escutar a demanda do
sofrimento e irá atentar-se para os conteúdos que dizem respeito à imagem corporal,
que se apresentam a partir da palavra a ser decodificada, ou seja, analisada durante
um processo. É preciso que as palavras estejam recheadas de emoções e situadas nas
experiências do paciente, e ainda, que elas sejam captadas por meio de um processo
transferencial que reconheça as marcas do corpo deixadas no inconsciente.

O tratamento psicanalítico é justamente baseado nesta permissão de


falar do seu desejo. Fazemos também desenhar todas as coisas que a
criança fabula, incluindo, é claro, as expressões sádicas. Isto significa
que estamos de acordo com o desejo em si, que se expressa aqui através
de fantasmas de uma violência exagerada.
Dolto, 2015, p. 120.

70
CAPÍTULO 2
A percepção do Corpo e o Contato
com o Outro: Experiência de Eutonia

Figura 24.

Fonte: <http://hojeanoitenoporao.blogspot.com.br/2010/08/eutonia.html>. Acesso em: maio de 2016.

Abordaremos a percepção a partir de uma visão que foge do objetivismo dos campos
cognitivistas da psicologia e abriremos espaço a uma perspectiva fenomenológica
trazida por Merleau-Ponty (1994) que busca a compreensão da percepção sob um
prisma cultural, histórico, subjetivo, saído das relações sociais, predominado pelas
emoções mais expressivas do sujeito. Para ela a percepção está fundamentada nessa
relação do sujeito corporal e ativo que se expressa e recebe os estímulos de modo
sensorial, simbólico. Esta experiência é puramente corporal e se realiza mediante o
sentir e o nosso posicionamento no mundo, ou seja, o movimento. Entenderemos,
pois, a experiência perceptiva como um sentir e movimentar-se por meio das relações
efetuadas com o mundo que nos impele à ser, realizar, gesticular, representar, criar,
interpretar, participar das diferentes situações.

A Eutonia foi criada por Gerda Alexander, filha de uma família burguesa alemã de
antes da Segunda Guerra. Teve uma excelente educação para os moldes da época.
Cresceu ouvindo Mozart tocado por seu pai que era pianista e desejou ser dançarina,
porém ainda na juventude foi assolada por uma doença que a obrigou a reaprender a
movimentar-se com economia de esforços. Foi desenganada pelos médicos e a partir
daí sublimou o sofrimento causado pelas dores e partiu para uma busca criativa
de recuperação de sua vida, foi quando a partir da percepção corporal correta e do
entendimento de que o corpo é um aparato psicofísico, desenvolveu a Eutonia.

71
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

A palavra Eutonia tem como sentido literal o significado de bom tônus, sendo esse
um estado no qual todo movimento deve ser realizado com um mínimo de energia e o
máximo de eficácia, permitindo que as funções vitais possam prosseguir normalmente.

A Eutonia e o relaxamento são técnicas úteis das mais diversas condições


de vida. Tornam disponíveis as forças físicas e mentais e permitem
preservar ou restabelecer rapidamente a saúde se o equilíbrio for
momentaneamente rompido. Essas técnicas são eficazes para prevenir
e curar o estado de tensão geral excessiva, tão frequentes nestes tempos
em que a mecanização e o ritmo acelerado das máquinas parecem se
impor à vida humana de um modo cada vez mais nefasto. Numerosas
causas de cansaço, de mal-estar e de doença podem ser eliminadas pela
eutonia. O estudo sistemático de uma descontração profunda conduz,
além disso, a uma tomada de consciência de si mesmo que desenvolve
a personalidade por inteiro.
Brieghel-Müller, 1998, p. 11

Segundo a técnica da Eutonia e do relaxamento, as sensações corporais por meio


da imobilidade, podem ter diferentes efeitos e produzir diferentes sensações
(agradáveis, desagradáveis e neutras). No começo do relaxamento frequentemente há
o desaparecimento das sensações corporais, e o principiante pode passar a não sentir
o seu corpo. Uma vez eliminados os movimentos exteriores provenientes de uma vida
cotidiana e que nos levam a diversas sensações corporais, vem o relaxamento. A esse
estado chamamos “estado de ausência de sensações”, e neste caso é um tipo de percepção
de grande importância, uma vez que formam a base do domínio neuromuscular e
psíquico. (BRIEGHEL-MÜLLER, 1998)

Os trechos a seguir são explicações vindas de duas fontes que podem ser pesquisadas por
vocês na internet. Para adquirir o texto na íntegra é só seguir a indicação na referência.

A aplicação da Eutonia é muito ampla: promove melhor qualidade


de vida, alívio em situações de estresse, além de auxiliar na
prática de diferentes atividades, como por exemplo, nos esportes, na
dança, na preparação corporal do ator, entre outras. É também
utilizada como tratamento e prevenção de problemas ortopédicos
e desordens psicossomáticas, como reorganização postural,
fibromialgia, síndrome miofascial, lombalgias, hérnia de
disco, espondilolistese, osteopenia, osteoporose, depressão.
A Eutonia é recomendada especialmente no acompanhamento da
gravidez, parto e puerpério. O trabalho é desenvolvido através de

72
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

exercícios específicos de sensibilização, realinhamento ósseo, toques,


manipulações, para que o aluno possa ampliar a sua experiência
sensorial e cognitiva, sem que lhe seja imposta nenhuma sensação ou
elaboração da percepção, que possam gerar conclusões predeterminadas.
A consciência vem da experimentação do corpo e é esse processo que
torna o aprendizado um ganho permanente.
(INST. EUTONIA)

Eutonia é uma palavra de origem greco-latina (do grego Eu: ótimo,


harmonioso, e do latim Tônus: tensão), que designa o equilíbrio do
tônus, ou seja, a harmonia entre as tensões que coexistem no corpo.
Este estado de equilíbrio é atingido quando se consegue manter um
nível de tensão mais ou menos equivalente nos diversos agrupamentos
musculares, de forma que não se mantenha nenhuma região com
acúmulo de tensão (hipertonia) ou em estado de flacidez (hipotonia).
Como resultado, obtém-se uma sensação de disposição e de prontidão
para a ação, pois o equilíbrio tônico provém da regulação do sistema
nervoso neurovegetativo, também responsável pela manutenção da
respiração, da temperatura do corpo e do estado de alerta (vigília) ou
de sono.

A prática da eutonia visa, acima de tudo, ao restabelecimento da


flexibilidade do tônus geral do organismo. Isso acontece porque, no dia a
dia, é preciso que o tônus muscular dos diferentes tecidos do organismo
adapte-se constantemente. Há uma série de meios utilizados para se
chegar ao estado de tônus equilibrado, sempre dirigindo a atenção do
paciente para a percepção dos vários aspectos do seu próprio corpo e da
sua relação com o meio externo.

Embora o tônus se refira à atividade muscular, a eutonia não utiliza


a atuação direta sobre a musculatura, mas sim sobre os canais de
interferência na regulação feita pelo sistema nervoso neurovegetativo.
Como exemplo, há a consciência dos apoios do corpo no chão ou sobre
determinados objetos (bolinhas, bambus etc.): quando a atenção se dirige
aos apoios, são ativados os receptores nervosos situados na superfície
da pele responsáveis pelo registro de pressão. Consequentemente, é
enviada uma mensagem para o sistema nervoso central de que aquela
determinada região para a qual foi dirigida a atenção pode relaxar, pois
está sendo sustentada. Dessa forma, o estado de tensão muscular dessa
região se altera.

73
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Um dos aspectos mais trabalhados pela prática da eutonia é a consciência


da pele, já que esta contém diversos receptores nervosos capazes de
captar os estímulos provenientes do ambiente externo, que por sua vez
influenciam na regulação do tônus do organismo.

A pele, órgão que recobre toda a superfície do corpo, é também


responsável por delimitar a fronteira entre o espaço interno e o espaço
externo, de forma que, para se ter a percepção do espaço interno do
corpo, se faz necessário ter a percepção do envoltório delimitando este
espaço. Sentir as distâncias entre os apoios do corpo estendido sobre o
solo e traçar linhas imaginárias entre estes apoios e a superfície do corpo
que não está apoiada, fornecerá a consciência da tridimensionalidade e
do volume do corpo”
(CAMPOS, M.R.B. s/d).

74
CAPÍTULO 3
Transtornos alimentares e estética

Figura 25.

Fonte: <http://gordivah.blogspot.com.br/2015_07_01_archive.html>. Acesso em: maio de 2016

“Quer me diferencie do outro ou me sinta semelhante, quer me sinta


autônomo ou dependa dele, preciso sempre do outro para ser eu.”
NASIO, J.-D.

Em seu artigo Araújo e Lotufo Neto (2014) fazem uma breve explanação dos aspectos
anteriormente apresentados no DSM-IV e hoje substituídos ou reorientados, por meio
de pesquisas, a um novo paradigma ou prisma do mesmo transtorno. No capítulo
Alimentação e Transtornos Alimentares o DSM-5 reúne os diagnósticos
descritos no DSM-IVTR no capítulo dos Transtornos de Alimentação, juntamente
com os Transtornos de Alimentação da Primeira Infância que anteriormente se
apresentavam no capítulo dos Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira
Vez na Infância ou na Adolescência já não existentes nessa nova versão. Já para os
diagnósticos de Pica e Transtorno de Ruminação mantiveram-se critérios semelhantes,
que foram revisados a fim de serem aplicados a indivíduos de qualquer idade. No
antigo Transtorno da Alimentação da Primeira Infância DSM-5 passou a ser chamado
de Transtorno de Consumo Alimentar Evitativo/Restritivo. No entanto, esse atual
diagnóstico é caracterizado como um distúrbio alimentar manifestado por um fracasso
persistente em atender às necessidades nutricionais ou energia necessária, associado

75
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

com um ou mais dos seguintes sintomas: perda significativa de peso; deficiência


nutricional significativa; dependência de nutrição enteral ou suplemento nutricional
oral; acentuada interferência na função psicossocial.

Ao que concerne a Anorexia Nervosa não houve alterações conceituais, mas seus
critérios foram reescritos para melhor compreensão. A presença de comportamentos
persistentes que interferem no ganho de peso foi adicionada ao Critério B, que descrevia
o medo intenso de ganhar peso ou engordar.

O diagnóstico de Bulimia Nervosa sofreu uma alteração no que diz respeito a frequência
exigida de crises bulímicas e comportamentos compensatórios. No DSM-IV-TR
eram necessárias pelo menos duas crises por semana, por três meses, já no DSM-5 a
exigência cai para uma vez por semana, por três meses. O autor continua, embora a
APA argumente que as características e evolução clínica dos pacientes com esse limiar
sejam semelhantes, muitos profissionais criticaram a mudança pelo possível risco de
superestimar a incidência do transtorno.

O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica que foi apresentado no DSM-IV-TR


(Apêndice B) como uma proposta para estudos adicionais, foi validado como diagnóstico
no DSM-5 devido a sua utilidade clínica.

Sobre os Transtornos Alimentares


Durante a apresentação dos transtornos encontrados na classificação do DSM-5
encontraremos os códigos da CID-9-MC seguidos da CID-10-MC entre parênteses. Os
códigos são utilizados nas classificações médicas e os referentes a primeira classificação
citada devem ser usado para codificação dos Estados Unidos até 30 de setembro de
2015, assim como, o uso dos códigos da segunda classificação deve ser implementado a
partir de 1 de outubro de 2015 (APA, 2014).

Quadro 2.

Pica
Critérios Diagnósticos
A. Ingestão persistente de substâncias não nutritivas, não alimentares, durante um período mínimo de um mês.
B. A ingestão de substâncias não nutritivas, não alimentares, é inapropriada ao estágio de desenvolvimento do indivíduo.
C. O comportamento alimentar não faz parte de uma prática culturalmente aceita.
D. Se o comportamento alimentar ocorrer no contexto de outro transtorno mental (p. ex., deficiência intelectual [transtorno de desenvolvimento
intelectual], transtorno do espectro autista, esquizofrenia) ou condição médica (incluindo gestação), é suficientemente grave a ponto de necessitar de
atenção clínica adicional.
Nota para codificação: o código da CID-9-MC para Pica é 307.52 e é usado para crianças e adultos. Os códigos da CID-10-MC para habitação
(F98.3) em crianças e (F50.8) em adultos.
Especificar se:
Em reemissão: Depois de terem sido preenchidos os critérios para Pica, esses critérios não foram mais preenchidos por um período de tempo
sustentado.

76
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

Transtorno de Ruminação
Critérios Diagnósticos 307.53 (F98.21)
A. Regurgitação repetida de alimento durante um período mínimo de um mês. O alimento regurgitado pode ser remastigado, novamente deglutido ou
cuspido.
B. A regurgitação repetida não é atribuível a uma condição gastrintestinal ou a outra condição médica (p. ex., refluxo gastroesofágico, estenoso do
piloro).
C. A perturbação alimentar não ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa, bulimia nervosa, transtorno de compulsão alimentar ou
transtorno alimentar restritivo/evitativo.
D. Se os sintomas ocorrerem no contexto de outro transtorno mental (p. ex., deficiência intelectual [transtorno do desenvolvimento intelectual] ou
outro transtorno do neurodesenvolvimento), eles são suficientemente graves para justificar atenção clínica adicional.
Especificar se:
Em remissão: Depois de terem sido preenchidos os critérios para o transtorno de ruminação, esses critérios não foram mais preenchidos por um
período de tempo sustentado.

Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo


Critérios Diagnósticos 307.59 (F50.8)
A. Uma perturbação alimentar (p.ex., falta aparente de interesse na alimentação ou em alimentos; esquiva baseada nas características sensoriais do
alimento; preocupação acerca de consequências aversivas alimentar) manifestada por fracasso persistente em satisfazer as necessidades nutricionais
e ou energéticas apropriadas associada a um (ou mais) dos seguintes aspectos:
»» Perda de peso significativo (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado ou atraso de crescimento em crianças).
»» Deficiência nutricional significativa.
»» Dependência de alimentação enteral ou suplementos nutricionais orais.
»» Interferência marcante no funcionamento psicossocial.
B. A perturbação não é mais bem explicada por indisponibilidade de alimento ou por uma prática culturalmente aceita.
C. A perturbação alimentar não ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa, e não há evidência de perturbação
na maneira como o peso ou a forma corporal é vivenciada.
D. A perturbação alimentar não é atribuível a uma condição médica concomitante ou mais bem explicada por outro transtorno mental. Quando
a perturbação alimentar ocorre no contexto de uma condição ou transtorno, sua gravidade excede a habitualmente associada à condição ou ao
transtorno e justifica atenção clínica adicional. (Sic)
Especificar se:
Em remissão: depois de terem sido preenchidos os critérios para transtorno alimentar restritivo/evitativo, esses critérios não foram mais
preenchidos por um período de tempo sustentado.

Anorexia Nervosa
Critérios Diagnósticos
A. Restrição da ingestão calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero,
trajetória do desenvolvimento e saúde física. Peso significativamente baixo é definido como um peso inferior ao peso mínimo normal ou, no caso de
crianças e adolescentes, menor do que o minimamente esperado.
B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, o comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo estando com peso
significativamente baixo.
C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal é vivenciada, influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação
ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.
Nota para codificação: o código da CID-9-MC para anorexia nervosa é 307.1 atribuído independentemente do subtipo. O código da CID-10-
MC depende do subtipo (ver a seguir).
(F 50.01) tipo restritivo: durante os últimos três meses, o indivíduo não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou
comportamento purgativo (i.e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas). Esse subtipo descreve apresentações nas
quais a perda de peso seja conseguia dar essencialmente por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo.
(F50.02) tipo compulsão alimentar purgativa: nos últimos três meses, o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão
alimentar purgativa (i.e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).

77
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Anorexia Nervosa
Critérios Diagnósticos
Especificar se:
Em remissão parcial: depois de terem sido preenchidos previamente todos os critérios para anorexia nervosa, o critério A (baixo peso corporal)
não foi mais satisfeito por um período sustentado, porém ou o critério B (medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento que
interfere no ganho de peso), ou o critério C (perturbações na autopercepção do peso e da forma) ainda está presente.
Em reemissão completa: depois de terem sido satisfeitos previamente todos os critérios para anorexia nervosa, nenhum dos critérios foi mais
satisfeito por um período sustentado.
Especificar a gravidade atual:
O nível mínimo de gravidade baseia-se, em adultos, no índice de massa corporal (IMC) atual (ver a seguir) ou, para crianças e adolescentes, no
percentil do IMC. Os intervalos a sehuir são derivados das categorias da Organização Mundial da Saúde para baixo peso em adultos; para crianças
e adolescentes, os percentis do IMC correspondentes devem ser usados. O nível de gravidade pode ser aumentado de maneira a refletir sintomas
clínicos, o grau de incapacidade funcional e a necessidade de supervisão.
Leve: IMC 17 kg/m2
Moderada: IMC 16-16,99 kg/m2
Grave: IMC 15-15,99 kg/m2
Extrema: IMC < 15 kg/m2

Bulimia Nervosa

Critérios Diagnósticos

A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar é caracterizado pelos seguintes aspectos:

»» Em gestão, em um período de tempo determinado (p.ex., dentro de cada período de 2h00), de uma quantidade de alimento definitivamente
maior do que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período sob circunstâncias semelhantes.

»» Sensação de falta de controle sobre a ingestão durante o episódio (p.ex., sentimento de não conseguir parar de comer ou controlar o que e o
quanto se está ingerindo).

B. Comportamentos compensatórios inapropriados recorrentes a fim de impedir o ganho de peso, como vômitos autoinduzidos; uso indevido de
laxantes, diuréticos ou outros medicamentos; jejum; ou exercício em acesso.

C. A compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios inapropriados ocorrem, em média, no mínimo uma vez por semana durante três
meses.

D. A autoavaliação é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso corporal.

E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa.

Especificar se:

Em remissão parcial: depois de todos os critérios para bulimia nervosa terem sido previamente preenchidos, alguns, mas não todos os critérios,
foram preenchidos por um período de tempo sustentado.

Em remissão completa: depois de todos os critérios para bulimia nervosa terem sido previamente preenchidos, nenhum dos critérios foi preenchido
por um período de tempo sustentado.

Especificar a gravidade atual:

O nível mínimo de gravidade baseia-se na frequência dos comportamentos compensatórios inapropriados (ver a seguir). O nível de gravidade pode
ser elevado de maneira a refletir outros sintomas e o grau de incapacidade funcional.

Leve: média de 1 a 3 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por semana.

Moderada: média de 4 a 7 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por semana.

Grave: média de 8 a 13 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por semana.

Extrema: média de 14 ou mais comportamentos compensatórios inapropriados por semana.

78
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

Transtorno de Compulsão Alimentar


Critérios Diagnósticos 307.51 (F50.8)
A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar é caracterizado pelos seguintes aspectos:
»» Em gestão, em um período de tempo determinado (p.ex., dentro de cada período de 2 horas), de uma quantidade de alimento definitivamente
maior do que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período sob circunstâncias semelhantes.
»» Sensação de falta de controle sobre a ingestão durante o episódio (p.ex., sentimento de não conseguir parar de comer ou controlar o que e o
quanto se está ingerindo).
B. Os episódios de compulsão alimentar estão associados a três (ou mais) dos seguintes aspectos:
»» comer mais rapidamente que o normal;comer até se sentir desconfortavelmente cheio;comer grandes quantidades de alimento na ausência da
sensação física de fome;comer sozinho por vergonha do quanto se está comendo;sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpado
em seguida.
C. Sofrimento marcante em virtude da compulsão alimentar.
D. Os episódios de compulsão alimentar ocorrem, em média, ao menos uma vez por semana durante três meses.
E. A compulsão alimentar não está associada ao uso recorrente de comportamento compensatório inapropriado como bulimia nervosa e não ocorre
exclusivamente durante o curso de bulimia nervosa ou anorexia nervosa.
Especificar se:
Em remissão parcial: depois de terem sido previamente satisfeitos os critérios plenos do transtorno de compulsão alimentar, a hiperfagia ocorre a
uma frequência média inferior a um episódio por semana por um período de tempo sustentado.
Em remissão completa: depois de terem sido previamente satisfeitos os critérios plenos do transtorno de compulsão alimentar, nenhum dos
critérios é mais satisfeito por um período de tempo sustentado.
Especificar a gravidade atual:
O nível mínimo de gravidade baseia-se na frequência de episódios de compulsão alimentar (ver a seguir). O nível de gravidade poder ser ampliado
de maneira a refletir outros sintomas e o grau de incapacidade funcional.
Leve: 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana.
Moderada: 4 a 7 episódios de compulsão alimentar por semana.
Grave: 8 a 13 episódios de compulsão alimentar por semana.
Extrema: 14 ou mais compulsão alimentar por semana.

Outro Transtorno Alimentar Especificado


Critérios Diagnósticos 307.59 (F50.8)
Esta categoria aplica-se a apresentações em que sintomas característicos de um transtorno alimentar que causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo predominam, mas não satisfazem
todos os critérios para qualquer transtorno na classe diagnóstica de transtornos alimentares. A categoria outro transtorno alimentar especificado
é usada nas situações em que o clínico opta por comunicar a razão específica pela qual a apresentação não satisfaz os critérios para qualquer
transtorno alimentar específico. Isso é feito por meio do registro de “outro transtorno alimentar especificado”, seguido da razão específica (p.ex.,
bulimia nervosa de baixa frequência).
Exemplos de apresentações que podem ser especificadas usando a designação “outro transtorno alimentar especificado” inclui os seguintes:
1. Anorexia nervosa atípica: todos os critérios para anorexia nervosa são preenchidos, exceto que, apesar da perda de peso significativo, o peso
do indivíduo está dentro ou acima da faixa normal.
2. Bulimia nervosa (de baixa frequência e/ou duração limitada): todos os critérios para bulimia nervosa são atendidos, exceto que a compulsão
alimentar e comportamentos compensatórios indevidos ocorrem, em média, menos de uma vez por semana e/ou por menos de três meses.
3. Transtorno de compulsão alimentar (de baixa frequência e/ou duração limitada): todos os critérios para transtorno de compulsão alimentar são
preenchidos, exceto que a hiperfagia ocorre, em média, menos de uma vez por semana e/ou por menos de três meses.
4. Transtorno de purgação: comportamento de purgação recorrente para influenciar o peso ou a forma do corpo (vômitos autoinduzidos; uso
indevido de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos) na ausência de compulsão alimentar.
5. Síndrome do comer noturno: episódios recorrentes de ingestão noturna, manifestada pela ingestão ao despertar do sono noturno ou pelo
consumo excessivo de alimentos depois de uma refeição Noturna. Há consciência e recordação da ingestão. A ingestão noturna não é mais
bem explicada por influências externas, como mudanças no ciclo do sono-vigília do indivíduo, ou por normas sociais locais. A ingestão noturna
causa sofrimento significativo e/ou prejuízo no funcionamento. O padrão desordenado de ingestão não é mais bem explicada por transtorno
de compulsão alimentar ou outro transtorno mental, incluindo o uso de substâncias, e não é atribuível a outro distúrbio médico ou ao efeito de
uma medicação.

79
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Transtorno Alimentar Não Especificado


Critérios Diagnósticos 307.50 (F50.9)
Esta categoria aplica-se a apresentações em que sintomas característicos de um transtorno alimentar que causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo predominam, mas não satisfazem
todos os critérios para qualquer transtorno na classe diagnóstica de transtornos alimentares. A categoria outro transtorno alimentar especificado
é usada nas situações em que o clínico opta por não especificar a razão pela qual os critérios para um transtorno alimentar específico não são
satisfeitos e inclui apresentações para as quais não há informações suficientes para que seja feito um diagnóstico mais específico. (p. ex.: em salas
de emergência).

Sobre Conceito de Estética

Figura 26.

Fonte: <http://www.liveinternet.ru/users/3977015/post306943726/>. Acesso em: maio de 2016.

Aisthesis é o nome grego pelo qual se origina a palavra que conhecemos como estética,
significa, portanto, a percepção do mundo sensível ou a sensação. Nessa linha Platão
define a palavra grega como uma excitação [pathos] da alma e do corpo, que leva ao
conhecimento do mundo sensível (KIRCHOF, 2013, pp. 27-30).

Segundo Kirchof (2003, p.17) os pesquisadores do século XX entendiam “estética” como


a ciência filosófica da arte e do belo. Na Alemanha o termo utilizado denota uma ciência
do belo pura, separada da ciência da arte, uma vez que a arte é destacada como uma
ciência própria, “ciência da arte”. Ainda como outro modelo de pensamento se apresentou
a ideia de Tatarkiewicz, mais próxima da percepção original e filosófica, que ao pensar
em estética volta o olhar para o desenvolvimento e progresso das representações sobre
o belo e a arte, uma vez que esses conceitos foram sendo construídos com o passar dos

80
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

anos, e ganharam forma de toda ordem de intuições sobre o belo e a arte, a criação e a
sensação artística.

Talvez, de acordo com as teses de Hazel, tenha havido uma grande influência na
visão da estética como disciplina, e no século XX, ela tenha passado a limitar-se à
investigação do belo artístico. Zimmerman, pesquisador alemão relata que o conceito
de estética abrange teorias de níveis distintos de abstração, quando falamos de estética
podemos nos relacionar a uma simples filosofia geral do belo e da arte, até concepções
de artistas isolados. A estética pode representar, ainda, teorias que abordam somente
um nível artístico, como a estética da literatura. E também, pode se falar de estética
nos campos de estudo externos a arte, como a estética da natureza, e as disciplinas e
métodos científicos, como a estética sociológica. De todo modo vermos pensemos que
o uso do conceito estética veio sendo modificado até a atualidade, e por isso, é preciso
ser compreendido a partir do tempo histórico, cultural e da referência a qual tipo de
conhecimento do mundo sensível ela está tratando.

Estética na contemporaneidade
A incansável busca do corpo perfeito na sociedade moderna associados com um
padrão de beleza eterna estabelecido e que tem sido corroborado pela indústria dos
cosméticos e dos tratamentos estéticos e cirúrgicos em prol da imagem ideal e jovem,
vem crescendo na atualidade, revelando a construção do culto ao corpo. Ida (2007)
lembra que atualmente nas cidades urbanas podemos perceber o grande aumento de
academias de ginástica, lojas de alimentos nutricionais com uma proposta de redução
de ingestão de alimentos, clínicas de estética e centro de cirurgia plástica de fácil acesso
e menor custo, em comparação ao passado. Ainda, o bombardeio de informações ou
mensagens que nos fazem a lembrar, a todo tempo, a respeito do corpo e do modo
como estamos nos alimentando, encontrado nas ruas, está também nas mídias sociais,
capas de revistas impressas e expostas em livrarias e bancas de jornais, além da mídia
televisiva.

A pergunta aqui é: há uma real necessidade moderna de promover uma mudança cultural
nos padrões alimentares para o desenvolvimento de uma boa saúde e qualidade de vida?
Ou há por trás dessa ideia uma campanha industrial que pretende estimular o aumento
de padrões de beleza social a fim do aumento do consumo? Além dessas muitas outras
perguntas poderiam surgir, mas o fato é que massificados por uma tendência universal
que vende a imagem do corpo ideal como pílula da felicidade a população vai adoecendo
mentalmente, desenvolvendo distúrbios, entrando em crise, caindo em depressão e
aumentando o índice populacional dos portadores de transtornos alimentares.

81
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

Devemos então buscar a compreensão de que os diversos tipos de saberes se entrelaçam


entre si, e se complementam, quando se trata da polêmica cultura do corpo, uma vez
que há vestígios e influências que permeiam os modelos sociais, históricos, culturais,
políticos, econômicos, psicológicos, médicos etc. Talvez por isso assim como disse
Bordo (2003, s/p.) os aspectos relacionados a padrões de imagem e alimentação não
são mensuráveis, não existe como categorização, medida, enfim, não nos permite
estabelecer uma definição clara do normal e do patológico, uma vez que as nossas
próprias experiências corporais e influencias internas e externas devem ser lavadas em
consideração.

Desse modo, seguimos delegando tanto para equipes especializadas em


transtornos alimentares quanto para jovens e suas famílias a urgência
de repensar a norma e a imagem corporal que estamos produzindo e
expressando em nossos discursos e práticas. Entretanto, no exercício
de problematização de tais sintomas psicopatológicos, podemos
nos conectar com a denúncia social que eles provocam e passamos a
considerá-los não apenas como um sintoma social e sim como algo
que está inscrito na nossa cultura. Sendo assim, passamos a ter o
compromisso de propor outras formas de pensar, sentir e experimentar
nossa relação com a vida, já que essa batalha corporal é evidente para
todos nós.
Ida, 2007, p. 432.

A fim de compreender a entrada dos transtornos alimentares na área médica e


psicológica a partir de um modelo de compreensão psicodinâmica, Freud e Janet,
médicos psiquiatras do século de XIX que faziam uso de técnicas psicoterápicas para
análise das doenças de seus pacientes, vislumbraram cada um em seu estilo, uma
ordem psicológica do transtorno alimentar que se apresentava em alguns pacientes à
época. Com a descoberta de causas emocionais para o desenvolvimento das doenças
de ordem alimentar Freud classificou a doença como neurose, e Janet associou-a a um
quadro obsessivo-compulsivo. Para eles, a falta de apetite tinha uma relação simbólica
inconsciente que fazia com que o paciente não comesse a fim de estabelecer uma maior
conexão com um corpo infantil.

No entanto, a leitura de Freud da anorexia como um comportamento


neurótico que expressa sexualidade não desenvolvida ou reprimida,
baseada no seu importante conceito de conversão histérica,
distanciou-o de Janet, para quem os comportamentos obsessivos
da anoréxica derivavam da “crença de ser feia e ridícula”, “não ser
como todo mundo” e “não poder ser amada”. Na atualidade, os textos

82
TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA │ UNIDADE IV

psicanalíticos (Jeammet, 1994; Bidaud, 1998; Brusset, 1999) chamam


a atenção para os laços mais arcaicos estabelecidos entre mãe e filha,
articulando o estudo da anorexia ao conceito de narcisismo. Jeammet
(1993), um dos autores que tem contribuído significativamente para a
compreensão da anorexia na atualidade, acredita que não seria correto
associá-la à histeria, como fazia a psicanálise tradicional, mas sim ao
narcisismo e às relações objetais. Segundo esse autor, nenhum tipo de
personalidade ou organização psicopatológica pode explicar a gênese
do transtorno alimentar, uma vez que a relação que esses sujeitos
mantêm com o alimento aponta para um modo de relação de objeto.
A anorexia nervosa, como a bulimia, apontariam para uma fragilidade
narcísica, um arranjo defensivo em que as relações com os objetos
materiais substituem as relações humanas, sentidas como perigosas.
Para Jeammet, a dupla antagônica anorexia/bulimia é a expressão
mais manifesta de que os transtornos alimentares constituem uma
dinâmica específica das relações e dos investimentos, revelando uma
relação de tipo passional ou uma atitude de evitamento e retirada dos
investimentos.

Weinberg, 2010, pp. 231-232.

Weinberg (2010, p. 232) vai ainda mais longe e traz à guisa de comprrender a anorexia
nervosa com um olhar da psiquiatria médica e do ênfoque psicanalítico como uma
forma dinâmica da Psique reacionar contra a patogenia ou origem dos sentimentos
mal-adaptados encontrados na estrutura familiar e que são reprimidos. No entanto,
os sintomas característicos dos transtornos alimentares pareciam servir como escape,
como a somatização, um comportamento vinculado aos aspectos básicos do sentido de
si mesmo. Ou ainda, uma defesa contra o sentimento de estar vinculado à sua própria
fraqueza, que não a permitiu vinvenciar as necessidades do Id, e foram reprimidos
desenvolvendo um Ego sem identidade, um Ego que não encontrou outro modo de
equilibrar o prazer com a realidade e foi submetido a pressão do superego aprisionador.

Além disso a autora relata dados de pesquisas no Brasil com pacientes com transtornos
alimentares que atingem meninas não apenas de classe mais elevadas, mas também
meninas de classe com renda baixa e de família em extrema pobreza, em busca dos
ideais de beleza das classes abastadas.

Portanto, podemos dizer que, os padrões estéticos romanticos em relação ao corpo


já foram há muito superados no mundo atual em que ou a magreza ou os corpos
esculpidamente malhados em academias de ginástica, e ainda em consultórios médicos,

83
UNIDADE IV │ TRANSTORNO ALIMENTAR E ESTÉTICA

são a ordem do conceito do belo, ou de um modelo estético - principalmente na fase da


adolescência e início da idade mais avançada da fase adulta rumo a velhice.

Lamentavelmente esse padrão imposto sócio-culturalmente pode ao contrário do que


o significado aisthesis ou estética (percepção do mundo sensível ou a sensação) que
deveria traduzir um avanço ao homem para o conhecimento de si mesmo como um
psicológico, dentro de uma visão integralizadora, pode levar à concepção platoniana que
concerne a excitação, ao pathos da alma e do corpo, que neste caso leva ao adoecimento.

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