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Psicanálise e as Neurociências

Brasília-DF.
Elaboração

Luciana Raposo dos Santos Fernandes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
A PSICANÁLISE....................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
SIGMUND FREUD: VIDA E OBRA DO PAI DA PSICANÁLISE .......................................................... 9

UNIDADE II
DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE......................................................................................................... 30

CAPÍTULO 1
INFLUÊNCIAS NEUROLÓGICAS, BIOFISIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS NO DESENVOLVIMENTO
HUMANO................................................................................................................................ 31

UNIDADE III
NEUROCIÊNCIA.................................................................................................................................... 39

CAPÍTULO 1
APLICABILIDADE DA NEUROCIÊNCIA: MÚLTIPLOS CONTEXTOS ................................................. 40

UNIDADE IV
A NEUROPSICANÁLISE.......................................................................................................................... 54

CAPÍTULO 1
BASE TEÓRICA DA NEUROPSICANÁLISE ................................................................................... 54

CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO COGNITIVA......................................................................................................... 78

CAPÍTULO 3
O PARALELO DA PSICANÁLISE E DEMAIS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS...................................... 93

CAPÍTULO 4
A EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E A NEUROCIÊNCIA.................................................................... 112

PARA (NÃO) FINALIZAR.................................................................................................................... 130

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 131
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Existe uma quantidade de dados robustos no campo da neurociência, abordando os
meandros e as complexidades do sistema nervoso central (SNC) em nossa psique e,
consequentemente, observados no comportamento humano. A questão mente/corpo
não foi resolvida na medida em que se esclarecem as conexões entre a atividade do
sistema nervoso central e o pensamento. Atualmente, é útil aceitar o conceito de
paralelismo entre a atividade e o pensamento. Com efeito abordaremos a inclusão do
método psicanalítico como um componente essencial do esforço científico para elucidar
o pensamento.

Sigmund Freud era neurologista de formação. Extremamente dedicado, visava alcançar


alguma descoberta de impacto no campo científico, conforme assinalam as biografias a
seu respeito. Chegou a realizar alguns trabalhos importantes na sua área e até aventurou-
se a pesquisar os efeitos terapêuticos da cocaína, da qual se sabia muito pouco na época.
Porém abandonou-a ao constatar os prejuízos de sua utilização. Mas foi somente ao
redor dos 40 anos de idade que Freud revolucionou a ciência e a cultura através da
psicanálise. Para tanto, teve que extrapolar as barreiras da neurologia e seu método
científico tradicional, já que o objeto de sua teoria e técnica eram o inconsciente humano
e não haveria forma de alcançá-lo sem a contribuição da psicologia, antropologia,
linguística, história, literatura, entre outras.

Freud, portanto, escutava seus pacientes com afinco e, em seguida, formulava sua
teoria baseando-se no vasto conhecimento que dispunha e também criando modelos
“virtuais” do funcionamento mental, sabendo que esses modelos atendiam muito mais
aos desafios de sua clínica do que às exigências de comprovação científica objetiva. O
curioso é que, hoje, dispondo de melhores ferramentas, a neurociência está validando
muito daquilo que Freud intuiu há mais de cem anos. Os modelos de funcionamento
mental postulados por ele, e aos quais não faltaram críticas por suposta “falta de
comprovação científica”, são hoje relidos com espanto e admiração por neurocientistas
que nunca antes foram próximos da psicanálise.

Hoje em dia, uma parcela importante da comunidade científica se arrepende por haver
desvalorizado Freud e seus insights, algo que foi comum no final do século XX. Àquela
época, havia uma enorme expectativa em justificar todo o funcionamento mental através
da química cerebral, motivado pelo entusiasmo em torno das medicações psiquiátricas.
Muito embora as medicações sejam potentes aliados no tratamento, sequer sabemos

7
explicar precisamente como elas agem, quanto menos construir a partir disso um sólido
modelo explicativo do funcionamento mental.

Hoje, a tendência natural, tanto dos neurocientistas quanto dos psicanalistas, no


primeiro momento, é buscar uma correlação isomórfica entre os conceitos psicanalíticos
e neurocientíficos, o que causa uma simplificação errônea, que não leva em conta as
características das duas ciências.

Objetivos
»» Oferecer conhecimento acerca do movimento criado por Freud.

»» Ampliar a compreensão acerca da psicanalise freudiana.

»» Reforçar o processo de desenvolvimento profissional.

»» Direcionar a assertividade do atendido.

»» Capacitar o profissional para lidar com situações que envolvam a


neuropsicanálise.

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A PSICANÁLISE UNIDADE I

Psicanálise é um ramo clínico teórico que se ocupa em explicar o funcionamento da


mente humana, ajudando a tratar distúrbios mentais e neuroses. O objeto de estudo da
psicanálise concentra-se na relação entre os desejos inconscientes e os comportamentos
e sentimentos vividos pelas pessoas.

A teoria da psicanálise, também conhecida por “teoria da alma”, foi criada pelo
neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939). De acordo com Freud, grande
parte dos processos psíquicos da mente humana estão em estado de inconsciência,
sendo esses dominados pelos desejos sexuais.

Todos os desejos, lembranças e instintos reprimidos estariam “armazenados” no


inconsciente das pessoas e, através de métodos de associação, o psicanalista –
profissional que pratica a psicanálise – conseguiria analisar e encontrar os motivos de
determinadas neuroses ou a explicação de certos comportamentos peculiares dos seus
pacientes, por exemplo.

CAPÍTULO 1
Sigmund Freud: vida e obra do pai da
psicanálise

A psicanálise foi fundada por Sigmund Freud (1856-1939). Freud acreditava que as
pessoas podiam ser curadas tornando conscientes seus pensamentos e motivações
inconscientes, obtendo assim percepção.

Etimologicamente, o termo psicanálise é uma referência ao grego psyche, que


literalmente significa “respiração” ou “sopro”, mas que tem um conceito mais complexo,
relacionado com as ideias modernas do que seria o espírito, o ego e a alma das pessoas.

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

Psique é a palavra com origem no grego psykhé, usada para descrever a alma ou o
espírito.

Também é uma palavra relacionada com a psicologia, e começou a ser usada com a
conotação de mente, ou ego por psicólogos contemporâneos, para evitar ligações com
a religião e a espiritualidade.

O objetivo da terapia psicanalítica é liberar emoções e experiências reprimidas, isto é,


conscientizar o que está inconsciente. É apenas ter uma experiência catártica (isto é,
cura) em que a pessoa pode ser ajudada e “curada”.

»» Psicanalistas veem problemas psicológicos como enraizados na mente


inconsciente.

»» Os sintomas manifestos são causados por distúrbios latentes (ocultos).

»» Causas típicas incluem problemas não resolvidos durante o


desenvolvimento ou trauma reprimido.

»» O tratamento se concentra em trazer o conflito reprimido à consciência,


na qual o cliente pode lidar com isso.

Lembre-se, de que a psicanálise é uma terapia e também uma teoria. A psicanálise é


comumente usada para tratar depressão e transtornos de ansiedade.

Em psicanálise (terapia), Freud teria um paciente deitado em um sofá para relaxar, e


ele se sentaria atrás dele fazendo anotações enquanto lhe contava sobre seus sonhos e
memórias de infância. A psicanálise seria um processo demorado, envolvendo muitas
sessões com o psicanalista.

Antes de avançarmos vamos conhecer mais sobre o ilustre Dr. Sigmund Freud que
promoveu uma revolução na forma de compreender a mente humana e criou uma das
principais correntes da psicologia.

Sigmund Freud, nascido Sigismund Schlomo Freud, em 6 de maio de 1856 (falecido em


23 de setembro de 1939), foi um neurologista austríaco e fundador da psicanálise, um
método clínico para tratar a psicopatologia por meio do diálogo entre o paciente e seu
psicanalista.

Os pais de Freud eram judeus galegos da cidade de Freiberg, na Morávia, no Império


Austríaco. Ele se formou em medicina em 1881 na Universidade de Viena. Ao completar
sua habilitação em 1885, foi nomeado docente em neuropatologia e tornou-se professor
afiliado em 1902. Freud viveu e trabalhou em Viena, tendo estabelecido sua prática

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

clínica em 1886. Em 1938, Freud deixou a Áustria para escapar dos nazistas. Ele morreu
no exílio no Reino Unido em 1939 (KANDEL, 2012).

Ao criar a psicanálise, Freud desenvolveu técnicas terapêuticas como o uso da associação


livre e a transferência descoberta, estabelecendo seu papel central no processo analítico.
A redefinição da sexualidade de Freud para incluir suas formas infantis levou-o a
formular o Complexo de Édipo como o princípio central da teoria psicanalítica (JONES,
1949). Sua análise dos sonhos como realização de desejos forneceu-lhe modelos para
a análise clínica da formação de sintomas e dos mecanismos subjacentes da repressão.
Com base nisso, Freud elaborou sua teoria do inconsciente e passou a desenvolver um
modelo de estrutura psíquica que compreende id, ego e superego. Freud postulou a
existência da libido, uma energia sexualizada com a qual processos e estruturas mentais
são investidos e que gera ligações eróticas, e uma pulsão de morte, a fonte de repetição
compulsiva, ódio, agressão e culpa neurótica. Em seus trabalhos posteriores, Freud
desenvolveu uma ampla interpretação e crítica da religião e da cultura (MANNONI,
2015).

Embora enfrente o declínio como uma prática diagnóstica e clínica, a psicanálise


permanece influente dentro da psicologia, psiquiatria e psicoterapia. Assim, continua
gerando um debate amplo e altamente contestado em relação à sua eficácia terapêutica,
seu status científico e se ela avança ou é prejudicial à causa feminista. No entanto, o
trabalho de Freud inundou o pensamento ocidental contemporâneo e a cultura popular.
Para Sam Alexander (2009) Freud criou um clima de opinião sobre o qual conduzimos
nossas diferentes vidas.

Vida familiar e o início da vida acadêmica de


Freud
Como vimos, Freud era filho de judeus, o primeiro de oito filhos. Seus pais eram da
Galícia, na atual Ucrânia. Seu pai, Jakob Freud (1815-1896), comerciante de lã, teve dois
filhos, Emanuel (1833 a 1914) e Philipp (1836 a 1911), em seu primeiro casamento. A
família de Jakob era de judeus hassídicos e, embora o próprio Jakob tivesse se afastado
da tradição, ficou conhecido por seu estudo da Torá. Ele e a mãe de Freud, Amalia
Nathansohn, 20 anos mais jovem, e sua terceira esposa, casaram-se em 29 de julho
de 1855. Eles estavam lutando financeiramente e vivendo em um quarto alugado, na
casa de um serralheiro em Schlossergasse, no. 117, quando seu filho Sigmund nasceu.
Ele nasceu em meio a essa crise, e sua mãe viu esse acontecimento como um presságio
positivo para o futuro do menino (MARGOLIS, 1989; RICE, 1990).

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

Em 1859, a família Freud deixou Freiberg. Os meio-irmãos de Freud emigraram para


Manchester, na Inglaterra. Jakob Freud levou sua esposa; Sigmund e sua irmã, Anna,
(nascida em 1858) primeiramente foram para Leipzig e depois, em 1860, para Viena,
onde nasceram mais quatro irmãs e um irmão: Rosa (1860), Marie (1861), Adolfine
(1862), Paula (1864), Alexander (1866). Em 1865, Freud, com nove anos de idade, entrou
no Leopoldstädter Kommunal-Realgymnasium, uma importante escola secundária. Ele
provou ser um excelente aluno e se graduou com honras em 1873. Ele amava literatura
e era fluente em alemão, francês, italiano, espanhol, inglês, hebraico, latim e grego ao
longo da vida.

Freud ingressou na Universidade de Viena aos 17 anos. Ele planejou estudar Direito,
mas ingressou no curso de Medicina, onde seus estudos incluíam filosofia sob a
docência de Franz Brentano, fisiologia sob a docência de Ernst Brücke e zoologia sob o
comando do professor darwinista Carl Claus. Em 1876, Freud passou quatro semanas
na estação de pesquisa zoológica de Claus, em Trieste, dissecando centenas de enguias
em uma busca inconclusiva por seus órgãos reprodutivos masculinos. Em 1877, Freud
mudou-se para o laboratório de fisiologia de Ernst Brücke, onde passou seis anos
comparando os cérebros de humanos e outros vertebrados com os de invertebrados,
como rãs, lagostins e lampreias. Seu trabalho de pesquisa sobre a biologia do tecido
nervoso se revelou seminal para a subsequente descoberta do neurônio na década de
1890 (COSTANDI, 2014). O trabalho de pesquisa de Freud foi interrompido em 1879
pela convocação para realizar o serviço militar obrigatório pelo período de um ano.
Os longos períodos de inatividade permitiram que ele concluísse uma comissão para
traduzir quatro ensaios das obras coletadas de John Stuart Mill.

John Stuart Mill (20 de maio de 1806 - 8 de maio de 1873) foi o filósofo de
língua inglesa mais influente do século XIX. Além de filósofo, J. S. Mills, como era
conhecido, era economista político e funcionário público. Foi um dos pensadores
mais influentes na história do liberalismo clássico, que contribuiu amplamente
para a teoria social, teoria política e economia política. Era um naturalista,
utilitarista e liberal, cujo trabalho explora as consequências de uma perspectiva
empirista completa. Ao fazê-lo, procurou combinar o melhor do pensamento
iluminista do século XVIII com correntes emergentes da filosofia romântica e
histórica do século XIX. A concepção de liberdade de Mill justificou a liberdade
do indivíduo em oposição ao estado ilimitado e controle social. Para Mill, a
liberdade é uma justificativa racional da automia do indivíduo em oposição às
reivindicações do Estado de impor controle ilimitado e é, portanto, uma defesa
dos direitos do indivíduo contra o Estado. Mill era defensor do utilitarismo, uma
teoria ética desenvolvida por seu antecessor, Jeremy Bentham. Ele contribuiu

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

para a investigação da metodologia científica, embora seu conhecimento do


tópico se baseasse nos escritos de outros, notavelmente William Whewell, John
Herschel e Auguste Comte, e pesquisa realizada por Mill por Alexander Bain. Seus
trabalhos mais importantes incluem System of Logic (1843), On Liberty (1859),
Utilitarianism (1861) e Um Exame da Filosofia de Sir William Hamilton (1865).

O argumento de Mill (1991) para a liberdade de caráter - “Individualidade”


(Liberty, v. XVIII, p. 260 – texto original de 1859) - é dado no capítulo 3 de On
Liberty, e tem duas vertentes. Por um lado, ele argumenta que é melhor para os
indivíduos que eles tenham liberdade e espaço para desenvolver seu próprio
caráter. Por outro lado, argumenta que é melhor para a sociedade também. O
argumento de Mill para o primeiro é de tom romântico, sustentando que, como
indivíduos diferentes têm naturezas diferentes, eles devem ter espaço para
descobrir e desenvolver suas próprias personalidades e maneiras de viver.

A diversidade básica dos seres humanos significa que não é produtivo existir
uma expectativa de que todos os indivíduos viverão de maneira semelhante.
Nesse sentido, o argumento é pragmático: é improvável que um modo de vida
se ajuste a todos os gostos individuais. Mas Mill também sugere que é uma
característica central da boa vida que seja uma vida escolhida por cada pessoa.

Toda a perspectiva filosófica de Mill é informada por um espírito de naturalismo


(SKORUPSKI,1989). Não era fácil, no entanto, se firmar no naturalismo. O quadro
geral da mente e do mundo de Mill é estabelecido apelando para o que nos é
permitido acreditar na natureza desses objetos e, portanto, baseia-se em uma
explicação substantiva do conhecimento. Sua descrição do conhecimento, no
entanto, baseia-se em seu quadro geral de mente, mundo e sua relação. Portanto,
depende de uma teoria do que existe. Essa circularidade será discutida como um
ponto de entrada no sistema geral de Mill, no entanto, podemos simplesmente
observar o compromisso de Mill com a alegação de que os seres humanos são
totalmente parte da natureza, lembrando que Mill não pensa nisso como seu
ponto de partida sem suporte, mas como uma afirmação substantiva.

A crença de Mill de que a mente é parte da natureza pode ser utilmente


contrastada com visões filosóficas que sustentam que a mente tem algum
lugar exaltado na ordem das coisas. Contrastes relevantes são, por exemplo, as
visões teístas que sustentam que nossas mentes nos foram dadas por um Deus
onipotente e benevolente com o propósito de compreensão; e idealistas que
sustentam que a mente tem um papel formativo na construção do mundo. Para
tais pensadores, uma harmonia básica entre a arquitetura da mente e do mundo

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

pode parecer um dado. Assim, se se pudesse descobrir que nossa experiência


toma uma certa forma, poderíamos inferir fatos sobre como o mundo deve ser
composto. Mill rejeita esse movimento.

Então, não podemos adquirir nenhum conhecimento genuíno a priori. Mill


acredita que o conhecimento pode ser obtido apenas por observação empírica
e por raciocínio que ocorre no terreno de tais observações. Esse princípio está no
cerne de seu empirismo radical. As percepções sensoriais são os dados originais,
ou premissas últimas de nosso conhecimento - o conhecimento de maiores
níveis de complexidade é obtido apenas por inferências a partir desses dados
originais. Mill concede a validade de apenas um tipo de inferência. A inferência,
consequentemente como toda prova, e toda descoberta de verdades não
autoevidentes, consiste em induções, e interpretação de induções.

Como podemos notar, Freud foi um exemplar estudioso e com excelentes fontes
para ampliar seu conhecimento.

Voltando a sua vida pessoal, em 1882, Freud iniciou sua carreira médica no Hospital
Geral de Viena. Seu trabalho de pesquisa em anatomia cerebral levou à publicação de
um influente artigo sobre os efeitos paliativos da cocaína em 1884 e seu trabalho sobre
afasia seria a base de seu primeiro livro On Aphasia: a Critical Study, publicado em
1891. Por mais de três períodos de um ano, Freud trabalhou em vários departamentos
do hospital. Seu tempo investido na clínica psiquiátrica de Theodor Meynert e em um
asilo local levou a um aumento do interesse no trabalho clínico. Seu corpo substancial
de pesquisas publicadas levou a sua nomeação como professor universitário em
neuropatologia em 1885, um cargo não assalariado, mas que o autorizava a dar palestras
na Universidade de Viena (MacLEOD, 2017).

Em 1886, Freud demitiu-se do posto do hospital e entrou em um consultório particular


especializado em distúrbios nervosos. No mesmo ano, se casou com Martha Bernays,
a neta de Isaac Bernays, rabino chefe em Hamburgo. Eles tiveram seis filhos: Mathilde
(1887), Jean-Martin (1889), Oliver (1891), Ernst (1892), Sophie (1893) e Anna (1895). De
1891 até a partida de Viena em 1938, Freud e sua família moravam em um apartamento
na Berggasse Street, 19, perto de Innere Stadt, um distrito histórico de Viena.

Em 1896, Minna Bernays, irmã de Martha Freud, tornou-se membro permanente da


casa de Freud após a morte de seu noivo. A relação próxima que ela teve com Freud levou
a rumores, iniciados por Carl Gustav Jung, de que havia um caso amoroso entre eles. A
descoberta de um registro de hotel suíço de 13 de agosto de 1898, assinado por Freud
enquanto viajava com sua cunhada, foi apresentado como prova do relacionamento
(SWALES, 1982).

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

Freud começou a fumar tabaco aos 24 anos. Inicialmente um fumante de cigarro, ele
se tornou fumante de charuto. Ele acreditava que fumar aumentava sua capacidade de
trabalhar e que podia exercer autocontrole ao moderá-lo. Apesar das advertências de
saúde do colega Wilhelm Fliess, ele continuou fumando, e teve um câncer bucal. Freud
sugeriu a Fliess, em 1897, que os vícios, incluindo o tabaco, substituíam a masturbação,
seu o grande hábito.

Freud admirara muito seu professor de filosofia, Brentano, conhecido por suas
teorias de percepção e introspecção. Brentano discutiu a possível existência da mente
inconsciente em sua Teoria Psicológica a partir de um ponto de vista empírico (1874).
Embora Brentano negasse sua existência, sua discussão do inconsciente provavelmente
ajudou Freud a introduzir o conceito. Freud possuiu e fez uso dos principais escritos
evolucionários de Charles Darwin, e também foi influenciado por Philosophy of
Unconscious - A Filosofia do Inconsciente (2014), de Eduard von Hartmann. Outros
textos importantes para Freud foram de Fechner e Herbart, com os quais a psicologia
como ciência pode ser considerada subestimada a esse respeito. Freud também se baseou
no trabalho de Theodor Lipps, que foi um dos principais teóricos contemporâneos dos
conceitos do inconsciente e da empatia.

Charles Robert Darwin (12 de fevereiro de 1809 - 19 de abril de 1882) foi um


naturalista inglês, geólogo e biólogo, mais conhecido por suas contribuições
à ciência da evolução. Sua proposição de que todas as espécies de vida
descenderam, ao longo do tempo, de ancestrais comuns é agora amplamente
aceita e considerada um conceito fundamental na ciência. Em uma publicação
conjunta com Alfred Russel Wallace, ele introduziu sua teoria científica de que
esse padrão ramificado de evolução resultou de um processo que chamou
de seleção natural, no qual a luta pela existência tem um efeito semelhante à
seleção artificial envolvida na reprodução seletiva. Darwin publicou sua teoria
da evolução com evidências convincentes em seu livro de 1859, Sobre a Origem
das Espécies. Na década de 1870, a comunidade científica e a maioria do público
instruído aceitaram a evolução como um fato. No entanto, muitos favoreceram
explicações concorrentes, e não foi até o surgimento da moderna síntese
evolutiva das décadas de 1930 a 1950 que um amplo consenso se desenvolveu
no qual a seleção natural era o mecanismo básico da evolução. A descoberta
científica de Darwin é a teoria unificadora das ciências da vida, explicando a
diversidade da vida (COYNE, 2009; DARWIN, 2003; GLASS, 1959).

Karl Robert Eduard von Hartmann (23 de fevereiro de 1842 - 5 de junho de 1906)
foi um filósofo alemão, autor de Filosofia do Inconsciente (1869). Sua reputação
como filósofo foi estabelecida por seu primeiro livro, Filosofia do Inconsciente. Esse

15
UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

sucesso foi em grande parte devido à originalidade de seu título, a diversidade


de seu conteúdo, no qual Von Hartmann propalava obter seus resultados
especulativos pelos métodos da ciência indutiva e fazendo uso abundante
de ilustrações concretas, do seu pessimismo, vigor e lucidez em seu estilo. A
concepção do inconsciente, pela qual von Hartmann descreve seu princípio
metafísico final não é, fundamentalmente, tão paradoxal quanto parece, sendo
meramente uma nova e misteriosa designação para os metafísicos alemães. O
inconsciente é tanto vontade e razão (o último conceito também interpretado
como ideia) e o fundamento absoluto de toda a existência. Von Hartmann,
portanto, combina o panteísmo com o panlogismo de uma maneira esboçada
por Schelling em sua filosofia positiva. No entanto, a vontade, e não a razão, é o
aspecto primário do inconsciente, cuja carreira melancólica é determinada pela
primazia da vontade e pela latência da razão. A vontade é vazia de razão quando
passa da potencialidade para a vontade real. O estado original do inconsciente
é de potencialidade, no qual, por puro acaso, a vontade começa a se esforçar.
No estado de transição, chamado de vontade vazia, não há um final definido.
Agindo por conta própria, a vontade cria miséria absoluta (CHISHOLM, 1911).

Embora Freud estivesse relutante em associar seus insights psicanalíticos a teorias


filosóficas anteriores, chamou atenção para analogias entre seu trabalho e o de
Schopenhauer (YOUNG & BROOK, 1994) e Nietzsche, os quais ele afirmava não ter
lido até mais tarde na vida. Um historiador concluiu, com base na correspondência de
Freud com seu amigo adolescente Eduard Silberstein, que Freud leu O Nascimento da
Tragédia de Nietzsche e as duas primeiras das Meditações Inoportunas quando tinha
dezessete anos (ROAZEN, 1997). Em 1900, ano da morte de Nietzsche, Freud comprou
suas obras coletadas. Ele disse a seu amigo, Fliess, que esperava encontrar nas obras
de Nietzsche as palavras que permaneciam mudas para ele. Mais tarde, disse que ainda
não havia aberto os livros.Freud via as obras de Nietzsche como textos aos quais se
devia resistir muito mais do que estudar. Seu interesse pela filosofia declinou depois
que ele decidiu pela neurologia (GAY, 2012).

O Nascimento da Tragédia do Espírito da Música (em alemão: Die Geburt der


Tragödie aus dem Geiste der Musik) é um trabalho de 1872 da teoria dramática do
filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Foi relançado em 1886 como O Nascimento
da Tragédia, Ou: Helenismo e Pessimismo (Alemão: Die Geburt der Tragödie,
Oder: Griechentum und Pessimismus). A edição posterior continha um ensaio
preliminar, como uma tentativa de autocrítica, em que Nietzsche comenta sobre
este livro mais antigo.

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

Nietzsche encontrou na tragédia ateniense clássica uma forma de arte que


transcendia o pessimismo e o niilismo de um mundo fundamentalmente
sem sentido. Os espectadores gregos, olhando para o abismo do sofrimento
humano e afirmando-o, afirmaram apaixonada e alegremente o sentido de sua
própria existência. Eles sabiam que eram infinitamente mais do que indivíduos
insignificantes, encontrando auto--afirmação não em outra vida, não em um
mundo por vir, mas no terror e êxtase igualmente celebrados na realização de
tragédias.

Originalmente educado como filólogo, Nietzsche discute a história da forma


trágica e introduz uma dicotomia intelectual entre o dionisíaco e o apolíneo
(muito vagamente: a realidade como desordenada e indiferenciada pelas formas
versus a realidade como ordenada e diferenciada pelas formas). Nietzsche afirma
que a vida sempre envolve uma luta entre esses dois elementos, cada um lutando
pelo controle sobre a existência da humanidade. Nas palavras de Nietzsche:
“Onde quer que o dionisíaco prevalecesse, o apolíneo era reprimido e destruído
... onde quer que o primeiro ataque dionisíaco tivesse resistido com sucesso,
a autoridade e majestade do deus de Delfos Apolo se mostrava mais rígida e
ameaçadora do que nunca”. E, no entanto, nenhum dos dois lados prevalece,
pois cada um contém o outro em um equilíbrio natural e eterno.

Nietzsche argumenta que a tragédia da Grécia Antiga foi a mais alta forma de arte
devido à sua mistura de elementos apolíneos e dionisíacos em um todo uniforme,
permitindo ao espectador experimentar todo o espectro da condição humana.
O elemento dionisíaco deveria ser encontrado na música do coro, enquanto o
elemento apolíneo foi encontrado no diálogo que deu um simbolismo concreto
que equilibrava a folia dionisíaca. Basicamente, o espírito apolíneo foi capaz de
dar forma ao abstrato dionisíaco.

Desenvolvimento da psicanálise
Em outubro de 1885, Freud foi a Paris com uma bolsa de estudo de três meses para
estudar com Jean-Martin Charcot, um renomado neurologista que conduzia pesquisas
científicas sobre hipnose. Mais tarde, ele relembrou a experiência dessa estada como
catalítica ao transformá-lo na prática da psicopatologia médica e longe de uma carreira
menos promissora financeiramente na pesquisa em neurologia. Charcot se especializou
no estudo da histeria e da suscetibilidade à hipnose, que ele demonstrava com frequência
com os pacientes no palco diante de uma platéia (AQUAYO, 1986).

17
UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

Depois de estabelecer-se em um consultório particular em Viena, em 1886, Freud


começou a usar a hipnose em seu trabalho clínico. Ele adotou a abordagem de seu amigo
e colaborador, Josef Breuer, em um tipo de hipnose que era diferente dos métodos
franceses que ele havia estudado, na medida em que não usava a sugestão. O tratamento
de um paciente particular de Breuer mostrou-se transformador para a prática clínica de
Freud. Descrita como Anna O., ela foi convidada a falar sobre seus sintomas enquanto
estava sob hipnose (ela cunharia a frase ‘cura pela fala’ para seu tratamento). Ao falar
dessa forma, seus sintomas diminuíram em gravidade à medida que ela recuperava
lembranças de incidentes traumáticos associados ao seu início (GAY, 2012).

Os resultados desiguais do trabalho clínico inicial de Freud eventualmente o levaram a


abandonar a hipnose, tendo chegado à conclusão de que um alívio dos sintomas mais
consistente e efetivo poderia ser alcançado encorajando os pacientes a falar livremente,
sem censura ou inibição, sobre quaisquer ideias ou memórias que lhes ocorressem.
Em conjunto com esse procedimento, que ele chamou de “associação livre”, Freud
descobriu que os sonhos dos pacientes poderiam ser proveitosamente analisados ​​para
revelar a complexa estruturação do material inconsciente e demonstrar a ação psíquica
da repressão que, ele concluíra, fundamentava a formação de sintomas. Em 1896, ele
estava usando o termo “psicanálise” para se referir ao seu novo método clínico e às
teorias em que se baseava (GAY, 2012).

O desenvolvimento de Freud dessas novas teorias ocorreu durante um período em


que ele experimentou irregularidades cardíacas, sonhos perturbadores e períodos de
depressão, uma “neurastenia” que ele relacionou com a morte de seu pai em 1896 e
que provocou uma autoafirmação: a análise “de seus próprios sonhos e memórias da
infância. Suas explorações de seus sentimentos de hostilidade ao pai e ciúme rival sobre
as afeições de sua mãe levaram-no a revisar fundamentalmente sua teoria da origem
das neuroses” (FORRESTER, 1990; GAY, 2012).

Com base em seu trabalho clínico inicial, Freud havia postulado que as memórias
inconscientes de abuso sexual na primeira infância eram uma pré-condição necessária
para as psiconeuroses (histeria e neurose obsessiva), uma formulação hoje conhecida
como teoria da sedução de Freud. À luz de sua autoanálise, Freud abandonou a teoria de
que toda neurose pode ser rastreada até os efeitos do abuso sexual infantil, argumentando
agora que os cenários sexuais infantis ainda tinham uma função causadora, mas não
importava se eles eram reais ou imaginados e que, em ambos os casos, eles se tornaram
patogênicos apenas quando agiam como memórias reprimidas (MANNONI, 2015).

Essa transição da teoria do trauma sexual infantil como uma explicação geral de como
todas as neuroses se originam para uma que pressupõe uma sexualidade infantil

18
A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

autônoma forneceu a base para a subsequente formulação de Freud da teoria do


complexo de Édipo.

Freud descreveu a evolução de seu método clínico e expôs sua teoria das origens
psicogenéticas da histeria, demonstrada em vários casos clínicos, em Studies on
Hysteria, publicado em 1895 (em coautoria com Josef Breuer). Em 1899, publicou The
Interpretation of Dreams, no qual, após uma revisão crítica da teoria existente, Freud
apresenta interpretações detalhadas de seus próprios sonhos e de seus pacientes em
termos de realização de desejos sujeitos à repressão e à censura do trabalho dos sonhos.
Ele então define o modelo teórico da estrutura mental em: consciente, pré-consciente
e inconsciente. Uma versão resumida de The Interpretation of Dreams, com o título
de On Dreams, foi publicada em 1901. Obras condensadas renderiam um público mais
amplo a Freud (GAY, 2012).

Em The Psychopathology of Everyday Life (1901) e Piadas e sua Relação com o


Inconsciente (1905), Sigmund Freud aplicou suas teorias fora do cenário clínico. Em Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, publicado em 1905, Freud elaborou sua teoria
da sexualidade infantil, descrevendo a forma perversa polimorfa e o funcionamento dos
impulsos - aos quais a sexualidade dá origem – na formação da identidade sexual. No
mesmo ano, ele publicou Fragmento de uma análise de um caso de histeria (Dora), que
se tornou um dos seus estudos de caso mais famosos e controversos (BERNHEIMAR &
KAHANE, 1985).

Neste ponto do nosso capítulo algumas elucidações são profícuas.

Vamos a elas!

Jean-Martin Charcot (29 de novembro de 1825 – 16 de agosto de 1893) era um


neurologista francês e professor de patologia anatômica, mais conhecido hoje por
seu trabalho sobre hipnose e histeria, em particular seu trabalho com sua paciente de
histeria, Louise Augustine Gleizes. Também conhecido como o fundador da neurologia
moderna, seu nome tem sido associado a pelo menos quinze epônimos médicos,
incluindo a doença de Charcot-Marie-Tooth e a doença de Charcot. Charcot foi referido
como o pai da neurologia francesa e um dos pioneiros da neurologia no mundo. Seu
trabalho influenciou grandemente os campos em desenvolvimento da neurologia e da
psicologia. A psiquiatria moderna deve muito ao trabalho de Charcot e seus seguidores
diretos. Ele foi o principal neurologista da França do final do século XIX e tem sido
chamado de o Napoleão das neuroses (TEIVE et al., 2008).

O foco principal de Charcot era a neurologia. Ele nomeou e foi o primeiro a descrever a
esclerose múltipla (EM), resumindo os relatos anteriores e acrescentando suas próprias

19
UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

observações clínicas e patológicas. Charcot chamou a doença de sclérose en plaques. Os


três sinais da esclerose múltipla, agora conhecida como tríade de Charcot, são nistagmo,
tremor de intenção e fala telegráfica, embora não sejam exclusivos da EM. Charcot
também observou mudanças na cognição, descrevendo seus pacientes como tendo um
enfraquecimento acentuado da memória e concepções que se formavam lentamente. Ele
também foi o primeiro a descrever um distúrbio conhecido como articulação de Charcot
ou artropatia de Charcot, uma degeneração das superfícies articulares resultante da
perda de propriocepção. Ele pesquisou as funções de diferentes partes do cérebro e o
papel das artérias na hemorragia cerebral (CHARCOT, 1868).

A tríade neurológica de Charcot é a combinação de nistagmo, tremor de intenção e


fala de varredura ou staccato. Esta tríade está associada à esclerose múltipla, onde foi
descrita pela primeira vez, no entanto, não é considerada patognomônica por isso. Os
componentes da tríade podem ser descritos como:

1. Nistagmo é uma condição de movimento ocular involuntário (ou


voluntário, em raros casos), adquirido na infância ou mais tarde na vida,
que pode resultar em visão reduzida ou limitada. Devido ao movimento
involuntário do olho, tem sido chamado de ‘olhos dançantes’ (WEIL,
2013; ZAHN, 1978). Em uma condição normal, enquanto a cabeça gira em
torno de um eixo, imagens visuais distantes são sustentadas pela rotação
de olhos na direção oposta no respectivo eixo. Os canais semicirculares no
vestíbulo do ouvido percebem a aceleração angular. Esses enviam sinais
aos núcleos para o movimento dos olhos no cérebro. A partir daqui, um
sinal é retransmitido para os músculos extraoculares para permitir que o
olhar se fixe em um objeto enquanto a cabeça se move. O nistagmo ocorre
quando os canais semicirculares estão sendo estimulados (por exemplo,
por meio de uma doença) enquanto a cabeça não está em movimento. A
direção do movimento ocular está relacionada ao canal semicircular que
está sendo estimulado (SALADIN, 2012). Existem duas formas principais
de nistagmo: patológico e fisiológico, com variações dentro de cada tipo.
O nistagmo pode ser causado por distúrbio congênito ou privação de
sono, distúrbios adquiridos ou do sistema nervoso central, toxicidade,
drogas farmacêuticas, álcool ou movimentos rotacionais. Anteriormente
considerado intratável, nos últimos anos vários medicamentos foram
identificados para o tratamento do nistagmo. O nistagmo também é
ocasionalmente associado à vertigem. A causa do nistagmo patológico
pode ser congênita, idiopática ou secundária a um distúrbio neurológico
pré-existente. Também pode ser induzida temporariamente por
desorientação (como em passeios de montanha-russa) ou por certas

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

drogas (álcool, lidocaína e outros depressores do sistema nervoso


central, drogas inalantes, estimulantes, drogas psicodélicas e drogas
dissociativas).

2. Tremor de intenção é um distúrbio discinético caracterizado por um


tremor amplo, grosseiro e de baixa frequência. A amplitude de um
tremor de intenção aumenta quando uma extremidade se aproxima do
ponto final do movimento deliberado e visualmente guiado (eis o motivo
do nome intenção de tremor). Um tremor de intenção é geralmente
perpendicular à direção do movimento. Quando experimentando um
tremor intencional, um deles geralmente ultrapassa ou diminui seu
alvo, uma condição conhecida como dismetria. O tremor de intenção
é o resultado da disfunção do cerebelo, particularmente do mesmo lado
que o tremor na zona lateral, que controla os movimentos visualmente
guiados. Dependendo da localização do dano cerebelar, esses tremores
podem ser unilaterais ou bilaterais. Uma variedade de causas foi
descoberta até agora, incluindo danos ou degradação do cerebelo devido
a doenças neurodegenerativas, trauma, tumor, derrame ou toxicidade.
Atualmente não há tratamento farmacológico estabelecido; no entanto,
algum sucesso foi visto usando tratamentos projetados para tremores
essenciais (SEEBERGER, 2005; BHIDAYASIRI, 2005).

Os tremores de intenção são comuns entre os indivíduos com esclerose


múltipla (EM). Um sintoma comum da esclerose múltipla é a ataxia, uma
falta de movimento muscular coordenado causada por lesões cerebelares
características da esclerose múltipla. A doença muitas vezes destrói a
função física e cognitiva dos indivíduos. Os tremores de intenção podem
ser um primeiro sinal de esclerose múltipla, uma vez que a perda ou
deterioração da função motora e a sensibilidade são frequentemente um
dos primeiros sintomas das lesões do cerebelo.

É importante observar que os tremores de intenção causados por atividades


cotidianas normais, como estresse, ansiedade, medo, raiva, cafeína e
fadiga, não parecem resultar de danos a qualquer parte do cérebro. Esses
tremores, ao contrário, parecem ser um agravamento temporário de um
pequeno tremor que está presente em todo ser humano. Esses tremores
geralmente desaparecem com o tempo.

Tremores de intenção mais persistentes são frequentemente causados ​​


por danos em certas regiões do cérebro. A causa mais comum de

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

tremores de intenção é dano e/ou degeneração no cerebelo. O cerebelo


é uma parte do cérebro responsável pela coordenação motora, postura
e equilíbrio. É responsável por movimentos motores finos. Quando o
cerebelo é danificado, uma pessoa pode ter dificuldade em executar
um movimento motor fino, como tentar tocar o nariz com o dedo. Uma
maneira comum de o cerebelo se danificar é através do desenvolvimento
de lesões cerebelares (PURVES, 2008). O local mais comum para lesões
cerebelares que levam a tremores intencionais foi relatado como sendo
o pedúnculo cerebelar superior, através do qual passam todas as fibras
que transportam informações para o mesencéfalo, e o núcleo denteado,
que também é responsável por ligar o cerebelo ao resto o cérebro
(BHIDAYASIRI, 2005). O abuso de álcool é uma causa típica deste dano
ao cerebelo. O abuso de álcool provoca degeneração do vermis anterior do
cerebelo. Isto leva a uma incapacidade de processar movimentos motores
finos no indivíduo e o desenvolvimento de tremores intencionais. Na
Esclerose Múltipla, o dano ocorre devido à desmielinização e morte do
neurônio, que novamente produz lesões cerebelares e uma incapacidade
desses neurônios transmitirem sinais. Devido a essa estreita associação
com danos no cerebelo, os tremores de intenção são frequentemente
referidos como tremores cerebelares (PURVES, 2008; SEEBERGER,
2005).

Os testes físicos são uma maneira fácil de determinar a gravidade do


tremor de intenção e o comprometimento da atividade física. Testes
comuns que são usados ​​para avaliar o tremor de intenção são os testes
dedo-a-nariz e calcanhar-a-canela. Em um teste do dedo ao nariz, o
médico faz o indivíduo tocar o nariz com o dedo enquanto monitora a
irregularidade no tempo e o controle do movimento. Um indivíduo com
tremores intencionais terá movimentos grosseiros de um lado para o
outro que aumentam em gravidade à medida que o dedo se aproxima
do nariz. Da mesma forma, o teste calcanhar-canela avalia os tremores
intencionais das extremidades inferiores. Nesse teste, o indivíduo, em
decúbito dorsal, coloca um calcanhar em cima do joelho oposto e, em
seguida, é instruído a deslizar o calcanhar pela canela até o tornozelo,
enquanto é monitorado quanto a movimentos grosseiros e irregulares de
um lado para o outro enquanto o calcanhar se aproxima do tornozelo
(WALKER, 1990). Elementos históricos importantes para o diagnóstico
do tremor de intenção são:

»» idade no início;

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

»» modo de início (súbito ou gradual);

»» locais afetados anatômicos;

»» taxa de progressão;

»» fatores exacerbantes e remetentes;

»» abuso de álcool;

»» história familiar de tremor;

»» medicações atuais.

Os sintomas secundários comumente observados são disartria (um


distúrbio de fala caracterizado por má articulação e fala arrastada),
nistagmo (movimento ocular involuntário rápido, especialmente
reviramento ocular), problemas de marcha (anormalidade na marcha),
tremor postural ou titubeação (movimentos do pescoço e tronco) e um
tremor postural também pode acompanhar o tremor intencional (WYNE,
2005).

3. A varredura da fala é um tipo de disartria atáxica na qual as palavras


faladas são divididas em sílabas separadas, geralmente separadas por
uma pausa perceptível e pronunciadas com força variável. A sentença
«Caminhar é bom exercício», por exemplo, pode ser pronunciada como
“Caminhar (pausa) é bom exer (pausa) cí (pausa) cio”. Além disso, o
estresse pode ser colocado em sílabas incomuns. O nome é derivado da
escansão literária, porque o padrão de fala separa as sílabas em uma frase
muito parecida com a leitura de um poema que conta as sílabas em uma
linha de poesia. Não há acordo universal sobre a definição exata desse
termo. Algumas fontes requerem apenas uma pausa perceptível entre as
sílabas, enquanto outras requerem outras anormalidades de fala, como
o padrão incomum de estresse nas sílabas. Algumas fontes consideram
uma característica comum, mas não necessária, de disartria atáxica;
outros consideram exatamente sinônimo de disartria atáxica. A fala de
varredura, como outras disartrias atáxicas, é um sintoma de lesões no
cerebelo. É um sintoma típico da esclerose múltipla, e constitui um dos
três sintomas da tríade neurológica de Charcot. Ela pode ser acompanhada
por outros sintomas de dano cerebelar, como marcha, ataxia troncular e de
membros, tremor intencional, imprecisões em movimentos rapidamente

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

repetidos e náusea e vômito repentinos e repentinos. A caligrafia de tais


pacientes também pode ser anormalmente grande (TERENCE, 1994).

Charcot foi um dos primeiros a descrever a doença de Charcot-Marie-Tooth


(CMT). O anúncio foi feito simultaneamente com Pierre Marie da França (seu
residente) e Howard Henry Tooth da Inglaterra. A doença também é chamada às
vezes de atrofia muscular peroneal (ENERSON, 2011).

Charcot recebeu a primeira cadeira profissional europeia de doenças clínicas para o


sistema nervoso em 1882.

Hipnose é uma condição humana que envolve atenção concentrada, percepção periférica
reduzida e uma capacidade aprimorada de responder à sugestão. O termo também
pode se referir a uma arte, habilidade ou ato de induzir à hipnose (LYNN et al, 2015).
Durante a hipnose a pessoa aumenta o foco e a concentração. Os indivíduos hipnotizados
mostram uma resposta aumentada a sugestões. A hipnose geralmente começa com uma
indução hipnótica envolvendo uma série de instruções e sugestões preliminares. O uso
de hipnotismo para fins terapêuticos é denominado “hipnoterapia”, enquanto seu uso
como uma forma de entretenimento para uma audiência é conhecido como “hipnose
de palco”. A hipnose de palco é frequentemente realizada por mentalistas praticando a
forma de arte do mentalismo (KIRSCH, 1994; LYNN et al, 2005).

As palavras hipnose e hipnotismo derivam do termo neuro-hipnotismo (sono nervoso).


Essas palavras foram popularizadas em inglês pelo cirurgião escocês James Braid
por volta de 1841. Braid baseou sua prática no mesmerismo desenvolvido por Franz
Mesmer, mas diferia em sua teoria sobre como o procedimento era trabalhado.

Mesmerismo foi o nome dado pelo médico alemão Franz Mesmer no século XVIII
para o que ele acreditava ser uma força natural invisível (Lebensmagnetismus)
possuída por todos os seres vivos, incluindo seres humanos, animais e vegetais.
Ele acreditava que a força poderia ter efeitos físicos, incluindo a cura, e tentou
persistentemente, mas sem sucesso, alcançar o reconhecimento científico de
suas ideias. A teoria atraiu inúmeros seguidores na Europa e nos Estados Unidos
e foi popular no século XIX. Praticantes eram conhecidos como magnetizadores,
em vez de mesmeristas. Foi uma especialidade importante na medicina por cerca
de 75 anos desde o seu início em 1779, e continuou a ter influência por mais
cinquenta anos. Centenas de livros foram escritos sobre o assunto entre 1766 e
1925, mas a prática foi quase que totalmente esquecida. O mesmerismo ainda
é praticado como uma forma de medicina alternativa, mas não é reconhecido
como parte da ciência médica.

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

Cura da fala (ou limpeza das chaminés) termo empregado por Bertha Pappenheim,
utilizado em estudos de caso pelo pseudônimo Anna O., usados ​​para a terapia verbal
dada a ela por Josef Breuer. Eles foram publicados pela primeira vez em Studies on
Hysteria (1895).

Estudos sobre a histeria (em alemão: Studien über Hysterie) é um livro de 1895
de Sigmund Freud e do médico Josef Breuer. Consiste em um artigo introdutório
conjunto (reimpresso de 1893); seguido por cinco estudos individuais de “histéricos” -
o famoso caso de Breuer de Anna O. (nome real: Bertha Pappenheim), seminal para o
desenvolvimento da psicanálise, e mais quatro por Freud - incluindo sua avaliação de
Emmy von N e finalizando com um ensaio teórico de Breuer e um de orientação mais
prática sobre terapia por Freud.

O trabalho de Breuer com Bertha Pappenheim forneceu o ímpeto fundador da


psicanálise, como o próprio Freud reconheceria. Em seu artigo preliminar (1893), os
dois concordaram que o histérico sofre principalmente de reminiscências. No entanto,
Freud viria a enfatizar mais o papel causador da sexualidade na produção da histeria,
bem como repudiaria gradualmente o uso da hipnose por Breuer como meio de
tratamento. Alguns dos suportes teóricos dos Estudos - “afeto estrangulado”, estado
hipnoide - seriam abandonados com a cristalização da psicanálise como uma técnica
independente. No entanto, muitas das observações clínicas de Freud - sobre símbolos
mnêmicos ou ações diferidas, por exemplo - continuariam a ser confirmadas em seu
trabalho posterior. Ao mesmo tempo, o ensaio teórico de Breuer, com seu exame do
princípio da constância, e sua diferenciação de catequese ligada e móvel, continuaria a
informar o pensamento de Freud até os anos vinte e a escrita do Além do Princípio do
Prazer (GAY, 2012).

Na psicanálise, a catexia é definida como o processo de investimento de


energia mental ou emocional em uma pessoa, objeto ou ideia. Freud definiu
a catexia como um investimento da libido, apontando, por exemplo, como os
pensamentos oníricos eram catexizados com diferentes quantidades de afeto.
Uma catexia ou carga emocional pode ser positiva ou negativa, levando alguns
de seus seguidores a falar também de uma catexia de mortido. Freud chamou
um grupo de ideias catetizadas de um complexo. Freud frequentemente
descreveu o funcionamento das energias psicossexuais em termos quase
físicos, representando a frustração dos desejos libidinais, por exemplo, como
um bloqueio de energias (catetizadas) que eventualmente se acumulariam e
exigiriam liberação em maneiras alternativa. Essa liberação pode ocorrer, por
exemplo, por meio de regressão e “re-cateterização” de posições ou fixações

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

anteriores, ou o gozo autoerótico (em fantasia) de objetos sexuais anteriores:


“catexias objetais” (HALL, 1954).

Freud usou o termo “anti-catexia” ou contra-acusação para descrever como o


ego bloqueia tais esforços regressivos para descarregar a catexia de alguém:
isto é, quando o ego deseja reprimir tais desejos. Como um motor a vapor, a
catexia da libido se acumula até encontrar saídas alternativas, o que pode levar
à sublimação, à formação de reações ou à construção de sintomas (às vezes
incapacitantes).

Na época de seu lançamento, Estudos sobre a Histeria tendiam a polarizar a opinião,


tanto dentro quanto fora da comunidade médica. Enquanto muitos eram críticos,
Havelock Ellis ofereceu um relato apreciativo, enquanto um importante artigo vienense
caracterizaria o trabalho como “o tipo de psicologia usada pelos poetas”. Estudos
sobre a histeria receberam uma revisão positiva do psiquiatra Eugen Bleuler, embora
Bleuler tenha sugerido que os resultados relatados por Freud e Breuer poderiam ter
sido o resultado da sugestão. O filósofo Mikkel Borch-Jacobsen e o psicólogo Sonu
Shamdasani comentam que Studies on Hysteria deu a Freud uma certa notoriedade
local e internacional. Borch-Jacobsen e Shamdasani escreveram que, ao contrário
do que afirmavam Freud e Breuer, Freud sempre soube que o tratamento de Bertha
Pappenheim não tinha sido um sucesso absoluto (GAY, 2012).

Associação livre é a expressão (fala/escrita) do conteúdo da consciência sem censura


como uma ajuda no acesso a processos inconscientes. A técnica é usada na psicanálise
(e também na teoria psicodinâmica), que foi originalmente concebida por Sigmund
Freud a partir do método hipnótico de seu mentor e colega, Josef Breuer. Para Freud a
importância da associação livre reside no fato dos pacientes falarem por si mesmos, em
vez de repetirem as ideias do psicanalista. Assim, eles trabalham através de seu próprio
material, em vez de repetirem as sugestões de outro.

O Inconsciente - O conceito de inconsciente era central na explicação da mente de Freud.


Freud acreditava que, embora os poetas e pensadores soubessem, há muito tempo,
da existência do inconsciente, ele havia assegurado que recebesse reconhecimento
científico no campo da psicologia.

Na psicanálise freudiana, o princípio do prazer (em alemão: Lustprinzip) é a busca


instintiva de prazer e evitação da dor para satisfazer necessidades biológicas e
psicológicas. Especificamente, o princípio do prazer é a força motriz que guia o
id (CARLSON, 2007; LAPLANCHE; PONTALIS, 1988; RAICHLEA; SNYDER, 2007). Os
precursores do princípio do prazer foram Epicuro no mundo antigo, e Jeremy

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A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

Bentham, no moderno. Ambos enfatizam o papel do prazer em dirigir a vida


humana, o último afirmando que a natureza colocou a humanidade sob o
governo de dois senhores soberanos, dor e prazer. O antecessor e guia mais
imediato de Freud, no entanto, foi Gustav Theodor Fechner e sua psicofísica.
O antecessor e guia mais imediato de Freud, no entanto, foi Gustav Theodor
Fechner e sua psicofísica.

Freud afirma explicitamente que seu conceito do inconsciente quando ele o formulou
pela primeira vez foi baseado na teoria da repressão. Ele postulou um ciclo no qual
as ideias são reprimidas, mas permanecem na mente, removidas da consciência ainda
operativas, e então reaparecem na consciência sob certas circunstâncias. O postulado
baseou-se na investigação de casos de histeria, que revelaram casos de comportamento
em pacientes que não puderam ser explicados sem referência a ideias ou pensamentos
dos quais não tinham consciência e cuja análise revelou estar ligada aos (real ou
imaginário) reprimidosi cenários sexuais da infância (WOLLHEIM, 1971).

Em seu relato do desenvolvimento e modificação de sua teoria dos processos mentais


inconscientes que ele expõe em seu artigo de 1915 O Inconsciente (Standard Edition,
volume XIV), Freud identifica as três perspectivas que ele emprega: a dinâmica, a
econômica e a topográfica (GAY, 2012).

A perspectiva dinâmica diz respeito, em primeiro lugar, à constituição do inconsciente


pela repressão e, em segundo lugar, ao processo de censura, que mantém pensamentos
indesejados e indutores de ansiedade como tais. Aqui, Freud se baseia em observações
de seus primeiros trabalhos clínicos no tratamento da histeria.

Na perspectiva econômica, o foco está nas trajetórias dos conteúdos reprimidos das
vicissitudes dos impulsos sexuais, à medida que passam por complexas transformações
no processo tanto da formação do sintoma quanto do pensamento inconsciente normal,
como sonhos e lapsos de língua. Esses foram tópicos que Freud explorou em detalhes
em A interpretação dos sonhos e a psicopatologia da vida cotidiana.

Enquanto essas duas perspectivas se concentram no inconsciente quando está prestes


a entrar na consciência, a perspectiva topográfica representa uma mudança na qual
as propriedades sistêmicas do inconsciente, seus processos característicos e modos
de operação, como condensação e deslocamento, são colocados em primeiro plano
(MANNOMI, 2015).

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UNIDADE I │ A PSICANÁLISE

Esta primeira topografia apresenta um modelo de estrutura psíquica compreendendo


três sistemas:

»» O Sistema Ics – o inconsciente: mentalização do “processo primário”


regido pelo princípio do prazer caracterizado pela “isenção da contradição
mútua, ... mobilidade das catexias, intemporalidade e substituição do
externo pela realidade psíquica”. (‘O Inconsciente’ (1915) Edição Standard
XIV).

»» O Sistema Pcs – o pré-consciente no qual as apresentações inconscientes


do processo primário estão ligadas pelos processos secundários da
linguagem (apresentações de palavras), um pré-requisito para que elas
se tornem disponíveis à consciência.

»» O Sistema Cns – pensamento consciente regido pelo princípio da


realidade.

Em seu trabalho posterior, notavelmente em O Ego e o Id (1923), uma segunda topografia


é introduzida, compreendendo id, ego e superego, que é sobreposto ao primeiro sem
substituí-lo (MANNONI, 2015).

O id, o ego e o superego são três agentes distintos, porém interativos, no aparato
psíquico definido no modelo estrutural da psique de Sigmund Freud.

As três partes são as construções teóricas de como a atividade e a interação em nossa


vida mental são descritas. De acordo com esse modelo freudiano da psique, o id é o
conjunto de tendências instintuais descoordenadas; o superego desempenha o papel
crítico e moralizador; e o ego é a parte organizada e realista que medeia entre os desejos
do id e do superego.

O id é a parte desorganizada da estrutura da personalidade que contém os impulsos


instintivos básicos de um ser humano. Id é o único componente da personalidade que
está presente desde o nascimento. É a fonte das necessidades corporais de uma pessoa,
desejos e impulsos, particularmente seus impulsos sexuais e agressivos. O id contém
a libido, que é a principal fonte de força instintiva que não responde às demandas da
realidade. O id age de acordo com o “princípio do prazer” – a força psíquica que motiva
a tendência de buscar a gratificação imediata de qualquer impulso – definido como a
tentativa de evitar a dor ou o desprazer (e não “desprazer”) provocados pelo aumento da
tensão instintiva (SCHACTER et al., 2009). De acordo com Freud, o id é inconsciente
por definição:

28
A PSICANÁLISE │ UNIDADE I

É a parte escura e inacessível de nossa personalidade, o pouco que


sabemos dela que aprendemos de nosso estudo do trabalho onírico e,
é claro, a construção de sintomas neuróticos, e a maior parte disso é
de caráter negativo e pode ser descrita apenas como um contraste com
o ego. Nós nos aproximamos do id com analogias: chamamos de um
caos, um caldeirão cheio de excitações fervilhantes. ... Ela está cheia de
energia que a atinge dos instintos, mas não tem organização, não produz
vontade coletiva, mas apenas um esforço para produzir a satisfação das
necessidades instintivas sujeitas à observância do princípio do prazer
(FREUD, 1933, pp 105-6).

O ego age de acordo com o princípio de realidade; isto é, procura agradar ao impulso
do id de maneiras realistas que, a longo prazo, trarão benefícios, em vez de pesar. Ao
mesmo tempo, Freud admite que, como o ego “tenta mediar entre o id e a realidade,
é frequentemente obrigado a encobrir os comandos (inconscientes) do id com suas
próprias racionalizações pré-conscientes, para esconder os conflitos do id com a
realidade, professar. O princípio de realidade que opera o ego é um mecanismo regulador
que permite ao indivíduo retardar a satisfação de necessidades imediatas e funcionar
efetivamente no mundo real. Um exemplo seria resistir ao desejo de pegar pertences de
outras pessoas, mas em vez disso comprar esses itens (SCHACTER; WEGNER, 2011).

O ego é a parte organizada da estrutura da personalidade que inclui funções defensivas,


perceptuais, intelectual-cognitivas e executivas. Consciência consciente reside no ego,
embora nem todas as operações do ego sejam conscientes. Originalmente, Freud usou a
palavra ego para significar um senso de self, mas revisou-a posteriormente para significar
um conjunto de funções psíquicas como julgamento, tolerância, teste de realidade,
controle, planejamento, defesa, síntese de informação, funcionamento intelectual e
memória. O ego separa o que é real, ajuda-nos a organizar nossos pensamentos e dar
sentido a eles e ao mundo ao nosso redor. O ego é aquela parte do id que foi modificada
pela influência direta do mundo externo. O ego representa o que pode ser chamado de
razão e senso comum, em contraste com o id, que contém as paixões.

O superego reflete a internalização de regras culturais, ensinadas principalmente


por pais que aplicam sua orientação e influência. Freud desenvolveu seu conceito de
superego a partir de uma combinação anterior do ideal do ego e da “agência psíquica
especial que realiza a tarefa de ver que a satisfação narcísica do ideal do ego é assegurada
... o que chamamos de nossa ‘consciência’”. Para ele, “a instalação do superego pode
ser descrita como um exemplo bem-sucedido de identificação com a agência paternal”
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1988, p. 643), enquanto o desenvolvimento prossegue
o superego também assume a influência daqueles que entraram no lugar dos pais -
educadores, professores, pessoas escolhidas como modelos ideais.
29
DA CONCEPÇÃO À UNIDADE II
MATURIDADE
Conhecer em amplitude e profundidade e dominar o campo de conhecimentos teóricos
e práticos proporcionado pela psicomotricidade é determinante para a aprendizagem
das crianças.

Assim, neste momento do curso, em especial, temos como objetivo fornecer um


arcabouço teórico para que se entendam a evolução e o desenvolvimento do ser
humano. Isso os levará a conhecer melhor seus alunos para que possam contribuir
com o desenvolvimento saudável deles, uma vez que é na medida em que crescem e
amadurecem que se desenvolvem do ponto de vista ontogênico e psicossocial.

Ao nos aprofundarmos na esfera de atuação da psicomotricidade, vocês poderão


materializar um processo instrutivo muito mais eficiente e eficaz, ao explorar
adequadamente o movimento, que constitui a pedra angular da psicomotricidade.

Os estudos e pesquisas das últimas décadas têm nos mostrado que o desenvolvimento
motor da criança está intimamente relacionado com as suas dificuldades de
aprendizagem, daí a importância do aprofundamento dessa parte teórica e de bases
biológicas.

Estudos mostram que as causas das dificuldades de alguns alunos decorrem muitas
vezes de dificuldades relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e psicomotor e podem
decorrer do trabalho do professor em sala de aula. Isso enfatiza a necessidade da
educação psicomotora baseada no movimento, pois acredita-se que essa é preventiva,
assegurando que muitos dos problemas de alunos, detectados posteriormente e tratados
pela reeducação, não teriam ocorrido se a escola desse a devida atenção à educação
psicomotora, juntamente com a leitura, a escrita e a aritmética.

30
CAPÍTULO 1
Influências Neurológicas, Biofisiológicas
e Psicológicas no Desenvolvimento
Humano

A corporeidade e a motricidade são linguagens de uma só fala porque a motricidade


é o vetor da identidade corporal. Assim, corpo e movimento humano são muito mais
que um ato mecânico de deslocamento no espaço. Um está contido no outro através da
história revelada na análise dos movimentos que o homem realiza ao longo do tempo.

Neste capítulo, veremos as influências da mãe no período pré-natal, o desenvolvimento


perinatal e a primeira aprendizagem da criança, assim como analisaremos as influências
biológicas, fisiológicas, neurológicas e psicológicas na motricidade humana.

Em linhas gerais, dando uma breve ilustração do que veremos neste tópico, temos que,
desde a concepção, começa o processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento
do ser humano (ontogenia), através dos três saltos qualitativos que acontecem dentro
do berço materno: a fase zigótica, a fase embrionária e a fase fetal. Isso continua
após o parto com os quatro períodos ou faixas etárias mais significativas dentro do
crescimento, da maturidade e do desenvolvimento ontogênico e psicossocial de todo
ser humano: o período neonatal (de 0 a 3 meses), o período lactente (de 3 meses e
um dia aos 12 meses), o período da primeira infância (de 12 meses e um dia até os 36
meses) e o período pré-escolar (de 3 anos e um dia até os 6 anos).

Dentro desses quatro períodos de desenvolvimento, o ser humano internaliza


conhecimentos altamente significativos para a vida e vai estruturando e desenvolvendo
um sistema de habilidades imprescindíveis para a exteriorização dos cinco fenômenos-
chave que representam o processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento
psicomotor:

»» aprender a se movimentar para obter e alcançar, por si só, um fim


determinado;

»» aprender a falar para se comunicar autonomamente com os outros,


começando a exercitar os processos de decodificação e codificação
linguística;

»» aprender a ler para independentemente internalizar as mensagens que


enriquecerão seu conhecimento e seu saber

31
UNIDADE II │ DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE

»» aprender a escrever (demonstrando o domínio dos símbolos linguísticos),


para poder criar e enviar mensagens comunicativas por meio da linguagem
escrita;

»» aprender a calcular para começar a manipular e explorar a linguagem


dos números dentro das exigências perceptivas e lógicas do espaço e do
tempo.

O núcleo central da psicomotricidade é o movimento, e o ser humano é o principal


elemento da natureza onde se inter-relacionam o movimento biológico, fisiológico,
psicológico e social.

A dialética é a ciência que ressalta o papel das contradições como fontes do


desenvolvimento. Se a criança não começasse a agir e/ou reagir (umas vezes sozinha,
estimulada por alguma coisa que lhe chama a sua atenção; outras, estimulada por outras
crianças ou pelos próprios adultos que ficam à sua volta, eliminando assim a contradição
entre o desconhecido e o conhecido do ponto de vista motriz), ficaria passivamente
deitada toda sua vida, e o processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento
ontogênico (que é bioneurofisiológico) e o psicossocial (que é eminentemente afetivo,
cognitivo, motivacional e volitivo), em inter-relação dialética, jamais aconteceria de
forma efetiva.

A dDialética concebe uma concatenação histórica em cada um dos fenômenos que


estruturam a realidade. Para a dialética, tudo se dá a partir dos fatos mais simples
aos mais complexos e todo o novo e superior começa, aparece, se estrutura a partir do
“bom” que “todo o velho possui”. É por isso que o movimento da criança, que constitui
sua primeira aprendizagem, começa a partir da realização das mudanças de posição
mais simples, no próprio berço, até se sentar autonomamente, engatinhar, levantar-se,
andar etc., exteriorizando assim as manifestações de sua independência.

O caminho da neuropsicopedagogia passa necessariamente por algumas análises


preliminares como o desenvolvimento ontogênico humano e como os saltos qualitativos
vão acontecendo na medida em que o ser humano cresce, matura e se desenvolve.

É imprescindível começar o estudo a partir da essência do desenvolvimento ontogenético


humano porque a aprendizagem, em qualquer uma de suas manifestações, está
sustentada nas peculiaridades biofisiológicas do sistema nervoso da pessoa que aprende.

Ontogênico vem de ontogenia que é uma série de transformações sofridas pelo


indivíduo desde a fecundação do ovo até o ser perfeito.

32
DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE │ UNIDADE II

O desenvolvimento ontogênico de todo ser humano começa dentro do útero materno


e, depois de executada a concepção, este novo ser que se cria passa por três momentos-
chave em seu período evolutivo: a fase do zigoto (a mais simples, mas de notada
importância, porque ela é a que abre o caminho ontoevolutivo de todo ser humano);
a fase do embrião (superior ao zigoto), onde aparecem as três capas ou estruturas
biofisiológicas: a endoderme (a mais interna), a mesoderme (a capa média) e a ectoderme
(a capa externa), a partir das quais se estruturam todos os órgãos e sistemas do corpo
humano; e a última fase, a fetal, na qual todo ser humano em evolução intrauterina
adota a estrutura morfológica e fisiológica típica da espécie (STOLTZ, 2011; TARRAU,
2007).

As células embrionárias se diferenciam em três grandes grupos:

1. As células somáticas que darão origem a todos os órgãos e sistemas que


estruturam o corpo (com exceção do sistema reprodutor e do sistema
nervoso), especializando-se posteriormente para formar cada uma das
partes específicas do total: músculos, ossos, tendões, ligamentos, artérias,
veias, vasos capilares, coração, pulmões, brônquios, bronquíolos,
traqueia, fossas nasais, rins, ureteres, bexiga, uretra, fígado, vesícula,
pâncreas, suprarrenais, estômago, intestinos, ânus, boca, dentes, pele,
unhas. As células somáticas possuem funções especiais que garantem e
asseguram a materialização de todo o processo metabólico do organismo.

2. As células nervosas, as quais estruturarão toda a massa encefálica com


seus órgãos mais significativos: cérebro, cerebelo, corpo caloso, bulbo,
medula, nervos cranianos, nervos periféricos, analisadores ou órgãos dos
sentidos.

3. As células sexuais, as quais terão a responsabilidade de determinar o


gênero sexual de cada ser humano e garantir a perpetuação da espécie
humana, após o processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento
genital e hormonal.

A última fase que atravessa o ser humano dentro do útero materno é a fase fetal. Esta
fase é posterior ao embrião. Na fase embrionária, já nos convertemos biológica e
fisiologicamente num verdadeiro ser humano, portador de todos os órgãos e sistemas
responsáveis por manter a vida após o parto; porém, obtemos a verdadeira morfologia
(forma) humana, típica de nossa espécie, apenas na fase fetal.

O desenvolvimento ontogênico intrauterino (bio-fisio-neuro-cortical-motriz) é marcado


por três momentos-chave desse processo: o germinal ou zigótico (da concepção até a 2a

33
UNIDADE II │ DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE

semana – de forma geral), o embrionário (da 2ª semana até a 8ª ou 12a aproximadamente)


e o fetal (até o nascimento). Esses momentos são direcionados pelo princípio reitor
que organiza bio-fisio-neuro-corticalmente o novo ser, o qual continua seu desafio pela
vida; pelos princípios céfalo-caudal e próximo-distal, assegurando-se, desta forma, a
formação do eixo central a partir da região cefálica - que se estende até a região caudal.
Isso torna o recém-nascido humano dependente quase absoluto de suas mães, pelo fato
de que a maturidade de nossas extremidades e, em especial, das inferiores, é a última
que acontece (TARRAU, 2007; TELES, 1983).

Essa maturidade acontece mais intensamente depois do nascimento, devido ao fato de


que o cerebelo, um órgão importante na motricidade, completa sua maturidade após o
parto, especificamente dentro do primeiro ano de vida da criança.

Nesse processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento intrauterino, a evolução


fetal e a herança paterna e materna não bastam para garantir um desenvolvimento
positivo. Existem outros fatores que podem impedir uma evolução intrauterina eficaz
e eficiente, restringidos todos eles basicamente aos processos metabólicos da mãe,
que é a encarregada de oxigenar, nutrir e fazer possível a eliminação das sustâncias
tóxicas do filho que se desenvolve na suas entranhas, onde as características estruturais
e bioquímicas da placenta são determinantes, porque é esta que serve de intermediária
entre o metabolismo materno e o metabolismo do novo ser intrauterino que cresce,
matura e se desenvolve (VAYER, 1982).

No útero materno, deve-se levar em conta muitos fatos que vão influenciar na estrutura
orgânica, bioquímica, neurocortical e fisiológica da futura criança. Até a posição que
adota o feto no útero materno influencia, porque está provado que a pressão que o feto
recebe nas extremidades dos ossos exerce influência sobre sua ossificação, o que serve
como um argumento a mais para ressaltar a importância do processo evolutivo que
acontece nos seres humanos enquanto moramos no berço materno.

Se todos estes fenômenos biológicos, fisiológicos, nervosos, corticais e motrizes


acontecem dentro das exigências vitais correspondentes (enquanto durar o processo
da gravidez), estarão criadas as condições intrauterinas necessárias para que o novo
ser, que está se desenvolvendo, possa nascer sem nenhum problema somático, neuro-
fisiológico ou sexual, que possa influenciar seu futuro desenvolvimento psicossocial.

Mas está faltando um fato que é portador de uma responsabilidade altamente significativa
na influência positiva do desenvolvimento neuro-córtico-psicossocial futuro da criança
que luta e enfrenta o desafio para nascer: o parto.

34
DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE │ UNIDADE II

Se o parto é natural e acontece em seu tempo terminal normal (nem antes, nem depois),
estarão criadas as condições satisfatórias para que a criança possa ter um processo de
crescimento, maturidade e desenvolvimento bio-fisio-psicossocial satisfatório e sua
psicomotricidade poderá se desenvolver no tempo requerido e da forma adequada.

As contrações uterinas finais, típicas de um parto natural, que são extremamente agudas
(de forma geral) e geralmente aparecem depois da ruptura dos âmnios, assim como a
saída apertada do feto através da abertura pélvica da mãe, são variáveis determinantes
que repercutem satisfatoriamente sobre a saúde da criança. Elas contribuem para a
limpeza de seu trato respiratório, onde podem existir substâncias tóxicas contidas no
líquido amniótico (produto do próprio metabolismo do feto), que, no útero materno,
entra e sai dos pulmões do feto, preparando os músculos respiratórios para a sua função
principal futura: a ventilação pulmonar, que também é determinante no processo de
crescimento, maturidade e desenvolvimento psicomotor da criança.

Após o parto, a evolução ontogênica de toda criança continua produto do crescimento,


maturidade e desenvolvimento biofisiológico dela. Por volta dos 4 anos, acontece
um fato que anuncia que este desenvolvimento está acontecendo adequadamente: as
crianças começam a mudar a sua dentição de leite e a trocá-los por dentes permanentes
que a acompanharão por toda a sua vida (sempre e quando tenha uma adequada
assepsia bucal e não seja afetada por um acidente ortodôntico). Esse fato demonstra
que o processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento, do ponto de vista
biofisiológico e, também, ontogênico, está acontecendo em plena forma.

Entre os 11 e os 14 anos (na maioria dos casos), acontece um dos fenômenos mais
significativos dentro do desenvolvimento ontogênico: a aparição dos caracteres sexuais
secundários de cada sexo e, o mais importante desse fenômeno, a aparição dos caracteres
sexuais primários, em que o homem começa a ejacular, e a mulher, a ovular; tornando-
se ambos aptos (mas ainda imaturos) para a reprodução. Esse fato é extremamente
importante porque, a partir desse momento, os seres humanos púberes ou adolescentes
já adquirem uma soma muito similar à soma típica dos seres humanos adultos, embora
ainda não esteja terminado seu desenvolvimento ontogênico.

Devido aos novos e extraordinários aportes que a cibernética e, em especial, a


neurociência, têm colocado à disposição dos especialistas e entendidos, o ultrasom,
a tomografia computadorizada e a ressonância magnética (basicamente), sabe-
se cientificamente que, nos primeiros cinco anos de vida do ser humano, o cérebro
(principal órgão do psiquismo) alcança 95% de seu volume (o que demonstra um
processo de crescimento e desenvolvimento altamente significativo dentro dos primeiros
cinco anos de vida). Os restantes 5% demoram outros trinta anos para chegar a seu

35
UNIDADE II │ DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE

completo volume e a sua adequada maturidade. Por essa razão, a aprendizagem formal
da psicomotricidade e todas as suas exigências deverão acontecer dentro dos primeiros
seis anos de idade de uma criança, porque é nesse período que o sistema nervoso possui
melhores possibilidades para trabalhar, devido ao grau de crescimento, maturidade e
desenvolvimento que ele tem alcançado (VAYER, 1982; 1988; RELVAS 2010).

Pesquisas demonstram que, até os 35 anos, a pessoa está dentro de um período ainda
jovem do ponto de vista cerebral, somático e sexual. Esta categoria evolutiva (juventude)
está determinada basicamente pelo processo de maturidade. Então, enquanto
exista um órgão em processo de maturidade, a pessoa é jovem biofisiologicamente.
Consequentemente, tudo o que seja feito em matéria de aprendizagem dentro da
juventude é desenvolvido com menos dificuldades, sempre e quando estejam bem
estruturados os sistemas cognitivo, emocional e motivacional na pessoa que está
querendo aprender. Por isso, enquanto a pessoa está atravessando a caminhada de
seus primeiros 35 anos de vida, todos os processos psicomotores que ela manifeste
deverão ter muito mais qualidade que os processos psicomotores materializados por
uma pessoa maior de 35 anos.

Análises permitem considerar que o desenvolvimento ontogênico (analisado através


de uma concepção mais reflexiva do conceito) ocorre até o término do processo de
maturidade de nosso cérebro, o qual constitui o regente principal e a usina básica
onde atuam cem bilhões de neurônios (mais ou menos). Esses neurônios estão inter-
relacionados por meio de mais de cem trilhões de circuitos que permitem estruturar,
desenvolver e manifestar as peculiaridades dos processos psíquicos que caracterizam as
peculiaridades da cognição, da afetividade, da motivação e da vontade da personalidade.
Entretanto, essa maturidade cerebral não está concluída até os 35 anos de idade (SCOZ,
2002).

Os outros saltos qualitativos que caracterizam o desenvolvimento ontogênico do ser


humano são:

1. a concepção-fertilização do óvulo pelo espermatozoide, que é possível


com e por meio do movimento;

2. a aparição do zigoto, que é possível com e por meio do movimento;

3. o surgimento do embrião a partir dos aportes novos e superiores do


zigoto; o que é possível com e por meio do movimento;

4. a presença do feto, a partir dos aportes novos e superiores do embrião


fato que também é possível com e por meio do movimento;

36
DA CONCEPÇÃO À MATURIDADE │ UNIDADE II

5. o acontecimento do parto; que é possível com e por meio do movimento;

6. o acontecimento de a criança ajoelhar-se e o fato de começar a engatinhar,


o que marca a primeira manifestação de independência autônoma dela; o
que é possível com e por meio do movimento;

7. o fato de a criança sozinha ficar de pé equilibradamente e começar a dar


os seus primeiros passos até que se consolide o processo de andar; que
também é possível com e por meio do movimento;

8. a manifestação da mudança dos dentes de leite pelos dentes permanentes;


que é possível com e por meio do movimento;

9. a manifestação da puberdade ou aparição dos caracteres sexuais


secundários e primários; o que é possível com e por meio do movimento.

E, depois dos 35 anos, o que acontece? Depois dos 35 anos, o ser humano está dentro
de seu período de fertilização ótima, no que se refere à matéria de aprendizagem
especializada. Mas este período de fertilização ótima é influenciado por dois fenômenos
psicossociais:

1. a existência de verdadeiros interesses cognitivos;

2. A materialização de sólidos processos afetivo-motivacionais direcionados


para o processo de aprendizagem, basicamente, quando se tratar da
aprendizagem de operações e ações motrizes, porque este tipo de
aprendizagem requer esforços fisiológicos e psíquicos. Mas, para ser
preciso, não existe idade que resista ao interesse para o aprendizado.

As ideias apresentadas ao longo do texto, até o momento, nos levam a afirmar que,
quando o ser humano tem um processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento
ontogênico satisfatório, estão criadas as condições bio-neuro-fisiológicas para aprender
com mais eficiência e eficácia, sempre e quando os interesses cognitivos e a motivação
afetiva sejam satisfatórios, estejam bem estruturados na consciência da criança, do
adolescente, do jovem, do adulto, da pessoa idosa. Entretanto, quando, no processo
ontogênico do ser humano, se apresentam deficiências ou falhas genéticas, ou quando
acontece um problema neurofisiológico após o nascimento de um ser humano, se a
pessoa afetada tem interesses cognitivos bem definidos, fazendo um pouco mais de
esforço, o processo de aprendizagem poderá ser desenvolvido satisfatoriamente em
correspondência com a incidência das magnitudes das falhas genéticas ou dos problemas
neurofisiológicos que se apresentarem em ditos seres humanos após o parto (TARRAU,
2007; REED, 2004).

37
Sem a aprendizagem motriz, ninguém aprende a ler satisfatoriamente, porque, para
ler, é necessário estruturar e desenvolver a percepção temporal (uma letra antes ou
depois da outra, para integrar as sílabas; uma sílaba antes ou depois da outra, para
integrar as palavras; uma palavra antes ou depois da outra para integrar as frases).
Do mesmo modo, é necessária a percepção espacial (as letras têm uma parte superior
e uma inferior; as linhas têm um princípio e um final; os parágrafos têm um começo
e um ponto final). Também é imprescindível a influência da lateralidade: as letras, os
símbolos têm uma parte direita e outra esquerda; uma parte superior (acima) e outra
inferior (abaixo); sempre o movimento dos olhos no sentido decodificador se realiza
da esquerda para a direita e depois retorna ao começo da seguinte linha. Sem uma
adequada orientação espaço-temporal, ninguém poderá aprender a ler com a fluidez
adequada.

A questão da lateralidade ocorre obviamente pelo prisma cultural.

Exemplificando:

Nas línguas ocidentais, árabe e japonês, é ao contrário. Inclusive em japonês a


página é virada ao contrário.

Contudo, como vivemos no Brasil, e lidamos com a realidade de aprendentes


alfabetizados na língua portuguesa o texto se refere ao nosso idioma.

38
NEUROCIÊNCIA UNIDADE III

Neurociência (ou neurobiologia) é o estudo científico do sistema nervoso. É um ramo


multidisciplinar da biologia que combina fisiologia, anatomia, biologia molecular,
biologia do desenvolvimento, citologia, modelagem matemática e psicologia para
entender as propriedades fundamentais e emergentes de neurônios e circuitos neurais.
A compreensão da base biológica da aprendizagem, memória, comportamento,
percepção e consciência foi descrita por Eric Kandel como o “desafio final” das ciências
biológicas.

O escopo da neurociência se ampliou ao longo do tempo para incluir diferentes


abordagens usadas para estudar o sistema nervoso em diferentes escalas e as técnicas
utilizadas pelos neurocientistas se expandiram enormemente, de estudos moleculares
e celulares de neurônios individuais até imagens de tarefas sensoriais, motoras e
cognitivas.

39
CAPÍTULO 1
Aplicabilidade da Neurociência:
múltiplos contextos

O primeiro estudo do sistema nervoso data do Antigo Egito. Trepanação, a prática


cirúrgica de perfurar ou raspar um buraco no crânio com a finalidade de curar ferimentos
na cabeça ou distúrbios mentais, ou aliviar a pressão craniana, foi registrada pela
primeira vez durante o período neolítico. Manuscritos datados de 1700 a.C. indicam que
os egípcios tinham algum conhecimento sobre sintomas de dano cerebral (MOHAMED,
2008).

Os primeiros pontos de vista sobre a função do cérebro consideravam um “enchimento


craniano”. No Egito, a partir do final do Império Médio, o cérebro foi regularmente
removido em preparação para a mumificação. Acreditava-se, na época, que o coração
era a sede da inteligência. De acordo com Heródoto, o primeiro passo da mumificação
era “pegar um pedaço de ferro torto e, com isso, extrair o cérebro pelas narinas, livrando-
se, assim, de uma porção, enquanto o crânio era removido do resto pela lavagem com
drogas (MOHAMED, 2008).

A visão de que o coração era a fonte da consciência não foi contestada até o tempo do
médico grego Hipócrates. Ele acreditava que o cérebro não estava apenas envolvido
com a sensação - uma vez que a maioria dos órgãos especializados (por exemplo, olhos,
ouvidos, língua) estava localizada na cabeça perto do cérebro - mas também era a sede
da inteligência. Platão também especulou que o cérebro era a sede da parte racional
da alma. Aristóteles, no entanto, acreditava que o coração era o centro da inteligência
e que o cérebro regulava a quantidade de calor do coração. Essa visão era geralmente
aceita até que o médico romano Galeno, um seguidor de Hipócrates e médico de
gladiadores romanos, observou que seus pacientes perderam suas faculdades mentais
quando sofreram danos em seus cérebros (FINGER, 2001).

Abulcasis, Averroes, Avicena, Avenzoar e Maimonides, ativos no mundo muçulmano


medieval, descreveram vários problemas médicos relacionados ao cérebro. Na Europa
do Renascimento, Vesalius (1514-1564), René Descartes (1596-1650), Thomas Willis
(1621-1675) e Jan Swammerdam (1637-1680) também fizeram várias contribuições à
neurociência (FINGER, 2001).

O trabalho pioneiro de Luigi Galvani no final dos anos 1700 preparou o terreno para
o estudo da excitabilidade elétrica dos músculos e neurônios. Na primeira metade
do século XIX, Jean Pierre Flourens foi pioneiro no método experimental de realizar

40
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

lesões localizadas do cérebro em animais vivos descrevendo seus efeitos sobre a


motricidade, sensibilidade e comportamento. Em 1843, Emil du Bois-Reymond
demonstrou a natureza elétrica do sinal do nervo, cuja velocidade Hermann von
Helmholtz passou a medir e, em 1875, Richard Caton encontrou fenômenos elétricos
nos hemisférios cerebrais de coelhos e macacos. Adolf Beck publicou, em 1890,
observações semelhantes de atividade elétrica espontânea do cérebro de coelhos e cães.
Estudos do cérebro tornaram-se mais sofisticados após a invenção do microscópio e o
desenvolvimento de um procedimento de coloração por Camillo Golgi durante o final
da década de 1890. O procedimento usou um sal de cromato de prata para revelar as
intrincadas estruturas dos neurônios individuais. Sua técnica foi usada por Santiago
Ramón y Cajal e levou à formação da doutrina dos neurônios, a hipótese de que a
unidade funcional do cérebro é o neurônio. Golgi e Ramón y Cajal dividiram o Prêmio
Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906 por suas extensas observações, descrições e
categorizações de neurônios em todo o cérebro (FINKELSTEIN, 2013; HARRISON,
2015; COENEN et al., 2014; GUILLERY, 2005).

Paralelamente, Paul Broca desenvolvia seu trabalho com pacientes com lesões
cerebrais, sugerindo que certas regiões do cérebro eram responsáveis ​​por determinadas
disfunções. Na época, as descobertas de Broca foram vistas como uma confirmação
da teoria de Franz Joseph Gall de que a linguagem era localizada e de que certas
funções psicológicas estavam localizadas em áreas específicas do córtex cerebral. A
localização da hipótese de função foi apoiada por observações de pacientes epilépticos
conduzidas por John Hughlings Jackson, que inferiram corretamente a organização do
córtex motor observando a progressão das convulsões através do corpo. Carl Wernicke
desenvolveu ainda mais a teoria da especialização de estruturas cerebrais específicas
na compreensão e produção da linguagem. Pesquisas modernas através de técnicas de
neuroimagem ainda usam o mapa citoarquitetônico cerebral Brodmann (referindo-
se ao estudo da estrutura celular) definições anatômicas desta época em continuar a
mostrar que áreas distintas do córtex são ativadas na execução de tarefas específicas
(GREENBLATT, 1995; KANDEL et al, 2000).

Durante o século XX, a neurociência começou a ser reconhecida como uma disciplina
acadêmica distinta por si só, e não como estudos do sistema nervoso dentro de outras
disciplinas. Eric Kandel e colaboradores citaram David Rioch, Francis O. Schmitt
e Stephen Kuffler como tendo desempenhado papéis críticos no estabelecimento do
campo. Rioch originou a integração de pesquisas anatômicas e fisiológicas básicas
com psiquiatria clínica no Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed, a partir
da década de 1950. Durante o mesmo período, Schmitt estabeleceu um programa
de pesquisa em neurociência dentro do Departamento de Biologia do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts, reunindo biologia, química, física e matemática. O

41
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

primeiro departamento de neurociência autônomo (então denominado Psicobiologia)


foi fundado em 1964 na Universidade da Califórnia, em Irvine, por James L. McGaugh.
Ele foi seguido pelo Departamento de Neurobiologia da Harvard Medical School, que
foi fundada em 1966 por Stephen Kuffler (COWAN et al., 2000; McGAUGH, 1996).

A compreensão dos neurônios e da função do sistema nervoso tornou-se cada vez mais
precisa e molecular durante o século XX. Por exemplo, em 1952, Alan Lloyd Hodgkin
e Andrew Huxley apresentaram um modelo matemático para transmissão de sinais
elétricos em neurônios do axônio gigante de uma lula, que eles chamavam de “potenciais
de ação”, e como eles são iniciados e propagados, conhecidos como Modelo de Hodgkin-
Huxley. Em 1961-1962, Richard FitzHugh e J. Nagumo simplificaram Hodgkin-Huxley,
no que é chamado de modelo FitzHugh-Nagumo. Em 1962, Bernard Katz modelou a
neurotransmissão no espaço entre os neurônios conhecidos como sinapses. A partir
de 1966, Eric Kandel e colaboradores examinaram as alterações bioquímicas nos
neurônios associados ao aprendizado e armazenamento de memória na Aplysia. Em
1981, Catherine Morris e Harold Lecar combinaram esses modelos no modelo Morris-
Lecar. Esse trabalho cada vez mais quantitativo deu origem a numerosos modelos de
neurônios biológicos e modelos de computação neural (AROTIBA et al., 2008).

Como resultado do crescente interesse pelo sistema nervoso, várias organizações


proeminentes de neurociência foram formadas para fornecer um fórum a todos os
neurocientistas durante o século XX. Por exemplo, a International Brain Research
Organization foi fundada, em 1960; a Sociedade Internacional de Neuroquímica em
1963; a Sociedade Europeia de Cérebro e Comportamento. em 1968, e a Society for
Neuroscience, em 1969. Recentemente, a aplicação de resultados de pesquisas em
neurociência também deu origem a disciplinas aplicadas como neuroeconomia,
neuroeducação, neuroética e neurolóquia (NÖEL-PÉTROFF et al., 2015).

Com o tempo, a pesquisa do cérebro passou por fases filosóficas, experimentais e


teóricas, com o trabalho de simulação cerebral previsto para ser importante no futuro.

A forma de pensar o processo de aprendizagem trazendo um impacto no cotidiano,


esta é uma das formas como podemos apresentar a neurociência. É uma ciência que
influencia de forma extremamente funcional o cotidiano de trabalho do profissional.
É a forma como o neuropsicopedagogo vai olhar o seu atendido e pensar estratégias
pedagógicas mais eficientes e até refletir acerca do motivo de determinadas estratégias
não funcionarem.

A neurociência abrange campos de investigação diferentes e geralmente separados.


A maioria dos pesquisadores que trabalham em seus respectivos campos raramente
critica o trabalho fora de sua área de especialização. Mesmo que os pesquisadores

42
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

discordem em grande medida, eles tendem a ter orientação e viés semelhantes. Além
disso, os princípios e premissas são frequentemente derivados de fontes compartilhadas
de inspiração. Os protocolos de pesquisa, afinal, são dedicados a manter o viés no
nível mais baixo possível, mas não são totalmente eliminados. Eu não acredito que
seja necessário ser altamente especializado para julgar o trabalho e as opiniões dos
pesquisadores. Aqueles de nós que têm interesse profissional em neurociência devem
julgar e avaliar criticamente as opiniões e hipóteses dos pesquisadores. A avaliação e o
feedback de diversas fontes servirão para enriquecer o esforço comum de compreender
os determinantes do pensamento e comportamento humanos. Para esse fim, vou me
concentrar nas conclusões de pesquisadores proeminentes para esclarecer as conexões
entre a atividade do sistema nervoso central (SNC) e o pensamento consciente. Eu
gostaria de afirmar que definitivamente não estou tentando avaliar a amplitude e o
alcance das descobertas e hipóteses dos pesquisadores. As citações dos autores abaixo
selecionados serão discutidas à medida que elas se baseiam na consciência e no
pensamento.

Gerald M. Edelman dedicou seu livro, Bright Air, Brilliant Fire, à memória de Charles
Darwin e Sigmund Freud. De acordo com Edelman, foi Darwin quem primeiro reconheceu
que a seleção natural tinha que explicar o surgimento da consciência humana por meio
da evolução morfológica. Edelman afirma que o caminho para a consciência humana
está no desenvolvimento de símbolos e seus significados associados, pela evolução
de novas formas de memória simbólica e neurossistemas que servem à comunicação
e transmissão social. Em sua forma mais desenvolvida, isso significa a aquisição
evolucionária da capacidade de linguagem. Ao considerar a hipótese coesa de Edelman
do desenvolvimento do SNC levando a mapeamentos cerebrais funcionais e ordem
superior, os mapeamentos globais dinâmicos parecem plausíveis. Edelman argumenta
que o desenvolvimento dos indivíduos é limitado por genes e herança. Desde o início
da vida, é epigenético também. Edelman alega que os neurônios estendem os processos
de ramificação em várias direções. Essa ramificação gera extensa variabilidade nos
padrões de conexão de um indivíduo, o que cria um repertório imenso e diverso de
circuitos neurais. Então, esses neurônios fortalecem ou enfraquecem suas conexões
de acordo com seu padrão individual de atividade elétrica. Neurônios que disparam
juntos. Como resultado, os neurônios de um grupo estão mais intimamente conectados
entre si do que os neurônios de outros grupos (EDELMAN, 1992).

Além disso, em coordenação com a experiência comportamental, um processo de seleção


sináptica ocorre dentro do repertório de grupos. Mudanças ocorrem entre grupos
que são funcionais e não anatômicos. No entanto, os grupos de neurônios em si estão
anatomicamente relacionados a várias áreas anatômicas do cérebro e estão dispostos
em mapas no cérebro que se conectam e se sobrepõem. Um processo de “reentrada”

43
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

correlaciona essa sincronização dos grupos neurais da atividade em diferentes mapas.


A reentrada envolve sinalização recíproca bidirecional entre as regiões do mapa do
cérebro que se influenciam mutuamente através de múltiplos caminhos paralelos,
cujas informações não são pré-especificadas. É o principal mecanismo de integração.
As atividades de mapeamento global nos córtices do cérebro em conjunto com os
centros inferiores do cérebro representam um mapeamento de vários tipos de mapas.
Por exemplo, os córtices frontais com sua conexão com o sistema límbico, incluindo o
hipocampo, estabelecem relações com áreas emocionais do cérebro. Essa conexão é,
talvez, um elo entre centros emocionais e centros cerebrais ou processos de pensamento
superiores e a capacidade de formar conceitos. A formatação de conceitos é um produto
do cérebro que categoriza suas próprias atividades por meio de processos de memória e
percepções internas e externas. A escrita de Edelman integra categorização perceptual,
memória e aprendizagem com “qualia”. Esta última, Edelman afirma, constitui a coleção
de experiências pessoais ou subjetivas, sentimentos e sensações que acompanham a
consciência (EDELMAN, 1992). Ele aprecia e descreve a interação do inconsciente
na mente consciente e dá conta do desenvolvimento do pensamento “conceitual”.
As conclusões de Edelman são francas. Em um certo ponto prático as tentativas de
reduzir a psicologia à neurociência devem falhar dado que a busca do pensamento
como uma habilidade depende da interação social e cultural, da convenção e da lógica,
bem como da metáfora. Oos métodos puramente biológicos, como existem atualmente,
são insuficientes. Em parte, isso ocorre porque o pensamento em seu nível mais alto é
recursivo e simbólico. Por sermos cada uma das fontes idiossincráticas de interpretação
semântica, e porque a comunicação intersubjetiva é essencial para o pensamento (seja
com o interlocutor real ou imaginário), devemos usar e estudar essas capacidades por
direito próprio. Edelman não oferece nenhum protocolo ou método para perseguir as
capacidades aludidas (EDELMAN; TONINI, 2000).

A neuropsicopedagogia é um campo de estudo voltado para as relações entre o cérebro,


a cognição e o comportamento. Trata-se, portanto, de um campo científico que engloba
diversas áreas da neurociência como a neuroanatomia, a neurofisiologia, a neuroquímica
e a neurofarmacologia, dentre outras. No âmbito da atuação profissional do psicólogo,
a neuropsicopedagogia exige um vasto campo de conhecimento, pois engloba conceitos
e técnicas da psicometria, da psicologia clínica, da psicologia experimental, da
psicopatologia e da psicologia cognitiva. Na prática clínica, este profissional é procurado,
principalmente, para avaliar e/ou reabilitar alterações cognitivas e comportamentais
resultantes de lesões cerebrais.

A avaliação neuropsicopedagógica é conduzida por meio da aplicação de observação


e ferramentas que procuram descrever a habilidade cognitiva do indivíduo avaliado e
compará-la com padrões pré-estabelecidos de normalidade. De modo geral, o propósito

44
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

da avaliação com o neuropsiopedagogo clínico é estabelecer a relação entre atividades


comportamentais e o funcionamento cerebral. Nesta avaliação, são testadas funções
cognitivas, tais como: memória, atenção, linguagem, funções executivas raciocínio,
habilidades motoras e visuoespaciais, bem como as alterações emocionais e de
comportamento. Entretanto, para que o neuropsicopedagogo possa alcançar o objetivo
da avaliação, não basta aplicar e pontuar quesitos. É preciso conhecer as regiões
cerebrais envolvidas nos aspectos comportamentais e nas funções cognitivas e também
ter noções de neuropatologia para não incorrer em suspeitas diagnósticas incorretas e
sugestões de tratamentos desnecessários (PORTO, 2009; PURVES, 2005; SÁNCHEZ-
CANO, 2008).

No Brasil, é recente o reconhecimento da neuropsicopedagogia como área de atuação


profissional, mas a demanda pela sua atuação, seja para avaliação ou pela reabilitação,
vem se mostrando crescente. Uma das principais causas desse crescimento é o
envelhecimento da população que vem ocorrendo em nosso país nos últimos anos.
Esse fato gera um aumento na incidência de patologias neurológicas relacionadas ao
aumento da idade. Desse modo, em nossa disciplina iremos enfatizar a avaliação de
forma ampla, pois o neuropsicopedagogo clínico pode voltar seu olhar para a avaliação
de adultos e idosos, existindo a necessidade de compreensão das principais desordens
que levam à busca pela avaliação neuropsicopedagógica nessas faixas etárias (OLIVIER,
2008; POPPOVIC, 1972).

Assim, a apresentação dos objetivos e instrumentos de avaliação neuropsicopedagógica


é feita de forma a contemplar e discriminar a utilização em diferentes fases do
desenvolvimento.

O nosso cérebro se desenvolveu durante a evolução com a propriedade, a capacidade de


aprender coisas diferentes – aprender novos comportamentos.

Qual o motivo dos seres humanos apresentarem essa capacidade?

Adquirir novos comportamentos melhora a nossa chance de adaptação a um determinado


contexto e, ao se adaptar melhor, é possível sobreviver. Então, na verdade, os humanos
aprendem determinadas coisas para poder ter chances de sobreviver, para viver melhor,
para resolver os problemas que aparecerem. Assim, a lógica da aprendizagem precisa
ter essa meta.

45
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

Exemplificando:

O aluno vai ficar motivado à medida que seu professor conseguir dar significado
para aquilo que está compartilhando com o aluno, para aquilo que está querendo
ensinar ao seu aluno.

No momento em que o aluno compreender, perceber que o que está sendo


apresentado tem relação com a vida dele, ou seja, apresenta um sentido para
ele, o aluno passa a ser motivado, aderindo ao processo de aprendizagem.

Isso não é simples!

As pessoas podem deduzir que seja algo relativamente fácil. Entretanto, o professor já
passou por essa situação. Ele já esteve na situação de ser aluno, aprendente, educando.
Todos nós, professores, tivemos, em algum momento de nossas vidas, a escola como
o único lugar onde obtínhamos conhecimentos, a menos que a pessoa possuísse uma
enciclopédia em sua casa, fato que há trinta anos já era raro.

Hoje em dia, não!

Pela internet, pela própria televisão (que mesmo tendo cada vez menos expectadores,
ainda é assistida) e, prioritariamente, pelo celular, temos acesso a um universo de
conhecimentos – muitas vezes mais conhecimentos do que a própria escola propicia.
Acessamos conhecimentos que são mais úteis para o dia a dia.

Assim, se o cérebro funciona com a intenção de nos ajudar a resolver nossos problemas,
de nos adaptar melhor ao ambiente, é claro que o aluno vai ficar mais motivado para os
assuntos, os conteúdos relacionados à vida dele. E nem sempre o professor consegue
fazer isso.

É um desafio grande para o professor.

Não queremos com essa fala sugerir que o professor tem que ensinar aquilo que o aluno
quer. Queremos alertar para o fato de o professor ter que descobrir uma forma do aluno
compreender e dar significado para aquilo que ele está apresentando.

Uma contribuição que as neurociências têm trazido é o entendimento do funcionamento


cerebral – e queremos deixar muito claro que a neurociência não traz uma educação
nova, um novo jeito de aprender. Não é nada disso! O nosso cérebro aprende da mesma
forma que aprendia anos atrás.

46
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

Retomando o nosso raciocínio sobre o funcionamento cerebral: à medida que o


compreendemos, entendemos melhor algumas teorias da educação. Piaget, Vygotsky,
Paulo Freire, Wallon são pensadores que apresentam conceitos e discutem aspectos
da educação, boa parte dos quais apresenta respaldo da neurociência. Outros, podem
ser até criticados e podem ser reelaborados com base nos conhecimentos que temos
da psicologia cognitiva – de como o cérebro funciona. Esse fato acontece em qualquer
teoria. Nenhuma teoria é completamente exata.

Quando um aluno da graduação em pedagogia, por exemplo, tem a


possibilidade de entender as bases do funcionamento cerebral e ler esses
teóricos, esse aluno fomentará um diálogo entre os teóricos da educação e as
bases neuropsicológicas ou neurobiológicas da aprendizagem. E há um imenso
proveito nesse movimento.

Então, quando Paulo Freire discutia a questão da aprendizagem significativa, “aquilo


que dá sentido”, obviamente isso era profícuo ao processo de aprendizagem. Vejam,
não estamos dizendo que é ‘só isso’ que é importante, mas corroborando com a
legitimidade da importância. Temos que pensar que existem alguns conteúdos que são
muito complexos para uma aprendizagem sem nenhuma ajuda. Por exemplo, quando
falamos do construtivismo – uma metodologia mais exploratória, na qual o educando
vai percebendo o ambiente e a partir disso constrói seu conhecimento, devemos ficar
atentos ao fato de que existem alguns conteúdos que requerem uma ajuda ‘mais formal’
para que sejam aprendidos, então precisa existir uma mediação (LENT, 2002, 2010;
LIEURY, 1997).

Estamos em uma época em que as várias áreas do conhecimento precisam dialogar entre
si. Não podemos cair no erro de achar que a neurociência vai desbancar, por exemplo,
teorias da filosofia, da educação, do direito, da economia. Mas, à medida em que essas
áreas estudam ou abordam o comportamento humano, existem conhecimentos sobre
o comportamento humano que podem fazer algumas modificações em outras áreas
do conhecimento que são mais voltadas para a área de ciências humanas. Entretanto,
na verdade, quando estudamos algo humano estamos estudando o comportamento
(LIDEN et al, 1993).

Atualmente existe uma área da neurociência que estuda duas questões: a ética em
neurociência e a neurociência da ética. Ou seja, o que faz um indivíduo ser ético?
Existem indivíduos que são pessoas ótimas, comportam-se adequadamente,
têm seus princípios éticos etc., mas sofrem um traumatismo craniano e passam
a se comportar de forma inadequada. Ou seja, não seguem mais os princípios
éticos que seguiam. O que aconteceu?

47
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

Quer dizer, existem áreas cerebrais que são responsáveis pelo julgamento moral, levando
em consideração o valor das coisas, que fazem com que as pessoas sejam capazes de
tomar decisões – ou melhor, influenciam as decisões que o indivíduo toma. Ou seja,
áreas que estão envolvidas na tomada de decisão.

Então, sabemos que existem características do funcionamento cerebral que vão acabar
tendo implicação no que chamamos de ética. Naquilo que consideramos como ética.

Outra questão, por exemplo, é o direito. Sabemos que existem pessoas que têm
transtornos mentais e que esses transtornos impedem que a pessoa tenha uma reflexão
exata sobre a dimensão do ato criminoso que ela praticou, de forma que o indivíduo não
consegue refletir sobre o que fez.

Esse indivíduo será considerado criminoso ou não?

Essas questões devem ser colocadas em uma mesa de discussão em que todas as áreas
do conhecimento são discutidas conjuntamente.

Surgirão mais contribuições para esclarecimento e talvez novos posicionamentos de


uma área e de outra, pois a neurociência não veio para determinar o funcionamento
das outras áreas.

A forma como nos comportamos está ligada a uma rede de células nervosas que se
estruturou com base em nossa genética, mas que é modificável dentro de determinados
limites pela interação com o ambiente. É necessário saber que essa rede tem algumas
regras de funcionamento. Saber que as conexões entre as células nervosas podem ser
reforçadas, significa que o indivíduo terá memórias sobre as experiências que vivenciou,
sobre determinados conteúdos, mas que essas conexões também podem ser desfeitas,
desbastadas (MACHADO, 2006). Isso representa os nossos esquecimentos.

Aquilo que memorizamos, aquilo que mantemos como comportamentos que levamos
ao longo da vida é resultado de uma memória baseada nas entradas que ocorreram,
nos estímulos que foram dados e que permanecem mantendo as redes neurais em
funcionamento. Se, por algum motivo, essas redes deixam de ser ativadas, perde-se
determinado comportamento – ou boa parte do comportamento (McCRONE, 2002;
OLIVEIRA, 2003).

Outra questão muito importante dá conta da organização que nosso cérebro tem e que
possui uma contribuição importante das interações ambientes, pois não faz julgamento
de valor. O que queremos dizer com isso? O cérebro se reorganiza com estímulos que
são bons ou que não são bons. Então, é possível ajudar uma pessoa a desenvolver seus
comportamentos para o bem e para o mal.

48
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

Isso faz com que toda a área de conhecimento que trabalha com interação social se
beneficie do conhecimento das bases neurobiológicas, do funcionamento cerebral.
Afinal, quando pensamos na sociologia, na antropologia, na educação, precisamos
lembrar que estamos trabalhando com um indivíduo que tem uma estrutura orgânica
que está por traz daqueles comportamentos. Os nossos comportamentos não ocorrem
em outras dimensões – até onde a ciência sabe – que não seja esse equipamento neural
que temos.

A grande diferença dos processadores usados em computadores é que essa rede tem um
dinamismo, ela se modifica cotidianamente.

A pessoa que deseja aprender algo precisa, via de regra, dedicar energia e atenção para
aquilo que busca. Algumas pessoas comentam que é muito difícil prestar atenção em
duas coisas ao mesmo tempo. E realmente é! Até é possível distribuir a atenção, mas
sempre algo do conteúdo se perde quando, por exemplo, a pessoa fala ao celular e dirige.
Ou seja, a pessoa fala ao celular e dirige. Dirige e fala ao celular. Entre a alternância de
tarefas, parte das informações é perdida. Tanto que alguns detalhes do trânsito são
perdidos – isso pode justificar os acidentes causados pelo uso do celular enquanto se
dirige? Fato que é proibido! Como são perdidos (ou sequer registrados) alguns detalhes
da conversa? Isso faz com que seu cérebro processe de forma pior ou não tão eficiente
cada um desses estímulos que a pessoa tem simultaneamente (LEITE, 1991).

Então, se o indivíduo está assistindo uma aula e seu celular está vibrando, essa distração
compromete as informações que se recebe naquele momento.

Deste modo, prestar atenção é uma regra!

É necessário fazer uma opção. Tudo se trata de fazer uma escolha.

Outra questão é: não existe aprendizagem quando não há reevocação da experiência


que você teve.

Ou seja, o professor está explicando algumas questões sobre neurociência, mas


se o aluno não pensar sobre isso, não ler novamente, conversar, recontar para
alguém, trocar ou buscar novas informações, isso não vai ficar no seu cérebro!
Não vai ser transformado em memória. Então, é preciso entender que há gasto
de energia, de tempo de dedicação para a tarefa de aprender. Assim, se não há
um interesse em obter um determinado conhecimento, é necessário repensar
essa opção.

49
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

Logicamente, há uma grande diferença entre o aprendiz que está na educação


básica e aquele que já ingressou no ensino superior, por conta da maturação
neural, por conta das escolhas que são feitas e das expectativas.

Assim, espera-se que a aluno do curso superior seja motivado a se engajar em


um curso, pois ele possui interesse em obter um conhecimento que o auxilie
a se tornar um profissional mais habilitado, com mais competências para
determinadas tarefas. Ou seja, o estudante universitário precisa se orgulhar
em ser melhor do que ele era anteriormente. E ele precisa ter isso como meta e
não ter como meta apenas passar em uma disciplina ou se graduar. Esse aluno
precisa, ao se formar, dizer ‘eu sou muito melhor, eu sei muito mais, eu sou muito
mais competente e consigo resolver muitas outras questões do que conseguia
anteriormente’. Essa é uma aprendizagem consolidada. Não há dúvidas em
relação ao que foi aprendido pelo indivíduo (FIALHO, 2001; FONSECA, 1995,
2009; FIORI, 2008).

Em nossa opinião, nem todas as pessoas têm necessariamente esse objetivo.


Elas podem ter outros objetivos na vida e isso demanda uma reflexão de opções
que precisam ser feitas.

Agora, a questão da educação básica é uma responsabilidade das pessoas envolvidas


formalmente com o processo, dos pais, do governo etc., de dar condições àquela
população de ter habilidades (skills) suficientes para que possa se transformar em
cidadã que possa exercer seus direitos, cumprir com seus deveres, ter uma interação
social de qualidade. Se é uma cultura, por exemplo, que tem escrita, deve possibilitar
que o indivíduo possa aprender a ler e a escrever pois isso traz vantagens de adaptação
e sobrevivência.

Então, a criança ou o adolescente que está na educação não está ali, necessariamente,
porque foi a opção de vida que tomou. É bastante diferente. Neste caso é necessário
haver um envolvimento importante da família, um estímulo da comunidade à qual esse
indivíduo pertence, da sociedade como um todo, em valorizar o esforço que esses alunos
empregam na escola. No cotidiano, é importante dizer a um pai que está com seu filho
ou filha na fase de alfabetização, que todos os dias, ao chegar da escola, é essencial que
ele pergunte para a criança “o que ela aprendeu naquele dia”.

Exemplificando: o pai pergunta a seu filho o que ele aprendeu a ler na aula daquele
dia. Qual foi o conteúdo? Vamos pegar o livro, filho, para que você me mostre o que
foi aprendido hoje? Mas, todo esse movimento é sem tom de julgamento. Sem crítica.
Sem colocar defeitos nas realizações da criança. E também não é uma obrigação. Ao
contrário, é para ser um momento de troca e de valorização do conhecimento. ‘Olha

50
NEUROCIÊNCIA │ UNIDADE III

você já consegue ler o cardápio do restaurante’. Isso aí! Parabéns, filho! Parabéns, filha!
Você já sabe o que está escrito aqui e pode fazer suas escolhas.

Essa fala faz com que esse aprendiz entenda que o fato de estar aprendendo coisas novas
está tornando-o uma pessoa de maior inclusão na sociedade, com maior possibilidade
de escolhas. Isso é extremamente importante!

Muitas vezes, a aprendizagem é baseada em projetos, em algo que o aluno não exerce.
Outra questão da neurociência que é muito importante: os professores ensinam muitos
conteúdos, contudo, o cérebro que aprende é o cérebro que deve estar funcionando.
Então, em uma sala de aula, é muito estranho que só o professor fale. Deveria ser
exatamente o contrário, quem está ali para aprender é quem mais deveria estar
funcionando em uma sala de aula. O professor deveria ser um orientador.

Sugestão de literatura para aprofundar o tema desse capítulo:

Livro: Neurociência e Educação

Aurores: Ramon M. Consenza e Leonor B. Guerra.

Editora Artmed, 20011.

Neste livro vocês encontraram um vasto material com as bases neurobiológicas


da aprendizagem e escrito em uma linguagem extremamente acessível
para o público, em geral. Esse fato colabora, inclusive, com que vocês, como
profissionais, possam indicá-los aos pais, professores e demais atendidos que
tenham condições de usufruir desse rico conteúdo.

Acima de tudo, a escrita desse livro foi baseada na experiência que os autores
tiveram com os professores. Então, à medida que ocorriam trocas e conversas
com os professores, os autores percebiam a melhor forma de construir um texto
para ser usado visando explicar e apresentar esse assunto aos educadores e ao
público em geral, quebrando, assim, um importante paradigma.

Como sugestão segue outro livro, também da Editora Artemed, chamado Por
que os alunos não gostam da escola? (2011).

Autor: Daniel T. Willingham

Também recomendado por ter uma linguagem bastante fácil, mas que traz
muitas questões das estratégias pedagógicas. Então, não é um livro que interesse
para qualquer público, sendo mais direcionado aos profissionais.

51
UNIDADE III │ NEUROCIÊNCIA

A outra publicação que percebemos como extremamente profícua para o


aprofundamento, é uma revista chamada Neuro Educação da Editora Seguimento
que apresenta cerca de quatro números por ano e aborda vários assuntos da área
das neurociências, fazendo uma interface com a educação e a aprendizagem.

Espero que gostem das sugestões!

E aproveitem a leitura.

Deixamos aqui a importância do feedback de cada um de vocês. Afinal, nossa


disciplina é uma construção do coletivo.

A Neurociência Moderna
O estudo científico do sistema nervoso aumentou significativamente durante a segunda
metade do século XX, principalmente devido aos avanços em biologia molecular,
eletrofisiologia e neurociência computacional. Isso permitiu que os neurocientistas
estudassem o sistema nervoso em todos os aspectos: como ele é estruturado, como
funciona, como se desenvolve, como funciona mal e como pode ser modificado.

Por exemplo, tornou-se possível entender, com muito detalhe, os complexos processos
que ocorrem dentro de um único neurônio. Os neurônios são células especializadas
em comunicação. Eles são capazes de se comunicar com neurônios e outros tipos de
células através de junções especializadas chamadas sinapses, nas quais sinais elétricos
ou eletroquímicos podem ser transmitidos de uma célula para outra. Muitos neurônios
expulsam um longo e fino filamento de axoplasma chamado axônio, que pode se
estender a partes distantes do corpo e é capaz de transportar rapidamente sinais
elétricos, influenciando a atividade de outros neurônios, músculos ou glândulas em
seus pontos de terminação. Um sistema nervoso emerge da reunião de neurônios que
estão conectados uns aos outros.

De acorco com o U.S. National Institute of Neurological Disorders and Stroke (2018) o
sistema nervoso dos vertebrados pode ser dividido em duas partes: o sistema nervoso
central (definido como cérebro e medula espinhal) e o sistema nervoso periférico. Em
muitas espécies, incluindo todos os vertebrados, o sistema nervoso é o sistema de órgãos
mais complexo do corpo, com a maior parte da complexidade residindo no cérebro.
O cérebro humano sozinho contém cerca de cem bilhões de neurônios e cem trilhões
de sinapses; consiste de milhares de subestruturas distinguíveis, conectadas umas às
outras em redes sinápticas cujas complexidades recém começaram a ser desvendadas.

52
Pelo menos um em cada três dos cerca de 20.000 genes pertencentes ao genoma
humano é expresso principalmente no cérebro.

Devido ao alto grau de plasticidade do cérebro humano, a estrutura de suas sinapses e


suas funções resultantes mudam ao longo da vida.

Para o The United States Department of Health and Human Services (2012), dar sentido
à complexidade dinâmica do sistema nervoso é um formidável desafio de pesquisa. Em
última análise, os neurocientistas gostariam de entender todos os aspectos do sistema
nervoso, incluindo como ele funciona, como se desenvolve, como funciona mal e como
pode ser alterado ou reparado. A análise do sistema nervoso é, portanto, realizada
em múltiplos níveis, desde os níveis moleculares e celulares até os sistemas e níveis
cognitivos. Os tópicos específicos que formam os principais focos da pesquisa mudam ao
longo do tempo, impulsionados por uma base de conhecimento em constante expansão
e pela disponibilidade de métodos técnicos cada vez mais sofisticados. Melhorias na
tecnologia têm sido os principais impulsionadores do progresso. Desenvolvimentos em
microscopia eletrônica, ciência da computação, eletrônica, neuroimagem funcional e
genética e genômica foram os principais impulsionadores do progresso.

A neurociência cognitiva aborda as questões de como as funções psicológicas são


produzidas pelos circuitos neurais. O surgimento de novas e poderosas técnicas de
medição, como neuroimagem (por exemplo, fMRI, PET, SPECT), EEG, eletrofisiologia,
optogenética e análise genética humana combinadas com sofisticadas técnicas
experimentais da psicologia cognitiva permite que neurocientistas e psicólogos
abordem questões abstratas que desvendam como a cognição e a emoção são mapeadas
para substratos neurais específicos. Embora muitos estudos ainda mantenham uma
postura reducionista em busca da base neurobiológica dos fenômenos cognitivos,
pesquisas recentes mostram que há uma interação interessante entre as descobertas
neurocientíficas e a pesquisa conceitual, solicitando e integrando ambas as perspectivas.
Por exemplo, a pesquisa em neurociência sobre empatia criou um interessante debate
interdisciplinar envolvendo filosofia, psicologia e psicopatologia. Além disso, a
identificação neurocientífica de múltiplos sistemas de memória relacionados a diferentes
áreas do cérebro tem desafiado a ideia de memória como uma reprodução literal do
passado, apoiando uma visão da memória como um processo gerador, construtivo e
dinâmico (OFENGENDEN, 2014; ARAGONA et al., 2013).

A neurociência também se alia às ciências sociais e comportamentais, bem como aos


campos interdisciplinares nascentes, como a neuroeconomia, a teoria da decisão, a
neurociência social e o neuromarketing, para abordar questões complexas sobre as
interações do cérebro com seu ambiente. Um estudo sobre as respostas do consumidor,
por exemplo, usa o EEG para investigar os correlatos neurais associados ao transporte
narrativo em histórias sobre eficiência energética (GORDON et al., 2018).

53
A NEUROPSICANÁLISE UNIDADE IV
A neuropsicanálise é um movimento dentro da neurociência e da psicanálise para
combinar os insights de ambas as disciplinas para uma melhor compreensão da mente
e do cérebro.

CAPÍTULO 1
Base Teórica da Neuropsicanálise

Já com o rótulo de ultrapassada a psicanálise emerge com toda força aliada à neurociência.
Esse empreendimento, tão próximo do coração da psicanálise como método clínico,
uma mitologia secular e uma ferramenta de análise acadêmica, foi confiado a Mark
Solms, figura fundadora da neuropsicanálise e codiretor do Centro Internacional de
Neuropsicanálise.

A neuropsicanálise afirma oferecer uma espécie de teoria psicológica unificada: ao


correlacionar insights neurológicos à estrutura e função do cérebro. Com a observação
atenta da subjetividade da psicanálise, a neuropsicanálise deveria ser capaz de evitar,
por um lado, a mecanicista redução da vida mental às vezes associada à neurociência
e, de outro, a preferência mística da teoria pelo fato científico às vezes característico da
psicanálise.

Dr. Solms é autor de inúmeros livros e artigos sobre psicanálise, neuropsicologia


clínica e neurologia do sonho; Os principais títulos incluem, com Karen Kaplan-
Solms, Estudos Clínicos em Neuro-Psicanálise: Introdução a uma Neuropsicologia
de Profundidade (2001), e, com Oliver Turnbull, O Cérebro e o Mundo Interior: Uma
Introdução à Neurociência da Experiência Subjetiva. Ele também está traduzindo
os Quatro Neurocientíficos Completos de Sigmund Freud, bem como completando
a tão esperada revisão da tradução de James Strachey da Edição Padrão das
Obras Completas Psicológicas de Sigmund Freud.

Dr. Solms introduz o conceito de neuropsicanálise, destacando suas diferenças em


relação a outros modelos populares da neurociência e da psicologia, e explica o que

54
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

a neurociência contemporânea tem a oferecer à psicanálise. Ele também visualiza a


próxima tradução revisada, explicando sua origem, novo material que foi descoberto,
envolvimentos de direitos autorais, bem como revisões importantes. Com inteligência
e clareza didática, ele explica por que Freud ainda é importante e como ainda seria
possível falar cientificamente sobre a psicanálise.

A neuropsicanálise surge da crença de que os modelos teóricos que construímos na


psicanálise a partir de nossas observações da vida subjetiva da mente são modelos que
descrevem uma coisa, o mesmo que os neurocientistas estão tentando estudar quando
derivam modelos do aparato mental de suas observações neurocientíficas. Em outras
palavras, a neuropsicanálise existe porque acreditamos que existe apenas uma coisa
chamada mente humana, que estamos estudando a partir desses dois pontos de vista
diferentes. E se essa suposição é válida, isso implica necessariamente que temos tudo a
ganhar e pouco a perder tentando combinar nossas diferentes descobertas para corrigir
erros dependentes do ponto de vista e chegar a um relato mais satisfatório de como a
mente funciona.

De acordo com Freud, não se deve fazer concessões em relação às palavras, ou então,
muito rapidamente, o analista estará fazendo concessões no que diz respeito às coisas,
e cai em um terreno escorregadio. Há controvérsias em torno da psicanálise e da
bagagem que vem com essa palavra. Mas seria desonesto não ficar fiel à crença de que é
a abordagem metodológica e teórica mais altamente articulada que temos para o estudo
da mente do ponto de vista subjetivo. Em outras palavras, estudando a mente como
uma coisa mental, em seus próprios termos - que a psicanálise, por todas as suas falhas
(apontadas pelos críticos) fez mais do que qualquer outra abordagem. Então vamos
começar de onde a psicanálise termina, assim, não estamos sendo honestos se não
chamarmos o que estamos fazendo de psicanálise, mesmo que se torne algo diferente
nos próximos anos.

Como psicanalista é difícil não seguir o modelo desenvolvido por Freud,


particularmente aos que aderem a teoria kleiniana. Podemons confiar em todos os
tipos de desenvolvimentos teóricos pós-Freud. A razão pela qual nos concentramos
tão fortemente em Freud, no entanto, é porque é uma tarefa muito complicada tentar
ligar conceitos psicanalíticos a conceitos neurocientíficos. Começar com os conceitos
mais básicos e mais rudimentares simplifica a tarefa, e esse é o primeiro passo. Uma
vez que tenhamos conseguido determinar os correlatos neurais de nossos conceitos
psicanalíticos mais elementares, isto é, os conceitos freudianos, então temos uma base
sobre a qual podemos construir modelos psicanalíticos mais elaborados nesse esforço
correlativo. Mas precisamos começar com um modelo em particular, porque há uma
infinidade de modelos psicanalíticos mutuamente incompatíveis, em muitos aspectos,

55
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

nos dias de hoje. Uma vez que você tem que escolher um, aquele do qual todos são
derivados e, portanto, o mais simples, é o lugar certo para começar. Mas é realmente
um começo, não é para ser qualquer tipo de projeto freudiano que recuse tudo o que
veio depois.

A psicanálise vem com todos os tipos de bagagem, mas o que a neuropsicanálise está
tentando fazer é integrar/reunir a perspectiva subjetiva da mente com a perspectiva
objetiva e externa. A psicanálise, mais do que qualquer outra escola de psicologia,
elaborou métodos e teorias sobre o subjetivo. Tem todo um vocabulário conceitual
derivado de uma metodologia muito sofisticada, que trata a experiência subjetiva
como um objeto em si digno de estudo. A psicologia evolutiva também tenta entender
algo da base biológica ou correlata da mente e do comportamento, mas não dá lugar
privilegiado à experiência subjetiva e ao estudo do sujeito humano. De fato, a psicologia
evolucionista dá lugar privilegiado e não parece ter muita observação de nenhum tipo.
O que estamos querendo manter é a observação da mente do ponto de vista da vida
interior, da experiência subjetiva.

Com relação a abordagens que vão diretamente da mente para o mecanismo neural,
compreendemos que é precisamente o que há de errado com a neurociência cognitiva
e comportamental. Eles têm concepções tão absurdamente simplistas da psicologia
e querem saltar imediatamente para níveis anatômicos e fisiológicos de explicação,
se privando, assim, de tudo o que poderia ser aprendido sobre a mente, do ponto de
vista da experiência. O cérebro possui um aspecto subjetivo – e isso não ocorre ‘para
nada’. Isso reflete algo sobre como essa parte da natureza funciona, o que é diferente
de qualquer outra parte da natureza. E se o profissional não se valer de tudo o que pode
ser aprendido desse ponto de vista, realmente perderá metade do quadro – sua visão
será sempre parcial.

Objetivos clínicos da neuropsicanálise


Pacientes com lesões neurológicas ou distúrbios neurológicos ou os chamados
desequilíbrios químicos que começam a se consolidar no campo da psiquiatria biológica
também precisam ser entendidos psicologicamente. Se você aceitar a premissa que eu
mencionei no início, que o cérebro e a mente são a mesma coisa, então um paciente com
uma desordem cerebral apresentará distorções cognitivas, e essas essas duas condições
(lesões e distúrbios), significa que nunca deve prevalecer uma sobre a outra do ponto
de vista do sujeito, isto é a pessoa que tem o dano cerebral ou ousa um desequilíbrio
químico. Essa pessoa está experimentando algo com que está lutando enquanto está
no mundo, e uma abordagem psicanalítica é necessária. É incrível como os pacientes

56
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

neurológicos são totalmente negligenciados pelos psicoterapeutas e psicanalistas,


porque são relegados ao campo da medicina física. O cérebro deste paciente está
desordenado, o que portanto remete a alusão do corpo desordenado, corpor ou aspectos
comportamentais com os quais que lidamos. Eu acho que parte da neuropsicanálise é
tentar trazer para os distúrbios neurológicos uma abordagem psicanalítica, porque esses
pacientes precisam disso: suas mentes estão destruídas, suas vidas estão de cabeça para
baixo e certamente podem se beneficiar da psicanálise em um ou outro grau, da mesma
forma como qualquer outra alma humana.

Mas, no que se refere à terapia psicanalítica no sentido mais convencional da palavra,


devemos lembrar que nossos procedimentos terapêuticos em psicanálise derivam de
uma teoria de como a mente funciona. Eles só fazem sentido, o que fazemos tecnicamente
como psicanalistas, em relação a um modelo de mente normal e ao que deu errado nas
várias patologias que procuramos tratar. Na medida em que nosso modelo da mente
e seus distúrbios estão errados, nossas técnicas terapêuticas são equivocadas. Então,
acho que, embora compreensível, é uma falsa dicotomia falar de metapsicologia em
oposição ao trabalho clínico. O trabalho clínico deriva da metapsicologia, e qualquer
coisa que possamos fazer para avançar nossa teoria sobre como a mente funciona e o
que dá errado nas várias desordens que tratamos na psicanálise, qualquer coisa que
aprendamos nessa direção, só pode ser em benefício da técnica.

A neuropsicanálise enquadra-se no título mais geral da neuropsicologia: relacionar o


cérebro biológico a funções e comportamentos psicológicos. A neuropsicanálise busca
ainda remediar a exclusão da neurologia clássica da mente subjetiva.

A neuropsicologia, como a neurologia clássica, pretende ser inteiramente


objetiva, e seu grande poder, seus avanços, vêm exatamente disso. Mas
uma criatura viva e especialmente um ser humano é o primeiro e o último
ativo - um sujeito, não um objeto. É precisamente o sujeito, o “eu” vivo,
que está sendo excluído ... O que precisamos agora, e precisamos para
o futuro, é uma neurologia do eu, da identidade (SACKS, 1998. p. 177).

A mente subjetiva, isto é, sensações e pensamentos, sentimentos e consciência, parece


uma coisa completamente diferente da matéria celular que dá origem à mente, tanto
que Descartes concluiu que eram dois tipos totalmente diferentes de material: mente
e cérebro. Assim, ele inventou o “dualismo” da mente, a dicotomia mente-corpo. O
corpo é um tipo de coisa e a mente (ou espírito ou alma), é outra. Mas, como esse
segundo tipo de coisa não se presta à investigação científica, a maioria dos psicólogos
e neurocientistas atuais rejeitou o dualismo cartesiano. Eles tiveram dificuldade
em encontrar uma alternativa, no entanto. A posição oposta, monismo, diz que há
apenas um tipo de material, o cérebro, e as sensações como o vermelho de um tomate
57
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

simplesmente representam o padrão de ativação de certas células cerebrais. Muitas


pessoas acham este monismo simples insatisfatório, porque, na verdade, não lida com o
fato de que o vermelho de um tomate e um padrão de ativação na região V4 do sistema
visual parecem muito diferentes. Preencher essa diferença é o que a neurociência chama
de “o problema difícil” (SOLMS; TURNBULL, 2002).

A neuropsicanálise atende a esse desafio por meio do monismo dualista, às vezes


chamado de perspectivismo. Ou seja, somos monistas. Nossos cérebros, incluindo a
mente, são feitos de um tipo de coisa, células, mas percebemos isso de duas maneiras
diferentes.

Uma é a maneira “objetiva” dos neurocientistas. Eles dissecam o cérebro com bisturi
e microscópio ou olham para ele com varreduras cerebrais e então rastreiam vias
neuroquímicas. A neurologia observa a “mente” de fora, isto é, por meio do exame
neurológico: questionários, o teste de nomeação de Boston ou classificação de
Wisconsin, linhas divisórias, como você usa uma chave de fenda e assim por diante.
Os neurologistas podem comparar as alterações na função psicológica que o exame
neurológico mostra com as alterações associadas no cérebro, post mortem ou por
meio da moderna tecnologia de imagem. O outro caminho é o caminho do leigo ou de
Descartes ou dos psicanalistas. Podemos observar “subjetivamente”, de dentro de uma
mente, como nos sentimos e o que pensamos. Freud refinou esse tipo de observação
em associação livre. Ele afirmou e um século de terapia confirma que esta é a melhor
técnica que temos para perceber funções mentais complexas que a simples introspecção
não revela. Através da psicanálise, podemos descobrir o funcionamento inconsciente
da mente (SOLMS & TURNBULL, 2002).

Áreas de Pesquisa da Neuropsicanálise


Pesquisadores neuropsicanalíticos colocam esses dois tipos de conhecimento juntos.
Eles relacionam o funcionamento inconsciente (e às vezes consciente) descoberto
através das técnicas da psicanálise ou da psicologia experimental aos processos cerebrais
subjacentes. Entre as ideias exploradas em pesquisas recentes estão as seguintes:

»» a consciência é limitada em comparação ao pensamento emocional e


inconsciente baseado no sistema límbico. Os autores Solms e Turnbull
(2002) mostram que tal informação pode ser confundida com a capacidade
da memória de curto prazo;

58
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

»» o pensamento de processo secundário e orientado para a realidade


pode ser entendido como sistemas de controle executivo do lobo frontal
(KAPLAN-SOLMS; SOLMS, 2001; SOLMS; TURNBULL, 2002);

»» sonhos, confabulações e outras expressões do pensamento do processo


primário são manifestações significativas e desejosas da perda do
controle executivo frontal dos sistemas “buscadores” mesocorticais e
mesolímbicos (KAPLAN-SOLMS; SOLMS, 2001; SOLMS; TURNBULL,
2002);

»» a “libido” de Freud corresponde a um sistema de busca dopaminérgico


(PANKSEPP, 2004);

»» os impulsos podem ser entendidos como uma série de emoções básicas


(estímulos à ação) ancoradas em regiões pontinas, especificamente o cinza
periaquedutal, e projetando-se para o córtex: brincar; procurar; fazer
carinho; sentir medo; ter raiva; sentir tristeza. A procura é constantemente
ativa; os outros buscam consumações apropriadas - correspondentes ao
inconsciente “dinâmico” de Freud (PANKSEPP, 2004);

»» decisões aparentemente racionais e conscientes são expulsas do sistema


límbico por emoções inconscientes (LIDEN, 1993);

»» a amnésia infantil (ausência de memória nos primeiros anos de vida)


ocorre porque o hemisfério esquerdo verbal é ativado mais tarde, no
segundo ou terceiro ano de vida, após o hemisfério direito não verbal. Mas
as crianças podem e têm memórias processuais e emocionais (SCHORE,
1999, 2001);

»» as experiências infantis de primeiro ano de apego e as experiências


(aproximadamente) de desaprovação do segundo ano estabelecem
caminhos que regulam as emoções e afetam profundamente a
personalidade adulta (SCHORE, 1999);

»» comportamentos edipianos (observáveis em ​​ primatas) podem ser


entendidos como o esforço para integrar sistemas de luxúria (dirigidos
pela testosterona), amor romântico (dirigido pela dopamina) e apego
(dirigido pela oxitocina) em relação a pessoas-chave no ambiente.
As diferenças entre os sexos são mais baseadas na biologia e menos
orientadas para o ambiente do que Freud acreditava (FREUD, 2007);

59
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

»» as diferenças entre os sexos são mais baseadas na biologia e menos


orientadas para o ambiente do que Freud acreditava.

Hipoteses interessantes na escopo da neuropsicanálise (DAMASIO, 1994).

Hipótese do marcador somático – A hipótese do marcador somático consiste


em sensações corporais que são justapostas à capacidade do cérebro de
visualizar eventos e, assim, modificar a maneira como o cérebro processa um
comportamento futuro. Os marcadores somáticos são derivados de sensações
corporais viscerais e não viscerais. Os sentimentos do corpo (sentimentos
intestinais) funcionam como sinais somáticos automatizados quando um
indivíduo é confrontado com um problema que pode ter um resultado negativo
ou positivo. Marcadores somáticos provavelmente influenciam a eficiência
do processo de tomada de decisão. Eles são adquiridos pela experiência, sob
o controle de um sistema de preferências internas e sob a influência de um
conjunto de circunstâncias externas, que incluem não apenas entidades e
eventos com os quais o organismo deve agir, mas também convenções sociais
e regras éticas.

Eu neural - O “eu neural” é baseado nos primeiros sinais corporais em evolução


e desenvolvimento que ajudaram a formar um conceito básico de self. Esse
conceito básico forneceu a referência básica para o que quer que tenha
acontecido com o organismo. Inclui os estados corporais atuais que são
incorporados continuamente, e prontamente se tornam estados passados.
A reativação contínua de representações de eventos-chave na autobiografia
de um indivíduo forma uma noção de identidade que pode ser reconstruída
repetidamente em conjunto com a ativação de memórias categóricas que
definem um indivíduo. O eu neural consiste em eventos significativos da
autobiografia e dos sinais corporais de um indivíduo, que englobam estados
corporais e emocionais passados e presentes. A cada momento, o estado do
self é construído a partir do zero, é um estado de referência evanescente tão
continuamente e consistentemente reconstruído que o proprietário nunca sabe
que está sendo refeito.

Zonas de conversão – Ao considerar a relação entre as imagens e o cérebro,


Damasio postula um espaço de imagem no qual todos os tipos sensoriais
ocorrem e um espaço disposicional no qual as memórias disposicionais podem
ser reconstruídas em memória. Damasio propõe que as disposições sejam
mantidas em um conjunto de neurônios chamado zonas de conversão. Para a
divisão de cognições entre um espaço de imagem e um espaço disposicional

60
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

corresponde uma divisão do cérebro em: 1) mapas de padrão neural, ativados


nos primeiros córtices sensoriais, os chamados córtices límbicos e alguns núcleos
subcorticais, e 2) zonas de conversão, localizadas nos córtices de ordem superior
e em alguns núcleos subcorticais. Hipótese: as zonas de conversão consistem
em um conjunto funcional de neurônios de terceiros, que representa regiões
corticais e subcorticais do cérebro envolvidas no ato de perceber e respondem
a imagens cerebrais e objetos externos. Damasio faz uma comparação entre
seus pontos de vista sobre a base neural da consciência com os de Edelman, a
saber, o reconhecimento de um eu biológico imbuído de valores, sentimentos e
emoções, não muito diferente dos de Edelman.

Damasio apresenta algumas conclusões a respeito do problema mente-corpo: a mente


consciente e suas propriedades constituintes são entidades reais, não ilusões, e devem
ser investigadas como experiências pessoais, privadas e subjetivas que são. Damasio,
no entanto, não prossegue sugerindo como a mente consciente deve ser investigada,
embora pareça reconhecer a incapacidade da neurociência de fazê-lo. Similarmente,
ele alega que mantem dois níveis de descrição, um para a mente e outro para o cérebro.
Essa separação é uma simples questão de higiene intelectual e, mais uma vez, não é
resultado do dualismo. Mantendo níveis separados de descrição, ele não sugere que
existam substâncias separadas, uma mental e outra biológica. Simplesmente reconhe
a mente como um alto nível de processo biológico, que requer e merece sua própria
descrição por causa da natureza privada de sua aparência e porque essa aparência é a
realidade fundamental que desejamos explicar. Damasio, portanto, admite que a mente
exige e merece sua própria descrição, mas falha em elaborar uma maneira de fazê-lo
(DAMASIO, 1994).

No decorrer de sua vida profissional - de um único sofá, assim podemos dizer - durante
um período de cerca de 50 anos, Sigmund Freud foi capaz de desenvolver uma teoria da
mente humana que permanece pertinente até os dias atuais, apesar do forte criticismo
contra à psicanálise. Esta é uma realização que excede as contribuições totais das
subdisciplinas afiliadas da neurociência juntas. Martin (2002) classifica Sigmund
Freud como o sexto cientista mais influente na história da ciência.

Acreditamos que a teoria estrutural de Freud se encaixa nos critérios de Einstein para
uma teoria sej válida. O id, o ego e o superego são conceitos funcionais do aparato mental,
que lidam com os impulsos libidinais e agressivos, baseados na biologia, em dimensões
inconscientes e conscientes. A aplicação da teoria da estrutura foi responsável pela mais
ampla gama de fenômenos humanos, abrangendo sentimentos, conflitos de emoções e
os processos de pensamento entrelaçados a eles. O próprio Freud não teve nenhum
problema em modificar suas teorias. Quando ficou aparente que os mecanismos de

61
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

defesa mental tinham um componente inconsciente, Freud abandonou a teoria tópica


da mente (inconsciente, pré-consciente, consciente), e acabou substituindo-a pela
teoria estrutural.

Os psicanalistas clássicos pós-freudianos que usam o método psicanalítico de


associação livre desenvolveram diferentes conceitos como “conflito e formação de
compromisso” e passaram da teoria estrutural tripartida para simplesmente se referir
à mente de alguém. Brenner (1974) afirma que ao longo do curso da vida, a mente
das pessoas se esforça para alcançar gratificação prazerosa dos desejos sexuais e
agressivos em questão e, ao mesmo tempo, para evitar o desprazer associado. Todo
pensamento, plano, fantasia, ação e assim por diante é um compromisso entre esses
dois imperativos, e deve ser entendidos como tal. A atividade mental para sempre é
governada por esforços simultâneos de oposição para obter prazer e evitar desprazer
em conexão com os desejos sexuais e agressivos que são tão claramente identificáveis​​
por volta dos três anos de idade. A formação de compromisso tornou-se a regra na vida
mental. O ponto que quero enfatizar é que o método psicanalítico de associação livre é
caracterizado pela evolução contínua.

O processo funcional do pensamento foi descrito por Einstein, apresenta como cerne
o questionamento: ‘O que precisamente você está pensando?’ Quando no processo
de recepção das impressões sensoriais, cada membro de tais imagens – através da
memoria – forma sequências as quais evocam outras imagens, esse processo não é
‘pensando’ de forma consciente. Uma certa figura aparece em muitas sequências,
e então precisamente por tal retorno, ela se torna um elemento organizador de tais
sequências, na medida em que conecta sequências em si mesmas não relacionadas
umas às outras. Acho que a transição da associação livre de sonhar para pensar é
caracterizada pelo papel mais ou menos preeminente desempenhado pelo conceito.
Não é de modo algum necessário que um conceito esteja ligado a um signo (palavra)
reconhecível e reproduzível, mas, quando esse é o caso, o pensamento torna-se capaz de
ser comunicado. Não há dúvida de que nosso pensamento ocorre na maioria das vezes
sem o uso de signos (palavras) e, além disso, em um grau considerável inconsciente.
Embora Einstein estivesse discutindo o pensamento consciente, ele estava claramente
consciente dos determinantes inconscientes do processo de pensamento. E afirmou que
era capaz de reconhecer o fracasso do axioma do caráter absoluto do tempo, ou que a
simultaneidade estava enraizada no inconsciente. Einstein estava se referindo a um
contexto astronômico em que o que se vê não está acontecendo no momento em que se
vê. Ele afirmou que esse reconhecimento levou-o à sua teoria da relatividade especial e,
posteriormente, à teoria geral da relatividade (EINSTEIN; SCHLIPP, 1991).

62
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

A neurociência abrange campos de investigação diferentes e geralmente separados. Os


neurocientistas, cujas contribuições para a questão do corpo-mente descritas ao longo do
material didático de nossa disciplina, frequentemente se referiam e relacionavam suas
próprias descobertas às contribuições de Freud. Nenhum deles, no entanto, considera
a psicanálise como a técnica de pesquisa que produziu as contribuições de Freud para
a compreensão da atividade mental e do comportamento humano. Kaplan-Solms se
reporta a Freud para afirmar que aquilo que distingue a psicanálise como ciência não é
o material que ela manipula, mas a técnica com a qual ela funciona (KAPLAN-SOLMS
& SOLMS, 2000).

A psicanálise é muito mais que uma modalidade de tratamento. É uma técnica que
continua sendo o instrumento mais poderoso disponível para explorar a mente que está,
afinal, alojada no corpo. Podemos argumentar, portanto, que a pesquisa psicanalítica
justifica o apoio à pesquisa dado a outros campos de investigação incluídos sob o título
de neurociência. A extensão da aceitação da teoria dos sonhos deu a Freud um pequeno
motivo de satisfação até mesmo pelos muitos psiquiatras e psicoterapeutas que se
beneficiaram do conhecimento adquirido sem serem gratos. De um modo análogo,
os psiquiatras e neurocientistas biológicos de hoje pelo menos aquecem as mãos em
um incêndio. A psiquiatria biológica é dominante hoje, mas, num passado não muito
distante, um número substancial de psicanalistas estava na psiquiatria acadêmica e
envolvido no treinamento de residentes. Muitos institutos psicanalíticos de hoje ainda
têm afiliações com departamentos de psiquiatria de faculdades de medicina. O custo de
pagar pela pesquisa psicanalítica é relativamente pequeno por causa da simplicidade do
local de sua realização - que é basicamente isento do alro custo da tecnologia (embora a
tecnologia possa ser empregada em menor escala). Contudo o método psicanalítico de
associação livre tem sido historicamente produtivo para a compreensão do pensamento
e comportamento humanos, o que, em grande parte, não traz ou chama atenção para o
uso de alta tecnologia no escopo da psicanálise. A integração do método psicanalítico
na neurociência tem o potencial de sinergizar projetos neurocientíficos.

Neuropsicopegagogia: um novo olhar sobre a


diversidade no ambiente educacional
A neuropsicopedagogia é uma ciência nova que estuda o sistema nervoso central,
bem como sua complexidade. Através de bases científicas, entendam que a
neuropsicopedagogia vai contribuir com a pedagogia para que professores e educadores,
assim como os profissionais da equipe multidisciplinar possam entender que existe
uma biologia cerebral, que existe uma anatomia e uma fisiologia em um cérebro que
aprende.

63
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

A neuropsicopedagogia dialoga com as demais ciências, pois entendemos que precisamos


de bases científicas para que possamos compreender melhor o indivíduo.

De que maneira a neuropsicopedagogia pode nos ajudar?

No entendimento:

»» estrutural;

»» funcional;

»» patológico;

»» comportamental.

Quesitos que se referem à memória, ao humor, à atenção, ao sono, ao comportamento


geral.

Claro que tivemos grandes incentivadores na neurociência.

E a neurociência começa no século XIX com dois grandes cientistas, Hitzig e Fritsch,
que, por meio de estímulos cerebrais, conheceram e perceberam que todo o cérebro
responde efetivamente a mudanças.

Logo em seguida, tivemos uma grande contribuição de Ramon Cajal que com seus
ensinamentos pode nos oferecer a visão de que estímulos são proporcionados por meio
das sinapses neurais.

Eric Kandel, um grande cientista, aliás, considerado o pai da neurociência, afirma que
somos produto das nossas sinapses. E vai além ao dizer que somos quem somos em
função daquilo que aprendemos e do que lembramos.

Kandel nos traz uma fala muito importante que faz uma ponte entre a psiquiatria,
a biologia cerebral e a terapêutica. Segundo ele, nem tudo se explica por conflitos
psíquicos nem por neurotransmissores alterados. O que ele quis dizer é que nossos
cérebros podem se alterar, se curar e mudar.

Pode-se, em tese, dizer que o cérebro tem a capacidade de mudar com novas
aprendizagens, novas conexões.

Uma outra tendência muito forte é a rotulação do indivíduo. E a neuropsicopedagogia


vem exatamente contribuir com um olhar de inclusão para que possamos entender
como esse sistema nervoso funciona. Dessa maneira, a neuropsicopedagogia perpassa

64
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

as interfaces importantes para que outros profissionais possam entender como essa
estruturação tem a relação do funcionamento do cérebro.

Vamos destacar a primeira base científica no processo do aprender que se encontra


relacionada às bases químicas e físicas na função neural. Por conseguinte, essa estrutura
química e física vai funcionar exatamente em uma estrutura celular que investiga a forma
como esse sistema funciona, de modo que ele possa receber, transmitir e decodificar
informações.

Fluxograma 1. Organização do sistema nervoso.

Sistema nervoso

Sistema nervoso Sistema nervoso


central (SNC) periférico (SNP)

Encéfalo Somático Autonômo

Medula
Simpático Parassimpático
espinhal

Fonte: Própria autora.

O sistema nervoso central (SNC) recebe, analisa e integra informações. É o local onde
ocorrem a tomada de decisões e o envio de ordens. O sistema nervoso periférico (SNP)
carrega informações dos órgãos sensoriais para o sistema nervoso central e do sistema
nervoso central para os órgãos efetores (músculos e glândulas). O SNC divide-se em
encéfalo e medula. O encéfalo corresponde ao telencéfalo (hemisférios cerebrais),
diencéfalo (tálamo e hipotálamo), cerebelo, e tronco cefálico (que se divide em: bulbo,
situado caudalmente; mesencéfalo, situado cranialmente; e ponte, situada entre ambos).

65
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Quadro 1. Funções dos componentes do sistema nervoso.

Córtex Cerebral Pensamento, movimento voluntário, linguagem, julgamento e percepção


Cerebelo Movimento, equilíbrio, postura e tônus muscular
Tronco encefálico Respiração, ritmo dos batimentos cardíacos e pressão arterial
Mesencéfalo Visão, audição, movimento dos olhos e movimento do corpo
Tálamo Integração sensorial e integração motora
Sistema límbico Comportamento emocional, memória, aprendizado, emoções e vida vegetativa (digestão, circulação, excreção etc.).

Fonte: Adaptado de Relvas (2010).

Os neurônios são portadores de sinais carregados de informações e significados /sinais


que trafegam a mensagem por todo o sistema neuronal do corpo humano. Isto é realizado
graças aos nervos motores que conduzem seus sinais a centenas de quilômetros por
hora. Essas mensagens são codificadas em padrões flexíveis transmitidos por sinais,
visões, sons, movimentos etc.

Sua estrutura é composta por três partes distintas: corpo celular, dentritos e axônios.

Dendrito: recebe impulsos nervosos enviados para o corpo celular.

Corpo celular: região onde se localiza o núcleo celular e o corpúsculo de Nissl. O


impulso se propaga para o axônio.

Corpúsculo de Nissl: região intensamente destacada no corpo celular. Lá ocorre


grande produção de proteínas.

Axônio: após o impulso passar no corpo celular, ele se propaga através do axônio
até a sinapse.

Bainha de mielina: envolve o axônio e é constituída por fosfolípides. Potencializa


a transmissão dos impulsos nervosos.

Célula de Schwann: anexa ao neurônio, ajuda na produção da mielina.

Sinapse: é a junção entre dois neurônios. A passagem do impulso se deve à


liberação de neurotransmissores químicos.

66
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

Quadro 2. Habilidades associadas à especialização de cada hemisfério.

HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO


Escrita à mão Relações espaciais
Símbolos Figuras e padrões
Linguagem Computação matemática
Leitura Sensibilidade a cores
Fonética Canto e música
Localização de fatos e detalhes Expressão artística
Conversação e recitação Criatividade
Seguimento de instruções Visualização
Escuta Sentimentos e emoções
Associação auditiva

Fonte: Adaptado de Silva (1995).

Quadro 3. Formas de consciência de cada hemisfério.

HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO


Lógico Holístico
Sequencial Intuitivo
Linear Concreto
Simbólico Orientado à fantasia
Baseado na realidade Não verbal
Verbal Atemporal
Temporal Analógico
Abstrato

Fonte: Adaptado de Silva (1995).

Recentes avanços das técnicas de neuroimagem possibilitam localizar e acrescentam


evidências sobre a correlação entre as funções cognitivas e o funcionamento cerebral.
O aprimoramento da neuroimagem permitiu uma minuciosa identificação das áreas
cerebrais causando uma ampliação dos objetivos da avaliação neuropsicopedagógica.

O que antes era o foco da avaliação neuropsicológica, hoje, foi ampliado e a busca não é
apenas identificar o local de uma lesão, mas também a dimensão e o impacto cognitivo
e comportamental do prejuízo cerebral, possibilitando que futuras intervenções
promovam a adaptação emocional e social dos atendidos acometidos por alguma
patologia.

Existem diferentes objetivos aos quais uma avaliação neuropsicopedagógica pode ser
solicitada:

»» auxilio diagnóstico;

»» prognóstico;

»» orientação para o tratamento;


67
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

»» auxílio no planejamento de reabilitação;

»» seleção de pacientes para técnicas especiais como cirurgias de risco ou


medicações de alto custo;

»» pericia.

No auxílio diagnóstico, uma avaliação estabelece o correlato neuroanatômico com o


desempenho cognitivo e funcional observado a partir de alterações e manutenções deles.
O objetivo neste caso é confirmar ou descartar e/ou refutar as hipóteses diagnósticas
que explicam os sinais e sintomas apresentados pelo nosso atendido/paciente. Nesse
sentido, a avaliação é de grande relevância para o processo de diagnóstico diferencial
no qual relatos subjetivos das alterações cognitivas não auxiliam para diferenciar entre
as diversas possibilidades diagnósticas. Por exemplo, em casos de pacientes idosos
com prejuízos cognitivos cujos resultados dos exames de neuroimagem e dos testes
laboratoriais são insatisfatórios para explicar as causas dos prejuízos que poderiam ser
decorrentes de um quadro depressivo ou de uma síndrome demencial em fase final
(KOLB, 2002).

Entender o comportamento humano nunca foi uma tarefa fácil. Vivemos hoje em uma era
de grandes transformações. Desse modo, fobias, estresse, anorexia, depressão, exclusão
social e discriminação – só para citar algumas questões –, ocorrem, e a psicologia é a
ciência que busca compreender esses fenômenos psíquicos e o comportamento humano.

A personalidade é compor por paradigmas que temos que desconstruir, cotidianamente,


em nosso exercício profissional.

De onde vem tanto receio?

Se começarmos a pensar nas abordagens existentes na psicologia, constataremos que


sempre houve um desconforto, um olhar ou fala de acusação, de descrédito.

Ora, não estamos nos dedicando à psicologia clínica com o intuito de obter unanimidade.
Pensamos que discordar é saudável e um direito dentro de um sistema democrático. Por
outro lado, se faz necessário conhecer para só então emitir uma opinião, pensamento,
ideia – quer seja de apoio ou de repulsa. O importante é que seja feito com critério e
fundamento; e sem generalizações.

Observamos que algumas pessoas têm uma experiência com o profissional X ou Y, da


abordagem Z e que não foi o que ela esperava ou até mesmo que – de acordo com a
pessoa, não foi bom. Pode ter sido rápido demais, não houve a atenção esperada, não

68
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

aconteceu o acolhimento, enfim, não houve a formação de vínculo. Sejamos realistas,


não há como ter a formação do vínculo terapêutico na anamnese.

A epistemologia, ou teoria do conhecimento, é a área que se ocupa do conhecimento


humano, definição que é pouco ou quase nada. Então, a melhor forma de abordar a
epistemologia da psicologia clínica é através do saber científico aprofundado em nossa
área.

O problema da definição do conhecimento é analisar a própria natureza do


conhecimento. O que é o conhecimento da área da psicologia clínica? Qual a diferença
entre o conhecimento e uma mera opinião ou crença? Até que ponto o senso comum
interfere com o saber científico da neurociência?

O problema da definição do conhecimento é, portanto, compreender o significado do


conceito de conhecimento e o que distingue conhecer algo, de ter apenas uma opinião
sobre algo.

Esse problema vai suscitar outros e tocar em outras subáreas da epistemologia. Por
exemplo, pense numa teoria clássica da epistemologia que defende que conhecimento
envolve algo com justificação. Ou seja, alguém conhece algo, quando está justificado
para acreditar naquilo.

Qual a natureza da justificação?

Qual a estrutura da justificação?

Outro ponto importante, ao abordar a epistemologia da neuropsicopedagogia é


identificar quais as fontes do conhecimento. Existem várias formas de obtenção do
conhecimento.

Podemos citar que o conhecimento é alcançado através da percepção, da memória, de


vivências, introspecção e razão.

A questão das fontes de conhecimento é saber:

»» que fontes são essas?

»» quando podemos usá-las com segurança?

Ou seja, os neurocientistas têm fontes de conhecimento confiáveis, caso contrário as


neurociências não seriam uma ciência.

Então, quando nos defrontarmos com pessoas céticas em relação à importância da


psicologia clínica, a leitura que poderá ser feita é que, agindo com base nesse pressuposto

69
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

a pessoa diz, mesmo que inconscientemente, que é impossível ter conhecimento sobre
o mundo.

Os cenários céticos visam questionar os supostos casos de conhecimento. Devemos


aqui pontuar que os supostos decorrem da interpretação pessoal do indivíduo cético.
Ou seja, o cético é um negativista. E, agindo assim, aprisiona sua possibilidade de
autoconhecimento e de desenvolvimento pessoal, à medida que limita o poder de
expansão de seus conhecimentos e permanece com conceitos arraigados.

A frase ‘pensar fora da caixa’ ou ‘think outside the box’ obviamente não pode ser
aplicada aos céticos de plantão. Eles funcionam de acordo com a imagem apresentada,
que remete a um cérebro enjaulado ou ‘caged brain’.

Figura 1.

Fonte < http://aarondelolmo.blogspot.com/2014/08/desarrollo-cerebro-lenguaje-estadistica.html> Acesso em: 27 de maio de


2019.

Antes de prosseguir com mais informações acerca da neurociência no Brasil, é de


extrema importância fornecer um breve cenário do que estava acontecendo ao redor do
mundo paralelamente ao que se desenvolvia em nosso país:

»» O marco da psicologia experimental e positiva ocorreu em 1879, na


Alemanha, mais, precisamente na Universidade de Leipzig, quando
Wilhelm Wundt criou o primeiro laboratório de psicologia, buscando,
dessa forma, distanciar o saber psicológico da mera especulação.

»» Já em 1884, Francis Galton criou, na Universidade de Londres, na


Inglaterra, um laboratório de psicometria, com o objetivo de avaliar e
mensurar as questões ligadas à cognição. Devemos aqui ressaltar que o

70
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

laboratório de Galton, alcançou projeção no século XX, quando Binet e


Simon desenvolveram a primeira escala métrica da inteligência infantil.
Essa experiência obteve sucesso e foi implantada em outros países, dentre
eles, o Brasil.

»» Em 1916, nos Estados Unidos, Lewis Terman fez uma releitura da escala
Binet & Simon e deu origem ao cálculo do quociente intelectual (QI), que
fomentou o trabalho e a aceitação com testes.

Em 1923, foi criado o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho


de Dentro. Este laboratório foi desenvolvido no então Hospital Psiquiátrico Pedro II
como era chamado na década de 1990. Mas, seus nomes foram muitos, tais como:
Hospício de Pedro II (1841); Hospício Nacional de Alienados (1890); Hospital Nacional
de Alienados (1911). Atualmente, ele é conhecido como Instituto Municipal Nise da
Silveira. Aqui nos deparamos com o divisor de águas em relação à regulamentação da
psicologia em nosso país, pois o diretor do laboratório, o psicólogo polonês Waclaw
Radecki (1887–1953), desenvolveu em 1932 o primeiro projeto para o curso de formação
de profissionais psicólogos.

Ou seja, já havia a configuração de um currículo de formação para psicólogos na década


de 1930 em nosso país e o laboratório foi transformado em um Instituto de Psicologia,
sendo uma referência nacional e internacional. Contudo, o projeto não foi adiante e o
laboratório teve suas atividades encerradas, por pressões médicas e religiosas.

Essas alternativas se complementam e se enriquecem mutuamente e, ao ser estabelecido


esse movimento continuum; o fazer científico tem seu olhar aprimorado, favorecendo
o caráter holístico e diminuindo a possibilidade de ocorrência das fragmentações. Um
exemplo são as propostas de projetos de saúde mental voltadas, cada dia mais, para
o viés da interdisciplinaridade. Esse fato torna a atuação do psicólogo clínico menos
isolada e individualista, ampliando o escopo do observador para horizontes maiores
dentro do estudo de cada caso atendido.

Desse modo, temos a socialização da clínica que até há pouco tempo era vista como algo
elitista, com todos os estereótipos e equívocos já mencionados.

Os processos de significação = linguagem.

Os processos de expressão de sentido = são mais nebulosos, não sabendo ao certo o que
são.

71
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Emergem questões no setting terapêutico, tais como: o que está acontecendo? Nesse
momento, o sentido do acontecimento está fugindo. Esse é o ponto nevrálgico. E é nesse
momento que as aventuras das formas do saber titubeiam.

Devemos questionar sempre. Portanto, tais pontuações: Que sentido dar a essa
destruição que está ocorrendo, no governo ou numa clínica? Que sentido está pulsando,
que eu não consigo entender. Por que eu tenho as significações não verbais dos gestos?
Mas, o sentido não se esgota naquilo que estou dizendo. Esse tipo de situação está
embutido na construção da clínica.

Assim, observamos que o interesse por encontros implica a abertura sensível, intelectual
e ética, ao encanto problemático de acontecimentos onde ocorrem processos de
objetivação, de subjetivação, de significação e de expressão de sentidos. E aqui temos
que indicar a leitura do livro Lógica do Sentido de Gilles Deleuze, de acordo com Bruno
(2004), onde o autor narra a relação entre a palavra e a subjetivação. Deleuze amplia
nosso olhar para a filosofia da diferença.

Essa obra de Gilles Deleuze aborda a fenomenologia do sentido/acontecimento. O


acontecimento sentido no corpo e que se manifesta na linguagem, até o ponto extremo
e visível de suas efetuações empíricas. O sentido na linguagem, para mais além
do sentido para um sujeito. Ao não se contentar com as conformações empíricas,
fenomenológicas, dos seus objetos de estudo, Deleuze busca avançar ao lugar mesmo
em que sequer há sujeito e objeto formados e atingir o âmbito de uma ontologia. Não
basta que atinemos com as efetuações empíricas e atuais concernentes ao sentido como
acontecimento. É preciso ir mais longe, correr todos os riscos e adentrar o domínio
estritamente ontológico em questão: o que é o sentido enquanto acontecimento? O que
o constitui? De maneira ainda mais explícita: de que ele é feito?

Quando dizemos uma palavra, há uma subjetivação. Exemplificando, com a palavra


casa. O que sentimos ao verbalizar essa palavra?

Pensamentos sobre a subjetividade – “Minha vida não tem sentido”. “Preciso de um


sentido para a existência”. “Ajude-me a dar um rumo a minha vida”.

Todos, certamente, já ouviram frases similares que demonstram, a certo modo, a


necessidade premente de que a vida se preencha de significado, de direção. A pessoa
está à deriva.

Sentido pode ser entendido como algo que está interligado em um todo de valores
como membro constituinte ou, de forma mais clara, o sentido é o que contribui para a

72
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

realização. Amplia-se, assim, a função da psicologia clínica, de apenas explicativa para


algo compreensivo.

A construção da subjetividade provém desde o momento em que somos lançados ao


mundo, que assinala que as escolhas do ser humano são mínimas. E, a isso, não devemos
chamar de pessimismo sem antes conhecer e compreender a obra deste pensador, que
nos convida a compreender a construção da subjetividade como um processo anárquico,
à medida que a existência é libertária, pois o ato de existir precede a essência. Ou seja,
não somos predeterminados por algo ou alguém.

A ideia de essência como algo anterior ao ser não existe. Isso só acontece depois do
ser. Primeiro a gente existe, depois a gente se torna. E vamos viver e desenvolver a
nossa essência. Não tem algo que está além do ser que irá fundamentar no que esse
constructo irá se tornar.

Segundo Jean-Paul Sartre, não existe uma razão, não existe uma natureza humana
que vai definir no que vamos nos tornar. Na visão de Sartre, portanto, a vida não tem
sentido algum antes do sentido que o próprio sujeito da ação dá e ela.

O homem primeiramente existe. Surge no mundo e só depois se define. Não há nada


antes dele que possa definir o que ele será.

E, nesse ponto, se estabelece uma diferença entre o ser humano, o objeto e o animal.

O ser humano é um ser que surge no mundo, ele existe e posteriormente decide o que
será. E isso vai mudando. Diferentemente do objeto, que é pensado para servir, o ser
humano tem uma essência. Como se constrói um copo? Qual o formato, a cor, de qual
material ele será feito, que líquido será tomado nele. Essa existência tem uma previsão
anterior. Diferente do humano que não tem como prever ou decidir antes.

Em sua obra, Skinner discorre acerca dessa questão. Já o animal não é como o ser
humano, pois o animal vive o instinto. O animal não vê além da condição de estar vivendo
e de repetir o que os outros animais fazem – isso quando alguém não decide manter
esse animal aprisionado em um zoológico ou sendo explorado, abusado, maltratado em
alguém circo: exposto em sua magnitude aos olhares que pedem entretenimento. Fora
esse contexto, o natural é que o animal interaja com seus pares e viva a plenitude de sua
existência instintiva.

Outro exemplo: se existe uma insatisfação com o trabalho, mas a pessoa não sinaliza
isso. Desse modo, através do calar-se, ela faz sua escolha.

73
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

O não verbalizar não representa neutralidade. Pode, sim, representar em determinados


casos o não pertencimento a uma situação que extrapola a vertente do pessoal. E não
falar é uma escolha. Valida, sim, contudo, a compreensão de que ao não falar, ao não
verbalizar, ao não decidir, ninguém pode se ausentar do ato de escolher.

Escolhemos, a todo momento, ser aquilo que somos, ou que pensamos ser.

Todo ser humano vive em sociedade. Assim, pode-se dizer que todo homem é um ser
social. Para entender essa colocação, temos que compreender quem é o ser humano e
por que é necessária uma ciência para estudá-lo.

O ser humano não é apenas um conjunto de componentes físicos e orgânicos, ele é


também um ser que pensa, sente, se relaciona com o outro, modifica a natureza ao seu
redor e cria.

Para atuar no mundo em que vive, o ser humano precisa passar por um aprendizado
que lhe permita ter um comportamento adequado à convivência com outros seres iguais
a ele. Não seria essa a raiz de todos os males aos quais o homem se submete de forma
alienada aos pré-requisitos e julgamentos que surgem do outro?

Afinal, somos o que se encontra dn interior da noz, ou apenas a sua casca? As cascas
enganam. As máscaras enganam.

Nascemos sós, traçamos um percurso de trocas, quer sejam caracterizadas por um bom
encontro ou meros esbarrões com o outro, porém, o fato é que a finitude é de cada
um. Por mais que o processo de desenvolvimento traga pessoas ao nosso convívio, as
quais, às vezes, buscamos de forma utópica agradar a qualquer preço, avaliamos o custo
dessas lacunas do que querem em nossa vida?

O comportamento objetivo é o que mais se faz presente em nosso cotidiano. Vivemos para
metas, resultados determinados, produtos. Enfim, os processos vão sendo esquecidos.
Nessa relação do indivíduo com a objetividade acontece quase que naturalmente a
questão da coisificação. Leia a obra de Martin Buber (1979) intitulada ‘Eu e Tu’ para
aprofundar esse constructo.

Ou seja, coisificar é atuar exclusivamente para aquilo que se quer, aquele resultado que
se quer colher, e o resultado acaba sendo o produto, e o produto acaba sendo a coisa.
Então, a atuação dentro da neurociência necessita muito mais da subjetividade e da
objetividade para uma questão organizadora que veremos mais adiante.

Quando estamos acostumados a trabalhar com a coisa – o It – o produto, acostumados


à busca de um produto, nos afastamos naturalmente das questões subjetivas. Uma vez

74
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

que nos afastamos delas, nos afastamos também da clínica, já que é uma área constituída
pela subjetividade.

Fazemos então falsas escolhas. Desejos são construídos na questão da coisa, daquilo
que pode me dar prazer imediato. A coisa parece ser o prazer imediato, já que está
vinculada a nossa sociedade de consumo.

Consumir por consumir dá a ilusão de que nos tornamos pessoas, na eminência de que
consumir agrega coisas ao seu cotidiano, a sua vida. O valor que é dado, não é mais
atribuído ao sujeito, pois a relação com o sujeito é diretamente baseada na subjetividade.
Portanto, não é mais o sujeito que conta, mas o indivíduo que possui, que parece ser.

A liberdade de escolha é absoluta, isso quer dizer que ela não é condicionada por
qualquer determinação anterior. Assim, se quisermos insistir na necessidade ou na
conveniêniencia de uma definição de realidade humana, essa definição só poderia ser
uma: liberdade. O homem é liberdade. Isso quer dizer que ele não a tem, como uma
qualidade, um atributo, uma faculdade, como pensava a filosofia clássica. A liberdade é
ele mesmo. Ou seja, a liberdade e a subjetividade são idênticas.

Percebemos, então, que a liberdade não é uma definição, ao passo que ela não nos diz o
que o ser humano é. Ela abre possibilidades, para que ele escolha o que virá a ser.

Pelo fato de sermos liberdade, a única escolha que não podemos fazer é a de deixarmos
de ser livres. Diante disso a frase emblemática de Sartre ‘o homem está condenado a
ser livre’ expressa uma relação certamente paradoxal entre liberdade e fatalidade. É
como se nós disséssemos que somos fatalmente livres ou que estamos destinados a ser
livres. Isso parece uma contradição, mas é a forma pela qual a filosofia da existência nos
diz que não podemos escapar da nossa própria liberdade.

Outra consequência ética é a liberdade originária que implica em uma responsabilidade


total. Na verdade, sempre se soube que a responsabilidade é a contrapartida da
liberdade. Quase todas as teorias éticas dizem isso, porque somente aquele que é livre
pode ser responsabilizado pelas suas ações.

Alguém que esteja determinado a agir a partir de uma força a qual ele não poderia
resistir, este certamente não pode ser considerado como responsável. Talvez por isso as
teorias éticas sempre procuraram remeter a nossa liberdade ou grau em que exercemos
a nossa liberdade em uma instância de onde ela proviria e com a qual poderíamos
dividi-la, pois, dessa forma, dividimos sobretudo a nossa responsabilidade. Ela pode
ser dividida com Deus, com a sociedade, com as minhas tendências naturais, com o

75
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

meu inconsciente, com o meu partido. Não importa, se a minha liberdade não for total
não serei totalmente responsável.

Nesse sentido, o existencialismo é difícil, pois a liberdade e a responsabilidade são vistas


de uma maneira originária e muito radical. O homem está só, surge gratuitamente no
mundo, desaparece do mesmo modo, nada explica, não tem fundamento, não possui
raízes metafísicas, nem naturais. É nessa solidão e nesse desamparo que o homem
exerce a liberdade e na qual ele é inevitavelmente responsável por tudo.

Na verdade, para o existencialismo, o homem é responsável pelos outros e por si mesmo


também, porque não havendo valores universais previamente determinados a que se
possa recorrer como critério de escolha; cada vez que um homem escolhe, cada vez
que exerce um ato livre, ele escolhe também o critério e o valor a partir do qual esse
ato é efetuado. E esse valor que surge com a liberdade é único, não pré-existia. E, ao
mesmo tempo, é particular, fruto de uma escolha pessoal, mas, também, universal, pois
exprime tudo aquilo que se possa demonstrar ao nível de critério moral.

Ao exercermos a nossa liberdade por nós mesmos e ao inventar valores e critérios dessa
liberdade, atingimos, nessa invenção, tudo aquilo que podemos atingir. Nada mais há
ao que possamos recorrer, nada mais que possamos esperar.

O critério humano do meu ato só vai existir no meu próprio ato. E através da minha
própria escolha. E, portanto, se há algo de universal nos critérios e nos valores
morais que orientam a nossa conduta, essa universalidade não vem de uma instância
transcendente ou de algo que seja diferente de nós. Ela vem de nós mesmos. Uma
espécie de singularização de universalidade que procuramos viver.

Problemática nos remete ao questionamento: dentro dos mais diversos conhecimentos,


temos técnicas que são utilizadas como manejo de conflitos, mas não podemos esquecer
que as técnicas servem à aplicação do estudo e da pesquisa acerca de determinada
situação.

A identificação do problema nos ajudará a escolher como intervir para auxiliar no bem
estar do nosso atendido/paciente.

Sendo assim, problematizar requer:

»» identificar o problema (ou queixa principal);


»» elaborar hipóteses;
»» usar testes psicológicos ou escalas (caso seja necessário);
»» escolher as técnicas mais eficazes à demanda do nosso atendido.

76
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

A problemática da técnica reside no conceito de intencionalidade.

O conceito de intencionalidade é extremamente importante e interessante em termos


da fenomenologia.

Agora, há muita confusão em torno desse conceito. Principalmente, sobre a consciência


de algo, a consciência de um objeto. E o objeto que só é objeto para uma consciência.

Ou seja, o modo fenomenológico de nós sermos, no modo pré-reflexivo de nós sermos,


não faz mais sentido falar em sujeito e objeto.

A consciência que se remete ao objeto, o objeto que se remete ao sujeito. Isso seria
intencionalidade.

A vivência do modo pré-reflexivo, fenomenológico, existencial e dialógico de sermos,


compreensivo e implicativo, ou seja, o modo de sermos gestaltificativo é tensional,
porque é uma vivência de força.

E, exatamente por ser uma vivência de força, ela é tensão, ela é tensional. Ela é uma
vivência intencional. E a vivência da intencionalidade remete a ação.

O modo fenomenológico existencial de sermos e as forças, possibilidades que se


desdobram, cujo desdobramento, nós chamamos de ação remete a toda vivência do
modo fenomenológico existencial de nós sermos é a vivência do desdobramento de
forças, vivência do desdobramento de ação e em sendo desdobramento de forças, em
sendo o modo de vivência do desdobramento da ação.

Esse modo de sermos é tensão, é tensional. É o modo de sermos da intencionalidade e


esse é o sentido do termo intencionalidade na fenomenologia existencial holística.

O modo de sermos do ator e da ação é do pertencimento da intencionalidade.

77
CAPÍTULO 2
Educação cognitiva

Compreender melhor como funciona o nosso cérebro e entender quais as conexões


formadas feitas na aquisição de conhecimentos são os grandes aliados no processo
da aprendizagem. É o que apontam os especialistas que se dedicam a estudar a
neuroeducação.

A neurociência é o conjunto de várias áreas do conhecimento que estudam o sistema


nervoso. Desse modo, existem pesquisadores que estudam o neurônio, outros que
se dedicam ao estudo do metabolismo do neurônio, que estudam o comportamento
desencadeado por essas células.

Então, neurociência é um nome muito abrangente, uma ciência que se dedica ao


estudo do sistema nervoso. Quando conhecemos a forma de funcionamento do sistema
nervoso podemos entender melhor vários comportamentos do ser humano, incluindo
o processo de aprendizagem.

Existem descobertas da neurociência que legitimam o que os educadores já faziam e


neste capítulo daremos alguns exemplos.

Sabemos que o sistema nervoso é o responsável pela interação do indivíduo com o


ambiente, então, todos os estímulos sensoriais que um indivíduo recebe são processados
pelo cérebro e esse processamento gera uma determinada resposta comportamental.

Tudo depende do meio em que a criança está inserida.

Exemplificando:

Se essa criança se encontra em um meio onde recebe carinho, conforto, empatia,


afeto, segurança, acesso a livros, acesso ao lúdico, os pais valorizam o que a escola
ensina a essa criança, ela, provavelmente, terá uma aprendizagem satisfatória.

Agora, podemos ter uma outra criança, na mesma faixa etária, com o mesmo
cérebro – bases bioneurológicas – e se estiver inserida em um local onde
encontra violência, preocupação com sua alimentação (no Brasil há 5 milhões
de pessoas que passam fome), onde não existe um ambiente familiar adequado,
não há oportunidades e/ou incentivos para sua aprendizagem para aquilo que
ele faz na escola (se ela frequentar uma escola, temos que lidar com todas as
hipóteses), essa criança pode não apresentar nenhum problema cerebral e

78
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

apresentar dificuldades de aprendizagem em função do meio ambiente de onde


provêm os estímulos que ela recebe. Qual a qualidade das interações e estímulos
que essa criança recebe?

Deixamos aqui essa pergunta para reflexão.

Outra questão interessante na neurociência é que sabemos que, para aprender, é


necessária a reorganização entre as células cerebrais. Então, as conexões cerebrais
devem ser modificadas: o que chamamos de sinapses.

Para reformatação dessas sinapses existem reações químicas acontecendo que, via
de regra, não ocorrem de uma hora para outra e, muito menos, da noite para o dia.
Então, para que se possa aprender, é essencial haver a reexposição aos estímulos, aos
contextos, às habilidades, aos conteúdos que queremos que uma criança adquira.

Destarte, a aprendizagem tem que ser em espiral por conta desse fator.

Não há nenhum milagre na aprendizagem. Ou seja, para que se aprenda há necessidade


de passar novamente pelos conteúdos, possibilitar que essa criança durma; pois é
através do processo do sono que acontece a consolidação das memórias e, dessa forma,
se aprende.

E um outro aspecto bastante importante, dentre vários, mas que merece ser pontuado,
é a questão da motivação.

Como foi mencionado no capítulo anterior, nós aprendemos para ter bem-estar, poder
viver melhor – em nossa vida pessoal, emocional, social, laborativa. Ou seja, para
agregar qualidade à nossa vida e àqueles que nos cercam. E isso inclui a escola.

Então, na escola, a criança não vai aprender geografia, matemática e português, só


porque está na escola e o professor está aplicando uma avaliação. Ela aprende esse
conteúdo se ele for importante para a vida dela.

Desse modo, o entendimento de que só se aprende quando há motivação, só se aprende


se a disciplina tiver algum valor. Isso traz um desafio muito grande para o educador, pois
ele tem que apresentar criatividade grande e essa criatividade acaba sendo estimulada
pela convicção que o educador precisa ter em relação àquilo que ele vai ensinar.

Desse modo, se o educador compreende que determinado conteúdo é importante


para a criança, precisa ter o trabalho de transformar esse conteúdo em algo que seja
palatável, compreensível e significativo para a criança. Ninguém aprende se não for
para ter algum prazer, bem-estar ou para melhorar sua vida.

79
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Muitas constatações da neurociência vieram fundamentar as práticas que os professores


já utilizavam. Essas mesmas constatações podem fazer com que o professor reflita
porque algumas práticas funcionam para alguns e não funcionam para outros.
As dificuldades de aprendizagem podem ser melhor compreendidas, como apresentamos
acima, analisando o contexto familiar. Outra questão é a criança que está dormindo
mal pois tem uma obstrução respiratória. Ela também pode ter dificuldades de
aprendizagem, pois está sendo exposta a uma diversidade de estímulos tão grande que
a impede de focar sua atenção no que ela tem real necessidade em aprender (PAÍN,
1992; RELVAS, 2010; SILVA, 1995; SISTO, 2001).
E, assim, a neurociência – e dentro dela está a neuropsicopedagogia clínica – começa a
explicar porque é tão importante o indivíduo ter atenção para poder aprender.
A neurociência também ajuda na constatação de problemas relacionados ao cérebro.
É verdade que a maior parte das dificuldades de aprendizagem não está relacionada a
problemas cerebrais mas à pratica pedagógica, ao ambiente familiar, à estimulação que
a criança tem e/ou teve durante a vida. Ou seja, elementos externos.
Mas, um percentual está relacionado a diferenças que o cérebro da criança tem.
Inclusive, relaciona-se a diferenças que são pequenas e não são tão bem caracterizadas
como síndromes, por exemplo: autismo, síndrome de Down, síndrome de Williams,
que são quadros sindrômicos que deixam óbvio que o indivíduo apresenta uma
diferença. Mas, crianças podem ter dificuldades para aquisição da leitura e da escrita,
no caso da dislexia, crianças que apresentam dificuldades com a matemática, no caso
das discalculias, crianças que podem ter um déficit de atenção (para o que, se bem
diagnosticado, é possível estabelecer intervenções terapêuticas e medicamentosas e
melhorar muito o desempenho escolar dessa criança) (PIAGET, 1978).
Então, o neuropsicopedagogo pode ajudar também nos casos fisiológicos, quando a
criança não apresenta problema cerebral nenhum, em que o profissional pode modificar
os elementos que contribuem para aquela aprendizagem. Para isso, é imprescindível
que o especialista conheça o funcionamento cerebral para respeitar algumas regras que
o cérebro tem. O neuropsicopedagogo também pode atuar colaborando nos casos em
que a criança tem alguma diferença na constituição do sistema nervoso.
Ao entender o nosso cérebro, torna-se possível compreender o que são os
comportamentos, como são organizados e como podemos construir comportamentos.
O processo educacional faz parte desse escopo de atuação, sendo constituído por:
»» Construção de comportamentos.

»» Mudanças de hábitos, atitudes e habilidades dos seres humanos.

80
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

Precisamos, sobretudo, eliminar os mitos. Por exemplo, o famoso mito de que


usamos apenas 10% do nosso cérebro. Na verdade, nem sabemos como quantificar a
potencialidade do nosso cérebro (RELVAS, 2010). Imagine se podemos dizer quanto
dele conseguimos usar!

O outro mito que é muito importante é que todos temos muitas limitações. Na verdade,
nosso cérebro é plástico e, assim, permite aprender muitas e diversas coisas, inclusive
simultaneamente.

A neuroeducação tem se destacado como uma nova área do conhecimento que tem
o objetivo de melhorar as práticas e métodos de ensino e, assim, contribuir com o
desenvolvimento do indivíduo.

A neurociência vem se desenvolvendo muito nos últimos anos e esse desenvolvimento


vem permitindo conhecer como as pessoas memorizam, como orientam a atenção, como
percebem as questões. Esse conhecimento é extremamente útil quando o profissional
planeja a intervenção adequada a ser utilizada, para a avaliação e a construção do
planejamento ao atendimento da demanda de seu atendido.

Cada ser humano tem suas dificuldades e potencialidades. Dessa forma, o profissional
deve manter um olhar genuinamente empático em relação à questão/problema com
que lidará.

Tanto os profissionais da equipe multidisciplinar quanto os professores da educação


infantil devem ter acesso ao conhecimento necessário para poder ajudar a criança nesse
desenvolvimento neurológico – desde o berçário até o final do segundo ciclo, quando a
criança se encontra com cinco anos de idade. É importante o professor saber como se
dá esse processo de desenvolvimento, fase a fase, para conhecer a melhor intervenção,
qual prática pedagógica específica ele pode utilizar para melhor estimular esse cérebro
em desenvolvimento.

A capacitação sobre o processo de desenvolvimento neurológico muda o olhar e a


atuação dos profissionais frente à demanda de cada atendido.

A partir do momento que se obtém o conhecimento adequado, as intervenções ganham


um novo direcionamento.

O profissional atuava de forma errada?

Essa é uma questão para reflexão. Muitas vezes, no movimento de auxiliar a ansiedade
pode, sim, tomar uma decisão errada. Mas, lidamos com constructos embasados em

81
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

pesquisas abalizadas e apenas a boa vontade, nesse quesito, poderá não trazer os benefícios
esperados e talvez até interferir negativamente no processo de desenvolvimento.

Desse modo, manter-se atualizado para o que quer que seja, através de especializações,
congressos, leitura de artigos científicos atuais, busca por livros direcionados a essa
temática, são algumas das atitudes a serem tomadas.

O ensino hoje é autônomo. Respiramos um momento de muita liberdade e do verdadeiro


cuidado de si frente à obtenção do saber. Estamos educando para a autonomia e fazendo
parte desse movimento.

Então, há grupos de profissionais que debatem o tema, a troca frente aos casos clínicos,
todas são medidas extremamente positivas e possíveis.

Após sua formação, o profissional amplia seus horizontes, e isso o destaca tanto no
mercado de trabalho quanto nos resultados alcançados com seus atendidos.

Devemos prezar pela junção entre a teoria e a prática, pois uma irá complementar a
outra.

É comum que alguns profissionais não percebam pequenos detalhes, nuances


ao falar, como a postura, o tom da voz, o não julgamento ao passar uma
instrução de atividade. Pode ocorrer, por exemplo, de ele dar uma instrução de
costas para o aprendente ou com a voz alta. Essas questões são inconscientes,
mas ao passo que focamos em nossa praxis com o conhecimento adequado,
esses padrões comportamentais vão sendo diluídos, e estratégias funcionais vão
sendo implementadas. E, após a formação, ocorre a diferença.

Achamos relevante compartilhar essas experiências!

Esse novo olhar da neurociência sobre as relações e a educação cognitiva tem


demonstrado bons resultados.

Na prática, a neurociência mostra a importância do processamento auditivo, a aplicação


concreta das atividades com consciência fonológica. Ou seja, desde tenra idade, até as
crianças de cinco anos e mais além – adolescentes, adultos e idosos – podemos ver a
atuação da neurociência na vida cotidiana.

Devemos nos policiar em relação à expressão neuroeducação, pois pode parecer, para
o público em geral, que a neurociência veio trazer uma nova educação. Na verdade, a
neurociência e a educação são áreas do conhecimento que possuem naturezas distintas
e, portanto, o que a neurociência faz é trazer contribuições para o entendimento de

82
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

processos de educação. Desse modo, precisamos esclarecer que essa curiosidade das
pessoas em relação ao termo abre um nicho, baseado em um marketing de vendas de
uma ideia nova, quando, na verdade, o que é novo é esse diálogo. Ou seja, as pessoas que
conhecem o sistema nervoso começam a trocar ideias com os profissionais da educação
e isso é altamente fomentado em seminários e semanas voltadas às neurociências
(AJURIAGUERRA, 1985; ANNUNCIATO, 1994).

No início do século 20, o interesse em explicar as funções mais complexas foi crescente e
a noção de que as diversas áreas cerebrais estavam interligadas foi ganhando espaço. Em
1940, Walter Hess defendeu a ideia de que o número de estruturas cerebrais envolvidas
para a realização de uma atividade seria proporcional a sua complexidade. James
Papez e Paul McLean ampliaram o conhecimento sobre o sistema límbico, explicando
a existência de um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas para que fossem
processados os conteúdos emocionais. Nesse mesmo período, o médico William Scoville
descreveu o caso clínico do paciente H. M. que ficou amplamente conhecido na literatura
como uma das primeiras evidências de que os processos de memória e aprendizagem
dependem de diversificadas áreas cerebrais e de suas conexões (CAPOVILLA, 2003).

H. M. é um paciente epilético que, após uma cirurgia para remover seu hipocampo
e amígdalas, tornou-se incapaz de aprender novas informações.

A partir de estudos de casos como esse e outros, conduzidos, principalmente, durante o


período da segunda guerra com indivíduos que sofreram lesões cerebrais, os processos
mentais passaram a ser mais explicados como dependentes da integridade de centros
nervosos e de suas conexões e não, simplesmente, do funcionamento de áreas cerebrais
específicas.

Contribuíram também para os avanços sobre a compreensão do funcionamento cerebral


os estudos histológicos de Camilo Golgi e do histologista Santiago Cajal. Golgi desenhou
o famoso método de coloração por prata, técnica que permitiu a identificação de toda a
estrutura da célula nervosa (corpo celular, dentritos e axônios).

Em 1890, Cajal, neuroanatomista, estabeleceu que cada célula nervosa é única,


distinta e individual. O cientista Sherrington, que estudou reações, relatou que
as células nervosas (neurônios) respondem a estímulos e são conectadas por
sinapses.

Leiam o artigo Entre neurônios e sinapses: as contribuições de Cajal e Athias para


a medicina ibérica entre os séculos XIX e XX. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/hcsm/2016nahead/0104-5970-hcsm-S0104-59702016005000029.pdf.

83
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Cajal, utilizando este método de coloração, mostrou que estava incorreta a ideia de que
o cérebro era uma massa contínua e demonstrou que o tecido neural era composto de
um emaranhado de células.

Mesmo assim, as tendências localizacionistas ainda prevaleceram no início do século


XX, com importantes descobertas que as validaram, como a diferenciação de funções
entre os dois hemisférios cerebrais.

Quadro 4. Características de cada hemisfério.

HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO


Verbal: usa palavras para nomear, descrever e definir. Não verbal: percepção das coisas com uma relação mínima com palavras.
Analítico: decifra as coisas de maneira sequencial e por partes (utiliza um Sintético: unir coisas para formar totalidades (relaciona as coisas tais como
símbolo que está no lugar de outra coisa. Por exemplo o sinal + representa estão nesse momento).
a soma).
Analógico: encontra um símile entre diferentes ordens; compreensão das
Abstrato: extrai uma porção pequena de informação e a utiliza para relações metafóricas.
representar a totalidade do assunto.
Atemporal: sem sentido de tempo.
Temporal: se mantém uma noção de tempo, uma sequência dos fatos.
Não racional: não requer uma base de informações e fatos reais; aceita a
Fazer uma coisa e, logo em seguida, outra etc.
suspensão do juízo.
Racional: extrai conclusões baseadas na razão e nos dados.
Espacial: vê as coisas relacionadas a outras e como as partes se unem para
Digital: utiliza números. formar um todo.
Lógico: extrai conclusões baseadas na ordem lógica. Por exemplo: um Intuitivo: realiza saltos de reconhecimento, em geral sobre padrões
teorema matemático ou uma argumentação. incompletos, intuições, sentimentos e imagens visuais.
Linear: pensa em termos vinculados a ideias, um pensamento que segue o Holístico: percebe ao mesmo tempo, concebendo padrões gerais e as
outro e que, em geral, convergem em uma conclusão. estruturas que muitas vezes levam a conclusões divergentes

Fonte: Adaptado de Relvas (2010).

Contudo, as controvérsias apresentadas nessa época sobre a localização de regiões


específicas para a execução das chamadas funções superiores, tais como memória e
pensamento, diminuíram as certezas sobre as hipóteses localizacionistas. Esse campo
fértil de contradições contribuiu para ideias como a de Monakow, que defendia a
diásquise – dano em uma das regiões encefálicas que gera prejuízo em outras regiões –
influenciando muitas pesquisas com tendência holística.

A discussão entre localizacionistas e holistas toma novos rumos a partir das descobertas
de Lev Vygotsky (1896-1934). Vygotsky argumentou que a organização cerebral ocorria
a partir de uma inter-relação complexa entre suas partes e que dessa forma se daria o
funcionamento do todo.

Vygotsky desenvolveu estudos mostrando que o funcionamento mental variava para os


diferentes estágios do desenvolvimento humano e, ainda hoje, suas ideias estão entre um
dos mais importantes expoentes da psicologia da aprendizagem. Foi influenciado pelo
psicólogo soviético Alexander Lúria (1902-1977) que, a partir do estudo com pacientes
acometidos por lesão cerebral, desenvolveu um novo conceito de função. Assim, as

84
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

premissas localizacionistas deram lugar à proposta de funcionamento interligado das


áreas cerebrais que predomina na neuropsicopedagogia.

Luria atuou junto com Vygotsky focalizando, inicialmente, no estudo da afasia e na


relação da linguagem com outros processos mentais, sendo um de seus maiores interesses
o desenvolvimento de técnicas de reabilitação. Durante o período da Segunda Guerra
Mundial, Luria desenvolveu pesquisas no Hospital do Exército e focou na descoberta de
métodos de reabilitação de deficiências em pacientes com lesões cerebrais.

Luria elaborou baterias completas para avaliação neuropsicológica que foram


amplamente utilizadas em meados do século XX e continuam a influenciar a forma
como os testes são elaborados e utilizados na avaliação neurológica.

A primeira versão dos testes de Luria deu origem a diversas outras baterias
neuropsicológicas, como a Luria-Nebraska e o teste de Barcelona, que consistem em
avaliações amplas dos diversos domínios cognitivos. Esses testes ainda são úteis,
mas dividem espaço com uma infinidade de testes neuropsicológicos que vêm sendo
elaborados com o intuito de se tornarem cada vez mais específicos.

Na abordagem neuropsicológica de Luria, o funcionamento cerebral é explicado com


a coparticipação dos dois sistemas funcionais do cérebro. Os objetivos centrais da
neurociência são:

1. localizar as lesões cerebrais responsáveis pelos distúrbios do


comportamento para um diagnóstico preciso;

2. explicar o funcionamento das atividades psicológicas superiores


relacionadas com as partes do cérebro.

Uma das grandes preocupações que o professor/educador tem como alicerce na sala
de aula é: como fazer o aluno aprender. Exatamente nesse ponto que as neurociências
vêm contribuindo nesse processo de uma nova competência do professor/educador
do século XXI. Conhecer a biologia cerebral, hoje, se faz importante nesse perpassar
da construção da educação. Desse modo, aos educadores é informado que conhecer a
biologia do cérebro nas dimensões cognitivas, afetivas, emocionais, motoras é fazer um
grande aliado que a neurociência traz na contribuição da educação.

A psicoeducação visa deixar nosso atendido informado sobre sua dificuldade ou


transtorno e mostrar como se vai trabalhar. Obviamente, estamos falando dos atendidos
que possuem condições cognitivas para compreender sua questão.

85
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Vamos exemplificar?

O atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

Estima-se que o TEA atinja hoje mais de 2 milhões de pessoas no Brasil (Ministério
da Saúde) e 70 milhões no mundo (ONU). Porém, o número de autistas pode
ser bem maior. Devemos levar em consideração que não existe um exame que
identifique o autismo. Esse fato dificulta o diagnóstico e, consequentemente,
surge a incerteza sobre o número exato de indivíduos com TEA.

As causas do TEA ainda são desconhecidas, mas a pesquisa na área é cada vez
mais intensa. Provavelmente, há uma combinação de fatores que levam ao
autismo.

Como não existe um marcador biológico (exame) específico para o diagnóstico,


os profissionais que atendem a essa demanda precisam estar atentos aos dados
da Avaliação Comportamental do Transtorno do Espectro do Autismo. O TEA
é diagnosticado por meio da observação do comportamento, associado aos
antecedentes familiares, informações do pré-natal e aplicação de escalas de
comportamento vinculadas à Terapia Cognitivo-Comportamental.

TEA é uma condição neurobiológica que, geralmente, aparece nos três primeiros
anos de vida e afeta as habilidades de comunicação, a interação social, e mostra
a presença de comportamentos repetitivos e/ou interesses restritos.

Podemos, nesse momento, com base na revisão da literatura científica, destacar


que:

»» o autismo é uma condição própria da espécie humana, podendo


ocorrer em qualquer raça, país ou classe social;

»» acomete mais meninos que meninas;

»» nos manuais diagnósticos, o autismo é uma síndrome comportamental


que se faz presente antes dos três anos de idade e que engloba
comprometimentos nas áreas relacionadas à comunicação, quer seja
verbal ou não verbal, nas relações interpessoais, em ações simbólicas,
no comportamento geral e no distúrbio do desenvolvimento
neuropsicológico;

»» geralmente, ele vem associado a outro transtorno ou síndrome;

86
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

»» apresenta múltiplas causas, havendo uma forte tendência em ressaltar


fatores genéticos e ambientais;

»» não existe homogeneidade no quadro comportamental apresentado


pelos indivíduos com autismo.

Esses são apenas alguns sinais para alavancarmos nosso conhecimento a


respeito do tema autismo. É exatamente essa condição de diferença entre os
autistas que traz tanta relevância ao estudo do transtorno e dificuldade em
diagnosticar. E, justamente por este motivo, este caderno tem por finalidade
apresentar ferramentas funcionais ao diagnóstico preciso do autismo.

O profissional tem por obrigação ética discutir o prognóstico com os responsáveis


independente da dor, ansiedade e medo que esta situação gere.

Os profissionais precisam saber informar e esclarecer de forma clara e com muita


paciência a esses pais que os progressos, mediante o grau de autismo apresentado pelo(s)
filho(s), que podem parecer imperceptíveis ou discretos, são de suma importância para
o desenvolvimento da autonomia e do comportamento funcional do indivíduo autista.

De acordo com dados do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), ONG fundada em
2005 por pais de pessoas com TEA (influenciado pelo Movimento ‘Aspies for Freedom’,
fundada em junho de 2004, organização norte-americana que luta pelos direitos civis
dos autistas), é comum e esperado que surjam questões ligadas à ansiedade dos pais
frente à condição do(s) filho(s). Devemos aqui abrir um parêntese a respeito de pais que
têm mais de um filho autista. Isso, na realidade, não é raro, e gera uma maior tensão na
própria relação entre os cônjuges e na relação com os filhos.

Sendo assim, outro ponto de fundamental importância é informar aos responsáveis


que, ao fazermos um diagnóstico do desenvolvimento atípico de uma criança, os
sintomas apresentam-se de forma intermitente, e, por isso, nem todos se apresentarão
na entrevista inicial. É essencial que os responsáveis estejam cientes de que, para
obtermos uma visão geral da criança e podermos constatar a amplitude do distúrbio,
precisamos de dados coletados em diferentes contextos.

A família pode caminhar para a disfuncionalidade com maior facilidade, havendo


necessidade de Treino de Pais (TP) e sessões psicoterapêuticas individuais e de
casal. Quando a família não consegue lidar de forma proativa com o autismo e os
comportamentos que vêm em decorrência dele, a melhor indicação é uma terapia de
família e grupos de apoio a pais como alternativa de troca de vivências.

87
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Como a neuropsicopedagogia clínica e o neuropsicopedagogo acolhe a


demanda do TEA?

Compreender as nuances desse universo particular faz parte da função do


neuropsicopedagogo.

Entender e aprender sobre o TEA, agora não mais chamado de autismo, traz uma série
de desafios ao profissional. Os cursos atendem à demanda desse novo profissional que
irá avaliar a cada dia mais crianças com TEA e trazem benefícios aos seus atendidos
portadores do espectro, pois encontrarão um profissional solícito e altamente capacitado
para utilizar as ferramentas adequadas a essa condição de neurodiversidade.

Não possuímos dados concretos sobre a estatística de quantas pessoas têm TEA,tanto no
Brasil quanto no Mundo. As estimativas, bem irreais, são de 2 milhões de pessoas com
transtorno do espectro do autismo no Brasil. Contudo, o número de crianças, adolescentes
e adultos com TEA que são encaminhados para avaliação neuropsicopedagógica cresce
a cada dia. E não há uma perspectiva em diminuir, muito pelo contrário.

Assim como pessoas com Síndrome de Down, Síndromes Raras e Microcefalia, os


transtornos, síndromes e patologias não ficam mais escondidos. Que bom!

As famílias viviam um luto eterno e eram condenadas à morte social por conta da
condição de diversidade cerebral do filho, filha ou filhos.

E quanto às pessoas com TDAH?

Ninguém mais se lembra delas?

Elas vão ficar adultas. Assim como todos vão. Vão passar por mudanças corporais,
envelhecer, e há necessidade de uma visão realista acerca de sua condição.

Não se trata de vitimizar, mas de orientar a família e desenvolver um trabalho de


excelência com nosso atendido e seu núcleo familiar.

Mas, quem é esse especialista?

Qual será seu trabalho diante de todas as questões, que parecem ser infinitas?

Esse especialista tem como base a neurociência, a psicologia cognitiva. Esse especialista
compõe a equipe multidisciplinar – a equipe formada por vários especialistas, como
psicólogos, neurologista, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo,
psiquiatra, nutricionista, entre outros profissionais – que trabalha em benefício da

88
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

criança ou de qualquer indivíduo que venha a apresentar dificuldade. O trabalho


do especialista em neuropsicopedagogia clínica também é realizar a observação, a
identificação e a análise do ambiente escolar relacionado ao desenvolvimento humano
ou do indivíduo nas áreas motora, cognitiva e comportamental.

O neuropsicopedagogo clínico realiza também a avaliação, intervenção e


acompanhamento contínuo de crianças ou qualquer indivíduo que venha a apresentar
qualquer dificuldade de aprendizagem, transtorno, síndrome ou altas habilidades
que lhe causem grande prejuízo. Esse especialista também realiza estratégias que
viabilizam o desenvolvimento do ensino e aprendizagem da criança, utilizando para
tanto protocolos e instrumentos de avaliação devidamente validados e, quando há
necessidade, encaminha a criança ou indivíduo para outros especialistas que compõem
a equipe multidisciplinar.

Com toda certeza, o especialista em neuropsicopedagogia clínica veio para acrescentar


à equipe multidisciplinar, ajudando a equipe e ajudar seu atendido com relação às
dificuldades que são apresentadas.

Desse modo, profissional, pais e mães e escola devem ter um diálogo aberto e alinhado,
sempre conversando sobre a situação do filho, aprendente, aluno. Enfim, devem
conversar sobre as várias faces do atendido. Isso é essencial para que as estratégias do
neuropsicopedagogo sejam eficazes.

Retomando a psicoeducação, Knapp (2004) alega que esta técnica, quando bem
empregada, melhora a motivação para a mudança e estimula a participação proativa
do paciente na recuperação – em casos onde cabe este termo, pois, no caso do TEA,
sabemos que ainda não existe uma perspectiva de cura.

Podemos dizer que a psicoeducação ajuda nosso atendido a retirar o aspecto distorcido
que atribui a si mesmo por não ser capaz de resolver algum problema ou até mesmo se
culpar pelo problema/queixa que o trouxe ao consultório – apresentando um quadro
de negação. Assim, pode ser feita por intermédio de folhetos explicativos, artigos de
revistas, livros, páginas de internet, apresentação em flip-chart, ou em qualquer outro
material que possa transmitir informações adequadas ao nosso atendido e/ou familiar/
escola.

Ainda de acordo com Knapp (2004), a ressignificação utilizada na educação cognitiva


é semelhante à reatribuição, Assim, seu objetivo principal é ajudar o nosso atendido a
produzir uma resposta racional aos eventos, ou seja, uma versão mais lógica, realista e
mais adaptativa do pensamento.

89
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

E quanto à reatribuição?

Falamos sobre essa técnica da educação cognitiva?

Não!

Então, vamos a ela?

Nessa técnica o neuropsicopedagogo clínico ajuda seu atendido a flexibilizar seu


julgamento por meio da identificação de outros fatores que contribuem para o
resultado final ou pelo reconhecimento de diferentes critérios usados para avaliar a
responsabilidade pessoal e a de terceiros. Cordioli (2008), mostra que essa técnica é
usada quando o paciente apresenta um padrão de autoatribuição de responsabilidades
irreais em relação a vários resultados negativos.

Knapp (2004) afirma que essa técnica é usada com pacientes que frequentemente
consideram-se culpados por determinadas situações. Ou pode ocorrer o oposto, eles
colocam toda a culpa em outras pessoas, sendo o objetivo do profissional levá-los a
considerar todos os possíveis fatores e indivíduos envolvidos na situação, circunstância,
enfim, que leva a fomentar a ponderação a um nível mensurável de responsabilidade a
cada um desse fatores/indivíduos.

Nesse ponto pensamos que a exposição de um estudo de caso é de extrema relevância.

Caso clínico
Paciente E.C., idade 74 anos, diagnosticado com Alzheimer – uma lenta e fatal doença
do cérebro. O diagnóstico foi fechado com facilidade pelo psiquiatra que, frente à
situação do paciente, o encaminhou para os profissionais da equipe multidisciplinar.

E.C. sempre foi um homem ativo. Nascido no interior do estado de Minas Gerais, desde
cedo, sendo o filho mais velho, começou a trabalhar na lavoura com o pai. Ao entrar para
o quartel mudou de estado e ficou no Rio de Janeiro, onde serviu e, ao sair do serviço
militar, foi trabalhar como cobrador de ônibus. Sempre muito falante e atencioso, com
o tempo foi admitido como motorista de uma empresa e assim permaneceu por anos.
Até que passou a integrar o sindicato dos rodoviários.

Casado há 47 anos, tem três filhos e quatro netos. Tudo caminhava bem, mas sua
esposa, que é técnica em enfermagem, notou lapsos de memória, respostas agressivas,
comportamentos que destoavam da forma como seu marido havia agido por 47 anos. O
alerta vermelho acendeu. Idas a médicos, baterias de exames, e assim veio o diagnóstico.

90
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

Os filhos foram informados. O atendido continuou em seu serviço, porém com uma
carga de exigência bem menor, primeiro por conta da idade e, agora, por sua situação
de saúde.

O fato é que E.C. demostrava um progressivo declínio em suas funções cognitivas e, com
a capacidade para o trabalho reduzida, o sindicato optou por “colocar um ajudante”. Na
realidade, esse era um companheiro de sindicato que realizaria as funções que E.C. não
estava conseguindo fazer. E esse fato desencadeou um quadro depressivo, que afetou
sua relação conjugal, a relação com os filhos, a relação social em geral. Ele passava os
dias deitado, de acordo com o relato de sua esposa. Quando não era na cama, era no
sofá. O jogo de baralho com os colegas foi abandonado. No trabalho, as reclamações da
parte do atendido eram inúmeras, afinal, ele sempre trabalhou sozinho. E agora tinha
“outra pessoa em sua sala. Outra pessoa interferindo e se metendo no trabalho, fazendo
tudo errado”.

Reclamações, mudança no linguajar, falta de paciência com a esposa, que sempre o


acolheu, amou e apoiou, mas que, de uma hora para outra passou a ser “uma chata que
eu tolero por mais de 40 anos. Você (pergunta ao profissional) acha que a conhece? Que
ela é esse doce de pessoa? Está enganado! Só eu sei o que aturo dessa mulher...”

A personalidade do atendido estava sofrendo as interferências da patologia.

Primeiro a memória mais recente apresentou falhas, como esquecer que não tomava
banho há três dias. A higiene, que era impecável, passou a ser um problema, pois o
atendido chegava a evacuar na roupa e se recusava a tomar banho.

Desdobramentos que pertencem ao quadro.

Ele se lembrava da roupa que sua esposa estava usando no primeiro dia em que a viu.
Narrou com riqueza de detalhes como foi o primeiro encontro, o início do namoro. Mas,
não sabia informar o que havia ingerido no café da manhã.

A intervenção terapêutica é essencial para promover a qualidade de vida da pessoa com


Alzheimer, pois, só assim, por meio do tratamento, o processo de evolução da doença
será retardado. Há diagnósticos mais fáceis, outros mais difíceis; tudo vai depender do
estágio apresentado pelo paciente.

No caso da atendido apresentado em nosso caderno de estudos e pesquisas, há um


diferencial: a esposa era da área de saúde e altamente ativa. Estava sempre atenta
a cursos, lendo, se especializando e, obviamente, convivendo com pacientes que
apresentavam os mesmos sintomas de seu marido. Desse modo, o diagnóstico não foi

91
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

uma surpresa para ela. Mas, os filhos e outros familiares não poderiam imaginar que se
tratasse de Alzheimer, para eles era apenas de um problema em função da idade.

É muito comum que, ao notar os sintomas do Alzheimer, o próprio indivíduo faça o


possível para esconder por se sentir envergonhado.

Assim, a família precisa estar atenta e, caso perceba algo que fuje/destoe do
comportamento usual, deve levar a pessoa à unidade de saúde mais próxima, mesmo
que ela não tenha um geriatra ou um neurologista.

Neste caso, qual a atuação do neuropsicopedagogo clínico?

Por meio de conhecimentos neuropsicopedagógicos há formas de compreender


o processo de perda de habilidades e autonomia, entendendo o desenvolvimento
da patologia no cérebro desse indivíduo. E, desse modo, criando estratégias que
proporcionem melhoras nas perspectivas educacionais.

Sim! É possível que a aprendizagem ocorra. Contudo, estamos lidando com uma doença
degenerativa, portanto, a estimulação intensa é essencial. Atividades diferenciadas,
assuntos novos, atendimentos em ambiente naturalístico (caso do atendido). Sempre
respeitando o ritmo de cada pessoa que atendemos.

Assim, por meio da reorganização das sinapses, o neuropsicopedagogo clínico pode


estimular áreas do cérebro do seu atendido que ainda não foram atingidas pela patologia.
Devemos sempre lembrar da plasticidade cerebral e da forma como ela pode alterar o
funcionamento desse cérebro.

Por isso, utilizamos o exemplo do TEA e do Alzheimer.

92
CAPÍTULO 3
O paralelo da psicanálise e demais
abordagens terapêuticas

Psicanálise
A psicanálise é uma disciplina científica, que, como qualquer outra doutrina científica,
deu origem a certas teorias que derivam de seus dados de observação e que procuram
ordenar e explicar esses dados.

É importante compreender que a teoria psicanalítica se interessa tanto pelo


funcionamento mental normal quanto pelo patológico. De forma alguma constitui
apenas uma teoria de psicopatologia. É verdade que a prática da psicanálise consiste
no tratamento de pessoas que se acham mentalmente enfermas ou perturbadas, mas
as teorias psicanalíticas se referem tanto ao normal quanto ao patológico, ainda que se
tenham derivado essencialmente do estudo e do tratamento da anormalidade.

Como qualquer disciplina científica, as diversas hipóteses da teoria psicanalítica se


relacionam mutuamente. Algumas são mais importantes que as outras, e algumas já
tiveram grande comprovação e parecem ser tão fundamentais em sua significação, que
nos inclinamos a considerá-las como leis estabelecidas a respeito da mente.

Duas dessas hipóteses, que foram acentuadamente confirmadas, são o princípio do


determinismo psíquico, ou da causalidade, e a proposição de que os processos mentais
inconscientes são de grande frequência e significado mental normal, bem como anormal.

Vamos começar falando do princípio do determinismo psíquico. O sentido desse princípio


é de que, na mente, nada acontece por acaso. Cada evento psíquico é determinado por
aqueles que o precederam. Os eventos em nossa vida mental que podem parecer não
relacionados com os que precederam, o são apenas na aparência. Nesse sentido, não
existe descontinuidade na vida mental.

Se compreendermos e aplicarmos corretamente esse princípio, jamais admitiremos


qualquer fenômeno psíquico como sem significação ou acidental. Devemos sempre nos
perguntar, em relação a qualquer fenômeno no qual estejamos interessados: “o que os
provocou? por que aconteceu de determinada forma?” Formulamos essas perguntas
por estarmos certos de que existe uma resposta para elas. Se pudermos encontrar a

93
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

resposta com facilidade e rapidez, isso naturalmente já é outra questão, mas sabemos
que a resposta existe.

Esquecer ou perder alguma coisa, por exemplo, é uma experiência comum na vida das
pessoas. Geralmente, a ideia é a de que o fato é uma causalidade, que isso ‘apenas
aconteceu’. No entanto, uma investigação de muitas dessas causalidades realizadas por
psicanalistas nos últimos anos (a começar pelos estudos do próprio Freud) mostrou
que, de maneira nenhuma, elas são acidentais. Pelo contrário, pode-se demonstrar que
cada uma delas foi provocada por um desejo ou intenção da pessoa envolvida, de acordo
com o princípio do funcionamento mental que estamos examinando.

Se nos voltarmos aos fenômenos da psicopatologia, podemos dizer que cada sintoma
neurótico, qualquer que seja sua natureza, é provocado por outros processos mentais,
apesar do fato de que o próprio paciente habitualmente considera o sintoma como
estranho e completamente desligado do resto da sua vida mental. Contudo, as conexões
existem e são demonstráveis, apesar de o paciente não se der conta de sua presença.

Atente agora para o fato de que estamos falando não só a respeito da primeira das
nossas hipóteses fundamentais, o princípio do determinismo psíquico, mas também a
respeito da segunda, isto é, a existência de processos mentais dos quais o sujeito não se
dá conta ou é inconsciente.

A relação entre essas duas hipóteses é tão próxima que dificilmente se pode examinar
uma sem suscitar a outra. É exatamente o fato de tantas coisas em nossa mente
serem inconscientes – isto é, desconhecidas para nós – que reponde pelas aparentes
descontinuidades em nossa vida mental.

Quando um pensamento, um sentimento, um esquecimento acidental, um sonho ou um


sintoma parece não se relacionar com algo que aconteceu antes na mente, isso significa
que sua conexão causal se apresenta em algum processo mental inconsciente, em vez de
em um processo consciente.

Se é possível descobrir a causa ou as causas inconscientes, então todas as aparentes


descontinuidades desaparecem e a cadeia causal, ou sequência, torna-se clara.

Vamos pensar em um exemplo bem simples. Uma pessoa pode se surpreender


cantarolando uma melodia sem ter nenhuma ideia de como ela lhe veio à mente. No
entanto, nesse exemplo particular, um espectador afirma-nos que a referida melodia foi
ouvida pela pessoa poucos momentos antes de haver penetrado em seus pensamentos
conscientes como se não tivesse vindo de parte alguma. Foi uma impressão sensorial,
nesse caso auditiva, que compeliu a pessoa a cantarolar a melodia. Visto que ela não se

94
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

deu conta de ter ouvido a melodia, sua experiência subjetiva foi a de uma descontinuidade
em seus pensamentos, sendo necessário o testemunho do espectador para remover a
aparência de descontinuidade e tornar clara a cadeia causal.

É raro, no entanto, que um processo inconsciente seja descoberto de forma tão simples,
como no exemplo citado. Naturalmente, deseja-se saber se existe um método geral para
descobrir processos mentais dos quais o próprio indivíduo não se dá conta. Ele pode,
por exemplo, ser observado diretamente? Caso contrário, como pode Freud descobriu
a frequência e a importância de tais processos em nossa vida mental?

No curso do estudo dos fenômenos mentais inconscientes, Freud logo descobriu que
esses poderiam ser divididos em dois grupos:

»» Elementos psíquicos pré-conscientes: este grupo compreende


pensamentos, lembranças etc. que podem se tornar conscientes por
um esforço de atenção. Tais elementos psíquicos têm acesso fácil à
consciência.

»» Elementos psíquicos inconscientes: compreendem aqueles elementos


que só podem tornar-se conscientes a custo de considerável esforço.
Em outras palavras, eles são barrados da consciência por uma força
considerável.

Freud pode demonstrar também que o fato de serem inconscientes não os impedia de
exercer uma influência significativa no funcionamento mental. Além disso, foi capaz
de demonstrar que os processos inconscientes podem ser bastante comparáveis aos
conscientes em precisão e complexidade.

Como dissemos anteriormente, não dispomos de um meio de observar diretamente as


atividades mentais inconscientes, mas evidências desse fato podem ser derivadas de
uma observação clínica, ou mesmo geral.

Por intermédio da técnica de investigação dos sonhos descoberta por Freud, pode-se
constatar evidências das atividades mentais inconscientes. Tomemos como exemplo os
sonhos nos quais a pessoa sonha estar bebendo, somente para acordar e perceber que
está sedenta, ou sonha que está urinando e acorda com a necessidade de se aliviar. Tais
sonhos demonstram igualmente que, durante o sono, a atividade mental inconsciente
pode produzir um resultado consciente – nesses casos em que uma sensação corporal
inconsciente e os anseios a ela ligados dão origem a um sonho consciente da desejada
satisfação ou alívio. Tal demonstração, em si, é importante e pode ser feita sem uma
técnica especial de observação.

95
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

No entanto, por meio da técnica psicanalítica, Freud pode demonstrar que, por trás de
todo sonho, existem pensamentos e desejos inconscientes ativos e, assim, estabelecer,
como regra geral, que quando se produzem sonhos, esses são provocados por uma
atividade mental que é inconsciente para o sonhador, e que assim permaneceria a
menos que se empregue a técnica psicanalítica.

Como no caso dos sonhos, a significação inconsciente de alguns lapsos torna-se bastante
clara.

Podemos acrescentar que Freud pode, por intermédio da técnica psicanalítica, mostrar
que a atividade mental inconsciente desempenha um papel na produção de todos os atos
falhos e não apenas naqueles em que o significado de tal atividade é de fácil evidência.

Pode-se notar também que, muitas vezes, os motivos para o comportamento de


determinada pessoa podem frequentemente parecer óbvios para o observador,
embora para ela seja desconhecido. Um exemplo é o de pacifista que está pronto a
brigar violentamente com qualquer pessoa que contradiga seu ponto de vista sobre a
indesejabilidade da violência. É óbvio que seu pacifismo consciente se faz de um desejo
inconsciente de lutar, o que, no caso, é exatamente o que sua atitude consciente condena.

Por certo, a importância da atividade mental inconsciente foi primeiramente demonstrada


por Freud no caso dos sintomas de pacientes mentalmente enfermos. Como resultado
das descobertas de Freud, a ideia de que tais sintomas têm um significado desconhecido
para o paciente é agora geralmente aceita e bem compreendida.

Se o paciente sofre de uma cegueira psicossomática (histérica), por exemplo,


naturalmente presumimos que existe algo inconsciente que não deseja ver, ou que sua
consciência o proíbe de olhar. É verdade que, nem sempre, é de todo fácil perceber o
significado inconsciente de um sintoma. E muitas vezes, também, os determinantes
inconscientes para um único sintoma podem ser vários e muito complexos, de modo
que, ainda que se possam fazer conjecturas, essas são apenas uma parte de toda a
verdade. No entanto, nosso objetivo agora é determinar a existência dos processos
mentais inconscientes.

A energia psíquica não é de modo algum igual à energia física. É somente análoga em
alguns aspectos. O conceito de energia psíquica, assim como o conceito de energia
física, é uma hipótese que tem por objetivo servir ao propósito de simplificar e facilitar
nossa compreensão dos fatos da vida mental que podemos observar.

É importante perceber que a divisão dos impulsos em sexual e agressivo em nossa teoria
atual se baseia na evidência psicológica. Em sua formulação original, Freud procurou

96
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

relacionar a teoria psicológica das pulsões em conceitos biológicos mais fundamentais,


e propôs que as pulsões se denominassem pulsão de vida e pulsão de morte. Há alguns
analistas que aceitam o conceito de um impulso de morte, enquanto outros não o
aceitam.

Os impulsos estão intimamente relacionados com fatos observáveis. Há muitos meios


pelos quais se pode fazer isso, mas talvez um meio tão bom quanto qualquer outro
consista em examinar um aspecto dos impulsos que mostrou ser particularmente
significativo tanto para a teoria quanto para a prática, qual seja seu desenvolvimento
genético.

Comecemos com o impulso sexual, uma vez que estamos mais familiarizados com seu
desenvolvimento e vicissitudes que com os de seu ocasional parceiro e, às vezes, rival,
o impulso agressivo.

A teoria psicanalítica postula que essas forças já estão em atividade no bebê,


influenciando o comportamento e clamando por gratificação, que mais tarde produz
os desejos sexuais do adulto, com todo seu sofrimento e êxtase. É bom dizer que se
considera esta proposição amplamente aprovada.

As provas válidas provêm de pelo menos três fontes. A primeira é a observação direta
de crianças. São óbvias as evidências de desejos e comportamentos sexuais em crianças
pequenas, quando se pode observá-las, e conversar com elas com disposição objetiva e
sem preconceitos.

As outras fontes de evidência sobre esse ponto provêm da análise de crianças e de


adultos. No caso da análise de crianças, pode-se ver diretamente, e no caso da análise de
adultos, inferir reconstrutivamente, a grande significação dos desejos sexuais infantis,
bem como sua natureza.

Uma fixação, tanto a um objeto quanto a uma fase do desenvolvimento é, em geral,


inconsciente, seja totalmente ou em parte. Por exemplo, apesar da forte intensidade de
suas catexias, os interesses sexuais da nossa infância são comumente esquecidos em
grande parte à medida que abandonamos a tenra infância. De fato, é mais exato dizer
que as lembranças de tais interesses são energeticamente barradas de se tornarem
conscientes, e certamente o mesmo deve ser verdade para as fixações em geral.

Assim como temos um fluxo progressivo da libido no curso do desenvolvimento


psicossexual, também podemos produzir um refluxo. Esse refluxo é chamado de
regressão. Este termo designa o retorno a uma fase ou a um objeto mais remoto de
gratificação.

97
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Um exemplo característico de regressão seria a resposta de uma criança pequena


ao nascimento de um irmão, com que terá que partilhar o amor e a atenção da
mãe. Embora tenha abandonado a sucção do seu polegar vários meses antes da
chegada do irmão, essa questão retorna após o nascimento do irmão. Nesse caso,
o objeto mais primitivo de gratificação libidinal para o qual a criança regrediu foi
o polegar, enquanto a fase mais remota foi a sucção.

Como nosso exemplo sugere, geralmente se considera a regressão como aparecendo


sob circunstâncias desfavoráveis e, ainda que não seja necessariamente patológica,
amiúde se associa a manifestações patológicas.

A psicanálise, literalmente, significa dividir a mente em seus elementos constitutivos


e nos seus processos dinâmicos. Na prática, o termo é utilizado em pelo menos três
significados diferentes:

1. Um conjunto de teorias psicológicas sobre o funcionamento mental,


sobre a formação da personalidade e aspectos do caráter, tanto aqueles
considerados normais como os psicopatológicos (sexualidade infantil,
inconsciente dinâmico, conflito psíquico, mecanismos de defesa e
formação dos sintomas).

2. Um método ou procedimento de investigação dos conteúdos mentais,


especialmente os inconscientes (livre associação, análise dos sonhos,
análise da transferência).

3. Um método psicoterápico que se propõe a efetuar modificações no


caráter por meio da obtenção de insight mediante a análise sistemática
das defesas na neurose de transferência.

O analista adota uma atitude neutra, sentando-se às costas do paciente, não havendo,
portanto, um contato visual direto. O paciente é orientado a expressar livremente e
sem censura seus pensamentos, sentimentos, fantasias, sonhos, imagens, assim como
as associações que lhe ocorrem, sem prejulgar sua relevância ou significado – livre
associação. O terapeuta senta atrás do divã, mantendo uma atitude de curiosidade e de
ouvinte atento. De tempos em tempos, interrompe as associações do paciente, fazendo-o
observar determinadas conexões entre fatos de sua vida mental, particularmente
emoções, fantasias relacionadas com a pessoa do terapeuta, que passam despercebidas,
e refletir sobre o seu significado subjacente.

A psicanálise breve é definida como um tratamento cujo prazo de duração é ajustado


previamente entre o analista e o seu paciente que busca ajuda para resolver um

98
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

problema específico, ou seja, os efeitos de um sofrimento psíquico que se manifesta


em uma área demarcável da vida do atendido e cuja origem possa ser atribuída a um
conflito inconsciente.

Psicoterapia de orientação analítica


O paciente de psicoterapia é orientado a expressar livremente e sem censura seus
pensamentos, sentimentos, fantasias, sonhos, imagens, sem prejulgar sobre sua
relevância ou significado, bem como as associações que lhe ocorrem. Essas associações
não são tão livres como na psicanálise, pois habitualmente são dirigidas pelo terapeuta
para questões-chave da terapia, que, a princípio, busca intervir em áreas circunscritas
ou problemas delimitados. Dentro da área selecionada (foco), o paciente é estimulado
a explorar seus sentimentos, ideias, atitudes, em suas relações com figuras importantes
de sua vida atual, do passado e com o próprio terapeuta, com vistas ao insight. Sem a
utilização do divã, com o uso menor da associação livre, com sessões menos frequentes,
a regressão é menor e a transferência não se desenvolve com a mesma intensidade,
primitivismo e rapidez que a psicanálise.

O que podemos entender por psicologia analítica? Essa abordagem psicológica é uma
escola teórica da psicologia que trabalha com conceitos e visão do mundo, próprias de
seu fundador: o médico psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961). Ao longo de sua vida
dedicada a estudos e pesquisas, Jung abordou e apresentou, a partir de sua formulação
teórica, uma vasta gama de temas e discussões que o colocaram de forma definitiva
como uma grande e influente figura do pensamento psicológico.

Com formação acadêmica em medicina e especializando-se em psiquiatria, ele teve a


possibilidade de estabelecer contato de forma direta com os mais variados tipos de
transtornos mentais. Devemos ressaltar que isso ocorreu, de forma bastante ativa,
inclusive, em seus primeiros anos de trabalho na área da psiquiatria.

Jung passou anos aprofundando seus conhecimentos sobre o que se passava no espírito
do doente mental na clínica psiquiátrica Burghölzli da Universidade de Zurique. Nessa
época a psiquiatria era uma área da Medicina que despertava pouco – ou nenhum –
interesse. E o ensino psiquiátrico consistia em abstrair a personalidade do paciente e
direcionar-se para o diagnóstico, a descrição dos sintomas e os dados estatísticos.

A psicoterapia de orientação analítica utiliza entre uma a três sessões semanais, com o
paciente sentando-se em uma poltrona de frente para o terapeuta, podendo o tratamento
durar vários meses ou até anos.

99
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

O entendimento das escolas e suas diferenças proporciona ao profissional a possibilidade


de adquirir conhecimento de forma pontual. Desse modo, as temáticas trabalhadas
pelas escolas facilitam a busca e a troca de conhecimento.

O psiquiatra suíço C. G. Jung foi um dos principais integrantes do movimento


psicanalítico em sua fase inicial, sendo inclusive o primeiro presidente da associação
internacional de psicanalise.

As divergências com Freud ocorreram inicialmente sobre o conceito de libido, pois Jung
tomava este conceito como uma forma mais ampla que a conceituação sexual oferecida
por Freud. Posteriormente a discordância recaiu sobre a noção do inconsciente.

Na prática da psicologia analítica todos os componentes funcionam de forma conjunta


buscando um equilíbrio dinâmico que proporcione a integridade da personalidade.
Percebemos que o intuito é a proposta de uma estruturação da personalidade por
meio de uma conscientização e busca de equilíbrio entre os componentes conscientes
e inconscientes. Jung denominou esse processo de individuação caracterizando-o,
sobretudo, por uma busca de equilíbrio externo e interno, uma relação de harmonia
entre o consciente e o inconsciente.

A teoria analítica traz em si muito do que Jung vivenciava em seus atendimentos. Desse
modo, ele não tinha como meta ou preocupação estabelecer padrões em sua teoria. Ele
não pretendia dogmatizá-la, colocando-a como um corpo estático. Sua proposta, ou
melhor, sua ideia era a de que os conceitos formulados por ele fossem estruturas vivas
que se transformariam com o passar do tempo.

Para Jung, o fato de haver uma interação constante ente consciente e inconsciente –
por mais que não percebida – faz com que muito do que sabemos possa ser apenas uma
imagem mal elaborada da consciência.

Por isso, na praxis psicológica analítica poderemos perceber que todo novo caso clínico
consiste quase que na formulação de uma nova teoria. Um olhar novo a cada novo caso,
a fim de não nos prendermos a padrões pré-estabelecidos.

Para Jung o consciente só é alcançado através da continuidade, da visão geral ou do


relacionamento com o mundo consciente através da sucessão de momentos conscientes.
A possibilidade do ser humano restringe-se à percepção de instantes de existência. Ou
seja, é como se observássemos através de uma fenda e só víssemos um momento isolado
– o restante permaneceria isolado, inacessível.

Para Jung, o consciente é um campo restrito de visão momentânea. Por observar


campos restritos, o consciente não se relaciona com a totalidade das coisas. Sendo

100
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

assim, podemos dizer que um conceito não é estanque, afinal, o afirmado sobre o
conceito pode ser apenas uma parcela do conceito em sua totalidade.

Jung divergiu de Freud, inicialmente, sobre o conceito de libido, tomando-a de forma


mais ampla que a conceituação sexual e, posteriormente, principalmente sobre a
noção do inconsciente. O rompimento entre ambos foi selado na publicação do livro de
Jung (1924/1986) “Símbolos da Transformação” no qual ele explicita suas diferenças
teóricas com Freud. Basicamente, Jung amplia o conceito de libido, que passa a ser
uma energia psíquica geral e não apenas de caráter sexual, como Freud a conceitua. A
visão da psique e do inconsciente se modifica, pois ela passa a não ser “uma página em
branco” no nascimento e o inconsciente amplia-se incluindo uma camada constituída de
estruturas e imagens comuns a toda a humanidade (os arquétipos) que se manifestam
nos sonhos, mitos, religiões e contos de fadas. Devido a isso, o método de análise de
casos individuais modifica-se, incluindo-se comparações dos sonhos e fantasias com
elementos da mitologia universal, além das associações pessoais.

Psicoterapia breve psicanalítica

Freud descrevia o sujeito como provido de um aparelho psíquico, aberto para o


exterior, mas que não precisava do mundo externo para justificar seu funcionamento.
No vocabulário da psicanálise Lapanche e Pontalis (1970), no verbete relação de objeto,
registra-se a posição freudiana, entendida como one body psychotherapy, ou seja, a
teoria freudiana da psicanálise diz respeito ao sujeito em seu funcionamento isolado
e não em relação. Freud define os conceitos relativos ao sujeito em si como libido,
deslocamento, condensação, resistência, pulsão etc. Freud estava mais interessado
na teoria do que na clínica e preocupava-se com a cientificidade do seu corpo teórico,
preferindo escapar da relação terapêutica, que ele considerava passível de ser criticada
como subjetiva. Em 1937, em Análise Terminável e Interminável, Freud ratifica essa
posição. Freud, enfim, não propôs nenhuma modificação técnica por muitos anos,
tendo até mesmo se oposto a elas.

Diante da reação terapêutica negativa, Ferenczi demonstrou modificações no enquadre,


como a técnica ativa. O princípio que o norteou foi a noção de que, no tratamento, estão
presentes dois elementos: cliente/paciente e terapeuta. Ele é considerado o pai das
psicoterapias breves, pensando a prática e seus efeitos no par analítico.

Ferenczi se preocupava com a prática clínica e com o papel do terapeuta na análise,


oportunizando a discussão da relação terapêutica e da função do mundo real na
psicanálise. Essa questão, ainda hoje, está presente com vários autores se recusando a
considerar o mundo exterior como objeto de preocupação da psicanálise.

101
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Um sintoma constitui uma formação de compromisso que, ao mesmo tempo, defende


contra a emergência do desejo proveniente do id e o gratifica de forma mascarada.

Freud reconhecia a existência de outros mecanismos de defesa, porém dedicou a maior


parte de sua atenção à repressão. Sua filha, Anna, em sua obra O ego e os mecanismos de
defesa, ampliou o trabalho do pai, descrevendo nove mecanismos de defesa específicos:

»» regressão;

»» formação reativa;

»» anulação;

»» introjeção;

»» identificação;

»» projeção;

»» voltar-se contra si mesmo;

»» reversão;

»» sublimação.

Ainda mais importante era o reconhecimento das implicações que a observação atenta
da operação defensiva do ego teria para o tratamento. O psicanalista não poderia mais
simplesmente desvendar os desejos inaceitáveis provenientes do Id.

O que acontece para produzir tão decisivamente a internalização?

Tanto quanto sabemos, à medida que abandona e reprime ou, de alguma forma,
repudia os desejos incestuosos e homicidas que constituem o complexo edipiano, as
relações da criança com os objetos desses desejos transformam-se, em grande parte,
em identificações com eles.

Em 1909, Ferenczi introduziu o conceito de introjeção em seu trabalho Transferência


e Introjeção demonstrando seu interesse precoce pela relação com o outro, lembrando
que os conceitos de projeção e introjeção são essenciais na teoria kleiniana do objeto.
Ferenczi se preocupou em integrar o problema atual do indivíduo com sua história
pessoal, em observar como o sujeito se comporta no presente em função de seu passado.

102
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

Com relação ao assunto sobre introjeção, contratransferência e transferência, a


importância do analista na terapia é o papel do mundo real e do enquadre. Ferenczi
abriu as portas para a reflexão sobre a praxis psicoterápica e a relação terapêutica,
tornando-se autor de leitura imprescindível no estudo da psicoterapia breve.

Não há análise sem analista, ou seja, a presença do analista no processo de análise é


indispensável. Assim como não há bebê sem a mãe (ambiente). Para esses autores,
o terapeuta na psicoterapia breve está sendo mais ativo, interferindo no processo de
análise, porque tal circunstância é inevitável, uma vez que são duas as pessoas envolvidas
e não apenas uma.

Segundo a concepção de terapia breve o terapeuta deve acompanhar o seu cliente em


suas associações livres, interpretar o material inconsciente a partir de uma escuta
psicanalítica baseada em experiência e sólida formação teórica, buscando um encontro
significativo, consciente de sua participação como ser humano no processo analítico.

Pode-se observar, com frequência, a mesma relação entre a vida instintiva da infância e
traços normais da vida adulta, como a escolha da vocação ou do parceiro sexual. É difícil
dar exemplos satisfatórios, extraídos da experiência pessoal, a respeito da escolha de
vocação, pelo risco de quebrar o sigilo profissional. No entanto, mesmo os exemplos
resumidos e modificados podem ser suficientes para convencer o leitor, ao menos em
parte, da correção da afirmativa que procuramos exemplificar.

Terapia cognitivo comportamental

Nota-se que a terapia cognitiva tem sido frequentemente – e equivocadamente –


identificada como terapia comportamental, originando a ideia comum entre terapeutas
treinados na abordagem comportamental, de que estariam naturalmente habilitados a
praticá-la. A abordagem cognitiva e comportamental tem concepções de ser humano e
modelos de personalidade e de psicopatologia diferentes, mas isso não quer dizer que
elas não possam ser trabalhadas juntas e obter eficácia.

A mudança da terapia cognitiva e suas técnicas comportamentais requerem uma


adaptação da visão de ser humano e a adoção dos modelos cognitivos de personalidade
e psicopatologia.

Essa integração de elementos da terapia comportamental à terapia cognitiva pode


ser feita sim, resultando na chamada Terapia Cognitiva Comportamental ou TCC,
sendo viável a utilização de técnicas comportamentais utilizadas visando mudanças
cognitivas que atuam por alterar comportamentos. Sabemos que, antes que o
Behaviorismo existisse, outras escolas de psicologia o antecederam e outras surgiram a

103
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

partir dele, como a Psicologia Experimental, a Psicologia de Wundt, o Estruturalismo,


o Funcionalismo, até que, por meio de Watson, o Behaviorismo surgiu como uma
ciência do comportamento (comportamento este passível de ser observado e descrito
em termos objetivos). A Psicologia da Forma ou da Gestalt que se dedica amplamente à
aprendizagem e à percepção sugere que a combinação dos elementos sensoriais produz
novos padrões com propriedades que eram inexistentes nos elementos individuais.
A psicanálise, juntamente com o behaviorismo, incentivou o surgimento de diversas
abordagens dentro da psicologia e das escolas já existentes.

A terapia comportamental, por exemplo, é rica em informações e técnicas, sendo


constituída por um considerável arsenal de técnicas derivadas de pesquisas, em
laboratório ou no consultório.

A Terapia Cognitiva foi desenvolvida por Aaron T. Beck como uma terapia breve,
estruturada, orientada ao presente para depressão, direcionada para a resolução de
problemas atuais e a modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais.

Aaron T. Beck e outros trabalharam na adaptação da terapia – com sucesso – para que
a abordagem pudesse atender a diversos transtornos de forma eficaz.

Assim, o modelo cognitivo propõe que o pensamento distorcido ou disfuncional,


que sabemos que influencia o humor e o comportamento do paciente, seja comum a
todos os distúrbios psicológicos. Desse modo, se o nosso atendido/paciente faz uma
avaliação realista e modifica seu pensamento, ele produz uma melhora no humor e no
seu comportamento. Para se ter uma melhora duradoura, deve-se modificar as crenças
disfuncionais básicas dos pacientes.

Judith Beck enfatiza que a terapia cognitiva é utilizada em uma ampla gama de aplicações
também apoiadas por dados empíricos, que são derivados da teoria.

A teoria cognitiva foi extensamente testada desde 1977, em que estudos controlados
demonstraram sua eficácia no tratamento do transtorno depressivo maior, transtorno
de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, fobia social, abuso de substância,
transtornos alimentares, terapia de casal.

A terapia cognitiva pode ser utilizada também para pacientes com diferentes níveis de
escolaridade, faixas etárias e classes sociais.

Outras formas de terapia cognitivo-comportamental foram desenvolvidas como a


terapia racional emotiva de Albert Ellis, a modificação do comportamento de Donald
Meichenbaum e a terapia multimodal de Arnold Lazarus, e muitos outros contribuíram

104
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

de forma relevante para o desenvolvimento da terapia cognitiva, incluindo Michael


Mahoney, Vittorio Guidano e Giovanne Liotti.

A integração entre as abordagens cognitiva e comportamental aconteceu a partir


da aceitação de ideias cognitivas influenciadas pelos três sistemas de Lang que são,
a saber, o comportamental, o cognitivo/afetivo e o fisiológico, que enfatiza que os
problemas psicológicos poderiam ser conceitualizados de maneira útil em sistemas de
resposta sutilmente ligados. Isso foi um marco para a aceitação das noções cognitivas
na abordagem comportamental.

O tratamento da abordagem cognitivo-comportamental objetiva ajudar o paciente


a reconhecer padrões de pensamento distorcido e comportamento disfuncional,
utilizando-se a discussão sistemática e tarefas comportamentais previamente
estruturadas para ajudar o paciente a avaliar e modificar tanto seus pensamentos
inadequados quanto seus comportamentos disfuncionais.

Psicoterapia psicodinâmica

A psicoterapia psicodinâmica é um exemplo de intervenção que usa, de forma integrada,


conceitos teóricos oriundos de diferentes teorias, além dos conceitos psicanalíticos
de conflito psíquico inconsciente, buscando sua resolução mediante a eliminação de
defesas consideradas patológicas por meio do insight. Emprega, ainda, os conceitos de
reforço do ego, derivado da psicologia de foco, de experiência emocional corretiva, de
crises, e as teorias da aprendizagem, incluindo as teorias cognitiva e comportamental.

Principais características da psicoterapia psicodinâmica:

»» delimitação de um foco, problema ou conflito principal, em acordo com o


paciente e no qual se centraliza toda a atividade psicoterápica;

»» estabelecimento de uma hipótese psicodinâmica, explicativa do problema


principal ou do foco, que faz sentido ao paciente, ao qual ele responde
positivamente e que orienta as intervenções do terapeuta;

»» interpretação de forças inconscientes;

»» ensino de novas formas de lidar com os conflitos emocionais;

»» atitude ativa do terapeuta que utiliza, caso necessário, medidas de apoio


como manipulação do ambiente para tornar o clima mais tranquilo;

»» delimitação do tempo de duração do atendimento;

»» seleção adequada do paciente.


105
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

O terapeuta adota atitudes utilizando, além das intervenções que visam ao insight,
outras de caráter de apoio como: sugestão, educação, clarificação, aconselhamento etc.
A preocupação maior é com o futuro e menor com o passado.

O paciente ideal para psicoterapia psicodinâmica usualmente tem problemas


circunscritos (foco), mesmo que antigos, e áreas da personalidade funcionais e altamente
motivadas, com boa capacidade de insight e de se vincular rapidamente ao terapeuta.
Na realidade, são poucos os que preenchem os critérios exigidos por essa terapia.

A delimitação do tempo faz com que, de forma prematura, questões surjam envolvendo
alta e separação e que sejam estimuladas a autonomia, a autoestima, entre outros.

Os resultados são indícios de estarem atrelados à motivação para mudança, frequência


das interpretações transferenciais e a sua ligação com figuras paternas e elementos
envolvendo impulsos, desejos ou sentimento do conflito focal.

A psicoterapia psicodinâmica é indicada no tratamento de problemas circunscritos


ou mudanças de caráter em áreas restritas da personalidade. Terapeuta e paciente
devem poder rapidamente definir um foco ou problema principal e estar de acordo em
trabalhar sobre ele.

O paciente deve ser capaz de estabelecer rapidamente uma aliança de trabalho e de


vincular-se ao terapeuta, ter facilidade de expressar seus sentimentos e interesse em
compreendê-los. Deve ainda ser capaz de facilmente separar-se por ocasião da alta
e demonstrar motivação para efetuar mudanças, através da compreensão de suas
dificuldades. Não deve ter problemas que possam ser agravados, se mobilizadas algumas
defesas, nem devem ser numerosos, difusos ou severos.

Indicações:

»» pacientes com transtornos de ajustamento e de personalidade leve,


organização neurótica de personalidade;

»» situações ou problemas agudos, na vigência de transtornos


caracterológicos crônicos.

Contraindicações:

Há algumas contraindicações:

»» psicoses;

»» transtornos de humor;

106
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

»» transtorno de dependência ao álcool ou outras substâncias psicoativas;

»» transtorno obsessivo compulsivo ou fóbico incapacitante;

»» transtorno do pânico;

»» transtorno de caráter grave: organização borderline ou psicótica


da personalidade, expressos sob a necessidade frequente
de hospitalização, tentativas de suicídio, condutas auto ou
heterodestrutivas graves, controle precário dos impulsos;

»» pacientes muito imaturos e dependentes que, em virtude das reações


transferenciais desenvolvidas, tenham dificuldade em se separar do
terapeuta;

»» situações emergenciais que exijam intervenções rápidas do tipo


mudança ambiental;

»» necessidade de modificações maiores ou mais profundas no caráter;

»» problemas difusos, focos ou conflitos múltiplos.

Fatores comuns a toda terapia

Existem muitos fatores comuns a todas as psicoterapias, citaremos alguns:

»» A psicoterapia ocorre no contexto de uma relação de confiança


emocionalmente carregada em relação ao terapeuta.

»» A psicoterapia ocorre em um contexto terapêutico, no qual o paciente


acredita que o terapeuta irá ajudá-lo e confia que esse objetivo será
alcançado.

»» A psicoterapia é uma relação profissional que ocorre no contexto de uma


relação interpessoal, envolvendo outra pessoa ou um grupo de pessoas.

»» Para a terapia ter sucesso, é indispensável um contexto terapêutico


favorável, caracterizado por um ambiente de confiança e apoio, no qual
o paciente acredita que o terapeuta irá ajudá-lo e que esse objetivo será
atingido.

»» A terapia deve proporcionar uma oportunidade para o paciente expressar


emoções, reviver e revisar experiências passadas, particularmente as

107
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

que envolvem relacionamentos com figuras importantes do passado,


percebendo as repetições no presente e encontrando novas formas de
agir.

»» Intervenções específicas são usadas pelo terapeuta, em que são correntes


com o modelo explicativo sobre a origem e a manutenção dos sintomas,
com o propósito de eliminá-los.

»» A terapia deve criar um ambiente que proporcione o entendimento e a


busca de alternativas para modos problemáticos de pensar, sentir e se
comportar.

»» A terapia deve proporcionar a oportunidade para novas aprendizagens


por meio da exposição da situação, ideias, sentimentos e comportamentos
que provocam ansiedade, fazendo com que o paciente supere seus medos
e evitações.

Em casos mais difíceis, nos quais as projeções sobre o atendido são maciças ou
pelas próprias condições íntimas do caso, deve-se lançar mão de outras abordagens
terapêuticas – motivo pelo qual explanamos acerca das escolas apresentadas.

É fundamental salientar que, em certo número de casos, a intervenção terapêutica


pode se limitar a um pequeno número de consultas, algumas vezes mesmo apenas
uma. Este tipo de intervenção é bastante útil quando nos deparamos com famílias
relativamente saudáveis com história de um funcionamento adaptado no passado e
que estão enfrentando crises vitais ou acidentais, que estão perturbando a homeostase
do sistema. Tais crises consistem, usualmente, em situações novas que o indivíduo ou
grupo familiar é incapaz de enfrentar de forma adequada e suficientemente rápida com
seus próprios recursos e mecanismos de defesa.

Os problemas são, muitas vezes, graves e inevitáveis, como perdas simbólicas ou reais,
o surgimento de uma patologia, acidentes, mudança ou perda de emprego, casamento
de um filho, nascimento de um filho prematuro. Enfim, a vida não apresenta um roteiro
e os imprevistos são inúmeros.

A estimulação do crescimento pessoal pela exposição a situações de crise com o auxílio


terapêutico visa encontrar formas alternativas e funcionais para lidar com a tensão
tem implicações importantes na resistência ao transtorno mental. A persistência do
transtorno mental e a manutenção do sintoma estão diretamente relacionados com a
capacidade de ajudarmos a família e o atendido/paciente a ampliarem seus repertórios
de habilidades, a fim de o atendido não recorra a formas regressivas, irreais e socialmente

108
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

inadequadas para lidar com suas dificuldades. Nesse caso, podemos exemplificar o
uso de substâncias psicoativas (lícitas ou ilícitas). De acordo com a sustentabilidade
poderão surgir sintomas neuróticos e psicóticos.

Caso clínico

Atendida na faixa dos 40 anos foi encaminhada em função de lapsos de memória. Em


sua fala ela relata que compareceu ao consultório em busca de ajuda, com o objetivo
de se ‘tornar uma mãe melhor’. Ela tem dois filhos adolescentes. Relata que perdeu o
marido há pouco tempo e desde então ‘não consegue controlar os filhos’. O filho mais
velho, 17 anos, começou a beber e chegar em casa muito tarde, não dando mais atenção
aos estudos, e seus planos de fazer o vestibular acabaram sendo deixados de lado. Já o
outro filho, de 15 anos, repetiu de ano e se isolou em casa, ficando no quarto, assistindo
a séries pelo celular. A atendida relata que sempre trabalhou fora, parando de atuar
como atendente em clínica médica para se dedicar ao casamento. Atualmente, ela é
viúva.

Prossegue com sua narrativa alegando que sempre foi uma mãe cautelosa, querendo
atender a todas as vontades dos ‘homens da casa’. Ela se referiu deste modo ao marido
e aos dois filhos.

Antes da situação com os filhos, ela já estava em acompanhamento psicoterápico, pois


não conseguia se concentrar em nada. Começou a sentir um imenso vazio em ser esposa/
mãe. Não havia qualquer projeto expressivo, segundo ela. Seu universo se resumia aos
afazeres domésticos e às vontades que deveria atender.

Nesse movimento acabou ganhando peso, a autoestima ficou reduzida, não gerava renda
e dependia do marido para fazer o que costumava arcar com seu salário. O marido e os
filhos nunca participaram de qualquer uma das sessões.

A atendida mencionou que a terapia de família seria interessante para todos, pois
sentia a ausência de empatia entre as pessoas do seu núcleo familiar. Entretanto, esse
momento não aconteceu e o marido faleceu subitamente em casa na frente dos filhos. O
pai era, de acordo com a atendida, o modelo que os filhos seguiam.

Este exemplo é bem abrangente.

De modo geral, já havia um quadro de pressão maior que favoreceu perdas de memória,
aliado ao fato da perda do marido. A atendida não consegue mais seguir adiante com
sua vida, de forma autônoma. Exames informam que há comprometimento neural. O

109
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

encaminhamento ao neuropsicopedagogo visa ampliar a avaliação para fechamento de


um laudo.

Podemos observar uma questão que foi levada ao neuropsicopedagogo, por indicação,
mas que a atendida, na verdade, já apresentava questões pertinentes aos outros
membros da família.

E nesse contexto?

O que pode ser dito?

Há indicações de avaliação na infância que pressupõem objetivo e tempo determinado,


quais sejam:

»» iminência de uma cirurgia;

»» presença de sintomas agudos e isolados, que possam ser focalizados; por


exemplo, transtorno na alimentação em crianças pequenas;

»» recusa ansiosa, por parte da criança, a se submeter a um tratamento


médico ou odontológico específico;

»» início de uma doença mental na criança ou em familiar próximo e


representativo;

»» situações de crises familiares com mensagens contraditórias ou enganosas


(separação dos pais, adoção, mudança e novo casamento dos pais).

No caso, nossa atendida iniciou um acompanhamento psicológico quando seus filhos


ainda eram crianças. Um estava entrando na adolescência. Mas, havia uma indicação
para terapia familiar ou individual, que não ocorreu.

Na adolescência, por exemplo, a psicoterapia é extremamente útil frente a situações que


implicam dificuldades para lidar com as perdas inerentes a esta fase do desenvolvimento,
como o luto pelos pais (fato que aconteceu com os filhos da atendida), luto pelo corpo
infantil ou a vulnerabilidade às pressões ambientais e familiares, que possam gerar
conflitos em várias áreas.

Na psicoterapia de crianças e adolescentes, o tempo da terapia vai depender da relação


transferencial e contra transferencial avaliada pelo terapeuta e também das condições
empáticas da dupla paciente/terapeuta. É fundamental, neste tipo de proposta breve,
a utilização dos instrumentos que a psicanálise nos oferece, para o entendimento

110
psicodinâmico do paciente. Entretanto, deve-se evitar a interpretação transferencial
que não poderá ser adequadamente trabalhada em curto espaço de tempo.

Mesmo concomitante à psicoterapia individual, em algumas situações se faz necessária a


inclusão dos familiares da criança envolvidos em sua rotina diária, em algumas sessões,
com o propósito de estabelecer orientações, combinações e entendimento do processo
que a criança está atravessando em um dado momento. Faz parte a participação, por
exemplo, de avós, babás, amigos e animais de estimação, além dos pais.

A psicoterapia procura favorecer a aliança entre o membro mais doente do grupo familiar,
facilitando o encaminhamento deste indivíduo específico para terapia e liberando o
paciente referido de seu sintoma ou de seu papel de continente das projeções do grupo
familiar sobre ele.

O escopo da terapia é propiciar mudanças internas e consistentes, colocando-se as


questões do passado no passado, de forma a auxiliar os atendidos a entender que
o passado não pode ser mudado, mas pode-se alterar a maneira de lidar e a forma
de compreender as mudanças objetais, alterando a forma de vivenciar o presente e
programar o futuro.

Para o psicoterapeuta que atua junto a crianças, é indispensável a habilidade e disposição


para conhecer e interagir com tudo o que constitui o mundo externo da criança. Assim,
o trabalho interdisciplinar se faz necessário, bem como a comunicação entre os demais
profissionais que acolhem a demanda do atendido. Esforços são somados para favorecer
a intervenção junto à criança que se encontra em processo terapêutico.

É fundamental considerar que, cada vez mais, vivemos em uma sociedade com acúmulo
de riscos, que, sem dúvida, tem consequências sérias no desenvolvimento do indivíduo.
Por outro lado, inúmeros estudos têm demonstrado a capacidade dos indivíduos de
usar mecanismos adaptativos, serem flexíveis, enfrentar dificuldades e retornar a um
estado de equilíbrio, um estado homeostático prévio.

Portanto, o neuropsicopedagogo clínico faz parte da equipe e vai auxiliar com seu
conhecimento nas mais diversas demandas.

111
CAPÍTULO 4
A equipe multidisciplinar e a
Neurociência

Devido à variedade de transtornos, problemas, síndromes e patologias com a


sintomatologia variando em um mesmo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento,
a intervenção do neuropsicopedagogo clínico preconiza atenção multidisciplinar,
envolvendo profissionais de diversas áreas, tais como:

»» fonoaudiologia;

»» pedagogia;

»» psicologia;

»» terapia ocupacional;

»» medicina;

»» fisioterapia;

»» psicomotricidade;

»» nutrição;

»» educador físico;

»» musicoterapia;

»» psicopedagogia, entre outros.

É importante ressaltar que, para que se obtenham avanços, as atividades devem ocorrer
de preferência no ambiente de aprendizagem estruturado.

Por se tratar de atendimentos aos mais variados quadros, o acompanhamento se


configura de uma forma ampla, personalizada e intensiva, que exige a troca constante
entre a equipe multidisciplinar que deve estar integrada e constantemente atualizada.

As perturbações características da maioria dos indivíduos requerem profissionais


especializados para o atendimento, que tenham dedicação e sensibilidade, pois a
incapacidade de desenvolver relações interpessoais é também um fator impeditivo para
adesão de muitos indivíduos às intervenções terapêuticas. O profissional tem, deste

112
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

modo, que ser um especialista, e cativar a atenção e desenvolver um vínculo com o seu
atendido, com a família, com a escola (coordenação acadêmica, professores).

Assim, devemos assinalar que o atendimento realizado pelo neuropsicopedagogo clínico


é uma demanda crescente e, quanto mais o profissional investir em conhecimento
para atender às necessidades de seus atendidos, maior eficácia terá o seu trabalho e o
desenvolvimento desses indivíduos.

O quadro geral e os avanços em cada uma das intervenções são apresentados aos
membros da equipe multidisciplinar que têm por hábito fornecer relatórios e pareceres
com certa frequência, trocando informações pertinentes entre si para implementar a
maior eficiência no tratamento.

Por exemplo, o médico neuropediatra, ao suspeitar de um diagnóstico, irá seguir seu


protocolo. Em paralelo, ele já encaminha o paciente a uma psicóloga para que esta
inicie a observação comportamental. A psicóloga, por sua vez, pode notar a necessidade
de um psicomotricista, pois a criança é não verbal, o psicomotricista encaminha ao
neuropsicopedagogo para que este avalie o funcionamento cerebral. E, assim, vai se
construindo uma rede multidisciplinar no atendimento.

Sem atendimento adequado ou com profissionais não especializados, o quadro não será
revertido e ainda corre-se o risco de haver uma piora nos aspectos comportamentais,
psicológicos e emocionais do atendido. Dessa forma, todos que compõem a equipe
precisam ter cursos de especialização e se manterem atualizados em relação às pesquisas
e estudos do meio científico.

Os principais objetivos do tratamento consistem em diminuir os sintomas


comportamentais, ajudar no desenvolvimento de funções atrasadas, ou que sejam
rudimentares ou ausentes, como a linguagem, e tentar desenvolver o máximo de
autonomia possível.

Além dos tratamentos, é importante assinalar o benefício dos esportes para o


desenvolvimento das habilidades em indivíduos com questões cerebrais, como natação,
ginástica olímpica entre outros. Ressaltamos que esses devem ser indicados sempre
pelo médico ou fisioterapeuta que compõem a equipe multidisciplinar.

Como vimos no decorrer da nossa disciplina, na atuação do neuropsicopedagogo


são levados em consideração a sintomatologia apresentada, bem como o grau
de comprometimento em cada uma das áreas: comunicação, interação social,
comportamento repetitivo e restrito. A atuação das neurociências engloba, então, uma
infinidade de problemas. Isso representa que não se encontram duas pessoas com a

113
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

mesma síndrome, transtorno ou dificuldade de aprendizagem que se desenvolvam da


mesma forma.

Os comportamentos inadequados refletem apenas a manifestação dos sintomas da


psicopatologia e o resultado de fatores, tais como:

»» falta de tratamento específico;

»» abordagens inadequadas;

»» dificuldades sensoriais;

»» inabilidade de comunicação e interação;

»» dificuldade de compreensão do mundo a sua volta, do outro e de si mesmo;

»» outras dificuldades e limitações inerentes à síndrome.

A equipe multidisciplinar irá avaliar cada um dos comportamentos ou sintomas de


acordo com a área em que se encontram. Sendo assim, cada profissional irá emitir seu
parecer a respeito da situação que o indivíduo apresenta antes do início da intervenção.
Pode parecer algo cansativo para os pais ou responsáveis, esse acúmulo de terapias,
muitas vezes em locais diferentes e que preenchem a semana, mas, sem continuidade
o tratamento é ineficiente. Parece e realmente é cansativo para os pais e pode vir a se
tornar para o atendido. Exatamente por isso, o quadro de terapias deve ser estruturado
para não sobrecarregar o indivíduo com vários tratamentos ao dia. Mesmo porque,
ainda há a escola, quando se atende a crianças e adolescentes. E não podemos esquecer
da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pois adultos devem continuar a estudar.

Um alerta sobre as terapias alternativas controversas.

Levando-se em conta a complexidade das demandas relacionadas ao


funcionamento cerebral, seu aspecto crônico, a cura, o custo dos tratamentos
multidisciplinares indicados, e os resultados que podem ser demorados, como já
assinalamos, tudo depende do transtorno, do grau desse transtorno, da presença
de comorbidades.

O progresso é alcançado com bons profissionais, paciência, adesão ao tratamento


e repetição.

Crianças são extremamente visuais e, em tempos de aplicativos (APPs), a tecnologia


dos tablets e smartphones é um instrumento válido para o desenvolvimento cognitivo,
a comunicação e a parte sensorial das crianças. A maioria das crianças tem grande

114
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

facilidade em lidar com a tecnologia. Há uma relação interessante de aplicativos que


podem e devem ser utilizados em momentos da avaliação ou intervenção, inclusive
como um reforço positivo (R+).

Por meio da colaboração entre os profissionais da equipe, pela troca e alinhamento


de estratégias, o indivíduo será melhor atendido em suas necessidades. Toda a
contextualização de caso deve seguir um plano que se altere a cada nova habilidade
adquirida. Como veremos mais à frente, a escola também desenvolve planos individuais
para atender a cada criança/adolescente mediante suas capacidades e competências.

As próprias crianças e adolescentes usam seus smartphones ou tablets para fazer


pesquisas, assistir a vídeos em canais de youtube e baixar aplicativos com os mais
diversos jogos. Isto mostra a plasticidade neuronal em ação e favorece a ativação de
áreas cerebrais, criando novas sinapses.

Estudos têm revelado os benefícios no processo de escolarização aos estudantes com


maiores comprometimentos. Temos que apresentar uma visão realista haja vista que os
desafios emergem a todo instante, mas as tentativas são constituídas nesta mesma via.

Quando nos referimos ao processo de aprendizagem, estão implícitas todas as formas


de conhecimento. Não devemos nos limitar aos conhecimentos acadêmicos, mas
acrescentar conhecimentos da rotina, o chamado Treino de Habilidades Sociais (THS),
que abrange, inclusive, as ações de afeto e sentimentos, valores e regras.

Desse modo, a inclusão requer uma autocompreensão e autorreflexão do papel do


educador sobre sua constituição ética enquanto sujeito de valor para, então, juntos
elaborarem e trabalharem dentro de uma abordagem de ensino individualizada que
contemple aspectos imprescindíveis frente às peculiaridades do sujeito. Mesmo sendo
uma criança, um fator biológico não pode ser o determinante para o seu desenvolvimento.

Devemos olhar além da patologia. Como o indivíduo poderá oferecer algo se ninguém
espera nada dele?

Incluir é, dentre outros fatores, inserir a pessoa no contexto social de forma digna,
respeitando suas características e os preceitos dos direitos humanos, da Constituição
Federal.

A escola que conhecemos teve seu modelo firmado no Ocidente, no século XVI, quando
o ensino começou a expandir-se para um maior número de aprendentes. Para avaliar o
que esse alunado aprendeu, veio junto a avaliação, o exame, a medição do conhecimento,
gerada com o objetivo de diferenciar os que aprendiam, daqueles que não aprendiam.

115
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Hoje, ainda vivemos esse modelo, essa função seletiva e, por consequência, excludente
da avaliação desde o século XVI.

Vista dessa forma, a avaliação tem o objetivo de normatizar quem aprende. Os que estão
acima ou abaixo da média são os diferentes. De novo, é a diferença batendo à porta.

Provas não provam muito. É possível estudar, sem aprender. Na verdade, o ato de
estudar não fundamenta a capacidade de aprendizagem. Tanto que é possível decorar
uma matéria, tirar uma excelente nota e não fixar esse conhecimento. Ou seja, não
ocorreu a aprendizagem, apenas decorou-se o que ia cair no exame.

O esperado para pessoas tanto neurotípicas quanto neuroatípicas é que haja a


aprendizagem e que esta se expanda: plasticidade cerebral. Quanto mais o indivíduo
aprende, maior o número de sinapses de qualidade e maior sua inserção no convívio
social e domínio de habilidades necessárias.

A verdadeira função da avaliação, da prova, do exame e do teste é garantir o sucesso do


processo educacional, assinalando os conteúdos que foram adquiridos e aqueles que
não foram. Como foi aprendido? Quais os entraves ao aprendizado? Qual a incerteza
na resposta? Deste modo, o professor/educador deve encarar a prática avaliativa como
uma ferramenta de feedback (retorno) sobre a forma como ensinou, como transmitiu o
conhecimento e como ele atingiu o seu aprendente.

Ou seja, é sair totalmente da zona de conforto, é pensar fora da caixa, é expor-se.


Muitos talvez não queiram isso. Daí provêm as ansiedades, as incertezas, os receios do
docente: “eu posso demonstrar falhas?” Ora, como já dizia Paulo Freire (2013) somos
eternos aprendentes: “Não existem medos na hora de doar seu conhecimento e de ter
um retorno sobre como os alunos compreendem ou não aquilo que lhes é passado”.

Nesse movimento de reformulação, o processo de escolarização de pessoas com


deficiência tem produzido mudanças nas políticas públicas para que as salas de aula
de ensino regular representem o locus de aprendizagem e a produção de conhecimento
para todos os alunos.

O ambiente escolar passou – ou teve que ser levado – a abranger os diferentes modos
de aprender, tornando-se fundamental.

A escolarização de crianças com neurodiversidade foi um campo marcado pelos


diferentes modos de compreender essas crianças, seu desenvolvimento e possibilidades
educativas perante cada abordagem. Historicamente, sabemos que a responsabilidade
em escolarizar as crianças neuroatípicas era destinada a instituições voltadas para a
educação especial.

116
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

O atendimento a pessoas com deficiência nessas instituições baseava-se no modelo


clínico médico no qual o trabalho educativo estava centrado na deficiência do aluno,
visando corrigir ou amenizar os déficits, cristalizando a imagem da criança estranha ao
seu diagnóstico e determinando a incapacidade de aprender e se desenvolver.

O movimento de inclusão, a partir da segunda metade da década de 1980, favoreceu a


instituição de políticas que garantissem o acesso universal à educação. Assim, o acesso
de pessoas com deficiência à escola regular passou a ser garantido por meio de leis e
documentos no âmbito nacional, estadual e municipal.

Um tema de alta relevância para a neuropsicopedagogia é o surgimento do movimento


de inclusão, no cenário mundial e como ela tem sido trabalhada no contexto do nosso
país.

Existem muitos desafios e caminhos a trilhar, mas o desenvolvimento do trabalho


cotidiano com pessoas com alguma deficiência ou dificuldade de aprendizagem em
salas de aula do ensino regular é um fator essencial que precisa estar fundamentado em
bases sólidas, tanto teóricas quanto práticas. Só assim o ‘diferente’ será integrado na
sociedade que o cerca.

O aluno aprende.

O aluno com deficiência aprende.

A aprendizagem é característica do ser humano.

Ao analisamos o processo da educação na história universal, podemos observar


evidências de teorias e práticas segregadoras nas áreas social, cultural e pedagógica, de
modo que a pedagogia da exclusão faz parte da história humana.

É consenso o fato que pessoas com deficiência têm sido excluídas e segregadas de
espaços comuns, principalmente na área educacional. A proposta de educação inclusiva
surge com o objetivo de reescrever mais uma vez a história, rompendo com o quadro da
exclusão e contribuindo para a igualdade de oportunidade para todos.

A inclusão é uma prática considerada nova, pois, no Brasil, só existe há pouco mais
de dez anos. A partir desse momento, nota-se uma conscientização crescente nas
áreas de políticas públicas, médicas e pedagógicas sobre os aspectos educacionais e do
aprendizado do aluno neuroatípico.

Nesse sentido, o viés colaborativo facilita a superação das desigualdades nos dias de hoje,
diminuindo a exclusão dentro e fora da escola e contribuindo com o desenvolvimento
do potencial e elevando a qualidade de vida.

117
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

O desenvolvimento humano é caracterizado pela atividade mediada. A inserção da/


na cultura é um processo de dupla mediação (dos signos e do outro), que impulsiona o
desenvolvimento infantil.

A sociologia da infância concebe essa fase da vida como múltipla, pois, em uma mesma
sociedade, existem infâncias diversas. O modo como essas infâncias são produzidas
está diretamente ligado às relações sociais estabelecidas nas relações com o outro.

A criança, ao internalizar as formas de ação estabelecidas socialmente, para se relacionar


com os objetos e com os outros, as toma suas em uma apropriação (ou leitura) que
transforma seus processos biológicos, constituindo seu funcionamento interno. Deste
modo, a criança passa a dominar e utilizar os instrumentos e a linguagem de forma
mais independente, tornando-se capaz de regular seu comportamento e ação.

A participação do outro no desenvolvimento infantil está diretamente relacionada ao


modo como esse outro interage e realiza ações conjuntas com a criança favorecendo (ou
não) seu contato com a coletividade do meio social.

Em condições concretas da vida, a posição social e o lugar da criança com autismo são
muitas vezes atravessados pela impossibilidade de participar de atividades tipicamente
infantis.

Os comprometimentos nas áreas de interação social e linguagem fazem com que


o processo de significação pelo contato com o outro seja marcado com uma criança
estranha, causando um desconforto no processo interativo.

Sendo assim, vários objetivos são alcançados na educação de crianças com deficiência.
Um deles é ensinar comportamentos que as crianças com desenvolvimento normal
aprendem por meio da interação com outras pessoas.

Linguagem, capacidade adaptativa e responsabilidade social são alguns dos objetivos


traçados e desenvolvidos com as crianças com desenvolvimento atrasado e/ou
atípico e que não fazem parte de um programa de educação para crianças normais.
Há aproximadamente duas décadas, a educação especial vem alterando seu modelo
de atuação com a ideia da educação inclusiva. As leis, os avanços das pesquisas das
ciências pedagógicas, da psicologia e a luta de várias áreas da sociedade por direitos
iguais proporcionaram modificações na educação especial como o princípio de mudança
de paradigmas do modelo médico para o modelo educacional.

Para o aluno com dificuldade de aprendizagem/atraso no desenvolvimento, inicialmente,


o que importa não é tanto a capacidade acadêmica, mas a aquisição de habilidades
sociais e autonomia. A atribuição do educador é a de promover e dispor de condições

118
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

educativas em um ambiente estruturado para que, assim, a pessoa autista não se torne
incapaz de realizar tarefas simples do cotidiano. Há, portanto, a necessidade de aprender
diversas atividades que ampliarão seu repertório de execução de tarefas, colaborando
para torná-la mais independente ao longo de sua vida.

Desse modo, as atividades são escolhidas em razão de sua utilidade para a vida social.
Escovar os dentes, tomar banho, arrumar a cama, escolher roupas de acordo com o
clima, tomar banho, utilizar o banheiro, fazer suas refeições, vestir-se, são apenas
algumas das atividades que precisamos aprender ao longo do desenvolvimento, mas
que, para muitos, pode representar um imenso desafio.

Incluir a criança com atraso no desenvolvimento vai além de colocá-la em uma escola
regular, em uma sala regular. É preciso proporcionar a essa criança aprendizagens
significativas, investindo em suas potencialidades, o que a torna um ser que aprende,
pensa, sente, participa de um grupo social e se desenvolve com ele e a partir dele, com
singularidade.

A atitude mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e
pedagógica, originada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos,
aprendendo e crescendo sem nenhum tipo de discriminação.

A década de 1990 impulsionou o tema da inclusão, com o discurso em defesa da


Escola para Todos, originário do evento relacionado ao assunto ocorrido em Jomtien,
Tailândia (1990), por meio do qual estiveram reunidos representantes da Educação dos
países da América Latina e do Caribe. Decorrente dos compromissos firmados pelos
governos presentes, aconteceu a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais, em Salamanca, Espanha (1994) e, o Fórum Consultivo Mundial: Educação
para Todos: o Compromisso de Dakar, Senegal (2000).

Apoiados nesses eventos, expandiram-se pelo mundo os propósitos da educação


inclusiva.

No Brasil, a inclusão foi implementada nas escolas com princípios condutores


no sentido de assegurar o direito de todas as crianças, jovens e adultos à educação
independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,
linguísticas, dentre outras.

A escola inclusiva assegura a igualdade entre os educandos diferentes e esse


posicionamento garante-lhes o direito à diferença na igualdade de direito à educação.

Em grande parte das produções acadêmicas brasileiras em educação, a concepção


de neurodiversidade se encontra vinculada às noções de desvio e anormalidade.

119
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Para estabelecer um novo olhar para a criança com atraso no desenvolvimento e/ou
deficiência é preciso romper com essas concepções, construindo um olhar voltado para
as possibilidades.

A abordagem histórico-cultural de Vigotsky está baseada na participação do outro


na construção do sujeito em sua relação com o mundo por meio da ação mediadora.
Portanto, nenhum ser humano deve ser privado de se relacionar com outras pessoas,
com o ambiente onde as relações interpessoais são privilegiadas – esse é o melhor
método e o mais adequado de interação – quer essa pessoa tenha ou não alguma
deficiência.

Como indica Vigotsky, a educação da criança deficiente precisa superar uma prática
educacional baseada no déficit, nas impossibilidades e limitações em relação ao que ela
não pode ou não consegue fazer sozinha.

Diante da perspectiva histórico-cultural, devemos situar a criança no meio social, a


partir de como ela é significada e constituída pelo outro sem desconsiderar suas
especificidades, mas levando em consideração essa criança como um sujeito que pensa,
deseja, sente e representa o mundo de uma maneira peculiar, interagindo com ele de
outra forma.

Será por meio do processo de interação entre a criança e seus interlocutores que
ocorrerá a aquisição da linguagem em si, desenvolvendo, deste modo, sua capacidade
de simbolizar o mundo que a cerca para o outro, conferindo sentido aos processos de
interação social e, para si, na forma internalizada necessária ao desenvolvimento das
funções psicológicas superiores.

Na abordagem histórico-cultural, o educando é um sujeito ativo em seu processo de


formação e desenvolvimento intelectual, social e afetivo. O professor vai intermediar e
favorecer a inter-relação do encontro/desencontro entre o sujeito, o aluno e o objeto do
seu conhecimento, que é o conteúdo escolar.

O ensino deve ser compreendido como uma intervenção repleta de intencionalidade,


voltada para os processos intelectuais, sociais e afetivos do aluno, visando à construção
do conhecimento por parte dele sendo ele o centro do ensino, o sujeito ativo do processo.

E com relação ao autista? Isso muda? Não!

O processo de ensino-aprendizagem irá contemplar, necessariamente, uma criteriosa


relação entre mediação pedagógica, o cotidiano e a formação de conceitos. Todos esses
elementos irão favorecer a internalização do que está sendo vivenciado.

120
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

Educadores, professores, mediadores devem explorar a sensibilidade do diferente


para entender como ele percebe o mundo que o rodeia, como assimila aquilo que lhe é
passado dentro do ambiente educacional, as formas de atingir esse aluno e despertar
seu interesse. O letramento, a alfabetização, a interpretação de textos são possíveis. E
mais alémdo que isso, a graduação, a pós-graduação e PhD. Quem disse que o diferente
é incapaz?

Devemos repensar os conceitos sobre os transtornos do funcionamento cerebral. E


esses conceitos mudam numa velocidade surpreendente. Costumamos comparar o
desenvolvimento de teorias sobre o funcionamento neural com uma esteira rolante cujo
ritmo aumenta a cada dia. Para caminhar nela temos que buscar o subsídio concreto.

Ou seja, para profissionais que trabalham ou pretendem trabalhar com


neuropsicopedagogia a “esteira” são as pesquisas, e o ritmo com que vocês irão subir
nessa esteira é a sua “capacitação”. ‘Não somos obrigados a dominar tudo’, alguns podem
dizer. Porém, como profissionais e, na maior parte das vezes, os únicos a quem os pais
irão recorrer, temos que tentar estar o mais atualizados possível sobre a demanda que
vamos atender.

O tema é vasto. Assemelha-se a um labirinto, mas é fascinante.

Todos têm o direito de se desenvolver plenamente. A visão de que não são capazes é
um preconceito e uma negação de seu potencial, pois, por meio do acesso ao contato
adequado com o outro e de uma orientação pedagógica adequada, estruturada e
organizada, o desenvolvimento poderá ocorrer pelo acesso à cultura.

O educando é uma pessoa que deve ser respeitada em seus limites. Deste modo, a
linguagem adentra todas as áreas de seu desenvolvimento, guiando sua percepção
sobre todas as coisas e o mundo no qual ele/a está inserido/a.

Será por meio da linguagem que o aluno absorverá transformações em seu campo de
atenção, aprendendo a diferenciar um determinado objeto de outros existentes, bem
como desenvolver ferramentas internas para integrar essas informações.

O documento do Ministério da Educação, Saberes e Práticas da Inclusão, reforça


o pensamento do Professor Luckesi sobre a necessidade de revermos as práticas
avaliativas, haja visto que continuam sendo tradicionais, normativas, padronizadas e
classificatórias. Ao se referir aos alunos com alguma deficiência, afirma ainda que a
avaliação deve estar a serviço da criação de apoios ao progresso e sucesso de todos. Ou
seja, a avaliação deve ser uma continuação da prática pedagógica e não uma função
controladora e excludente.

121
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

A avaliação é um meio de diagnóstico que visa melhorar a qualidade de aprendizagem


inclusiva e dialógica.

Dentro desse viés, a avaliação é uma ação objetiva para compreender o comportamento
do aprendente diante de instrumentos de ensino e aprendizagem.

A avaliação não pode ser tratada apenas como um modo de acompanhar o resultado. Ao
contrário disso, deve ser um meio eficiente para o professor seguir todos os caminhos
percorridos na construção do conhecimento, pois, nesse caso, a avaliação será um meio
de verificar quais as habilidades e competências que os alunos conquistaram.

A avaliação serve como uma forma de compreensão das dificuldades dos educandos e
do estabelecimento de novas oportunidades de conhecimento. Por esse pensamento
sobre a avaliação, podemos abraçar todos os alunos e suas dificuldades ou deficiências,
conduzindo o processo educacional à realização da verdadeira inclusão.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são referência para os ensinos fundamental e


médio de todo o país, pois abrem caminho quando trazem a possibilidade de avaliar o
aluno em sua particularidade, uma vez que o mesmo documento afirma que a avaliação
das aprendizagens só pode acontecer se for relacionada com as oportunidades oferecidas,
isto é, analisando a adequação das situações didáticas propostas aos conhecimentos
prévios dos alunos e aos desafios que têm condições de enfrentar.

Dentro das peculiaridades, cada aprendente pode alcançar habilidades necessárias à


vida diária.

Assim, o ensino inclusivo faz-se a partir da consciência de pais, professores, mediadores


e profissionais que compõem a equipe multidisciplinar.

Pela necessidade de compreensão conceitual e relacional, a escola deve reconhecer


os inúmeros desafios que terá que enfrentar, no sentido de se apropriar de situações
diversas entre seu alunado e, tendo em vista a pluralidade cultural que a compõe,
considerando a multiplicidade e a diversidade neurológica que a frequentam.

Nesse sentido, cabe à escola acompanhar essa realidade, observando a vivência escolar
na diversidade, seu reconhecimento e o exercício das relações entre as pessoas que
vivem e transitam no mesmo espaço escolar, tendo em vista ser este um local de
múltiplas relações sociais.

Existem recomendações para que seja priorizado um currículo adequado à promoção da


cidadania, no qual a diversidade conquiste e garanta um espaço e significado especiais,

122
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

mantendo o aluno na conveniência democrática e no aprendizado entre diferentes


grupos e comunidades.

Inclusão vem do latim includere que significa “fazer parte de” ou “participar de”. Assim,
falar em inclusão escolar é falar do educando que está na escola, participando daquilo
que o sistema educacional oferece e interagindo, contribuindo com seu potencial para
os projetos e programas desse espaço.

Vivemos um tempo de mudanças em que os antigos paradigmas estão sendo quebrados,


e a educação escolar está passando por uma reinterpretação na busca de caminhos para
a inclusão.

Os termos ensino colaborativo ou ensino cooperativo são utilizados pela literatura


estrangeira para definir a parceria entre professores da educação especial e da
regular. O ensino colaborativo mostrou-se um poderoso instrumento para facilitar
parcerias promissoras entre escolas especiais e regulares, entre professores, diretores,
professores especialistas, mediadores, enfim toda a equipe escolar, negociando papéis
e responsabilidades.

Um estudo brasileiro realizado por Capellini (2001) mostra a importância da colaboração


e da cooperação entre a educação especial e a regular, além de sinalizar a importância
de o professor também estar inserido na equipe multiprofissional. Dessa forma, a
inclusão aumenta as chances de o aluno ter seus direitos respeitados e contribui com o
aproveitamento no processo ensino-aprendizagem.

Desse modo, a inclusão é uma das possibilidades de apoio à família e à inserção do


indivíduo com autismo ao ambiente escolar, tendo oportunidade de desenvolver
habilidades acadêmicas, e paralelamente inserir-se na comunidade.

Por isso, a importância dos cursos de formação de professores incorporarem


conhecimentos que contemplem o entendimento dos quadros psicopatológicos. Afinal,
a escola faz parte da equipe multidisciplinar que atenderá ao paciente.

Devemos ressaltar a importância da consultoria com um psicólogo da abordagem


cognitivo-comportamental (TCC) para que as técnicas específicas sejam empregadas
no ensino de pessoas com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). A consultoria
na TCC pode oferecer um suporte em três elementos: avaliação comportamental,
consultoria comportamental e treinamento. A consultoria comportamental abrange
quatro estágios:

»» identificação do problema;

»» análise do problema;

123
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

»» implementação do plano;

»» evolução do problema.

Quadro 5. Estratégias de ensino.

1 Estruturadas e baseadas nos conhecimentos desenvolvidos pelas modificações de conduta.


2 Evolutivas e adaptadas às características pessoais dos alunos.
3 Funcionais e com uma definição explícita de sistemas para a generalização.
4 Envolver a família e a comunidade.
5 Ser intensivas e precoces.

Fonte: Própria autora.

Na fase final de planejar as estratégias de ensino para alunos com atraso no


desenvolvimento é fundamental conhecer o processo de aprendizagem sem erros. Esse
método apresenta maior eficácia que a aprendizagem por tentativa e erro.

Quadro 6. Normas de aprendizagem sem erro.

1 Assegurar a motivação.
2 Apresentar as tarefas somente quando a criança atende, e de forma clara.
3 Apresentar tarefas cujos requisitos já foram adquiridos antes e que se adaptaram bem ao nível evolutivo e à capacidade da criança.
4 Empregar procedimentos de apoio.
5 Proporcionar reforçadores contingentes, imediatos e potentes.

Fonte: Própria autora.

O planejamento do processo educativo é bastante amplo e deve passar pela abrangência


curricular, tendo como base os diferentes níveis em que os alunos se encontram. Para
que isso ocorra no processo educativo, o professor deve responder a algumas perguntas
a fim de que possa contemplar a diversidade:

»» O que ensinar?

»» Quando ensinar?

»» Como ensinar?

»» O que, como e quando avaliar?

O aprendizado e o desenvolvimento são processos que se relacionam desde o início da


vida da criança, contudo, a aprendizagem escolar difere da aprendizagem espontânea,
cotidiana, não apenas pela sistematicidade, mas também, pelo que ela produz de novo
no repertório de desenvolvimento da criança.

124
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

É notório que os alunos chegam à sala de aula trazendo consigo uma série de conceitos
sobre o mundo físico e social que servem de base para a aquisição de novos conhecimentos
estabelecidos no currículo escolar.

O professor deve estar preparado para individualizar seu aluno, identificar possíveis
distúrbios no processo de aprendizagem, enfocando aspectos orgânicos, afetivos e
pedagógicos, durante o processo. Para que essa etapa ocorra de forma bem-sucedida,
ele precisa contar com o apoio do orientador educacional, com seu saber mais elaborado
na área da aprendizagem, fornecendo subsídios para a ação didática.

A inclusão requer do professor muito, isso é verdade. As parcerias auxiliam-no,


entretanto, para que a inclusão não seja alvo de temor. O professor terá que rever suas
crenças, postura e perceber-se como um ser incompleto – como somos todos nós – sem
que isso o diminua a estar aberto para a relação dialética entre a teoria e a prática.

O professor necessita ver-se como o outro da mediação pedagógica, que reforça as


potencialidades do seu educando com autismo, de modo que se possibilite uma vivência
significativa da linguagem. Sendo assim, o professor, em sua relação com a pessoa com
autismo, pode e deve auxiliá-la a realizar atividades que ela ainda não faz sozinha,
investindo para que futuramente, ela possa vir a realizá-las de forma autônoma.

Ao pensarmos em nossos atendidos e em como criar zonas de desenvolvimento, temos


que ser realistas sempre, pois haverá conflitos nessas relações de complementariedade
entre o eu e o outro.

Não há como prever quando os avanços vão se concretizar. O desenvolvimento não


se consolida no momento da atividade realizada e as respostas não são imediatas,
necessitando de um maior investimento do adulto que irá administrar as frustrações e
as resistências. Para tanto, é preciso estar em sintonia e atento às pistas e aos indícios
de mudanças que ocorrem no desenvolvimento, que se efetivam de modo não linear e
não progressivo, mas que lançam olhares de otimismo para o futuro.

Segundo Vigotsky (1984), “nós nos tornamos nós mesmos através dos outros”. O
encontro entre professores e alunos com autismo precisa ser potencializado para que a
relação estabelecida possibilite tanto o desenvolvimento da criança quanto a mudança
no docente.

O trabalho pedagógico não é produzido única e exclusivamente pelo professor que


ensina, e nem apenas pelo aluno que aprende. O ensinar e o aprender são produzidos
na relação entre os alunos e o professor. Um trabalho se constitui em relação ao outro.

125
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

Essa constituição mútua entre o que ensina e aquele que aprende, o investir nas
possibilidades de desenvolvimento implica numa aposta no fazer pedagógico das
professoras como facilitadoras de um processo intencional, sistemático e planejado irá
ampliar as oportunidades de interação do aluno com o mundo.

Para o aprendente sair de seu universo pessoal de existência de forma equilibrada, sem
o egocentrismo característico da infância, é necessária uma instituição que o socialize, o
prepare para conviver em uma sociedade em que o coletivo, o nós, se sobrepõem ao eu.
Assim, a escola ganha uma dimensão macro na vida do indivíduo, pois será no espaço
educacional que o comportamental, até mais que o cognitivo, será trabalhado.

É na escola que se desenvolve o senso crítico, a observação e o reconhecimento do outro


em todas as suas dimensões.

Para isso, a Constituição Federal ratifica a importância do acesso à educação formal


como um dever do Estado para que todos possam ter acesso à escola.

A escola tem o compromisso primordial e insubstituível de introduzir o aluno no


mundo social, cultural e científico, e todo ser humano, independente de sua condição
neurológica, tem direito a essa introdução.

Então, algumas questões devem ser consideradas para evitar a falha na comunicação
com seu atendido:

»» Enquadramento: fazemos a anamnese e nesse momento é colocado o


serviço que vamos oferecer. Alguns colegas chegam a redigir um texto
para que o cliente leia, tome ciência e assine. Isso para evitar aquela
história de “eu não sabia disso”. O que entra no enquadre? Além dos
valores? As reposições de sessões, por exemplo. Atrasos do cliente que
não serão compensados. Reposições, mas com um atestado médico. Uso
de Whatsapp em uma situação de emergência. Esses são alguns itens que
devem ser falados.

»» Tempo: a duração das sessões.

»» Abordagem: explicar sobre nossa linha dentro da psicologia.

Alinhar a questão das férias

A questão da divulgação dos seus serviços deve ser pensada também. Hoje a rede social
cumpre bem esse papel e ajuda o profissional a falar sobre sua área, temas que aborda.

126
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

A ética profissional

Ao falar sobre ética é interessante iniciar por moral. O que é moral? São costumes,
valores passados de geração a geração. Exemplificando: aprendemos com nossos pais
a noção do certo e do errado. Questão bem profunda, quando começamos a pensar que
esses valores estão ligados a vivências e a construções sociais e antropológicas.

Friedrich Nietzsche (2013) em sua obra Genealogia da Moral existem duas aplicações
para que a moral tenha se originado: a primeira por aquilo que é útil, ou seja, as ações
altruístas que foram louvadas e reputadas como boas por aqueles a quem eram ‘úteis’.
Entretanto, a origem de tais ações acaba por ser esquecida, adquirindo ações altruístas
através do costume da linguagem, como se as coisas fossem boas em si mesmas. Essa
é a segunda aplicação. Para Nietzsche não há nada que seja bom em si mesmo. Dessa
maneira, o filósofo faz um corte com a metafísica e com o cristianismo.

Nietzsche defende que a Moral deve nascer imparcialmente. Não há necessidade de


se levar em consideração os valores trazidos pela classe dos sacerdotes tampouco pela
classe dos nobres.

A ética começa a ser construída quando começamos a refletir sobre esses costumes,
crenças e valores; e precisamos encontrar parâmetros para aplicar em nosso cotidiano.
Ética é vida. Ela não se estabelece apenas em uma área, mas em todas as vertentes de
nossa atuação enquanto seres humanos que vivem em sociedade.

O que é a ética dentro da neuropsicopedagogia? Não é um manual, com tudo determinado


e alinhado sobre como devemos agir. Ela é ampla, um norte, um guia para determinadas
situações que nos remete a como agir.

A questão da ética é extremamente séria, pois lidamos com pessoas fragilizadas, com
suas demandas pessoais.

Há a questão do sigilo. Sim, mas enquanto psicólogos há alguma situação na qual esse
sigilo possa ser quebrado?

Em tempos de redes sociais, as questões estão muito misturadas. E a relação muitas


vezes se torna próxima demais. Os papéis não podem ser confundidos. Nosso vínculo é
terapêutico e, no momento em que sentimos que esses limites estão desaparecendo, é
hora de abordar essa questão com nosso atendido e encaminhá-lo a outro profissional.

As redes sociais são um convite à postagem, porém, saber aquilo que deve ser postado é
importante. Devemos ter um filtro para que não venhamos a nos expor ou expor nossa
família e privacidade.

127
UNIDADE IV │ A NEUROPSICANÁLISE

A questão de ser atendidos nas redes sociais dá margem a uma leitura de que o cliente
agora é nosso amigo. E isso é altamente prejudicial ao processo terapêutico.

O Código de Ética do Profissional Psicólogo (2005) pauta-se em alguns princípios,


dentre os quais:

1. a proteção aos direitos fundamentais do ser humano;

2. a promoção da saúde e qualidade de vida da população;

3. a responsabilidade social;

4. o aprimoramento contínuo (nós psicólogos devemos sempre aprimorar


nosso conhecimento e a nossa técnica enquanto ciência);

5. possibilitar o acesso à população acerca de informações da ciência


psicológica;

6. posicionamento crítico em relação às nossas atitudes.

O nosso código de ética tem um total de 22 artigos.

Ler o código é um exercício diário (tanto para recém-formados quanto para os


profissionais graduados há mais tempo), é a nossa proteção, enquanto profissionais e
também nos assegura uma maior proatividade na tomada de determinadas decisões.

Então, tenha o seu sempre próximo! E leia sempre que tiver uma dúvida ou mesmo
como forma de esclarecimento acerca dos nossos direitos e deveres.

E não há nenhum problema em consultá-lo, muito pelo contrário. Ele serve de


esclarecimento para nós e nos auxilia nas devoluções que passamos aos nossos
atendidos.

Ou seja, a ética deve ser estudada e exercida por nós em nosso cotidiano, sempre com o
objetivo de enaltecer nossa profissão.

128
A NEUROPSICANÁLISE │ UNIDADE IV

»» A neurociência abrange campos principais separados de investigação.

»» A neurociência não esclareceu as conexões entre a atividade do


sistema nervoso central (SNC) e o pensamento.

»» O conceito de paralelismo tem implicações de pesquisa para


problemas mente-corpo.

»» A linha de paralelismo, que é determinada pelo pensamento, é


representada pela linha mente/pensamento e não pela linha biológica/
neurociência.

»» A integração do método psicanalítico nos projetos de pesquisa da


neurociência garante apoio.

129
Para (Não) Finalizar

Inferno
Há no centro da Terra ampla caverna,

Reino imenso dos anjos rebelados,

Lago horrendo de enxofres inflamados,

Que acende o sopro da Vingança eterna.

O seu fogo maldito é sem lucerna,

Que faz trevas dos fumos condensados.

Seus tectos e alçapões, enfarruscados,

Não deixam lá entrar a luz externa.

Silvosos gritos, hórridos lamentos,

Blasfémias, maldições, desata o vício

Bramando, sem cessar, em seus tormentos.

Que imensos réus no eterno precipício

Caindo estão, a todos os momentos!

Inferno sem fim, fatal suplício.

 
Francisco Joaquim Bingre, in ‘Sonetos’

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