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Saúde Coletiva
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação................................................................................................................................... 4
Introdução...................................................................................................................................... 7
Unidade i
Definindo Saúde Coletiva................................................................................................................. 9
capítulo 1
Saúde coletiva: a nova saúde pública ou novo campo de paradigmas? ...................... 9
capítulo 2
Saúde coletiva: conceitos históricos da ideia e do conceito ................................... 21
capítulo 3
Integralidade e interdisciplinaridade em equipes multiprofissionais na
saúde coletiva .................................................................................................................. 26
capítulo 4
A construção do conhecimento em saúde coletiva................................................... 33
capítulo 5
O contexto ambiental e da saúde no processo de desenvolvimento do campo da
saúde coletiva................................................................................................................... 41
Unidade iI
capítulo 1
História do campo da alimentação e nutrição na saúde pública no Brasil............... 52
capítulo 2
A conjuntura atual da alimentação e nutrição em saúde coletiva e as políticas
nacionais .......................................................................................................................... 64
Unidade iII
capítulo 1
Saúde pública e saúde
coletiva – campo e núcleo ............................................................................................. 74
Referências..................................................................................................................................... 84
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
6
Introdução
Saúde coletiva é uma expressão utilizada para se referir à saúde como evento social, tanto no campo
do saber como no prático, e de interesse público. Ao longo das últimas décadas, em particular,
o movimento de constituição do campo da saúde coletiva remonta ao trabalho teórico e político
despertado pelos docentes e estudiosos de departamentos e instituições universitárias e de escolas
de saúde pública da América Latina e do Brasil.
Aspectos problemáticos dos movimentos para reforma da saúde, como os da Saúde Pública e
Higiene, Medicina Preventiva, Medicina Comunitária, Medicina de Família e Atenção Primária
à Saúde, delinearam os objetivos das práticas e investigações em saúde coletiva que compreende
algumas dimensões abordadas abaixo.
Objetivos
»» Promover a compreensão dos conceitos de saúde coletiva e suas relações.
7
Definindo Saúde Unidade i
Coletiva
capítulo 1
Saúde coletiva: a nova saúde pública
ou novo campo de paradigmas?
9
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
A década de 1960 foi um período marcado pelo debate sobre a saúde e suas relações com o
desenvolvimento social e econômico. O debate se ampliou na década de 1970, somando a extensão
de cobertura dos serviços, o reconhecimento da responsabilidade social em garantir os cuidados
básicos e o direito à saúde que possibilitaram o estabelecimento do célebre lema “Saúde para todos
no ano 2000” (SPT-2000) (WHO, 1995). Todavia, os centros hegemônicos da economia mundial,
revalorizados, são privilegiados pela alocação de recursos e questionavam a provisão de bens e
serviços para o atendimento de necessidades sociais, inclusive saúde, como dever estatal. Enquanto
a estratégia da atenção primária à saúde é difundida pela Conferência de Alma-Ata, a “nova ordem
mundial”, inspirada no neoliberalismo que se estabeleceu nos anos 1980, provoca um intenso
enfraquecimento do enfrentamento coletivo dos problemas de saúde. A saúde pública, no âmbito
institucional, foi bastante comprometida, principalmente, nos países dependentes da economia
capitalista pelo corte nos gastos públicos e pela opção do “estado mínimo” (PAIM et al., 1998).
Objetivando a superação dessa crise, vários esforços têm sido propostos, apontando, cada um
deles, para a necessidade da construção de novos paradigmas no “campo da saúde pública”
(AFIFI; BRESLOW, 1994). Iniciativas como as da Organização Panamericana da Saúde (OPS) de
reavaliar “a teoria e a prática da saúde pública” (PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION,
1992) e a renovação da estratégia “saúde pública para todos”, por meio do movimento “nova saúde
pública” (FRENK, 1992; WHO, 1995), assim como a iniciativa do Banco Mundial de debater as
“prioridades na pesquisa e desenvolvimento em saúde” (WORLD BANK, 1996), fazem parte dos
esforços para superação da crise no campo da saúde pública.
Nessa conjuntura, faz-se necessário e emergente discutir o campo da saúde na esfera pública, coletiva
e social e as propostas de ação decorrentes. No caso específico da América do Sul, a emergência
das duas últimas décadas de um campo nomeado como saúde coletiva (PAIM, 1992) permite a
identificação de pontos de conexão aos movimentos de interação da saúde pública institucionalizada,
seja no âmbito científico seja no campo de práticas. Nessa dimensão, as concepções de estabilidade
do campo da saúde como forma de superação da chamada “crise da saúde pública” podem significar
uma conjuntura para realmente incorporar o complexo “promoção-saúde-doença-cuidado” em uma
nova dimensão paradigmática, possibilitando as metas de saúde para todos por meio de políticas
públicas que tenham maior e mais efetiva participação da sociedade (PAIM et al., 1998).
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Enfim, com as reflexões, práticas e investigações no campo da saúde, pretende-se propor que este
movimento de renovação da saúde pública pode melhor se associar a novos paradigmas científicos
capazes de discutir o objeto complexo saúde-doença-cuidado respeitando sua historicidade e
integralidade (PAIM et al., 1998).
Frenk (1992), em seu trabalho que apontando questões sobre uma “nova saúde pública”, considerou
como condições e respostas para um redimensionamento da saúde pública as bases científicas das
ciências biológicas e da saúde, ciências sociais e comportamentais, aplicando os conhecimentos nos
problemas e programas direcionados às populações. Para melhor definir o novo campo científico,
Frenk desenvolveu uma investigação em saúde que distingue os níveis de atuação individual e
específica que se concentram nas pesquisas celulares e biomédicas e na pesquisa clínica. Em relação
ao nível populacional, aponta como objeto de análise as condições, pesquisa epidemiológica, e
as reações sociais diante dos problemas de saúde, políticas e organização dos sistemas de saúde,
pesquisa em sistemas de saúde.
Testa, no seu trabalho de 1992, “Pensar em saúde”. Ao investigar as reações sociais no âmbito
da saúde pública, denomina o que é realizado em saúde como “atenção primitiva à saúde”; ou
seja, países que possuem serviços diferenciados conforme os diferentes grupos sociais e que se
preocupam, fundamentalmente, em diminuir os gastos em saúde com a organização de serviços
de segunda categoria para a população considerada inferior. Ainda, no mesmo estudo, a partir de
um olhar sobre as políticas sociais, busca o redimensionamento teórico da saúde como “âmbito de
força” e de emprego da ciência e reconhece a saúde pública como uma prática social e, portanto,
uma construção da história.
A saúde, fundamentalmente uma esfera coletiva, social e pública, passa ao longo da história por
frequentes movimentos de reconstrução das práticas sanitárias resultantes das diversas articulações
entre Estado e sociedade que determinam as reações sociais aos problemas e às necessidades de
saúde. Na segunda metade do século XVIII, as bases dos discursos sociais relacionados à saúde
afloram na Europa Ocidental em um progresso histórico de intervenções e sujeitos (FOUCAULT,
1966; 1979).
Segundo Rosen, a higiene, vista como um conjunto de normas e preceitos a serem seguidos no cunho
individual, produz um discurso da boa saúde limitado à esfera moral. Por outro lado, as propostas
das políticas médicas instituem a responsabilidade dos órgãos do Estado como designador de
regulamentos, leis e políticas relacionadas à saúde e como autor fiscalizador da sua prática social,
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
de tal modo que remete apenas as práticas e o discurso de saúde à esfera político-jurídica (ROSEN,
1980).
No século XIX, a maior parte dos países europeus teve um progresso social de relevância histórica:
a Revolução Industrial, que produziu um imenso impacto nas condições de vida e de saúde
da população. Devido à formação das classes trabalhadoras e ao aumento da sua participação
política, Inglaterra, França e Alemanha, países que atingiram um maior desenvolvimento das
relações produtivas, rapidamente vincularam temas relacionados à saúde na pauta das exigências
dos movimentos sociais do período. Entre 1830 e 1880, despertam nesses países propostas de
entendimento da crise sanitária como um processo essencialmente político e social que, em seu
conjunto, receberam a designação de Medicina Social (ROSEN, 1980; SILVA, 1973). Em suma,
pleiteia-se nesse movimento que a saúde, junto à Medicina, seja uma política aplicada no âmbito
da saúde individual, e que a política, neste caso, nada mais é que o emprego da Medicina no campo
social, curando-se os males da sociedade. A principal estratégia de transfiguração da realidade de
saúde é a política, na expectativa de que os movimentos populares deveriam resultar em democracia,
justiça e igualdade, princípios determinantes da saúde social. Embora derrotado no plano político, o
movimento da Medicina Social gera relevante produção conceitual e doutrinária, o que propicia as
bases dos esforços decorrentes de pensar a questão da saúde na sociedade (SILVA, 1973; AROUCA,
1975; DONNANGELO, 1976; PAIM, 1976; ROSEN, 1980; GAUMER, 1995; DESROSIERS, 1996).
Em paralelo, estrutura-se, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, uma reação a esta
problemática integrada à ação do Estado no campo da saúde, compondo um movimento conhecido
como sanitarismo (SILVA, 1973). Os sanistarista, em sua maioria, funcionários das agências oficiais
de saúde e bem-estar recém-implantadas, articulam um discurso e uma prática relacionados às
questões da saúde, executados nas aplicações de tecnologia e em preceitos de organização racional das
atividades preventivas, de imunização e saneamento destinados aos setores excluídos da população
(DONNANGELO, 1976; GAUMER, 1995; SILVA, 1973). O surgimento do modelo microbiano nas
ciências básicas de saúde representa um grande apoio ao movimento sanitarista que, no caminho
da primazia, já então batizado de saúde pública, praticamente reassume as diretrizes da teoria e da
prática no âmbito da saúde social no mundo ocidental (DESROSIERS, 1996).
No início do século XX, com o famigerado Relatório Flexner, estimula-se nos Estados Unidos uma
intensa reavaliação das bases científicas da Medicina, que contribui com a redefinição do ensino
e da prática médica caseados em princípios tecnológicos rigorosos. Focada no conhecimento
experimental proveniente da pesquisa básica realizada, na maioria das vezes sobre doenças
infecciosas, o modelo conceitual flexneriano reforça a separação entre privado e público, indivíduo
e coletivo, curativo e preventivo, biológico e social (RODRIGUES, 2008). É nessa conjuntura que
emergem as primeiras escolas de saúde pública, as quais contaram com intensos investimentos de
organizações, como a Fundação Rockefeller, sendo a primeira nos Estados Unidos e, em seguida,
em vários países, inclusive na América Latina (FEE, 1987). As referências do movimento da saúde
pública, de fato, não expressam desacordo algum com os fundamentos positivistas da do Relatório
Flexner, conforme os centros de formação de sanitaristas e epidemiologistas da época (FEE, 1987;
RODRIGUES, 2008).
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
O sucesso desse movimento em seu país de origem é inquestionável. O único país industrializado
que, até hoje, não estruturou um sistema de saúde universal de assistência é os Estados Unidos.
Embora haja expectativas e apoio de fundações e instituições internacionais, na América Latina o
único efeito do movimento preventista parece ser a instituição de escolas e departamentos de estudo
e investigação em Medicina Preventiva em países que, já na década de 1960, passavam por processos
de reforma universitária (SILVA, 1973; AROUCA, 1975). Na Europa, em países que já possuíam
estruturas acadêmicas de longa tradição e que no pós-guerra fortaleceram sistemas nacionais de
saúde com acesso universal baseado na proposta da Medicina Preventiva, não há maior comoção,
nem sobre o ensino nem sobre o desenvolvimento da assistência à saúde (GRUNDY, 1958).
A famigerada década de 1970 marca nos Estados Unidos um cenário de intensa mobilização popular
e intelectual ao redor de questões sociais relevantes, como a Guerra do Vietnã, o racismo, os direitos
humanos e a pobreza urbana. Diferentes modelos de interferência são testados e implementados
como movimentos organizados no contexto local das comunidades urbanas, destinados ao
aumento do campo da ação social nos setores da educação, saúde, saúde mental e habitação
(DONNANGELO, 1982). Organiza-se neste momento, no âmbito da saúde, o movimento da saúde
comunitária, também conhecido como Medicina Comunitária, sedimentado na implantação de
centros comunitários de saúde, administrados por organizações não lucrativas e subsidiados pelo
governo federal, designados a prestar cuidados básicos à saúde da população e a desenvolver ações
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
3. saneamento ambiental;
5. educação em saúde;
A revisão de 1963 da definição acima propôs incluir entre os “serviços básicos de saúde” da OMS a
participação da comunidade (MINAYO, 1992).
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Em 1974, no Canadá, o Relatório Lalonde (CANADA, 1974) define as bases de um movimento pela
promoção da saúde, consignando de maneira primordial não só “anos à vida”, mas “vida aos anos
dos indivíduos”. Neste momento, estabelece o modelo do “campo da saúde” composto por quatro
polos: a biologia, estudo dos sistemas internos complexos e herança genética; a administração e
organização dos serviços, concebendo os componentes de recuperação, curativo e preventivo;
o ambiente, envolvendo o físico, o social e o psicológico; e o estilo de vida. Neste contexto, é
importante considerar a prioridade dos tomadores de decisão, o agravo dos problemas de saúde, a
disponibilidade de soluções efetivas, os custos e as iniciativas do Estado com a promoção da saúde
na regulação, na pesquisa, na eficiência da atenção à saúde e no estabelecimento de objetivos.
Com base nesses preceitos e estratégias, implanta-se em várias províncias do Canadá uma rede de
núcleos comunitários de saúde e ações sociais integrados a um sistema de Medicina Comunitária,
representando uma reunião dos modelos de atenção precedentes. De acordo com Desrosiers (1996),
a reforma do sistema de saúde canadense teve como objetivos:
Em 1986, a Organização Mundial de Saúde, no documento oficial Carta de Ottawa (WHO, 1986),
designa o modelo canadense e pontua os principais componentes do movimento de promoção da
saúde:
No mesmo período, ocorrem outros projetos e estratégias com o mesmo intuito de promoção da saúde
pelos organismos internacionais, entre eles o Projeto Cidades Saudáveis, lançado em 1986 (WHO,
1995). Além disso, no âmbito da ECO-92, Conferência Mundial pelo Meio Ambiente, promovida
pela Organização das Nações Unidas no Rio de Janeiro, a saúde ambiental foi determinada como
prioridade para a promoção da saúde, dentro da célebre Agenda 21 (WHO, 1995; 1995).
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
ORGANIZATION, 1992; OPAS, 1994; OPAS, 1995). Em paralelo, a OMS custeia a reflexão vinculada
sobre as bases de uma “nova saúde pública”, por meio da organização de um conjunto de seminários
e reuniões sobre formação, institucionalização, construção de conhecimento e prática em saúde
pública (FRENK, 1992; NCAYIYAN et al., 1995; WHO, 1995).
Segundo Ferreira (1992), respostas objetivas, consideradas como “momento de verdade”, podem ser
verificadas. No caso da América Latina, o que foi proposto pelo Banco Mundial valorizou a eficácia e
eficiência, em desvantagem à isonomia, mediante políticas de reajuste econômico e por meio da cesta
básica de serviços no setor de saúde (OPAS, 1997; WHO, 1996). Dessa forma, muitas dessas reformas
do setor não chegam a ser encontradas e/ou discutidas nas escolas de saúde pública ou em instituições
semelhantes, nem nos próprios ministérios da saúde, sendo negociadas apenas e diretamente nas
dependências financeiras e na esfera econômica do governo (OPAS, 1997; WHO, 1996).
Nesse cenário, uma análise acerca da “nova saúde pública” que procura analisar, de modo crítico
e marcado, os determinantes da “crise da saúde pública”, passa a ser vista pejorativamente
como “assunto de sanitaristas”. O que isso significa? Assunto referente apenas às escolas e aos
pesquisadores do setor da saúde, assim como aos funcionários públicos com responsabilidades
operativas. A reciprocidade das forças institucionais e políticas vigentes mantêm-se distanciados do
cenário das reformas dos diferentes países, não só os trabalhadores do setor de saúde, como também,
e especialmente, os diferentes segmentos populacionais que serão o objetivo dessas reformas. As
vitórias democráticas obtidas pelos povos latino-americanos e caribenhos, especialmente a partir
dos anos 1980, ainda não foram suficientes para garantir a controle público das políticas e práticas
instituídas nos respectivos Estados e burocracias (PAIM et al., 1998).
A direção mais objetiva, intervencionista e prescritiva, seguida por um panorama convocado pela
OMS para discutir a “nova saúde pública” (WHO, 1996), em concordância com as intenções de
representações europeias e americanas da saúde pública, não aparenta dar conta das dificuldades
identificadas em particular na América Latina e no Caribe. Como compõem sistemas relativamente
estáveis nos quais as normas de jogo mudam de maneira lenta, para eles a crise não é estrutural,
representaria apenas a interpretação de sanitaristas. Pretendem assim agregar novos tópicos e
habilidades no âmbito da saúde pública ou ao seu campo de práticas e de instituições (NCAYIYANA,
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
1995; WHO, 1995). No entanto, este enfoque resulta em reformas curriculares das escolas ou em
reformas administrativas nas organizações de saúde, isto, com segurança; é insuficiente suprir
uma política de saúde, solidariedade e equidade realizando o que propôs a OMS no final da década
de 1990 (WHO, 1995).
Na década de 1990, iniciativas da OPS (OPAS, 1997), visando à formação em saúde pública e
liderança, permitiram uma discussão ampliada da indagação na América do Norte e Sul, incluindo
Canadá, Estados Unidos e países do Caribe. Por conta disso, entre 1987 e 1988 decorre-se a avaliação
da infraestrutura privilegiando as áreas criticas que seguem: sistemas de informação; princípios da
política pública; aperfeiçoamento econômico, epidemiológico, tecnológico; formação de recursos
humanos em saúde e serviços de saúde. Entre os anos de 1989 e 1990, seminários foram realizados
com o objetivo de analisar a prestação de serviços de promoção, recuperação da saúde e prevenção
(PAIM, 1995). No período entre 1991 e 1995, a OPS direcionou um ousado projeto para análise da
teoria e prática da saúde pública (OPAS, 1995) o que culminou na I Conferência Panamericana de
Educação em Saúde Pública (ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA Y DEL CARIBE DE EDUCACIÓN
EN SALUD PÚBLICA, 1994), realizada no Rio de Janeiro em 1994.
A partir dessa nova prática, há necessidade de profissionais renovados, com capacidade de cumprir
distintos papéis, desde uma função política e histórica contextualizada, sendo capazes de somar valor
na gestão e na produção do conhecimento tecnológico e científico, podendo ser no gerenciamento,
nas estratégias de utilização de recursos escassos, na resolução de problemas de saúde e decisões
políticas e até na utilização do conhecimento como equipamento de mobilização da social em saúde,
despertando assim o potencial de luta e conquistas do direito de cidadania (PAIM; ALMEIDA
FILHO, 1998; RODRIGUES, 2008).
Nessa dimensão, as escolas de saúde pública devem fortalecer sua autonomia em relação às escolas
médicas. Esse aprofundamento da discussão sobre a transformação da organização estrutural
das escolas foi proposto na I Conferência Panamericana sobre Educação em Saúde Pública
(ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA Y DEL CARIBE DE EDUCACIÓN EN SALUD PÚBLICA,
1994). Nesse contexto, o conceito de atuação transdisciplinar tende a extinguir a organização da
faculdade ou escola como autossuficiente, surgindo a proposta de criação dos espaços e organizações
que funcionem como agregadoras de valor na construção do conhecimento e da prática em saúde
(ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA Y DEL CARIBE DE EDUCACIÓN EN SALUD PÚBLICA, 1994;
PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998; RODRIGUES, 2008). O intuito fundamental é o desenvolvimento
sistemático, criativo e inovador da formação e capacitação mediante fundamentos dos serviços de
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
saúde investigativos e articulados. O propósito básico das novas instituições acadêmicas passa a ser
a produção de liderança nos diferentes setores e instituições.
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Porém, cessar os paradigmas atuais não significa recusá-los pura e simplesmente. Discuti-se a
construção no plano teórico ao tempo em que se incitam vontades no campo das reflexões e da ação.
Almeja-se que, ao se discutir a reforma do campo da saúde, no contexto da “Reforma da saúde para
todos”, seja implementada uma prática voltada aos determinantes de saúde. A convergência das
três temáticas – reforma do setor da saúde, reforma da saúde para todos e a “nova saúde pública”
– se consolida pela necessidade de uma programação política comum, que contemple os planos
conceitual e metodológico-prático (PAIM et al., 1998).
Nessa concepção, faz-se necessário revisar as propostas de ação, objetivando estabelecer parâmetros
sobre a questão da saúde no setor coletivo. É fundamental a reflexão sobre a sistematização do marco
conceitual da saúde coletiva, em elaboração na América Latina, localizando as suas potencialidades
de composição do conhecimento inter e transdisciplinar. Os propósitos e as propostas desse
movimento podem implementar, respeitando aspectos históricos e integrais, melhorias científicas
capazes de abordar o objetivo principal: o cuidado saúde-doença (PAIM et al.,1998).
No campo da geração de conhecimento, o passo mais relevante será certamente reajustar o objeto-
foco: saúde. Esse reajuste deverá suceder uma preocupação prática do objeto, não apenas no
contexto imediato, e sim na conjuntura de que este deve alimentar uma prática em vez de compor
a mera produção e incorporação de tecnologia. Será absolutamente legítimo perseguir a superação
da prática desta saúde pública preventiva e preditiva, no aspecto aplicado individual e coletivo,
direcionando a uma saúde coletiva de previsão e idealista, quer dizer, uma saúde coletiva capaz de
não só predizer algumas poucas medidas e seus efeitos, mas também de propor cenários, formas e
figuras (PAIM et al., 1998).
Em uma perspectiva dualista, a prática da saúde coletiva será focada, localizada, “minimalista” e
ao mesmo tempo holística, integral e globalizante. Por outro lado, em uma perspectiva formativa, a
saúde coletiva enquanto campo de práticas se cria em um contínuo processo de autocriação, balizada
pelos seus frutos concretos na realidade de saúde (PAIM et al., 1998). Nesse sentido, as ações de
produção e reprodução deste campo conseguirão cumprir a seguinte pauta de ação:
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
7. instituir novas relações técnicas e sociais orgânicas a tais práxis no âmbito social
da saúde, a exemplo dos componentes da distribuição nos distritos e municípios,
como processos educativos, comunicação social, organizações não governamentais,
produtores culturais, entre outros (PAIM, 1994);
Habermas (1990) ressalta a necessidade de conciliação dos aspectos subjetivos e socais por meio de
uma ação política emancipatória, considera ainda que este aspecto possa ser um dos importantes
desafios para a prática da saúde coletiva nos tempos atuais. A operação coordenada dos grupos
sociais, assim como o reconhecimento e o esforço das iniciativas sociais e comunitárias arraigadas
na solidariedade, compõe possibilidades de reconstrução de relações sociais que auxiliarão na
diminuição do sofrimento humano, na ascensão da consciência sanitária e ecológica, na manutenção
da saúde e na defesa da vida (PAIM et al., 1998).
20
capítulo 2
Saúde coletiva: conceitos históricos da
ideia e do conceito
Refletir a saúde coletiva como âmbito de saber e prática requer necessariamente o resgate das bases
históricas, dos conceitos e dos momentos que deram subsídios para seu surgimento em um passado
não muito remoto (NUNES, 1994). Na América Latina, a saúde coletiva tem como data inicial de
referência a segunda metade do século XX; na segunda metade da década de 1950, entretanto a
trajetória foi distinta nos países latino-americanos (NUNES, 1994; ABRASCO, 1982).
No Brasil, o caminho da saúde coletiva é bastante específico e pode ser delimitar, para fins didáticos,
em três fases que historicamente serão apresentadas a seguir. Para Nunes (1994) a primeira fase vai
até a década de 7190 e é determinada por conceitos preventivistas e pré-saúde coletiva. Menendéz
(1992), ao analisar a emergência de um projeto de característica preventiva na América Latina no
período, relata que o que já se definia era a adversidade da Medicina, na teoria e na prática. A
transformação defendida visava à inserção de disciplinas, como administração dos serviços de saúde
e epidemiologia, nos planos de curso e nos projetos pedagógicos dos cursos médicos, procurando
assim criticar a formação focada apenas nos conceitos biológicos do ensino baseado em práticas
individualistas, curativas e hospitalocêntricas. Foi a tentativa de integrar o conceito biopsicossocial
com a Medicina Integral Norte-Americana em uma versão Latino-Americana. Havia espaço para
as abordagens antropológicas, sociais, demográficas e ecológicas no plano do conhecimento. Já
no plano ideológico e político, o projeto preventivista encontrou expressão na chamada Medicina
Comunitária. Nessa conjuntura, estabelece-se a alternativa de discussão acerca de um projeto
alternativo para a saúde (NUNES, 1994; BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
O período era particular para se refletir as mudanças: intensas eram as transformações sobrevindo
do fim da segunda Grande Guerra, somadas à ampliação econômica e ao crescimento industrial. As
organizações governamentais aumentavam sua interferência no processo de agregar acumulação e
se assistiu à implantação de um novo modelo econômico. Na Medicina, ocorriam o aperfeiçoamento
de técnicas cirúrgicas e a intensa utilização dos antibióticos, além do aumento da segurança na
atenção médica individualizada (NUNES, 1994; ABRASCO, 1982).
Esse era o contexto no qual se buscava implementar o conceito de um campo de práticas e saberes,
chamado de Medicina Preventiva e Social. Tal denominação foi criticada por Arouca (1975) em
1975, baseado no reconhecimento da fragilidade de tratar sem distinção o preventivo e o social. Para
Arouca (1975) a Medicina Preventiva executa um emprego de demarcação, por um lado confirma
a identidade e se diferencia da Medicina e também estabelece a distinção com a saúde pública e a
Medicina Social. Era um primeiro passo não suficiente e frágil, mas um passo rumo a uma importante
mudança nos conceitos e práxis em saúde que se consolidaria muito mais tarde no Brasil.
Sem dúvida, o repensar do que havia até então sido proposto e realizado
foi decorrência de diversos atores, e que podem ser vistos nos diversos
21
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Até o final da década de 1970, caracterizada como a segunda etapa do curso rumo à saúde coletiva,
não há isolamento das estratégias preventivistas, mas uma intensificação na concepção de uma
Medicina Social. A expressão “Medicina Social” não era desconhecida, sua origem foi europeia e se
ampliou desde a segunda metade do século XIX, quando foi amoedada na França,. É importante
ressaltar o ano de 1948 como de maior relevância, pois se iniciava uma nova fase relacionada aos
cuidados com a saúde, determinada com a criação do Nacional Health Service. A ideia ressurgiu em
1952 em um encontro proposto pela OMS (NUNES, 1994; ABRASCO, 1982).
É possível afirmar que a década de 1970 foi marcada pelo abundante debate sobre as relações entre
a saúde e a sociedade. As inquietações teóricas que havia e as próprias organizações internacionais,
como a OPAS e a OMS, promoveram encontros e seminários que se caracterizaram em ambientes
de férteis reflexões e novos paradigmas. No Brasil, esse período foi marcado por uma conjuntura
de contenção, repressão e agravamento crescente dos indicadores sociais, econômicos e de saúde,
o que, aos poucos, contribuiu para o ganho de força do campo de práticas e saberes. A busca de um
novo padrão/modelo se fez necessário à superação da crise estabelecida. Nesse caminho, a reflexão
realizada por Arouca (1975, p. 83) sintetiza e sintoniza a proposta da Medicina Social:
22
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
O objetivo principal para a criação da ABRASCO foi o de operar como instrumento de suporte e
junção entre os centros de práticas, pesquisa e ensino na área de Saúde Coletiva; assim como buscar o
fortalecimento e a ampliação das discussões entre as organizações governamentais, os serviços de saúde,
a sociedade e as questões científicas e técnicas (ABRASCO, 1982). A soma das experiências e o exercício
reflexivo e político formavam a base da ideia que se fortaleceu na medida em que as práticas teóricas se
fundamentavam. Mais do que os distintos programas das organizações formadoras que sustentavam os
seus referenciais de saúde pública, medicina social e preventivistas, a saúde coletiva se estrutura com
efetividade no campo do saber e da prática (NUNES, 1994; BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
A reforma do campo da saúde já era evidenciada a partir da segunda metade da década de 1970
e já era vista por Cecília Donnangelo (1982), que em seu último trabalho procurava estabelecer
as delimitações do campo não por meio de definições formais e sem considerar as especificações
que se adquire na sociedade brasileira, mas sim determinando o conjunto de práticas relacionadas
à questão da saúde. A questão que despertou maior indagação na autora era como delimitar
esse campo da saúde e de prática (DONNANGELO, 1982, p. 13). Abaixo trago os argumentos de
Donnangelo para tal indagação:
23
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
A formação do campo
O progresso de estabilização do projeto da saúde coletiva decorreu a partir de 3 linhas de força:
organização dos profissionais de saúde, investigações e produção de conhecimento em saúde,
esforço de formulações de políticas públicas (NUNES, 1994; BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
Para Montagner (2008), a confecção de uma divisão real na soma de questões sociais que
influenciaram o surgimento da saúde coletiva no Brasil, embora impossível definir certamente, pode
ser explicada pela influência de três linhas: questões externas, internas e influências ideológicas,
respectivamente apontadas abaixo: os movimentos da sociedade; suas mudanças históricas; o
desenvolvimento do conhecimento e de instrumentos técnicos; políticas públicas e organizacionais.
A divisão apontada por Montagner (2008) no seu trabalho “Sociologia Médica, Sociologia da Saúde
ou Medicina Social? Um Escorço Comparativo entre França e Brasil” inclui de maneira satisfatória
fatores que se mostraram relevantes na origem e na criação da saúde coletiva e nos fornece um
ensaio categorizado dessa questão. Cabe salientar que saúde coletiva é denominada como um espaço
social, concebido por meio das correntes e contracorrentes dos movimentos e momentos sociais, e
é contextualizada socialmente (BOURDIEU, 1983; MONTAGNER, 2008).
As questões externas que influenciaram a consolidação das batalhas encadeadas no campo são
fortemente marcadas pelos movimentos sociais e pelas mudanças históricas das sociedades.
Podemos verificar que a conjuntura histórica que possibilitou a gênese da saúde coletiva no Brasil foi
marcada pelas grandes modificações que a sociedade estava experimentando. A saúde coletiva surge
dos embates conceituais e de práticas no âmbito da saúde. A crise surgiu e gerou a necessidade de
mudança, ela se deu inicio na Medicina Preventivista, com o intuito de superar o modelo biomédico,
aperfeiçoou-se na Medicina Social e objetiva fragilizar o conceito preventivista. Bourdieu (1983),
em seu livro: “Questões de sociologia”, destaca a dialética da pretensão e da distinção que origina as
transformações do campo, discuti ainda que: “o contexto social tem um fundamento que é o produto
de sua história anterior e o princípio de sua história posterior. A luta permanente no interior do
campo é o motor do campo”.
24
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Vale ressaltar, no entanto, que proposições iniciais quanto ao objeto da saúde coletiva alteraram-
se no decorrer do tempo. Quando na sua gênese, o objeto foi demonstrado como uma disciplina
científica bem-delimitada. Posteriormente, a definição inicial do objeto muda. Conforme Paim e
Almeida Filho (1998), o estudo conceitual e teórico construído nos tempos mais recente conduz a
saúde coletiva como um campo multi, pluri e interdisciplinar e não apenas como uma disciplina,
muito menos uma ciência ou especialidade médica.
Pode-se então afirmar que a saúde coletiva constitui-se como um conjunto de aspectos relacionados
à saúde em geral, contando com aspectos ideológicos, teóricos e conceituais, elaborados pensando
em saúde, com utilização de instrumentos das ciências sociais ligados aos recursos dos saberes da
Medicina Preventiva e da saúde pública (BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
O campo da saúde coletiva é interdisciplinar e em combate contínuo com outros atores e organizações
da área médica pela definição autêntica de seu objeto científico. Entretanto, a saúde coletiva, como
um grande campo de conhecimentos e práticas inserido no campo intelectual está subjugado em
maior ou menor grau, conforme autonomia relativa ao âmbito de poder, a partir da correlação de
forças historicamente dadas pela organização hospitalocêntrica da saúde (NUNES, 1994; BARBOSA;
AZEVEDO, 2009).
Nessas relações entre efetores e campos está presente o embate do poder entre grupos, por meio
de suas ideologias e propostas teóricas ou conceituais. Estão presentes os indivíduos, com suas
estratégias diferenciadas, investindo seus capitais sociais, simbólicos ou econômicos. Contudo,
apesar da disparidade entre esses efetores, todos se apoderam das regras do jogo e agregam-nas,
mesmo que para contestá-las e mudá-las (NUNES, 1994; BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
As reflexões sobre o campo da saúde coletiva difundem ainda um objeto de estudo multifacetado,
em que disciplinas das diferentes áreas estão firmemente configuradas e apontam para fragmentos
institucionais, e a busca e a disputa pela definição desse objeto são o resultado, entre outras coisas,
das disputas internas pelo privilégio da prática autêntica da ciência. “Neste jogo é preciso fazer o
jogo” (NUNES, 1994; BARBOSA; AZEVEDO, 2009).
25
capítulo 3
Integralidade e interdisciplinaridade
em equipes multiprofissionais na
saúde coletiva
Esse contexto paradoxal surgiu da tensão existente entre o desafio da integralidade (CECÍLIO,
2001; PINHEIRO, 2004), o trabalho em equipes multiprofissionais e a cobrança de um processo
interdisciplinar que produza reflexos em demandas, conhecimentos e ações, inter e transdisciplinares
em saúde coletiva (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998, 2000; PASSOS; BARROS, 2000; SPINK, 2003).
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
No momento atual, são denominados cursos formadores de profissionais da saúde pela Resolução
no 287/1998 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, Resolução no 287, 1998) os seguintes:
Assistência Social, Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Terapia
Ocupacional. Peduzzi (2001) discutindo a interação de diferentes profissionais observou a
predominância da abordagem estritamente técnica, caracterizada pela atuação fragmentada e não
articulada, uma vez que o profissional aprende a soma das atribuições, técnicas e atividades a serem
realizadas sem articulação dos trabalhos especializados (PEDUZZI, 2001).
A prática segmentada que aparece no processo de trabalho das equipes multiprofissionais colide
com a alternativa da integralidade, um dos princípios norteadores do SUS. A integralidade, como
eixo norteador, conceitual e uma diretriz central na confecção do SUS, significa uma organização que
abrange o fazer profissional, o processo de trabalho e da política pública em saúde (MATTOS, 2001;
2004). Ou seja, o processo de trabalho incorpora a confecção de uma política pública traduzida
como um sistema de cooperação entre os atores trabalhadores, usuários e gestores na efetivação das
diretrizes e ações coletivas baseadas em lógicas voltadas para a garantia dos direitos sociais (PAIM;
TEIXEIRA, 2006).
A elaboração dessas práticas dá-se, de maneira necessária, no campo da saúde coletiva – expressão
utilizada no Brasil, originada no fim da década de 1970, e constitui um paradigma que permite a
trama entre as diferentes organizações do campo da saúde (L’ABBATE, 1997; 2003).
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UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
As análises sobre os planos de trabalho em saúde apresentam uma organização que é capaz de
produzir saúde ou adoecimento. A emancipação e incumbência organizacional dos trabalhadores
na condução à integralidade estão interligadas ao modo de gestão. Em um modelo de administração
verticalizada, com extinta abertura à participação dos profissionais, as ações integralizadoras em
saúde e com os sujeitos fica impraticável. Igualmente, modelos de gestão que contemplam colegiados
e espaços de coparticipação propiciam a inclusão e a valorização dos trabalhadores (SEVERO, 2010).
[...] é de suma importância que se crie uma nova relação entre os profissionais
de saúde [...] diferentemente do modelo biomédico tradicional, permitindo
maior diversidade das ações e busca permanente do consenso. Tal relação,
baseada na interdisciplinaridade e não mais na multidisciplinaridade [...]
requer uma abordagem que questione as certezas profissionais e estimule a
permanente comunicação horizontal entre os componentes de uma equipe.
O tema vem ganhando notoriedade também no campo do ensino em saúde em consequência das
denúncias sobre a fragmentação do ensino: a grande distância entre os conteúdos curriculares; o
perfil de uma formação generalista dos profissionais de saúde e das demandas sociais no campo da
saúde; a falta de valorização das concepções éticas; a humanização do cuidado; a locação do aluno
na posição de receber de maneira passiva a informação; e a centralização do saber no professor
como fonte única e inesgotável do saber. São pontos reincidentes e ficam mais intensos frente ao
processo de consolidação e implementação das reformulações curriculares dos cursos de graduação
na área da saúde (BATISTA, 2006).
Partimos de um conceito de saúde em que o ser humano é visto como um sistema aberto e envolvido
numa rede de relações, portanto recortamos a ciência para nos especializarmos em parte dela; na
tentativa de entender cada uma dessas relações do ser humano com o ambiente, não conseguiria dar
respostas efetivamente à complexidade da vida. Entender a saúde nesse novo olhar requer enfrentar
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
desafios do meio acadêmico, do serviço, dos usuários e dos gestores. Os profissionais ainda são
formados num contexto reducionista e fracionados da ciência, distanciando-se de uma proposta
de cuidado integral que inclui as diferentes dimensões da condição humana: política, econômica,
cultural, social e subjetiva, o que gera poucos e, muitas vezes, ineficazes resultados para a saúde da
população (SPAGNUOLO; GUERRINI, 2005).
Buscamos, portanto, interagir e trocar saberes com outras disciplinas na tentativa de construir
esse novo olhar à saúde, mais dinâmico e criativo. Essa é a perspectiva da interdisciplinaridade
(SANTOS, 2007). O conceito de interdisciplinaridade surgiu no século XX e, a partir dos anos 1960,
enfatizou-se como fator necessário para atravessar e ultrapassar o conhecimento fragmentado,
embora sempre tenha existido uma aspiração à unidade do saber (VILELA, 2003).
Historicamente, essa fragmentação do saber originou-se no período moderno, por volta do século
XVII, em resposta à necessidade de especialistas capazes de enfrentar os problemas e objetivos
específicos do processo de produção e comercialização decorrentes da industrialização emergente,
a qual possibilitou sua consolidação no século XIX (VILELA, 2003).
No campo das ciências, a expressão “interdisciplinaridade” passa a ser utilizada com destaque a
partir da década de 1970, sendo o ponto de partida o Seminário Internacional do Centro de Pesquisa
e Inovação do Ensino, na França, em 1970, o qual tratou da interdisciplinaridade (BATISTA, 2006).
Nesse seminário, especializações pautadas na fragmentação do conhecimento e que promovem
saber não comprometido com a integração cientifica foram discutidos pelos cientistas, assumindo
uma postura crítica e contrária a esse movimento (BATISTA, 2006).
Segundo Pombo (2005), falar sobre interdisciplinaridade é hoje uma tarefa difícil, ou melhor, quase
impossível. A verdade é que não há nenhuma estabilidade relativa a esse conceito, inclusive dos
especialistas de interdisciplinaridade, entre os quais se encontram as mais díspares definições.
Apesar disso, a palavra tem uma utilização muito ampla e pode ser aplicada em muitos contextos.
Em seu estudo, Fazenda (2003) utiliza uma marca inicial para definir a interdisciplinaridade
como integração de disciplinas. Essa concepção parece denunciar a necessidade das disciplinas
estabelecerem canais de comunicação e de colaboração, possibilitando a construção de referenciais
teórico-metodológicos mais ampliando situações e problemas da realidade. Contudo, a integração
entre as disciplinas pode se dar em três níveis: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e
29
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Na transdisciplinaridade, a colaboração entre as diversas disciplinas é tamanha que não dá mais para
separá-las. Há sempre a possibilidade de uma disciplina sobrepor-se às outras, este é o momento
mais difícil dessa atuação em conjunto disciplinar (GIRARDELLI, 1999).
O prefixo “inter” não indica apenas uma pluralidade, uma justaposição, evoca também um espaço
comum, um fator de coesão entre saberes distintos. Além disso, o termo interdisciplinaridade não
tem significado único, possui diferentes interpretações, mas em todas está implícita uma conduta
defronte do conhecimento, uma modificação de conduta em busca da unidade do pensamento. A
atitude interdisciplinar motiva o pensamento em direção à capacidade de desafiar conflitos que
sejam criados no decorrer do seu procedimento de elucidação, o que possibilita superação de
dicotomias tradicionais da visão de mundo mecanicista (FAZENDA, 2003; POMBO, 2005).
Como sinônimo de complexidade, essa não se ensina e está longe de ser apenas fusão de conteúdos ou
métodos. A complexidade não se prende nos componentes, busca continuamente as inter-relações,
ou seja, trabalha sempre com uma estrutura de relações. Não se realiza sob ordens/decretos,
tampouco tem etapas definidas que possam sem aplicadas indiscriminadamente, sendo um processo
que se desenvolve de acordo com as necessidades específicas de cada contexto (SIQUEIRA, 2003).
Mas como atingir uma prática concreta de interdisciplinaridade? Raynaut (2002), em seu
trabalho intitulado “Interdisciplinaridade e promoção da saúde: o papel da antropologia. Algumas
ideias simples a partir de experiências africanas e brasileiras” afirma que há quem pense que a
interdisciplinaridade é alcançada com o extermínio de divisões entre disciplinas, com a formação
de novos cientistas interdisciplinares capazes de abarcar, cada um, a totalidade dos aspectos da
realidade. Mas, para ele, o segredo da interdisciplinaridade está na competência de cada profissional
especializado conscientizado sobre a representação limitante da realidade construída com sua base
conceitual, instrumental e metodológica. Profissionais conscientizados em relação à vontade de
ultrapassar os limites de seus conhecimentos, famintos de trocar questionamentos, informações e
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Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
práticas em saúde com outros especialistas que possuam conceitos e instrumentos apropriados para
analisar outras facetas da realidade (RAYNAUT, 2002).
31
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
32
capítulo 4
A construção do conhecimento em
saúde coletiva
33
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Cabe à saúde coletiva sugerir outras maneiras de analisar a formação e a educação contínua em
saúde que possibilite o conjunto das áreas que compreendem as ciências da saúde; da mesma forma,
outras áreas e especialidades que caracterizam a prática do trabalho em saúde de forma ampliada
corrobora para que nos apossemos dos saberes e práxis que potencializam a alteração do contexto
atual, não restrito à atuação técnica ou científica, e aprecia a percepção do poder que nos leva à
elaboração de projetos de vida, de liberdade, de conquistas e de felicidade, com ensejos pessoais e
profissionais por saúde (AYRES, 2004; CAMPOS 2003).
Segundo Ceccim e Carvalho (2006) estamos escrevendo a partir e a respeito da área denominada
“saúde coletiva”, focando seus atributos de caracterização da epidemiologia, da organização,
da gestão e da política em saúde, mas também para a redefinição da prática clínica das equipes
multiprofissionais e dos conhecimentos interdisciplinares, das terapias diversas, das articulações
em redes da sociedade e dos serviços em saúde. A saúde coletiva é um contexto de geração de
saberes e de ações de profissionais especializados, mas também interdisciplinar, onde não ocorre à
concorrência por delimitações rígidas e precisas entre as diversas escutas e diferentes maneiras de
olhar, refletir e produzir saúde. As diversas práticas em saúde pautadas nos modos de levar a vida,
afiando as condições de existência dos indivíduos e das coletividades, demarcando a intervenção
e viabilizando as modificações nos modos de viver focam a promoção da saúde, a prevenção de
doenças e agravos, a reabilitação psicossocial e a proteção da capacidade de cidadão, assim como
outras práxis de proteção e recuperação da saúde. A distinção das amostras está no enfoque em
uma ou outra competência, no exercício da clínica individual e nas prescrições ou implementações
terapêuticas específicas. A prática clínica e a prática terapêutica se valem, de maneira predominante,
da prática individual de cuidado, mesmo que eficazmente incorporem o individuo e o coletivo e atuem
com as práticas de prevenção e promoção à saúde. Seguindo o mesmo raciocínio, a vigilância em
saúde utiliza a clínica para mediar a forma adequada, e assim por diante (AYRES, 2004; CAMPOS,
2003 CECCIM, 2001; 2004; 2005; CECCIM; CARVALHO, 2006).
Quatro focos de decisão são privilegiados pela saúde coletiva, como as políticas: maneiras de
distribuição do poder, prioridades eletivas, perspectivas de inclusão social, a viabilidade às culturas
e a produção de conhecimento; as técnicas: organização e regulação dos recursos e processos de
produção; e os meios para a intervenção. Segundo Nunes (1996) as ações da saúde coletiva possuem
como eixo direcionador as demandas em saúde da sociedade, dessa forma, preocupam-se com a
saúde dos indivíduos e das coletividades, como classes sociais, grupos étnicos e gerações, instigando
uma maior e mais efetiva cooperação dos indivíduos nas questões de vida, saúde e adoecimento no
contexto coletivo (NUNES, 1996).
Embora ocorra presença indiscutível da saúde coletiva na formação dos profissionais de saúde,
tradicionalmente ou de maneira inovadora, esta tem sido incapaz de gerar alteração na formação,
34
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
possivelmente pela ação não associada à clínica, como tem sido proposta e sugerida nas estruturas
curriculares pela valorização apenas de seus aspectos mais tradicionais de ensino, como Bioestatística,
Epidemiologia, Demografia, Ambiente, Saneamento, Modelos Explicativos da Saúde e da Doença,
Educação para a Saúde e Gestão Política do Setor da Saúde. São, de maneira principal, as demandas
da saúde coletiva que se referem aos movimentos de modificação na graduação (CECCIM, 2001;
2004; 2005; CECCIM; CARVALHO, 2006).
É importante registrar que o médico inglês Lord Bertrand Dawson, em 1920, por meio do Relatório
Dawson, um registro histórico para a administração e o planejamento dos serviços de saúde
coletiva como um todo, tinha como proposta a educação em saúde como integrante íntimo do
sistema de saúde e não de maneira exclusiva das instituições hospitalares para o ensino e como
campo de habilitação profissional. As características desse relatório, ao contrário do Relatório
Flexner, foi o enfoque para a incorporação das práxis do cuidado básico da saúde e não em relação
ao cuidado especializado, utilizando a rede habitual de serviços como escola e não como hospitais
universitários. O Relatório Dawson justificou e defendeu as instituições governamentais como
gestora e reguladora das políticas públicas de saúde, frente à gestão regionalizada e hierarquizada
dos serviços, com enfoque na integralidade das atividades preventivas e curativas, não apenas na
utilização do médico generalista e de um âmbito considerado como primeiro nível de atenção.
Suas orientações confrontaram a grande contrariedade dos médicos na restrição/limitação à
prática liberal-privatista e pela regulação das práticas profissionais. Devido às fortes resistências
apresentadas, as recomendações não são adotadas, mas elas influenciam a constituição do sistema
nacional de saúde inglês no final dos anos 1940, instituindo a universalização do cuidado primário
à saúde e à gênese do conceito de médico generalista (MARSIGLIA, 1995; FEUERWERKER, 2003;
CECCIM; CARVALHO, 2006).
No Brasil, manteve-se o modelo de cura do indivíduo como base do ensino da saúde e da formação
direcionada à ciência das doenças, na qual o corpo era entendido como o campo de evolução das
doenças e a clínica como um instrumento experimental de restauração da normalidade suposta na
saúde dos órgãos. Um esforço decrescimento da educação superior no Brasil identifica o ensino da
saúde com a pesquisa experimental emergente e aprofunda o modo biologicista de saúde. Nos anos
1940, houve presença acentuada da ciência na qualificação e expansão da educação superior dos
profissionais de saúde e sua especialização, incluindo a criação de departamentos nas universidades,
juntando as disciplinas de ensino como então existentes; o que justificou a construção, a reforma e a
ampliação dos laboratórios, o que definiu a gênese dos hospitais universitários ou então chamados
de hospitais escola, registrando um movimento que, isoladamente caminhou até o final da década
de 1970 com eixo na prática individual e na cura de doenças como eixo principal (MARSIGLIA,
1995; CECCIM; CARVALHO, 2006).
35
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Entre os anos 1950 e 1960, a saúde coletiva se constituiu como um movimento mundial, o
Movimento Preventivista, demonstrado por Sérgio Arouca, em sua tese de doutoramento sobre
o dilema preventivista (AROUCA, 1975; 2003). O Movimento Preventivista direciona a formação
dos profissionais como eixo estratégico à modificação das práticas de saúde e coloca em destaque
a demanda de reavaliar os objetivos dos cursos de graduação na saúde. Para o Movimento
Preventivista, as demandas da saúde das sociedades são apontadas como foco para as modificações
da educação dos profissionais de saúde. O movimento preventivista, somando as áreas da saúde
coletiva, provoca uma amplificação da visibilidade dos problemas de saúde da população (AROUCA,
1975; 2003; MERHY, 2002; 2003).
Nos anos de 1960, ocorreu uma reforma da educação que instigou a abertura de departamentos,
disciplinas e áreas de conhecimentos da saúde pública, o que incentivou principalmente o ensino
de conteúdos relacionados à prevenção em saúde, de maneira notória nos cursos de Medicina,
Enfermagem e Odontologia. Essa reforma na formação dos profissionais de saúde não integrou as
disciplinas da área da saúde coletiva à área clínica, embora tenha introduzido a ideia de mudança no
campo da educação dos profissionais de saúde como um movimento organizado. O fator relevante
às mudanças ocorridas na educação dos profissionais de saúde foi decorrente da atuação da OPAS
junto às instituições formadoras mobilizadas para o debate sobre o ensino da saúde pública, na
qual apontaram as demandas de uma mudança de comportamento dos professores, da integração
curricular e da integração do ensino com o sistema de saúde para a melhor formação dos profissionais
e adequação da participação na melhoria das condições de saúde da população (MARSIGLIA, 1995;
CECCIM, 2005; CECCIM; CARVALHO, 2006).
A área da saúde coletiva, seja como organização científica do conhecimento seja como participação
na organização dos sistemas de saúde, preocupa-se com a fragmentação da formação e da realidade
social no âmbito de atuação dos profissionais, de modo relevante o ensino em saúde. Distante
às acumulações da saúde coletiva, contudo, o sistema de educação se mostra impermeável às
necessidades de mudança. As reformas das universidades conduziram, e ainda conduzem, muito
mais em conta os aspectos internos às instituições de ensino o que implica a formação no contexto
da transformação no interior do mundo do trabalho (PINHEIRO, LUZ, 2003).
É importante ressaltar que o conceito de saúde da OMS, formulado em 1946, apontava que a saúde
significava “bem-estar físico, mental e social”. O ensino, em decorrência, deveria se desapegar da
biologia, como racionalidade científica à saúde, e estabelecer o intercruzamento com a psicologia,
as humanidades e as ciências sociais e humanas para uma reforma da educação não apenas
instrumental, mas de projetos políticos e pedagógicos (OPAS, 1997; 1995; CZERESNIA; FREITAS,
2003).
O interesse pelos aspectos pedagógicos do ensino na saúde iniciou-se ao mesmo tempo em que a
educação analisava a aplicação das tecnologias de ensino aprendizagem, com vistas à modernização
das escolas e do ensino e para a elaboração da didática aplicada às ciências da saúde. É nesse contexto
que se desencadeou o processo de articulação das escolas e culminara na constituição das associações
de escolas no país, na América Latina e no continente americano. A gênese das Associações e
Federações de Escolas, que mais tarde evoluiu em diversas profissões, para Associações de Ensino,
36
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
tinha como objetivo a difusão de ideias relacionadas à mudança na educação dos profissionais de
saúde (SANTOS, 1997; FERLA, 2002).
Nos anos 1970, foram os projetos de ensino em saúde comunitária que despontaram a análise
acerca das mudanças na formação, resultantes da compreensão dos aspectos psicológicos e sociais,
retirando o contexto da cultura, da história, das políticas da vida em sociedade, das racionalidades
em cada setor da sociedade ou coletividade. Os programas de aprendizagem se direcionaram aos
territórios da vida, no sentido de compreender os contextos culturais locais. Historicamente, o país
estava no auge da ditadura e foi também o período que se introduziu o direito à educação popular
como projeto de cidadania, configuração da pedagogia segundo Paulo Freire (PEREIRA NETO,
2001; FEUERWERKER, 2003).
Nos anos de 1980, as posições inovadoras e de crítica aos modelos profissionais existentes, como
os modelos de assistência, de educação e de desenvolvimento social, reivindicaram inovadoras
experiências à integração do ensino e dos serviços que ultrapassassem o aprendizado nas instituições
hospitalares, valorizando o processo de ensino nas unidades básicas de saúde, e que pudessem
recuperar a integralidade e incorporassem de maneira mais intensa os conteúdos das ciências
sociais e humanas. Sem desconsiderar o conceito do hospital como o lugar de cura e de doença, as
novas visões de saúde e de corpo criaram disciplinas inovadoras, prestigiaram outras profissões e
distinguiram profissionais voltados para a comunidade e profissionais preparados para o hospital
(SOUZA, 1998; MATTOS, 2003). CECCIM, 2005; CARVALHO, 2004).
37
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
favoreceu a execução da reforma sanitária que contribuiu para a criação do SUS, regulamentado nos
anos 1990 (MARSIGLIA, 1995; CECCIM; CARVALHO, 2006).
Ainda na década de 1990, sistematizou-se e programou-se na América Latina a reunião dos projetos
de articulação ensino-serviço-comunidade (rede de projetos UNI) e dos projetos de integração
docente-assistencial (rede de projetos IDA), que refletiu na estruturação da rede UNI-IDA (depois
rede Unida), assim como na formulação de uma teoria acerca da mudança na educação dos
profissionais de saúde. A necessidade de ultrapassar uma profissão, um departamento; de definir a
multiprofissionalidade por meio de projetos de desenvolvimento da atenção integral; de melhorar
a gestão social e de ampliar a interação com o sistema de saúde e o processo de aprendizado
caracterizou os novos rumos (KISIL; CHAVES, 1994; SENA-CHOMPRÉ, 1998; CECCIM, 2005;
CECCIM; CARVALHO, 2006).
No início dos anos 2000, houve novidade na educação nacional, como o rompimento da noção
de currículo mínimo para a organização dos cursos de graduação. Aprovadas entre 2001 e 2004,
as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde, com exceção: Medicina
Veterinária, Psicologia, Educação Física e Serviço Social, afirmaram que a formação dos profissionais
de saúde precisava contemplar o sistema de saúde vigente no Brasil, o trabalho por equipe e o
cuidado integral à saúde, não somente a atuação do médico e sim dos biomédicos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, odontólogos e terapeutas ocupacionais no cuidado à saúde. Para o curso de
graduação em Educação Física e Psicologia, o cuidado em saúde está definido como participação
na prevenção, promoção, proteção e reabilitação em saúde, segundo os referenciais das profissões;
Psicologia definiu a atenção à saúde como o seu objetivo específico; para o curso de graduação em
Medicina Veterinária, a saúde é definida como a intervenção de saúde pública; para a graduação
em Biologia, é a atuação a favor das políticas de saúde; para o Serviço Social não há referência
específica à saúde, suas diretrizes são pela cidadania, relações sociais e mercado de trabalho; para
o Conselho Nacional de Educação, a graduação em Economia Doméstica compõe o conjunto das
ciências da saúde e sua participação se faz pelo âmbito da promoção da saúde. A Agronomia, com
marcada atuação na área de saúde ambiental, pode intervir em saúde pública pela participação no
controle de alimentos de origem vegetal e controle dos mananciais de água, além da participação na
produção de fitoterápicos (SOUZA, 1998; FEUERWERKER, 2002; 2003; CECCIM; CAPOZZOLO,
2004; CECCIM, 2004; 2005; 2005).
38
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Em 2004, foi apresentada pelo Ministério da Saúde e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde
uma política do SUS para dialogar com os cursos de graduação nas profissões da área da saúde:
“Aprender SUS”. A iniciativa despertou uma adesão intensa dos estudantes de graduação dos
vários profissionais da área de saúde, de amplos segmentos populares, principalmente organizados
em torno da Articulação Nacional dos Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde e
do conjunto das Associações de Ensino das Profissões de Saúde, que chegaram a criar o Fórum
Nacional de Educação das Profissões da Área da Saúde, assim como as executivas de estudantes
organizaram a Comissão de Representação do Movimento Estudantil da Área da Saúde (BRASIL,
2004; CECCIM; CARVALHO, 2006).
O “Aprender SUS” foi a primeira política do SUS voltada para a educação universitária. Ele apoiava
o Fórum das Associações de Ensino das Profissões de Saúde e a Comissão de Representação
do Movimento Estudantil da Área da Saúde; a cooperação e o envolvimento na organização do
componente saúde no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, para a consideração
da implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais; a orientação dos cursos pela tematização
da integralidade em saúde; o suporte à pesquisa sobre o ensino da integralidade dos diferentes
profissionais da área da saúde, mobilizando o diretório de pesquisas do CNPq designado como
“Ensina SUS”, que foi direcionado à formação de ativadores de processos de mudança na graduação,
com mil vagas em curso de pós-graduação Latu sensu; o financiamento de projetos com autonomia
nas áreas provenientes das Associações de Ensino, Executivas de Estudantes e Instituições de
Educação Superior no âmbito da integralidade, trabalho em equipe e apropriação do SUS (CECCIM;
CARVALHO, 2006).
A construção das estratégias atuais decorre do processo de aprendizado com a história dos
movimentos de mudança, como a demanda de estabelecer inter-relações entre os estabelecimentos
de ensino e as organizações de gestão da saúde; as instituições de representação popular e os serviços
de cuidado à saúde (CECCIM; CARVALHO, 2006).
Apesar disso, estruturadas como instituições, as Ciências da Saúde compõem a Grande Área da
Saúde, que é composta pelo conjunto de profissionais cujos núcleos de competências são baseados em
práticas de assistência e o outro conjunto de profissionais cujos núcleos de competências compõem
as práticas de promoção da saúde. Entre os núcleos de competências dos profissionais estão as
práticas de saúde prestadas aos indivíduos e às coletividades humanas. A falta de precisão acerca
dos limites entre os 2 grupos se relaciona com a amplitude que se objetiva designar ao conceito de
práticas de saúde ou de necessidades de saúde (PEREIRA NETO, 2001; CECCIM, 2004).
39
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
A presença marcada da saúde coletiva no processo de educação dos profissionais de saúde, além
da oferta das disciplinas tradicionais de ensino da área, precisaria transversalizar o conjunto da
formação; estruturar práticas intercursos; estabelecer permeabilidades multiprofissionais na
docência, na pesquisa e na extensão; instituir cruzamentos com as áreas sociais e de humanidades
e incentivar práticas criativas de inter-relação com os sistemas e serviços de saúde e com as redes
sociais por localidades. O desafio maior que se faz necessário ultrapassar é a presença da saúde
coletiva apenas no final dos cursos e não em seu início, o que propõe a implementação do conjunto
de saberes profissionais para descrever, avaliar e inovar nas realidades sociais, epidemiológicas e de
administração em saúde (CUNHA, 2005; CECCIM; FEUERWERKER, 2003).
O Brasil necessita de profissionais capacitados na gestão dos sistemas e serviços de saúde, não
porque se especializaram em administração, mas porque dominam o seu âmbito do trabalho no final
da graduação; profissionais capacitados à escuta ampliada aos problemas de saúde, não porque se
especializaram em planejamento, mas porque sabem o que é um projeto terapêutico singular; e de
profissionais acolhedores, não porque são bons classificadores de risco, mas porque estão imersos
no conceito de inclusão e, de suma importância, na responsabilidade do campo da saúde com a
saúde individual e coletiva (CECCIM, 2004; 2005; 2005).
O meio acadêmico e universitário, de maneira geral, depara-se com distintos dilemas, em decorrência
da necessidade de redimensionar as suas funções conforme a mudança social cada vez mais dinâmica
e complexa. Aspectos como a temporalidade, a globalização, as técnicas, a ciência e a informatização
são intensamente utilizados e, todavia, por si só, não conseguem explicar as transformação por
que passa a sociedade moderna. A universidade brasileira é um ator desse processo, em paralelo à
participação que sofre pressão para que acompanhe a velocidade dos acontecimentos e dos avanços
tecnológicos. Um dos caminhos que a universidade segue é o de atender às demandas e aos interesses
imediatos relacionados e vinculados ao mercado de trabalho, com ênfase nos conteúdos técnicos e
práticos isentos de reflexão, de crítica, de contextualização e, sobretudo, isento de autoria àqueles
para quem se destina (CECCIM; CARVALHO, 2006; CECCIM, 2004; 2005; 2005).
Os diferentes profissionais necessitam estar atentos ao fato de que para que as populações possam
alcançar os níveis adequados de saúde é necessário ir além do acesso aos serviços de assistência com
qualidade, é necessário lutar e envolver-se com políticas públicas comprometidas com a afirmação
da vida como elementar à saúde e viabilizar a comunicação e articulação entre a população e o
poder público. Não é possível interferir no processo saúde-doença se não estivermos preparados e
desenvolvido a escuta, o estudo, a análise e a avaliação ao que se pensa e se executa nas Ciências da
Saúde hoje (CECCIM; CARVALHO, 2006).
40
capítulo 5
O contexto ambiental e da saúde
no processo de desenvolvimento do
campo da saúde coletiva
Aspectos históricos
A inter-relação do ambiente com o padrão de saúde de um grupo populacional designa o campo de
conhecimento referido como “saúde ambiental”. Segundo a OMS, esta relação incorpora todos os
componentes e aspectos que possuem um potente risco à saúde, com a inclusão da exposição aos
componentes específicos, como os químicos, biológicos ou os contextos que se relacionam ao estado
psicológico do indivíduo, assim como aqueles relativos aos aspectos negativos do desenvolvimento
social e econômico dos países (OPAS, 1990).
Com o crescimento da área de saúde do trabalhador, a partir do fim dos anos 1970 e no decorrer
de toda a década de 1980, ficou explícita a ligação entre as questões acima citadas e o sistema
de saúde, o que abriu o trajeto de incorporação de uma saúde ambiental no setor (CÂMARA &
GALVÃO, 1995). O período que antecedeu a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), em 1992, no Rio de Janeiro, contribuiu de maneira
adicional ao emergente dos problemas de saúde relacionados com o ambiente. Aliás, este período
pode ser definido pelo crescimento dos movimentos ecológicos, como as Organizações não
Governamentais (ONGs) e outras formas organizadas de luta da sociedade civil pela preservação
41
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
do ambiente que ganharam espaço na mídia. Tais aspectos explicitam os aspectos políticos e sociais
da relevância da questão ambiental em seus desdobramentos, inclusive para a saúde, em todo o
planeta (TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
É possível afirmar que a ideia do meio ambiente como componente essencial no âmbito da saúde
é antiga, no entanto, a definição de suas características em sentido técnico e científico tem sido
bastante vaga e imprecisa para assumir as variadas maneiras e concepções na composição do
ambiente com a possível relação com a saúde propriamente dita. Inegavelmente, este ambiente é
visto ao longo dos anos como meio externo, na maioria das vezes considerado como, simplesmente,
o cenário (AROUCA, 1976; QUADRA, 1979).
Segundo Nunes (1986), o valor dado ao componente social como dimensão relevante na explicação
deste processo facilitou a entrada das Ciências Sociais, nos aspectos teóricos e metodológicos, na área
de saúde pública (NUNES, 1986), o que possibilita a discussão de outros conceitos de ambientes,
principalmente relacionadas à noção de “coletivo”, e com as categorias “população” ou “grupos
populacionais” tradicionalmente adotadas pela Epidemiologia. Apesar disso, ainda há a prevalência
do olhar de ambiente como externo ao sujeito, embora já analisada e criticada nas próprias áreas
que a adotavam. A própria urgência de uma saúde coletiva é reflexo, em parte, do desenvolvimento
do conhecimento enraizado na teoria de alterações do curso do raciocínio empírico, até então
dominante nessa área. Dessa forma, alterações conceituais e de metodologia tornaram obrigatória
a renomeação do próprio campo de preocupações. As diferenças no âmbito político, econômico
e social relativos aos países onde se produzia conhecimento e as próprias maneiras de conhecer
tornaram eminente a necessidade de um raciocínio original sobre a saúde que pudesse considerar,
do nosso ponto de vista, as dimensões políticas e econômicas e contribuir para a redefinição dos
conteúdos e das formas de intervenção concreta (TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
Os conceitos de ambiente ficaram fora do foco central de preocupações de uma saúde coletiva
emergente, como, por exemplo, aquela que o compreendia no âmbito de um espaço definido
geograficamente que somente foi, em parte, recuperada e assumida posteriormente em trabalhos
recentes (SABROSA et al., 1992; SILVA, 1997). A dimensão ecológica desta abordagem está menos
desenvolvida na atualidade, mesmo que alguns esforços tenham sido feitos neste sentido, de maneira
42
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
especial nas áreas que têm como objeto as doenças parasitárias e infectocontagiosas que já eram a
preocupação principal dos profissionais (TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
Além de alguns autores discutirem de forma eventual a possibilidade de que os efeitos adversos
sobre a saúde de processos produtivos investigados pudessem ultrapassar a área geográfica das
empresas, foram publicados artigos, dissertações e teses na área de saúde coletiva sobre os problemas
ambientais que foram originados dos ambientes de trabalho. Foi crescendo a conscientização da
importância da relação do trabalho com a saúde da população não trabalhadora, uma vez que são os
profissionais da área de saúde do trabalhador os que possuem o conhecimento dos métodos e das
tecnologias para avaliação e controle dos riscos originados a partir dos ambientes de trabalho. Tais
aspectos racionalizaram as instituições de pesquisa e ensino a definirem seu campo de atuação de
forma mais abrangente, sob a denominação de “produção/ambiente/saúde”; “trabalho, ambiente e
saúde”; “saúde e trabalho”, e que fortaleceu o desenvolvimento de uma área técnica de intervenção
nos serviços públicos sob a denominação de Saúde Ambiental dentro do Ministério da Saúde
(TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
43
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
sistema de saúde, organizou um cadastro destas atividades na rede pública que compreendia 161
programas ou atividades indicadas como de saúde do trabalhador. Estes programas oferecem o
acesso dos trabalhadores a serviços, antes inexistentes, que podem contribuir para a comprovação
causal entre a produção e o processo de adoecimento (TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
No momento atual, a área de saúde ambiental, com sua estrutura inovada, aparece com certa
densidade institucional nas universidades e nos centros de investigação, nos projetos educacionais e
nas áreas de intervenção dos serviços públicos de saúde, desde o nível municipal até o federal, assim
como está presente em entidades da sociedade civil, tais como as já citadas ONGs. Recentemente, um
relevante aporte de conhecimentos e técnicas está sendo fornecido pela saúde ambiental ao campo da
saúde coletiva por meio de organizações da área, como a OMS e a Environmental Protection Agency,
entre outras. Trata-se das propostas de administração de risco ambiental que envolve a tecnologia
ambiental e os estudos das legislações e normas, bem como das políticas econômicas demográficas
e de saúde se utilizando de equipamentos de gestão dos bens e serviços objetivando a promoção de
mudanças ambientais relativas à manutenção da saúde (TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
Aspectos teórico-conceituais
Segundo Tambellini (1996), em seu estudo sobre as relações da saúde com o seu ambiente intitulado
“Notas provisórias sobre uma tentativa de pensar a saúde em suas relações com o ambiente”, a
saúde coletiva como um campo de práticas teóricas e de intervenção concreta na realidade tem
como objeto os processos de saúde e de doença nas coletividades. Consequentemente, o autor
assume duas funções principais:
44
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
biológicos, psíquicos, sociais e ecológicos que neste processo se manifestam. Dessa maneira, ao
interagirem com o seu próprio alvo (indivíduo/coletividade) e no interior de um processo de
alta complexidade, ocorre sua particularização na dependência dos elementos em jogo e suas
características específicas (capacidade de produzir dano/lesar, capacidade de se defender/
responder), obedecendo a determinadas normas biológicas e sociais e produzindo o doente/a
doença. Portanto, o processo-objeto de estudo considerado pela saúde coletiva é aquele que constitui
a doença tal qual é encontrada nas coletividades sob estudo (TAMBELLINI; CAMARA, 1998)
É no campo ambiental definido em termos de uma nova ecologia que são articuladas as duas
lógicas: a da natureza e a da sociedade (BECKER, 1992). Dessa forma, um ambiente antes natural,
assim considerado pela suposição natural por ser inatingível pelas sociedades humanas, torna-se
corrompido em sua naturalidade ao ser permeado e utilizado pelos processos produtivos. Estes
procedimentos estabelecem as relações sociais e técnicas as quais são submetidas as coisas, a natureza
e seus vínculos às designações econômicas e sociais, desconsiderando seus limites de sobrevivência.
O ambiente natural ou social é, pois, o elemento interativo, por excelência, das relações produção/
ambiente/saúde (TAMBELLINI, 1996).
45
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Quadro 1 – Exemplos de categorias de variáveis relacionadas a exposições e efeitos por poluentes ambientais.
Mesmo que as populações sejam afetadas por desastres naturais, como erupções vulcânicas ou
elevados acúmulos naturais de substâncias de alta toxicidade, praticamente todas as situações de
poluição ambiental de grandes proporções têm como principal origem os processos produtivos. A
relação acima citada entre os processos de produção e a saúde ambiental são mais bem compreendidas
pela análise de quatro casos de epidemias importantes causadas por poluentes químicos no mundo,
como metilmercúrio em Minamata, Japão; metilmercúrio no Iraque; PCB (difenilpoliclorados) no
Japão; e Chumbo nos Estados Unidos e na Austrália (WHO, 1994).
Segundo Harada (1991), o caso da Baía de Minamata pode servir como um melhor exemplo da inter-
relação de processos produtivos, ambiente e saúde da população. Processos de biomagnificação
nas águas da Baía de Minamata transformaram dejetos industriais de um sal de mercúrio, lançado
a partir de 1932, em uma forma metilada, mais agressiva ao homem. Este processo de metilação
atingiu pela cadeia biológica os peixes, uma importante fonte alimentar da população que residia na
região (HARADA, 1991).
46
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
dos anos 1930, apenas na década de 1960 configurou-se um o quadro epidêmico por intoxicação de
metilmercúrio que ocasionou, aproximadamente, 1.000 mortes; levou ao nascimento de crianças
com defeitos congênitos; causou abortos e deixou sequelas graves por lesões neurológicas (HARADA,
1991; TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
Outra relevante epidemia por metilmercúrio ocorrera no Iraque, entre 1971 e 1972, decorrentes
de uma elevada quantidade de semente de trigo que foi tratada com um fungicida mercurial e
enviada como doação internacional para uso no plantio e inadvertidamente utilizada diretamente
na produção de alimentos. Mais de 600 pessoas foram hospitalizadas, das quais, 460 foram a óbito.
Outro caso foi o número incontável de pessoas, principalmente crianças, atingidas pelo chumbo
utilizado na fabricação de tintas. O número de crianças intoxicadas foi elevado devido ao costume
de colocarem objetos e coisas impróprias para o consumo alimentar na boca e também pelo fato
de constantemente levarem a mão à boca, assim acabam por ingerir quantidades relevantes de
poluentes (HARADA, 1991; TAMBELLINI; CAMARA, 1998).
No Rio de Janeiro, uma população aproximada de 1.000 pessoas de uma localidade denominada
“Cidade dos Meninos” se expôs a resíduos de hexaclorociclohexano (HCH) abandonados por uma
fábrica de pesticidas. Foram identificados resíduos de *-HCH (0,16-15,67 µg/L) e ß-HCH (1,05-
207,3 µg/L) em amostras de sangue de 184 crianças (OLIVEIRA, 1994; BRILHANTE & OLIVEIRA,
1996). Também na localidade de Samaritá, Baixada Santista, estado São Paulo, habitada em média
por 42 mil pessoas, uma indústria química despejou resíduos contendo hexaclorociclohexano. A
média dos níveis de HCB no sangue dos moradores deste local foi de 4,095 µg/L, enquanto no
restante da região variou entre 0,341 a 0,414 µg/L (SILVA, 1994).
Em relação à contaminação por mercúrio, sua aplicação como amálgama na produção de ouro
alcançou taxas elevadas até o início dos anos 1990. Estimou-se cerca de 500 mil garimpeiros
expostos durante o período ocupacional ao mercúrio, em paralelo às projeções sobre o número de
expostos não fora do ambiente de trabalho ao metilmercúrio, ou seja, as populações ribeirinhas
que consumiam peixes e os habitantes de centros urbanos onde existiam lojas que comercializavam
ouro variavam entre 1 a 5 milhões de pessoas. Exemplificando a possibilidade de exposição da
47
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
população a este metal, cita-se que populações ribeirinhas da bacia hidrográfica do Rio Tapajós,
estado do Pará, e que foram expostas ao metilmercúrio apresentaram teores de mercúrio no cabelo
que alcançaram, para um valor de referência de 6 µg/g, até 90,4 µg/g (SANTOS, 1997). Quanto à
poluição dentro do domicílio por este metal, segundo Câmara e colaboradores (1997) verificaram
em populações urbanas da cidade de Poconé, Mato Grosso, e não ocupacionalmente expostas, teores
de mercúrio na urina que atingiram até 102 µg/L. Nas casas das mesmas pessoas que apresentavam
concentrações elevadas do metal na urina, foram obtidos também os maiores valores de mercúrio
em solos (9,8 µg/g) e em poeira da casa (100,8 µg/g).
Levando em consideração que as situações de risco têm sua origem de forma hegemônica, segundo o
ponto de vista de muitos autores (TAMBELLINI; CAMARA, 1998; SILVA, 2001; BARRETO, 2001),
nos ambientes de trabalho devem ser priorizadas as ações voltadas para os processos produtivos.
Segundo alguns autores, entre os elementos que compõem estratégias para reduzir os riscos e efeitos
adversos à saúde proveniente de poluentes ambientais originados a partir dos processos produtivos,
destacam-se (TAMBELLINI; CAMARA, 1998; SILVA, 2001; BARRETO, 2001):
48
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
A abordagem ecossistêmica da saúde humana é uma ciência antiga. Porém, é necessário e urgente
que seja implementado no plano das ações concretas um programa e uma programação de projetos,
ações e de realizações que levem em conta uma política ambiental que dê privilégio a questões
relativas à geração de práticas, saúde e ambiente (TAMBELLINI; CAMARA, 1998; SILVA, 2001;
BARRETO, 2001). Nessa conjuntura, deseja-se que haja uma abordagem acerca das questões
ambientais que consiga reunir todos os setores sociais envolvidos em intervenções apropriadas a
um desenvolvimento saudável (FUNTOWICS; RAVETZ, 1997).
Há vários conceitos de saúde coletiva, mas talvez o mais amplo seja o de Winslou,
que em 1920 já dizia que: saúde coletiva é a ciência e a arte de prevenir doenças,
prolongar a vida e promover a saúde física e a eficiência do indivíduo por meio
de esforços organizados da comunidade, visando ao saneamento do meio
ambiente; ao combate das doenças transmissíveis que ameaçam a coletividade;
ao ensino dos princípios de higiene individual: às organizações dos serviços
médicos e de enfermagem para diagnóstico precoce; ao tratamento preventivo;
e ao estabelecimento de condições de saúde que assegurem a cada membro da
coletividade um nível de vida favorável à manutenção da vida e à promoção da
saúde como base das ações em enfermagem em saúde coletiva.
49
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Filmes
Vale à pena conferir este filme feito pela Organização Panamericana de Saúde e pelo
Ministério da Saúde.
<http://www4.ensp.fiocruz.br/biblioteca/home/exibedetalhesBiblioteca.
cfm?ID=11133&tipo=B>.
Quem preferir assistir pelo Youtube, segue o link do primeiro episódio <http://www.
youtube.com/watch?v=4kfXcSLAbOg>; ao lado do primeiro estão linkadas todas
as outras 6 partes.
Confiram!
A Onda
Rainer Wegner, professor de ensino médio, deve ensinar seus alunos sobre
autocracia. Devido ao desinteresse deles, propõe um experimento que explique
na prática os mecanismos do fascismo e do poder. Wegner se denomina o líder
daquele grupo, escolhe o lema força pela disciplina e dá ao movimento o nome
50
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
O periódico foi criado no final do ano 1996. Editada pela Associação Brasileira de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), a Revista Ciência & Saúde Coletiva
é um periódico bimestral que tem como objetivo precípuo veicular artigos sobre
resultados de pesquisa, debates e revisões sistemáticas na área de Saúde Pública/
Saúde Coletiva. Sua singularidade, em comparação com os outros periódicos da área
é ser TEMÁTICA. A ideia de fazer uma revista temática vem do propósito da Abrasco
de promover e socializar o aprofundamento científico, as discussões acadêmicas
e os debates interpares de assuntos considerados importantes e relevantes,
acompanhando o desenvolvimento histórico da saúde púbica do País. Seus Editores
Científicos são Maria Cecília de Souza Minayo e Romeu Gomes, ambos pertencem à
Fundação Oswaldo Cruz.
51
Alimentação
e Nutrição em Unidade iI
Saúde Coletiva
capítulo 1
História do campo da alimentação e
nutrição na saúde pública no Brasil
A alimentação não é condição única para definição do estado nutricional, mas é um requisito
necessário, uma vez que não se pode alcançar ou manter um estado nutricional satisfatório sem
uma alimentação suficiente, completa, harmoniosa e adequada (BATISTA FILHO, 1999; 2002).
52
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e incorporados à legislação nacional em 1992
(BRASIL, 2003).
O caráter social e econômico da fome, demonstrado nas décadas de 1940 e 1950, teve como marco
histórico nacional os livros “Geografia da Fome”, de 1946, e “Geopolítica da Fome”, de 1951, ambos
de Josué de Castro. Foi criada em 1945 a Comissão Nacional de Alimentação, modificada para o
Ministério da Educação e Saúde em 1949. Somente em 1951, foi regularizada como instância
responsável por prestar assistência ao governo na construção da Política Nacional de Alimentação.
Ao longo da existência da Comissão Nacional de Alimentação (1945-1972), destacam-se os seguintes
objetivos: estudar e propor normas da Política Nacional de Alimentação; estudar o estado nutricional
e os hábitos alimentares da população brasileira; realizar o acompanhamento e a estimulação aos
estudos e às pesquisas relacionadas a questões e problemas de alimentação; trabalhar pela correção
de deficiências e inadequações da dieta brasileira, estimulando e acompanhando as devidas
campanhas educativas; e concorrer para o desenvolvimento da indústria de alimentos no Brasil
(VASCONCELOS, 2005).
Na década de 1960, tem início uma crise alimentar no país provocado pela crise no abastecimento
decorrente da crescente inflação do período. Nessa época, teve destaque a Merenda Escolar e a
distribuição, por exemplo, de leite em pó e desengordurado, por meio dos programas internacionais
de ajuda alimentar, tornando-se evidente o objetivo econômico. Ou seja, não havia ajuda financeira,
fato que teria condições de estimular a aquisição e a produção local de alimentos in natura ou
processados, mas como valor de utilização, por meio do escoamento do excedente de produção que
não conseguiu realizar-se como mercadoria ou se transformar em capital (VASCONCELOS, 2005).
As décadas seguintes foram marcadas por inquéritos nacionais, com o início do Estudo Nacional
da Despesa Familiar (ENDEF) desenvolvido entre 1974 e 1975, executado pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN),
também realizada pelo IBGE entre junho e setembro de 1989. Resumidamente, são inquéritos
domiciliares realizados sobre amostra probabilística das famílias brasileiras, em que, entre outras
informações, foram obtidos dados antropométricos que permitiram avaliar o estado nutricional da
população e, em particular, estabelecer a prevalência nacional e regional da desnutrição infantil
(MONDINI; MONTEIRO, 1994).
53
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
A conformação atual da organização pública da saúde, íntegra, gratuita e universal, começou a ser
reformulado no processo de democratização do País. O marco dessa reforma foi a VIII Conferência
Nacional de Saúde, em 1986, que congregou acadêmicos ligados à saúde pública, profissionais de
saúde e setores da sociedade (NEGRI, 2002).
A Constituição de 1988, em seu art. 196, apontou que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação” (BRASIL, Constituição de 1988 – , 2006, p. 33), e a Lei Orgânica da Saúde (Lei no
8.080/1990), que cria o Serviço Único de Saúde (SUS), em seu art. 3o , diz que: “A saúde tem como
fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação e moradia [...]” (BRASIL, Lei no
8.080, 1990). Percebe-se que ambas condensaram o surgimento de uma nova organização política
e institucional para o reordenamento dos serviços e das ações de saúde (NEGRI, 2002; YUNES,
1999).
Tem-se assim a Segurança Alimentar e Nutricional como uma temática planejada para o campo
das Políticas Sociais, dos Direitos Humanos e da Economia, assim como no âmbito das discussões
da sociedade, do país e locais (RIBAS, 2006). Sua discussão ganha importância ao ser considerada
essencial para a afirmação plena dos potenciais de desenvolvimento físico, mental e social de todo
ser humano (BRASIL, 2003).
54
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
Contudo, sem se preocupar com a ideia de equidade, mas voltados à prática de solidariedade, esses
programas e políticas foram pensados e instituídos com base no assistencialismo (DA DALT, 2006).
Com início na Europa, a partir da I Guerra Mundial, o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional
assumiu a concepção de segurança nacional, em relação ao dever dos países de se garantir nos
estoques estratégicos de produtos alimentícios como forma de, pela autossuficiência, tornarem-se
menos vulneráveis em caso de adversidades de caráter político ou militar que possam propiciar
restrições à comercialização e ao abastecimento. De maneira geral, o conceito limitava-se às
perspectivas de potencial produtor, abastecedor e donativo na quantidade apropriada (DOMENE,
2003; Ministério da Saúde, 2004; MONTAÑA, 2003).
Com o acontecimento da II Guerra Mundial, esse conceito foi recuperado, agregando a visão e o
conceito do direito humano à alimentação no contexto da definição expressa nas ações “representadas
na Conferência sobre a Alimentação e Agricultura em Hot Springs, EUA, em 1943 “ de libertação
de todas as pessoas da terra da miséria. Essa concepção progrediu com o idealismo que configurou
a política adepta do pós-guerra, com a gênese da FAO e com a urgência da Declaração dos Direitos
Humanos em 1948 e com a Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito dos
Direitos Econômicos e Sociais em 1966 (MONTAÑA, 2003).
Nos anos 1980, a conceituação do termo Segurança Alimentar foi expandido no momento em que
a FAO mostrou uma definição de oferta adequada de Segurança Alimentar que se baseava em três
objetivos: alimentos, estabilidade da oferta e dos mercados de alimentos e segurança no acesso aos
alimentos ofertados (CONSEA/PR, 2007). Nessa direção, o Banco Mundial, em 1986, estabeleceu
Segurança Alimentar como: o acesso por parte de todos, por todo o tempo, a quantidades suficientes
de alimentos para levar uma vida ativa e saudável. Como consequência disso, as discussões e os
debates consideraram que a Segurança Alimentar não é apenas uma decorrência da autossuficiência
em termos alimentares. Ela garante o poder aquisitivo da sociedade, a redução da pobreza, o
crescimento da economia e a redistribuição de renda (CONSEA/PR, 2007).
No Brasil, ainda em 1986, o tema foi retomado no momento da I Conferência Nacional de Alimentação
e Nutrição, que foi um desenvolvimento da 8º Conferência Nacional de Saúde, na qual foi proposta a
gênese do Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição (CNAN) e do Sistema de Segurança Alimentar
e Nutricional (SSAN), o primeiro sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Alimentação e
Nutrição/Ministério da Saúde (INAN/MS) e o segundo ligado ao Ministério do Planejamento, ambos
contando com a participação de setores da sociedade civil (CONSEA/PR, 2007).
55
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
No ano de 1991, foi divulgada a proposta da Política Nacional de Segurança Alimentar, a qual teve
um impacto inicial restrito, sendo aceita no início de 1993 como uma das instituições de instalação
do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e para a introdução definitiva das
questões agrícola, alimentar e dos déficits de consumo alimentar e fome como temáticas prioritárias
na programação da política nacional (MALUF et al., 1996).
O CONSEA foi criado em abril de 1993, a partir da proposta do governo paralelo do Partido dos
Trabalhadores, como um instrumento de articulação entre governo e sociedade na proposta das
normas às práticas no campo da alimentação e nutrição. Esse Conselho tem caráter consultivo e
assessor ao Presidente da República na construção de políticas e nas recomendações de garantia do
direito à alimentação da humanidade (CONSEA, 2006).
No auge do movimento desencadeado pela Ação da Cidadania e, com o apoio do CONSEA, realizou-
se em 1994 a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar. Ela foi resultante de um processo
de mobilização social no Brasil ao redor da alimentação e da disseminação da informação sobre
o agravamento da fome no País. Nessa conferência, foi elaborada uma declaração política e um
material documentado com a programação de situações e quesitos para a construção da Política
Nacional de Segurança Alimentar (MALUF et al., 1996).
Esse conceito exige a confluência de várias especialidades, o que o aumenta sua complexidade, porém
amplia sua temática, incluindo conjunturas de risco decorrentes das não adequações nutricionais,
não apenas determinadas por carência. Dessa forma, a abordagem da questão merece a articulação
de ações intersetoriais, relacionadas às áreas como a habitação, a educação, o saneamento básico e
acesso aos serviços de saúde (HOFFMANN , 1995; DOMENE, 2003;).
Sendo assim, o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, definido pelo Ministério da Saúde
(2004, p. 6), em vigor até o ano de 2004, consistia em:
56
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
Com base nesse conceito, pode-se dizer que a SAN passou a envolver diversos horizontes
estratégicos, expressos em dois componentes básicos: questão da alimentação, relacionada à oferta,
geração e acesso aos alimentos e o nutricional, relativo às práticas alimentares, aos procedimentos
e a condições locais e culturais na alimentação dos indivíduos, assim como a escolhas, elaboração,
preparação, ingestão, biodisponibilidade, fatores que determinam o estado nutricional individual
(MENEZES, 2004).
Ao final de 1994, foram elaboradas as principais diretrizes de uma Política Nacional de Segurança
Alimentar (PNSA) por um grupo de trabalho técnico nomeado pelo CONSEA, com base nos
resultados da 1ª Conferência. O CONSEA funcionou por apenas dois anos (1993–1995), embora
tenha configurado uma inovação institucional, envolvendo os vários ministérios e segmentos da
sociedade, ficou fadado às restrições da economia, a qual prioriza a estabilidade da moeda deixando
à margem a política social. São apontados abaixo os escassos resultados atribuíveis ao CONSEA,
entre eles, a não centralização do Programa Nacional de Alimentação Escolar, a continuidade do
Projeto Social de Distribuição de Alimentos (PRODEA) e a prioridade ao Programa de Atendimento
ao Desnutrido e à Mulher Gestacional em Risco Nutricional e ao Programa Leite é Saúde, que
incluiu distribuição de leite como estratégia de combate à desnutrição materna e infantil (BRASIL.
CONSTITUIÇÃO, 1988, 2006).
Extinguido no governo de Fernando Henrique Cardoso, o CONSEA foi substituído pelo Conselho
Comunidade Solidária, um órgão consultivo e pouco executivo. A partir daí ocorreu a separação das
políticas públicas relacionadas à extinção da fome, resultando, em 1997, na supressão do Instituto
Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), e na continuidade do projeto de distribuição de cestas
básicas de maneira não estável e na dependência do calendário eleitoral (BRASIL. CONSTITUIÇÃO,
1988, 2006).
57
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
alimentar (CONSEA, 2004). Esse fórum, presente na maioria dos estados e de forte participação em
eventos nacionais e internacionais, chama a si a missão de lidar com os vários setores relacionados
ao tema, configurando-se como representante e na comunicação do entendimento da estratégia da
Política Nacional de Alimentar e Nutricional (CONSEA, 2004).
No governo federal, depois de extintos alguns programas, uma das únicas áreas que mantiveram
uma discussão efetiva da alimentação e nutrição dentro da perspectiva da segurança alimentar foi
a Área Técnica de Alimentação e Nutrição (ATAN), do Ministério da Saúde. Em 1999, após ampla
reflexão social, foi ratificada pelo Conselho Nacional de Saúde a recente política de Alimentação e
Nutrição configurada dentro do conceito de promoção dos Direitos Humanos e da Alimentação, que
aponta para a necessidade de construção de uma política abrangente de SAN (VALENTE, 2002).
Diversas iniciativas e eventos sucederem-se até 2003, quando no novo governo o combate à fome foi
declarado prioridade, retomando o objetivo de construir e programar uma política de SAN, com o
Programa Fome Zero (CASTRO, 1995). O CONSEA foi recriado com a incorporação do nutricional
em seu nome, com novos desafios à participação social diante dos programas e das diferentes ações
relacionadas com a SAN (CONSEA, 2004; VALENTE, 2002). A partir daí, a nova conceituação do
CONSEA, as argumentações sobre a Segurança Alimentar e Nutricional, passam a reconhecer de
forma mais efetiva a relevância do aspecto nutricional na concepção da perspectiva nutricional
(SANTOS, 2007).
No ano de 2003, ocorreram, no Brasil, o seminário sobre segurança alimentar e a população negra,
o qual reivindicou a garantia de participação para as organizações negras nas instancias de controle
social relacionadas com a SAN, e o Fórum para a Constituição de Política de Segurança Alimentar
e Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas do Brasil, que determina a preparação
de mentores indígenas, visando ao exercício de sua competência legal e ao desenvolvimento de
estratégias que reduzam os obstáculos e favoreçam a participação das lideranças indígenas nas
atividades dos conselhos de SAN em nível local e nas instâncias estadual e federal (CONSEA, 2004).
Em setembro de 2006, essa lei foi aprovada e denominada: Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (LOSAN) (BRASIL. Lei no 11.346, 2006). Esta institui o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (SISAN) e estabelece suas definições, objetivos, princípios, diretrizes e
composição, por meio do qual o poder público e as organizações sociais, formularam e programaram
propostas, leis, planejamentos e ações visando a garantir o direito humano à alimentação adequada
(CONSEA, 2006).
Em julho de 2007, ocorreu a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com o
objetivo de propor: diretrizes para a incorporação da SAN nos eixos estratégicos de desenvolvimento
58
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
Além da atuação do CONSEA, atualmente existem múltiplas ações relativas à SAN desenvolvidas
por organizações sociais em todo o Brasil. Há um número significativo de organizações que
desenvolvem projetos com ações diretas junto às comunidades, em todas as regiões do país.
Geralmente, são pequenos sindicatos, organizações não governamentais, associações comunitárias
ou grupos religiosos, não articulados em redes, que precisam reconhecer sua atuação no âmbito da
SAN assim como analisar a temática (CONSEA, 2004). A cooperação social na confecção, execução
e fiscalização das políticas públicas, em todos os níveis, sobretudo no nível local, é um dos requisitos
para o alcance da SAN (MALUF et al., 1996).
Também vela ressaltar a importância do desenvolvimento econômico do País, desde que esse seja
orientado por objetivos sociais e por uma visão pautada na ética e na equidade, na sustentabilidade
ambiental, na universalização da cidadania e na radicalização da democracia para a busca da SAN.
Somado a isso, faz-se necessária a ampliação dos serviços básicos de educação, saúde, habitação e
saneamento (MALUF et al., 1996; SANTOS, 2007).
O Programa Nacional de Alimentação e Nutrição II, entre 1976 e 1979, composto por programas
de suplementação alimentar, amparo às pequenas propriedades rurais, combate às carências
nutricionais específicas à nutrição do trabalhador e suporte à efetivação de pesquisas, estudos e
preparação de profissionais (CASTRO, 1995).
Nos anos seguintes, as atividades do INAN ficaram restritas, praticamente, ao Programa Leite é
Saúde, sendo extinto em 1997 muito enfraquecido e sem condições políticas e técnicas de operação
(VALENTE, 2002).
No ano de 1998, respeitando a nova estrutura institucional do Ministério da Saúde, foi criada a
Área Técnica de Alimentação e Nutrição, subordinando-se à Secretaria de Políticas de Saúde. Nesse
contexto, em 1990, o Ministério da Saúde programa uma série de medidas fundamentais para o
setor que culminou na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada formalmente
pela Portaria no 710 de 10/6/1999, publicada no Diário Oficial da União (BRASIL. PORTARIA Nº
710, 1999).
A PNAN foi resultado de experiências, estudos, análises e debates no campo da nutrição nas últimas
décadas, portanto, os conceitos e pressupostos balizaram as definições das competências do setor
59
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
saúde, no que se refere à Alimentação e Nutrição. Participaram desse debate diferentes setores do
governo, segmentos da sociedade e especialistas no assunto, contando ainda com a concordância da
Comissão de Intergestores Tripartite e do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2003).
A Política Nacional insere-se no contexto da segurança alimentar e nutricional e possui como eixos:
garantir a qualidade dos produtos alimentícios disponibilizados para ingestão no Brasil, promover
a ingestão de alimentos saudáveis, prevenir e controlar as alterações nutricionais, assim como
estimular as atividades entre os setores envolvidos que possam propiciar o acesso universal aos
alimentos (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000).
Para que o propósito da PNAN seja alcançado, foram estabelecidas sete diretrizes essenciais:
Para a implementação dessa política, foram investidos milhões de reais e algumas das ações
desenvolvidas pelo Ministério da Saúde foram: o Programa de Incentivo ao Combate das Carências
Nutricionais (1998-2001), o Bolsa Alimentação (2001-2003), a implementação do Sistema
Nacional de Vigilância Nutricional (VAN), o Programa Nacional de Suplementação de Ferro e o
Programa de Suplementação de Vitamina A. Vários manuais e informes técnicos foram publicados
e entre eles podemos citar: Guia alimentar para crianças menores de 2 anos de idade, Dez passos
60
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
para a alimentação saudável, Guia alimentar para a população brasileira, Manual de vigilância
alimentar e nutricional, Álbum de Antropometria, Alimentos regionais brasileiros e Tabela de
Composição de Alimentos (TACO) (BRASIL, 2003).
O setor de saúde tem funções muito específicas e importantes para o contexto da PNAN, pois cabe
a ele o diagnóstico individual e coletivo da situação de saúde e dos possíveis condicionantes dessa
situação; o princípio e a expansão das ações específicas para intervir sobre a situação, objetivando
a solução dos problemas identificados – promoção, prevenção, assistência e reabilitação – e
o monitoramento e acompanhamento dos resultados obtidos com as intervenções propostas
(Secretaria de Políticas de Saúde, 2000; SANTOS, 2007).
61
UNIDADE I │ Definindo Saúde Coletiva
Durante todo esse período, o SISVAN, na maioria dos municípios, era alimentado manualmente
e encaminhado para a esfera estadual e federal via papel. No ano de 2001, o Programa Bolsa
Alimentação substitui o Programa Incentivo de Combate às Carências Nutricionais, o que
possibilitou a ampliação no número de beneficiários, propondo ações de vigilância nutricional de
gestantes e crianças (BRASIL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.206, 2001).
Nessa época, o Estado de São Paulo desenvolveu um aplicativo para a vigilância nutricional de
crianças menores de cinco anos. Os dados eram coletados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)
dos municípios, registrados em planilhas, digitados no sistema e encaminhados mensalmente
ao Instituto de Saúde/Secretaria do Estado de São Paulo para a consolidação regional e estadual
(STEFANINI, 2002).
Em 2004, o Programa Bolsa Família foi criado com o objetivo de unificar os processos gestacionais
e de efetivação das ações de transferência de renda do Governo Federal. Nesse mesmo ano, foi
desenvolvido um aplicativo denominado de Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN) sob o
gerenciamento da Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição (CGPAN/MS) e a
responsabilidade de informatização do DATASUS. Esse sistema deveria ser implantado em todos
os municípios, objetivando acompanhar as famílias favorecidas pelo Programa Bolsa Família
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Segundo o Ministério da Saúde (2004), o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional foi concebido
a partir de três eixos, de modo a fomentar as seguintes ações:
Entre 2005 e 2006, foram realizadas capacitações em todos os estados brasileiros para a implantação do
aplicativo VAN, assim como orientações elementares para coletar, processar e analisar as informações
em serviços de saúde. A população-alvo passa a ser a clientela assistida pelo SUS, em qualquer fase da
vida – criança, adolescente, adulto, idoso e gestante (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Apesar de todo o esforço desenvolvido e das diversas pactuações realizadas com a Comissão
Intersetorial de Alimentação e Nutrição (CIAN) e o Conselho Nacional de saúde (CNS), na Comissão
Intergestores Tripartite (CIR) e, ainda, no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CONSEA) os resultados se mostraram insuficientes com uma cobertura muito pequena da
população-alvo (SANTOS, 2007).
62
Definindo Saúde Coletiva│ UNIDADE I
Para reforçar o compromisso do SISVAN, foi publicado o Decreto no 5.209 de 17/9/2004 que dispõe
sobre as atribuições e normas para a oferta de monitoramento das ações de saúde relacionadas às
condições das famílias favorecidas pelo Programa Bolsa Família (BRASIL. DECRETO No 5.209) e
a Portaria no 2.246 de 18/10/2004 que institui e divulga a implementação das práxis da Vigilância
Alimentar e Nutricional no contexto das atividades elementares do SUS (MINISTÉRIO DA SAÚDE.
PORTARIA no 2.246, 2004).
Cabe destacar que, ao longo da história, o papel do SISVAN ficou restrito às políticas sociais
e fundamentalmente como instrumento de triagem e acompanhamento de beneficiários de
programas de suplementação alimentar. Além disso, tem cobertura geográfica e populacional
restrita, exceto em algumas regiões. Porém, a importância do SISVAN não deve ser esquecida,
uma vez que o conhecimento do perfil nutricional e as condições de saúde de uma população
são informações valiosas, pois auxiliam principalmente os gestores a avaliarem e realizarem o
planejamento de ações em função da problemática da população visando à promoção e prevenção
da saúde (STRUFALDI, 2003).
O SISVAN tem obrigação de obter informações e dados da população assistida nos distritos sanitários
e nas unidades básicas de saúde para sustentar as melhorias das práticas de assistência individuais
e coletivas prestadas aos usuários dos serviços (ENGSTROM, 2002). Dessa forma, os serviços
de saúde são essenciais no sistema por serem o local de atuação de um conjunto de programas e
ações de saúde e nutrição. Além disso, têm a possibilidade estratégica de ser um dos espaços de
diagnóstico, monitoramento da situação alimentar e nutricional das coletividades, contribuindo
com a geração de informações confiáveis para a formulação de programas públicos de promoção à
saúde em alimentação e nutrição (ENGSTROM, 2002).
Nesse sentido, é necessário que os gestores e profissionais da área de Saúde tenham conhecimento de
suas funções e difundem a vigilância, ou seja, que tenham uma visão diferenciada a cada indivíduo,
ao grupo, à fase da vida. Os profissionais devem utilizar a informação gerada rotineiramente para
repensar a práxis em saúde, para dar qualidade à assistência fornecida àqueles indivíduos que no
dia a dia são atendidos na rede de saúde. Precisam dar valor ao estado nutricional do indivíduo
e da coletividade e empenhar-se no enfoque promocional da saúde em concordância à realidade
epidemiológica local (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
É dessa forma que a construção do SISVAN nacional pode contribuir para melhorar as condições de
saúde da população.
63
capítulo 2
A conjuntura atual da alimentação
e nutrição em saúde coletiva e as
políticas nacionais
A PNAN hoje
As políticas nacionais desempenhadas, as quais envolvem as perspectivas da alimentação e nutrição,
adquiriram nova direção a partir da LOSAN – Lei no 11.346, 2006, que instituiu o Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) (BRASIL, LEI no 11.346, 2006).
O SISVAN tem sua estrutura baseada em informações originadas no dia a dia da atenção básica
de saúde, especialmente, das equipes do programa de saúde da família, e é, na conjuntura atual,
64
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
utilizado como indicador dos alcances avaliados pelos administradores de saúde nas instâncias
estadual e municipal para a execução das metas de alimentação e nutrição apontadas no Pacto
Nacional de Saúde. As informações geradas pelo SISVAN fornecem o padrão nutricional de um
grupo social vinculado de maneira geográfica a uma determinada unidade de saúde, consolidando
sua vocação como programa sistematizado de informação local à segurança alimentar e nutricional
(BRASIL, PORTARIA no 1.156, 1990; ENGSTROM, 2007).
Estudo realizado por Silva e colaboradores (2002) mostra o quanto o setor de saúde pode, baseado
no procedimento de alteração dinâmica de dados sobre alimentação e nutrição, contribuir à
formação da opinião confiante sobre os princípios e recomendações da alimentação saudável. E,
nesta conjuntura, o cuidado básico se configura em um ambiente privilegiado para se alcançar a
promoção dos hábitos alimentares saudáveis (VASCONCELOS et al., 2008).
Os conceitos e recomendações do guia (BRASIL, 2008) foram referidos como proposta de Programa
Intersetorial de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável apontado pelo Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2007). Esta consonância ao redor da programação
de promoção da alimentação adequada e saudável configura-se como conteúdo de diálogo ostensivo
entre os movimentos sociais de SAN e da saúde coletiva (RECINE e VASCONCELLOS, 2011).
65
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
A gênese dos Centros de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, PORTARIA no 154, 2008),
objetivou a ampliação da abrangência das atividades de atenção básica, assim como a sua capacidade
resolutiva é marco importante na impulsão da instituição das atividades de nutrição nos serviços de
saúde. Entre as atribuições do nutricionista no NASF, encontram-se: atenção ao aspecto nutricional
nas diferentes fases de vida; aplicações direcionadas às demandas mais relevantes, como as
deficiências alimentares e desnutrições; planos terapêuticos nas doenças crônicas; desenvolvimento
e estimulo à produção e ao consumo dos alimentos saudáveis; organização intersetorial para
possibilitar hortas e pomares comunitários; gestão da referência e contrarreferência no atendimento
(BRASIL, PORTARIA no 154, 2008).
66
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
O LOSAN, em seu art. 6o, trata de forma explícita a SAN em um aspecto que abrange: “a promoção
da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se grupos populacionais específicos
e populações em situações de vulnerabilidade social” (BRASIL, LEI no 11.346, 2006).
67
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
Outra diretriz bastante relevante e referente ao âmbito da alimentação e nutrição no campo da saúde
é “Fortalecer as ações de alimentação e nutrição nos diferentes níveis de cuidado à saúde, articulado
às demais políticas de Segurança Alimentar e Nutricional”. Ela reitera aspectos de promoção da
alimentação saudável como eixo norteador das práticas implementadas pela PNSAN (BRASIL.
CONSEA, 2007), entendendo que a promoção da alimentação saudável incorpora desde a produção
até o consumo do alimento e deve ser consolidada nas diferentes fases de vida e níveis de cuidado
em saúde, articulada aos distintos setores do governo e da sociedade.
As ações decorrentes dessa diretriz deverão causar impacto nas nove esferas de ação:
68
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
O cenário futuro
A PNAN completou 10 anos e agregou importantes conquistas, assim como desafios apontados
no documento de subsídio (BRASIL, 2010). Ela foi constituída em decorrência das evidências
epidemiológicas importantes – que direcionaram a argumentação e a definição de suas diretrizes.
Embora não compôs uma fase de consolidação das justificativas do “estado mínimo”, deu valor
à intersetorialidade, criou conjuntura de contribuição da SAN e adotou o Direito Humano à
Alimentação Adequada como princípio (BRASIL, 2010). Apesar dos vários pontos de vista, a política
previu um conjunto de recomendações presentes na Estratégia Global para a Atividade Física e
Dieta, proposta posteriormente (WHO, 2004).
No campo da saúde, não devem ser adiáveis a expansão e a qualificação das práticas de alimentação
e nutrição no SUS, o que possibilita que a área da Saúde preencha e responda pelos compromissos
assumidos no desafio de promover a SAN da população brasileira. Uma intensa reflexão deve
acompanhar o esforço e a adequação da formação dos profissionais que trabalham em nutrição em
saúde coletiva caso se coloquem em uma posição de formulação e liderança (BRASIL, Resolução nº
01, 2009; BRASIL, 2009; 2010).
Enfim, o emprego político e toda a programação na área da alimentação e nutrição em saúde coletiva
congregam-se como uma porta de oportunidades relevantes em um contexto de explicações da
realidade e da caça de desfechos abrangentes para corresponder às complexidades da nutrição e da
inserção da alimentação na esfera dos direitos humanos na atualidade (RECINE; VASCONCELLOS,
2011).
69
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
70
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
A obesidade na infância é mais relevante que a adulta, porque em média 50% das
crianças que são obesas aos 6 meses de vida e 80% das crianças obesas aos 5 anos
de idade permanecerão com esta condição (ABRANTES; LAMOUNIER; COLOSIMO,
2002). Ademais, quanto mais acentuado e precoce é a sua eclosão, maior o risco de
subsistência na vida adulta, sendo mais graves as comorbidades a ela relacionadas
(MAGALHÃES; AZEVEDO; MENDONÇA, 2003). Dessa forma, os hábitos alimentares
possuem um relevante papel, porque são aliciados durante a infância, sedimentados
na adolescência e diretamente embrenhados ao risco na desenvoltura dessas
doenças crônicas na vida adulta (CAROLI; LAGRAVINESE, 2002).
71
UNIDADE II │ Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
O ambiente escolar não pode ser visto somente como um método eficiente para
gerar educação, e sim como uma identidade do ser humano preocupado com os
aspectos de saúde dos indivíduos que o compõem, bem como dos indivíduos que
se relacionam com a escola. Uma escola saudável necessita, consequentemente, ser
compreendida como um contexto essencial na geração de indivíduos autônomos,
participativos, críticos e criativos, que permita o escolar desenvolver suas
potencialidades físicas e intelectuais (SECRETARIA DISTRITAL DA SAÚDE DE SANTA
FÉ DE BOGOTÁ, 1997 apud PELICIONI; TORRES, 1999).
72
Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva │ UNIDADE II
3o passo: Elaborar estratégias informativas para as famílias das crianças e dos alunos
na promoção de alimentos saudáveis no ambiente escolar, com ênfase na sua
atribuição e relevância da participação neste processo.
73
Saúde Pública e Unidade iII
Saúde Coletiva
capítulo 1
Saúde pública e saúde
coletiva – campo e núcleo
O campo da saúde
Segundo Campos (2000), existe um raciocínio dialético em que a saúde coletiva é vista como um
pedaço do campo da saúde. Pode-se projetar o âmbito da saúde como uma fonte, na qual a saúde
coletiva seria uma parte, em distintos planos de inserção. Desses, pelo menos dois são comentados
neste artigo: a saúde coletiva, como movimento intelectual e moral; e a saúde coletiva como um eixo,
uma soma dos núcleos de saberes e práticas. Um eixo produzido em cooperação e inter-relações
com o contexto completo (CAMPOS, 2000).
A partir disso, Campos (2000) faz algumas reflexões: Qual seria o núcleo da saúde coletiva? O
suporte aos sistemas de saúde, à construção de políticas e à construção de modelos; a produção
de explicações para os processos saúde/enfermidade/intervenção; e, um traço mais pontual, a
produção de práticas de promoção e prevenção de doenças. Qual o sinal de identificação as saúde
coletiva? Possivelmente o seu foco em demandas da saúde com reflexos na saúde coletiva? Ou,
talvez, definir como uma práxis predominante, uma maneira de intervenção centrada na promoção
e na prevenção? (CAMPOS, 2000).
De qualquer modo, não o todo, mas uma parte. Um fragmento dinâmico e inserido que interfere no
campo da saúde em pelo menos dois planos. Horizontalmente, no aspecto que os saberes e práxis
integrariam parcela dos saberes e práxis dos profissionais da área e indivíduos da sociedade. Dessa
forma, os profissionais de saúde, os profissionais da clínica da reabilitação, do cuidado, todos, de
alguma forma, devem agregar em sua formação e em sua prática componentes da saúde coletiva.
Segundo Donnangelo (1976), há quase duas décadas se pode dar destaque ao movimento cultural
que ocorreu durante o movimento de reforma sanitária. Nessa visão, o objetivo da saúde coletiva é
causar influências às modificações dos saberes e das práticas de outros agentes, colaborando para
as mudanças do modo de cuidado e do raciocínio do funcionamento dos serviços de saúde em geral
(DONNANGELO, 1976).
74
Saúde Pública e Saúde Coletiva │ UNIDADE III
A outra inserção seria de forma verticalizada: a saúde coletiva ou também chamada de saúde
pública, como um campo específico de intervenção. Uma área específica, distante da clínica ou de
outras áreas de intervenção. Um campo institucionalizado e necessário de descrições formais, como
formação pública e privada dos núcleos de trabalho, meios corporativos, todo o acervo necessário
de uma área mais relevante do que o requerido por um movimento ideológico (CAMPOS, 2000).
O seu agente, quem seria e como operaria? Na saúde pública convencional o profissional sanitarista
é especialista solitário, que desempenhava intensamente seu trabalho em um sistema vertical e
autoritário. A principal característica do sanitarista, segundo a OPAS (1994), é a competência de
liderança, considerando que os cursos de formação devam desenvolver líderes para o setor de saúde.
Muitos autores apontam, inclusive, a supressão dos profissionais e das especialidades, visto que os
governos, as parcelas da sociedade e as equipes de saúde efetuariam as responsabilidades da saúde
coletiva (NUNES, 1998)
Uma possibilidade é refletir que o profissional da área de saúde coletiva, como o agente de saúde
pública, os profissionais com liderança, de acordo com os problemas e demandas em questão,
realize o trabalho em equipes multiprofissionais, mas com papel específico. Capazes de atuar tanto
em programas verticais, direcionados à promoção e à prevenção, e coordenados por eles, quanto
outros de estrutura matricial, intersetor; em que o sanitarista poderia ser um entre outros agentes.
No nosso país, ressalta-se o enfraquecimento da linha da saúde pública pensada como especialidade.
O instrumento formador em saúde coletiva tem dado privilégio à pós-graduação stricto sensu e a
cursos de extensão direcionados à equipe de trabalhadores em saúde em geral (NUNES, 1996),
em desvantagem da formação de especialistas e de residentes. Os critérios são indefinidos para os
distintos níveis e há controvérsia acerca dos conteúdos e, consequentemente, falta de controle sobre
a qualidade dos profissionais que são habilitados a atividades de saúde coletiva. Na situação de se
considerar o primeiro entendimento, a saúde coletiva, levando em conta sua inserção horizontalizada,
a qual é contrária a especialização, a efetuação da saúde coletiva e dos seus conceitos seria trabalho
de todos os profissionais de saúde e mesmo de toda a sociedade.
Na realidade, seria importante combinar as duas perspectivas: a questão da socialização dos saberes
e das práticas, assim como garantir a existência de especialistas potentes em produzir conhecimentos
mais elaborados sobre saúde pública e de intervir em situações mais complexas. (NUNES, 1996; 1998)
75
UNIDADE III │ Saúde Pública e Saúde Coletiva
Há um segundo aspecto a ser reforçado, reconhecer que a saúde é um valor de uso com o sentido
original que Marx (1985) concebeu ao conceito, no 1o volume de “O capital” (Marx, 1985). Pode-se
entender por “valor de uso” a utilização de bens ou serviços que tenham os indivíduos que vivem em
situações específicas. Nenhum individuo ou organização conseguiria comercializar uma mercadoria
sem valor de uso. O campo da saúde, mesmo no conceito de bem público, ou seja, quando é extinto o
aspecto mercantilizado, conforme ocorre no SUS, uma vez que se produz como direito universal e não
como valor de troca, mantém o caráter de valor de uso (MARX, 1985; BRASIL. LEI no 8.080, 1990).
O que se discute é que concerniria aos trabalhadores e aos usuários, a partir de seus interesses,
levando-se em conta os embasamentos teóricos da produção de saúde, tratar de construir projetos e
de levá-los à prática; objetivar a sedimentação dos determinados valores de uso, demonstrados sob a
forma das demandas, assim como os caminhos necessários para atendê-las. Uma luta sem resultados
prévios assegurados é contrária à razão dialética à racionalidade ou ao poder hegemônico. Os
submetidos interferem na dinâmica social, em particular ao tratar da alteração de valores. Uma vez
que os valores serão os pontos centrais das estruturas e as estruturas são produtoras e garantidoras
de valores, as modificações dos valores ressaltam as inadequações da sociedade e da história das
estruturas ultrapassadas, o que aumenta as condições de mudança (NUNES, 1996; 1998; CAMPOS,
2000; VALLA, 1999; VASCONCELOS, 1999).
76
Saúde Pública e Saúde Coletiva │ UNIDADE III
do coeficiente de alienação das pessoas? (PAIM, 1992; TESTA, 1993; CAMPOS, 2000). Sartre (1963)
apontava serialidade aos grupos que repetiam comportamentos condicionados por estruturas
ou valores hegemônicos. Contudo, citou a capacidade de construção dos grupos sujeitos, com
potencialidade de se relacionar a definições e condicionamentos de forma mais livre e, dessa forma,
levar em conta os fatores limitantes do contexto, o que criaria situações mais justas e democráticas.
Mas e a saúde coletiva produziria relações com isso? (TESTA, 1993; CAMPOS, 2000). Segundo
estudiosos relevantes da área, os focos não são mais os processos de cura, e sim os processos de
saúde e de reprodução social do paciente (PAIM, 1992; TESTA, 1993; CAMPOS, 2000).
Criar saúde para Basaglia (1985) implica a reprodução social do paciente, mais do que invenção
técnica, entendimento do exercício de cidadania e de participação social. No contexto da saúde
pública, pode-se trabalhar com o conceito de modificação das estruturas, do seu processo de
democratização e dos direitos, assim como da capacidade de refletir e da iniciativa dos sujeitos
individuais e coletivos. A reforma da saúde coletiva desloca a ênfase na valorização dos indivíduos e da
coletividade. Apesar disso, deslocar o foco ênfase não significava o abandono das outras dimensões.
De qual maneira produzir indivíduos saudáveis desconsiderando as doenças ou a possibilidade de
enfermar-se? Ou, ainda, sem analisar os aspectos estruturais, como o meio ambiente, as leis e os
contextos que os indivíduos estão inseridos?(PAIM, 1992; TESTA, 1993; CAMPOS, 2000).
É necessário investir não apenas na dimensão física/corporal dos indivíduos de acordo com
a tradição da saúde pública, como, por exemplo, a vacinação gratuita, mas também refleti-los
como indivíduos com direitos e proprietários do potencial de crítica, reflexão e eleição com maior
autonomia, relacionados aos modos de levar a vida (CAMPOS, 2000).
Nessa conjuntura, a ênfase dada na atualidade à saúde pública no combate aos determinados estilos
de vida (WHO, 1991), ainda que aparente reconheçam a presença dos cidadãos, não possibilita a
forma moralista e normativa da abordagem, uma vez que os setores a quem se direcionam essas
intervenções não sejam incorporados na construção ativa de modos de vida. Fazer a escolha entre
longevidade e prazer é um direito inalienável da pessoa humana, por exemplo. A coparticipação
no gerenciamento da inter-relação dos desejos, interesses e demandas das sociedades é status
essencial/vital à democratização e à construção de sujeitos saudáveis (CAMPOS, 2000).
77
UNIDADE III │ Saúde Pública e Saúde Coletiva
“O que pensávamos e fazíamos e o que ainda tínhamos por fazer. O ‘porquê’, o ‘o que’ e o ‘como’
de nossas ações. Buscava compreender esta realidade, contemplando as ações cotidianas e os
significados destas ações para os sujeitos. Queria ter ‘um como’ que permitisse uma compreensão
mais sistematizada das relações entre a prática e a teoria, entre o discurso e o que se realiza, entre
o instituído e o instituinte, entre a educação e a escolarização e entre o sujeito e o objeto [...].
Assim, buscando compartilhar minhas dúvidas, questionamentos e observações, e dialogar com os
envolvidos no projeto, priorizei o estudo das ‘falas’ destes sujeitos. Uma preocupação que perpassou
esta construção foi a relativa ao meu papel como sujeito/objeto desta investigação e à própria análise
qualitativa. Reconhecia o “caráter aproximado do conhecimento social”, em que se constrói a partir
de outros conhecimentos por meio da apreensão, da crítica e da dúvida, e que este conhecimento
era interessado, ou seja, ‘condicionado historicamente pela posição social do cientista e pelas
correntes de pensamento em conflito na sociedade’ (MINAYO,1993, p. 89). Identificava a questão da
‘inacessibilidade do objeto’, pois as ‘ideias que fazemos sobre os fatos são sempre mais imprecisas,
mais parciais, mais imperfeitas que ele’, e que então, sempre se teria uma ‘representação feita sob
determinado ponto de vista’ (MINAYO,1993, p. 90). Considerava, também, ser o conhecimento
‘fruto de um exercício de cooperação onde trabalhamos sobre as descobertas uns dos outros’ e de
que se tratava de problemática surgida de ‘interesses e circunstâncias socialmente condicionadas,
fruto de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos’. Ou, como
referido por Minayo (1993, p. 90), ‘nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido,
em primeira instância, um problema da vida prática. [...]’”.
78
Saúde Pública e Saúde Coletiva │ UNIDADE III
Site
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/CadernoVER_SUS.pdf#page=8>.
Articulação com o segmento estudantil da área da Saúde: uma estratégia de
inovação na formação de recursos humanos para o SUS (acesso em: 3/11/2012).
Livros
Celia Regina Pierantoni, Tania França, Ana Claudia Garcia, Maria Ruth, Thereza Varella
e Karen dos S. Cepesc/IMS/UERJ/Observarh. 155 p. 2012. Brasil, Recursos Humanos
na Saúde, Mercado.
79
UNIDADE III │ Saúde Pública e Saúde Coletiva
Roseni Pinheiro, Ricardo Burg Ceccim, Ruben Araujo de Mattos (Orgs) Ims / Uerj /
Cepesc / Abrasco 333p. – 2011 Brasil SUS -Educação Médica, Saúde Pública.
80
Para (não) Finalizar
Partindo do que foi exposto ao longo deste Caderno de Estudos e pensando no marco
conceitual exposto, seria pertinente levantar alguns questionamentos:
Qual a identidade da saúde coletiva no Brasil? Quais seus eixos de conhecimentos e de práticas?
Em que campo de interinfluência a saúde coletiva estaria inserida? Quem é o agente que faz saúde
coletiva? Haveria um agente especializado? Ocorreria um núcleo de conhecimento especializado
e um profissional/agente especializado encarregado de produzir ações de saúde pública? Haveria
necessidade social de formar um núcleo de saber? Não há dúvida de que os profissionais de saúde,
as instituições governamentais e a sociedade potencialmente produzem saúde coletiva. Todos os
que se relacionam com o processo e o cuidado em saúde se constituiriam agentes da saúde coletiva
ou saúde pública?
A educação em saúde
Segundo Morin (1921):
81
Para Não Finalizar
“a prática pedagógica da participação é uma prática que acolhe o outro como sujeito capacitado
de condições objetivas (que o fazem viver de determinado modo) e de representações subjetivas
(que o fazem interpretar o seu lugar no mundo)”. Alguns pressupostos são relevantes nessa base
conceitual: a curiosidade e vontade crítica; o diálogo, a autonomia e a afetividade.
Refletindo e analisando esses aspectos, Edgar Morin (2010) aponta componentes vitais e ainda atuais
para o contexto de ensinar e aprender. Referenciais definidos como “Sete saberes fundamentais” que
dão qualificação e orientação à definição de princípios para a ação educacional, conforme seguem
abaixo:
82
para não finalizar
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